Rbecm: Revista Brasileira de Ensino de Ciências E Matemática

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ISSN 2595-7376

volume 4 - número 2
jul./dez. 2021

RBECM
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
ISSN 2595-7376

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO A RBECM possui publicação semestral do Brasil sob a


responsabilidade do Programa de Pós-Graduação em
Bernadete Maria Dalmolin Ensino de Ciências e Matemática (PPGECM), voltada
Reitora
exclusivamente para a pesquisa na área de ensino/
Edison Alencar Casagranda aprendizagem de ciências (Física, Química, Biologia
Vice-Reitor de Graduação ou Ciências Naturais, quando enfocadas de maneira
integrada).
Rogerio da Silva
Vice-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação, Este periódico tem como objetivo principal a divulgação
Extensão e Assuntos Comunitários
aberta de trabalhos relevantes e originais em pesquisa
Antônio Thomé em ensino de Ciências para a comunidade internacional
Vice-Reitor Administrativo de pesquisadores.

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE


CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Revista Brasileira de Ensino de Ciências e Matemática
Equipe Editorial Revista Brasileira de Ensino de Ciências e Matemática
Dra. Aline Locatelli, Universidade de Passo Fundo, Brasil [recurso eletrônico] / Universidade de Passo Fundo,
Editora-chefe Faculdade de Educação. – Vol. 1, n. 1 (2018)- . – Passo
Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2018-
Dr. Luiz Marcelo Darroz, Universidade de Passo Fundo, Brasil
Editor executivo Semestral: 2018-.
eISSN 2595-7376.
Dra. Cleci Werner da Rosa, Universidade de Passo Fundo, Brasil Modo de acesso: <http://seer.upf.br/index.php/rbecm>.
Dr. Marco Antonio Trentin, Universidade de Passo Fundo, Brasil
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Brasil
* A Revista Brasileira de Ensino de Ciências e Matemática é
Endereço postal responsável pela revisão desta edição.
Universidade de Passo Fundo
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e
Matemática
Instituto de Ciências Exatas e Geociências
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Passo Fundo/RS
E-mail: [email protected]
Telefone: 54 3316-8345 (ICEG)
3316-8363 (Secretaria de Pós-Graduação)
Sumário
509 Editorial
515 A célula no ensino de biologia: papel do livro didático e concepções de ensino
Cell in biological education: the role of the teaching book and teaching conceptions
Mariane Beatriz Karas, Erica do Espirito Santo Hermel

532 Abordagem do Tema Socioambiental “Lixo em Meio Aquático”: Uma


Estratégia Reflexiva Com Enfoque CTS no Ensino de Química
Approach to the Socio-Environmental Theme “Waste in Aquatic Environment”: A
Reflective Strategy with a CTS Focus on Chemistry Teaching
João Bosco Paulain Santana Júnior, Sidilene Aquino de Farias

555 Adolescing in body, mind and affection: a study on developing values and
attitudes from science teaching
Adolescer em corpo, mente e afeto: um estudo sobre desenvolvimento de
valores e atitudes a partir do Ensino de Ciências
Gabriela Messias Silva, José Adriano Cavalcante Angelo, Jemima Queiroz da Silva

584 Análise de aspectos sociocientíficos em livros didáticos de química para


a segunda e terceira séries do ensino médio
Analysis of socio-scientific issues in chemistry textbooks used in high school
João Paulo Stadler*, Mariana da Silva Azevedo

614 Cartas à Paulo Freire: (des)esperança de professores(as) em tempos


desinteressantes
Letters to Paulo Freire: (un)hope of teachers in uninteresting times
Carla Busato Zandavalli, Lilian Andressa Oliveira Olegário, Brenda Tavella Oliveira

646 Controvérsias sobre Vacinas: o que pensam os estudantes?


Vaccine controversies: what do students think?
Gleice Prado Lima, Adjane da Costa Tourinho e Silva,
Divanizia do Nascimento Souza
670 O jogo da memória como recurso pedagógico
The game of memory as a pedagogical resource
João Carlos Leal Cunha, Edmilson de Souza

714 O Uso de Mapas Conceituais como Instrumento de Ensino e Avaliação da


Aprendizagem Significativa dos Conceitos Relacionados a Química do Petróleo
The Use of Concept Maps as a Teaching and Assessment Tool of Meaningful
Learning of Concepts Related to Petroleum Chemistry
Sandralice Marins da Silva Dias, Wagner da Silva Terra

753 Os registros gráficos no contexto do Ensino de Ciências por Investigação:


em foco o Programa de Residência Pedagógica
Graphic records in the context of Inquiry-Based Teaching Science: focusing on
the Pedagogy Residence Program
Alice Helena Bertola, Tatiana Schneider Vieira de Moraes

776 Perspectivas de licenciandos em Física sobre a Educação de Jovens e Adultos


Physics student’s perspective about youth and adult education
Larissa Carniel da Silva, Patrícia Ignácio, Tobias Espinosa

803 Processos Formativos e mediação em centros e museus de ciências: o


caso de um centro de ciências de Vitória/ES
Formative processes and mediation in science centers and museums: the case
of a science center in Vitória/ES
Jonathan Pires Janjacomo, Geide Rosa Coelho

835 Questão sociocientífica sobre o uso medicinal da Cannabis sativa: uma


proposta didática segundo a pedagogia histórico-crítica
Socio-scientific issue about the medicinal use of Cannabis sativa: a didactic
proposal according to the historical-critical pedagogy
Dezyrê Mendes Peixoto, Cinthia Leticia de Carvalho Roversi Genovese

858 Sequência didática para o ensino inclusivo de estudantes com deficiência


visual: abordagem do tema abelhas
Didactic sequence for the inclusive teaching of visually impaired students:
approaching the bees theme
Fabiana Gomes Guntzel, Franciele Braz de Oliveira Coelho
882 Trilhas interpretativas em unidade de conservação: espaço pedagógico
para o ensino de ecologia
Interpretive trails in conservation unit: pedagogical space for teaching ecology 
Jean Dalmo de Oliveira Marques, Laís Cássia Monteiro de Souza Barreto,
Elizalane Moura de Araújo Marques

914 Uma árvore diferente: fractal exploratório na formação continuada de


professores pedagogos
A different tree: exploratory fractal in continuing teacher education
José Carlos Pinto Leivas

934 “Você já estudou sobre aquecimento global na escola?”: contrapontos de


estudantes amazônidas do campo e da cidade
“Have you ever studied about global warming in school?”: counterpoints of rural
and urban Amazonian students
Nayara Ricele da Costa Tavares, Jaílson Santos de Novais

953 A utilização de organizadores prévios para o ensino de estequiometria:


uma proposta de unidade de ensino potencialmente significativa
The use of previous organizers for teaching stoichiometry: a potentially significant
teaching unit proposal
Franciele Tatiana Haupt, Daniele Trajano Raupp, Vladimir Lavayen

970 Uma implementação de modelos matemáticos de máquinas síncronas em


MATLAB/SIMULINK como atividade interdisciplinar
A math models implementation of synchronous machines in MATLAB/SIMULINK
as an interdisciplinary activity
Alcedir Luis Finkler, Maurício de Campos, Paulo Sérgio Sausen,
Airam Teresa Zago Romcy Sausen

993 Unidade de ensino potencialmente significativa para o estudo da água e


poluição na perspectiva da educação ambiental crítica
Potentially significant teaching unit for the study of water and pollution from the
perspective of critical environmental education
Cristiane Jussara da Silva, Helotonio Carvalho, Kátia Aparecida da Silva Aquino
Editorial

Pesquisar, Formar e Agir em Ciências e Matemática

Em tempos de incertezas sobre a Ciência, a Pesquisa e a Pós-Graduação no


Brasil, nada melhor do que qualificarmos os espaços de divulgação das pesquisas e
práticas de formação e Ensino de Ciências e Matemática. A Universidade de Passo
Fundo (UPF), por meio do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e
Matemática (PPGECM), ao lançar a REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE
CIÊNCIAS E MATEMÁTICA (RBECM) em 2018 deu mais um passo neste sentido,
contribuindo para a consolidação destas duas sub-áreas de conhecimento que estão
sempre integradas no desenvolvimento coletivo dos processos de pesquisa, de forma-
ção de professores, de ensino e de produção de currículos e políticas educacionais.
Tomando como referências as áreas de Ensino de Ciências e Matemática e
a pesquisa científica, não podemos perceber cenários possíveis sem os processos
formativos. Necessitamos formar novos professores, novos pesquisadores e sobre
este processo de formar nos dedicarmos para produzir um agir qualificado e um
pensar crítico e alfabetizado cientificamente. Neste interim, não é também possível,
fazê-lo sem investigá-lo, e desta forma, passamos a compor um ciclo sempre cíclico
e desenvolvimentista de melhor pesquisarmos para melhor ensinarmos e para o
melhor agir em Ciências e Matemática.
Defendo que estes três processos: investigar, formar e agir são indissociáveis,
assim como também o são: a pesquisa, o Ensino e a extensão nas Universidades.
Estes processos de Investigação-Formação-Ação podem fortalecer a análise e o de-
senvolvimento de uma área de produção, assim como podem configurar um modelo
possível para pensar os processos. Nesta engrenagem não pode faltar uma peça
central: o movimento de dinamizar os processos, de retroalimentá-los seja com a
possibilidade de leitura e crítica das produções, seja com o retorno de alunos alfa-

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betizados por professores que formamos, com currículos que forjamos ou em meio
a práticas que produzimos.
Ao ser convidado para este editorial e ser desafiado a leitura dos artigos, logo
pensei como compreender e apresentar tais textos? sobre o quê escrever? Tão logo
procedia a leitura, percebia um encontro com meus referenciais e ao refletir sobre
os mesmos logo me vi escrevendo sobre investigar, formar e agir. Os artigos são por
natureza uma entrega à comunidade científica daquilo que produzimos: Ciência,
Conhecimento e Pesquisa. Porém, com a particularidade de ser na área de Ensino,
também produzimos Formação e Educação e não podemos deixar de perceber que
produzimos tudo isso, para uma Ação crítica e reflexiva na sociedade.
Com artigos de pesquisadores e instituições que representam o País de Norte
a Sul, o Volume 4, Número 2 de 2021, da RBECM nos brinda com 19 artigos resul-
tantes de 16 trabalhos de pesquisa acadêmica e de três trabalhos técnicos: produtos
educacionais. Na sequência serão destacados os principais enfoques, objetivos e
listados os autores dos artigos.
A CÉLULA NO ENSINO DE BIOLOGIA: PAPEL DO LIVRO DIDÁTICO E
CONCEPÇÕES DE ENSINO de Mariane Beatriz Karas e Erica do Espirito Santo
Hermel, trata-se de um artigo de revisão da literatura que versa sobre o que as
pesquisas recentes apontam com relação ao estudo da biologia celular mediado pelo
livro didático de Biologia.
No artigo ABORDAGEM DO TEMA SOCIOAMBIENTAL “LIXO EM MEIO
AQUÁTICO”: UMA ESTRATÉGIA REFLEXIVA COM ENFOQUE CTS NO ENSINO
DE QUÍMICA de João Bosco Paulain Santana Júnior e Sidilene Aquino de Farias,
são analisadas as contribuições do tema socioambiental “Lixo em Meio Aquático”
para promover a reflexão e o posicionamento de estudantes do Ensino Médio frente
às relações com a Ciência.
ADOLESCER EM CORPO, MENTE E AFETO: UM ESTUDO SOBRE DESEN-
VOLVIMENTO DE VALORES E ATITUDES A PARTIR DO ENSINO DE CIÊNCIAS,
cuja versão em língua inglesa intitula-se: ADOLESCING IN BODY, MIND AND
AFFECTION: A STUDY ON DEVELOPING VALUES AND ATTITUDES FROM
SCIENCE TEACHING de Gabriela Messias Silva, José Adriano Cavalcante Angelo
e Jemima Queiroz da Silva, objetivou analisar os alcances das ações e práticas na
educação em Ciências a partir do conteúdo da fala de estudantes do 9º Ano do Ensino
Fundamental sobre adolescer em corpo, mente e afeto, o que implica caracterizar

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a adolescência como um conceito produto do contexto histórico, social, econômico e
cultural do século XX.
No artigo ANÁLISE DE ASPECTOS SOCIOCIENTÍFICOS EM LIVROS DI-
DÁTICOS DE QUÍMICA PARA A SEGUNDA E TERCEIRA SÉRIES DO ENSINO
MÉDIO de João Paulo Stadler e Mariana da Silva Azevedo, é apresentada uma
pesquisa centrada na análise dos livros de Química, quanto a abordagem e contex-
tualização de aspectos sociocientíficos, destinados à segunda e terceira séries do
Ensino Médio, aprovados pelo PNLD.
Já em CARTAS À PAULO FREIRE: (DES)ESPERANÇA DE PROFESSO-
RES(AS) EM TEMPOS DESINTERESSANTES, Carla Busato Zandavalli, Lilian
Andressa Oliveira Olegário e Brenda Tavella Oliveira retratam uma experiência
pedagógica realizada no âmbito da disciplina de Teorias de Aprendizagem, em um
Curso de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências, de uma instituição pública
federal de Mato Grosso do Sul, desenvolvida por meio da análise de Cartas escritas
em resposta a obra “Pedagogia da Indignação: Cartas pedagógicas e outros escritos”,
de Paulo Freire.
A partir das CONTROVÉRSIAS SOBRE VACINAS: O QUE PENSAM OS ES-
TUDANTES?, Gleice Prado Lima, Adjane da Costa Tourinho e Silva e Divanizia
do Nascimento Souza buscaram analisar a construção de argumentos elaborados
por alunos do Ensino Médio nas aulas de Biologia, por meio de uma sequência de
ensino investigativa.
O artigo, O JOGO DA MEMÓRIA COMO RECURSO PEDAGÓGICO de João
Carlos Leal Cunha e Edmilson de Souza, investigou a elaboração de versões online
e físicas do Jogo da Memória e seu uso como recurso pedagógico para auxiliar a
aprendizagem de conceitos de matemática, utilizando a troca simbólica entre alga-
rismos indo-arábicos e egípcios.
O USO DE MAPAS CONCEITUAIS COMO INSTRUMENTO DE ENSINO E
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DOS CONCEITOS RELA-
CIONADOS A QUÍMICA DO PETRÓLEO foi apresentado por Sandralice Marins
da Silva Dias e Wagner da Silva Terra, com o intuito de investigar a utilização de
Mapas Conceituais e contribuir para uma aprendizagem mais significativa dos
alunos da parte experimental da disciplina de “Tecnologias Regionais II” do Curso
Técnico em Química.

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O trabalho intitulado: OS REGISTROS GRÁFICOS NO CONTEXTO DO
ENSINO DE CIÊNCIAS POR INVESTIGAÇÃO: EM FOCO O PROGRAMA DE
RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA, de Alice Helena Bertola e Tatiana Schneider Vieira
de Moraes objetivou investigar se o aluno, ao se engajar em atividades de cunho
investigativo, pode aprimorar o processo de produção de textos escritos, na pers-
pectiva de um Ensino de Ciências por investigação.
O texto PERSPECTIVAS DE LICENCIANDOS EM FÍSICA SOBRE A EDU-
CAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS de Larissa Carniel da Silva, Patrícia Ignácio e
Tobias Espinosa versa sobre os entendimentos a respeito do conceito, dos sujeitos, do
Ensino e da aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos (EJA), de licenciandos
de um curso de licenciatura com habilitação em Física.
A pesquisa PROCESSOS FORMATIVOS E MEDIAÇÃO EM CENTROS E MU-
SEUS DE CIÊNCIAS: O CASO DE UM CENTRO DE CIÊNCIAS DE VITÓRIA/ES
de Jonathan Pires Janjacomo e Geide Rosa Coelho tem por objetivo compreender
os processos formativos que influenciam na constituição dos sujeitos, quanto aos
seus saberes e fazeres da mediação em um centro de Ciências.
A partir de uma QUESTÃO SOCIOCIENTÍFICA SOBRE O USO MEDICINAL
DA CANNABIS SATIVA: UMA PROPOSTA DIDÁTICA SEGUNDO A PEDAGO-
GIA HISTÓRICO-CRÍTICA, Dezyrê Mendes Peixoto e Cinthia Leticia de Carvalho
Roversi Genovese abordam o tema tendo como objetivo apresentar e discutir uma
proposta didática elaborada segundo a pedagogia histórico-critica (PHC), para ser
implementada no Ensino Médio.
Analisando uma SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O ENSINO INCLUSIVO DE
ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL: ABORDAGEM DO TEMA ABELHAS
e tendo como perspectiva a inclusão, Fabiana Gomes Guntzel e Franciele Braz de
Oliveira Coelho relatam uma pesquisa desenvolvida em um curso de Licenciatura
em Ciências da Natureza, a qual objetivou investigar a pertinência da aplicação
desta sequência didática no componente curricular de Ciências na Educação Básica.
Para melhor ensinar conteúdos ecológicos, Jean Dalmo de Oliveira Marques,
Laís Cássia Monteiro de Souza Barreto e Elizalane Moura de Araújo Marques
desenvolveram a pesquisa TRILHAS INTERPRETATIVAS EM UNIDADE DE
CONSERVAÇÃO: ESPAÇO PEDAGÓGICO PARA O ENSINO DE ECOLOGIA no
intuito de investigar o ensino e aprendizado de Ecologia da Amazônia por meio da
utilização de Trilhas Interpretativas.

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No artigo UMA ÁRVORE DIFERENTE: FRACTAL EXPLORATÓRIO NA FOR-
MAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES PEDAGOGOS, José Carlos Pinto
Leivas se coloca a investigar o processo de visualização em uma construção fractal
exploratória, envolvendo geometria e formas, grandezas e medidas, utilizando tec-
nologias para formar novos professores em Pedagogia.
Com a pergunta: “VOCÊ JÁ ESTUDOU SOBRE AQUECIMENTO GLOBAL
NA ESCOLA?”: CONTRAPONTOS DE ESTUDANTES AMAZÔNIDAS DO CAMPO
E DA CIDADE, Nayara Ricele da Costa Tavares e Jaílson Santos de Novais nos
convidam a ler e compreender como investigaram as principais fontes de informa-
ção sobre aquecimento global a que estudantes têm acesso, bem como, se a escola
aborda esse assunto.
Neste volume, também são publicados três artigos na seção produtos educacio-
nais, são eles: A UTILIZAÇÃO DE ORGANIZADORES PRÉVIOS PARA O ENSINO
DE ESTEQUIOMETRIA: UMA PROPOSTA DE UNIDADE DE ENSINO POTEN-
CIALMENTE SIGNIFICATIVA de Franciele Tatiana Haupt, Daniele Trajano Raupp
e Vladimir Lavayen; UMA IMPLEMENTAÇÃO DE MODELOS MATEMÁTICOS DE
MÁQUINAS SÍNCRONAS EM MATLAB/SIMULINK COMO ATIVIDADE INTER-
DISCIPLINAR de Alcedir Luis Finkler, Maurício de Campos, Paulo Sérgio Sausen e
Airam Teresa Zago Romcy Sausen e UNIDADE DE ENSINO POTENCIALMENTE
SIGNIFICATIVA PARA O ESTUDO DA ÁGUA E POLUIÇÃO NA PERSPECTIVA
DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA de Cristiane Jussara da Silva, Helotonio
Carvalho e Kátia Aparecida da Silva Aquino. Do que me consta são produções so-
bre as propostas didáticas desenvolvidas como um produto com intencionalidade
educacional, ou seja, abarcam uma reflexão retrospectiva ao analisar o que já foi
desenvolvido, e a meu ver, são também produções para as práticas dos professores
de Ciências e Matemática, ou seja, fazem uma reflexão prospectiva para inspirar
novas práticas de Ensino.
Importante reiterar que tanto os artigos sobre os produtos educacionais quanto os
artigos de pesquisa continham análises críticas de práticas, propostas ou sequências
de Ensino, sendo que muitos destes advinham do contexto empírico e dos processos de
Ensino de Ciências e Matemática. Esta constatação reitera a premissa inicial deste
editorial, de que estes artigos sejam sobre e para processos de investigar, formar e
agir, pois, na área de Ensino somos forjados professores pesquisadores, como uma

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identidade latente que nos forma, conforma e acompanha no constante e continuum
devir da carreira, como um movimento dinâmico e de intervenção: em démarche.
É possível perceber com a leitura, que as perspectivas teóricas e metodológicas,
as temáticas e as proposições são diversas o que implica reconhecer diferentes modos
de conceber e de produzir possibilidades a partir da pesquisa em Ensino de Ciências
e de Matemática, o que nos coloca sempre no desafio de dinamizar os processos,
colocando-os em movimento e pautando novas agendas de Investigação, o que na-
turalmente iremos assistir e aplaudir em novos volumes e números da RBECM.
Posso afirmar também que os artigos nos remetem todos a um triplo diálogo,
com os referenciais (literatura pertinente), com o contexto de cada pesquisa (prá-
ticas, sujeitos, temáticas, conceitos, estratégias) e com cada um (pares, leitores e
autores em si), este triplo diálogo também nos coloca mais uma vez em exercício
de co-responsabilidade entre Revista e Comunidade aprofundando e viabilizando
ainda mais o diálogo com o intuito de melhor investigar e melhor formar/ensinar
para melhor agir em Ciências e Matemática.
Assim, investigar, formar e agir ou se preferirem: agir, formar e investigar em
Ciências e Matemática é dinamizar também processos de Ensino (como Área). Para
expandir o diálogo entre este pensar e o agir, convido a todos à leitura dos artigos.

Prof. Dr. Roque Ismael da Costa Güllich – UFFS

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A célula no ensino de biologia: papel do livro didático e concepções de ensino

A célula no ensino de biologia: papel do livro


didático e concepções de ensino
Mariane Beatriz Karas*, Erica do Espirito Santo Hermel**

Resumo
A célula é a menor unidade estrutural e funcional dos diferentes organismos vivos, sendo ca-
paz de existir de maneira independente. Todos os seres vivos são formados por uma ou várias
células que são extremamente pequenas; desta forma, só é possível analisar, compreender e
estudar com o auxílio de um microscópio. Os livros didáticos são uma das ferramentas mais
utilizadas nas escolas, tanto pelos alunos quanto pelos professores. O conteúdo de biologia
celular é apresentado de maneira detalhada e ricamente ilustrada nos livros didáticos; assim,
torna-se imprescindível conhecer o que as pesquisas recentes apontam sobre o estudo da bio-
logia celular mediado pelo livro didático. Para isso, a presente pesquisa de caráter bibliográfico-
-documental analisou as concepções de ensino de biologia celular e o papel atribuído ao livro
didático em oito dissertações e três teses. Sobre as concepções de ensino houve predominân-
cia da concepção emancipatória, seguida da prática. Não houve indícios da concepção técnica.
Os resultados apontam para uma tendência de ensino pautada na interação entre os sujeitos
mediada por processos reflexivos. Com relação ao papel atribuído ao livro didático, foi possível
identificar que os trabalhos expressam que ele tem função referencial e instrumental, ou seja, o
papel do livro didático é pôr em prática métodos de aprendizagem com atividades e exercícios,
sendo ele um fiel tradutor do programa curricular.

Palavras-chave: biologia celular, currículo, ensino de ciências.

*
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências (PPGEC), Universidade Federal da Fron-
teira Sul, Campus Cerro Largo, RS (UFFS/Brasil). E-mail: [email protected]
**
Professora do Quadro Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências (PPGEC), Univer-
sidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Cerro Largo. Doutora em Ciências Biológicas: Neurociências/
UFRGS. E-mail: [email protected]

Recebido em: 21/06/2020; Aceito em: 01/03/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11216
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 515-531, 2021 515

Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Mariane Beatriz Karas, Erica do Espirito Santo Hermel

Introdução

A célula é a unidade básica da vida, é nela que ocorrem as reações químicas


essenciais para a manutenção do metabolismo dos seres vivos (JUNQUEIRA; CAR-
NEIRO, 2012). Contudo, esses processos e reações ocorrem a nível microscópico.
Assim, o entendimento desses acontecimentos limita-se à imaginação, o que os torna
relativamente abstratos. O entendimento acerca da biologia celular é essencial para
a compreensão e organização do conhecimento biológico, sendo necessário que os
alunos compreendam a célula como uma estrutura funcional fundamental para a
constituição dos organismos vivos.
O estudo da célula tem seu início no Ensino Fundamental, vinculado à discipli-
na de Ciências, e sua continuação no Ensino Médio, na disciplina de Biologia. Um
ensino significativo dessa temática proporciona a compressão de diversos temas
presentes no nosso dia a dia e nos meios de comunicação, como, por exemplo, o
câncer, células-tronco, clonagem, entre outros.
Atrelado à necessidade de um ensino significativo no que tange à temática
biologia celular, deparamo-nos com as discussões acerca dos diferentes tipos de
concepções utilizadas no ensino. Segundo Rosa e Schnetzler (2003), estas concepções
são reflexo das influências nas ideias e nas construções dos grupos sobre os muitos
níveis de investigação educativa e de possibilidades de desenvolvimento a partir
de interação entre sujeitos da educação.
Assim, é possível entendermos a interação entre alunos e professores mediada
pelo livro didático (LD) e como esse processo se constitui na aprendizagem como
um todo, abrangendo, por exemplo, conceitos sobre biologia celular que possibilitem
mais contextualização entre teoria e prática.
Muitas escolas possuem acesso aos mais diversos recursos didáticos e tecnoló-
gicos e, mesmo assim, o LD ainda é uma das ferramentas mais utilizadas para o
ensino de Ciências (AMARAL; MEGID NETO, 1997; GUIMARÃES; MEGID NETO;
FERNANDES, 2011). Sendo que, em algumas escolas, o livro configura-se como o
único recurso disponível para que o professor possa ministrar sua aula (OCCELI;
VALEIRAS, 2013). Corroborando com Nuñez (2003) e Díaz (2011), que consideram
o LD como sendo a principal fonte de trabalho e difusão dos conteúdos curriculares
em sala de aula.

516 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 515-531, 2021

Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A célula no ensino de biologia: papel do livro didático e concepções de ensino

Compreendemos que, hoje, no campo da educação existem diferentes metodo-


logias e ferramentas tecnológicas para que o aluno possa compreender de forma
significativa a biologia celular; apesar disso, o livro didático ainda é um dos recursos
mais utilizados nas escolas. A descrição oferecida por Vasconcelos e Souto (2003, p.
93-94) elucida a importância dos LDs: “[...] no ensino de ciências, os livros didáticos
constituem um recurso de fundamental importância, já que representam em muitos
casos o único material de apoio didático disponível para alunos e professores”. Assim,
o LD pode ser, muitas vezes, o único livro com o qual o estudante tenha contato,
além de ser uma das únicas ferramentas de apoio do professor, constituindo-se numa
importante fonte de estudo e pesquisa.
Ainda, Occeli e Valeiras (2013) destacam que o LD tem desempenhado, desde
longa data, um importante papel no ambiente escolar, constituindo-se em uma base
para os professores. Em busca de um processo de ensino e aprendizagem significativo
e compreensível, diversas modalidades didáticas também poderiam ser empregadas.
Nesse sentido, o LD pode assumir funções variadas, dependendo das condições,
do lugar e do momento em que é produzido e utilizado nas diferentes situações
escolares. Choppin (2004) identificou quatro funções que os LDs assumem em sala
de aula, conjuntamente ou não. Na função referencial, o LD possui um caráter de
ser fiel tradutor do programa curricular. Na função instrumental, o livro põe em
prática métodos de aprendizagem com atividades e exercícios. Quanto à função ideo-
lógica e cultural, o LD funciona como um vetor de tentativa de afirmação da língua,
da cultura e dos valores das classes dirigentes. E, por fim, esse material didático
apresenta a função documental, proporcionando elementos que, interpretados pelos
estudantes, favorecem o desenvolvimento de seu senso crítico.
Os LDs de Ciências e de Biologia abordam a biologia celular de maneira ilustrada
e detalhada, sendo, portanto, uma fonte de aproximação dos alunos com essa temá-
tica. Desse modo, o estudo do LD é fundamental para uma análise mais profunda
sobre a natureza e a qualidade do processo de ensino e de aprendizagem. Assim, essa
investigação trata de uma pesquisa bibliográfico-documental que objetiva identificar
as concepções de ensino (ROSA; SHENETZLER, 2003) e o papel atribuído ao LD
(CHOPPIN, 2004) nas pesquisas recentes sobre biologia celular nos LDs.

