Moraes Determina Soltura de Ex-Comandante Da PCDF

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INQUÉRITO 4.

923 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : IBANEIS ROCHA BARROS JÚNIOR
ADV.(A/S) : CLEBER LOPES DE OLIVEIRA E OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : ANDERSON GUSTAVO TORRES
ADV.(A/S) : RODRIGO HENRIQUE ROCA PIRES E OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : FERNANDO DE SOUSA OLIVEIRA
ADV.(A/S) : DANILO DAVID RIBEIRO E OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : FÁBIO AUGUSTO VIEIRA
ADV.(A/S) : JOAO PAULO DE OLIVEIRA BOAVENTURA E
OUTRO(A/S)
AUT. POL. : DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL

DECISÃO

Trata-se de inquérito instaurado a partir de pedido formulado pela


Procuradoria-Geral da República, em razão da existência de indícios de
atuação criminosa por parte de IBANEIS ROCHA BARROS JÚNIOR,
ANDERSON GUSTAVO TORRES, FERNANDO DE SOUSA OLIVEIRA e
FÁBIO AUGUSTO VIEIRA, considerada a escalada violenta dos atos
criminosos, que resultou na invasão dos prédios do PALÁCIO DO
PLANALTO, do CONGRESSO NACIONAL e do SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, com depredação do patrimônio público, conforme
amplamente noticiado pela imprensa nacional.
Nos autos do Inq. 4.879/DF, em 8/1/2023, decretei a prisão
preventiva, com fundamento no art. 312 do Código de Processo Penal, de
ANDERSON GUSTAVO TORRES e de FÁBIO AUGUSTO VIEIRA.
A prisão de FÁBIO AUGUSTO VIEIRA foi efetivada em 10/1/2023, e
a sua audiência de custódia foi regularmente realizada no dia seguinte,
11/1/2023, sob a presidência do magistrado instrutor deste Gabinete,
Desembargador Airton Vieira.
O Plenário do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em Sessão Virtual
Extraordinária realizada em 11/11/2022, referendou a medida imposta.

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Em 27/1/2023, FÁBIO AUGUSTO VIEIRA requer a revogação da


prisão preventiva a ele imposta com sua consequente soltura, ainda que
cumulada com alguma das medidas cautelares diversas da prisão,
descritas no art. 319 do Código de Processo Penal.
Argumentou, em síntese, que (a) com relação ao argumento
decisório de que o Requerente teria se omitido em face da “ausência do
necessário policiamento, em especial do Comando de Choque da Polícia
Militar do Distrito Federal”, cumpre esclarecer que as ações a serem
adotadas pela Polícia Militar são pautadas pelas deliberações da reunião
mencionada, ficando a cargo do Departamento de Operações (DOP) o
planejamento e execução de tal tarefa, fluxo este que obedece as
atribuições legais da corporação; (b) as informações prestadas ao
Requerente foram no sentido de atestar a suficiência do efetivo policial
programado e de que haveria o emprego tático das polícias especiais,
conforme se depreende do seu depoimento, o que sugeria uma ação
preparatória efetiva; (c) no dia anterior aos atos criminosos ocorridos na
Praça dos Três Poderes, o Requerente recebeu ligação do Chefe da Casa
Civil sobre a manifestação, tendo prestado a informação de que a
operação estava sendo comandada pelo Departamento de Operações
(DOP) e que havia reforçado ao referido Departamento e ao Comando do
6º Batalhão, denominado Batalhão Esplanada, o necessário emprego de
todas as forças especiais e o efetivo policial robusto. Nesse contexto e até
então, o Requerente não possuía qualquer razão legítima para desconfiar
que as informações a ele repassadas estariam categoricamente
equivocadas; (d) somente após a publicação do Relatório Final do
Interventor Federal que chegou ao conhecimento do Requerente e das
demais forças de segurança a inexistência do plano operacional e das
ordens de serviço necessárias, cujo desenvolvimento estava a cargo do
Departamento Operacional – DOP; (e) para além das atribuições
funcionais do Requerente, ele se utilizou, previamente, de todos os meios
de ação a ele então disponíveis para evitar o resultado, que
lamentavelmente viria a ocorrer no dia 8/1/2023; (f) a despeito das falhas
de planejamento - que não são atribuíveis ao Requerente -, ele atuou em

