Paula de Paiva Villasbôas

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Paula de Paiva Villasbôas

A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NO PROCESSO


DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL. ESTUDO DE CASO
DO PORTO DA BARRA LTDA., FLORIANÓPOLIS, SANTA
CATARINA.

Tese apresentada ao programa de Pós-


Graduação da Universidade Federal de
Santa Catarina para a obtenção do grau
de Doutor em Engenharia de Produção
sob orientação do Prof. Luiz Fernando
Jacintho Maia, PhD.

FLORIANÓPOLIS

2003
2

PAULA DE PAIVA VILLASBÔAS

A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NO PROCESSO


DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL. ESTUDO DE CASO
DO PORTO DA BARRA LTDA., FLORIANÓPOLIS, SANTA
CATARINA.

Esta tese foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Doutor em Engenharia de
Produção no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da
Universidade Federal de Santa Catarina.

Florianópolis, 29 de maio de 2003.

Prof. Edson Paladini, Dr.


Coordenador do Programa

BANCA EXAMINADORA

Prof. Luiz Fernando Jacintho Maia, PhD Prof. João de Deus Medeiros, PhD
Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina
Orientador

Prof. Harrysson Luiz da Silva, Dr. Prof. João Bosco da Mota Alves, Dr.
Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Lauro Roberto Witt da Silva, Dr. Prof. Cláudia Regina dos Santos, Dra.
Fundação Universidade Federal do Rio Grande Ministério Público Federal

Prof. Márcia Machado, Dra.


3

Dedico esta tese a Deus,


por ter me concedido as condições
necessárias à realização deste trabalho.
4

Agradeço:

Aos meus pais, Luiz Romero Jardim Villasbôas e Clarisse de Paiva Villasbôas,
pelo apoio, amor, e paciência dispensados a mim, principalmente durante estes
quatro anos de doutorado;

Aos meus avós paternos, Jacy Jardim Villasbôas e Raul Jardim Villasbôas (in
memoriam), aos meus avós maternos, Argentina Vieira de Paiva e Paulo Ari de
Paiva (in memoriam), pelos exemplos de vida e sabedoria;

A Rodrigo de Paiva Villasbôas, Andrea Villasbôas Malburg e Túlio Malburg,


pelo carinho, apoio e incentivo;

Aos meus sobrinhos adorados Eduardo Villasbôas, Bárbara e Guilherme


Villasbôas Malburg, por alegrarem minha vida;

Ao meu orientador, Luiz Fernando Maia, pelo apoio e incentivo;

À amizade daqueles que conheci no decorrer do curso do mestrado e doutorado


da UFSC, João Zaleski Neto, Guilherme Miranda, Roberto Akerman, Lauro
Witt, Gláucia Prates, Márcia Machado, Cândido Bordeaux, Simone Santos
Guimarães, Hélida Pêgas, João Macedo, André Boclin, Sérgio Zampieri, Edson
Silva, Pedro Paulo Andrade, Ester Eloísa Addison, entre outros.

À colaboração das seguintes pessoas, para a realização do estudo de caso:


Alécio Neves, Ari Santana, Ivo Silva, Dilnei Bittencourt, Márcia Biela, Cláudia
Regina dos Santos, Luis Vinatea Arana, e Grover Alvarado;

Aos professores João de Deus Medeiros, Harrysson Luiz da Silva e Sandra


Baasch, pelas contribuições feitas ao trabalho antes da defesa final.

À Universidade Federal de Santa Catarina, pelo apoio institucional.


5

"To me success means effectiveness in the world, that I am


able to carry my ideas and values into the world - that I am
able to change it in positive ways."
M. H. Kingston
6

RESUMO

VILLASBÔAS, Paula de Paiva. A importância da participação pública no processo de


avaliação de impacto ambiental. Estudo de Caso do Porto da Barra Ltda., Florianópolis,
Santa Catarina. 2003. 192f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção). Programa de
Pós-Graduação em Engenharia de Produção, UFSC, Florianópolis.

A participação pública em Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) é amplamente


reconhecida como um elemento fundamental ao processo. Em muitos países têm sido
feitos esforços para tornar a AIA um procedimento colaborativo, no qual dados
científicos e técnicos são centrados nos interesses dos diferentes atores, levando a um
aumento na transparência dos processos administrativos e a debates relacionados com o
papel ativo do público na democracia e na tomada de decisão. O objetivo desta tese é
destacar o papel essencial do envolvimento e da participação para o processo de
Avaliação de Impacto Ambiental, visando a melhoria da participação dos atores no
sistema brasileiro de AIA. Neste sentido, apresentam-se as etapas e atividades do
processo de AIA, identificando aquelas nas quais a participação pública é viável e
necessária. O sistema brasileiro de AIA é analisado, especialmente os aspectos
relacionados à legislação e regulamentações, estrutura institucional, e à prática da AIA
no país. São identificados diversos meios, incluindo técnicas e metodologias que
podem ser utilizadas para promover um envolvimento e participação pública mais
efetiva. Realizou-se um estudo de caso do projeto Porto da Barra Ltda., submetido ao
processo de Avaliação de Impacto Ambiental junto ao órgão estadual de meio ambiente
no ano de 1994. Este projeto se destacou pelo fato do empreendedor promover uma
ampla participação pública antes da realização do EIA/RIMA e da audiência Pública.
Através do estudo de caso é possível constatar o papel fundamental da participação
pública no processo de AIA, bem como a importância da atuação das ONGs
ambientalistas, principalmente no sentido de aprofundar os estudos de impacto
ambiental e permitir a inclusão de questões e interesses que de outra forma não seriam
considerados. A pesquisa conclui que é preciso que as melhorias no processo de AIA,
principalmente as relacionadas ao envolvimento e participação pública, sejam
realizadas no nível da política ambiental, das instituições governamentais e da
legislação. Estas melhorias incluem a participação pública desde a etapa de escopo, o
uso de outros canais de participação além das audiências públicas, a educação das
comunidades visando o processo de AIA e não apenas o projeto, e a utilização da
mediação e resolução de disputa ambiental para auxiliar a resolver conflitos em casos
complexos.

Palavras-chave: Avaliação de Impacto Ambiental, participação pública, sistema


brasileiro de AIA.
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ABSTRACT

VILLASBÔAS, Paula de Paiva. A importância da participação pública no processo de


avaliação de impacto ambiental. Estudo de Caso do Porto da Barra Ltda., Florianópolis,
Santa Catarina. 2003. 192f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção). Programa de
Pós-Graduação em Engenharia de Produção, UFSC, Florianópolis.

Public participation in Environmental Impact Assessment (EIA) is widely recognized as


a fundamental element of the process. Many countries have been trying to turn the EIA
process towards a more collaborative one, whereby scientific and technical data are
centered on the interests of the different actors, increasing the transparency in
administrative processes and fostering debates concerning the active role of the public
in democracy and decision-making. This dissertation aims to point out the essential role
of public involvement in the Environmental Impact Assessment process, in order to
improve the participation of the stakeholders in the Brazilian EIA system. To reach its
objectives this dissertation shows the EIA stages and activities, identifying those in
which public participation is possible and even necessary. The Brazilian EIA system is
analyzed, mainly with regards to the aspects related to legislation and regulation,
institutional structure, and practice. Several ways of promoting a more effective public
participation are identified. A case study is performed (Porto da Barra Ltd.), whose
environmental impact report was submitted to the state environmental agency in 1994.
That case was the first project in the municipality of Florianopolis, fostering public
involvement and participation before the preparation of the EIA report. The case study
shows the role of public participation in the EIA process, as well as the importance of
Non-Governmental Organizations, mainly in deepening the environmental impact
studies and in the inclusion of interests and issues which otherwise would not be
considered. This research concludes that improvements in the EIA process should be
included in the environmental policy and at the legislative level. Some of these
improvements relate to public participation in the scoping stage, the use of other
participation channels beside public hearings, public education focusing on the EIA
process, and not only on the project and the use of mediation as well as environmental
dispute resolution in helping resolve complex cases.

Key-words: Environmental Impact Assessment, public participation, Brazilian EIA


system.
8

SUMÁRIO

Lista de Figuras........................................................................................................ 9
Lista de Quadros....................................................................................................... 9
Lista de Siglas........................................................................................................... 10

1 Introdução............................................................................................................. 13
1.1 O processo de demarcação do fenômeno................................................. 13
1.2 Caracterização do Problema..................................................................... 20
1.3 Objetivos.............................................................................................................. 22
1.3.1 Objetivo Geral....................................................................................... 22
1.3.2 Objetivos específicos................................................................. 22
1.4 Hipótese.................................................................................................... 22
1.5 Justificativa............................................................................................... 23
1.6 Procedimentos metodológicos.................................................................. 24
2 As Etapas da AIA e a Participação Pública...................................................... 28
2.1 A triagem (screening) e a definição do escopo (scoping)........................ 31
2.2 Dos estudos de base à tomada de decisão sobre a AIA............................ 38
2.2.1 A identificação, previsão e avaliação dos impactos.................. 40
2.2.2 A mitigação e o gerenciamento dos impactos........................... 47
2.2.3 A preparação e revisão do relatório de AIA............................ 48
2.2.4 A tomada de decisão................................................................. 54
2.3 O acompanhamento da AIA: o monitoramento e a auditoria................... 57
3 O Sistema de AIA no Brasil................................................................................ 63
3.1 A AIA e a Política Nacional do Meio Ambiente..................................... 63
3.2 A estrutura institucional para a AIA no Brasil......................................... 66
3.3 Legislação e regulamentações sobre a AIA............................................. 73
3.4 A Resolução CONAMA nº 1/86 ............................................................ 76
3.4.1 As diretrizes gerais e o conteúdo do EIA/RIMA....................... 83
3.4.2 A responsabilidade de elaboração do EIA/RIMA..................... 85
3.4.3 O Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA)............... 87
3.4.4 A participação pública no processo de AIA.............................. 88
3.5 O papel dos atores envolvidos em AIA.................................................... 92
3.6 A implementação da AIA na prática........................................................ 102
4 O Envolvimento e a Participação Pública em AIA........................................... 108
4.1 A consulta e a participação pública em AIA............................................ 108
4.2 A educação pública para o processo de AIA............................................ 119
4.3 A educação crítica e a aprendizagem no processo de AIA...................... 126
4.4 Os mecanismos de participação pública propostos no Brasil.................. 131
4.5 O papel das ONGs no processo de AIA.................................................. 134
4.6 O papel da mediação no processo de AIA.............................................. 137
5 Estudo de Caso: Porto da Barra Ltda................................................................ 141
5.1 Descrição do projeto................................................................................ 141
5.2 Cronologia dos eventos............................................................................ 147
5.3 O envolvimento e a participação pública no caso Porto da Barra Ltda... 162
5.4 Identificação das opiniões,valores e preocupações dos atores principais 164
9

5.5 Principais impactos e aspectos técnicos do empreendimento.................. 170


6 Análise e Discussão do Estudo de Caso.............................................................. 185
7 Conclusões e Recomendações.............................................................................. 193

Referências
Anexos

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Localização do empreendimento Porto da Barra Ltda................................ 143


Figura 2: O Canal da Barra e o terreno do empreendedor.......................................... 143
Figura 3: A implantação do empreendimento e seu entorno...................................... 144

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Vantagens e desvantagens de instrumentos para a identificação de


Impactos.................................................................................................................... 44
Quadro 2: Atores envolvidos na AIA e seus interesses........................................... 109
Quadro 3: Técnicas para o envolvimento público................................................... 120
Quadro 4: Inventário de técnicas de envolvimento público.................................... 121
Quadro 5: Lista de técnicas de educação pública para a AIA................................. 123
Quadro 6: Descritores do método Freireano........................................................... 128
Quadro 7: Técnicas de participação usadas na Tchecoslováquia............................ 136
Quadro 8: Preceitos e princípios da Resolução de Disputa Ambiental................... 140
Quadro 9: Atores no Caso Porto da Barra Ltda....................................................... 142
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LISTA DE SIGLAS

AAE – Avaliação Ambiental Estratégica

ACP – Ação Civil Pública

AHP – Analytic Hierarchy Process

AIA – Avaliação de Impacto Ambiental

AIC – Avaliação de Impactos Cumulativos

AIS – Avaliação de Impactos Sociais

AISA – Avaliação de Impactos na Saúde

AMOLA – Associação de Moradores da Lagoa da Conceição

ANA – Agência Nacional de Águas

ARA - Avaliação de Risco Ambiental

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

BIRD – Banco Mundial

CASAN – Companhia Catarinense de Águas e Saneamento

CELESC – Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A.

CIDASC – Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina

COMCAP – Companhia Melhoramentos da Capital

CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente

CONDEMA - Conselhos Municipais de Meio Ambiente

CONSEMA – Conselho Estadual de Meio Ambiente

DER – Departamento de Estradas de Rodagem

DM - Departamentos Municipais de Meio Ambiente

DPU – Defensoria Pública da União


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EIA – Estudo de Impacto Ambiental

EIA (inglês) – Environmental Impact Assessment

EU – European Union

EUA – Estados Unidos da América

FATMA – Fundação do Meio Ambiente

FLORAM – Fundação Municipal de Meio Ambiente

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

INMET – Instituto de Nacional de Meteorologia

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico Nacional

IPUF – Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis

LP ou LAP – Licença Prévia ou Licença Ambiental Prévia

LI ou LAI – Licença de Instalação ou Licença Ambiental de Instalação

LO ou LAO – Licença de Operação ou Licença Ambiental de Operação

MMA – Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal

MPF – Ministério Público Federal

NEPA – National Environmental Policy Act

OEMA – Órgão Estadual de Meio Ambiente

PBA – Plano Básico Ambiental

PCA - Plano de Controle Ambiental

PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente

PRAD - Plano de Recuperação de Áreas Degradadas

RCA - Relatório de Controle Ambiental

RIAM – Rapid Impact Assessment Matrix

RIMA – Relatório de Impacto no Meio Ambiente


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SEMA – Secretaria Estadual de Meio Ambiente

SIAM – Spatial Impact Assessment Methodology

SIG – Sistemas de Informações Geográficas

SINDIPESCA – Sindicato dos Pescadores da Grande Florianópolis

SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente

SM - Secretarias Municipais de Meio Ambiente

SUSP – Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos

OECD – Organization for Economic Cooperation and Development

TBT – Tributiltin

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

UNISINOS – Universidade Do Vale do Rio dos Sinos

UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí

UNEP - United Nations Environmental Programme


13

1 INTRODUÇÃO

1.1 O processo de demarcação do objeto de pesquisa

O final da década de 60 caracterizou-se por um período de crescimento econômico


acelerado, no qual grandes projetos foram iniciados no Brasil, causando sérios
problemas ambientais. A Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) foi um dos
instrumentos de política e gestão ambiental que surgiram no mundo a partir desta época,
e tem sido muito debatido e adotado também no Brasil, pelo fato de incorporar aspectos
técnico-científicos e circunstâncias políticas, e seus princípios poderem ser adaptados a
diferentes estruturas legais e administrativas.
A adoção da Avaliação de Impacto Ambiental no Brasil e em países mais
desenvolvidos teve motivações distintas. Os países desenvolvidos implantaram a AIA
devido a pressões sociais e ao avanço do movimento ambientalista, enquanto que no
Brasil ela foi adotada em primeiro lugar por causa das exigências de organismos
multilaterais de financiamento como o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e o Banco Mundial (BIRD).
A primeira avaliação ambiental no Brasil foi realizada em 1972, por exigência do
Banco Mundial para o financiamento da barragem e usina hidrelétrica de Sobradinho,
na Bahia. Outros projetos foram submetidos à AIA na década de 70 e início da década
oitenta, como a usina hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, e o terminal porto-ferroviário
Ponta de Madeira, no Maranhão, ponto de exportação do minério extraído pela CVRD,
na Serra dos Carajás. Até 1986, vários projetos dependentes de financiamento externo
foram objeto da AIA, embora não se tenha submetido os resultados dos estudos aos
órgãos de controle ambiental. As avaliações iniciais eram realizadas por consultores
estrangeiros e segundo as normas de agências internacionais, uma vez que o Brasil
ainda não possuía normas ambientais próprias. Posteriormente, foram sendo envolvidos
grupos de especialistas brasileiros, instituições de pesquisa e firmas de consultoria
nacionais (Moreira, 1989). Os primeiros estudos de impacto ambiental (EIA) não
forneceram informações adequadas para que os tomadores de decisão pudessem impedir
a degradação ambiental dos respectivos projetos, pois não havia uma legislação
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específica, nem liberdade de expressão que permitisse a opinião pública se manifestar


(Barbieri, 1996).
Para Moreira (1989) a Avaliação de Impacto Ambiental é considerada um
instrumento de caráter preventivo para a execução da política e da gestão ambiental,
que se destina ao planejamento de uma determinada atividade capaz de modificar o
meio ambiente ou que venha a utilizar os recursos naturais de forma intensiva, e
fornece subsídios para a tomada de decisão quanto às alternativas de sua
implementação. O fator mais importante para a sua ampla aceitação provavelmente é o
caráter democrático da AIA, cuja adoção demanda o envolvimento e participação da
sociedade nas decisões governamentais, bem como a acessibilidade pública às
informações sobre um projeto e seus impactos ambientais. No entanto, Dias e Sánchez
(1999) afirmam que a eficácia da AIA vem sendo continuamente colocada em dúvida,
e alega-se que o instrumento tem sido utilizado apenas para legitimar decisões já
tomadas, em vez de subsidiar a tomada de decisão por parte do poder público.
A AIA se constitui em uma metodologia formada por um conjunto de procedimentos
de natureza técnico-científica e administrativa, destinados em primeiro lugar à análise
sistemática dos impactos ambientais de um projeto. Esses procedimentos devem
assegurar que os resultados dessa análise influenciem a decisão de realizar ou não o
projeto. No caso da sua realização, é necessário que os procedimentos garantam a
adoção das medidas necessárias para controlar os efeitos ambientais previstos. Portanto,
os resultados, dados e informações sobre o projeto devem ser apresentados de forma
compreensiva a todos: os órgãos governamentais que tenham relação com o projeto,
principalmente aqueles responsáveis pela proteção do meio ambiente; as pessoas e
grupos sociais que serão diretamente afetados pelo projeto ou que se preocupam com a
conservação dos recursos ambientais a serem utilizados; a classe política e o público em
geral.
Enquanto instrumento de política e de gestão, a AIA tem como finalidade viabilizar
o uso dos recursos naturais e econômicos dentro dos processos de desenvolvimento. Ao
promover o conhecimento prévio, a discussão e a análise imparcial dos possíveis
impactos ambientais positivos e negativos de um empreendimento, a AIA deve fazer
com que alguns danos sejam evitados, outros sejam corrigidos, e que benefícios sejam
otimizados, tornando as soluções mais eficientes. Através do aprimoramento do escopo
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e da qualidade dos dados, da divulgação das informações e do acesso aos resultados dos
estudos, a AIA deve possibilitar a identificação e o gerenciamento dos conflitos de
interesse dos diferentes grupos ou atores sociais (Moreira, 1989).
Conforme Moreira (1989), o processo de AIA apresenta duas vertentes: uma
técnico-científica e outra político-institucional. A vertente técnico-científica consiste
nos estudos de impacto ambiental propriamente ditos – os métodos, as técnicas, as
pesquisas e os dados vinculados à previsão dos impactos prováveis gerados pelas ações
das diversas etapas de implantação de um projeto e suas alternativas: o planejamento, a
construção, a operação e a desativação, sempre que as características da atividade a ser
desenvolvida o justifiquem. Por outro lado, a análise dos impactos ambientais implica a
abordagem dos diversos fatores que compõem o meio ambiente, ou seja, o ar, a água, o
solo, os seres vivos; e também os fatores relativos aos valores sociais e à qualidade de
vida, como a saúde pública, a economia, a educação, a cultura, as condições de
habitação e de transporte, os bens históricos, a paisagem, etc. Além disso é necessário
que se estude as interações entre todos esses fatores, investigando-se os processos pelos
quais a alteração em um deles venha a se refletir nos demais.
A vertente político-institucional diz respeito aos procedimentos administrativos e ao
aparato legal e burocrático que os regulam. As condições do processo de AIA são
determinadas pelos princípios e objetivos da política ambiental vigente, pelas
instituições governamentais e pela legislação protetora do meio ambiente. A aplicação
da AIA pode ser estabelecida para:
• projetos individuais – uma unidade industrial, uma rodovia, uma lavra de minério,
uma estação de tratamento de esgotos, etc.
• planos de desenvolvimento – um novo distrito industrial, o aproveitamento turístico
de uma área costeira, um plano de renovação urbana, etc.
• políticas ou programas mais amplos – uma proposta legislativa para regular o uso de
agrotóxicos, um programa de desenvolvimento de alternativas energéticas, um
programa de desenvolvimento econômico regional, etc.
O escopo e a abrangência dos estudos são indicados pela opção política quanto ao
grau de controle ambiental que se quer garantir, aos fatores ambientais considerados e
aos recursos prioritariamente protegidos.
16

Para Sankoh (1996), embora a AIA forneça uma metodologia de avaliação, sua
aplicação é inevitavelmente política. Conseqüentemente, o escopo, o tempo e o
conteúdo dos procedimentos de AIA são largamente influenciados em todo o mundo por
várias medidas legislativas e administrativas. Por este motivo, se não existem
oportunidades para revisão pública a AIA fica exposta à captura por parte de interesses
do governo.
Segundo o UNEP (1996), nos anos iniciais da AIA, eram considerados impactos
ambientais os impactos sobre meio ambiente natural, biofísico (tal como efeitos sobre a
qualidade do ar e da água, flora, fauna, níveis de ruído, clima e sistemas hidrológicos).
A institucionalização da AIA, com a sua descoberta pelo público e com os processos de
consulta, atraiu indivíduos, grupos e agências que queriam a incorporação de outros
tipos de impactos dentro das decisões. A evolução do termo ‘ambiente’, a qual tem
crescentemente sido ampliada para incorporar aspectos sociais e outros também ajudou
a inclusão de outros tipos de impacto. Em 1994, o Comitê de Assistência ao
Desenvolvimento da OCDE incluiu no termo ‘ambiente’, para fins de AIA:

• Efeitos sobre a saúde humana, bem-estar, meio-ambiente, ecossistemas e


agricultura;

• Efeitos sobre o clima e atmosfera;

• Uso de recursos naturais (regenerativo e mineral);

• Utilização e disposição de resíduos e lixo;

• Restaurações, sítios arqueológicos, paisagem, monumentos e conseqüências sociais,


bem como efeitos à montante, à jusante e trans-fronteiras.

Portanto, à medida que tipos adicionais de impactos têm sido identificados e


requerem análise e avaliação antes de tomada de decisão, o escopo da AIA tem sido
ampliado para incorporar questões sociais, econômicas, de saúde e outras. Contudo,
deve ser salientado que apesar da tendência geral em direção a esta abordagem, ela não
tem sido universal. Uma abordagem alternativa tem sido suplementar a AIA com
estudos relacionados (e relatórios), mas separados, acerca de impactos não biofísicos
quando eles são considerados particularmente importantes para os tomadores de
decisão. Assim sendo, conforme Gartner (2001), já existem técnicas para a avaliação de
17

impactos específicos, como a avaliação de impactos sociais (AIS), e a avaliação de


impactos na saúde (AISA). Outros autores ainda incluem a avaliação de risco ambiental
(ARA), a avaliação ambiental estratégica (AAE) e a avaliação de impactos cumulativos
(AIC).
De acordo com Maza (2001), logo após os EUA decretarem a primeira lei nacional
de Avaliação de Impacto Ambiental, o National Environmental Policy Act (NEPA) de
1969, muitos países em desenvolvimento começaram a desenvolver sua própria
legislação. Na década de 80, mais países decidiram estabelecer a AIA como um
elemento de política ambiental e como um requerimento legal para a proposição de
atividades de desenvolvimento. Muitos escolheram inserir provisões de AIA dentro de
sua legislação ambiental, enquanto que outros também elaboraram requerimentos de
AIA dentro de um decreto ou regulamentação complementar. No entanto, conforme
Ebisemiju (1993), em alguns países com mais de uma década de experimentação e
implementação da AIA, a lacuna entre a intenção e o desempenho da avaliação de
impacto ambiental ainda é grande, e deve-se mais a deficiências legislativas,
administrativas, institucionais e de procedimentos nos sistemas de AIA do que a
questões amplamente discutidas na literatura, como barreiras técnicas relacionadas à
não familiaridade com o conceito de AIA e seu papel no processo de planejamento, bem
como com as metodologias e técnicas; falta de dados de base, etc.
Um processo de AIA eficiente deve iniciar nos estágios iniciais de planejamento do
projeto, passando pelas diretrizes para a orientação das etapas de execução dos estudos,
apresentação e discussão dos resultados, pela tomada de decisão, tendo continuidade
através da implementação de medidas mitigadoras e do monitoramento criterioso dos
impactos. Para isso é preciso que haja a articulação dos vários setores governamentais
em ingerência na aprovação do projeto, e principalmente de mecanismos que favoreçam
a participação da comunidade (Moreira, 1989). No entanto, em muitos países em
desenvolvimento a AIA é conduzida mais ou menos como um exercício técnico
separado dos aspectos técnicos e econômicos do planejamento e desenho do projeto.
Freqüentemente as avaliações ambientais são conduzidas no último estágio do plano do
projeto, quando a maioria dos detalhes foi finalizada e há pouca ou nenhuma
oportunidade para a consideração de alternativas. A AIA torna-se então um pós-escrito
para o planejamento e é usada basicamente como um endosso superficial de ações
18

tomadas por entidades públicas e privadas em vez de influenciar decisões. O Brasil é


um dos poucos países em desenvolvimento a internalizar a AIA dentro do ciclo do
projeto através da sua incorporação dentro do sistema de licenciamento em três estágios
(Licença Prévia, Licença de Instalação, Licença de Operação) (Ebisemiju,1993).
Contudo, nem sempre esse processo de licenciamento é seguido adequadamente,
conforme será mostrado mais adiante.
De acordo com Glasson e Salvador (2000), embora os princípios básicos dos
sistemas de AIA em países menos desenvolvidos sejam similares àqueles dos países
industrializados, eles geralmente são aplicados e adaptados para contextos bastante
diferentes. Muitos princípios aplicam-se a países dentro ou próximos de áreas tropicais,
com muitas chuvas e graves problemas de erosão. As condições sócio-culturais,
tradições, hierarquias e redes sociais podem ser muito diferentes, e podem de fato ser
significativas para as causas dos problemas ambientais. As estruturas institucionais
podem ser fracas, e pode haver uma falta de vontade política para considerar as questões
ambientais em situações onde o foco é claramente o desenvolvimento econômico quase
a qualquer custo. A tomada de decisão pode ser menos aberta, os relatórios de impactos
ambientais podem ser confidenciais, e a participação pública pode ser fraca ou
inexistente. Pode também haver uma séria falta de pessoal treinado, e as mudanças em
direção à privatização podem causar uma fragmentação posterior de procedimentos já
complexos. As AIAs podem estar fracamente integradas em planos de desenvolvimento,
geralmente acontecendo muito tarde dentro do processo de planejamento. A
implementação da conformidade com relação à regulamentação pode ser fraca, e o
monitoramento ambiental limitado ou inexistente.
No Brasil, as características e contrastes do país estão refletidos nas características
das políticas e práticas ambientais, como é ilustrado pela AIA. Os problemas são
grandes, os processos são diversos, os recursos muito limitados, e a AIA varia muito em
sua natureza e efetividade dependendo da região, estado, ou municipalidade dentro da
qual ela está sendo posta em prática.
Conforme Lawrence (1997), a Avaliação de Impacto Ambiental tem evoluído sem
uma fundamentação conceitual adequada, de forma que é necessário que haja uma
prática mais reflexiva e uma construção de teoria mais coerente. Um esforço um tanto
desarticulado para consolidar e expandir a base teórica da AIA é evidenciado através de
19

um crescente arsenal de periódicos, textos, e procedimentos de conferências, diretrizes


de AIA gerais e específicas a projetos, e pesquisa aplicada patrocinada por fundos
públicos. A base teórica atual para a AIA é em grande parte uma mistura desigual de
teoria do planejamento (largamente representada pelo modelo de planejamento
racional); teoria científica tradicional (como um modelo geral para a previsão de
impactos), teorias sociais, econômicas e biológicas (para caracterizar as condições
ambientais), teoria e procedimentos de avaliação (para separar e comparar alternativas);
teoria organizacional e de políticas públicas (para facilitar a implementação e a consulta
pública); uma mistura de diversos métodos, conceitos e estruturas derivadas de uma
série de fontes, incluindo a prática da AIA. É preciso acrescentar aqui também as teorias
da aprendizagem e da pedagogia crítica, que vêm sendo introduzidas por Diduck e
Sinclair (1997), no Canadá, para tentar alcançar níveis mais elevados de envolvimento
público no processo de AIA. O todo conceitual para a AIA decididamente é menor do
que a soma de suas partes, e existe uma distância enorme entre a teoria e a prática,
levando a uma propensão em direção à teoria não fundamentada e à prática não crítica
(Lawrence, 1997).
Segundo Sadler (1996), os termos relacionados com a avaliação de impacto
ambiental podem ter diferentes significados e interpretações nos diferentes países.
Avaliação Ambiental (AA) e Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), especificamente,
são termos intercambiáveis. Muitos países, por exemplo, têm estabelecido sistemas de
AIA; alguns, contudo, descrevem um processo aproximadamente equivalente ou
comparável como Avaliação Ambiental. Com poucas exceções, os objetivos, princípios
e resultados são os mesmos ou semelhantes (embora no sistema federal dos EUA, o
termo AA refira-se a uma avaliação inicial). Do mesmo modo, quando é feita referência
aos processos estabelecidos pelos países ou organizações internacionais, estes são
descritos através de seu título formal e são usadas designações específicas (por
exemplo, procedimentos de AA do Banco Mundial, preparação do EIS – Environmental
Impact Statement nos Estados Unidos). Segundo a UNEP (1996) apud Gartner (2001),
o termo Avaliação Ambiental é usado para evitar que a noção de “impactos” possa
conferir uma conotação negativa implícita, destacando somente os efeitos ambientais
negativos do projeto. Sadler (1996) concebe a AA como um processo sistemático de
avaliação e documentação de informação sobre os potenciais, capacidades, e funções de
20

sistemas e recursos naturais para facilitar o planejamento do desenvolvimento


sustentável e a tomada de decisão em geral, e para antecipar e gerenciar efeitos adversos
e conseqüências de empreendimentos propostos.
Para a OECD (1986) apud Gartner (2001), a AA envolve além da identificação e
avaliação dos impactos ambientais potenciais feitos pela AIA, a incorporação de
medidas de controle apropriadas durante as fases de planejamento do projeto.
Feitos estes esclarecimentos, será usado neste trabalho preferencialmente o termo
Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), já consagrado no sistema brasileiro e de outros
países. O termo avaliação ambiental (AA) será utilizado somente quando houver
referência aos sistemas internacionais que utilizam esta designação, como o sistema
canadense.

1.2 Caracterização do problema

Segundo Furia e Wallace-Jones (2001), em muitos países têm sido feitos esforços
para tornar a AIA um procedimento colaborativo, no qual dados científicos e técnicos
são centrados nos interesses dos diferentes atores, levando a um aumento na
transparência dos processos administrativos e a debates relacionados com o papel ativo
do público na democracia e na tomada de decisão. Os benefícios provenientes da
participação não são apenas obtidos pelo público mas também pelo próprio
empreendedor, contribuindo para o fortalecimento do procedimento da AIA como um
todo, através do aumento da qualidade da decisão; de um planejamento mais eficiente;
do alcance de decisões transparentes e um nível mais alto de comprometimento com a
decisão; evitando controvérsias públicas e criando confiança no proponente e seu
planejamento.
Apesar dos benefícios citados acima, Fowler e Aguiar (1993) afirmam que
raramente é possível uma participação pública efetiva no processo de AIA brasileiro,
dentro do atual cenário institucional. Para tanto seria preciso uma melhor distribuição
de informação sobre os impactos de implementação do projeto e a criação de canais
através dos quais as comunidades afetadas pudessem identificar aqueles aspectos que
elas acreditam que deveriam ser levados em consideração na AIA, principalmente na
etapa inicial do processo, a definição do escopo (scoping).
21

Para Rohde, (1988 apud Queiroz,1992), alguns questionamentos devem ser


considerados no processo de AIA, como por exemplo:

• O processo de realização da avaliação de impacto ambiental é aberto e existe


liberdade de informação?

• Qual a extensão dos poderes discricionários nos procedimentos de avaliação de


impacto ambiental? É possível uma ação popular para forçar a transigência?

Segundo Baasch (1995, p.46), existem fortes críticas sobre a participação pública
prevista no processo de AIA, uma vez que os momentos pertinentes para esta
participação, são algumas vezes julgados inapropriados. Um exemplo é a audiência
pública, na qual o público em alguns casos tem sido manipulado pelas partes
interessadas no projeto. “Poucos têm sido os momentos, durante o processo, em que a
comunidade verdadeiramente expressa seus interesses. A audiência pública tem sido um
dos únicos, e neste momento, a AIA já está concluída, só não autorizada.”
Não é apenas no Brasil que a participação pública em AIA é fraca, quando não
inexistente. Em vários países em desenvolvimento e mesmo desenvolvidos também
existem inúmeras deficiências no processo. Apesar do quadro negativo da participação
pública promovida em nível institucional no Brasil, alguns autores já abordam a questão
com um certo otimismo. Brito (1996 apud Glasson e Salvador, 2001), afirma que nos
estados do sul e sudeste há uma prática razoável de AIA, que está melhorando a
participação pública, a conscientização ambiental, mecanismos de negociação entre as
várias partes e interesses envolvidos com as questões ambientais, e um processo de
tomada de decisão democrática. Contudo, ainda resta muito a ser feito para a AIA se
consolidar como um instrumento da sociedade. Falta informação sobre como promover
uma participação pública eficaz, na qual os atores, entre eles empreendedores,
comunidades, órgãos ambientais, ONGs, possam atuar para que os benefícios da
participação pública sejam plenamente alcançados. Portanto, a questão principal
formulada por esta pesquisa é a seguinte:
Como promover o envolvimento e a participação pública em AIA de forma
eficaz, especialmente em procedimentos complexos, envolvendo vários atores e
interesses diversos?
22

Esta pesquisa busca soluções para este problema, e o estudo de caso realizado
posteriormente procura mostrar a importância do envolvimento e da participação
pública para o aprimoramento do processo de AIA. O caso escolhido é o Porto da
Barra, um dos poucos empreendimentos que promoveram o envolvimento e
participação pública antes da audiência pública no Estado de Santa Catarina e que
gerou muita controvérsia entre os atores.

1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivo geral: destacar o papel do envolvimento e da participação pública


dentro do processo de avaliação de impacto ambiental, visando a melhoria da
participação dos atores no sistema brasileiro de AIA.

1.3.2 Objetivos específicos:

• Descrever as etapas e atividades do processo de AIA, tendo como base as


determinações do United Nations Environmental Programme (UNEP), identificando
aquelas onde a participação pública é viável e necessária;
• Apresentar a legislação, descrever a estrutura institucional, procedimentos e mostrar
alguns aspectos da prática do sistema brasileiro de Avaliação de Impacto
Ambiental;
• Identificar quais meios podem ser utilizados para envolver o público desde o início
do processo de AIA e promover uma participação pública mais efetiva;
• Analisar as atitudes dos atores no caso do empreendimento Porto da Barra Ltda., e
• Desenvolver recomendações para melhorar a participação pública no processo de
avaliação de impacto ambiental.

1.4 Hipótese

Para que se alcance uma participação pública mais eficaz em AIA é preciso que
sejam incorporados ao processo os seguintes elementos:
⇒ Promoção do envolvimento e participação pública a partir da etapa de escopo;
⇒ Utilização de outros canais de participação além das audiências públicas;
23

⇒ Transferência de conhecimento para as comunidades, não só sobre o projeto mas


principalmente sobre o processo de AIA, através da educação pública;
⇒ Assistência de um mediador externo e imparcial para ajudar as partes em
negociações relacionadas a projetos que envolvam questões litigiosas.

1.5 Justificativa

A questão da participação pública em AIA tem despertado o interesse de vários


pesquisadores em todo o mundo. Sinclair e Diduck (1995) destacam a necessidade da
educação pública para o processo de AIA, afirmando que em geral a educação leva a
uma melhoria no envolvimento e na participação do público. Na República Tcheca,
Richardson et al. (1998) sugerem uma participação pública paralela em resposta à
inércia na tomada de decisão. Na Hungria, Palerm (1999) identifica os pontos fortes e
fracos do sistema de AIA com relação à participação pública, destacando a necessidade
do envolvimento público desde a etapa inicial do processo. Na Itália, Furia e Wallace-
Jones (2000) examinam como a efetividade das provisões e práticas referentes à
participação pública em procedimentos de AIA pode ser melhorada.
No Brasil, Dias e Sanchez (1999) destacam em um artigo publicado na Revista de
Administração Pública, a importância da participação pública em oposição aos
procedimentos burocráticos no Estado de São Paulo, colocando-se entre os poucos
autores a abordar a questão da participação pública em AIA no país.
O ineditismo desta pesquisa deriva-se da abordagem feita sobre Avaliação de
Impacto Ambiental, onde a participação dos atores é considerada um fator fundamental
para se promover um processo eficiente e justo, especialmente em casos complexos e
controversos.
Na medida em que fornece subsídios para melhorar o envolvimento e a participação
pública no processo de AIA, esta pesquisa torna-se relevante para os diversos atores
que participam deste processo, entre eles os Órgãos Estaduais de Meio Ambiente,
IBAMA, empresas de consultoria, proponentes, organizações não governamentais,
comunidades, entre outros. Portanto, será possível utilizar as informações desta pesquisa
na prática, – com as devidas adaptações para a realidade nacional – visando promover
uma participação pública mais efetiva, auxiliando a delineação de programas de
24

envolvimento e participação pública, e até mesmo para orientar políticas e melhorar


provisões referentes a esta questão.

1.6 Procedimentos Metodológicos

Esta pesquisa é de natureza qualitativa e tem por finalidade orientar a investigação


do problema de pesquisa a partir da fundamentação conceitual estabelecida pelos
capítulos subseqüentes, e da análise de um procedimento de Avaliação de Impacto
Ambiental realizado em Florianópolis, Santa Catarina. De acordo com Gil (1991), a
pesquisa é exploratória, uma vez que busca uma maior familiaridade com o problema,
de modo a torná-lo explícito ou construir hipóteses.
Segundo Marshall e Rossman (1989) em pesquisa qualitativa, as questões e
problemas de pesquisa vêm de observações, dilemas e questões do mundo real. Este tipo
de pesquisa responde a questões muito particulares, preocupando-se com um nível de
realidade que não pode ser quantificado (Minayo, 1997). Para Patton (1986), o modelo
qualitativo é realista e o pesquisador não tenta manipular o cenário de pesquisa, o qual
pode consistir em um evento, relação ou interação de ocorrência natural. Os
pesquisadores que usam o método qualitativo esforçam-se para entender fenômenos e
situações como um todo.
Uma vez que, em se tratando de Avaliação de Impacto Ambiental, não existe
fundamentação teórica propriamente dita, esta pesquisa é embasada pela fundamentação
conceitual estabelecida pelos capítulos subseqüentes.
A tese foi construída em função dos objetivos apresentados. O segundo capítulo
descreve as etapas e atividades da AIA, desde a triagem até a auditoria, mostrando em
que momentos é possível ocorrer a participação pública. São mostrados os pontos
críticos do processo – com destaque para a etapa de definição do escopo. Para a
elaboração deste capítulo foram coletados dados provenientes da Internet, artigos de
periódicos, livros, e diretrizes internacionais sobre AIA, com destaque para as diretrizes
fornecidas pelo Programa para o Meio Ambiente das Nações Unidas (United Nations
Environmental Programme – UNEP) e European Commission.
O terceiro capítulo procura analisar o sistema de AIA no Brasil, através seus
principais componentes: a estrutura legal e institucional, os atores principais e seus
25

papéis, os procedimentos e a prática em AIA. Destaca-se o processo regulamentação da


AIA, bem como as determinações legais para a realização das avaliações de impacto
ambiental. O desenvolvimento deste capítulo baseou-se em diversos artigos de
periódicos nacionais e internacionais que mostram a experiência brasileira em AIA, bem
como em livros nacionais sobre o assunto.
O quarto capítulo apresenta os meios que podem ser utilizados para melhorar a
participação pública em AIA. Destaca-se, entre outras coisas, como podem ser
utilizadas variadas técnicas para promover o envolvimento e a participação pública,
bem como para educar o público, visando não apenas o projeto, mas o processo de AIA.
São apresentados os mecanismos propostos pelo IBAMA para melhorar a participação
pública no Brasil, o papel das ONGs dentro do processo de participação pública e as
possibilidades da mediação em AIA, trazendo como exemplo a sua utilização no
Canadá. Este capítulo foi elaborado principalmente com base em periódicos
internacionais, buscando mostrar o que está sendo feito em outros países para melhorar
a participação pública dentro do processo de AIA. Contudo, também foram utilizadas,
em menor proporção, informações de publicações nacionais.
O quinto capítulo apresenta o estudo de caso, que investiga os conflitos entre os
atores que participaram do processo de AIA do empreendimento Porto da Barra Ltda..,
no município de Florianópolis, Santa Catarina. O estudo de caso procura verificar as
interações entre os atores principais, suas atitudes, e examinar o envolvimento público
realizado por parte do empreendedor. Os critérios para a escolha deste estudo de caso
foram os seguintes:

(1) Existência de envolvimento e participação pública em etapas iniciais do processo de


AIA;

(2) Participação de diversos atores, entre eles o Ministério Público Federal;

(3) Alto grau de controvérsia com relação ao projeto;

(4) Importância dos impactos ambientais provenientes do projeto.

Para a realização do estudo de caso foram coletados documentos que compõem à


Ação Civil Pública nº 970000001-0, referente ao empreendimento Porto da Barra
Ltda., junto ao Ministério Público Federal e 4ª Vara da Justiça Federal, além de outros
26

documentos junto à empresa Portobello Ltda. e à FATMA. Foi necessário protocolar um


pedido junto ao Ministério Público Federal, em novembro de 2002, alegando a
realização de tese do doutorado, para se obter acesso aos documentos da ACP. Os
documentos coletados consistem no RIMA, Contestações, Despachos, Ofícios,
Recursos jurídicos, Manifestações, Pareceres técnicos, e Laudos Periciais, entre outros.
A análise da ACP foi realizada no período de janeiro a abril de 2003. Primeiro foi
necessário separar e colocar em ordem cronológica os documentos provenientes das
partes (ou atores) que participaram do caso (FATMA, PORTOBELLO, SINDIPESCA,
Ministério Público Federal, Justiça Federal, FLORAM, UFSC, e outros). Os três Laudos
Periciais produzidos nos anos de 2002 e 2003 foram analisados separadamente, para o
estabelecimento de categorias dos principais impactos e para o esclarecimento dos
aspectos técnicos do empreendimento.
Como fonte complementar de dados foram utilizadas entrevistas abertas (não
estruturadas) e semi-estruturadas. Através das entrevistas foram obtidas informações
sobre o envolvimento e a participação pública promovidas pelo empreendedor no caso
Porto da Barra Ltda., bem como dados adicionais para averiguar as atitudes,
preocupações e opiniões dos atores principais, para os quais não havia informação
suficiente nos documentos da ACP.
As entrevistas não estruturadas foram conduzidas conforme Richardson (1999), para
obter do entrevistado o que ele considera como os aspectos mais importantes de um
determinado problema. Este tipo de entrevista foi conduzido através de uma
conversação dirigida, para obter informações que possam ser analisadas
qualitativamente. As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas de acordo com
Triviños (1987), partindo de certos questionamentos básicos que interessavam à
pesquisa (Ver Anexo A), oferecendo em seguida um amplo campo de interrogativas,
fruto de novas informações que foram surgindo à medida que se recebiam respostas do
informante. Ao todo foram entrevistadas seis pessoas: dois membros da ONG Fundação
Lagoa, um diretor da empresa Portobello Ltda., uma assessora do Ministério Público
Federal, um professor/pesquisador do Departamento de Aqüicultura, e um diretor da
CASAN. Todas as entrevistas foram gravadas em fitas micro-cassete, sendo
posteriormente transcritas para elaboração de parte do estudo de caso.
O estudo de caso foi estruturado da seguinte forma:
27

(1) Descrição do empreendimento Porto da Barra Ltda., com base no RIMA;


(2) Cronologia dos eventos ocorridos antes e durante o curso da Ação Civil Pública
proposta pelo Ministério Público Federal, com base na ACP;
(3) Identificação dos meios de envolvimento e participação pública utilizados pelo
empreendedor, com base nas entrevistas;
(4) Identificação das opiniões, preocupações e atitudes dos atores relevantes, com base
nas entrevistas e em documento fornecido pelo empreendedor;
(5) Identificação dos principais impactos e aspectos técnicos do empreendimento, com
base nos três laudos periciais produzidos na fase final da ACP.
O sexto capítulo apresenta a análise da pesquisa, desenvolvida através do
cruzamento transversal dos dados do estudo de caso com os dados dos capítulos
anteriores, procurando-se mostrar a importância da participação pública para o processo
de AIA.
A análise da participação pública no estudo de caso foi feita com base nas
entrevistas com o empreendedor e Fundação Lagoa. Procurou-se identificar quais dos
meios apresentados no terceiro capítulo foram utilizados pelo empreendedor para
envolver o público e promover a participação, especialmente das comunidades locais.
Deve-se ressaltar que, devido à subjetividade envolvida na análise, esta pode ter sido
afetada pelas percepções da pesquisadora, apesar do empenho no sentido de preservar a
imparcialidade necessária à pesquisa.
O sétimo capítulo apresenta as conclusões gerais e recomendações da pesquisa, com
base nos capítulos anteriores.
28

2 AS ETAPAS DA AIA E A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

Este capítulo apresenta as etapas e atividades da Avaliação de Impacto Ambiental, e


procura mostrar que, em princípio, a consulta e participação pública podem ser
empregadas praticamente em todas as etapas do processo (EIA Centre,1995; UNEP,
1996). Destaca-se a importância da participação pública na etapa do escopo, que serve
para orientar a realização dos estudos de impacto ambiental.
Antes de descrever as etapas e atividades do processo de AIA é necessário definir o
termo impacto e suas caracterizações. Segundo Wathern (1988), os termos ‘impacto’ e
‘efeito’ são usados freqüentemente como sinônimos, embora alguns autores defendam
uma diferenciação entre mudanças naturais e induzidas pelo homem, chamadas de
efeitos, e as conseqüências destas mudanças, chamadas de impactos. Um impacto pode
ter componentes espaciais e temporais, podendo ser descrito como uma mudança em um
parâmetro ambiental, sobre um período especificado e dentro de uma área definida,
resultando de uma atividade particular comparada com a situação que teria ocorrido se a
atividade não tivesse sido iniciada.
Existem várias caracterizações dos impactos segundo os diferentes autores. Segundo
Verocai (1987) apud Baasch (1995), os impactos ambientais podem ser distinguidos de
acordo com as seguintes características:
Características de valor:
• Impacto positivo, ou benéfico, quando uma ação resulta na melhoria da qualidade de
um fator ou parâmetro ambiental;
• Impacto negativo, ou adverso, quando uma ação resulta em um prejuízo da
qualidade de um fator ou parâmetro ambiental.
Características de ordem:
• Impacto direto, quando resulta de uma relação simples de causa e efeito; também
chamado de impacto primário ou de primeira ordem;
• Impacto indireto, quando é uma reação secundária em relação à ação, ou quando é
parte de uma cadeia de reações; também chamado de impacto secundário, ou de
enésima ordem, de acordo com sua situação na cadeia de reações.
Características espaciais:
29

• Impacto local, quando a ação afeta somente o próprio sítio e suas imediações;
• Impacto regional, quando um efeito se propaga por uma área além das imediações
do sítio onde se dá a ação;
• Impacto estratégico, quando é afetado um componente ambiental de importância
coletiva ou nacional.
Outro modo de caracterizar espacialmente os impactos em relação à área de
abrangência é:
• Impacto extensivo, caracterizado pela impossibilidade ou grande dificuldade de
delimitar sua área de abrangência, bem como seus possíveis efeitos cumulativos,
progressivos e acrônicos.
• Impacto intensivo, aquele que abrange uma área bem delimitável, qualquer que seja
a sua extensão.
Características temporais ou dinâmicas:
• Impacto imediato, quando o efeito surge no instante em que se dá a ação;
• Impacto de médio ou longo prazo, quando o efeito se manifesta depois de decorrido
um certo tempo após a ação;
• Impacto temporário, quando o efeito permanece por um tempo determinado, após a
execução da ação;
• Impacto permanente, quando os efeitos não cessam de se manifestar num horizonte
temporal conhecido, uma vez executada a ação.
Os impactos ainda podem ser caracterizados quanto a sua
reversibilidade/irreversibilidade, seus efeitos cumulativos e sinérgicos1 e também pela
sua distribuição social, uma vez que os impactos benéficos e adversos nunca são
igualmente sentidos pelos diversos grupos sociais.
Os impactos ambientais também possuem dois tipos de atributos, a magnitude
(grandeza em termos absolutos) e a importância (ponderação do grau de significância do
impacto).