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Mariane Beatriz Karas, Erica do Espirito Santo Hermel

Metodologia

A presente pesquisa em Ensino de Ciências seguiu uma abordagem qualitativa,


mediante uma análise bibliográfico-documental (LUDKE; ANDRÉ, 2001). Foi rea-
lizada uma revisão da literatura em trabalhos acadêmicos brasileiros disponíveis
em meio eletrônico na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD),
localizada no órgão nacional Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecno-
logia (IBICT). Foram analisados os títulos, resumos, referências e palavras-chaves
com indícios de pesquisas sobre biologia celular nos livros didáticos de Ciências e
Biologia.
Neste estudo, os trabalhos foram analisados tendo como referência às concepções
de ensino: técnica, prática e emancipatória, com base nos pressupostos de Rosa e
Shnetzler (2003) (Quadro 1). Buscamos também identificar qual é o papel atribuí-
do ao LD pelos autores das dissertações e teses analisadas. Para isso, recorremos
a Choppin (2004), o qual destaca que, dentre as suas múltiplas funções, os LDs
exercem quatro que são essenciais: a função referencial, a função instrumental, a
função ideológica e cultural e a função documental (Quadro 2).

Quadro 1: Descrição das concepções de ensino aplicadas aos trabalhos analisados.


Concepção Descrição
Professor: transmissor de saberes e avaliador dos “produtos da aprendizagem”;
Aluno: tábula-rasa – suas manifestações não são consideradas;
Técnica
Conteúdo: dados a serem transmitidos aos alunos;
Abordagem positivista – a teoria determina a prática.
Professor: mediador do diálogo e da participação;
Aluno: possui identidade própria;
Prática
Conteúdo: os conhecimentos da realidade permitem a comunicação dos sujeitos;
Processo participativo.
Professor: transforma a educação - promove a problematização, estimulando a
reflexão;
Emancipatória Aluno: Adquire competências e habilidades, é educado para a cidadania.
Conteúdo: é flexível e possível de ser indagado;
Permite a comunicação e a ação social, mediante processos reflexivos.
Fonte: Adaptado de Rosa e Schnetzler (2003)

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A célula no ensino de biologia: papel do livro didático e concepções de ensino

Quadro 2: Descrição das funções do livro didático aplicadas aos trabalhos analisados.
Função Descrição
Também chamada de curricular ou programática;
O livro didático é apenas uma tradução fiel do programa no qual está inserido,
Referencial ele é o suporte privilegiado dos conteúdos educativos, o depositário dos conheci-
mentos, técnicas ou habilidades que um grupo social acredita que seja necessário
transmitir às novas gerações.
O livro didático coloca em prática métodos de aprendizagem com a proposta e a
Instrumental execução de exercícios ou de atividades que, de acordo com o contexto no qual
estão inseridos, visam facilitar a memorização dos conteúdos.
O livro didático se afirmou como um dos principais vetores da língua, da cultura
Ideológica e e dos valores das classes dirigentes. Ao tornar-se um instrumento privilegiado de
cultural construção de identidade, geralmente é reconhecido como um dos símbolos da
soberania nacional e, nesse sentido, assume um importante papel político.
O livro didático pode fornecer, sem que sua leitura seja dirigida, um conjunto de
Documental documentos, textuais ou icônicos, cuja observação ou confrontação pode vir a
desenvolver o espírito crítico do aluno.
Fonte: Adaptado de Choppin (2004)

A exploração do material de estudo seguiu os pressupostos de Lüdke e André


(2001), desenvolvendo-se em etapas de análise temática de conteúdo, constando
de: pré-análise, exploração do material, tratamentos dos dados e interpretação.
Na pré-análise utilizamos as palavras-chaves “livro didático” e “célula”. Após, os
trabalhos selecionados foram novamente classificados por meio da leitura dos resu-
mos. Não houve delimitação temporal na busca, os trabalhos analisados se referem
a um período compreendido entre os anos de 2005 e 2018, ou seja, treze anos. Na
exploração do material, realizamos a leitura das escritas dos autores categorizando
as concepções de acordo com Rosa e Schnetzler (2003) e o papel atribuído ao LD de
acordo com Choppin (2004). No tratamento dos dados e interpretação, realizamos
a discussão sobre os resultados obtidos contextualizando com o referencial teórico
da área. Desse modo, para análise dos resumos, retiramos fragmentos dos textos,
que depois passamos a marcações que denominamos concepções, permitindo-nos a
análise e construção dos resultados do trabalho. Apresentaremos no próximo item
os resultados e a discussão sobre os dados obtidos.

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Mariane Beatriz Karas, Erica do Espirito Santo Hermel

Resultados e discussão

Em busca realizada na BDTD pelas palavras-chaves “livro didático” e “célula”,


foram encontrados 36.471 trabalhos que apresentavam quaisquer das expressões.
Após refinada a busca para “todos os termos”, foram reduzidos a 31 trabalhos. Por
fim, os resumos dos trabalhos foram lidos para avaliar se a temática abordada no
trabalho coincidia com o objetivo desta revisão e aqueles que não se enquadravam
foram descartados.
Foram encontradas oito dissertações e três teses que atendiam aos objetivos
dessa revisão. O Quadro 5 apresenta os trabalhos selecionados de acordo com as
seguintes subcategorias: 1- Abreviação dividida em: i) dissertação e ii) tese; 2- Título;
3- Autores; 4- Ano de defesa; e 5- Instituição e local de onde procedem os trabalhos.
Assim, para organizar os textos a serem analisados, criou-se um código específico:
dissertações “D” e teses “T”, seguido de números arábicos correspondentes à ordem
cronológica de publicação. É com base na análise dos dados apresentados no quadro
que passamos a discutir os resultados produzidos.

Quadro 5: Dissertações e Teses com o tema biologia celular em livros didáticos encontradas na BDTD.
(continua...)
Código Referência
JOTTA, L. de A. C. V. Embriologia animal: uma análise dos livros didáticos de biolo-
D1 gia do ensino médio. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de Brasília.
Brasília, p. 245, 2005.
TAUCEDA, K. C. Aprendizagem de conceitos biológicos através do estudo das re-
D2
presentações mentais. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Educação em
Ciências: Química da Vida e Saúde) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre, p. 116, 2009.
CONCEIÇÃO, L. C. S. Abordagem da bioética em âmbito escolar: proposições cons-
D3 tantes de livros didáticos de biologia. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em
Ciências e Matemáticas) – Universidade Federal do Pará. Belém, p. 82, 2011.
MARTINS, R. M. A transposição didática do papel termodinâmico do ATP gera con-
D4 ceitos alternativos? Dissertação (Mestrado em Bioquímica) - Instituto de Química, Uni-
versidade de São Paulo. São Paulo p. 90, 2012.
CIRNE, A. D. P. P. Dificuldades de aprendizagem sobre conceitos de genética no
D5 ensino fundamental. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências Naturais e Matemá-
tica) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, p. 269, 2013.
HOLANDA, D. X. T. A abordagem de temas contemporâneos de biologia no ensino
D6 médio: um estudo exploratório. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Ma-
temática) – Centro de Ciências, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, p. 164, 2013.

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A célula no ensino de biologia: papel do livro didático e concepções de ensino

(conclusão)
PINHEIRO, R. M. de S. O conceito de célula em livros didáticos de biologia: análise
D7 sob uma perspectiva histórico-crítica. Dissertação (Mestrado Educação em Ciências
e Matemática) - Universidade Federal de Goiás. Goiânia, p. 165, 2018.
SANTOS, L. G. dos. Obstáculos epistemológicos presentes nos livros didáticos de
biologia do PNLD 2015: um estudo sobre transporte celular. Dissertação (Mestrado
D8
em Educação em Ciências e Matemática) - Universidade Federal de Goiás. Goiânia, p.
130, 2018.
FRANZOLIN, F. Conhecimentos básicos de genética segundo professores e docen-
tes e sua apresentação em livros didáticos e na academia: aproximações e distan-
T1
ciamentos. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de
São Paulo. São Paulo, p. 674, 2012.
WIRZBICKI, S. M. As aprendizagens do conceito energia do metabolismo celular
nas interações entre professores e estudantes mediadas pelos livros didáticos de
T2 biologia do ensino médio. Tese (Programa de Pós-Graduação em Educação em Ci-
ências: Química da Vida e Saúde) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre, p. 144, 2015.
NEVES, R. F. das. Abordagem do conceito de célula: uma investigação a partir das
contribuições do Modelo de Reconstrução Educacional (MRE). Tese (Programa de
T3
Pós-Graduação em Ensino das Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Recife, p. 264, 2015.
Fonte: Karas e Hermel (2019)

A partir da análise dos dados foram identificadas duas temáticas de investiga-


ção: (i) análise do conteúdo de biologia celular em LDs (7:11) e (ii) discussões acerca
da utilização dos LDs no ensino de Ciências/Biologia (4:11). Tanto os autores que
analisam o conteúdo de biologia celular em LDs (D1, D2, D3, D4, D7, D8 e T1),
quanto os que discutem a utilização dos LDs (D5, D6, T2 e T3) expressam que o LD
é “peça fundamental” no processo de escolarização brasileira, sendo um instrumento
pedagógico importante ao ensino e, por estar presente na maior parte das escolas,
de certo modo é o suporte no processo de formação da sociedade (VASCONCELOS;
SOUTO, 2003).
Os trabalhos analisados expressam, em sua maioria, concepções de ensino com
caráter emancipatório (7:11), pois defendem a importância da reflexão no processo
de ensino e aprendizagem. Os demais (4:11) foram categorizados como práticos,
pois defendem a importância da interação entre os sujeitos, mas não reconhecem
a relevância da reflexão durante o processo, ao menos não de forma explícita. Não
foram encontrados indícios da concepção técnica nos trabalhos analisados (Quadro 3).

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Quadro 3: Concepções de ensino identificadas nos trabalhos analisados.


Concepção Teses e dissertações
Técnica -
Prática D1, D4, D8, T1
Emancipatória D2, D3, D5, D6, D7, T2, T3
Fonte: Karas e Hermel (2019)

Sobre o papel atribuído ao LD pelos autores das dissertações e teses analisadas,


foi possível identificar que os trabalhos expressam que o LD tem função referencial
(7:11), o que faz do LD um fiel tradutor do programa curricular, assim como instru-
mental (7:11), ou seja, o papel do LD é pôr em prática métodos de aprendizagem
com atividades e exercícios. E, por fim, a função ideológica e cultural (1:11), pela
qual o LD é um vetor de tentativa de afirmação da língua, da cultura e dos valores
das classes dirigentes (Quadro 4).

Quadro 4: Funções do livro didático identificadas nos trabalhos analisados.


Função Descrição
Referencial D2, D5, D6, D7, D8, T1, T2
Instrumental D1, D2, D4, D5, D6, T1, T2
Ideológica e cultural D7
Documental -
Fonte: Karas e Hermel (2019)

Nenhum trabalho evidenciou a função documental do LD, ou seja, esse material


didático não é visto com potencial de desenvolvimento do senso crítico dos alunos.
Em alguns dos trabalhos analisados, foi possível identificar mais de uma função
atribuída ao LD (D5, D6, D7, T1 e T2), enquanto em D3 e T3 não foi possível iden-
tificar o papel atribuído ao LD (Quadro 4). Os excertos discutidos abaixo acentuam
os indícios das concepções de ensino e funções atribuídas ao LD, encontradas nos
trabalhos analisados.
Em D1, Jotta (2005, [grifos nossos]) realiza uma análise das características
das linguagens verbal e visual referentes à embriologia animal, encontradas nos
LDs de Biologia, na qualidade de limitadores ou promotores da aprendizagem.
Para tanto, foram analisados os textos, quanto ao uso das linguagens figurada,
técnico-científica e implícita, e as imagens, quanto à tipologia, à morfologia e à

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A célula no ensino de biologia: papel do livro didático e concepções de ensino

funcionalidade. A coleta de dados ocorreu em dez capítulos contidos em oito livros,


extraídos de seis coleções de LDs de Biologia destinadas ao Ensino Médio.
A referida pesquisa não discute acerca da importância do diálogo, da interação
entre os sujeitos e da reflexão. Apesar disso, a autora manifesta que “[...] o ensino
atual da Biologia concentra-se apenas na transmissão de informações, que, em
geral, não são incorporadas ao conhecimento dos alunos” (D1, 2005, p. 14). Por
conta da crítica realizada pela autora, sua pesquisa foi categorizada como concep-
ção prática. Rosa e Schnetzler (2003, p. 32) colocam que o modelo de ensino prático
“[...] é centrado na inserção social do aluno através de um processo participativo,
ampliando sua capacidade de apropriação da linguagem científica como mediação
na compreensão dos fenômenos”.
Ainda, sobre o papel do LD, a autora defende que: “O livro didático, na qua-
lidade de recurso ao qual o aluno pode ter acesso em qualquer momento, deve
apresentar todas as explanações que se fazem necessárias à compreensão
do conteúdo (D1 2005, p. 93). É possível identificar a função instrumental do LD,
sendo este considerado um recurso fundamental para a aprendizagem e integrali-
zado no sentido conceitual e pedagógico.
Tauceda (2009, [grifos nossos]), em D2, avalia a influência das figuras do LD
no processo de aprendizagem de conceitos biológicos abstratos (bioquímica e bio-
física celular), na construção do pensamento complexo e de modelos mentais.
A pesquisa foi desenvolvida com dois grupos, de acordo com a utilização ou não do
LD. Nas turmas que utilizavam o LD, a autora constatou uma menor frequência
de desenhos que indicavam a construção do pensamento complexo e de modelos
mentais, pois, quando foram trabalhadas as figuras do livro, a maioria dos alunos
apresentou um retrocesso.
A autora destaca que “[...] a escola faz a transmissão de um saber inerte, ao
invés de convocar o estudante a atuar, pensar, criticar, produzir o seu conhecimento
através de sua reflexão sobre o mundo e isso vem estimulando posições passivas
nos estudantes” (D2, 2009, p. 87, [grifos nossos]). As expressões grifadas permitiram
categorizar a pesquisa em questão como concepção emancipatória, pois estabelece
uma crítica às concepções técnicas e enfatiza a reflexão, do mesmo modo que a pes-
quisa de D3. Rosa e Schnetzler (2003, p. 31) defendem que a concepção emancipató-
ria “[...] investe na possibilidade de superar a limitação dos significados subjetivos

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em direção a um saber emancipador cujo marco de referência objetivo permite a


comunicação e a ação social, mediante processos reflexivos”.
O papel atribuído ao LD em D2 é referencial e instrumental: “O LD é uma
importante fonte de informação para os professores e alunos; é utilizado pelos
professores na organização e planejamento das atividades em sala de aula”
(D2, 2009, p. 56, [grifos nossos]). Aqui percebemos que a importância do LD se
remete ao seu conteúdo e a questão curricular, onde ele aparece como ferramenta
organizadora das atividades.
A pesquisa de Conceição (2011, [grifos nossos]), expressada em D3, teve como
objetivo explicitar se e como a Bioética é tratada em LD de Biologia do Ensino Mé-
dio, bem como analisar de que maneira a abordagem do tema nestes livros contribui
para que os estudantes possam conhecê-lo, tornando-se capazes de compreender
e refletir, criticamente, sobre o assunto e suas questões no contexto contem-
porâneo. Além do mais, “[...] o currículo no formato disciplinar já é obsoleto por
expressar um caráter mecanicista-memorístico tal que parece difícil ser superado ou
descartado em favor das reflexões necessárias a partir daquilo que o estudante
já sabe e do contexto no qual ele vive” (p. 31).
De acordo com o autor, a bioética é escassa e demasiadamente superficial
na forma como tem sido apresentada nos LDs, deixando de suscitar reflexões por
parte do leitor. Dessa maneira, conclui que é imprescindível que os LDs de Biologia
passem por uma intensa reformulação no intuito de serem pedagogicamente com-
plementados para acompanharem as mudanças propaladas pelas novas diretrizes
e bases do sistema educacional brasileiro.
O autor de D4, Martins (2012, [grifos nossos]), investigou equívocos sobre o pa-
pel termodinâmico do ATP nos processos celulares. Os resultados gerais mostram
que os estudantes carregam equívocos em conceitos termodinâmicos básicos. Duas
possíveis fontes de conceitos alternativos da termodinâmica do ATP são o professor
e o LD. Nesse trabalho foi verificado que os livros de Ensino Médio e de graduação
podem contribuir para a instalação de conceitos alternativos referentes ao ATP. Nos
livros analisados, principalmente os de Ensino Médio, foram encontrados passagens,
analogias e esquemas que podem contribuir para isso.
Além disso, o autor aponta entre outras “[...] dificuldades provocadas pelos
conceitos alternativos a impossibilidade de utilizá-los para embasar novos
conhecimentos [...] os alunos são inconscientemente encaminhados para a memo-

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A célula no ensino de biologia: papel do livro didático e concepções de ensino

rização” (MARTINS, 2012, p. 8, [grifos nossos]). Os grifos permitem identificar


indícios de uma crítica às concepções técnicas; apesar disso, o texto não apresenta
evidências da concepção emancipatória, por isso foi categorizado como prática.
Acerca do papel atribuído ao LD, o autor ressalva a função instrumental: “[...] como
a principal fonte de consulta dos professores e alunos é o livro didático [...]”
(p. 17, [grifos nossos]).
D5, D6 e D7 estabeleceram impressões emancipatórias, pois defendem situações
de aprendizagem que possibilitem, além da interação, a reflexão para a construção
de conhecimentos aliados ao desenvolvimento de competências e habilidades ne-
cessárias para o desenvolvimento de ações sociais.
Cirne (2013, [grifos nossos]), em D5, avaliou as dificuldades de aprendizagem
de estudantes do Ensino Fundamental sobre conceitos de genética, em uma escola
da rede pública no Estado do RN. As concepções alternativas apontam para origem
sensorial, cultural e escolar, principalmente, dos LDs, evidenciadas pela expres-
são de obstáculos verbais e conhecimento pragmático. De acordo com a autora, é
necessário que “[...] o professor promova situações de aprendizagens diversificadas,
possibilitando ao aluno o enfrentamento e reflexão do seu conhecimento inicial
(ideias prévias) e a construção de um novo conhecimento mais próximo do científico”
(p.137, [grifos nossos]). Ainda, a autora propôs uma unidade de ensino potencial-
mente significativa, visando a contribuir com o planejamento da ação pedagógica
do professor, que busca minimizar as dificuldades de ensino e aprendizagem
em torno do tema.
Com relação ao papel atribuído ao LD, D5 e D6 expressaram a função refe-
rencial e instrumental: “[...] utilização do livro didático como recurso exclusivo
para abordagem dos conteúdos pelo professor por transcrição na lousa (D5, 2013,
p. 34); “[...] o material didático que tem assumido um ponto referencial nas escolas
é particularmente o livro didático, para direcionar a prática pedagógica [...]”
(D6, 2013, p. 28, [grifos nossos]).
Em D6, Holanda (2013) analisou de que forma ocorre a abordagem e contextuali-
zação de temas biológicos contemporâneos que estão relacionados à Biologia Celular
e à Genética, nas aulas de Biologia no Ensino Médio. Os resultados demonstraram
que esses conteúdos são pouco abordados em sala de aula, sendo o LD o principal
recurso utilizado. Portanto, um dos grandes desafios dos educadores é o de inten-

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sificar o uso de outros materiais e atividades, para além do LD, que auxiliem na
condução da aprendizagem.
A autora salienta que uma das dificuldades na aprendizagem é estar na meto-
dologia de resolução repetitiva de questões, em que os alunos “[...] acabam apenas
resolvendo problemas propostos como exercícios rotineiros, sem adquirir autono-
mia e reflexões sobre tais problemas” (D6, 2013, p.25, [grifos nossos]).
Em D7, Pinheiro (2018, [grifos nossos]) analisa como o processo histórico de
construção do conceito de célula é apresentado nos LDs de Biologia aprovados pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Os resultados obtidos deixam evidente
que a construção do conceito de célula é permeada por meio de uma visão ontológi-
co-mecanicista da Biologia, na qual a Ciência é considerada linear, e a produção
científica, uma atividade individual. Sendo assim, “[...] esses livros precisam
integrar os conhecimentos por meio da contextualização, valorizando a função social
da escola e promovendo a construção e reflexão crítica dos conceitos científicos”
(p.125, [grifos nossos]). Com isso, a pesquisa contribui para desvelar o LD como um
recurso didático que pode levar a um trabalho docente alienante, já que revela o
modo de apresentação do conhecimento, que pode ser acrítico e a-histórico. As
funções atribuídas ao LD em D7 são referenciais e ideológica e cultural:
“O LD é ‘peça fundamental’ no processo de escolarização brasileira, sendo parte da
cultura e lembranças de muitas gerações. Sendo assim, é instrumento pedagó-
gico importante ao ensino e, por estar presente na maior parte das escolas, de certo
modo é o suporte no processo de formação da sociedade” (D7, 2018, p. 45, [grifos
nossos]).

A pesquisa de Santos (2018, [grifos nossos]), em D8, se constitui de reflexões


crítico-teóricas sobre a importância que os conceitos de Transporte Celular têm
para o ensino e aprendizagem de Biologia no Ensino Médio através de um recur-
so pedagógico muito presente na prática escolar, o LD. O objetivo era elucidar, a
partir da análise de elementos conceituais e ilustrativos referentes ao conteúdo de
Transporte Celular, os possíveis obstáculos epistemológicos cunhados por Bachelard.
A não compreensão dos mecanismos de funcionamento do Transporte Celular,
ainda no primeiro ano do Ensino Médio, pode contribuir para a geração de visões
simplificadas e deturpadas acerca do conhecimento biológico e que poderão
acompanhar os alunos, não apenas ao longo de sua trajetória escolar ou acadêmica,
mas ao longo de suas vidas. O autor conclui, a partir do exame de nove obras, que

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A célula no ensino de biologia: papel do livro didático e concepções de ensino

há incidência de vários obstáculos epistemológicos nos LDs de Biologia do PNLD


2015, com ênfase nos obstáculos animista e realista.
Os autores de D8 e T1 apresentaram sinais da concepção prática, pois discutem
sobre os processos de ensino e de aprendizagem que ocorrem através da interação
entre os envolvidos e estabelecem críticas aos modelos tradicionais de ensino, porém
sem aproximar-se das necessidades de reflexões. Da mesma forma, com relação ao
papel atribuído ao LD, D8 e T1 expressam a função referencial: “[...] o livro didático
é ainda o principal instrumento de trabalho do professor, pois é a partir deste que
são elaborados os planejamentos mensais e anuais, bem como o plano de aula”
(D8, 2018, p. 18, [grifos nossos]). T1 apresenta também a função instrumental: “[...]
a importância do livro didático na determinação do que é hoje em dia ensinado pelo
professor” (T1, 2012, p. 48).
Franzolin (2012, [grifos nossos]), em T1, identificou os conhecimentos básicos
sobre Genética para a formação de cidadãos críticos no Ensino Médio e também
verificou como, ao estarem presentes nos LDs, os conhecimentos considerados bá-
sicos sobre Genética se aproximam e se distanciam dos saberes acadêmicos. Foram
analisados os conteúdos Meiose, Leis de Mendel e Expressão gênica.
Os resultados apontam que, para muitos entrevistados, os conteúdos considera-
dos como básicos são importantes para que os alunos compreendam informações
recebidas em seu cotidiano e a expressão de suas próprias características.
Entretanto, questiona-se aqui se não seria importante mais ênfase em conteúdos
relacionados à expressão de características complexas. Conclui-se que, na amostra
analisada, as aproximações são mais frequentes do que os distanciamentos, possi-
velmente, devido ao maior rigor com relação ao conhecimento científico, por causa
da influência das avaliações de LDs.
Por fim, T2 e T3 evidenciam as concepções emancipatórias, pois destacam a
importância da reflexão crítica nas interações escolares para que os envolvidos
desempenhem papéis de cidadãos na sociedade, superando assim o modelo prático.
A pesquisa de Wirzbicki (2015, [grifos nossos]), em T2, investigou que evidências
de aprendizagens do conceito “energia do metabolismo celular” podem ser identi-
ficadas no ensino de Biologia no Ensino Médio, a partir da interação professor
e aluno mediada pelo LD. De acordo com a autora, as explicitações do conceito
nos LDs, em sua maioria, estão distantes das concepções dos professores e das
compreensões dos estudantes, constituindo obstáculos à aprendizagem.

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Ainda, a autora destaca que a relação dos docentes com os saberes não se reduz
a uma função de transmissão de conhecimentos já instituídos. A prática neces-
sita de reflexões críticas e muito estudo acerca de limitações e potencialidades
do professor e dos estudantes com quem interage. Com relação ao papel atribuído
ao LD, Wirzbicki (2015, p. 103, [grifos nossos]) aponta que:
[...] “o LD orienta os planejamentos e as ações mediadas pelo professor em sala
de aula. Esquece-se que este material foi pensado como um suporte didático para que
o aluno tenha acesso aos conceitos em momentos distintos ao da sala de aula, que
tenha no LD uma fonte de pesquisa, um recurso, mas não um orientador curri-
cular.”

Neves (2015, [grifos nossos]), em T3, investigou a abordagem do conceito de


célula com licenciandos em Ciências Biológicas, mediante a utilização do Modelo
de Reconstrução Educacional. De acordo com o autor, nas Ciências Biológicas, pro-
postas como o Modelo de Reconstrução Educacional são promissoras no processo de
ensino e de aprendizagem, visando a mudanças na construção de conceitos.
O autor salienta que, “[...] ao abrir oportunidade para esses temas, eclodem
naturalmente as discussões e reflexões, permitindo que os indivíduos debatessem
e se posicionassem com criticidade, refletindo sobre as propostas, exercendo seu
papel de cidadãos” (p. 220).
Questionar, problematizar e refletir são exercícios importantes para a formação
crítica do ser humano. Quando tratamos do ensino de biologia celular, a relevância
torna-se ainda maior. Conforme destaca Schein e Coelho (2006, p. 70): “o professor
que se identifica com uma postura epistemológica construtivista cria espaço para
o desenvolvimento de pesquisa e elaboração de questionamentos em sala de aula”.
Podemos salientar, nesse contexto, que há uma grande importância em perfis como
este apresentado e que é encontrado na maioria dos trabalhos analisados, afinal
a educação e a formação crítica se constroem através das interações e reflexões
promovidas entre os envolvidos.

Considerações finais

A biologia celular nos LDs é pouco abordada em teses e dissertações, sendo


que esse tipo de análise é fundamental para uma melhoria no processo de ensino
e aprendizagem. Um bom entendimento sobre o que é uma célula é fundamental

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A célula no ensino de biologia: papel do livro didático e concepções de ensino

para compreender os demais conteúdos de biologia, além de permitir a noção e o


posicionamento crítico em assuntos cotidianos.
Apesar disso, com relação às concepções de ensino analisadas, os resultados
apontaram para uma tendência emancipatória - que problematiza os conhecimen-
tos científicos. Assim, as aulas estimulam a reflexão, o raciocínio e a autonomia,
preparando os sujeitos para a tomada de decisões e a vida em sociedade.
Em relação ao papel atribuído ao LD, foi possível identificar que ele está di-
retamente relacionado com o currículo escolar, sendo quem determina o que será
estudado, quando e como. Os LDs fazem parte das políticas públicas relacionadas
ao ensino e os conteúdos que abrangem são determinados e, em muitos casos, de-
terminantes do currículo nessas políticas.
Além disso, outra função que prevaleceu foi com relação ao papel instrumental
do LD, sendo que a execução de exercícios ou de atividades contidas nele visam a
facilitar a memorização dos conteúdos.
Percebemos a necessidade de mais estudos sobre o processo de ensino e de
aprendizagem de biologia celular mediado pelo LD, visto que esta é uma das fer-
ramentas mais utilizadas no contexto escolar. Os LDs precisam ir ao encontro do
ensino emancipatório e permitindo que os alunos consigam superar suas limitações e
encontrem nele uma fonte que estimule as reflexões e a construção de conhecimentos
científicos através dos questionamentos e da relação com o cotidiano dos alunos.

