2015 RosicleideRodriguesGarcia VCorr
2015 RosicleideRodriguesGarcia VCorr
2015 RosicleideRodriguesGarcia VCorr
São Paulo
2015
II
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOLOGIA E LÍNGUA PORTUGUESA
São Paulo
2015
III
Ficha catalográfica
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação da Publicação
Serviço da Biblioteca e Documentação
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo
IV
FOLHA DE APROVAÇÃO
Banca Examinadora
V
VI
À minha família,
meu oceano de possibilidades e crescimento.
VII
VIII
Agradecimentos
IX
X
Resumo
XI
XII
Abstract
GARCIA, R.R. The intonation of the caipira dialect in the Médio Tietê: recognition,
characteristics and formation. 2015. 145f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
This doctoral dissertation aims at analyzing the Portuguese dialect (caipira) spoken in the
region of Middle Tietê, on the Brazilian state of São Paulo. Entitled “The intonation of the
caipira dialect in the Middle Tietê: recognition, characteristics and formation”, this thesis
is part of the Project ExProsodia in aid to PHPP (Project History of Paulista Portuguese),
providing groundwork to other studies of Portuguese dialects. Besides examining aspects
of intonation, this work offers a concise historical analysis on how the caipira dialect was
established in Brazil, São Paulo and the Portuguese countryside. The empirical material
consisted of speeches from 40 interviewees in 7 cities of the Middle Tietê region (28
interviewees) and 3 cities of the Northern Portugal region (12 interviewees). Additionally, 10
recordings of journalists from a major TV news broadcasting in São Paulo (SPTV by Rede
Globo) were adopted as controls, based on the assumption of neutral speech (BARBOSA,
2002, p.36). Four interviewees were selected per city (2 men and 2 women), with the
inclusion criteria of being at least 60 years old, having low or no formal education, and being
ligelong resident at the surveyed areas. Five phrases were analysed per individual, amounting
to a total of 220 data samples. The intonations of these interviewees were processed
through specialized computer applications (SFS and Audacity) and the special use of an
automated analytical tool called ExProsodia®, which statistically discriminated the various
tones of the caipira dialect. Following Ferreira Netto’s research (2008), speeches were
analyzed by selecting the midtones (TM) and the final tones (TF), in the so-called f0
analysis. Common features were observed among the Portuguese interviewees and the
Brazilian controls, whereas the phrasal finalization of Brazilian and Portuguese interviewees
tended to be less marked, and featured by a plagal trace speech. Similar results were observed
by Costa (2011) and Baz (2011), where the lines of Paraguayan Guarani Indians and Guatós
Indians were analyzed. This thesis concludes that the authentic finalization is an intonational
variation, because the plagal finalization is a region-independent feature occurring in the
dialects of individuals with low or no formal education. Hence, the plagal finalization is
suggested to be a common trait of speech, also kept by the caipira dialect. Furthermore,
as the caipira dialect presents TM and TF similar to the control, it features inflections which
are neither plane or equal; such finding warrants an update on Amaral's information on the
subject (1920, p. 56).
Keywords: Intonation, Prosody, Caipira dialect from Mêdio Tietê, Plagal finalization.
XIII
XIV
Lista de figuras
Figura 2 - Principais bandeiras realizadas pelo Brasil durante os séculos XVII e XVIII... 33
Figura 21 - Arco da Porta Nova, foto atual de uma das entradas da muralha............. 61
XV
Figura 22 - Mapa de Braga de 1594............................................................................ 62
XVI
Lista de gráficos
XVII
Exemplo da entoação frasal masculina (H1/FR1) de Itu. Frase: “A
Gráfico 13 - juventude era uma coisa gostosa, né... nóis tinha a nossa praça, nóis
frequentava a praça, nóis andava pra praça, arrumava namorada, e
assim foi indo... tinha o coreto, tinha a nossa banda união que era
bastante afamada, e assim... tocando a vida pra frente.” A média do
TM é 173 e do TF é 171......................................................................... 123
XVIII
Lista de Tabelas
Tabela 12 - Comparação do Tom Médio (TM) entre homens das cidades do Médio
Tietê e Portugal. Os dados foram gerados a partir do controle da tabela
6................................................................................................................ 98
Tabela 29 - Resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não
significativa entre os informantes de todas as regiões: P >0,05 e F0
(1,84) < Fc (1,87)...................................................................................... 107
Tabela 30 - Resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não
significativa entre os informantes do Médio Tietê: P >0,05 e F0 (1,79)
< Fc (2,16)................................................................................................ 108
Tabela 32 - Comparação do Tom Final (TF) dos homens medido em Hertz nas
cidades do Médio Tietê, Portugal e controle........................................... 108
Tabela 34 - Resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não
significativa entre os informantes masculinos do Médio Tietê: P >0,05
e F0 (2,23) < Fc (2,24).............................................................................. 109
Tabela 37 - Comparação do Tom Final (TF) das mulheres medido em Hertz nas
cidades do Médio Tietê........................................................................... 110
Tabela 38 - Resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não
significativa entre todos os informantes femininos: P >0,05 e F0 (1,47)
< Fc (1,92)................................................................................................ 110
Tabela 39 - Resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não
significativa entre os informantes femininos do Médio Tietê: P > 0,05
e F0 (2,06) < Fc (2,24).............................................................................. 110
Tabela 40 - Resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não
significativa entre os informantes femininos do Médio Tietê e
XXI
Portugal: P > 0,05 e F0 (1,46) < Fc (1,98)............................................... 111
Tabela 41 - Resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não
significativa entre os informantes femininos do Médio Tietê e o
controle: P > 0,05 e F0 (2,04) < Fc (2,13)................................................ 111
Tabela 42 - Comparação do Tom Final (TF) entre homens das cidades do Médio
Tietê e Portugal. Os dados foram gerados a partir do controle da tabela
32.............................................................................................................. 111
Tabela 57- Resultados do teste estatístico F para o TF. Houve variação não
significativa entre as informantes do Médio Tietê e Portugal: P>0,05 e
F0 (1,11) > Fc (3,17)................................................................................. 117
XXIII
XXIV
Sumário:
Introdução....................................................................................................................... 27
1. A motivação para os estudos da prosódia caipira............................................ 28
1.1. Brevíssimo histórico do português no Brasil.................................... 29
1.1.1. A importância do bandeirantismo no Brasil...................... 32
1.2. Para o estudo do estabelecimento do idioma e suas variantes.......... 34
1.3. Variações do caipira e do Brasil........................................................ 39
2. O estudo da entoação caipira............................................................................. 40
3. Concentração do estudo: informantes das cidades do Médio Tietê e do norte de
Portugal................................................................................................................. 41
4. Apresentação da tese........................................................................................ 43
XXV
1.1.1. Santana de Parnaíba.............................................................. 74
1.1.2. Pirapora do Bom Jesus.......................................................... 75
1.1.3. Itu.......................................................................................... 75
1.1.4. Porto Feliz............................................................................. 76
1.1.5. Piracicaba.............................................................................. 77
1.1.6. Capivari................................................................................ 78
1.1.7. Tietê..................................................................................... 78
1.1.8. Braga..................................................................................... 79
1.1.9. Bragança............................................................................... 80
1.1.10. Vila Real............................................................................ 81
2. Seleção dos controles para comparação da entoação caipira............................. 81
2.1. Processo de coleta............................................................................... 82
3. O estudo de prosódia e a geração de dados pelo ExProsodia............................ 83
3.1. Considerando a hipótese F0 como série temporal............................... 84
3.2. Utilizando o teste ANOVA para percepção das diferenças dialetais.. 86
3.3. A finalização autêntica e a plagal........................................................ 86
3.3.1. A música e os estudos de prosódia....................................... 87
3.3.2. As finalizações plagais no dialeto caipira e na fala dos
portugueses........................................................................................... 89
Referências........................................................................................................................ 135
XXVI
Introdução
Ou seja, por meio desse trecho, observamos que o autor, por considerar a
existência de conservações na língua que chamou de “estado atrasado do português”,
demonstra que um estudo abrangendo a compreensão das transformações sociais
auxiliaria a entender as variações linguísticas do dialeto caipira (DC).
1
PHPP é um conjunto articulado de subprojetos situados na Área da Linguística Histórica do Português e,
portanto, na linha de pesquisa Estudos Diacrônicos e Sincrônicos do Português centrados nos objetivos de
(a) coletar, organizar e disponibilizar corpora diacrônicos do Português Paulista, de modo a apoiar
pesquisas sobre essa variedade; (b) analisar tais corpora em três eixos: (i) estudo da variação e mudança
gramatical, dos ângulos funcionalista-cognitivista e gerativista, com ênfase nas classes de palavras e nas
construções sintáticas; (ii) estudo da formação das variedades culta e popular e da difusão da popular na
região do Médio Tietê, paralelamente ao traçado sócio-histórico do Português Paulista; (iii) estudo de
gêneros discursivos e de processos de construção textual, sob as perspectivas crítico-discursiva e textual-
interativa. Assim estruturado, o PHPP pretende promover um diálogo entre teorias linguísticas,
indispensáveis nas pesquisas contemporâneas da Linguística Histórica. Fonte: http://phpp.fflch.usp.br/.
27
Porém, deve-se ressaltar que O dialeto caipira é uma obra pioneira, produzida
de maneira particular e até artesanal, já que o autor, também poeta pós-parnasiano,
registrou aquilo que captava nas conversas do dia a dia (DUARTE, 1950, 21-23).
Obviamente, não se deve tirar-lhe o mérito, mas, como o próprio Amaral escreveu em
sua introdução, eram necessárias mais pesquisas metódicas e referências para
embasamento científico e expansão da obra que iniciou (AMARAL, 1955, 43-44).
Fazendo uma análise comparativa dialetológica utilizando outras pesquisas,
percebe-se que diversas variantes tidas no DC também estão presentes em outras
localidades por conta do legado da expansão do português no Brasil (vide item 1.2),
confirmando a afirmação de Silveira Bueno (1967, p.160) quando diz que “não existe
um só dos chamados ‘brasileirismos’ que não se possa encontrar nos bons autores
portugueses”. Por isso, apenas considerar os apontamentos de Amaral sem ampliar a
pesquisa vai de encontro à própria vontade do autor, porquanto ele mesmo fizera esse
pedido para sabermos se, muito além de ser o linguajar que traz consigo somente a
realização do chamado “r forte” (retroflexo), quais seriam os elementos caracterizantes
do DC.
De modo geral, o tema é extenso e pode ser dividido em vários assuntos, mas
esta tese se propõe a focar na análise da prosódia, avaliando a entoação do dialeto
caipira da região compreendida no Médio Tietê. Assim, pretende-se gerar dados
suficientes para auxiliar estudos que categorizem e registrem a produção entoacional, a
fim de que essa contribuição seja reconhecida nos meios acadêmicos e, sobretudo,
constitua uma memória relevante dentro dos registros dos aspectos
linguísticos/prosódicos brasileiros dos séculos XX e XXI do interior do estado de São
Paulo.
29
a constituição das capitanias, mesmo com as iniciativas da metrópole, estas mantinham
apenas três mil colonos.
Em 1537, foram introduzidas cabeças de gado nas capitanias e a produção de
açúcar em São Vicente, o que motivou o desenvolvimento da colônia. Nesse período,
iniciou-se a mistura de etnias e o contato com as demais línguas.
Também foi nessa época que os colonos constituíram suas moradas nos morros,
como forma de defesa aos constantes ataques franceses e de índios. Isto é,
primeiramente surgiram as cidades no interior; somente após a reconquista das terras
por causa das invasões francesas e holandesas, fundaram-se as cidades no litoral.
Assim, começaram a se abrir caminhos para o sertão do Brasil. As cidades do
extremo sul do país, por exemplo, foram estabelecidas pelo interior a partir do século
XVII devido à frequência dos viajantes abrindo novos caminhos e do comércio das
missões (RIBEIRO, 1901, p.110). Em 1656, comandado pelo paulista Domingo Peixoto
de Brito, fundou-se a povoação de Laguna, em Santa Catarina, avultando-a com
deportados e, após, com a presença de habitantes que residiam nas ilhas de extensão
portuguesa (Açores e Ilha da Madeira).
Em 1715, de Laguna saíram expedições para determinar caminhos por terra até a
colônia de Sacramento, expandido o território até Rio Grande. Segundo o autor
(RIBEIRO, 1904, p. 253),
Sendo assim, de acordo com o autor (1901, p.227), devido à história das
capitanias e a extensão geográfica colonizada, era possível dividir o país em 5 grandes
grupos:
1. Extremo Norte (do Amazonas ao Ceará);
2. Norte (Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas);
3. Centro (Sergipe, Bahia, Ilhéus, Porto Seguro);
4. Interior (São Paulo, Paraná, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso);
5. Rio de Janeiro (todo o litoral da parte sul do Brasil, excetuando São Paulo).
Segundo Ribeiro, o Norte e o Centro eram regiões ricas, de grande importância
política e disputas territoriais; o Extremo Norte desenvolveu-se “separadamente do
governo geral até os tempos de independência”; e o Interior, com o bandeirantismo,
conquistou novas terras que, mais tarde, por razões financeiras e políticas, tornaram-se
30
capitanias independentes de São Paulo. A única cidade litorânea de grande importância
era o Rio de Janeiro.
Dentro desse contexto de formação cultural, Diégues Júnior, em sua obra
Regiões culturais do Brasil (1960), por sua vez, compreendeu que os fatores
econômicos e políticos também foram decisivos para as transformações socioculturais,
de maneira que ele propõe a divisão do país em dez regiões: o Nordeste agrário, o
Mediterrâneo pastoril, a Amazônia e a região extrativa, a Mineração e o planalto, o
Centro-oeste extrativista e pastoril, o Extremo sul pastoril, a Colonização estrangeira2, o
Café, o Cacau e o Sal.
2
Segundo o autor, a imigração e a colonização estrangeiras "contribuíram para quebrar a unidade, senão
mesmo a monotonia, da paisagem cultural de origem lusitana. O quadro cultural de base portuguesa foi
enriquecido de outros aspectos; agregaram-se-lhes elementos originários de outras culturas" (1960, p.
351)
31
expansão das fronteiras. E nisso lembramos que os nossos colonos eram os populares de
baixa escolaridade (conforme veremos no capítulo 1). De acordo com Boxer (1963,
p.154), “mais de três quintas partes dos viris imigrantes vinham da província do Minho
e do Douro”, e essa emigração foi impulsionada por fatores socioeconômicos que
faziam com que os jovens tivessem de buscar novas oportunidades de vida e ascensão
social que não lhes eram oferecidas em seu país de origem (RAMOS, 1993).
