Monografia Suelen Mafra - 2 - 2

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SUELEN MAFRA DA SILVA

A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL E O DIREITO


PENAL DO INIMIGO NA LEGISLAÇÃO PENAL
BRASILEIRA.

BACHARELADO EM DIREITO

FIC – MG
2013
2

SUELEN MAFRA DA SILVA

A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL E O DIREITO


PENAL DO INIMIGO NA LEGISLAÇÃO PENAL
BRASILEIRA.

Monografia apresentada ao Curso de Direito


das Faculdades Integradas de Caratinga (FIC),
como requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.
Professor Orientador: Almir Fraga Lugon

FIC – CARATINGA
2013
3

RESUMO

O presente trabalho tem por objeto de estudo o entendimento de Luiz Flávio Gomes
acerca da presença de aspectos do Direito Penal do Inimigo, na legislação penal brasileira.
Buscando identificar uma possível influência da teoria supracitada no ordenamento jurídico
pátrio, serão analisados dispositivos legais infraconstitucionais que possam manifestar esta
tendência teórica. Mesmo que, à luz dos ideais neo liberais e do garantismo, introduzidos em
nosso ordenamento jurídico pela CR/88, tal tendência teórica vem, sorrateiramente e de
maneira velada, demonstrando uma tímida introdução em normas penais brasileiras. Por se
tratar de assunto extremamente polêmico no Direito Penal atual, será analisada a teoria do
Direito Penal do Inimigo, segundo a metodologia de seu criador, o doutrinador alemão
Gunther Jakobs, expondo sua construção filosófica e criminológica e suas principais
características, tais como, a antecipação da tutela penal, a adoção de penas desproporcionais e
a relativização de garantias constitucionais. Ademais, far-se-á uma análise crítica da teoria da
Expansão do Direito Penal exposta por Silva Sanches, que considera o Direito Penal do
Inimigo como uma espécie de Direito Penal de terceira velocidade, que é caracterizado por
mesclar a utilização da pena privativa de liberdade aliada à possibilidade de flexibilização de
Garantias Fundamentais; Penais; e Processuais Penais. Neste sentido, tal trabalho de pesquisa
propõe uma discussão a respeito das constantes mudanças dogmáticas penais presentes em
nosso país; onde é perceptível oscilações entre o garantismo e o questionável posicionamento
de legislar para o “endurecimento” das leis penais, como forma de solucionar os problemas
sociais e de criminalidade.

Palavras chave: Expansão do Direito Penal; Velocidades do Direito Penal; Garantias


Constitucionais; Direito Penal do Inimigo.
4

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 06

CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS .................................................................... 08

CAPÍTULO I – DIREITO PENAL

1.2 – Historicidade do Direito Penal....................................................................... 13


1.2 – Conduta antijurídica................................................................................ 15
1.3 - Sujeito do Direito Penal e o Direito Penal do autor...................................... 16
1.4 – Pena e sua fixação..................................................................................... 19
1.5 – A filosofia do Direito Penal............................................................................... 23

CAPÍTULO II – TEORIAS DO DIREITO PENAL E O DIREITO PENAL DO


INIMIGO

2.1 – Teoria da Expansão ......................................................................................... 27


2.2 – Sociedade do medo............................................................................................ 31
2.3 – Punição X Direito Penal simbólico.................................................................. 32
2.4 - Garantismo Penal e proibição do retrocesso............................................... 35
2.5 – Velocidades do Direito Penal........................................................................ 39
2.6 – Direito Penal do Inimigo .............................................................................. 41
2.7 – Quem é Inimigo na realidade brasileira ..................................................... 49

CAPÍTULO III – DIREITO PENAL DO INIMIGO - TENDÊNCIA


TEÓRICO, LEGISLATIVA E JUDICIAL

3.1 – Legislação Penal brasileira............................................................................... 53


3.2 – Algumas considerações à luz da Jurisprudência............................................ 61
3.3 - Possível legitimidade e críticas ao Direito Penal do Inimigo.......................... 64

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 70

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 73
5
6

INTRODUÇÃO

O presente trabalho de pesquisa propõe uma discussão acerca da expansão do


Direito Penal na realidade normativa brasileira, analisando a influência da teoria do Direito
Penal do Inimigo em determinadas legislações infraconstitucionais; tendo por escopo
identificar aspectos desta influência expansionista e suas causas em nosso ordenamento
jurídico. Neste sentido, questionam-se as atuais oscilações dogmáticas penais presentes em
nosso país; onde de um lado está o garantismo, consagrado pela Constituição da República e,
de outro o questionável posicionamento de legislar para o “endurecimento” das leis penais,
como forma de solucionar os problemas sociais e de criminalidade.
Tem-se como marco teórico da presente pesquisa as ideias defendidas por Luiz Flávio
Gomes, que apontam tendências da concepção teórica do Direito Penal do Inimigo, em
recentes normas penais brasileiras, desta forma expostas:

No direito brasileiro são muitos os exemplos de tratamento diferenciado (sem justo


motivo). Os autores de crimes hediondos, por exemplo (Lei 8.072/1990), cumprem a
pena em regime integralmente fechado, não podem ter indulto individual ou
coletivo, não podem ter liberdade provisória sem fiança etc.. São tratados como
inimigos. Os condenados por crime organizado não podem apelar em liberdade (Lei
9.034/1995), nem contam com direito de liberdade provisória, quando tenham tido
intensa participação no delito. Também são inimigos. A mais recente evidência do
Direito penal do inimigo pode ser identificada no chamado regime disciplinar
diferenciado - RDD (introduzido na Lei de Execução Penal, art. 52, pela Lei
10.792/2003)1.

O trabalho em comento abordará como setores do conhecimento a pesquisa de


natureza transdisciplinar, intercruzando informações entre os ramos do Direito Penal, Direito
Constitucional e Direito Processual Penal. Outrossim, a presente pesquisa é do tipo teórico-
dogmática, pois terá investigações doutrinárias, jurisprudenciais e à legislação.
Com relação à problemática apresentada, foi construída a seguinte hipótese: a
constatação da realidade expansionista, visualizada nas mais recentes normas penais, bem
como a identificação da influência da polêmica teoria Direito Penal do Inimigo nestas
mencionadas normas, havendo a conseqüente necessidade de se buscar uma resposta frente a
estas questionáveis tendências teóricas, fomentadas através de anseios populares por maior
‘segurança’.
A presente monografia está dividida em três capítulos. Para melhor aprofundamento

1
GOMES, 2005, p. 21.
7

do tema, o primeiro capítulo inicia tratando do Direito Penal, abordando os seguintes


assuntos: sua historicidade, descrevendo as Escolas Penais e a evolução do Direito Penal até
os dias atuais, a conduta antijurídica e o sujeito do Direito, a função da pena e condições de
fixação, fazendo inclusive uma abordagem filosófica do Direito Penal, no sentido de entender
sua finalidade.
O segundo capítulo, sob o título As teorias do Direito Penal e o Direito Penal do
Inimigo, aborda a teoria da expansão, o fenômeno ‘sociedade do medo’, a pretensão de
punição na sociedade contemporânea versus ‘Direito Penal Simbólico’, a teoria do
Garantismo Penal e os aspectos da ‘proibição do retrocesso’, fazendo uma análise das
‘Velocidades do Direito Penal’ e a teoria do Direito Penal do Inimigo, a fim de identificar o
‘inimigo’ na realidade brasileira.
Por fim, o terceiro capítulo aborda o Direito Penal do Inimigo e suas tendências
teórico, legislativas e judiciais na legislação penal brasileira, fazendo uma análise do
Garantismo Penal em oposição ao ‘endurecimento das normas penais’ e por fim interpreta
posicionamentos jurisprudenciais no sentido do controle da criminalidade à luz das teorias
mencionadas.
8

CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS

Inicialmente faz-se necessário a análise de alguns conceitos basilares correlacionados


ao tema, comumente abordados ao longo do trabalho.
Diante do exposto, devem ser considerados os seguintes conceitos, dentre os quais se
destacam a Teoria da Expansão do Direito Penal que levanta a questão da ‘sociedade do
medo’ e da existência de Velocidades do Direito Penal; a Teoria do Direito Penal do Inimigo,
como uma espécie de Direito Penal de terceira velocidade; e a análise das Garantias
Constitucionais com ênfase nas Garantias Penais e Processuais Penais.
A sociedade contemporânea globalizada diante do avanço tecnológico e científico, do
capitalismo e das novas políticas criminais, traz consigo a ‘sociedade do medo ou de risco’,
culminando em insegurança e incertezas que de acordo com Silva Sanchez, faz surgir esta
nova realidade do Direito Penal, trazida pela teoria da expansão.
Para melhor compreensão do contexto social e dos fatos que impulsionaram o
surgimento desta nova e complexa perspectiva, podemos ressaltar, segundo Moraes:

a ineficiência do Estado em executar políticas públicas básicas, o que acentua os


índices de criminalidade; a igual ineficiência em fiscalizar e executar o sistema
penitenciário, o que vem contribuindo para o aumento da reincidência; o aumento
subjetivo da sensação de insegurança da população em virtude do avanço
tecnológico dos meios de comunicação; a utilização do Direito Penal como
instrumento para soluções aparentemente eficazes à curto prazo, mediante o
fisiologismo de políticos que acabam hipertrofiando o sistema penal, fazendo surgir
o Direito Penal Simbólico, criando uma colcha de retalhos legislativa e
despropositada; o desprestígio de outras instâncias para a solução de conflitos, que
poderiam ser, a princípio retirados da tutela do Direito Penal (como o Direito
Administrativo) e o considerável aumento do descrédito da população nas
instituições Estatais, que vem fomentando a criação de ‘Estados paralelos’, à
margem da ordem jurídica posta, e aumentando e fortalecendo organizações
2
criminosas.

Diante destes apontamentos, surge a ‘sociedade de risco’, e o resultado destes fatores


está na afirmação de que nunca se teve tanto medo, e o medo na realidade de hoje, de acordo
com Bauman, pode vazar de qualquer canto ou fresta de nossos lares e de nosso planeta. Das
ruas escuras ou das telas luminosas dos televisores. De nossos locais de trabalho e do metrô
que tomamos para ir e voltar. Do que chamamos de “natureza” ou de pessoas (prontas, como

2
MORAES, 2006, p. 27.
9

dificilmente antes em nossa memória, a devastar nossos lares e empregos e ameaçando


destruir nossos corpos com a súbita abundância de atrocidades terroristas, crimes violentos,
etc3.
Neste diapasão, também Silva Sanchez refere-se à ‘sociedade da insegurança ou
sociedade do medo’, e no entendimento do doutrinador, a ênfase do medo da criminalidade
gera um alarmismo em matéria de segurança, que redunda no clamor popular por uma maior
presença e eficácia nas instâncias de controle social, e neste contexto o Direito Penal e as
instituições do sistema punitivo são eleitos como instrumentos para responder eficazmente a
estes anseios. De acordo com Sanchez,

“trata-se de uma canalização das demandas sociais por mais proteção como
demandas por mais punição. (...) E neste raciocínio o Direito Penal se expande e se
arma como resposta ao medo, com a existência de um maior número de descrições
de condutas puníveis, aumento das penas, antecipação da punibilidade, e diminuição
de Garantias Penais e Processuais.”4

Sobre este prisma de expansão do Direito Penal, Sanchez revelou a existência de


velocidades do Direito Penal. O doutrinador espanhol atribui ao Direito Penal clássico uma
espécie de primeira velocidade do Direito Penal, que se funda na manutenção de todas as
garantias individuais e na proteção de bens jurídicos fundamentais através da aplicação de
pena privativa de liberdade. Já no modelo de segunda velocidade, são incorporadas duas
tendências, a priori antagônicas, qual seja, a flexibilização proporcional de determinadas
garantias penais e processuais, aliadas à adoção das medidas alternativas à prisão (penas
restritivas de direitos, pecuniárias e etc.); no Brasil o melhor exemplo seria a Lei n. 9.099/95,
Lei dos Juizados Especiais. Estas duas tendências ou velocidades do Direito Penal atual são
trazidas por Sanchez, como modelos necessários aos anseios expansionistas atuais.
Ainda na visão de Sanchez, o modelo de terceira velocidade de Direito Penal, seria
aquele no qual a pena de prisão, concorra com a ampla relativização de garantias político-
criminais, regras de imputação e critérios processuais, esta junção extremista amolda-se às
características do Direto Penal do Inimigo.

o Direito Penal de terceira velocidade, refere-se a uma mescla entre as características


dos dois primeiros, utilizando-se da pena privativa (como o faz no modelo clássico

3
BAUMAN apud WERMUTH, 2011, p.28.
4
SANCHEZ, 1999, p. 30.
10

de Direito Penal), mas permitindo a flexibilização permanente de garantias materiais


e processuais (o que ocorre no âmbito do Direito Penal de segunda velocidade).5
De acordo com Sanchez, a expansão do Direito Penal faz surgir ainda a constatação de
um Direito Penal de quarta velocidade, atrelado ao Direito Internacional e seria aplicado
àqueles que já ostentaram a posição de Chefes de Estado e como tais, violaram gravemente
tratados internacionais de tutela de Direitos Humanos, e para o julgamento de tais indivíduos
caberia o Tribunal Penal Internacional, como exemplo encontra-se o julgamento de
Nuremberg (1945-1949), responsável por julgar os crimes Nazistas durante a Segunda Guerra
Mundial; podemos citar ainda como exemplo, o julgamento de Sadam Russem.
Como a finalidade deste trabalho está voltada ao Direito Penal de terceira velocidade,
caberá uma maior explanação sobre seu conceito. A maior referência de um Direito Penal
desta natureza seria na concepção de Silva Sanchez, a Teoria do Direito Penal do Inimigo, que
foi apresentada em 1985, pelo jurista alemão Günther Jakobs, tratando-se um conceito
doutrinário, além de um postulado político criminal, que cria a figura do Inimigo do Estado-
sociedade; sendo considerado como tal, aquele indivíduo que, com o seu comportamento,
rompe o ‘Contrato Social’ ao qual estamos inseridos, abandona o Direito e, por conseguinte,
não garante o mínimo de segurança cognitiva, revelando-se, através de sua conduta, um
indivíduo perigoso6.
Segundo Damásio de Jesus, diante do conteúdo histórico dos ataques terroristas de 11
de setembro de 2001 nos E.U.A. capaz de demarcar o início de um novo período na História
mundial, esta teoria ficou em evidência como política pública de combate à criminalidade
interna e/ou internacional7.
Na concepção de Jakobs, o terrorista seria a figura perfeita do Inimigo, porém também
seriam assim considerados: os traficantes de drogas, armas, pessoas; integrantes de
organizações criminosas, estupradores e homicidas contumazes, criminosos políticos e
econômicos, e àquele que o Estado assim o considerar. Sendo que, tais indivíduos receberiam
do Estado tratamento diferenciado, através de Legislações Penais específicas, que imputariam
aos Inimigos, dentre outras medidas: amplo adiantamento de sua punibilidade, considerando
sua periculosidade, desproporção de penas diante da conduta praticada, abrangendo até
mesmo os atos preparatórios, e relativização ou supressão de Garantias Fundamentais, Penais
e Processuais Penais.

5
JESUS, 2013, p. 01-02.
6
JAKOBS, MELIÁ, 2005, p.31.
7
Idem, ibidem. p.32
11

Sobretudo, com esta definição bastante subjetiva de quem seria o ‘Inimigo’ e


considerando haver um ‘retrocesso’ na restrição de Garantias, a doutrina majoritária interpreta
a aplicação de um Direito Penal desta natureza como um modelo incompatível com Estados
Democráticos de Direito. O chamado Estado Democrático de Direito é também denominado
pelos autores de tradição alemã como Estado Constitucional, uma vez que as aquisições
históricas deixaram claro que não é submissão ao Direito que justificaria a limitação quer do
próprio Estado quer dos Governantes, mas necessariamente uma subjugação total à
Constituição8.
Dentre os princípios fundamentais da Constituição da República de 1988 está a
Dignidade da Pessoa Humana, onde segundo Fernandes, o homem é tomado como um ser
especial, dotado de uma natureza ímpar perante todos os demais seres, razão pela qual não
pode ser instrumentalizado, tratado como objeto, nem mesmo por outros seres humanos.

A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CR/88) é eridida à condição de meta-
princípio. Por isso mesmo, esta irradia valores e vetores de interpretação para todos
os demais direitos fundamentais, exigindo que a figura humana receba sempre um
tratamento moral condizente e igualitário, sempre tratando cada pessoa como fim em
si mesmo, nunca como meio (coisas) para a satisfação de outros interesses ou de
interesses de terceiros.9

Este princípio consagrado pela Constituição apresenta-se como uma dupla concepção,
segundo Moraes, primeiramente prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao
próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece
verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário entre semelhantes10. Dentre os
Direitos Fundamentais podemos destacar, com a devida pertinência ao estudo apresentado, as
garantias para o exercício das liberdades, normalmente de índole normativa, como é o caso
das garantias processuais-constitucionais.
Importante será a elaboração de um raciocínio comparativo, no julgamento das
tendências teóricas mencionadas neste estudo, em detrimento aos princípios constitucionais.
Especificamente devemos tratar de princípios processuais penais, embora não estando no
sistema em um rol taxativo, muitos deles encontrando respaldo expresso na Constituição da
República11. Temos assim, o princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade (art.

8
FERNANDES, 2013, p. 300.
9
Idem, Ibidem, p. 302
10
MORAES, 2007, p.46.
11
TÁVORA, 2013, p.54.
12

5º, LVII da CR/88); da igualdade processual (art. 5º, caput); da ampla defesa (art. 5º, LV); do
devido processo legal (art. 5º, LIV); da proporcionalidade; da inexigibilidade de
autoincriminação. E buscando no Direito Penal, podemos citar alguns princípios norteadores
da aplicação das leis penais, tais como: o princípio da intervenção mínima que juntamente
com o princípio da insignificância, orienta e limita o poder incriminador do Estado, temos
ainda o princípio da materialização do fato, que consagra o direito penal do fato, vedando,
portanto o Direito Penal do autor, o princípio da legalidade (art. 5º, II da CR/88), e da
presunção de inocência (art. 5º, LVII).
Enfim, o enfoque deste trabalho está embasado no aprofundamento do estudo destas
garantias e suas corriqueiras e manifestas relativizações ou até mesmo supressões, presentes
em alguns textos legais, que buscam com tais medidas, dar uma resposta satisfatória à
sociedade, que por sua vez encontra-se amedrontada com a crescente criminalidade.
Esta discussão está diretamente relacionada à expansão do Direito Penal na realidade
normativa brasileira, pois questiona e busca identificar, a influência da teoria do Direito Penal
do Inimigo (uma espécie de Direito Penal de terceira velocidade), em legislações
infraconstitucionais específicas; que através do “endurecimento” das leis penais, pretende
solucionar os problemas sociais e de criminalidade, evidenciando como argumentos
contrapostos os princípios e garantias constitucionais. E sobre esta constatação da realidade
expansionista, conclui-se que podemos denunciar a conseqüente necessidade de se buscar
uma resposta frente a estas questionáveis tendências teóricas que são fomentadas por anseios
populares por maior ‘segurança’. Tendências estas que distorce e sucumbe, a real finalidade
do Direito Penal.
13

CAPÍTULO I – DIREITO PENAL

1.1 – Historicidade do Direito Penal

A vida em uma sociedade minimamente organizada exige a existência de um


complexo de normas que disciplinem o convívio entre indivíduos que a compõem. Partindo
do raciocínio de que o ser humano sempre viveu em permanente estado de associação, em
busca do atendimento de suas necessidades básicas, e que desde os primórdios violou regras
de convivência, surgiu à necessidade de aplicação de sanções para coibir estas violações.
Podemos captar dos estudos da história que, nas sociedades mais primitivas, o homem
acreditava nas forças sobrenaturais e na quebra de algo sagrado, relacionando estas crenças à
destinação das punições. Devemos ressaltar também a cultura do talião (olho por olho, dente
por dente), onde as sanções eram cruéis e sem qualquer finalidade útil. A respeito da evolução
histórica do Direito Penal, analisa Rogério Sanches:

Embora o Direito Penal tenha sua origem vinculada à própria organização do


homem em sociedade, não se pode considerar a existência de normas penais
sistematizadas em tempos primitivos. Nesse período, o castigo não estava
relacionado à promoção de justiça, mas vingança, revide contra comportamentos de
alguém, abundando penas cruéis e desumanas. Era a fase da vingança penal, dividida
em: vingança divina, vingança privada e vingança pública.12

