Evolucao Estelar2
Evolucao Estelar2
Evolucao Estelar2
EVOLUÇÃO ESTELAR - II
Roberto Ortiz
Fig. 22.1: Todas as estrelas que compõem a figura do caçador da constelação de Orion são massivas:
Betelgeuse (8 ~ 16 Msol), Bellatrix (8 Msol), Meissa (28 Msol), Rigel (21 Msol) e Saiph (15 Msol). As três estrelas que
compõem o cinturão (as populares “Três Marias”) também são massivas: Mintaka (20 M sol), Alnilam (tipo
espectral B0Ia) e Alnitak (27 Msol).
Fig. 22.2: Trajetória evolutiva de uma estrela de 6 massas solares, da fase de proto-estrela à sequência principal
(SP), i.e. da direita para a esquerda (cálculos teóricos de Tognelli et al. 2011). A faixa cinza assinala a posição da
sequência principal e os números em vermelho marcam a posição das estrelas de acordo com suas respectivas
massas, entre 3 e 8 massas solares (Drilling & Landolt 2000). Créditos: do autor.
Fig. 22.3: A explosão de uma bomba de hidrogênio (bomba-H) ocorrida no atol de Enewetak, Oceano Pacífico,
em 1 de novembro de 1952. Durante a explosão, átomos de hidrogênio foram convertidos em hélio, como ocorre
no núcleo das estrelas.
Tabela 22.1: Alguns ciclos ou reações nucleares responsáveis pela produção da luminosidade em estrelas e a
temperatura mínima necessária para que operem. *Temperatura em que a luminosidade gerada pelo ciclo CNO
corresponde a 1/10 daquela do ciclo p-p. Créditos: Lang (1999)
Fig. 22.4: Trajetória evolutiva de uma estrela de 20 massas solares, da sequência principal ao final da fase de
reações triplo- no núcleo da estrela. Créditos: Arnett et al. (1989).
O tempo em que uma estrela de alta massa “queima” hélio em seu núcleo equivale a
apenas 1/10 do tempo que operam os ciclos do hidrogênio no núcleo estelar (tabela 22.2).
Após o esgotamento do hélio, sucedem reações nucleares tipo (e outras) envolvendo
núcleos cada vez mais pesados, tais como o carbono, oxigênio, neônio, silício e assim por
diante. No entanto, conforme mostra a tabela 22.2, o tempo somado de todos os demais ciclos
além da “queima” de hélio é extremamente curto, apenas poucas centenas de anos no caso do
carbono e meses ou dias para núcleos mais pesados. Portanto, pode-se afirmar que o tempo de
vida de uma estrela de alta massa é aproximamente igual ao ciclo de “queima” do hidrogênio
somente.
Tabela 22.2: Diversas reações nucleares de fusão que produzem a luminosidade no núcleo de uma estrela
massiva. (Créditos: Arnett et al. 1989).
É importante observar que, enquanto elementos cada vez mais pesados são
sintetizados no núcleo, outras reações nucleares – que necessitam de menor temperatura –
continuam a ocorrer nas camadas superiores adjacentes. Portanto, estrelas massivas possuem
diversas camadas produtoras de energia, simultaneamente, como uma “casca de cebola” (fig.
22.5), na qual a reação nuclear que requer maior temperatura ocorre no núcleo da estrela e as
demais em torno deste, em ordem decrescente de temperatura.
Fig. 22.5: Uma estrela massiva tem temperatura suficiente para que ocorra a fusão de He, C, O .. Si, etc. A
sequência continua até que região central passa a ser ocupada por um núcleo de ferro, que é envolvido por
camadas onde “queimam” cada um dos elementos químicos citados. Créditos: “Astronomia e Astrofísica”, Kepler
de Souza Oliveira Filho & Maria de Fátima Oliveira Saraiva.
A grosso modo, pode-se dizer que quanto maior o número atômico Z do elemento
químico, maior a temperatura necessária para que ocorram reações nucleares envolvendo este
elemento. Este efeito é devido à barreira coulombiana, que age como uma força de repulsão
entre núcleos atômicos e cuja intensidade aumenta com o produto dos números atômicos dos
envolvidos na reação. Deste modo, à medida que a estrela vai necessitando de reações
envolvendo elementos com maior Z, aumenta também a temperatura necessária para que essas
reações ocorram. Cada vez que se esgotam as reações envolvendo um determinado elemento
químico no núcleo este sofre uma contração e aquece-se até que a temperatura atinja o
mínimo necessário para a “queima” do elemento atômico seguinte. Este processo continua até
o surgimento do elemento ferro no núcleo da estrela.
