Sentença - Viaduto Epig

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Número do processo: 0706092-92.2021.8.07.

0018

Classe judicial: AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL (65)

AUTOR: MINISTERIO PUBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITORIOS

 REU: DISTRITO FEDERAL, CIA URBANIZADORA DA NOVA CAPITAL DO BRASIL - NOVACAP,


INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS HIDRICOS DO DISTRITO FEDERAL -
IBRAM, DEPARTAMENTO DE ESTRADA DE RODAGEM DO DISTRITO FEDERAL - DER,
DEPARTAMENTO DE TRANSITO DO DISTRITO FEDERAL, RESPONSÁVEL PELOS CORTES DAS
ÀRVORES NA INTERSEÇÃO ENTRE O SUDOESTE E PARQUE DA CIDADE
REPRESENTANTE LEGAL: PEDRO HENRIQUE RODRIGUES FAVATO

SENTENÇA

I - RELATÓRIO

Trata-se de ação civil pública proposta pelo MINISTERIO PUBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITORIOS em desfavor do DISTRITO FEDERAL e COMPANHIA URBANIZADORA DA NOVA
CAPITAL DO BRASIL – NOVACAP, partes qualificadas nos autos.

Reporto-me ao minucioso relatório lançado na decisão ID 101873445:

“Cuida-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público do Distrito Federal, em face do
Distrito Federal e outros, objetivando a nulidade dos atos administrativos relativos ao licenciamento,
aprovação e execução do projeto de construção do viaduto da Estrada Parque Indústrias Gráficas
(EPIG) e intervenções previstas na Avenida das Jaqueiras e Parque da Cidade. Em pedido de tutela
de urgência, postulou a cominação da suspensão das obras de implantação do viaduto da EPIG, na
intersecção entre o Sudoeste e o Parque da Cidade. O libelo enuncia 23 itens de questionamentos
opostos contra a obra viária questionada. Parte desses itens, como a crítica ao caráter rodoviarista, os
riscos inerentes aos engenhos destinados à contenção de águas pluviais em plena área do Parque da
Cidade, o impacto estético na região, o prejuízo à qualidade de vida da população local, foram
reiteradas por vários representantes comunitários e especialistas, em audiência diretamente travada
com este magistrado.

 
Os réus, representados pela Procuradoria Geral do Distrito Federal, prestaram as informações de id
101710129, instruída com farta documentação consistente de relatórios técnicos e cópias do
procedimento administrativo relativo à obra impugnada. Destacam que a obra enfocada na demanda
é parte do “Corredor Eixo Oeste de Transporte Público do Distrito Federal”, que irá beneficiar cerca
de 1/3 da população do Distrito Federal; que a obra visa garantir prioridade para o transporte
coletivo; que a obra já teve etapas finalizadas e outras em andamento; que as exigências do IPHAN
serão atendidas quando da execução das obras; que a obra não constitui polo gerador de tráfego,
mas, ao contrário, visa melhorar a fluidez do tráfego, sendo, porém, exagero afirmar que a Avenida
das Jaqueiras vá se tornar uma via expressa; que o projeto fora aprovado pelos órgãos competentes,
conforme a legislação vigente à época; que tem diálogo aberto com a comunidade, o que resultou
inclusive em ajustes no projeto executivo; que o licenciamento ambiental seguiu as diretrizes do
IBAMA; que a obra não violará a escala bucólica do plano urbanístico tombado, posto que
preservará a faixa verde emoldurante das Superquadras, em dimensões adequadas.”

Decisão ID 101873445 revoga a tutela cautelar concedida pela decisão antecedente.

Contestação da COMPANHIA URBANIZADORA DA NOVA CAPITAL DO BRASIL – NOVACAP no ID


103679668. Suscita ilegitimidade passiva.

Contestação do DF no ID 104006298. Aduz, em suma, a legalidade da obra questionada.

Réplica no ID 109260295.

Decisão ID 115145626 determina julgamento antecipado do feito.

Os autos vieram conclusos para sentença.

É o relato do necessário. DECIDO.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Procedo ao julgamento conforme o estado do processo, nos moldes do artigo 354 do CPC, pois a decisão ID
115145626 encerrou a fase probatória, devendo o processo marchar adiante.
 