A noção de Direito Penal e consequentes definições de crime e pena, foi se


aperfeiçoando na Grécia Antiga, passando pelo Direito Romano e Direito Germânico que
trouxeram importantes contribuições para a evolução do Direito Penal. O Direito Canônico,
por sua vez, predominante na Idade Média, trouxe o caráter sacro da punição. A religião e o
Estado estavam profundamente ligados nesta época, ressaltando-se a criação do Tribunal da
Santa Inquisição.
No entanto, a verdadeira evolução das normas de caráter sancionador, aconteceu no
século XVIII, no advento do iluminismo. Grandes filósofos e juristas propuseram um
afastamento da incidência do Direito Penal vigente, e a partir de contribuições de Bentham
(Inglaterra), Montesquieu e Voltaire (França), Hommel e Feuerbach (Alemanha), Beccaria,
Filangiere e Pagano (Itália); houve a preocupação para que a aplicação das penas fosse mais
racional, contra o terrorismo punitivo, sob o fundamento de que cada cidadão teria renunciado
12
CUNHA, 2013, p. 41.
14

a uma porção de liberdade para delegar ao Estado a tarefa de punir, nos limites da necessária
defesa social, onde a pena passa a ganhar um caráter de utilidade, com a finalidade de
prevenir delitos e não puramente castigar. Com a criação da obra Dos delitos e das penas, do
marquês de Beccaria, a propósito, considera Nucci:

Contrário á pena de morte e às penas cruéis, pregou o Marquês de Beccaria o


princípio da proporcionalidade da pena à infração praticada, dando relevo ao dano
que o crime havia causado à sociedade. O caráter humanitário presente em sua obra,
foi um marco para o Direito Penal, até porque contrapôs-se ao arbítrio e a
prepotência dos juízes, sustentando-se que somente leis poderiam fixar penas, não
cabendo aos magistrados interpretá-las, mas somente aplicá-las tal como postas.
Insurgiu contra a tortura como método de investigação criminal e pregou o princípio
da responsabilidade pessoal, buscando evitar que as penas pudessem atingir os
familiares do infrator, o que era fato corriqueiro até então.13

As Escolas Penais surgiram após a fase iluminista, marco histórico na evolução do


Direito Penal; e das Escolas podemos destacar a clássica e positiva, revelando contrapostas
finalidades e fundamentos do Direito Penal. Com base nos pensamentos de Beccaria
fundamenta-se a Escola Clássica; e com a publicação do livro O homem delinqüente, de
Cesare Lombroso, por sua vez, baseia-se a Escola Positiva, com sua determinação do
criminoso nato, possibilitando o surgimento da antropologia criminal, da psicologia criminal e
da sociologia criminal, e nega terminantemente o livre arbítrio, proposta da Escola Clássica. E
após a Segunda Guerra Mundial, movimento denominado de nova defesa social, revela ser o
crime expressão de uma personalidade única, impossível de haver uma padronização.
E nas últimas décadas importantes teorias propõem discutir as finalidades do Direito
Penal e seus fundamentos, das quais podemos ressaltar: a teoria da prevenção geral positiva,
que afirma que a finalidade do Direito Penal é a reafirmação da norma, que demonstra sua
vigência por meio da aplicação da sanção penal; esta teoria se divide em fundamentadora
(Jakobs, Welzel) e limitadora (Roxin, Silva Sanches).
No Brasil, após a colonização, instalou-se a legislação portuguesa, que previa penas
cruéis e desproporcionais, e somente com a edição do Código Criminal do Império (1830),
instalou-se uma legislação penal mais humanizada e sistematizada, segundo Nucci14, em 1980
aprovou-se o Código Penal da era Republicana, que, para Zaffaroni15, retrata o apogeu do
positivismo criminológico, principalmente a partir da abolição da escravatura. Já na época de

13
NUCCI, 2013, p. 79.
14
Idem, Ibidem, p. 85.
15
ZAFFARONI, 2010, p. 42
15

Getúlio Vargas foi editado o atual Código Penal, havendo uma tentativa de modificação no
período de Ditadura Militar, mas em 1984 houve uma extensa reforma na parte geral do
Código atual, que nasceu de concepções causalistas, mas que se tornou híbrido após
modificações de natureza finalista16.

1.3 – Conduta antijurídica

Este conceito está atrelado à concepção analítica de crime, e o conceito de conduta


(elemento do fato típico) é uma das mais candentes discussões que percorreu o Direito Penal.
Para a teoria tripartite o crime é definido como uma conduta típica, antijurídica e culpável,
vale dizer:

uma ação ou omissão ajustada a um modelo legal de conduta proibida (tipicidade),


contrária ao Direito (antijuricidade) e sujeita a um juízo de reprovação social
incidente sobre o fato e seu autor, desde que existam imputabilidade, consciência
potencial de ilicitude e exigibilidade e possibilidade de agir conforme o Direito.17

A concepção de crime é analisada através da teoria do delito, existindo grandes


divergências doutrinárias a este respeito. E sobre a teoria do delito entende Zaffaroni como:

a parte da ciência do Direito Penal que se ocupa de explicar o que é o delito em


geral, isto é, quais são as características que devem ter qualquer delito. Esta
explicação não é um mero discorrer sobre o delito, com interesse puramente
especulativo, senão que atende à função essencialmente prática, consistente na
facilitação da averiguação da presença ou ausência de delito em cada caso
concreto.18

Importante ainda será ressaltar o conceito de infração penal, pois para o Direito Penal
brasileiro crime é sinônimo de delito, contudo infração penal é gênero, onde crimes e
contravenções são espécies, e para que a conduta se amolde a um ou outro conceito, depende
do valor conferido ao comportamento pelo legislador.
Segundo Cunha, sobre a infração penal podemos resgatar dois conceitos: sob o
enfoque formal a infração penal é aquilo que assim está rotulado em uma norma penal

16
NUCCI, 2013, p. 85.
17
Idem, Ibidem, p. 180.
18
ZAFFARONI, 2011, p. 135.
16

incriminadora, sob ameaça de pena. Num conceito material, trata-se de um comportamento


humano causador de relevante e intolerável lesão, ou perigo de lesão, ao bem jurídico
tutelado, passível de sanção penal.
Já a respeito da teoria adotada pelo Código Penal brasileiro, para identificar uma
conduta antijurídica, destaca-se a teoria finalista criada por Welzel, que concebe a conduta
como comportamento humano voluntário psiquicamente dirigido a um fim. Segundo Greco:

O homem, quando atua, seja fazendo ou deixando de fazer alguma coisa a que
estava obrigado, dirige a sua conduta sempre a uma determinada finalidade, que
pode ser ilícita (quando atua com dolo, por exemplo, querendo praticar qualquer
conduta proibida pela lei penal) ou lícita (quando não quer cometer delito algum,
mas que por negligência, imprudência ou imperícia, causa um resultado lesivo,
previsto pela lei penal).19

Desta forma evidenciamos que a conduta antijurídica deve ser sistematicamente


analisada, e que todos os elementos que integram o conceito analítico do crime são
pressupostos para a aplicação da pena. Conclui-se que a conduta é um dos elementos do fato
típico, e uma vez ausente, não se pode falar em crime (nullum crimen sine conducta).
Ademais, nos interessa analisar a conduta sob o entendimento de Jakobs, maior
doutrinador do funcionalismo sistêmico (que trataremos mais adiante), e para ele, a “conduta
será considerada como comportamento humano voluntário causador de um resultado evitável,
violador do sistema, frustrando as expectativas normativas20.”

1.4 – Sujeitos do Direito Penal e o Direito Penal do autor

Entende-se como sujeito do Direito Penal ou sujeito do crime, aquela pessoa que pode
praticar ou ser vítima de uma conduta antijurídica. O sujeito ativo do crime é o imputável que
pratica a infração penal, sendo assim, qualquer pessoa física capaz e com 18 (dezoito) anos
completos; havendo ainda discussão doutrinária acerca da possibilidade da pessoa jurídica
poder figurar ou não como sujeito ativo de um fato criminoso (nos crimes ambientais).
Já a vítima ou sujeito passivo do fato criminoso é o titular do bem jurídico protegido
pelo tipo penal incriminador, que foi violado. O Estado será sempre o sujeito passivo formal,

19
GRECO, 2011, p. 149.
20
Idem., Ibidem, p. 168.
17

pois ele é o titular do interesse jurídico de punir, sendo o sujeito passivo material o indivíduo
diretamente lesado pela conduta do agente.
Analisada tais concepções doutrinárias, o que mais interessa a este estudo é a
interpretação crítica, principalmente ligada a considerações criminológicas, de quem seria o
sujeito ativo do Direito Penal, ou seja, o autor de um crime.
Acerca da criminologia, para Nucci, é considerada uma ciência voltada ao estudo do
crime, como fenômeno social, bem como do criminoso, como agente do ato ilícito, em visão
ampla e aberta, não se cingindo à análise da norma penal e seus efeitos, mas, sobretudo, às
causas que levam à delinqüência, possibilitando, pois, o aperfeiçoamento dogmático do
sistema penal. Molina e Gomes definem ainda a criminologia como:

a ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do


infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de
subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e
variáveis principais do crime – contemplando este como problema individual e
como problema social -, assim como sobre os programas de prevenção eficaz do
mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem delinqüente e nos diversos
modelos ou sistemas de resposta ao delito.21

Por muito tempo, a criminologia classificou os delinqüentes, como alguma forma de


patologia, criando estereótipos e identificações preconceituosas, conforme preconiza a já
mencionada Escola Positiva baseada nos estudos de Lombroso. Buscava-se punir o autor por
quem ele era (Direito Penal do autor), e não pelo o que ele fez, pretendia-se responsabilizar ao
assassino como personalidade e não ao fato criminoso (homicídio).
Nesta realidade extremista objetivava-se encontrar e punir os autores sem que fosse
preciso aguardar as condutas. Zaffaroni leciona se tratar evidentemente de uma ideologia
policial, segundo a qual:

quem não é o inimigo, mesmo que lesione outrem, terá as conseqüências jurídicas
mitigadas, porque há pouco ou nada a reprovar em sua personalidade; em
compensação, o inimigo deve ser reprimido mesmo que não tenha lesionado
ninguém e nem mesmo tenha pensado em fazê-lo, simplesmente porque sua vida
suspeita exibe sua inimizade.22

Ainda na lição de Zaffaroni existem no Direito Penal brasileiro, vários tipos que
poderiam ser compreendidos como tipos de autor, mas a Constituição da República os

21
MOLINA, GOMES, 2006 apud NUCCI, 2013, p. 73.
22
ZAFFARONI, 2010, p. 140.
18

denomina como tipos de ato. Estes tipos penais podem ser encontrados, por exemplo, na
legislação extravagante (art. 28 e seu §1º da lei nº 11.343/06 relativa ao tipo penal que
incrimina o usuário de entorpecentes); segundo o mestre, ademais, uma visita às elaborações
doutrinárias revelaria muitas vezes um grande esforço para travestir de direito penal de ato a
esses tipos de autor. Frisa-se que a aplicação do Direito Penal do autor pode manifestar-se no
campo da culpabilidade e da individualização judicial da pena; e sobre os tipos penais de
autor, Zaffaroni conclui o seguinte:

Embora ninguém sustente abertamente estes tipos de autor, inúmeras estratégias


político-criminais – crimes de perigo abstrato ou presumido, assunção de
paternalismo tutelar, remissões a pautas éticas etc. – terminam por viabilizar a
tendência do poder punitivo a converter em tipos de autor todos os tipos de ato.
Existe difuso nessas estratégias e nos correspondentes discursos teóricos, um novo
direito penal do autor, meio envergonhado de suas origens históricas, mas
inequivocadamente voltado à criminalização de estados e condições existenciais.23

A respeito desta questão, para Toledo, diante de posicionamentos radicais e extremos,


“situa-se a corrente moderada em prol de um Direito Penal do fato que considere também o
autor, como se verifica no Código Penal vigente no Brasil, através da análise da culpabilidade,
um dos elementos do delito24.”
Seguindo este raciocínio, analisando a culpabilidade, Nucci leciona tratar-se de um
juízo de reprovação social, incidente sobre o fato típico e antijurídico e seu autor, agente esse
que precisa ser imputável, ter agido com consciência potencial da ilicitude e com
exigibilidade e possibilidade de um comportamento conforme o Direito, interpretada sob a
ótica do finalismo. Nucci afirma que a reprovação é inerente tanto ao que foi feito, quanto a
quem fez.
Já nas palavras de autores pós-finalistas, denominados funcionalistas, como Jakobs, o
conceito de culpabilidade se vincula às finalidades preventivo-gerais da pena, bem como à
política criminal do Estado; a culpabilidade representa uma falta de fidelidade do agente com
relação ao Direito; deduz infidelidade do Direito sem análise individualizada do agente, mas
sob o prisma social, considerando-se os fins da pena. Sob este prisma a infidelidade poderá,
no entendimento dos funcionalistas, servir de uma análise mais rigorosa, buscando a aplicação
de sanções penais desmedidas, que possam servir de exemplo á sociedade; através de critérios
ligados à política criminal.

23
Idem., Ibidem, p.140.
24
TOLEDO, 2000 apud MORAES, 2006, p. 186.
19

É o que se pode observar na aplicação do Direito Penal do Inimigo de Jakobs,


conforme se analisará adiante.

1.5 - Pena e sua fixação

Ainda acerca da culpabilidade, para Nucci, “seria fundamento e limite da pena,


integrativa do conceito de crime25.” E continua, considerando a pena uma sanção do Estado,
que vale do devido processo, cuja finalidade é a repressão do crime perpetrado e a prevenção
a novos delitos, e objetiva reeducar o delinquente, retirá-lo do convívio social enquanto for
necessário, reafirmar os valores protegidos pelo Direito Penal, bem como intimidar a
sociedade para que o crime seja evitado.
E para a aplicação da pena, o Estado Constitucional de Direito26, expressão utilizada
por Ferrajoli, embora tenha o dever/poder de aplicá-la àquele que viola o ordenamento
jurídico-penal, praticando determinada infração, a pena a ser aplicada deverá observar os
princípios expressos, ou mesmo implícitos, previstos em nossa Constituição Federal27.
Para melhor análise dos fundamentos e finalidades da pena, pode-se destacar duas
teorias extremadas: o abolicionismo penal e o direito penal máximo.
Na visão dos minimalistas o Direito Penal deve ser pensado de forma diferente, eles
questionam o significado das punições e das instituições. Este movimento traz a idéia de
descriminalização e despenalização como soluções para o caos do sistema penitenciário, hoje
vivenciado não só no Brasil, mas na maioria dos países. Esta corrente doutrinária entende que
o método atual de punição, que privilegia o encarceramento de delinqüentes, não estaria
dando resultado e os índices de reincidência estariam demasiadamente elevados. E como
solução para tais problemas eles entendem que o melhor caminho não seria a construção de
respostas punitivas; que o caminho seria o atendimento prioritário à vítima; a guerra contra a
pobreza; a legalização das drogas; restauração da autoestima de movimentos organizados,
bem como do sentimento de responsabilidade dos intelectuais28.
Diante desta corrente manifesta Ferrajoli:

25
NUCCI, 2013, p 312.
26
FERRAJOLI 2002, apud GRECO, 2011, p 470.
27
GRECO, 2011, p 470.
28
Idem., Ibidem, p. 402.
20

O abolicionismo penal – independentemente dos seus intentos liberatórios e


humanitários – configura-se, portanto, como uma utopia regressiva que projeta,
sobre pressupostos ilusórios de uma sociedade boa ou de um Estado bom, modelos
concretamente desregulados ou autorreguláveis de vigilância e/ou punição, em
relação aos quais é exatamente o direito penal – que constitui, histórica e
axiologicamente, uma alternativa progressista.29

Contrapondo em parte, esta vertente, citamos a teoria do Garantismo Penal de Luigi


Ferrajoli, crucial na elaboração desta pesquisa, e que se constitui de um sistema equilibrado
de aplicação da norma penal, que reserva o seu campo de atuação nas infrações penais mais
graves, abolindo-se tipos penais que contemplem crimes de menor potencial ofensivo, mas
sempre com o respeito ao devido processo legal e seus corolários30. Busca representar um
equilíbrio entre o Abolicionismo e o Direito Penal Máximo.
Por outro lado o Direito Penal máximo é um modelo caracterizado pela excessiva
severidade, pela incerteza e pela imprevisibilidade de suas condenações e penas, voltado à
garantia de que nenhum culpado fique impune, ainda que à custa do sacrifício de algum
inocente. Esse sistema vem sendo adotado, primordialmente, pelos Estados Unidos,
implicando no método vulgarmente denominado ‘tolerância zero’31.
Nesse diapasão, muitas são as discussões doutrinárias a respeito das funções que
devem ser atribuídas às penas. O Código Penal brasileiro adotou, no entanto uma teoria mista
ou unificadora da pena, e em seu artigo 59 estabelece sua fixação:

Fixação da pena
Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à
personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime,
bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá conforme seja necessário e
suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de
pena, se cabível.32

A teoria mista adotada pelo Código brasileiro, afirma Greco, expor conceitos tanto das
teorias tidas como absolutas, que são todas aquelas doutrinas que concebem a pena como um
fim em si própria, ou seja, como castigo, reação, reparação ou retribuição ao crime praticado;
bem como da teoria relativa que se fundamenta no critério da prevenção, que divide em

29
FERRAJOLI, 2002 apud NUCCI, 2013, p. 402.
30
NUCCI, 2013, p. 410.
31
Idem., Ibidem, p. 403.
32
Decreto Lei nº 2.848/1940. Código Penal brasileiro.
21

prevenção geral e especial.


Na prevenção geral, que se subdivide em negativa, onde a pena imposta ao infrator
tende a refletir na sociedade, evitando-se, assim que as demais pessoas delinquam; e positiva,
onde o propósito da pena presta-se a infundir na consciência geral, a necessidade de respeito a
determinados valores, exercitando a fidelidade ao Direito33.
Quanto à prevenção especial, também se divide em negativa, que acredita na
neutralização daquele que praticou a infração penal, com sua segragação ao cárcere, a retirada
do indivíduo do convívio social; e positiva, que consiste em fazer com que o autor desista de
cometer outros delitos, esta possui um caráter ressocializador.
Ademais a fixação da pena privativa de liberdade (art. 32, I, C.P.), à luz do art. 68,
caput, o Código Penal adotou o sistema trifásico:

Art. 68. A pena será fixada atendendo-se ao critério do artigo 59 deste Código; em
seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as
causas de diminuição e de aumento.34

Com relação ao método trifásico de fixação da pena, Cunha afirma que “é proposto a
fim de viabilizar o exercício do direito de defesa, expondo ao réu os parâmetros que
conduziram o juiz à determinação da reprimenda35.”
As três fases deste sistema devem ser entendidas da seguinte maneira: primeira fase
consiste em fixar a pena base atentando-se para as circunstâncias judiciais (art. 59, CP), na
segunda fase deverá o juiz fixar a pena intermediária, considerando as agravantes (arts. 61 e
62 do CP) e atenuantes (arts. 65 e 66 do CP), e por fim, na terceira fase deverá fixar a pena
definitiva, aplicando as causas de aumento e diminuição de pena.
Neste sentido, interessa a este estudo o aprofundamento da primeira fase de fixação da
pena, pois neste momento o juiz deverá observar algumas circunstâncias concernentes ao
infrator, das quais se destacam as seguintes circunstâncias, por se tratarem de análise
propriamente do réu: os antecedentes criminais, devendo ser considerados somente as
condenações definitivas que não caracterizam a agravante da reincidência (arts. 61, I, e 63,
ambos do CP); a conduta social do agente tratando do comportamento do réu no seu ambiente
familiar, de trabalho e na convivência com os outros; e a personalidade do agente, referente ao
seu retrato psíquico.
33
GRECO, 2011, p. 473-474.
34
Decreto Lei nº 2.848/1940. Código Penal brasileiro.
35
CUNHA, 2013, p. 391.
22

A respeito da circunstância afeta à personalidade do agente para a fixação da pena,


ressalta-se o entendimento do STJ:

A circunstância judicial referente à ‘personalidade do agente’ não pode ser valorada


de forma imprecisa ou objetivamente desamparada porquanto, através de
considerações vagas e insuscetíveis de controle, a sua utilização acarretaria a ampla
e inadequada incidência do Direito Penal do Autor.36

Por fim, ainda quanto ao modo de execução da pena, pode-se destacar a Lei 7.210/84 –
Lei de Execuções Penais e a Lei 10.792/03 que introduziu o RDD – Regime Disciplinar
Diferenciado. Esta lei é foco de extensas discussões doutrinárias a respeito de sua
constitucionalidade, onde de um lado encontra-se a preservação da ordem pública e de outro o
princípio da humanidade.
Em face do princípio constitucional da humanidade, que proíbe penas cruéis, debate-se
a admissibilidade do regime disciplinar diferenciado, pois diante da característica de se
manter o preso isolado durante 22 horas diárias em até 360 dias, existem argumentos no
sentido de considerar esta pena como cruel. Porém, discordando deste apontamento, rebate
Nucci:

não se combate o crime organizado, dentro ou fora dos presídios, com o mesmo
tratamento destinado ao delinqüente comum. Se todos os dispositivos do Código
Penal e da Lei de Execução Penal fossem fielmente cumpridos, há muitos anos, pelo
Poder Executivo, encarregado de construir, sustentar e administrar os
estabelecimentos penais, certamente o crime não estaria, hoje, organizado, de modo
que não haveria a necessidade de regimes como o estabelecido pelo art. 52 da Lei de
Execução Penal. A realidade distanciou-se da lei, dando margem à estruturação do
crime, em todos os níveis. Mas, pior, organizou-se a marginalidade dentro do
cárcere, o que é situação inconcebível, mormente se pensarmos que o preso deve
estar, no regime fechado á noite, isolado em sua cela, bem como durante o dia,
trabalhando ou desenvolvendo atividades de lazer ou aprendizado. Diante da
realidade, oposta ao ideal, criou-se o RDD. Tanto quanto a pena privativa de
liberdade é o denominado mal necessário, mas não se trata de uma pena cruel.37

Tal entendimento basea-se na manutenção da ordem pública, por não considerar o


RDD um dispositivo penal inconstitucional. Porém grande parte da doutrina corrobora com o
apontamento de ser este dispositivo inconstitucional, dentre os quais podemos citar Luiz
Flávio Gomes, Damásio de Jesus e Eugênio Zaffaroni, que consideram inclusive o regime

36
STJ, Resp 513.741/RS 2013 0051910-7.
37
NUCCI, 2013, p. 429.
23

disciplinar diferenciado como uma norma influenciada pelo punitivismo penal e assemelhada
ao funcionalismo sistêmico de Jakobs através de seu Direito Penal do Inimigo.