De qualquer maneira, embora os colonizadores tenham convivido com africanos
e índios, e o Brasil tenha recebido invasões de povos estrangeiros – holandeses em
Pernambuco (1630 a 1654); franceses da Paraíba ao Ceará (1579 a 1598) e Maranhão
(1594 a 1615); e a imigração no século XIX – , já havia em nosso país um forte
superestrato linguístico. Por isso, apesar do primeiro contato com a língua geral dos
índios3 (RIBEIRO, 1901, p. 22) e a necessidade de comunicação com eles, o português
manteve-se como o idioma de prestígio, e, mesmo tendo incorporado vocábulos de
origem africana e indígena, conservou-se como principal código de comunicação, de
acordo com o que vemos nos documentos coletados no período4. Sobre isso, Castilho
destaca (2010, p.205) que “os portugueses comandavam os negócios públicos,
imprimiam rumos políticos e culturais ao território, predominavam numericamente
entre a população branca, tendo por isso um prestígio social maior”.
3
Segundo Ribeiro, aqui no Brasil viviam “differentes tribus, de sul a norte, com differentes nomes; mas a
língua d'ellas era, com poucas differenças, a mesma, d'onde se lhe chamou merecidamente mais tarde a
Língua geral”.
4
Ver trabalhos relacionados ao PHPP, in http://phpp.fflch.usp.br/corpus.
32
audazes pioneiros da terra na organisação das bandeiras, no
commercio da escravatura indígena, d'onde resultaram conflictos
memoráveis com os jesuítas e horríveis fratricídios pelo
descobrimento das minas.
Figura 2: Principais bandeiras realizadas pelo Brasil durante os séculos XVII e XVIII
33
determinadas variações linguísticas sejam encontradas em diversas localidades do nosso
território brasileiro, já que, como demonstrado, o português foi se espalhando pelo país
e se constituía conforme a necessidade da região.
34
os registros que Amaral tinha realizado sobre o DC, conforme já mencionado
anteriormente.
Quase um século depois, vemos que as constatações do autor continuam a ser
matérias de trabalhos científicos, e alguns serão brevemente reunidos aqui para
demonstrar que, por ora, esse tema está sendo bem estudado. Por isso, ele poderá ser
posto de lado para podermos estudar a entoação do falar caipira, assunto este que
necessita de um olhar mais acurado. E, para esse breve levantamento, além dos
trabalhos publicados, seguiram-se as anotações de Amaral e parte dos resultados das
pesquisas realizadas em ofícios novecentistas da dissertação de Garcia (2009), pois,
nesses documentos, também havia o registro de oralidade. Conforme já observado por
Vasconcelos (1928), mesmo em textos produzidos por pessoas alfabetizadas, é possível
encontrar esses traços. De acordo com Spina (2008, p.289):
6
Também chamado de rotacismo por autores contemporâneos (COX; ASSAD, 1999; BORTONI-
RICARDO, 2004; BAGNO, 2007; SANTANA et alii, 2008), Bueno (1967, p.228) não admite o uso do
termo, informando que tal nomenclatura é dada apenas pela troca do s por r intervocálico. Dubois et alii
(2001, p. 523), todavia, informa que, por extensão, rotacismo também designa a transformação do [r] a
partir de outras consoantes, como [d] e sobretudo [l].
36
d) Séculos XX/XXI: – Dados de fala espontânea:
HORA, Dermeval. Projeto Variação Linguística no Estado da Paraíba,
1993.
TELLES, Stella. Corpus do Português Falado no Estado de
Pernambuco, 2005. Projeto Variação Linguística Urbana no Sul do
País, VARSUL, 1989.
Outro processo encontrado nos séculos passados, e que ainda se ouve nas regiões
de Capivari, é a epêntese de consoante /r/, sendo comum ouvir nas ruas e comércios
variações como largartixa e cardarço. Spina (2008, p.298) anota no XVI casos como
almorço (almoço). Nos documentos da cidade, apresentaram-se formentar (fomentar)
em 1882, e hyportese (hipótese) em 1884.
Tanto no século XVIII quanto no XIX, verifica-se a dissimilação em propio
(próprio) em 1785 e impropio (improprio) em 1841, entre outras. O mesmo vocábulo é
encontrado no espanhol. Segundo Paiva (2008, p. 171) “o bilinguismo predominou dos
meados do século XV à primeira metade do século XVII”, entretanto, Teyssier (1959,
p.293) afirma que “a intromissão deste no português praticamente inexiste”. De
qualquer maneira, tais variantes sempre estiveram na língua, dado que Nunes (1989)
traz os mesmos exemplos datando o período anterior ao século XVI.
Sobre a apócope de /l/ e /r/, Mendonça (1936) afirma que a sua queda, bem
como a vocalização de /l/, também ocorria na fala das populações luso-africanas das
ilhas de Cabo Verde, São Tomé, Príncipe e Ano Bom. E Vasconcelos (1987, p.98)
apresenta a apócope do /r/ no Norte, no centro e no sul de Portugal. Em um documento
de Capivari do século XIX, há a ocorrência de regula (regular) – do contexto “a
produção regula do café [...]” – e existem diversas outras executadas pelos falantes do
XXI.
Em relação à síncope, Spina (2008, p.293) registra o uso de exprimentar e
esprito (experimentar, espírito) no XVI. No XIX, tal fenômeno mantém-se em fragante
(flagrante) em 1836; detriorado (deteriorado) em 1852 e 1858; priudo (periodo) em
1864; e cadavres (cadaveres) em 18517. No estudo de Araujo et alii (2008), também há
a menção da variante tratada nos dias atuais cuja incidência se dá em paroxítonas e
proparoxítonas. Sob análise fonética/fonológica, Bisol (2000, p. 406) complementa:
7
Embora no francês exista o vocábulo cadavre, deduziu-se, devido à grande quantidade de variantes
presentes no fólio, que o autor transcreveu a palavra da forma como falava e não tinha contato com a
língua estrangeira, visto que era de família popular e, em Capivari, não houve imigração de franceses.
37
neutralização designada desde Câmara Júnior, é o pé métrico, definido
como um pé dissílabo de cabeça à esquerda.
8
Dentro do internetês, o último exemplo é visto sob a codificação v6, ou seja, a abreviação de vo com a
sonoridade do número seis, o que demonstra como tal prática é usada inclusive em outras localizações e
no meio virtual – base atual que mais traz variações escritas da linguagem oral.
38
vocábulos trabaia, óia, veiarada e véio (trabalha, olha, velharada, velho) durante o
diálogo (GARCIA, 2009). No espanhol, tal fenômeno é chamado de yeísmo.
Quanto à desnasalização das vogais átonas em posição final, Vasconcelos (1928)
registra os termos home, corage e as formas verbais entre Douro e Minho. Teyssier
(1983, p. 607) também encontra exemplares semelhantes em textos teatrais do século
XVIII. Da mesma forma, tal processo é aparente nos documentos do XIX, com
exemplos como contaje (contagem) em 1834, e parage (paragem) em 1808; e Oliveira
(2008) vê o mesmo evento ocorrendo em documentos também oitocentistas de
Salvador, Bahia, desta vez por escritores africanos.
Para finalizar, a vocalização de /l/ é vista desde o século XIX em que são
encontrados vestígios no dialeto caipira: em 1808, achou-se oltogaram (outorgaram) e
em 1842, quintão (quintal). Noll (2008, p. 239) afirma que
A vocalização do /l/ implosivo no português brasileiro é um processo
que ocorreu de forma ampla nas línguas românicas (cf. Kolovrat,
1923). Trata-se de um desenvolvimento da velarização do /l/
implosivo, já atestada no latim pré-clássico. Desse modo, o francês, o
espanhol e o português, por exemplo, modificaram o latim altru(m)
respectivamente para autre, outro, outro, enquanto o catalão
conservou o /l/ velarizado em altre.
9
Em Nova Gramática do Português Brasileiro, Castilho levanta algumas teses sobre a formação do
português brasileiro, dentre elas, a de que a língua seria uma continuação do arcaico (2010, p. 189):
“outros linguistas sustentam que as línguas naturais mudam continuamente com o tempo, obedecendo
porém as linhas de forças desenhadas por sua própria estrutura. [...] De acordo com este ponto de vista, o
PB resulta de uma mudança natural, explicada por tendências evolutivas que tinham começado já na
península ibérica, e com isso poderíamos dizer que o PB é uma continuação do português arcaico”.
10
Segundo Bassetto (2002, p. 64 e 70), o método histórico-comparativo vale-se de “dados colhidos nas
línguas com a mesma origem [que] são comparados entre si para se lhes encontrar a forma originária,
determinar os metaplasmos ocorridos, verificar-lhes o significado, a formação de novos campos
semânticos, o motivo ou os motivos de tais formações, e inúmeras questões semelhantes” enquanto a
geografia linguística “se ocupa com a situação em que uma língua se encontra num determinado
momento, em localidades ou regiões previamente escolhidas”.
39
dessas variantes, de modo a constatar que existe ainda a manutenção de determinados
fenômenos em diversas regiões díspares.
Sabe-se que as proporções territoriais brasileiras são continentais, e que a
colonização não se deu de maneira uniforme: conforme Ribeiro (1901), no século XVI
houve focos de colonização, isto é, grupos vieram para São Paulo, Pernambuco,
Salvador, Maranhão e Rio de Janeiro, e trabalharam cada qual em suas capitanias de
maneira particular. Isso significa que esses grupos – que, posteriormente, tornaram-se
os paulistas e nordestinos, por exemplo – ficaram em regiões distintas. Algumas dessas
localidades mantiveram-se mais isoladas, como as do interior paulista, enquanto outras,
por terem mais importância política como a Rio de Janeiro, recebiam com mais
constância influências externas. Esses fatos elucidam o motivo de haver a diversidade
linguística ao mesmo tempo em que há variantes coincidentes em todo o país. O método
neolinguístico ou espacial de Matteo Bartoli (1945, apud BASSETTO, 2002, p. 79-81)
explica que:
1. Havendo palavras diferentes em fases cronológicas distintas para
um significado, a forma da área mais afastada ou de acesso difícil
costuma ser a mais antiga. [...]
2. De acordo com esta segunda “norma de área”, as formas de regiões
periféricas são mais antigas que as correspondentes centrais. [...]
3. São mais antigas as palavras conservadas em áreas mais amplas
que as correspondentes encontradas em áreas mais restritas. [...]
4. Regiões de latinização mais tardia costumam conservar formas
mais antigas, sobretudo em relação à Itália; isso quer dizer que o
latim da Itália era mais inovador que o do Império em geral. [...]
5. Palavras desaparecidas, arcaizadas ou menos usuais costumam ser
as mais antigas. [...]
40
2. O estudo da entoação caipira
No capítulo Fonética da obra de Amaral (1920), vemos que o autor considera a
prosódia como “o ritmo e musicalidade da linguagem”, e faz algumas considerações
acerca do DC. Porém, o próprio termo desencadeou, nas últimas décadas, diversos
estudos para que se pudesse estabelecer realmente como deve ser interpretado. Em
2000, Di Cristo o definiu como um ramo da linguística destinado à descrição e
representação dos elementos da expressão oral, associando-o às variações de parâmetros
físicos, como a frequência f0, duração e intensidade. Dentro dessa linha de pensamento,
conforme Consoni (2010, p. 9), os termos prosódia e entoação não devem ser
confundidos, tendo em vista que aquele “pode assumir definições diversas, ele pode
estar ligado exclusivamente a variações de frequência fundamental ou incluir variações
de outros parâmetros prosódicos, tais como duração e intensidade”.
Assim, esta tese segue a linha teórica proposta por Ferreira Netto (2008) em que
defende a entoação como sequência de tons, iguais ou diferentes, produzidos pela voz
durante a fala, podendo ser decomposta em componentes estruturadoras e semântico-
funcionais da entoação da fala: finalização (F) e sustentação (S), foco/ênfase (E) e
acento lexical (A). De acordo com o autor:
A sustentação é consequência do esforço que se acrescenta a cada um
dos momentos da fala, incluindo-se o inicial, para compensar a
declinação pontual de finalização. Ritmo tonal é consequência da ação
dessas duas tendências que atuam em sentidos opostos, possibilitando
a produção da fala. A componente F associa-se ao fato de que se trata
do tom-alvo da declinação pontual, estabelecida por um intervalo ideal
decrescente de 7 st do tom médio (TM) obtido até o momento Zt
(FERREIRA NETTO; CONSONI, 2008). O tom médio é a tendência
central dos valores válidos de f0 calculada como a média aritmética
acumulada no tempo. Os valores válidos mensurados são os
momentos de f0 que cumprem as restrições de altura, intensidade e
duração. (2008, p.2)
4. Apresentação da tese
Esta tese está dividida em três capítulos que visam não apenas explicar
procedimentos e o resultado do exame da entoação do DC, mas também trazer subsídios
para a continuidade dos estudos sobre o dialeto paulista que estão sendo desenvolvidos
pelo PHPP.
Por isso, começamos a detalhar as regiões do Médio Tietê e Portugal com maior
acuidade no capítulo 1, em que se apresentarão as cidades e o motivo de estudá-las.
Tendo em vista os comentários realizados nesta introdução sobre a importância de se
conhecer a história do local para entendermos seu estado de língua, esse primeiro
capítulo trará informações particularizadas acerca da criação dessas localidades, o que
elas têm ou não em comum, entre outros aspectos, de modo a compreendermos o que
isso pode implicar na produção da prosódia e, até mesmo, nos processos dialetais.
No segundo capítulo, há a descrição de cada informante e da metodologia
utilizada para a formação da pesquisa. De modo geral, esse capítulo tende a ser
extremamente didático, pois, além das descrições, houve a preocupação de se registrar
variadas informações, dos locais e das pessoas, levantadas durante a pesquisa de campo,
de modo a humanizar o fazer científico e auxiliar outros pesquisadores durante a
condução de suas pesquisas. Percebemos, assim, que o trato humano, quando nos
43
referimos ao exame da linguagem, é fundamental para que a coleta capte o dialeto em
sua forma mais natural.