1
Efeito cumulativo ou potencial cumulativo “é o impacto no meio ambiente resultante da soma do
impacto incremental de uma ação aos impactos de outras ações, passadas, presentes ou com razoável
possibilidade de ocorrer no futuro, independentemente do agente que executa as ações” (USA, 1997
apud Dias e Sanchez, 1999). Já um efeito sinérgico ocorre quando “o impacto total é maior do que a
soma dos impactos individuais”.(ACP, fl.1717)
30

Segundo Sadler (1996), a concepção do processo de AIA pode ser diferente de


acordo com vários autores e as etapas podem variar conforme a estrutura jurisdicional
de cada país, mas em geral, em todo o mundo, o processo segue ou aproxima-se das
etapas e atividades generalizadas, mostradas a seguir:

1. Avaliação preliminar

Triagem (screening) • estabelecer se uma proposta de desenvolvimento deve ou


não estar sujeita à AIA, e em caso positivo, em que nível de
detalhe
Definição do Escopo • identificar as questões e impactos que precisam ser tratados
(scoping) e preparar os Termos de Referência

2. Avaliação detalhada

Estudos de base • coleta de informação sobre aspectos físicos, biológicos e


sócio-econômicos do projeto
Análise dos impactos • identificar, prever e avaliar a magnitude e importância dos
impactos potenciais do projeto
Mitigação • especificar medidas necessárias para evitar, minimizar ou
compensar impactos adversos
Preparação relatório de • documentar os impactos, as medidas mitigadoras
impacto ambiental apresentadas, a significância dos efeitos, as preocupações
do público interessado e das comunidades afetadas pela
proposta
Revisão do relatório de • assegurar que o relatório satisfaz os termos de referência,
impacto ambiental fornece uma avaliação satisfatória da proposta e contém a
informação requerida para a tomada de decisão
Tomada de decisão • aprovar ou rejeitar a proposta e estabelecer os termos e
condições para sua implementação

3. Acompanhamento

Monitoramento • verificar se as ações estão em conformidade com os termos e


31

condições estabelecidos, se os impactos estão dentro dos


limites previstos e a efetividade das medidas mitigadoras.
Auditoria • documentar os resultados, aprender com a experiência,
melhorar a AIA e o planejamento do projeto.

2.1 A triagem (screening) e a definição do escopo (scoping)

De acordo com o UNEP (1996), o processo para determinar se uma proposta requer
ou não avaliação de impacto ambiental e o respectivo nível de avaliação é chamado de
triagem (screening). A triagem envolve o julgamento acerca dos impactos esperados de
uma proposta sobre o meio ambiente, para determinar se eles são ou não significativos.
A maioria das propostas pode passar por uma triagem muito rapidamente (uma ou duas
horas) e a conclusão pode ser de que não precisa haver maiores investigações. Outras
propostas podem requerer uma avaliação de impacto ambiental completa, pois podem
causar uma série de impactos adversos.
A escolha da metodologia de triagem é determinada geralmente por tomadores de
decisão política quando o sistema de AIA é estabelecido. Todas as metodologias de
triagem requerem informação sobre a proposta e todos envolvem o uso subjetivo de
julgamentos de valor em alguma etapa durante o seu desenvolvimento. A escolha do
método de triagem estabelecerá o número de propostas que serão sujeitas um processo
de AIA detalhado. As abordagens para a triagem envolvem uma, ou uma combinação
das seguintes técnicas:
• julgamento/discernimento por parte dos tomadores de decisão;
• avaliação ambiental inicial, avaliação ambiental de baixo custo que utiliza toda a
informação disponível sobre o projeto;
• listas de projetos que devem ser submetidos à AIA; e
• listas de exclusão de projetos que não precisam ser submetidos à AIA.
A responsabilidade da triagem depende da metodologia adotada.2 Quando existem
listas de projeto na legislação (como no caso brasileiro), os próprios proponentes podem
facilmente fazer a triagem de suas propostas. Contudo, quando a metodologia envolve

2
Para informações mais detalhadas sobre as metodologias de triagem consultar o UNEP (1996).
32

o julgamento do tomador de decisão, este geralmente tem a capacidade para influenciar


o resultado.
Quando existe o julgamento subjetivo na escolha dos projetos sujeitos à avaliação de
impactos ambientais, como no caso de muitas jurisdições, a consulta e participação
pública na etapa de triagem (screening) não é um fato incomum. Esta participação é
usual, por exemplo, na Austrália Ocidental. No Reino Unido, há uma oportunidade
formal para representações sobre a necessidade da AIA a ser realizada, mas é raro que
esta representação tenha algum resultado na decisão da triagem (EIA Centre, 1995).
De acordo com Beanlands (1988), a definição do escopo (scoping) refere-se ao
processo de identificar um número de assuntos prioritários, a partir de uma ampla série
de problemas potenciais, os quais serão tratados através da AIA. Em outras palavras é
uma tentativa de focalizar a avaliação em um número manejável de questões
importantes. A importância atribuída tanto à etapa de definição do escopo quanto aos
estudos de base surge devido ao fato das avaliações ambientais serem quase sempre
conduzidas sob sérias restrições de tempo e recursos, portanto deve haver uma definição
de prioridades para melhorar a eficiência do processo e fornecer um produto mais
focalizado para os tomadores de decisão.
A definição do escopo tem o objetivo de determinar valores prioritários da sociedade
com respeito aos efeitos potenciais de uma proposta de desenvolvimento. Em primeiro
lugar, é muito importante definir claramente o segmento da sociedade que está
envolvido, ou seja, a população alvo. Uma vez que a população alvo esteja identificada,
deve ser fornecida a ela informação adequada sobre o projeto e os efeitos ambientais
potenciais, em um formato que as pessoas possam entender. Além disso, é preciso dar
tempo suficiente para a população alvo organizar seus pensamentos e idéias com
relação a problemas ambientais potenciais. Finalmente, deve ser claramente entendido o
mecanismo através do qual a população alvo é capaz de expressar suas preocupações
para os tomadores de decisão. Para alcançar os objetivos acima é preciso um
planejamento detalhado, além do envolvimento de pessoal competente e acesso a
recursos adequados.
É importante destacar que embora a definição do escopo seja considerada como
uma etapa distinta do processo de AIA, que acaba com a elaboração dos Termos de
Referência, a atividade de scoping deveria continuar por todo o processo, de modo que
33

o escopo do trabalho possa ser melhorado à medida que surgirem novas questões e
informações. O escopo de uma AIA deve ser flexível o suficiente para permitir a
incorporação de novas questões que surgirem durante o curso dos estudos ambientais,
como resultado de mudanças no projeto ou através das consultas. A Diretiva da União
Européia permite que as autoridades competentes requeiram informação adicional em
uma etapa posterior no processo de AIA, mesmo se esta informação não foi requerida
no início da etapa de definição do escopo (European Commision, 2001).
Seja quando realizado como parte de um processo legal ou como uma medida de
‘boa prática’ dentro da AIA, a definição do escopo traz vários benefícios, entre eles:
• Ajuda a assegurar que a informação ambiental a ser usada na tomada de decisão
forneça um quadro amplo dos impactos importantes do projeto, incluindo questões
de interesse particular para grupos e indivíduos afetados.
• Ajuda a concentrar recursos nas questões importantes para a tomada de decisão e
evita o desperdício de esforços em questões de pouca relevância.
• Ajuda a assegurar que a informação ambiental forneça uma visão equilibrada e não
seja sobrecarregada com informação irrelevante.
• Estimula a consulta adiantada entre o empreendedor e a autoridade competente, e
com as autoridades ambientais, outras partes interessadas e o público, sobre o
projeto e seus impactos ambientais.
• Ajuda no planejamento, gerenciamento e alocação de recursos dos estudos
ambientais.
• Reduz o risco de atrasos no processo causados por pedidos de informação adicional
depois da submissão da informação ambiental, contida nos estudos e relatório de
AIA, à autoridade competente.
• Reduz o risco de desacordos sobre as metodologias de avaliação de impactos
(estudos de base, metodologias de previsão e critérios de avaliação) depois da
submissão da informação ambiental.
O escopo é focalizado principalmente na identificação dos impactos a serem
avaliados e quais destes são mais importantes, mas também pode tratar alguns ou todos
os seguintes assuntos:
• Os tipos de alternativa que devem ser consideradas;
34

• Os estudos de base que são requeridos para caracterizar o meio ambiente;


• Qualquer requerimento especial para os estudos de base com relação à sua extensão
geográfica ou tempo, por exemplo, devido a mudanças sazonais na fauna e flora;
• O nível de detalhe das investigações requeridas;
• As técnicas a serem usadas para prever a magnitude dos efeitos ambientais;
• Os critérios contra os quais a significância dos impactos deveria ser avaliada;
• Os tipos de mitigação a serem considerados;
• Quaisquer consultas adicionais a serem realizadas durante os estudos ambientais;
• A estrutura, conteúdo e tamanho da informação ambiental (ou estudo de impacto
ambiental);
• A composição e gerenciamento da equipe multidisciplinar de AIA;
• O plano de trabalho e a alocação de recursos para os estudos ambientais.
Em todas as formas de definição do escopo, a consulta com as autoridades
ambientais, outras partes interessadas e o público é uma parte importante do processo.
As consultas ajudam a assegurar que sejam tratados todos os impactos, questões,
interesses, alternativas e mitigações que as partes interessadas acreditam que devam ser
considerados. Consultas bem sucedidas podem ser facilitadas por uma série de meios,
incluindo:
• anúncios sobre o processo de definição do escopo em jornais locais ou nacionais;
• colocação de avisos anunciando o processo de definição do escopo no local do
projeto proposto, nas áreas vizinhas e nos escritórios das autoridades locais;
• preparo de folhetos ou panfletos sobre o projeto, dando detalhes do que está sendo
proposto com a ajuda de um plano ou mapa, descrevendo o processo de AIA e o
propósito da definição do escopo, e convidando os interessados a fazerem
comentários.
• Distribuição de questionários para as organizações e residentes próximos
potencialmente interessados, requerendo informação e comentários sobre a proposta
(em geral este é um bom ponto de partida para a definição do escopo se o número de
pessoas e organizações interessadas é grande);
• Discussões por telefone ou reuniões com organizações, grupos e indivíduos
fundamentais ao processo;
35

• Artigos em jornais, no rádio ou televisão;


• Reuniões públicas (pode ser útil convidar uma pessoa independente para presidir
estas reuniões);
• Exposições públicas (uma exposição pode ser preferível a uma reunião pública à
medida que pessoas nervosas para falar em público podem sentir-se mais
confortáveis falando com alguém, de pessoa para pessoa, durante uma exposição; as
reuniões também podem ser dominadas por umas poucas pessoas mais falantes e
não permitir que todas as questões ou mesmos questões mais importantes sejam
expressadas);
• Seminários (workshops) no qual os participantes trabalhem juntos através de um
programa estruturado para identificar assuntos a serem tratados no processo de AIA
(isto pode ser particularmente útil se as questões são complexas e existem vários
grupos interessados nas propostas; um facilitador independente pode ser útil para
assegurar que os seminários sejam bem sucedidos);
• Estabelecimento de um grupo de definição do escopo com base na comunidade ou
em especialistas para continuar a supervisionar os estudos ambientais através de
todo o processo (isto pode ser útil para projetos complexos ou quando um projeto
está em um estágio inicial no processo de planejamento e a significância das
questões não está clara);
• Publicação de um esboço do relatório da definição do escopo para revisão e
comentários antes de completar o processo (European Commission, 2001).

A consulta e participação pública na etapa de definição do escopo é comum em


muitos sistemas de AIA, mas é uma exigência em um pequeno número de países.
Podem ser distinguidos três diferentes níveis de prática de definição do escopo, em nível
mundial:

1. a consulta e participação pública é um requerimento da regulamentação (por ex.


a Holanda, Canadá, Dinamarca, EUA);
2. a consulta e participação pública não é um requerimento da regulamentação mas
é recomendada e largamente praticada (por ex. o Reino Unido); e
3. a consulta e participação pública não é um requerimento da regulamentação nem
uma prática comum (por ex. Polônia, Brasil e muitos países em desenvolvimento).
36

De acordo com Beanlands (1988), sob as regulamentações da NEPA, a agência


ambiental norte-americana deve organizar reuniões envolvendo todas as partes
diretamente afetadas ou interessadas no projeto proposto. Nestas sessões, os
participantes são encorajados a apresentar suas preocupações sobre o projeto e é feita
uma tentativa de definir as prioridades entre os problemas percebidos. As sessões de
scoping no Canadá são precedidas da distribuição de material escrito sobre o projeto,
bem como por sessões informais menores onde as pessoas são encorajadas a comparecer
informalmente e aprender mais sobre o projeto. Em projetos complexos (como por
exemplo o de usinas nucleares) a contribuição científica é um aspecto importante do
processo de definição do escopo, uma vez que muitos dos impactos potenciais podem
estar além do entendimento do público em geral.
A vantagem da reunião para a definição do escopo é proporcionar uma oportunidade
para o diálogo aberto entre os responsáveis pela AIA e o público, cujos interesses
deveriam ser representados. Estas discussões abertas geralmente podem levar à
resolução de problemas constatados de maneira equivocada. As desvantagens são que as
reuniões consomem muito tempo, requerem recursos financeiros e humanos e precisam
de cooperação total do proponente.
Quando não é possível organizar reuniões para a definição do escopo, podem ser
usados questionários ou pesquisas para avaliar os interesses públicos, embora este tipo
de abordagem indireta de definição do escopo seja menos desejável por várias razões.
Em primeiro lugar, a taxa de retorno de questionários é normalmente muito baixa, e
pode ser influenciada pelos segmentos da comunidade que costumam expressar mais
suas opiniões. Em segundo lugar, o desenho de uma pesquisa apropriada exige
especialistas de vários campos, os quais podem não estar disponíveis no tempo
requerido. E, por último, a análise e interpretação dos resultados da pesquisa estão
sujeitos a desacordos que podem posteriormente confundir mais as questões do que
esclarecê-las.
Quando se lida com populações alvo únicas ou razoavelmente bem definidas, é
possível auxiliar a própria comunidade a conduzir seu próprio programa de definição
do escopo. Através do fornecimento de apoio financeiro ou habilidades organizacionais,
os responsáveis pela condução de uma AIA podem encorajar a população local a usar os
37

mecanismos de comunicação existentes para determinar os interesses e preocupações da


comunidade. Tal atitude é altamente recomendável pois aumenta a credibilidade das
recomendações resultantes para o governo e proponentes.
Na seqüência normal dos eventos de um exercício de definição do escopo deveria
ser feita uma lista das preocupações prioritárias, que por sua vez, deveriam ser
incorporadas em diretrizes para a preparação de um estudo de impacto ambiental.
Dependendo da natureza das questões prioritárias identificadas, o programa de estudos
de base realizado como parte do EIA deveria ser estruturado em torno dos resultados do
exercício de definição do escopo. Desta forma, o programa de definição do escopo pode
ter uma grande influência sobre o foco da AIA, e portanto, sobre a recomendação
fornecida aos tomadores de decisão.
Segundo Mulvihill (1998), a importância da etapa de definição do escopo
geralmente é subestimada pelos teóricos e praticantes. Freqüentemente esta etapa
constitui-se em um exercício não criativo que produz uma mera lista dos impactos
potenciais e questões associadas a um empreendimento proposto. Uma definição do
escopo efetiva é especialmente crítica em casos controversos que envolvem audiências
públicas com uma ampla diversidade de atores e perspectivas. Em situações que lidam
com projetos altamente contenciosos, ou seja, onde há potencial para litígios, uma etapa
de definição do escopo hábil pode exercer uma forte influência no delineamento de
uma avaliação de impacto viável, aumentando a probabilidade de produzir um relatório
de impacto ambiental e um processo de avaliação que satisfaça aos atores.
A AIA deve refletir os diferentes conjuntos de valores, culturas e objetivos que estão
em jogo em um dado contexto de projeto, especialmente quando existem diversos
sistemas de conhecimento e modos de descrever os componentes e impactos ambientais.
Como a etapa de definição do escopo estabelece o cenário para as etapas subseqüentes
no processo de AIA, deve acomodar diversas abordagens de exposição do problema e
sua resolução. Nos casos caracterizados por uma considerável pluralidade, um método
analítico padrão pode não ser capaz de descrever e avaliar os vários impactos, e na
prática pode ser impossível integrar diversos métodos. Portanto, o processo de definição
do escopo deve ser instituído nos estágios iniciais do projeto, para evitar a imposição de
soluções de desenvolvimento em contextos que são diversos e onde os sistemas de
valores são diferentes daqueles do proponente do projeto.
38

Para ser efetivo em um cenário inter-cultural, o processo de definição do escopo


deve ser amplamente acessível; capaz de tratar visões de mundo competitivas;
caracterizar-se por justiça e eficiência; mais analítico do que enciclopédico; predisposto
a acomodar uma definição do problema adequada, mas não infinita; e aceitar dados
tanto qualitativos como quantitativos. A influência predominante na AIA consiste em
traduzir questões sociais e ecológicas complexas em impactos ou componentes do meio
ambiente afetado, para que possam ser facilmente estudados. Esta pode ser uma
abordagem razoável em casos relativamente diretos, mas não é efetiva em casos onde
co-existem ou competem múltiplas concepções sobre o meio ambiente a ser afetado
pelo projeto. Nestes casos, a AIA deve buscar alcançar uma mistura delicada entre
ciência e arte.

2.2 Dos Estudos de base à tomada de decisão sobre a AIA


Conforme Beanlands (1988), talvez os estudos de base3 sejam o elemento da AIA
mais reconhecido e menos entendido. O termo refere-se à coleta de informação sobre
aspectos físicos, biológicos e sócio-econômicos de um projeto de desenvolvimento
proposto, e os estudos devem ser estruturados em torno dos resultados fornecidos pela
etapa de definição do escopo. Os estudos de base geralmente envolvem a utilização de
informação já existente, ou requerem a aquisição de novos dados através de amostragem
em campo, sendo responsáveis por uma grande parte do custo total da AIA.
As avaliações de impacto ambiental normalmente são conduzidas sob uma severa
restrição de tempo, e desde que é relativamente fácil coletar informação e dados, há uma
tendência a dar muita ênfase aos estudos de base, o que resulta em uma grande
quantidade de informação sobre o cenário ambiental de um determinado projeto, mas
esta informação pode ser irrelevante para a resolução de questões críticas levantadas em
etapas posteriores do processo de AIA.
Um problema universal com os estudos de base é o fato de eles serem realizados
sem objetivos claramente definidos. Raramente há o entendimento da razão pela qual os
dados estão sendo coletados ou para que problema eles serão aplicados. Ou seja, existe
um problema de demarcação do objeto, pois estes estudos não são feitos de forma
3
Os estudos de base também podem ser chamados de diagnóstico ambiental por alguns autores e
praticantes da AIA.
39

científica. Para cobrir todos os requerimentos potenciais é reunida informação sobre


todos os aspectos do meio ambiente, o que leva inevitavelmente a pesquisas superficiais
e empíricas, que fornecem apenas informação em nível de reconhecimento, e no final,
muito do investimento em tempo e recursos é desperdiçado.
Talvez a inadequação mais evidente de muitos estudos de base é que eles não
refletem as necessidades finais dos tomadores de decisão envolvidos no planejamento
do projeto. Durante o planejamento de projetos de desenvolvimento existem pontos
fundamentais para os quais deveriam existir dados sobre aspectos físicos, biológicos e
sócio-econômicos, disponíveis a partir dos estudos de base. Se estes pontos críticos e as
necessidades de informação relacionada a eles não estão claramente definidos no início
da AIA, é improvável o estudo de impacto ambiental sirva para uma tomada de decisão
adequada.
Segundo o UNEP (1996), geralmente é requerido conhecimento especializado para
especificar, e estabelecer limites apropriados para a coleta de dados, de modo que as
necessidades da análise sejam encontradas e para que possam ser estabelecidos
programas de monitoramento. Em muitos casos, é provável que as condições de base
correntes ainda sejam as mesmas de quando o projeto é implementado. Porém, algumas
propostas, em particular de projetos muito grandes, podem levar algum tempo para
iniciar ou levar muito tempo para serem terminadas. Nestes casos, é necessário fazer
previsões sobre quais serão as condições de base futuras, o que envolverá a
consideração dos seguintes fatores:
• O estado atual;
• As tendências atuais e esperadas;
• Os impactos das propostas que já foram implementadas; e
• Os impactos de outras propostas que serão completadas antes da implementação da
proposta em consideração.
Em algumas circunstâncias a coleta de dados não será possível e o especialista ou a
equipe de AIA terá de usar seu julgamento para fazer as previsões. Quando isto ocorre
deveria ser indicado e explicado no estudo de impacto ambiental. Os gerentes de projeto
precisam exercer um controle estrito para assegurar que não seja gasto tempo e esforço
desnecessário na coleta de dados de base. Deve ser lembrado que o objetivo da AIA
não é somente descrever as condições de base. Os gerentes podem também impor
40

limites ao espaço devotado à descrição da situação de base no relatório de impacto


ambiental.
De acordo com Carpenter (1999), a experiência com a efetividade da AIA mostra
uma hierarquia de informação essencial. Primeiro, é fundamental a descrição correta do
sítio do projeto em termos geofísicos. Depois são adicionados os componentes
biológicos dos ecossistemas. A avaliação de ecossistemas é um tanto difícil, pois todo
projeto é um experimento perturbador com resultados altamente incertos, uma vez que
os sistemas naturais nunca experimentaram os impactos. É importante avaliar os efeitos
cumulativos sobre o sítio do recurso, provenientes de outras atividades além da ação do
projeto em questão. Quando existe uma grande incerteza e a magnitude dos impactos é
alta, é útil fazer uma análise de risco. Quando, e se, estas questões essenciais são
cobertas adequadamente e a tempo, então pode ser dada atenção maior a efeitos
estéticos, históricos, sociais, demográficos, culturais e religiosos. Mas essas questões
não deveriam impedir a investigação de questões relacionadas às ciências naturais ou
levar à ‘diluição’ do estudo de impacto ambiental (EIA).

2.2.1 A identificação, previsão e avaliação dos impactos


Segundo o UNEP (1996) é preciso usar uma abordagem lógica e sistemática para
refinar a lista de impactos que requer uma investigação detalhada, e para assegurar a
identificação de todas as causas prováveis dos impactos e suas interações. Embora
muitos praticantes de AIA executem estas tarefas usando uma abordagem ad hoc, ou
seja, através da reunião de um grupo de profissionais de diversas disciplinas, em uma
base caso a caso, a experiência tem mostrado que as AIAs gerenciadas desta maneira
tornam-se desestruturadas, indisciplinadas e freqüentemente falham em identificar todos
os impactos significativos. Elas também tendem a resultar em longas coleções de
informação descritivas, que não fornecem uma base adequada para a tomada de decisão.
Com o passar do tempo, têm sido desenvolvidos vários instrumentos formalizados
de AIA para melhorar a efetividade e a eficiência da identificação de impactos. (alguns
deles são também instrumentos úteis para apresentar os resultados da avaliação de
impactos ou conferir a significância). Estes instrumentos têm sido baseados na
experiência coletiva de um grande número de pessoas e seu uso ajuda a agilizar o
processo de avaliação de impactos ambientais e evitar muitos dos erros cometidos nos
41

tempos iniciais da AIA. Muitos desses instrumentos também têm sido talhados para o
uso em setores específicos, aumentando portanto a eficiência e precisão do processo de
identificação de impactos.
Os instrumentos formais mais comuns usados para a identificação de impactos,
alguns dos quais podem ser chamados de metodologias, são mostrados abaixo. Para
obter informações mais detalhadas4 sobre cada um deles consultar Gartner (2001),
Moreira (1992), Pastakia e Jansen (1998).
• Checklists (listagens de controle) – são desenvolvidas geralmente a partir de listas
das características ambientais ou atividades que deveriam ser investigadas para os
possíveis impactos. Elas podem variar em complexidade e propósito, consistindo em
uma listagem simples ou descritiva ou em um sistema que também confere
significância através do escalamento e ponderação dos impactos (as listagens
escalares e ponderadas são usadas para a avaliação dos impactos, sendo que a mais
conhecida é a Batelle5). As checklists podem ser melhoradas e adaptadas para se
adequar às condições locais e também podem ser desenvolvidas especificamente
para certos setores (como represas ou rodovias). Checklists setoriais são geralmente
usadas quando os proponentes se especializam em uma área particular de
desenvolvimento. Este recurso não é efetivo na identificação de impactos de ordem
mais alta ou do inter-relacionamento dos impactos.
• Matrizes – são metodologias que podem ser usadas para identificar a interação entre
as atividades do projeto e as características ambientais. A interação entre uma
atividade e uma característica ambiental pode ser mostrada na célula comum a
ambos. Podem ser feitas observações nas células para destacar a severidade do
impacto ou outras características relacionadas à natureza do impacto, utilizando por
exemplo, marcas ou símbolos que identificam o tipo de impacto (direto, indireto,
cumulativo), de forma ilustrada; números ou uma série de pontos de tamanho
diferente para indicar a escala; ou observações descritivas. A matriz de interação
mais conhecida é a matriz de Leopold, que é formada por 100 colunas que

4
Julgou-se suficiente apenas uma breve explicação de cada um dos métodos, uma vez o foco deste
trabalho é a questão do envolvimento e participação pública na AIA, e devido à existência de vários
trabalhos que descrevem detalhadamente os vários métodos para a identificação de impactos.
5
Para maiores detalhes sobre a listagem conhecida como Batelle consultar Gartner (2001) e Moreira
(1992).
42

representam as ações do projeto e por 88 linhas relativas às características


ambientais, resultando em 8.800 interações possíveis. Outros tipos de matrizes têm
sido desenvolvidos a partir desta, como a matriz RIAM (Rapid Impact Assessment
Matrix) que usa uma matriz estruturada para permitir que tanto os julgamentos
subjetivos quanto os baseados em dados quantitativos sejam feitos em uma base de
igual para igual, fornecendo um registro transparente e permanente dos julgamentos
feitos (Pastakia e Jensen, 1998).
• Redes de interação – este instrumento ilustra as múltiplas ligações entre as
atividades do projeto e as características ambientais e é útil na identificação e
descrição de impactos de segunda ordem (indiretos, sinérgicos). Redes
simplificadas, usadas em conjunção com outros recursos são úteis para ajudar a
assegurar que impactos maiores de segunda ordem não foram omitidos das
investigações. Redes mais detalhadas podem consumir muito tempo e serem difíceis
de serem produzidas a menos que um programa de computador seja usado.
• Técnicas de sobreposição e sistemas de informação geográfica – a sobreposição de
mapas ou de imagens computadorizadas pode ser usada para mostrar os impactos de
forma ilustrada. A técnica de sobreposição original, relativamente simplista, foi
desenvolvida por McHarg que mapeava dados sobre transparências de modo que
elas podiam ser superpostas para dar uma impressão visual geral da concentração
dos impactos.
• Sistemas especialistas – Um sistema especialista é um sistema de tomada de decisão
computadorizado baseado em conhecimento. O usuário é sistematicamente
submetido a questões que são desenvolvidas a partir de um conhecimento pré-
existente do sistema e dos inter-relacionamentos que estão sendo investigados. O
sistema especialista revisa a resposta dada e move-se para a próxima questão à
medida que é dada uma resposta apropriada. Como os Sistemas de Informação
Geográfica, os sistemas especialistas são métodos de análise intensivos em
informação, e também têm o potencial de tornarem-se muito poderosos no futuro,
uma vez que são construídos lógica e sistematicamente sobre a experiência
adquirida com o passar do tempo.
43

• Experiência profissional – muitos profissionais usam o conhecimento e a perícia que


eles adquiriram para desenvolver bancos de dados e auxílios técnicos
sistematicamente, que podem ajudar em projetos futuros.
Nenhum meio único de identificação de impactos é necessariamente o melhor a ser
usado em todas as ocasiões, nem é necessário restringir-se ao uso de um instrumento
somente por vez. Geralmente considera-se que a combinação de aspectos úteis de dois
instrumentos diferentes pode ser a melhor abordagem a seguir.
A escolha do instrumento pode depender de vários fatores que incluem:
• O tipo e o tamanho da proposta de desenvolvimento;
• O tipo de alternativas que estão sendo avaliadas;
• A natureza dos prováveis impactos;
• A natureza e a conveniência do meio de identificação do impacto (ver Quadro 1);
• A experiência da equipe de AIA com o meio de identificação de impacto;
• Os recursos disponíveis – custo, informação, tempo, pessoal;
• A natureza do envolvimento público no processo;
• A experiência do proponente com o tipo e o tamanho do projeto; e
• Requerimentos ou limitações administrativas/processuais.
Uma vez que os impactos tenham sido identificados, o tamanho e a natureza
potencial de cada um deve ser prevista. A previsão de impactos é obtida através de
dados e técnicas físicas, biológicas, sócio-econômicas e antropológicas e pode empregar
modelos matemáticos, montagens fotográficas, modelos físicos, modelos sócio-
econômicos, modelos econômicos, experimentos ou julgamento de especialistas. Em
muitos casos este trabalho precisará ser realizado por especialistas das áreas de
interesse.
Para evitar gastos desnecessários, a sofisticação das técnicas de previsão usadas
deveria ser proporcional ao escopo da AIA e à importância de cada impacto particular.
Geralmente é muito tentador para aqueles envolvidos nesta fase envolver-se com
pesquisa que é do interesse pessoal em vez de relevância direta para a proposta. Para
evitar desperdício de tempo e dinheiro o programa de pesquisa e coleta de dados deve
ser focalizado para tratar os assuntos destacados nos Termos de Referência.
44

Quadro 1 - Vantagens de desvantagens de instrumentos para a identificação de


impactos
Instrumentos Vantagens Desvantagens
Checklists simples, escalares e • Simples de entender e usar • Não distinguem entre
ponderadas • Bom para seleção de sítio e impactos diretos e indiretos
para estabelecer prioridade • Não ligam a ação ao impacto
• O processo de incorporação de
valores pode ser controverso
Matrizes • Liga a ação ao impacto • Difícil de distinguir entre
• Bom método para mostrar os impactos diretos e indiretos
resultados da AIA • Potencial significativo de
dupla contagem de impactos
• Liga ação ao impacto • Pode tornar-se muito
• Útil como forma simplificada complexo se usada além da
Redes de interação de verificar impactos de versão simplificada
segunda ordem
• Lida com impactos diretos e
indiretos
Técnicas de Sobreposição • Fácil de entender • Trata somente impactos
• Bom método de exibição diretos
• Boa ferramenta para • Não trata a duração ou
localização probabilidade do impacto
SIG e sistemas especialistas • Excelente para identificação e • Geralmente complexo e
análise de impacto custoso

Fonte: UNEP (1996)

Os impactos podem ser previstos tanto quantitativa como qualitativamente. O uso


de quantificação pode tornar a comparação entre as alternativas e com as condições de
base mais fácil. Se a quantificação for difícil, é importante que sejam usadas técnicas
que possibilitem que os impactos sejam comparados sistematicamente. Muitas vezes,
terão de ser feitas descrições qualitativas, como por exemplo da qualidade da paisagem
ou de um habitat.
A avaliação dos impactos refere-se à importância dos impactos, ou seja, à
ponderação do grau de significância de um impacto em relação ao fator ambiental
afetado e a outros impactos. A importância de um impacto significa sua resposta social,
isto é, o quanto esse impacto é importante para a qualidade de vida do grupo social
afetado e para os demais, dependendo de um julgamento de valor. O grau de
importância estabelecido pelos técnicos que executam os estudos certamente será
diferente dos atribuídos pelos tomadores de decisão e pelos representantes da
comunidade. Por isso é necessária a criação de condições para o envolvimento de todos
os participantes do processo nesta atividade, especialmente os grupos sociais afetados
pelo projeto (Wathern, 1988 apud Baasch, 1995).
45

Conforme Appiah-Opoku (2001), o conhecimento empírico nativo não somente tem


o potencial para complementar o conhecimento científico de modo a melhorar os
estudos de avaliação; ele também pode encorajar a participação local e abordagens ‘de
baixo para cima’ nas decisões ambientais e de planejamento. O envolvimento das
populações locais pode ajudar a equipe de AIA a entender o uso dos recursos e as
nuances na área, e usar o conjunto de valores dessas pessoas para interpretar, avaliar e
monitorar os impactos de projetos sobre as comunidades locais.
De acordo com o UNEP (1996), a significância dos impactos deve ser derivada a
partir das preferências da comunidade e pode ser descoberta através do envolvimento
público ou outros meios especializados. A abordagem usada para determinar a
significância deve levar em consideração aspectos sociais e culturais dos sistemas de
valores locais e de práticas tradicionais. Um instrumento citado anteriormente,
denominado Batelle, que consiste em uma listagem de controle com escalamento e
ponderação, também pode ser útil para esta etapa.
O envolvimento público na identificação, previsão a avaliação dos impactos pode
ajudar a evitar tendenciosidades e imprecisões na análise, além de revelar valores e
preferências locais, permitindo uma análise mais informada dos impactos e opções.
Em muitos casos será requerido que o especialista individual ou a equipe de AIA
identifique ou estabeleça um conjunto de critérios de significância justificáveis através
dos quais os impactos podem ser avaliados.
Sadar (1995) apud UNEP (1996), observa que as bases para a avaliação da
significância do impacto são as seguintes:
• Nível de preocupação/interesse público (particularmente em relação à saúde e
segurança);
• Julgamento científico ou profissional;
• Perturbação/disrupção de valores de sistemas ecológicos; e
• Grau do impacto negativo sobre valores sociais e qualidade de vida.
Para a definição de critérios específicos para a determinação da significância dos
impactos, o autor citado sugere que estes critérios deveriam:
• Permitir a atribuição de significância de um modo racional através de discussão e
consenso;
46

• Fornecer uma medida da consistência necessária para a comparação de alternativas;


e
• Servir como documentação dos valores e crenças sobre os quais os julgamentos são
baseados.
A avaliação da significância dos impactos tem sempre uma dimensão subjetiva, que
surge da integração de valores, experiências, e conhecimento dos diferentes atores que
realizam a avaliação. Embora a subjetividade nunca possa ser eliminada, os resultados
de uma avaliação podem ser mais objetivos se são obtidos através de uma metodologia
pré-definida, com critérios de avaliação formulados claramente, e fazendo uso total da
informação gerada nas etapas anteriores. Antunes et al. (2001) desenvolveram uma
metodologia na qual o Sistema de Informações Geográficas (SIG) atua como uma
estrutura para apoiar o desenvolvimento de todas as tarefas dentro da AIA.
Particularmente na avaliação de impacto, a informação gerada pela utilização do SIG
nas etapas prévias da AIA pode ser usada mais a fundo na avaliação da significância do
impacto, contribuindo para aumentar a credibilidade da avaliação, e portanto para
melhorar a efetividade do processo inteiro da avaliação de impacto ambiental. Através
da metodologia de avaliação de impacto espacial desenvolvida por Antunes et al. (op.
cit.) (SIAM - Spatial Impact Assessment Methodology) a dimensão espacial dos
impactos é considerada explicitamente com o objetivo de melhorar a avaliação da
significância do impacto.
Metodologias multicritério também podem ser bastante úteis para a etapa de
avaliação da AIA. Segundo Ramanathan (2001), o processo de Análise Hierárquica de
Saaty (AHP) pode ser uma ferramenta útil para analisar sistematicamente as opiniões de
vários grupos de atores e especialistas pertencentes a diferentes campos em uma
avaliação de impacto ambiental. O AHP pode ser usado para capturar o conhecimento
empírico dos atores sobre a severidade relativa dos diferentes impactos, o que pode
ajudar as autoridades do projeto a priorizarem seus planos de gerenciamento ambiental.
Segundo Smit e Spaling (1995) as metodologias mais úteis para a avaliação de
efeitos cumulativos são o Sistema de Informações Geográficas, Análise da paisagem e
metodologias de modelagem e simulação. A análise de “loop” e “diagramas causa-
efeito” servem principalmente como mecanismos heurísticos. A criação de
47

metodologias que incorporem processos de mudança ambiental cumulativa é um


desafio para o futuro.

2.2.2 A Mitigação e gerenciamento de impactos


De acordo com Bisset (1996), tão logo sejam identificados os impactos adversos
significativos de um projeto deveriam ser realizadas discussões para ‘excluir’ estes
impactos através de mudanças no design, localização ou operação do projeto. Certos
impactos, no entanto, somente podem ser mitigados através da implementação de ações,
no tempo apropriado, durante a construção e operação de um projeto. Entre tais medidas
encontram-se as seguintes:
• Prevenir ou minimizar impactos antes que eles ocorram limitando a sua extensão ou
o tempo de ação;
• Eliminar ou reduzir um impacto atual no decorrer do tempo através de operações de
manutenção ou planejamento para contingência durante a vida do projeto;
• Retificar um impacto através de reparação, reabilitação ou restauração do meio
ambiente afetado;
• Compensar um impacto monetariamente ou através da reposição ou providenciando
recursos substitutos; e
• Maximizar os impactos benéficos através de ações adicionais específicas.
O foco da mitigação deveria estar sobre os impactos adversos significativos e sobre
impactos benéficos. Uma vez que estes impactos tenham sido tratados pode-se dar
atenção a impactos que são adversos, mas não são considerados significativos. Alguns
destes podem ser facilmente mitigados, outros não. Não é possível dar uma orientação
firme sobre a extensão na qual os impactos adversos deveriam ser mitigados, uma vez
que as decisões sobre esta matéria serão específicas para cada projeto e levarão em
consideração várias questões como custos, visões dos atores envolvidos na AIA
(incluindo consultas com o governo e com o público) e viabilidade. O envolvimento
público é importante para auxiliar na consideração das medidas mitigadoras que
deverão ser incorporadas dentro das alternativas favorecidas.
Para o UNEP (1996), é útil especificar detalhadamente no plano de mitigação, as
características das medidas mitigadoras a serem implementadas para os impactos ‘alvo’,
em particular:
48

• A descrição da ação mitigadora;


• O tempo/local da implementação;
• Os resultados esperados;
• A responsabilidade pela implementação;
• A estratégia de monitoramento necessária para verificar a implementação e o nível
de sucesso do desempenho; e
• Relatar os procedimentos para uma autoridade de controle e para um Comitê de
ligação com a comunidade (se existir algum).
Para monitorar e gerenciar os impactos com sucesso, e para implementar as medidas
mitigadoras no tempo apropriado, o proponente precisa de um plano de ação bem
definido. Dependendo dos requerimentos de sistema de AIA, este plano de ação,
chamado geralmente de plano de gerenciamento de impactos, pode ser incluído no
relatório de AIA. Um plano de gerenciamento de impactos deveria:
• Conter uma declaração da política ambiental do proponente, incluindo a
conformidade do projeto com a legislação ou padrões;
• Designar um responsável pela implementação geral do plano;
• Incluir uma tabela com as tarefas a serem empreendidas de acordo com as
recomendações do relatório de AIA e com os requerimentos da aprovação;
• Alocar a responsabilidade pela realização das tarefas;
• Incluir um sistema de relato do progresso das tarefas;
• Conter um plano de ações contingenciais a ser usado quando os resultados do
monitoramento indicam que os impactos não estão de acordo com as previsões e
padrões (UNEP, 1996).

2.2.3 A Preparação e Revisão do relatório de AIA


Segundo a UNEP (1996) o relatório de avaliação de impacto ambiental deve ser
feito para auxiliar:
• O proponente a planejar, projetar e implementar a proposta de modo que elimine ou
minimize os efeitos negativos sobre o meio biofísico (água, ar, solo, etc.) e sócio-
econômico e maximize os benefícios para todas as partes da maneira mais custo-
efetiva;
49

• O governo ou a autoridade responsável a decidir se a proposta deveria ser aprovada


e os termos e condições que deveriam ser aplicados;
• O público a entender a proposta e seus impactos sobre a comunidade e o ambiente.
O relatório de AIA deve ser preparado em nome do proponente, que é legalmente
responsável pela sua estrutura e conteúdo. A estrutura ampla e o conteúdo do relatório
geralmente é especificado na legislação e diretrizes do país ou da agência de
financiamento do projeto. Ao contrário da maioria dos relatórios técnicos preparados
durante os estudos de pré-viabilidade e viabilidade do projeto, o relatório de AIA será
utilizado por não-especialistas, portanto, precisa ser escrito de modo que comunique
efetivamente o seu conteúdo para as populações locais (principalmente aquelas afetadas
pela proposta), grupos de interesse e para os tomadores de decisão. Isto significa que
ele deveria ser breve (a UNEP sugere um limite de 200 páginas, incluindo os apêndices
técnicos), com o mínimo de terminologia técnica, e ser ilustrado com mapas de boa
qualidade, diagramas, gráficos e outros auxílios visuais. O relatório de AIA deve conter
um sumário executivo não-técnico que apresente as principais conclusões e opções
para a tomada de decisão. Este sumário não deveria tentar resumir todo o conteúdo do
relatório, ao invés disso ele precisa conter somente as informações/escolhas pertinentes
à decisão, com um limite de no máximo 10 páginas.
Segundo o UNEP (1996), o relatório de AIA deveria conter os seguintes itens:
• Um sumário executivo ou não técnico, conforme colocado acima, que pode ser
usado como um documento para promover o envolvimento público;
• Uma descrição dos objetivos do projeto;
• Uma discussão do relacionamento entre o projeto proposto e o uso do solo atual e
outras políticas relevantes para a área provavelmente afetada;
• Uma descrição do projeto proposto e as alternativas (incluindo a de não
desenvolvimento do projeto). Esta descrição deveria ser breve e dar atenção às
principais diferenças entre as alternativas;
• Uma descrição das condições ambientais esperadas no tempo de implementação
provável do projeto (biofísicas, sócio-econômicas, etc.);
50

• A avaliação dos impactos de cada alternativa, com informação clara sobre os


critérios usados para atribuir significância (e também descrições das características
de cada impacto);
• Avaliação comparativa das alternativas, cobrindo os impactos adversos e benéficos
significativos, medidas de mitigação e monitoramento e identificação da opção
preferida ambientalmente, se possível usando critérios de sustentabilidade;
• Um plano de gerenciamento de impactos;
• Uma discussão das incertezas envolvidas na interpretação/uso dos resultados
provenientes das técnicas de previsão e análise e uma descrição das lacunas nos
dados de base e outros dados usados no estudo de AIA e incluídos no relatório;
• Apêndices – toda a informação técnica e descrição dos instrumentos/técnicas usados
para fornecer conclusões no relatório de AIA, se não for adequada ao texto
principal, deveria ser incluída em apêndices, que deveriam conter:
• Um glossário;
• Uma explicação dos acrônimos;
• Uma lista completa do material de referência usado;
• Os termos de referência da AIA e dos especialistas individuais que investigaram
impactos específicos.
Os arranjos para disponibilizar os relatórios de AIA para o público e encorajar o
envolvimento público diferem de acordo com os requerimentos legislativos e
administrativos de cada país. Se houve o envolvimento público entre a etapa de
definição do escopo e produção do relatório de AIA pode ser útil adicionar uma seção
mostrando os comentários recebidos e as respostas dadas.
Deveriam ser consideradas outras formas de apresentação dos resultados do relatório
de AIA, com linguagem orientada para os diferentes interlocutores, através de:
• Vídeos em linguagem local
• Rádio e televisão locais
• Apresentações
• Boletins informativos
• Exibições, especialmente se elas são apoiadas por membros da equipe de AIA
• Reuniões baseadas em grupos da comunidade local
51

• Seminários e pequenos encontros


Todas as formas de apresentação citadas acima têm o seu lugar dentro da
comunicação com o público mas nenhuma pode ser efetiva sem o trabalho preliminar de
produção de um relatório compreensivo e claro, com dados acurados e consistentes.
O envolvimento do público na preparação do relatório de AIA deve, em princípio,
levar a uma melhoria na qualidade e na aceitabilidade do relatório. O conhecimento
público local sobre a área pode em geral ser útil na identificação de informação sobre o
meio ambiente provavelmente afetado. Além disso, geralmente o público pode
identificar áreas específicas de interesse local que deveriam ser destacadas no relatório
de AIA, e pode indicar os limites para mudanças aceitáveis localmente. Os comentários
públicos sobre os rascunhos dos capítulos do relatório de AIA, podem ser combinados
com opiniões sobre a aceitabilidade do projeto.
Em muitas jurisdições a participação pública antes da publicação do relatório de
impacto ambiental não é obrigatória. No Reino Unido, em comparação com outros
sistemas de AIA, os requerimentos para a participação pública antes da publicação do
relatório de AIA são fracos, uma vez que a etapa de escopo não é um requerimento
formal. Na Nova Zelândia as autoridades locais têm o poder de exigir que a consulta e a
participação pública aconteçam antes da submissão dos relatórios de impacto ambiental
para projetos notificados, enquanto que na Austrália a existência de uma etapa de
definição do escopo assegura efetivamente a participação pública, mesmo que isto não
seja obrigatório.
No Canadá, embora a participação ocorra durante um número limitado de revisões
de painel6, não há um requerimento obrigatório para o envolvimento na preparação dos
relatórios de AIA não sujeitos a revisão de painel. Na Califórnia, Estados Unidos, há
provisão para a participação e consulta antecipadas na preparação do estudo de impacto
ambiental e do relatório, respectivamente, mas as provisões relacionadas ao
envolvimento público na preparação das numerosos ‘avaliações ambientais’7 nos

6
Um painel é uma reunião na qual personalidades ou especialistas apresentam seus pontos de vista a
respeito de um tema, a fim de serem debatidos pelo plenário (Dicionário Aurélio, 1995).
7
Nos Estados Unidos, o termo ‘avaliação ambiental’ (AA) é utilizado significando uma avaliação
preliminar.
52

Estados Unidos em geral não são observadas, e não existe em relação aos ‘estudos
iniciais’ californianos. No entanto, a consulta e a participação públicas nas etapas
anteriores à submissão do relatório de avaliação de impacto ambiental estão fortemente
embutidas nos sistemas de AIA, como na Holanda e na Austrália Ocidental (EIA
Centre, 1995).
Os objetivos da revisão são revisar a qualidade do relatório de AIA, avaliar a
aceitabilidade da proposta, e obter comentários por parte dos atores. O processo de
revisão pode também ser usado para obter um julgamento imparcial de interesses
específicos, e geralmente conflitantes, das partes envolvidas e para evitar custos e
atrasos desnecessários. Geralmente a revisão identificará informação adicional que é
requerida ou medidas mitigadoras que poderiam ser incluídas. A revisão dos relatórios
de AIA geralmente é iniciada depois que o relatório é concluído, no entanto, ela pode
ser iniciada mais cedo e ser usada como um instrumento de monitoramento para
assegurar que o progresso é satisfatório e que a informação está de acordo com os
termos de referência. Portanto, é preferível que a revisão seja realizada antes que o
relatório final de AIA seja submetido à consideração por parte dos tomadores de decisão
finais.
A revisão dos relatórios de AIA pode ser realizada pelo governo, por autoridades
independentes, especialistas credenciados independentes ou painéis de revisão. Os
membros dos painéis de revisão não deveriam ser atores da proposta. Quando existem
questões que podem requerer pesquisa adicional, aspectos da proposta que requerem
modificação do relatório de AIA ou quando o relatório é inadequado, a revisão pode ser
um processo iterativo, com o retorno do relatório ao proponente para emendas que
visam remediar as inadequações identificadas.
A revisão através dos atores também pode ser realizada usando informação reunida
através de várias maneiras, que incluem informação fornecida pelo público quando da
exibição do relatório (ou quando o relatório é disponibilizado para o público), e da
realização de reuniões com as pessoas afetadas ou interessadas. Nesta etapa geralmente
são realizadas audiências públicas, que podem ser estruturadas de uma maneira formal
ou informal. Uma das maneiras de obter informação pública é receber comentários
escritos, contudo, a maioria das pessoas, com exceção dos mais instruídos e articulados,
53

fica intimidada em fazer tais comentários, portanto deveria haver outras maneiras de
alcançar respostas do público.
A revisão também pode ser realizada pelos proponentes durante a preparação do
relatório de AIA, como parte do processo de alcance da qualidade. Desta forma os
proponentes podem assegurar que seu trabalho tem um padrão apropriado, antes que ele
seja submetido à revisão externa.
O processo de revisão envolve o estabelecimento de um conjunto de critérios que
devem ser satisfeitos e padrões mínimos que devem ser alcançados. Estes padrões
variam de acordo com a importância relativa de um critério particular. Em alguns países
a revisão do relatório de AIA pode ser escrita, para consideração de um painel
independente.
A revisão pode ser realizada para verificar se:
• O relatório trata adequadamente o que foi estabelecido pelos Termos de Referência;
• Existe informação suficiente sobre os objetivos da proposta e seu cenário ambiental,
alternativas, impactos, mitigação e monitoramento;
• A informação é científica e tecnicamente correta;
• O processo de AIA foi conduzido apropriadamente, e os pontos de vista das partes
envolvidas têm sido levados em consideração;
• A informação tem sido apresentada de forma que possa ser entendida tanto pelos
tomadores de decisão quanto pelo público;
• A informação é relevante para as partes envolvidas na tomada de decisão; e
• Existe informação suficiente para que as implicações dos impactos ambientais sejam
tratadas pelos tomadores de decisão.
Quase todas as jurisdições preparam-se para a consulta e participação públicas
durante a revisão do relatório de impacto ambiental. Em um sistema de AIA
inteiramente participativo, estes direitos deveriam ser estendidos também à revisão da
informação posterior submetida pelo proponente. Cópias dos relatórios de impacto
ambiental deveriam ser obtidas gratuitamente ou a um preço razoável. Nos Estados
Unidos, tais documentos em geral são gratuitos, enquanto que em outras jurisdições
algumas vezes pode ser cobrada uma taxa substancial.
Em alguns sistemas de AIA (por exemplo, Polônia e Hong Kong), é difícil o público
obter acesso às cópias dos relatórios de impacto ambiental para certos tipos de projetos,
54

e quando isso é possível, os relatórios podem ser altamente técnicos. Em muitos países
em desenvolvimento é difícil, e algumas vezes impossível obter ou consultar cópias de
relatórios de AIA (EIA Centre, 1995).