Cell in biological education: the role of the teaching book and


teaching conceptions

Abstract

The cell is the smallest structural and functional unit of different living organisms, being able to
exist independently. All living things are made up of one or several cells that are extremely small,
so it is only possible to analyze, understand and study with the aid of a microscope. Textbooks
are one of the most widely used tools in schools by both students and teachers. The content of
cell biology is presented in a detailed and richly illustrated way in textbooks, so it is essential to
know what recent research points about the study of cell biology mediated by the textbook. For
this, the present research of documentary and bibliographic character analyzed the conceptions
of teaching of cellular biology and the role attributed to the textbook in eight dissertations and
three theses. Over the conceptions of teaching there was a predominance of the emancipatory
conception, followed by practice. There was no evidence of technical design. The results point
to a teaching tendency based on the interaction between the subjects mediated by reflexive

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Mariane Beatriz Karas, Erica do Espirito Santo Hermel

processes. Regarding the role attributed to the textbook, it was possible to identify that the works
express that it has a referential and instrumental function, that is, the role of the textbook is to
put into practice learning methods with activities and exercises, being a faithful translator of the
curriculum.

Keywords: cell biology, curriculum, science education.

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João Bosco Paulain Santana Júnior, Sidilene Aquino de Farias

Abordagem do Tema Socioambiental “Lixo


em Meio Aquático”: Uma Estratégia Reflexiva
Com Enfoque CTS no Ensino de Química
João Bosco Paulain Santana Júnior*, Sidilene Aquino de Farias**

Resumo
Este estudo teve por finalidade analisar as contribuições do tema socioambiental “Lixo em Meio
Aquático” para promover a reflexão e o posicionamento de estudantes do Ensino Médio frente
às relações ciência, tecnologia e sociedade no mundo contemporâneo. Para tanto, adotamos a
pesquisa qualitativa, que direciona para a compreensão dos fenômenos que ocorrem em situa-
ções de aprendizagem. A pesquisa contou com a participação de 18 alunos dos três níveis do
Ensino Médio de uma escola pública. Os dados foram coletados mediante o desenvolvimento
de um curso temático, por meio de produções textuais e discursos registrados em relação à
participação dos estudantes durante as atividades. Esses dados foram tratados de acordo com
os pressupostos da Análise Textual Discursiva e estruturados a partir de subtemas abordados
no curso. Os resultados obtidos indicam que a proposta contribuiu para que os estudantes
conseguissem estabelecer relações entre os saberes cotidianos e químicos a partir do tema tra-
balhado. Nesse sentido, a estratégia favoreceu a conscientização e reeducação socioambiental
dos participantes da pesquisa.

Palavras-chave: Ensino de Química; Temas Socioambientais; Lixo em Meio Aquático.

*
Doutorando em Química, com foco em Ensino de Química, pelo Programa de Pós-Graduação em Química, da
Universidade Federal do Amazonas (PPGQ/UFAM). Professor Mestre, do Ensino Médio na rede Estadual de
Educação do Amazonas, na cidade de Manaus, Brasil. E-mail: [email protected]
**
Doutora em Ciências, com foco em Química, pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professora
Doutora, do Curso de Licenciatura em Química e do Programa de Pós-graduação em Química da Universidade
Federal do Amazonas (PPGQ/UFAM), Manaus/AM, Brasil. E-mail: [email protected]

Recebido em: 10/07/2020; Aceito em: 31/08/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11302
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

532 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 532-554, 2021

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Abordagem do Tema Socioambiental “Lixo em Meio Aquático”: Uma Estratégia Reflexiva Com Enfoque CTS no...

Introdução

No cenário atual, torna-se fundamental o desenvolvimento de estratégias edu-


cacionais que contribuam para a promoção de cidadãos reflexivos, críticos e que
saibam se posicionar frente às questões que permeiam a sociedade. Nesse contexto,
a Química se apresenta como uma área de conhecimento escolar capaz de contribuir
para o desenvolvimento do olhar científico, favorecendo a compreensão dos educandos
sobre fenômenos que ocorrem no mundo e possibilitando a aquisição de saberes e
habilidades que auxiliam na tomada de decisões capazes de minimizar problemas
relacionados aos contextos nos quais esses indivíduos se encontram (SILVA, et al.,
2008; XAVIER; SOLEDADE, 2013; ZANOTTO; SILVEIRA, SAUER, 2016).
Para tanto, torna-se necessário que nos contextos educacionais haja o rompi-
mento com o uso excessivo das estratégias tradicionais de ensino, visto que essas
propostas não dão conta de formar indivíduos na sua integralidade. Isso ocorre, pois,
essas estratégias voltam-se para o ensino de conceitos, memorização e a promoção
de um aluno passivo em sala de aula (ZABALA, 2010; DOMICIANO, LORENZETTI,
2020). Além disso, desprezam as relações entre a Química, o cotidiano e a realidade
dos estudantes, e tratam o conhecimento químico como algo estático e fragmentado
(CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2006; DINIZ, et al., 2021).
Essas limitações da abordagem tradicional impactam diretamente na qualidade
do processo de ensino e aprendizagem, pois desconsideram as estruturas dos sujeitos,
seus sentimentos, emoções e particularidades na forma de pensar e agir (SHUL-
MAN, 1986). Isso ocorre porque a abordagem tradicional está pautada no ensino
de transmissão, difundindo a instrução e transmitindo os conhecimentos por meio
da exposição dos conteúdos, tornando o processo educativo em um jogo simplório de
palavras e escondendo o seu poder transformador na vida de um professor e seus
alunos. Freire (2016), classifica esse tipo de abordagem como educação bancária,
na qual, o estudante aparece simplesmente como uma espécie de depósito de con-
teúdo. Desse modo, a ação do professor ocorre independentemente dos interesses
dos alunos, não havendo relação entre os conteúdos e propostas metodológicas com
o cotidiano e realidades sociais dos estudantes (SANTOS, 2005; ZABALA, 2010).
Sobre isso, Freire (2016, p. 118) afirma que a verdadeira educação libertadora
“[...] não pode ser a do depósito de conteúdo, mas a da problematização dos homens
em suas relações com o mundo”, de modo que esse conhecimento transforme o apren-

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João Bosco Paulain Santana Júnior, Sidilene Aquino de Farias

diz e ele seja capaz de atuar nos cenários em que se desenvolve. Portanto, torna-se
necessário a utilização de outras dinâmicas, caminhos e estratégias para que o
conhecimento seja construído, de modo que as abordagens tradicionais dialoguem
com aquelas denominadas “inovadoras”. Nesse sentido, Neves et al., (2019, p. 41)
declaram que enquanto “[...] numa face da moeda se tem uma tarefa de apresentar
os conteúdos de maneira completa, profunda e detalhada, na outra temos a força
e a responsabilidade de transformar alunos [...]” em pessoas capazes de analisar
problemas complexos, trabalhar em equipe, ter pensamento criativo, promovendo a
motivação para que o aluno continue buscando o aprendizado e o desenvolvimento
intelectual.
Dessa maneira, o processo de ensino e aprendizagem deve envolver uma
ação mais direta daquele que aprende, havendo espaço para questionamentos e
experiências. De acordo com Bacich e Moran (2018), as pesquisas no campo da
neurociência revelam a necessidade de substituir cada vez mais as estratégias
que tornam os alunos passivos – aqueles que apenas ouvem, anotam e mostram
o quanto aprenderam –, por ações que os tornem mais ativos, de maneira que o
professor fale menos, oriente mais e o aluno participe ativamente através das suas
ações e discursos, resultando em uma aprendizagem mais reflexiva, significativa
e prazerosa ao indivíduo.
Isto posto, percebe-se a importância da implementação de estratégias que inte-
grem o mundo da vida com o mundo da escola, derrubando barreiras que isolem os
conhecimentos científicos e os saberes cotidianos e evitando a percepção da Ciência
como um fragmento que não se relaciona com as questões do mundo, mas sim como
um saber que colabora para a leitura de fenômenos e compreensão do mundo vivido
(COSTA-BEBER; RITTER; MALDANER, 2015). No tocante a isso, a contextuali-
zação surge como uma alternativa válida e capaz de promover a articulação entre
os conhecimentos científicos e os saberes da vida cotidiana, pois consiste na busca
por relações entre àquilo que o aluno sabe sobre o contexto em questão e os conteú-
dos específicos que servirão de base para a explicação desse contexto (FIDELIS;
GIBIN, 2016).
Consequentemente, a contextualização contribui para facilitar a aprendizagem
porque aproxima os conteúdos científicos da vida cotidiana, propiciando significado
e sentido àquele que aprende (COSTA-BEBER; RITTER; MALDANER, 2015). Além
disso, essa abordagem desenvolve habilidades de análise, interpretação e avaliação,

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Abordagem do Tema Socioambiental “Lixo em Meio Aquático”: Uma Estratégia Reflexiva Com Enfoque CTS no...

que, consequentemente, levam a tomada de decisões (FIDELIS; GIBIN, 2016). Sen-


do assim, o conhecimento escolar se caracteriza como contextualizado no momento
que possibilita a constituição de sujeitos hábeis para decidir conscientemente em
contextos previamente concebidos (COSTA; LOPES, 2018).
No ensino de Química, a abordagem contextualizada amplia os conhecimen-
tos e leva os aprendizes a uma dimensão social, ambiental e tecnológica capaz de
ajudá-los a encontrar sentido e significado naquilo aprendem (BUFFOLO; RO-
DRIGUES, 2015; ZANOTTO; SILVEIRA; SAUER, 2016). E uma forma de realizar
essa contextualização, é através da abordagem Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS)
que surgiu como resultado de movimentos que emergiram após a Segunda Guerra
Mundial, a partir do agravamento dos problemas ambientais e das discussões sobre
o conhecimento científico e seu papel na sociedade (SANTOS, 2007; DOMICIANO;
LORENZETTI, 2020).
O ensino pautado na abordagem CTS tem por finalidade promover a educa-
ção científica, tecnológica e ambiental aos cidadãos, contribuindo para o exercício
de competências e habilidades necessárias para a tomada de decisões (SANTOS,
2007; DOMICIANO; LORENZETTI, 2020). Além disso, essa abordagem engloba
outros aspectos da sociedade, de natureza política, cultural, econômica e histórica,
transcendendo a citação dos fenômenos científicos estudados e a exemplificação de
situações cotidianas. Ela consiste na integração entre questões cotidianas e o conhe-
cimento científico de forma sistemática, alcançando a concretização dos conteúdos
curriculares e auxiliando na significação dos saberes trabalhados (SANTOS, 2007;
WATANABE; RODRÍGUEZ-MARÍN, 2018). A abordagem CTS também propõe si-
tuações-problemas cotidianos, apresenta conhecimentos que ajudam a entendê-las
e alternativas para solucioná-las, favorecendo a contextualização dos conteúdos
químicos (FIDELIS; GIBIN, 2016; CHIARO; AQUINO, 2017).
Nessa proposta, os temas socioambientais aparecem como constituintes da
abordagem CTS, promovendo discussões abertas e complexas que aproximam os
estudantes das suas realidades, auxiliando os educandos a desenvolverem habilida-
des relacionadas à tomada de decisões sobre questões nas quais estão submergidos
e contribuindo para o desenvolvimento de ambientes educacionais mais prazerosos
(SANTOS; MORTIMER, 2002; WATANABE; RODRÍGUEZ-MARÍN, 2018). A esse
respeito, Carvalho e Watanabe (2019) destacam que o ser humano é parte integrante

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do ambiente e deve refletir e se conscientizar sobre as atitudes, valores e ações que


preservem as relações socioambientais.
No tocante a isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) destacam a
importância do trabalho com temas ambientais, a fim de que a escola seja um lugar
que cumpra sua função social e promova valores gerais e unificadores a respeito
dessas questões (BRASIL, 1997). Por sua vez, as Orientações Educacionais Com-
plementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+) para o Ensino Médio
apresentam a importância da contextualização no Ensino de Ciências, tratando
dos impactos ambientais, financeiros e sociais relacionados à produção de energia
(BRASIL, 2002). E atualmente, temos a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
de 2018, que enfatiza a importância dos aspectos socioambientais, orientando à
conscientização, preservação, sustentabilidade e desenvolvimento de habilidades
que tornem os indivíduos capazes de rever processos, práticas e implicações das
ações humanas sobre as relações socioambientais.
O estudo dessas relações tem o potencial de despertar um maior interesse dos
estudantes pelo conhecimento científico, pois contribui para a percepção de sentido
e significado do conteúdo estudado (BUFFOLO; RODRIGUES, 2015). Em relação a
isso, Latini e Sousa (2011) destacam que os temas relacionados ao meio ambiente
devem ser integrados ao currículo escolar e trabalhados de forma interdisciplinar,
provocando “[...] mudanças almejadas, atentando para as modificações ambientais
causadas pelas ações antrópicas ou naturais, além do uso e implicações ambientais,
sociais e econômicas decorrentes dos processos de produção” (p. 144).
Nessa perspectiva, Watanabe e Rodríguez-Marín (2018) e Brito, Siveres e
Cunha (2019) elencam atributos que torna complexo e desafiador o trabalho com
os temas socioambientais. Dentre esses, podemos citar a “[...] perspectiva de mundo
na qual as relações no e entre os sistemas estão claramente evidenciadas, a ponto
de se tornarem objetos da ciência” (WATANABE; RODRÍGUEZ-MARÍN, 2018, p.
546), a incorporação de uma incerteza capaz de produzir riscos e a integração às
situações abertas e dinâmicas, tornando as questões socioambientais como po-
tencializadoras de uma visão mais complexa. Portanto, trabalhar esse tema não
implica necessariamente seguir um fio condutor que levará a resultados definidos,
mas abrir possibilidades para que situações não planejadas ocorram, enriqueçam
o processo educativo e impliquem em uma mudança de postura sobre àqueles que

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adquirem uma consciência ambiental (WATANABE; RODRÍGUEZ-MARÍN, 2018;


COSTA; PONTAROLO, 2019).
Carvalho e Watanabe (2019) consideram que o processo de ensino e aprendiza-
gem deveria proporcionar uma formação capaz de incorporar debates vinculados
às questões socioambientais pautando-se basicamente em três pressupostos: criti-
cidade, complexidade e reflexibilidade. A ideia de criticidade consiste num ensino
que mobilize um pensamento transformador, buscando um posicionamento crítico
dos indivíduos e com propósitos de difusão do conhecimento, problematização,
responsabilidade e conscientização socioambiental. Em relação à complexidade, a
proposta deve buscar construir uma visão mais dinâmica do mundo, levando a pessoa
a interagir e atuar na sociedade contemporânea. A esse respeito, é essencial que a
construção do conhecimento científico esteja vinculada às questões sociais, culturais,
políticas e econômicas, possibilitando o tratamento de situações-problemas, como
a ação do homem sobre a natureza. Por fim, o modelo reflexivo está atrelado às in-
certezas presentes nos discursos que apontam para os problemas socioambientais,
visto que são complexos e nem todos os problemas dessa natureza estão explícitos
(WATANABE; RODRÍGUEZ-MARÍN, 2018; CARVALHO; WATANABE, 2019).
Relacionados a isso, numerosas crises vêm afetando as relações socioambientais
no planeta. Hernández e Martínez (2019) atribuem essas problemáticas às ações do
homem sobre o ambiente, mais especificamente a partir de fenômenos como a globa-
lização agroindustrial e a organização social com suas explorações, desigualdades,
conflitos, guerras por recursos naturais e crises de governança. Consequentemente,
tem-se o desencadeamento de uma série de problemas e tensões que comprometem
a sustentabilidade ecológica, acarretando desastres climáticos e socionaturais cada
vez maiores (HERNÁNDEZ; MARTÍNEZ, 2019).
Na visão de Zanirato e Rotondaro (2016), um dos problemas que mais impactam
a vida socioambiental é o consumo excessivo. Segundo eles, o consumismo opera
num ciclo em que se cria uma necessidade para, em seguida, oferecer um produto
“capaz de resolvê-la”. Esse ciclo se repete continuamente nos indivíduos inseridos
nessa lógica, que buscam sempre estar “atualizados” e “a frente” em relação à moda,
às tecnologias e tendências do mercado. O resultado é o consumo desenfreado, o
aumento em larga escala do desperdício e, consequentemente, a deterioração do
ambiente. A respeito disso, compartilhamos do pensamento de Zanirato e Rotondaro
(2016, p. 86) de que o consumo excessivo “[...] gera conflitos com o meio ambiente

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pelo uso cada vez mais intenso da matéria-prima, de energia e pela produção de
resíduos [...]”. Consequentemente, se gasta muito mais do que a capacidade de
produção natural e assimilação dos resíduos pelo ambiente.
Sobre esses conflitos socioambientais, podemos destacar a poluição aquática
como um dos problemas que mais afetam o mundo. A respeito disso, Oliveira e Molica
(2017) destacam que quando se tem um descarte de resíduos superior ao potencial
de degradação do ecossistema, as consequências são profundas e negativas. Muito
dessa poluição advém de esgotos não tratados e lixos descartados diariamente em
seus leitos, acarretando águas tão poluídas que em muitos casos não servem mais
para serem tratadas novamente (GRASSI, 2001; OLIVEIRA; MOLICA, 2017).
Nesse contexto, destacamos o tema socioambiental “Lixo em Meio Aquático”, que
está atrelado aos problemas inerentes ao despejo de lixo em corpos aquáticos como
rios, mares, oceanos, lagos, igarapés e águas subterrâneas. É um tema que além
oportunizar o desenvolvimento de ações contextualizadas de ensino e aprendiza-
gem com enfoque CTS, também possibilita que os conteúdos químicos de diferentes
níveis de escolaridade sejam explorados, propiciando a integração entre sujeitos de
diferentes níveis de ensino.
Em relação aos ambientes aquáticos, é válido destacar que a preservação da
água é primordial para a manutenção da vida, ocupando em média 70% do corpo
humano e entre 95% a 99% de seres como as águas-vivas (OLIVEIRA; MOLICA,
2017). No mundo, a água recobre 71% da superfície do Planeta, da qual, aproxima-
damente 97,4% consiste em água salgada e apenas 2,61% em água doce – sendo
que desta última, ¾ equivalem à água congelada dos polos (BRASIL; RESENDE;
ZIM, 2016). No Brasil, a maior quantidade de água doce encontra-se na Amazônia,
equivalendo a aproximadamente 80% de toda a água presente em terras brasileiras
(OLIVEIRA; MOLICA, 2017). Entretanto, apesar da importância da água para a
dinâmica da vida, questões como a exploração excessiva, aliado à falta de esgotos
domésticos, aterros sanitários e o descarte irregular de resíduos sólidos urbanos,
são alguns dos fatores que agravam a poluição aquática em contextos brasileiros
(BRASIL; RESENDE; ZIM, 2016). E mesmo não sendo um problema atual, vem
se agravando com o aumento gradativo de lixo descartado nesses ambientes, o que
desencadeia outros problemas, de natureza social, política e econômica, nas mais
diversas regiões do planeta (OLIVEIRA; MOLICA, 2017).

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Segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos 2018/2019, produzido pela Associação


Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), em
2018 foram gerados no Brasil 79 milhões de toneladas de resíduos, dos quais 92%
foram coletados. Apesar do número significativo de coleta, a Abrelpe destaca que
além de restarem 8% de lixo não coletado (6,3 milhões de toneladas), 40% do lixo
coletado é descarregado em lixões ou aterros que não contam com a estrutura e
medidas necessárias que garantam a integridade do meio ambiente e da população.
Ainda de acordo com o panorama, essa é uma realidade de cerca de 3.000 dos mais
de 5.500 municípios do país. Tratam-se de números preocupantes e que requerem a
mobilização da sociedade, uma vez que a qualidade de vida e o meio ambiente são
afetados pelo destino incorreto do lixo.
Partindo desses pressupostos, o tema socioambiental “Lixo em Meio Aquático”
se apresenta com potencial para promover reflexão e aquisição de valores e atitudes
que levam a uma maior preocupação com o meio ambiente. É um tema capaz de
desenvolver a criticidade e a tomada de decisões que contribuam para a diminuição
do lixo, seja por meio de ações diretas ou através do compartilhamento de informa-
ções sobre àquilo que foi aprendido, de maneira que haja uma influência positiva
sobre pessoas e comunidades. Além disso, esse assunto permite que o estudo da
Química seja articulado com diferentes aspectos da sociedade, sejam eles científicos,
políticos, tecnológicos e ambientais.
Do exposto, buscamos responder a seguinte questão de pesquisa: quais as
contribuições do tema socioambiental “Lixo em Meio Aquático” na promoção de
reflexões e posicionamentos de estudantes do Ensino Médio? O objetivo do estudo
foi analisar as contribuições do tema socioambiental “Lixo em Meio Aquático” para
promover reflexão, conscientização e criticidade de alunos do Ensino Médio frente
às relações CTS no mundo contemporâneo.

Procedimentos Metodológicos

Esta pesquisa foi desenvolvida com base na abordagem qualitativa, que leva
em consideração o contexto em que o sujeito se encontra, levando em conta que o
ambiente tem influência sobre as ações e aprendizados dos indivíduos (CRESWELL,
2007). O interesse do pesquisador volta-se mais para os fenômenos que vão ocorrendo
nas situações de aprendizagem, ou seja, os significados atribuídos, as perspectivas,

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os discursos, comportamentos e a forma como os educandos encaram as novas


situações e informações apresentadas. Sendo assim, os resultados se apresentam
como parte das informações que vão sendo obtidas e não como o cerne da pesquisa
(CRESWELL, 2007).
O estudo é fruto de uma pesquisa maior, de mestrado, desenvolvido com 18
alunos do Ensino Médio e provenientes de uma escola da rede pública. A pesquisa
atende às exigências do Comitê de Ética em Pesquisa, sob o parecer de número
1.992.781, que avalia pesquisas científicas envolvendo seres humanos conforme a
resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Para coletar os dados, elaboramos uma Unidade Didática integrando os con-
teúdos químicos à temática socioambiental “Lixo em Meio Aquático”, que foi desen-
volvida por meio de um curso de 40 horas, dividido em 13 encontros, no laboratório
de informática, do Departamento de Química, da Universidade Federal do Ama-
zonas. A escolha do tema se justifica por se apresentar como um assunto próximo
da realidade dos estudantes, uma vez que Manaus apresenta problemas graves
relacionados ao descarte desenfreado de lixo em meios aquáticos, principalmente
dos igarapés que a cortam.
Os dados apresentados neste trabalho foram coletados por meio de debates e
produções textuais, com ênfase nos resultados obtidos a partir de fóruns virtuais
realizados na plataforma Moodle e discursos provenientes de debates. As aulas em
que os fóruns foram realizados estiveram voltados para a discussão dos seguintes
subtemas: fontes poluidoras da água; consequências do descarte desenfreado de
lixo em água; e conscientização sobre a produção de lixo e possíveis alternativas
(Quadro 1).
Nessas aulas, os alunos puderam expressar suas ideias a partir de suas pró-
prias experiências e dos problemas e assuntos apresentados pelo pesquisador. Em
relação aos debates, esclarecemos que foram realizados em praticamente todos os
encontros do curso, mas daremos ênfase nos discursos provenientes das aulas que
abordaram os subtemas citados anteriormente e dos discursos em que os estudan-
tes buscaram fazer relações entre o tema norteador e a Química. No Quadro 1 é
apresentado uma síntese dos conteúdos trabalhados nessas aulas a partir de três
vertentes: aspectos gerais, aspectos históricos, econômicos, ambientais e sociais e
os aspectos conceituais de Química.

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Quadro 1: Síntese dos conteúdos abordados nas aulas.


Lixo em Meio Aquático
Aspectos Históricos, Econômicos,
Aspectos Gerais Aspectos Conceituais
Ambientais e Sociais
- Aumento do consumismo e lixo. - Substâncias químicas.
- Água. - Fontes geradoras de poluentes - Fórmulas e equações químicas.
- Lixo. aquáticos. - Propriedades e representação
- Relações cotidianas. - Conscientização e impactos do dos metais.
- Vida e meio ambiente. descarte de lixo. - Unidades de medida.
- Alternativas para o lixo. - Acidez e basicidade.

Os dados obtidos a partir das produções textuais feitas pelos estudantes foram
analisados com base nos pressupostos da Análise Textual Discursiva (ATD). Trata-se
de um método que tem por finalidade auxiliar na compreensão dos fenômenos que
estão sendo vivenciados e investigados. A ATD auxilia o pesquisador na organização
e busca por significados inerentes aos resultados obtidos. Essa técnica apresenta qua-
tro etapas gerais: unitarização dos dados, categorização das informações presentes
nas unidades estabelecidas, busca por significados nas categorias e reestruturação
sistemática dos dados (MORAES, 2003; GALIAZZI; SOUSA, 2019).
Partindo desses pressupostos, a análise das produções textuais nos fóruns
possibilitou a criação de quatro categorias: efeitos do consumismo; problemas
oriundos do descarte desenfreado de lixo em meio aquático; atitudes e
alternativas para minimizar os problemas do lixo em meio aquático; e,
relações entre a Química, lixo e efluentes (Quadro 2). Destacamos que o curso
teve um viés tecnológico, o que explica a presença de instrumentos tecnológicos na
proposição das atividades.

Quadro 2: Principais atividades das aulas abordadas.


Categorias Atividades
Apresentação do vídeo “a história das coisas”, debate e conclusão
Efeitos do consumismo
por parte do pesquisador.
Problemas oriundos do des- Apresentação do vídeo “rio mais poluído do mundo – Citarum/Indo-
carte desenfreado de lixo nésia”, debate, aula dialogada e participação em fórum na Plataforma
em meio aquático Moodle.
Atitudes e alternativas para Atividade de pesquisa nos igarapés de Manaus com gravação e pos-
minimizar os problemas do terior apresentação de vídeo por parte dos estudantes, apontamentos
lixo em meio aquático do pesquisador e discussão final.
Apresentação de animações e simuladores, aulas dialogadas com
Relações entre a Química,
utilização de imagens e esquemas no Power Point, discussões e ex-
lixo e efluentes
perimentação.

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Destacamos ainda, que na apresentação dos discursos e textos construídos pelos


participantes, esses trechos foram codificados em E1 = Estudante 1, E2 = Estudante
2, e assim, sucessivamente.

Resultados e Discussão

Os resultados foram organizados a partir das categorias estabelecidas du-


rante a análise, de modo que sistematizamos as reflexões e posicionamentos dos
estudantes enfatizando a potencialidade do ensino da Química por meio de temas
socioambientais.

Efeitos do consumismo

Na perspectiva dos estudantes, o consumismo traz efeitos nocivos ao meio


ambiente e a sociedade, sendo esta última classificada por eles como consumista.
A respeito disso, apresentamos a seguir (Quadro 3) as subcategorias e unidades
dessa análise.

Quadro 3: Efeitos do consumismo nas concepções dos estudantes.

Subcategorias Unidades Representativas

O elevado consumo contribui para o acúmulo de lixo, que é diretamente levado


Danos ambientais
para um local onde é enterrado ou incinerado, isso causa poluição (E11).

Sociedade do A sociedade vive num ciclo consumista gastando cada vez mais, respirando ar
Consumo poluído, adquirindo doenças e sendo manipulada (E7).

Problemas urbanos Lixos em montinho jogados em esquina de ruas (E14).

