Mallarmé, Por Bandeira
Mallarmé, Por Bandeira
Mallarmé, Por Bandeira
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MANUEL
BANDEIRA
Seleta de Prosa
4a impressao
Organizaçiio de
Julio Castanon Guimariies
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EDITORA
NOVA
FRONTEIRA
Estudos litmirios 50 J
Ü CENTENAR!O DE STÉPHANE~*
..
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onfertncia . "'
pronunaada na Acadcmia Brasileira de Lcrras.
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504 MANUEL BANDEIRA: SE LETA DE PROS A
fllll
)06 :\ I J\NU H . Bi\N Dl ·.IR1\: Sl : LET,\ Dl : PROS,\
da. flore sta d e Fontainebleau, uma casinha onde passava as 1enas. c• . A sua
Vida era a mais discreta possfvel: nào ia a parte alguma, salvo os concer-
~os dominicais e a visita cfüiria, de volta do liceu, ao pintor Manet; nào
ava colaboraçao - .li teraria senào às pequenas revtstas
· d e novos e gratui -
. · Ia algumas vezes à casa de Hugo, que gostava d e O ch amar,
tamente
b
eliscand 0 1h . . • · "· · _
- e afetuosamente a orelha "mon cher poete 1mpress1onrste , avis
tava-se
tin frequentemente
·· · · d e l'I sIe Ad am,
corn Banville, ' que, corn Villiers
n· ham a preferência entre todos os confrades que admirava, e Mallarmé,
sao· bstante os seus pontos de vista e gosto tao - requmta· damente pes -
0
0
ais' po ssma· raro dom generoso da admiraçào, disttngum · · ·dO pron-
O
508 MANUEL BANDBI RA: SB LUTA Dll PR OSA
...
Garder mon aile dans ta main.
510 ~lt\N UL:.L UAN Dl~IRA: SE LET,\ DE PR OSA
0
gênero antigo da égloga. Por isso Thibaudet classificou-o na obra do
oeta como le morceau des connaisseurs.
p Pois bem, essa obra-prima, transparente em seu tema e tào limpida
de forma, foi recusada pelo leitor de Lemerre para o terceiro fasciculo
do Parnasse Contemporain. E sabeis quem era esse leitor? Anatole France.
o voto de France foi secundado por Coppée e venceu apesar do pro-
testo de Banville - Non, ponderou France, on se moquerait de nous! O
mesmo juri condenou um soneto de Verlaine. Que soneto? Aquele in-
cluido depois em 5agesse, que começa pelo verso famoso: Beauté desjenmi'es,
/eurfaiblesse et ces mains pâles... A sentença de France: Non, l'auteur est indigne
el /es vers sont des plus mauvais qu'on ait vus. Cabe lembrar aqui a diferença de
tratamento dispensada a Verlaine por France e por Mallarmé. France,
cuja libertinagem de autor e de hornern todos conhecemos, puritanissirno
diante dos erras de seu desgraçado confrade; Mallarmé, tào puro ern sua
ane e na sua vida, salvo o leve pecadilho corn Méry Laurent, mais tema de
luminosos sonetos do que evasào na sensualidade, compreendendo fra-
ternalmente a atirude do hornern e até exaltando-a corno a unica nurna
época em que o poeta esta fora da lei: a de aceitar todas as dores e todas
as rrùsérias corn urna tào soberba crânerie. Mallarmé e Verlaine foram ex-
cluidos do Parnasse, onde tiveram enttada D'Artois, Delthil, Dujolier, Marc,
Marrot, Grandmoujin, Pigeon e Popelin. J:i ouvistes falar nesses nomes?
Nào, decerto. Entào moq11ons-no11S d'Anatole France.
0 poeta, tào atorrnentado na sua ingrata labuta de professor que
todas as tardes ao voltar do liceu nunca attavessava a ponte sern que o
assaltasse a vontade· de acabar corn a vida atirando-se ao Sena, viveu
desconhecido e solit:irio até que o retrato enrusi:istico de Verlaine em Les
Poètes maudits e as paginas de Huysmans em  Rebours vieram revel:i-lo
ao grande pûblico. Se a compreensào nào chegou, todavia a partir de
entào, em 84, Mallarmé corneça a sentir em torno de si a veneraçào de
urn_grupo de moços que o afeiçoam como um idolo. 0 mestre recebia-
m as~ças-,eu:as.
dade. c· ·
Quem quiser sentir o encanto dessas_n~ttes de tntt~-
· · ·
Ma tntelectual com o poeta nào tem mais que Ier as pagtnas de Camille
ucJair no seu livro Mallarmé chez /11i. O proprio Mallarmé vinha abrir a
P0 rta ao ..
s VIsttantes e inttoduzia-os nurn aposento que era ao mesmo
tempo sat·
tn. . ao e sala de jantar: urn fogào de faiança a urn canto, alguns
0
veis de · d
China . nogueu:a e ao centto urna mesa onde pousava urn vaso a
d• cheio de tabaco; nas paredes urna paisagem de rio de Monet, um
,senho d M .