A tabela 22.2 mostra que, à medida que a estrela caminha para a “queima” de
elementos com maior Z, esse processo torna-se cada vez mais rápido: enquanto o esgotamento
de carbono no núcleo ocorre após 300 anos, esse tempo para o silício é de apenas 2 dias! A
“queima” de silício no núcleo da estrela leva rapidamente à formação do elemento ferro (Z =
26), o mais estável de todos os núcleos atômicos, no núcleo estelar. Nessas condições, a
temperatura no núcleo é maior que 3 ~ 8 bilhões de kelvin e há um grande número de fótons
com alta energia () de modo que ocorrem as seguintes reações:
56Fe + → 13 4He + 4n
4He + → 2p+ + 2n
Fig. 22.6: Antares, uma supergigante de tipo espectral M1.5Iab, possui massa equivalente a 12 massas solares.
Esta estrela já esgotou o hidrogênio em seu núcleo e atualmente produz sua luminosidade convertendo hélio em
carbono e elementos mais pesados. Futuramente explodirá como uma supernova tipo II.
p+ + e- → n + e,
onde e é um neutrino, partícula que escapa facilmente da estrela, carregando consigo grande
quantidade de energia.
O núcleo estelar não colapsa isotropicamente: sua parte interna colapsa “em bloco”,
enquanto a parte mais externa é “deixada para trás”, em queda-livre. A velocidade do colapso
pode atingir 70 mil km/s, equivalente a 23% da velocidade da luz! O colapso só é
interrompido quando a densidade do núcleo estelar atinge 8 x 10 14 g cm-3. Nessas condições,
os nêutrons não podem se aproximar mais uns dos outros porque violariam um princípio da
Física chamado de Princípio da Exclusão de Pauli. Em uma fração de segundo depois, a parte
externa do núcleo estelar, que havia sido deixada para trás, cai violentamente sobre o núcleo
interno. Uma onda de choque se propaga para fora da estrela, que em seguida choca-se com o
restante do volume da estrela, composto majoritariamente de hidrogênio. O resultado do
choque é uma violenta explosão, que carrega consigo quase todo o volume da estrela,
deixando em seu centro um núcleo extremamente denso, composto de nêutrons.
4. Observando supernovas
Conforme o exposto acima, estrelas massivas terminarão sua evolução como uma
explosão de supernova “tipo II”. Também é possível que um sistema composto por um par
de estrelas de menor massa evolua para uma explosão de supernova. Para que isto ocorra,
deve haver transferência de massa de uma componente para outra, de modo que a estrela
“receptora” atinja a massa que lhe falta para iniciar a fusão de elementos pesados e
posteriormente explodir como uma supernova tipo I. De qualquer maneira, supernovas são
um fenômeno extraordinário que podem atingir magnitude absoluta Mv= – 18, equivalente ao
brilho de uma galáxia inteira!
Supernovas são relativamente raras: estima-se que ocorram apenas 10 eventos por
milênio na Via-Láctea. Provavelmente a maior parte deles passa desapercebida por ocorrer em
regiões da Galáxia com visão severamente obstruída pela poeira interestelar, que absorve a luz
das estrelas. Ironicamente, nenhuma supernova foi vista explodir na Via-Láctea desde a
invenção do telescópio no início do século XVII. No último milênio, temos registrada a
ocorrência de apenas três eventos na Via-Láctea que puderam ser observados a olho nu:
supernova do Caranguejo (Crab), observada por astrônomos chineses no ano de 1054 d.C.;
supernova de Tycho (observada pelo astrônomo dinamarquês Tycho Brahe) no ano de 1572;
supernova de Kepler (observada pelo autor das Leis de Kepler) no ano de 1604. Além desses
registros oculares, existiram mais quatro eventos supostamente ocorridos no último milênio,
conforme indicam algumas características dos remanescentes que foram detectados mais
recentemente em imagens no óptico ou em rádio frequências.
Fig. 22.7: A supernova de Shelton (SN1987A) explodiu na Grande Nuvem de Magalhães na noite de 23 de
fevereiro de 1987 e atingiu magnitude visual m v = 3,5, tornando-se visível a olho nu durante vários meses. À
esquerda, imagem da supernova; à direita, imagem da estrela progenitora, feita antes da explosão. A seta indica
a posição de Sk – 69 202. Créditos: Anglo-Australian Observatory.