Os participantes identificaram o consumismo como um forte promotor da gera-


ção de lixo. Os discursos observados e apresentados no Quadro 3 sugerem que eles
reconheceram algumas das consequências do consumo excessivo e o quanto esse
sistema pode ser danoso ao ambiente e sociedade, visto que potencializa o desperdício
e a produção de rejeitos (ZANIRATO; ROTONDARO, 2016). Essas questões foram
debatidas nas aulas e instigaram os educandos a expressarem seus entendimentos
e preocupações, enfatizando pontos de vista inerentes às suas próprias experiên-
cias, como pode ser visto no discurso do participante E14 quando destaca “lixos

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em montinho” – problema comum na cidade de Manaus e que causa mal cheiro e a


propagação de doenças. Na visão deles, o consumismo acaba contribuindo para esse
tipo de situação como resultado do aumento do descarte de lixo em áreas urbanas.
Além disso, eles enfatizaram consequências mais gerais do efeito consumista
como “ar poluído” (E7) resultante dos processos industriais de produção, além da
propagação de “doenças” (E7) e “acúmulo de lixo” (E11) oriundos da poluição. Essas
concepções fornecem indícios de que eles estabeleceram possíveis relações entre os
problemas ambientais estudados e o domínio social. Também se percebe que o pro-
cesso de ensino e aprendizagem contextualizado a partir de um tema socioambiental
pode ter favorecido a capacidade de julgamento, crítica e posicionamento frente ao
assunto abordado no curso.
Diante desses pressupostos, destacamos que o ensino exclusivamente tradicio-
nal e voltado para a simples citação de fenômenos científicos ou meros exemplos do
cotidiano não seria capaz de gerar tais reflexões porque os alunos não teriam infor-
mações suficientes para fazer relações e inferências cotidianas, visto que as práticas
tradicionais não se preocupam com as relações entre o conhecimento científico e a
sociedade, mas voltam-se para a memorização de conceitos (ZABALA, 2010; DOMI-
CIANO; LORENZETTI, 2020). Por sua vez, um ensino pautado na abordagem CTS
valoriza os saberes dos estudantes e os integra aos temas cotidianos e científicos,
propondo situações-problemas, gerando conhecimentos que ajudam na compreensão
desses problemas e promovendo uma aprendizagem contextualizada e abrangente
dos conteúdos químicos (SANTOS, 2007; BUFFOLO; RODRIGUES, 2015).

Problemas oriundos do descarte desenfreado de lixo em


meio aquático

A questão dos “problemas oriundos do descarte desenfreado de lixo em meio


aquático” foi um dos tópicos que mais despertou o interesse e a vontade de participar
dos estudantes. Eles trouxeram conhecimentos pessoais e suas próprias experiên-
cias para o curso, estabelecendo relações entre estes e os assuntos trabalhados nos
encontros. Para eles, o descarte excessivo de lixo em ambientes aquáticos pode gerar
problemas de desequilíbrios ambientais, qualidade de vida, econômicos, escassez de
água e ainda comprometer os recursos hídricos do Amazonas. O Quadro 4 apresenta
discursos que exemplificam os posicionamentos dos participantes.

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Quadro 4: Problemas apontados pelos estudantes como resultado do descarte excessivo de lixo em
meio aquático.
Subcategorias Unidades Representativas
Desequilíbrios am-
Os entupimentos de bairros, enchentes devastadoras, poluição de rios (E7).
bientais
As consequências são as piores possíveis. Mal cheiro, poluição, alagamento,
Qualidade de vida
etc. Eu moro atrás de um igarapé e às vezes sofro muito com o mal cheiro (E18).
Obstáculo à eco-
Prejudica rios de navegação e transporte [...] Isso atrapalha a pesca (E14).
nomia
Se continuar no ritmo em que estamos daqui uns anos não haverá mais água
Escassez de água
potável para se consumir (E6).
Comprometimen-
Se a população de Manaus continuar a jogar lixo e as fábricas resíduos, os nos-
to dos recursos
sos rios serão os mais poluídos do mundo (E2).
hídricos

Os participantes E7 e E18 fizeram relações entre os problemas apresentados


e àqueles vivenciados na cidade. O estudante E7, por exemplo, citou um problema
comum na cidade, as enchentes dos igarapés provocadas pelas chuvas. Problema
este que pode ser atribuído à falta de estrutura e obstruções provocadas pelo lixo
descartado nesses ambientes. O estudante E18, por sua vez, relacionou os danos
provenientes do descarte de lixo em meio aquático com aqueles que fazem parte
da sua própria realidade, citando problemas como o “mal cheiro” presente nessas
localidades.
Esses discursos indicam a reflexão promovida pelo estudo do tema socioambien-
tal e a presença das questões cotidianas no processo de ensino e aprendizagem, o
que pode desencadear novas atitudes e ações, pois o sujeito percebe que interfere
positiva ou negativamente nas relações socioambientais. A respeito disso, Buffolo
e Rodrigues (2015) destacam que o ensino pautado em temas socioambientais deve
ir além de informações sobre a degradação ambiental, de modo que os saberes
trabalhados favoreçam a análise e compreensão das relações entre o ser humano
e a natureza.
Entretanto, apesar da educação ter um papel fundamental na construção da
igualdade de acesso a oportunidades, na qualidade de vida e formação de uma
consciência socioambiental, não é suficiente para promover um desenvolvimento
sustentável (BRITO; SIVERES; CUNHA, 2019). Logo, ao considerarmos a comple-
xidade, interdisciplinaridade e o potencial da educação socioambiental, percebemos
que tornar esse modelo bem-sucedido requer “[...] autonomia, descentralização,

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diversidade e comunidade [...]” (BRITO; SIVERES; CUNHA, 2019, p. 613), pois


ambiente e sociedade estão ligados entre si. Quando a proposta é exitosa, espera-se
que os indivíduos compreendam a problemática ambiental, tenham seus compor-
tamentos transformados e influenciem àqueles que estão ao seu redor. Ou seja,
busca-se contribuir para a transformação da realidade, fomentando o pensamento
crítico, reflexivo e propositivo (COSTA; PONTAROLO, 2019).
Para tanto, deve-se promover uma reestruturação do espaço educacional tradicio-
nal em ambientes modernos que priorizam a construção e trocas de conhecimentos,
favorecendo a colaboração e formação cidadã, além de um sistema democrático que
abra espaço para as diferentes vozes, valorizando seus conhecimentos e reestrutu-
rando-os numa perspectiva científica, tecnológica, social e ambiental. No tocante a
isso, a reflexão crítica implica na compreensão do sentido explícito e implícito das
informações, histórias, debates e oferece condições para que os jovens estabeleçam
relações coerentes e críticas a respeito dos fenômenos sociais que ocorrem no mundo
(XAVIER; SOLEDADE, 2013).
Por fim, ainda com que relação aos discursos do Quadro 4, o posicionamento
do estudante E14, sobre a influência da poluição na economia, e do estudante E6,
sobre a escassez de água, indicam diferentes perspectivas sobre o problema do
descarte excessivo de lixo em meio aquático, percebendo-se indícios da integração
entre os conhecimentos trazidos pelos estudantes e àqueles construídos durante o
curso como resultado da troca de saberes entre aluno-pesquisador, aluno-aluno e
das experiências educativas que foram se concretizando no curso.

Atitudes e alternativas para a minimizar os problemas do


lixo em meio aquático

Para trabalhar ideias relacionadas à minimização do descarte de lixo em ambien-


tes aquáticos buscamos visitar partes dos igarapés de Manaus para a observação e
gravação de vídeos com o intuito de identificar alguns dos principais resíduos encon-
trados nessas localidades. De posse dessas informações, realizamos apresentações
e debates sobre possíveis alternativas para o lixo e exibimos a partir de recursos
audiovisuais informações que ajudassem a complementar os aprendizados. A respeito
disso, percebeu-se que atividades que proporcionaram mais autonomia, liberdade e
participação aos estudantes tiveram maior aceitação, engajamento, envolvimento

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e despertaram motivações de qualidade. Para esse tópico estabelecemos 6 subca-


tegorias: (1) conscientização e preservação, (2) criação de leis e ações do governo,
(3) fiscalização, (4) limpeza e preservação dos ambientes aquáticos, (5) diminuição,
organização e destinação adequada do lixo e (6) respeito às leis ambientais.
Em relação à categoria “conscientização e preservação”, a estudante E6 atribui
a responsabilidade das questões ambientais à sociedade como um todo. Segundo ela,
“Muitas vezes nós pouco nos preocupamos com o meio ambiente, não paramos para
pensar nas consequências que o descarte irregular pode acarretar para os animais e
o meio ambiente. Porém, só reclamar não vai adiantar de nada, a iniciativa tem que
partir de cada um de nós, eu acredito que se cada ser humano fizesse sua parte não
haveria tanta poluição no mundo, só que as pessoas têm a mente muito fechada e não
percebem que no fim os prejudicados são elas mesmas” (E6).

Esse posicionamento indica a reflexão e perspectiva da estudante sobre a respon-


sabilidade de todos perante o meio ambiente, se colocando como parte do processo e
reconhecendo seu papel na sociedade. Carvalho e Watanabe (2019) colaboram desse
ponto de vista, afirmando que o ser humano como parte do ambiente deve refletir
e agir frente às questões socioambientais.
Estimular reflexões e críticas construtivas são alguns dos objetivos do ensino
pautado na abordagem CTS, onde verificamos que a utilização dessa abordagem
pode ter contribuído para a inserção social, tornando-os mais propensos e preparados
para analisar o problema e tomar decisões. Num sentido mais específico, percebemos
que a apresentação do tema “Lixo em Meio Aquático” e a proposição de atividades
que exigiram a participação deles por meio de posicionamentos, argumentação e
apresentação de possíveis alternativas para solucionar a questão, foram importantes
para gerar reflexão e possibilitar a troca de conhecimentos.
Em relação à importância da argumentação, Chiaro e Aquino (2017) defendem
que essa estratégia aparece como uma maneira de ampliar a complexidade do
conhecimento, as possibilidades de revisão crítica deste e, consequentemente, a
qualidade do raciocínio envolvido. Logo, o exercício da argumentação no processo de
ensino e aprendizagem fornece ganhos educacionais significativos, proporcionando
oportunidades para que os estudantes refinem suas compreensões sobre determi-
nado assunto, absorvam aquilo que é relevante, façam conexões entre contextos e
ampliem o poder explicativo de seus conhecimentos (CHIARO; AQUINO, 2017).
Nessa perspectiva, outros estudantes destacaram que a “criação de leis e ações
do governo” são alternativas capazes de minimizar o problema. Essa ideia pode ser

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representada pela resposta da aluna E13, na qual, ela destaca que “[...] o governo
da cidade deveria dar mais suporte para os rios serem mais limpos, poderiam fa-
zer um projeto ou algo do tipo para tentar minimizar os lixos nos meios aquáticos”
(E13). A respeito desse assunto, defendemos que projetos de educação ambiental
sejam promovidos em escolas e comunidades, contribuindo para conscientização da
população. Tão importante quanto a educação, é fundamental que as autoridades
busquem reestruturar ambientes precários de moradia, propiciando condições sa-
nitárias dignas aos cidadãos.
As demais subcategorias, “fiscalização, limpeza e preservação dos ambientes
aquáticos”, “diminuição, organização e destinação adequada do lixo” e “respeito às
leis ambientais”, também aparecem nos posicionamentos dos estudantes como ca-
minhos que podem minimizar o problema. Abaixo, são apresentados alguns recortes
que representam essas subcategorias.

Quadro 5: Alternativas capazes de minimizar o problema do descarte de lixo em meios aquáticos.


Subcategorias Unidades Representativas
Fiscalizações rigorosas do governo nas fábricas, onde o despe-
Fiscalização
jo de resíduos é maior (E2).
Limpeza e preservação dos
Iria tirar lixos, limpar a água (E16).
ambientes aquáticos
Diminuição, organização e des- Os 3R’s é a forma que eu vi para diminuir o excesso de lixo
tinação adequada do lixo (E6).
O problema poderia ser diminuído se as indústrias seguissem
Respeito às leis ambientais
as regras e respeitassem as leis ambientais (E7).

O curso foi dividido generalizadamente no estudo da água e suas propriedades, o


consumismo e o aumento dos resíduos sólidos, compreensão do que é lixo e poluição
da água e alternativas para a minimização do problema do lixo em corpos aquáticos.
Portanto, o momento em que os participantes expressaram as ideias descritas no
Quadro 5 advêm de um percurso seguido no curso. Essas ideias mostram alguns
dos caminhos tomados pelos estudantes em relação às atitudes e alternativas para
o lixo, revelando conceitos e concepções que possivelmente foram sendo adquiridos
ao longo do curso e revelando a potencialidade do tema para a contextualização do
Ensino de Química com estudantes do Ensino Médio.
Os 3R’s, citado pelo aluno E6, sugere a conscientização dos participantes em
relação as ações de reduzir, reutilizar e reciclar. Tratam-se de alternativas apre-

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sentadas aos alunos durante o curso, cujo propósito seria minimizar o descarte e
desperdício dos mais variados tipos de materiais, contribuindo para a preservação
da natureza. Uma outra curiosidade relaciona-se com a fala do aluno E16, na qual,
ele aponta como alternativa a retirada de lixo dos meios aquáticos. Em Manaus
é comum que os órgãos governamentais promovam ações de retiradas de lixo dos
igarapés, portanto, o discurso do E16 pode ser proveniente de uma experiência
vivenciada pelo próprio estudante. Sobre isso, salientamos que apesar da ação de
retirada de lixo dos meios aquáticos ter sua relevância, trata-se de uma estratégia
com efeito passageiro, sendo primordial que haja uma conscientização ambiental da
população e o foco seja evitar que o lixo chegue aos ambientes aquáticos. Um viés
que contribui para a implementação dessa proposta é a difusão do conhecimento e
responsabilização social (CARVALHO; WATANABE, 2019).
Por fim, a sexta e última subcategoria está relacionada com a “diminuição do
consumo”. A participante E8 faz um resgate sobre o problema do consumismo,
destacando que “[...] o consumo consciente é importante para o Meio Ambiente”
(E8). Seu discurso sugere que ela enxergou na diminuição do consumo uma forma
de preservar o meio ambiente e reduzir a produção de lixo, o que pode indicar um
amadurecimento da estudante em relação ao assunto. Nesse cenário, sabe-se que as
crises socioambientais não resultam de causas naturais, mas das intensas ações do
homem sobre a natureza. Dentre essas ações está o consumismo, o que deveria nos
fazer repensar um novo sistema de produção e consumo, ou seja, novos paradigmas
de desenvolvimento (FREITAS; MARQUES, 2019).

Relações entre a Química, lixo e efluentes

Um dos principais objetivos do curso foi trabalhar os conteúdos químicos de


forma contextualizada numa perspectiva CTS. Nesse percurso, abordamos questões
relacionadas as características físicas e químicas da água como acidez e basicidade,
as transformações químicas e físicas do lixo, as substâncias químicas presentes no
lixo, as fórmulas químicas dessas substâncias, entre outros aspectos conceituais.
Apesar disso, salientamos que não tivemos por finalidade avaliar as aprendizagens
conceituais, mas instigar os estudantes a refletirem sobre a inserção da Química
no tema escolhido. Portanto, o modo como eles enxergaram o papel da Química
na questão do lixo em meios aquáticos, o estudo da constituição, propriedades e

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transformações que ocorrem no lixo e os aspectos químicos que mais chamaram a


atenção deles no curso foram alguns dos nossos focos de interesse.
Sendo assim, observamos que os discursos analisados para essa categoria des-
tacaram a potencialidade do tema para ajudar os educandos a estabelecer relações
entre a Química e o problema do lixo. Como resultado dessa análise foi possível
estabelecer 4 subcategorias, conforme apresentado no Quadro 6, que mostram algu-
mas das reflexões dos estudantes a partir do estudo da Química numa perspectiva
socioambiental.

Quadro 6: Relações estabelecidas pelos estudantes entre o conhecimento químico, lixo e poluição.
Subcategorias Unidades Representativas
Química como promo-
tora de conscientização A química estuda e realiza atividades colaboradoras do meio ambiente
e contribuinte na mini- (E2).
mização do problema
Eu nunca passei pelo igarapé e falei bem assim: nossa! Esse igarapé tá
Descarte de produtos
cheio de química. Eu nunca parei pra pensar. Eu olhava e falava: nossa,
químicos no meio am-
essa água tá poluída. Mas eu nunca pensei: ah, mano, tem cobre, tem
biente
zinco... eu nunca parei pra pensar (E6).
Influência dos produtos
A acidez da água poluída, os metais encontrados nas águas (E7).
químicos na água
As reações químicas usadas no processo de reciclagem, os gases que
são liberados para a atmosfera por meio do lixo, os metais pesados que
Fenômenos químicos
são liberados de pilhas e baterias, a temperatura de ebulição para derre-
ter o vidro e o metal, a decomposição desses materiais (E7).

As capacidades e habilidades de compreensão, integração e argumentação


desenvolvidas pelos estudantes foram possíveis, dentre outros fatores, devido ao
diálogo crítico e problematizador das experiências inerentes ao estudo do tema.
Nesse sentido, o ensino caracterizado por uma abordagem CTS deve ser capaz de
promover a compreensão dos fenômenos cotidianos numa perspectiva científica,
sendo um viés capaz de atribuir sentido aos conteúdos químicos e suas relações com
o mundo da vida (COSTA-BEBER; RITTER; MALDANER, 2015).
O Quadro 6 apresenta argumentos relacionados à participação do conhecimento
químico na conscientização e diminuição do problema, conforme apontado pela estu-
dante E2. A estudante E6 opta por destacar a presença de substâncias químicas em
meios aquáticos, enfatizando que o curso lhe ajudou a ter uma visão mais específica
das espécies presentes nesses corpos, como os metais. A participante E7 destaca

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não apenas a possível presença de metais encontrados nas águas, mas também que
a acidez dos corpos aquáticos pode ser influenciada pela poluição. Além disso, ela
expressa relações entre as reações químicas, o processo de reciclagem e os gases
oriundos da decomposição do lixo e incineração desses materiais. Em relação a essa
última ideia, é válido destacar que buscamos abordar saberes relacionadas ao lixão
e aterros sanitários, as fontes e tipos de poluição e a inserção de contaminantes nos
ambientes aquáticos, sendo assim, essas informações podem ter colaborado para
que a participante E7 conseguisse elaborar o seu discurso. Ela ainda cita conceitos
como “temperatura de ebulição” no processo de reciclagem do vidro e metal.
Esses dados sugerem que em certo grau os estudantes podem ter desenvolvido
uma atitude mais crítica e a capacidade de refletir e se posicionar sobre a inserção
da Química no problema estudado. Além disso, revelam a potencialidade do assunto
na reeducação ambiental dos participantes, pensando como sujeitos que são inte-
grantes do ambiente e, por isso, possuem responsabilidades e deveres no cuidado
com o ambiente. Em relação a isso, a educação pautada na perspectiva CTS deve
buscar transformar relações entre sujeito e ambiente em um processo de ação e
reflexão, visando também o remodelamento das relações sociais e da sociedade com
o ambiente (BUFFOLO; RODRIGUES, 2015).
Por fim, os dados indicam que o curso ajudou os estudantes a construírem novas
percepções sobre as questões trabalhadas a partir do tema socioambiental “Lixo em
Meio Aquático”, agregando esses saberes com conhecimentos científicos, tecnológicos
e sociais. Essa articulação contribuiu para o desenvolvimento de cidadãos capazes
de se posicionar e propor soluções, contemplando um dos principais objetivos do
ensino pautado na abordagem CTS.

Considerações Finais

Diante da necessidade de uma prática docente dinâmica, que rompa com a visão
do tradicionalismo em sala de aula, foi possível identificar indícios de que a propos-
ta socioambiental contribuiu para a promoção de alunos mais conscientes. Além
disso, o enriquecimento oriundo das relações entre o tema e os aspectos químicos
tornaram as situações de aprendizagem mais abrangentes, onde a Química como
área de conhecimento foi capaz de ajudar na compreensão dos fenômenos estuda-
dos. Isso mostra a relevância da implementação de metodologias que auxiliem na

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formação integral dos indivíduos, ajudando-os a entender como a Química se aplica


nas realidades do mundo e desenvolver habilidades de análise e tomada de decisões
construtivas em relação aos problemas enfrentados na sociedade.
A pesquisa também mostra a potencialidade do tema “Lixo em Meio Aquático”
para trabalhar os conteúdos químicos de uma forma contextualizada com alunos
de diferentes níveis do Ensino Médio. Logo, defendemos que o ensino de Química
baseado na abordagem CTS não limita o trabalho sistemático dos conteúdos curri-
culares, mas otimiza o aprendizado, levando à reflexão, compreensão dos fenômenos
que ocorrem no mundo e despertando uma maior motivação para a aprendizagem
(SANTOS, 2007). Além disso, também foi possível perceber que os estudantes foram
capazes de fazer relações entre o aprendido e o vivido na cidade em questão, o que
gerou mais curiosidade e desejo de aprender.
Nessa perspectiva, é importante destacar que a utilização de um tema socioam-
biental foi capaz de contribuir para a geração de motivações de qualidade. Isso,
aliado à valorização das interações sociais, a diversificação dos recursos didáticos,
a promoção de metodologias que tornaram os estudantes ativos e a apresentação
de novidades surgiram como elementos primordiais para que os participantes ti-
vessem uma atitude positiva durante o curso. Além do mais, características como a
busca por novidades e pelo aprendizado, entusiasmo e envolvimento nas atividades
propostas, apresentaram-se como algumas das características apresentadas pelos
estudantes que corroboram a presença de interesse pela aprendizagem.
Dentre as limitações do trabalho está a falta de profundidade nas aprendizagens
conceituais, a avaliação das concepções anteriores dos participantes e como e quais
concepções foram sendo construídas e formadas durante o curso. Essas limitações
abrem espaço para novas pesquisas que tenham por finalidade avaliar a profundi-
dade e estruturação das aprendizagens durante a abordagem do tema. Por fim, é
possível inferir que a contextualização da Química a partir do tema socioambiental
“Lixo em Meio Aquático” e o estímulo à participação dos estudantes nas atividades
foram fundamentais na promoção de um ensino capaz de formar cidadãos que re-
flitam e se posicionem sobre assuntos presentes nas suas realidades.

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João Bosco Paulain Santana Júnior, Sidilene Aquino de Farias

Approach to the Socio-Environmental Theme “Waste in


Aquatic Environment”: A Reflective Strategy with a CTS
Focus on Chemistry Teaching

Abstract

This study aimed to analyze the contributions of the socio-environmental theme “Waste in Aqua-
tic Environment” to promote reflection and the positioning of high school students in relation to
science, technology and society in the contemporary world. Therefore, we adopted qualitative
research, which directs towards understanding the phenomena that occur in learning situations.
The research included the participation of 18 students from the three levels of high school in a
public school. Data were collected through the development of a thematic course, through tex-
tual productions and speeches recorded in relation to student participation during the activities.
These data were treated according to the assumptions of Discursive Textual Analysis and struc-
tured from sub-themes covered in the course. The results obtained indicate that the proposal
contributed to the students being able to establish relationships between everyday and chemical
knowledge based on the theme being worked on. In this sense, the strategy favored awareness
and socio-environmental re-education of research participants.

Keywords: Chemistry Teaching; Socio-Environmental Themes; Trash in Aquatic Environment.

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Adolescing in body, mind and affection: a study on developing values and attitudes from science teaching

Adolescing in body, mind and affection: a


study on developing values and attitudes
from science teaching
Gabriela Messias Silva*, José Adriano Cavalcante Angelo**, Jemima Queiroz da Silva**

Abstract
The National Curriculum Parameters (NCP) of the Third and Fourth Cycles of Elementary
Education in Natural Sciences refer to educational actions that signify adolescence considering
the necessary interaction between the organic brand, puberty, and the culturally and socially
produced senses on the body and identity at this stage of human development. Teaching in
Sciences implies the relational construction of knowledge, values and attitudes for an adolescent
who responds to the demands on himself, in a critical, cognitive, and affective way, to maintain
body integrity, reproductive health, and sexual behavior. This research aimed to analyze the
scope of actions and practices in Science Education in adolescence based on the content of
the speech of 9th grade students. For this, it was used as a method of data collection, the
Focus Group and as an analysis tool, the Content Analysis proposed by Bardin. Three categories
emerged: in the first, the gender factor is taken as a reference to indicate the variations of self-
image and self-value attributed to themselves by adolescents; in the second, self-assessment of
physical appearance is related to the cultural standards of beauty and ideal of the body, falling
on its values and judgments, potentiating feelings of inadequacy due to non-correspondence
to the expectations of the predominant model; and the third, indicates the absence of a reliable
source at the school for decision making. The research concluded, in this context, that the school
is not a place of speech for the adolescent, because it deals with themes related to adolescence
with impersonality, focusing on the biological bias of puberty and neglecting the psychosocial,
emotional and cultural issues that adolescents demand.

Keywords: adolescence; culture; Science Education; puberty; subjectivity.

*
Graduted in Biology (Teacher Formation Program) from the UFT, Brazil. Email: [email protected]
**
Master Degree in Education from the UFPB, Graduated in Biology (Teacher Formation Program) from the
UFPB, Brazil. Email: [email protected]
***
Master Degree in Education from the UFPB, Graduated in Psichology (Bachelor Degree and Teacher Formation
Program) from the UFPB. She is a professor at the UFT, Brazil. Email: [email protected]

Recebido em: 06/08/2020; Aceito em: 21/02/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11222
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

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Introduction

Adolescing in body, mind and affection implies characterizing adolescence


as a concept product of the historical, social, economical, and cultural context of
the twentieth century (MEAD, 1970; ARIÈS, 1981). Defined as a phase of the
human development in which identity, value, emotional, relational, and behavioral
definitions are processed, adolescence should be understood considering the
association of its organic hallmark of changes in anatomy and physiology, which is
puberty, with the behavioral changes (AGUIAR, 2014).
Due to its biological and psychosocial complexity, adolescence demands proper
pedagogical actions related to the educational process in schools when dealing with
the individual-culture relationship in different objective conditions of life during this
phase. This in the sense of overcoming social categories that tend to homogenize
adolescence, universalizing the meaning of being adolescent (CERQUEIRA-
SANTOS; MELO NETO; KOLLER, 2014).
The act of teaching Science and Biology, in this task of mediating gradually,
actively and critically, the students for a citizen life, establishes the fundamentals
for educational practices in the physical, cognitive, and social development dynamic
of the human being, applying national parameters that places adolescence at
the interface between the biological development of the adolescent body and the
subjective reaches of this process.
The National Curricular Parameters (NCPs)1 (1998) for Elementary and Middle
School in the field of Natural Sciences presents concepts related to the human
being and its health. The proposals guide the approach to current and relevant
topics concerning the human development in its different stages so the students
understand not only the function of each part of their bodies, but also how to preserve
their health and physical, mental and relational well-being. For this educational
cycle, the following topics are addressed: the ability of the human brain to reason,
its capacity of processing and elaborating responses to the stimuli provoked to the
human brain, triggering emotions, behaviors and habits (BRASIL, 1998).
As part of the nuances of this broad educational mediation in Science, the
sociological field, that supports the perspective of adolescent bodies as cultural
elements, and the field of developmental psychology (BEE; BOYD, 2011; PAPALIA;
FELDMAN, 2011) are evident, specially regarding the importance of clarifying the

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Adolescing in body, mind and affection: a study on developing values and attitudes from science teaching

biological and social transformations to young people, as the “dramatic changes in


brain structures involved in emotions, judgment, organization of behavior, and self-
control take place between puberty and young adulthood” (PAPALIA; FELDMAN,
2011, p. 360).
Considering the relevance of Science Education for the multidimensional
human formation, this work analyzed the scope of practices in Science Education
in promoting knowledge, values, and attitudes in adolescence based on the content
from the speech of students.
In this study, data were collected from two focus groups composed by students
from the 9th grade. The content from the speech of the groups was transcribed and
treated using the content analysis method proposed by Laurence Bardin, based on
the unity of analysis “The Theme”2 (BARDIN, 2016, p. 105). Hence, three categories
emerged and were analyzed and discussed in the light of the theoretical foundation
of the research: Self-image, self-esteem and variation factors, Asymmetry of the
social position of the adolescence body, and The value of the secure source in decision
making.