1.6 – A filosofia do Direito Penal

O ‘Direito é uma das dimensões essenciais da vida humana’38, isto posto, Miguel
Reale chegou à constatação filosófica de que onde está o homem, está o Direito, e não seria
menos certo afirmar que, onde está o Direito se põe sempre o homem com a sua inquietação
filosófica, atraído pelo propósito de perquirir o fundamento das expressões permanentes de
sua vida ou de sua convivência.
Valioso para este estudo será então, o aprofundamento de temáticas filosóficas acerca
do Direito Penal e os questionamentos que o sondavam desde os primórdios. Então, entende-
se como jusfilosofia:

todas as formas de indagação sobre o valor e a função das normas que governam a
vida social no sentido do justo, ou em acepção estrita, para indicar o estudo
metódico dos pressupostos ou condições da experiência jurídica considerada em sua
unidade sistemática.39

Para Zaffaroni e Pierangeli, é evidente que o pensamento penal de cada época estava
intimamente relacionado com a estrutura social e, portanto, com o controle social que lhe é
peculiar40, e é, portanto, desta maneira que o pensamento penal será analisado neste trabalho.
O pensamento filosófico surgiu no oriente, mais precisamente na Índia, e as
“perguntas fundamentais, que logo seriam reformuladas pelos gregos, foram também antes lá
enunciadas41.”
De acordo com este posicionamento, uma manifestação idealista do pensamento
indiano, o hinduísmo, é uma demonstração do fenômeno do controle social institucionalizado,
que logo se repetirá ao longo da história do pensamento, ou seja, a justificação da estrutura de
poder de uma sociedade estratificada, e a lei penal desta estrutura social indicará um controle
social sobre a base da supremacia da casta dirigente.

38
REALE, 2002, p.286.
39
Idem, Ibidem, p. 285.
40
ZAFFARONI, 2011, p. 216.
41
Idem. p 217.
24

Desta forma, pode-se dividir a história da filosofia do Direito da seguinte maneira;


oriental, grega, romana, medieval, renascentista, moderna e contemporânea. As grandes
contribuições gregas para o pensamento penal absorvem quase todos os problemas político-
penais suscitados ao longo da história. Na mitologia homérica, Thémis e Diké representavam
as divindades da justiça.
E para melhor reflexão sobre o pensamento filosófico do Direito Penal devem-se
considerar algumas ideias interessantes, mesmo que já vencidas pelos jus penalistas durante a
história, por se tratarem de pensamentos importantes para a história da humanidade, que
contribuíram para a construção da jus filosofia.
Para Sócrates, que defendia a teoria do intelectualismo, “conseqüência necessária
deste pensamento é o de que aquele que delinqüe o faz porque não sabe, sendo tarefa do
direito penal, ensinar-lhe, corrigi-lo, fazendo-o ver a verdade”.42 Mas para Platão, por mais
que tenha dado continuidade aos pensamentos socráticos, sustenta em As leis que “a pena
deve ser corretiva, mas quando esta não é possível, quando não se consegue que o que não
‘vê’ ‘veja’, então propõe que seja eliminado”.43
Após este período, tem início a Idade Média, dez longos séculos, onde se cogitava a
existência de um poder acima do Estado – o poder da Igreja44. Dos filósofos da Idade Média
dar-se-á destaque para Santo Agostinho precursor da ideia de dignidade humana, que
reivindicava o respeito para com a pessoa humana ao distinguir a vontade do conhecimento e
dotá-la de autonomia.
O renascimento e o iluminismo marcam o encerramento do ciclo da Idade Média
caracterizado pelo conformismo, pela submissão e respeito à autoridade; iniciando-se um
período onde o espírito crítico é colocado em primeiro plano. Na concepção de Reale:

O Renascimento, que marcou o despertar da cultura para um novo mundo de


valores, é dominado pela ideia crítica de redução do conhecimento a seus elementos
mais simples. Enquanto na Idade Média existia um sistema ético subordinado a uma
ordem transcendente, o homem renascentista procura explicar o mundo humano tão
somente segundo exigências humanas. (...) O homem coloca-se no centro do
universo e passa a indagar da origem daquilo que o cerca.45

Neste tempo, viveu Maquiavel que trouxe à humanidade as indagações sobre o papel

42
Idem. p. 221
43
Idem . p. 222
44
JÚNIOR, 2012, p. 108 e 109.
45
REALE, 2002, p. 644 e 645.
25

do Estado e seu poder, contidas em suas obras, dentre elas sua obra prima O Príncipe.
Maquiavel, juntamente com Hobbes e Bodin, constituiu a trindade dos teóricos do
absolutismo. Neste sentido também se menciona John Locke e Montesquieu, afirmando que,
para não haver abuso de poder, seria preciso que o poder detivesse o poder, e Jean-Jacques
Rousseau em sua obra O Contrato Social, mostra que o homem, em seu estado de natureza, é
bom, mas a sociedade o corrompe46, e que o contrato social seria uma ficção, um símbolo, que
ajudava a pensar a sociedade.
Confirmando o que já foi exposto, sobre a relevância de se vincular a filosofia ao
contexto histórico da época, durante a chamada revolução industrial, que marca a passagem
da forma de produção feudal à capitalista (século XVIII), e diante de todos os problemas
sociais peculiares ao período, surgi a afirmativa de que “toda ideologia de justificação da
sociedade foi elaborada sobre a ideia do contrato: a sociedade obedecia a um contrato. E
necessariamente se produz um direito penal ideologicamente fundado no contrato.47”
E é dentro deste contexto que deve ser entendida, a tentativa de Hobbes, que concebe
o Estado como um produto do medo gerado pelo ‘estado natural’, caracterizado pela ‘guerra
de todos contra todos’. Inclusive a ideia do contrato social a que são submetidos os indivíduos
que integram a sociedade, será tratada mais à frente neste trabalho quando da análise da teoria
do Direito Penal do Inimigo e as concepções jus filosóficas que basearam estes pensamentos.
Momento culminante na história do pensamento filosófico será assinalado por Imanuel
Kant, que para Zaffaroni e Pirangenli marca a concepção mais clara e direta do conceito de
razão e seu entendimento do Direito Penal é exposto da seguinte forma:

Quando Kant faz aplicação desses princípios no direito penal, conclui que a pena
não pode ser imoral, ou seja, não pode tomar o homem como um meio, porque, se
assim for, mediatiza o apenado. Nem se quer aceita que seja um meio para melhorar
o próprio delinqüente. Daí que conceba a pena como um fim em si mesmo, derivado
da simples violação do dever jurídico. Qual será pois a medida da pena? Não pode
ser outra além do mal imerecido infligido à vítima, isto é, o talião, que Kant entende
como a devolução da mesma quantidade de dor injustamente causada. Tal é a teoria
absoluta da pena de Kant.48

Neste sentido Kant volta à lei do talião, e da mesma forma, entendia a pena Hegel.
Feuerbach por sua vez, contemporâneo à Kant, seguiu caminho diverso. O aspecto mais
importante da teoria de Feuerbache no sentido da teoria da pena: “a pena é aplicada em razão

46
CRETELLA JÚNIOR, 2012, p. 135 a 138.
47
Idem, Ibidem, p. 231.
48
ZAFFARONI, 2011, p. 235.
26

de um fato consumado e passado, e tem por objeto conter todos os cidadãos para que não
cometam delitos, isto é, almeja coagi-los psicologicamente”.49
Entre os séculos XVIII e XIX manifesta-se uma transformação na pena, que passa das
corporais às privativas de liberdade e do mero castigo à ‘correção’.
Correlacionando estes entendimentos aos grandes acontecimentos históricos que são
cruciais para o desenvolvimento da jus filosofia, deve-se destacar o autoritarismo facista, que
em geral orienta-se pelo pensamento neohegeliano; e o nazista que não se serviu do conceito
de Estado de Hegel, mas apelou para algo mais irracional, a raça ariana considerada como
raça superior, e neste pensamento a pena não continha conteúdos vindicativos muito menos
preventivos, posto ser uma simples segregação.
As reflexões contidas no Direito Penal contemporâneo possuem contribuições de
natureza bem mais humanitárias. Para Miguel Reale a História do Direito revelaria uma
constante adequação entre a ordem normativa e as múltiplas e cambiantes circunstâncias
espácio-temporais, onde ao mesmo tempo busca-se uma dinamicidade do justo e estabilidade
reclamada pela segurança.50
Após as grandes guerras mundiais nasceu para o mundo o conceito de Direitos
Humanos:

Com a criação das Nações Unidas e a adoção dos princípios da Carta da ONU, além
da Declaração Universal dos Direitos do Homem, entre outros instrumentos
internacionais, finalmente foi abandonada, ao menos teoricamente, a idéia da
exclusividade dos direitos humanos. (...) O direito à existência, à vida, à integridade
física e moral da pessoa e à não-discriminação, em particular a racial, são normas
imperativas da comunidade internacional ou da natureza do ius cogens.51

Esta noção de Direitos Humanos constitui-se em “evidência da evolução de


pensamentos filosóficos e teóricos, que buscaram dar a estes direitos uma formulação precisa
e jurídica com relação à qual os Estados poderiam se comprometer”.52

49
Idem, Ibidem, p. 238
50
REALE, 2002, p. 572.
51
ETIENNE, 1997.
52
Idem, Ibidem.
27

CAPÍTULO II – TEORIAS DO DIREITO PENAL E O DIREITO PENAL DO


INIMIGO

2.1 – Teoria da Expansão

A realidade da sociedade contemporânea, pós-industrial, está diretamente ligada ao


processo de globalização e ao avanço tecnológico e de comunicação que trouxeram
transformações claras ao modelo de sociedade antes conhecido. Hoje, mais do que nunca, o
crime não tem fronteiras, as modalidades criminosas evoluem com a tecnologia, as
informações são fácil e velozmente propagadas e, a sociedade, através dos meios de
comunicação, tem a sensação de que o crime ocorre a todo o momento e cada dia mais
próximo, de forma que a sensação de insegurança é altíssima.
Diante deste contexto, pode-se afirmar que o medo do crime faz com que a
criminalização de condutas potencialmente perigosas seja uma constante; como podemos
observar nos crimes ambientais, crimes econômicos, corrupção, terrorismo e criminalidade
organizada, esta última, diretamente relacionada ao tráfico de drogas e armas.
Considerando a complexidade deste contexto; e os riscos vivenciados por esta
sociedade, Silva Sanchez evidencia o fenômeno jurídico da Expansão do Direito Penal. Aliás,
são estes riscos que constituem a força de mobilização política53 numa tentativa de dar
respostas aos anseios da sociedade por mais segurança. Esta mobilização acontece quando o
legislador tende a trazer soluções ao problema de criminalidade através da criação de um
número excessivo de dispositivos legais criminalizadores, do endurecimento de normas
penais, e da flexibilização de garantias constitucionais.
Ainda segundo Sanchez a nossa sociedade pode ser definida como sociedade da
insegurança ou sociedade do medo, porém ele explica que “la vivencia subjetiva de los
riesgos es claramente superior a la própria existência objetiva de los mismos54.” Ou seja, o
indivíduo sente medo não tanto pela realidade vivenciada por ele, ou os riscos concretos que
ele enfrenta em seu dia a dia, mas pela sensação subjetiva de insegurança.
Ademais, importa-se dizer, segundo Cepeda, que o contexto social no qual se

53
BECK, 2002 apud WERMUTH, 2011. p. 27.
54
SANCHEZ, 1999, p. 25-26.
28

produzem os novos sentimentos de insegurança e conseqüente expansão do Direito Penal está


atrelado à aguda desigualdade social existente, que por sua vez relaciona-se com a
globalização.
E uma das principais conseqüências desta globalização, apontadas por Cepeda é
justamente o surgimento do mundo mercantil e capitalista, onde as pessoas devem pertencer
ou não a uma única classe, a classe consumidora. Este sistema capitalista reduz o indivíduo à
sua capacidade de consumir, integrando-o ou excluindo-o socialmente. Desta forma, o modelo
de controle social que se impõe, é o de exclusão de uma parte da população que não tem
nenhuma funcionalidade para o modelo capitalista, e que por isso, constitui uma fonte
permanente de riscos55.
Esta lógica de pensamento é considerada como uma das causas do surgimento deste
fenômeno expansionista, trazendo consigo a desigualdade social que assola a sociedade.
contemporânea.
Diante desta perspectiva está o Estado, com o seu papel de exercer um determinado
controle social para minimizar o sentimento dos riscos. E para tanto o Estado utiliza das
políticas criminais, que são entendidas como:

maneiras de raciocinar e estudar o Direito Penal, fazendo-o de modo crítico, voltado


ao direito posto, expondo seus defeitos, sugerindo reformas e aperfeiçoamentos,
bem como com vistas à criação de novos institutos jurídicos que possam satisfazer
56
as finalidades primordiais de controle social deste ramo do ordenamento.

Desta forma, chega-se à conclusão de que as políticas criminais são aplicadas com o
objetivo de satisfazer aos anseios populares. Porém, diante do histórico de aplicação destas
políticas, destacam-se as de ‘Lei e Ordem’ e da ‘Tolerância Zero’ que possui a alegoria das
‘janelas quebradas’ (desenvolvidas pelos norteamericanos e posteriormente exportadas), onde
os socialmente excluídos, por exigência da sociedade capitalista, são duramente reprimidos
pelo Estado, em pequenos atos delituosos como à época, a ‘vadiagem’, o uso de drogas tanto
lícitas, como o álcool, como ilícitas, além pequenos furtos, etc. E desta maneira o Estado
pretendia combater os pequenos delitos para inibir a prática de delitos mais graves.
Nestas políticas criminais, antes de se buscar a diminuição do índice de criminalidade,
o Estado pretende remediar as conseqüências das desigualdades sociais, com o policiamento e

55
CEPEDA, 2007 apud WERMUTH, 2011, p. 36-38
56
NUCCI, 2008, p. 58.
29

repressão daqueles tidos como excluídos. Tais políticas criminais defendem que:

desordem e crime estão ligados num tipo de desenvolvimento seqüencial, ou seja, os


grandes crimes são o último elo de uma cadeia causal cujo germe é a delinqüência
dita ‘de rua’, ocasionadas pelos desordeiros (pichadores, pedintes, prostitutas,
responsáveis por pequenos furtos – usuários de entorpecentes – etc.). O combate à
criminalidade, destarte, perpassa pela eliminação das pequenas infrações cometidas
no dia a dia, pois é lutando passo a passo contra os pequenos distúrbios que se faz
recuar as grandes patologias criminais.57

E agindo desta maneira o Estado se exime de sua real responsabilidade no tocante às


causas que levam a tal ‘desordem social’, que seria a implementação de políticas públicas
eficazes para a melhoria do bem estar social, e conseqüente diminuição das desigualdades
econômico-sociais.
Ainda sim, outros tantos fatores fazem surgir este fenômeno de expansão do Direito
Penal. De acordo com Moraes58 além da ineficiência do Estado em executar políticas públicas
básicas, o que faz acentuar os índices de criminalidade. Destacam-se as deficiências relativas
ao sistema penal, onde o Estado se mostra incapaz de fiscalizar e executar com eficiência o
sistema penitenciário, o que vem contribuindo para o aumento da reincidência, pois a
finalidade ressocializadora da pena não surti o efeito esperado.
Sanchez aponta também como fenômeno que impulsiona a expansão do Direito Penal,
o desprestígio de outras instâncias, como o Direito Administrativo, para a solução de
conflitos, que poderiam ser a princípio retirados da tutela do Direito Penal, desta forma o
Direito Penal é utilizado como instrumento que tipifica condutas danosas que não
necessariamente precisariam estar inseridas na esfera penal; isso banaliza o crime, e traz
conseqüente descrédito, pois o sistema penal não consegue absorver o controle de tantas
condutas criminalizadas.
Este considerável aumento do descrédito da população nas instituições Estatais,
consequentemente vem fomentando a criação de ‘Estados paralelos’, à margem da ordem
jurídica posta, e aumentando e fortalecendo organizações criminosas, sendo a
macrocriminalidade outro fator impulsionador do fenômeno de expansão do Direito Penal.
Observada esta realidade complexa da sociedade contemporânea, se deve apontar
ainda como fator crucial deste processo de expansão, a influência cada vez maior dos meios
de comunicação nos processos de formação da opinião pública, e na propagação da violência

57
WACQUANT, 2001, apud WERMUTH, 2011, p. 39.
58
MORAES, 2006, p. 27
30

e da conseqüente sensação de insegurança. O objetivo da mídia é pelo sensacional, criando


espetáculos de violência, e aquilo que pode ou não pode ser divulgado, é definido pelos
índices de audiência.
E com relação a este poder da mídia com o condão de influenciar esse processo de
expansão do Direito Penal, leciona Zaffaroni:

Desencadeiam-se, assim, campanhas midiáticas de ‘lei e ordem’ que utilizam de


fatores como a invenção da realidade – por meio de estatísticas falaciosas e do
aumento do tempo do espaço publicitário dedicados aos fatos relacionados ao crime-
a criação de profecias que se autorrealizam – por meio de slogans como ‘a
impunidade é a regra’, ‘os presos entram por uma porta e saem por outra’ – e a
produção de indignação moral para reforçar os argumentos em prol da necessidade
de cada vez mais segurança.59

E a utilização mercadológica do medo da criminalidade e a consequente busca, por


meio do recrudescimento punitivo, da ‘solução’ para o problema, transformam os meios de
comunicação de massa em agências que, na sociedade contemporânea, representam uma
espécie de ‘privatização parcial do poder punitivo’ responsáveis, não raro, por julgamentos
que só serão posteriormente ratificados pelo Judiciário60. Como se observa em casos de
grande repercussão midiática, como foi no caso do ‘goleiro Bruno’ ou do ‘casal Nardoni’.
Expostos todos estes elementos capazes de impulsionar o surgimento do fenômeno de
expansão de Direito Penal, analisar-se-ão as principais características desta realidade
expansionista, quais sejam: a flexibilização de garantias constitucionais, penais e processuais
penais; a consagração de novos bens jurídicos tutelados, os bens jurídicos coletivos; a
excessiva criação de tipos penais em branco; a antecipação da punibilidade e a crescente
utilização de delitos de perigo abstrato; a ampliação do uso de tipos omissivos e de tipos
culposos e atos preparatórios; a aceitação da responsabilidade penal da pessoa jurídica, etc.
Sanchez constata que este processo de expansão pode ser considerado como
conseqüência de políticas criminais, aplicada nos últimos anos, e que efetivamente pode ser
considerada atualmente como o fenômeno que mais tem se destacado na evolução das
legislações penais do mundo ocidental, com o surgimento de múltiplas figuras, e inclusive, até
mesmo, com o surgimento de setores inteiros de regulação, acompanhados de reformas de
tipos penais já existentes.
Ademais, constata-se uma atividade legislativa desenvolvida em matéria penal ao

59
ZAFFARONI, 2001 apud WERMUTH, 2011, p. 48
60
BATISTA, 2009, apud WERMUTH, 2011, p. 52.
31

longo das duas últimas décadas num conjunto de tipos penais que estabelecem sanções
desproporcionalmente altas. Por fim, Jakobs e Meliá, afirmam que esta evolução político-
criminal pode se resumir em dois fenômenos, quais sejam, o chamado Direito Penal
Simbólico e o que se pode denominar ‘ressugir do positivismo’61.
Através deste fenômeno de expansão, para Sanchez, surgem as velocidades do Direito
Penal, que são em sintética conceituação, graus ou intensidades de aplicação do Direito Penal
que levam em consideração além do nível de mitigação das garantias, as espécies de penas
aplicadas; ponto de extremo relevo e que por isso será analisado em tópico próprio, mais
adiante.