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campo e se utilizou de todos os meios disponíveis para evitar o resultado,


dando ordens, entrando em combate, colocando em risco e prejudicando
sua integridade física. Além disso, o requerente foi o responsável por
proteger artefatos simbólicos e apagar focos de incêndio.
Defendeu a ausência do fumus comissi delicti (por estar demonstrado
que ele não era o responsável pela operação que deveria proteger a Praça
dos Três Poderes) e do periculum libertatis (mudança das circunstâncias
que justificaram a prisão – exoneração e nomeação de novo Comandante
da Polícia Militar do Distrito Federal).
Intimada para se manifestar, a Procuradoria-Geral da República
requereu “a manutenção da prisão preventiva de FÁBIO AUGUSTO VIEIRA,
exComandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, sem prejuízo de
nova avaliação com o avançar das investigações”. Requereu, ainda, “que seja
oficiada a Polícia Federal para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar relatório
parcial das investigações, inclusive com a análise do material apreendido em
decorrência das buscas realizadas” (eDoc. 339).
Em nova manifestação, FÁBIO AUGUSTO VIEIRA reiterou o pedido
de revogação da prisão preventiva (eDoc. 346).
É o breve relato. DECIDO.

O relatório elaborado pelo Interventor Federal na área de Segurança


Pública do Distrito Federal, RICARDO CAPPELI, em princípio, indica
que FÁBIO AUGUSTO VIEIRA, embora exercesse, à época, o cargo de
Comandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, não teria sido
diretamente responsável pela falha das ações de segurança que
resultaram nos atos criminosos ora investigados, além de apontar que o
investigado esteve presente na operação, foi ferido no combate direto aos
manifestantes e não teve as suas solicitações de reforços atendidas,
conforme consta do item ‘g’ da conclusão do referido relatório:

“G) Foi possível constatar que o Comandante Geral da


Polícia Militar do Distrito Federal esteve em campo atuando
operacionalmente (relato constante do Anexo I, Relatório da

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SOPI), o qual inclusive figurou entre os policiais militares


feridos no combate direto aos ataques ao Supremo Tribunal
Federal.
Embora estivesse operando pessoalmente no campo, as
evidências indicam que o coronel perdeu a capacidade de
liderar seus comandados diretos, uma vez que suas solicitações
por reforço não foram consideradas nem atendidas
prontamente”

Essa conclusão, até o presente momento, reforçou as alegações do


próprio investigado que, em 12/1/2023, foi ouvido pela Polícia Federal,
ocasião em que esclareceu sua participação com mais detalhes – no
momento corroborada pelo relatório enviado aos autos pelo Interventor
– , especialmente quanto aos seguintes pontos:

(a) é comandante Geral da PMDF desde 1º/4/2022, com


quase 32 anos de serviço sem qualquer punição disciplinar,
inclusive no curso de formação da academia de oficiais da
PMDF, e sequer respondeu processo administrativo disciplinar
ou processo penal; (b) em Brasília, na função de Comandante-
Geral, chegou a dissuadir quatro pontos que ocupavam
parcialmente algumas rodovias, e nessas não houve confronto;
(c) o acampamento em frente ao Exército, não houve a retirada
pois havia necessidade de autorização do Exército para fazer a
de ocupação; (d) no dia 12/12/2022 esse grupo que ficava na
frente do Exército vinha executando algumas manifestações,
que até então eram pacíficas, com deslocamentos ao Palácio do
Alvorada e retorno ao acampamento; (e) após a prisão de JOSÉ
ACÁCIO SERERÊ XAVANTE, ocasião em que ocorreram atos
de vandalismo, conversou com o Secretário de Segurança
Pública à época, Dr. Julio Danilo e o Secretário Executivo de
Segurança Pública, Dr. Milton Neves, a respeito de provocar
uma reunião com o Exército Brasileiro para fazer a
desmobilização desse acampamento; (f) por duas vezes
tentaram fazer essa desmobilização dos acampamentos, mas

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não obtiveram êxito por solicitação do próprio Exército e que a


PMDF chegou a mobilizar cerca de 500 policiais militares, mas
o Exército entendeu que era melhor eles fazerem essa
desmobilização utilizando seus próprios meios; (g) como
Comandante-Geral da PMDF, não participa de reuniões acerca
das manifestações programadas, o que é feito pela Secretaria de
Segurança Pública e pela Subsecretaria de Operações
Integradas; (h) recebeu informações do Departamento de
Operações que a reunião havia transcorrido dentro do normal e
havia uma informação de inteligência das diversas agências,
que os ânimos dos manifestantes seriam pacíficos; (i) fez
questão de estar presente e foi ferido, mas sempre tentando
organizar as tropas, para remover as pessoas e depois efetuar as
prisões.