Theoretical Foundation

In an analysis of the formation of the individual and the transformation of


the concepts of children and its relation with society, it may be noted that in pre-
industrial societies children were seen as young adults and, only from the 20th
century, in the Western world, childhood and adolescence were considered separated
stages.
In contemporaneity, with the increase of globalization and the easiness in
communication, the relationship between young adults and the world is modified, a
connection between young people from all over the world, adolescence ceases to be a
Western phenomenon and triggers social changes around the world, requiring more
information related to adulthood and its responsibilities (PAPALIA; FELDMAN, 2011).
According to Papalia and Feldman (2011), adolescence is not perceived the same
manner all over the world, there is an interconnection and an interdependence.
Therefore, “[…] adolescence is not the same the world over. The strong hand of culture
shapes its meaning differently in different societies” (p. 388). Furthermore, many
countries or cultures have their own rites of passage from childhood to adolescence.

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Considering that each young person has his or her own time and pace of social,
physical, cognitive, and affective development, monitoring and orientating school
professionals is of paramount importance, as the behavior presented by young
people and their decisions reflect their relationship with their parents, their group
of friends, with society, and, especially, themselves.

Adolescence in the body

Physical changes resulting from anatomical and physiological modifications


denominated puberty are configured by the development of secondary sexual
characteristics, thus,
1. Boys: changes in voice; broadening of shoulders; facial, pubic and axillary
(underarm) hair; growth of penis and testicles; and first ejaculation of semen.
2. Girls: development of mammary glands; increased width and depth of pelvis; pubic
hair; and the first period, called menarche3 (AMARAL, 2007, p. 4).

These biological criteria, according to Campos (2012), does not imply an initial
milestone in adolescence, since the intrinsic individual factors should serve as a
guide as the chronological age does not directly correspond to the biological age.
In this research, adolescence is understood as “a sociological term that, under
a supposed biological basis, became of psychological use”4 (STEVENS, 2004, p. 27).
Thus, the understanding that adolescence refers to the “[…] psychological reactions
of young people to their physical changes brought by puberty and extends until a
reasonable definition of their personal identity”5 (CAMPOS, 2012, p. 15).
The importance of determining the subjective reaches that the physical
transformations may provoke in adolescence owns its broad reach also to the
educational processes in school – quality of interpersonal relationships, academic
performance, motivation to begin and maintain school activities.
The self-assessment of physical appearance has a connection with the cultural
standards of beauty and the ideal body, influencing the values and judgments about
oneself, and may generate feelings of inadequacy by not reaching the expectations
of the predominant model (SHAFFER; KIPP, 2012).
This adolescence body, full of new meanings, brings important psychological
impacts that will subsidize a (re)constitution of its image during the development
of the identity. According to Stice and Whitenton (2002), positive feelings regarding

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Adolescing in body, mind and affection: a study on developing values and attitudes from science teaching

physical appearance enable adolescents to have high self-esteem and positive


relationships with peers.
Discontent concerning body image varies between boys and girls. For the boys,
there is the category of those who seek to lose weight and the ones whose only desire
is to have a muscular body. For those who are overweight, dissatisfaction increases
with weight gain and, for those who are underweight, discontent is greater the lower
their weight (KOSTANSKI; FISHER; GULLONE, 2004). According to the Presnell
et al. (2004), girls feel obligated to remain thin and the lack of appreciation for their
body image is related to the appreciation of thinness as they are dissatisfied with
their bodies regardless of the weight.
These specificities concerning the ideal body image are fundamental elements
in the human development process throughout adolescence and may indicate
risk factors for eating disorders, as anorexia and bulimia, as well as depression,
reflecting on the educational processes. This because “[…] it is around this idea of
an ideal body that the adolescent grows: between the feared and unknown body, and
the perfect and idealized body [...]”6 (CALHEIROS SANTOS; ZANOTTI, 2013, p. 1).
The perception that the adolescents “[…] have of themselves in the most diverse
aspects of life […]” 7 (OLIVEIRA, 2015, p. 5) is denominated self-concept and
will influence “[…] the universe of representations that the students have of their
capacities, of their academic achievements, as well as the assessment that they make
of these same capacities and achievements”8 (SILVA; VENDRAMINI, 2006, p. 179).
This is a cognitive structure of beliefs that people have concerrning their image
and their abilities to perform tasks in the most diverse areas of life. And this image
of themselves, when it comes to adequacy or inadequacy of the body, reverberates
in evaluative and organizational aspects to make decisions and choose behaviors.
Considering as a reference Shavelson and Bolus (1982), it may be stated that the
assessments made by people who are significant in the life of the adolescent provide
the basis of perception about their behavior, “[…] in this aspect, it is recognized that the
human being is led to develop a form of mirror phenomenon, in which the individual
tends to observe himself the way others consider him [...]”9 (VAZ-SERRA, 1988, p. 101).
In this context, it is considered the teaching role in mediating and facilitating
processes and experiences with positive and realistic feedback of the adolescent
body related to relational aspects, values, abilities and attitudes, human rights,
image and body integrity, reproductive health and sexual behavior.

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Adolescence in mind

To be able to understand human development, especially among young adults, is


of paramount importance to study the cognitive aspects and the thought formation.
Papalia and Feldman (2011) address the Piaget’s stage of formal operations, the
changes in information processing, language development, and moral reasoning
(Kohlberg’s theory).
The stage of formal operations described by Piaget (2012) is considered when the
individual comprehends beyond the here and now, when they have the capacity for
abstract thought, understand representations and symbols, and imagine possibilities
and hypotheses. This manner of thinking is perceived around age 11 and 15.
Access to information and individual experiences contribute significantly for
the cognitive development of a child. Several researches describe the existence of
two categories of measurable change in adolescent cognition, the structural change
and the functional change. A study on structural change by Eccles, Wigfield and
Byrnes (2003) includes the increasing capacity to memorize, to deal with problems
and to make decisions, and it can be classified in declarative knowledge (knowing
that…), procedural knowledge (knowing how to…) and the conceptual knowledge
(knowing why…). On the other hand, the functional change is described as the
processes for obtaining, handling, and retaining information so they can learn,
remember and reason.
Language development is another aspect that express the level of cognitive
development. There is an increase in vocabulary according to reading habits and the
use of abstract thought, in such a way that adolescents “[…] become more conscious
of words as symbols that can have multiple meanings; they enjoy using irony, puns,
and metaphors” (PAPALIA; FELDMAN, 2011, p. 374).
Another aspect of adolescence in mind is the development of moral reasoning.
Kohlberg (1992) presents a study based on the ideas proposed by Piaget on the
moral development of individuals, in which is possible to identify three levels and
six stages that represent how individuals deal with a moral dilemma. At level 1,
preconventional morality, morality is linked to obedience for fear of punishment; level
2, conventional morality, is characterized by observing the social conventional and,
subsequently, the general norms and laws; and level 3, postconventional morality,
whose premise is the universal ethical principles (PAPALIA; FELDMAN, 2011).

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Adolescing in body, mind and affection: a study on developing values and attitudes from science teaching

The various ways of thinking about morality and of dealing with conflict
resolution modifies over the years according to the experience of children and
adolescents with parents, groups of friends, experiences in school and according to
their cultures, that is, contact with the world around them.
Characterizing the cognitive development of the adolescent is also considering
the changes in the processing of information in terms of speed and quality, since
it is in this period of human development that the cognitive capacities may be
intentionally controlled, and this implies that adolescents “[…] likely can hold in
mind several dimensions of a topic or problem simultaneously, whereas younger
children are more prone to focus on only one dimension” (SANTROCK, 2014, p. 102).
Thus, in terms of executive functioning in adolescence, the metacognition and
high-complexity cognitive processes as decision-making, cognitive control, and
flexible and critical thinking emerge through the maturation of the brain circuits and
assume quality in personal and interpersonal experiences in the social environment.
To comprehend the cognitive development in its fullness assists the understanding
of the adolescent behavior in the exposure to risk, in judgments, in self-regulation of
the learning process, and in the formation of critical positions against attitudinal,
educational, relational, and affective demands.

Adolescence in affection

Henri Wallon (1995) approach human development based on the interdependence


of biological factors, personal attributes, and conditions of existence conceiving a
psychogenesis of a complete person in the affective, cognitive, and motor dimensions.
This implies rejecting the biological connections as the only explanation for
human affective expressions and responses. According to the author, the organic
structure responsible for the development requires cultural intervention to advance,
in a dialectical functioning, at its own pace through non-linear stages.
Emotions belong to a different medium from the purely physical world; it is another
plane on which they make their effects feel. Their nature is expressly the result
of a trait that is essential to them: its extreme contagiousness from individual to
individual. They imply interindividual relations; they depend on collective relations;
their corresponding environment is that of living beings10 (WALLON, 1995, p. 122).

The pressures of society, the transformations of body and mind, the contact
with different people, the phase of experimentation, the uncertainties, the fear of

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 555-583, 2021 561

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Gabriela Messias Silva, José Adriano Cavalcante Angelo, Jemima Queiroz da Silva

social contact, anxiety, being under stress, family conflicts, drug abuse, and having
a history of depression among parents, among other factors, endanger the affective
dimension of adolescents. Thus,
[…] it is possible to think of affectivity as a broad process that involves the person in
its entirety. In the constitution of the affective structure, the different modalities of
discharge of the tone, interpersonal relations, and the affirmation of oneself contribute
significantly, made possible by relationship activities11 (WALLON, 1995, p. 14).

That is why, beyond teachers and classroom instructions, a relationship is


also required between individuals (children/adolescents) and parents, who should
also guide their children. This is the idea advocated by Youngblade et al. (2007),
the idea that growth is not only in physical terms, but also cognitive, social, and
emotional, where autonomy and self-esteem are developed, since young people who
have supportive relationships with parents, the school, and the community tend
to develop in a positive and healthy manner. In this study, the authors distinguish
only biparental and single-parent families, with no reference to the gender of the
family organization. Those who do not receive support and education, according to
Eaton et al. (2008), have their physical and mental well-being endangered, with
high mortality rates due to accidents, homicides, and suicides.
In adolescence, the relationship between parents and children undergoes some
weaknesses as the stages of development are contradictory, because, while they must
become independent, they must also establish a relationship with their parents,
thus causing a pressure for autonomy and a conflict to maintain the connection/
attachment to parents (BEE; BOYD, 2011).
Social relations of adolescents in school and in the family allow the structuring
of their affectivity through the social space given the opportunities of personal
expressions of existence. Hence the relevance in considering the learning process
as a complex action of psychic reception of unique construction. Then, to adults,
representative figures in the life of adolescents, whether they are parents or teachers,
should avoid reducing the adolescent expressions to independent fields of action.
In the school environment, affectivity should be considered as a factor of
intelligence mobilization, so that the expressions of subjectivity are connected to the
learning process. Those who learn, the adolescents learners, must be known in all
their dimensions, comprehended in all their complexity and included in activities
compatible with their completeness. According to Wallon (1995, p. 42) considering

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[…] the ‘contagious’ character of emotional states, teachers may be more attentive to
the group environment that they are able to establish in the classroom, as well as to
the importance of their own emotional manifestations, which will surely affect the
children under their care. We mean, therefore, that it is not about seeking the control
of the conditions in the classroom through coercion of the expressive manifestations
of the students, but of the better understanding of their meaning for a management
that, incorporating the affective dimension, enables an increase in the quality of the
learning process.12

Therefore, school educational actions, from the perspective of the complete person,
should allow teachers to comprehend themselves as a relational unit with the learner,
aware of their role as facilitators of the individuation, because, “[…] including in the
teacher’s decision not only considerations related to the cognitive, but also their impact
on the motor and the affective”13 (MAHONEY, 2010, p. 10), enhances the search for
new meanings and qualifies the evaluative perception of oneself.

Adolescence in the curricular perspective of Science Education

Whereas school is the first formal education space, responsible for guiding
students in a gradual, active, and critical manner, the study of official educational
documents that guide the pedagogical actions is important as they consider the
dynamics of physical, cognitive, and social development of the human being.
The National Curriculum Parameters (1998) for Elementary and Middle School
in the field of Natural Sciences present concepts related to the human being and
to health so that educators may comprehend and have as a base the orientations
cited in this for the preparation of their classes.
The NCPs (BRASIL, 1998, p. 102) present some proposals that can explain the
current and relevant topics on the instruction and development of human beings in
their different phases, so that they are able to preserve their health and understand
the functions of each part of their bodies. The creation of pamphlets, collective texts,
communication of information, presentation of tables, anatomical atlas, experiments
and simulations, among others, are proposed.
Comprehending the existence of the human being also requires understanding
the space in which he is inserted and the other agents involved in the evolution,
that is, studying other living creatures. The NCPs (BRASIL, 1998, p. 103) suggests
that the students should learn the function of the cellular respiration of living

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beings and how the process of obtaining energy operates, whether by bacteria or
fungi in plants and animals, including the process of photosynthesis (use of light
and release of oxygen).
It is also important that the students understand the relationship between
sensation and emotion, and the regulatory processes and functions of the nervous
and glandular systems. For this to happen, guiding and coordinating the teacher
is fundamental, as it is possible to read in the NCPs:
Regarding the regulatory functions, the students will be able to investigate, again
with the coordination and help of the teacher, processes related to the balance of the
body and to the voluntary locomotion, to the circulation and breathing, processes
regulated and controlled by the nervous and glandular systems, closely linked to
sensory perceptions and emotions14 (BRASIL, 1998, p. 103).

Thus conceiving the integration among the most different systems of the body
and the influence that each one have on the other, the actions and reactions, as
well as the balance between them (BRASIL, 1998, p. 103).
The similarities and differences between the human being and other living
creatures are then possible to be perceived. One of the differences cited in the NCPs
(1998) is the capacity of reasoning by the human brain and its “[…] ability to process
and respond […]”15 to stimuli provoked to the human brain, triggering emotions,
behaviors, and habits (BRASIL, 1998, p. 104). Hence,
The context of studies of the brain, of the human mind, is also the field of behaviors,
emotions, the formation of habits, and other subjective issues, related to values, even
more evidently than in other studies of the human being16 (BRASIL, 1998, p. 104).

It is necessary to understand then how is the development of the human brain,


when it is fully developed, and when it is still undergoing the maturation process.
Considering the NCPs (1998) and the work of Papalia and Feldman (2011), it
is evident the importance of clarifying the biological and social transformations
for young people, because, differently from what was previously believed that in
puberty the brain had already fully developed, it is now understood that the “[…]
dramatic changes in brain structures involved in emotions, judgment, organization
of behavior, and self-control take place between puberty and young adulthood […]”
(PAPALIA; FELDMAN, 2011, p. 360).
Therefore, in order to approach the ways of life of the individual, it is suggested
that the students be informed about the risks and consequences of their actions,

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such as the involvement with violence due to drug abuse (alcohol, barbiturates,
tranquilizers, antidepressants, and narcotics), and also unwanted pregnancy in
adolescence (BRASIL, 1998).
Hence the importance of orientating young adults, as the development of
the brain is bidirectional and based on the cognitive stimuli that is submitted
throughout its formation, so that the activities and experiences of the adolescent
are the determining factors (KUHN, 2006). In other words, when young adults are
stimulated to think orderly and to control their impulses, they will continue to act
as this even in adulthood.
The relevance of approaching controversial topics by teachers is also noted,
presenting the necessary information as well as discussing the values involved in
the attitude taken, emphasizing that the acts are voluntary, the body is a totality,
and the imbalance at a certain point affects the balance of the whole (BRASIL, 1998).
Numerous aspects regarding the human body may be identified in the NCPs
(1998), as its formation, breathing, generation and distribution of energy, nervous
and glandular systems, brain stimuli, balance and degeneration (diseases), besides
the comparison made with other living beings.
Characterization of human beings and the environment is understood from
the organization of cells (plasma membrane, cytoplasm, and genetic material) of
unicellular and multicellular organism as well as the maintenance and evolution
of species, and the reproductive process of both sexual and asexual beings.
Some key aspects are emphasized, such as asexual or sexual processes, existence of
specialized reproductive cells (gametes), internal or external fertilization, the various
forms of protection for the development of the embryo, and the care of parents with
their offspring, locating the human being in these discussions17 (BRASIL, 1998, p. 106).

From there, there is the didactic sequence of concepts related to human


reproduction and hormonal changes linked to sexual maturation, process that
denominated puberty. According to the NCPs (1998), these changes should be
approached in order to clarify any questions about the theme that adolescents
may have, and contribute to a healthy development and to health preservation.
For these matters are closely associated to pregnancy and contraceptive methods,
contributing to the prevention of sexually transmitted infections.
Therefore, with regard to sexuality, the NCPs state that

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[…] the information must be clear and objective combating prejudices that hinder
development and valuing respect for one’s own body, wills, and doubts, as well as
respect for the body and feelings of partners from the perspective of mutual respect
and coexistence in solidarity18 (BRASIL, 1998, p. 106).

Thus, many are the aspects mentioned in the NCPs that should be considered for
the formation of the human being in different areas and various sectors of society.
The human being in the biological, social, and cultural aspects, in the interpersonal
relations, in the relationship between the subject and the family, the group of friends,
and the development of ethical aspects for his role in society as a critical citizen.

Methodology

This study present an empirical nature, which is based theoretically and


conceptually in the fields of Science Education and Educational Psychology. A
descriptive character was also assumed in order to analyze the content of the speech
of 38 students about their human formation of knowledge, values, and attitudes
related to the preservation of their health and physical, mental, and relational
well-being.
To achieve the objective of the research, the data were collected through focus
groups with speech recorded in audio, with the signing of the Informed Consent
Form by the parents or guardians. A group of students specific to the locality
was chosen: students regularly enrolled in the 9th grade of a public school in the
municipality of Porto Nacional, Tocantis (Brazil), in order to form two focus groups
with 19 students each.
Concerning the composition of the groups, they were homogeneous regarding
the life conditions of the participants, but not necessarily in attitude. According to
Flick (2013), the key to the comparisons made with the data is in how the sampling
will be determined, in which the choice of a qualitative sample reflects the diversity
within the group or population under study.
The interest in the focus group as an instrument for data collection is given
to the extent that “compared to the individual interview, there is a gain regarding
the capture of cognitive, emotional, ideological, and representational processes and
contents”19 (GATTI, 2005, p. 10). The interactions that occur in the group have
their focus broadened, providing the possibility of observing the process in action

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through the exchanges among participants, individual and collective reactions, in


the exchange of opinions.
It is important to emphasize that in the focus group the unit under analysis is
the group itself. Hence positions, opinions, and ideas, even if not unanimous, for
the analysis, interpretation, and discussion of the results, shall be referred as from
the group (GONDIM, 2002).
Five assumptions were adopted in this study:
(1) that people themselves are a valuable source of information, including
information about themselves; (2) that people can report on and about themselves,
and that they are articulate enough to put into words their thoughts, feelings and
behaviors; (3) that people need help in “mining” that information, a role served by the
interviewer, or researcher, who “focuses” the interview in the focus group interview;
(4) that the dynamics of the group can be used to surface genuine information rather
than creating a “group think” phenomenon; and (5) that the interview of the group is
superior to the interview of an individual (LEDERMAN, 1990, p. 118).

The discussion groups were guided by 6 questions:


Question 1: What do you see when you look in the mirror?

Question 2: What is “yes” or “no” regarding your body?

Question 3: Who do you seek for advice/guidance?

Question 4: What are your references for right and wrong behaviors?

Question 5: What does risk behavior in adolescence mean?

Question 6: What kind of support do you receive at school?

After collection, the data were enumerated, in which the presence of a significant
element was adopted as an indicator of meaning from the goals of the analysis. The
enumeration was followed by the categorization composed of two parts, the inventory
and the classification, this was necessary to ensure the condition of mutual exclusion,
homogeneity, relevance, objectivity and fidelity, and productivity.
As a method for data analysis, the Content Analysis by Laurence Bardin (2016)
was applied, and the intention was to bring to comprehension the speech of the
students, conceiving the language as transparent.

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Franco (2018) indicates three assumptions for data analysis: a. Each message,
whether written, oral or even sensory, has potentially a large amount of information
about who originated it. Regarding their beliefs, world conceptions, “class interests,
psychological traits, social representations, motivations, expectation etc.”20 (FRANCO,
2018, p. 25); b. The message content is selected by the author based on social
references in which he/she is inserted, where education as social practice may be
included; c. The theory presented guides the conception of reality (conscious or
ideological) of the author, and this “[…] is filtered through the speech of the author
and results in extremely important implications, for those who propose to do content
analysis”21 (FRANCO, 2018, p. 26).
The analysis occurred in three stages established by Bardin (2016): Pre-analysis,
which sought the operationalization and systematization of ideas through the
elaboration of a scheme for the development of the successive operations, and
thus aimed at the organization; the Exploitation of the Material, which consisted
of coding operations, discounts, and enumerations; and the Results Treatments,
Inferences, and Interpretation, in which the raw data were treated in order to be
signified and validated.
Through Inference and Interpretation, the more in-depth contents presented
in the speech of the students were identified and comprehended.
The content was coded with the non-grammatical unit “The Theme”22 (BARDIN,
2016, p. 105) as record unit. Its choice is justified by being considered the most
useful record unit when it comes to content analysis, as well as the possibility of
analyzing entire documents, or parts, to determine values, beliefs, attitudes, among
others. On this, Franco (2018, p. 42) states that a
[…] thematic question incorporates, with greater or lesser intensity, the social
aspect attributed […] related to the meaning of a word and/or about the connotations
attributed to a concept. And this, of course, involves not only rational components,
but also ideological, affective, and emotional.23

Thus, the investigation of the speech of the students from a multiplicity of


perspectives implies the understanding of the context and the description of “[…]
the logical structure of its constituent expressions, and ascertain its associations,
connotations, denotations […]” (KRIPPENDORFF, 2018, p. 22).
Lastly, in the inference phase, the analysis had as a guide the meanings that
the message provided, considering with this the legal aspects of Science Education,

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the psychological foundations of human development, along with the perspective


of education for human formation.

Analysis and discussion

Self-image, self-esteem, and variation factors

This category has as its theme the articulation of biological and sociocultural
factors in the composition, both of the perceptions and of the behaviors, in response
to the stimuli of the environment. The following excerpt presents this connection:
I see a person who will have a bright future! A very bright future ahead! I believe in myself!
When I look at myself, I see that I need to have more and more confidence in myself,
right?! Because in the world we are living is hard to be confident. And the first character-
istic of being a person that has a well-being is to believe in yourself.24 (Focus Group 1).

For self-image, the research came across a high frequency of the theme body
image as defining adolescence, which points to a common connection, since much of
the existing literature points to this link of the phase with body image (SHAFFER;
KIPP, 2012; PAPALIA; FELDMAN, 2011).
However, despite the positive expression of acceptance, the content of the
speech of the students continues to oppose a linearity. Self-image gains a variation
according to the mood and this interferes with self-esteem. The fragments bellow
present this indication:
Yeah, it depends on the day, right? Because there’s that day that you say: girl, I need to
get my eyebrow fixed.
She gets stressed… Me, when I’m like this, I don’t want to be with me much… I’m just too
lazy to dress up. (Focus Group 2).

The indications of this content are that the declared self-image corresponds to
the perspective of biopsychosocial development, as emphasized by Cavalcanti (1988),
because it covers body, attitudinal, and emotional changes, which interacting with
the social environment, both how they see themselves and how they see reality
may be modified.
In this category, the perception of the body presents mood variations and shifting
states of mind, speech content corroborated by Aberastury and Knobel (1971), who
in their ten essential aspects to characterize adolescence, still add other aspects,

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“[…] 7) Fluctuations of the mood and the state of mind; 8) Contradictions in the
way of thinking and acting where, in this manner, the so called normal feelings of
grief in this stage of development are facilitated […]”25 (ABERASTURY; KNOBEL,
1971, p. 53).
The perception of the focus groups on the different production processes of
femininity and masculinity also emerged as an indicator factor of the development
of self-image. When questioned about their self-image, girls and boys were emphatic
in answering that gender determines individual capacities, their possibilities of
doing and being able to do.
Specifically for girls, the consequences of hormonal variation are introduced
as part of the theme and compose the multifaceted argument of conception of self-
image. The oscillation occurs, for example:
When we have cramps… We get more stressed.26 (Focus Group 2).

According to the students, self-image of boys is not subjected to the alterations


that girls declare to have. The content of this unit of analysis is that for boys, in
the school environment, there are fewer concerns about daily approval of physical
appearance and maintenance of a good state of mind.
And therefore, still according to the speech content of the boys in the focus
groups, the dependence of the state of mind to signify and to experience well-being
directing their behavior before peers is declared nonexistent:
I’m never sad.27 (Focus Group 1)

This is justified by the female members of the groups when they generalize from
the behavior of a colleague, as excerpt:
That’s right, teacher. That boy makes us laugh.
We may be on a bad day.28 (Focus Group 1).

The category brings us the reference to the field of Science Education and its
teaching objectives. These factors of variation of self-image and self-esteem referred
in the category must be met and discussed in the 9th grade, based on the principle
proposed in the NCPs – the reconstruction of a social conscience that exceeds
environmental questions in isolation, leading the students to “[…] perceive human
life, their own body, as a dynamic whole, which interacts with the environment in

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a broad sense, because both biological heritage and cultural, social, and affective
conditions reflect in the body”29 (BRASIL, 1998, p. 22).
Since this is a study focused on Science Teaching, or the various forms of creating
connection between it and the events of life, as a way of making real the content to
be taught in classes, within the educational process, it is necessary to remember
that, according to what the NCPs (1998) formalize, they present concepts about the
human being and health so that teachers may understand and have as guidelines
the orientations mentioned in this for the preparation of their classes.
In this case, NCPs (1998) present some proposals that may explain current and
relevant topics on the instruction and development of human beings, previously
mentioned in this study, in their different phases, so that they are able to preserve
their health and understand the functions of each part of their body. The creation
of pamphlets, collective texts, communication of information, presentation of tables,
anatomical atlas, experiments and simulations, among others, were proposed.
Therefore, making use of pedagogical resources capable of bringing to the adolescent
students contents that favor the understanding of the biological and emotional
transformations that they undergo.
Thus enabling them to know themselves and recognize their responses to the
stimuli of the environment, the body transformations, and the interaction with social
and family organizations, in an attempt of making this period as smooth as possible.

Asymmetry of the social position of the Adolescent body

This category emerged from the theme related to the asymmetry of the positions
that the bodies of boys and girls should occupy in society, separately.
In several occasions during the work with the focus groups emerged the idea
of girls being seen as objects of desire. This topic of debate is taken by Foucault
(1988), in what refers to power relations. For the author, the body within a power
structure is not able to find itself in position of exteriority relative to the other types
of relations, (economic processes, relations of knowledge, sexual relations), however,
these relations are close to it, producing instants effects of the shares executed by
the subject, causing inequality and imbalances, these internal conditions. Thus,
the power relations are the superstructures, able to exert the prohibitive role, of
restriction, or reduction, continuously producing this effect (FOUCAULT, 1988).

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Based on this, it raises the question of the female adolescent body as an element
culturally removed from power, in asymmetric relations, evidenced in the behaviors
experienced in everyday life, almost not a position. The following excerpt presents
part of the speech of two girls in Focus Group 1:
The point is that, for a woman, it’s already discriminating…That these days they say
that women are sluts… Not for men, it’s like normal. But if you come and see a girl in the
conversation… That’s wrong… They’re hooking up… They’re doing something wrong…
It’s really hard out there, you guys.
That’s because people judge women, for example if there are five men and a woman,
they judge them… Then they say: that girl is there, that’s because she is interested in
someone, she’s a whore, a slut… They use these ugly names… Not for the man… He’s
a player… He’s a lady-killer. They see them different.30 (Focus Group 1).