Ainda nesse capítulo, a preocupação didática permanece para que haja
explicação plena do processo de análise sistematizada desenvolvida pelo Projeto
ExProsodia e dos conceitos de entoação e finalizações. Embora nesta introdução a teoria
tenha sido previamente apresentada, ela será devidamente explanada, de forma que
quaisquer pesquisadores de variadas áreas possam compreender a importância e
realização do trabalho sistematizado que confere verossimilitude à pesquisa.
No terceiro, trar-se-á a análise dos dados entre o dialeto caipira e o falar neutro,
e o exame dos falantes do norte de Portugal em comparação ao DC. Demonstrados em
tabelas e gráficos, os resultados serão discutidos e explicados para a compreensão de
como ocorrem os tons médios e finais das regiões destacadas. Os resultados dessas
análises demonstram que o dialeto caipira traz evidências plagais, assim como as falas
dos índios paraguaios (BAZ, 2011) e os índios guatós (COSTA, 2011). Tais evidências
acabam por introduzirem outro estudo: de como a escolarização é fator fundamental
para a execução da entoação na prosódia. Desses fatos, geram-se as discussões que
serão trabalhadas nas Considerações Finais, confirmando as diferenças entoacionais
entre o dialeto caipira e o padrão, e trazendo-lhe mais uma caracterização até então
desconhecida.
44
CAPÍTULO 1
As cidades do Médio Tietê, do Norte de Portugal
e a cultura caipira
45
46
As cidades do Médio Tietê, do Norte de Portugal e a cultura caipira
Figura 3: à esquerda, divisões das bacias hidrográficas do Estado de São Paulo; à direita,
destaque para as regiões do Médio Tietê.
Cidades do Médio Tietê foram eleitas, pois, segundo Antônio Candido (1975), o
processo de expansão do interior paulista fez com que essas regiões por onde passaram
os bandeirantes obtivessem algumas características próprias e, até mesmo independentes
das demais localidades em que houve interesses distintos de colonização daqueles que
viviam no planalto de São Paulo. De acordo com o autor (1975, p.35),
47
Da expansão geográfica dos paulistas, nos séculos XVI, XVII e
XVIII, resultou não apenas incorporação de território às terras da
Coroa portuguesa na América, mas a definição de certos tipos de
cultura e vida social, condicionados em grande parte por aquele
fenômeno de mobilidade. [...] Basta analisar que em certas porções do
grande território devassado pelas bandeiras e entradas – já
denominado significativamente Paulistânia – as características iniciais
do vicentino se desdobraram numa variedade subcultural do tronco
português, que se pode chamar de cultura caipira.
48
Fonte:
http://www.
nea2.eu/fr/1
Sendo assim, as entrevistas dos portugueses dessa região foram utilizadas como
elementos de comparação entre as do Médio Tietê, conforme veremos com mais
acuidade ao decorrer da tese.
50
de importância política, cedeu sesmarias – que depois se tornariam as cidades de São
Roque, Araçariguama, Itu e Sorocaba –, o que ajudou a desenvolver a localidade com o
cultivo de produtos agrícolas e até na atividade de mineração, entre 1591 a 1601
(MOTA, 2007, p.19).
Pertencente à Vila de São Paulo, conforme Mota (2007, p.24), Santana de
Parnaíba obteve o status de vila em 1625 e servia como núcleo de abastecimento de
grandes bandeiras, além de receber benefícios dos próprios viajantes, que retornavam
com animais, ouro e demais riquezas das regiões exploradas. Na segunda metade do
século XVIII, a cidade entrou em decadência devido ao desaparecimento das monções e
do declínio da capitania de São Paulo (MOTA, 2007, p.32). No XIX, Santana de
Parnaíba, por não ser beneficiada pelos meios de transportes que então surgiam (as
linhas férreas não passavam por lá), teve um declínio demográfico, pois seus habitantes
se mudaram em busca de novas oportunidades. No final do século, a empresa
hidroelétrica São Paulo Light & Power Co. estabeleceu-se na cidade, porém, esta se
manteve com a economia agrícola. Sem grandes evoluções, somente no século XX, com
a construção das rodovias SP-312, Anhanguera e Castelo Branco, Santana de Parnaíba
voltou a ter crescimento demográfico, entretanto, funciona atualmente como cidade
dormitório, já que seus habitantes costumam trabalhar na capital ou cidades próximas,
voltando para Parnaíba somente para descansar.
51
A tradição oral da localidade conta
Fonte: http://www.ipmpbj.com.br/index.php?pg=fotos
&&id_galeria=130. Acesso em 03 dez 2013 às 09h10.
que se tentou levar essa imagem à igreja
matriz de Santana de Parnaíba, todavia, o
carro de boi atolou, e, depois de diversas
tentativas frustradas de locomoção, o surdo-
mudo presente falou pela primeira vez,
solicitando que a efígie permanecesse em Figura 7: vista aérea da cidade
Pirapora. Por conta disso, no local em que encontraram a imagem, foi construída uma
capela que favoreceu a criação de um povoado fundado em 1730 (SEADE, 2006).
Segundo Praem (2013), no livro Tombo da Paróquia de Santana de Parnaíba, registra-
se:
Em distância de duas léguas para parte norte, junto à margem do rio
Tietê e Salto de Pirapora, existe a Capela do Senhor Bom Jesus – Ecce
Homo – (Eis o Homem); a gloriosa e veneranda imagem é o Orago
dela e foi achada milagrosamente na beira da aguada e pesqueiro do
mesmo sítio, na margem do dito rio. Só talhada em madeira e depois
aperfeiçoada, e estabelecida a sua Capela perto do lugar de sua
invenção.
52
1.3. Itu
De acordo com Bertolazzi (2009), o
povoado de Itu remonta à data de 1610. Em
1657, o povoado é elevado à vila, desvincu-
lando-se de Santana de Parnaíba. Segundo a
autora, “durante quase 100 anos (de 1657 a
1750) a Vila de Itu [...] abrangia os atuais muni-
cípios de Porto Feliz, Piracicaba, Cabreúva, Figura 9: O salto de Itu, 1886, por Almeida Jr.
53
fazendo com que Itu fosse considerada o “Berço da República” por sua participação no
novo processo governamental pelo qual o país passou no final do século XIX.
A cidade teve como base econômica a produção cafeeira até 1935. Entre essa
data e 1950, a região estagnou, só voltando a crescer após a instalação de novas
indústrias no local.
Fonte: http://cuiabanidade1.files.wordpress.com/2011/06/06-
porto-feliz-1826-21.jpg. Acesso em 03 dez 2013 às 10h26.
p.14-18), a localidade é reportada
desde 1526 como a aldeia Maniçoba
dos índios Guaianazes, que utilizavam
o Anhembi como meio de transporte, o
qual seria também utilizado pelos
bandeirantes. Tanto que o Porto de Figura 11: Porto Feliz retratada em 1826.
54
Figura 12: dados cartográficos de Porto Feliz
1.5. Piracicaba
Por intermédio da abertura da estrada (outrora chamada “picadão”) em meados
de 1721 a 1727 para facilitar as paradas das expedições em busca do ouro em Cuiabá e
Goiás, Piracicaba nasceu dos povoados à beira do rio de mesmo nome e, durante seus
primeiros anos de criação, estabeleceu-se em três lugares diferentes, mas sempre às
margens do flúmen (PIRES, 2008).
Assim sendo, registram-se os
Fonte: http://diariodospapais.com.br/melhores-escolas-de-piracicaba-sp-
primeiros povoamentos em 1726,
embora haja apontamentos do Porto de
alguns anos.
Em 1765, temendo que os castelhanos tomassem as terras ora conquistadas,
Morgado de Mateus manda reabrir as picadas e incentiva o desenvolvimento dos
povoamentos. Conforme Pires (2008, p.27),
Morgado de Mateus, já tendo conhecimento de roteiros de antigos
sertanistas e indicações sobre antigos caminhos percorridos por estes
aventureiros, mandou reabrir a estrada de São Paulo até Cuiabá,
passando por Piracicaba e Campos de Araraquara, estabeleceu
fortalezas e povoações e ainda projetou formar uma colônia militar de
Iguatemi com o objetivo de estabelecer a posse definitiva das terras
pela Coroa Portuguesa e evitar o domínio espanhol em Cuiabá e Mato
Grosso.
Em 1767, ainda de acordo com a autora, Antônio Correa Barbosa “assentou uma
nova povoação” em terras férteis, para efetivamente compor a região que até então era
55
ocupada por posseiros, mineiros, sitiantes e criadores de gado. Nesse ínterim, o
povoamento mudou-se da terra inicial para outra, por considerar o lugar “pestilento”,
distanciando-se dela cerca de seis léguas. Em 1774, Piracicaba é elevada a vila. Porém,
em 1777 os espanhóis tomam a colônia de Iguatemi, o que faz com que a região sofra
prejuízos, já que ela fora primeiramente destinada a “prover as necessidades da dita
colônia militar” (PIRES, 2008, p.30), forçando os moradores a procurarem outros meios
de sustento. Desta forma, a vila muda-se pela terceira vez, saindo da margem direita do
rio para a margem esquerda, abaixo do salto, instituindo uma economia agrícola;
construindo-se, assim, uma nova igreja matriz e iniciando o plano de arruamento da
região.
Chamada de Vila Nova Constituição, Piracicaba é elevada a cidade em 1856, e
em 1877 teve seu nome instituído como Piracicaba, pois era assim popularmente
conhecida. Porém, somente no final do XIX, a cidade “começa a apresentar um certo
desenvolvimento econômico” com a chegada da iluminação, a Estrada de Ferro Ituana,
e a construção de uma fábrica de tecido, além de seu envolvimento com o movimento
republicano (PIRES, 2008, p. 81).
1.6. Capivari
56
quando uma estrada foi aberta unindo Itu ao salto de Piracicaba. Todavia, a picada ficou
esquecida durante alguns anos, sendo reaberta em 1765 para, conforme visto, o
estabelecimento das terras devido aos interesses do Império Português em ocupar e
manter a posse das terras brasileiras. Por a região ter um terreno fértil para o cultivo, as
sesmarias doadas no século XVIII atraíram moradores das regiões de Itu e Porto Feliz,
os quais são tidos como fundadores da cidade (CAMPOS, 1952). Assim, em franco
desenvolvimento, em 1820 deu-se a criação da capela de São João Batista; em 1825 foi
realizado o plano de arruamento; em 1826 a vila foi elevada a freguesia para, em 1832,
o povoado ser reconhecido como Vila de São João de Capivari. Nos meados do século
XIX, a linha ferroviária Sorocabana chegou à região, sendo desativada na década de 80.
De acordo com os documentos cartoriais, a imigração europeia chegou à região
na segunda metade do século XIX. Embora tenha havido uma grande influência italiana,
de acordo com os moradores da região, o centro permaneceu dividido durante décadas.
Grosso modo, os relatos dizem que a parte baixa (próxima ao rio Capivari) era destinada
aos negros, a central (onde fica a praça e a igreja) aos brasileiros, e a alta aos
estrangeiros. Atualmente, tal divisão não existe, sendo apenas história dos antigos.
1.7. Tietê
Localizada às margens do rio Tietê,
Fonte: http://www.tiete.sp.gov.br/60_imagens.php.
10
Pedro Álvares Cabral era de Belmonte, a 301 km de distância de Lisboa, e foi criado na corte
portuguesa desde os 12 anos de idade. Aos 17, recebeu o título de moço fidalgo (NEWITT, 2005).
58
em suas empreitadas. Sendo assim, tentar a vida nas terras brasileiras foi, durante
muitas décadas, uma forma de esperança para os portugueses menos abastados.
A questão é que os portugueses que aqui chegavam para se estabelecerem eram,
como já mencionado no início deste capítulo, analfabetos em sua maioria. De acordo
com Ramos (1988, p. 1067), “por volta dos séculos XIV e XV, ainda apenas uma
minoria — clérigos, burocratas, muitos nobres e alguns habitantes educados das
cidades, principalmente os mais ricos — sabia ler e era capaz de escrever”. Tal quadro
começaria a sofrer mudanças a partir do século XIX, quando, impulsionado pelas
doutrinas iluministas que incentivaram a Revolução Francesa e, por consequência,
influenciado por essa República, o movimento de alfabetização começou a se expandir.
Desta forma, se em 1878, quase 80% dos portugueses eram analfabetos, cem anos
depois os números reduziram para cerca de 17%.
Devido à observação desses dados, as cidades de Braga, Vila Real e Bragança
tornaram-se cidades relevantes, já que a história de Portugal inicia-se nessas
localidades, e estas foram responsáveis por mandar muitos de seus filhos para
construírem o nosso país, e, inexoravelmente, o próprio idioma falado no Brasil.
2.1. Bragança
13h34.
Fonte: McEVEDY, Colin. Atlas da história medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
(adaptados)
Figura 20: movimento da Reconquista nos séculos XI e XII
Por causa disso, conforme Santana (id.), no século XIII a cidade possuía quatro
freguesias e ocupava uma posição de prestígio perante as demais do norte. No XV,
porém, os reis católicos e o processo de Inquisição expulsaram os judeus, e isso
provocou a decadência da economia bragançana, pois eles levaram consigo dinheiro,
contatos e experiência mercantil. Se, em 1514, Bragança era a mais populosa da região,
com as crises industriais que se seguiram, ela estagnou durante os outros séculos, não
passando de 6.000 habitantes até o XIX (SOUSA, 2009). Assim, a falta de perspectiva
favoreceu a emigração para o centro do país e países do exterior, fazendo com que a
cidade sofresse um processo de regressão, e, consequentemente, voltasse a ter como
base a economia agrícola. Desta maneira, segundo Fernandes (2009), mesmo distante do
mar e sem perspectiva, os habitantes de Bragança estiveram presentes no Período dos
Descobrimentos, e, após, na colonização das novas terras.
Quanto à escolarização, antes do XIX, Bragança só obtinha educação voltada
aos eclesiásticos, sendo que, apenas a partir de 1870, iniciaram verdadeiramente os
investimentos em educação básica (FERREIRA, 2009). Porém, de acordo com Ramos
(1998, p.1103), em 1843, a cidade estava acima da média em número de escolas em
11
O Reino de Leão fez parte dos antigos reinos ibéricos do período da reconquista cristã, sendo
independente de 910 a 1037 (casa Leonesa), de 1065 a 1072 (casa de Navarra) e de 1157 a 1230 (casa da
Borgonha). (HERCULANO, 1863)
60
comparação a outros distritos da região, estimando-se que o município possuía 3,2
escolas por 10.000 habitantes, tendo suas professoras provindas de famílias camponesas
proprietárias e abastadas – enquanto os filhos homens eram destinados a serem
“doutores” (DESCAMPS, 1935). Embora, para o período, o número de escolas fosse
uma conquista, tais informações demonstram que essa porcentagem não atinge
verdadeiramente as necessidades básicas da população.