2.2 - Sociedade do medo

O medo da criminalidade, em que pese à distância que medeia entre a percepção


subjetiva dos riscos e sua existência objetiva, pode ter, de acordo com Navarro, conseqüências
sociais inclusive mais graves que as decorrentes da própria delinqüência. Ainda segundo
Navarro, em nível individual, promove alterações de conduta destinadas a evitar a
vitimização, o que afeta o estilo e a qualidade de vida dos cidadãos.
A realidade vivenciada atualmente é a de que ‘cidadãos de bem’ constroem
verdadeiras prisões em suas residências e não se permitem viver tranquilamente, sem que a
todo o momento se preocupe com os crimes que ocorreram em seu país, sua cidade ou em seu
bairro. A preocupação do cidadão honesto é que aquele fato divulgado pela mídia aconteça um
dia com ele, e por conta disso ele busca se armar de todo tipo de aparato de segurança.
São grades nas janelas, censores de presença, alarme nas casas, nos veículos, seguros
altíssimos contra furtos e roubos, privação de expor ou transitar com objetos de valor, atenção
neurótica antes de entrar na garagem, com seu carro, observando criteriosamente se não
existem suspeitos ao redor e antes de sair do banco com seu digno salário, observando se
existe alguém o monitorando ao caminhar nas ruas, privando crianças e adolescentes de ficar
na rua de casa com seus amigos, por medo de envolverem-se com as drogas, dentre outros
exemplos.

61
JAKOBS, 2007, p. 55 – 57.
32

Tratam-se de medidas de auto proteção aconselhadas até mesmo pelos órgãos de


segurança, para que o cidadão não ‘facilite’ a concretização da intenção delitiva do infrator.
Dentre outros tantos comportamentos do cidadão em geral, que busca desta forma evitar ser
mais um alvo de pretensos criminosos. Este é um discurso corriqueiro da mídia, e até mesmo
dos órgãos de prevenção do Estado, aconselhando ao cidadão que ele deve ficar atento.
É por estas circunstâncias que Silva Sanchez refere que nossa sociedade pode ser
definida como ‘a sociedade da insegurança’ ou ‘sociedade do medo’62. O medo vivenciado
pela sociedade pode ser exemplificado quando "O cidadão anônimo diz: estão nos matando,
mas não conseguimos ainda saber com certeza nem quem, nem como, nem a que ritmo63."
Neste sentido, numa sociedade onde a incerteza prevalece, o medo é presença
constante, a população passa a cobrar atuação efetiva do Estado. Afinal, de acordo com a
Carta Magna64, “a segurança pública é dever do Estado”, mesmo que responsabilidade de
todos. O cidadão tenta se prevenir, mas ele quer uma garantia do Estado, ele espera que o
Estado zele por sua segurança, pois não é este o seu dever? Mesmo com a questão suscitada
por Sanchez, Cepeda, Navarro e tantos outros doutrinadores, os membros da sociedade
realmente sentem medo (advindos de insegurança subjetiva ou objetiva), e esperam do Estado
intervenções eficientes. O Estado não seria negligente se não buscar alternativas para estes
problemas?
Contudo, o Estado, numa tentativa fraca e tímida de resolver os anseios sociais, pra
não dizer mal-sucedida ou ineficiente, faz com que estas aspirações da sociedade se
transformem em novas leis penais, numa atuação irrazoável e desmedida, onde a extrema ratio
se transforma em prima ratio, ou seja, onde tudo se resolve através de criminalizações.

2.3 – Punição X Direito Penal Simbólico

Esta alternativa punitivista deságua no denominado Direito Penal Simbólico. Este é o


dilema que vive, por exemplo, a sociedade brasileira: iludida pelo Poder Político, que em vez
de implementar políticas públicas de caráter preventivo-penal efetivo, reeducando o

62
SANCHEZ, 1999, P. 25.
63
SANCHEZ, 2002 apud MACHADO, 2009.
64
Constituição da República de 88.
33

delinquente, aumenta a carga simbólica do Direito Penal e gera expectativas que fatalmente
serão convertidas em frustrações, até que outro projeto de lei seja encaminhado ao Congresso
Nacional.
Segundo Moraes, são marcas dos novos paradigmas da sociedade atual:

a utilização do Direito Penal como instrumento para soluções aparentemente


eficazes à curto prazo, mediante o fisiologismo de políticos que acabam
hipertrofiando o sistema penal, fazendo surgir o Direito Penal Simbólico, criando
uma colcha de retalhos legislativa e despropositada.65

Também neste sentido denuncia Zaffaroni, que “os políticos – presos na essência
competitiva de sua atividade – deixam de buscar o melhor para preocupar-se apenas com o
que pode ser transmitido de melhor e aumentar sua clientela eleitoral66.”
Neste raciocínio, se a busca por votos eleitorais objetiva alcançar resultados em curto
prazo; se a sociedade está ansiosa por mais segurança, influenciada pela mídia capitalista, e
acredita que estará mais segura se retirar do convívio social o infrator da lei; e por sua vez, se
a idéia é que, o crime está cada dia mais presente no cotidiano do cidadão, e que a
insegurança e o medo são partes inerentes à sociedade contemporânea, e ainda se as normas
penais ora vigentes, não estão alcançando sua finalidade, tanto de proteção de bens jurídicos
essenciais, quanto de prevenção criminal (exercida por meio da intimidação coletiva). Desta
forma a opinião e a vontade popular não conseguiriam chegar à outra conclusão, senão que ao
crime, ora normatizado, seja destinada uma aplicação penal mais severa.
Este pensamento, de que o endurecimento das leis penais, resolveria o problema
iminente de criminalidade, leva o legislador, com o intuito de dar uma resposta rápida à
sociedade, a criar um amontoado de leis penais que não possuem o condão de resolver o
problema em si, mas de ‘parecer’ perante a sociedade, uma solução viável.
No entendimento crítico de Zaffaroni e Batista,

a legislação penal simbólica seria um caso particular de inadmissibilidade


constitucional, uma designação que abrange um conjunto de casos nos quais a
criminalização primária constitui mero dispositivo publicitário, que acena com uma
solução ilusória (punitiva) para conflitos que sensibilizaram, por efeitos indesejáveis
reais ou por inoculação midiática de medo, a população. Rigorosamente sabe-se – e,
por vezes, confessa-se – que nestes casos não se obterá através da legislação penal
qualquer dos resultados que a mística preventivista oferece, talvez mesmo
agravando o problema. Contudo, o emprego do sistema penal agravando o assunto,
ou a exacerbação de penas, ou a flexibilização de garantias processuais etc, sempre

65
Idem, Ibidem, p. 27.
66
ZAFFARONI, 2007, p. 77.
34

preconizadas pela imprensa, tem um efeito tranqüilizador sobre as redações – e, logo


sobre a opinião pública. A escassa capacidade transformadora do poder punitivo fica
ainda mais evidente quando ele é deslocado, ao sabor de campanhas e emoções, para
campos mais adequadamente regidos por modelos de solução distintos da rígida e
infecunda decisão penal. A legislação simbólica representa apenas um embuste
manipulador do eleitorado.67

Contudo, a despeito desta interessante questão da existência de um Direito Penal


Simbólico, podemos ressaltar a função ético-social do Direito Penal. Conforme os
ensinamentos de Capez, a função do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a
subsistência do corpo social, os denominados bens jurídicos. E diferentemente do que foi
exposta anteriormente, essa proteção não é exercida somente pela prevenção geral, mas,
sobretudo pela celebração de compromissos éticos entre o Estado e o indivíduo, pelos quais se
consiga o respeito às normas, menos por receio de punição, e mais pela convicção de sua
necessidade e justiça.
Afirma Fernando Capez, que a visão pretensamente utilitária do direito, rompe os
compromissos éticos assumidos com os cidadãos, tornando-os rivais e acarretando, com isso,
ao contrário do que possa parecer, ineficácia no combate ao crime. Pois, na medida em que o
Estado se torna vagaroso ou omisso, ou mesmo injusto, dando tratamento díspar a situações
assemelhadas, acaba por incutir na consciência coletiva a pouca importância que dedica aos
valores éticos e sociais, afetando a crença na justiça penal e propiciando que a sociedade
deixe de respeitar tais valores, pois ele próprio se incumbiu de demonstrar sua pouca ou
nenhuma vontade no acatamento a tais deveres, através de sua morosidade, ineficiência e
omissão. E conclui:

Nesse instante, de pouco adianta o recrudescimento e a draconização de leis penais,


porque o indivíduo tenderá sempre ao descumprimento, adotando postura
individualista e canalizando sua força intelectual para subtrair-se aos mecanismos de
coerção. O que era um dever ético absoluto passa a ser relativo em cada caso
concreto, de onde se conclui que uma administração da justiça penal insegura em si
mesma torna vacilante a vigência dos deveres sociais elementares, sacudindo todo o
mundo do valor ético.68

Destes ensinamentos pode-se chegar à conclusão de que, de nada adianta o


asseveramento das sanções penais impostas, se em primeira análise, estas normas não
condizem com a real necessidade de proteção jurídica destes bens, e em segundo momento, se
o Estado, detentor do direito de punir, não atua com eficiência, tanto por sua morosidade, ou

67
ZAFFARONI, 2010, p. 221-222.
68
CAPEZ, 2011, p. 19-21
35

pela deficiência do seu sistema de execução penal, que não atinge a finalidade que foi
proposta, qual seja a ressocialização.
Neste diapasão, sustenta Nucci que a pena de prisão no Brasil, em muitos casos chega
a ser desumana, constatando a ineficiência do sistema de execução penal no Brasil, não por
falta de leis exemplares, até mesmo referências a nível mundial, como a Lei nº 7.210/84, a Lei
de Execuções Penais, mas por incompetência do Poder Executivo em administrar tais
instituições carcerárias:

É de conhecimento público e notório que vários presídios apresentam celas imundas


e superlotadas, sem qualquer salubridade. Nesses locais, em completo desacordo ao
estipulado em lei, inúmeros sentenciados contraem enfermidades graves, além de
sofrerem violência de toda ordem. Parte considerável dos estabelecimentos penais
não oferece, como também determina a lei, a oportunidade de trabalho e estudos aos
presos, deixando-os entregues à ociosidade, o que lhes permite dedicar-se às
organizações criminosas. (...) Parece-nos que a questão autenticamente relevante não
é a alegada falência da pena de prisão, como muitos apregoam, em tese, mas, sim, a
derrocada da administração penitenciária, conduzida pelo Poder Executivo, que não
cumpri a lei penal, nem a lei de execução penal. Não se pode argumentar a falência
de algo que nem mesmo foi implementado.69

Depreende-se desta sábia reflexão sobre o sistema carcerário no Brasil, e sua precária
condição, que é absolutamente contestável este fenômeno legislativo que conduz ao Direito
Penal Simbólico, se ainda considerando se tratar de uma artimanha política a fim de angariar
votos; revela-se incabível que, diante de diversos dispositivos legais em vigor, mesmo
providos de notória excelência, o Poder Público é ineficiente. Sucumbe de finalidade o
endurecimento das leis, se a solução, ao que parece mais viável, seria o fiel cumprimento das
normas já existentes.

2.4 - Garantismo Penal e proibição do retrocesso

Diante dos questionamentos existentes sobre a finalidade da ciência penal, a função da


pena e sua instrumentalização através de políticas públicas que objetivam controlar os índices
criminais, ou simplesmente dar uma resposta que satisfaça aos anseios sociais; perduram por
décadas as discussões doutrinárias entre os minimalistas e os maximalistas penais. Como

69
NUCCI, 2013, p. 90.
36

idéia conciliadora surge o Garantismo Penal, cujo marco histórico fundamental é a obra
Direito e Razão de Ferrajoli.
A tensão entre o Direito Penal mínimo, de ultima ratio, e o Direito Penal máximo, de
prima ratio, coloca-se como um dos iniciais conflitos a serem solucionados através do
paradigma garantista do sistema penal.
Em síntese o garantismo sustenta que a única função capaz de legitimar a intervenção
penal é exclusivamente a prevenção geral negativa, não apenas com o intuito de prevenir
futuros delitos, mas de prevenir, ou tutelar, direitos ou bens individuais diante de possíveis
agressões advindas principalmente do poder estatal.
Este pensamento teórico tem como objetivo a proteção de direitos fundamentais,
especificamente os direitos humanos de primeira geração, que se encontram elencados na
Constituição da República e estão ligados ao valor de liberdade, tais como direitos civis e
políticos. Tais direitos possuem caráter negativo ou limitador, pois diretamente, exigem uma
abstração do Estado, a fim de assegurar uma esfera de autonomia individual face ao poder
conferido ao próprio Estado.
A partir do entendimento de Prado acerca do garantismo, ressaltam-se três acepções,
conexas entre si, pois se trata de um modelo normativo de direito, segundo o qual será
‘garantista’ o sistema jurídico compatível com as exigências do Estado de Direito; como uma
teoria jurídica crítica (oposição ao positivismo dogmático), que propõe a distinção da
normatividade e da realidade, ou seja, entre dever ser e ser no Direito; e, como filosofia
política, preconizando a justificação externa do Direito e do Estado no reconhecimento e
proteção dos direitos que constituem sua finalidade.70
Diante dessas três acepções, compreende-se a teoria garantista, no campo penal, como
uma possível resposta à chamada crise de legalidade, onde um Estado de Direito deve
caracterizar-se pelo poder mínimo, com a prevalência da liberdade e restrição da função
punitiva do Estado. Portanto, verifica-se a total oposição do garantismo com o punitivismo e o
Direito Penal simbólico.
Neste entendimento e realizando uma digressão pelas discussões doutrinárias,
minimalista e maximalistas, já mencionadas neste trabalho, chega-se ao seguinte raciocínio:
os minimalistas e os abolicionistas, extremamente questionadores das funções das penas e das
instituições, entendem por falido o sistema penal. Já a teoria do Direito Penal máximo está
diretamente ligada ao funcionalismo sistêmico radical proposto por Gunther Jakobs e a
70
PRADO, 2010, p. 114.
37

conseqüente formulação doutrinária do Direito Penal do Inimigo.


Neste passo, considerando o Direito Penal do Inimigo, como um Direito de
Emergência, pode-se chegar à conclusão que o modelo garantista se opõe de forma
contundente ao denominado Direito Penal do Inimigo, pois este direito emergencial, segundo
Prado, “altera a fonte de legitimação do Direito e do Processo Penal, que constituirá de
salvaguarda do próprio Estado, em detrimento se preciso de direitos e garantias individuais,
como é o caso do terrorismo político e algumas formas de criminalidade organizada”.71
E a respeito do funcionalismo sistêmico (moderado – Roxin, ou radical – Jakobs), de
extrema importância neste estudo, sustenta que o Direito Penal tem a função primordial de
reafirmar a vigência da norma. Posição totalmente oposta à teoria garantista, que propõe
reflexões críticas à vigência ou existência de normas, entre o ser e dever ser, normatividade e
realidade. Todavia, para a perspectiva sistêmica, a reação punitiva (a pena) tem como função
principal restabelecer a confiança e reparar ou prevenir os efeitos negativos que a violação da
norma (seu descumprimento) produz para a estabilidade do sistema e para a integração social.
E sob essa mesma ótica, encontra-se a teoria da prevenção geral positiva de Wenzel,
sobre a qual discorre Greco: “a chamada prevenção geral positiva (...) busca fortalecer seu
sentimento de confiança no ordenamento jurídico e seu respeito pelos bens jurídicos
fundamentais para o convívio da sociedade”.72 Desta forma, “a proposta funcionalista
sistêmica inverte a ordem lógica, conceituando o delito e suas categorias a partir dos fins da
pena, com a função preventiva geral positiva, ou seja, a pena deve ser definida positivamente:
é uma mostra da vigência da norma à custa do responsável”.73
Expostas tais premissas doutrinárias a respeito das divergências entre o garantismo e o
funcionalismo sistêmico radical, sustentados respectivamente por Ferrajoli e Jakobs. E
considerando Ferrajoli, ainda que conciliador, um defensor do Direito Penal mínimo, e
Jakobs, ainda que extremamente fiel ao Direito, um defensor de direitos penais de
emergência. Corroboramos com a sustentação de Sanchez de que é necessária uma progressão
doutrinária e uma aplicação à realidade jurídica numa tentativa de equilibrar tais posições;
devendo ao mesmo tempo em que, se pretende buscar soluções para os problemas criminais
enfrentados pela sociedade contemporânea, zelar pela proteção do cidadão face ao poder
estatal, sem que para isso precisemos retroceder aos modelos de sistemas penais, fundados em

71
Idem, Ibidem, p. 116.
72
GRECO, 2011. p. 13
73
JAKOBS, apud PRADO, 2010, p. 111.
38

concepções hegelianas, neokantianas e neopositivistas sociológicas74, fundamentos jus


filosóficos das concepções doutrinárias de Jakobs.
Nesse diapasão, é essencial a preservação dos direitos já conquistados, principalmente
os direitos fundamentais positivados pela Proclamação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos em Assembleia Geral da ONU em 1948 e pela Constituição da República
Federativa do Brasil em 1988. A afirmação e garantias de direitos fundamentais são
posicionamentos que legitimam a consolidação de um Estado de Direito.
Desta forma, quando o constituinte originário estabeleceu na Carta Magna tais direitos
como fundamentais, deve ser entendida como imposição para que o Estado proceda de forma
que esses direitos sejam efetivos; devendo o legislador infraconstitucional promulgar leis que
assegurem a concretização dos direitos fundamentais, e obedeça aos limites impostos, sendo
vedada e intolerável a restrição ou supressão arbitrária ou desproporcional desses direitos75.
Prevalece, então, à proibição do retrocesso social, ligado aos princípios de segurança jurídica
e da dignidade da pessoa humana, estando expresso na Constituição por meio de institutos,
tais como os definidos no artigo 5º, inciso XXXVI, in verbis:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada76

Diante do exposto, Garcia entende que “o princípio da vedação de retrocesso constitui-


se em proteção do núcleo essencial dos direitos sociais já realizados e efetivados através de
medidas legislativas, vedando quaisquer medidas tendentes a anular, revogar ou aniquilar esse
núcleo essencial, sem a criação de esquemas alternativos ou compensatórios”.77
Ainda segundo Garcia, a jurisprudência do Conselho Constitucional reconhece que o
princípio da vedação de retrocesso se aplica inclusive em relação aos direitos de liberdade, no
sentido de que não é possível a revogação total de uma lei que protege as liberdades
fundamentais sem a substituir por outra que ofereça garantias com eficácia equivalente. Esse
princípio foi expressamente acolhido pelo ordenamento jurídico brasileiro através do Pacto de

74
Idem, p. 111
75
CARVALHO, 2013.
76
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
77
GARCIA, 2010.
39

São José da Costa Rica, garantindo ao cidadão o acúmulo de patrimônio jurídico.


Pretende-se, portanto, evitar que o legislador venha a negar a essência da norma
constitucional que buscou tutelar um direito, sob pena de inconstitucionalidade, se firmada tal
violação. E neste sentido, as alterações legislativas voltadas ao recrudescimento de normas
penais, através de restrições de direitos fundamentais devem ser consideradas
inconstitucionais.

