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Perfil do bibliotecário, serviços e responsabilidades

*
na área de informação e formação profissional

Suzana Pinheiro Machado Mueller


Departamento de Biblioteconomia
Universidade de Brasília
70910 Brasília, DF

Resumo - O perfil de um grupo profissional é determinado pelo conjunto


de conhecimentos e competências necessários para o desempenho da fun­
ção atribuída à profissão. A área de atuação reivindicada pelos bibliotecá­
rios compreende, basicamente, responsabilidades com a preservação, tra­
tamento e disseminação da informação, mas apresenta, na verdade, muitos
aspectos e níveis. É uma área em expansão acelerada, motivada por mudan­
ças sociais e avanços tecnológicos, demandando atualização constante e di­
versidade muito grande de conhecimentos e competências. A estrutura de
formação profissional legalmente aceita, que permite como porta de entra­
da apenas o curso de graduação em biblioteconomia, não pode, sozinha,
preparar profissionais para todas as áreas consideradas como de atuação da
classe. A profissão teria mais chances de preencher com eficiência e rele­
vância seu papel social se ampliasse e diversificasse a estrutura de forma­
ção profissional hoje existente, associando-se a outras profissões que tam­
bém visam à satisfação de necessidades individuais de informação, criando
com elas uma classe única de profissionais.

Introdução

Entendo a expressão perfil profissional como o conjunto de conhecimen­


tos, qualidades e competências próprias dos integrantes de uma profissão. O
conceito assim entendido está intimamente ligado à idéia da função profis­
sional — o perfil é delineado pelas habilidades, competências e atitudes ne­
cessárias para o desempenho da função profissional. A discussão dos pro­
blemas ligados ao perfil profissiohal é, na verdade, a discussão da função
social da profissão, a qual, sujeita às influências do contexto, exige que a

* O mesmo tema foi objeto de trabalho apresentado no 1- Encontro Londrinense de


Biblioteconomia e Documentação, 7-9 Outubro, 1988.

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PERFIL DO BIBLIOTECÁRIO

prática profissional se modifique, para atender expectativas novas e diversi­


ficadas que emergem da sociedade. Da mesma forma, na medida em que no­
vos meios e técnicas se tomam disponíveis para o exercício da profissão,
tomam-se necessárias novas competências e atitudes.

O tema perfil profissional e a questão da formação profissional são


assuntos indissociáveis. Na discussão de um subtende-se o outro, pois os
traços almejados para compor o perfil fornecem as diretrizes para o estabele­
cimento dos objetivos dos currículos, a formulação do conteúdo dos progra­
mas e a escolha dos métodos de ensino.

No planejamento da formação profissional eficiente, o primeiro ponto a


considerar é a definição de função profissional, como entendida neste mo­
mento e como prevista para o futuro. Precisamos responder às perguntas:

- que funções profissionais são próprias do bibliotecário?


— que funções vêm sendo desempenhadas pelos bibliotecários no Bra­
sil?
— que outros campos de atuação também poderiam vir a ser próprios
da profissão?
- qual é, ou seria, p perfil profissional ideal do bibliotecário?

Respostas a essas perguntas são indispensáveis na avaliação de nossos


currículos, pois estabelecem os parâmetros para a ação educacional. No en­
tanto, há um problema angustiante, claramente perceptível em toda reunião
onde o assunto é discutido: não há consenso sobre nossa identidade. Não há
definição, acordada por todos, profissionais, sociedade e escola, sobre os li­
mites de nosso campo de trabalho. E este não parece ser um problema apenas
entre nós. Charles D. Patterson, em editorial de um fascículo do Journal of
Education for Library and Information Science, comemorativo ao cente­
nário da American Library Association e da instalação do primeiro curso de
biblioteconomia naquele país, diz:

“Neste memento, depois de mais de cem anos de existência de


uma associação organizada de bibliotecas, quando fazemos uma
pausa para comemorar o centenário dos cursos de bibliotecono­
mia neste país, ainda lutamos com o problema de identidade, de
quem somos, que fazemos, que ensinamos e como nos autodeno­
minamos.’’ (Patterson 1986)
*

* Nossa tradução.

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SUZANA P.M. MUELLER

A afirmação de Patterson desconcerta e desanima. Mas, em um segun­


do momento, podemos afirmar que existem, é claro, áreas de atuação na pro­
fissão onde a classe se situa confortavelmente. São os avanços, os novos
campos que se abrem, que parecem causar perplexidade, talvez porque o
sistema educacional não tenha absorvido esses campos, ou preparado profes­
sores e alunos para mudanças, ou talvez, porque assumir tais campos deman­
de novas atitudes.