0 te e anet representando Harnlet, uma agua-forte de Whistler,
urn ~ ~ • L n
m.auarme •
por Manet, urna aquarela de Ber thM'
e onssot e
Pastel d fl . .
lltn e ores ptntado por Odilon Redon; sobre o guarda-louça
gesso de R~.J:_ . azinh
•=wu, ntnfa nua agarrada por urn fauno, e uma escultur a
5 12 MANUEL BAN DEIRA: SELETA DE PROSA
a sua 'e're immédiat. Eis um bom exemplo da sua sin taxe. Falando da
11,, carac,,
?
Academia francesa, prezad~ tào al~o qu~ ato de a nivelar às outras
tasses do Instituto lhe parecta de mao polit1ca e sacrilega, começou corn
:stas palavras: Lz plus haute institution puisque la "!)'auté finie et les empires,
'(Jve, superbe, rituelle est, n'attendez la Chambre représentative, directe, du P'!Ys si
~e autre dure que tarder à nommer parait irrespectuex, l'Académie. Esse curto
periodo resume todo o processo mallarmeano de composiçao, de or-
ganizaçao de um sistema de incidentes em tomo de uma idéia e tenden-
do nao à cadência redonda, mas a um remate agudo como o bico da
pena pingando o ponto final. Este ultimo processo, tào inabitual na pro-
sa francesa desde a reforma de Guez de Balzac, é freqüentissimo em
Mallarmé. A anilise do segredo é alias facil: um substantivo, de uma ou
duas silabas, separado de sua regência por uma longa incidente, termina
bruscamente o periodo: A côté de l'Amérique que vous et moiportons haut dans
notre estime (il est, hélas! comme un pt!Js dans unP'!Ys),j'en sais une àjamais offusquée
par cet état trop vif, Poe... Outro exemplo: Constater que la notation de vérités ou
de sentiments pratiquée avec une justesse presque abstraite, ou simplement littéraire
dans le vieux sens du mot, trouve, à la rampe, la vie.
M Todos esses traços pessoais de sintaxe dificultam a leitura de
al allarmé,_ ~as essa espécie de obscuridade se dissipa depressa corn
pranca do autor. Afinal a sintaxe é um habito, e como condenar
por IIUnt ligi' .
06 ·a1 e veis as singularidades do poeta em nome de uma sintaxe
sinCl que admite o anacoluto? A sintaxe de Mallarmé reagiu contra a
de t:ocpe corrente do século XIX para acentuar os mil cambiantes do ato
ensar a . .
forrnas d ' os quats correspondiam nos séculos antenores outras tantas
lingu e construçào, ricas de expressividade, e infelizmente banidas da
no . poagem , . escrita em nome de uma clareza tào empobreced ora d o mtste- · '
ettco da palavra.
0 . de arte a que poeta sacrificou maten·a1mente
a SUa Vidaustero _ conce.ito O
bagatela a,naoadmi·t:J.u nunca outra diversào senào aquelas dli. e Ciosas
v-..''"¾os . s Por ele ch d . b c
ama as vers de czrronstance-. para cele rar restas e aru- .
lltn 1:llVr ' Para envtar · um presente - flores ou frutas, ovos- d e-pascoa, '
0
' Utn le
........____ que, um tettato, Malfatmé fa,;,-o sempte acompanhat
f 14 MANU IIL UANDEIRA : Sl:J.bTi\ DL PROS,\
Au cinquante-cinq, avenue
Bugeaud, ce gracieux Helleu
Peint d'une couleur inconnue
Entre le délice et le bleu.
A casa n° 9 do Boulevard Lannes ficou imortalizada em varias
quadras, tanto quanto em vârios sonetos, fulgurantes e sibilinos, a sua
locatiria, por quem O coraçào do poeta ardeu numa chama, de que fez
confidente a administraçào dos Correios. Pois nào é confidência clizer:
j 16 MANL' H ll 1\ NDUl< 1\: SI U ·Tt\ Dl l' HU!11\