2.2. Braga
Braga foi fundada durante o tempo de
domínio do Império Romano sob o nome de
Bracara Augusta, em homenagem a César Augusto
Bracara Augusta, e veio a ser a capital da Gallaecia.
Após a queda do Império, a cidade continuou sendo
a capital política e intelectual do reino dos Suevos,
até ser destruída pelos mouros em 716 devido a sua
importância política, e, somente a partir de 868, foi
reconstruída por Afonso III, rei das Astúrias
(MARTINS, DELGADO, 1989).
De acordo com as autoras, no século XI, a
cidade é reorganizada, e são construídas a muralha Figura 21: Arco da Porta Nova, foto atual
de uma das entradas da muralha.
do castelo e a Igreja da Sé. Nesse período, a
localidade é dada por Afonso VI de Castela à sua filha D. Teresa, por ocasião de seu
casamento com Dom Henrique de Borgonha, Conde de Portugal. Braga ficou sob seus
domínios de 1096 a 1112, quando foi doada aos arcebispos, tornando-se conhecida
como arcebispado de Braga (BRANCO, 1993). Com isso, a cidade voltou a ter prestígio
e investimento, algo demonstrado por sua arquitetura que foi mudando ao longo dos
séculos: segundo Rocha (2010-2012), entre os séculos XVI e XVIII, Braga recebeu as
influências barrocas e neoclássicas sob orientação da igreja. No início do XIX, porém, a
região foi palco de várias batalhas por causa da invasão francesa e das lutas liberais
(ARAÚJO, 1993), o que a fez, novamente, sucumbir. Somente na segunda metade do
século XX, ela se estabelece economicamente, tendo hoje, conforme Marques (2014), o
comércio como principal atividade econômica, de modo a servir como exemplo a outros
locais.
61
Porém, antes de adentrar nessa
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Braga-mapa_mediaval.jpg.
realidade atual, dos séculos XVI ao
XIX, a base da economia era
agrícola, e Ramos (1998, p. 1080)
informa que o número de alfabe-
tizados tende a ser menor nas áreas
2013, p.271).
Vila Real está situada em um planalto entre dois vales, logo, sua posição
defensável influenciou na escolha da localidade para seu povoamento e organização
administrativa (SOUSA, 2013, p. 277). Sua instauração foi promovida por meio de
sucessivos foros, até a efetiva fundação em 1289.
62
Segundo Sousa (2013), Vila Real constituiu-se como uma área rural, mas,
sobretudo, transformou-se num domínio senhorial dos séculos XIV a XVIII, que fazia
com que houvesse um pleno comando da nobreza sobre a sociedade vila-realense. Isso
significa que não havia mobilidade de classe social, e assim, a matriz aristocrática
mantinha-se e ditava tanto as normas administrativas quanto os hábitos de sua
população. De acordo com o autor, os camponeses costumavam imitar os costumes da
nobreza por viver entre eles – pois suas casas estavam nas freguesias onde a população
menos abastada também vivia. Deste modo, o povo adotava “os seus costumes e hábitos
cortesãos, os seus trajes asseados (à moda da Corte), os seus ‘divertimentos festivais’, a
sua linguagem grave e polida”.
Assim, sendo uma região influente, mesmo estando longe do litoral, há grandes
nomes da navegação naturais de Vila Real, como Fernão de Magalhães, o idealizador da
primeira viagem de circum-navegação do globo terrestre (HERCULANO, 1863).
Quanto à emigração, Sousa (2013) confirma sua existência ao constatar que “indivíduos
oriundos do povo que, uma vez abandonada a terra natal, não mais gostarão de ser
‘conhecidos por humildes’”. Nos registros de 1864, a taxa de emigração marcada na
região era maior que a média do continente: enquanto esta era de 1,29 por mil
habitantes, em Vila Real era de 2,63.
Outro número que impressiona
para o período é o da alfabetização. Vila
Real destacava-se com outras regiões do
Nordeste por terem 3,2 escolas por
10.000 habitantes (RAMOS, 1998,
p.1104) registrados em 1781. Desta
maneira, a taxa de alfabetização era alta
para a época, apresentando o valor de
38,4% entre os homens, em 1878. Figura 24: Palácio de Morgado de Mateus
3. A comunidade caipira
Como visto, a formação dos povoamentos possuía características comuns.
Pensando primeiramente em Portugal, percebe-se que os portugueses que vieram para o
Brasil eram economicamente desfavorecidos e não tinham escolaridade. Haja vista
registros oficiais que se iniciam apenas após a segunda metade do século XIX, a
educação apenas passou a ser uma preocupação política após o estabelecimento das
fronteiras e das políticas europeias.
63
Em relação às cidades do Médio Tietê, Darcy Ribeiro (2002) e Antonio Candido
(1975) chamam-nas de naçõezinhas, por viverem de forma independente e possuindo
características próprias. Segundo eles (RIBEIRO, p.195; CANDIDO, p.71), nessas
cidades, suas principais edificações eram as igrejas, sendo que “a atividade religiosa
regia o calendário da vida social, comandando toda a interação entre os diversos estratos
sociais” (RIBEIRO, p.378). Saint-Hilaire (1837, p.171) escreveu que “o cumprimento
das obrigações religiosas os impede, talvez mais do que qualquer outra coisa, de cair em
um estado próximo da vida selvagem”. De acordo com Ribeiro, os povos dessas vilas
foram “marginalizados do processo econômico da colônia” (2002, 368), e sua
população “era constituída de ‘brancos’ que seriam quase todos mamelucos” (ib.). Para
ele (2002, p.366),
[...] esse modo de vida, rude e pobre, era resultado das regressões
sociais do processo deculturativo. Do tronco português, o paulista
perdera a vida comunitária da vila, a disciplina patriarcal das
sociedades agrárias tradicionais, o arado e a dieta baseada no trigo, no
azeite e no vinho. Do tronco indígena, perdera a autonomia da aldeia
igualitária, toda voltada para o provimento da própria subsistência, a
igualdade do trato social de sociedades não estratificadas em classes, a
solidariedade da família extensa, o virtuosismo de artesãos, cujo
objetivo era viver ao ritmo em que seus antepassados sempre viveram.
Desta maneira, Darcy afirma (id., p.371) que em São Paulo, devido à sua mistura
étnica, surge “uma configuração histórico-cultural de povo novo, plasmada pelo
cruzamento de gente de matrizes raciais díspares e pela integração de seus patrimônios
culturais”.
Candido compartilha do mesmo ponto vista, e acrescenta que o caráter caipira,
seus costumes e moradia tinham características efêmeras (1975, p. 37):
64
líderes por meio de sua cor, logo, posições de prestígio eram abertas normalmente aos
caboclos.
Ademais, todos os registros históricos demonstram que as comunidades ora
estudadas passaram por dois momentos de colonização e posteriores isolamentos:
durante as entradas e, depois, com as bandeiras, as paragens originaram diversos
povoamentos que se tornaram ermos. Anos após, como o interesse da coroa era de
estabelecer as terras brasileiras, outros grupos de emigrantes foram enviados para essas
regiões mais afastadas para aumentar-lhes o número de habitantes. Porém, sem contato
com outros meios, os grupos mantiveram costumes e hábitos remotos.
Quanto à educação, de acordo com Garcia e Da Silva (2012), embora a
Constituição Política do Império do Brasil de 1824 previsse por lei que toda a
população, indistintamente, devesse ter acesso à educação básica, o processo de
alfabetização das vilas brasileiras deu-se tardiamente: nos documentos das cidades,
demonstra-se que por volta de 1830 havia a preocupação com a construção de escolas e
escolhas de mestres, porém, o número de alunos efetivamente presentes era sempre
abaixo da expectativa, pois muitas famílias preferiam que seus filhos trabalhassem para
o sustento familiar a ter educação. Desta forma, apenas saber ler e escrever já era o
suficiente para muitos. Segundo os entrevistados para esta tese, tal realidade não mudou
até meados do século XX, o que inclui os relatos de Portugal, que serão vistos no
capítulo 2.
Destarte, concluímos que a cultura caipira foi formada por pessoas de baixo ou
nenhum grau de escolaridade, e, segundo Candido (1975) e Ribeiro (2002), essas
pessoas mantinham-se isoladas em suas comunidades, envolvidas com suas próprias
atividades. Aplicando-se o método neolinguístico ou espacial de Bartoli (1945) em que
se diz que localidades mais isoladas tendem a conservar alguns traços de variações
linguísticas, vemos que o ambiente descrito propicia a sua manutenção. Isto é, os
atributos atuais do DC têm como base a sua formação cultural.
65
66
CAPÍTULO 2
A metodologia e a pesquisa de campo
68
A metodologia e a pesquisa de campo
69
1. Buscando os informantes no Médio Tietê e em Portugal
Para dar início à pesquisa, foram realizadas viagens às cidades do Médio Tietê e
Portugal, e, em praça pública, buscaram-se informantes que, fisionomicamente,
aparentavam ter a idade que atendiam aos requisitos da pesquisa. Ou seja, não houve a
seleção de um líder (LABOV, 2001) ou a intenção de se criar uma rede, pois a proposta
desta análise foi justamente coletar informantes aleatoriamente, de preferência que não
tivessem relação entre si, de modo a comprovar um traço comum linguístico entre a
população que não necessariamente tivesse a ver com graus de proximidade. Isso se
deve porque, segundo Labov, membros de uma mesma comunidade costumam ter
elementos semelhantes na fala, tornando-se mais evidente de acordo com suas
cognações: familiares, colegas de trabalho, entre outros.
Assim, apenas dois informantes de Itu e três de Vila Real são conhecidos um dos
outros, pois estavam juntos quando foram abordados e todos se encaixaram nos
objetivos da pesquisa. Os demais, no entanto, não se conhecem ou não têm relação
muito próxima.
Ressalta-se que o objetivo da pesquisa era a narrativa por meio de fala
espontânea com pouquíssima intervenção do pesquisador (BARBOSA, 2012, p.15). De
acordo com o autor, a fala espontânea pode ser considerada desde a conversação livre à
leitura quando “ocorrerem em situação natural de comunicação” (BARBOSA, 2012,
p.14), mas o que definirá a verossimilhança do corpus é a forma como a entrevista for
conduzida. Como a proposta foi buscar o dialeto em sua forma natural, estabeleceu-se,
primeiramente, que os entrevistados não seriam levados a um local de coleta de
gravação especial, de modo que eles não se sentissem pressionados. Ou seja, conversou-
se com os informantes em seu habitat natural, nos locais que costumam estar, e, embora
as perguntas fossem introduzidas pelo entrevistador, dava-se liberdade para que eles
discorressem sobre o tema sem mais nenhum tipo de intromissão. E, em busca da
naturalidade, decidiu-se fazer entrevistas de 15 a 20 minutos, pois o informante tende a
se tornar mais desenvolto no decorrer da narrativa. Desta maneira, de cada gravação,
selecionaram-se trechos de 15 a 20 segundos que tivessem sido ditos em momentos
mais descontraídos.
A coleta aconteceu com a presença de dois pesquisadores, um homem e uma
mulher, de forma que os entrevistados escolhessem com quem gostaria de falar, pois,
observamos, que nem todos se sentem à vontade com uma pessoa desconhecida do sexo
oposto. Assim, em conjunto, notou-se que ambos os sexos traziam mais conforto para
que a pessoa pudesse conversar, e ainda existia a possibilidade de um pesquisador
70
ausentar-se, deixando que o outro conduzisse os questionamentos. Isso foi feito, pois, às
vezes, o informante acabava dando mais atenção apenas para um entrevistador, no
entanto, tal atitude não trazia dificuldades à coleta.
Na cidade de Santana de Parnaíba, a pesquisa ocorreu nas próprias casas dos
moradores, tendo em vista que as pessoas com mais idade, por serem mais reservadas,
não estavam passeando pela rua quando estivemos no local. Devido a isso, dois
informantes foram vistos na janela de suas residências, e, assim, foram convidados a
participarem da coleta. Os outros dois foram indicações de outras pessoas da cidade, das
quais se perguntou a respeito, já que esses moradores não estavam nas ruas. Dessa
maneira, uma senhora, por ser herdeira de uma das padarias mais antigas do Brasil, e
outro indicado por um vizinho enquanto passávamos em uma rua do centro histórico,
foram entrevistados e receberam gentilmente os pesquisadores em suas casas.
Os centros históricos de Pirapora do
Bom Jesus e Itu, todavia, são basicamente
centrados no comércio por receber muitos
turistas todos os finais de semana. Itu, por ter
sido apelidada de “Cidade dos Exageros” pelo
2013 às 11h48.
entrevistas foi contado que os jovens solteiros
Figura 26: Igreja da Matriz, na Praça Padre
costumavam ficar rodeando a praça, porém, os Miguel, Centro de Itu - 1950
homens giravam em um sentido e as mulheres em sentido contrário. Quando havia
algum interesse, o casal parava e conversava, e dali nascia um relacionamento de
namoro ou amizade.
Pirapora do Bom Jesus foi excetuada devido à sua característica urbana: a cidade
não tem uma praça central como as outras, porquanto a Igreja Matriz está situada em
frente ao rio Tietê, havendo um largo em sua fronte. Atualmente, há uma construção em
ambas as margens favorecendo a arquitetura do local, porém, de acordo com o
depoimento dos informantes, tal construção é recente. Eles lembraram que o rio
praticamente desembocava frente à igreja, local de pesca farta e divertimento, e
costumavam nadar nas águas do Tietê quando eram crianças e jovens. Todavia, após a
implantação da Pequena Central
Hidroelétrica Rasgão, as características do
rio começaram a mudar devido ao
fechamento e abertura das comportas. Após,
aterraram uma das margens e construíram um
monumento valorizando a localidade. De
qualquer maneira, os jovens costumavam se
encontrar na rua em frente à Matriz ou no Figura 27: Frente da Igreja Matriz de Pirapora do
Bom Jesus. Esse local, de onde se está tirando a
próprio comércio impulsionado pelas fotografia e se vê uma pequena vegetação florida,
faz parte da reforma realizada em 1995, chamada
romarias que ocorrem desde que encontraram hoje de "Praça do Encontro" por causa das
romarias.
a imagem do Bom Jesus.