2.2.4 A tomada de decisão


AIA é um processo de revisão, negociação e tomada de decisão incremental que
culmina em uma escolha essencialmente política, mas deveria ter base no
conhecimento científico, e não no empírico, moral e político, para determinar se a
proposta deve ou não prosseguir, e sob que condições.
Quando o termo ‘tomada de decisão’ é usado na AIA ele geralmente toma o
significado da aprovação ou autorização final de uma proposta. Em certos casos os
indivíduos que executam a revisão têm poder de tomada de decisão; ou seja, suas
decisões estão amarradas a menos que sejam derrubadas por uma convenção executiva.
Como as bases política e legislativa para a AIA diferem de país para país, existe
geralmente um número de decisões menores feitas em cada etapa através de todo o
processo. Cada uma dessas decisões pode ser feita por um pessoa ou grupo de pessoas
diferente. Por exemplo, algumas decisões, como as relacionadas à triagem (screening) e
à definição do escopo (scoping), podem ser feitas juntamente pelo proponente, pelo
ministro responsável e pelas autoridades ambientais. Outras decisões, como a seleção
da alternativa viável, podem ser feitas pelo proponente. Segundo Wood (1995) apud
UNEP (1996) a tomada de qualquer decisão envolverá um grande número de escolhas
conflitantes: entre simplificação e a complexidade da realidade; entre fatos e valores;
entre previsões e avaliação; e entre certeza e incerteza.
É esperado daqueles que tomam a decisão final sobre a aprovação do projeto o uso
de informação fornecida pela avaliação de impacto ambiental, juntamente com
informação obtida de outras fontes, para informá-los das conseqüências ambientais da
sua tomada de decisão. O tipo de informação considerada importante para os tomadores
de decisão é apresentado a seguir:
• Plano de fundo: O plano de fundo do projeto e as questões ambientais mais
importantes envolvidas;
55

• Contexto político: A questão ou problema básico de desenvolvimento sendo tratado


(por exemplo, poluição, inundações, seca, erosão, saúde, economia em depressão,
etc); o relacionamento com metas, políticas e planos de proteção ambiental;
• Alternativas da proposta (incluindo a opção ambiental mais viável);
• Envolvimento público: visões públicas principais, preocupações das comunidades
afetadas, áreas de acordo e desacordo;
• Análise de impacto: custos e benefícios; distribuição de perdas e ganhos;
• Mitigação e monitoramento: as constatações principais, incluindo os benefícios
econômicos principais, efeitos ambientais significativos e medidas mitigadoras
propostas; a extensão na qual a proposta entra em conformidade com os princípios
do desenvolvimento sustentável; o design e mudanças operacionais que são
consideradas críticas para a melhoria da aceitabilidade ambiental do projeto.
Segundo o UNEP (1996), a extensão na qual o tomador de decisão deve usar os
resultados e recomendações da AIA varia de uma jurisdição para a outra. Geralmente há
um requerimento para o tomador de decisão levar em consideração os resultados
durante o processo de tomada de decisão. Dependendo da legislação, o tomador de
decisão pode:
• Ter completa discrição para tomar uma decisão sem fornecer justificativas;
• Ser capaz de tomar a decisão e não incorporar todas as recomendações do processo
de AIA mas ter de explicar publicamente as razões para ter feito isto;
• Ter de agir totalmente de acordo com as recomendações da AIA.
Pode haver vários resultados diferentes da tomada de decisão:
• A proposta pode ser aprovada;
• A proposta pode ser aprovada com algumas condições;
• A proposta pode ser aprovada sujeita a investigações contínuas;
• Um documento suplementar ou novo relatório de AIA pode ser requerido se há
problemas significativos com a investigação original ou o relatório de AIA; e
• Em um número muito pequeno de casos a proposta, conforme foi formulada, pode
ser rejeitada.
56

Os seguintes critérios para a tomada de decisão, adotados pelos principais sistemas


de AIA ocidentais, ajudam a assegurar a transparência e a responsabilidade do processo:
• As constatações do relatório e da revisão da AIA são um determinante central de
decisão sobre a ação;
• A decisão pode ser adiada até que o relatório tenha sido preparado e revisado;
• A permissão pode ser recusada, condições podem ser impostas, ou modificações
requeridas na etapa de decisão;
• A decisão é feita por uma instituição e não pelo proponente;
• Uma avaliação resumida é preparada antes da decisão ser tornada pública;
• A decisão, as razões para a mesma, e as condições anexadas a ela são publicadas;
• Estas razões incluem uma explicação de como o relatório e a revisão da AIA
influenciaram a decisão;
• Existe uma orientação pública sobre os fatores a serem considerados na decisão;
• Há um direito de apelo contra as decisões;
• A tomada de decisão funciona efetiva e eficientemente.
Algumas jurisdições requerem um registro público escrito da decisão. Por exemplo,
o Registro de Decisão nos Estados Unidos deve conter:
• Uma declaração explicando a decisão;
• Uma explicação das alternativas consideradas e aquelas que são ambientalmente
preferíveis;
• Os fatores sociais, econômicos e ambientais considerados pela agência na tomada de
decisão;
• Uma explicação das medidas mitigadoras adotadas e, se métodos de mitigação
viáveis não foram adotados, um explicado do por quê não; e
• Um sumário do programa de monitoramento e coação que deve ser adotado para
assegurar que quaisquer medidas mitigadoras sejam implementadas.
Muitas aprovações feitas como resultado da AIA precisarão de modificações na
proposta original, e também impor condições e padrões de desempenho. Quaisquer
condições impostas deveriam levar em consideração as previsões feitas na AIA, e
refletir de forma realista qualquer incerteza nestas previsões. Os tomadores de decisão
precisam ser informados de qualquer dúvida sobre a confiabilidade dos dados usados na
57

AIA, quaisquer lacunas de informação, e quaisquer limitações da avaliação por causa


destas deficiências.
A participação pública na tomada de decisão é muito menos comum do que nas
etapas prévias do processo de AIA. Apesar disso, quando é produzida pela autoridade
competente alguma forma de avaliação, com base no relatório de impacto ambiental e
nos comentários públicos feitos sobre ele, esta pode ser disponibilizada ao público antes
da decisão final ser feita. (como por exemplo, na Austrália). A Diretiva da Comunidade
Européia sobre AIA requer que a decisão seja comunicada ao público e que as razões
dela sejam explicadas, quando a legislação dos Estados-membros assim solicitar (EIA
Centre, 1995).

2.3 O acompanhamento da AIA: o monitoramento e a auditoria


O termo monitoramento é usado para realizar a mensuração e registro, de forma
planejada e sistemática, de dados relacionados às variáveis físicas, sociais e econômicas
associadas com os impactos de projetos de desenvolvimento (EIA Centre, 1998). O
monitoramento pode ser usado para assegurar que os benefícios antecipados como
resultado da AIA sejam efetivamente alcançados à medida que o projeto prossiga. O
planejamento de um programa de monitoramento envolve a coleta e análise de amostras
e a interpretação e relato dos dados. As informações compiladas do monitoramento
podem ser usadas para:
• Documentar as condições de base do início da AIA;
• Avaliar o desempenho e monitorar a conformidade com condições especificadas nas
permissões de construção e licenças de operação e modificar a atividade ou medidas
mitigadoras se existirem efeitos prejudiciais não previstos no meio ambiente;
• Revisar impactos ambientais previstos para o gerenciamento efetivo dos riscos e
incertezas;
• Identificar tendências nos impactos;
• Revisar periodicamente, alterar planos ou atividades de gerenciamento de impacto;
• Verificar a precisão das previsões passadas de impactos e a efetividade das medidas
mitigadoras, para transferir a experiência para atividades futuras do mesmo tipo; e
• Revisar a efetividade do gerenciamento ambiental.
58

Deve-se chegar a um acordo sobre a responsabilidade em relação aos seguintes


pontos antes de ser dada qualquer aprovação para o projeto prosseguir:
• Realização e remuneração do monitoramento (quem irá arcar com os custos do
monitoramento);
• O gerenciamento da informação obtida a partir do monitoramento; e
• Implementação de qualquer ação que poderia ser requerida como resultado do
monitoramento.
O monitoramento é um processo dispendioso, portanto deveria ser focalizado sobre
os impactos que são significativos ou não bem entendidos (e requerem uma análise
posterior). O planejamento de um programa de monitoramento precisa refletir a
capacidade local para implementar ou para obter assistência para a implementação. É
preciso que haja uma reflexão considerável dos objetivos do programa de
monitoramento antes que ele seja planejado. Deveria haver uma reflexão particular
sobre como os resultados serão usados na prática e por quanto tempo o monitoramento
precisa ser executado.
O programa de monitoramento deveria incluir também planos de ação ou
emergência de modo que possa haver uma ação apropriada no evento resultados ou
tendências de monitoramento adversas.
Segundo o EIA Centre (1998), o monitoramento deveria estar ligado à previsão de
impactos de modo que exista informação sobre:
• A natureza do impacto
• A magnitude do impacto
• A extensão geográfica do impacto
• A escala de tempo do impacto
• A probabilidade de ocorrência do impacto
• A significância do impacto, e
• A confiança na previsão do impacto
Os programas de monitoramento precisam ser revistos constantemente para
assegurar que estão sendo efetivos, e para identificar o tempo no qual eles podem ser
interrompidos. Programas de monitoramento efetivos possuem:
• Um programa de amostragem realista (temporal e espacial)
59

• Métodos de amostragem relevantes para as fontes (fontes pontuais, aéreas, 3d)


• Coleta de dados com qualidade
• Compatibilidade de dados novos com outros dados relevantes
• Coleta de dados custo-efetiva
• Controle de qualidade na mensuração e análise
• Inovações (por ex. estações automatizadas, e rastreamento de contaminantes)
• Bases de dados apropriadas
• Interpretação de dados multidisciplinares para fornecer informação útil
• Relatos para o gerenciamento interno e verificações externas
• Permitir e responder à entrada de informação de terceiros
• Apresentação na arena pública (avaliação externa)
Os seguintes passos na estrutura de um programa de monitoramento refletem as
características de um monitoramento efetivo e são apropriados para várias propostas de
desenvolvimento:
• Identificar o escopo do monitoramento e os aspectos que precisam ser monitorados
(por ex. qualidade da água);
• Definir os objetivos para o monitoramento e cada um destes aspectos;
• Decidir como a informação coletada será usada na tomada de decisão;
• Definir as fronteiras e selecionar mapas e planos, e sítios para observação,
mensuração e amostragem;
• Selecionar os indicadores principais para mensuração ou observação direta;
• Definir como os dados serão analisados e como a análise será apresentada;
• Tomar decisões sobre o nível de precisão requerido dos dados;
• Considerar como novos dados podem ser usados para melhorar os dados existentes e
assegurar que eles estejam em um formato que permita que sejam usados com os
dados existentes;
• Estabelecer um sistema para registrar a responder a dados fornecidos pela
comunidade;
• Estabelecer requerimentos mínimos para o monitoramento do ar, qualidade da água,
mudança social, etc.
60

Os responsáveis por programas de monitoramento não deveriam subestimar o valor


da observação simples e o relato, especialmente feitos pelas partes locais afetadas. A
participação de representantes locais no processo de monitoramento pode auxiliar os
proponentes e as agências a responder problemas à medida que eles forem surgindo.
(UNEP, 1996).
Um tipo especial de auditoria ambiental é a auditoria em AIA que pode fornecer
uma avaliação da conformidade do projeto com as condições de aprovação juntamente
com uma avaliação da efetividade de uma AIA particular na previsão de tipos e
características de impacto. Uma auditoria de AIA formal, portanto, somente pode ser
iniciada depois da implementação parcial ou total do projeto, uma vez que envolve a
comparação dos impactos previstos no relatório de AIA com aqueles que realmente
ocorreram depois da implementação. A retroalimentação fornecida por este tipo de
auditoria pode ser usada para melhorar a efetividade e eficiência de outras AIAs no
futuro.
Uma auditoria de AIA é planejada para ser específica a um determinado sítio,
embora possa fornecer informação que é válida para o processo de AIA como um todo.
Ela pode incluir a realização de checklists e questionários, bem como seguir diretrizes
escritas e usar sistemas de avaliação. Na literatura existem métodos de auditoria de AIA
como o desenvolvido por Wilson (1998), que identifica os impactos reais que aparecem
como resultado de um projeto e usa técnicas simples de campo para determinar se
aqueles impactos foram propriamente caracterizados na AIA.
As auditorias de AIA podem destacar os tipos e categorias de impacto que tendem a
ser previstos menos acuradamente do que outros. Isto estimula a melhoria das técnicas
usadas para fazer tais previsões. A adoção de uma abordagem tentativa-e-erro para a
previsão de impacto ambiental, sustentada pelo monitoramento e auditoria, é essencial
para lidar com a incerteza que caracteriza o ambiente natural. Com o passar do tempo a
auditoria poderia levar a melhorias na precisão e nas técnicas preditivas, e a incerteza
poderia ser reduzida.
A auditoria em AIA também pode fornecer informação sobre a efetividade das
medidas mitigadoras. Com a descoberta das falhas através da auditoria, os
empreendedores podem ser encorajados a melhorar seu comprometimento com a
implementação das medidas mitigadoras e com o gerenciamento do projeto. Portanto, a
61

auditoria pode ser vital para aumentar a credibilidade do processo de AIA e melhorar o
grau de confiança pública. Além disso, ela pode também ser usada para identificar e
corrigir (mitigar) impactos não antecipados (EIA Centre, 1998).
Para realizar a auditoria em AIA são requeridos os dados do monitoramento. Porém,
vários estudos destacam a falta de dados de monitoramento como o principal problema
quando se tenta realizar uma auditoria. Os requerimentos para o monitoramento variam
muito entre os diferentes países, embora requerimentos obrigatórios pareçam ser a
exceção e não a regra. Se os dados de monitoramento estão disponíveis para a auditoria,
eles podem não ser sempre apropriados. Existe também o perigo de que os dados de
monitoramento possam ser enviesados em direção aos interesses do empreendedor.
Mesmo se um programa de monitoramento existe, as variáveis que são monitoradas
podem não corresponder às variáveis (e/ou unidades) usadas na previsão, dificultando a
realização de uma auditoria. O monitoramento das condições de base pré-
desenvolvimento precisa ser realizado por tempo suficiente para assegurar que a
variabilidade natural dentro das variáveis relevantes sejam adequadamente entendida.
Além disso, a literatura indica que freqüentemente a formulação das previsões de
impacto nos relatórios de AIA é muito vaga, experimental ou incerta para permitir uma
auditoria rigorosa.
O custo do monitoramento e da auditoria é geralmente proibitivo para o
empreendedor, e existe uma falta geral de interesse nos benefícios que podem surgir de
uma AIA apropriadamente implementada e auditada. Existem também dificuldades
causadas por questões de confidencialidade e de acesso a dados. A percepção de que a
auditoria meramente destaca a inadequações de um relatório de AIA individual, e a
natureza freqüentemente adversa do processo, dificulta a melhoria da imagem da
auditoria. Muitas autoridades competentes podem enxergar a auditoria como uma
ameaça e um criticismo ao processo de tomada de decisão (Bisset, 1980).
A capacidade de comentar os resultados da etapa de monitoramento depende da
verificação dos procedimentos de operação e monitoramento. Os resultados do
monitoramento estão freqüentemente disponíveis, mas em geral são difíceis de obter.
Várias jurisdições, como o Canadá, recentemente tem tornado suas provisões relativas
ao monitoramento da AIA mais severas, requerendo a disseminação de informação para
o público. Na Holanda, a autoridade competente deve preparar um relatório pós-
62

auditoria, comparando os impactos com aqueles previstos na AIA, e publicá-lo. Porém,


esta provisão para participação pública ainda não tem provado sua efetividade, uma vez
que poucos relatórios pós-auditoria têm sido publicados e não há um recurso efetivo se
os resultados do monitoramento são piores do que os antecipados (Wood, 1995 apud
EIA Centre, 1998).
63

3 O SISTEMA DE AIA NO BRASIL


Este capítulo mostra como a Avaliação de Impactos Ambientais – AIA – inseriu-se
dentro do sistema normativo brasileiro, constituindo-se através de diversas leis e
regulamentos em um instrumento preventivo de proteção ambiental. É analisada a
estrutura institucional para a AIA no Brasil, bem como se discutem as determinações
estabelecidas pela Resolução CONAMA nº1/86 e outras regulamentações adicionais. É
examinado o papel dos atores envolvidos no processo de AIA, e por fim, identificam-se
os principais problemas encontrados na prática da AIA no Brasil.

3.1 A AIA e a Política Nacional do Meio Ambiente

Segundo Monosowski (1989), em 1981, iniciou-se uma nova fase para a política
ambiental brasileira, com a criação da lei da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei
nº 6.938/81) e com sua regulamentação em julho de 1983. Os objetivos nacionais
relativos à questão ambiental são determinados procurando-se levar em consideração as
desigualdades e especificidades regionais e propondo novos instrumentos técnicos e
institucionais. Segundo a autora, em nível institucional, duas inovações principais dessa
lei se destacaram:
• A criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), diretamente
vinculado ao Presidente da República e encarregado da formulação das políticas
ambientais. Desta forma foi definida uma nova instância política de decisões. A criação
do CONAMA e dos conselhos ambientais propiciaria a integração e a coordenação das
ações de diferentes setores governamentais. A participação pública nas decisões foi
contemplada, embora de forma limitada, através da inclusão de organizações
representativas da sociedade civil entre os membros do conselho;
• A criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), tendo por instância
superior o CONAMA. O SISNAMA incluiu o conjunto das instituições governamentais
que se ocupam da proteção e gestão da qualidade ambiental, em nível federal, estadual e
municipal, e também de órgãos da Administração pública Federal, cujas atividades
afetem diretamente o meio ambiente.
A Política Nacional do Meio Ambiente propôs também algumas inovações quanto
aos instrumentos e estratégias de sua implantação. Entre as questões prioritárias para
64

ação governamental estão o estabelecimento de critérios e padrões de qualidade, bem


como diretrizes para a apropriação de recursos naturais e o desenvolvimento de pesquisa
e tecnologias apropriadas à gestão do meio ambiente. De acordo com essa política, os
recursos naturais devem ser preservados e recuperados para garantir sua utilização
racional e sua disponibilidade permanente; os poluidores e predadores são obrigados a
reparar ou indenizar as degradações provocadas e o usuário deve dar uma contribuição
pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos (Monosowski, 1989).
Conforme Machado (2000), a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente unificou
os princípios ambientais, assumindo a responsabilidade de supervisão e a formulação de
normas gerais da política ambiental em escala nacional. Por outro lado, a través da
formação do SISNAMA, projetou um sistema de descentralização da implementação,
atribuindo níveis de competência aos estados e municípios.
O objetivo principal dessa política, de acordo com o artigo 2°, é a “preservação,
melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no
País, condições para o desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança
nacional e a proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios”:

I – ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio


ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido,
tendo em vista o uso coletivo;

II – racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;

III – planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;

IV – proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;

V – controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;

VI – incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a


proteção dos recursos ambientais;

VII – acompanhamento do estado da qualidade ambiental;

VIII – recuperação de áreas degradadas;

IX – proteção de áreas ameaçadas de degradação;


65

X – educação ambiental a todos os níveis de ensino, incluindo a educação da


comunidade, objetivando capacitá-la para a participação ativa na defesa do meio
ambiente.

Para atingir esse objetivo, a Lei 6.938/81 prevê a Avaliação de Impacto Ambiental –
AIA e uma série de outros instrumentos complementares e inter-relacionados, citados a
seguir:
• Licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, que
exige a elaboração a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo
Relatório de Impacto no Meio Ambiente (EIA/RIMA) e/ou outros documentos
técnicos como o Plano de Controle Ambiental (PCA), o Relatório de Controle
Ambiental (RCA) e o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), os quais
constituem instrumentos básicos de implementação da AIA;
• O zoneamento ambiental, o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental e a
criação de unidades de conservação, que condicionam e orientam a elaboração de
estudos de impacto ambiental e de outros documentos técnicos necessários ao
licenciamento ambiental;
• Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa ambiental, os
Relatórios de Qualidade Ambiental, as penalidades disciplinares ou compensatórias
ao não-cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da
degradação ambiental, os incentivos à produção, a instalação de equipamentos e a
criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental,
que facilitam ou condicionam a condução do processo de AIA em suas diferentes
fases (Moreira, 1989).
Segundo o artigo 10º da Política Nacional do Meio Ambiente,

“A construção, instalação, ampliação e funcionamento de


estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais,
considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os
capazes sob qualquer forma, de causar degradação ambiental,
dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente,
integrante do SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo
de outras licenças exigíveis.” (PNMA, 1981)
66

O artigo 14º, parágrafo 1º, responsabiliza o poluidor por danos ambientais


decorrentes da sua atividade:
“é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros,
efetuados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos
Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e
criminal por danos causados ao meio ambiente.” (PNMA, 1981)

O mesmo artigo também prevê a aplicação de penalidades pecuniárias nos casos de


omissão da autoridade estadual ou municipal.
Uma das abordagens estratégicas mais importantes adotadas pela Política Nacional
de Meio Ambiente foi a responsabilização do Estado em relação a suas próprias ações,
ao se exigir que as atividades públicas e privadas sejam exercidas conforme os
princípios da legislação ambiental. Essa foi uma inovação importante, em especial no
que se refere aos grandes projetos de transformação da natureza, que até a criação da
Lei 6.938 estavam fora do controle das agências governamentais para proteção
ambiental.
A estratégia do planejamento ambiental é adotada através de dois instrumentos: a
avaliação de impactos ambientais (AIA) e o zoneamento ambiental. O zoneamento
definiria, em termos gerais, as diretrizes de uso e ocupação do solo e de apropriação de
recursos naturais, para as diversas regiões. A avaliação de impactos ambientais se
aplicaria ao estudo das possíveis conseqüências ambientais e sociais de projetos
públicos e privados.
A participação pública nas decisões da política ambiental foi contemplada através de
representação no CONAMA e conselho estaduais, e também no processo de
licenciamento das atividades. Em especial, a regulamentação da AIA (Resolução
CONAMA n°1/86) prevê a possibilidade de convocação de audiências públicas para a
discussão de projetos, abrindo assim um espaço para a participação social no processo
de tomada de decisões (Moreira, 1989).

3.2 A estrutura institucional para a AIA no Brasil


Segundo Glasson e Salvador (2000), a estrutura institucional para a avaliação de
impactos ambientais no Brasil possui três níveis reguladores distintos. Em nível federal
(nacional), está o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, um grande
67

conselho deliberativo criado em 1981 pela Lei 6.938 (PNMA), cujo papel é estabelecer
e coordenar a política ambiental, fazer as regulamentações principais e gerais, e propor
leis federais a serem submetidas ao Congresso Nacional.
Conforme Machado (2000), o CONAMA teria como finalidade a articulação de
todos os órgãos e entidades nas diversas instâncias governamentais, bem como de
instituições investidas pelo poder público de responsabilidade pela proteção e melhoria
da qualidade ambiental.
Entre as competências do CONAMA, incluem-se:
• estabelecer diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e recursos
naturais;
• baixar normas necessárias à execução e implementação da Política Nacional do
Meio Ambiente;
• estabelecer normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou
potencialmente poluidoras;
• determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das
possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando
aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem como a entidade privadas, as
informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e
respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação
ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional (Lei 6938,
Artigo 8º ).
O CONAMA legisla por meio de Resoluções, quando a matéria se tratar de
deliberação vinculada à competência legal e através de Moções, quando versar sobre
matéria, de qualquer natureza, relacionada com a temática ambiental. Por meio de suas
resoluções, o CONAMA organizou um conjunto coerente de normas essenciais para a
preservação e melhoria da qualidade do meio ambiente (Machado, 2000).
Atualmente o CONAMA é composto de Plenário e Câmaras Técnicas, sendo
presidido pelo Ministro do Meio Ambiente. A Secretaria Executiva do CONAMA é
exercida pelo Secretário Executivo do Ministério de Meio Ambiente (MMA).
O Conselho é um colegiado, representativo de diversos setores do governo e da
sociedade que lidam direta ou indiretamente com o meio ambiente. A composição do
Plenário é feita da seguinte forma:
68

• um representante do IBAMA;
• um representante da Agência Nacional de Águas - ANA;
• um representante de cada um dos Ministérios, das Secretarias da Presidência da
República e dos Comandos Militares do Ministério da Defesa, indicados pelos
respectivos titulares;
• um representante de cada um dos Governos Estaduais e do Distrito Federal,
indicados pelos respectivos governadores;
• oito representantes dos Governos Municipais que possuam órgão ambiental
estruturado e Conselho de Meio Ambiente com caráter deliberativo;
• vinte e um representantes de entidades de trabalhadores e da sociedade civil;
• oito representantes de entidades empresariais;
• um membro honorário indicado pelo Plenário;
• um representante do Ministério Público Federal; (sem direito a voto)
• um representante dos Ministérios Públicos Estaduais, indicado pelo Conselho
Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça; (sem direito a voto)
• um representante da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e
Minorias da Câmara dos Deputados (sem direito a voto) .

Cada Câmara Técnica é composta de 07 Conselheiros, que elegem um Presidente e


um Relator. As Câmaras Técnicas Temporárias são criadas por determinação do
Plenário por prazo definido, para cumprir objetivo predeterminado.
Segundo Moreira (1989), as primeiras reuniões do CONAMA constituíram-se em
oportunidades para a discussão sobre a Avaliação de Impactos Ambientais. Na segunda
reunião ordinária do Conselho, foi discutida e aprovada a proposta do representante do
Estado do Rio de Janeiro para a execução de estudos e apresentação de RIMA dos
projetos de obras hidráulicas do Departamento Nacional de Obras e Saneamento para
aquele estado brasileiro. Juntamente com a resolução foram estabelecidas diretrizes
gerais e específicas para a elaboração dos estudos. Uma proposta semelhante foi
apresentada pelo representante da Associação Brasileira de Direito ambiental, na quarta
reunião ordinária do Conselho. Essa proposta determinava que a Eletrobrás apresentasse
estudos e relatórios de impacto ambiental referentes aos complexos hidrelétricos a
serem implantados no Estado do Paraná. O assunto levantou muitas questões, entre elas
69

a necessidade de se regulamentar a matéria, para evitar que a AIA viesse a ser utilizada
sem os critérios adequados. Levantou-se a necessidade de submeter ao licenciamento
ambiental todas as atividades que por seu porte, localização ou natureza, modificassem
significativamente o meio ambiente, principalmente aquelas executadas pelos órgãos e
instituições públicas, que até então ficavam livres de qualquer controle ambiental.
Conseqüentemente, o representante do Estado do Rio de Janeiro tomou a iniciativa de
encaminhar ao Presidente do CONAMA uma proposta de resolução que tivesse como
objetivo estabelecer as diretrizes gerais para a implementação do uso da AIA em nível
nacional.
Com base na terminologia e nas diversas determinações do Decreto nº 88.351/83,
que regulamentava a PNMA, a proposta de resolução definia impacto ambiental,
estabelecia a lista das atividades modificadoras do meio ambiente que deveriam ser
obrigatoriamente submetidas à AIA, atribuía as responsabilidades dos participantes e
fornecia diretrizes gerais para a elaboração do estudo e apresentação do respectivo
RIMA, determinando seus conteúdos mínimos. A proposta foi aprovada depois de
discussões exaustivas, constituindo a Resolução CONAMA nº 1, de 23/01/1986. Um
dos pontos mais importantes dessa resolução é a obrigatoriedade de licenciamento
ambiental para projetos governamentais, que antes não tinham de ser licenciados
(Moreira, 1989).
Para Capocianco (1997) apud Machado (2000), entre 1984 e 1986 o CONAMA
conseguiu desempenhar o papel de articulador das diversas áreas de governo no espaço
ambiental estatal, buscando promover a co-responsabilidade na formulação e
implementação das suas políticas ambientais e assegurando-lhe uma certa unidade. Mas
a partir de 1986, começou um processo crescente de tecnificação da política ambiental
formulada, sendo que as discussões do conselho começaram a se concentrar em torno
da definição de normas e procedimentos ambientais, com uma forte redução do
conteúdo político. Com isso, ocorreu uma retroalimentação entre a despolitização das
questões discutidas no CONAMA (através da tecnificação ou normalização técnica do
meio ambiente) e a perda do poder político desse órgão. A partir deste fato, abriu-se
espaço para a entrada de novos agentes e novos arranjos institucionais no cenário da
formulação e implementação da política ambiental brasileira.
70

Para Acselrad (1996) apud Machado (2000, p. 12),

“a falta de articulação intra, inter e extra governamental sobre


questões ambientais estratégicas foi impedindo uma atuação afetiva do
CONAMA e fez com que suas discussões girassem cada vez mais em
torno de questões específicas e emergenciais, na maioria das vezes
ligadas a aspectos técnico-normativos relacionados a problemas
concretos e sem implicações efetivas para a política ambiental mais
global.”

Para Machado (2000, p. 12),

“a estrutura organizacional desses novos arranjos institucionais é


refratária à participação popular, limitando-a a situações especiais em
que seus presidentes podem convidar representantes da sociedade civil
e representantes das esferas estaduais e municipais de governo, sem
direito a voto, a participar das atividades”.

Desta forma, para Machado (2000), apesar da ampliação da representatividade social


do CONAMA ao longo dos anos, com a presença de representantes do empresariado,
dos trabalhadores, e de entidades da sociedade civil preocupadas com os problemas
ambientais, houve uma redução cada vez maior em termos do seu peso político efetivo.
A repercussão política do CONAMA é cada vez mais limitada devido à despolitização
dos conteúdos debatidos e as decisões tomadas têm cada vez menos respaldo político,
levando a uma perda de legitimidade da instituição.
Nos seus primeiros anos, o colegiado do CONAMA alcançou um formato mais
democrático da gestão ambiental, no qual as forças sociais interagiam, lutavam e se
articulavam, buscando a cooperação e co-responsabilidade dos atores da dinâmica
territorial na busca de soluções para os problemas sociais e ambientais provenientes
desta interação. Atualmente, devido ao esvaziamento político do Conselho, ele não
possui mais a capacidade de influenciar a tomada de decisão na formulação e
implementação das políticas ambientais. E uma das piores conseqüências do
enfraquecimento do CONAMA é a diminuição da participação da sociedade nas
discussões da política ambiental brasileira, o que provavelmente gera repercussões que
dificultam a melhoria do processo de Avaliação de Impacto ambiental.
Além do CONAMA, outra instituição federal ambiental é o Ministério do Meio
Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA), que tem o papel de
implementar e integrar a política ambiental nacional em todo o país. Subordinado ao
71

MMA está o Instituto Brasileiro de Meio ambiente e Recursos Naturais Renováveis


(IBAMA), uma agência executiva central que tem vários papéis, entre eles:
• a coordenação e integração de ações em nível nacional, tais como o licenciamento
ambiental, avaliação de impactos ambientais, controle da poluição;
• licenciamento de projetos relacionados com a exploração de recursos naturais;
• o licenciamento e revisão dos estudos de impacto ambiental e relatórios de impacto
ambiental (EIA/RIMA) de projetos cujos efeitos ambientais estão relacionados a
mais de um estado ou a bacias hidrográficas federais;
• e o licenciamento, revisão de EIA/RIMA, e controle da poluição, de modo
suplementar, em alguns estados que têm dificuldades ou falta de condições para o
desenvolvimento dessas atividades. Este papel do IBAMA tem causado vários
problemas, em alguns casos, pela sobreposição de sua ação com as ações das
agências estaduais, o que gera conflitos, e em outros casos, pela omissão, quando
nenhum dos dois encarrega-se das ações necessárias.
Em nível estadual (regional), existem os Conselhos Estaduais de Meio Ambiente
(CONSEMAs), as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente (SEMAs), e os Órgãos
Estaduais de Meio Ambiente (OEMAs). Os conselhos estaduais de meio ambiente
também têm muitos membros e um papel similar ao CONAMA, estabelecendo as
políticas ambientais estaduais, fazendo regulamentações e propondo leis estaduais. As
secretarias estaduais têm um papel similar ao MMA, implementando, coordenando, e
integrando as políticas estaduais. Os órgãos estaduais8 são geralmente subordinados às
SEMAs e lidam com o licenciamento ambiental, revisão de EIA/RIMA, controle da
poluição, etc. Alguns estados possuem diferentes agências para revisar o EIA/RIMA e
lidar com o licenciamento e controle da poluição.
Em nível municipal (local), existem os Conselhos Municipais de Meio Ambiente
(CONDEMAs), as Secretarias Municipais de Meio Ambiente (SMs) e os
Departamentos Municipais de Meio Ambiente (DMs). Os Conselhos e Secretarias têm,
respectivamente, papéis similares aos CONSEMAs e SEMAs. Porém, somente poucas

8
Em Santa Catarina, o OEMA (FATMA) desenvolveu Instruções Normativas para diferentes
tipos de licenciamentos (por exemplo, para Atividades Industriais, Atividades de Mineração, Estações de
Tratamento de Esgoto, Suinocultura, e outros).
72

municipalidades (a maioria delas relacionadas com as principais cidades) têm


CONDEMAs, secretarias específicas ou departamentos específicos para lidar com
questões ambientais. As SMs e DMs geralmente não tratam do licenciamento ambiental,
da revisão de EIA/RIMA ou do controle da poluição; elas são limitadas principalmente
ao licenciamento de edificações. A maior parte das municipalidades brasileiras não
lidam com as questões ambientais e, mais especificamente, não lidam com aquelas
questões relacionadas à avaliação de impactos ambientais. Conseqüentemente, o sistema
de AIA é altamente centralizado em nível estadual, sem a base local que poderia
melhorar sua efetividade.
O licenciamento ambiental é composto por três tipos de licença:

• Licença Prévia (LP), para a fase preliminar de planejamento da atividade, contendo


requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação,
observados os planos municipais, estaduais e federais de uso do solo;

• Licença de Instalação (LI), autorizando o início da implantação, de acordo com as


especificações constantes do projeto executivo aprovado; e

• Licença de Operação (LO), autorizando, após as verificações necessárias, o início da


atividade e o funcionamento dos equipamentos de controle da poluição, de acordo
com o previsto nas licenças prévia e de instalação (art. 19) (Barbieri, 1996).

O procedimento de licenciamento ambiental deve obedecer às seguintes etapas:


I – Empreendedor realiza consulta ao órgão ambiental competente (OEMA ou IBAMA),
requerendo a licença ambiental prévia (LP);
II – Órgão ambiental competente define, com a participação do empreendedor, os
documentos, projetos e estudos ambientais necessários ao licenciamento e estabelece o
Termo de Referência, que orientará a elaboração do EIA/RIMA;
III – Empreendedor providencia o EIA/RIMA, contratando um firma de consultoria ou
utilizando profissionais próprios;
IV – Órgão ambiental competente analisa o EIA/RIMA apresentado pelo
empreendedor, podendo aceitá-lo ou não;
V – Caso não seja aceito, o órgão ambiental competente solicita esclarecimentos e
complementações do EIA/RIMA e outros documentos;
73

VI – Uma vez aceito, o órgão ambiental competente coloca o EIA/RIMA à disposição


do público, e marca-se uma audiência pública, de acordo com a regulamentação
pertinente;
VII – Órgão ambiental competente emite uma decisão sobre o projeto, aprovando-o ou
não;
VIII – Caso seja aprovado, o órgão ambiental competente dá a Licença Prévia ao
empreendedor;
IX – O empreendedor faz o projeto executivo das medidas mitigadoras e requer a
Licença de Instalação (LI);
X – O órgão ambiental competente verifica a adequação do projeto executivo e outros
estudos (PCA, RCA, PRAD) e em caso positivo dá a Licença de Instalação;
XI – O empreendedor pode dar início à implementação do projeto;
X – O empreendedor requer a Licença de Operação (LO);
XI – O órgão ambiental competente realiza vistoria, confirma o funcionamento dos
sistemas de controle ambiental e o cumprimento do que consta nas licenças anteriores;
XII – Em caso positivo, o órgão ambiental competente dá a LO e o empreendimento ou
atividade entra em operação (Bastos e Almeida, 1999; Glasson e Salvador, 2001;
CONAMA, 1997).

3.3 Legislação e regulamentações sobre a AIA

O EIA apareceu pela primeira vez no âmbito da Legislação Federal através da Lei n°
6.803/80, que dispõe sobre o zoneamento industrial, mas sem definições e critérios
(Barbieri, 1996). De acordo com essa lei o EIA só era exigível na aprovação de limites e
autorizações para a implantação de zonas de uso estritamente industrial destinadas à
localização de pólos petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos, bem como de
instalações nucleares. Em nenhum momento a lei previu a participação da comunidade
no processo decisório de escolha das alternativas ou sequer na fiscalização do EIA
(Milaré, 1994). Somente depois da decretação da Lei n° 6.938/81, que dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), que a avaliação de impactos ambientais
passou a ser objeto de provisões explícitas em nível federal.
74

A obrigatoriedade do Poder Público em exigir o Estudo Prévio de Impacto


Ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
degradação do meio ambiente foi fixada através do artigo 225 da Constituição Federal
de 1988, a primeira Carta Magna do mundo a tornar obrigatório o Estudo de Impacto
Ambiental no âmbito constitucional (Machado, 1998 apud Milaré, 1994).
Segundo Milaré (1994), os Estados-membros, quase por unanimidade, fizeram
inserir em seus textos constitucionais previsões específicas acerca dos estudos de
impacto ambiental, reforçando e consolidando esse instrumento.9
A Constituição Federal de 1988 produziu um texto inédito em constituições em todo
o mundo, capaz de orientar uma política ambiental no país e de induzir uma
mentalidade preservacionista. A incorporação pelo direito brasileiro desse instrumento
preventivo de tutela ambiental estimulou a participação da sociedade nas discussões
democráticas sobre a implantação de projetos e contribuiu para o manejo adequado dos
recursos naturais, o uso correto de matérias-primas e a utilização de tecnologias de
ponta. O estudo de impacto ambiental valoriza a vocação essencialmente preventiva do
direito ambiental, expressa pela máxima: ‘é melhor prevenir do que remediar’.

“Foi exatamente para prever (e, a partir daí, prevenir) o dano antes de
sua manifestação que se criou o EIA. Daí a necessidade de que seja
elaborado no momento certo: antes do início da execução, ou mesmo
de atos preparatórios, do projeto. Não é à toa que a Constituição
Federal preferiu rebatizar o instituto, passando de ‘avaliação de
impactos ambientais’ para ‘estudo prévio de impacto ambiental10”
(Milaré, 1994, p. 53).

9
Consultem-se, a propósito, as constituições dos Estados de Alagoas (art. 217,1V), Amazonas (arts. 230,
VI, e 235). Bahia (art. 214. IV), Ceará (art. 264), Espírito Santo (art. 187), Goiás (art. 132, § 3º),
Maranhão (art. 241, VIII). Mato Grosso (art. 263, § único, IV), Mato Grosso do Sul (art. 222, § 2º,
IV), Minas Gerais (art. 214, §§ 1º, IV, e 2º) Pará (art. 255, § 1º), Paraíba (sri. 228, § 2º), Paraná (art.
207, §1º, V), Pernambuco (art. 215), Piauí (art. 237, § 1º, IV), Rio de janeiro (art. 258, § 1º, X), Rio
Grande do Norte (art. 50, § 1º, IV), Rio Grande do Sul (art. 251, § 1, V), Rondônia (art. 219, VI),
Santa Catarina (art. 182, V), São Paulo (art. 192. parágrafo 2º), Sergipe (art. 232, § 1º, 1V).
10
Na verdade, a expressão Avaliação de Impacto Ambiental é utilizada neste trabalho para designar o
instrumento da política ambiental, que consiste no processo de avaliação de impactos, enquanto que o
Estudo de Impacto Ambiental ou Estudo Prévio de Impacto Ambiental consiste no documento técnico
resultante deste processo.
75

A AIA instituída em nível Federal vincula-se ao licenciamento de quaisquer


atividades modificadoras do meio ambiente, sejam elas de iniciativa do setor público ou
privado. Através do Decreto n° 88.351/83, que regulamentava a Lei n° 6.938/81 até
1990, o estudo de impacto ambiental - EIA - tornou-se parte integrante do processo de
licenciamento de atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente poluidores
ou causadores de degradação ambiental. Esse decreto determina que “a construção,
instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimento de atividades utilizadoras de
recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os
empreendimentos capazes, de qualquer forma, de causar degradação ambiental,
dependerão de prévio licenciamento do órgão estadual competente, integrante do
SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis” (artigo 18) (Barbieri,
1996).
Segundo Barbieri (1996), o Decreto Federal nº 99.274, de 6 de junho de 1990,
procurando incorporar os avanços legislativos verificados principalmente após a
implantação da nova ordem constitucional, revogou expressamente o Decreto n. 88.351,
de 1º de junho de 1983, regulamentando a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei
nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente, “sobre a criação de
Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente”.
Conforme Barbieri (1996), a nova regulamentação estabelecida pelo Decreto n°
99.274/90 determina que para fins de licenciamento, o EIA deverá conter, entre outros,
os seguintes itens: o diagnóstico ambiental da área; a descrição da ação proposta e suas
alternativas; e a identificação, análise e previsão dos impactos significativos, positivos e
negativos. O resultado do estudo, realizado por técnicos habilitados, constitui o
Relatório de Impacto no Meio Ambiente – RIMA, devendo ser custeado pelo
proponente do projeto, e ser acessível ao público.
As normas gerais para a realização do EIA e seu respectivo RIMA estão dispostas
em diversas resoluções do CONAMA (Ver Anexo B), sendo que a principal é a
Resolução CONAMA nº 1/86. Os Estados e o Distrito Federal podem acrescentar outras
normas específicas, segundo suas conveniências, desde que não haja conflitos com as
normas federais. Os municípios não possuem competência para legislar sobre o EIA,
nem para apreciar estudos dessa natureza, no entanto, podem exigir dos estados a
76

realização de EIAs com respeito à obras geradoras de impactos ambientais


significativos em seus territórios, bem como estabelecer exigências adicionais que
atendam às especificidades locais. Os municípios também podem elaborar normas
específicas que atendam aos interesses locais e suplementem a legislação federal e
estadual no que couber, conforme estabelece a Constituição Federal (art. 30,I e II)
(Barbieri, 1996).

3.4 A Resolução CONAMA nº 1/86

A regulamentação para a AIA no país estabeleceu-se através da Resolução


CONAMA n°1 de 1986, que traz as normas gerais para a realização do EIA e seu
respectivo RIMA. Existem diversas regulamentações adicionais que complementam
e/ou modificam essa Resolução. Conforme o artigo 1º da Resolução CONAMA nº1/86 ,
considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e
biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia
resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
a) a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) as atividades sociais e econômicas;
c) a biota;
d) as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
e) a qualidade dos recursos ambientais (art. 1º).
O art. 2º da Resolução CONAMA nº 1/86 lista várias atividades modificadoras do
meio ambiente, que para o licenciamento dependem de elaboração de Estudo de
Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), a serem
submetidos à aprovação do órgão estadual competente e do IBAMA em caráter
supletivo. Estas atividades são as seguintes:

I — estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento;

II ferrovias;

III portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos;


IV aeroportos, conforme definidos pelo inciso 1, art. 48, do Decreto-Lei nº 32/66;


V — oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgotos


77

sanitários;

VI linhas de transmissão de energia elétrica, acima de 230kW;


VII obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como barragens para

quaisquer fins hidrelétricos, acima de 10 MW, de saneamento ou de irrigação, abertura


de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos de água, abertura
de barras e embocaduras, transposição de bacias e diques;

VIII extração de combustível fóssil (petróleo, xisto e carvão);


IX extração de minério, inclusive os da classe II, definidos no Código de Mineração;


X aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos;


XI usinas de geração de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia primária,


acima de 10 MW;

XII complexos e unidades industriais e agroindustriais (petroquímicos, siderúrgicos,


cloroquímicos, destilarias de álcool, hulha, extração e cultivo de recursos hídricos);

XIII distritos industriais e zonas estritamente industriais (ZEI);


XIV — exploração econômica de madeira ou de lenha, em áreas acima de 100ha ou


menores, quando atingir áreas significativas em termos de percentuais ou de
importância do ponto de vista ambiental;

XV projetos urbanísticos, acima de l00 hectares ou em áreas consideradas de relevante


interesse ambiental a critério do IBAMA e dos órgãos municipais e estaduais


competentes;

XVI qualquer atividade que utilize carvão vegetal, derivados ou produtos similares, em

quantidade superior a l0 toneladas por dia;

XVII — projetos agropecuários que completem áreas acima de 1.000 hectares ou


menores, neste caso quando se tratar de áreas significativas em termos percentuais ou de
importância do ponto de vista ambiental, inclusive nas áreas de proteção ambiental;11

XVIII — nos casos de empreendimentos potencialmente lesivos ao patrimônio

11
Acrescentado pela Resolução CONAMA nº 11/86.
78

espeleológico nacional.12

De acordo com Barbieri (1996), além das atividades acima relacionadas, depende
de EIA a ser submetido ao IBAMA o licenciamento de atividades que por lei sejam de
competência privativa da União (art. 3º). O EIA também é necessário para o
licenciamento do parcelamento e remembramento do solo, bem como da construção,
instalação, ampliação e funcionamento de atividades que alteram as características
naturais das zonas costeiras, de acordo com a Lei nº 7.661 de 1988 (Plano Nacional de
Gerenciamento costeiro - art. 6º). A Resolução CONAMA nº 5/88 determinou que
ficam sujeitas a licenciamento as obras de saneamento para as quais seja possível
identificar modificações ambientais significativas.
De acordo com a listagem aprovada pelo CONAMA, a aplicação da AIA limita-se
quase que exclusivamente a projetos individuais; apenas os distritos e as zonas
estritamente industriais se referem a planos. Contudo não existe impedimento legal para
que, implantado o processo para essas atividades, os órgãos ambientais possam utilizar
as mesmas técnicas e procedimentos para apreciar outros planos e programas de
desenvolvimento, caso seja essa a estratégia de atuação mais adequada. (Moreira, 1989).
A lei brasileira exige o EIA apenas para empreendimentos que possam causar
significativa degradação ao meio ambiente. No entanto, é difícil indicar com precisão o
conceito de “significativa degradação”, pois na implantação de um projeto sempre
existirão alterações adversas das características do meio ambiente.

“Muitas vezes o insignificante se reveste da maior significância, como


ocorre, por exemplo, quando “um determinado projeto tenha
exatamente o condão de romper o ponto de saturação ambiental de
uma certa área. Nesse caso, evidentemente, seu impacto não pode ser
considerado insignificante, por menor que seja”. Como saber, então,
se uma obra ou atividade será potencialmente causadora de
significativa degradação sem ter antes um estudo de impacto
ambiental?” (Milaré, 1994, p. 63).

Para Alves (1995, p. 66) a situação é paradoxal: “Como saber se o empreendimento


causará significativa degradação, sem antes termos a apreciação técnica à respeito? (...)
Para se exigir o EIA, necessitaríamos das informações técnicas que esse mesmo estudo
forneceria.”

12
Acrescentado pela Resolução CONAMA nº 5/87.
79

Para tentar resolver esse problema, a legislação brasileira elaborou a lista mostrada
acima (Art. 2º da Resolução CONAMA nº 1/86), enumerando as obras e atividades
qualificadas para produzir efeitos ambientais indesejáveis. Contudo, a expressão tais
como, utilizada na Resolução CONAMA nº 1/86 apresentou um elenco meramente
exemplificativo de atividades ou empreendimentos modificadores do ambiente que
dependem da aprovação de EIA e de seu respectivo RIMA. Os incineradores de lixo,
por exemplo, não são citados pela Resolução, apesar de seu grande potencial poluidor,
com emissão de dioxinas, metais pesados e organoclorados de maneira geral. Esta
expressão, geralmente mal interpretada, permite aos órgãos governamentais ambientais
não exigir a realização de EIA para outros tipos de empreendimentos, que não são cita-
dos explicitamente neste artigo (Milaré, 1994; Barbieri, 1996).
De acordo com Alves (1995), a listagem de projetos fornecida pelo artigo 2º da
Resolução CONAMA nº 1/86 não é suficiente para garantir que a proteção do meio
ambiente, visto que existem casos relacionados que não provocam impactos
significativos, bem como casos de menor importância do que aqueles previstos que
oferecem oportunidade para a previsão de danos significativos na sua instalação ou
operação.
Portanto, é necessário

“(...) completar a referida legislação com a previsão normativa de


exigência de um pré-estudo, realizado de conformidade com critérios
singulares, de acordo com a natureza do empreendimento a ser
analisado, fixados pela autoridade ambiental competente. Mesmo
assim, há sempre um risco de não se ter contemplado um caso sobre o
qual se verificará, posteriormente, a necessidade de apresentação do
EIA.” (Alves, 1995, p. 66)

Segundo Gouvêa (1989) apud Milaré (1994), devido à redação obscura da


Resolução CONAMA nº 1/86, onde ao lado de algumas obras ou atividades claramente
descritas, outras aparecem referidas genérica ou insuficientemente descritas, a definição
deve ficar a cargo da autoridade administrativa. Por exemplo, no inciso VII que se
refere a “obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como barragens
para quaisquer fins hidrelétricos, acima de 10 MW, de saneamento ou de irrigação,
abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos de água,
abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias e diques”, a expressão “tais
80

como” é utilizada novamente, seguida de uma lista de obras, geralmente de grande porte
e causadoras de impacto ambiental significativo.