No mais, o Juiz, como destinatário final das provas, tem o dever de apreciá-las independentemente do sujeito que
as tiver promovido, indicando na decisão as razões da formação de seu convencimento consoante disposição do
artigo 371 do CPC, ficando incumbido de indeferir as provas inúteis ou protelatórias consoante dicção do artigo
370, parágrafo único, do mesmo diploma normativo.

A sua efetiva realização não configura cerceamento de defesa, não sendo faculdade do Magistrado, e sim dever,
a corroborar com o princípio constitucional da razoável duração do processo – artigo 5º, inciso LXXVIII da CF
c/c artigos 1º e 4º do CPC.

Quanto à preliminar suscitada pela NOVACAP, destaco que a legitimidade ad causam ordinária, uma
das três condições da ação, faz-se presente quando há a pertinência subjetiva da ação, ou seja, quando os titulares
da relação jurídica material são transpostos para a relação jurídica processual.

À luz da teoria da asserção, a análise das condições da ação dever ser feita à luz das afirmações do
demandante contidas em sua petição inicial. A correspondência entre a afirmação autoral e a realidade vertente
dos autos constitui, pois, questão afeta ao mérito, a ser enfrentada em sede de eventual procedência ou
improcedência da pretensão autoral.

No caso, a parte autora afirma ser a ré uma das responsáveis pelas ilegalidades que aponta, razão
pela qual possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda. A análise acerca da responsabilidade, ou
não, da ré, trata-se de questão de mérito, mas que não afasta a legitimidade para figurar no polo passivo da
demanda.

Constato a presença dos pressupostos de constituição e desenvolvimento da relação processual, do


interesse processual e da legitimidade das partes, razão pela qual avanço à matéria de fundo.

A questão controvertida nos autos diz respeito à legalidade do “processo decisório relacionado à
implantação de viaduto na Estrada Parque Indústrias Gráficas – EPIG, na interseção entre o Setor Sudoeste e o
Parque da Cidade”.

Aponta o “parquet”, em sua exordial, as seguintes ilicitudes: “o que se propõe na espécie é a criação
de uma nova pista expressa, não prevista em lei”; “o automóvel será o maior beneficiado pelos investimentos
feitos nesse enorme complexo viário, em flagrante contrariedade ao que preconiza o art. 3º do PDTU”; “déficit
de participação social no processo decisório correspondente; pela falta de anuência da SEDUH, de decreto do
Poder Executivo distrital autorizando a obra e, possivelmente, de consulta ao CONPLAN; e pela inexistência de
propostas concretas (ao menos em fase de contratação e execução) para atender as exigências estabelecidas pelo
IPHAN, especialmente no que concerne à passagem de pedestres, ciclistas e cadeirantes nas imediações do
viaduto.”

 
Destarte, há de se apurar a ocorrência das ilicitudes apontadas e, se o caso, as consequências
jurídicas delas decorrentes.

Inicialmente, contudo, rememore-se, por oportuna, a exposição contida na decisão ID 101873445:

“É necessário salientar que o âmbito de intervenção jurisdicional sobre a atividade administrativa


limita-se sempre aos aspectos estritos de legalidade, não sendo dado ao Judiciário interferir sobre
aspectos de conveniência e oportunidade da atuação respaldada no poder discricionário do
administrador eleito.

Daí porque aspectos como a inadequação de soluções rodoviaristas não podem entrar na ordem de
consideração do juiz, pois as escolhas dos modos como devem ser enfrentados os problemas da
cidade inserem-se no âmbito de atribuições postas à escolha do administrador. É para isso que os
governadores são eleitos: para empreender as políticas públicas exigidas pela maioria da população,
em dado contexto histórico.

Se as opções políticas não são as melhores possíveis, não cabe ao Poder Judiciário pretender corrigir
a opção que, em última instância, fora legitimada pelo povo, por meio da investidura do agente
político competente pela eleição. O acerto ou não de políticas executadas pela Administração no
âmbito de suas opções legais não pode ser julgado pelo Judiciário, mas diretamente pelo povo, nas
eleições sazonais. Ao Judiciário não compete governar, mas apenas impedir o desgoverno decorrente
da violação à lei. Trocando em miúdos: a análise que se permite ao juiz é estritamente limitada aos
aspectos de legalidade da conduta administrativa, devendo abster-se de invadir esferas de atribuições
reservadas aos agentes políticos do Executivo, que são designados para o desempenho de políticas
públicas respaldadas pelo voto popular.”