2.5 – Velocidades do Direito Penal

As velocidades do Direito Penal, mencionadas neste trabalho durante a abordagem do


fenômeno da expansão, surgem exatamente da constatação deste movimento expansionista,
pois são espécies ou maneiras de aplicação da ciência penal, que em primeiro nível de
aplicação ou primeira velocidade, desenvolve-se a partir das idéias clássicas, com a aplicação
de penas privativas de liberdade juntamente com a garantia irrestrita de todos os direitos
fundamentais; já em segundo momento, de acordo com a propagação expansionista, contata-
se a alternação da pena de prisão para as privativas de liberdade cumulada com a
flexibilização proporcional das garantias, antes plenamente asseguradas.
E o fenômeno expansionista, não cessa por aí, pois Silva Sanchez identificou no
Direito Penal do Inimigo, uma espécie de terceira velocidade de aplicação do Direito Penal,
onde existe a fusão das duas primeiras etapas, ou seja, a aplicação de penas privativas de
liberdade com a constante flexibilização de garantias fundamentais, o que pode ser
considerado como a união do que se percebe de mais rigoroso em cada uma das velocidades.
Neste entendimento, parafraseando Sanchez, expõe Jakobs e Meliá:

no momento atual estão se diferenciando duas ‘velocidades’ no marco do


ordenamento jurídico penal: a primeira velocidade seria aquele setor do
ordenamento em que se impõem penas privativas de liberdade e, no qual, segundo
Silva Sanchez, devem manter-se de modo estrito os princípios político-criminais, as
regras de imputação e os princípios processuais clássicos. A segunda velocidade
seria constituída por aquelas infrações em que, ao impor-se só penas pecuniárias ou
restritivas de direito – tratando-se de figuras delitivas de cunho novo – caberia
flexibilizar de modo proporcional esses princípios e regras ‘clássicos’ a menor
gravidade das sanções. Independentemente de qual proposta possa parecer acertada
ou não- uma questão que excede destas breves considerações -, a imagem das ‘duas
velocidades induz imediatamente a pensar – como fez o próprio Silva Sanchez – no
Direito Penal do Inimigo como terceira velocidade, no qual coexistiriam a imposição
40

de penas privativas de liberdade e, apesar de sua presença, a ‘flexibilização’ dos


princípios políticos criminais e as regras de imputação.‘78

Moraes aduz que esta “constatação de Sanchez, ainda que possa pecar por
generalizações ou pela imposição de rótulos a sistemas não exatamente similares, apresenta de
imediato, uma vantagem relevante: enxergar que uma segunda velocidade de Direito Penal
ou, mais precisamente, um modelo pautado pela flexibilização de garantias penais e
processuais (ainda que com a cominação de penas alternativas as de prisão), tenha se
infiltrado e, possivelmente contaminado o modelo clássico, sem que houvesse qualquer
questionamento a cerca de sua legitimidade. Sendo que tal constatação remete à seguinte
questão: a aceitação da flexibilização de garantias penais e processuais, ainda que sem a
imposição de pena privativa de liberdade, não teria aberto as portas à legitimação de um
Direito Penal de emergência?”79
De sorte, tal posicionamento levanta questão polêmica, porém não é possível
concordar, pois mesmo que se tenha permitido mitigar alguns aspectos garantistas, como o
devido processo legal e o contraditório e ampla defesa, em modelos de segunda velocidade,
tal permissão não se acumula com a aplicação de penas privativas de liberdade, e sim, com a
aplicação de penas alternativas, como a restritiva de direitos, muito menos danosa ao
indivíduo, e por isso são toleradas.
Estas duas modalidades de Direito (de primeira e segunda velocidade) são necessárias
à realidade da sociedade contemporânea, de forma que não haveria nenhuma dificuldade em
admitir esse modelo – o de segunda velocidade – de menor intensidade garantística, centro do
Direito Penal, sempre e quando as sanções previstas não fossem de prisão, desta forma a
admissibilidade da flexibilização dos direitos e garantias fundamentais, não significaria ataque
ao Estado Democrático de Direito80.
Uma referência de modelo de segunda velocidade em nosso ordenamento jurídico
seria, portanto, a Lei nº 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Esta tendência de modelo de segunda velocidade, segundo Damásio de Jesus, é um direito
moderno, que pretende atender às aspirações da complexa sociedade contemporânea, que
busca soluções rápidas à igual dinamicidade de acontecimentos delitivos, por isso justifica-se

78
JAKOBS, MELIÁ, 2005, p.68.
79
MORAES, 2006, p.201.
80
BINATO JÚNIOR, 2009, p. 141-143.
41

a vocação intervencionista baseada nas penas pecuniárias e privativas de direitos, como um


eventual Direito Penal de reparação.81
Ainda, confirmando o efeito expansionista nestas legislações, além da aplicação da Lei
9.099/95, também se destacam as infrações penais definidas pelo Código de Trânsito
Brasileiro (Lei n. 9.503/97) e as infrações definidas na Lei Ambiental (Lei n. 9.605/98). Tal
confirmação se deve, pois, está claro o surgimento de novas tendências delituosas através do
avanço tecnológico e da modernização da vida em sociedade.
Ainda segundo Moraes a transação penal, de tradição anglo-saxônica e norte-
americana, incorporou-se à legislação brasileira e foi amplamente festejada por boa parte do
mundo acadêmico82. Neste sentido Gomes e Cervine tratam do assunto:

Faz-se necessário que se adote o sistema ‘consensual’, permitindo a transação penal


(nos termo do art. 98, I, da Constituição Federal), que deve ser celebrada dentro de
um procedimento sumaríssimo e oral. Nas infrações menores (constitucionalmente
denominadas de ‘menor potencial ofensivo’), o fundamental não é a aplicação de
uma pena de prisão que nunca é executada, mas a conciliação (transação), que
permite a aplicação de penas alternativas exeqüíveis e socialmente muito mais úteis.
(...) Julgando rápida e informalmente a enorme massa de litígios menores, sobrará
tempo para que toda estrutura da Justiça possa cuidar com mais atenção, da
criminalidade grave (violenta), graúda (crimes econômicos que provocam grave
repercussão social) e da organizada. 83

Desta feita, pode-se concluir corroborando com o entendimento de Sanchez, que uma
expansão até a segunda velocidade do Direito Penal é admissível, e por que não, bem vinda
nas atuais conjunturas. Pode-se dizer que é razoável.
Entretanto, seria irrazoável uma expansão de terceira velocidade, gerada pela
‘sociedade dos riscos’ ou ‘do medo’, quando na ânsia por soluções dos problemas graves de
criminalidade surge um alarmismo e uma tendência ao ‘redrudescimento’ legislativo, sem
respeito aos direitos fundamentais (garantias penais e processuais penais) e ainda com a
aplicação de forma mais severa das sanções; se destacando neste sentido o Direito Penal do
Inimigo.

2.6 – Direito Penal do Inimigo

81
Idem, Ibidem, p. 01-02
82
MORAES, 2006, p.201
83
GOMES, CERVINE, 2000 apud MORAES, p. 31-32.
42

Feitas estas considerações, pode-se iniciar a análise do ponto nuclear deste trabalho,
qual seja: o ‘Direito Penal do Inimigo’.
Como já mencionado – o Direito Penal do Inimigo – é uma espécie de terceira
velocidade do Direito Penal, conforme revela a teoria expansionista de Silva Sanchez.
Evidenciada pelo doutrinador alemão Gunther Jakobs, o Direito Penal do Inimigo é
caracterizado por três elementos, senão vejamos:

em primeiro lugar constata-se um amplo adiantamento da punibilidade, isto é, que


neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto de
referência: o fato futuro), no lugar – de como é habitual – retrospectiva (ponto de
referência: o fato cometido). Em segundo lugar, as penas previstas são
desproporcionalmente altas: especialmente, a antecipação da barreira de punição não
é considerada para reduzir, correspondentemente, a pena cominada. Em terceiro
lugar, determinadas garantias processuais são relativizadas ou inclusive
suprimidas.84

Essa terminologia foi apresentada por Jakobs, em meados da década de 80, de acordo
com Prado:

para designar um conceito doutrinário e um postulado político-criminal compatíveis


com determinados dispositivos de Direito Penal e Processual Penal, que, por suas
características, estruturam um particular corpus legal punitivo aparentemente alheio
aos princípios, garantias e fins do Direito Penal liberal.85

E antes de ressaltar cada uma de suas características, é extremamente importante o


aprofundamento dos fundamentos filosóficos desta teoria e do funcionalismo sistêmico
radical de Jakobs.
Quanto às bases de sustentação filosófica do Direito Penal do Inimigo, estão marcadas
pela idéia de inserção do indivíduo em um ‘contrato social’ a que são partes a sociedade e o
Estado. E por meio deste ‘contrato’ o cidadão permite que o poder estatal estabeleça limites a
seus direitos, e também lhe atribua deveres, com a condição do Estado ser responsável pela
realização de ações para o bem coletivo. Quanto a sustentação do Direito Penal do Inimigo,
Gomes sintetiza:

o inimigo, ao infringir o contrato social, deixa de ser membro do Estado, está em


guerra contra ele; logo deve morrer como tal (Rosseau); quem abandona o contrato
do cidadão perde todos os direitos (Fitche); em casos de alta traição contra o Estado,
o criminoso não deve ser castigado como súdito, senão como inimigo (Hobbes);

84
JAKOBS, MELIÁ, 2005, p.67.
85
PRADO, 2010, p. 116.
43

quem ameaça constantemente a sociedade e o Estado, quem não aceita o ‘estado


comunitário-legal’ deve ser tratado como inimigo (Kant).86

Diante desta análise pode-se dizer que a fundamentação filosófica desta teoria retorna
há séculos atrás, onde surge o entendimento de que o indivíduo está submetido a um ‘contrato
social’, e o inimigo seria aquele que rompe com este contrato, não de maneira incidental, mas
de forma permanente, cognitiva e comportamental. Este indivíduo na visão de Jakobs deve ter
tratamento diferente dos demais cidadãos, pois ele não deve nem mesmo ser considerado
cidadão, com seus direitos e deveres inerentes, uma vez que o próprio indivíduo-inimigo da
sociedade se negou a aceitar esta condição. Estamos aí, frente aos pensamentos medievais
hobbesianos e kantianos, e desta forma, o questionamento é válido, quanto à prudência da
adoção deste método com bases filosóficas já há tempos, superadas.
Ademais, o Direito Penal do Inimigo está situado dentro da teoria funcionalista, pós-
finalista. A teoria funcionalista veio dar uma nova roupagem ao que se entende ou se busca
entender do Direito Penal, pois na teoria pré-existente, a finalista, buscava-se compreender o
que seria o Direito Penal. Já na teoria funcionalista a nova questão é: ‘para que serve o Direito
Penal?’, qual a sua função?
Diante desta nova premissa, o funcionalismo é dividido em três importantes correntes:
o funcionalismo moderado de Claus Roxin, que entende que a função do Direito Penal é
tutelar os bens jurídicos mais importantes; o funcionalismo reducionista de Zaffaroni, que vê
a função do Direito Penal como reguladora do poder estatal, e enfim o funcionalismo radical
de Jakobs, que enxerga que o Direito Penal tem a função de garantir a vigência da própria
norma.
Há que se considerar inclusive, que o funcionalismo tratado aqui, é um funcionalismo
sistêmico, ou seja, caracterizado pela teoria dos sistemas sociais (teoria sociológico-sistêmica)
do sociólogo alemão Niklas Luhmann. E como premissa maior, tem a noção de
autorreferência, autopoiésis e circularidade, características dos sistemas sociais. Onde a
autopoiesis se revela como um mecanismo de autorreprodução de um sistema, mediante a
qual o sistema cria sua própria estrutura e os elementos que a compõem. No entendimento de
Luhmann, o Direito é um subsistema social autopoiético de comunicação, normativamente
fechado. O Direito como regulador social, delimita o âmbito das expectativas normativas de
conduta. Este é o primeiro alicerce metodológico da teoria funcionalista sistêmica radical

86
GOMES, 2005.
44

desenvolvida por Gunther Jakobs para o Direito Penal87.


A tese defendida por Jakobs entende que a função principal do Direito Penal, seria a
tutela da própria norma, e somente de forma indireta visaria proteger os bens jurídicos mais
importantes. Pois de acordo com esta teoria, quando a norma é desrespeitada o sistema
jurídico corre risco de perecer, e somente mediante uma sanção eficiente com caráter mais de
coação que retributivo ou ressocializador, esta norma permaneceria protegida e
consequentemente todo o ‘sistema penal’. Por esta lógica, se esta norma que foi protegida
através da sanção, visa resguardar um bem jurídico importante e sua vigência permanece
intacta, logo indiretamente, tal bem jurídico também estaria protegido. Jakobs expõe tal
pensamento da seguinte forma:

A pena é coação (...). A coação é portadora de um significado, portadora da resposta


ao fato: o fato como um ato de uma pessoa racional, significa algo, significa uma
desautorização da norma, um ataque a sua vigência, e a pena também significa algo,
significa que a afirmação do autor é irrelevante e que a norma segue vigente sem
modficações, mantendo-se, portanto, a configuração da sociedade.88

Dentre as principais características do Direito Penal do Inimigo está a diferenciação


proposta por Jakobs entre o Direito Penal do Cidadão e o Direito Penal do Inimigo. Esta
lógica de pensamento na verdade se constitui de dois ‘tipos ideais’ que dificilmente se
apresentarão na realidade de modo puro. Ou seja, no Direito Penal do Cidadão podem ser
encontrados dispositivos próprios do Direito Penal do Inimigo, já neste, em algum momento o
não-cidadão terá assegurado direitos inerentes aos cidadãos, pois ainda lhe restarão alguns
direitos e garantias no processo penal. A este respeito também leciona Luiz Flávio Gomes:

O Direito penal do cidadão é um Direito penal de todos; o Direito penal do inimigo é


contra aqueles que atentam permanentemente contra o Estado: é coação física, até
chegar à guerra. Cidadão é quem, mesmo depois do crime, oferece garantias de que,
apesar do delito que tenha cometido, se conduzirá como pessoa que atua com
fidelidade ao Direito. Inimigo é quem não oferece essa garantia.89

No Direito Penal do Cidadão são definidos e sancionados delitos cometidos


acidentalmente por cidadãos, pessoas que normalmente se submetem às normas impostas, mas
que somente de maneira incidental manifestaram abusos de conduta nas relações sociais. De

87
PRADO, 2010, p. 110.
88
JAKOBS, MELIÁ, 2005, p. 22.
89
GOMES, 2005.
45

certo, estes indivíduos não necessariamente representariam um perigo à sociedade, tanto


cognitivamente quanto em seu comportamento, tais cidadãos oferecem certa segurança. O que
cometeram não passou de um deslize reparável. Desta forma, tais indivíduos seriam tratados
como cidadãos e seriam chamados a restaurar o equilíbrio da vigência normativa, por meio de
sua submissão à sanção penal. Neste sentido o Direito Penal do Cidadão busca manter a
vigência da norma, já o Direito Penal do Inimigo visa prioritariamente combater perigos
personificados em determinados tipos de delinqüentes.
Destarte, considera-se Direito Penal destinado ao Inimigo aquele que possui o objetivo
de combater determinada forma de delinqüência, daqueles considerados como fonte de perigo
e que por isso são parcialmente despersonalizados de Direitos. Para prosseguirmos com as
considerações de como seriam tratados tais indivíduos, primeiro é preciso identificar quem
seria este ‘Inimigo’. Portanto segue definição do próprio Jakobs:

O indivíduo que não apenas de maneira incidental em seu comportamento, ou em


sua ocupação profissional, ou principalmente por meio de sua vinculação a uma
organização – criminosa, vale dizer, em qualquer caso, de forma presumivelmente
permanente, abandonou o direito e, por conseguinte, não garante o mínimo de
segurança cognitiva em seu comportamento pessoal e o manifesta por meio de sua
conduta.90

Desta forma, quem por ‘princípio’ se conduz de modo desviado, e não garante o
mínimo de segurança cognitiva em seu comportamento, não deve ser tratado como cidadão,
mas deve ser combatido como inimigo, na visão de Jakobs.
Prado disserta sobre o inimigo, considerando-o como:

indivíduos que não são mais que entes perigosos a serem privados de direitos e
garantias individuais próprios dos cidadãos. O inimigo é aquele cujas atitudes
revelam um distanciamento em relação às regras de Direito, o que não se dá
acidentalmente, mas de forma duradoura; comportamento pessoal, profissão e vida
econômica; nada é concretizável no âmbito de relações sociais legitimadas pelo
Direito; ao contrário, desenvolve-se à margem deste último e da própria sociedade.
É dizer: são indivíduos que ‘não prestam a garantia cognitiva mínima que é
necessária para o tratamento como pessoa.91

Estas reflexões sobre o inimigo tomou grande proporção e, tornou-se extremamente


clara, após os atentados terroristas em 11 de setembro de 2001, em Nova Yorque, em Madri
em 11 de março de 2004, e no dia 07 de julho de 2005 em Londres. Exemplo claro de inimigo

90
JAKOBS, 2003 apud MORAES, 2006, p. 167.
91
PRADO, 2010. p. 118.
46

é encontrado na figura do terrorista, e desta forma, há algum tempo o terrorista vem sendo
combatido por diversos Estados.
Na concepção de Jakobs, o terrorista seria a figura perfeita do Inimigo, porém também
seriam assim considerados: os traficantes de drogas, armas, pessoas; integrantes de
organizações criminosas, estupradores e homicidas contumazes, criminosos políticos e
econômicos, e àquele que o Estado assim o considerar. Sobretudo, esta definição é bastante
subjetiva, e por demais, perigosa; pois a sociedade-Estado a cada contemporaneidade
identificaria um ‘inimigo’. A história já nos revela casos infelizes desta busca pelo o
‘inimigo’, tais como: todo aquele que não fosse da raça ariana na Alemanha (negros, judeus,
etc), os comunistas, também durante a segunda guerra mundial, e atualmente, entende-se que
o inimigo de alguns Estados europeus seria inclusive o imigrante clandestino92.
Este indivíduo considerado como ‘inimigo’ teria tratamento diferenciado nas normas
penais, pois seria perigoso para a própria sociedade não tratá-lo com mais rigor. Ele é
potencialmente perigoso, ou seja, o que ele fez importa, mas o que ele possa ainda fazer de
danoso à sociedade é o que interessa; a expectativa de dano futuro possui mais relevância até,
que o que ocorreu de fato. Não é, portanto, retrospectivo, e sim prospectivo. O indivíduo não
é punido diante de sua culpabilidade, conforme versa a teoria tripartite do crime, que
considera a culpabilidade elemento do crime, ou seja, sem a qual o crime não ocorreria. Senão
o indivíduo é considerado consoante sua periculosidade. Extremamente prevencionista, esta
teoria sustenta a submissão de indivíduos imputáveis, potencialmente perigos, a medidas de
segurança.
Exatamente isso, em nosso ordenamento jurídico medidas de segurança são aplicadas
a inimputáveis e a pena é destinada aos imputáveis, mas na teoria do Direito Penal do
Inimigo, nos casos em que um indivíduo se mostra como um ente perigoso lhe será aplicada
medida de segurança.
Para ilustrar melhor tal situação, imagina-se um indivíduo reincidente na prática de
crimes contra o patrimônio, especialmente furtos, a pena para o crime de furto é de 1 a 4 anos
de reclusão, por conta disso, mesmo reincidente, é provável que ele seja posto em liberdade
em muito menos que 4 anos, ele é o foco da sensação de insegurança da comunidade, por isso,
mesmo que o FATO por ele praticado não seja grave o suficiente para que ele fique recluso
por mais tempo, ELE é danoso à sociedade, e por conta disso, a ele deverá ser aplicada uma
longa medida de segurança, a fim de neutralizar os riscos que ele representa.
92
SALIM, 2010.
47

Fica evidente a relação desta teoria com o ‘Direito Penal do Autor’. De acordo com as
críticas de Meliá, o que Jakobs denomina de Direito penal do inimigo, nada mais é que um
conjunto normativo que remonta uma nova modalidade de Direito penal de autor, que pune o
sujeito pelo que ele “é” (criminoso habitual, profissional, organizado, que se nega o Direito de
modo permanente), cuida-se de um direito que faz oposição ao Direito penal do fato, que pune o
agente pelo que ele “fez” (não pelo que ele “é”, ou pelo que ele pensa). Desta forma, no Direito
Penal do Inimigo “a punibilidade avança para o âmbito interno do agente e da preparação, e a
pena se dirige à segurança frente a atos futuros, perfazendo-se, um direito do autor e não
fato93.”
Desta maneira é possível ainda, identificar a aplicação contrária ao princípio da
materialização do fato, qual seja:

Pelo princípio da materialização do fato (nullum crimen sine actio), o Estado só


pode incriminar condutas humanas voluntárias, isto é, fatos (e nunca condições
internas ou existenciais). Em outras palavras, está consagrado o Direito Penal do
Fato, vedando-se o Direito Penal do Autor, consistente na punição do indivíduo
baseada em seus pensamentos, desejos ou estilo de vida94.