“Ocorre que, a prevalecer o entendimento de que a relação deve ser


obedecida in totum, teremos que quando se trata de fins hidrelétricos,
apenas as barragens acima de 10MW estariam obrigatoriamente
sujeitas à elaboração do EIA/RIMA. Já obras hidráulicas de iguais
características, porém de volume e impacto muito menores
(equivalentes, por exemplo, a 5 MW), se para fins de irrigação ou
saneamento, não poderiam ser dispensadas do estudo. E mais, não se
admitindo o uso de critério do órgão ambiental no julgamento da
matéria, até mesmo uma pequena barragem num córrego, para
irrigação de uma horta familiar, dependeria de EIA”. (Gouvêa, 1989
apud Milaré, 1994, p. 66)

Em relação ao inciso XV, que faz menção a “projetos urbanísticos, acima de l00
hectares ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério do IBAMA
e dos órgãos municipais e estaduais competentes”, a mesma autora afirma que:

“À evidência, não pode ser tida como absoluta uma listagem que deixa
decisões e definições a critério do órgão aplicador. As ‘áreas de
relevante interesse ambiental’ (não definidas legalmente), se não
forme integrantes de uma unidade de conservação ou se já não tiverem
sido assim previamente consideradas, deverão ser identificadas, em
cada caso concreto, à vista de suas características e de acordo com o
julgamento feito pelo órgão ambiental (...) Ora, arremata a autora, para
que um elenco possa ser considerado obrigatório em todos os seus
termos, não admitindo o uso de critério pelo aplicador da norma, deve
ser preciso, exato, não podendo dar margem a dúvidas ou
interpretações casuísticas”. (Gouvêa, 1989 apud Milaré, 1994, p. 66-7)

Por outro lado, o art. 2º da Resolução CONAMA nº1/86 tem sido objeto de muitas
críticas, pois permite aos órgãos governamentais exigir a realização de EIA para
qualquer empreendimento.

“Se tal vier a ocorrer, esse importante instrumento de política


ambiental corre o risco de ser banalizado. O EIA deve ser utilizado
apenas para os projetos que, pelo seu vulto e pela incerteza quanto aos
seus possíveis impactos, exigem um estudo especial mais detalhado e,
conseqüentemente, mais demorado. Para os empreendimentos
menores, ou cujos principais impactos, dada a sua repetitividade, já
são conhecidos, ele pode ser substituído por medidas de prevenção e
controle dos danos ambientais” (Barbieri, 1996, p. 158).

Conforme Barbieri (1996), a Resolução CONAMA nº 10/90 estabeleceu a


81

possibilidade de dispensa do EIA e respectivo RIMA, a critério do órgão ambiental


competente, para os empreendimentos voltados para a extração de minerais de emprego
imediato na construção civil (mineral da classe II, conforme o Decreto-Lei nº 227/67),
em função de sua natureza, porte, localização e demais peculiaridades. Na hipótese de
dispensa do EIA/RIMA, o empreendedor deverá apresentar um Relatório de Controle
Ambiental (RCA), elaborado de acordo com diretrizes estabelecidas pelo órgão
ambiental competente.
Segundo Milaré (1994), como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente,
o EIA não pode se constituir em um obstáculo à liberdade de empreender, contrariando
um dos objetivos mais sensíveis dessa política, que defende a busca da
“compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da
qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico” (Lei n. 6.938/81, art. 4º, I).
Além disso, o estudo de impacto ambiental, por seu alto custo e complexidade, deveria
ser usado com parcimônia e prudência, preferencialmente para projetos mais
importantes sob a ótica ambiental.
Contudo, em Barbieri (1996, p. 158), é feita uma análise equivocada com relação a
essa questão:

“A rigor, o EIA/RIMA deveria ser exigido para os projetos de


empreendimentos que têm potencial para causar degradação
ambiental, e não para os que já existem. No entanto, tem sido comum
exigir a realização desse tipo de estudo para empreendimentos em
operação, principalmente os de grande vulto, tais como refinarias de
petróleo, terminais portuários, mineradoras etc., muitos deles
instalados antes da vigência da atual legislação sobre EIA/RIMA.
Nesse caso, o estudo prévio de impacto só se justificaria nos casos
previstos de expansão dos empreendimentos existentes ou mudanças
significativas em seus regimes de operação.

Na verdade, não tem sido tão comum a exigência deste estudo para
empreendimentos em operação, e deveria ser, especialmente nos casos de ocorrência de
acidentes graves como os ocorridos com a PETROBRÁS no passado recente, e não
apenas para a expansão dos empreendimentos ou mudanças em seus regimes de ope-
ração.
Nesse sentido, Custódio (1995, p. 60) recomenda que deveria ser aplicada a AIA,
juntamente com propostas para a recuperação do ambiente danificado, no caso de
82

atividades que, embora legal e regularmente autorizadas, ocasionam comprovados


perigos e danos ao meio ambiente e à saúde pública. Para uma execução fiel da Política
nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938, de 31.8.81, artigo 10 e §§ 1º a 4º), deveria
haver um reexame dos critérios e das diretrizes em vigor, para que seja exigido o estudo
de impacto ambiental das atividades em funcionamento, ou impor condições à
renovação do licenciamento de atividades já licenciadas, cujas operações ou
explorações, apesar de previstas na legislação, causam danos ao patrimônio ambiental
(natural e cultural) e prejudicam os interesses sócio-econômicos, afetando indiretamente
a saúde e bem-estar públicos.
Para Alves (1995, p.66), é necessária a definição de um órgão público com funções
técnicas, devidamente institucionalizado, para avaliar os empreendimentos a serem
implantados ou reavaliados para a renovação das respectivas licenças, cujas
manifestações técnicas possam subsidiar circunstancialmente as decisões de forma a
justificá-las e legitimá-las. É importante considerar, neste ponto, a relevância da
justificação técnica e dos critérios utilizados para o exame dos EIAs, tendo em vista o
elevado grau de contingência subjetiva, que pode interferir na objetividade
indispensável das análises a que estão submetidos.
Um dos pontos fortes da Resolução CONAMA nº 1/86 é a determinação
estabelecida, em seu artigo 4º:

“Os órgãos ambientais competentes e os órgãos setoriais do


SISNAMA deverão compatibilizar os processos de licenciamento com
as etapas de planejamento e implantação das atividades modificadoras
do meio ambiente, respeitados os critérios e diretrizes estabelecidas
por esta Resolução e tendo por base a natureza o porte e as
peculiaridades de cada atividade”. (CONAMA, 1986)

Conforme Moreira (1989), esse artigo salienta a necessidade das entidades de meio
ambiente e os órgãos governamentais e empresas estatais, tanto aqueles responsáveis
por concessões de uso de recursos ambientais, quanto àqueles executores de projetos
(como a PETROBRÁS), compatibilizarem os processos de licenciamento com as etapas
de planejamento e implantação de atividades modificadoras do meio ambiente. Até
então os órgãos e empresas estatais nunca haviam sujeitado suas atividades aos prazos,
exigências e controles dos órgãos ambientais.
83

3.4.1 As diretrizes gerais e o conteúdo do EIA/RIMA


Através do art. 5º da Resolução CONAMA nº 1/86, fica estabelecido que o estudo
de impacto ambiental, além de atender a legislação, em especial os princípios e
objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, deverá obedecer às
seguintes diretrizes gerais:

I – contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto,


confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto;

II – indicar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de


implantação e operação da atividade;

III – definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos
impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a
bacia hidrográfica na qual se localiza;

IV – considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na


área de influência do projeto, e sua compatibilidade.

Segundo Milaré (1994), o art. 6º da Resolução nº 1/86 do CONAMA impõe alguns


requisitos mínimos a serem considerados quando da elaboração do EIA, mostrados a
seguir:

1) O diagnóstico ambiental da área de influência do projeto. Esta exigência legal


implica o inventário do meio ambiente anterior à ação proposta, buscando
informações que permitam uma avaliação eficiente dos efeitos do projeto. Deve ser
feita a exposição das interações dos fatores ambientais físicos, biológicos e sócio-
econômicos, indicando os métodos adotados para sua análise, com a finalidade de
descrever as inter-relações entre os componentes bióticos, abióticos e antrópicos do
sistema a ser afetado pelo empreendimento.

2) Análise dos impactos ambientais do projeto e suas alternativas. Esta fase


destina-se à apresentação da análise (identificação, valoração e interpretação) dos
prováveis impactos ambientais ocorridos nas fases de planejamento, implantação,
operação e, se for o caso, desativação do empreendimento, sobre os meios físico,
biológico e antrópico, devendo ser determinados e justificados os horizontes de
tempo considerados (...) A análise dos impactos inclui, necessariamente, a
84

identificação, previsão de magnitude e interpretação da importância de cada um


deles, permitindo uma apreciação abrangente das repercussões do empreendimento
sobre o meio ambiente, entendido em sua forma mais ampla. O resultado dessa
análise constituirá um prognóstico da qualidade ambiental da área de influência do
empreendimento, útil não só para os casos de adoção do projeto e suas alternativas
como também na hipótese de sua não-implementação (SEMA de São Paulo, 1991,
apud Milaré, 1994).

3) Definição de medidas mitigadoras dos impactos negativos. O objetivo aqui é


tornar explícitas as medidas que visam minimizar os impactos adversos
identificados e quantificados no item anterior, as quais deverão ser apresentadas e
classificadas quanto: a) à sua natureza preventiva ou corretiva, avaliando-se,
inclusive, a eficiência dos equipamentos de controle da poluição em relação aos
critérios de qualidade ambiental e aos padrões de disposição de efluentes líquidos,
emissões atmosféricas e resíduos sólidos; b) à fase do empreendimento em que
deverão ser adotadas: planejamento, implantação, operação e desativação, e para o
caso de acidentes; c) ao fator ambiental a que se destinam: físico, biológico ou
sócio-econômico; d) ao prazo de permanência de suas aplicações: curto, médio ou
longo; e) à responsabilidade pela implementação: empreendedor, poder público ou
outros; f) ao seu custo. Deverão também ser mencionados os impactos adversos que
não podem ser evitados ou mitigados (SEMA de São Paulo, 1991 apud Milaré,
1994).

4) Programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos ambientais.


Aqui são apresentados os programas de acompanhamento da evolução dos impactos
ambientais causados pelo empreendimento em todas a suas fases – planejamento,
implantação, operação -, inclusive na eventual desativação e, quando for o caso, na
de acidentes. O órgão ambiental competente deverá fornecer, nos termos de
referência, as instruções adicionais que se fizerem necessárias, pelas características
do empreendimento e do meio ambiente a ser afetado.

Para Alves (1995), as diretrizes e critérios definidos pela Resolução CONAMA nº


1/86, artigos 5º e 6º, foram fixados de forma estratificada e inelástica para qualquer
empreendimento, sem nenhuma consideração sobre a natureza e a dimensão dos
85

projetos a serem submetidos à AIA. É adotada a mesma medida de análise para


empreendimentos cuja complexidade apresenta grandes variações. Portanto, esta
disposição normativa deveria ser revista para possibilitar uma maior flexibilidade e
agilidade burocrática na análise dos projetos. Nesse sentido, deveriam ser estabelecidos
critérios e diretrizes diferenciados, de acordo com a complexidade tipológica dos
projetos a que se destinam.

3.4.2 A responsabilidade de elaboração do EIA/RIMA


O art. 7º da Resolução CONAMA nº 1/86 estabelece que o EIA deve ficar a cargo
de uma “equipe multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou indiretamente do
proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados
apresentados”. No entanto, para Milaré (1994, p. 70),

“No trato multidisciplinar de uma questão, os especialistas nas várias


disciplinas envolvidas não se reúnem necessariamente em função de
um nexo ou compromisso entre si, posto que cada qual vê e trata o seu
objeto unicamente com seus próprios critérios”.

Portanto, é possível o surgimento de divergências entre os membros da equipe, que


devem ser expressas no RIMA, para posterior consideração por parte do órgão
licenciador.
Para Milaré (1994), a independência em relação ao proponente do projeto tem sido
ilusória, uma vez que as consultorias vem sendo contratadas pelo autor do projeto, que
também arca com todas as despesas e custos da realização do EIA.

“A contratação de elaboração de um Estudo de Impacto ambiental


estabelece, de imediato, um forte vínculo de dependência econômica e
jurídica entre contratante e contratada, que a Resolução quis impedir.
Já se tem noticiado a existência de contratos com cláusulas
exoneratórias de pagamento das despesas com o EIA/RIMA em caso
de não-aceitação do projeto pelo órgão de controle ambiental!”
(Antumes, 1990 apud Milaré, 1994, p. 71).

De acordo com Alves (1995, p.67), “como será possível que todas as despesas e os
custos referentes à realização do EIA/RIMA fiquem por conta do proponente, sem que
com ele haja uma relação de dependência da equipe técnica que o elaborará?” Portanto,
a expressão “não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto” é
86

totalmente descabida e contraditória, pois sempre haverá uma relação de dependência


econômica e jurídica do proponente com os profissionais que deverão elaborar o
EIA/RIMA. Esta expressão, na verdade, tenta justificar a necessidade de contratação de
empresas ou profissionais que, respectivamente, não pertençam ao grupo da empresa
interessada ou a seus quadros funcionais.
O surgimento da chamada “indústria do EIA/RIMA” pelos escritórios de consultoria
privada, marginalizava os técnicos vinculados ao empreendedor, muitas vezes os mais
competentes e bem informados a respeito da situação do objeto de estudo. Em vista
disso, foi sugerida a elaboração do EIA/RIMA por equipe técnica vinculada ao
proponente do projeto, com o que
“(...)Assegurar-se-ão, a um só tempo, a necessária responsabilidade
técnica e jurídica em relação à execução substantiva do referido
estudo e a minimização dos custos a serem incorridos, com expressiva
vantagem não só para o interessado como para os que indiretamente
possam dele se beneficiar. Essa questão torna-se sobremaneira
expressiva no caso dos projetos de interesse público, para os quais as
empresas ou entidades públicas já mantêm profissionais técnicos de
grande valor em seus respectivos quadros, dispensando-se as
contratações custosas e nem sempre confiáveis” (Alves, 1990 apud
Milaré, 1994, p. 72).

O CONAMA, através do artigo 11º da Resolução nº 237 de 19 de dezembro de


1997, retirou esta exigência de independência das equipes em relação ao empreendedor,
fazendo com que, atualmente, os estudos necessários ao processo de licenciamento
possam ser realizados por profissionais vinculados ao proponente do projeto
(CONAMA, 1997).
Para Alves (1995), com a possibilidade do EIA/RIMA ser elaborado por equipe
técnica habilitada vinculada à empresa interessada, é assegurada a necessária
responsabilidade técnica e jurídica em relação à execução do referido estudo e também
a minimização dos custos a serem incorridos, com expressiva vantagem não só para a
interessada como para os que indiretamente possam dele se beneficiar. Está questão é de
grande importância no caso de projetos de interesse público, para os quais as empresas
ou entidades públicas já mantêm profissionais técnicos de grande valor em seus
quadros, dispensando-se as contratações custosas e nem sempre confiáveis.
Quanto à responsabilidade causada por danos ao meio ambiente, é suficiente que o
prejuízo tenha resultado do exercício de determinada atividade, e não do
87

comportamento do agente. Uma vez que é o empreendedor quem recebe os benefícios


da sua atividade, cabe a ele suportar os riscos da mesma. No entanto, “Fica ressalvado
ao empreendedor, é claro, voltar-se regressivamente contra o causador do dano,
alcançando, inclusive, o profissional que eventualmente se tenha excedido ou omitido
no cumprimento da tarefa a ele cometida” (Milaré, 1994, p. 74). Como no sistema do
direito penal brasileiro não há responsabilidade das pessoas jurídicas ou ideais, mas
apenas de pessoa física, quem responde pelo dano é o empreendedor, agente público,
profissional, etc.

3.4.3 O Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA)


Conforme Barbieri (1996), a Resolução CONAMA nº 1/86 diferencia o EIA do
RIMA, conforme tradição já consagrada no mundo todo. O EIA é o estudo mais amplo,
que se constitui em um dos elementos da AIA, e trata da execução de tarefas técnicas e
científicas destinadas a analisar sistematicamente as conseqüências da implantação de
um projeto no meio ambiente, através de métodos e técnicas de previsão dos impactos
ambientais. Segundo o artigo 9º da Resolução CONAMA nº1/86, o RIMA, por sua vez,
refletirá as conclusões dos estudos de impacto ambiental, e deve conter, no mínimo:
• os objetivos e justificativas do projeto, sua relação e compatibilidade com as
políticas setoriais, planos e programas governamentais;
• a descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e locacionais, especificando
para cada uma delas, nas fases de construção e operação, a área de influência, as
matérias-primas, mão-de-obra, as fontes de energia, os processos e técnicas
operacionais, os prováveis efluentes, emissões, resíduos de energia, os empregos diretos
e indiretos a serem gerados;
• a síntese dos resultados dos estudos de diagnóstico ambiental da área de influência
do projeto;
• a descrição dos prováveis impactos da implantação e operação da atividade,
considerando o projeto, suas alternativas, os horizontes de tempo de incidência dos
impactos e indicando os métodos, técnicas e critérios adotados para sua identificação,
quantificação e interpretação;
• a caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência, comparando
88

as diferentes situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como com a


hipótese de sua não realização;
• a descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos
impactos negativos, mencionando aqueles que não puderam ser evitados, e o grau de
alteração esperado;
• programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos;
• a recomendação quanto à alternativa mais favorável (conclusões e comentários de
ordem geral).
O artigo 10º da Resolução CONAMA nº 1/86 estabelece que “O órgão
governamental competente, estadual, federal ou, quando couber, o município, terá um
prazo para se manifestar de modo conclusivo sobre o RIMA apresentado.”. Portanto,
para a outorga da licença ambiental é imprescindível a manifestação conclusiva dos
órgãos ambientais responsáveis em cada nível de governo. Nesse sentido, Alves (1995,
p. 70) questiona: “Como poderá o órgão ambiental competente manifestar-se
conclusivamente sobre o RIMA, sem o exame específico de caráter técnico e jurídico do
estudo correspondente, objetivando lastrear, com segurança, a outorga da respectiva
licença ?” Isso significa que é indispensável a manutenção de equipes técnicas pelos
órgãos ambientais do governo, para garantir a vigilância a respeito do preenchimento de
todas as condições técnicas referidas no projeto, em face das condições factuais e das
prescrições legais pertinentes.

3.4.4 A participação pública no processo de AIA

O acesso público à informação é um direito constitucional (Artigo 50). O artigo 10º


da Lei 6.939/81 requer que os pedidos, concessões e renovações de licenças ambientais
sejam publicadas em jornal local ou regional bem como no jornal oficial do estado. A
Resolução CONAMA nº 6/86 estabelece normas para a notificação de concessões e
renovações das licenças preliminar, de instalação, e de operação (Fowler e Aguiar,
1993). Os procedimentos para tornar público o EIA e seu RIMA envolvem:

a) acesso às cópias do RIMA em centros de documentação;

b) divulgação da existência desse material;


89

c) uma fase de comentários a serem feitos pelos órgãos públicos e demais


interessados; e

d) realização de audiências públicas para discussão do RIMA.

O Decreto 88.351/83 garante o acesso público ao EIA, e o artigo 11º da Resolução


CONAMA nº 1/86 determina que:
“respeitado o sigilo industrial, assim solicitado e demonstrado pelo
interessado, o RIMA será acessível ao público. Suas cópias
permanecerão à disposição dos interessados nos centros de
documentação da SEMA e do órgão estadual de controle ambiental
correspondente, inclusive no período de análise técnica.”

Segundo Barbieri (1996), o princípio da publicidade plena admite restrição para os


casos que contenham sigilo industrial, cabendo ao proponente do projeto ou
empreendedor demonstrar a necessidade de resguardar tal sigilo. Trata-se de
providência necessária para impedir que o proponente sonegue informações importantes
para o EIA/RIMA sob a alegação de sigilo industrial. A possibilidade de restringir o
acesso público aos segredos industriais também é uma tradição na legislação mundial.
No entanto, Custódio (1995) afirma que é necessário reexaminar as normas que
regulamentam os estudos de impacto ambiental para suprimir a exceção de publicidade
referente ao “sigilo industrial”, uma vez que isto entram em conflito com os objetivos
da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.838).
Para assegurar a publicidade não basta apenas tornar acessível a documentação
resultante dos estudos realizados, é preciso que as informações contidas no RIMA sejam
apresentadas de forma objetiva e adequada à sua compreensão, como determina o artigo
9º da Resolução CONAMA nº 1/86. Portanto, as informações devem ser traduzidas em
linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas
de comunicação visual, para possibilitar o entendimento das vantagens e desvantagens
do projeto, bem como todas as conseqüências ambientais de sua implementação
(Resolução CONAMA nº 1/86, art. 9º, parágrafo único).
Os comentários podem ser feitos por qualquer pessoa física ou jurídica interessada,
tais como órgãos de classe, sindicatos, instituições de ensino e pesquisa, órgãos
governamentais, indivíduos, grupos e empresas. Também o próprio proponente pode
comentar o RIMA concernente ao seu projeto. Os comentários devem ser feitos sempre
por escrito e, dessa forma, anexados ao processo. A abertura da fase de comentários
90

deve ser precedida de comunicação em veículo de publicação oficial, como o Diário


Oficial da União ou do estado, bem como em periódicos de grande circulação. A
publicação do RIMA e de outras informações obtidas durante o processo de estudos e a
participação do público, quer diretamente, quer através de representantes ou de órgãos
públicos, complementam os estudos da equipe responsável pelo EIA (Barbieri, 1996).
A Resolução CONAMA nº 9/87 disciplina as audiências públicas previstas na
Resolução CONAMA nº 1/86, abrindo um importante canal para a participação
comunitária na aferição do conteúdo dos Estudos de Impacto Ambiental (Milaré, 1994).
Seu objetivo é expor aos interessados o conteúdo do EIA e do RIMA correspondente,
para esclarecer dúvidas e obter críticas e sugestões. Nos estados onde a legislação não
estabelece a obrigatoriedade de audiência pública para todos os casos em que o EIA se
aplica, a audiência poderá ser requerida, para cada caso específico, por entidade civil,
pelo Ministério Público ou por um mínimo de 50 cidadãos. Havendo esse requerimento,
a audiência torna-se obrigatória e qualquer licença concedida antes de sua realização
não terá validade (Resolução CONAMA nº 9/87, art. 2º). Poderá haver mais de uma
audiência pública, caso se constate a existência de vícios no RIMA ou nos
procedimentos para torná-lo público, por exemplo, defeitos no edital de convocação; ou
no caso da localização geográfica dos solicitantes ou a complexidade do tema exigirem
(Fink, 1993). As atas das audiências, seus anexos e o próprio RIMA servem de base
para a análise e o parecer final do órgão licenciador quanto à aprovação ou não do
projeto (Resolução CONAMA nº 9/87, art. 5º).
De acordo com Fink (1993), no caso do Estado de São Paulo a própria Constituição
traz o dispositivo a respeito da realização de audiência pública para a execução de obras
ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente.
O § 2º, do art. 192, estabeleceu que, quando da aprovação do EIA/RIMA, a este se dará
publicidade, acrescentando que será “garantida a realização de audiência pública”.
Desta forma, o Estado de São Paulo, ao contrário do estabelecido pelo CONAMA, por
força de sua Constituição, não deixou margem à discricionaridade do órgão ambiental.
“Quando previu a garantia da realização da audiência pública, a Constituição do Estado
determinou que esse ato do procedimento de licenciamento fosse indispensável. E de
fato o é.” (p. 266). Outros estados também adotaram a obrigatoriedade da audiência
pública, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sendo que neste último são
91

realizadas tantas audiências quantas forem necessárias (Duarte, 2002, informação


pessoal).
Além da finalidade legal da audiência pública, positivada pela norma do art. 1º da
Resolução CONAMA nº 9/87 (“expor aos interessados o conteúdo do produto em
análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as
críticas e sugestões a respeito”), esse ato do procedimento tem outros objetivos. O
principal deles é a participação direta da comunidade, afetada ou não pela obra ou
atividade, na decisão da sua realização. Na audiência, além da discussão do RIMA, a
Administração ou o empreendedor procurarão convencer os setores interessados da
sociedade civil sobre a necessidade da obra. Outras questões poderão ser debatidas, tais
como, o projeto e suas alternativas tecnológicas, como áreas de influência, matéria-
prima e mão-de-obra; a validade do diagnóstico ambiental da área de influência feito
pelo empreendedor; os impactos ambientais no tempo e no espaço; as medidas
mitigadoras dos impactos e seus efeitos; o programa de acompanhamento e
monitoramento dos impactos ambientais; e principalmente os impactos
socioeconômicos para a população afetada.
O prazo de requerimento da audiência pública é de no mínimo 45 dias, contados a
partir da publicação do edital pela imprensa local. No edital deverão constar os dados
indispensáveis para a identificação do empreendimento, sua natureza e área de
influência, do empreendedor, da existência do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental
e outros dados que permitam à comunidade o completo conhecimento do
empreendimento que se pretende realizar e os impactos dele decorrentes.
A não realização de audiência pública (nos casos em que ela é obrigatória) implica
na invalidade da licença ambiental eventualmente expedida, ou seja, será nula a licença
ambiental expedida nessas condições, podendo levar à paralisação da obra ou
empreendimento, inclusive por decisão judicial (Fink, 1993).
Segundo Custódio (1995) deveria haver uma revisão adequada dos critérios e das
diretrizes gerais para a AIA de forma clara e eficaz, para definir expressamente um
processo efetivo de informação extensiva ao público e às pessoas legalmente habilitadas
e interessadas (naturais ou jurídicas), para proporcionar o conhecimento de todas as
etapas da AIA e do estudo de impacto ambiental de projetos através de meios de
comunicação de massa (televisão, rádio, imprensa em geral, publicidade mediante a
92

fixação de anúncios em locais de fácil visibilidade), além do tradicional e restrito


processo de comunicação pela imprensa oficial, com a previsão de prazo razoável e
compatível com a complexidade da matéria e com as peculiaridades locais.

3.5 O papel dos atores envolvidos em AIA


A seguir são apresentados os principais atores do processo de AIA, bem como o
papel que eles devem desempenhar.

• OEMA e/ou IBAMA

Segundo o IBAMA (1995), o órgão ambiental responsável pelo licenciamento


ambiental tem o papel principal de promover a articulação entre os diversos atores
sociais envolvidos no processo de AIA, tendo a maior parte da responsabilidade na
efetivação da participação social ao longo de todo o processo.
Para Bastos e Almeida (1999), no primeiro contato com o empreendedor, o órgão
ambiental examina a documentação apresentada, consulta a legislação e dados
disponíveis sobre o local do empreendimento e avalia a necessidade de elaboração de
estudo de impacto ambiental ou documento semelhante. Se julgar necessário, realiza
vistoria para avaliar a situação ambiental no local proposto para o empreendimento.
Pode também fazer outras exigências, como a apresentação de projetos, relatórios e
pareceres específicos. O pedido de licenciamento pode ser negado, e se permanecer o
interesse do empreendedor, este deverá providenciar as alterações necessárias no projeto
inicial para, então, entrar com novo pedido de licenciamento.
Conforme IBAMA (1995), dependendo da complexidade do empreendimento e das
demandas surgidas antes e durante o processo de AIA, o órgão de meio ambiente deve
estar capacitado para cumprir as seguintes funções:
• Assessorar o empreendedor na escolha da equipe consultora multidisciplinar
responsável pela elaboração do EIA/RIMA ou de outro documento técnico
semelhante, mediante, por exemplo, o fornecimento de critérios de escolha e acesso
ao Cadastro Técnico Federal e/ou Estadual de Atividade e Instrumentos de Defesa
Ambiental (pessoa física e jurídica);
• Elaborar os Termos de Referência, junto com o empreendedor, comunidades e
93

demais atores para definir quais as questões prioritárias a serem tratadas no Estudo
de Impacto Ambiental;
• Estruturar grupos específicos de assessoramento popular através do seu setor de
Educação Ambiental;
• Criar, especialmente em casos de empreendimentos complexos ou controversos,
Grupos de Trabalho e/ou Comitê de Assessoramento Técnico-Científico;
• Propor a criação ou fortalecimento de Conselhos Estaduais de Meio Ambiente
CONSEMA e/ou Conselhos Municipais de Meio Ambiente - CONDEMAS. Esses
Conselhos constituem instâncias regulamentadoras do licenciamento ambiental e
podem servir de fórum de discussão de processos controversos de licenciamento
ambiental, através de suas Câmaras Técnicas;
• Desenvolver metodologias para análise de EIA/RIMA;
• Organizar as audiências públicas, sendo que no dia de sua realização a audiência é
dirigida pelo representante do órgão de meio ambiente, que após a exposição
objetiva do projeto e seu respectivo RIMA, abre a discussão com os interessados
presentes;
• Alocar recursos humanos, físicos e financeiros para a fiscalização dos efeitos
ambientais negativos e para o acompanhamento e monitoramento dos impactos
ambientais de empreendimentos licenciados.
• Estruturar a Equipe de Auditoria Ambiental, composta por técnicos próprios,
especialistas diversos, representantes do empreendedor e dos grupos sociais afetados
pelo empreendimento.
Segundo Bastos e Almeida (1999), quando o empreendedor submete os estudos de
impacto ambiental ao órgão ambiental licenciador, estes estudos devem ser
cuidadosamente analisados por uma equipe técnica qualificada, que aprovará os estudos,
ou fará sugestões de algumas modificações para poder aprovar os relatórios, ou
definitivamente não aprovar os referidos estudos. Caso aceito, o órgão ambiental coloca
o EIA/RIMA à disposição do público, e marca-se audiência pública.
Com relação ao monitoramento, os órgãos estaduais de meio ambiente vêm
adotando os seguintes procedimentos:
• Recebimento dos Relatórios de Monitoramento Ambiental elaborados pelo
94

empreendedor, em atendimento às determinações de cada licença ambiental;


• Análise dos Relatórios de Monitoramento Ambiental, com a realização, em alguns
casos, de vistoria no local do empreendimento para verificar a veracidade das
informações repassadas pelo empreendedor;
• Emissão de parecer técnico abordando, basicamente: a necessidade de aumentar a
eficiência das técnicas de controle ambiental adotadas; a necessidade de
aperfeiçoamento dos métodos de coleta e análise; e de relocalização dos pontos de
amostragem;
• Alterações no conjunto de indicadores monitorados;
• Comunicação formal ao empreendedor das conclusões do parecer técnico sobre cada
Relatório de Monitoramento Ambiental recebido, aplicando penalidades previstas
em lei, se for verificada alguma irregularidade.

• Empreendedor

Para Bastos e Almeida (1999), no primeiro contato com o órgão ambiental


licenciador, o empreendedor realiza consultas sobre questões legais, sócio-econômicas
e políticas relacionadas com a implantação do projeto.
O empreendedor deve fornecer ao órgão de meio ambiente todas as informações
sobre o empreendimento e natureza das atividades a serem implantadas e preencher a
ficha do Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou
Utilizadoras de Recursos Ambientais.
Se o empreendimento requerer a realização de EIA/RIMA, para que se possa
atender ao Termo de Referência, o empreendedor deve proceder da seguinte forma:
• Mediante observância deste documento, utilizar quaisquer metodologias de
abordagem, desde que de acordo com a literatura nacional e/ou internacional sobre o
assunto;
• Submeter à apreciação do órgão licenciador as metodologias gerais e específicas de
trabalho, a serem aplicadas pela equipe responsável, em prazo a ser estipulado pelo
referido órgão. Além das metodologias, deverão estar bem claras as interações entre
as diversas atividades e o cronograma físico de execução dos trabalhos;
• Apresentar o estudo de impacto ambiental em duas versões básicas: Integral, EIA
95

(destinada à utilização do órgão licenciador) e Síntese, RIMA (destinada à consulta


pública).
Para a realização do estudo de impacto ambiental, o empreendedor utiliza equipes
próprias ou contrata uma empresa consultora através de Convite Direto, Tomada de
Preços, Carta-convite ou Licitação. O empreendedor deve fiscalizar os segmentos da
realização dos estudos, que devem ser apresentados pela empresa de consultoria sempre
que requisitados. É de responsabilidade do empreendedor formar uma equipe
especializada para fazer um acompanhamento sistemático de todas as atividades a serem
realizadas na elaboração dos estudos, exigindo principalmente que os cronogramas
sejam cumpridos, podendo haver interferências técnicas e reavaliação de alguns custos
operacionais. Depois de prontos os estudos, o empreendedor os submete ao(s) órgão(s)
ambiental(is).
Para a realização da audiência pública, o empreendedor encomenda material à
equipe consultora. Todos os custos necessários à realização da audiência são de
responsabilidade do empreendedor. Na audiência, o empreendedor deve apresentar as
características do empreendimento e suas justificativas.
Ao Receber a Licença Prévia, deve haver um comprometimento por parte do
empreendedor de que suas atividades serão realizadas observando os pré-requisitos
estabelecidos pelo órgão de meio ambiente.
Para a obtenção da Licença de Instalação, o empreendedor deve apresentar o projeto
executivo do empreendimento e outros estudos que especificam os dispositivos de
controle ambiental, de acordo com o tipo, porte, características e nível de poluição da
atividade e de recuperação de áreas degradadas. A obtenção dessa licença implica o
compromisso do empreendedor em cumprir as especificações constantes no projeto
apresentado ou comunicar eventuais alterações dessas especificações.
Para requerer a Licença de Operação o empreendedor deve preencher um
requerimento padrão de LO e anexar os seguintes documentos:
a) cópias das publicações do requerimento de LO e da concessão da LI no diário
Oficial da União ou estadual e em jornal de grande circulação, de acordo com os
modelos de publicação aprovados pela Resolução CONAMA nº 6/86;
b) recolhimento, pelo empreendedor, da taxa fixada pelo órgão de meio ambiente
para a emissão da LO;
96

c) estudo ambiental contendo projetos executivos de minimização de impacto


ambiental, para empreendimentos instalados antes da entrada em vigor da
Resolução CONAMA nº 1/86;
d) relatório técnico de vistoria confirmando se os sistemas de controle ambiental
especificados na LI foram efetivamente instalados;
e) parecer técnico do órgão de meio ambiente sobre o pedido de LO, que contém os
condicionantes para a continuidade da operação do empreendimento e prazo de
validade da LO.
Também cabe ao empreendedor executar o programa de acompanhamento e
monitoramento dos impactos positivos e negativos.
Independentemente de pertencer ao setor público ou privado, o empreendedor deve
estabelecer uma relação de parceria com o órgão de meio ambiente, onde os
antagonismos sejam tratados com o objetivo de se alcançarem soluções compartilhadas.
Para tanto, cabe ao empreendedor fornecer informações que possibilitem a identificação
dos efeitos ambientais potenciais do empreendimento proposto. Essa relação deve
permanecer ao longo de toda a vida útil do empreendimento, especialmente na
implementação dos compromissos negociados (Programas de Acompanhamento e
Monitoramento de Impactos e Auditoria Ambiental). Além disso o empreendedor deve
alocar recursos financeiros e materiais necessários para conferir qualidade ao Estudo
Ambiental (EIA/RIMA, PCA, RCA, PRAD13. etc.) e para implementar as medidas
mitigadoras, os Programas de Acompanhamento e Monitoramento de Impactos e as
Auditorias Ambientais periódicas (IBAMA, 1995).

• Equipe Multidisciplinar

A equipe multidisciplinar, que pode ser proveniente de uma empresa de consultoria


ou do próprio empreendedor, deve fornecer as bases técnico-científicas para o
estabelecimento de compromissos políticos e institucionais em relação às conclusões do
EIA/RIMA ou de outro documento técnico semelhante, pelo qual é tecnicamente
responsável.

13
As siglas PCA, RCA e PRAD significam Plano de Controle Ambiental, Relatório de controle
Ambiental e Plano de Recuperação de Áreas Degradadas, respectivamente.
97

Para maior efetividade de seu papel, deve estabelecer uma relação de parceria
permanente com o órgão de meio ambiente e os grupos criados para orientar e
assessorar processos de AIA. Essa interação, realizada nos foros instituídos pelo órgão
de meio ambiente com esse fim, deve resultar em revisões que permitam o
aprimoramento dos estudos (IBAMA, 1995).
Para Bastos e Almeida (1999), a empresa de consultoria deve formar uma equipe
multidisciplinar habilitada e administrativa; obter dados e informações técnico-
científicas e dar um tratamento a esse material; obedecer a um cronograma de trabalho;
e garantir a gestão da qualidade dos estudos.
Na audiência pública a empresa consultora deve apresentar os estudos ambientais
realizados e suas conclusões.
A equipe multidisciplinar deve conferir total transparência às informações
trabalhadas, colocando-se sempre disponível ou tomando a iniciativa de discutir com os
demais agentes participantes do processo de elaboração do EIA/RIMA ou de outro
documento técnico semelhante:
• a base conceitual do método adotado no estudo de impacto ambiental;
• as análises e conclusões do Estudo Ambiental:
• as possibilidades reais de operacionalização dos programas propostas para o
acompanhamento e monitoramento dos impactos ambientais do empreendimento,
com o efetivo envolvimento dos atores sociais previstos (IBAMA, 1995).
O estudo de impacto ambiental (EIA) tem um caráter interdisciplinar, e por isso a
equipe multidisciplinar deve envolver profissionais dos diversos ramos técnico-
científicos, possibilitando a troca de conhecimentos e a obtenção de resultados que
reflitam a síntese das interações das diversas disciplinas e não apenas a justaposição de
trabalhos individuais (Moreira, 1989).

• Órgãos da Administração Pública

Enquanto interessados institucionais no licenciamento de empreendimentos, os


Órgãos da Administração Pública, respeitadas as afinidades pertinentes, devem:
• fornecer informações da sua área de atuação ao órgão de meio ambiente e à equipe
multidisciplinar, especialmente visando compatibilizar o projeto proposto com
98

planos setoriais existentes;


• participar dos grupos de orientação e assessoramento coordenados pelo órgão de
meio ambiente, desde o momento inicial do processo de Avaliação de Impacto
Ambiental, sempre com a preocupação de internalizar as discussões ocorridas nesses
grupos;
• estabelecer relações de parceria com o órgão de meio ambiente e com o
empreendedor, e com a sociedade na implementação das ações de mitigação e
controle de impactos e na implantação da infra-estrutura prevista no projeto.

• Empresas Públicas e Privadas

As empresas públicas e privadas instaladas na área de influência do empreendimento


proposto devem contribuir com o órgão de meio ambiente, a equipe multidisciplinar e
grupos de orientação e assessoramento, através de:
• fornecimento de dados e informações sobre a situação ambiental na sua área de
influência;
• participação em ações conjuntas de acompanhamento e monitoramento da
qualidade ambiental, sempre que houver o risco de ocorrência de efeitos
cumulativos e sinérgicos com o empreendimento proposto;
• participação em equipes de auditoria ambiental, sempre que forem detectados
efeitos cumulativos e sinérgicos com o empreendimento instalado.

• Comunidade Técnica e Científica

Para IBAMA (1995), a comunidade técnica e científica, principalmente as


universidades têm o principal papel de:
• assessorar o órgão de meio ambiente, o empreendedor e a sociedade em questões
técnico-científicas;
• participar dos grupos de orientação e assessoramento coordenados pelo órgão de
meio ambiente;
• desenvolver o referencial teórico-conceitual para aprimoramento do processo de
AIA; métodos de elaboração de EIA/RIMA e de outros documentos técnicos
semelhantes; tecnologias adequadas de controle de impacto ambiental.
99

Segundo Assunção (1995), a comunidade técnico-científica deve trabalhar para


gerar informações que servirão de base para o estabelecimento de diretrizes, critérios e
normas a serem seguidas nas execuções dos estudos de impacto ambiental.
As universidades e outros centros de pesquisa podem ajudar a desenvolver pesquisa
básica (por ex. sobre ecossistemas brasileiros) e metodologias mais adequadas à
realidade nacional, visando:
• a identificação, mensuração dos impactos, avaliação do grau de importância de cada
impacto;
• o diagnóstico ambiental;
• avaliação de riscos ambientais;
• a realização de auditorias ambientais;
• o envolvimento e participação efetiva das comunidades.

Além de fornecer profissionais para a análise de EIA/RIMA e elaboração de laudos


periciais e pareceres técnicos quando requisitados, as universidades também devem
promover debates sobre os aspectos principais do processo de avaliação de impacto
ambiental, como legislação, estrutura institucional, participação comunitária, entre
outros.
• Entidades Civis

Enquanto representantes da diversidade de interesses presentes na sociedade, essas


entidades devem, além de questionar, compartilhar das decisões de prevenção, controle,
mitigação e monitoramento dos efeitos ambientais esperados e fiscalizar a execução dos
programas de controle ambiental acordados com o empreendedor (IBAMA, 1995).
As ONGs ambientalistas, por exemplo, têm um papel fundamental a desempenhar
no processo de AIA, articulando-se com os demais atores, no sentido de exigir um
maior rigor e qualidade dos estudos de impacto ambiental e demais documentos
produzidos para o licenciamento dos empreendimentos.
As ONGs também têm um papel importante a desempenhar na promoção do
envolvimento e participação pública, principalmente quando isto não é feito
adequadamente pelo empreendedor ou pelo órgão ambiental. Estas instituições
também podem trabalhar educando as comunidades sobre o processo de AIA, ou
100

desenvolvendo uma participação pública paralela (como é feito na Tchecoslováquia,


conforme será visto no capítulo 4).

• Ministério Público

O Ministério Público deve, quando devidamente acionado, aplicar os instrumentos


previstos em lei (ação civil pública, inquérito civil, etc.) para garantir o cumprimento,
por parte do empreendedor, dos condicionantes estabelecidos na licença ambiental.
Segundo Milaré (1996), uma vez que tanto o EIA como o RIMA podem ser
impugnados, administrativa ou judicialmente, o Ministério Público passa a exercer um
papel essencial na garantia de um meio ambiente equilibrado. A impugnação
administrativa se dá perante a própria autoridade administrativa ambiental responsável
pelo ato atacado ou perante seu superior hierárquico, já a judicial, leva a questão para
apreciação do poder judiciário. Tanto os vícios materiais (conteúdo inadequado, por
exemplo), como os vícios formais (não-realização de audiência pública, por exemplo),
permitem a impugnação. A impugnação judicial se dá através de ação civil pública ou
de ação popular ambiental (Constituição Federal, art. 5º, inciso LXXIII).
Antes da promulgação da lei nº 6.938/81, Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente, o Ministério Público pouco intervinha nas questões ambientais,
principalmente porque não existia uma base legal para tal. A sua ação limitava-se a
processar criminalmente alguns casos de poluição, o que produzia resultados irrisórios e
insatisfatórios.
O Ministério Público adquiriu um papel essencial na proteção do meio ambiente
com a Lei nº 6.938/81, ao determinar que,

“sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o


poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros,
afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos
Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e
criminal por danos causados ao meio ambiente” (PNMA, 1981).