De fato, embora seja viável o questionamento de diretrizes adotadas concretamente por políticas
públicas, se mostra infenso ao poder judiciário a total substituição do gestor público na montagem e seleção de
prioridades que envolvam os caminhos a serem adotados para a busca de bens socialmente desejados.

Nesse sentido, o enfoque dado à resolução da controvérsia trazida aos autos deve cingir-se à análise
da observância das disposições legais e constitucionais aplicáveis ao caso.

Quanto ao tema, há de se rememorar, uma vez mais, o que trazido na decisão ID 101873445:
 

No plano da legalidade estrita, os atos administrativos impugnados afiguram-se aparentemente


legítimos, senão vejamos:

O relatório de id 101712912 indica que todo o processo decisório de configuração do Plano


Diretor de Transporte Urbano – PDTU foi devidamente permeado pela convocação de
seminário e audiências públicas divulgadas amplamente à população, e realizadas nas diversas
regiões afetadas pelo projeto.

As obras estão respaldadas por licenciamento ambiental concedido pelos órgãos competentes.
Para fins de análise em liminar, os atos administrativos gozam, prima facie, da presunção de
legalidade. Na presunção de legalidade dos atos de licenciamento inclui-se a presunção de que
aspectos relativos à segurança e impactos ao Parque da Cidade tenham sido tecnicamente
equacionados - se não o foram, as eventuais medidas corretivas ou mitigatórias poderão ser
debatidas ao longo do procedimento, sem que se configure, no atual momento, justificativa
suficiente para a paralisação total do empreendimento.

Como demonstram os réus, na realidade as obras enfocadas na presente lide integram um projeto
maior de integração rodoviária entre várias regiões, beneficiando 1/3 da população brasiliense. A
respeito disso, cabe uma ponderação entre os aspectos naturais e urbanísticos envolvidos na
discussão.

A definição de meio ambiente constante da Resolução Conama 306/02 busca conjugar as variadas
configurações da expressão: “Meio ambiente: conjunto de condições, leis, influência e interações de
ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em
todas as suas formas”.

O STF decantou o “meio ambiente” em quatro configurações jurídicas básicas: meio ambiente
natural, cultural, laboral e artificial (ou urbano). Não são aspectos estanques; antes, a distinção
auxilia na compreensão do tema, mas não pode desconsiderar que todos os aspectos devem conjugar-
se, na concreção da diretriz constitucional preservacionista.

 
A Constituição Federal estatui, como valor jurídico especialmente protegido, o “meio ambiente
ecologicamente equilibrado”. Não se trata, pois, de simplesmente preservar composições ambientais
contemporâneas, mas do equilíbrio dos processos ecológicos.

A seminal Carta de Atenas declarava que as cidades se destinavam a assegurar o bem-estar dos
cidadãos, mediante o atendimento de quatro interesses básicos: moradia, trabalho, lazer e
mobilidade. Tal esquema básico é hoje amplificado pela noção de que, na realidade, não são apenas
quatro, mas diversas as chamadas funções sociais da cidade, dentre as quais mantém-se, obviamente,
as funções fundamentais previstas originalmente na Carta de Atenas.

É certo que a obra tratada na lide, como toda e qualquer obra de engenharia, impactará
negativamente sobre a composição natural da região sobre a qual será executada. Contudo, o
impacto natural justifica-se, no caso, pela repercussão sobre o meio ambiente urbano,
beneficiado no aspecto da mobilidade. Em resumo, uma ponderação de proporcionalidade entre as
perdas e ganhos ambientais no presente caso parece indicar que a obra voltada à mobilidade assume
maior relevância, devendo os impactos negativos sobre a composição natural da região afetada
serem objeto de compensação ambiental a ser estabelecida pelo órgão licenciador e fiscalizador
competente, aspecto que pode ser adiante mais bem examinado ao curso do presente procedimento.