Ademais as tendências do Direito Penal do Inimigo, segundo Prado representam


essencialmente uma refutação aos postulados do Direito Penal liberal garantista, próprio do
Estado Democrático de Direito, são elas:

a) antecipação da punibilidade com o escopo de combater perigosos, de forma a


alcançar momentos anteriores à realização de fatos delituosos, até mesmo meros atos
preparatórios, por seu autor integrar a uma organização que atua à margem do
Direito; b) notável incremento e desproporcionalidade das penas, mormente porque
à punição de atos preparatórios não acompanharia nenhuma redução de pena; c) para
Jakobs, é manifestação própria do Direito Penal do Inimigo o fato de diversas leis
serem denominadas leis de ‘luta ou de combate’; d) supressão ou redução de direitos
e garantias individuais nas esferas, material e processual penal, bem com a inserção
de alguns dispositivos de Direito Penintenciário que extirpam ou dificultam alguns
benefícios95.

Legislações que se autodenominam de luta ou de combate são outras características


marcantes do Direito Penal do Inimigo.
Ainda como característica, como é possível observar está antecipação da punibilidade
com a tipificação de atos preparatórios, criação de tipos de mera conduta e perigo abstrato,

93
JAKOBS, MELIÁ, 2005, p 80.
94
CUNHA, 2013, p. 76.
95
PRADO, 2010, p. 118.
48

normas penais em branco e tipos omissivos impróprios, ou seja, mudança de perspectiva do


fato típico praticado para o fato que será produzido, como no caso do terrorismo e das
organizações criminosas; adiantando o âmbito de proteção da norma, para alcançar atos
preparatórios; contaminando boa parte da lei de tóxicos, e lei do desarmamento, dos crimes
ambientais, dentre outras tantas.
Ainda a desproporcionalidade das penas ou, falta de uma redução de pena
proporcional ao referido adiantamento, por exemplo, uma pena para o mandante/mentor de
uma organização terrorista, seria igual àquela de um autor de uma tentativa de homicídio,
somente incidindo a diminuição relativa à tentativa.
Peculiar e de grande importância estão às restrições, relativizações ou supressões de
garantias penais e processuais, e como já foi retratado neste trabalho, este retrocesso de
Direitos Fundamentais não são tolerados no ordenamento jurídico vigente. Como exemplo
cita-se: determinados regulamentos penitenciários ou de execução penal que suprem garantias
como pretexto de zelarem pela ordem pública, como o Regime Disciplinar Diferenciado; a
prática de infiltração de agentes policiais em determinadas organizações; o uso e abuso de
medidas preventivas ou cautelares (interceptação telefônica sem justa causa, quebra de sigilos
não fundamentados ou contra a lei).
Como o Direito Penal do Inimigo tem por foco combater perigos, por conta disso, o
inimigo é interceptado em um estado inicial, tão só em razão de sua periculosidade. A
justificativa de Jakobs é que o inimigo, considerado como não pessoa (atribuição puramente
normativa), ou mero objeto de coação e, sob esta condição, ele afirma que o indivíduo que
“não aceita submeter-se ao ordenamento jurídico rechaça sua legitimidade, e assim persegue
sua destruição, e não pode ser considerado pelo Estado como pessoa, sendo privado dos
benefícios e garantias que esta última condição supõe96.”
A privação e negação desta condição de pessoa só são possíveis na medida em que se
reconhece que a “qualidade de pessoa, isto é, a personalidade, não é em princípio algo dado
pela natureza, mas sim, e assim deve ser aceita e reconhecida – uma atribuição normativa,
seja de caráter moral, seja de caráter social e/ou jurídico97.”
No entanto, a contraposição para este argumento é que a dignidade humana apresenta-
se como um “limite que esta estruturação não logra superar, especialmente no tocante à

96
JAKOBS, MELIÁ, 2005, p 40-41.
97
PRADO, 2010, p. 119.
49

concepção puramente normativa de pessoa, já que todo indivíduo é portador de dignidade


humana98.”
O denominado “Direito Penal do Inimigo”, como se vê, não é propriamente um
sistema penal ordenado e lógico. É um conjunto de todas as normas espalhadas pelo
ordenamento jurídico-penal que se caracterizam por violar os direitos e garantias
fundamentais da pessoa. Não tem como eixo um “fato” criminoso, senão um determinado tipo
de autor. Não pode, ademais, ser identificado como mais um movimento punitivista ou
retribucionista ou prevencionista autônomo. É, na verdade, uma forma de tratar determinados
criminosos, por não apresentarem “garantias cognitivas” de que vão permanecer fiéis ao
Direito.

2.7 – Quem é Inimigo na realidade brasileira

A figura do inimigo para a sociedade brasileira está atrelada a análise de importantes


fatores: o primeiro considera a evolução histórica dos indivíduos que são definidos como
fontes de perigo para a sociedade; em segundo plano analisar-se-á a influência da teoria da
expansão nas políticas criminais, legislativa e judicial.
Neste sentido, é possível constatar como determinados grupos sempre foram julgados
como inimigos sociais, por representarem perigo às classes dominantes no Brasil.
Desde a época do colonialismo, onde o poder punitivo se dava no âmbito do direito
penal privado, especificamente aos senhores de terra que implantavam certas tiranias; após a
Independência do país pouca coisa mudou. Em que pese à legislação penal do período
imperial, onde se destaca a inspiração liberal iluminista do Código Criminal de 1830, ainda
sim não representou significativa mudança aos instrumentos de punição destinados às
camadas compostas pelos escravos e pelos homens livres e pobres. Manteve-se, portanto,
características de dominação sobre as classes, mesmo depois da abolição da escravatura. Que
por sinal, trouxe consigo o Código Penal de 1890, com dispositivos repressivos no que diz
respeito aos ‘crimes contra a liberdade do trabalho’, procurando deter o monopólio da
repressão nas mãos da elite brasileira.
A preocupação maior era com o combate à ociosidade, dada a compreensão de que a
98
Idem, Ibidem, p. 119-120.
50

abolição trazia consigo contornos do fantasma da desordem. O indivíduo, neste contexto, ou


era trabalhador ou era vadio e, consequentemente ‘perigoso’, devendo, portanto, ser
reprimido. Interessante é que, pouca coisa mudou nas políticas criminais atuais. Num país
onde a desigualdade social ainda é enorme, os presídios estão superlotados de marginalizados.
O pensamento de que ‘cadeia é só para os pobres’, assombra a sociedade brasileira desde os
primórdios de nossa história.
De acordo com Chalhoub, no decorrer da história surgiu o debate parlamentar
brasileiro do conceito de ‘classes perigosas’ enquanto sinônimo de ‘classes pobres’. Na
contemporaneidade, infelizmente a análise dos denominados ‘perigosos’ não evoluiu. Ainda
julga-se o ‘ser’, mesmo que de forma velada, pela ‘estereotipização’, sobretudo advindos dos
órgãos responsáveis pela aplicação da lei. Ressalta Frauzina que:

pela clientela do sistema penal brasileiro ser composta quase que exclusivamente
por pessoas pertencentes aos estratos sociais economicamente hipossuficientes,
demonstra que não existe um processo de seleção de condutas criminosas, mas sim
de pessoas que receberão o rótulo de ‘delinquentes’. E tal seletividade se deve ao
fato de que em sociedades desiguais, os grupos detentores da maior parcela do poder
possuem a capacidade de impor ao sistema uma impunidade praticamente absoluta
das suas próprias condutas criminosas99.

A classe perigosa, conforme exposto, ainda retirada das camadas pobres da sociedade,
continua a ser controlada por meio do Direito Penal, reformulado pelo processo de ‘expansão’
presente por este ramo do Direito. Os membros dessa classe perigosa vivem em áreas urbanas
marginais, muitas vezes denominadas áreas de risco, responsáveis por gerar um crescente e
difuso sentimento de medo. Tais medos vivenciados pela sociedade contemporânea,
influenciados, por sua vez, pelas manifestações da sociedade de risco.
Fica evidente após estas contestações, que a identificação de uma classe perigosa e o
conseqüente medo incorporado à sociedade são causas da má administração púbica, incapaz
de ofertar à população instrumentos que impulsionem a ascensão social dos menos
favorecidos, eximindo-se de seu papel de agente social do bem-estar.
Diante desta ineficiência, o caminho mais rápido é a repressão, respondendo às
demandas por mais segurança. Portanto, o ‘indivíduo-inimigo’, diferentemente das ‘pessoas-
cidadãos’, relacionam-se aos discursos de ‘risco’, da ‘insegurança’ e do ‘aumento da
criminalidade’, termos preferidos pelos defensores da ‘lei e da ordem’.

99
FLAUZINA, 2008, apud WERMUTH, 2011, p. 117
51

Nesta ótica, exemplos claros de inimigos da sociedade brasileira, são aqueles, tratados
de tal forma na lei penal infraconstitucional, tais como: os componentes do ‘crime organizado’
e os traficantes de drogas ilícitas (a macrocriminalidade), que recebem tratamento
diferenciado, com as devidas ‘particularidades’ entre o traficante-pobre, tratado com rigor, e o
jovem de classe média que consegue provar na justiça haver possuído tal quantidade de
drogas para seu mero consumo.
Desta forma que se consagra a dimensão do processo de expansão do Direito Penal no
Brasil, que visa combater a criminalidade organizada e o narcotráfico, se rearmando na luta
contra seu alvo histórico preferencial.
Foi assim que Wermuth chegou ao questionamento e consequentemente a uma
definição nítida e, por que não, cultural e historicamente perversa do inimigo da sociedade
brasileira:

É em virtude disso que, à pergunta sobre qual é o “inimigo” atual do Direito Penal
brasileiro, sobre qual é a fonte maior do ‘medo’ e da ‘insegurança’ que legitimam as
reformas legislativas rumo a um recrudescimento putinitivo cada vez maior, ter-se-á
como resposta, com pequenas variações, uma descrição desse ‘inimigo’ nos
seguintes termos: ‘um jovem negro, funkeiro, morador de favela, próximo do tráfico
de drogas, vestido com tênis, boné, de favela, próximo do tráfico de drogas, vestido
com tênis, boné, cordões, portador de algum sinal de orgulho ou de poder e de
nenhum sinal de resignação ao desolador cenário de miséria e fome que o circunda.
A mídia e a opinião pública destacam seu cinismo e sua afronta, e, com isso
legitima-se o discurso segundo o qual ditos ‘inimigos’ não merecem respeito ou
trégua100.

Contudo, na visão de Gomes, podem ser identificados inúmeros outros inimigos, na


realidade brasileira, pois esta realidade conta com cinco grandes grupos punitivistas, onde
dois deles são retribucionistas: aqueles que consideram o Direito Penal como controle de
dominação ou opressão, conforme exposto acima; e, outro que o considera como instrumento
de contrapoder, revolução, visando punir e controlar as classes poderosas (mas percebe-se que
na realidade, não chegam a realizar tal intento). E outros três são prevencionistas: um trata o
Direito Penal como instrumento promocional de específicos bens jurídicos, são os “gestores
da moral coletiva”: ecologistas, feministas, “pacifistas”, ONGs, dentre outros (mas na
verdade, buscam solucionar desigualdades históricas e desequilíbrio ambiental); o segundo
defende um Direito penal como instrumento de estabilização da norma, é coação e resposta ao
fato criminoso (Roxin). O terceiro sustenta o Direito penal como instrumento de segurança
contra os riscos da sociedade moderna. Estes dois últimos, na verdade, seriam uma visão mais

100
WERMUTH, 2011, p. 95-100.
52

abrandada dos retribucionistas que utilizam o Direito Penal como instrumento de dominação.
Para Gomes, os inimigos do punitivismo podem ser considerados da seguinte forma:

os que defendem o Direito penal como instrumento de dominação visam a castigar


os miseráveis, (...); os que sustentam o Direito penal como instrumento de
contrapoder, visam a controlar e punir “os poderosos”, os criminosos organizados,
máfias, lavadores de capitais, empresários, quadrilheiros, políticos, funcionários
corruptos, parlamentares fraudulentos etc.; os que pregam o Direito penal como
instrumento promocional de específicos bens jurídicos, visam a punir o criminoso
ambiental, o autor de crimes sexuais, etc.; os que defendem o Direito penal como
instrumento de estabilização da norma visam a sancionar os infiéis ao Direito, que
revelam pouca afeição à norma; os que propugnam por um “Direito penal moderno”,
que ofereça segurança contra os riscos da sociedade pós-industrial, visam a castigar
quem exerce profissões ou atividades técnicas arriscadas, empresários que ocupam
posição de comando nas empresas, profissionais liberais que criam riscos proibidos
em suas atividades, criminosos organizados etc101.

Ainda, para melhor compreensão, podemos citar Greco, que questiona:

quem são os inimigos? Alguns, com segurança, podem afirmar: os traficantes de


drogas, os terroristas, as organizações criminosas especializadas em seqüestros para
fins de extorsões…E quem mais? Quem mais pode se encaixar no perfil do inimigo?
Na verdade, a lista nunca terá fim. Aquele que estiver no poder poderá, amparado
pelo raciocínio do Direito Penal do Inimigo, afastar o seu rival político sob o
argumento da sua falta de patriotismo por atacar as posições governamentais. Outros
poderão concluir que também é inimigo o estuprador de sua filha. Ou seja,
dificilmente se poderá encontrar um conceito de inimigo, nos moldes pretendidos
por essa corrente, que tenha o condão de afastar completamente a qualidade de
cidadão do ser humano, a fim de tratá-lo sem que esteja protegido por quaisquer das
garantias conquistadas ao longo dos anos102.

Desta forma, como a definição de Jakobs é pouco objetiva sobre a identificação do


‘inimigo, dificuldades se tem para identificá-lo com precisão nas legislações penais tanto
nacionais, como internacionais. Todavia, arriscando apontar um determinado personagem,
extremamente combatido pelo Estado através dos seus órgãos de repressão, e retornando à
análise histórica, o inimigo que antes era rotulado como ‘vadio’ ou ‘malandro’ transformou-
se, apesar de tantas denominações acima expostas, na prática, e em síntese em ‘traficantes’ e
integrantes de ‘organizações criminosas’.

101
GOMES, 2005.
102
GRECO, 2011.
53

CAPÍTULO III – DIREITO PENAL DO INIMIGO – TENDÊNCIA TEÓRICO,


LEGISLATIVA E JUDICIAL

3.1 – Legislação Penal brasileira

Cumpre ressaltar que o objetivo principal deste trabalho é identificar as normas penais
brasileiras que atualmente sofrem influência da polêmica tendência teórica do Direito Penal
do Inimigo. Em que pese se tratar de teoria amplamente criticada pela doutrina majoritária,
que a considera como incompatível com Estados Democráticos de Direito, ela está presente
em nosso ordenamento jurídico, fruto do fenômeno expansionista, da sociedade de riscos e do
Direito Penal simbólico.
As justificativas para estas transformações, que serão demonstradas mais adiante,
estão fundamentadas no aumento da criminalidade, sobretudo a organizada, e como solução
para este problema, está o endurecimento de normas penais existentes com penas mais severas
e restrição de garantias.
Ademais, atualmente há uma excessiva criminalização de condutas, como se observa
com atual hipertrofia legislativa brasileira, através da seguinte legislação extravagante: Lei nº
7.492/86 – Crimes contra o sistema financeiro nacional; Lei nº 7.565/86 – Lei do Abate; Lei
nº 7.716/89 – Preconceito Racial; Lei nº 8.072/90 – Crimes Hediondos; Lei nº 8.078/90 –
Código de Defesa do Consumidor; Lei nº 8.137/90 – Contra a ordem tributária, econômica e
contra as relações de consumo; Lei nº 8.176/91 – Contra a ordem econômica e cria o Sistema
de estoques de combustíveis; Lei nº 9.034/95 – Crime Organizado; Lei nº 9.099/95 – Juizados
Especiais Cíveis e Criminais; Lei nº 9.296/96 – Interceptação telefônica; Lei nº 9.455/97 –
Crimes de tortura; Lei nº 9.605/98 – Sanções penais e administrativas de condutas lesivas ao
meio ambiente; Lei nº 9.613/98 – Crimes de Lavagem de Dinheiro; Lei nº 10.217/01 –
Infiltração de agentes policiais para fins de se obter provas em investigação criminal; Lei nº
10.471/03 – Estatuto do idoso; Lei nº 10.792/03 – Regime Disciplinar Diferenciado; Lei nº
10.826/03 – Estatuto do desarmamento; Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha; Lei nº
11.343/06- Contra o tráfico de entorpecentes.
E conforme leciona Rogério Greco:
54

o número excessivo de leis penais, que apregoam a promessa de maior punição para
os delinqüentes infratores, somente culmina por enfraquecer o próprio Direito Penal,
que perde seu prestígio e valor, em razão da certeza, quase absoluta, da
impunidade103.

Por certo que este grande número de leis penais infraconstitucionais é reflexo do
fenômeno expansionista da ciência penal, que ocorre, conforme Sanchez, devido ao
enfraquecimento de outros ramos do Direito (como o Direito Administrativo). Então o Direito
Penal que deveria ser aplicado como ultima ratio, é utilizado como instrumento para
solucionar diversos problemas.
Sob a análise das diversas normas penais brasileiras que estão contaminadas por
características do Direito Penal do Inimigo, a princípio observa-se, a edição da Lei de Crimes
Hediondos, um dos grandes exemplos da existência do Direito Penal do Inimigo em nossa
legislação, pois apesar de não fazer previsão de novas figuras típicas, ela trouxe um aumento
das penas e restrição de garantias processuais para os indivíduos que praticam tais crimes, se
aproximando segundo Callegaria e Motta104 do Direito Penal do autor. E de acordo com
Mesquita Junior:

Os efeitos desta lei vão de encontro aos princípios taxados na Carta Magna, por
exemplo, ao inviabilizarem aos condenados pelos crimes nela previstos em seu
artigo 1º, o direito ao indulto (art. 2º, I), a liberdade provisória (art. 2º, II), e a
progressão de regime (art. 2º, §2º), ainda, ampliando os prazos da prisão temporária
(art. 2º, § 3º) e os de livramento condicional (art. 5º)105.

Estes efeitos podem constatar uma precipitação do legislador, a conceder, por pressão
midiática, um tratamento mais rigoroso a estes determinados crimes:

a vedação de fiança e liberdade provisória significou que não seria permitido que
esses “novos criminosos” respondessem ao processo em liberdade, o que afrontava o
princípio da presunção de inocência, bem como aos requisitos necessários para a
decretação e manutenção da prisão preventiva previstos no Código de Processo
Penal, uma vez que neste caso o que é levado em consideração é o tipo de delito
praticado que, por si só, transforma o criminoso em perigoso, ou podemos chamar
de inimigo106.

Ademais, ainda citando Callegaria e Motta,

103
GRECO, 2011.
104
JUNIOR, 2009, p. 06.
105
MESQUITA JUNIOR, 2008 apud BINATO JUNIOR, 2009, p. 05.
106
CALLEGARI e MOTTA, 2007 apud BINATO JUNIOR, 2009, p. 09.
55

a proibição da progressão de regime impede a ressocialização ao impor ao autor do


crime um regime integralmente fechado. O objetivo do legislador aqui é afastar o
criminoso o maior tempo possível do convívio social, como se não fizesse mais
parte da sociedade em razão do crime que cometeu, afrontando, assim, o princípio
da individualização da pena107.

Nesse sentido, está clara a aproximação da Lei dos Crimes Hediondos às


características do Direito Penal do Inimigo, uma vez que os indivíduos que cometerem os
crimes relacionados pela lei, já não se beneficiariam, como qualquer outro cidadão, do
modelo ideal garantista de Estados de Direito.
Sobre esta influência do Direito Penal do Inimigo na legislação brasileira, se referindo
ainda a Lei de Crimes Hediondos, dispõe Damásio de Jesus:

Essa tendência pode ser vista em algumas recentes leis brasileiras, como a Lei dos
Crimes Hediondos, Lei n. 8.072, de 1990, que, por exemplo, aumentou
consideravelmente a pena de vários delitos, estabeleceu o cumprimento da pena em
regime integralmente fechado e suprimiu, ou tentou suprimir, algumas prerrogativas
processuais (exemplo: a liberdade provisória), e a Lei do Crime Organizado (Lei n.
9.034, de 1995), entre outras.108

Ademais, sobre a identificação de Jesus a respeito da Lei de Combate ao Crime


Organizado, é importante ressaltar que esta norma é mais um fabuloso exemplo da resposta
simbólica (e desacertada) do Estado a atender aos anseios da sociedade, numa tendência
punitivista. Em primeiro momento já é possível encontrar uma característica evidente desta
teoria, qual seja, a denominação de lei de ‘combate’.
Luiz Flávio Gomes também consegue identificar características desta teoria nas Leis
de Crimes Hediondos e Lei de Combate ao Crime Organizado, as quais revelam os ‘inimigos’
da sociedade brasileira:

No direito brasileiro são muitos os exemplos de tratamento diferenciado (sem justo


motivo). Os autores de crimes hediondos, por exemplo (Lei 8.072/1990), cumprem a
pena em regime integralmente fechado, não podem ter indulto individual ou
coletivo, não podem ter liberdade provisória sem fiança etc.. São tratados como
inimigos. Os condenados por crime organizado não podem apelar em liberdade (Lei
9.034/1995), nem contam com direito de liberdade provisória, quando tenham tido
intensa participação no delito. Também são inimigos109.