For girls, it is taken here the liberty to name them, also the fact of seeing
them as objects of desires of others, this is a situation that although culturally
standardized, may represent a difficulty, a high stress factor and direct interference
to their self-image.
In this panorama relative to the adolescent body, the theme still emerges, the
feeling of inferiority in relation to their opposite, the male body. The excerpts present
the speech related to the prohibitions made to the female body.
Take off the shirt among people…
Women do that too…
Women don’t do that… Men can do… If a man has a nice body people praise him, now
if a woman takes off her shirt is absurd.31 (Focus Group 1).

What in fact became explicit in the speech of the focus groups was how much the
gender influence directly the realization of certain action, as quoted in this excerpt
where the student denotes the act of taking off a shirt a normal action for men and
something vulgar for women. Faced with this, we denote a question of social position
of the female body since it is seen as an object of sexual desire.
Also relevant is the adolescent relationship with the body, with what generates
satisfaction and fullness in relation to its measurements and appearance, presented
in the link: youth and aesthetics. Following there is an argument that illustrates
this question:
There was a girl who studied with us, who had the ideal body and emitted happiness
wherever she went, but she left school.32 (Focus Group 2).

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According to the focus group, well-being is directly related to appearance, well-


being is synonymous with idealization, since culture defines women as an inconstant
social being. This because there is a narcissistic cult to the body, an overestimation
of the physical body, and, as a consequence, a depreciation of the psychological and
cognitive capacities of the subject will arise. Achieving the ideal body, achieving the
perfect measurements, is the new goal for adolescents in contemporary society that
increasingly imposes a beauty standard, significantly impacting the development
of their personality (AGUIAR, 2014)(AGUIAR, 2014).
The asymmetry also presented itself in the content of the experiments, such
as drinking, gambling, and romantic relationships. Again, the imbalance of the
consequences is argued and naturalized – boys are allowed, but for girls there is a
naturalization of the risk of rape and unwanted pregnancy.
In the speech of the groups, a clear differentiation emerges between the types of
violence/risks for the genders, the girls inevitably associate the violence of gender
to the consumption of alcohol and other drugs, who sometimes feel difficulty to
verbalize, there is clearly a restraint of girls regarding types and classification of
violence/risks, even if this behavior may be an individual outgrowth.
From these analysis, the comprehension that the school and its curricula could
contribute greatly to the expanded understanding of these situations is enlarged,
especially in Science Education. According to the NCPs (1998), the teacher should
mediate the study of the human brain as well as “[…] the field of behaviors, emotions,
the formation of habits, and other subjective issues, linked to values, in an even more
evident manner that in other studies of the human being”33 (BRASIL, 1998, p. 104).
For this aspect related to the behaviors triggered by the recognition of the
body in transformation, as well as the apparent lack of ability to deal with these
transformations, as was evident when dealing with the focus group, therefore, it is
necessary to establish a link with what determine the NCPs. Understanding that
a large part of the perception of the body is given as a response to the relationship
with individuals that undergo the same transformations and in an environment that
puts them in direct relation always, also because of the understanding that it is in
the brain that much of the transformations to form the individual take place, it is
necessary that the science teacher then, promotes mediation on the development
of the human brain and its maturational implications on social behavior (BRASIL,
1998; PAPALIA; FELDMAN, 2011).

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The importance of clarifying the biological and social transformations to young


people is highlighted, because, unlike what was believed at the beginning of the last
century that in puberty the brain had already fully developed, nowadays studies
indicate that these transformations continue to be processed in a severe way in
the brain structures involving emotions, relative to the judgment, organizing the
thought and developing mechanisms of self-control, these process until adulthood
(PAPALIA; FELDMAN, 2011).

The value of the secure source in decision making

This category clearly highlights the lack of reliable sources for decision-making.
Various students claimed to base their decision on experimentation for the lack of
this source.
Aspects related to the environment and the attitudes presented by people as
influencing factors in the behavior of adolescents were identified. The contents
that refer to the attitudes presented, behaviors that are influenced by figures and
representations able to support the decisions of adolescents.
That presented, it leads to the understanding that an emotional support is
something representative at this stage of life. The excerpt bellow, answer to the
question of the focus group mediator (But who, apart from your mother?), illustrates
exactly what makes this search for a decision making inaccurate, since the sources
are not reliable or often there are no sources.
Like… A teacher, a neighbor, when they’re someone older and have already been throu-
gh the same trouble I’m having…
And someone who will be able to guide me, right? Someone who will know how to explain
the situation, how to get out and… that’s it. A friend too. (Focus Group 1).34

According to this excerpt, it is evident that the affective and relational bonds can
be facilitated with the type of relationship established in a group or individually. In
the frequency of this unit of analysis, in both groups, differences emerged between
weights of bonds from safe sources for boys and girls, at different occasions,
conducted in the speeches. For girls, these bonds have different weight than they
have for boys, rather it is a different characterization, as, in the focus groups, it was
noted an inclination of young women to maternal figures, aunts, grandmothers, or

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female figures. The speech of the group denotes teachers as an alternative source
for decision-making.
The boys seek, as was evident in the focus groups, the father, or representative
male figure able of fulfilling this role. Related to this, the researcher questioned
about which representative figures they seek as a source of self-revelation, to which
the groups answered that only friends.
It was evident, however, a speech about the school as a place that does not
present reliable sources for decision-making. In the frequency of this theme, the
students declared that the school is not a place of adolescence, which is a difficult
period, according to them, of confrontation and which brings, according to the
speech of the groups:
[…] measure of daily sadness.35 (Focus Group 2).

For this environment, the criticism was harsh and considerable, as a space that
by virtue should offer safety and comfort to adolescents, however classified hostile.
That is, not a place of speech for adolescents. The following excerpt illustrates
a sequence of the speech of the adolescents related to the lack of educational
orientation in the school environment in response to the question proposed by the
researcher:
Does it exist or not? Your classmate said it exists… but do you feel free to expose pro-
blems, questions?36 (Researcher).

Not for me, no.


There’s a lot of stuff that’s like… ‘I don’t want to talk to her or anyone in my family’, so I’m
gonna go find a teacher that I trust.
I don’t like to talk…37 (Focus Group 1).

Don’t you like to talk?38 (Researcher).

No, I don’t talk.


It’s not all the teachers that I trust.
Rarely…
And when the school speaks, it reduces adolescence to puberty or deals with the theme,
bullying, depression etc., impersonally.
They’ve already spoken here, but... some teachers didn’t like it. Because we were talking
later, after the class we had about puberty, we were talking... Because we were enjoying
the subject, there were many questions...39 (Focus Group 1).

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These arguments complement the argument that the school could be a space of
confidence for the adolescent, but paradoxically does not fulfill this role:
Ah, I get it! […] Is school a safe place to talk about these adolescent issues?40 (Researcher).

No… No…
Not all of them…
Not always...
Not once…41 (Focus Group 1).

According to the excerpt, school deals with monthly themes impersonally and
students have daily and personal needs, seek school support and it does not have
adequate professionals able to deal with this theme. Students feel the necessity for
this support, as illustrated in the following excerpt:
[…] it is not a place of listening for adolescence. There is no professional who meets the
daily personal needs […]42 (Focus Group 2).

It should be emphasized the school space as an important aspect of the research.


As one of the privileged places of adolescence due to its excessive permanence in one
of the most important periods of life for the formation of personality, it is important
to bring to this reflection,
[…] considering the vertiginous changes that take place in the functioning of society,
it should be questioned the commitment of the educational process especially of the
adolescent student, what is hidden, in fact, is inactivity and indolence in seeking
interventions more appropriated to the impasses that present themselves in the
various social institutions today, including school.43 (OLÍMPIO; MARCOS, 2016,
p. 500).

The neglect of the dimension of adolescence puts these young people under
the weight of an atmosphere charged with prejudice and incomprehension, which
generates suffering and mistakes concerning decisions that need to be made in this
period of life.
The focus groups denounced the lack of real involvement of the school with
the stage of development that the adolescents are experiencing, which allows us to
question how teacher training and teaching practice itself are sufficiently significant
to contribute to the educational actions of: physical development (issues related to
health, physical issues, sexuality, and reproduction), cognitive development (schemes
of thought organization and moral reasoning), still specifically, of social cognition

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in the biological-social-historical context of identity changes, sexual behavior, and


fraternal and loving relationships.

Conclusion

This research presented as general objective to analyze in the phenomenological


perspective, knowledge, values, and attitudes in adolescence form the speech content
of students, relating them to Science Education.
Thus, the difficulty of delimiting the theme and the necessity to rethink, study
and research more about adolescence and the social-historical, psychological, social,
biological, and cultural transformations that imply in the development are here
comprehended. Three categories emerged by the frequency of the thematic analysis
unit. Applying the concepts of Content Analysis, the first category was identified,
named Self-image, self-esteem, and variation factors, in which the gender factor is
taken as a reference to indicate the variations of self-image and self-esteem, being
naturalized the cultural meanings of body image and mood swings as inherent
in the image of well-balanced boys and unstable girls. In the category named as
Asymmetry of the social position of the adolescent body there is a self-assessment of
the physical appearance in correspondence with the cultural standard of beauty and
the ideal body, focusing on the values and judgments on themselves, may generate
feelings of inadequacy by not matching the expectations of the dominant model. In
this category the students articulated that the female body occupies lower positions
than the male body, thus being a gender issue. In view of these considerations, it is
noticed that the idealized object is the perfect body to generate well-being. In the
third category it was identified that the school does not deal with themes related to
adolescence and does not have a reliable source for guidance, besides, in the family
environment the students articulated that they do not consider a good source for
decision-making.
In this research it is evident that the students emphasized multiple times the
desire to have a safe reference of decision-making in school and that the experiences
of school actions bring measures of sadness, as depression, bullying, and suicide.
Regarding the productions of meanings that move beliefs about the human values,
political and religious perspectives of contemporaneity, present in the school
environment, a reflection is due at this point: this period should be based only on

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these adjectives or it should be the responsibility of the science teacher, along with
school, to change that reality?
Considering that each young person has his or her time and form of development,
his or her social physical, and cognitive construction, is of paramount importance
counseling and guidance; the behavior of the adolescents reflect their relationship
with their parents, the group of friends, with society, and especially with themselves.
And in this sense, what has been the actions of teaching professionals, in Science
Education, related to adolescence for students in its multiple dimensions? To what
extent does education as a social practice intersect other educational agents (school
community, management, counseling etc.)?
It is then possible to perceive how biological and social factors influence the
personal, cognitive, educational and even professional formation of young people
from childhood, through adolescence and adulthood.
Lastly, it is understood that the theme is extremely important and the inquiry
is continuous, to comprehend the formation of the adolescent in different aspects,
to build an individual with better orientations for this stage, the adolescence.

Adolescer em corpo, mente e afeto: um estudo sobre


desenvolvimento de valores e atitudes a partir do Ensino de
Ciências

Resumo

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental


das Ciências Naturais referenciam ações educativas que significam a adolescência considerando
a necessária interação entre a marca orgânica, a puberdade, e os sentidos produzidos cultural
e socialmente sobre o corpo e a identidade nesta fase do desenvolvimento humano. À docência
em Ciências implica na construção relacional de conhecimentos, valores e atitudes para um
adolescer que responda às demandas sobre si, de modo crítico, cognitiva e afetivamente, para
manutenção da integridade corporal, da saúde reprodutiva e do comportamento sexual. Esta
pesquisa teve por objetivo analisar os alcances das ações e práticas na educação em Ciências
na adolescência a partir do conteúdo da fala de estudantes do 9º Ano. Para isso utilizou-se
como método de coleta de dados, o Grupo Focal e como instrumento de análise, a Análise do
Conteúdo proposta por Bardin. Emergiram três categorias: na primeira, o fator gênero é tomado
como referência para indicar as variações de autoimagem e autovalor atribuídos a si mesmos
pelos adolescentes; na segunda, autoavaliação da aparência física está relacionada aos
padrões culturais de beleza e de ideal do corpo, recaindo sobre os seus valores e julgamentos,
potencializando sentimentos de inadequação pela não correspondência às expectativas do
modelo predominante; e a terceira, assinala a ausência de uma fonte segura na escola para

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tomada de decisões. A pesquisa concluiu, neste contexto, que a escola não é um lugar de fala
para o adolescente, por tratar de temas ligados a adolescência com impessoalidade, centrando-
se no viés biológico da puberdade e negligenciando as questões psicossociais, emocionais e
culturais que o adolescer demanda.

Palavras-chave: adolescência; cultura; Educação em Ciências; puberdade; subjetividade.

Notas
1
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).
2
“O Tema”.
3
1.Nos meninos: modificação no timbre da voz; aumento da largura dos ombros; aparecimento de pelos no
rosto, axilas e região pubiana; crescimento do pênis e testículos; e o surgimento da primeira ejaculação.
2. Nas meninas: desenvolvimento das glândulas mamárias; aumento dos quadris; aparecimento de pelos
na região pubiana; e o surgimento da primeira menstruação, chamada menarca.
4
“um termo sociológico que, sob uma suposta base biológica, tornou-se de uso psicológico”.
5
“[...] reações psicológicas do jovem a suas mudanças físicas da puberdade e se prolonga até uma razoável
resolução de sua identidade pessoal”.
6
“[...] é em torno desse ideal corporal que o adolescente vai se estruturando: entre o corpo temido e desconhe-
cido, e o corpo perfeito e idealizado [...]”.
7
“[...] tem de si mesmo nos mais diversos aspectos da vida [...]”.
8
“[...] o universo de representações que o estudante tem das suas capacidades, das suas realizações escolares,
bem como as avaliações que ele faz dessas mesmas capacidades e realizações”.
9
“[...] neste aspecto admite-se que o ser humano é levado a desenvolver uma espécie de fenómeno de espelho,
em que tende a observar-se da maneira como os outros o consideram [...]”.
10
As emoções pertencem a um meio diferente do meio puramente físico; é outro plano em que elas fazem
sentir seus efeitos. Sua natureza resulta expressamente de um traço que lhes é essencial: sua extrema
contagiosidade de indivíduo a indivíduo. Elas implicam relações interindividuais; dependem de relações
coletivas; o meio que lhes corresponde é o dos seres vivos.
11
[...] é possível pensar a afetividade como um processo amplo que envolve a pessoa em sua totalidade. Na
constituição da estrutura da afetividade, contribuem de forma significativa as diferentes modalidades de
descarga do tônus, as relações interpessoais e a afirmação de si mesmo, possibilitada pelas atividades de
relação.
12
[...] o caráter ‘contagioso’ dos estados emocionais, o professor pode manter-se mais atento ao clima de grupo
que ele tem condições de estabelecer em sua turma de alunos, bem como à importância de suas próprias
manifestações afetivas, que, seguramente, incidirão nas crianças sob sua tutela. Queremos dizer, portanto,
que não se trata de buscar o controle das condições em sala de aula a partir da coerção das manifestações
expressivas dos alunos, mas da melhor compreensão de seu significado para um manejo que, incorporando
a dimensão afetiva, possibilite uma melhor qualidade e aproveitamento da aprendizagem.
13
“[...] incluir em suas decisões não só considerações relativas ao cognitivo, mas também seu impacto sobre
o motor e o afetivo”.
14
Quanto às funções reguladoras, os estudantes poderão investigar, novamente com a coordenação e ajuda
do professor, processos ligados à equilibração do organismo e à locomoção voluntária, à circulação e res-
piração, processos regulados e controlados pelos sistemas nervoso e glandular, intimamente ligados às
percepções sensoriais e às emoções.
15
“[...] capacidade de processar e responder [...]”.

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16
O contexto de estudos do cérebro, da mente humana, também é o campo dos comportamentos, das emoções,
da formação dos hábitos e de outras questões subjetivas, ligadas aos valores, de modo ainda mais evidente
que em outros estudos do ser humano.
17
Destacam-se alguns aspectos fundamentais, como processos assexuais ou sexuais, existência de células
especializadas para a reprodução (gametas), fecundação interna ou externa ao corpo, as várias formas de
proteção para o desenvolvimento do embrião e o cuidado dos pais com os descendentes jovens, localizan-
do-se o ser humano nessas discussões.
18
[...] as informações devem ser claras e objetivas combatendo preconceitos que atrapalham o desenvolvi-
mento e valorizando o respeito ao próprio corpo, às vontades e às dúvidas, bem como o respeito ao corpo
e aos sentimentos dos parceiros, na perspectiva do respeito mútuo e da convivência solidária.
19
“comparado à entrevista individual, se ganha em relação à captação de processos e conteúdos cognitivos,
emocionais, ideológicos, representacionais”.
20
“interesses de classe, traços psicológicos, representações sociais, motivações, expectativas etc.”.
21
“[...] é filtrada mediante seu discurso e resulta em implicações extremamente importantes, para quem se
propõe fazer análise de conteúdo”.
22
“O Tema”.
26
[...] questão temática incorpora, com maior ou menor intensidade, o aspecto pessoal atribuído [...] acerca
do significado de uma palavra e/ou sobre as conotações atribuídas a um conceito. E, isso, com certeza,
envolve não apenas componentes racionais, mas também ideológicos, afetivos e emocionais.
24
Eu vejo uma pessoa que terá um futuro brilhante! Um futuro muito brilhante pela frente! Eu acredito em
mim mesma! Quando eu olho em mim mesma, eu vejo que eu tenho que ter confiança cada dia mais em
mim, né?! Porque no mundo em que nós estamos vivendo é difícil ter confiança. E a primeira característica
de ser uma pessoa tem um bem-estar é acreditar em si própria.
25
“[...] 7) Flutuações de humor e do estado de ânimo; 8) Contradições no seu modo de pensar e agir onde,
desta forma, a elaboração de lutos ditos normais nesta fase do desenvolvimento é facilitada [...]”.
26
Quando tá com cólica... A gente fica mais estressada.
27
Eu nunca tô triste.
28
É verdade, professora. Esse menino faz a gente rir.

A gente pode estar num dia fracassado.
29
“[...] perceber a vida humana, seu próprio corpo, como um todo dinâmico, que interage com o meio em
sentido amplo, pois tanto a herança biológica quanto as condições culturais, sociais e afetivas refletem-se
no corpo”.
30
O caso é que para mulher já é discriminante... Que hoje em dia fala que mulher é rapariga... Já pro homem
não, é como se fosse normal. Mas se chegar e vê uma menina na conversa... Ali é uma coisa errada... Tão
ficando... Tão fazendo alguma coisa de errada... É muito difícil essa vida, gente.
31
É porque as pessoas olham pro lado das mulheres, por exemplo no caso de cinco homens e uma mulher, já
olham com olho de julgo (sic)... Aí já falam: Aquela menina tá lá, é porque ela tá com interesse em algum,
é uma puta, é uma rapariga... Usam esse nome feio... Já o homem não... É galanteador... É garanhão. Já
olha diferente.
Tirar a camiseta no meio do povo...
Mulher faz isso também...
Mulher não faz... Homem já faz... Se um homem tem um físico bonito já sai elogiando, agora se uma mulher
tira a camiseta é um absurdo.
32
Tinha uma menina que estudava com a gente, que tinha o corpo ideal e emitia felicidade por onde ela
passava, mas ela saiu da escola.
33
“[...] o campo dos comportamentos, das emoções, da formação dos hábitos e de outras questões subjetivas,
ligadas aos valores, de modo ainda mais evidente que em outros estudos do ser humano”.
34
Tipo... Um professor, um vizinho, quando é mais velho e que já passou pelo mesmo problema que eu...

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E vai saber me orientar né? Vai saber me explicar a situação, de como sair e... é isso. Um amigo também.
35
[...] medida de tristeza diária.
36
Existe ou não existe? A colega disse que existe... mas vocês se sentem à vontade para expor problemas,
dúvidas?
37
Pra mim não.

Tem muitas coisas que tipo... ‘Eu não quero conversar com ela, nem com alguma pessoa da minha família’,
aí eu vou procurar um professor que eu confio.
Eu não gosto de falar...
38
Você não gosta de falar?
39
Não, não falo não.
Não é em todos os professores que eu confio.
Raramente...
E quando a escola fala, reduz a adolescência a puberdade ou trata da temática, bulliyng, depressão etc.,
com impessoalidade.
Já falaram aqui, mas... Alguns professores não gostaram não. Porque nós ficamos comentando depois,
depois da aula que a gente teve sobre puberdade, ficamos comentando... Porque a gente foi gostando do
assunto, tinham muitas dúvidas...
40
Ah, entendi! [...] A escola é um lugar seguro para conversar sobre essas questões adolescentes?
41
No… No…
Not all of them…
Not always...
Not once…
42
[...] não é lugar de escuta do adolescer. Não há profissional que atenda às necessidades pessoais diárias [...]
43
[...] considerando as vertiginosas mudanças que se estabelecem no funcionamento da sociedade, convém
questionar se o comprometimento do processo educativo especialmente do aluno adolescente, o que se
oculta, na verdade é a inatividade e a indolência em se buscar intervenções mais apropriadas aos impasses
que se apresentam nas diversas instituições sociais na atualidade, entre elas a escola.

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doi/10.1542/peds.2006-2089H>. Access in: Apr. 01, 2019.

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 555-583, 2021 583

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João Paulo Stadler, Mariana da Silva Azevedo

Análise de aspectos sociocientíficos em


livros didáticos de química para a segunda e
terceira séries do ensino médio
João Paulo Stadler*, Mariana da Silva Azevedo**

Resumo
Investigar diferentes possibilidades a partir do emprego do livro didático em sala de aula é
fundamental quando se reconhece a importância desse recurso didático, devido à ampla distri-
buição promovida pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). A abordagem de Aspectos
Sociocientíficos (ASC), dentre as várias concepções de ensino de Química, utiliza a contextuali-
zação com base em temas socialmente relevantes mobilizados pela discussão de controvérsias
e pautadas no conhecimento científico. Assim, investigar a presença de ASC nos livros didáticos
de Química pode auxiliar os professores a empregar essa concepção de ensino. Esta pesquisa
foi centrada na análise dos livros de Química destinados à segunda e terceira séries do Ensino
Médio aprovados pelo PNLD. A metodologia empregada foi a análise de conteúdo baseada nos
indicadores: tema global, presença de controvérsia e critérios de relevância para classificar os
textos em potenciais promotores de discussões sociocientíficas. Posteriormente, foi delimitado
o tipo de abordagem e o tipo de controvérsia apresentados. Em geral, a análise dos livros da
segunda série do ensino médio apresentou poucos fragmentos com potencial de abordagem
ASC. Além disso, é possível perceber que a maioria das obras têm algum potencial de fomentar
discussões ASC em sala de aula, embora os livros não tragam todos os elementos necessários
para que a discussão da controvérsia se desenvolva, fato que dependerá dos professores e
alunos. Como o esperado, a obra com maior incidência, ainda que não na maioria de suas uni-
dades de contexto, é a obra Química Cidadã, por ser construída nessa abordagem.

Palavras-chave: Aspectos sociocientíficos; Livro didático; PNLD; Ensino de Química.

*
Mestre e doutorando em Ensino de Ciências e Matemática pelo Programa de Pós-Graduação em Formação
Científica, Educacional e Tecnológica da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – campus Curitiba. Pro-
fessor do Colegiado de Química do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná – campus
Palmas. E-mail: [email protected].
**
Doutora em Ciências pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo. Professora
do Colegiado de Ciências Biológicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná – cam-
pus Palmas. E-mail: [email protected].

Recebido em: 01/09/2020; Aceito em: 27/08/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11605
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

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Introdução

Entende-se que a área de Ciências da Natureza e, dentro dela, o ensino de Quí-


mica deve promover a construção de conhecimentos de forma contextualizada e a
preparação dos estudantes para a argumentação, a tomada de decisão e a proposição
de alternativas frente a temas contextualizados (BRASIL, 1996; 2017).
Dentre as diversas concepções e metodologias que permitem atingir tais ideais,
a abordagem de aspectos sociocientíficos (ASC) se mostra promissora por tratar
dos temas e conteúdos visando a argumentação e a tomada de decisão por meio da
proposição e análise de argumentos motivadas por controvérsias inclusas nos vários
contextos a serem estudados, sem o apagamento do conteúdo científico no processo
educativo (SANTOS; MORTIMER, 2001; PÉREZ; CARVALHO, 2012). Esses autores
concluem que os pontos positivos observados na abordagem de ASC nas aulas foram
a maior participação dos alunos e o desenvolvimento de habilidades e competências
voltadas à argumentação e tomada de decisão. Por outro lado, as principais dificul-
dades encontradas indicam a falta de segurança ao abordar controvérsias em sala
de aula, a dificuldade dos alunos em empreenderem os processos argumentativos, o
conflito com as ideias tradicionais do ensino e o uso (quase) exclusivo do livro didático.
Colocando em foco o emprego do livro didático, desde Fracalanza (1992) até estudos
atuais como o de Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2018), observa-se a dependência
dos professores em relação a esse recurso didático, em especial em relação à sequência
dos conteúdos. Segundo Fracalanza (1992), a baixa qualificação dos professores e as
diferentes clientelas que passaram a frequentar a escola levaram à adoção dos livros
didáticos como um parâmetro nivelador dos conteúdos planejados e das atividades
abordadas. Os pontos problemáticos da dependência em relação aos livros didáticos
são a excessiva preocupação com a memorização de fórmulas e a utilização dos expe-
rimentos como prova de teoria, além da fragmentação do conteúdo (FRACALANZA,
1992). Apesar da adoção de diretrizes para a organização dos livros didáticos, Neto e
Fracalanza (2003) constataram que os materiais destoam muito das recomendações
legais. Além disso, o livro didático, em alguns casos, é o único contato da parcela mais
carente da população com os conteúdos científicos, devido à falta de outras políticas
que assegurem o acesso de materiais didáticos diversificados.
Este artigo traz a continuação das análises apresentadas anteriormente (OS
AUTORES), realizadas no âmbito do Laboratório Dinâmico e Interdisciplinar

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para o Ensino de Ciências (LADIEC) do campus Palmas, do Instituto Federal de


Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná. Seu objetivo é expor os resultados da
investigação de potencialidades para a abordagem de ASC por meio dos livros di-
dáticos de Química destinados à segunda e terceira séries do Ensino Médio, com o
intuito de auxiliar os professores na escolha de materiais que possam auxiliar no
emprego desta abordagem.