A identificação das funções que temos assumido como profissionais, e


dos caminhos potenciais para o desenvolvimento da profissão, nos fornece
um panorama da diversidade do campo profissional. Os pontos mais visíveis
desse panorama são descritos a seguir.

A função da preservação

A preservação da cultura humana é, talvez, a função mais antiga e aceita da


profissão do bibliotecário. Na verdade, permeia todas as demais atividades
profissionais, na medida em que a biblioteca seria o local por excelência da
guarda dos registros gravados do conhecimento humano. A evolução dos
meios de comunicação, que aumentaram e continuam aumentando a possibi­
lidade do acesso à distância a informações cada vez mais complexas, junta­
mente com a democratização do acesso ao conhecimento, foiçou a expansão
do papel tradicional do bibliotecário/curador para incluir responsabilidades
pelo acesso a acervos e a dados remotos. Os bibliotecários, ou seja, a profis­
são, idealmente, organiza, em um sentido lato, todo o conhecimento humano
no total de bibliotecas e outras instituições sob sua guarda, com a responsa­
bilidade de tomar possível o acesso a todo esse conhecimento, seja qual for
a distância entre interessado e informação desejada. Hoje, a responsabilidade
pila garantia do acesso é pelo menos igual à responsabilidade pela preserva­
ção, e esse fato tem forçado a mudanças tanto na bagagem de conhecimentos
necessários quanto na atitude profissional.

A função da educação

A atividade de suporte à educação formal é outra faceta bastante aceita em


nossa função profissional. Sem dúvida, o bibliotecário visto como um pro­
fessor informal, responsável pelo uso correto de acervo e, principalmente,
pelo aprimoramento da mente dos usuários da biblioteca, é uma idéia por
demais conhecida de todos nós. Está presente nos currículos de formação
profissional pela forma como os cursos são ministrados, e é também visível
no desempenho profissional. Percebe-se o bibliotecário/professor principal-

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mente entre aqueles que trabalham em bibliotecas ligadas à educação, tais


como bibliotecas escolares, universitárias ou públicas que entre nós são
muito freqüentadas por estudantes. Mas também, o que é curioso, percebe-se
a mesma tendência em bibliotecas que atendem clientelas especializadas. A
origem dessa atitude talvez esteja no fato de ter a biblioteca pública em paí­
ses como a Grã-Bretanha, por exemplo, antecedido à escola pública, o que
certamente influenciou a preparação dos primeiros bibliotecários que lidaram
com o público em geral. Os traços marcantes do perfil do profissional que
atua nessas bibliotecas são muito semelhantes aos do professor, cuja preocu­
pação não é fornecer informação propriamente dita, mas orientar pessoas n/1
aquisição de conhecimentos e prepará-las para que possam, sozinhas, buscar
informações sempre que precisarem. A aceitação da responsabilidade do bi­
bliotecário na educação popular implica, necessariamente, uma bagagem de
conhecimentos e atitudes voltadas para isso.

Mais recentemente, variações desse papel têm surgido no Brasil, se­


guindo movimentos registrados nos Estados Unidos, França e Grã-Bretanha,
os quais atribuem às bibliotecas públicas e aos seus bibliotecários responsa­
bilidades de natureza um pouco diversa junto às populações carentes. Entre
essas novas interpretações da função profissional estão a responsabilidade
pela divulgação de informação necessária à sobrevivência — a chamada in­
formação utilitária — tais como as relacionadas à saúde ou aos direitos tra­
balhistas, por exemplo; responsabilidades de animador cultural; e responsa­
bilidade pela coleta e preservação de manifestações de cultura popular.

A aceitação do papel de professor informal pela classe bibliotecária e


pela sociedade é visível no Brasil, como atestam programas de ensino orien­
tados nesse sentido, tanto no nível de graduação quanto no de pós-gradua­
ção.

A função do suporte ao estudo e à pesquisa.