Logo, percebe-se que, ainda no século XX, a presença da religião – como visto
em Ribeiro (2002) quando mencionava o desenvolvimento dos povoados nos séculos
anteriores – era um fator determinante para a socialização dos moradores, pois, quando
72
não havia missa ou festas promovidas pela igreja, os entrevistados contaram que não
havia outras formas de diversão ou contato com outras pessoas.
Em Portugal, por sua vez, estabeleceram-se os mesmos critérios de pesquisa
tidos no Brasil: em Braga, buscaram-se pessoas idosas pelas ruas, mas foi nas portas das
igrejas que se obteve mais sucesso, pois, por serem cidades que ainda sustentam hábitos
católicos, muitos idosos são frequentadores
Fonte: http://www. panoramio.com/photo/29313521 .
SAN*M2: a informante 4 tinha mais de 80 anos (ela não quis informar a idade
exata). Viúva, ela estudou até o 4º ano, e nos contou sobre a sua infância e
juventude vivida inteiramente na cidade: havia sido criada pela tia e fora grande
frequentadora de festas e bailes, até casar-se com um funcionário da Light
(como era chamada a empresa de energia).
74
1.1.2. Pirapora do Bom Jesus
A conversa comum entre os informantes foi de como houve a mudança no rio
com a chegada da empresa distribuidora de energia, a construção da barragem e suas
consequências.
1.1.3. Itu
Os entrevistados de Itu contaram com satisfação sobre a infância e juventude em
sítios e chácaras, explicando com detalhes como aconteciam as festas na região e as
brincadeiras de criança. As mulheres, sobretudo, descreveram como foram os seus
namoros, o dia de seus casamentos e a celebração.
75
para o centro urbano de Itu, trabalhando também como músico em restaurantes e
festividades na cidade.
76
PF*M1 – a informante 3 tinha 64 anos, analfabeta (justificado pela morte
precoce da mãe), casada. Viveu toda a sua infância em sítio, onde lavava roupa
no rio e tinha técnicas especiais para armazenar comida, e, após o casamento,
mudou-se para o centro urbano de Porto Feliz.
1.1.5. Piracicaba
Nessa cidade, embora o rio Piracicaba tenha sido mencionado por todos, o
diálogo concentrou-se em suas vidas cotidianas, das dificuldades de acesso a serviços
básicos e locomoção de outrora, assim como a convivência em áreas rurais.
1.1.7. Tietê
Em Tietê, em meio às lembranças, todos os informantes foram unânimes em
lembrar que os flertes e namoros se davam na praça frente à Igreja Matriz, com o
fechamento dela às 22h pelo guarda municipal que ordenava a todos para que voltassem
para casa.
78
sobre ir até a cidade a cavalo, andar de pés descalços e sobre os namoros da
época.
1.1.8. Braga
79
BRAGA*M1 – a informante 3 tinha 84 anos, viúva e analfabeta. Informou que
teve uma vida trabalhosa, pois começou a trabalhar muito cedo, motivo pelo
qual não pôde estudar. Segundo ela, desde que se pôs em pé, ganhava dinheiro
buscando água na fonte para outras famílias mais abastadas, logo, disse não ter
tido infância.
1.1.9. Bragança
Em Bragança, a maioria dos informantes foi entrevistada na vila murada do
Castelo de Bragança. A conversa comum entre os homens foi como eles passaram sua
juventude antes de ir morar próximo ao castelo, enquanto as mulheres contaram sobre
sua infância e, uma delas, descreveu as brincadeiras pelas ruas da vila.
81
reconhecimento das variáveis, se possam identificar e corrigir possíveis erros
administrativos. Nesta tese, o controle será utilizado para comparar e identificar as
diferenças entre o dialeto caipira e o chamado português-padrão utilizado nos meios
televisivos.
Para essa pesquisa, foram selecionadas 20 gravações de apresentadores de
telejornais da TV Rede Globo, para servirem como controle, por possuírem a chamada
“fala neutra” característica e trabalhada pelos apresentadores de telejornais
(BARBOSA, 2002, p.36).
Segundo Ribeiro (2004, p.123), a uniformidade da fala pelos apresentadores e
jornalistas nasceu da necessidade de “minimizar as distorções entre diferentes regiões
do Brasil e criar um padrão de qualidade no telejornalismo de todas as emissoras da
Rede Globo”. Ainda segundo a autora, por meio do Congresso Brasileiro de Língua
Falada no Teatro de 1956, ocorrido em Salvador, decidiu-se definir um padrão nacional,
“no qual ficou acertado que a pronúncia-padrão do português falado no Brasil seria a do
Rio de Janeiro, com algumas restrições. Os ‘esses’, não poderiam ser muito sibilantes e
os ‘erres’ não poderiam ser muito arranhados, guturais”.
Por isso, estabeleceu-se como critério a comparação do dialeto caipira
desenvolvido no Médio Tietê e de Portugal com o uniformizado pela rede televisiva,
tendo em vista seu trabalho de padronização de pronúncias.
12
Segundos os autores, alguns fatos prosódicos decorrem de restrições mecânico-fisiológicas e outros
decorrem das necessidades expressivas dos falantes.
13
O aplicativo ExProsodia está registrado no INPI, pela Universidade de São Paulo, sob número 08992-2,
conforme publicação no RPI 1974, em 04/11/2008. ExProsodia – Análise automática da entoação na
Língua Portuguesa (FERREIRA NETTO, 2008, p. 2 de 13).
83
3.1. Considerando a hipótese F0 como série temporal
Nos estudos de estatística, a série temporal é utilizada como uma forma de
previsão para dados processos, como vendas, políticas econômicas, etc. Essa prática
nasceu a partir da oportunidade de mensuração do tempo, podendo-se “estabelecer
algumas relações entre a passagem do tempo e a ocorrência de fenômenos biológicos”
(GARBER, 1995, p.92). Segundo o autor, “ao observarmos um fenômeno (variável) na
natureza, podemos perceber que este é estimulado por uma infinidade de outros
fenômenos (variáveis) correlacionados a ele, uns com uma interferência maior e outros
com menor”.
O principal objeto de observação da série temporal é justamente o tempo. Para a
análise de determinados informações, as variáveis que estão presentes nele irão compor
a projeção de dados por meio de uma fórmula matemática capaz de identificar um
parâmetro dentro do fenômeno desenvolvido. Assim sendo, fica preestabelecido que
(GARBER, 1995, p.95):
Zt – valor observado da ST no momento t
h – horizonte da projeção (número de passos a ser projetado)
Ẑ (h) – projeção feita no ponto de projeção t para o horizonte h
Ẑt – projeção para o momento t feita no momento anterior, o mesmo que Ẑt -1 (1)
Ɛt – variável aleatória que representa o erro de projeção do momento, supondo
ainda que tem média 0 e variância constante σ²
Com a generalização do modelo como: Zt = f (Zt -1; Zt -2; Zt -3; ...; Z1) + Ɛt .
Ou Zt = Ẑt -1 (1) + Ɛt .
Por a série temporal prescrever um hábito, um costume, algo que tende a se
repetir sempre, o uso do cálculo aqui explicado é trazido para os estudos de prosódia: as
fórmulas utilizadas para prescrever situações distintas dentro da projeção de uma venda,
por exemplo, podem também ser usadas para quantificar as ocorrências orais. Desta
forma, Ferreira Netto (2008) fez a correlação dessa teoria com as observações ora
apresentadas pelos autores especialistas em entoação e determinou que “o valor Z
obtido no momento t — notado como Zt — é a soma dos componentes que concorreram
para o seu estabelecimento. Os momentos encontram-se nos núcleos silábicos que
ocorrem em intervalos cuja regularidade é predominante, mas não absoluta” (PERES,
CONSONI, FERREIRA NETTO, 2011).
A decomposição de f0 em quatro elementos (sustentação, finalização,
foco/ênfase e acento lexical) desenvolve o tom médio ideal (TM), conforme pode ser
visto no gráfico desenvolvido pelos autores para a projeção da fala:
84
Gráfico 1: No gráfico, as setas diagonais escuras representam a declinação desencadeada em cada momento
pelo desejo de supressão do esforço e as setas verticais escuras representam a sustentação desencadeada pela
retomada da tensão inicial, ambas formando o ritmo tonal (FERREIRA et al., 2011).
85
Gráfico 2: Os traços contínuos mais escuros mostram o TM e a Finalização. Os traços pontilhados mostram os
limites acima, de 3 st, e abaixo, de 4 st, do TM. A escala horizontal mostra os valores em MIDI, referindo os
graus da escala cromática diatônica ocidental. A linha curva no centro mostra a tendência à finalização da
frase, e as linhas diagonais apontam para Foco/ênfase e para a finalização (FERREIRA et al., 2011).
86
primitivas e as falas de pessoas de baixa escolaridade, cujos resultados de análise
aparecem nas teses de Costa e Baz (ambas de 2011). Vejamos a seguir como se dão
esses procedimentos.
DÓ RÉ MI FÁ SOL LÁ SI
1º grau 2º grau 3º grau 4º grau 5º grau 6º grau 7º grau
I II III IV V VI VII
88
3.3.2. As finalizações plagais no dialeto caipira e na fala dos portugueses
Apropriando-se desse conhecimento, Ferreira Netto (2010) compreende que, em
finalizações autênticas, a tônica fica no extremo de uma escala, enquanto em plagais é
encontrada no centro da escala ou próximo dela.
Pelos estudos apresentados por Baz e Costa (ambos de 2011), percebe-se que o
traço plagal está relacionado à fala de pessoas com baixa escolaridade ou analfabetos.
Baz (2011) verifica em sua tese sobre a entoação dos índios paraguaios que os processos
de finalização de suas músicas e de sua fala são predominantemente plagais. Costa
(2011), por sua vez, analisou senhoras corumbaenses e índias guatós com idades
superiores a 40 anos, semianalfabetas e analfabetas, e outro grupo de moças
alfabetizadas. O resultado demonstrou que tanto as índias quanto as senhoras
apresentavam a finalização plagal, enquanto as meninas traziam a autêntica.
De modo que se compreenda a diferença entre ambas as finalizações, Baz (2011,
p.28) exemplifica tal noção com as apresentações dos gráficos produzidos por Ferreira
Netto (2010), as quais serão reproduzidas abaixo.
89
Gráfico 4: caracterização do processo de entoação de uma música da tribo Kaiowá, retirada da
obra de Helza Camêu, Introdução ao estudo da música indígena brasileira, 1977 (FERREIRA
NETTO, 2010)
90
CAPÍTULO 3
A entoação caipira
91
92
A entoação caipira
Ferreira Netto (2006) ainda propõe que a manutenção do tom do falante seja de
seu conhecimento. Assim sendo, há um tom médio (TM) – “estabelecido pela
14
Tradução livre: “na pronúncia, a voz move-se para cima e para baixo em pequenas gradações tais que,
se os graus fossem um quarto de um tom diatônico, ou por divisões menores, eles pareceriam lâminas
imperceptíveis, em comparação com as de nossa cromática-diatônica”.
93
sustentação do alvo do movimento rítmico tonal durante a produção da fala”
(FERREIRA NETTO; BAZ, 2011, p.2) – usado como ponto de partida para a
decomposição da série temporal de F0. Como já comentado anteriormente, decompõe-se
o F0 em componentes estruturadores (finalização e sustentação) e semântico-funcionais
(foco/ênfase, acento lexical).
A finalização tonal, prevista por Maeda (1976) e definida como baseline por
Cohen e T’Hart (1967) e Pierrehumbert (1980), consiste na existência da queda gradual
de F0.
Sabendo-se que os tons sofrem variações conforme as necessidades de seu
falante, constatou-se que a finalização dada em língua portuguesa possui tom abaixo do
tom médio (FALÉ, I.; FARIA, 2006; MORAES, 2007; COSTA, 2009, 2011), como
também será observado nas análises a seguir.
15
Nos estudos estatísticos, variações esporádicas ocorrem fora dos limites de uma curva modal (esse
elemento sintetiza os processos que acontecem com mais frequência); logo, como são exceções, não são
consideradas.
94
TM cps CAP ITU PC PP PF SANT TIE BRAGA BGÇ VR CONTR
H1/FR1 118 173 181 113 179 178 158 133 155 146 142
H1/FR2 134 153 179 133 170 170 194 156 179 145 121
H1/FR3 133 172 178 116 169 163 171 143 143 128 157
H1/FR4 158 176 176 133 141 164 133 167 185 148 109
H1/FR5 145 173 180 128 202 171 159 172 152 148 170
H2/FR1 146 160 173 129 150 110 143 175 156 171 144
H2/FR2 137 169 175 132 169 113 177 193 169 181 132
H2/FR3 145 156 176 139 152 114 151 192 174 184 140
H2/FR4 141 170 179 132 156 118 200 166 140 177 132
H2/FR5 133 170 181 130 154 126 161 266 151 162 130
M1/FR1 179 132 157 219 187 187 185 255 188 189 224
M1/FR2 130 237 199 217 182 195 204 228 194 188 257
M1/FR3 156 235 206 235 194 236 202 220 196 243 258
M1/FR4 182 235 203 218 180 131 202 210 213 215 247
M1/FR5 156 229 204 184 182 203 180 208 192 199 231
M2/FR1 196 219 170 165 238 223 209 200 208 196 250
M2/FR2 168 204 159 158 246 211 255 205 209 224 273
M2/FR3 180 181 149 185 211 283 266 210 219 232 249
M2/FR4 197 163 177 188 226 227 241 210 252 217 248
M2/FR5 189 190 155 162 220 231 241 215 210 209 196
Tabela 2: comparação do Tom Médio (TM) em unidade cps medido em Hertz entre as cidades do
Médio Tietê, Portugal e o controle
Tabela 3: resultados do teste estatístico ANOVA para o TM. Houve variação significativa
entre os todos informantes: P <0,05 e F0 (2,35) > Fc (1,87)
95
Na tabela 3, SQ é a soma dos quadrados, enquanto MQ é a média quadrática do
conjunto das colunas, e a razão F indica a diferença entre os grupos em função da
variação dentro de cada grupo. E nela é verificado que há variação significativa entre os
informantes, incluindo os do controle, com o valor P-0,01 (P<0,05).