Com a promulgação da Lei nº 7.347/85, conhecida como Lei da Ação Civil Pública
ou Lei dos Interesses Difusos, conferiu-se ao Ministério Público, estadual e federal, bem
como aos órgãos e instituições do governo federal e às associações ambientalistas, a
legitimidade para acionar, mesmo que liminarmente, os responsáveis por danos
101

causados ao meio ambiente, ao consumidor e aos bens e direitos de valor artístico,


estético, histórico e paisagístico. Essa lei se constituiu em eficiente instrumento do
Poder Judiciário e dos ambientalistas para tomar medidas relacionadas com os
responsáveis pelos empreendimentos e os dirigentes dos órgãos ambientais, no
cumprimento de normas legais, principalmente as relacionadas à exigência de estudo e
relatório de impacto ambiental (Moreira, 1989).
Com a Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, a Lei de Crimes Ambientais, o meio
ambiente conta com mais um instrumento que devidamente utilizado, servirá para
proteger a natureza e punir os agressores. Esta lei descreve as condutas lesivas ao meio
ambiente, com suas correspondentes respostas do Poder Público, nas esferas penal e
administrativa, e dispõe sobre o processo penal e cooperação internacional para a
preservação do meio ambiente (Souza, 2002). O avanço na Lei de Crimes Ambientais
vem no sentido de tornar certas infrações que anteriormente eram contravenções, agora
como crimes e, tentar resgatar uma lacuna que existia no Código Penal com relação às
questões ambientais (Silva, 2002).
A constituição Federal de 1988 incluiu entre as funções institucionais do Ministério
Público a de “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos”. Em vista das novas atribuições ambientais – sem qualquer tradição no país e
na própria instituição –, o Ministério Público Federal procurou aparelhar-se e
estruturar-se, criando promotorias de justiça e coordenadorias ambientais especializadas
na questão ambiental (Milaré, 1996).
Segundo Mauro (1993), uma das principais dificuldades inerentes às Ações Civis
Públicas, em casos de agressões ambientais potenciais, é o fato de que elas são movidas
em geral contra grandes interesses de empresas privadas e públicas, que além de
possuírem assessorias jurídicas especializadas, geralmente conhecem as brechas nas
tramitações judiciais. A morosidade na tramitação judicial é outro fator que estimula os
agressores, muitas vezes beneficiados por punições administrativas inócuas. A
elaboração de documentos técnicos e laudos judiciais contribuem para que a sociedade
amplie seus conhecimentos técnicos sobre os temas abordados, para que as Ações
judiciais movidas tenham maiores possibilidades de sucesso.
102

3.6 A implementação da AIA na prática


Apesar de já terem sido discutidos nas seções anteriores deste capítulo alguns dos
problemas relacionados à implementação prática da AIA no Brasil, julgou-se necessário
apresentar aqui algumas considerações de ordem mais geral.
Segundo Glasson e Salvador (2000), todos os sistemas de AIA tem pontos fortes e
fracos, porém os problemas em países em desenvolvimento como o Brasil são
geralmente mais agudos em virtude das limitações de recursos e das pressões
econômicas e políticas enfrentadas pelo país, bem como pelas limitações inerentes aos
procedimentos, à legislação e ao exercício da participação. Há uma lacuna marcante
entre os procedimentos e a prática da AIA.
Apesar da existência de uma regulamentação nacional principal (Resolução
CONAMA nº 1/86) que se aplica a todos os estados brasileiros, a mesma resolução
possibilita que cada estado execute suas próprias políticas, regulamentações e prática. A
provisão que permite às autoridades estaduais e locais fazerem sua própria legislação
pode levar a inconsistências através do país.
Desde o início da AIA no Brasil têm ocorrido vários problemas e enganos
relacionados à prática e a fatores políticos e institucionais, reduzindo sua efetividade. A
AIA é muito centralizada em nível estadual, o que limita a consciência local sobre as
questões ambientais, bem como a participação dos atores locais principais (por
exemplo, autoridades, ONGs, e o público em geral). A participação efetiva das
autoridades de planejamento locais poderia ser fundamental, mas infelizmente na
maioria das municipalidades não existem condições humanas e materiais para isso. As
limitações do processo de planejamento no Brasil, especificamente sobre aspectos
relacionados ao meio ambiente restringe o controle da AIA sobre os impactos diretos
dos projetos, em vez de ser utilizado como um instrumento efetivo para modificar o
planejamento e as políticas de desenvolvimento.
A ligação entre a AIA e o planejamento local para implementação de projetos é
fraca. A única conexão é o requerimento legal de licenças ambientais para aplicações de
licenciamento de edificações, mas na maioria dos casos este requerimento não é
realizado no tempo apropriado ou algumas vezes não é levado em consideração pelas
autoridades de planejamento locais. De acordo com Brito (1996) apud Glasson e
Salvador (2001) em vários estados o licenciamento ambiental e os procedimentos de
103

AIA não estão sendo aplicados de acordo com a lei (Lei 6938/81 e Resolução
CONAMA nº 1/86). Estas regulamentações estabelecem que o EIA/RIMA tem de ser
realizado durante a etapa de licença prévia (LP), mas em muitos casos este
procedimento está sendo realizado apenas na etapa de licença de instalação (LI),
reduzindo o papel da AIA como um instrumento preventivo e de planejamento.
Em nível estadual, o processo de AIA é empreendido pelas SEMAs/OEMAs, com
um forte foco setorial. Outras secretarias de estado que têm algum relacionamento com
questões ambientais (por exemplo, secretarias de transporte e energia) estão menos
envolvidas com a AIA diretamente, tendo em alguns casos apenas uma participação
distante e secundária no processo, sem consulta, através de seus representantes no
CONSEMA. Esta abordagem setorial produz fortes lutas entre as instituições
ambientais e as outras instituições que acreditam que a AIA possa perturbar seus
próprios projetos. Uma solução possível para estes problemas poderia ser a
implementação de regulamentações secundárias, que redistribua a responsabilidade da
AIA de alguns tipos de projetos para a competência de outras secretarias (apesar de
algumas poucas exceções, não existem regulamentações secundárias e orientação para
projetos específicos). Além disso a maioria dos estados brasileiros possui problemas
ambientais muito sérios, e as SEMAs/OEMAs não possuem pessoal treinado e
qualificado e recursos materiais, nem apoio político para revisar o RIMA e outros
procedimentos de AIA (Glasson e Salvador, 2001). Em muitos casos o órgão ambiental
estadual alega falta de pessoal e recursos para justificar sua omissão, no entanto,
quando não existem condições para sua atuação esta competência deve ser transferida
para o órgão federal.
Na maioria dos casos, as OEMAs não providenciam os Termos de Referência para
que os EIA de projetos específicos levem em consideração as características ambientais
e do projeto. Os Termos de Referência geralmente são feitos pelos empreendedores
(proponentes) e a etapa de definição do escopo (scoping) pode ser deficiente. A falta de
Termos de Referência ou sua elaboração inadequada resulta em EIA/RIMAs de baixa
qualidade, dificultando a revisão do RIMA. Alguns RIMAs feitos por certas empresas
de consultoria são repetitivos, e comenta-se severamente sobre a “indústria do
EIA/RIMA”, já citada anteriormente neste trabalho.
Para o IBAMA (1995), as principais dificuldades que têm limitado a capacidade do
104

órgão de meio ambiente em estabelecer as diretrizes constantes no Termo de Referência


são as seguintes:

• falta de informações adequadas e suficientes sobre o local do empreendimento e seu


potencial modificador, contando para isso quase que exclusivamente com as
informações constantes na proposta do projeto. Desse constam, geralmente, dados e
informações incompletos e inexatos, com tendência natural a superestimar aspectos
positivos e subestimar aspectos negativos;

• falta de participação de outros órgãos na elaboração do Termo de Referência, o que


tem levado à desconsideração de interesses setoriais e à desconexão com outros
projetos e atividades existentes na área de influência do empreendimento;
• falta de pessoal qualificado para elaborar, sem apoio externo, o Termo de
Referência;
• insuficiência de recursos materiais e financeiros que impede, muitas vezes, a visita
de técnicos do órgão de meio ambiente ao local do empreendimento proposto para
coletar informações complementares, que possam melhor subsidiar a elaboração do
Termo de Referência.
Conforme Moreira (1989), nas empresas de consultoria privada parece faltar
experiência na coordenação do trabalho dos especialistas de diversas áreas de
conhecimento envolvidas, bem como o conhecimento das metodologias de AIA,
técnicas de pesquisa e previsão de impactos ambientais, e a capacidade de promover a
integração das diferentes disciplinas. Outras questões que interferem no processo
referem-se ao custo e à duração dos estudos, além da carência de dados primários, que
afetam diretamente a qualidade dos estudos.
Conforme Glasson e Salvador (2000), uma vez que a maioria das metodologias de
avaliação utilizadas no Brasil é proveniente da experiência internacional (por exemplo,
alguns métodos de matrizes, e a metodologia Battelle), é preciso que tais metodologias
sejam adaptadas às condições do país, com base na experiência brasileira em AIA. As
alternativas do projeto não são desenvolvidas adequadamente e a análise custo-benefício
raramente é aplicada no Brasil. Impactos secundários, indiretos e cumulativos também
não são bem identificados ou propriamente avaliados. A participação pública dentro do
procedimento atual de AIA é muito limitada, sendo raros e fracos os canais formais para
105

esta participação. Existe também pouca evidência da Avaliação Ambiental Estratégica14


(AAE) no Brasil.
A insatisfação da sociedade e de alguns órgãos e instituições (públicas e privadas)
com os resultados das audiências públicas, e com as respostas aos questionamentos
feitos sobre os empreendimentos, têm levado a uma reivindicação de realização de
audiências públicas em outros momentos importantes do processo de AIA, bem como
têm gerado junto ao Ministério Público ações civis públicas e inquéritos públicos
(Machado, 2000).
Fowler e Aguiar (1993) afirmam que o estabelecimento de critérios para a AIA é
sempre dependente de prioridades, e na maioria das avaliações de impacto ambiental
realizadas no Brasil as considerações sociais e econômicas têm prioridade sobre as
preocupações ambientais. Mesmo que as considerações ambientais sejam obrigatórias
por lei, existem deficiências estruturais básicas. O principal problema é a falta de
informação sobre a maioria dos ecossistemas brasileiros. Os dados cartográficos são
desatualizados e raramente disponíveis nas escalas apropriadas para as avaliações de
impacto ambiental, o que significa que a maioria das AIAs requer um extenso trabalho
de campo. Muitas vezes, mesmo quando os dados estão disponíveis, eles estão dispersos
entre diferentes instituições. Em muitos casos os dados não são coletados, mas
extrapolados a partir de ambientes semelhantes, levando a uma perda em tolerância e
critério. Em muitos casos as avaliações de impactos ambientais são conduzidas em um
curto período de tempo, o que geralmente resulta em uma descrição física com dados
biológicos e sócio-econômicos limitados.
A análise de risco ambiental ainda é raramente aplicada no Brasil. A importância de
cada impacto em relação àqueles fatores ambientais envolvidos é determinada pela
importância relativa de cada impacto em comparação com os outros. Não existe um

14
O termo Avaliação Ambiental Estratégica representa uma maneira convencionada de identificar o
processo de avaliação dos impactos ambientais de decisões feitas nos níveis de planejamento, políticas e
programas, no estágio mais inicial possível. A AAE considera uma série de alternativas possíveis de
modo sistemático, e assegura uma integração completa das questões relevantes, incluindo considerações
biofísicas, econômicas, sociais e políticas. Atualmente, a AAE é utilizada como uma abordagem
fundamental no processo de melhoria do desempenho da avaliação ambiental, sendo uma ferramenta
inestimável para a integração de questões ambientais dentro do processo de tomada de decisão e para a
busca de metas relacionadas à sustentabilidade (Partidário, 1996).
106

critério estabelecido que seja mais usado para este processo, e atualmente são
geralmente usados os índices de qualidade ambiental ou escalas ordinais.
A importância de um impacto é considerada em termos de seu retorno social, ou
quanto importante pode ser o impacto para a qualidade de vida da população afetada.
Atualmente, os impactos são em primeiro lugar julgamento de valor social, e as
decisões técnicas freqüentemente entram em conflito com decisões políticas. Por isso é
importante que o público participe nas decisões que se baseiam na importância daqueles
impactos.
O monitoramento ambiental é obrigatório no sistema brasileiro de AIA, apesar de
seu custo. A definição e medida dos impactos ambientais projetados incorporam
elementos desconhecidos por causa das limitações do diagnóstico ambiental e das
previsões da magnitude e inter-relações destes impactos. Independentemente da
avaliação do impacto, o critério, importância e interpretação de impactos refletem o
conhecimento atual, bem como julgamentos de valor pessoal, sejam eles provenientes
de grupos de trabalho técnicos ou de representantes do público que têm a última palavra
sobre o projeto e as dimensões da AIA. O monitoramento ambiental deveria iniciar com
as fases de aprovação e implementação do projeto, para verificar aqueles parâmetros
identificados na AIA e permitir o desenvolvimento de estimativas de parâmetros mais
realísticas.
Para realizar o acompanhamento e monitoramento ambiental da execução, pelo
empreendedor, do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos
positivos e negativos, os órgãos de meio ambiente têm encontrado as seguintes
dificuldades:
• Falta de pessoal qualificado para análise dos relatórios de monitoramento elaborados
pelo empreendedor, vistorias técnicas mais produtivas e elaboração de pareceres
técnicos, provocando atraso na tomada de decisão;
• Falta de articulação interna no sentido de utilizar as informações produzidas
pontualmente pela fiscalização, no processo contínuo de acompanhamento e
monitoramento ambiental exercido pelos órgãos sobre o empreendimento, falta de
conhecimento do conteúdo e respectivo embasamento técnico dos programas de
acompanhamento e monitoramento dos impactos ambientais aprovados no
EIA/RIMA ou em outros documentos técnicos semelhantes e falta de conhecimento
107

,da legislação referente ao controle (Bastos e Almeida, 1999).


O processo de aprovação do RIMA é muito burocrático, levando muito tempo para
ser concluído. Quando existe uma discussão do RIMA nos CONSEMAs,
freqüentemente ela é influenciada por pressões políticas e econômicas. Dependendo da
complexidade do projeto e suas implicações, um procedimento completo de AIA pode
levar no mínimo um ano, ou mais. Conseqüentemente, é comum o empreendedor iniciar
a implementação do projeto embora o procedimento de AIA esteja sendo realizado.
Portanto, é necessário estabelecer um tempo limite para a revisão e aprovação do EIA
pelas SEMAs/OEMAs (Glasson e Salvador, 2000).
108

4 O ENVOLVIMENTO E A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA EM AIA


Este capítulo mostra os meios apresentados na literatura para promover uma
participação pública15 mais eficiente dentro do processo de Avaliação de Impacto
Ambiental. São apresentadas diversas técnicas que podem ser usadas nas diferentes
etapas da AIA, e levanta-se a importância da educação pública para se alcançar níveis
mais altos de participação. Também são mostrados alguns exemplos da importante
atuação das Organizações Não Governamentais, e o papel que a mediação pode
desempenhar em procedimentos de AIA complexos.

4.1 A consulta e a participação pública em AIA

O envolvimento dos atores no processo de AIA é amplamente reconhecido como um


elemento fundamental do processo. Programas de envolvimento público oportunos, bem
planejados e bem implementados têm contribuído para o sucesso no planejamento,
implementação, operação e gerenciamento dos projetos (UNEP, 1996). Os atores
tipicamente envolvidos na AIA e seus interesses são mostrados no Quadro 2.
Quase todos os sistemas de AIA requerem a consulta e participação pública depois
da publicação do relatório de impacto ambiental, antes da decisão sobre o projeto.
Contudo, muitas jurisdições em alguns países também requerem ou encorajam a
consulta e participação em etapas iniciais do processo de AIA, durante a etapa de
definição do escopo do estudo, por exemplo. Na realidade, parece existir uma
compreensão crescente de que uma maior participação pública, usando um ou mais dos
numerosos meios de participação pública existentes, pode produzir resultados
significativos tanto para o proponente do projeto como para o público afetado por ele
(EIA Centre, 1995).
De acordo com o UNEP (1996), não há um conjunto consistente de definições para
os termos usados para descrever os diferentes tipos de envolvimento público em AIA.
Por exemplo, é comum encontrar os termos ‘consulta’ e ‘participação’ sendo utilizados
intercambiavelmente por algumas organizações, enquanto que outras podem considerar

15
Neste trabalho utiliza-se o termo ‘participação pública’, e não ‘participação popular’, por considerar
que o termo ‘pública’ implica na participação de todos os atores envolvidos no processo de AIA, e por
entender que o termo ‘popular’ refere-se somente à participação das comunidades locais.
109

seus significados bem diferentes. Na prática estas diferenças sutis na terminologia


seriam esclarecidas através de requerimentos detalhados de um programa de
envolvimento público. Apesar da literatura e legislação brasileiras somente usar o
termo ‘participação pública’, neste capítulo serão feitas algumas distinções entre os
termos envolvimento, consulta e participação.
Quadro 2 - Atores envolvidos na AIA e seus interesses
Atores Interesses
Comunidades locais Os indivíduos ou grupos dentro da comunidade local terão interesse em saber o
que está sendo proposto; em que seus valores sejam conhecidos, entendidos e
levados em conta; e que as sugestões que eles possam oferecer sejam
cuidadosamente consideradas em seus méritos. Eles geralmente têm
conhecimento local que pode ser utilizado. Eles querem que suas preocupações
sejam ouvidas e tratadas pelos proponentes.
Proponentes Muitos proponentes podem compartilhar dos objetivos acima, e terão outros
também. Eles desejarão moldar a proposta para dar a ela uma melhor
oportunidade de sucesso. Isto geralmente envolve alcançar um maior
entendimento e aceitação pública da proposta através do fornecimento aberto de
informação. Em geral o projeto também pode ser melhorado através do uso do
conhecimento local e entendimento dos valores locais.
Órgãos do governo Para os administradores e tomadores de decisão, um programa efetivo de
envolvimento público pode significar que o projeto é menos provável a tornar-se
controverso nas etapas posteriores do processo.
Empresas de consultoria Para as empresas de consultoria envolver o público em etapas cruciais do
processo contribui para a aceitação do relatório de AIA por parte das
comunidades e órgãos ambientais, e melhora a qualidade da tomada de decisão.
ONGs Os comentários das ONGs geralmente fornecem uma perspectiva pública mais
ampla sobre a proposta. Suas visões também podem ser muito úteis quando
existem dificuldades em envolver a população local (embora isto nunca substitua
completamente a informação solicitada diretamente da população).
Outras Outros grupos interessados podem ser de universidades, setor privado,
financiadores, etc. Especialistas de campos específicos podem dar uma
contribuição importante.
Fonte: modificado de UNEP (1996)

Segundo o UNEP (1996) existem três níveis de envolvimento público: informação,


consulta e participação. Para o Banco Mundial, o fator que distingue a consulta da
participação é o grau no qual é permitido que as pessoas envolvidas influenciem,
compartilhem ou controlem a tomada de decisão. A disseminação de informação é a
pré-condição necessária para a consulta e a participação, e envolve o fluxo de
informação em uma via (do proponente do projeto para o público). A consulta envolve a
solicitação das opiniões do público sobre as ações propostas e o engajamento das
pessoas em um diálogo. A consulta é caracterizada por um fluxo de informação em duas
vias, das autoridades do projeto para as pessoas, e das pessoas para as autoridades do
projeto. Embora a autoridade da tomada de decisão seja retida pelo governo, a interação
110

com as pessoas e a elicitação de uma retroalimentação de informação permite às


populações afetadas influenciar o processo de tomada de decisão, levantando questões
que deveriam ser consideradas em várias etapas do processo de AIA, como na definição
do escopo; no desenho do projeto; nos planos de mitigação, monitoramento e
gerenciamento; e na análise de alternativas. Já a participação é um processo voluntário
no qual as pessoas reúnem-se com as autoridades do projeto para compartilhar, negociar
e controlar o processo de tomada de decisão no planejamento e gerenciamento do
projeto. O processo requer um grau maior de envolvimento das pessoas afetadas na
tomada de decisão do que a consulta; mas também é baseado no fluxo de informação e
idéias em duas vias (World Bank, 1993).
O nível de envolvimento público requerido para uma determinada proposta
dependerá de seu contexto social e político. O envolvimento público pode variar de uma
mera informação para o público sobre o que está sendo proposto, através de consulta, à
uma tomada de decisão amplamente participativa. Embora os vários níveis de
envolvimento público pareçam um tanto distintos, em muitas AIAs as distinções entre
os níveis será obscurecida. Os processos de envolvimento público e participação pública
fornecem muitas oportunidades e caminhos através dos quais os tomadores de decisão
tornam-se conscientes das preocupações dos participantes, e podem ter uma influência
maior na tomada de decisão através de meios informais. O caso extremo de participação
pública total na tomada de decisão é raro porque muitos tomadores de decisão têm uma
relutância em compartilhar seu poder de tomada de decisão com a comunidade afetada.
Eles sentem que têm a responsabilidade de tomar as decisões em nome da comunidade
mais ampla (UNEP, 1996).
De acordo com o UNEP (1996), os objetivos do envolvimento público podem ser
resumidos conforme mostrado a seguir:
• Informar aos atores sobre o que está sendo proposto e fornecer a oportunidade para
criar um senso de domínio da proposta;
• Fornecer uma oportunidade para aqueles que de outra forma não seriam
representados a apresentar suas visões e valores, permitindo portanto uma
consideração mais sensível das medidas mitigadoras e das escolhas entre objetivos
conflitantes (trade-offs);
• Fornecer aos envolvidos no planejamento da proposta uma oportunidade para
111

assegurar que os benefícios sejam maximizados e que nenhum impacto maior tenha
sido negligenciado;
• Fornecer uma oportunidade para o público influenciar o design do projeto de uma
maneira positiva;
• Obter conhecimento local e tradicional (corretivo e criativo), antes da tomada de
decisão;
• Aumentar a confiança pública nos revisores e tomadores de decisão;
• Fornecer uma maior transparência e responsabilidade na tomada de decisão;
• Reduzir conflitos através da identificação antecipada de questões contenciosas.
Benefícios menos tangíveis são obtidos através do envolvimento público à medida
que os participantes vêem que suas idéias podem ajudar a melhorar as propostas. As
pessoas ganham confiança e auto-estima tomando parte do processo e as percepções são
melhoradas através da reunião, e do intercâmbio de idéias e informação com pessoas
que têm valores e visões diferentes.
Para Webler et al. (1995), existem três razões principais para a inclusão de
oportunidades para a participação pública na avaliação de impactos ambientais e sociais.
Em primeiro lugar, a competência da decisão final é mais alta quando o conhecimento
local é incluído e quando o conhecimento de especialistas é examinado publicamente.
Segundo, a legitimidade do resultado final é mais alta quando as partes potencialmente
afetadas podem declarar os próprios argumentos antes dos especialistas e têm chances
iguais para influenciar o resultado da decisão, isto é, o processo é justo. Terceiro, a
participação pública é identificada como uma conduta apropriada do governo
democrático em atividades de tomada de decisão pública.
Através do envolvimento público desde o início do processo de AIA é possível
identificar questões que os ‘especialistas’ não consideram importantes, mas que podem
ter um grau de importância desproporcional à magnitude do impacto (EIA Centre,
1995).
De acordo com Dias e Sánchez (1999, p. 90), o sucesso da AIA depende mais de
uma atitude aberta e flexível, com muita participação, do que a utilização de qualquer
procedimento rígido para identificar e prever cientificamente os impactos. “A
participação pública, muitas vezes, é capaz de revelar implicações de uma ação não
112

identificadas ou devidamente avaliadas através da aplicação de outras ferramentas de


avaliação.”
Apesar dos benefícios conhecidos, são percebidos certos riscos pelas partes que
relutam em envolver o público no procedimento de AIA. Conforme a UNEP (1996),
muitos dos riscos associados com o envolvimento público podem ser evitados com um
planejamento correto. Talvez a falta de consulta e participação possa colocar no longo
prazo um risco muito maior para os projetos. A seguir são mostrados alguns dos
principais motivos que são apresentados como justificativa para evitar o envolvimento
público, segundo o UNEP (1996):
• É muito cedo; nós ainda não temos uma proposta firme – o fornecimento adiantado
de informação para o público, minimizará o risco de rumores falsos e prejudiciais
sobre a proposta. Mesmo que o proponente possa não ter uma idéia clara dos
detalhes do projeto, a comunicação dos objetivos da proposta começará a construir
confiança com a comunidade, e pode permitir a entrada de informação do público
sobre as limitações do sítio e alternativas. A tendência da AIA é realizar o
envolvimento público na etapa de viabilidade do projeto, quando as opções ainda
estão sendo consideradas, de forma que os interesses da comunidade possam ajudar
o proponente a planejar um esquema robusto.
• Isto levará muito tempo e custará muito – Se for integrado dentro do planejamento
do projeto, um gasto de tempo excessivo pode ser evitado. Os custos de não
envolver o público podem ser mesmo maiores em termos de custos que surgem de
atrasos, e de projetos que não alcançam seus objetivos. Aqueles que provavelmente
irão se opor ao projeto não serão dissuadidos pela falta de um programa de
envolvimento público.
• Isto instigará a oposição, e o processo será tomado por ativistas – tal programa
pode, porém, assegurar que todos os lados do debate sejam ouvidos. É importante
que as questões levantadas pelos oponentes deveriam ser completamente
examinadas, e tratadas pelos seus méritos. Se impactos não podem ser evitados, e o
projeto é considerado necessário por motivos de força maior, o programa de
envolvimento público deveria demonstrar a todos que as preocupações dos
segmentos da comunidade estão sendo tratados justamente.
• Nós vamos ouvir somente os articulados – Pessoas articuladas, instruídas e
113

habilidosas encontram facilidade em usar as oportunidades fornecidas através do


envolvimento público. As pessoas que preparam e administram tais programas
devem estar cientes disso, e incorporar medidas para assegurar que as opiniões da
‘maioria silenciosa’ sejam expressadas e entendidas.
• Nós levantaremos expectativas que não podemos satisfazer – deve-se tomar muito
cuidado nas primeiras fases de um programa de envolvimento público para
assegurar que não sejam levantadas expectativas excessivas. Decisões que já tenham
sido tomadas, as quais excluem opções, deveriam ser comunicadas o mais cedo
possível. O propósito do envolvimento da comunidade, do processo de estudo, e do
processo de tomada de decisão deveriam ser comunicados claramente.
• A comunidade local não entenderá as questões envolvidas – a falta de educação
técnica não nega a inteligência e entendimento que as pessoas têm de sua
circunvizinhança. Geralmente o conhecimento das pessoas e seu ambiente e como
ele reage a mudanças pode ser mais acurado do que o previsto através de modelos.
Nenhum programa de envolvimento público será efetivo a menos que o proponente
queira genuinamente engajar-se em um diálogo em duas vias com a comunidade. O
espírito de abertura precisa abraçar uma disposição a ouvir a informação, valores e
preocupações da comunidade, retificar a proposta de modo a minimizar estas
preocupações, e reconhecer o valor da contribuição fornecida pela comunidade.
Segundo Ebesson (1999), embora exista uma percepção por parte de alguns países
de que o envolvimento dos indivíduos e ONGs na AIA nada mais é do que um
obstáculo para a tomada de decisão, esta percepção tem mudado, o envolvimento ativo
dos cidadãos é visto agora como um meio para implementar a política ambiental, em
vez do contrário. Isto pode ser ilustrado, por exemplo pela Declaração do Rio sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, de acordo com a qual
“As questões ambientais são mais bem manipuladas com a
participação de todos os cidadãos interessados, no nível relevante. Em
nível nacional, cada indivíduo deve ter o acesso apropriado à
informação mantida pelas das autoridades públicas concernente ao
meio ambiente, incluindo a informação sobre materiais perigosos e
atividades em suas comunidades, e a oportunidade de participar nos
processos de tomada de decisão. Os Estados devem facilitar e
encorajar a consciência e participação pública tornando a informação
amplamente disponível. O acesso efetivo a procedimentos judiciais e
administrativos, incluindo emendas e recursos, devem ser
114

providenciados.” (Declaração sobre Meio ambiente e


Desenvolvimento, 1992 apud Ebesson, 1999, p. 53)

A Convenção sobre Avaliação de Impacto Ambiental em um Contexto


Transfronteiras, conhecida como “Convenção da AIA” ou “Convenção de Espoo”,
realizada em 1991, obriga as partes a assegurar a participação pública e o acesso à
informação. Esta convenção manifesta que a participação pública é conceitualmente
uma parte da AIA, e que nenhuma oportunidade para o público participar significa que
não existe AIA. A participação pública não beneficia somente a proteção do meio
ambiente, mas também adiciona legitimidade à decisão ambiental. Por isso os
procedimentos deveriam ser transparentes com relação à informação mantida pelas
autoridades das partes interessadas.
Segundo o EIA Centre (1995), a consulta com autoridades, estados e países
vizinhos quando são feitas propostas de desenvolvimento que possam afetar seus meios
físicos, biológicos e sócio-econômicos é um fato claramente justificável. Mas,
infelizmente, isso não ocorre sempre, apesar da provisão para esse tipo de consulta,
estabelecida pela referida Convenção (Convenção de AIA). Isto requer o
estabelecimento de um tipo de procedimento de AIA que permita as mesmas
oportunidades para a participação pública, tanto no país adjacente como no país em que
o projeto proposto será localizado.
As principais técnicas para promover o envolvimento e a participação pública na
AIA são apresentadas pelo EIA Centre (1995), da Universidade de Manchester. As
vantagens e desvantagens de cada técnica são apresentadas a seguir:
• Questionários e pesquisas – estas técnicas têm o objetivo de determinar as atitudes e
opiniões públicas sobre várias questões, através de um processo de questionamento
estruturado, realizado pelo proponente. Para evitar a interpretação errada das
respostas, a pesquisa deve ser planejada cuidadosamente, para assegurar que os
indivíduos pesquisados representem devidamente a comunidade como um todo. As
desvantagens do método são a alta demanda de pessoal e a ausência de um diálogo
em duas vias.
• Anúncios – anúncios públicos descrevendo os detalhes do projeto e as questões
envolvidas podem ser colocados em locais acessíveis (por exemplo, livrarias,
centros recreativos). Eles fornecem um meio rápido, fácil e de baixo custo para
115

informar uma grande parte da comunidade e pode em geral avisar sobre outras
atividades de participação. Porém, a quantidade de informação que pode
efetivamente ser comunicada é limitada e não dá oportunidade a retroalimentação
por parte do público.
• Panfletagem – folhetos, panfletos e pacotes de informação podem ser distribuídos ao
público em geral, sendo um método rápido e fácil de fornecer informação geral. Esta
informação deveria ser breve mas deveria incluir um sumário do projeto, as questões
envolvidas e detalhes de outras atividades de participação (com números de telefone
e endereços). O fluxo de informação em uma via pode estar sujeito a
tendenciosidades ou interpretação errada por parte do público em geral.
• Uso da mídia – a cobertura através de jornais, televisão e rádio são métodos
efetivos e não muito dispendiosos para alcançar uma grande parcela da
comunidade. Este método sozinho não fornece uma retroalimentação para o
proponente e também é restringido pela quantidade de informação que pode ser
disponibilizada para o público através de cada meio da mídia.
• Exposições e exibições – estas técnicas empregam a comunicação visual de
informação para educar e informar o público. Quando realizadas em locais
acessíveis elas fornecem um meio de baixo custo para alcançar um grande número
de pessoas, que de outra forma, podem falhar em participar em um programa de
participação pública. As exposições deveriam basear-se em fotografias, mapas e
diagramas em vez de textos para permitir uma fácil comunicação. Um diálogo em
duas vias somente é facilitado através de pessoal preparado ou por outros meios de
participação.
• Visitações públicas (Open houses) – estas visitações deveriam ser promovidas em
um local dentro da comunidade onde o público possa assistir a exposições, fazer
perguntas e discutir questões com o pessoal do projeto. A natureza informal desta
participação pode atrair indivíduos que podem ser dissuadidos a comparecer a
reuniões públicas mais formais. Os problemas associados a este método incluem o
alto custo de fornecer pessoal para receber uma retroalimentação (feedback) do
público e discutir as questões relevantes.
• Linha telefônicas (‘hot lines’) – números telefônicos que são alocados para uso do
público em geral permite a colocação de perguntas ou comentários sobre os
116

diferentes aspectos do projeto. O mérito deste método está na acessibilidade a todos


os indivíduos que possuem telefone, fazendo dele um meio apropriado quando o
público está largamente distribuído em áreas remotas. Porém, este método depende
de pessoal instruído, com habilidades de comunicação efetivas, e também incorre
em custos mais altos do que outros métodos de receber realimentação.
• Contato pessoal – este meio envolve discussões diretas entre o pessoal do projeto e
indivíduos que estão particularmente interessados nos efeitos do projeto. A íntima
interação pessoal permite que informação complexa e detalhada seja explicada e
discutida. Porém, este método consome tempo, por isso muitas pessoas interessadas
podem não querer participar.
• Equipe de ligação com a comunidade (community liaison staff) – este tipo de
equipe consiste em empregados do proponente que se ligam a membros da
comunidade para fornecer informação a eles e reduzir as interpretações erradas dos
compromissos feitos seja pelo proponente ou pela comunidade. Esta equipe precisa
ter boas habilidades de comunicação e um entendimento claro dos detalhes do
projeto. Podem surgir problemas quando a comunidade está amplamente distribuída
ou é composta por vários grupos étnicos/culturais.
• Comitês consultivos da comunidade – consistem em membros do público que
representam o resto da comunidade. Eles aconselham o proponente sobre o projeto e
se comunicam com o resto da comunidade. Um diálogo efetivo em duas vias pode
ser estabelecido cedo dentro do processo de planejamento e deveria demonstrar a
disposição do proponente em trabalhar com a comunidade. Este método depende de
um grupo que represente uma gama completa de interesses e tenha comunicação
regular com o público para assegurar a participação efetiva.
• Apresentações para grupos – são apresentações dadas pelo proponente a grupos
específicos da comunidade. Elas permitem que o proponente focalize questões
específicas relevantes à audiência e escolha um nível apropriado de detalhe. Uma
discussão depois da apresentação permite uma retroalimentação e previne a
interpretação errada da informação. Nestas reuniões, a cobertura restrita de todas as
questões pode impedir o público de receber uma visão geral realista do projeto.
• Seminários (workshops) – este é o meio mais efetivo para discussão e identificação
de soluções para problemas, para identificar o escopo dos impactos potenciais e
117

criar outros planos de ação. Porém, ele é limitado pelo uso de grupos pequenos de
representantes da comunidade e requer uma organização extensiva pelos
proponentes, o que pode torná-los caros.
• Reuniões públicas – estas reuniões requerem que o proponente faça uma
apresentação descrevendo o projeto e as questões relevantes, que é então seguida de
uma sessão de perguntas e respostas. Deveriam ser realizadas em um local central e
de fácil acesso para a comunidade. As reuniões públicas são relativamente baratas.
A informação fornecida pelo proponente deveria ser simples, para ser comunicada a
uma ampla seção da sociedade, de outra forma a discussão pode falhar em beneficiar
o proponente ou o público.
• Audiências públicas e inquéritos – as audiências são mais formais do que as
reuniões públicas e são vistas como o método tradicional de participação pública em
muitas jurisdições. No entanto, muitos indivíduos não estão dispostos a expressar
suas opiniões em um ambiente tão formal onde a discussão é altamente estruturada.
Estes métodos também consomem tempo e são caros para todas as partes que
desejam apresentar suas opiniões. Apesar disso, elas fornecem uma oportunidade
para a comunicação em duas vias.
As técnicas apresentadas acima possuem vantagens e desvantagens quando usadas
em diferentes circunstâncias nacionais e em diferentes etapas do processo de AIA. É
preciso atingir um equilíbrio entre os benefícios positivos da consulta e participação
pública na melhoria dos impactos das ações, e alcançar um consenso sobre os resultados
ambientais e os custos financeiros e tempo envolvidos. O ponto de equilíbrio varia entre
os sistemas de AIA e com o tempo, mas a tendência em direção a uma consulta e
participação mais efetivas é indiscutível.
A escolha da técnica deveria ser obviamente apropriada à etapa do processo de AIA
para o qual ela é empregada. Por exemplo, uma audiência pública pode ser apropriada
imediatamente após a tomada de decisão, e é muito improvável que seja apropriada para
a etapa de triagem (screening). Na prática, muitas jurisdições deixam os tomadores de
decisão e proponentes à vontade na escolha das metodologias de consulta e
participação.
A escolha da técnica de participação também deve ser apropriada à sociedade no
meio da qual o projeto proposto será localizado. Por exemplo, o tamanho e o estilo das
118

reuniões públicas em áreas rurais de países em desenvolvimento pode ser muito


diferente daquelas de países industrializados. O Banco Mundial reconhece que as
técnicas de participação pública utilizadas nos países desenvolvidos podem não ser
sempre apropriados aos países em desenvolvimento. “Em alguns casos, particularmente
na África, o Banco tem recomendado que consultores e agências complementares
trabalhem por intermédio de instituições e líderes tradicionais locais de tomada de
decisão para disseminar informação.” (World Bank, 1993, p.2)
As provisões e a prática com relação à consulta, e particularmente à participação
pública, são fortemente influenciadas pela cultura, pelo nível educacional e pelo sistema
político de cada jurisdição. Portanto, a prática da participação pública em países Anglo-
saxões e no nordeste da Europa pode diferir daquela que existe nos países
mediterrâneos, em economias em transição e nos países em desenvolvimento.
A participação pública nos sistemas de AIA em países em transição é em geral
insuficientemente desenvolvida por causa da pouca tradição da participação na tomada
de decisão (por exemplo, na Polônia). Em alguns países, porém, pode existir uma ampla
série de provisões relativas à participação pública, mas que não funcionam
eficientemente na prática (por exemplo, na República Eslovaca). Nesses países, a
consulta com as agências ambientais, que muitas vezes não possuem pessoal adequado,
pode ser um procedimento relativamente freqüente.
Em muitos países em desenvolvimento pode ocorrer o mesmo, sendo que a falta de
experiência pode ser exacerbada pela falta de conhecimento sobre a AIA, pela
confidencialidade dos relatórios de impacto ambiental, pela falta de cultura de
participação, e algumas vezes por baixos níveis de alfabetização. Na verdade, a noção
ocidental de participação pública na tomada de decisão relativa a projetos pode ser
totalmente estranha em alguns países em desenvolvimento, embora tenham sido
desenvolvidas abordagens para essa participação em muitas sociedades tradicionais
(EIA Centre, 1995).
Segundo Palerm (1999), as mudanças pelas quais tem passado a legislação de AIA
na Hungria mostram uma melhoria em direção a maiores oportunidades de participação
pública, e em alguns aspectos superam as da União Européia. Talvez devido à ausência
de ONGs bem estabelecidas e consulta voluntária tem havido uma maior urgência em
criar mecanismos formais para assegurar níveis de participação mínimos.
119

4.2 A educação pública para o processo de AIA

Para Sinclair e Diduck (2001), a participação pública em Avaliação Ambiental tem


sido vista como um meio de fornecer informação para melhorar a tomada de decisão por
parte do governo e proponentes, ou como um meio de ajudar a assegurar que o projeto
seja aceitável para o público antes que ele seja implementado. No entanto, programas
de envolvimento público têm sido descritos, na melhor das hipóteses, como tentativa
(Diduck e Sinclair (1997). Para Schibuola e Byer (1991) apud Diduck e Sinclar (1997),
o envolvimento público em AIA é freqüentemente inadequado por causa da falta de
conhecimento sobre o processo de AIA.
Lenny (1876) apud Sinclair e Diduck, (1995) argumenta que o envolvimento
público contribui para o sucesso do processo de tomada de decisão administrativa da
seguinte maneira:
• O envolvimento público ajuda a impedir a ‘captura’ do órgão da administração
pública pela indústria ou setor que está sendo regulamentado, e tende a produzir
decisões mais equilibradas;
• Como a administração pública deve ser justa, é necessário envolver o público de
forma que outras preocupações que não sejam a da indústria/setor sejam ouvidas, e
para que sejam expressados interesses tradicionalmente não representados;
• O aumento do envolvimento público promoverá a confiança pública no processo;
• O aumento do envolvimento e do escrutínio público encoraja a eficiência e a
produção de políticas e decisões que correspondam às necessidades do público;
• a ameaça de apelo ou revisão colocada pelos interventores do interesse público pode
gerar uma maior responsabilidade;
• a capacidade de o público intervir desafia ações/decisões ilegais ou inválidas antes
que elas entrem em vigor.
Uma grande série de técnicas de envolvimento público e uma variedade de
taxonomias de envolvimento tem sido listada e descrita. Praxis (1988) apud Sinclair e
Diduck (1995) apresenta um amplo inventário classificado de acordo com o grau de
envolvimento público inerente a cada técnica, conforme mostrado no Quadro 3.
120

Quadro 3 - Técnicas para o envolvimento público


Taxonomias de envolvimento Técnicas
Informação/educação pública: o uso Anúncios Publicações
da disseminação de informação e Debates/eventos Relatórios
instruções gerais para criar uma Conferências Brochuras
consciência sobre o processo de AIA e Liberações de notícias Mala direta
assuntos relacionados Programas de treinamento de Boletins informativos
cidadãos Pré-estréias políticas
Exposições/apresentações Publicidade
Suplementos em jornais
Retroalimentação de informação: a Análise de dados do Entrevistas
distribuição de informação sobre uma envolvimento público Votações
posição política e a solicitação da Perfis sociais ou da Submissões escritas
contribuição pública a respeito dessa comunidade Participação através de
posição Questionários computador

Consulta: o uso de comunicação em Painéis Brainstorming


duas vias com base em objetivos Reuniões e audiências públicas Delphi
inicialmente estabelecidos e
mutuamente aceitos
Envolvimento extendido: é dada ao Comitês consultivos Etc.
público uma voz na tomada de decisão Forças-tarefa
de forma que ele tenha influência sobre
a decisão
Planejamento conjunto: tomada de Arbitragem Conciliação
decisão compartilhada, isto é, processo Negociação Mediação
onde o público concorda com a decisão Etc.
Fonte: Praxis (1988) apud Sinclair e Diduck (1995)

Já Westman (1985) apud Sinclair e Diduck (1995) propõe uma estrutura de


classificação fundamentada na extensão pela qual cada técnica fornece poder para o
público a respeito da decisão final (Quadro 4).
As avaliações do envolvimento público focalizam invariavelmente a quantidade de
poder dada ao público no processo de tomada de decisão. Argumenta-se que para ser
efetivo, eficiente e justo, o processo de envolvimento público deveria permitir um grau
maior de poder dos cidadãos na tomada de decisão. Contudo, tem sido ignorado que,
para alcançar graus mais altos de poder dos cidadãos, os mesmos precisam ter um firme
entendimento do processo de tomada de decisão do qual eles fazem parte, e que uma
transferência efetiva de poder requer uma transferência efetiva de conhecimento
(Sinclair e Diduck, 1995).
Para Grima (1983) apud Sinclair e Diduck (1995), a educação é um componente
integral do envolvimento público. Contudo, a educação pública como parte do
envolvimento público tem focalizado quase que exclusivamente o projeto e ignorado o
processo de AIA. A educação a respeito do processo de AIA é, pelos menos em parte,
121

uma forma de educação e informação legal pública, de modo que ela lida com
legislação e regulamentações de AIA, políticas de governo, audiências públicas, e
procedimentos administrativos.

Quadro 4 - Inventário de técnicas de envolvimento público


Técnicas Poder público na tomada Vantagens Desvantagens
de decisão
Informação Nenhum Informativo; rápido Nenhuma
Apresentações de slides retroalimentação; sujeito
ou filmes, kits de a influências
informação, informes em
jornais, notícias, etc.
Consulta Baixo Permite comunicação em Não permite comunicação
Audiências públicas, duas vias; permite contínua; consome tempo
ombudsman ou discussão limitada
representante, etc.
Planejamento conjunto Moderado Permite entrada e Consome tempo;
Comitê consultivo, retroalimentação dependente da
workshop estruturado, contínuas; aumenta a informação fornecida por
etc. educação e o planejadores
envolvimento público
Delegação de Alto Permite um melhor Comprometimento a
Autoridade acesso a informação longo prazo; difícil de
conselho de revisão relevante; permite um incluir ampla
pública, comissão de maior controle sobre as representação em um
planejamento público opções e o tempo da conselho pequeno
decisão
Fonte: Westman (1985) apud Sinclair e Diduck(1995)

O termo educação não é usado estritamente no sentido pedagógico, mas de um modo


mais informal que inclui disseminação da informação, práticas de comunicação
variadas, bem como metodologias pedagógicas formais. O conceito refere-se à educação
como o uso da disseminação de informação e instrução geral para estimular o
conhecimento sobre o processo de AIA e assuntos relacionados (Praxis,1988 apud
Sinclair e Diduck, 1995).
A base lógica para a educação e informação legal pública pode ser resumida da
seguinte maneira:
• A sociedade como um todo sofre porque muitos cidadãos não participam ativamente
da criação das leis e do sistema jurídico;
• Grupos específicos de pessoas e indivíduos sofrem porque eles não entendem a lei e
o sistema jurídico e não entendem leis específicas que afetam suas vidas;
• A educação e informação podem capacitar as pessoas a participarem mais
ativamente e efetivamente da criação das leis e do sistema jurídico;
122

• As pessoas que são instruídas sobre a lei serão mais capazes de proteger seus
direitos e cumprir suas responsabilidades sob a lei do que aquelas que não são;

• A informação sobre a lei e o sistema jurídico atualmente não está acessível de


forma adequada para informar a maioria das pessoas (Alderson, 1992 apud Sinclair
e Diduck, 1995).

Thompson (1989) apud Diduck e Sinclair (1997) sumariza as razões para a


educação legal pública de uma maneira um pouco diferente:
• A consciência legal cria uma sociedade mais disciplinada e em conformidade com a
lei;
• O conhecimento legal facilita o reconhecimento de problemas legais quando e se
eles ocorrem, o que permite os indivíduos buscarem a assistência profissional
apropriada;
• O conhecimento dos cidadãos acerca da lei e o acesso a serviços legais são
essenciais para o funcionamento de uma sociedade democrática e eqüitativa; e
• A consciência da lei habilita cidadãos que estão em desvantagem social e
economicamente, capacitando-os a desempenhar um papel mais ativo dentro do
processo político.
Segundo Sinclair e Diduck (1995), no Canadá, embora a educação seja um pré-
requisito para níveis avançados de envolvimento público e exista uma forte razão para a
educação em avaliação de impactos ambientais, a educação pública tem sido
amplamente ignorada nos processos de AIA. Os autores sugerem uma lista ampla das
atividades potenciais que poderiam facilitar a educação pública (Quadro 5), e avaliar
este componente nas práticas, políticas e legislação de AIA existentes.
Das técnicas potenciais para promover a educação pública no Canadá, mostradas no
Quadro 5, algumas parecem ser mais promissoras para alcançar a tarefa de educar o
público sobre processos complexos de AIA. A diferença das técnicas apresentadas a
seguir em relação às técnicas apresentadas na primeira seção deste capítulo consiste em
que elas podem ser empregadas visando o processo de AIA, e não apenas o projeto.
• Programas de treinamento de cidadãos/palestras/seminários – Técnicas que
fornecem um componente interativo, por exemplo, seminários (workshops) terão
resultados mais efetivos. As pessoas aprenderão não somente a partir da informação
123

que é comunicada e elas, mas também das perguntas que outros fazem. Os
participantes são três vezes mais dispostos a perguntar questões sobre material
escrito se ele é apresentado em forma de aula em vez de sem nenhuma apresentação.
Quadro 5 - Lista das técnicas de educação pública para AIA

Áudio/visual Serviços diretos/individualizados


Filmes Mala direta
Apresentação de slides Linha telefônicas
Vídeos Registros públicos
Métodos baseados em computador Assistência técnica
Acesso a dados eletrônicos E-mail direto
Sistemas baseados em conhecimento Educação formal
Apresentações de filmes Integração no currículo existente
Mídia Discussão em programas de alfabetização
Anúncios Publicações
Circular de notícias Panfletos
Chamadas em televisão Livros cômicos
Conversas através de rádio Artigos
Entrevistas Cartas para o editor
Cobertura das audiências Boletins informativos
Conferências de notícias Relatórios
Reuniões/eventos públicos Manuais
Conferências Cartazes
Debates Fotonovelas
Exposições/apresentações Encartes em jornais
Palestras Legislação em linguagem simples
Visitações públicas (open houses) Kits de informação
Painéis Notícias
Programas de treinamento dos cidadãos
Visitas organizadas a audiências
Exercícios de simulação
Seminários (workshops)
Fonte: Modificado de Sinclair e Diduck (1997)

• Audiências simuladas, ou visitas a audiências reais, também farão com que as


pessoas fiquem mais à vontade com o processo e com o seu lugar dentro dele, além
de serem técnicas estabelecidas e bem sucedidas no campo legal. Os principais
problemas com esta técnica são o custo, o consumo de tempo, e o fato de alcançar
provavelmente uma porção limitada do público.
• Visitações públicas (open houses) – as visitações públicas há longo tempo têm sido
parte da AIA e provavelmente continuarão a ser. Embora seu uso na educação do
processo de AIA possa ser limitado, comparada com seu uso na educação ‘do
projeto’, há uma clara oportunidade para proporcionar ao público uma
fundamentação adicional em AIA através destes eventos. A maior desvantagem
desta abordagem é o ar de hostilidade que geralmente cerca estas visitações e
124

geralmente as partes têm pouca paciência para discussões que não são relacionadas
ao projeto. Em grande parte por esta razão as visitações públicas ocorrem
geralmente muito tarde para discussões sobre o processo de AIA. Além disso, as
visitações públicas geralmente têm oferecido um tempo limitado para o
questionamento.
• Uso de Linguagem simples – proporcionar uma legislação com linguagem clara e
simples auxilia muito as pessoas no seu entendimento do processo e faz com que
elas sintam-se como parte dele. Embora certos grupos tenham discutido a
necessidade da linguagem simples em documentos e legislação por anos, tem havido
pouco desenvolvimento a esse respeito. Os impedimentos principais parecem ser a
não disposição para aceitar a idéia de que conceitos complexos possam ser
expressos em termos simples, e uma inércia geral de parte das instituições legais e
do governo com relação à mudança de qualquer tipo.
• Linhas telefônicas – As linha telefônicas têm se tornado uma técnica muito popular
no provimento de informação e educação pública. Muitas municipalidades têm
linhas telefônicas para informação sobre a redução de resíduos, re-uso e programas
de reciclagem. Grupos ambientais fazem uso desta técnica assim como organizações
de educação legal pública. Existem linhas telefônicas para dar informação legal por
todo o Canadá e são usadas extensivamente porque são convenientes, gratuitas e
anônimas. O custo é a maior desvantagem desta técnica porque é preciso pessoal
para operar as linhas.
• Publicações – materiais escritos, prontamente disponíveis, oferecem um modo
efetivo e de custo-eficiente de proporcionar a educação. A informação escrita sobre
o processo de Avaliação de Impacto Ambiental e a participação dentro desse
processo é essencial para desmistificar a AIA. Além da desvantagem óbvia da
necessidade das pessoas serem capazes de ler e interpretar materiais escritos,
precisa ser fornecido um serviço de informação para responder questões que
poderiam surgir.
• Vídeo/filme – um vídeo ou filme a respeito do processo de AIA seria um meio
efetivo de educação. Embora este possa ser um modo agradável, divertido e custo-
efetivo para aprender, precisa também ser auxiliado com um serviço de informação
para responder à questões levantadas pelo filme.
125

• Participação baseada em computador – os sistemas baseados em conhecimento


proporcionam uma grande oportunidade para educar o público tanto no processo de
AIA como e na avaliação dos relatórios de impacto ambiental. Schibuola e Byer
(1991) apud Sinclair (1995) estabelecem a utilidade desta técnica para facilitar um
melhor entendimento da avaliação do relatório de impacto ambiental, que pode ser
estendida para todo o processo de AIA. Esta técnica também oferece a oportunidade
para as pessoas aprenderem na privacidade de suas próprias casas. As desvantagens
óbvias são que muitas pessoas ainda não dominam computadores e não tem pronto
acesso a eles, como também o programa de computador é capaz somente de lidar
com uma simulação que pode deixar muitas questões não respondidas.
Dentre as técnicas analisadas anteriormente não existe uma única que proporcione a
solução perfeita para facilitar a educação pública. Por exemplo, para fornecer uma
experiência de aprendizagem ótima seria necessário uma combinação de opções que
poderia incluir a distribuição de um folheto sobre o processo de AIA, seguido de um
seminário onde os facilitadores utilizam um vídeo no início de suas discussões, seguido
de um jogo de simulação e uma sessão de perguntas e respostas. Obviamente existem
várias combinações possíveis a partir das técnicas citadas no Quadro 5, sendo que a lista
em si destaca as técnicas mais úteis para educação.
Em termos de quem poderia facilitar a educação na AIA, há várias possibilidades. O
governo desempenha um papel importante assegurando que exista pelo menos algum
material de educação pública disponível a respeito da legislação. Este material poderia
posteriormente ser desmistificado através de reuniões, seminários, etc.. A delicada
tarefa de prover educação para os tomadores de decisão que participam do processo
pode ser realizada através do oferecimento de cursos, através de universidades, por
exemplo.
Existe atualmente um movimento para tornar a AIA mais efetiva, eficiente e justa, e
para tornar a lei mais acessível e compreensível para o público ao qual ela se aplica. É
necessário que maiores oportunidades sejam oferecidas para o público ser educado no
processo de AIA, para que ocorram benefícios para os participantes, e para que no longo
prazo, o custo de realização de audiências para o envolvimento público seja
substancialmente reduzido.
126

4.3 A educação crítica e a aprendizagem dentro do processo de AIA

Em países desenvolvidos como o Canadá, alguns autores buscam o auxílio de


modelos teóricos e metodologias formais para explicar como a participação pública se
desenvolve e pode ser aprofundada dentro do processo de AIA.
Sinclair e Diduck (2001) apontam para a crescente literatura produzida nos últimos
anos sobre as dimensões educação e aprendizagem no envolvimento público em AIA.
Segundo estes autores, tem sido sugerido que a investigação destas dimensões poderia
iluminar questões vitais para o gerenciamento de recursos tais como resoluções de
conflito entre os atores, aprendizagem social no desenvolvimento de políticas e a busca
de objetivos sociais de sustentabilidade.
Diduck e Sinclair (1997) desenvolveram a estrutura conceitual de uma educação
crítica para avaliação ambiental durante um estudo que explorava a educação e
aprendizagem dentro do contexto de uma avaliação de impacto ambiental de um projeto
de desenvolvimento no Canadá. Neste estudo foram identificadas correlações de
importância variada entre algumas variáveis:
• Número de leitores de documentos que apresentavam uma posição favorável ao
desenvolvimento (pró-desenvolvimento);
• Entendimento da posição pró-desenvolvimento;
• Entendimento do processo de avaliação ambiental;
• Pensamento crítico em relação à posição pró-desenvolvimento;
• Se o participante estava ou não envolvido em audiências públicas; e
• O nível de envolvimento nas audiências públicas.
Em uma análise posterior, Sinclair e Diduck (1999) adotaram a abordagem de
educação crítica de Paulo Freire, sugerindo variáveis adicionais que podem ser
importantes no processo:
• Entendimento e pensamento crítico em relação a posições que se opõe à posição
dominante (pró-desenvolvimento);
• Entendimento e pensamento crítico em relação a posições opostas;
• Qualidade do envolvimento público nas audiências públicas e em outros aspectos do
processo de avaliação ambiental;
127

• Entendimento e pensamento crítico em relação a interesses e estruturas subjacentes


às posições apresentadas no caso;
• Diálogo e cooperação entre participantes com interesses semelhantes; e
• Esforços para efetuar uma mudança pessoal e social.
As variáveis acima compõem a estrutura conceitual da educação crítica em avaliação
ambiental, a qual pode ser aplicada a outros processos de gerenciamento de recursos
que incluam o envolvimento público e tenham como alvo o desenvolvimento
sustentável. Diduck (1999) desenvolve ainda mais esta estrutura, considerando de
forma mais completa os processos de aprendizagem de adultos e as formas de
conhecimento mais compatíveis com a mudança social para um futuro sustentável.
A educação crítica tem como objetivo facilitar o surgimento de uma consciência
crítica e o desenvolvimento de habilidades e competências relacionadas à ação social.
Embora tenha sido criticada por, entre outras coisas, negligenciar questões de gênero,
fiar-se em concepções simplistas de poder e omitir o contexto social, a educação crítica
tem inúmeros defensores e tem sido aplicada à dimensão ambiental tanto em níveis
teóricos quanto em estudos empíricos, para a educação formal de jovens e educação
não formal de adultos (Diduck e Sinclair, 1997).
O modelo de educação crítica descrito por Diduck (1999) é um modelo de educação
não formal para adultos e destaca o método de educação crítica desenvolvido por Paulo
Freire (1970) (apud Diduck, 1999) e a teoria da aprendizagem transformadora proposta
por Mezirow (1981) (apud Diduck (1999).
Segundo Diduck (1999), as implicações metodológicas da educação crítica de Freire
têm recebido uma atenção considerável na literatura. Freire tem uma visão da educação
como uma interação social que pode capacitar ou domesticar o aprendiz. Ele incentivou
o diálogo democrático que muda o centro do processo de aprendizagem do facilitador
(ou professor) para o aprendiz. No método Freireano (sumarizado no Quadro 6), o
facilitador propõe problemas críticos para indagação, relacionados a características
importantes da experiência do aprendiz. Isto permite aos participantes ver sua
linguagem e pensamentos e refletidos no curso do estudo. A abordagem dialógica
incentiva os aprendizes a pensar criticamente sobre o assunto que está sendo discutido,
doutrinas relacionadas, o processo de aprendizagem em si e sobre a sociedade. Isto
também desafia os aprendizes e facilitadores a se capacitarem para a mudança social e
128

avançar em democracia e igualdade. Isto corre através da prática, em um ciclo de ação-


reflexão-ação.
Quadro 6 - Descritores do método Freireano
Descritores Definições conceituais
Participativo Os participantes estão envolvidos em construir a sua própria educação
Multi-cultural A diversidade cultural da sociedade é reconhecida e aceita
Situado no participante O conteúdo do ‘curso’ é situado no pensamento e linguagem dos participantes
Crítico A discussão encoraja a auto-reflexão e a reflexão social
Democrático O discurso é construído mutuamente tanto pelo facilitador quanto pelo
participante
Dialógico O formato básico é baseado no diálogo sobre problemas colocados no ambiente
da sala de aula
Orientado para a pesquisa O facilitador pesquisa a linguagem, comportamento e desenvolvimento
cognitivo dos participantes, enquanto que os participantes pesquisam os
problemas colocados em classe
Ativista A classe é ativa e interativa
Afetivo O diálogo está interessado no amplo desenvolvimento da intuição e da
sensibilidade humanas
Confiante na prática O processo fia-se no ciclo de aprendizagem ação-reflexão-ação
Fonte: Adaptado de Diduck (1999)

Em seu modelo para educação crítica, Diduck (1999) destaca também a teoria da
aprendizagem transformadora de Mezirow (1981), a qual focaliza o processo de
aprendizagem e acomoda o contexto social no qual a aprendizagem ocorre, para tentar
explicar como os adultos aprendem. 16
A aprendizagem transformadora descreve um processo através do qual os indivíduos
melhoram sua competência instrumental e comunicativa e desenvolvem quadros de
referência mais funcionais. Competência instrumental refere-se a aprender como
controlar ou manipular o ambiente, isto é, como lidar com o mundo externo.
Competência comunicativa envolve tentar entender o que alguém quer dizer quando ele
se comunica com você. Isto ajuda o aprendiz a negociar significados, intenções e
valores, em vez de meramente aceitar aqueles de outros. Um quadro de referência
consiste de duas dimensões: uma significando perspectivas (amplas predisposições
psicológicas, sócio-culturais e epistêmicas); e outra significando esquemas mentais
(crenças, sentimentos, atitudes e julgamentos de valor específicos). Os quadros de
referência são mais funcionais quando eles se tornam mais inclusivos, diferenciadores,
criticamente reflexivos e quando integram experiências pessoais.