Outra interpretação bastante difundida da missão profissional percebe o bi­


bliotecário como responsável pelo fornecimento de fontes e itens de infor­
mação aos seus usuários. Seu papel é responder indagações, suprir informa­
ções, e outras atividades de suporte, sem que esse trabalho envolva intenção
de transferir ao usuário responsabilidade ou mesmo capacidade pela busca de
informações. Até mesmo a demanda pela informação, idealmente, é anteci­
pada pelo bibliotecário. Este é, por excelência, o bibliotecário especializado,
que trabalha para usuários também especializados, geralmerite envolvidos
com projetos técnicos ou de pesquisa. O perfil desse profissional deve ser

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semelhante ao de seus usuários, na medida em que é indispensável que co­


nheça o projeto para o qual trabalha, a literatura da área de interesse, e a lin­
guagem própria dessa área. Pesquisador, técnico e bibliotecário trabalham pa­
ra um fim comum, que é o objetivo da empresa, ou do projeto. Embora re­
conhecido como responsabilidade da profissão, esse serviço nem sempre é
prestado no nível e com a eficiência desejada. O trabalho desenvolvido junto
a usuários especializados só raramente difere do trabalho oferecido a leitores
de outras bibliotecas.

A preparação profissional para o nível de atuação requerido por usuá­


rios especializados é muito mais difícil do que aquela necessária à formação
do bibliotecário/professor ou do bibliotecário/curador. Exige conhecimentos
que vão além das técnicas biblioteconômicas, e, em muitos casos, além da
área das ciências humanas e sociais. Em outros países, essa preparação se dá
em nível de pós-graduação, quando o futuro profissional aprende técnicas
profissionais depois de já ter adquirido conhecimentos em uma determinada
área do saber. No Brasil, essa preparação geralmente acontece em serviço,
como consequência da experiência adquirida pelo bibliotecário ao longo dos
anos durante os quais trabalha com usuários especializados.

Na verdade, a plena participação do bibliotecário brasileiro e sua acei­


tação como parceiro de pesquisa parece ser restrita. Em artigo datado de
1983, Polke relata estudo que “visou obter melhor percepção quanto ao pa­
pel das bibliotecas/informação junto ao processo de criação/desenvolvimento
de tecnologia própria” (Polke 1983, p.3). Suas conclusões são desanimado-
ras. Ela cita estudo realizado em 1971, quando foram visitadas 522 empre­
sas. Dessas, 30 tinham biblioteca; 342 não tinham sequer livros técnicos;
dessas últimas 342, somente 16 declararam usar bibliotecas de outras insti­
tuições. Nas 30 empresas que tinham biblioteca, o número de bibliotecários
formados era de apenas cinco. No estudo de 1983, Polke nota que nas em­
presas multinacionais instaladas no Brasil, a atividade de pesquisa é mínima
ou totalmente ausente, pois geralmente é realizada nas matrizes, sediadas em
outros países.

Embora mal preenchido, e sem que haja estrutura de formação profis­


sional adequada para preenchê-lo, o espaço profissional representado pelas
bibliotecas e centros de informação e documentação especializados é reivin­
dicado pela classe bibliotecária como próprio. Também nessa área de servi­
ços à clientela especializada vem se abrindo um novo espaço para a ativida­
de profissional, muito promissor, mas ainda pouco explorado. Éo do consul­
tor autônomo, cujos serviços são colocados no mercado, à disposição de in­
teresses ou projetos específicos. Para que esse novo espaço possa ser ocupado
pelos bibliotecários será necessário prover meios de capacitação adequados.

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PERFIL DO BIBLIOTECÁRIO

Planejamento e administração de recursos informadonais

O planejamento racional e a administração eficiente de serviços de informa­


ção são. hoje reconhecidos como condição indispensável para tomar viáveis
não apenas os serviços em si, mas o desenvolvimento, e a disseminação do
conhecimento em todo o mundo. Isto se aplica a todos os serviços, .desde uma
pequena biblioteca servindo pequenas comunidades, até sistemas complexos
de informação, e envolve instituições de vários tipos e níveis, local, regio­
nal, nacional e internacional. E na medida em que se reconhece o direito e a
necessidade básica do cidadão de ter acesso à informação, cresce a respon­
sabilidade profissional no sentido de garantir políticas governamentais que
levem a isso. Os esforços que visam à formulação de políticas de informação
de alcance nacional e internacional estão naturalmente subentendidos nesse
quadro, e fazem parte da responsabilidade de uma profissão dedicada ao
tratamento e disseminação de informação.

A preparação profissional para os diversos níveis de planejamento, e de


administração e gerência, pela própria natureza dessas atividades, requer
condições nem sempre disponíveis ou viáveis nos cursos básicos de forma­
ção profissional. Se uma classe profissional assume todas essas responsabili­
dades, e pretende ainda exclusividade nessas responsabilidades, pressupõe-
se que ofereça também meios de capacitação adequados.