Considerando apenas as cidades do Médio Tietê, gera-se o próximo cálculo em
que, novamente, obtém-se o valor P-0,01 (P<0,05):
Com os cálculos, percebe-se que há uma diferença, mas ela não é acentuada com
a presença do controle. Logo, entende-se que o TM realizado nas cidades do Médio
Tietê difere por outras questões que não necessariamente a localidade em que ele
ocorre. Por isso, analisaram-se as variações por gêneros e região.
Obtendo a média das cidades do Médio Tietê e as contrapondo entre homens e
mulheres da mesma região, teremos os resultados a seguir. As tabelas 6, 7 e 8 destinam-
se aos falantes masculinos:
TM cps CAP ITU PC PP PF SANT TIE BRAGA BGÇ VR CONTR
H1/FR1 118 173 181 113 179 178 158 133 155 146 142
H1/FR2 134 153 179 133 170 170 194 156 179 145 121
H1/FR3 133 172 178 116 169 163 171 143 143 128 157
H1/FR4 158 176 176 133 141 164 133 167 185 148 109
H1/FR5 145 173 180 128 202 171 159 172 152 148 170
H2/FR1 146 160 173 129 150 110 143 175 156 171 144
H2/FR2 137 169 175 132 169 113 177 193 169 181 132
H2/FR3 145 156 176 139 152 114 151 192 174 184 140
H2/FR4 141 170 179 132 156 118 200 166 140 177 132
H2/FR5 133 170 181 130 154 126 161 266 151 162 130
Tabela 6: comparação do Tom Médio (TM) em unidade cps medido em Hertz somente entre
homens das cidades do Médio Tietê, Portugal e controle
96
O primeiro exame demonstra que não há variação significativa entre os homens
da região do Médio Tietê, com o valor P-5,41 (P>0,05).
Tabela 10: resultados do teste estatístico ANOVA para o TM. Houve variação significativa entre as
informantes do Médio Tietê: P <0,05 e F0 (6,28) > Fc (2,13)
97
Todavia, quando são acrescidos os valores das entrevistadas de Portugal, não há
variação significativa, sendo P-1,53 (P>0,05).
ANOVA
Fonte da variação SQ gl MQ F valor-P F crítico
Entre grupos 37631 10 3763,1 5,5607 2E-06 1,9277
Dentro dos grupos 66997 99 676,74
Total 104628 109
Tabela 11: resultados do teste estatístico ANOVA para o TM. Houve variação não significativa
entre as informantes do Médio Tietê e Portugal: P >0,05 e F0 (5,56) > Fc (1,92)
Dunnett - TM homens
Cidade F Significância Valor-P
CAPIVARI -0,75678 N.S. (P>0.05) 0,987382
ITU -3,25785 ** (P<=0.01) 0,009627
PIRACICABA -3,78534 ** (P<=0.01) 0,001418
PIRAPORA 1,40482 N.S. (P>0.05) 0,671472
PORTO FELIZ -2,68658 N.S. (P>0.05) 0,054211
SANTANA -0,26477 N.S. (P>0.05) 0,999999
TIETE -2,79799 * (P<=0.05) 0,039826
BRAGA -2,87361 * (P<=0.05) 0,032049
BRAGANÇA -2,53427 N.S. (P>0.05) 0,080784
VILA REAL -2,49644 N.S. (P>0.05) 0,088835
Tabela 12: comparação do Tom Médio (TM) entre homens das cidades do Médio Tietê e Portugal.
Os dados foram gerados a partir do controle da tabela 6
98
De acordo com o teste, as cidades de Capivari, Pirapora do Bom Jesus, Porto
Feliz, Santana do Parnaíba, Bragança e Vila Real não possuem variações significativas
em relação ao controle, enquanto as demais, sim; o que indica que há coincidências
entre o TM utilizado pelos homens em cidades do Médio Tietê, Braga e a fala neutra,
não havendo, portanto, uma ordem quando se fala apenas de localidade.
Quanto às mulheres, por meio do mesmo teste também observamos que não há
uma tendência de similaridade absolutamente igual entre elas e os homens da mesma
região. No caso, apenas Santana de Parnaíba, Tietê e Braga mantêm a regularidade de
não terem variação significativa em referência ao controle. Por outro lado, Capivari, Itu,
Piracicaba, Pirapora do Bom Jesus, Porto Feliz, Bragança e Vila Real não apresentam
variações significativas.
Cidade F Significância Valor-P
CAPIVARI 3,6690151 ** (P<=0.01) 0,00222
ITU 2,7979892 * (P<=0.05) 0,039826
PIRACICABA 3,4772732 ** (P<=0.01) 0,004503
PIRAPORA 3,3260874 ** (P<=0.01) 0,007644
PORTO FELIZ 3,0248532 * (P<=0.05) 0,020359
SANTANA 2,2308292 N.S. (P>0.05) 0,165377
TIETE 1,8155951 N.S. (P>0.05) 0,371766
BRAGA 2,4983252 N.S. (P>0.05) 0,088419
BRAGANÇA 2,8357998 * (P<=0.05) 0,035755
VILA REAL 2,8746922 * (P<=0.05) 0,031948
Tabela 13: comparação do Tom Médio (TM) entre mulheres das cidades do Médio Tietê e Portugal.
Os dados foram gerados a partir do controle da tabela 9
Tabela 14: comparação do Tom Médio (TM) em unidade cps medido em Hertz entre homens e
mulheres das cidades do Médio Tietê
Tabela 15: resultados do teste estatístico F para o TM. Houve variação não significativa entre os
informantes do Médio Tietê: P >0,05 e F0 (0,46) > Fc (0,31)
PORT h PORT m
145 211
160 203
138 220
167 213
157 200
167 201
181 213
183 220
161 226
193 211
Tabela 16: comparação do Tom Médio (TM) em unidade cps medido em Hertz entre homens e
mulheres das cidades de Portugal
100
Teste-F: duas amostras para variâncias
PORT h PORT m
Média 165,2333 211,8
Variância 291,779 75,2642
Observações 10 10
gl 9 9
F 3,876731
P(F<=f) uni-caudal 0,028053
F crítico uni-caudal 3,178893
Tabela 17: resultados do teste estatístico F para o TM. Houve variação significativa entre os
informantes de Portugal: P< 0,05 e F0 (3,87) > Fc (3,17)
CONTR h CONTR m
142 224
121 257
157 258
109 247
170 231
144 250
132 273
140 249
132 248
130 196
Tabela 18: comparação do Tom Médio (TM) em unidade cps medido em Hertz entre homens e
mulheres do controle
Tabela 19: resultados do teste estatístico F para o TM. Houve variação não significativa entre os
informantes do controle: P >0,05 e F0 (0,65) > Fc (0,31)
101
controle é justamente a fala neutra em busca de uma padronização. Logo, mesmo
havendo a diferença natural de frequência de vozes masculinas e femininas, ambos
mantêm-se dentro de um quadro regular.
Entretanto, pensando nessa regularidade no teste-F, os informantes do Médio
Tietê também o trouxeram, ao contrário de Portugal, por isso, para verificar essa
variação, as falas masculinas e femininas foram comparadas entre as regiões, gerando-
se os resultados vistos a seguir.
Embora as tabelas 20 e 24 estejam organizadas com três colunas emparelhadas,
os cálculos que seguem em 21, 22, 23, 25, 26 e 27 trabalham com duas amostras de
variância.
Tabela 20: comparação do Tom Médio (TM) em unidade cps medido em Hertz entre homens do
Médio Tietê, Portugal e o controle
Tabela 21: resultados do teste estatístico F para o TM. Houve variação significativa entre os
informantes do Médio Tietê e controle: P<0,05 e F0 (0,13) < Fc (0,31)
102
Teste-F: duas amostras para variâncias
PORT h CONTR
Média 165,2333 137,7
Variância 291,779 300,6778
Observações 10 10
gl 9 9
F 0,970404
P(F<=f) uni-caudal 0,48252
F crítico uni-caudal 0,314575
Tabela 22: resultados do teste estatístico F para o TM. Houve variação não significativa entre os
informantes de Portugal e controle: P>0,05 e F0 (0,97) > Fc (0,31)
Tabela 23: resultados do teste estatístico F para o TM. Houve variação significativa entre os
informantes de Portugal e Médio Tietê: P<0,05 e F0 (0,13) < Fc (0,31)
Tabela 24: comparação do Tom Médio (TM) em unidade cps medido em Hertz entre mulheres do
Médio Tietê, Portugal e o controle
103
Teste-F: duas amostras para variâncias
Mtietê m CONTR
Média 197,8 243,3
Variância 83,70159 462,2333
Observações 10 10
gl 9 9
F 0,181081
P(F<=f) uni-caudal 0,008991
F crítico uni-caudal 0,314575
Tabela 25: resultados do teste estatístico F para o TM. Houve variação significativa entre as
informantes do Médio Tietê e controle: P<0,05 e F0 (0,18) < Fc (0,31)
Tabela 26: resultados do teste estatístico F para o TM. Houve variação significativa entre as
informantes de Portugal e controle: P<0,05 e F0 (0,16) < Fc (0,31)
Tabela 27: resultados do teste estatístico F para o TM. Houve variação não significativa entre as
informantes do Médio Tietê e Portugal: P>0,05 e F0 (1,11) < Fc (3,17)
104
No entanto, comparando as duas amostras das informantes do Médio Tietê e de
Portugal, não há variação significativa, tendo o valor P-0,43 (P>0,05).
De modo geral, contrapondo os resultados do teste-F entre homens e mulheres
do Médio Tietê, vemos nas tabelas 21 e 25 que há variação significativa em relação ao
controle. Porém, tratando-se de Portugal, os valores diferem, já que a tabela 23 (público
masculino) traz variação significativa, e a 27 (público feminino), não. Outra assimetria
aparece quando retomamos o teste ANOVA com os valores individualizados: as tabelas
7 e 8 mostram que não há diferença entre os informantes masculinos do Médio Tietê e
de Portugal; enquanto a 10 e 11, relacionadas às mulheres, demonstraram variação
significativa entre o público do interior paulista, e não significativa comparando com as
portuguesas, respectivamente. Assim, em dois testes, as mulheres do Médio Tietê e
Portugal não apresentam variações, mas os dos homens trazem resultados distintos.
Buscando os valores brutos do teste de Dunnett (tabelas 12 e 13), demonstra-se
que não há uma homogeneidade de dados.
Tal fato é visto quando os valores são tratados no teste ANOVA destacando o
Médio Tietê, ou comparando-o com o controle, ou com Portugal (tabelas 3, 4 e 5): todos
os resultados trouxeram variações significativas, com o valor-P inferior a 0,05, sendo P-
0,01 em 3 e 4, e P-0,003 em 5.
Desta forma, podemos concluir que as análises estatísticas nos mostram que os
valores não são absolutos nem fechados em uma característica comum, reclusa a uma
região ou a um gênero. Logo, levando tais resultados para os estudos sociolinguísticos,
vemos que a teoria espacial ou neolinguística de Matteo Bartoli (1945) não se aplica,
pois o isolamento das cidades ou suas colonizações semelhantes não garantiram uma
variação dialetal tão distinta de modo a considerá-la uma caracterização. Como
exemplo, observemos que a diferença de médias entre as colunas de Tietê (TIE) e o
controle (CONTR) é de apenas 0,4%; enquanto a diferença entre Capivari (CAP), que
está somente a 31,5km de distância de Tietê, é de 18%. Em se tratando das cidades de
Portugal, vemos que a diferença entre Braga e Itu é de apenas 0,3%, de Porto Feliz (PF)
e Vila Real (VR) não passa de 0,1%, enquanto entre Braga e Bragança (BGÇ) é de
6,1%. Vejamos o gráfico:
105
200
CAP
180
ITU
160
PC
140
PP
120
PF
100
SANT
80
TIE
60
BRAGA
40
BGÇ
20
VR
0
CONTR
Gráfico 5: comparação do Tom Médio (TM) em unidade cps medido em Hertz (linha vertical) entre
as cidades do Médio Tietê, Portugal e o controle (linha horizontal)
Os totens demonstram que não há uma regularidade, estando Itu, Porto Feliz,
Tietê, as cidades portuguesas e o controle ≥ 180cps, enquanto Piracicaba e Santana de
Parnaíba ≤ 180cps, e somente Capivari e Pirapora do Bom Jesus < 160cps.
Quanto à separação de gêneros, no gráfico 6 observamos que o TM masculino
do Médio Tietê e de Portugal é mais agudo do que o controle, enquanto as mulheres são
mais graves.
400
350
300
250
200 Mulheres
150 Homens
100
50
106
1.2. O tom final
O estudo do tom final (TF) seguiu o mesmo caminho do TM, ou seja, após
gerados os valores, compararam-se todos os dados dos informantes de forma conjunta;
depois, verificou-se o grau de variação significante de acordo com as variantes sexo e
região, fazendo-se análises por meio dos testes ANOVA, Dunnett e F. Do mesmo modo,
para obterem-se os cálculos do TF dos informantes, utilizou-se o ExProsodia
(FERREIRA NETTO, 2008), que tem como base o grau de escala de 5 tons medidos em
Hertz, sendo que, para cada banda de sequência, há 3 st (semitons), baseada na
frequência média da linha sonora da fala, que forma o centro do tom médio 3.
As tabelas também seguem os mesmos modelos anteriores do item 1.1, assim,
iniciamos as análises com os seguintes dados:
Tom Final CAP ITU PC PP PF SANT TIE BRAGA BGÇ VR CONTR
H1/FR1 172 171 128 105 117 196 150 181 225 240 124
H1/FR2 70 142 245 140 138 225 203 174 220 105 90
H1/FR3 74 183 238 102 133 154 245 116 104 230 143
H1/FR4 105 116 166 162 127 200 73 180 188 95 69
H1/FR5 91 244 156 100 122 140 130 164 129 121 182
H2/FR1 176 134 158 73 225 82 81 109 202 155 88
H2/FR2 134 132 107 108 160 82 138 223 251 162 87
H2/FR3 100 143 153 86 174 89 114 148 142 174 119
H2/FR4 105 188 144 108 165 92 136 94 159 165 152
H2/FR5 151 140 128 106 123 96 219 220 172 111 122
M1/FR1 196 93 204 150 291 135 166 236 177 149 148
M1/FR2 98 228 184 278 181 186 178 151 159 254 244
M1/FR3 209 320 191 233 172 186 127 166 190 142 252
M1/FR4 139 189 178 144 192 136 172 138 191 156 206
M1/FR5 145 195 180 126 133 188 141 212 182 159 172
M2/FR1 185 213 148 121 359 235 211 290 326 126 220
M2/FR2 119 183 133 142 160 158 366 316 157 190 276
M2/FR3 164 135 186 271 148 234 343 137 205 219 176
M2/FR4 146 150 174 143 169 240 373 203 314 355 205
M2/FR5 176 149 180 214 161 199 437 213 163 123 212
Tabela 28: comparação do Tom Final (TF) medido em Hertz entre as cidades do Médio Tietê,
Portugal e o controle SP
Tabela 29: resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não significativa entre
os informantes de todas as regiões: P >0,05 e F0 (1,84) < Fc (1,87)
O primeiro teste Anova fator único em relação ao TF, na tabela 29, demonstra
que não há uma diferença significativa entre o tom final de todas as cidades, já que P-
107
0,054 (P>0,05), embora o resultado seja muito próximo do valor-P pré-determinado
como padrão (P-0,05).