Para além do atendimento ao bem-estar dos cidadãos (o que é interesse juridicamente tutelado de
modo primordial pela ordem jurídica urbanística), a melhoria na fluidez do trânsito também impacta
sobre o meio ambiente natural, na medida em que reduz significativamente o tempo de uso dos
veículos automotores e, por conseguinte, a emissão de gases do efeito estufa. Em que pese a bem
lançada crítica à concepção rodoviarista, de estímulo ao veículo automotor particular, os réus
afirmam que o propósito da obra questionada é exatamente o de estimular os modais de
transporte coletivos, o que soa verossímil quando se percebe que o projeto, percebido em sua
inteireza, irá beneficiar primordialmente a integração de regiões mais humildes, como o Sol
Nascente e, diga-se, moradores do entorno, de localidades como Águas Lindas, Cocalzinho e tantas
outras que abrigam milhares de trabalhadores que vêm cotidianamente ao Plano Piloto.

É claro que é de se esperar que o Distrito Federal irá seguir, na obra em questão, a velha resistência
em contemplar um sistema cicloviário adequado, uma constante em obras da espécie. Não obstante,
a deficiência futura que provavelmente maculará a obra não é motivo suficiente para
simplesmente paralisá-la por completo. A exigência da adequação cicloviária da obra a ser
executada é outro tema que poderá ser melhor examinado e acompanhado ao curso do presente
procedimento.

O tombamento da concepção urbanística de Brasília não é incompatível, a priori, com a


instalação do corredor viário. Aliás, se há um aspecto que possa ser criticado na concepção
urbanística de Brasília é justamente uma visível tendência a estimular o uso de veículos automotores,
o que se traduz nas generosas avenidas que pontuam por todo o lado a cidade tombada. Não há, por
outro lado, prova de que a redução na cobertura vegetal necessária à obra desnature os padrões
mínimos de moldura verde das superquadras, o que preserva, em princípio, a escala bucólica
tombada.

É bem verdade que a intervenção da nova avenida na paisagem urbana representará uma feia
“cicatriz” na pele da cidade, como referiu uma liderança comunitária em diálogo com o signatário.
Contudo, mesmo o dano estético (que é aspecto diretamente relacionado ao dano ao meio ambiente
natural, no caso) não parece ser relevante o suficiente para elidir a primazia do interesse público
sobre a obra de melhoria na mobilidade.

Outro aspecto que não pode ser desprezado diz respeito ao estabelecimento de uma cultura de
prestígio à legalidade. Brasília é uma cidade que cresce à enorme proporção de 60.000 novos
habitantes por ano, o que gera um desafio perene à gestão da cidade. Boa parte desses desafios
infelizmente não é atendido a contento pelo poder público, como no caso do perene déficit de
políticas de oferta de moradia à população. A insuficiência das políticas públicas de gestão da cidade
abre espaço para toda a sorte de ilegalidades, quando não crimes, que hoje pautam o caos urbano que
vem pontuando Brasília por todo o lado: cidades inteiras estabelecidas à margem da lei e em local
absolutamente inadequado, como Vicente Pires, unidades de conservação como a Floresta Nacional
transformadas em bairros à vista de todos, a orla do Lago Paranoá que se tornou praticamente
inacessível em vários lugares em razão de invasões de servidões de passagem estimuladas pelo
próprio GDF, parques públicos jamais implementados e transformados em estacionamento em Águas
Claras, unidades de conservação no Altiplano Leste e no Park Way oferecidas à venda, o
assoreamento do Lago Paranoá e da Cachoeirinha pela atividade incontida da grilagem, são apenas
algumas das várias graves mazelas, todas praticadas em manifesta violação da lei, e que causam
gravíssimas externalidades negativas aos mais variados interesses ambientais e urbanísticos. Num
contexto desses, com tantas e tão graves lesões decorrentes de franca violação da lei (algumas com a
condescendência e até mesmo participação direta do GDF), soaria até mesmo um tanto
despropositado impedir a execução de projeto licenciado em procedimento aparentemente legítimo,
causando a incômoda sensação de que, na capital, é mais fácil atuar na ilegalidade do que o
contrário, o que reforça a inadequação da concessão da liminar, pelo efeito pedagógico negativo.