Assim sendo, a partir das investigações preliminares realizadas pelo


Interventor da área de Segurança Pública do Distrito Federal, o panorama
processual que justificou a prisão preventiva do investigado não mais
subsiste no atual momento, sendo possível conceder-lhe a liberdade
provisória, pois o essencial em relação às liberdades individuais, em
especial a liberdade de ir e vir, não é somente sua proclamação formal nos
textos constitucionais ou nas declarações de direitos, mas a absoluta
necessidade de sua pronta e eficaz consagração no mundo real, de
maneira prática e eficiente, a partir de uma justa e razoável
compatibilização com os demais direitos fundamentais da sociedade, de
maneira a permitir a efetividade da Justiça Penal.
MAURICE HAURIOU ensinou a importância de compatibilização
entre a Justiça Penal e o direito de liberdade, ressaltando a consagração do
direito à segurança, ao salientar que, em todas as declarações de direitos e
em todas as Constituições revolucionárias, figura a segurança na primeira
fila dos direitos fundamentais, inclusive apontando que os publicistas
ingleses colocaram em primeiro plano a preocupação com a segurança,
pois, conclui o Catedrático da Faculdade de Direito de Toulouse, que, por
meio do direito de segurança, se pretende garantir a liberdade individual

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contra o arbítrio da justiça penal, ou seja, contra as jurisdições


excepcionais, contra as penas arbitrárias, contra as detenções e prisões
preventivas, contra as arbitrariedades do processo criminal (Derecho
Público y constitucional. 2. ed. Madri: Instituto editorial Réus, 1927. p. 135-
136).
Essa necessária compatibilização admite a relativização da liberdade
de ir e vir em hipóteses excepcionais e razoavelmente previstas nos textos
normativos, pois a consagração do Estado de Direito não admite a
existência de restrições abusivas ou arbitrárias à liberdade de locomoção,
como historicamente salientado pelo grande magistrado inglês COKE, em
seus comentários à CARTA MAGNA, de 1642, por ordem da Câmara dos
Comuns, nos estratos do Segundo Instituto, ao afirmar: que nenhum homem
seja detido ou preso senão pela lei da terra, isto é, pela lei comum, lei estatutária
ou costume da Inglaterra (capítulo 29). Com a consagração das ideias
libertárias francesas do século XVIII, como lembrado pelo ilustre
professor russo de nascimento e francês por opção, MIRKINE
GUETZÉVITCH, essas limitações se tornaram exclusivamente trabalho das
Câmaras legislativas, para se evitar o abuso da força estatal (As novas
tendências do direito constitucional. Companhia Editora Nacional, 1933. p.
77 e ss.).
Na presente hipótese, o fato superveniente, consistente nas provas
iniciais juntadas com o relatório produzido pelo interventor federal,
demonstra não mais existir essa devida compatibilização, pois os novos
elementos indicados revelam-se suficientes para afastar a medida cautelar
extrema, permitindo, por ser mais adequada e proporcional, sua eficaz
substituição por medidas alternativas (CPP, art. 319), conforme já afirmou
esta CORTE em diversos julgados: HC 115.786, Rel. Min. GILMAR
MENDES, 2ª Turma, DJe de 20/8/2013; HC 175.775/PR, Rel. Min.
ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 24/9/2019; HC 123.226, Rel. Min.
DIAS TOFFOLI, 1ª Turma, unânime, DJe de 17/11/2014; HC 130.773, Rel.
Min. ROSA WEBER, 1ª Turma, DJe de 23/11/2015; HC 136.397, Rel. Min.
TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 13/2/2017.

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Diante de todo o exposto, nos termos dos arts. 282 e 319 do Código
de Processo Penal, CONCEDO A LIBERDADE PROVISÓRIA À FÁBIO
AUGUSTO VIEIRA, fixando-lhe medida cautelar de proibição de
ausentar-se do Distrito Federal, sem prévia comunicação a essa
SUPREMA CORTE, nos termos do artigo 319, IV do Código de Processo
Penal.

O descumprimento da medida cautelar imposta acarretará a


imediata CONVERSÃO EM PRISÃO PREVENTIVA, nos termos do art.
282, § 4º, do Código de Processo Penal).

Expeça-se o necessário, com URGÊNCIA.


Comunique-se à autoridade policial.
Intimem-se os advogados regularmente constituídos, inclusive por
vias eletrônicas.
Intime-se o Procurador-Geral da República.
À Secretaria para as providências.
Publique-se.
Brasília, 3 de fevereiro de 2023.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES


Relator
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