Tal resultado repete-se, mas com valor-P superior, com o teste das cidades do
Médio Tietê, excetuando o controle e Portugal:
Fonte da variação SQ gl MQ F valor-P F crítico
Entre grupos 35331,49 6 5888,581 1,791888 0,105384 2,167423
Dentro dos grupos 437070,4 133 3286,244
Total 472401,9 139
Tabela 30: resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não significativa entre
os informantes do Médio Tietê: P >0,05 e F0 (1,79) < Fc (2,16)
Ou seja, entre as localidades do Médio Tietê, o teste revela que não há variações
significativas, o que nos remete à compreensão de que há cidades do Médio Tietê que
corroboram os valores do controle.
Todavia, quando as cidades portuguesas são comparadas, o resultado difere:
Tabela 31: resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação significativa entre os
informantes do Médio Tietê e Portugal: P<0,05 e F0 (2,02) > Fc (1,92)
Tabela 32: comparação do Tom Final (TF) dos homens medido em Hertz nas cidades do Médio
Tietê, Portugal e controle
108
ANOVA
Fonte da variação SQ gl MQ F valor-P F crítico
Entre grupos 49446 10 4944,6 2,604 0,0075 1,9277
Dentro dos grupos 187986 99 1898,8
Total 237432 109
Tabela 33: resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação significativa entre os
informantes masculinos de todas as localidades: P <0,05 e F0 (2,60) > Fc (1,92)
ANOVA
Fonte da variação SQ gl MQ F valor-P F crítico
Entre grupos 24925 6 4154,2 2,2315 0,0514 2,2464
Dentro dos grupos 117282 63 1861,6
Total 142207 69
Tabela 34: resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não significativa entre
os informantes masculinos do Médio Tietê: P >0,05 e F0 (2,23) < Fc (2,24)
Tabela 35: resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação significativa entre os
informantes masculinos do Médio Tietê e Portugal: P <0,05 e F0 (2,32) > Fc (1,98)
ANOVA
Fonte da variação SQ gl MQ F valor-P F crítico
Entre grupos 29389 7 4198,4 2,3569 0,0317 2,1397
Dentro dos grupos 128256 72 1781,3
Total 157644 79
Tabela 36: resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação significativa entre os
informantes masculinos do Médio Tietê e controle: P <0,05 e F0 (2,35) > Fc (2,13)
109
De acordo com a tabela 36, há variação significativa entre o Médio Tietê e o
controle, sendo P-0,03 (P<0,05).
Em relação às mulheres, o teste Anova fator único realizado com os dados da
tabela 37 diferencia-se do masculino mostrado na 33, demonstrando que não houve
diferença significativa entre elas.
Tabela 37: comparação do Tom Final (TF) das mulheres medido em Hertz nas cidades do Médio
Tietê
Tabela 38: resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não significativa entre
todos os informantes femininos: P >0,05 e F 0 (1,47) < Fc (1,92)
Tabela 39: resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não significativa entre
os informantes femininos do Médio Tietê: P > 0,05 e F0 (2,06) < Fc (2,24)
Entre as informantes das cidades do interior de São Paulo, não houve variação
significativa, sendo o valor-P é 0,07 (P>0,05), tal qual ocorreu com os entrevistados
masculinos, conforme tabela 34.
110
ANOVA
Fonte da variação SQ gl MQ F valor-P F crítico
Entre grupos 55278 9 6142 1,4689 0,1716 1,9856
Dentro dos grupos 376309 90 4181,2
Total 431587 99
Tabela 40: resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não significativa entre
os informantes femininos do Médio Tietê e Portugal: P > 0,05 e F0 (1,46) < Fc (1,98)
Tabela 41: resultados do teste estatístico ANOVA para o TF. Houve variação não significativa entre
os informantes femininos do Médio Tietê e o controle: P > 0,05 e F0 (2,04) < Fc (2,13)
Tabela 42: comparação do Tom Final (TF) entre homens das cidades do Médio Tietê e Portugal. Os
dados foram gerados a partir do controle da tabela 32
111
Com esse teste, percebemos que, mesmo as tabelas 33, 35 e 36 apresentando a
presença significativa de variação, não a há entre o dialeto caipira de cada cidade e a
fala neutra. No caso das cidades portuguesas, a única que apresentou diferença dos
demais resultados foi Bragança, com um valor de baixa significância.
Em relação aos dados femininos, porém, o teste de Dunnett e os ANOVA foram
coincidentes, porque não apresentaram variações significativas:
Dunnett - TF mulheres
Cidade F Significância Valor-P
CAPIVARI 2,6845572 N.S. (P>0.05) 0,054508
ITU 1,2094863 N.S. (P>0.05) 0,813199
PIRACICABA 2,0047196 N.S. (P>0.05) 0,263498
PIRAPORA 1,2850792 N.S. (P>0.05) 0,76101
PORTO FELIZ 1,4373461 N.S. (P>0.05) 0,646405
SANTANA 1,2099413 N.S. (P>0.05) 0,812899
TIETE -0,0378107 N.S. (P>0.05) 1
BRAGA 0,4915386 N.S. (P>0.05) 0,99959
BRAGANÇA 0,8696453 N.S. (P>0.05) 0,967875
VILA REAL 1,436265 N.S. (P>0.05) 0,64724
Tabela 43: comparação do Tom Final (TF) entre as mulheres das cidades do Médio Tietê. Os dados
foram gerados a partir do controle SP da tabela 37
112
Mtietê h Mtietê m
148 176
166 190
161 205
136 164
140 158
133 210
123 180
123 212
134 199
138 181
Tabela 44: comparação do Tom Final (TF) entre mulheres e homens do Médio Tietê
Tabela 45: resultados do teste estatístico F para o TF. Houve variação não significativa entre os
informantes do Médio Tietê: P>0,05 e F0 (0,60) > Fc (0,31)
Tabela 46: comparação do Tom Final (TF) entre mulheres e homens do controle
113
Teste-F: duas amostras para variâncias
SP h SP m
Média 117,6 211,1
Variância 1219,378 1539,211
Observações 10 10
gl 9 9
F 0,79221
P(F<=f) uni-caudal 0,367128
F crítico uni-caudal 0,314575
Tabela 47: resultados do teste estatístico F para o TF. Houve variação não significativa entre os
informantes do controle: P>0,05 e F0 (0,79) > Fc (0,31)
Por fim, com as cidades portuguesas, também não houve diferenças entre os
entrevistados, conforme visto nas tabelas 48 e 49, em que o valor-P gerado foi de 0,11
(P>0,05).
PORT h PORT m
215 187
166 188
150 166
154 162
138 184
155 247
212 221
155 187
139 291
168 166
Tabela 48: comparação do Tom Final (TF) entre mulheres e homens de Portugal
Tabela 49: resultados do teste estatístico F para o TF. Houve variação não significativa entre os
informantes de Portugal: P>0,05 e F0 (0,43) > Fc (0,31)
114
regiões, homens e mulheres apresentaram-se de maneira distinta do que foi observado.
Assim como foi realizado com a análise de TM, colocar-se-á a tabela 50 como
parâmetro das demais, 51, 52 e 53.
Tabela 50: comparação do Tom Final (TF) entre homens do Médio Tietê, Portugal e controle
Tabela 51: resultados do teste estatístico F para o TF. Houve variação significativa entre os
informantes masculinos do Médio Tietê e o controle: P<0,05 e F0 (0,17) < Fc (0,31)
Tabela 52: resultados do teste estatístico F para o TF. Houve variação significativa entre os
informantes masculinos do Médio Tietê e Portugal: P<0,05 e F0 (3,49) > Fc (3,17)
115
Comparando o Médio Tietê com Portugal, também há uma variação significativa
entre os dados, com P-0,03 (P<0,05).
Tabela 53: resultados do teste estatístico F para o TF. Houve variação não significativa entre os
informantes masculinos do controle e Portugal: P>0,05 e F0 (0,60) > Fc (0,31)
E, por fim, entre Portugal e o controle não houve variação significativa, sendo P-
0,23 (P>0,05).
Assim, observando os números expressos na tabela 50, percebemos que os
entrevistados do Médio Tietê têm o TF mais agudo do que o controle, e mais grave do
que os de Portugal. Além disso, o teste-F demonstra que há diferenças expressivas entre
eles, corroborando a maioria dos testes anteriores.
Na próxima etapa, nas tabelas 55, 56 e 57, as mulheres trarão resultados
semelhantes aos masculinos, em que, contrapondo as médias dos falares do Médio Tietê
com os de Portugal e controle, haverá variações significativas, porém, ao serem
comparados os valores de Portugal e as do controle, não.
Tabela 54: comparação do Tom Final (TF) entre mulheres do Médio Tietê, Portugal e controle
116
Teste-F: duas amostras para variâncias
Mtietê m CONTR m
Média 191,2714 211,1
Variância 426,6143 1539,211
Observações 10 10
gl 9 9
F 0,277164
P(F<=f) uni-caudal 0,034768
F crítico uni-caudal 0,314575
Tabela 55: resultados do teste estatístico F para o TF. Houve variação significativa entre as
informantes do Médio Tietê e controle: P<0,05 e F0 (0,27) < Fc (0,31)
Tabela 56: resultados do teste estatístico F para o TF. Houve variação significativa entre as
informantes do Médio Tietê e Portugal: P<0,05 e F0 (4,00) > Fc (3,17)
Tabela 57: resultados do teste estatístico F para o TF. Houve variação não significativa entre as
informantes do Médio Tietê e Portugal: P>0,05 e F0 (1,11) > Fc (3,17)
117
Analisando de modo geral, o teste-F das médias dos dados femininos das tabelas
55 e 56 trouxe resultados distintos dos estudados anteriormente, por ter sido quase
unânime o fato de as variações não serem significativas nos testes de Dunnett e
ANOVA. Outro fator avaliado foi os valores apresentados pelos tons: tendo em vista as
somas das médias dos valores referentes ao controle e de Portugal, estas são superiores
aos do dialeto caipira, estabelecendo tecnicamente que, em relação ao TF, as mulheres
coletadas para o controle e as informantes portuguesas são mais agudas que as do
Médio Tietê.
Após encerrarmos os cálculos estatísticos, vemos novamente que não há uma
similaridade ou disparidade plena entre os resultados, assim como nos estudos de TM,
pois temos uma base de dados que nos mostra que é possível haver diferenças
expressivas entre os informantes ou não. Sendo assim, confirmamos, dentro do exame
de TF, que as regiões do Médio Tietê, de Portugal e o controle não se distinguem com
caracterizações próprias, havendo, em diversas vezes, similitudes dentro de suas
entoações.
Ou seja, o que se vê claramente são os resultados do teste de Dunnett, e percebe-
se que Capivari e Pirapora do Bom Jesus apresentam valores semelhantes com o TF <
150 Hz; Itu, Piracicaba, Santana de Parnaíba, Vila Real e o controle com valores ≥ 150
Hz; e Tietê, Braga e Bragança aproximando-se de 200Hz. De fato, é possível equiparar
alguns números, como Itu, Porto Feliz e Vila Real: a diferença entre Itu e Porto Feliz é
de apenas 0,05%. É certo que as cidades têm apenas 26,7 km de distância entre si, no
entanto, a diferença entre elas e Vila Real é de 0,52% e 0,57%, respectivamente;
enquanto a diferença entre Capivari e Tietê (28 km de distância) é de 31,1%.
250
CAP
ITU
200
PC
150 PP
PF
100
SANT
TIE
50
BRAGA
0 BGÇ
CAP
ITU
PP
TIE
BGÇ
PC
PF
VR
CONTR
SANT
BRAGA
VR
Gráfico 7: comparação do Tom Final (TF) medido em Hertz (linha vertical) entre as cidades do
Médio Tietê, Portugal e o controle (linha horizontal)
118
Ao se separarem os dados de homens e mulheres, nota-se como o resultado do
TF das informantes de Tietê acentua-se por se apresentarem mais agudas do que os
outros exemplares. Ao mesmo tempo em que os dados masculinos de Itu, Piracicaba e
Vila Real coincidem-se.