Os relatórios apresentados pelos réus indicam que a exigência de participação democrática na


elaboração e aprovação do projeto integral fora atendida de modo suficiente. Acrescente-se a isso a
consideração de que a execução de políticas públicas elaboradas por agentes eleitos pelo voto
popular é aspecto da democracia representativa, ou seja, boas ou más, as obras públicas concebidas
pelos agentes eleitos têm, em última análise, o respaldo prévio do mandato popular, o qual foi
chancelado, no caso concreto, pela aprovação direta nas audiências públicas convocadas.” (g.n.)

De fato, a análise da documentação trazida aos autos permite inferir a observância, em grau
satisfatório, dos requisitos legais aplicáveis à espécie.

Superada a questão da contestação acerca da opção política pela “motorização”, infensa ao controle
judicial, certo é que os requeridos demonstraram que a questão relativa à criação de nova Avenida ao arrepio da
lei não se coaduna com a extensão da obra realizada (300 metros em um total de cerca de 3 km de extensão da
Avenida das Jaqueiras) e nem com o fato de que o Plano Diretor de Transporte Urbano – PDTU, instituído pela
Lei Distrital n. 4.566/2011, contemplou obras de infraestrutura necessária à implantação do denominado Eixo
Oeste, dentre as quais se encontra a ora debatida.

Ademais, evidenciou-se, também, que “O Decreto nº 33.701, de 6 de junho de 2012 que Cria Grupo
de Trabalho para análise e gestões, no âmbito dos órgãos do Governo do Distrito Federal, visando à aprovação
de documentação relativa a obras viárias do Sistema de Transporte de Passageiros Eixo Oeste, lista os órgãos
integrantes, dentre os quais a então Secretaria de Estado de Habitação Regularização e Desenvolvimento Urbano
do Distrito Federal - SEDHAB, responsável pelo planejamento urbano à época”.

De fato, a publicação de tal ato normativo infralegal atende, à luz do normativo existente à época, as
demandas de consulta aos órgãos competentes, não havendo de se falar em necessidade de renovação de tais
diligências de acordo com termos posteriormente incluídos no ordenamento jurídico, sob pena de violação ao art.
5º, XXXVI da CRFB/88 e ao princípio da proporcionalidade, em razão da repetição desnecessária de atos.

Mesmo que assim não fosse, certo é que os órgãos mencionados pelo autor vieram aos autos e se
manifestaram pela regularidade do procedimento que antecedeu o início das obras, a robustecer a
desproporcionalidade de se impedir o prosseguimento das intervenções para determinação de repetição.

No mesmo sentido, quanto às audiências públicas, também comprovam os requeridos que “o


Decreto n° 38.047/2017, que regulamenta o art. 20, da Lei Complementar nº 803, de 25 de abril de 2009, no que
se refere às normas viárias e aos conceitos e parâmetros para o dimensionamento de sistema viário urbano do
Distrito Federal, para o planejamento, elaboração e modificação de projetos urbanísticos, e dá outras
providências, não prevê a obrigatoriedade de realização de consulta ou audiência pública para aprovação de
projetos de conexões do sistema viário urbano com rodovias.”

Destarte, inexistente comando legal vigente à época, não há de se falar de realização de audiências
públicas, havendo de se mencionar que, a despeito de tal ausência de exigência, observa-se das “folhas 402 a 405
do processo nº 090.000883/2010 que foram publicados informativos da realização, por parte da Secretaria de
Transportes do Distrito Federal, de série de Seminários Públicos sobre o Plano Diretor de Transporte Urbano e
Mobilidade do Distrito Federal e entorno”, o que garantiu a manifestação da população acerca do ato.

Por fim, certo é que a “inexistência de propostas concretas (ao menos em fase de contratação e
execução) para atender as exigências estabelecidas pelo IPHAN” não serve de óbice ao seguimento das obras,
uma vez que, existente o compromisso, eventual violação de seus termos há de ser apurada em sede própria
acaso ocorrida.

Diante de tais considerações, colhe-se que houve comprovação da observância dos requisitos legais
aplicáveis à espécie. Não por outra razão, aliás, o Exmo. Relator do agravo tirado nos autos assim se manifestou:

De fato, o Plano Diretor de Transporte Urbano – PDTU, instituído pela Lei Distrital n. 4.566/2011,
contemplou obras de infraestrutura necessária à implantação do denominado Eixo Oeste, onde está
sendo construído o viaduto da EPIG, objeto de impugnação nos autos originários.