A atividade de pesquisa

A necessidade de ampliar os conhecimentos que sustentam a atividade pro­


fissional ou que a influenciam talvez seja a responsabilidade mais impor­
tante em todo o leque de atividades profissionais. Uma profissão não pode
progredir sem o amparo de pesquisas que busquem o entendimento dos fe­
nômenos e soluções para todo o espectro do que considera seu campo de
atuação. Na área de informação, isto envolve desde soluções de caráter
pragmático para problemas quotidianos até o entendimento de fenômenos
tais como a transmissão da informação, e absorção do conhecimento. Os re­
quisitos para a formação de pesquisadores são semelhantes em todas as áreas
do conhecimento humano. Mas é responsabilidade da profissão oferecer e
manter meios que produzam e estimulem a atividade de pesquisa.

Conclusão

As áreas e níveis de atuação acima esquematizados representam uma visão


da profissão bastante simplificada, que comportaria refinamento e expansão.
A intenção, no entanto, é deixar evidente, independentemente do ângulo

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pelo qual se considere o problema, a diversidade e complexidade das áreas


que vêm sendo consideradas próprias da profissão. Embora guardem entre si
o objetivo comum da preservação, coleta, tratamento e disseminação dos re­
gistros do conhecimento humano, é evidente que exigem profissionais com
perfis bastante diferenciados. Isto permite concluir que a preparação profis­
sional para as áreas de informação não pode ser única. Parece evidente a ne­
cessidade de formação em vários níveis e com possibilidades de habilitações
diversas. Uma estrutura que permita tal diversidade está se tomando indis­
pensável, e deve ser considerada seriamente pelos responsáveis pela forma­
ção de bibliotecários. O treinamento poderia então ser dirigido a pessoas
com formação e aptidões diversas, e realizado em níveis que iriam desde o
curso técnico até a pós-graduação formal, passando por cursos de aperfei­
çoamento e especialização.

O entendimento correto e atual de serviço de informação, no entanto,


não se esgota em serviços bibliotecários. Devemos considerar que necessi­
dades de informação não se restringem a formatos de apresentação ou de su­
porte, nem tão pouco a instituições físicas onde os serviços são prestados.
São várias as profissões cujas responsabilidades são semelhantes, isto é, se­
melhantes no sentido de que a característica comum é a preocupação com a
satisfação de necessidades individuais de informação, necessidades expres­
sas ou percebidas na comunidade. Isto leva a concluir que associação entre
essas profissões, tais como por exemplo, bibliotecários, arquivistas, infor-
matas e outros profissionais dedicados à disseminação de informação, seria
extremamente vantajosa para a sociedade.

Tal associação poderia se dar no sistema de formação profissional,


com o estabelecimento de uma estrutura que permitisse movimentação não
só no sentido vertical, como hoje existe, de bacharelado para mestrado
e dóutorado em uma mesma carreira, mas entre carreiras. Isto é, pessoas
com formação básica diversa poderíam cursar os demais níveis da estrutura
de formação profissional de quaisquer das áreas afins, com reconheci­
mento legal. Havería então não apenas a classe bibliotecária, mas uma clas­
se de profissionais da informação, da qual os bibliotecários fariam parte.
Essa classe se preocuparia com informações de todos os tipos, em qual­
quer suporte. Tal classe, sempre preocupada com necessidades individuais
e não de massa, não teria um perfil, mas vários, de acordo com a diversi­
dade de seu campo de trabalho. Essa nova classe estaria capacitada para
assumir plenamente as responsabilidades de preservação e transmissão do
conhecimento, e desempenhar papel realmente relevante na nossa socie­
dade.

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PERFIL DO BIBLIOTECÁRIO

Abstract - The profile of members of a profession is determined by the knowledge


and competencies needed to perform its professional function. Librarians have the ba­
sic responsibilities of preservation, treatment and dissemination of information. But the
total responsibility of the profession is not only much wider but is also expanding rapi­
dly, due to social and technology developments. Existing professional education struc­
ture in Brazil allows only one course as the legal entrance to the profession, which
cannot, by itself, provide for all aspects of the professional activity and social demands.
Association with similar professions, through the establishment of a common but di­
versified educational structure, could result in a much strong professional group, with
better chances of satisfying social needs.

Referências bibliográficas
PATTERSON. C.D. Editorial. Journal of Education for Library and Information
Science. 26(4): 211 -14,1986.
POLKE, A.M.A. Subdesenvolvimento, dependência tecnológica e informação. Citada
da Informação 12(2): 3-19,julJdez. 1983.

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