400
350
300
250
200 Mulheres
150 Homens
100
50
119
1,600
1,400
1,200
1,000
0,800 H1
0,600 H2
0,400 M1
0,200 M2
0,000
Tabela 58: comparação entre os informantes do Médio Tietê, Portugal e controle com valores
medidos em Hertz
120
195
190
185
180
175 MÉDIO TIETÊ
170 CONTROLE
165 PORTUGAL
160
155
150
TM TF
Gráfico 10: comparação entre as finalizações dos falantes do Médio Tietê, Portugal e controle. O
eixo vertical refere-se às médias medidas em Hertz, e a horizontal refere-se ao Tom Médio e ao
Tom Final decorrentes das falas
Cidade TM masc. TF
MÉDIO TIETÊ 154,9 140,2
PORTUGAL 165,2 165,3
CONTROLE 137,7 117,6
Tabela 59: comparação entre os informantes masculinos do Médio Tietê, Portugal e controle com
valores medidos em Hertz
180
160
140
120
100 MÉDIO TIETÊ
80
CONTROLE
60
40 PORTUGAL
20
0
TM TF
masculino
Gráfico 11: comparação entre as finalizações dos falantes masculinos do Médio Tietê, Portugal e
controle. O eixo vertical refere-se às médias medidas em Hertz, e a horizontal refere-se ao Tom
Médio e ao Tom Final decorrentes das falas
121
Enquanto a tabela 59 discrimina os valores em TF e TM, o gráfico 12 mostra
que a finalização dos dados de Médio Tietê não é tão acentuada quanto o controle,
havendo uma tendência a uma finalização mais grave. O teste χ2 reitera a diferenciação
ao gerar o valor P-0,01 (P<0,05). O mesmo ocorre com o público feminino:
Cidade TM – fem. TF
MÉDIO TIETÊ 197,8 191,3
PORTUGAL 211,8 199,9
CONTROLE 243,3 211,1
Tabela 60: comparação entre os informantes femininos do Médio Tietê, Portugal e controle com
valores medidos em Hertz
300
250
200
MÉDIO TIETÊ
150
CONTROLE
100
PORTUGAL
50
0
TM - TF
feminino
Gráfico 12: comparação entre as finalizações dos falantes femininos do Médio Tietê, Portugal e
controle. O eixo vertical refere-se às médias medidas em Hertz, e a horizontal refere-se ao Tom
Médio e o Tom Final decorrente das falas
450
400
v vvvv F0
350
TM
300 v
v v vv TM superior
250 vvvv v
vv v v v TM inferior
200 v v v v vv v v v vvv vvvv
v v
v v vv v vv vvv v vvvv v vv Finalização
v v v
150 v v v v v v v vvvvv vvvv v v v v v
v v v
100
50
Gráfico 13: exemplo da entoação frasal masculina (H1/FR1) de Itu. Frase: “A juventude era uma
coisa gostosa, né... nóis tinha a nossa praça, nóis frequentava a praça, nóis andava pra praça,
arrumava namorada, e assim foi indo... tinha o coreto, tinha a nossa banda união que era bastante
afamada, e assim... tocando a vida pra frente.” A média do TM é 173 e do TF é 171
500
450
400
350 v F0
v
v v vv TM
300 vv v v v vv v
v vv
vv v vvv v v
vv vvvv v TM superior
v v v vvvvv vvvv
250 v v v vv v v v
vv v vvv vvvvv v v v vvv v TM inferior
v
vvvv vv v
v vvvvv v v v v v
200 vvvv
v
vv vv v v vv
v Finalização
150
100
50
Gráfico 14: exemplo da entoação frasal feminina (M2/FR1) de Itu. Frase: “E antigamente a gente
não tinha televisão na casa da gente, então a gente pagava pra quem que tinha televisão lá na vila...
que eu morei na vila rica, né... então tinha duas ou três pessoa que tinha televisão, então a gente
pagava... pra assistir televisão como se fosse no cinema... então ali era a diversão da gente. ” A
média do TM é 219 e do TF é 213
123
500
450
400
v F0
350 v
v v vv TM
300 v v v v
v vvvv v TM superior
vv v v v vv
250 vvvv v v vv v v vvv v
v v
v vv TM inferior
vvv vv vv v
vv vv v
v v
v vv
200 v v v v v v vv Finalização
v v vv vv v v
vv vv v vvv v v
vv v
v vvvvv vv vv
150 v v vv vvv vv
100
50
Gráfico 15: exemplo da entoação frasal masculina (H1/FR4) de Bragança. Frase: “Trabalhar, tu o
que que queria... estudar até a quarta classe e depois trabalhar... comecei a trabalhar de
carpinteiro, ué, fiz carpintaria depois fiz ele... a escola no meu tempo era rapazes prum lado e
raparigas pro outro... e não havia misturas.” A média do TM é 185 e do TF é 188
500
450
400
350 F0
v
TM
300 v
vv v v v v v TM superior
250 v v v v v vvvv v v vvv
v v v vv v vv TM inferior
v v vvvvv v v v v vvv vvvvvv v vvv
200 vv v v v v vv v v v
vv
v
vv
Finalização
v
vv v v
150 v v
100
50
Gráfico 16: exemplo da entoação frasal feminina (M1/FR3) de Bragança. Frase: “Era a escola... Na
escola, a gente hoje na escola tem tudo... antigamente a gente estava descalça e com frio e
aprendias... e as professoras carregavam numas pessoas e hoje num se pode bater num filho.” A
média do TM é 196 e do TF é 190
124
500
450
400
F0
350
TM
300
vv v v TM superior
250 vv v v v
v v vv v vv vv v v v TM inferior
v v v v v v v v
200 v vv v v
v v v vv v v v v v vv v vv v v v v vv v v v Finalização
vvv v v v vv v v
v
vv v v v v v vv vvv vvv v
150 vv
vvv vvv v v v v v v v
v vvv v v v v vv vvvvv
v vv v
100
50
Gráfico 17: exemplo da entoação frasal masculina (M1/FR3) do Controle. Frase: “Administração
de empresas é o curso que tem o maior número de alunos no estado, são duzentos e vinte mil, a
gente fala agora do vestibular, e um dos motivos que atrai tanta gente é que administração é um... é
um curso curinga, né... dá pra trabalhar com recursos humanos, com marketing, virar executivo,
abrir o seu próprio negócio, são muitas as opções.” A média do TM é 144 e do TF é 88
500
v
450 v v
v
400
v
v v v F0
350 v v v
v v v vvv v vv
vv v v v v v TM
300 v v v v
v v vv
v v v v
vv vvv
vv vv v v v
vv
v v v TM superior
250 vv v v v vv v v v
v v v v v v v v v TM inferior
v v vv v
v v
vv v v v v v
200 v v Finalização
v v v v
150
100
50
Gráfico 18: exemplo da entoação frasal feminina (M2/FR3) do Controle. Frase: “É sim... um
administrador pode dirigir uma empresa, cuidar do marketing, trabalhar com sustentabilidade,
apostar num mercado financeiro, formar uma carreira abrangente e uma formação ampla... nos
quatro anos de curso o aluno estuda de filosofia a matemática. ” A média do TM é 249 e do TF é
176
125
a 16, vemos que a última linha da curva de F0 se encerra nas proximidades da linha de
TM, demarcada com quadrados; enquanto os gráficos 17 e 18 trazem essa mesma linha
terminando perto da de finalização, identificada com pequenos pontos. Embora o
gráfico 15 tenha um TF maior do que o TM, nota-se que a linha de F0 encerra-se
atingido a de TM. Essa característica apontada nos gráficos 13 a 16 é o que constitui a
finalização plagal, apresentada na maioria das frases analisadas para esta tese, ao
contrário das frases do controle, em que os exemplos têm finalização autêntica.
Portanto, chegamos à conclusão de que a entoação caipira é caracterizada por ser
sua finalização majoritariamente plagal.
126
Considerações
Finais
127
128
Considerações finais
Esta tese foi iniciada mostrando que o dialeto caipira resguarda variações
linguísticas que se mantêm na nossa Língua Portuguesa.
Sabendo-se que o desenvolvimento de um idioma está intimamente ligado à sua
História, compreendemos que os processos pelos quais passaram nossos colonos e
colonizadores fizeram com que muitos traços se mantivessem presentes até os dias
atuais. Em outras palavras, considerando as fases de isolamento, os hábitos criados e
mantidos durante séculos (há de se lembrar do depoimento de um dos informantes de
Pirapora do Bom Jesus ao afirmar que, até pouco tempo, ainda havia construções “da
época dos índios” em sua cidade), entende-se que muitas variações linguísticas também
foram conservadas nessas localidades.
Da mesma forma, há de se considerar que a gramática, responsável pela
sistematização e fixação do uso padronizado da língua (BORBA, 1975, p.65), somente
foi introduzida na vida das pessoas comuns, tanto no Brasil quanto em Portugal, quando
a escola realmente começou a fazer parte de seus cotidianos. Essa ação foi promovida
pela mudança da política internacional, impulsionada pela filosofia iluminista que
marcou o século XVIII, fazendo com que os governantes se preocupassem e
começassem a oferecer educação indistintamente a todos. Tal ação – decretada em
1774 por Marquês de Pombal em Portugal, e fixada pela Constituição de 1824 no Brasil
– iniciou-se efetivamente no final do século XIX, mas obteve maior sucesso em meados
do XX em ambos os países (GARCIA; DA SILVA, 2012; FERREIRA, 2009; RAMOS,
1988). Por isso, levando-se em consideração que: a maior parte de nossos colonizadores
foi analfabeta; nossa educação tem somente cerca de um século; o Brasil ainda possui
13,2 milhões de brasileiros analfabetos (IBGE, 2012), vemos que a prática educacional
em nosso país ainda está em desenvolvimento.
O caso é que esses fatos têm influência sobre os processos linguísticos, e podem
ser determinantes ao estabelecer diferenças na articulação das palavras e produção da
fala. Neste estudo, especificamente, percebemos que, nas regiões do Médio Tietê, não
apenas o léxico preserva caracterizações pertencentes a períodos mais remotos, mas
também a entoação. Pesquisas desenvolvidas por Ferreira Netto (2010), Baz (2011),
Costa (2011), e, agora, esta tese, dão pistas de que o estado natural da entoação se daria
por meio de finalizações plagais, traço que desaparece quando os informantes possuem
instrução.
129
Por causa desses resultados, uma das hipóteses levantadas é que, durante o
processo de aquisição da escrita, a entoação também tende a ser modificada devido à
dinâmica realizada em sala de aula.
Segundo Barros (1994), professores alfabetizadores monitoram sua fala e
costumam alterar o ritmo e entoação para que os alunos apropriem-se de diversas
informações e comecem a atender à norma culta. Desta forma, os valores fonológicos
são comprometidos quando se ressaltam enfaticamente a presença de sílabas, o uso de
clíticos de forma geral (artigos, pronomes oblíquos átonos, preposições, conjunções), ou
a produção de interrogativas. De acordo com Kato (1986), a fala é segmentada,
construída por unidades linguísticas em uma cadeia contínua de sinais acústicos;
todavia, uma pessoa em vias de alfabetização ainda não tem essa noção, e costuma
entender uma palavra como frase fonológica. Isto é, a frase é compreendida como um
único elemento, não havendo fronteiras estabelecidas ortograficamente (CUNHA;
MIRANDA, 2009, p.128).
Conforme Cagliari (2002), a noção de que a língua é constituída por um
conjunto de sistemas diferentes é construída a partir do momento em que uma criança,
em vias de alfabetização, intensifica o contato com o texto escrito e internaliza a norma.
Em estudo com adultos semialfabetizados (FERREIRA, 2009), por exemplo, as mesmas
características de hiper e hipossegmentação de vocábulos que se observam nas crianças
também ocorrem neles, o que se justifica pela influência prosódica (ABAURRE, 1991;
CUNHA, 2004). Sendo assim, entende-se que, a partir do momento em que o falante
tem conhecimento suficiente sobre os processos gramaticais, os constituintes
prosódicos16 são reconstruídos.
Ou seja, por meio da alfabetização, formam-se variações entoacionais na
prosódia, sendo possível identificar diferenças entre as falas de pessoas plenamente
alfabetizadas e as de baixa ou nenhuma escolaridade.
Situação analisada por Ferreira Netto e Consoni (2008), por meio dos estudos
sistematizados foi possível identificar que, na oralidade dos falantes de língua
portuguesa do Brasil, o TM costuma não apresentar valores fixos ao contrário do TF.
Em se tratando do TM, o fato de ele sofrer alterações é compreensível, pois, conforme
já explicado no capítulo 3, cada falante faz a manutenção do seu próprio tom durante a
fala, todavia, os estudos envolvendo o TF demonstram que há uma influência social no
modo de finalização das frases.
16
De acordo com Nestor e Vogel (1994), os constituintes prosódicos são: sílaba (σ), pé (Σ), palavra
fonológica (ω), grupo clítico (C), frase fonológica (φ), frase entoacional (I) e enunciado (U).
130
Conforme demonstrado no capítulo 2, o canto gregoriano e as canções da tribo
Kaiowá possuem um ponto em comum que é a cadência plagal. Trazendo tal
característica para os estudos de entoação, foi visto que as falas dos portugueses
apresentaram a mesma característica, tanto quanto os informantes do dialeto caipira. Ao
contrário, porém, do controle trabalhado nesta tese, constituído por jornalistas do
programa SPTV da Rede Globo, que produziram em todas as falas a finalização
autêntica.
Seguindo o mesmo princípio, Costa (2011) verificou que as mulheres
corumbaenses semialfabetizadas ou analfabetas e as índias guatós costumam realizar
finalização plagal; enquanto o grupo de controle, meninas corumbaenses alfabetizadas,
produzia a finalização autêntica, mais grave e assimétrica em relação às demais
informantes.
Conforme vemos no gráfico apresentado a seguir, a média calculada do TM do
controle, chamado de meninas, é 41, enquanto o tom final é 38, gerando uma diferença
percentual de 7,3%; todavia as médias das senhoras corumbaenses e guatós são
coincidentes: 40 e 37, respectivamente, para ambos os tons.
Gráfico 19: comparação entre as finalizações das entrevistadas corumbaenses. O eixo vertical
refere-se às médias medidas em Hertz, e a horizontal refere-se ao Tom Médio e o Tom Final
decorrente das falas (COSTA, 2011, p.93)
131
Gráfico 20: comparação entre o canto e a fala dos homens e mulheres guaranis paraguaios (BAZ,
2011, p.153)
1. A finalização plagal não está relacionada a uma etnia específica. Por isso, não é
possível dizer que a entoação do dialeto caipira apresenta influência de índios ou
de portugueses, pois, buscando informantes de diferentes regiões (portugueses,
brasileiros, guatós e guaranis paraguaios), o traço plagal foi comum em todos
que tinham baixo grau de instrução.
2. A escolarização é fator determinante na estruturação dos elementos prosódicos,
pois ela define que seus falantes produzam uma finalização autêntica. Desta
forma, se o falante passou por um processo de escolarização superficial, ou
simplesmente não o teve, ele tende a continuar apresentando finalizações
plagais.
3. Conforme visto no capítulo 3, o dialeto caipira possui um TM ou TF muitas
vezes coincidente com a entoação das cidades portuguesas e com a do controle.
Assim, atualizou-se a menção de Amaral (1920, p.56) que diz: “O tom geral do
frasear é lento, plano e igual, sem a variedade de inflexões, de andamentos e
esfumaturas que enriquece a expressão das emoções na pronunciação
portuguesa”, pois, como visto, o TM e TF de ambas as regiões são semelhantes.
Destarte, por enquanto o dialeto caipira pode ser caracterizado por um falar que:
conserva diversas variações linguísticas; traz inflexões em sua fala, sendo comparável a
outros dialetos; e possui uma finalização predominantemente plagal. No entanto, este
trabalho apenas abre as portas para novas pesquisas sobre a prosódia caipira, cujos
estudos apenas começaram.
132
REFERÊNCIAS
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