A placa fotográfica obtida por Shelton foi tomada às 05h31m, hora de Greenwich
(Tempo Universal, T.U.). Observações do astrônomo amador neozelandês Albert Jones feitas
na noite anterior (23 de fevereiro), às 09h21m (T.U.) não mostraram qualquer sinal da
supernova. No entanto, cerca de 1 hora mais tarde dessa mesma noite, precisamente às
10h37m (T.U.), R.M. McNaught, do observatório de Siding Springs (Austrália), obteve uma
imagem da supernova com mv=6,5. Observações feitas nos dias seguintes com o observatório
ultravioleta IUE (International Ultraviolet Explorer) revelaram linhas de absorção do
hidrogênio rasas, indicativas de hidrogênio sendo ejetado à velocidade de 30 mil km/s,
confirmando que se tratava de uma supernova tipo II (pois SN tipo I apresentam tipicamente
linhas do ferro em seu espectro).
identificada como Sanduleak – 69 202 ou CPD – 69 402, uma supergigante de tipo espectral
B3I e magnitude aparente visual mv=12.4. Esses dados são surpreendentes porque esperava-se
que a progenitora fosse uma supergigante vermelha. Outras observações de Sk – 69 202
obtidas durante os 100 anos que anteciparam a supernova não revelaram qualquer alteração de
brilho. O espectro da progenitora obtido anteriormente à explosão também não exibia nenhum
aspecto peculiar. Essas informações mostram que: (1) aparentemente nem todas as supernovas
originam-se de estrelas supergigantes vermelhas; (2) as estrelas progenitoras podem exibir
características espectrofotométricas normais, sem nenhuma indicação de estarem na iminência
de se tornarem supernovas. Essas conclusões reforçam a tese de que o colapso de uma estrela
massiva é um fenômeno interno, que afeta inicialmente o seu núcleo e que depois se propaga
para a estrela como um todo.
Fig. 22.8: Curvas de luz de diversos tipos de supernovas. Créditos: Wikimedia Commons.
5. Após a supernova
Na seção anterior vimos que o destino de uma estrela massiva é sua explosão como
uma supernova tipo II. Durante esse evento, a maior parte do volume da estrela é lançado ao
espaço e pode ser detectado como uma nebulosa em expansão, como a nebulosa do
Caranguejo, catalogada por Charles Messier como M1 e facilmente visível com telescópios
pequenos ou binóculos. Nesta seção, iremos estudar o destino do núcleo da estrela, i.e., sua
parte mais interna, a qual sofreu um violento colapso e que não foi ejetada com o restante da
estrela.
Fig. 22.9: A remanescente da supernova que explodiu no ano de 1054 d.C., chamada de Nebulosa do
Caranguejo (M1). Créditos: Hubble Space Telescope (HST).
Fig. 22.10: Esquema ilustrando a evolução de uma estrela massiva, desde a fase de sequência principal até a
formação de uma “estrela de nêutrons”. Créditos: “Astronomia e Astrofísica”, Kepler de Souza Oliveira Filho &
Maria de Fátima Oliveira Saraiva.
O nome pulsar deve-se ao fato de que este tipo de objeto emite pulsos regulares de
radiação em uma ampla faixa espectral, de ondas de rádio até raios-. A distribuição de
período (tempo decorrido entre dois pulsos consecutivos) dos pulsares conhecidos é bastante
larga, mas mostra um máximo em 0,5 segundo. Em geral, há três interpretações possíveis para
fenômenos periódicos em Astronomia: (1) estrelas binárias; (2) estrelas pulsantes; (3) estrelas
em rotação. A primeira possibilidade pode ser descartada porque ela implicaria em duas
estrelas muito próximas uma da outra, com separação de apenas de 1,6 mil quilômetros
(supondo cada uma delas com 1 massa solar e período de revolução de 0,8 s) e há pulsares
que pulsam muito mais rapidamente, com período de milésimos de segundo. A segunda
possibilidade poderia explicar parcialmente a pulsação de quasares de longo período, mas não
os pulsares mais rápidos, com período de milisegundos. Sabe-se hoje que os pulsares são
estrelas de nêutrons em rotação. O colapso do núcleo estelar é acompanhado pelo surgimento
de um forte campo magnético (1010 ~ 1012 gauss), cujos pólos não estão alinhados com o eixo
de rotação da estrela. Os pulsos de radiação são observados porque cada um dos pólos de uma
estrela de nêutrons emite radiação majoritariamente na direção de um cone. Assim, à medida
que a estrela gira, o feixe de radiação gira também e se um observador estiver localizado na
direção varrida pelo feixe, ele observará a emissão da estrela de nêutrons como um pulsar (fig.