Apontamentos sobre a presença de aspectos sociocientíficos


em materiais de larga escala

Santos (2002) apresenta a controvérsia, a significação social e a relação com a


ciência e a tecnologia como dimensões que compõe a abordagem sociocientífica, o
que indica que a necessidade de discutir os conhecimentos científicos deve ser pro-
movida pelo conflito entre posicionamentos em torno de uma controvérsia relevante
para os estudantes. A relevância confere sentido à discussão e permite que os estu-
dantes teçam explicações e fundamentem suas decisões com base em sua vivência
(PEREZ; CARVALHO, 2012). Esse movimento possibilita o desenvolvimento de
competências e habilidades argumentativas que devem ser articuladas à aquisição
do conhecimento científico. O objetivo, então, de organizar as ações educativas por
meio da abordagem de ASC é a possibilidade de incentivar a discussão que permita
a ressignificação dos conteúdos por meio da controvérsia que pode surgir do contexto
social, ou da contextualização trazida pelos professores, ou pelos materiais didáticos
(SANTOS; MORTIMER, 2009).
Diante da possibilidade de utilizar o livro didático como fonte de contextualiza-
ção para a discussão, considerando sua importância no processo educativo discutida
acima e reconhecendo que o PNLD busca a distribuição de materiais em larga escala,
é essencial que os elementos nele presentes sejam relevantes para a população em
geral. Sobre temáticas que são significantes em exames de larga escala, Merryfield
(1991 apud SANTOS 2002) apresenta os temas globais que foram adotados neste
estudo como indicadores de relevância para abordagem ASC. O autor descreveu
estes temas como problemas regionais e globais que versam sobre temas ambien-
tais; saúde e população; questões econômicas; transporte e comunicação; alimentos
e fome; energia e questões militares, cuja característica é a frequente divulgação
na mídia e o interesse da maioria da população. Na primeira parte do estudo (OS

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AUTORES) foram estabelecidos outros temas de relevância complementares aos de


Merryfield (1991 apud SANTOS, 2002): natureza da ciência, ao discutir os processos
de construção do conhecimento científico; e temas sociais, quando a controvérsia
não está centrada em questões econômicas.
Ainda sobra a abordagem temática de conteúdos escolares, a forma como o tema
é articulado à prática docente e conduzido durante o processo de ensino e aprendi-
zagem pode ocorrer de diferentes formas que podem ser complementares. Santos
(2002) e Halmenschlager e Delizoicov (2017) descrevem os tipos de abordagem na
concepção, sendo: de forma temática, quando se emprega um assunto geral para
suscitar as discussões fomentadas pelo conhecimento científico; de forma pontual,
quando os conceitos estudados estão intimamente ligados a um fato ou fenômeno
cotidiano específico; e descritos de forma concomitante ao conteúdo, por meio de
questionamentos dirigidos acerca do tema. Tais modos permitem, então, a inclusão
dos temas como forma de significação dos conteúdos e estímulo à argumentação
com o objetivo de possibilitar a formação cidadã.
Além da característica temática, outros critérios de relevância podem ser utiliza-
dos para identificar potenciais questões sociocientíficas (FERNANDES-SOBRINHO,
2014) e foram utilizados neste artigo de forma complementar aos temas globais.
Foram descritos 10 critérios: ter base na ciência, frequentemente em áreas que estão
nas fronteiras do conhecimento científico; envolver a formação de opiniões e a reali-
zação de escolhas no nível pessoal e social; ser frequentemente divulgada pela mídia
com destaque a aspectos baseados nos interesses dos meios de comunicação; lidar
com informações incompletas sejam elas de evidências científicas incompletas ou
conflitantes ou de lacunas nos registros; lidar com problemas locais e globais e suas
estruturas sociais e políticas; envolver a análise de custo e benefício na qual os riscos
interagem com valores; envolver considerações sobre desenvolvimento sustentável;
envolver valores e raciocínio ético; requerer algum entendimento de probabilidade
e risco; e ser frequentemente pontuais durante a transição de uma vida.
Outra maneira de caracterizar a controvérsia empregada na abordagem ASC
foi apresentada por Stadler (2015), que identificou em exame de larga escala a
presença de dois tipos de controvérsia: a tomada de decisão, quando a questão
controvertida requer que o estudante escolha a melhor alternativa para a solução
de um problema ou tome partido frente a explicações controversas sobre o mesmo
tema, por exemplo; e a justificativa de escolha/decisão, quando a tarefa consiste em

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argumentar sobre assuntos controversos que justifiquem ou critiquem uma decisão


ou escolha feita por outros. A tipificação das controvérsias foi posteriormente com-
plementada (OS AUTORES), analisando livros didáticos e identificando mais dois
tipos de controvérsia: o debate, quando a ação não envolve a tomada de decisão, mas
envolve apresentação e reflexão sobre pontos de vista; e a prática social, na qual
os alunos devem mobilizar outras pessoas por meio de campanhas, entrevistas e
outras atividades. Em conjunto com os temas globais identificados (OS AUTORES),
estes novos tipos foram considerados na segunda parte da análise aqui apresentada.

Encaminhamentos metodológicos

Assim como realizado no artigo que avaliou as obras destinadas à primeira sé-
rie do ensino médio (OS AUTORES), esta pesquisa é uma análise bibliográfica de
caráter qualitativo (GIL, 2010), pautada na análise de conteúdo (BARDIN, 2011)
e empreendida em três etapas: pré-análise, que consiste na escolha do corpus e
da elaboração dos indicadores de análise; análise, na qual a técnica é aplicado ao
corpus; e na síntese dos resultados, na inferência e na interpretação.
A etapa de pré-análise, que denominamos de análise preliminar das obras, con-
sistiu no contato inicial com os livros para estabelecer como se daria a comparação
entre os elementos do corpus que foram analisados. Nessa fase é realizada a leitura
superficial (dinâmica) do livro completo a fim de identificar como a obra é dividida
e, finalmente, como as obras poderiam ser comparadas em função dessa divisão.
Além disso, nesta primeira etapa, foram elencados os indicadores da análise:
a) corpus: os livros didáticos de Química disponibilizados pelo PNLD 2018,
destinados à segunda e terceira séries do Ensino Médio:
i) Livro 1: Química (REIS, 2016);
ii) Livro 2: Química (MORTIMER; MACHADO, 2017);
iii) Livro 3: Química Cidadã (SANTOS; MÓL, 2016);
iv) Livro 4: Ser Protagonista – Química (LISBOA, 2016);
v) Livro 5: Química (CISCATO et al., 2016);
vi) Livro 6: Vivá – Química (NOVAIS; ANTUNES, 2016).
b) unidade de registro: palavra;
c) regra de enumeração: presença;
d) critério de categorização: semântico;

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e) indicadores: controvérsia, temas globais, conteúdo científico e critérios de


relevância social de abordagem sociocientífica, sendo:
i) Controvérsia: o fragmento de texto deve trazer elementos que permi-
tam a discussão de dois pontos de vista conflitantes para a resolução
de um problema;
ii) Temas globais: Merryfield apresentou como indicadores de relevância
social em documentos de grande escala os seguintes elementos: temas
ambientais; saúde e população; questões econômicas; transporte e
comunicação; alimentos e fome; energia; e questões militares (1991
apud SANTOS, 2002). Esses temas seriam, em tese, de conhecimento
de todos os cidadãos em razão de sua importância para a vida.
iii) Conteúdo científico: este indicador é citado como elemento essencial
para a abordagem de ASC, mas considera-se aqui que estão sempre
presentes, uma vez que as obras são livros didáticos.
iv) Critérios de relevância social de abordagem sociocientífica: apresen-
tados por Fernandes-Sobrinho (2014), esses elementos conferem à
abordagem a relevância social necessária para que as pessoas se
engajem em discuti-las. São eles: 1) ter base na ciência, frequente-
mente em áreas que estão nas fronteiras do conhecimento científico;
2) envolver a formação de opiniões e a realização de escolhas no nível
pessoal e social; 3) ser frequentemente divulgada pela mídia com des-
taque a aspectos baseados nos interesses dos meios de comunicação;
4) lidar com informação incompleta, seja ela de evidência científica
incompleta ou conflitante ou de lacunas nos registros; 5) lidar com
problemas locais e globais e suas estruturas sociais e políticas; 6)
envolver a análise de custo e benefício, na qual os riscos interagem
com valores; 7) envolver considerações sobre desenvolvimento sus-
tentável; 8) envolver valores e raciocínio ético; 9) requerer algum
entendimento de probabilidade e risco; e 10) ser frequentemente
pontual durante a transição de uma vida.
f) categorias: com potencial para abordagem de ASC ou sem potencial para
abordagem de ASC.
No segundo momento, que aqui chamamos de análise aprofundada das obras,
as divisões estabelecidas na etapa anterior são lidas em profundidade para que seja

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feita sua categorização com base nos indicadores elencados. O registro da análise
é composto por uma rápida descrição do fragmento, acompanhada da identifica-
ção dos elementos estabelecidos para classificá-las quanto à abordagem de ASC.
Nesta etapa, cada fragmento foi incluído em tabela de análise (que, por questões
de espaço foram anexadas como material complementar) para serem classificados
como fragmentos com potencial para a abordagem de ASC aqueles que apresentam:
relação com um dos temas globais; uma controvérsia; e ao menos um dos critérios
de relevância social de abordagem sociocientífica.
A terceira etapa consiste na construção dos resultados de análise e é apresentada
no próximo item deste artigo. É importante salientar que a análise de conteúdo,
mesmo contando com os critérios de caracterização das categorias, depende da in-
terpretação do analista frente aos fragmentos do corpus analisado. Em razão disso,
serão apresentados os motivos que levaram à classificação proposta, após as tabelas
de apresentação dos resultados da categorização. Quanto às tabelas de categori-
zação, elas são, em analogia, como o caderno de campo ou de laboratório, ou seja,
servem de anotação para as observações da pesquisa. Por isso, para a compreensão
da análise de modo integral, é interessante combinar a tabela de análise (material
complementar) e as sínteses aqui apresentadas.
Ainda, além da categorização com os indicadores propostos, este estudo atribuiu
mais duas características àqueles fragmentos que foram classificados com potencial
para abordagem de ASC. São eles: o tipo de abordagem (pontual; temática; ou por
questionamento), de acordo com o apresentado por Santos (2002); e o tipo de con-
trovérsia (justificativa de escolha ou tomada de decisão), trazido em Stadler (2015)
e (OS AUTORES). O objetivo desse movimento foi trazer mais elementos para a
caracterização de possíveis práticas sociocientíficas em sala de aula.

Resultados e discussões

É importante esclarecer que a classificação demanda a construção de uma ta-


bela descritiva de todos os recortes das obras, o que acaba por produzir documentos
bastante extensos. Por isso, os resultados serão apresentados de maneira sucinta,
com o detalhamento de apenas alguns exemplos, por questão de espaço. Além dis-
so, é importante salientar que a intencionalidade no uso de recursos didáticos está
intimamente relacionada à prática docente, por isso indicamos que as obras têm

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potencial para a abordagem de ASC, que dependerá fortemente da maneira como


o professor irá empregá-lo em suas aulas.

Análise preliminar

Essa etapa teve por objetivo identificar possíveis recortes nas obras do corpus
para que a categorização possa ser feita em partes para, ao final, caracterizar a
obra por completo. A partir da análise preliminar foi possível perceber que, de forma
semelhante à análise dos livros destinados à primeira série do ensino médio (OS
AUTORES), as obras não possuem estritamente a mesma organização, tornando-se
novamente necessária a opção da comparação das obras como um todo, ao invés de
compará-las por fragmentos. Assim, as obras foram fragmentadas como relatado
abaixo, da mesma forma como foram divididas para a análise dos livros da primeira
série do ensino médio (OS AUTORES):
• O livro 1 (REIS, 2016) foi fragmentado em: seção de abertura da unidade;
seção de abertura do capítulo; seção de conteúdo e seção de encerramento
do capítulo.
• O livro 2 (MORTIMER; MACHADO, 2017 foi fragmentado em: seção de
abertura do capítulo e seção de conteúdo.
• O livro 3 (SANTOS; MÓL, 2016) foi fragmentado em seção de abertura,
seção de conteúdo e seção de encerramento do capítulo.
• O livro 4 (LISBOA, 2016) foi dividido em: seção de abertura da unidade;
seção de abertura do capítulo; seção de conteúdo e seção de encerramento
do capítulo (subdividida).
• O livro 5 (CISCATO et al., 2016), por sua vez, apresenta estrutura bastante
singular quando comparado com às outras obras, pois traz capítulos divididos
em temas, em contraste a unidades e capítulos. Sendo assim, a obra foi frag-
mentada em: seção de abertura do capítulo (subdividida), seção de conteúdo
do tema, seção de encerramento do tema e seção de encerramento do capítulo.
É importante sempre atentar-se para a relação entre os capítulos dessa obra
com as unidades das demais (que possuem) e dos temas com os capítulos.
• Finalmente, o livro 6 (NOVAIS; ANTUNES, 2016) foi fragmentado em seção
de abertura da unidade; seção de abertura do capítulo; seção de conteúdo,
seção de encerramento do capítulo e seção se encerramento da unidade.

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Como indicado em maiores detalhes em (OS AUTORES), a categorização conside-


rou, primeiramente, cada fragmento e, posteriormente, foi realizada a caracterização
da obra como um todo. Somente após a análise aprofundada das obras procedeu-se
com a comparação entre os livros.

Análise aprofundada

Nessa etapa foi feita a busca, em cada unidade de contexto e suas subdivisões,
dos indicadores empregados para caracterizar a potencialidade de abordagem de as-
pectos sociocientíficos. Nos quadros é feita uma breve descrição do fragmento (com a
indicação de página das ocorrências principais), acompanhada da descrição do tema
global (SANTOS, 2002), da controvérsia, com a tipificação (STADLER, 2015), o cri-
tério de relevância social de abordagem sociocientífica (SOBRINHO-FERNANDES,
2014), a tipificação da abordagem, caso contenha todos os elementos precedentes
(HALMENSCHLAGER; DELIZOICOV, 2017; SANTOS, 2002) e, se necessário, comen-
tários do analista. É importante salientar que a tipificação da abordagem não é um
indicador, mas é um dado importante para a inferência sobre como as atividades com
potencialidades para a abordagem de ASC poderiam ser trabalhadas em sala aula.
Em relação aos temas globais de Merrifield (SANTOS, 2002), sua escolha refere-
-se ao fato de que as obras promovidas pelo PNLD, assim como os exames de larga
escala (nos quais os temas foram estudados), são destinados a uma população muito
heterogênea, de modo que é necessário buscar elementos de relevância social que
sejam o mais abrangente possível. A questão da relevância é corroborada pelos cri-
térios de relevância social na abordagem sociocientífica (FERNANDES-SOBRINHO,
2014), que são empregados na caracterização da controvérsia em temos de relevância
social. Em relação ao critério de relevância que envolve problemas locais e globais,
considerou-se que os problemas locais se referiam a problemas com impacto em certa
região (não sendo necessariamente a região de residência dos consumidores da obra)
e problemas globais eram relacionados a problemas reconhecidos em escala global.
Para realizar a tipificação da controvérsia em tomada de decisão, avaliação / jus-
tificativa de escolha (STADLER, 2015), debate e prática social (os últimos incluídos
em função do resultado da etapa anterior), foram considerados que no primeiro caso,
deve-se escolher entre alternativas possíveis para a solução de problemas ou escolher
um lado de uma discussão para seguir, enquanto que no segundo caso, deve-se usar

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valores e análises de custo benefício para avaliar ou justificar uma decisão tomada por
outrem (STADLER, 2015). Para os debates, considerou-se questões que não tivessem
uma pergunta norteadora, apenas a instrução de debater um assunto e, em relação à
prática social, foram elencadas nessa categoria atividades que envolviam ações com
outros grupos, além da sala de aula, ou apresentação de seminários para os colegas.
A seguir serão caracterizadas, qualitativamente, todas as unidades de contexto
de cada obra, de acordo com a sistematizado nos quadros do documento complemen-
tar. Na indicação das páginas é colocada a página inicial da unidade de contexto,
que pode se estender por várias páginas.

Livros da segunda série do ensino médio

Inicialmente, foi feita a análise aprofundada de todos os livros da segunda série


do ensino médio, como descrito a seguir.

Livro 1: Reis (2016)


O quadro 1 sumariza as principais características das seções do livro 1 frente aos
critérios de categorização, baseado nos exemplos de fragmentos com características
de ASC retirados do material:
• Página 62: na seção de abertura da unidade 2, os alunos são provocados a
discutir as ações humanas frente a economia de água, com questionamentos
como “Por que não economizamos água e evitamos polui-la” e “Por que não
elaboramos um código florestal que proteja os mananciais e investimos na
despoluição e no tratamento de esgoto”. Essa atividade foi considerada po-
tencialmente ASC do tipo debate por meio de questionamentos, pois mobiliza
discussões sobre realização de escolhas baseadas em valores, está frequen-
temente divulgada na mídia, envolve problemas locais e globais, necessita
da avaliação de custo benefício de viés sustentável, que deve propor ideias
a serem realizadas ainda nessa geração.
• Página 139: No trabalho em equipe do box “De onde vem... para onde
vai?” Os alunos são levados a debater sobre o valor social dos diamantes
em relação ao seu valor comercial e ao custo social em razão da exploração
de trabalhadores. Por isso, foi considerada uma atividade potencial do tipo
debate por meio de questionamentos que envolvem formação de opinião e
realização de escolhas, baseadas em valores, que se destina a avaliar o custo
benefício desse problema que é divulgado pela mídia.

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• Na abertura e no box “Retomando a notícia” do capítulo 11, por meio do texto


“Tecnologia, consumo e dor”, os alunos são levados a discutir como os trabalha-
dores das minas são explorados para possibilitar os luxos tecnológicos e sobre
o motivo dessas informações nas Páginas 264 e 269 não serem amplamente
divulgadas na mídia. É uma atividade do tipo debate por meio de questionamen-
tos. A atividade envolve a formação de opiniões, pautada em valores, baseada
em avaliação de custo benefício e de risco, acerca de um problema local.
• Página 271: Na atividade de trabalho em equipe no box “De onde vem...
para onde vai?” Do capítulo 11, os alunos são estimulados a discutir sobre
as vantagens e desvantagens da reciclagem de alumínio e as implicações
sociais desse processo. Por ser uma atividade que envolve a formação de
opinião, pautada tanto no conhecimento científico, baseada em valores sobre
esse problema local de sustentabilidade, o qual é amplamente divulgado na
mídia, esse trecho foi classificado como uma atividade com potencial ASC
do tipo debate por questionamentos.

Quadro 1: Análise aprofundada do Livro 1
As aberturas das unidades são facilmente relacionadas com temas ambientais, mas não
apresentam elementos para a discussão ASC nos textos. Algumas podem ser complemen-
Organização do tadas para possibilitar tal discussão.
Livro As unidades de abertura do capítulo, exceto no caso no capítulo 1, estão relacionadas a te-
mas globais como contextualização, mas em geral não apresentam controvérsia, observada
apenas no capítulo 11 sobre condições de trabalho em minas.
Texto de O conteúdo é apresentado em texto corrido com alguns questionamentos sobre o cotidiano,
Conteúdo mas não aborda ASC.
Foi notícia: Todos os capítulos têm seção de
abertura com texto jornalístico facilmente re- De onde vem... Para onde vai?: apresenta-
lacionado relacionados a Temas Globais, Te- ção de matérias-primas, processos de ob-
mas Sociais ou Questões econômicas. Ape- tenção e uso de substâncias. Em geral não
nas o capítulo 11 aborda ASC, apresentado aborda ASC (exceto capítulo 2)
por meio de questionamentos
Retomando a notícia: apesar de ligadas aos
Saúde e sociedade: relação da Química
Conteúdo dos temas ambientais, não abordam ASC, exceto
com a saúde e a sociedade, mas não abor-
boxes nos capítulos 5 e 11, as quais foram feitas por
da questões controversas
meio de questionamentos
Compreendendo o Mundo: Em todos os ca-
Experimentos: Não presenta caráter de inves- pítulos foram trazidas questões ao final com
tigação, nem aborda questionamentos ASC ASC, mas que não podem ser discutidas
em sua totalidade com o conteúdo do livro
Curiosidade: Não apresenta questões con-
Cotidiano do químico: Não aborda ASC
troversas
Somente de exames de vestibulares / Enem, apresentados em vários momentos do capítu-
Exercícios
lo. Consideramos que não aborda ASC
Fonte: autoria própria, a partir de Reis (2016)

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Diante dos resultados das unidades de contexto é possível afirmar que o livro 1
(REIS, 2016) apresenta elementos relacionados a ASC, em sua maioria abordados
por questionamentos que não são tratados no livro de forma completa, ou seja, o
livro, sozinho, não contém todos os elementos necessários para uma discussão, os
quais deverão ser trazidos de outros meios. Todos os casos observados foram do
tipo debate, que dependerá muito da condução da atividade pelo professor para que
essa seja considerada efetivamente ASC. Também foi possível notar que o volume
2 apresenta menos potencial ASC que o primeiro (OS AUTORES).

Livro 2: Mortimer e Machado (2017)


O quadro 2 sumariza as principais características das seções do livro 2 frente
aos critérios de categorização. A partir da leitura aprofundada da obra, foi possível
localizar apenas um exemplo de atividade potencialmente sociocientífica na atividade
“Projeto” do capítulo 2 (p. 59). Nessa atividade, os alunos deveriam debater sobre
vantagens e desvantagem das fontes de energia mais comuns focando em impactos
sociais e ambientais. Desse modo, a atividade foi classificada como um debate por
meio de questionamentos que envolvem temas ambientais, questões econômicas e
temas sociais (corroborando com a sugestão desse novo tema). As discussões versa-
riam sobre a formação de opiniões, baseadas em valores e no conhecimento científico
sobre um problema local, divulgado pela mídia, de cunho sustentável, que envolve
a análise de custo-benefício.

Quadro 2: Análise aprofundada do Livro 2
A divisão dos capítulos é feita baseada fortemente nos conceitos científicos abordados, não
Organização do apresentando laços estreitos com temas ambientais (com exceção dos capítulos 1 e 2).
Livro
Apenas no projeto do capítulo 2 foi possível encontrar elementos para abordagem ASC
O conteúdo é apresentado em formato de texto corrido, complementado pelas informa-
Texto de Conteúdo
ções dos boxes, sem questionamentos
Além da Química: não aborda ASC Exercícios: Não aborda ASC
Um pouco de História: não aborda ASC Questões de exames: não aborda ASC
Reflexão: dificilmente trazem questões com
Cálculos: não aborda ASC
Conteúdo dos ASC
boxes e atividades
Na internet: (não foi citado, por não ofere-
Questões preliminares: não aborda ASC
cer questões ASC)
Investigação: dificilmente trazem questões Projeto: dificilmente trazem questões ASC
ASC (apenas capítulo 2)
Fonte: autoria própria, a partir de Mortimer e Machado (2017)

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 554-613, 2021 595

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Desse modo, tomando por base a análise nas descrições e no Quadro 2, foi possível
perceber que a obra não traz os elementos necessários para as discussões, apenas
propondo as atividades. O livro apresenta abordagem fortemente marcada pelo
estudo centrado no conceito científico, não explorando em profundidade questões
concernentes ao ASC. E que, como no caso anterior, há menos exemplos de atividades
potencialmente sociocientíficas que no volume 1 (OS AUTORES).

Livro 3: Santos e Mól (2016)


O quadro 3 sumariza as principais características das seções do livro 3 frente
aos critérios de categorização. Considerando os novos temas globais e tipos de abor-
dagem, a análise do volume dois dessa coleção apresentou os seguintes elementos
com potencialidade para discussão ASC:
• Páginas 23 e 36: O tópico 5 do texto de conteúdo do capítulo 1 é destinado à
discussão sobre os impactos sociais e ambientais do consumismo e a necessi-
dade de se pensar em consumo consciente. Assim como em casos do primeiro
volume, esse tipo de ocorrência é considerado como apresentando aborda-
gem temática, por abranger várias páginas e tópicos. Ao mobilizar todos os
critérios de referência, pois durante o texto são postos questionamentos e
provocações que levam à formação de opiniões sobre um tema divulgado e
de caráter sustentável acerca de análise de risco e de custo benefício calca-
das em valores e no conhecimento científico. As discussões do capítulo são
retomadas em debates por questionamentos nos boxes participação cidadã
e ação e cidadania.
• Página 45: Na atividade Tomada de decisão do capítulo 2, os alunos são
convidados a discutir e tomar decisão acerca da autorização da venda de
produtos químicos por autônomos. Por envolver a tomada de decisão, pautada
na análise de risco e custo benefício, essa atividade foi considerada como
uma tomada de decisão por questionamento.
• Páginas 100 e 106: No capítulo 3, novamente encontra-se um tópico do
texto de conteúdo que, com o auxílio das atividades “Participação cidadã”
e “Ação e cidadania” promovem a discussão ASC temática, por questiona-
mentos e pontual. Nesse caso, os alunos são estimulados a debater sobre
temas voltados à alimentação, dieta e hábitos alimentares, nas quais são
mobilizados todos os critérios.

596 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 554-613, 2021

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Análise de aspectos sociocientíficos em livros didáticos de química para a segunda e terceira séries do ensino médio

• Página 172: Nos boxes “Tomada de decisão” e “Questão sociocientífica” é


abordado o tema Natureza da Ciência. É proposto um debate sobre o papel
social dos cientistas (debate por questionamentos) e uma tomada de deci-
são (por questionamento) sobre a autonomia dos cientistas. A discussão foi
considerada como potencial de discussão de ASC, por envolver a formação
de opinião acerca dos riscos da autonomia científica.
• Página 246: Na atividade de Participação cidadã (capítulo 6) é propos-
to um debate sobre os tipos e fontes de combustíveis e suas vantagens e
desvantagens. É um tipo de debate por questionamentos, pois requisita a
formação de opinião, baseada em valores e no conhecimento científico, que
avalia risco e custo benefício acerca de um problema global no âmbito da
sustentabilidade, frequentemente divulgado pela mídia.
• Página 278: Ainda no capítulo 5, em outra atividade de “Participação
cidadã”, os alunos devem discutir sobre o impacto do uso de combustíveis
na poluição da atmosfera. Também é um debate por questionamentos, pois
requisita a formação de opinião, baseada em valores e no conhecimento
científico, que avalia risco e custo benefício acerca de um problema global
no âmbito da sustentabilidade, frequentemente divulgado pela mídia. De
forma a complementar essa atividade, há os boxes de “Tomadas de decisão”
(por questionamentos), que visam decidir se o aquecimento global é ou não é
causado por fontes antrópicas; e “Ação e cidadania”, que pretende promover
um debate pontual acerca de ações sociais do controle de poluição.

Quadro 3: Análise aprofundada do Livro 3


Os capítulos não têm abordagem temática porque o contexto social não é trabalhado
de forma contínua
Organização do Livro
As seções de abertura não abordam ASC. Temas ambientais, questões econômicas e
natureza da ciência foram mais citados
Todos os capítulos tinham tópicos de relação com temas ambientais. Os capítulos 1 e
Texto de Conteúdo
3 tinham possiblidade ASC nos textos
Construção do conhecimento: não
Pare e pense: não aborda ASC
aborda ASC
Atividade experimental: não aborda ASC História da ciência: não aborda ASC
Conteúdo dos Revisão para a prova: não aborda ASC Atitude sustentável: não aborda ASC
boxes e atividades Participação cidadã: sempre aborda ASC, Ação e cidadania: nem sempre aborda
mas não está presente em todos os capítulos ASC.
Tomada de decisão: sempre aborda ASC,
Exercícios: não aborda ASC
mas não está presente em todos os capítulos
Fonte: autoria própria, a partir de Santos e Mól (2016).

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Pode-se perceber que a obra se propõe a discutir os ASC e é possível observar a


presença de tomadas de decisão, de debates e de justificativas de maneira pontual
e por questionamentos, em boxes separados, e um caso de abordagem temática mais
abrangente em alguns capítulos. O texto de conteúdo traz tópicos de contextuali-
zação social que poderia suscitar a discussão de ASC, mas não são apresentadas
controvérsias no texto, embora elas sejam complementadas pelas atividades do
capítulo, enfatizando a abordagem temática.

Livro 4: Lisboa (2016)


O quadro 4 sumariza as principais características das seções do livro 4 frente
aos critérios de categorização. Após a etapa de análise aprofundada, foi novamente
verificado o acerte em propor a tipificação debate como melhoria dos tipos conside-
rados inicialmente. Na obra, encontrou-se os seguintes exemplos de atividades ASC:
• Página 27: No box “Química tem história”, os alunos são estimulados a
debater por meio de questionamentos, razões para justificar os estudos que
relacionam a concentração de gás carbônico com o aquecimento global. Nesse
sentido, a discussão mobiliza a formação de opiniões baseada em valores e
no conhecimento científico, sobre um problema global, divulgado pela mí-
dia, mas que envolve informações incompletas, de cunho sustentável, que
envolve a análise de custo-benefício e de risco e deve propor ações para as
gerações atuais.
• Página 69: Na atividade do box “Ciência, tecnologia e sociedade”, é apresen-
tada uma discussão sobre vantagens, desvantagens e impactos da produção
de biodiesel. Por evidenciar a formação de opiniões baseada em valores e no
conhecimento científico, sobre um problema global, divulgado pela mídia, de
cunho sustentável, que envolve a análise de custo-benefício, foi classificada
como uma atividade ASC do tipo debate por questionamentos.
• Página 125: No box “Química tem história”, os alunos são convidados a
debater sobre o que teria ocorrido se Haber não tivesse encontrado um
método para produção mais barata de amônia, indicando a discussão da
influência da ciência na sociedade. Por envolver a discussão sobre como o
conhecimento científico promove a diminuição do custo, a atividade foi tida
como um debate por questionamentos.