Além disso, a Lei de Combate ao Crime Organizado abusa do emprego de normas

107
Idem, Ibidem, p. 12.
108
JESUS, 2005, p. 02.
109
GOMES, 2005, p. 06.
56

penais em branco e tipos penais imprecisos. E desta forma, deixa lacunas, que contrariam o
princípio da taxatividade, pois serão preenchidas pelo entendimento subjetivo do julgador. Por
certo, que esta lei nem mesmo identificou de forma clara o que seria ‘organização criminosa’,
esta expressão se tornou um grande problema, e desta forma se passou a equipar os conceitos
de quadrilha ou bando com o de organização criminosa de qualquer tipo, demonstrando outro
exemplo de “contaminação” da lei ordinária pelo Direito Penal do Inimigo.
Este tratamento diferenciado conferido aos envolvidos em organização criminosa
retrata a influência que objetiva-se identificar neste trabalho, uma vez que viola em vários
dispositivos os direitos e garantias assegurados pela Constituição, no seguinte entendimento:

as hipóteses de ação controlada e infiltração de agentes acarretam na elaboração de


prova duvidosa, pois estes podem influenciar sobremaneira a conduta dos autores ao
ponto de induzi-los a prática criminosa antes não planejada, deixando a prova frágil
para condenação. A captação ambiental de sinais viola o direito do acusado de
permanecer em silêncio110.

Deste modo, a Lei do Crime Organizado é mais um exemplo de lei ordinária


influenciada pelo Direito Penal do inimigo, ao passo que restringe alguns dos direitos e
garantias penais e processuais existentes em um Estado Democrático de Direito.
Além destes exemplos, ainda Gomes, afirma que:

A mais recente evidência do Direito Penal do inimigo pode ser identificada no


chamado regime disciplinar diferenciado – RDD (introduzido na Lei de Execução
Penal, art. 52, pela Lei 10.792/2003). A primeira situação que permite tratamento
diferenciado ao preso decorre da prática de crime doloso que ocasione a subversão
da ordem ou disciplina internas. Até aqui, pune-se o sujeito pelo que ele “fez”. Só
resta ver a questão da proporcionalidade da medida. Nos §§ 1º e 2º (tratamento
diferenciado ao preso que apresente alto risco para a segurança ou quando revele
fundadas suspeitas de envolvimento com o crime organizado) não há como deixar de
divisar exemplos de Direito penal do inimigo: pune-se o preso pelo que “é”, não
pelo que ele fez111.

No Regime Disciplinar Diferenciado (Lei nº 10.792/03, introduzido na Lei nº


7.210/84, Lei de Execuções Penais, a LEP, é possível constatar inclusive reflexos do Direito
Penal do autor, pois leva em consideração aspectos da personalidade do preso. Esta lei foi
editada criando inúmeras restrições aos direitos dos presos considerados perigosos,
determinando medidas administrativas absolutamente lesivas aos direitos fundamentais.

110
BINATO JÚNIOR, 2009, p.08.
111
Idem, Ibidem, p. 11.
57

Estaria sujeito ao RDD o preso provisório, ou condenado, nacionais ou estrangeiros,


sem prejuízo da sanção penal, quando praticasse crime doloso ocasionando subversão da
ordem ou disciplina internas, apresentasse alto risco para a ordem e a segurança do
estabelecimento penal ou da sociedade; ou existisse fundadas suspeitas de envolvimento ou
participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.
Desta forma as principais características deste regime, que revelam tal influência, de
acordo com a Lei nº 10.792/03112, são: o recolhimento do preso em cela individual durante o
prazo máximo de 360 dias, prorrogáveis por igual prazo, desde que não ultrapasse o limite de
1/6 da pena, em caso de cometimento de nova falta grave, tendo direito apenas a visitas
semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, por duas horas, podendo sair da sela
durante duas horas para o banho de sol.
A autorização da aplicação do RDD por decisão fundamentada do juiz, mediante
prévio requerimento do diretor do estabelecimento prisional ou outra autoridade
administrativa, sendo a decisão judicial precedida pela manifestação do Ministério Público e
de defesa do preso. Sendo que a autoridade administrativa poderá ainda decretar o isolamento
preventivo do preso faltoso, sem ouvir a defesa do preso, pelo prazo de até dez dias.
Já com relação ao processo penal de forma geral, alguns institutos são considerados
por Jesus como reflexos da concepção do indivíduo como inimigo:

No campo do processo penal também se mostram reflexos da concepção do


indivíduo como “inimigo”: 1) a prisão preventiva, medida cautelar utilizada no curso
de um processo, funda-se no combate a um perigo (de fuga, de cometimento de
outros crimes, de alteração das provas etc.); 2) medidas processuais restritivas de
liberdades fundamentais, como a interceptação das comunicações telefônicas, cuja
produção se dá sem a comunicação prévia ao investigado ou acusado, e a gravação
ambiental; 3) possibilidade de decretação da incomunicabilidade de presos perigosos
etc113.

Ademais, acerca da aplicação da pena no Brasil, como já mencionado anteriormente


neste trabalho, dentre as diversas discussões que envolvem as circunstâncias jurídicas de
fixação de pena estabelecidas pelo art. 59 do Código Penal, destaca-se a personalidade do
agente. Nesta perspectiva, a análise da personalidade do agente como circunstância judicial
para a mensuração da pena é, nitidamente, uma aplicação inerente ao conceito de inimigo,
uma vez que, o agente fica a mercê da discricionariedade de quem detém o poder de aplicar-

112
Lei nº 10.792/03 – Altera a Lei de Execuções Penais instituindo o Regime Disciplinar Diferenciado.
113
JESUS, 2005, p. 02.
58

lhe à pena.
Ainda é possível constatar esta tendência teórica, também, em diversos outros
dispositivos legais: na Lei referente aos Crimes de Lavagem de Dinheiro e Leis Contra a
Ordem Econômica e Tributária, que surgiram diante do grande índice de corrupção no
Brasil, objetivando combater os ‘poderosos’. Todavia, mesmo que possuem reflexos da
expansão do Direito Penal e da sociedade de risco, além da taxar os ‘poderosos’ como
inimigos, na verdade, não possuem a efetividade necessária para solucionar a questão, haja
vista a impunidade dos indiciados e processados, mesmo depois do advento destas normas, de
caráter meramente simbólico.
Outra norma que surge após manifestações da mídia, que cobrava do Estado maior
rigor quanto ao porte e posse de armas de fogo, devido ao número excessivo da prática de
crimes com a utilização destes artifícios, é o Estatuto do Desarmamento, ampliando as
figuras típicas, de forma a penalizar mais severamente tais condutas de perigo, declarando-as
inafiançáveis e prevendo penas mais severas que um homicídio simples por exemplo. Desta
forma, os crimes de perigo possuem características de se anteciparem à efetiva lesão, assim,
punem a simples ação que gera perigo de lesão ao bem jurídico, o que os aproxima ao Direito
Penal do Inimigo, pois antecipa a punibilidade, considerando os atos preparatórios.
Ainda, com a intenção de solucionar as questões de violência e desrespeito aos
direitos do idoso, o legislador publica a Lei nº 10.471/03, o Estatuto do Idoso, criando novas
condutas criminosas. Revoluções midiáticas também trouxeram ao público a história de
Maria da Penha, e o Legislativo edita a Lei nº 11.340/06 com a finalidade de combater a
violência doméstica e familiar contra a mulher.
Ainda nas leis extravagantes é necessário fazer referência à polêmica Lei do Abate,
que ao identificar o traficante como inimigo, autoriza o piloto de aviões das Forças Armadas
abaterem aviões ou embarcações suspeitas. Neste sentido Maierovitch defendeu a
inconstitucionalidade da medida, salientando que:

o Presidente da República, ao regulamentar o combate ao tráfico de drogas, o tiro de


abate de aeronaves por suspeita de narcotráfico, disciplinando ainda o afundamento
de embarcações tripuladas em mar territorial brasileiro, institucionalizou a pena de
morte114.

Quanto a Lei destinada a combater o tráfico de entorpecentes, na verdade, consiste

114
MAIEROVITCH, 2005 apud MORAES, 2006, p. 210.
59

no maior exemplo da influência da teoria do Direito Penal do Inimigo em nossa legislação


penal, ainda mais se considerarmos não só interpretações doutrinárias, mas a realidade prática
da aplicação desta lei. Como já foi exposto, o ‘traficante’ é no momento o ‘inimigo’ da
sociedade brasileira, sobretudo o pobre marginalizado.
A Lei nº 11.343 em vigência desde 2006, se comparada às antigas legislações sobre o
tema (Lei nº. 6.368/76 e Lei nº. 10.409/02), mantém a mesma base ideológica fundada no
processo de demonização das drogas. Os problemas de criminalidade enfrentados atualmente
remetem ao tráfico de drogas como o possível ‘carro chefe de outros crimes’, ou seja, devido
ao tráfico na visão de muitos, inclusive da mídia, ocorrem furtos, assaltos, homicídios, etc. E
por este motivo, apesar do perceptível avanço quanto à diferenciação no tratamento entre
traficantes e usuários, as alterações quanto às penas evidenciam o aprofundamento da
repressão; criando uma guerra particular.
Quanto à ampla margem de discricionariedade judicial para a fixação da pena, são
encontrados, em seu artigo 33, dezoito verbos que caracterizam não o tipo penal, mas
unicamente o sujeito do delito115, quais sejam: importar, exportar, remeter, preparar, produzir,
fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo,
guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
O problema é a incoerência deste artigo, que se refere a estas ações como
caracterizadoras do tráfico, mas que facilmente podem ser também vinculadas ao consumo,
como ‘trazer consigo’ ou, ‘ter em depósito’. Desta maneira o indivíduo, inimigo eleito pela
legislação em análise, é tratado igualmente por ser um grande traficante de drogas ou um
sujeito que a adquiriu para seu consumo. Na enorme ‘vontade’ de reprimir o comércio de
drogas, e mesmo que, não seja passível de pena, consoante o art. 28 desta lei, também o seu
uso, os órgãos de repressão, arraigados pela política punitivista, realizam prisões de usuários
indistintamente, que são mantidos encarcerados e respondem aos processos por tráfico de
drogas, até que consigam provar o contrário.
Portanto, a política antidrogas é uma evidência do caráter simbólico deste elemento
normativo, pois mesmo diante de tal política repressionista, no combate ao tráfico e consumo
de entorpecentes, o objetivo não foi alcançado, pois, a oferta e consumo de drogas não
diminuíram.
O mais estarrecedor nesta política, é que a grande maioria das prisões por tráfico de
115
MACHADO, 2009.
60

drogas é de indivíduos pobres, que residem em aglomerados localizados em áreas


consideradas de ‘riscos’, presos em sua maioria com pequenas quantidades de drogas. Ou
seja, estes são os inimigos eleitos pelo Estado. Desta forma, eleito o inimigo, só é preciso lhe
conceder tratamento diferenciado, para que a sociedade se veja livre deste ‘causador de
desordem’, em um digno modelo de Direito Penal do autor.
A Justiça criminal, perseguindo o traficante-inimigo eleito, aplica-lhe o direito penal
correspondente, o Direito Penal do Inimigo, não permitindo que o mesmo responda o
processo em liberdade, condenando-o a penas desproporcionais em relação à conduta e ao
bem jurídico tutelado e, ainda, presumindo a periculosidade do agente como forma de negar-
lhe benefícios positivados na legislação repressiva.
Callegari e Motta, a respeito desta influência legislativa dissertam que:

as características típicas do Direito Penal do inimigo já se encontram estampadas em


nossa legislação, talvez dissimuladas ou, rotuladas com outros adjetivos (leis de
emergência, de exceção, populistas, etc.). Neste sentido, por mais que o Direito
Penal do Inimigo seja considerado incompatível com Estados Democrático de
Direito, os processos legislativos de exceção existentes, estão repletos de
características deste postulado político-criminal, mas que apenas não reconhecidos
por estes nomes116.

Gomes e Molina ensinam ainda que:

Do Direito Penal do Inimigo o que temos, nos ordenamentos jurídico-penais, são


manifestações avulsas, soltas, mas introduzidas com freqüência por meio de
legislação especial. O conjunto dessas anomalias, aporias e discrasias formam o
Direito Penal do Inimigo117.

É inevitável que se chegue à conclusão, portanto, que a crescente onda de


criminalização de condutas que não causam lesão direta aos bens jurídicos relevantes, com
tipos de perigo abstrato e antecipação da punibilidade, além do ‘asseveramento’
desproporcional das penas, figuram-se como características presentes na nossa legislação
penal brasileira.
Isto se deve à insegurança que permeia a sociedade contemporânea, denominada
sociedade de riscos ou do medo, sob influência direta dos meios de comunicação; que exigem
respostas imediatas do Estado-legislador aos problemas de criminalidade, construindo uma

116
CALLEGARI e MOTTA apud JUNIOR, 2009.
117
GOMES, 2012, p. 212
61

gama de leis penais simbólicas, que não resolvem tais problemas, pois suas causas, que
derivam da desigualdade social, dependem de outros tipos remédios, tais como políticas
públicas eficientes.

3.2 – Algumas considerações à luz da Jurisprudência

Esta influência expansionista do Direito Penal de terceira velocidade, como


demonstrada, está sorrateiramente se infiltrando em nosso ordenamento jurídico penal, não
como um conjunto de normas explicitamente denominadas como de enfrentamento aos
‘inimigos’, mas por se manifestarem de forma desordenada, como tal.
Neste mesmo sentido, as decisões jurisprudenciais, por vezes, ao aplicarem estas
normas influenciadas por um direito penal do inimigo, declaram corroborar com esta
tendência teórica. Estas manifestações são veladas, por óbvio, pois majoritariamente a
doutrina repudia a aplicação de um direito penal desta natureza, por considerá-lo incompatível
com Estados de Direito.
Diante do exposto, em nossa jurisprudência se destacam algumas decisões que
evidenciam esta discussão acerca da ‘aplicação irrestrita destas normas’ ou ‘do repúdio às
imposições questionáveis que tais normas trazem’.
A Lei de combate ao tráfico de drogas tem uma importância peculiar a este estudo,
pois conforme já foi revelado, na sociedade brasileira, o traficante pode ser considerado como
o inimigo, por diversos fatores histórico-sociais, e como tal, é tratado pela referida Lei,
através de um conjunto de dispositivos legais em branco e restrições de garantias
constitucionais.
Inclusive, a respeito destas restrições de garantias, se manifestou o STF. Em decisão
tomada em Habeas Corpus (HC 97256), o Ministro Celso de Mello reafirmou seu
posicionamento, sobre a inconstitucionalidade da cláusula legal que veda a conversão da pena
privativa de liberdade em restritiva de direitos, de acordo com os seguintes trechos a seguir
expostos:

Vislumbro, nessa situação, um abuso do poder de legislar por parte do Congresso


Nacional que, na verdade, culmina por substituir-se ao próprio magistrado no
62

desempenho da atividade jurisdicional. (...) Nesse ponto [da Nova Lei de Tóxicos],
entendo que a regra conflita materialmente com o texto da Constituição.118

Nesta decisão, o ilustre ministro, discorda da vedação imposta no caput do artigo 44


da Lei de Tóxicos, in verbis:

Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33 caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são
inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória,
vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos119.

Nele, conforme se vê a pena privativa de liberdade não pode ser convertida em


restritiva de direitos, dando um tratamento diferenciado, por sinal, e sem justo motivo, pois
deslegitima o poder discricionário do magistrado em analisar o caso concreto, uma vez que a
conversão das penas privativas de liberdade em restritivas de direitos, de acordo com o artigo
44 do Código Penal, o juiz deve analisar se o delito praticado não o for com violência ou
grave ameaça à pessoa, se a pena de reclusão imposta não ultrapassar o limite de quatro anos
e se o agente preencher os requisitos subjetivos para receber o benefício.
Ademais, reafirmando esta convicção quanto a inconstitucionalidade do artigo 44 da
Lei 11.343/2006, o mesmo Ministro, em decisão em Habeas Corpus (HC 103362) foi
contrário ao estabelecido neste artigo, que considera o crime de tráfico de entorpecentes
insuscetível de liberdade provisória. O ministro ressaltou que impedir que um preso em
flagrante por tráfico obtenha liberdade provisória expressa:

afronta aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da


dignidade da pessoa humana. (...) o Legislativo não pode atuar de maneira
imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação
absolutamente divorciada dos padrões da razoabilidade120.

Desta maneira, deve-se concluir que simplesmente por se tratar de um crime de tráfico
de drogas, não justifica a privação cautelar (vedação de liberdade provisória); ou estaria desta
forma julgando o indivíduo pelo o que é ‘traficante’ e não pelo ‘o que ele fez’, com lesão
expressiva a bens jurídicos fundamentais. Ademais, este artigo limita a atuação judicial, pois
veda a substituição de penas e concessão de liberdade provisória, que deveriam ser fruto de
decisões discricionárias do magistrado.

118
Supremo Tribunal Federal, 2010.
119
Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006. Lei de Drogas.
120
Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006. Lei de Drogas.
63

Portanto, o Congresso Nacional pode impor sanções penais que julgar necessárias para
enfrentar problemas que afetam o país, levando em consideração os interesses da sociedade,
contanto que tais sanções preservem os limites legais e constitucionais, pois o juiz deve
interpretar a lei a partir de um sistema de princípios constitucionais e garantias fundamentais.
Contudo, esta decisão possui efeitos ex nunc, e somente o Senado Federal possui
competência para suspensão da eficácia de leis. E atendendo a esta determinação
constitucional, disposta no art. 52, inciso X da Carta Magna, o senador Demóstenes Torres121,
em projeto de resolução, entendeu pela suspensão apenas do art. 33, §4º da Lei nº 11.343/06,
sob a alegação que o art. 44, poderia se considerar àqueles que são considerados de maior
periculosidade.
Assim, a periculosidade do indivíduo que comete o crime de tráfico de drogas, de
acordo com este posicionamento do Senado, deve ser considerada de forma objetiva, pois ao
invés de condicionar à avaliação do caso concreto ao juiz, atribui a todo e qualquer indivíduo
que pratique este delito características de indivíduo perigoso. Sendo inegável que este
posicionamento no remete às características do inimigo de Jakobs.
Em decisões anteriores o ministro Celso de Mello defendeu as garantias
constitucionais restringidas pela Lei de Tóxicos, conforme se pode observar em Habeas
Corpus (HC 85.531) que ataca a exacerbação punitivista, presentes em normas penais eivadas
de pura generalidade que se consagra a corrente legislativa simbólica:

HABEAS CORPUS - INEXISTÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO A REGIME DE


CUMPRIMENTO PENAL MAIS BRANDO - POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO
DE REGIME MAIS GRAVOSO - RÉU PRIMÁRIO E DE BONS
ANTECEDENTES, CONDENADO A PENA NÃO SUPERIOR A 08 (OITO)
ANOS (CP, ART. 33, § 2º, b)- ESTIPULAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA PENA
EM REGIME INICIALMENTE FECHADO - FUNDAMENTAÇÃO BASEADA
APENAS NOS ASPECTOS INERENTES AO TIPO PENAL, NO
RECONHECIMENTO DA GRAVIDADE OBJETIVA DO DELITO E NA
FORMULAÇÃO DE JUÍZO NEGATIVO EM TORNO DA REPROVABILIDADE
DA CONDUTA DELITUOSA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL
CARACTERIZADO - PEDIDO DEFERIDO. - Revela-se inadmissível, na hipótese
de condenação a pena não superior a 08 (oito) anos de reclusão, impor, ao
sentenciado, em caráter inicial, o regime penal fechado, com base, unicamente, na
gravidade objetiva do delito cometido, especialmente se se tratar de réu que ostente
bons antecedentes e que seja comprovadamente primário. - O discurso judicial, que
se apóia, exclusivamente, no reconhecimento da gravidade objetiva do crime - e que
se cinge, para efeito de exacerbação punitiva, a tópicos sentenciais meramente
retóricos, eivados de pura generalidade, destituídos de qualquer fundamentação
substancial e reveladores de linguagem típica dos partidários do "direito penal
simbólico" ou, até mesmo, do "direito penal do inimigo" -, culmina por infringir os

121
Senado Federal. 2010. Parecer do Senado Demóstenes Torres.
64

princípios liberais consagrados pela ordem democrática na qual se estrutura o Estado


de Direito, expondo, com esse comportamento (em tudo colidente com os
parâmetros delineados na Súmula 719/STF), uma visão autoritária e nulificadora do
regime das liberdades públicas em nosso País. Precedentes122.