16
O sistema de conceitos, valores, hábitos, etc. a partir do qual se avalia um conjunto de dados,
informações, idéias, etc. (Dicionário Aurélio, 1999).
129

As transformações em quadros de referência ocorrem através da reflexão crítica


sobre as suposições subjacentes aos vários elementos da dimensão perspectiva ou da
dimensão esquema mental. As transformações mais significativas, que geralmente são
desencadeadas por um dilema desorientador ou uma série de transições menores, ocorre
quando os elementos da dimensão perspectiva são transformados através da auto-
reflexão crítica. A auto-reflexão crítica com relação a pressuposições sócio-culturais
(tais como normas sociais, ideologias e filosofias) pode envolver uma crítica de formas
sociais alienantes, podendo resultar em uma ação social coletiva.
De acordo com Diduck (1999), o modelo de educação crítica descrito acima poderia
ajudar os participantes da AIA a aumentar o entendimento sobre a avaliação de
impactos ambientais, além de analisar os interesses básicos dos indivíduos e grupos
envolvidos nesse processo. A revelação desses interesses poderia aumentar o
entendimento sobre as estruturas sócio-econômicas subjacentes, as quais podem ou não
ser compatíveis com as necessidades, valores e ideais dos vários participantes do
processo de AIA.
A identificação e análise dos interesses básicos também capacitam os participantes
da AIA a avaliar os discursos pró-desenvolvimento e apresentar contra-discursos
eficazes. Tais contra-discursos poderiam cobrir uma série de disciplinas e tópicos, entre
eles uma descrição da cooperação entre as comunidades e modelos alternativos de
desenvolvimento econômico. Além disso, o modelo poderia incluir a aprendizagem
sobre como iniciativas locais podem afetar a mudança nas instituições e estruturas de
poder existentes.
Outros autores, como Webler et al. (1995), ilustram como a perspectiva da
aprendizagem social pode ser usada para contribuir para a avaliação e melhoria de um
programa de participação pública em AIA. Quando os cidadãos envolvem-se na busca
de soluções mutuamente aceitáveis para um projeto ou problema que afeta a sua
comunidade e suas vidas pessoais, eles amadurecem tornando-se cidadãos democráticos
e responsáveis e reafirmam a democracia. Para os autores, esse fenômeno pode ser
descrito em um nível societário através do termo aprendizagem social.
Reconhecem-se dois componentes gerais da aprendizagem social: o melhoramento
cognitivo e o desenvolvimento moral. O melhoramento cognitivo significa muito mais
130

do que um ganho em competência técnica. O melhoramento cognitivo é a aprendizagem


– a aquisição do conhecimento, e inclui:
• aprendizagem sobre o estado do problema (informação e conhecimento);
• aprendizagem sobre as soluções possíveis e as suas conseqüências (relações causa e
efeito, predições, etc.)
• aprendizagem sobre os interesses e valores de outras pessoas e grupos (informação,
explicação);
• aprendizagem sobre os próprios interesses pessoais (reflexão);
• aprendizagem sobre métodos, ferramentas, e estratégias para comunicar bem e
alcançar um acordo (retórica, teoria da decisão e interação em grupos pequenos);
• prática do pensamento holístico e integrativo.
O desenvolvimento moral é um termo que salienta como os indivíduos tornam-se
capazes de fazer julgamentos sobre o certo e o errado. Quando as pessoas agem
moralmente, deixam de lado suas demandas egoísticas e agem para o bem de todos. Na
participação pública, isto inclui:
• desenvolvimento de um senso de auto-respeito e responsabilidade para si mesmo e
para com outros, indiferentemente de como estes possam impactar os interesses ou
valores pessoais dos outros, e agir de acordo;
• ser capaz de considerar a perspectiva dos outros;
• desenvolver habilidades para o raciocínio moral e resolução de problemas que
capacite as pessoas a resolver os conflitos à medida que eles surgirem;
• desenvolver o senso de solidariedade com o grupo (fazer dos interesses coletivos o
próprio interesse);
• aprender como integrar novo conhecimento cognitivo dentro da própria opinião
quanto à escolha preferida; e
• aprender como cooperar com outros na resolução de problemas coletivos.
De acordo com Webler et al. (1995), para uma participação pública ser bem
sucedida, ela tem de lidar com a tendência das pessoas desejarem perseguir objetivos
egoísticos antes de objetivos coletivos, e tem de contribuir de uma maneira positiva para
a qualidade democrática de nossas sociedades, e a aprendizagem social é um conceito
que pode auxiliar a participação pública a encontrar esses fins.
131

4.4 Os Mecanismos de Participação Pública propostos no Brasil

De acordo com IBAMA (1995), a prática participativa implica na administração dos


conflitos que surgem das divergências de interesse entre os atores sociais envolvidos no
processo de Avaliação de Impacto Ambiental. Os princípios básicos estabelecidos
pela lógica da negociação orientam as possibilidades de ampliação dos espaços
participativos na AIA.
A Audiência Pública é o único mecanismo de participação pública previsto na
legislação ambiental brasileira para o processo de AIA. A experiência acumulada, desde
a aprovação da Resolução CONAMA nº1/86, demonstra que a Audiência Pública tem
sido pouco explorada na prática da AIA e que, por si só, não é capaz de efetivar a
participação social no processo de tomada de decisão quanto ao licenciamento
ambiental de atividades modificadoras do meio ambiente.
É necessária a inclusão de outros mecanismos institucionalizados de participação
social desde o início do processo de Avaliação de Impacto Ambiental, com a adoção de
novos parâmetros para orientar: (i) a relação entre o órgão de meio ambiente e o
empreendedor, desde o momento em que este procura informações sobre o
licenciamento ambiental até a desativação do empreendimento; (ii) a rede de relações
entre o órgão de meio ambiente e os demais atores sociais (empreendedor, equipe
multidisciplinar, grupos de apoio técnico, sociedade afetada, etc.), nas diferentes fases
do processo de AIA.
Com a inserção de outros mecanismos participativos no processo de Avaliação de
Impacto Ambiental, a Audiência Pública passaria a representar o arremate do processo
de elaboração do EIA/RIMA. Esse processo deve culminar com o estabelecimento de
soluções compartilhadas por todos os atores sociais envolvidos e a co-responsabilização
no acompanhamento e monitoramento dos impactos resultantes dos empreendimentos.
Os novos mecanismos de participação pública no processo de AIA sugeridos
pelo IBAMA (1995) são os seguintes:
1) Grupo de Trabalho - formalizado e coordenado pelo órgão ambiental licenciador,
com a função de compartilhar responsabilidades em diferentes fases do processo de
AIA:
• elaboração de Termos de Referência para orientar a elaboração do EIA/RIMA ou
132

documento técnico semelhante (PCA, RCA, PRAD, etc.);


• orientação à equipe multidisciplinar na elaboração do Estudo Ambiental e outros
documentos técnicos (EIA/RIMA, PCA, RCA, PRAD, etc.);
• análise dos resultados preliminares e finais do EIA/RIMA ou documento técnico
semelhante;
• acompanhamento da implementação do Programa de Acompanhamento e
Monitoramento dos Impactos Ambientais constantes do EIA/RIMA ou de
documento técnico semelhante, exigida do empreendedor na fase de licenciamento
Prévio-LP.
Esse grupo de trabalho pode ser composto por representantes de todas as instituições
interessadas no empreendimento a ser licenciado: órgãos da administração pública,
especialmente aqueles que expedem licenças de implantação de atividades; instituições
científicas e acadêmicas; entidades de classe; grupos sociais afetados; organizações não-
governamentais.
Dependendo das características do empreendimento, do seu grau de complexidade e
dos conflitos de interesse, poderão ser criados mais de um grupo de trabalho ou, ainda,
subgrupo, para aprofundamento de discussões específicas e setoriais demandadas, desde
que mantida a interação entre eles. As análises realizadas pelo grupo de trabalho devem
ser registradas em atas, pareceres, laudos, etc. e circular junto ao corpo técnico das
diferentes instituições envolvidas no processo de AIA, de forma a facilitar a
internalização e eventual sistematização dos conteúdos abordados.
2) Comitê de Assessoramento Técnico-Científico ao órgão de meio ambiente, com a
função de apoiar:
• a elaboração de Termos de Referência para orientar a elaboração do EIA/RIMA ou
documento técnico semelhante;
• a elaboração do EIA/RIMA ou documento técnico semelhante pela equipe
multidisciplinar;
• a análise dos resultados preliminares e finais do EIA/RIMA ou de outro documento
técnico semelhante;
• monitoramento dos impactos ambientais do empreendimento licenciado.
Os comitês, coordenados pelo órgão ambiental, devem ser compostos por
profissionais de diferentes áreas de conhecimento, organizados por tipologia de
133

atividade econômica, com mandato por período pré-determinado. Sua estruturação pode
ser viabilizada através de convênios ou cooperações técnicas entre o órgão licenciador e
instituições de ensino e pesquisa e órgãos da administração pública ou de contratação
direta de especialistas.
3) Grupo de Assessoramento Popular - organizado preferencialmente com o apoio
do setor de Educação Ambiental do órgão ambiental licenciador, com a função de:
• auxiliar a equipe multidisciplinar, o Grupo de Trabalho e o Comitê de
Assessoramento Técnico-científico na identificação empírica dos efeitos ambientais
esperados do empreendimento e de medidas alternativas de prevenção/correção de
efeitos negativos;
• auxiliar o órgão licenciador na análise do EIA/RIMA ou de outro documento técnico
semelhante;
• servir de elo de ligação entre o empreendedor e o órgão de meio ambiente e as
comunidades que representam, fazendo chegar até elas as informações e propostas
inerentes ao processo de licenciamento ambiental;
• fiscalizar permanentemente os efeitos ambientais do empreendimento.
Esse grupo deveria ser formado por representantes de organizações não-
governamentais interessadas e das comunidades a serem potencialmente afetadas pelo
empreendimento, em suas diferentes alternativas de localização. Poderiam ser criados
mais de um Grupo de Assessoramento Popular ou, ainda, subgrupos, para
aprofundamento de questões específicas e setoriais demandadas pelo empreendimento,
desde que mantida a interação entre eles.
4) Audiências Públicas Intermediárias - visam um escalonamento do processo de
AIA, com possibilidade de concessão de licença Prévia a empreendimentos, antes de
concluído o EIA/RIMA ou outro documento técnico semelhante exigido pelo órgão de
meio ambiente. Este mecanismo permite correções no processo, antes da Audiência
Pública final, podendo agilizar a tomada de decisão e reduzir custos, tanto para o
empreendedor quanto para o órgão ambiental. A quantidade de audiências dependeria
da complexidade do empreendimento e das necessidades detectadas pelos grupos e
comitês de assessoramento ou pela sociedade.
134

4.5 O papel das ONGs no processo de AIA

No Brasil, Dias e Sánchez (1999) destacam a importância da participação pública no


processo de avaliação de impacto ambiental (AIA), em contraposição à rigidez dos
procedimentos formais atrelados estritamente às leis e regulamentos vigentes. Através
de um estudo de caso, os autores revelam as fragilidades dos procedimentos
burocráticos adotados no estado de São Paulo para a avaliação de projetos de
mineração. A não realização de audiência pública no decorrer do processo de AIA fez
com que a discussão de um projeto de uma pedreira tenha sido aberta à participação
pública somente na etapa de decisão final, quando os aspectos questionados por
organizações não-governamentais na reunião final do CONSEMA, sobre a não inclusão
dos impactos cumulativos na avaliação, conduziram à reprovação do projeto.
Se não fosse o controle público, através das organizações não-governamentais, a
falha do controle administrativo, responsável pela revisão do EIA/RIMA, teria levado à
aprovação do projeto e a comunidade estaria exposta a mais impactos ambientais.
Também no estado de Santa Catarina existem exemplos da ação efetiva de ONGs
ambientalistas que têm impedido a realização de empreendimentos cujo potencial de
afetar negativamente o meio ambiente não foi devidamente avaliado pelos Estudos e
relatórios de impacto ambiental e pelo órgão estadual de meio ambiente. Um destes
exemplos refere-se ao projeto de construção de uma usina hidrelétrica na localidade de
Salto Pilão, que provocou uma grande polêmica entre as comunidades do Alto Vale do
Rio Itajaí-Açu e entre ambientalistas. A usina seria implantada em uma área que se
estende por três municípios: Lontras, Apiúna e Ibirama. Segundo instituições contrárias
ao projeto, entre elas a Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí (Amavi), o
empreendimento afetaria o rafting, principal atividade turística da região. Isto porque o
projeto, uma vez realizado, teria potencial para reduzir para 8% a vazão da água nos 14
quilômetros do Rio Itajaí-açu onde se situa a maior parte da pista de rafting. Outro
impacto negativo, este não previsto no relatório de impacto ambiental (RIMA), seria o
alagamento de uma área que contém uma espécie de planta endêmica (Rauliona
echinata), conhecida popularmente como cutia-de-espinho. Este impacto foi levantado
pela Federação das Entidades Ecologistas Catarinenses (FEEC), que congrega diversas
ONGs, como Grupo Pau Campeche, Acaprena, Apremavi, SOS Itajaí-mirim, Spea,
135

Ação Ecológica, entre outras. Esta planta tem sido estudada visando o tratamento da
doença de Chagas, e segundo Convenção da Diversidade Biológica, áreas onde existem
espécies cientificamente catalogadas para estudo devem ser protegidas
permanentemente. Além deste importante impacto específico, o EIA e o RIMA não
apresentaram elementos quantitativos e qualitativos suficientes com relação à fauna e a
flora para que a sociedade e os órgãos licenciadores pudessem avaliar com mais
precisão os impactos reais do projeto.
O segundo exemplo refere-se à Usina Hidrelétrica de Cubatão, que seria implantada
no município de Joinville. Apesar de o órgão estadual responsável pelo licenciamento
(FATMA) ter concedido a licença ambiental prévia e de instalação, a atuação de uma
ONG formada especialmente para fazer oposição pública frente ao empreendimento –
SOS Cubatão – conseguiu reverter o processo de implementação da referida usina.
Neste caso o estudo de impacto ambiental havia constatado, através de amostragem
muito pequena, que na área a ser desmatada para a construção do empreendimento
existia somente e vegetação rasteira e pinus, mas a atuação da ONG junto ao IBAMA
mostrou a existência de uma grande área com remanescente de mata nativa (floresta
ombrófila densa), fazendo com que este órgão não concedesse o licenciamento.
Em países da Europa Central e Oriental, segundo Richardson et al. (1998), a
participação pública em AIA é um fenômeno relativamente novo que está sendo
introduzido em processos de planejamento tradicionalmente fechados. Devido à inércia
contra a democratização da tomada de decisão, as organizações não-governamentais
(ONGs) estão começando a desempenhar um papel crítico, advogando a necessidade de
uma reforma e estabelecendo pró-ativamente novas práticas de participação pública.
A escolha dos métodos utilizados no envolvimento do público é um fator importante
para determinar a qualidade da participação. No sistema de AIA da Tchecoslováquia,
por exemplo, o uso de métodos padronizados - consultas formalizadas e audiências
públicas, limita a acessibilidade ao processo bem como o que pode ser debatido dentro
dele. Contudo, está surgindo uma série mais ampla de técnicas participativas, mostradas
no Quadro 7, para a tomada de decisão, tanto na Tchecoslováquia como em outros
países, para possibilitar uma participação mais forte dos cidadãos na AIA.
Em vez de fazer pressão para uma melhoria da participação pública, as ONGs
decidiram desenvolver seus próprios programas informais para a participação pública
136

paralela em avaliação de impacto ambiental. Os programas basearam-se nos seguintes


princípios:
• Os programas focalizavam os mesmos planos, questões e propostas que um processo
formal de AIA;
• Os programas relacionavam-se ao procedimento formal de AIA tanto na estrutura
como no tempo, e portanto eram capazes de fornecer informação e comentários em
etapas críticas do processo;
• A estratégia geral foi desenhada para ser mais inclusiva do que em um processo
formal; e
• A estratégia e métodos pretendiam ser não-manipulativos, de forma que eles
criassem oportunidades para a participação genuína dos cidadãos, em vez de
simplesmente fortalecer as posições de certas ONGs.
Quadro 7 – Técnicas de participação usadas na Tchecoslováquia
Nível de participação Técnicas típicas
1. Persuasão Visitas, eventos culturais e debates no sítio do projeto
2. Provisão de informação Centros de informação, usando a mídia, exposições, exibições, folhetos e
cartazes
3. Informação de realimentação Entrevistas com grupos organizados, entrevistas de porta em porta, e
questionários, exibições interativas
4. Consulta pública Consultas formais, reuniões públicas e audiências
5. Planejamento conjunto Painéis consultivos com os cidadãos
6. Democracia direta Referendum, iniciativa legislativa*
Fonte: Richardson et al. (1998)
* Estas técnicas são raramente usadas.
Nota: as técnicas de participação são apresentadas em uma forma hierárquica, identificando os diferentes
níveis de concessão de poder permitido por cada técnica. ‘Persuasão’ é o nível mais baixo e ‘Democracia
direta’ o mais alto.
Vários passos foram seguidos pelas ONGs dentro do processo de AIA. Nos estudos
de caso citados em Richardson et al. (1998), uma ONG interessada primeiro fazia
contato com outras ONGs locais, políticos e outros grupos (por ex. sindicatos, igrejas,
etc.) e construía uma coalisão informal de interesses para promover um debate público
apropriado para sobre a proposta de desenvolvimento. As atividades de coalisão eram
então desenhadas para informar aos cidadãos sobre a proposta e convidá-los – junto
com as escolas locais, mídia, e especialistas externos – para eventos de participação
137

pública. Em seguida a coalisão organizava audiências públicas paralelas em um lugar


bem acessível e conhecido (como um cinema, teatro ou livraria) sobre o escopo
(scoping) ou revisão pública da documentação da Avaliação de Impacto Ambiental. O
empreendedor e a equipe consultora eram convidados para apresentar as suas
informações. Se eles não concordassem, a coalisão ou ONG fazia a apresentação, a qual
era seguida pelo questionamento e submissão de comentários. Estes comentários eram
submetidos a todas as agências relevantes, e uma campanha na mídia era promovida
para despertar a consciência pública sobre os resultados da consulta e assegurar que eles
foram propriamente considerados.

4.6 O papel da mediação no processo de AIA

De acordo com Saarikoski (2000), o papel da participação pública na avaliação de


impacto ambiental (AIA) tem passado por mudanças importantes nos últimos anos.
Quando do surgimento da AIA, as principais formas de participação eram as audiências
públicas e outros tipos de consulta, onde os planejadores podiam obter informação sobre
as preocupações públicas e educar o público a respeito dos projetos propostos. Na
maioria dos casos, a ênfase era colocada na troca de informação. Considerava-se que o
público podia contribuir para uma avaliação subjetiva das metas do projeto, enquanto
que os especialistas providenciariam a informação científica e técnica necessária sobre
os impactos ambientais potenciais. Contudo, além da perda de confiança no
conhecimento científico imparcial e em modelos racionalistas de planejamento, a AIA
tem perdido sua credibilidade como um processo dirigido por especialistas, dentro do
qual o público pode apenas reagir a relatórios prontos como os relatórios de impacto
ambiental. A visão emergente da AIA sustenta que a participação pública é não
somente uma parte suplementar da avaliação, mas que a AIA é um processo coletivo
onde diferentes atores – cidadãos afetados, grupos de interesse, autoridades e
especialistas – podem deliberar e trocar suas visões a respeito das metas e seu
conhecimento sobre os impactos dos desenvolvimentos propostos.
Para a AIA servir como um processo de aprendizagem, as etapas básicas de uma
avaliação deveriam ser seguidas por um processo de negociação, no qual as partes
podem discutir as conclusões e buscar soluções mutuamente aceitáveis. A literatura
138

sobre mediação ambiental e resolução de disputa alternativa é útil para mostrar com
criar um diálogo construtivo entre as partes. Em muitos casos o processo é injusto
porque os diferentes níveis de habilidade fazem com que algumas partes dominem a
discussão, silenciando outras.
Com base em um estudo de caso na Finlândia (uma estratégia de gerenciamento de
resíduos regionais), Saarikoski (2000) sugere que um processo de AIA colaborativo
deveria incluir um mediador externo para permitir que todas as partes tenham espaço
para falar e explorar opções conjuntamente. Além disso um processo de mediação
ajuda a tratar questões como as responsabilidades, identidades, medos e desconfianças
das partes. No estudo de caso citado acima, uma fonte importante de desigualdade foi a
capacidade limitada de grupos mais fracos produzirem informação que poderia ter
ajudado e dado mais credibilidade ao caso. Esta é uma tendência que atua contra
novas idéias vindas geralmente de grupos de oposição ou marginalizados e que
consolida os modos estabelecidos de pensamento.
De acordo com o EIA Centre (1995), a mediação envolve a assistência de um
mediador para auxiliar as partes em negociações sobre a disputa em relação a um novo
desenvolvimento. Existem quatro pré-requisitos para o sucesso de uma mediação: uma
situação de impasse (‘beco-sem-saída’), ou o reconhecimento de que uma situação de
impasse é inevitável; a participação voluntária; algum espaço para flexibilidade; e um
meio de implementar acordos. No entanto, esses pré-requisitos parecem aplicar-se
somente a uma pequena minoria de decisões envolvendo a AIA.
Segundo Sadler (1993), o Canadá, através do Canadian Environmental Assessment
Act (CEAA), a principal lei sobre avaliação ambiental canadense, tem instituído um
procedimento formal de mediação como um caminho em seu novo sistema de avaliação
ambiental, a ser utilizado ocasionalmente, quando as circunstâncias ditam a necessidade
de negociações detalhadas entre as partes. O propósito fundamental do CEAA é
promover o desenvolvimento sustentável, assegurar que os efeitos ambientais de
projetos sejam totalmente considerados na tomada de decisão, e fornecer oportunidades
apropriadas para a participação pública na avaliação ambiental. O processo é dividido
em fases de auto-avaliação e revisão pública. A revisão pública é requerida para
projetos que possam causar efeitos ambientais potencialmente significativos, ou quando
os interesses/preocupações públicas garantem uma revisão. A mediação é uma das
139

duas opções disponíveis para revisão pública. A opção alternativa é a designação de um


painel de avaliação ambiental. Os painéis de revisão oferecem a um grande número de
indivíduos e grupos com diferentes pontos de vista, uma chance para apresentar
informação e expressar preocupações.
A mediação fornece uma extensão evidente e importante dentro da série de
instrumentos para revisão pública da avaliação ambiental. Os processos de tomada de
decisão negociada e consultiva são mais diferentes em gênero do que em grau. A ênfase
na abordagem negociada está na colaboração voluntária, descoberta conjunta de fatos e
construção de consenso para alcançar um acordo mutuamente satisfatório sobre as
questões e interesses. A consulta pública envolve a troca de informação e examina com
antecedência uma decisão que está sendo tomada pela agência responsável.
As cláusulas de interpretação na seção 2.1 do CEAA declaram que a “mediação”
significa uma avaliação ambiental realizada com assistência de um mediador e que
inclui a consideração dos seguintes fatores: o propósito do projeto, alternativas técnica e
economicamente viáveis, os efeitos ambientais (incluindo efeitos cumulativos) e sua
significância (incluindo a capacidade dos recursos renováveis suportarem o
desenvolvimento sustentável), comentários do público, medidas mitigadoras, e
requerimentos para um programa de acompanhamento do projeto.
Toda avaliação ou parte dela pode ser encaminhada a um mediador. Contudo, a
mediação, por sua natureza, permanece como um processo subordinado. Quando há um
impasse, o(s) problema(s) devem ser encaminhados para uma mediação ou para um
painel. Para todos os indicados para a mediação, é necessário que sejam identificadas as
partes interessadas e a disposição das mesmas em participar do processo. O Ministro do
Meio Ambiente está autorizado a indicar um mediador, que deve ser imparcial, livre de
conflitos de interesse com relação ao projeto e ter conhecimento e experiência em atuar
na função. O mediador pode, a qualquer momento, permitir que uma parte interessada
adicional participe da mediação, e ao final do processo deve preparar e submeter um
relatório ao Ministro do Meio Ambiente ou à autoridade responsável (Canada, 2002).
No entanto, uma vez que o Ministro é quem possui o poder final da tomada de decisão,
surgem implicações importantes com relação aos princípios básicos da mediação e da
resolução de disputa alternativa, mostrados no Quadro 8.
140

Quadro 8 – Preceitos e princípios da Resolução de Disputa Ambiental


• A resolução de disputa alternativa (RDA) refere-se a um processo voluntário, colaborativo no qual
as partes tentam resolver suas diferenças, construir um consenso, e alcançar soluções mutuamente
aceitáveis
• Estes processos são baseados em várias formas de diálogo face-a-face e negociação
• A mediação é um processo de consenso que é realizado com a assistência de um facilitador
imparcial
• Nenhuma abordagem única cobre todas as situações ou questões; e a escolha deve ser feita de
acordo com as circunstâncias e participantes
• As abordagens de consenso podem ser aplicadas para antecipar questões ou quebrar um impasse
de longa duração; o senso de oportunidade no processo de negociação depende da dinâmica do
conflito e dos incentivos à colaboração
• Todas as partes com um interesse direto em um assunto ou com poder para bloquear ou impedir a
implementação de um acordo deveriam estar à mesa de negociação
• A participação das partes no processo deve ser motivada por um entendimento realístico do custos
e benefícios potenciais, incluindo a melhor alternativa para o acordo negociado
• Um facilitador ou mediador imparcial deve ser aceitável a todas as partes, e conduzir o processo
de uma maneira justa e eqüitativa
• As partes em uma negociação ou diálogo devem participar com boa fé, respeitar as visões dos
outros, e ser responsáveis por seus constituintes
• Nenhuma parte é forçada a aceitar um acordo contra seu melhor julgamento e pode se retirar a
qualquer ponto do processo
• Todas as partes deveriam ter oportunidade igual para uma participação efetiva no processo,
incluindo o acesso a recursos de apoio quando necessário

Portanto, os painéis de revisão e a mediação do sistema Canadense são


procedimentos consultivos, e não de tomada de decisão. As recomendações feitas pelos
painéis de revisão e mediadores são aconselhadoras e a decisão final sobre o curso
apropriado de ação fica a cargo do governo (Canada, 2002).
Para Sadler (1993), todas as negociações devem passar por uma série de fases e
passos, que proporcionam uma integração com as etapas da avaliação ambiental. As
principais fases da mediação envolvem:
• Pré-negociação para assentar a base para a condução do processo;
• Negociação real para tentar alcançar acordos sobre os problemas;
• Pós-negociação para assegurar a implementação do acordo.
Onde quer que seja empreendido um processo de mediação, o treinamento dos
participantes precisa ser um elemento indispensável, uma vez que o treinamento
minimiza a disparidade entre as habilidades de negociação dos participantes, e contribui
para acordos mais duráveis e efetivos.
141

5 ESTUDO DE CASO: PORTO DA BARRA LTDA.


Este estudo de caso investiga os conflitos entre os atores que participaram do
processo de AIA do empreendimento Porto da Barra Ltda., verificando os
posicionamentos dos atores principais (Quadro 9), e constatando como foi realizado o
envolvimento público por parte do empreendedor.
Não cabe a este estudo de caso fazer uma análise do EIA/RIMA e demais
documentos técnicos produzidos para o licenciamento do empreendimento. Depois da
descrição do empreendimento Porto da Barra Ltda., é relatada a cronologia dos eventos
que ocorreram antes e durante o curso da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério
Público Federal. A seguir são descritos os principais impactos e aspectos técnicos do
empreendimento, com base nos três laudos periciais produzidos na fase final da ACP.

5.1 Descrição do projeto


O projeto do Porto da Barra Ltda. possui caráter náutico e habitacional, e prevê um
setor náutico com instalações de ancoragem e apoio de navegação para 300
embarcações (iates, veleiros, lanchas etc), além de edificações de usos misto e coletivo
como hotel, espaços comerciais e habitações multifamiliares. O empreendimento tem
características de um porto de lazer e pretende ser implantado em um terreno, de
propriedade do empreendedor, localizado à margem esquerda do Canal de Barra, na
Barra da Lagoa, município de Florianópolis, Santa Catarina (Figuras 1 e 2). A Licença
Ambiental de Implantação - LAI nº 052/97 - concedida pela FATMA considera o
empreendimento grande, classe três e potencial poluidor médio.
O empreendimento é caracterizado como turístico-habitacional com estrutura
náutica, a ser implantado em áreas alodiais com 105.122,395 m2, e de marinha com
24.155,875 m2 com total de 129.278,27 m2, compreendendo um eixo principal e uma
rede de canais isolando sete ilhas, que se interligariam por pontes no estilo veneziano
(Figura 3). O terreno previsto para o empreendimento, que tem hoje 600 m de frente
para o canal, com a construção dos canais artificiais aumentaria seus limites com a água.
Cada ilha, em sua especificidade, alocaria equipamentos de apoio coletivo, habitacional
e/ou náutico (ACP, 2002).
142

Quadro 9 – Atores no Caso Porto da Barra Ltda.


Empreendedor • Portobello Ltda.
Empresa de consultoria • ENGEVIX (EIA/RIMA)
• Sócio-Ambiental Consultores Associados (Plano Básico
Ambiental – PBA e Plano de Monitoramento)
ONGs principais • Fundação Lagoa
• AMOLA
Comunidades • Barra da Lagoa
• Lagoa da conceição
• Costa da Lagoa
Representantes das • Federação dos pescadores de SC
comunidades pesqueiras • Sindicatos dos pescadores da Grande Florianópolis
• Colônia de pescadores Z-11
Órgão Estadual de Meio • FATMA
Ambiente
Órgão Federal de Meio • IBAMA
Ambiente
Universidades • UFSC
• UNISINOS
• UNIVALI
Ministério Público Federal • Procuradoria da República em SC
Outros órgãos • IPHAN
governamentais • IPUF
• CAPITANIA DOS PORTOS
• FLORAM
• COMCAP
• CASAN
• SUSP
• DPU
Elaboração: A autora (2003)

De acordo com o RIMA (1995), o projeto prevê a implantação de áreas de comércio


e serviços comunitários (mercado, farmácia, padaria, etc.) próximo ao acesso principal
143

da Estrada Geral ou junto ao Canal da Barra. Estão incluídas áreas comerciais e


residenciais estruturadas em um Setor Central e dois Setores Habitacionais.

Figura 1 – Localização do empreendimento Porto da Barra Ltda., na Praia da Barra da


Lagoa, Florianópolis, SC.

Figura 2 – O Canal da Barra e o terreno do empreendedor


144

Figura 3 – A implantação do empreendimento e seu entorno

O Setor Central é constituído por um eixo principal de acesso, que une a estrada
geral da Barra da lagoa ao Canal da Barra no local denominado “Enseada”, tendo seu
foco na Praça do Mercado, ponto de maior convergência do projeto. A configuração
desses espaços coletivos é concretizada por edificações de uso misto: (a)
Residencial/Comercial, no caso do eixo de acesso e adjacências; (b) Turístico/Hoteleiro
com comércio, no caso da Praça do Mercado.
Complementando o Setor Central, foram projetados equipamentos coletivos:
• Um estacionamento público com previsão para até 630 vagas de carros, em 3 níveis
de implantação;
• Um Clube Náutico, com áreas para exposição e comércio, bem como pequenos
reparos, guarda e zeladoria de embarcações;
• Um Hotel/Apart Hotel de porte médio, na Praça do Hotel, conjugado à Praça do
Mercado, consolidando as atividades turísticas de hospedagem e gastronomia.
145

No projeto do empreendimento, os setores habitacionais são constituídos por


condomínios multifamiliares, formados por:
• conjuntos de unidade habitacionais geminadas, de 2 pavimentos e ático (duplex ou
triplex) predominantes nas “ilhas” habitacionais denominadas Corais, Campeche,
Galés, Badejo e Arvoredo;
• conjuntos de unidades habitacionais em blocos de apartamentos de dois pavimentos
com ático, sobre pilotis (ou subsolo), predominantes nas áreas limítrofes do
empreendimento.
As áreas sociais/coletivas do empreendimento têm, como principal objetivo, servir
de espaço de integração no conjunto em 3 diferentes níveis:
• vilas náuticas entre si;
• empreendimento x comunidade da Barra;
• comunidade x visitantes.
O eixo principal de acesso, anunciado por um pórtico, busca efetuar a
transição/integração entre a comunidade da Barra da Lagoa e o centro de animação
principal do empreendimento: a Praça do Mercado. Com edificações de uso misto
(residencial e comercial), abrigará uma série de serviços e comércios de interesse
comunitário, tais como farmácia, padaria, mini-mercado, agências bancárias, etc.
De acordo com o RIMA (1995), a Praça do Mercado será animada por bares e
restaurantes, e pelo comércio qualificado de interesse turístico (artesanato, artigos
náuticos, etc.) localizado no térreo do edifício do apart-hotel que conforma a praça, o
espaço principal do empreendimento deverá ser enriquecido por atividades eventuais de
animação comunitária, como feiras-livres, módulos para exposições, mostras de arte,
palco para shows e espetáculos culturais.
Em sua parte aquática, o Porto terá capacidade para 50 amarras de embarcações,
onde se instalará um sistema de transporte coletivo aquático, o barco/táxi. As
atividades e serviços ligados à água serão reforçados pelo Clube Náutico do
empreendimento, contendo:
• rampa-guincho para retirada de embarcações e garagem de barcos;
• um serviço de radiocomunicação a ser implementado para o empreendimento e que
também apoiará as embarcações da colônia de pescadores.
146

As unidades habitacionais serão agrupadas em conjuntos geminados ou em blocos


de apartamentos tipo “vilas”, com a circulação de pedestres prevalecendo sobre a de
carros, com acessos e visuais voltados preferencialmente para os canais.
Nas ilhas, as residências serão constituídas de unidades com 2, 3 e eventualmente 4
dormitórios.
Nos edifícios, dispostos nos limites do empreendimento e junto ao acesso principal,
as unidades habitacionais serão de 1, 2 e 3 dormitórios. As garagens destas unidades
estarão localizadas sob pilotis ou em subsolos parcialmente elevados, cuja cobertura
constituir-se-á em um jardim/terraço para as unidades do pavimento térreo.
No Apart-hotel, localizado na Praça do Mercado, as unidades deverão atender
predominantemente a demanda de hospedagem temporária. Serão formados
basicamente por unidades de 2 dormitórios, 2 banheiros, sala com varanda e
“kitchenette” com área de serviço. As vagas para carros destas unidades estarão locadas
no edifício para estacionamento coletivo, junto ao eixo de acesso principal (EIA/RIMA,
p. 7)
A obra pretende ser implantada seguindo etapas:
1) Construção dos canais internos (eixo central e rede), derrocamento do acesso
principal - alterações das margens, leito do canal e ponte existente;
2) Infra-estrutura básica de construção habitacional e náutica - aterramentos,
terraplanagens, contenção de margens e canais, impermeabilização, pavimentação e
drenagem, rede elétrica, água, esgoto, telefone, antenas de apoio à rádio e comércio;
3) Construções náuticas;
4) Construções habitacionais.

5.2 Cronologia dos eventos


Segundo o Ministério Público Federal, há muitos anos a empresa Portobello Ltda.
pretendia viabilizar um equipamento náutico de grandes proporções, no canal que liga a
Lagoa da Conceição à praia da Barra da Lagoa. O empreendedor apresentou seu
primeiro projeto de equipamento náutico ao órgão estadual de meio ambiente –
FATMA, em 1989. Naquela época o empreendimento denominava-se “Marina Vila
Náutica”, e constituía-se em uma marina/porto e duas vilas náuticas, prevendo uma área
147

construída de 53.589 m², em um imóvel de 141.000 m². Já se pretendia a criação de


canais artificiais, recortar e dar nova conformação ao Canal da Barra.
O órgão estadual de meio ambiente – FATMA, depois de analisar o referido projeto,
o indeferiu liminarmente, mesmo sem a realização de EIA/RIMA. Em 1990, de acordo
com o Parecer Técnico Interno deste órgão, os impactos ambientais do referido
empreendimento eram os seguintes:
• Destruição completa de vegetação fixadora e estabilizadora de mangues;
• Ocupação de áreas de uso público dentro da faixa sanitária recomendada na
legislação;
• Escavações e dragagens de curso d’água essencial na dinâmica dos ecossistemas
adjacentes (mangues, restingas, e lagoa);
• Introdução de equipamentos e serviços estranhos à comunidade local e incompatível
com seu contexto cultural;
• Poluição das águas, erosão e assoreamento;
• Conflitos sócio-ambientais decorrentes dos impactos físicos e biológicos”

Em 16 de janeiro de 1990, a Superintendência do órgão estadual acatou o parecer


interno concluindo o seguinte:

“Conclui-se tratar-se de ambientes altamente significativos do ponto


de vista ecológico, que na área pretendida são considerados como
Reservas Ecológicas por força de Lei, e da lógica ambiental. O
manguezal existente na área mede cerca de aproximadamente 8.434
m². O canal da Barra da Lagoa no meandro em frente à área do projeto
em seu curso mais largo mede aproximadamente 59,82 m de largura.
(...) Fica claro também que a proposta de implantação da Marina Vila
Náutica é em local completamente inadequado, face a importância e
fragilidade do canal que liga a Lagoa da Conceição ao mar. Diante do
exposto, somos de PARECER CONTRÁRIO à implantação do
projeto, na forma proposta.” (ACP, fl. 7/8, 1996)

Em 22 de janeiro de 1990, a então superintendente de Recursos Naturais da


FATMA, Sra. Jucélia Cardoso Caetano, levou ao conhecimento da empresa Portobello
o parecer contrário ao empreendimento.
Segundo o MPF, em setembro de 1994, a empresa Portobello entrou com um novo
pedido de licenciamento junto ao órgão estadual de meio ambiente, com novo nome
148

para o projeto: “Porto da Barra”. Apesar do caso precedente, a FATMA exigiu da


empresa um Estudo Prévio de Impacto Ambiental, em vez de se decidir pela
impossibilidade do empreendimento.
Em agosto de 1995 é concluído o EIA/RIMA, realizado pela firma ENGEVIX. Em
novembro do mesmo ano, após a publicação do EIA/RIMA, a Fundação Lagoa, um dos
principais opositores ao projeto, solicitou a diversos professores da UFSC que
elaborassem pareceres técnicos sobre o empreendimento proposto. Desta forma, a ONG
buscou se fundamentar no conhecimento de especialistas da comunidade científica,
professores e pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (alguns dos
quais são membros da Fundação Lagoa). Os documentos foram analisados por 23
professores e especialistas em diferentes áreas e concluído em 57 dias. Com base
nesses pareceres, a ONG alertou a Procuradoria da República sobre as implicações
ambientais do projeto Porto da Barra. Em meados de 1995, foi reaberto no Ministério
Público Federal o dossiê que fora instaurado em 1989, quando da primeira tentativa de
licenciamento do empreendimento pela empresa Portobello. Em fins de 1995 foram
formulados quesitos pela Fundação lagoa para obter respostas do empreendedor sobre o
projeto Porto da Barra.
Depois de elaborados judiciosos pareceres, e da realização de inúmeras reuniões,
inclusive com a direção e responsáveis da empresa Portobello, a Procuradoria da
República em SC enviou à FATMA em 11 de dezembro de 1995, uma correspondência
na qual eram questionados diversos aspectos do projeto, entre eles:
• A não realização de levantamento sócio-econômico pela empresa proponente,
imprescindível em se tratando de EIA/RIMA, principalmente em projeto inserido
em comunidade tradicional;
• A não apresentação de bibliografia sobre inúmeros estudos científicos já realizados
no ecossistema da Lagoa da Conceição pela equipe multidisciplinar contratada pelo
proponente, que poderiam auxiliar à compreensão das conclusões do RIMA;
• O sub-dimensionamento da área de influência do projeto – o estudo desconsidera a
importância do impacto sobre o sistema lagunar como um todo, concentrando-se no
levantamento dos possíveis riscos à biota do canal da Barra da Lagoa apenas;
149

• O curto período de tempo utilizado pela equipe que elaborou o EIA/RIMA,


notadamente nas pesquisas de campo, o que é facilmente demonstrado pela ausência
de informações mais abrangentes do ecossistema em suas diversas situações;
• Não existência de prognóstico seguro sobre os impactos do empreendimento sobre
os camarões marinhos, fonte de riqueza e alimentação de toda a comunidade, além
de caracterizar a exploração turístico-gastronômica da região;
• Abordagem superficial do EIA no que diz respeito aos impactos causados pelo
aumento do consumo de água, não indicando os mananciais que poderão garantir tal
consumo, sem prejuízos à comunidade local;
• Informações insuficientes sobre o sistema de tratamento de esgotos, não havendo
dados conclusivos sobre capacidade e localização, o que configura um estudo
inacabado, impossível de ser convenientemente analisado;
• Ausência de análise dos impactos a serem desencadeados pelo grande afluxo de
veículos automotores para a área, que possui acanhadas vias de circulação; ficaram
desconhecidas as posições do IPUF e DER sobre o tema;
• A influência da rede de canais artificiais sobre a hidrodinâmica da área do canal da
Barra da Lagoa não foi abordada;
• A insuficiência dos dados apresentados sobre o impacto resultante do aumento do
fluxo d’água no canal, provocado pelas alterações propostas e pelo aumento de
tráfego de embarcações, decorrente da instalação do equipamento previsto;
• O aumento do número de embarcações, que poderá provocar o decréscimo da
população de espécies migratórias, algumas delas também de interesse comercial,
como a tainha e o camarão;
• A Lagoa da Conceição e o Canal da Barra não possuem regulamento de uso das
águas, o que já provoca reclamações e pequenos acidentes, o que poderá alcançar
níveis insuportáveis com o empreendimento;
• A área de mangue ainda sobrevivendo na região do pretendido empreendimento,
apesar de pequena, constitui bem da União Federal, assim como as áreas limítrofes
ao canal;
150

• Riscos de contratação de mão-de-obra estranha à comunidade da Barra da Lagoa, o


que poderá ocasionar a formação de bolsões de ocupação em áreas de dunas, terras
de marinha, sambaquis, entre outras;
• O estudo não contempla as alternativas tecnológicas e de localização do projeto,
confrontadas com a hipótese de não execução do mesmo, em desobediência à
Resolução nº 1/86 do CONAMA;
• Não foram respondidas as questões sobre o controle do tráfego de embarcações no
canal da Barra, e sobre o solapamento das margens;
• São necessários maiores detalhes sobre o destino do material excedente e sistema de
drenagem pluvial. A elevação de 2,5 do nível do terreno a ser aterrado pode
representar uma intervenção de difícil absorção paisagística.
No documento, foi requisitada à FATMA a consulta prévia aos órgãos: DPU,
IBAMA, IPUF, Fundação Municipal de Meio Ambiente, DER, CASAN,CELESC E
IPHAN.
Tendo recebido o ofício da Procuradoria da República, a Direção da FATMA
comprometeu-se com a exigência de uma Complementação do EIA/RIMA,
encaminhando à empresa Portobello uma cópia da manifestação do Ministério Público
Federal.
Portanto, as complementações do EIA/RIMA foram realizadas à medida que eram
feitos questionamentos pela Fundação Lagoa, com base nos pareceres técnicos
produzidos por professores da UFSC.
Em dezembro de 1995, a Fundação Municipal do Meio Ambiente, através de seu
então Superintendente, Paulo Fernando Lago, manifestou-se à Procuradoria da
República em Santa Catarina declarando a participação de diretores e técnicos da
Fundação em reuniões com a empresa Portobello, com a Fundação Lagoa e com
técnicos da ENGEVIX. À época, o Professor Lago discernia da seguinte forma os
conflitos que estavam se tornando cada vez mais acirrados:

“O projeto Porto da Barra, de admirável sofisticação arquitetônica, se


coloca, a rigor, entre a Barra e a Lagoa, como que, num espaço que
define a comunidade a jusante, a da Barra, e a comunidade a
montante, a Lagoa da Conceição. A jusante, o empreendimento é
desejado e aplaudido. A montante, é repelido. Redenção para uns,
demoníaco para outros. Redutor de antagonismos para uns, ampliador
de impactos para outros.” (ACP, fl. 136, 1996).
151

Em 6 de abril de 1996, antes de ter sido entregue a Complementação do Estudo de


Impacto Ambiental, foi realizada uma audiência pública na Barra da Lagoa. Segundo o
MPF, apesar dos inúmeros pedidos protocolados na FATMA, não foi considerada a
hipótese de audiência nas demais comunidades a serem atingidas, especialmente a do
Centro da Lagoa da Conceição. Para o Ministério Público Federal, nesta audiência
pública “tudo não passou de encenação em que se buscou convencer da viabilidade da
obra, comportando-se os técnicos da Fundação estadual, claramente, como defensores
da proposta, e não da sociedade e de seu patrimônio, como deveriam.” (ACP, fl. 12,
1996)
Segundo a Procuradoria da República em Santa Catarina, nenhuma novidade foi
trazida ao conhecimento público durante a audiência pública, a não ser expor a todos as
fragilidades do EIA/RIMA apresentado, especialmente na falta de atendimento aos
requisitos exigidos pela legislação para esse tipo de procedimento, bem como sobre o
desconhecimento dos técnicos contratados acerca dos impactos prováveis causados pelo
projeto. A realização da pesquisa de campo em apenas quatro ou cinco dias, o que é
ressaltado na análise dos professores da UFSC e confessado durante a audiência, é um
exemplo da negligência da equipe multidisciplinar que participou do Estudo de Impacto
Ambiental. Além disso, a referida equipe não consultou a bibliografia básica sobre o
ecossistema estudado, “o que fez com que até mesmo fossem indicados peixes que não
existem no sul do Brasil como parte da fauna da região” (ACP, fl. 12, 1996).
Em 9 de maio de 1996 são entregues pela empresa proponente as “Respostas aos
quesitos formulados pela Fundação Lagoa”, elaboradas em 161 dias.
Em junho de 1996, é concluída a Complementação do EIA/RIMA (1ª etapa),
realizada pela equipe multidisciplinar da firma Sócio-ambiental Consultores
Associados, sendo então encaminhada pela Procuradoria da República à Fundação
Lagoa e aos professores da UFSC em agosto do mesmo ano. Em agosto de 1996 é
concluída a 2ª etapa da Complementação do EIA/RIMA, sendo então enviada pela
Procuradoria à Fundação Lagoa em 25 de setembro de 1996, e desta para os
professores da UFSC em 15 de outubro do mesmo ano.
Em 18 de setembro de 1996, foi assinada pela FATMA a Licença Ambiental Prévia
- LAP, no entanto, segundo o MPF (1996), tal licença só foi entregue ao empreendedor
152

em 01 de outubro de 1996, ou seja, duas semanas depois de assinada, nas vésperas do


primeiro turno da eleição municipal. O ato formal de entrega da LAP, que
rotineiramente é feito nas dependências do órgão ambiental estadual, foi realizado na
Barra da lagoa, com o Diretor Geral da FATMA Vladimir Ortiz da Silva representando
oficialmente o Governador do Estado.
Na mesma data, o MPF, surpreendido com o deferimento da licença, fez chegar à
Direção da FATMA a preocupação e inconformidade com tal procedimento. Segundo o
MPF (1996):

“A empresa pretende alargar e aprofundar o curso d’água, recortar as


margens do mesmo, fazendo desaparecer os terrenos da União, e
tornar privativas as margens das novas margens, nos canais artificiais.
Desta forma, a população local, que mantém os hábitos de pescaria e
utilização daquelas margens, como lhe é garantido pela legislação em
vigor, também será afastada das áreas que pretende a Ré transformar
em privativas” (ACP, fl. 14, 1996).