22.11).
Fig. 22.11: Esquema de um pulsar. A estrela de nêutrons gira em torno de seu eixo, cuja posição não coincide
com a de seus pólos magnéticos. “Feixes de radiação” saem de cada pólo magnético, girando juntamente com a
estrela de nêutrons.
Diante do exposto acima, podemos concluir que: (1) todo pulsar (aparentemente) é
uma estrela de nêutrons; (2) nem toda estrela de nêutrons é um pulsar. A primeira afirmação
baseia-se na interpretação que fazemos dos pulsos de radiação observados; a recíproca (2) não
é verdadeira porque a Terra pode estar em uma direção que não é varrida pelo feixe de
radiação.
Fig. 22.12: O pulsar Crab, situado no centro da Nebulosa do Caranguejo.O quadro em preto e branco representa
uma sequência de imagens tomadas em intervalos de fração de segundo (de cima para baixo e da esquerda
para a direita). O pulsar “acende” e “apaga” ao longo da sequência de imagens, enquanto uma estrela próxima
mantém seu brilho constante. Créditos: National Optical Astronomy Observatory (NOAO).
é tão intensa que nem mesmo os fótons por ele emitidos são capazes de escapar da estrela, por
isso a denominação “negro”, significando que ele não emite radiação.
Fig. 22.13: Esquema ilustrativo da evolução de uma estrela massiva, desde a fase de sequência principal
(quando a estrela tem mais de 20 ~ 25 massas solares) até a formação de um buraco negro. Créditos:
“Astronomia e Astrofísica”, Kepler de Souza Oliveira Filho & Maria de Fátima Oliveira Saraiva.
Rs = 2 GMBN/c2,
Portanto, um buraco negro contendo 3 vezes a massa do Sol teria um horizonte dos
eventos com raio de apenas 9 quilômetros! É importante notar que o buraco negro situa-se
internamente ao raio de Schwarzchild e portanto seu raio é menor que este valor.
Embora os buracos negros não emitam fótons, eles podem ser detectados de outras
maneiras. Por exemplo, Cygnus X-1 é uma potente fonte de raios-X localizada na constelação
de Cygnus do hemisfério norte, a uma distância de 1,86 x 10 3 parsecs. A posição da fonte de
raios-X coincide com a da estrela HD226868 uma supergigante de magnitude m v=9,0 e
classificada espectroscopicamente como O9.7Iab. Observações dessa estrela ao longo de
muitos anos revelaram que ela é um dos membros de um sistema binário cujo período é de
apenas 5,6 dias. No entanto, apesar de o sistema estar relativamente próximo, a companheira
de HD226868 não é visível. Utilizando-se a terceira lei de Kepler é possível calcular sua
massa: 15 Msol. Esses dados são surpreendentes pois se a companheira fosse uma estrela, ela
seria de tipo espectral B1 e seria portanto visível.
Fig. 22.14: A fonte de raios-X Cygnus X-1 é associada a um sistema binário composto por uma estrela
supergigante e um buraco negro. Na representação artística acima, a supergigante (à esquerda) transfere massa
para sua companheira (o buraco negro), formando um disco de acreção (à direita). Créditos: Space Telescope
Institute (STI).
Bibliografia
1.ARANY-PRADO, Lilia Irmeli. À Luz das estrelas: ciência através da Astronomia. Rio
de Janeiro, DP&A, 2006.
2.ARNETT, W.D., BAHCALL, J.N., KIRSHNER, R.P. & WOOSLEY, S.E. Supernova
1987A. Annual Rev. Astron. Astrophys., vol. 27, 629-700, 1989.
3.BAADE, W., ZWICKY, F. Remarks on supernovae and cosmic rays. Phys. Rev., vol. 46,
76-77, 1934.
4.CARROLL, B.D. & OSTLIE, D.A., An Introduction to Modern Astrophysics. Addison-
Wesley, 1996.
5.DRILLING, J.S. & LANDOLT, A.U. in Allen's Astrophysical Quantities, p.p. 381-396,
Springer, 4th edition, 2000.
6.LANG, K.R. Astrophysical formulae. Vol. 1, 3a edição, Springer, 1999.
7.OLIVEIRA FILHO, Kepler de Souza; SARAIVA, Maria de Fátima Oliveira. Astronomia
& Astrofísica. São Paulo, Editora Livraria da Física, 2004.