Para a implementação das obras, inicialmente, foi publicado o Decreto Distrital n. 33.699, de
05.06.2012, delegando “competência ao Secretário de Estado de Obras do Distrito Federal para
coordenar as ações técnicas de engenharia necessárias à captação dos recursos financeiros no âmbito
do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC II Mobilidade Grandes Cidades e para gerenciar
a execução dos consequentes Termos de Compromisso e Contratos de Operação de Crédito a serem
firmados com a União e dá outras providências”.

Em seguida, especificamente sobre o viaduto em questão, foi editado o Decreto Distrital n. 33.701,
de 06.06.2012, criando “Grupo de Trabalho para análise e gestões, no âmbito dos respectivos
Órgãos, visando à aprovação de documentação relativa a obras viárias do Sistema de Transporte de
Passageiros - Eixo Oeste”, do qual faz parte, entre outros, o Departamento de Estradas de Rodagem
do Distrito Federal - DER/DF, que, assim, anuiu com a aprovação do projeto.

Portanto, cuida-se de obra que vem sendo planejada há bastante tempo, inclusive com etapas já
finalizadas, como a obra de reformulação da EPTG, e etapas em execução, como a obra do Túnel de
Taguatinga, a reforma da Avenida Hélio Prates e dois viadutos na via ESPM, como informa a
manifestação do PROMAI – Núcleo Ambiental da Procuradoria-Geral do Distrito Federal (id.
101710129 na origem).
Aliás, de acordo com o Parecer Técnico 23/2021, da Assessoria Técnica Urbanística do MPDFT (id.
101280625 na origem), “Os trâmites para a licitação iniciaram desde 2013, com a elaboração do
projeto pela empresa Prisma Consultoria, mas foram suspensos em 2015 após o Tribunal de Contas
da União – TCU identificar deficiências no projeto básico, orçamento incompleto, irregularidades no
instrumento convocatório e fiscalização deficiente na execução de convênio, retomados somente
agora, em 14/1/2021, após as devidas correções.

O agravante alega que não houve participação popular na tomada de decisão para a implementação
das intervenções que trarão impactos negativos sobre a região.

Contudo, sobre os questionamentos opostos contra a obra viária, o juízo singular consignou que
“parte desses itens, como a crítica ao caráter rodoviarista, os riscos inerentes aos engenhos
destinados à contenção de águas pluviais em plena área do Parque da Cidade, o impacto estético na
região, o prejuízo à qualidade de vida da população local, foram reiteradas por vários representantes
comunitários e especialistas, em audiência diretamente travada com este magistrado”.

Embora o relatório de id 101712912 informe que não foi realizada audiência pública aberta aos
moradores do Sudoeste específica para a interseção, “considerando que o projeto do Viaduto EPIG é
parte integrante da Rodovia EPIG e consiste em uma das interseções previstas no PDTU apresentado
à sociedade e que o orçamento da obra não se enquadra nos valores previstos na Lei 8.666/93, art.
39”, anota que foram realizados seminários pela então Secretaria de Transportes para apresentação
do PDTU. Ademais, no dia 27.07.2021, teria havido reunião com representantes da associação de
moradores do Sudoeste, do que resultou ajustes no projeto de forma a não interferir ou interferir o
mínimo possível na área verde, e para desvio de tráfego a fim de diminuir a supressão vegetal.

Consoante informa o Parecer SEI-GDF n.º 343/2021 - SODF/AJL (id. 101712914 na origem), o
projeto de readequação da EPIG para implantação do Corredor Eixo Oeste foi desenvolvido em
2014, cuja concepção é oriunda do Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade do Distrito
Federal – PDTU, após um longo e fundamental ciclo de debates públicos e de consolidação de
políticas públicas. Observa que não há obrigatoriedade legal de realização de audiências públicas
previamente à licitação do objeto que veio a ser contratado. Ressalta que o Viaduto EPIG não
acarretará efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural, conforme avaliação feita
pelo órgão ambiental competente. Menciona que ambas as intervenções já estão previstas no
urbanismo da cidade, sendo desnecessária a exigência de EIA/RIMA e, consequentemente, audiência
pública.