Em 7 de outubro de 1996, o então Diretor Geral da FATMA manifestou seu


inconformismo junto à Procuradoria de República, declarando que o projeto Porto da
Barra foi objeto de elaboração de EIA/RIMA, o qual foi colocado à disposição de toda a
sociedade para análise e discussão.

“De outra forma, as contribuições ao aprimoramento do estudo de


impacto do empreendimento encaminhadas à Fundação do Meio
Ambiente foram detalhadamente analisadas pela equipe
multidisciplinar, e todas aquelas julgadas pertinentes forma
devidamente adotadas, sem que se descuidasse no estabelecimento de
exigências máximas na fixação de diretrizes da Licença Ambiental
Prévia em prol do meio ambiente abrangido pelo empreendimento. Na
emissão daquela licença resultante tanto das conclusões emergentes do
EIA/RIMA quanto da participação comunitária, a FATMA observou e
adotou, rigorosamente, todos os procedimentos técnicos e legais
relativamente ao licenciamento ambiental” (ACP, fl. 390, 1996).

Em 30 de outubro de 1996, o Sindicato dos Pescadores da Grande Florianópolis -


SINDIPESCA, se manifestou junto à Procuradoria da República declarando sua
indignação com a assinatura da LAP:

“A assinatura da LAP, deixou estupefatas as instituições sérias


envolvidas na questão ambiental no âmbito da Grande Florianópolis,
principalmente porque uma série, bastante considerável, de dúvidas
persistem, especificamente no que pertine a depredação do meio
153

ambiente com a implantação do chamado Porto da Barra. (...). É


público e notório, que a comunidade pesqueira da região da Barra da
Lagoa vive diretamente da pesca, sustentando suas famílias com os
resultados econômicos dessa atividade. Ora, se nós temos a iminência
de sepultarmos toda uma atividade econômica, de cunho claramente
subsistencial, condenando centenas de famílias ao desemprego e a
miséria” (ACP, fl. 23, 1996).

Após o deferimento da LAP, o MPF buscou mais uma vez a ajuda dos especialistas
da Fundação Lagoa e da UFSC. Em 6 de novembro de 1996, A Fundação Lagoa envia à
Procuradoria os pareceres de professores que apontam riscos irreversíveis do projeto no
Canal da Barra. Em 11 de novembro, a Procuradoria da República entrega à Fundação
Lagoa, documentos complementares para serem analisados por professores da UFSC.
Em 19 de dezembro de 1996, o Ministério Público Federal e a União Federal,
através de seus Procuradores e de seu advogado, propõem a Ação Civil Pública
(Processo nº 97.0000001-0) com pedido liminar contra os réus Porto da Barra Ltda. e
FATMA, requerendo que o empreendedor fosse condenado “à recomposição ambiental
e ao desfazimento de obras que tenham degradado o meio ambiente”, bem como “seja
reconhecida a incompetência da FATMA para o licenciamento em discussão, bem como
a nulidade do ato administrativo – LAP, pelas irregularidades cometidas e omissões
constatadas” (ACP, fl. 20, 1996). Os autores, na referida ACP, sustentam portanto a
ilegalidade da Licença Ambiental Prévia, além de afirmarem que o Estudo de Impacto
Ambiental – EIA – elaborado não considera toda a área de influência do projeto, nem
analisa todos os impactos ambientais que possivelmente serão gerados. Afirmam
também que a competência para o licenciamento ambiental da obra é do IBAMA, a teor
dos artigos 10, § 4º, da Lei nº 6.938/81 e 3º da Resolução CONAMA nº 01/86 (ACP,
fls. 647, 1996).
Em fevereiro de 1997, o empreendedor através de seus advogados, contestou a Ação
Civil Pública junto à 4ª Vara de Justiça Federal, abordando alguns aspectos teóricos
negligenciados pelos autores da ACP, entre eles o seguinte:

“Sem contestar a importância e utilidade do estudo de impacto


ambiental, há no entanto que refletir sobre a insegurança jurídica a que
conceitos amplos e fórmulas genéricas adotados no texto da
Resolução nº 001/86 do CONAMA podem levar quando manipulados
por espíritos estremados impermeáveis ao diálogo e à concertação,
154

posto que imbuídos à priori do propósito de vetar a qualquer preço


uma iniciativa econômica legítima e válida” (ACP, fl. 451, 1997).

O empreendedor também alega a natureza evolutiva e dinâmica do EIA/RIMA e


que, em virtude deste caráter evolutivo, o Estudo de Impacto Ambiental não se esgota
no processo de licenciamento. Citando um dos especialistas brasileiros em Avaliação de
Impacto Ambiental, Dr. Luís Henrique Sanchez, o empreendedor coloca o seguinte:

“(...) um empreendimento típico passa por diversas modificações ao


longo de sua vida útil. – principalmente projetos industriais, de forma
que a previsão dos impactos ambientais deve ser continuamente
revista, sob pena de ficar desatualizada. Também após a implantação
de um empreendimento podem surgir impactos não identificados, ou
pode-se verificar que os impactos são de magnitude bem maior que o
previsto, de modo que tornem-se necessárias novas medidas de
atenuação ou de compensação. Em suma a avaliação de impacto
ambiental (e sua contínua revisão ao longo da vida útil de um
empreendimento) tem também a finalidade de contribuir para
melhorar o desempenho ambiental de um empreendimento” (ACP, fl.
451, 1997).

Para o empreendedor a Ação Civil Pública nega ao estudo de impacto esse caráter e
desqualifica todos os estudos, informações complementares e medidas que, em virtude
da própria avaliação de impacto ambiental, foram somadas no curso do processo de
licenciamento.

“Lastreados apenas em perguntas e críticas efetuadas pelos poucos


opositores ao projeto, os Autores desconsideram totalmente as
respostas que foram aportadas pela empresa requerida, em termos de
soluções e explanações que, ou bem demonstraram que as objeções
não procedem, ou bem atestaram que as medidas e dispositivos
adequados existem e serão adotados.” (ACP, fls. 451-452, 1997)

Sobre a validade e suficiência do Estudo de Impacto Ambiental, o empreendedor


alega que o Termo de Referência apresentado junto à FATMA jamais foi atacado ou
invalidado, e cita Milaré e Benjamin (1993),

“O termo de referência é um balizamento estabelecido pela


Administração Pública para a equipe técnica multidisciplinar que irá
trabalhar na elaboração do Estudo Prévio de Impacto Ambiental.
Através do termo de referência a Administração Pública mostrará ao
empreendedor quais são os elementos que ela julga que devam ser
privilegiados na análise a ser realizada pelos técnicos. O termo de
referência é um instrumento que serve tanto para a administração
155

pública, como para o empreendedor. Assim é, na medida em que a


complexidade de determinados estudos exige que a própria
Administração Pública se prepare para examiná-los e, neste sentido, o
termo de referência serve como um orientador na constituição das
equipes que serão encarregadas de oferecer um parecer conclusivo
sobre o Estudo Prévio de Impacto Ambiental. A Administração
Pública não poderá rejeitar um Estudo Prévio de Impacto ambiental
sob o argumento de que faltaram análises específicas sobre
determinado ponto se tais análises não forem solicitadas no termo de
referência e nem são daquelas obrigatórias, por força da Resolução do
CONAMA. Em ocorrendo um caso que tal, a Administração deverá
limitar-se a determinar novos estudos”(ACP, fl. 471, 1997)

Também reclama o empreendedor que os autores da ACP “negam valor aos


resultados que o EIA/RIMA do “Porto da Barra” exerceu e alcançou como instrumento
de negociação ambiental, entre os atores sociais envolvidos no processo. Para o
empreendedor, os autores da ACP, inconformados com o sucesso da empresa e vencidos
na sua oposição ao projeto, “optaram por buscar o impasse, contrapondo-se a um dos
princípios fundamentais do direito ambiental: o direito à negociação.” (ACP, fl. 455,
1997).
O empreendedor alega que as citações e os documentos administrativos
mencionados no pedido de licenciamento requerido junto à FATMA em 1990 não se
referem ao projeto do Porto Barra:

“mas a outro empreendimento de concepção diversa, com área,


localização e obras de outra natureza. (...) Todo o articulado na petição
inicial em torno do Parecer Técnico FATMA (1990), não tem relação
com o presente projeto, e as objeções levantadas caducaram ou estão
preclusas. (...) A Requerida não está renovando o pedido de
licenciamento anterior. Precisamente, desenvolveu novo projeto, outra
forma de utilização de sua propriedade, adaptando suas intenções de
investimento às evoluções do próprio direito ambiental. (...) As
questões suscitadas pelo novo projeto, e exclusivamente respondidas
no Estudo de Impacto Ambiental relativo ao empreendimento ora em
fase de licenciamento ambiental, não podem ser mecanicamente
respondidas pelos termos do parecer anterior, já caduco.”(ACP, fl.
469-470, 1997)

Sobre a participação popular no caso do Porto da Barra o empreendedor critica o


posicionamento do Ministério Público e da Fundação Lagoa:

“A corrente da comunidade que apóia o empreendimento é bem mais


expressiva que o contingente não representativo de opositores (...)
156

Motivados pelas discussões em torno do projeto do Porto da Barra, os


habitantes da Barra da Lagoa, preocupados com os graves problemas
urbanísticos da localidade aderiram a um novo espaço democrático,
criado espontaneamente no curso do processo, o Fórum da Barra. Na
expectativa de encontrar solução para os problemas existentes, através
da novas parcerias – comunidade, empresa privada e setor público –
instaurou-se um diálogo isento com mais de duas dezenas de ONGs,
do qual os únicos ausentes justamente são os requerentes e a
Associação para a Fundação Lagoa. Um Acordo foi assinado com a
comunidade definindo objetivos e responsabilidades.”(ACP, fl. 490,
1997)
No que se refere ao estudo de alternativas locacionais, o empreendedor alega que
não tem sentido, no caso de um empreendimento privado como o Porto da Barra, a
análise de alternativas locacionais:

“(...) o empreendedor é proprietário de apenas uma área específica


onde é possível a realização deste tipo de empreendimento. “A
Requerida não dispõe de uma outra área com características similares
permitindo escolha entre diferentes hipóteses de localização. Por outro
lado, no EIA/RIMA foi realizado o prognóstico sobre a qualidade
ambiental da área de influência do projeto com e sem a implantação
do Porto da Barra” (ACP, fl. 507, 1997).
Sobre a área de influência do projeto, o empreendedor afirma que:

“Todos os mapas e diagnósticos consideram a bacia hidrográfica da


Lagoa da Conceição. Os estudos hidrodinâmicos demonstram, como
condições de contorno para a simulação matemática do regime da
circulação das águas no canal, a inclusão da Lagoa e do mar. O estudo
biológico concentrou-se no canal em virtude da inexistência de
estudos com ênfase nessa área, enquanto que os dados científicos
sobre a Lagoa já são bem diversificados e abrangentes. No EIA é
realizada a descrição do que foi considerado como área de influência,
estando bastante claro que a área de influência indireta corresponde a
toda a bacia hidrográfica da Lagoa da Conceição” (ACP, fl.508,
1997).

Em 19 de junho de 1997, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS,


em resposta a solicitação feita pela Fundação Lagoa, apresenta o parecer técnico sobre
o Plano Básico Ambiental e a proposta de programa de monitoramento do
empreendimento Porto da Barra, concluindo que:

“As atividades da marina e a criação de larvas de camarões e sementes


de ostras não são compatíveis. A marina sempre será um foco de
poluição – os laboratórios do Departamento de Aqüicultura dependem
de água limpa. O empreendimento do Porto da Barra pode causar
danos irreversíveis para a aqüicultura marinha do Estado de Santa
157

Catarina e do Brasil em geral pois o complexo da maricultura da Barra


da Lagoa está se tornando um Centro Nacional de Excelência em
Aqüicultura e Ciência Ambiental” (ACP, fl. 606, 1997).

Após a contestação dos réus, é indeferida pela Justiça Federal a liminar pleiteada
pelo Ministério Público Federal para a paralisação do processo de licenciamento. O
MPF e a União renovaram o pedido de decisão liminar em 20 de junho de 1997,
criticando os argumentos utilizados pela defesa da Ré, principalmente no que diz
respeito à “natureza evolutiva” do EIA/RIMA. A Procuradoria da República também
aponta para a falta de estrutura da FATMA e despreparo da equipe técnica responsável
pela análise do estudo de impacto ambiental, evidenciada pela necessidade de
contratação de pessoal especializado para esta tarefa. Segundo a Procuradora, esta
contratação só feita pelo fato da Direção do órgão estadual de meio ambiente negar-se a
aceitar a colaboração dos professores da UFSC.
A decisão do Poder Judiciário considerou válida a Licença Ambiental Prévia,
mantendo o indeferimento da liminar, em 15 de novembro de 1997, ressalvando “a
possibilidade de renovação do pedido de liminar, na hipótese de as licenças ambientais
serem expedidas sem os requisitos legais ou esgotamento dos estudos ambientais
necessários” e “afastou as preliminares de incompetência e ilegitimidade suscitadas na
contestação” (ACP, fls. 647/650, 1997). Através desta decisão do Poder Judiciário,
também foram fixados os ‘pontos controvertidos da demanda’, que são os seguintes:
(a) a afetação, pelo empreendimento, de áreas de propriedade da União, sem
autorização ou com autorização irregular dos órgãos competentes;
(b) a existência de formação de mangues ou outras áreas de preservação permanente
na área de implantação do projeto;
(c) a possibilidade de dano ambiental irreparável na Lagoa da Conceição em razão
da instalação do empreendimento;
(d) a possibilidade de danos irreparáveis no próprio canal da Barra e na Lagoa em
razão dos poluentes liberados pelas embarcações que freqüentarão o porto de lazer;
(e) influência do projeto nos laboratórios de moluscos e camarões mantidos pela
UFSC, próximos ao local do empreendimento;
(f) legalidade e suficiência do processo de licenciamento ambiental, ponto no qual
podem ser incluídas as importantes alegações de que o EIA/RIMA não aprecia a área
158

total de influência do projeto e de que a obra não atende ao Plano de Urbanização do


Município;
(g) competência para o licenciamento ambiental do empreendimento (fl. 897 da
ACP).
Em 17 de novembro de 1997, a FATMA assina a liberação da Licença Ambiental de
Instalação – LAI, que autoriza o início das obras. No dia 19 de novembro do mesmo
ano a Fundação Lagoa protesta contra a liberação da LAI nº 52/97 – Porto da Barra
Ltda., junto à Procuradoria da República em SC, alegando falta de estudos
complementares que sustentem este projeto sem causar danos irreversíveis ao sistema
lagunar.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico nacional – IPHAN, em dezembro de
1997, declara à 4ª Vara da Justiça Federal que o empreendedor apresentou ao instituto
documentos técnicos relacionados com as características do empreendimento, e que na
análise do projeto foi verificada a ocorrência de dois sítios arqueológicos situados nas
margens do canal, além de ocorrências submersas ou parcialmente submersas em suas
proximidades.

“Os sítios situados nas margens, não podem, por determinação do


IPHAN, sofrer qualquer interferência, tendo-se obtido ao contrário,
garantias por parte do empreendedor de sua valorização. (...) Quanto
às ocorrências, verificou-se na visita ‘in loco’ que estão fora da área
onde o empreendimento pretende operar e não serão portanto afetadas.
(...) Sendo assim, não existe por parte do IPHAN, impedimento às
obras propostas, uma vez que as mesmas não interferem nos sítios
arqueológicos locais.” (ACP, fl. 887, 1997)

Em fins de 1997, o Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina Sr. Rodolfo


Pinto da Luz, manifesta-se junto à 4ª Vara da Justiça Federal comunicando que os danos
ambientais gerados pela implantação do projeto Porto da Barra foram discutidos na
gestão anterior da UFSC, pelo então Reitor Prof. Antônio Diomário de Queiroz e que
este se manifestou pública e oficialmente a posição favorável da Instituição ao
empreendimento, durante Audiência Pública na Barra da Lagoa.
Em 20 de novembro de 1997, o Ministério Público Federal e a União renovaram o
pedido de liminar, desta vez para suspender os efeitos da LAI expedida e garantir a
conservação do estado atual da área em que se pretende implantar o projeto. Segundo o
MPF,
159

“não se busca impedir o empreendedor de apresentar seus projetos e


pleitear licença ambiental, mas estabelecer a inviabilidade do projeto
do Porto da Barra assim como está definido, e a nulidade da atuação
da FATMA, por vícios que vão desde análise negligente e das
exigências insuficientes, até a afronta aos ditames legais e aos direitos
da sociedade e da União” (ACP, fl. 680, 1997).

Em dezembro de 1997 a FATMA, através de seus procuradores manifesta-se junto à


4ª Vara da Justiça Federal para defender a competência do órgão ambiental estadual
para promover o licenciamento do empreendimento Porto da Barra.

“(...) o IBAMA, promove o licenciamento ambiental, de forma


supletiva, ou seja, quando o órgão estadual se omitir ou, no caso de
inexistência de órgão ambiental no Estado. No presente caso, a
Fundação do Meio Ambiente, como órgão estadual do meio ambiente
integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, tem
total competência para, em Santa Catarina, instruir e analisar os
processos de licenciamento no Estado. (...) Quanto ao projeto do Porto
da Barra, o fato de ocupar parte de terras de marinha ou localizar-se na
Ilha de Santa Catarina, não transfere a competência licenciatória para
o IBAMA. Primeiro pelo fato de não haver previsão legal, conforme
explicitado acima; segundo, no caso da Ilha de Santa Catarina, por
essa vertente, a competência permaneceria no Estado, vez que a Ilha,
por ser ocupada por núcleo urbano, não pertencia à União, na forma
do disposto no artigo 20, IV, c/c o artigo 26, II, da Constituição
Federal. A persistir o raciocínio de que qualquer atividade na Ilha de
Santa Catarina devesse ser licenciada pelo IBAMA e não pela
FATMA, todas as licenças ambientais para empreendimentos e
atividades licenciadas pela FATMA seriam nulas – contra as quais
jamais se perquiriu a nulidade, quer pelo IBAMA, quer pelo
Ministério Público Federal, ou outras instituições” (ACP, fl. 784,
1997).

Em 27 de fevereiro de 1998, a Justiça Federal decidiu-se por deferir a liminar


pleiteada, para impedir o início das obras de instalação do projeto, bem como para
suspender os efeitos das licenças ambientais expedidas pela FATMA. Foi imposta à
empresa uma multa diária de dez mil reais, caso houvesse descumprimento da ordem
judicial. Foram nomeados peritos da Faculdade de Ciência da mar da UNIVALI, para a
apresentação de um laudo conjunto.
Em março de 1998 o empreendedor entrou com recurso para suspender a liminar
(Agravo de Instrumento), junto ao Tribunal Regional da 4ª Região, alegando entre
outras coisas os prejuízos que teria caso a liminar fosse mantida, uma vez que teria
realizado investimentos de grande vulto para atender às novas exigências do órgão
160

ambiental estadual, enquanto não havia sido concedida a liminar. A decisão inicial do
Poder Judiciário, em abril de 1998, foi de não conceder o efeito suspensivo requerido
pelo empreendedor.
Em 12 de junho de 1998, diversos moradores da Barra da lagoa manifestaram-se
junto à Procuradora da República Analúcia Hartmann, a favor do empreendimento
Porto da Barra Ltda. O Manifesto Público alega a existência de quase 1.500 pessoas que
são favoráveis à implantação do empreendimento, as quais acreditam que o mesmo
proporcionará melhores condições econômicas, sociais e educacionais as comunidades
locais. “Com esse empreendimento teremos a oportunidade de acesso a 400 novos
empregos diretos, além é claro, de todo o desenvolvimento econômico que trará para a
região” (ACP, fl. 1078, 1998).
O documento declara a opinião da comunidade com relação ao projeto:

“Como todos já sabemos, por acompanharmos exaustivos estudos, o


Projeto Porto da Barra provocará impactos controláveis. (...) A
comunidade participou de inúmeras reuniões desde 1992, estudando,
mudando e aperfeiçoando o Projeto Porto da Barra para que ele
atendesse não somente aos anseios econômicos da empresa mas
também, as necessidades de estrutura que nossa comunidade carece,
mais que qualquer outro ponto da ilha. Seis anos se passaram, o
Projeto está maduro e pronto para implementação, respeitando os
moldes da lei e a vontade da comunidade. Como Vossa Excelência
pode ver pelo número de assinaturas colhidas, a comunidade espera
ansiosa o início das obras.”(ACP, fl. 1078, 1998)

Em 3 de julho de 1998, a Procuradora da República em SC alerta o então


Superintendente do Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA,
acerca da omissão do órgão federal com relação ao caso Porto da Barra Ltda. O órgão
federal havia alegado não haver justificativa para a participação formal do IBAMA no
processo de licenciamento, mas depois de instruído pela Procuradoria Geral do órgão,
retratou-se, assumindo sua responsabilidade no caso e declarando a legalidade do
empreendimento e validade das licenças expedidas para o empreendimento pelo órgão
ambiental estadual.
Em 3 de julho de 1998, diversos professores da Universidade Federal manifestaram-
se junto ao Reitor Rodolfo Pinto da Luz, lamentando que o ex-Reitor tivesse cometido a
imprudência de emitir sua opinião pessoal como oficial, quando representava uma
161

entidade de interesse público e científico. Nesta ocasião, o atual Reitor foi convidado
para conhecer os resultados da análise dos prováveis impactos ambientais do
empreendimento, trabalho realizado pelos professores da instituição durante quatro
anos. Também se manifestou junto ao Reitor o chefe do Departamento de Aqüicultura
da UFSC, expondo sua preocupação com a construção do empreendimento Porto da
Barra, pelo fato de que o empreendedor não tenha demonstrado, técnica nem
cientificamente, que o impacto ambiental do projeto não afetará os laboratórios de
maricultura localizados nas proximidades do Canal da Barra, onde se pretende implantar
o projeto.

“Os empreendedores têm plena consciência dos riscos potenciais que


o Porto de Barra representa para o ecossistema lagunar e para os
laboratórios de maricultura da UFSC, o que ficou claro durante a
reunião realizada entre ambas as panes no dia 06 de março de 1996 e
conforme carta enviada para este Departamento em 25 de março de
1996. Entretanto, nem a intenção de se regulamentar o uso de tintas
anti-incrustantes compostas à base de TBT nem o suposto
monitoramento das águas que se pretende seja feito para detectar
derrame de detergentes, lubrificantes e combustíveis, são suficientes
para evitar, ou mesmo mitigar os impactos sobre as atividades de
nossos laboratórios e sobre o ambiente da Lagoa da Conceição como
um todo. A preocupação do Departamento de Aqüicultura centra-se
basicamente em que a poluição das águas, de fato, poderá ocorrer
conforme o manifestado pelo Estudo de Monitoramento Ambiental
apresentado pelos próprios empreendedores e conforme consta na LAI
expedida pela FATMA. Quando esta poluição ocorrer, será tarde para
reverter os seus impactos nos laboratórios. É um risco que não
gostaríamos de correr”(ACP, fl. 1157, 1998).

No segundo semestre de 1998 todas as partes já haviam indicado assistentes técnicos


com diferentes habilitações e áreas de especialidade para a produção de prova pericial.
Em 20 de agosto de 1998, é cassada a liminar que determinava a paralisação das
atividades de implantação do projeto Porto da Barra, pelo Tribunal Regional Federal da
4ª Região, sob a alegação de que “(...) houve autorização da FATMA e do IBAMA,
mediante expedição de Licença Ambiental Prévia (LAP) e de Licença Ambiental de
Instalação (LAI); razão pela qual é inviável a pretendida paralisação, já que as
atividades foram iniciadas face à expedição de ato administrativo cuja presunção de
legalidade não foi desfeita” e também que “laudos técnicos colidentes, razoáveis todos,
162

não são suficientes para desacreditar a opção técnica do órgão ambiental em expedir a
LAP e a LAI.”
Em fins de 1998 o MPF renovou o pedido de liminar para a suspensão dos efeitos
das licenças ambientais expedidas pela FATMA, não reconhecida pelo juiz por não
estar fundada em fato novo.
No ano de 2001, durante fase de produção de prova pericial, as partes
apresentaram assistentes técnicos e quesitos relacionados à questão técnica do
empreendimento.
De acordo com o Código de Processo Civil (Brasil, 1973), a perícia poderá consistir
apenas na inquirição pelo juiz do perito e dos assistentes, por ocasião da audiência de
instrução e julgamento a respeito das coisas que houverem informalmente examinado
ou avaliado. A parte que desejar esclarecimento do perito e do assistente técnico,
requererá ao juiz que mande intimá-lo a comparecer à audiência, formulando desde logo
as perguntas, sob forma de quesitos.
O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com
outros elementos ou fatos provados nos autos. O juiz poderá determinar, de ofício ou a
requerimento da parte, a realização de nova perícia, se a matéria não lhe parecer
suficientemente esclarecida.

5.3 O envolvimento e a participação pública no caso Porto da Barra


O envolvimento e a participação pública no caso Porto da Barra começou a partir de
1992. Inicialmente foram realizadas reuniões públicas na sede da empresa Portobello
para a apresentação do projeto, envolvendo diversas instituições como IPHAN,
FLORAM, FATMA, Capitania dos Portos, diversos departamentos da UFSC, IPUF,
Polícia Ambiental, DER, CELESC, entidades civis, SUSP, entre outros. Houve uma
forte reação pública contra o projeto, constatada através de pesquisas de opinião
pública realizadas pelo empreendedor através da empresa Luppi Associados.
O empreendedor decidiu então trabalhar junto à comunidade local, realizando
contatos pessoais com lideranças comunitárias, realizados por dois membros da empresa
Portobello, com a orientação de uma socióloga. Foram realizadas reuniões públicas
junto às comunidades da Barra da Lagoa e Lagoa da Conceição, atendendo a
solicitações da Fundação Lagoa.
163

O Presidente da Colônia de Pescadores Z-11 colaborou desde o início com o


empreendedor, mostrando meios de reunir os membros da comunidade da Barra da
Lagoa para a apresentação do projeto. Na primeira reunião realizada para este fim houve
o comparecimento de cerca de 50 pessoas. Portanto, a divulgação do projeto foi
realizada em diversas oportunidades, através de documentos impressos, apresentações
através de retroprojetor, maquetes, elaboração de caderno de perguntas e respostas,
entre outros.
O Presidente da Federação de Pescadores de Santa Catarina e o da Colônia de
Pescadores Z-11 serviram de contato entre a comunidade e o empreendedor, colhendo
informações nos encontros realizados com o empreendedor, levando estas informações
para a comunidade mais ampla, e retornando uma resposta da comunidade para o
empreendedor (este meio de participação se assemelha ao comitê consultivo da
comunidade, citado no capítulo 4).
Através do envolvimento das lideranças locais foi criado o Fórum da Barra, que
conseguiu congregar diversas ONGs da Barra da Lagoa e Lagoa da Conceição, muitas
das quais não tinham comunicação entre si antes do surgimento do projeto.
O Fórum da Barra permitiu que fossem discutidas as necessidades da comunidade,
não somente aspectos de negociação relacionados diretamente com o projeto. Neste
sentido, o empreendedor trabalhou junto à comunidade da Barra da Lagoa visando uma
melhoria na auto-estima local, e conseqüente valorização da comunidade. Realizou
estudos de reurbanização, identificando as necessidades urbanas locais. Construiu a
pracinha, organizou a coleta seletiva de lixo, realizou reformas no colégio local, e
auxiliou a realização da Festa da Tainha por vários anos. O empreendedor também
encomendou um projeto de terminal pesqueiro com câmara fria para que os próprios
pescadores, reunidos em cooperativa, pudessem gerir o resultado da pesca e evitar os
atravessadores.
Foram realizadas reuniões mensais durante cerca de dois anos, antes, durante e
depois da realização do EIA/RIMA, sendo que o desenho do projeto foi sendo adaptado
de acordo com as preocupações e sugestões manifestadas pela comunidade.
Segundo o Presidente da Colônia de Pescadores Z-11, no início apenas 10% da
comunidade era favorável ao projeto, mas ao final de dois anos essa porcentagem
passou para 60%.
164

A parcela da comunidade que apóia o projeto o faz contando com benefícios como a
geração de empregos, melhorias na urbanização local e tratamento de esgoto.

5.4 Identificação das opiniões, valores e preocupações dos atores principais

EMPREENDEDOR

⇒ Quanto a um dos principais problemas manifestados pelos opositores ao projeto, a


poluição causada pelas embarcações, o empreendedor afirma que o projeto
estimulará o uso de embarcações em direção ao mar e não à lagoa, e que em
nenhum momento haverá a circulação simultânea das 300 embarcações previstas
para o empreendimento;
⇒ Existem pesquisas realizadas em empreendimentos semelhantes na França e em
outros países, indicando que no máximo dez a vinte por cento das embarcações são
utilizadas ao mesmo tempo, portanto os impactos relacionados à poluição seriam
controláveis;
⇒ Devido a este fato e ao monitoramento que será realizado, o empreendedor acredita
que não haverá nenhum prejuízo aos laboratórios de aqüicultura da UFSC;
⇒ A solução para o problema da poluição passa portanto pelo monitoramento das
embarcações, com estabelecimento de proibições. Foi realizado o Plano de
Monitoramento e este será entregue ao Poder Público;
⇒ O empreendimento possui um Regimento interno que determina as normas de uso
das embarcações, portanto, caberá aos usuários das embarcações cumprirem estas
normas, uma vez que também interessa a eles a qualidade das águas da Lagoa da
Conceição e do canal;
⇒ O empreendedor acredita que o monitoramento terá resultados positivos, e no caso
das normas serem descumpridas, haverá meios de punir os infratores;
⇒ As razões para o projeto estar localizado na Barra da Lagoa são a acessibilidade ao
mar e a identidade cultural da Barra da Lagoa, que é uma das poucas comunidades
da Ilha de Santa Catarina que ainda possui valores próprios, sejam religiosos,
folclóricos ou relacionados à pesca;
165

⇒ O empreendedor considera que estes fatores, principalmente a questão cultural, são


um atrativo adicional para o empreendimento, portanto tem preocupações em não
descaracterizar a comunidade;
⇒ O empreendedor está comprometido com a garantia da qualidade ambiental da Barra
da Lagoa, por força do documento assinado com o Fórum da Barra;
⇒ O projeto terá tratamento de esgoto; o empreendedor foi é parceiro da comunidade
no esforço pela implantação da rede de esgoto para a Barra da Lagoa;
⇒ Com o empreendimento, a pesca artesanal e a pesca esportiva se potencializam
como produtos turísticos;
⇒ Os canais secundários recriam meandros antigos, embelezam o local e é o principal
elemento da viabilização econômica do empreendimento;
⇒ Mais de 60% do terreno do empreendedor será de uso coletivo da população: áreas
de eventos, praças, área comercial, canais, ruas públicas;
⇒ Estudos científicos que integram o licenciamento ambiental (LAI) comprovaram
que o assoreamento é provocado principalmente pela ação dos ventos nas dunas e
sedimentos das urbanizações no entorno da lagoa;
⇒ O empreendimento facilita a migração de espécies e não altera o transporte de
sedimentos;
⇒ O aprofundamento da foz é antiga aspiração dos pescadores; não se pretende alargar
o canal em nenhum trecho, como também não se aprofundará o canal entre o Projeto
e a Lagoa;
⇒ O sucesso do Porto da Barra depende da recuperação e manutenção da qualidade da
água no canal da Barra;
⇒ A convivência dos usuários do canal facilitará a educação ambiental, pelo uso
normatizado e disciplinado.
⇒ O empreendedor afirma ter dificuldade em promover o envolvimento e a
participação pública nas diversas etapas do projeto, pelo desconhecimento dos
meios que podem ser utilizados para este fim.
166

FUNDAÇÃO LAGOA

⇒ A ONG reconhece que o projeto foi muitas vezes debatido abertamente na


comunidade, e que foi louvável o empenho do empreendedor em abrir o projeto para
o público.
⇒ Para a Fundação Lagoa o entusiasmo do empreendedor com relação ao projeto é tão
grande que prejudica a sua compreensão integral da gravidade dos impactos que
serão causados;
⇒ Afirma que a capacidade de carga de poluição da Lagoa já se esgotou e que este
projeto significaria uma carga adicional que não teria como ser absorvida;
⇒ Critica o EIA/RIMA, principalmente o estudo sobre o fluxo de entrada e saída de
água no canal da Barra, e a ausência de estudos sobre solapamento das margens;
⇒ O aterro feito sobre uma área de manguezal, no terreno do empreendedor, foi feito a
pedido da comunidade, para a realização da Festa da Tainha;
⇒ Segundo a ONG, a comunidade só compreende os benefícios potenciais que o
projeto traria, como melhoria da urbanização do local, geração de empregos, entre
outros, sem entender a gravidade dos impactos que seriam causados;
⇒ Reconhecem que a postura da ONG nas reuniões junto à comunidade era vista de
forma negativa, em virtude dos questionamentos feitos com base nos pareceres
fornecidos pelos professores da UFSC;
⇒ Considera que um dos maiores impedimentos ao projeto é o impacto que a poluição
por TBT e outros poluentes poderá causar ao Laboratório de Maricultura da UFSC,
comprometendo suas atividades;
⇒ A ONG manifesta preocupação com a abertura do calado do canal da Barra.
Lembram o assoreamento da Lagoa da Conceição causado pelas dragagens
realizadas no início dos anos 80;
⇒ Não participaram da audiência pública por uma questão estratégica, mas
reconhecem que talvez esta não tenha sido uma decisão acertada;
⇒ Reconhece que a composição inicial da ONG era extremamente heterogênea, daí os
conflitos dentro da própria organização. Na época, um dos membros da diretoria da
167

ONG era a favor do empreendimento, vindo a ser advogado do empreendedor, tendo


de deixar a ONG. Outro membro, que chegou a ser Presidente da ONG, retirou-se
alegando que os demais membros não queriam negociar com o empreendedor;
⇒ Reconhece os benefícios que seriam gerados pelo empreendimento, principalmente
os relacionados à melhoria na paisagem, mas consideram que os riscos são muito
maiores do que os benefícios, uma vez que existem impactos que são
desconhecidos;
⇒ Propuseram a realização do empreendimento sem a construção dos canais internos,
aspecto que foi logo descartado pelo empreendedor, pois prejudicaria o acesso dos
usuários à Lagoa da Conceição e ao mar;
⇒ Manifestam preocupação com o controle do uso de embarcações na Lagoa da
Conceição, principalmente nos dias em que as condições do mar estiverem
desfavoráveis para passeios de lanchas e outras embarcações;

REPRESENTANTES DA COMUNIDADE DE PESCADORES

⇒ A Federação dos Pescadores de SC se preocupou desde o início com os impactos


ambientais e solicitou informações sobre como estes impactos seriam tratados.
Solicitou ao empreendedor informação sobre a construção dos canais internos.
⇒ O projeto foi enviado à Federação de Pescadores e à Colônia de Pescadores Z-11
para análise e sugestões. As preocupações maiores da comunidade são a questão do
assoreamento e o tratamento de esgoto.
⇒ As principais reivindicações foram o tratamento de esgoto, o Estudo de Impacto
Ambiental, e a utilização da mão-de-obra local na construção do empreendimento,
havendo garantias por parte do empreendedor de que elas serão atendidas.
⇒ Para o Presidente da Federação as reuniões informais favoreciam mais o diálogo
entre membros da comunidade e o empreendedor, enquanto que na audiência
pública muitas pessoas da comunidade não se manifestaram.
⇒ Tanto o presidente da Federação de Pescadores como o presidente da Colônia de
Pescadores Z-11 fazem críticas aos posicionamentos radicais de alguns membros da
Fundação Lagoa.
168

⇒ O Presidente da Colônia de Pescadores Z-11 confia na responsabilidade do


empreendedor e nos benefícios que o projeto trará para a comunidade.
⇒ O Presidente da Federação dos pescadores vê positivamente o papel desempenhado
pelo Ministério Público.

DEPARTAMENTO DE AQÜICULTURA - UFSC

⇒ A preocupação maior do Departamento de Aqüicultura da UFSC com relação ao


empreendimento é a poluição que será causada pelas embarcações;
⇒ Um dos professores do Departamento afirma que em diversas oportunidades foi
solicitado ao empreendedor que demonstrasse que o empreendimento não afetaria a
qualidade das águas utilizadas pelos laboratórios da UFSC, e eles não conseguiram
responder os questionamentos feitos a contento.
⇒ A poluição causada pelos barcos, principalmente o TBT (tributiltin) poderá
inviabilizar os altos investimentos realizados nos laboratórios, que realizam
atividades de ensino e pesquisa, além de produzirem sementes de mariscos e ostras
que são distribuídas por todo litoral de Santa Catarina, e no caso das sementes de
ostras por todo o litoral do Brasil.
⇒ Para o laboratório de aqüicultura, a alegação por parte do empreendedor, que em
nenhum momento haverá 300 embarcações na água não é suficiente para afastar os
riscos aos laboratórios. Não houve demonstração científica de que os laboratórios
estarão livres dos impactos que serão causados pela poluição.
⇒ O Departamento realizou uma revisão profunda dos históricos de empreendimentos
similares ao Porto da Barra no mundo, sendo constatado que é muito comum a
contaminação de moluscos e larvas jovens, inclusive em áreas a 50 km de distância
do empreendimento, o que demonstra como são potentes os poluentes liberados
pelas embarcações.
⇒ Se a produção do laboratório vier a parar devido à contaminação causada por
poluentes gerados pelo empreendimento, o Departamento de aqüicultura quer saber
do empreendedor quem arcará com o ônus, uma vez que o prejuízo afetará toda a
sociedade.
169

⇒ Quanto ao Plano de Monitoramento o Departamento de Aqüicultura acredita que até


que sejam detectados pelo monitoramento níveis altos de poluição nas águas no
canal, os laboratórios de aqüicultura já terão sofrido com o impacto.
⇒ Se o empreendimento for implementado os laboratórios assumirão uma atitude
preventiva, cobrando do empreendedor a execução do monitoramento, inclusive o
controle estrito do uso de embarcações, e caso seja necessário denunciarão o
empreendedor aos órgãos competentes.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

⇒ O MPF deu início à ACP por causa das deficiências encontradas no estudo de
impacto ambiental. Se tanto o empreendedor quanto a FATMA tivessem acatado
todas as determinações do MPF, no sentido de melhorar os estudos, talvez não
houvesse a ACP;
⇒ O papel da Fundação Lagoa foi essencial para expor os pontos frágeis do
EIA/RIMA e exigir as complementações;
⇒ Não faz parte das atribuições do MPF participar das discussões promovidas pelo
Fórum da Barra;
⇒ Quando há a participação do MPF esta deve ser apenas como ouvinte;
⇒ As discussões e negociações devem ser feitas entre o procurador e o empreendedor,
depois de ouvir a comunidade e outros atores;
⇒ Possivelmente o empreendedor quisesse a presença do MPF para legitimar o
projeto;
⇒ A Procuradora fez várias audiências com o empreendedor e tentou inclusive fazer
um Termo de Ajustamento de Conduta, propondo em primeiro lugar a não
realização dos canais secundários, mas não houve consenso, pois o empreendedor
recusava-se terminantemente a aceitar a proposta.
170

CASAN

⇒ Ainda não foi implantada a rede de coleta e tratamento de esgoto no local do


empreendimento, uma vez que este ainda não começou a ser construído;
⇒ A CASAN irá tratar o esgoto proveniente do empreendimento, mas é o
empreendedor que terá de arcar com os custos da implantação da rede coletora;
⇒ O Sistema Costa Leste já está em funcionamento a dois anos e poderá atender à
demanda de água gerada pelo empreendimento.

5.5 Principais impactos e aspectos técnicos do empreendimento

• Quanto aos impactos sobre os sítios arqueológicos


Para os peritos do Ministério Público Federal (2002), os Sítios Arqueológicos num
total de 6 registros (IPHAN), localizam-se no Canal da Barra da Lagoa, mais
especificamente na área de influência direta do empreendimento “Porto da Barra”. Os
Sítios Arqueológicos tipo oficina lítica, estão instalados nas rochas situadas nas margens
do Canal da Barra da Lagoa; localizando-se na área de influência direta de
empreendimento e debaixo da ponte pênsil (oficina lítica).
Os impactos negativos mais importantes são aqueles vinculados ao derrocamento,
que podem abrir fissuras ou mesmo partir a rocha matriz onde as Oficinas Líticas estão
localizadas. Mudanças no nível da água alterando as temperaturas das rochas podem
também agravar no comprometimento da conservação das Oficinas Líticas. Conforme
proposto no projeto apresentado ao IPHAN, as obras de derrocamento apesar de não
afetarem diretamente os Sítios Arqueológicos tipo oficina lítica, serão limítrofes a eles.
Para os peritos do empreendedor (2003), a oficina lítica existente às margens do
canal, próxima à Ponte Pênsil será resgatada pois um dos pilares da ponte se assenta
sobre ela. O novo projeto de ponte apresentado à Prefeitura terá seus pilares localizados
fora da oficina lítica. O derrocamento não atingirá nenhum sítio arqueológico e será
acompanhado pelo IPHAN.
171

• Quanto ao aumento do consumo de água


Para os peritos do Juiz (2002), existem cinco fluxos de água doce em torno da Lagoa
da conceição, além do manancial do Rio Vermelho que dista aproximadamente 7.000
metros da área do empreendimento. Este rio poderia atender a uma população de até
5.000 habitantes. Também está prevista a futura implantação do sistema Costa Leste-
Sul, a partir de uma captação da Lagoa do Peri, que poderia beneficiar a região da Barra
da Lagoa, e prover o empreendimento de um fornecimento regular de água.

Para os peritos do MPF (2002), não foi realizado no EIA/RIMA um levantamento


detalhado do aqüífero subterrâneo que poderá ser utilizado no empreendimento em
questão. Os rios que deságuam na Lagoa não poderão ser usados para captação, por se
situarem distante do local do empreendimento. A região não apresentava até
recentemente água de qualidade para os próprios munícipes e contribuintes. O
abastecimento atual da Barra da Lagoa vem da Lagoa do Peri (desde 1999), porém este
abastecimento só poderá abastecer no futuro um total de 147 mil habitantes (incluindo
toda a Planície do Campeche, Lagoa da Conceição, Armação, Pântano do Sul).

• Quanto aos impactos sobre o sistema viário


Para os peritos do MPF (2003), o impacto sobre o sistema viário é um dos tópicos
menos trabalhados pelo EIA/RIMA. A solução indicada a partir da duplicação da SC
406, não considera os lucros internalizados pelo empreendedor e os custos
externalizados para o Estado advindos da construção desta obra.
Para o peritos do Juiz (2002), deverá ocorrer um aumento no fluxo de veículos auto-
motores em torno de 750 unidades, mas o maior movimento de veículos deverá ocorrer
somente até o empreendimento. Além disso, um dos trechos de SC 406 que apresenta
maior fluxo de veículos já se encontra com planos aprovados para a duplicação.
Os peritos do empreendedor (2003) argumentam que o problema do trânsito
independe da implantação do empreendimento, e é comum a todas as cidades
brasileiras, dependendo para o seu equacionamento de políticas públicas. O
empreendedor é um agente pró-ativo nesta questão, atuando da seguinte forma:
- o Projeto contempla um volume de construções inferior ao que permite o Plano
diretor;
172

- a ocupação do empreendimento se dá ao longo do ano e não somente na alta


temporada;
- o empreendedor considera como alternativa o acesso aquático;
- uma rota alternativa utilizada com freqüência nos períodos de tráfego intenso é o
deslocamento pelo Rio Vermelho até a SC 401.

• Quanto ao tratamento de esgoto do empreendimento


Para os peritos do MPF (2002), no EIA/RIMA, não há um detalhamento do sistema
de tratamento de esgoto proposto e tão pouco o local da Estação. O RIMA afirma que “a
disposição do esgoto deverá merecer atenção na próxima fase de estudo, onde, através
de uma análise benefício x custo, poder-se-á concluir sobre a melhor alternativa” (p.
51). Isto é considerado pelos peritos uma falha de procedimento em termos de
implantação do empreendimento. “Como é possível realizar um EIA/RIMA, e submetê-
lo á análise pública, deixando-se para depois o estudo específico sobre um aspecto
central do impacto ambiental do empreendimento?”
Também é apontada a ausência de medidas referentes à adoção de tratamento não-
convencional dos resíduos sólidos (coleta e tratamento seletivo dos resíduos), o que
permitiria diminuir a sobrecarga exercida pelo empreendimento sobre o sistema
convencional da Prefeitura Municipal de Florianópolis.
Para os peritos do Juiz (2002), no EIA/RIMA o empreendedor se compromete a
tratar o esgoto gerado pelo empreendimento através de um sistema compacto composto
por lodo ativado, sendo depositado em uma área de 12.000 m² do empreendimento,
onde ocorrerá a infiltração no solo. Embora exista uma boa permeabilidade do solo, não
foi abordada no EIA/RIMA a distância do lençol freático, bem como os possíveis riscos
de contaminação da água.
Para os peritos do empreendedor (2003), todos os esgotos gerados, inclusive o das
embarcações serão tratados. Para isso a CASAN está em fase de conclusão do sistema
de tratamento de efluentes de toda a Barra da Lagoa, incluindo a demanda
proporcionada pelo empreendimento.
173

• Quanto à descaracterização do manguezal e marismas


Para os peritos do Juiz, durante o processo de ocupação da Barra da Lagoa e áreas
adjacentes ocorreu e está ocorrendo uma descaracterização do manguezal e dos
marismas existentes nessa região, decorrente das atividades antropogênicas e da
ocupação desordenada (não planejada e ilegal) das margens do canal da Barra.
Na área onde está sugerida a instalação do projeto Porto da Barra Ltda. não existe
um ecossistema manguezal bem estabelecido, sendo observadas durante visita técnica
apenas algumas pequenas manchas de espécimes de marismas (Spartina alternifolia) e
do mangue Laguncularia racemosa. Teoricamente seria possível a recuperação destes
ecossistemas, sendo que o tempo de recuperação estará inversamente relacionado com
o estágio de degradação do local.
O empreendedor compromete-se a respeitar a faixa de 15 metros da margem do
canal, não realizando edificações nesta faixa, o que não se observa na maioria das áreas
ocupadas no entorno, onde as edificações ocuparam a margem do canal.
Se após o estabelecimento do empreendimento forem respeitadas as questões de
controle ambiental e se o ambiente apresentar uma boa qualidade, poderá ocorrer o
estabelecimento de novos ecossistemas (micro-ambientes), nas áreas internas onde serão
abertos os novos canais.
Para os peritos do Ministério Público Federal (2002), houve descaracterização da
área por aterramentos feitos em datas passadas, para a realização de festas locais e por
ação de prepostos do empreendedor. Este fato foi constatado pelo IBAMA, em
06/10/95, quando o instituto autuou a empresa pela supressão e aterro do manguezal,
bem como a retilinização do canal da Barra. Em 1991 a área do empreendedor abrigou
a Festa da Tainha, através da qual a empresa buscaria “justificar” a eliminação da
cobertura vegetal e o aterramento parcial.
A recuperação da área é possível, desde que sejam suspensas quaisquer
interferências que alteram as condições mínimas de suporte a este ecossistema. A
retirada do aterramento é fundamental para o retorno das áreas inundáveis, caso
contrário, a nova situação instalada poderá comprometer a fauna aquática, ocorrer a
erosão das margens e o aumento de áreas atingidas pela enchente.
Para os peritos do empreendedor (2003), a área do terreno do empreendedor era
utilizada no período da colonização açoriana para a agricultura, e o terreno mantém
174

praticamente inalteradas suas características desde sua aquisição pelo empreendedor. A


implantação do empreendimento resgatará a vegetação da borda do canal (como
proposto no EIA/RIMA). Não houve supressão de manguezal nem aterros na área, e
tampouco a retilinização do Canal executados pelo empreendedor. O empreendedor
entrou com defesa administrativa contra a referida autuação do IBAMA, comprovando-
se que a mesma era descabida.