Tal constatação do ministro revela o quão influenciado pela expansão punitiva estão os
legisladores, que preferem a criação de um Direito Penal simbólico para ludibriar a sociedade,
com a vigência de normas mais rigorosas. Nesta decisão, o ministro aponta inclusive este
discurso judicial que se apóia no reconhecimento da gravidade subjetiva do crime revelam um
‘Direito Penal do Inimigo’ em nossas decisões judiciais, infringindo os princípios liberais
consagrados em nossa Constituição.

3.3 - Possível legitimidade e críticas ao Direito Penal do Inimigo

Até o presente momento, foi possível realizar a constatação de que existe forte
influência, nas leis penais brasileiras, do fenômeno da expansão do Direito Penal e de
características deste denominado “Direito Penal do Inimigo”. Que, conforme foi visto, não é
considerado propriamente um sistema penal ordenado e lógico, mas, um conjunto de todas as
normas espalhadas pelo ordenamento jurídico-penal que se caracterizam por violar os direitos
e garantias fundamentais da pessoa.
Esta constatação está clara. Sobretudo ainda resta refletir se à medida que a sociedade
contemporânea, em toda sua complexidade, exige do Estado respostas à criminalidade
violenta e organizada, pode-se considerar legítimo e necessário que a aplicação de um direito
penal desta natureza ronde nossas normas penais?
A princípio como possível resposta cita-se Meliá, afirmando que “o fato de haver leis
penais que adotam princípios do Direito Penal do Inimigo não significa que ele possa existir
conceitualmente, como uma categoria válida dentro de um sistema jurídico123”.
Sob esta ótica Sanchez também afirma que, uma possível legitimidade poderia se
basear em “considerações de absoluta necessidade, subsidiariedade e eficácia, em um contesto
de emergência124.”

122
STF. 2006. HC 85.531/SP.
123
JAKOBS, MELIÁ, 2007, p. 45.
124
SANCHEZ, 2012, p. 151.
65

Entretanto, de acordo com Jakobs, a não flexibilização de determinados direitos a uma


classe de infratores, estaria por vulnerar o direito à segurança pública das demais pessoas, e
desta forma expõe:

Quem não presta uma segurança cognitiva de um comportamento pessoal, não só


não pode ainda esperar ser tratado como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo
como pessoa, já que do contrário, vulneraria o direito à segurança das demais
pessoas. Portanto seria completamente errôneo, demonizar aquilo, que aqui se tem
denominado Direito Penal do Inimigo.125

Este entendimento de Jakobs propõe a seguinte discussão: a viabilidade de se


preservar garantias constitucionais a todo custo em favor de indivíduos que aterrorizam toda
uma sociedade e que a todo o momento negam submissão ao Estado-Direito.
Todavia, não é este o entendimento majoritário da doutrina (Zaffaroni, Gomes, Greco,
Prado, dentre outros), que entendem que o Direito Penal do Inimigo é incompatível com
Estados Democráticos de Direito. Senão, Gomes e Molina, destacam como principais
características desta teoria o “tratamento diferenciado, antigarantista, discriminador e
injustificado de determinados autores de crimes126.”
Wermuth127 afirma que o Direito Penal da contemporaneidade já não pode ficar sem
dar respostas à sociedade. E é em virtude desta necessidade de mostrar-se eficiente a todo
custo que surge a influência do Direito Penal do Inimigo nas legislações penais em todo o
mundo, mas que seria um instrumento simbólico, com escopo de tranquilização social,
voltado à megacriminalidade da sociedade de risco. Ou seja, fruto do medo vivenciado pela
sociedade, e da desacertada tentativa do legislador em dar respostas imediatas aos problemas
de segurança pública.
Porém, um dos seus maiores problemas, é que mesmo que esta teoria, em sua essência,
esteja direcionada à megacriminalidade, na realidade, os indivíduos mais atingidos pelos
efeitos destas leis, não são os megacriminosos, ao contrário, elas funcionam como
instrumentos de coação e repressão das classes mais pobres.
E mesmo, com o excessivo número de leis penais extravagantes na realidade brasileira
e, o já constatado tratamento mais severo a determinados crimes, não há diminuição dos
índices criminais, especialmente quanto a estes delitos identificados. Assim manifesta-se

125
JAKOBS, MELIÁ, 2007, p. 42-43.
126
MOLINA, GOMES, 2012, p 212.
127
WERMUTH, 2011, p. 62.
66

Jesus, para o qual, “o modelo decorrente do Direito Penal do Inimigo não cumpre sua
promessa de eficácia, uma vez que as leis que incorporam suas características não têm
reduzido a criminalidade128.”
A este respeito chega-se a dois questionamentos antagônicos: se com a vigência destas
normas, nitidamente influenciadas pelo direito penal do inimigo, os índices criminais
permanecem altos, o que seria da sociedade se estas normas não estivessem em vigor? Ou ao
contrário, se mesmo com um tratamento mais severo, os índices continuam altos, a eficácia de
tais normas seria questionável, pois não surti o efeito esperado?
Extremamente complicado chegar a uma conclusão pacífica, pois o tema é por demais,
polêmico. De um lado rigoristas, punitivistas, maximalistas e de outro os minimalistas,
defensores absolutos dos direitos humanos. Além do mais, esta é uma questão, que apesar de
justa, é praticamente impossível de se alcançar uma resposta coerente, pois é formulada em
suposições. Mesmo assim, buscar-se-á uma resposta, através de uma análise crítica da
legitimidade de um direito penal desta natureza, pois se for considerado indubitavelmente
ilegítimo, não poderá ser opção de solução para o problema de criminalidade.
Nesta vertente faz-se outro questionamento, diante do pensamento de que alguns
direitos não são absolutos, como é o caso da liberdade; haverá possibilidade para a
flexibilização de direitos fundamentais de criminosos que ofereçam grande perigo à
sociedade, numa tentativa do legislador-Estado enfrentar o crime organizado de forma mais
eficiente, pois infelizmente alguns criminosos, não se apresentam capazes de conviver
pacificamente em sociedade.
Porém, sobre o Direito Penal do Inimigo como exemplo de Direito Penal do autor,
pois considera o indivíduo pelo o que ele é, e não pelo o que ele fez, Cancio Meliá apud Luís
Flávio Gomes afirma:

Não se reprovaria (segundo o Direito penal do inimigo) a culpabilidade do agente,


sim, sua periculosidade. (...) pode-se alegar que o Direito Penal do Inimigo é uma
reação do sistema jurídico, frente aos problemas sociais como os riscos do mundo
pós-modernos, internamente disfuncional. Pois, os fenômenos, frente aos quais
reage o Direito penal do inimigo, não tem esta periculosidade terminal pra a
sociedade como se apregoa deles. A importância dada a estes fenômenos está em que
tratam-se de comportamentos delitivos que afetam elementos essenciais e
vulneráveis da identidade das sociedades, principalmente num plano simbólico.
Assim, uma resposta juridicamente-funcional deveria estar na afirmação do Direito
Penal da normalidade, e não na afirmação de um Direito Penal para o inimigo.
Portanto, a resposta idônea no plano simbólico, ao questionamento de uma norma

128
JESUS, 2005, p. 05.
67

essencial, deve estar na manifestação de normalidade, na negação da


excepcionalidade.129

Interessante está constatação apresentada por Meliá, qual seja, a afirmação, a efetiva
aplicação de um Direito Penal tal como constitucionalmente é concebido, seria uma resposta
idônea, e sem dúvidas, a mais coerente.
Mas se ainda considerarmos a proporção e o avanço da criminalidade organizada, estas
estruturas delinqüentes necessitam de uma legislação que acompanhe tal evolução? Valendo-
se de uma construção metafórica Gomes e Bianchini trazem uma reflexão interessante ao
tema:

Valendo-nos da imagem do elefante e dos ratos, dá para dar uma ideia


(bastante aproximada) do que vem ocorrendo com o tradicional Direito
Penal, que é, em termos de velocidade, um verdadeiro elefante (tendo em
conta que se funda na pena de prisão e exige, consequentemente, o devido
processo legal clássico: investigação burocratizada, denúncia, provas,
instrução demorada, etc.). A criminalidade da era pós-industrial e, agora, da
globalização por seu turno, é velocíssima (tanto quantos os ratos). Ao longo
do século XX, mas particularmente depois da Segunda Guerra Mundial,
acreditou-se que seria possível conter ou controlar (combater) os ratos com o
elefante (com o Direito Penal tradicional), desde que alguma mobilidade
extra lhe fosse dada. O legislador assim, começou a sua deformação,
colocando algumas rodas mecânicas nas suas patas (leia-se: para fazer frente
à criminalidade moderna, começou a transformar o Direito Penal tradicional,
flexibilizando garantias, espiritualizando o conceito de bem jurídico,
esvaziando o princípio da ofensividade etc.). Logo percebeu-se que a
velocidade do elefante, mesmo já deformado, ainda assim era incompatível
com a rapidez da criminalidade. O processo de motorização e, depois, de
turbinação de suas patas, deu-se nas três últimas décadas do século XX:
amplo processo de criminalização, modificação constante do Código Penal,
aprovação massiva de leis especiais, novos tipos penais... Consequência: o
elefante (o Direito Penal tradicional) tornou-se irreconhecível. E foi com esse
formato que o Direito Penal chegou na era da globalização: hipertrofiado,
confuso, caótico, simbólico, disfuncional, instrumentalizado etc. É um
elefante completamente deformado. Ainda continua andando lentamente
(leia-se: o direito penal funciona uma vez ou outra), e é pouco eficaz na
prática (o índice de cifra obscura aumenta a cada dia). Quando atua,
entretanto (leia-se onde coloca sua pata), faz um estrago tremendo: a força e
o peso da sua pata praticamente esmagam (isto é, os poucos criminosos
processados e condenados são esmagados pela longa prisão cautelar, severas
penas aplicadas, assim como pelo sistema penitenciário brasileiro)130.

Nesta metáfora que considera o Direito Penal como um elefante, pesado e lento,
devido à burocracia judicial, que tem a difícil finalidade de perseguir o ágil ratinho,
identificado como a criminalidade na sociedade globalizada, e que tem se desenvolvido de

129
JAKOBS, MELIÁ, 2007, p. 76-78
130
GOMES, 2002.
68

maneira impressionante, atingindo um nível de organização desafiador. A discussão sobre a


tentativa desacertada de adequar o Direito Penal (elefante), com as características de ‘terceira
velocidade’ (as rodinhas), segundo Gomes e Bianchini só deformou o elefante (Direito Penal),
contudo sem resolver a questão, pois esta infeliz tentativa do legislador-Estado seguramente
não resolve o problema de criminalidade.
Mais uma vez, citando Jakobs que defende que este tratamento diferenciado tem lugar
para garantir efetivamente um legítimo direito dos cidadãos comuns, pois:

Quem por princípio se conduz de modo desviado, não oferece garantia de um


comportamento pessoal. Por isso, não pode ser tratado como cidadão, mas deve ser
combatido como inimigo. Esta guerra tem lugar com um legítimo direito dos
cidadãos, em seu direito à segurança, mas; diferentemente da pena, não é direito
também daquele que é apenado, ao contrário, o inimigo é excluído131.

Desta maneira, Jakobs trata o inimigo como um indivíduo desvinculado da sociedade,


um mero objeto de coação, que deve ser excluído do convívio social. E por este motivo, Prado
avalia que enquanto “o Direito Penal do Inimigo for apenas força e coação físicas para a
imposição e defesa da ordem social, entrará em uma contradição insanável com a dignidade
do ser humano e deverá ser considerada ilegítima e invalidada de modo absoluto132.”
Mas, seria confiável separar a sociedade em dois grupos, os permanentemente
desviados e o restante dos cidadãos? Segundo Prado absolutamente não é segura esta
imprecisa identificação de inimigo:

não se vislumbra um parâmetro que ofereça o mínimo de segurança a respeito da


identificação do inimigo, de modo que é impossível determinar se essa seria uma
condição inata ou se, ao contrário, poderia m cidadão, perder sua condição de
pessoa, transformar-se em inimigo e, ainda, em que momento preciso isso ocorreria
ou quais os critérios que delimitariam essa qualificação133.

Ademais, outra crítica que se deve fazer ao Direito Penal do Inimigo é o fato de adotar
a teoria do direito penal do autor. E desta maneira, revela-se um direito penal discriminatório.
Um grande perigo, após grandes avanços históricos. Assim, possui um caráter
demasiadamente repressivo, pois acaba punindo o agente pela simples cogitação do crime, ou
seja, o mero pensamento, o que fere vários princípios penais, como o da lesividade, da

131
JAKOBS, MELIÁ, 2007, p.49.
132
PRADO, 2010, p. 121-122.
133
Idem. Ibidem, 2010, p. 120-121.
69

ofensividade e da materialização do fato.


Ainda arrolando críticas a tese de Jakobs, Luís Flávio Gomes esclarece que na
aplicação de um Direito Penal do Inimigo não se segue o processo democrático (devido
processo legal; e essa lógica “de guerra”, intolerância contra o inimigo, não se coaduna com o
Estado de Direito; perdem lugar as garantias penais e processuais, e não seria racional, pois
leva a excessos134.
Para concluir, necessário se faz negar a legitimidade desta influência teórica, pois, por
mais que a sociedade clame por mais segurança, a aplicação efetiva do Direito Penal tal como
está, fundamentado nos ideais garantistas, é suficiente.

134
GOMES, 2005.
70

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo propor uma discussão acerca da influência da
expansão do Direito Penal na realidade normativa brasileira, e principalmente, identificar
aspectos da teoria do Direito Penal do Inimigo e suas causas em nosso ordenamento jurídico,
buscando posicionamentos doutrinários, jurisprudenciais e/ou legais aptos a revelar tal
realidade, considerada incompatível com Estados Democráticos de Direito.
É certo que, historicamente no Brasil, existem oscilações entre o ‘garantismo penal’,
consagrado pela Constituição da República de 88, basicamente uma maneira de defender o
cidadão da força do poder estatal e, o ‘punitivismo’, responsável pelo ‘endurecimento’ das leis
penais, como forma de solucionar os problemas de criminalidade.
E atualmente a sociedade brasileira enfrenta o fenômeno da expansão do Direito
Penal, criado pelos riscos vivenciados diante da globalização. A denominada sociedade de
riscos ou do medo se destaca pela complexidade tecnológica e pela prática de crimes que não
obedece o limite das fronteiras, o que dificulta sua repressão pelo Estado. Ademais, o medo
do crime é preponderantemente subjetivo, devido à exploração midiática cotidiana da
violência.
Diante destes fatores se dá a expansão do Direito Penal, através da criminalização de
novas condutas, aliada à flexibilização de garantias constitucionais e aumento significativo
das sanções impostas. Ou seja, a ciência penal vai se expandindo alcançando a penalização de
condutas que antes eram fiscalizadas por outros ramos do Direito na mesma proporção que
vai restringindo direitos conquistados no decorrer da história pela humanidade.
Desse fenômeno surgem as velocidades do Direito Penal. Na primeira velocidade está
a consagração do Direito Penal tradicional, com a aplicação de penas privativas de liberdade
juntamente com a preservação de todas as garantias processuais e penais. Na segunda
velocidade, há uma aplicação de penas alternativas à prisão, porém as garantias são mitigadas.
Já na terceira velocidade existe a fusão do que há de mais severo nas duas primeiras, qual
seja, a aplicação das penas privativas de liberdade aliadas à flexibilização de garantias
constitucionais.
E como uma espécie de Direito Penal de terceira velocidade verifica-se o Direito Penal
do Inimigo. Corrente doutrinária extremamente polêmica, que mesmo sendo considerada
majoritariamente pela doutrina como incompatível com Estados de Direito, é possível
identificá-la em normas penais em todo o mundo, inclusive no Brasil.
71

Nas leis penais brasileiras foi possível identificar a manifestação da teoria


expansionista e de características da aplicação de um Direito Penal do Inimigo.
O fenômeno expansionista se deu através da hipertrofia legislativa, ou seja, a criação
de um grande número de leis, provocada pelo anseio popular por mais segurança,
instrumentalizando de forma inadequada o Direito Penal e atribuindo-lhe a responsabilidade
de resolver os problemas de criminalidade.
Já a influência de um Direito Penal de terceira velocidade foi evidenciada através da
antecipação da tutela penal, a aplicação de penas desproporcionalmente altas, a flexibilização
de garantias penais e processuais penais, e a exploração de tipos de perigo abstrato, dentre
outras características muito presentes em leis penais extravagantes tais como a Lei de
Tóxicos, do Desarmamento, do Crime Organizado e de Crimes Hediondos.
Analisando as características presentes nas referidas leis, é possível perceber a
excessiva penalização de tipos de perigo abstrato e a inobservância do princípio da
materialização do fato. Percebe-se, inclusive, que isto acontece, numa desacertada tentativa do
Estado em buscar soluções para os avanços da criminalidade. E diante da urgência e extrema
necessidade em se antecipar à prática delituosa, procura-se ofertar uma maior proteção à
população que se vê acuada pela criminalidade organizada.
Contudo, é questionável esta postura adotada pelo Estado de resolver os problemas de
criminalidade, enrigecendo as normas penais vigentes, com restrições de garantias tais como o
devido processo legal e a presunção de inocência; conquistas evidentes de uma sociedade que
não deve permitir este retrocesso.
Da mesma forma, de outro lado, há a necessidade de respostas imediatas para
controlar o crime, especialmente os imbuídos de violência, que amedrontam a sociedade. E
assim a sociedade recebe do legislador-Estado respostas imediatas que tentam satisfazer
superficialmente os anseios populares, mas que infelizmente possuem caráter simbólico e não
passam de medidas políticas.
Estas medidas não vêm como uma solução, até porque, uma resposta eficiente estaria
na aplicação responsável do Direito Penal tradicional, aliada à verificação das causas do
envolvimento do indivíduo na prática criminosa, e maior competência do Estado na realização
de políticas públicas, a fim de reduzir a desigualdade social.
Aliás, em análise à legislação penal vigente, foi possível identificar o tipo de indivíduo
que historicamente foi tratado como ‘inimigo’ da sociedade brasileira. Diante das formulações
doutrinárias, o indivíduo envolvido com o Tráfico de Drogas apresenta-se na realidade
72

brasileira como o autêntico ‘inimigo, pois o seu comportamento criminoso e sua


desvinculação com o Direito é habitual, sendo àquele que causa uma enorme sensação de
insegurança à sociedade, pois o personagem do traficante, além de vender drogas, anda
armado e está ligado aos crimes de roubo e homicídio.
Foi possível constatar ademais, à luz da jurisprudência que as tendências
expansionistas e do Direito Penal do Inimigo vêm contaminando a legislação penal brasileira,
sendo severamente criticada pelo Supremo Tribunal Federal, visto que em algumas decisões
declararam a inconstitucionalidade de artigos das referidas normas, como foi o caso do artigo
44 da Lei nº 11.343/06, que trata da vedação de concessão de liberdade provisória ao
traficante, antecipando assim a tutela penal e restringindo o direito constitucional à presunção
de inocência.
Todavia, em nível de primeira instância ou até mesmo de Tribunais de Justiça,
acontece aplicação, sem ao menos contestar a constitucionalidade, em cada caso concreto,
destas normas penais; e com isso há a conseqüente, admissão, velada e sorrateira, do Direito
Penal do Inimigo.
Aliás, diante de evidências de um Direito Penal do Inimigo rondando a legislação
brasileira, foi necessária análise da possível legitimidade da aplicação destas normas. Um
Direito Penal de emergência, e que possui tantas características incompatíveis com Estados
Democráticos de Direito não pode ser admitido em situações de normalidade. Alternativas,
que não coloquem em risco os direitos fundamentais devem ser almejadas.
Desta forma, foi defendida a hipótese de que, a realidade expansionista, bem como a
influência da polêmica teoria do Direito Penal do Inimigo; identificadas nas mais recentes
normas penais, revelam uma conseqüente necessidade de se buscar uma resposta legítima e
eficiente, frente aos problemas de criminalidade. Sendo confirmada no decorrer do trabalho.
Diante de todo exposto, concluo, pela pesquisa realizada, que as manifestações
legislativas punitivistas e de respostas meramente simbólicas devem ser evitadas, e se não o
forem, devem ser perseguidas como inconstitucionais pelos profissionais do Direito. A
finalidade do Direito Penal é prejudicada por este fenômeno expansionista e, portanto, deve-
se buscar um equilíbrio doutrinário, jurisprudencial e legislativo quanto à aplicação eficiente
do Direito Penal.
73

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