(...)   

O Ministério Público acusa que não houve licenciamento da obra em discussão.


Todavia, a partir de uma análise preliminar, não é possível chegar a essa conclusão. Com efeito, do
que se depreende dos autos, a obra foi licitada, cujas etapas foram submetidas ao crivo do Tribunal
de Contas, que, após o cumprimento de exigências, aprovou o procedimento licitatório e a
contratação do objeto.

Cuidando-se de obra e serviço licitado, é presumível que todo o projeto básico tenha sido aprovado
pela autoridade competente (art. 7º, § 2º, da Lei n. 8.666/93). ”  

Destarte, observado o teor do que contido na lei, deve o judiciário reservar ao gestor
democraticamente eleito a escolha razoável das prioridades e projetos que serão executados durante o mandato,
sempre pondo-se à salvo a possibilidade de controle social e, em especial, do Ministério Público, eventual
discrepância ou irregularidade que esbarre concretamente nos deveres postos no programa legislativo.

A questão ganha contornos ainda mais sensíveis quando se tem em conta o quadro de calamidade
pública vivida atualmente em face da pandemia COVID-19, cujos efeitos nefastos tem se arrastado por dois anos
e se espraiaram e espraiarão por tempo indefinido, pondo-se em evidência a necessidade de atuação estratégica
por parte do poder público, a fim de atender as mais diversas demandas urgentíssimas que dela foram resultado
(dentre elas, inclusive, eventual reconfiguração do plano de transporte diante de possível redução ou alteração no
fluxo de trânsito).

Portanto, aquilatada a legalidade do procedimento que precedeu a obra, o acolhimento, no mérito, do


pleito, somente poderá se dar com base em argumentos que implicarão, em última instância, o deslocamento da
análise das políticas públicas questionadas da arena institucional democrática para o sistema judicial, na medida
em que a apuração da adequação das obras se transportará da esfera de execução do programa democraticamente
eleito e sob escrutínio popular para o sistema judicial, a quem caberá definir, em última instância, o cumprimento
satisfatório das diretrizes urbanísticas.

Tal quadro possibilita que, em busca da máxima efetividade de direitos fundamentais, a satisfação da
demanda coletiva acabe por reduzir o espectro democrático contido na atuação estatal e, em especial, no gasto
público, resultando em quadro de pior atenção ao ordenamento constitucional.

Portanto, a demanda deve ser julgada improcedente.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados pelo MINISTERIO PUBLICO DO


DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITORIOS em desfavor do DISTRITO FEDERAL e COMPANHIA
URBANIZADORA DA NOVA CAPITAL DO BRASIL – NOVACAP, partes qualificadas nos autos.

 
Declaro o feito extinto com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I do NCPC.

Sem custas e sem honorários (interpretação dos artigos 17, 18 e 19 da Lei n. 7.347/85).

Derradeiramente, considerando o conteúdo do art. 6º do CPC, em especial o dever de cooperação que permeia o
processo civil brasileiro, concito as partes para que, diante da publicação da presente sentença, zelem pelo bom
desenvolvimento processual, observando, especialmente no que tange o recurso de Embargos de Declaração, o
exato conteúdo do art. 1.022 do diploma processual, evitando, desse modo, a interposição de recurso incabível.

Diante de tal ponderação, ficam advertidas as partes, desde já, que a oposição de Embargos de Declaração
manifestamente protelatórios, em especial os que visem unicamente a reanálise de provas e/ou o
rejulgamento da causa e/ou arbitramento de honorários e/ou danos morais, será alvo de sancionamento,
na forma do art. 1.026, § 2º do mesmo diploma, na esteira dos precedentes do Eg. TJDFT (Acórdãos 1165374,
1164817, 1159367, entre outros).

Após o trânsito em julgado, não havendo outros requerimentos e recolhidas as custas processuais, dê-se baixa e
arquivem-se os autos, com as cautelas de estilo.

Sentença prolatada em atuação no Núcleo Permanente de Gestão de Metas do Primeiro Grau –


NUPMETAS – 1.

Sentença registrada nesta data. Publique-se. Intimem-se.

João Gabriel Ribeiro Pereira Silva


Juiz de Direito Substituto

*Datado digitalmente pela assinatura digital.

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