• Quanto aos impactos às espécies migratórias


Para os peritos do MPF (2002), os alevinos de tainhas e pós-larvas de camarão
certamente serão afetados pelo forte ruído provocado pelos motores dos barcos. Além
disso, a exposição de formas jovens à maior carga de poluentes estacionados no Canal
da Barra poderá impactar negativamente o comportamento e a sobrevivência destes
animais.
Para os peritos do Juiz (2002), o aumento do fluxo de embarcações no canal e o
conseqüente incremento no nível de ruído alterará o padrão de migração das espécies do
mar para o canal. No entanto a iluminação poderá atrair a comunidade zooplanctônica,
concentrando uma biomassa significativa destes organismos na região iluminada, o que
poderá ocasionar uma atração de larvas de camarões e peixes para estes locais. No
entanto estas duas hipóteses precisam ser comprovadas através de experimentos
científicos.
Para os peritos do empreendedor (2003), já existe um fluxo de embarcações de
recreio e de pescadores e que este fluxo aumenta independentemente da presença ou não
do empreendimento, sem nenhuma espécie de controle.
O impacto real sobre a migração somente poderá ser avaliado através de um
monitoramento permanente. Além disso, o movimento das embarcações é em sua
maioria diurno e concentra-se mais nos finais de semana, portanto pode não causar
nenhum ou pouco impacto sobre a migração, que pode ocorrer à noite. Há a
necessidade de se realizar estudos para identificar o ciclo de vida das espécies estuarino-
residentes e seu comportamento migratório, com ou sem o empreendimento, pois os
impactos já existem. O PBA apresenta uma proposta nesse sentido, assim será possível
determinar corretamente os impactos sobre a biota.
175

• Quanto aos impactos do aumento do número de embarcações para o ecossistema


lagunar
Para os peritos do Juiz (2002), o solapamento das margens do canal da Barra
atualmente é provocado não pelo fluxo de água, mas sim pelas marolas originadas pelo
movimento das embarcações. Portanto, se não houver controle da velocidade das
embarcações que transitam no canal ocorrerá o agravamento da situação já existente,
ocasionado problemas para os proprietários de imóveis às margens do canal.
Os impactos sobre o meio biótico ocorrerão tanto na fase de construção do
empreendimento como na operação, sendo que estes impactos serão concentrados
principalmente nas áreas imediatamente adjacentes ao empreendimento, com
comprometimento reduzido dos complexos bióticos presentes na Lagoa da Conceição e
mesmo nos trechos mais afastados do Canal da Barra da Lagoa.
Caso não exista um controle da eliminação de resíduos (domésticos, óleos,
combustíveis, tintas anti-incrustantes, etc.) e a implantação de um programa preventivo
de segurança de navegação e acidentes com poluentes, o ecossistema da Lagoa da
Conceição poderá sofrer sérias conseqüências, principalmente se ocorrer algum acidente
associado a períodos de maré de enchentes, que poderão transportar os resíduos para o
interior da Lagoa da Conceição.
O maior fluxo de embarcações também aumenta sobremaneira o risco de acidentes
no canal e conseqüentemente de eventos poluentes. Para a minimização dos riscos e
danos, deveria haver uma ação coordenada entre o poder público, o empreendedor e a
sociedade organizada, no sentido de providenciar fiscalizações intensas e continuadas
sobre a conduta dos usuários do canal, sobre as condições de manutenção das
embarcações, a instalação e manutenção de equipamentos de sinalização náutica, etc.
Para os peritos do empreendedor (2003), o empreendimento implantará um rigoroso
sistema de monitoramento para a manutenção das condições ambientais do ecossistema
lagoa-canal-mar e para o disciplinamento da navegação. O Canal já é utilizado por um
número determinado de embarcações, tanto de pesca como de recreio, sem nenhuma
fiscalização, sendo evidenciada esta situação no EIA/RIMA, onde é mostrada a
necessidade de um ordenamento, fiscalização e educação dos usuários.
176

• Quanto aos impactos da rede de canais sobre a Lagoa da Conceição


Para os peritos do MPF (2002), o projeto do empreendedor prevê que os canais
artificiais (3.200 m) seriam dragados sem contato com o canal principal, deixando-se 5
selos de 50 m (LAI 52/97), que seriam abertos após a construção das 9 pontes (10 m)
‘venezianas’ que interligariam as ilhas. Sem os muros, a erosão seria continua, fato que
se agravaria com a retirada da vegetação fixadora dos sedimentos no canal da Barra.
As modificações na morfologia do canal, caso instalado o empreendimento,
repercutiriam no ecossistema lagunar até onde se propaga a onda de maré, como já foi
observado com as obras da CIDASC, em 1982, obras estas consideradas pelos
especialistas como a maior agressão já realizada contra a Lagoa da Conceição.
As escavações e a derrocagem do leito e das margens do canal da Barra revolveriam
e suspenderiam os sedimentos, soterrando a vegetação e a fauna submersa de todo o
canal (LAI item B18). O sedimento obstruiria as brânquias dos peixes, crustáceos e
moluscos, causando-lhes a morte por asfixia ou por soterramento.
Segundo o PBA (1997) “o empreendimento criará um ‘novo ecossistema aquático
com características próprias distintas do canal principal da Barra, como por exemplo, o
menor fluxo da água, o maior tempo de residência, assim como a taxa de sedimentação,
as variações diárias serão mais marcantes e o aporte de poluição química será mais
direto, etc. (pág. 8 PBA)”. Para os peritos, mesmo no ‘ecossistema criado’ serão
necessárias dragagens contínuas porque o aumento do fluxo (6%) na entrada
possibilitará a entrada de mais sedimentos, seja da Lagoa na maré vazante, seja do mar
na montante.
Portanto, a implantação do empreendimento causaria a ruptura da dinâmica das
linhas laterais do canal da Barra, alterando o reabastecimento de areia, o fluxo de
entrada da maré e a vida do ecossistema lagunar, incluindo a sociedade humana
residente e flutuante.
Quanto às modificações na margem do canal, o empreendedor sugere a colocação de
telas de fibra naturais biodegradáveis, para propiciar uma proteção contra a erosão do
terreno e fertilizar o solo arenoso (LAI 052 B.14), tarefa que, segundo os peritos do
MPF, não é impossível, mas de difícil concretização e resultado satisfatório, face ao
“novo fluxo criado”.
Para os peritos do Juiz (2002), durante a fase de construção do empreendimento, se
177

a construção dos canais internos for realizada como está previsto, a seco, utilizando-se
escavadeiras hidráulicas e depois a abertura para o canal da Barra, não haverá aumento
na turbidez das águas do canal. O principal impacto dos canais internos da marina será a
possibilidade de criação de áreas de estagnação dentro dos mesmos, o que poderá levar
ao estabelecimento de ambientes anóxidos e com altas taxas de deposição de sedimentos
finos. Portanto, caberá ao empreendedor identificar tais áreas e tomar as medidas
necessárias para minimizar os efeitos dessa situação.
Quanto à modelagem hidrodinâmica apresentada pelo EIA, fica claro que não está
correta e portanto não permite avaliar as variações do fluxo da corrente que resultará
dos trabalhos de aumento do calado do canal.
Além disso, o estado da arte para a avaliação da estabilidade de embocaduras de
canais de maré está ainda em desenvolvimento e a adoção de uma ou outra abordagem
pode levar a diferentes conclusões. É necessário que o Poder Judiciário defina que o
ônus da manutenção das características de profundidade e largura do canal deve recair
sobre o empreendedor, independente dos usos futuros que o canal venha a ter.
Para os peritos do empreendedor (2003), em épocas passadas o Canal da Barra
possuía meandros e os canais artificiais de alguma forma irão recompor esses meandros.
O modelo matemático da circulação das águas formulados no EIA/RIMA e em estudos
adicionais induziram a um desenho dos canais de modo que não ocorra a estagnação das
águas. Além disso os estudos mostram que não haverá transporte significativo de
sólidos, com desprezível risco de assoreamento pela movimentação das águas no canal
principal e nos canais artificiais, sendo que estes poderão beneficiar a biota marinha.
Quanto a possíveis influências na hidrodinâmica do Canal da Barra, os estudos não
apontaram nada de significativo neste sentido. Foi realizado um estudo complementar
com registros de maré, correntes e parâmetros físico-químicos da água e sedimentos que
servirão como subsídios para melhoria e aferição do Modelo hidrodinâmico
desenvolvido.
Haverá um maior fluxo que permitirá uma maior taxa de renovação das águas da
Lagoa da Conceição, levando a uma melhoria da sua qualidade. Pode ocorrer também
um aumento da salinidade. Atualmente a salinidade média da Lagoa é de 27 ppm.
Devido à fixação do Canal da Barra, a Lagoa passou da condição mixohalina (salobra)
para eurihalina (marinha). A possibilidade de aumento da salinidade da água da lagoa
178

será acompanhada pelo Plano de Monitoramento, e em caso da necessidade de


diminuição da troca de água entre a lagoa e o mar, o EIA/RIMA prevê dispositivos de
redução da vazão facilmente aplicáveis, para permitir um controle do fluxo de água e
preservar a salinidade da Lagoa. Uma possível hipersalinização da lagoa só ocorreria
caso houvessem mudanças climáticas acentuadas, com drástica redução de chuvas e alta
evaporação, padrão que não é apontado pelos registros históricos do Instituto de
Nacional de Meteorologia (INMET).

• Quanto aos resíduos de combustíveis sobre a fauna e flora


Para os peritos do Juiz (2002), o EIA/RIMA não trata diretamente dessa questão,
mas descreve resumidamente os possíveis efeitos da contaminação por hidrocarbonetos.
Ressaltam que todos os produtos provenientes de petróleo podem ficar retidos nos
sedimentos finos dos manguezais e marismas, sendo posteriormente incorporados às
plantas. Para a fauna, o óleo livre ou emulsificado pode interferir nos processos
respiratórios, e provocar asfixia. Em experimentos com aves marinhas alimentadas por
peixes impregnados com óleo, as mesmas apresentaram alterações fisiológicas e
comportamentais.
Para os peritos do MPF (2002), os motores usados nas embarcações (lanchas,
veleiros, iates e jet-ski), de dois ou quatro tempos, quando em funcionamento lançam
uma média de 25 a 30% do combustível bruto na água. Os óleos lubrificantes e
combustíveis como gasolina, diesel, ou a mistura gasolina-diesel contém longas e
cíclicas cadeias de hidrocarbonetos de difícil degradação como o tolueno, benzeno,
xileno, naftaleno, indano, fenóis, formaldeído e também metais pesados que têm efeito
cumulativo, mutagênico e cancerígeno. Estes poluentes dissolvidos na água causam
danos à biota, em nível celular, metabólico e fisiológico, além de lhes conferirem sabor
e odor característico.
Para aos peritos do empreendedor (2003), os impactos que podem ocorrer serão
identificados e quantificados pelo Monitoramento e aplicadas as medidas corretivas se
necessário. As principais medidas são o controle, a fiscalização e a educação ambiental,
além do monitoramento permanente proposto pelo PBA.
179

• Quanto aos possíveis danos sobre a pesca


Para os peritos do Juiz (2002), a pesca realizada na região de implantação do
empreendimento e áreas internas adjacentes (principalmente Lagoa da Conceição) pode
ser definida como desportiva ou de subsistência. O EIA/RIMA não apresenta
informações sobre a importância da Lagoa da Conceição sobre as atividades de pesca
realizadas pela comunidade da Costa da Lagoa.
No EIA/RIMA são feitas considerações sobre a compatibilização da pesca artesanal
com o empreendimento Porto da Barra. Está comprovado que a região que apresenta
uma maior atividade pesqueira, com um maior envolvimento da comunidade artesanal e
importância econômica para a região e a área externa ao Canal da Barra da Lagoa, ou
seja, em mar aberto. As obras e a instalação do empreendimento Porto da Barra
poderão prejudicar o recrutamento da fauna nesta região, e a produção a ser capturada.
Também os efluentes (domésticos, combustíveis, óleos) que podem ser oriundos do
empreendimento podem prejudicar as características organolépticas dos pescados da
região, presentes tanto na área interna como externa ao canal da Barra da Lagoa.

“Externamente, se existirem acidentes ou não ocorrer um


rigoroso monitoramento da qualidade da água na área sob influência
do empreendimento, os moluscos (mariscos-gastrópodes) apresentarão
características impróprias para o consumo, pois estes organismos são
tradicionais bio-acumuladores e são coletados nos costões adjacentes
ao canal da Barra da Lagoa, pela própria comunidade local.” (ACP,fl.
1674, 2002)

Para os peritos do empreendedor (2003), caso a poluição por esgotos, tintas e


combustíveis não for devidamente controlada, poderá haver comprometimento tanto da
qualidade como da qualidade do pescado, mas o PBA e o EIA/RIMA contemplam as
medidas corretivas e mitigadoras. Argumentam que estes impactos estão presentes hoje
e sem nenhuma medida corretiva em vigor.

• Quanto aos impactos sobre a fauna aquática


Para os peritos do Juiz (2002), durante a construção do empreendimento ocorrerá a
remoção da cobertura vegetal, causando a diminuição da área de proteção e alimentação
de camarões e tainhas. O processo de dragagem também causará, segundo o
EIA/RIMA, “o maior aporte de sedimentos finos, decorrentes da movimentação de
180

áreas adjacentes, comprometendo a produtividade primária (...) também ocorrerá a


depleção total da endofauna e epifauna na área afetada..”
Outro efeito negativo na fauna local, que poderá ser decorrente da operação do
empreendimento é o aumento no fluxo de embarcações no canal, com um incremento
no nível de ruído, o que irá alterar o padrão de migração das espécies do mar para o
canal. Além disso, a qualidade da água na região poderá sofrer com a utilização de
tintas anti-incrustantes e potenciais derramamentos de óleos e combustíveis,
apresentando efeitos diretos na reprodução, sobrevivência e desenvolvimento da flora e
fauna aquática local.
Para os peritos do empreendedor (2003), o PBA propõe a restauração das margens
do canal e áreas adjacentes, lembrando que as obras atingem um pequeno espaço e são
de curta duração. Já o aporte de sedimentos finos resultantes da dragagem também será
de curta duração, mas pode comprometer a transparência da água, a produtividade
primária e secundária, e causar a supressão da fauna local. Segundo os peritos isto será
restaurado após o processo naturalmente, ou pode-se incrementar o processo re-
introduzindo a fauna (peixes e camarões).

• Quanto aos impactos da obra sobre a bacia hidrográfica


Para os peritos do MPF (2002), o EIA/RIMA não considerou os impactos da obra
sobre a bacia hidrográfica. O EIA/RIMA considerou apenas o canal onde deveria ser
implantada a obra, embora o mesmo seja o maior contribuinte da bacia hidrográfica da
Lagoa da Conceição.
Também para os peritos do Juiz (2002), do ponto de vista hidrodinâmico, o
EIA/RIMA não considera os impactos sobre toda a bacia hidrográfica, sendo que a
modelagem hidrodinâmica apresentada tem como limites as embocaduras externa e
interna do canal da Barra da Lagoa. Para estes, a Lagoa da conceição, bem como a área
oceânica adjacente, deveriam também ser objetos de estudos para esclarecer as
seguintes questões:
- No caso de um acidente com derrame de óleo diesel ou gasolina, qual o alcance da
mancha nos dois sistemas? Quais ecossistemas seriam atingidos?
- Qual é a taxa de renovação das águas da Lagoa da Conceição?
181

- Qual seria o aumento da salinidade em vários pontos da Lagoa com o derrocamento


na seção da ponte pênsil?
- Qual a probabilidade de uma mancha, gerada no canal, atingir pontos estratégicos,
como a tomada d’água do laboratório de maricultura da UFSC?
Para os peritos do empreendedor (2003), a definição das áreas direta e indiretamente
afetadas seguiu o recomendado pela legislação específica e que os consultores
responsáveis pelos estudos desenvolveram uma análise muito mais abrangente do que a
definida pelas metodologias convencionais, principalmente nos estudos que precisavam
de uma maior precisão técnica, como a questão hidrodinâmica nas áreas dos canais
internos, os estudos de circulação, marés, e vazões no Canal da Barra e no corpo
lagunar.
“O empreendedor manteve por mais de dois anos equipamentos
e técnicos especificamente para a coleta e registro de dados
necessários a alimentar os modelos matemáticos de simulação
hidrodinâmica que permitiram a compreensão dos processos de
fluxos e trocas de matéria e energia entre a lagoa, o Canal e o
Oceano, e a efetiva ação em qualquer plano de contingência, se
necessário. (...) essa infra-estrutura de investigação e
monitoramento foi planejada para ser permanente a partir da
implantação do empreendimento e que estes dados serão
disponibilizados, gratuitamente, a comunidade científica e
outros interessados. A FATMA, através do seu corpo técnico e
por consultores externos por ela contratados, considerou a área
de abrangência como suficiente para a análise dos impactos
ambientais.”(ACP, fl. 2333, 2003)

• Quanto ao uso de tintas tóxicas


Para os Peritos do Juiz (2002), de acordo com o EIA/RIMA, a maioria das tintas
comercializadas são constituídas por um ligante (colofane, resina vinílica) que em
contato com a água, podem liberar propriedades tóxicas com efeito letal sobre a fauna e
flora. A partir de 1982, a utilização de tintas a base de organoestânicos passou a ser
controlada, diminuindo o aporte de sais mercúrio, arsênico e chumbo, substâncias que
possuem efeito cumulativo na cadeia trófica e podem chegar até a população humana
local pela ingestão de moluscos bivalves, crustáceos e peixes.
Não há meios de impedir o uso de tintas tóxicas nas embarcações que aportarão na
marina, uma vez que mesmo nos barcos de fibra ou nos de madeira e metal, é
imprescindível aplicar algum tipo de tinta para controlar ou reduzir a ação de
182

organismos incrustantes. Nas embarcações que aportarão na marina, mesmo não sendo
aplicado algum tipo de tinta durante sua permanência no local, ainda pode ocorrer
pequeno desprendimento de partículas. Entretanto, podem ser usadas tintas de baixa
toxicidade como o óxido cúprico, que diminuiria a contaminação das águas por tintas a
base de metacrilato de TBT.
Para os peritos do empreendedor (2002) é necessária a introdução de um controle
rígido da aplicação das tintas. Atualmente essa aplicação é feita de modo incorreto pelos
pescadores artesanais. As tintas de baixa toxicidade devem ter seu uso obrigatório no
empreendimento, sendo necessária uma campanha pública de esclarecimento através de
um Programa de Educação Ambiental. A mitigação dos impactos ambientais das tintas
anti-incrustantes depende da implantação do programa de monitoramento proposto pelo
empreendedor, sendo que este deve ser aplicado com ou sem a presença do
empreendimento, pois todos os riscos decorrentes destas tintas estão presentes hoje. O
sistema de monitoramento proposto pelo empreendedor será disponibilizado à
comunidade e às autoridades públicas.
Para os peritos do MPF (2002), como as tintas anti-incrustantes são usadas somente
em barcos de maior porte, que permanecem na água, elas já são aplicadas no estaleiro e
o barco chega na marinha com a tinta aplicada. As tintas anti-incrustantes na base de
óxido cúprico também podem causar impacto sobre a fauna. Estudos mostram a
toxicidade sobre as larvas da ostra Cassostrea gigas, a mesma espécie que é criada no
laboratório de Cultivo de Moluscos Marinhos da UFSC.
Substâncias como o TBT, em concentrações mínimas (2 partes por trilhão) causam
efeitos maléficos em moluscos bivalves (ostras), gastrópodes (litorina) e microalgas
(fitoplâncton), que vão desde a redução das populações, deformações da concha e
esterilidade, até a mortalidade massiva de ostras com perdas econômicas graves, como
por exemplo, da ordem de 147 milhões de dólares na baía de Arcachon (França).

• Quanto à contratação de mão-de-obra estranha à comunidade


Para os peritos do Ministério Público Federal (2002), no caso de contratação de
mão-de-obra estranha à comunidade, além do risco de ocupação desordenada de áreas
protegidas, há o problema de um adensamento populacional muito intenso e repentino,
que ameace a qualidade de vida da comunidade local.
183

“Ainda que a ocupação de áreas protegidas possa ser fiscalizada e


coibida, um adensamento populacional não se constitui em crime ou
contravenção, não podendo portanto ser contido por vias legais. Esse
adensamento, entretanto, poderá pesar sobre o já precário sistema de
transportes e de educação básica, e poderá multiplicar o número de
ligações clandestinas de água, esgoto, eletricidade, etc.”(ACP,
fl..1767, 2002)

Para os Peritos do Juiz (2002), serão criados aproximadamente 600 novos empregos
no pico da fase de implementação e 533 na operação, podendo levar a uma expansão da
população economicamente ativa (PEA) residente na Barra da Lagoa, devido às
oportunidades de emprego e trabalho, caso o empreendedor não procure absorver a PEA
local, o que poderá levar a uma ocupação desordenada, inclusive em áreas de proteção.
Para os peritos do empreendedor (2002), durante a realização das obras haverá
contratação de mão-de-obra específica de construção civil, com absorção temporária de
pessoas da comunidade local e de fora. Durante a fase de operação a mão-de-obra será
permanente, sendo que o empreendedor se compromete com o treinamento e absorção
de pessoas da comunidade local, como descrito no EIA/RIMA.

• Quanto aos impactos aos laboratórios de maricultura da UFSC


Para os peritos do Ministério Público Federal (2002), a preocupação dos técnicos
destes laboratórios surge da não demonstração, por parte do empreendedor, que a
poluição resultante do empreendimento não irá atingir a água de captação destes
laboratórios. Os laboratórios possuem dois pontos de captação da água, um na praia de
Moçambique (a 2 km do Canal) e outro na Lagoa da Conceição (a 1.200 metros da
ponte de concreto). Num eventual acidente naval no canal, onde o combustível seja
derramado, ou simplesmente por causa do aumento da concentração de poluentes das
tintas dos barcos, as conseqüências nos referidos laboratórios serão mais do que
desastrosas.
Para os peritos do Juiz (2002), não se sabe ao certo se a poluição dos barcos poderá
afetar a captação de água dos laboratórios de maricultura da UFSC. Não existem
informações de correntes oceânicas obtidas nessa região, nem modelos hidrodinâmicos
devidamente calibrados, que permitam o cálculo da advecção e do espalhamento de
184

manchas de óleo diesel e gasolina gerados por acidente que possam vir a ocorrer com as
embarcações. Os laboratórios da UFSC, no entanto, não estão livres de derramamentos
de óleo, uma vez que podem acontecer acidentes com lanchas oriundas de outras
localidades, barcos de pesca, navios cargueiros, petroleiros, plataformas de petróleo
operando na Bacia de Santos, etc.
Para os peritos do empreendedor (2003), os riscos de contaminação das águas
captadas pelos laboratórios da UFSC, decorrentes da presença do empreendimento, são
praticamente nulos, mas o PBA prevê medidas corretivas caso corram acidentes, tendo
sido feita uma análise dos riscos.
185

6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DO ESTUDO DE CASO

O projeto Porto da Barra Ltda. foi um dos primeiros casos em que se promoveu o
envolvimento e a participação pública, no município de Florianópolis, antes da
realização do EIA/RIMA e da audiência pública, e espera-se que ele seja pioneiro neste
sentido, abrindo o caminho para que outros empreendimentos submetidos à Avaliação
de Impacto Ambiental façam o mesmo. No entanto, é possível que a percepção das
pessoas, principalmente de outros empreendedores, a partir do caso do Porto da Barra,
leve a conclusões errôneas, como por exemplo, ‘a participação pública estimulou a
oposição’, ou ‘causou atrasos no processo’, portanto, é preciso que se esclareçam os
conflitos que acabaram resultando em uma Ação Civil Pública.
Inicialmente, devemos considerar que as constatações feitas pelo estudo de caso
apontam em primeiro lugar para as deficiências do EIA/RIMA produzido para o
empreendimento Porto da Barra Ltda., em vista de um empreendimento vultoso e com
impactos variados sobre o meio ambiente. Os aspectos abordados no EIA/RIMA não
forneceram um quadro amplo dos impactos importantes do projeto, incluindo questões
de interesse particular para todos os grupos e indivíduos afetados.
Através deste estudo de caso é possível constatar o papel fundamental da
participação pública no processo de Avaliação de Impacto Ambiental, principalmente
no sentido de aprofundar os estudos de impacto ambiental e permitir a inclusão de
questões e interesses que de outra forma não seriam considerados. A participação
pública evita que impactos importantes sejam negligenciados, e mesmo que torne o
processo mais trabalhoso para o empreendedor, o ajuda a assegurar uma maior
confiança e credibilidade junto à comunidade, além de evitar surpresas desagradáveis
que podem acontecer durante a implementação e operação do projeto, devido a uma
avaliação de impacto ambiental deficiente.
No caso Porto da Barra, o envolvimento e a participação pública ocorreram antes da
realização do EIA/RIMA e da audiência pública, no entanto, seria desejável que este
envolvimento tivesse iniciado na etapa de escopo. Relatou-se neste trabalho que a
elaboração inadequada do Termo de Referência resulta em EIA/RIMAs de baixa
qualidade. Segundo o empreendedor, o Termo de Referência do empreendimento nunca
foi atacado ou invalidado, mas como o escopo apenas mostra ao empreendedor os
186

aspectos que devem ser privilegiados no EIA/RIMA, talvez o documento resultante


desta etapa, o Termo de Referência, elaborado pelo órgão estadual de meio ambiente –
FATMA, não tenha sido capaz de orientar a realização dos estudos de impacto
ambiental adequadamente.
Embora não seja obrigatório pela legislação brasileira referente à Avaliação de
Impacto Ambiental, e talvez dentro da atual cenário institucional isto não seja possível,
o órgão ambiental responsável pelo licenciamento deveria determinar a realização de
consultas públicas durante a etapa do escopo, para assegurar que todos os impactos,
questões, alternativas, mitigações e interesses levantados pelas partes possam ser
considerados. Desta forma, aumentam-se as chances de produzir um relatório de
impacto ambiental que satisfaça aos diversos atores que participam do processo de
AIA, e reduz-se o risco de atrasos no processo, devido a pedidos de informação
adicional depois que o relatório de impacto ambiental é submetido à autoridade
competente.
Como foi visto neste trabalho as diretrizes da Resolução CONAMA nº 1/86
determinam, embora sem muito detalhamento, o conteúdo obrigatório dos estudos de
impacto ambiental. Entre outros aspectos essa Resolução determina que sejam
consideradas todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, o que é
dificultado no caso Porto da Barra Ltda. pelo fato do empreendedor ser o proprietário da
área onde o projeto está localizado. No entanto, esse fato não anula a determinação de
que sejam avaliadas outras alternativas locacionais, e não deveria ser utilizado pelo
empreendedor para justificar a não inclusão destas alternativas no EIA/RIMA.
Quanto à definição da área de influência do projeto considerando a bacia
hidrográfica na qual se localiza, outra determinação da Resolução CONAMA nº 1/86,
fica claro que, do ponto de vista hidrodinâmico, o EIA/RIMA não considerou os
impactos sobre toda a bacia hidrográfica da Lagoa da Conceição, e que isto seria
necessário para garantir um maior grau de controle dos impactos provenientes do
empreendimento.
Nesta pesquisa foi destacado o papel fundamental das ONGs ambientalistas dentro
do processo de Avaliação de Impacto Ambiental. No caso Porto da Barra Ltda., a
ONG Fundação Lagoa, atuou no sentido de revisar o EIA/RIMA e aprofundar o
processo de AIA, através de consultas com diversos departamentos da Universidade
187

Federal de Santa Catarina, que permitiram a identificação de impactos e questões


adicionais.
A articulação entre a Fundação Lagoa e o Ministério Público Federal foi
necessária para que o órgão ambiental estadual considerasse os aspectos levantados
pela ONG, a partir das consultas feitas com os professores da UFSC. Contudo, a
atuação do órgão ambiental estadual – FATMA – foi bastante criticada pelo Ministério
Público Federal. Devido à falta de estrutura e à complexidade dos impactos ambientais
do empreendimento Porto da Barra, este órgão não foi capaz de realizar sozinho a
revisão dos estudos de impacto ambiental, sendo necessária a contratação de técnicos
externos à instituição. Na verdade, a falta de pessoal qualificado é um problema da
maioria dos órgãos ambientais estaduais, sendo necessários recursos e ações para
fortalecer a estrutura institucional e atender efetivamente às demandas do processo de
Avaliação de Impacto Ambiental. É fundamental que os órgãos ambientais do governo
mantenham equipes técnicas capazes de garantir que todas as condições técnicas
referidas nos projetos submetidos ao licenciamento sejam devidamente preenchidas.
No caso Porto da Barra Ltda., o deferimento da LAP para o empreendimento, e
posteriormente da LAI, foi realizado antes que todos os impactos apontados pelo
Ministério Público Federal fossem devidamente considerados. Como o órgão ambiental
estadual acatou somente algumas das determinações estabelecidas pela Procuradoria da
República em Santa Catarina, no sentido de aprofundar a avaliação dos impactos, o
caso resultou numa Ação Civil Pública.
A Ação Civil Pública é um dos instrumentos que podem ser utilizados pelo
Ministério Público Federal para acionar, mesmo que liminarmente, os responsáveis por
danos causados ao meio ambiente. Apesar de não haver danos prévios no caso Porto da
Barra Ltda., uma vez que o projeto não chegou a ser implementado, as atitudes do
Ministério Público Federal basearam-se no Princípio da Precaução, proposto
formalmente na Conferência RIO 92, que consiste na “garantia contra os riscos
potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda
identificados.” Este Princípio afirma que “a ausência da certeza científica formal, a
existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de
medidas que possam prever este dano.”
188

Um dos principais problemas do processo de AIA é justamente a falta de


embasamento científico na análise dos impactos, até mesmo porque, analisar
cientificamente certos impactos de um projeto pode levar mais tempo do que
geralmente é dispensado para a elaboração dos estudos e do relatório de impacto
ambiental. No entanto, a utilização de informação científica não deveria nunca ser
negligenciada por causa de atrasos que podem ser ocasionados ao processo. A
contribuição científica, como foi visto nesta pesquisa, pode e deve começar desde a
etapa da definição do escopo de um projeto, principalmente em casos complexos e que
envolvam impactos variados.
Um fator gerador de conflitos no caso Porto da Barra Ltda. é o impacto potencial
que a poluição gerada pela operação empreendimento poderá causar aos Laboratórios
de Maricultura da Universidade Federal de Santa Catarina. Não foi demonstrado
cientificamente que a poluição gerada pelas embarcações não atingirá o ponto de
captação de água pelos laboratórios, em caso de um acidente com derramamento de
combustível ou pelo aumento da concentração de poluentes nos canais. As medidas
mitigadoras e de monitoramento apresentadas pelo empreendedor não foram suficientes
para garantir aos pesquisadores dos laboratórios que a produção de sementes de
moluscos, alevinos de peixes, e pós-larvas de camarões marinhos não será
comprometida, bem como para resguardar a defesa dos interesses difusos de toda a
comunidade. Portanto, esta é uma questão que precisará de maiores esclarecimentos
para reduzir as incertezas com relação aos impactos da operação do empreendimento.
Quanto à participação pública no caso Porto da Barra Ltda., o próprio empreendedor
afirma ter encontrado dificuldades em promover o envolvimento do público,
principalmente das comunidades locais. Isto ocorreu devido à falta de informação sobre
o envolvimento e participação dos atores em AIA, antes da realização da audiência
pública. Mesmo assim, o empreendedor, ao abrir o projeto à participação pública
conferiu uma transparência fundamental ao processo de AIA, dando oportunidade para
que os diversos atores tomassem conhecimento do que estava sendo proposto. A opção
por trabalhar posteriormente junto às comunidades locais, uma vez estas seriam a
principais afetadas pelo projeto, fez com que fosse criado um espaço de negociação, o
Fórum da Barra, que permitiu discussões sobre as necessidades da comunidade, visando
a sua valorização, além de aspectos relacionados diretamente com o projeto. Foram
189

utilizadas várias formas para envolver o público como a disseminação de informação


sobre o projeto (cadernos de perguntas e respostas, distribuição de materiais impressos),
consulta (contatos pessoais, equipe de ligação com a comunidade, comitê consultivo da
comunidade, reuniões públicas, audiência pública) e participação (negociação). No
entanto, o órgão ambiental estadual permitiu a realização da audiência pública antes da
entrega da complementação do EIA/RIMA, contrariando a determinação da Resolução
CONAMA nº 237 de 1997, no que se refere às etapas do procedimento de
licenciamento ambiental. Além disso foram protocolados junto ao referido órgão,
pedidos para a realização de audiências públicas em outras localidades do distrito da
Lagoa da Conceição, solicitações que não foram levadas em consideração.
No que diz respeito à negociação promovida pelo Fórum da Barra, alguns atores
criticaram a Fundação Lagoa e o Ministério Público Federal, alegando que estes se
negaram a negociar com o empreendedor. O Ministério Público alega que não tem a
atribuição de negociar em reuniões do Fórum da Barra, e que as negociações devem ser
feitas entre o procurador e o empreendedor, depois de serem ouvidos a comunidade e
outros atores. No entanto, o Ministério Público Federal propôs um Termo de
Ajustamento de Conduta, recusado pelo empreendedor. No caso da Fundação Lagoa,
há de ser destacado que a mesma se recusou a negociar principalmente pelo fato do
empreendedor não admitir a possibilidade de construir o empreendimento sem os canais
internos e sem o aprofundamento da foz do canal principal. Como estes canais são, para
o empreendedor, o principal elemento da viabilização econômica do empreendimento, e
para a Fundação Lagoa (e Ministério Público Federal), uma ameaça capaz de causar
danos irreversíveis ao meio ambiente, criou-se um impasse e não foi possível chegar a
um consenso.
É possível que, se estas negociações tivessem sido conduzidas por um facilitador
externo e imparcial, como ocorre nos casos de mediação ambiental, e não pelo
empreendedor, as discussões tivessem encontrado um resultado mais favorável, mas não
se pode afirmar que isto aumentaria as chances de se chegar a um consenso entre o
empreendedor e a Fundação Lagoa. A mediação e resolução de conflitos ambientais é
um instrumento muito útil para ser usado em processos de AIA litigiosos, e pode ser
aplicado em casos como o do Porto da Barra, desde que exista uma certa flexibilidade
das partes.
190

Esta pesquisa considera que, mesmo quando existe um amplo envolvimento e


participação das comunidades no processo de AIA, como houve no caso do
empreendimento Porto da Barra Ltda., sempre existem formas de fazer com que os
cidadãos participem de modo a alcançar graus mais altos de poder dentro do processo
de tomada de decisão. Muito se falou nesta pesquisa sobre a educação pública visando o
processo de AIA, e não somente o projeto. A educação das comunidades é um dos
princípios da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), e pode ser um
meio através do qual as pessoas da comunidade que se opõem a um projeto se
organizem para fazer valer o peso da oposição, principalmente nos casos onde esta
oposição não é conduzida por outros atores, como as ONGs. A educação para a AIA
poderia ser promovida pelas universidades ou por organizações não governamentais, de
forma a levar informação sobre as diversas etapas do processo e sobre como a
comunidade pode se organizar para, de acordo com Diduck (1999), ‘avaliar discursos
pró-desenvolvimento e apresentar contra-discursos eficazes’.
A educação para a AIA deveria ter como alvo também os próprios empreendedores,
de modo a proporcionar a informação adequada para garantir o cumprimento da
legislação e evitar maiores conflitos.
Quanto aos principais impactos e aspectos técnicos do projeto Porto da Barra,
algumas considerações devem ser feitas. A operação do empreendimento poderá afetar a
disponibilidade e a qualidade do pescado, devido aos impactos sobre o recrutamento da
fauna e dos poluentes que serão gerados, inviabilizando a pesca artesanal e esportiva,
que segundo o empreendedor, são elementos que com o empreendimento se
potencializam como produtos turísticos.
No que se refere à área de manguezal de 8.434 m² constatada pelo órgão estadual
ambiental em 1990, fica evidente a descaracterização ocorrida, pois na perícia
realizada em 2002 os peritos do Juiz constataram haver somente “pequenas manchas”
deste ecossistema. No entanto, pela legislação brasileira, a área, mesmo
descaracterizada, continua sendo Área de Preservação Permanente (APP), de forma que
a descaracterização não pode tornar relativa a norma.
Quanto à infra-estrutura necessária para o empreendimento Porto da Barra Ltda., já
existe alguma definição sobre o atendimento das demandas de água e esgoto, aspectos
essenciais para a viabilização do empreendimento. O abastecimento de água poderia ser
191

proveniente do Sistema Costa Leste, que segundo a CASAN já se encontra em


funcionamento à dois anos e poderia atender à demanda do empreendimento. A questão
do esgoto conta com o empenho do empreendedor, e segundo a CASAN os efluentes do
Porto da Barra serão tratados, desde que o empreendedor se comprometa a arcar com os
custos de implantação da rede coletora para o empreendimento.
Quanto ao sistema viário, a duplicação da SC 406, apontada como uma possível
solução para o problema do maior afluxo de veículos automotores no caso da
implantação empreendimento, ainda não possui prazo determinado para sua realização.
No entanto, apesar das indefinições com relação ao atendimento desta demanda, o
empreendedor afirma que existem alternativas que poderiam ser utilizadas pelos
usuários do empreendimento, como o transporte aquático e o deslocamento pelo Rio
Vermelho até a SC 401.
Com relação à mão-de-obra a ser utilizada na construção do empreendimento, a
utilização de empregados que não pertençam à comunidade poderá causar problemas
durante a implantação do empreendimento, como a ocupação desordenada e
conseqüentemente pressões sobre a infra-estrutura local. Por outro lado, durante a fase
de operação do Porto da Barra, a utilização da mão-de-obra residente na Barra da
Lagoa, prometida pelo empreendedor, será um aspecto positivo do empreendimento,
que pode contribuir para o aumento da população economicamente ativa local.
O empreendedor propõe tratar os impactos potenciais do aumento do número de
embarcações, da poluição por combustíveis, tintas anti-incrustantes e outros através da
implementação de medidas de educação ambiental, monitoramento contínuo e
fiscalização. Na verdade, o Porto da Barra Ltda. é um projeto que vai exigir um
monitoramento eficaz e permanente para evitar que o agravamento dos impactos
ambientais negativos se torne uma ameaça não só às águas do canal e da Lagoa da
Conceição, mas também ao próprio empreendimento. Os impactos do empreendimento
são sérios, e caso ocorra falhas neste monitoramento poderão ser causados danos
irreparáveis à Lagoa da Conceição.
Será preciso uma grande eficiência para gerenciar a informação obtida a partir
desse monitoramento e implementar no tempo certo as ações requeridas como resultado
do mesmo, para evitar que seja causado algum dano ao meio ambiente. A fiscalização
não poderá ser delegada ao poder público somente, sendo necessário que o
192

empreendedor e a sociedade organizada participem ativamente das atividades que terão


de ser realizadas de forma intensa e contínua, para que se alcance os efeitos desejados.
O empreendedor alega que o estado atual de conservação da Lagoa da Conceição já
é preocupante, pois os impactos decorrentes das embarcações que circulam atualmente
no canal e na Lagoa já estão presentes, e que a implantação do empreendimento atuaria
no sentido de melhorar esta situação, em virtude do disciplinamento dos usuários, a ser
promovido pelo monitoramento. No entanto, se este falhar em algum momento, o
empreendimento causará um maior nível de poluição no local, aumentando muito os
impactos que ocorrem hoje em dia. E como foi visto neste trabalho, o empreendedor é o
responsável por eventuais danos ocasionados ao meio ambiente, uma vez que é ele
quem recebe os benefícios da atividade.
O empreendedor também não poderá se fiar no comportamento ecologicamente
correto dos usuários, sendo imprescindível a aplicação efetiva de punições no caso de
desobediência às normas de uso das embarcações (como por exemplo, dirigir
embriagado ou sem habilitação).
Portanto, a implantação do empreendimento exigirá um comprometimento
permanente da empresa Portobello com a comunidade da Barra da Lagoa e com a
garantia da qualidade ambiental local, não só pelo que foi firmado através do Fórum da
Barra, mas porque, ao que tudo indica, os atores interessados realizarão uma forte
pressão e cobrarão a responsabilidade no caso de eventuais danos ocasionados ao meio
ambiente.
193

7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

As diretrizes estabelecidas pelo UNEP (1996) e European Commission (2001)


servem para orientar o processo de AIA, de forma que seja realizado de forma eficaz,
responsável, e transparente. A definição do escopo da AIA é uma etapa decisiva, na
qual o público deve ser envolvido e consultado para que sejam considerados todos os
impactos, questões e interesses levantados por todos os participantes do processo de
Avaliação de Impacto Ambiental. Desta forma aumentam-se as chances de produzir um
relatório de impacto ambiental que satisfaça a todos os atores.
As principais deficiências do processo de AIA derivam-se da grande subjetividade
envolvida em etapas essenciais do processo, como na identificação, previsão e avaliação
dos impactos, bem como na revisão dos estudos de impacto ambiental, da priorização de
aspectos políticos sobre aspectos técnico-científicos quando da tomada de decisão, e das
dificuldades para a realização do monitoramento e da auditoria.
A aplicação da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) depende das
condições políticas e institucionais de cada órgão ambiental. Nessa situação incluem-se
a atuação do sistema de licenciamento e o processo de revisão dos relatórios de impacto
ambiental (RIMA), a criação dos Conselhos Estaduais de Meio ambiente ou o
atendimento adequado às decisões do CONAMA.
No que se refere à estrutura institucional, são necessários recursos humanos e
financeiros suficientes para atender satisfatoriamente às demandas do processo de AIA,
principalmente para suprir os órgãos ambientais estaduais com equipes capazes de
revisar satisfatoriamente os estudos e relatórios de impacto ambiental.
É clara a necessidade de se complementar a regulamentação brasileira sobre a AIA,
principalmente a estabelecida pela Resolução CONAMA nº 1/86, para evitar equívocos
que podem surgir de aspectos insuficientemente descritos ou obscuros. Com relação à
participação pública, é preciso que sejam estabelecidas determinações no sentido de
melhorar o processo. A realização de audiências públicas no final da AIA não é
suficiente para garantir que o público tenha alguma influência no processo e na tomada
de decisão. Portanto, há a necessidade de utilização de outros mecanismos, desde os
momentos iniciais do processo, para se promover uma participação mais eficaz.
194

O envolvimento dos atores no processo de AIA é essencial para promover uma


tomada de decisão mais democrática, e para alcançar os vários benefícios que resultam
da participação pública. A educação pública deve fazer parte do envolvimento público,
sendo necessária para se transferir conhecimento para as comunidades, não apenas sobre
o projeto, mas principalmente sobre o processo de AIA. As ONGs podem atuar de
diversos modos, promovendo a participação, e inclusive conduzindo a educação
pública, sempre no sentido de aprimorar o processo de avaliação de impacto ambiental.
A mediação em AIA pode ser uma forma de promover uma negociação mais efetiva,
através de um facilitador imparcial que atua no sentido de criar um diálogo construtivo e
ajuda a resolver os conflitos entre as partes. No entanto, é preciso ser reiterado que para
se utilizar a mediação ambiental em AIA é essencial que haja flexibilidade das partes
envolvidas.
É importante salientar que cabe aos próprios atores do processo de AIA a
responsabilidade de promover uma participação mais eficaz, através de pressões no
sentido de melhorar os canais e mecanismos de envolvimento e participação pública,
uma vez que não estejam satisfeitos com aqueles existentes atualmente.

RECOMENDAÇÕES

É preciso que as melhorias no processo de AIA, principalmente as relacionadas ao


envolvimento e participação pública, sejam realizadas no nível da política ambiental,
das instituições governamentais e da legislação. O fornecimento de informação sobre as
técnicas adequadas que podem ser empregadas para promover a participação pública
nas diferentes etapas do processo de AIA, bem como a informação sobre os benefícios
decorrentes desta prática (não só para o processo em si, mas também para o sucesso do
empreendimento) pode estimular os empreendedores a tomar a iniciativa nesse sentido,
mesmo que não exista uma obrigação para que isso ocorra. No entanto, no que se refere
à legislação, deveriam ser feitas algumas melhorias no sentido de corrigir as falhas e
omissões existentes.
Em primeiro lugar, deveria ser determinado em nível legislativo que a participação
pública comece a partir da etapa de escopo. Os órgãos ambientais deveriam realizar
195

consultas públicas com os atores, antes da preparação dos Termos de Referência, para
uma ampla identificação dos impactos e interesses envolvidos.
A audiência pública deveria ser obrigatória em todos os estados brasileiros, e não
somente naqueles que estabelecem esta obrigatoriedade por reconhecer que isto é o
mínimo que se pode fazer para que o processo de avaliação de impacto ambiental seja
aberto e democrático. Além disso, deveriam ser realizadas audiências públicas em todas
as localidades a serem afetadas pelo projeto. Também é preciso que haja uma
informação extensiva ao público e às pessoas interessadas sobre o processo de AIA, e
sobre o acesso aos estudos de impacto ambiental, além de um prazo maior para se
fazerem comentários sobre o projeto.
A legislação poderia tornar obrigatório que cada empreendedor desenvolvesse seu
próprio programa de envolvimento e participação pública e o apresentasse ao órgão
ambiental estadual no início do processo de licenciamento. A extensão do programa de
envolvimento e participação pública requerido deveria ser proporcional ao tamanho e
aos impactos do projeto, bem como ao número de atores envolvidos e comunidades a
serem afetadas, e os meios de envolvimento e participação utilizados deveriam adequar-
se às peculiaridades de cada caso. Desta forma, não somente os órgãos ambientais
arcariam com a responsabilidade e com os custos do envolvimento e participação
pública.
A legislação também poderia determinar que em processos complexos envolvendo
questões litigiosas, poderiam ser utilizadas técnicas de mediação e resolução de
conflitos ambientais.
Enfim, é essencial que sejam desenvolvidas diretrizes e guias para
empreendedores, administradores de órgãos ambientais, cidadãos e advogados
interessados em participar do processo de AIA.
196

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202

ANEXO A

Questionamentos/Entrevistas

1. Colônia de Pescadores Z-11/ Federação de Pescadores de Santa Catarina

− Como eram as reuniões realizadas com o empreendedor para discutir o


projeto?

− Faz parte do envolvimento público o empreendedor apresentar


compensações e garantias pelos impactos que serão causados. Quais as
compensações e garantias que o empreendedor prometeu para a
comunidade?

2. Empreendedor

− Quais foram os meios de participação pública utilizados (reuniões,


assembléias, palestras)?

− O público foi envolvido, ou consultado de alguma forma para o


estabelecimento dos termos de referência? Como foi realizado o termo
de referência?

− O público participou dando sugestões ao projeto? Quais sugestões foram


incorporadas ao projeto?

− Houve alguma modificação no projeto?

− Vocês aceitariam sugestões de mudanças no design por parte dos atores


(ONGs, universidade, etc.)?

3. Fundação Lagoa

− Como eram realizadas as reuniões feitas pelo empreendedor?

− Quais foram as garantias e compensações que o empreendedor fez à


comunidade?

− Por que a Fundação Lagoa não participou da audiência pública?

− Quais os principais problemas deste projeto para a Fundação Lagoa?


203

− Os representantes da comunidade pesqueira reclamaram que os


membros da Fundação Lagoa e da Amola faziam críticas ferrenhas ao
projeto e não ouviam as argumentações do empreendedor. O que vc
tem a dizer sobre isso?

4. CASAN

− Sobre as demandas de água e esgoto do empreendimento Porto da Barra


Ltda., existem condições de atendê-las satisfatoriamente?
204

ANEXO B

RESOLUÇÕES CONAMA

• Resolução CONAMA nº 1/96 – estabelece a exigência de elaboração de Estudo de


Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto ambiental (RIMA) para
o licenciamento das atividades constantes em seu artigo 2º.
• Resolução CONAMA nº 6/86 – trata dos modelos de publicação de pedidos de
licenciamento, em quaisquer de suas modalidades, sua renovação e respectiva
concessão de licença.
• Resolução CONAMA nº 11/86 – altera e acrescenta atividades modificadoras do
meio ambiente apresentadas no artigo 2º da Resolução n. 001/86.
• Resolução CONAMA nº 6/87 – estabelece regras gerais para o licenciamento
ambiental de obras de grande porte de interesse relevante da União, como geração
de energia elétrica.
• Resolução CONAMA nº 10/87 – estabelece com pré-requisito para licenciamento de
obras de grande porte a implantação de uma estação ecológica pela instituição ou
empresa responsável pelo empreendimento com a finalidade de reparar danos
ambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas.
• Resolução CONAMA nº 5/88 – dispõe sobre licenciamento das obras de
saneamento para as quais seja possível identificar modificações ambientais
significativas.
• Resolução CONAMA nº 8/88 – dispõe sobre licenciamento de atividade mineral, o
uso do mercúrio metálico e do cianeto em áreas de extração de ouro.
• Resolução CONAMA nº 9/90 – estabelece normas específicas para o licenciamento
ambiental de extração mineral das classes I, II, IV, V, VI, VII, VIII e IX.
• Resolução CONAMA nº 10/90 – estabelece critérios específicos para o
licenciamento ambiental de extração mineral da classe II.

Fonte: Bastos e Almeida (1999)

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