598 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 554-613, 2021

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• Página 246: Na seção de abertura do capítulo 13, são apresentados exem-


plos de aplicação da radiação na saúde e é proposto do debate sobre risco
e vantagens em sua utilização. O debate envolve a formação de opiniões,
baseada em valores e no conhecimento científico, que avalia o custo-bene-
fício e a análise de risco, indicando uma atividade ASC do tipo debate por
questionamento.

Quadro 4: Análise aprofundada do Livro 4


As unidades são divididas de acordo com o conteúdo químico. As seções de abertura
não trazem elementos que permitem empregar ASC
Organização do Livro
Os capítulos são organizados de acordo com o conteúdo químico e não favorecem
elementos para discussão ASC, com exceção dos capítulos 1, 6 e 13
O texto de conteúdo não apresenta questionamentos que levem à discussão ASC,
Texto de Conteúdo
apenas perguntas para averiguar o conhecimento prévio dos alunos
Química tem história: possibilidade ASC
Saiba mais: não aborda ASC
no capítulo 6
Ação e cidadania: embora apresentem
Você se lembra: não aborda ASC
contextualização, não aborda ASC
Química e...: embora apresentem contex-
Conteúdo dos Atividades: não aborda ASC
tualização, não aborda ASC
boxes e atividades
Ciência, Tecnologia e Sociedade: apre-
Enem e Vestibular: não aborda ASC senta contextualização e no capítulo 1
pode levar à discussão de ASC
Projeto: não aborda ASC, embora possam
Atividade experimental: não aborda ASC
ser considerados contextualizados.
Fonte: autoria própria, a partir de Lisboa (2016)

Com base nos elementos apresentados acima, conclui-se que, em contraste com
o primeiro volume (OS AUTORES), este volume apresentou possibilidades consis-
tentes de iniciar a discussão ASC, embora sejam restritas a questionamentos.

Livro 5: Ciscato et al. (2016)


O quadro 5 sumariza as principais características das seções do livro 5 frente aos
critérios de categorização, baseado nos exemplos de fragmentos com características
de ASC retirados do material:
• Página 63: Na atividade em grupo da seção de encerramento do capítulo
1, os alunos são convidados a discutir sobre o abastecimento de água na
cidade, meios de diminuir o consumo e possibilidades de obtenção de água,
abordando elementos sociais e econômicos como por exemplo: “Como essas
famílias contornam essa dificuldade [de falta de água]?” / “Que atitudes

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 554-613, 2021 599

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vocês poderiam tomar para diminuir o consumo de água? / “Quanto essa


pessoa gastou para criar essa solução? / “Quais os impactos positivos?”. Essa
atividade foi considerada potencialmente ASC do tipo prática social por meio
questionamentos, pois envolve a formação de opiniões, baseada em valores e
no conhecimento científico, sobre um problema global, amplamente divulgado
pela mídia, de cunho sustentável, que envolve a análise de custo-benefício
e de risco.

Quadro 5: Análise aprofundada do Livro 5


O livro se organiza por temas de contextualização, a seção de abertura da unidade é
Organização do bastante contextualizada, mas nunca controversa. Os trabalhos em grupo são mais
Livro passiveis de ASC
Os temas são organizados por conteúdos e não permitem abordagem de ASC
O texto de conteúdo não apresenta questionamentos que levem à discussão ASC,
Texto de Conteúdo
apenas pergunta para averiguar o conhecimento prévio dos alunos
Box genérico: sem potencial para Glossário: sem potencial para discussão de
discussão de ASC ASC
Conteúdo dos Atividade prática: sem potencial para Questões para fechamento do tema: sem
boxes e atividades discussão de ASC potencial para discussão de ASC
Exercícios finais: sem potencial para Atividades em grupo: sempre contextualiza-
discussão de ASC das, mas não abordam ASC
Fonte: autoria própria, a partir de Ciscato et al. (2016)

A partir da análise do segundo volume da obra, foi possível estabelecer que


o Livro 5 (CISCATO et al., 2016), apesar de ser organizado por temas e permitir
a contextualização do início ao fim dos capítulos, os momentos que teriam maior
potencial ASC permitem apenas abordagem pontual. O conteúdo em si continua
desconectado das problemáticas sociocientíficas.

Livro 6: Novais e Antunes (2016)


O quadro 6 sumariza as principais características das seções do livro 6 frente
aos critérios de categorização. Assim como nos casos anteriores, foi possível evi-
denciar a diminuição do número de ocorrências de atividades com potencial para
a discussão sociocientífica. Foram encontradas duas ocorrências complementares
(páginas 178 e 181) no box “Viagem no tempo” e na “Questão de encerramento”, que
também tratavam da questão da síntese da amônia, mas voltada às questões sociais
que possibilitaram essa descoberta. Por motivar a discussão acerca da formação de
opinião, da análise de riscos em relação ao problema local e global, a atividade foi
classificada como debate por questionamentos.

600 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 554-613, 2021

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Análise de aspectos sociocientíficos em livros didáticos de química para a segunda e terceira séries do ensino médio

Quadro 6: Análise aprofundada do Livro 6


A divisão dos capítulos é feita baseada fortemente nos conceitos científicos abordados,
Organização do não apresentando laços estreitos com temas globais
Livro Os principais temas foram saúde e população, questões econômicas e temas ambientais.
A possibilidade de ASC foi encontrada nos capítulos 2 e 10
O conteúdo é apresentado em formato de texto corrido complementado pelas informações
Texto de Conteúdo
dos boxes, há questionamentos, nunca controversos
Boxes: textos pequenos, sem perguntas,
Para situá-lo: Não aborda ASC
não aborda ASC
Química: prática e reflexão: Experimentos
e questões voltadas aos conceitos quími- Atividades: questões não abordam ASC
cos exclusivamente
Conteúdo dos
boxes e atividades Viagem no tempo: não aborda ASC, exce- Testando seus conhecimentos: não aborda
to no capítulo 2 ASC
Conexões: não aborda ASC Resgatando o que foi visto: não aborda ASC
Atividade de encerramento do capítulo: possibilidades de abordagem ASC nos capítulos
2 e 10
Fonte: autoria própria, a partir de Novaes e Antunes (2016)

Com base nas indicações feitas, é possível dizer que a obra apresenta poucos
elementos relacionados a ASC, por meio de questionamentos que não são tratados
no livro de forma completa, pois é requerida etapa de pesquisa externa.

Livros da terceira série do ensino médio

Em seguida, foi feita a análise aprofundada de todos os livros da terceira série


do ensino médio, como descrito a seguir.

Livro 1: Reis (2016)


O quadro 7 sumariza as principais características das seções do livro 1 frente aos
critérios de categorização, baseado nos exemplos de fragmentos com características
de ASC retirados do material:
• Página 77: Na seção de encerramento da Unidade 1, é proposta uma ati-
vidade sobre a escolha energética e o uso de inseticida, que podem levar à
discussão controversa com questões como “É possível trocar a frota para carros
elétricos? Quais os impactos?” e “É possível deixar de usar inseticidas? Quais
os impactos?”. Os alunos são convidados a debater sobre os temas, portanto,
o trecho foi considerado como possível promotor de ASC, por meio de ques-
tionamentos em atividades de debate, pois envolve a formação de opiniões,

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 554-613, 2021 601

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baseada em valores e no conhecimento científico, sobre um problema global,


amplamente divulgado pela mídia e de cunho sustentável, que envolve a
análise de custo-benefício.
• Página 96: O box “De onde vem... Para onde vai?” do capítulo 4 da unidade
2 fala sobre a produção de fenol e acetona. Neste é proposta uma atividade
de debate sobre vantagens e desvantagens da instalação de um polo petro-
químico na cidade, sendo o trecho caracterizado como potencial promotor
de discussão ASC por questionamento, pois envolve a formação de opiniões,
baseada em valores e no conhecimento científico, além de envolver a análise
de custo-benefício e de risco.
• Página 147: Na seção de encerramento da unidade 2 é apresentada uma
situação de debate, por meio de questionamento, sobre aspectos sociais e de
saúde relacionados ao uso de drogas. Sendo assim, o fragmento foi conside-
rado como sendo uma atividade com potencial de discussão sociocientífica,
pois envolve a formação de opiniões, baseada em valores e no conhecimento
científico, sobre um problema global, amplamente divulgada pela mídia, que
envolve a análise de risco.
• Página 148: Na seção de abertura da unidade 3, os alunos são convidados
a debater, por meio de questionamentos, sobre o comportamento humano
frente ao consumismo e ao esgotamento de recursos naturais, indicando uma
abordagem temática que deverá ser conduzida com o andamento da unidade
e envolve a formação de opiniões baseada em valores, sobre um problema
global, amplamente divulgado pela mídia, mas que envolve informações in-
completas, de cunho sustentável e que envolve a análise de custo-benefício,
além de propor ações para as gerações atuais.

602 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 554-613, 2021

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Quadro 7: Análise aprofundada do Livro 1


As aberturas das unidades são facilmente relacionadas com temas ambientais, mas não
apresentam elementos para a discussão ASC nos textos. Algumas podem ser complementa-
Organização do das para possibilitar tal discussão.
Livro As unidades de abertura do capítulo, exceto no caso no capítulo 1, estão relacionadas a te-
mas globais como contextualização, mas em geral não apresentam controvérsia, observada
apenas no capítulo 11, sobre condições de trabalho em minas.
Texto de O conteúdo é apresentado em texto corrido com alguns questionamentos sobre o cotidiano,
Conteúdo mas não apesenta ASC
Foi notícia: Todos os capítulos têm seção de
abertura com texto jornalístico facilmente re- De onde vem... Para onde vai?: apresentação
lacionado relacionados à Energia, Temas So- de matérias-primas, processos de obtenção e
ciais, Alimentos e Fome e Saúde e Popula- uso de substâncias. Não abordam ASC, exce-
ção. A sessão de abertura da unidade 3 indi- to no capítulo 4
ca abordagem temática sobre consumismo.
Retomando a notícia: apesar de ligadas aos
Saúde e sociedade: relação da Química com
temas ambientais, não abordam ASC, exce-
a saúde e sociedade, mas não são apresenta-
Conteúdo dos to nos capítulos 5 e 11, que foram feitas por
das questões controversas
boxes meio de questionamentos
Compreendendo o Mundo: Em todos os ca-
pítulos foram trazidas questões ao final que
Experimentos: Não apresenta caráter de in-
abordam ASC, mas que não podem ser dis-
vestigação, nem aborda questionamentos
cutidas em sua totalidade com o conteúdo do
ASC
livro, exceto nas unidades 1 (uso do petróleo)
e 2 (uso de drogas)
Curiosidade: Não apresenta questões contro-
Cotidiano do químico: Não aborda ASC
versas
Somente exercícios de exames vestibulares / Enem, apresentados em vários momentos do
Exercícios
capítulo. Consideramos que não aborda ASC
Fonte: autoria própria, a partir de Reis (2016)

Livro 2: Mortimer e Machado (2017)


O quadro 8 sumariza as principais características das seções do livro 2 frente
aos critérios de categorização. A partir da leitura aprofundada da obra, foi possível
localizar apenas um exemplo de atividade potencialmente sociocientífica na “Ativi-
dade reflexão” do capítulo 5 (página 227). Nesta, os alunos devem debater sobre as
ações de empresas e do governo para diminuir o consumo de embalagens plásticas
e quais as consequências sociais disso. Por isso, o trecho foi considerado potencial
promotor de discussão de ASC por meio de questionamentos, pois aborda a formação
de opiniões, baseada em valores e no conhecimento científico, sobre um problema
global, amplamente divulgado pela mídia, de cunho sustentável e que envolve a
análise de custo-benefício e de risco. Desse modo, é possível perceber que a obra não
traz os elementos necessários para as discussões, apenas propondo as atividades.

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 554-613, 2021 603

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Quadro 8: Análise aprofundada do Livro 2


Os títulos dos capítulos têm relação contextual com temas ambientais, temas sociais,
Organização do alimentos e fome, mas as atividades centram-se nos conhecimentos químicos
Livro Apenas no projeto do capítulo 5, na atividade de reflexão, há indícios de discussão ASC
sobre o consumismo
O conteúdo é apresentado em formato de texto corrido, complementado pelas informa-
Texto de Conteúdo
ções dos boxes, sem questionamentos
Além da Química: sem potencial para Exercícios: sem potencial para discussão de
discussão de ASC ASC
Um pouco de História: não aborda Questões de exames: sem potencial para dis-
ASC cussão de ASC
Conteúdo dos
Reflexão: dificilmente trazem questões que abor-
boxes e atividades Cálculos: não aborda ASC
dam ASC, exceto no capítulo 5, sobre consumo

Na internet: (não foi citado, por não Questões preliminares: sem potencial para
oferecer questões que abordem ASC) discussão de ASC
Projeto: não trazem questões que abordam ASC
Fonte: autoria própria, a partir de Mortimer e Machado (2017)

Livro 3: Santos e Mól (2016)


O quadro 9 sumariza as principais características das seções do livro 3 frente
aos critérios de categorização. Considerando os novos temas globais e tipos de abor-
dagem, a análise do volume três dessa coleção apresentou os seguintes elementos
com potencialidade para discussão ASC:
• Páginas 120: No box “Tomada de Decisão” do capítulo 3, os alunos devem
tomar partido, e justificar sua escolha, em relação a liberação do uso de
determinadas plantas medicinais, mesmo que sua extração em larga escala
provoque impactos ambientais. Foi considerado uma atividade promotora de
discussão de ASC por meio de questionamentos, do tipo tomada de decisão,
pois aborda a formação de opiniões, baseada em valores e no conhecimento
científico, sendo amplamente divulgado pela mídia, de cunho sustentável e
que envolve a análise de custo-benefício.
• Página 151: No box “Participação cidadã” do capítulo 4, os alunos devem
debater sobre a importância e os impactos relacionados a questões sociais,
econômicas e ambientais em relação a implementação de uma indústria quí-
mica na cidade. Foi considerada uma atividade com potencial para discussão
de ASC por meio de questionamentos, pois aborda formação de opiniões,
baseada em valores e no conhecimento científico, sobre um problema global,
de cunho sustentável e que envolve a análise de custo-benefício e de risco.

604 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 554-613, 2021

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• Página 188: No box “Participação cidadã” do capítulo 5, encontra-se uma


atividade que prevê que o debate sobre como a ciência, a tecnologia e a
sociedade se influenciam mutuamente para o desenvolvimento umas das
outras, possibilitando a discussão sobre a relações CTS (Ciência-Tecnolo-
gia-Sociedade). Assim, é considerada uma atividade de potencial discussão
ASC por meio de questionamentos, pois aborda o conhecimento científico e
possui cunho sustentável.
• Página 275: No box “Tomada de decisão” do capítulo 6, os alunos são con-
vidados a debater sobre as vantagens e desvantagens do uso de plásticos,
frente aos impactos sociais e ambientais, possibilitando discussões de ASC
por meio de questionamentos, pois aborda a formação de opiniões, baseada
em valores e no conhecimento científico, sobre um problema global, ampla-
mente divulgado pela mídia de cunho sustentável e que envolve a análise
de custo-benefício.

Quadro 9: Análise aprofundada do Livro 3


Os capítulos não têm abordagem temática porque o contexto social não é trabalhado de
Organização do forma contínua
Livro As seções de abertura não apresentam ASC. Temas ambientais, questões econômicas e
natureza da ciência foram mais citados
Texto de Todos os capítulos tinham tópicos de relação com temas globais. Os capítulos 3 a 6 ti-
Conteúdo nham possiblidades de abordagem ASC nos textos
Construção do conhecimento: não aborda
Pare e pense: não aborda ASC
ASC
Atividade experimental: sem potencial para História da ciência: sem potencial para dis-
discussão de ASC cussão de ASC
Revisão para a prova: sem potencial para Atitude sustentável: sem potencial para
Conteúdo dos discussão de ASC discussão de ASC
boxes e atividades Participação cidadã: geralmente aborda
ASC, mas não está presente em todos os Ação e cidadania: nem sempre aborda ASC.
capítulos
Tomada de decisão: sempre aborda ASC,
Exercícios: sem potencial para discussão
mas não está presente em todos os capí-
de ASC
tulos
Fonte: autoria própria, a partir de Santos e Mól (2016)

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 554-613, 2021 605

Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
João Paulo Stadler, Mariana da Silva Azevedo

Livro 4: Lisboa (2016)


O quadro 10 sumariza as principais características das seções do livro 4, frente
aos critérios de categorização. Após a etapa de análise aprofundada, foi novamente
verificado o acerte em propor a tipificação debate como melhoria dos tipos conside-
rados inicialmente. Na obra, encontrou-se os seguintes exemplos de atividades ASC:
• Página 100: No item “CTS” da seção de encerramento (capítulo 4, unidade 2),
os alunos são convidados a debater sobre a coerência entre as regras estipu-
ladas na lei seca frente ao comportamento do etanol no organismo, indicando
uma atividade que possibilita discussão ASC por meio de questionamento,
pois aborda a formação de opiniões, baseada em valores e no conhecimento
científico, sendo amplamente divulgado pela mídia, que envolve a análise
de risco.
• Página 187: No item “CTS” da seção de encerramento (capítulo 9, unidade
3), encontra-se uma atividade que prevê o debate sobre questões econômi-
cas e sociais frente a substituição do petróleo em função de seus impactos
ambientais e relações econômicas. Considerou-se uma atividade potencial-
mente promotora de discussão sociocientífica por meio de questionamentos,
pois aborda a formação de opiniões, baseada em valores e no conhecimento
científico, sobre um problema global, amplamente divulgado pela mídia, de
cunho sustentável e que envolve a análise de custo-benefício e de risco.
• Página 218: No item “CTS” da seção de encerramento (capítulo 10, unidade
3) é proposta a discussão sobre a importância de ações de geração de renda
em relação à reciclagem de óleo para a produção de sabão. Foi considerada
uma atividade promotora de discussão sociocientífica, pois aborda a forma-
ção de opiniões, baseada no conhecimento científico, de cunho sustentável
e que envolve a análise de custo-benefício.

606 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 554-613, 2021

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Análise de aspectos sociocientíficos em livros didáticos de química para a segunda e terceira séries do ensino médio

Quadro 10: Análise aprofundada do Livro 4


As unidades são divididas de acordo com o conteúdo químico. As seções de abertura não
Organização do trazem elementos que permitem empregar ASC
Livro Os capítulos são organizados de acordo com o conteúdo químico e não fornecem elemen-
tos para discussão ASC. Com exceção dos capítulos 4, 9 e 10
Texto de O texto de conteúdo não apresenta questionamentos que levem à discussão ASC, apenas
Conteúdo pergunta para averiguar o conhecimento prévio dos alunos
Saiba mais: sem potencial para discussão
Química tem história: não aborda ASC
de ASC
Você se lembra: sem potencial para dis- Ação e cidadania: embora apresentem
cussão de ASC contextualização, não aborda ASC
Química e...: embora apresentem contex-
Atividades: sem potencial para discussão
Conteúdo dos tualização, sem potencial para discussão
de ASC
boxes e atividades de ASC
Ciência, Tecnologia e Sociedade: apresen-
Enem e Vestibular: sem potencial para
ta contextualização nos capítulos 4, 9 e 10
discussão de ASC
que podem levar à discussão de ASC
Atividade experimental: sem potencial para Projeto: não aborda ASC, embora possam
discussão de ASC ser considerados contextualizados.
Fonte: autoria própria, a partir de Lisboa (2016)

Livro 5: Ciscato et al. (2016)


O quadro 11 sumariza as principais características das seções do livro 5 frente
aos critérios de categorização. Este foi o único livro no qual não foram encontrados
trechos que pudessem ser considerados como promotores de discussão controversa,
por não estabelecerem claramente questionamentos, textos ou temas de caráter
controverso.

Quadro 11: Análise aprofundada do Livro 5


O livro se organiza por temas de contextualização, a seção de abertura da unidade é
Organização do bastante contextualizada, mas nunca controversa. Os trabalhos em grupo são mais
Livro passiveis de ASC
Os temas são organizados por conteúdos que não permitem ASC
O texto de conteúdo não apresenta questionamentos que levem à discussão ASC,
Texto de Conteúdo
apenas pergunta para averiguar o conhecimento prévio dos alunos
Box genérico: sem potencial para discus- Glossário: sem potencial para discussão
são de ASC de ASC
Conteúdo dos Atividade prática: sem potencial para Questões para fechamento do tema: sem
boxes e atividades discussão de ASC potencial para discussão de ASC
Exercícios finais: sem potencial para dis- Atividades em grupo: sempre contextuali-
cussão de ASC zadas, mas não aborda ASC
Fonte: autoria própria, a partir de Ciscato et al. (2016)

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Livro 6: Novais e Antunes (2016)


O quadro 12 sumariza as principais características das seções do livro 6 frente
aos critérios de categorização, baseado nos exemplos de fragmentos com caracte-
rísticas de ASC retirados do material:
• Página 30: No box Conexões (capítulo 1, unidade 1), é proposto um debate
sobre o papel das mulheres na ciência e na sociedade e maneiras de comba-
ter a discriminação de gênero. Por isso, foi considerada uma atividade com
potencial de promoção de ASC, pois aborda a formação de opiniões, baseada
em valores, sobre um problema global, amplamente divulgado pela mídia.
• Página 133: Nas atividades do capítulo 4 (unidade 2) é proposto um debate
sobre o consumo social de álcool e a legislação sobre a lei seca em relação
ao comportamento social e à saúde humana. A atividade foi considerada
com potencial de discussão controvertida por meio de questionamentos,
pois aborda a formação de opiniões, baseada em valores e no conhecimento
científico, sobre um problema global, amplamente divulgado pela mídia, que
envolve a análise de risco.

Quadro 12: Análise aprofundada do Livro 6


A divisão dos capítulos é feita baseada fortemente nos conceitos científicos abordados,
Organização do não apresentando laços estreitos com temas globais
Livro Os principais temas foram saúde e população, questões econômicas e temas ambien-
tais. A possibilidade de ASC foi encontrada nos capítulos 1 e 4
O conteúdo é apresentado em formato de texto corrido complementado pelas informa-
Texto de Conteúdo
ções dos boxes. Há questionamento, porém nunca controversos
Para situá-lo: sem potencial para discus- Boxes: textos pequenos, sem perguntas,
são de ASC sem potencial para discussão de ASC
Química: prática e reflexão: Experimen-
Atividades: sem potencial para discussão de
tos e questões voltadas aos conceitos
ASC
Conteúdo dos químicos exclusivamente
boxes e atividades Viagem no tempo: não aborda ASC, ex- Testando seus conhecimentos: sem poten-
ceto no capítulo 2 cial para discussão de ASC
Conexões: possibilidade de abordagem Resgatando o que foi visto: sem potencial
ASC no capítulo 1 para discussão de ASC
Atividade de encerramento do capítulo: possibilidades de ASC no capítulo 4
Fonte: autoria própria, a partir de Novaes e Antunes (2016)

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Análise de aspectos sociocientíficos em livros didáticos de química para a segunda e terceira séries do ensino médio

Análise geral das obras

Diante dos resultados das unidades de contexto, é possível afirmar que a coleção
“Química” (REIS, 2016), no conjunto dos três volumes, apresenta poucos elementos
relacionados a ASC, em sua maioria abordados por questionamentos que não são
tratados no livro de forma completa. Foram observados casos de abordagem temática
no início de algumas seções, mas a discussão de ASC não foi estimulada do conjunto
do livro. É possível verificar a presença de perguntas isoladas que poderiam ser
motivadores da discussão ASC, mas sem o embasamento no restante da obra. Infe-
re-se que um professor adotante dessa obra não tenha elementos suficientes para
abordar ASC. Para a composição desta análise geral, foram empregados os dados
da análise dos livros destinados à primeira série apresentado em artigo anterior
(OS AUTORES).
Considerando os três volumes da coleção “Química” (MORTIMER; MACHADO,
2017), é possível perceber que a obra apresenta poucos elementos relacionados a
ASC, em sua maioria abordados por questionamentos que não são tratados no livro
de forma completa. O livro apresenta abordagem fortemente marcada pelo estudo
centrado no conceito científico, não explorando em profundidade questões concer-
nentes aos ASC, embora haja relação com contextualização com temas globais.
Foi possível concluir, após a análise dos três volumes da coleção “Química Cida-
dã” (SANTOS; MÓL, 2016), que esta se propõe a discutir ASC e é possível observar a
presença de tomadas de decisão de debates de maneira pontual e por questionamen-
tos em boxes separados. O texto de conteúdo traz tópicos de contextualização social
que poderia suscitar a discussão de ASC, mas não são apresentadas controvérsias
no texto. Em alguns casos, as atividades poderão tornar-se discussões de ASC ou
apenas informações.
Levando em consideração as análises dos três volumes da coleção “Ser Prota-
gonista – Química” (LISBOA, 2016), percebe-se que o livro não apresenta subsídios
para a discussão de ASC, traz poucos elementos potencialmente controversos e
poucas vezes aborda temas que podem ser, se conduzidos pelo professor, discutidos
de forma sociocientífica.
A partir da análise aprofundada dos três volumes da coleção “Química” (CIS-
CATO et al., 2016), foi possível estabelecer que apesar do livro ser organizado por
temas que levam a contextualização do início ao fim dos capítulos, os momentos que

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teriam maior potencial ASC permitem apenas abordagem pontual. O conteúdo em


si apresenta-se desconectado de problemáticas sociocientíficas.
Com base nas análises aprofundadas dos volumes da coleção “Vivá – Quími-
ca” (NOVAIS; ANTUNES, 2016) é possível observar que a obra apresenta poucos
elementos relacionados a ASC, em sua maioria abordados por questionamentos
que não são tratados no livro de forma completa. Foi observado um novo tema que
poderia ser considerado: o uso da linguagem científica vs. comum. A obra em si não
sustenta a discussão, que deveria ser fomentada pelo professor.
Além disso, é possível perceber que, em termos de fragmentos ASC, as obras dos
mesmos autores não são semelhantes em relação a frequência desses trechos, pois
observa-se uma diminuição da presença de elementos potenciais da primeira para
a segunda e da segunda para a terceira série na maioria dos casos, exceto no livro
“Ser Protagonista – Química” (LISBOA, 2016) que, embora apresente diminuição
de articulação com temas globais na terceira série, apresenta mais fragmentos com
potencial ASC nesta série.
Outro ponto importante é a articulação com temas globais que também é dife-
rente entre obras de mesmos autores, em diferentes séries, e em diferentes obras
para a mesma série. Infere-se que esta constatação evidencia ainda mais a impor-
tância em se empreender processos intencionais e cuidadosos de escolha de livros
didáticos pelos docentes.
Por fim, foi possível evidenciar que a obra Química Cidadã (SANTOS; MÓL,
2016), como esperado, é a que apresenta maior incidência de temas globais e frag-
mentos que podem conduzir a uma abordagem ASC em sala de aula. As obras “Quí-
mica” (REIS, 2016) e “Vivá – Química” (NOVAIS; ANTUNES, 2016) apresentaram
similaridade quanto a quantidade de elementos relacionados a temas globais e
potencial ASC em cada série, assim como o tipo de abordagem.

Considerações finais

A análise das obras é extremamente importante para apresentar potencialida-


des para a abordagem ASC em livros didáticos do ensino médio, bem como para a
divulgação aos professores sobre quais volumes ou obras possuem mais fragmentos
com potencial de discussão de ASC. Inicialmente, os autores analisaram os volumes
das primeiras séries do ensino médio, inferindo que, embora todas as obras tenham

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Análise de aspectos sociocientíficos em livros didáticos de química para a segunda e terceira séries do ensino médio

apresentado fragmentos com potencial de fomentar a discussão sociocientífica, os


livros não trazem todas as informações necessárias para a discussão controvertida
(OS AUTORES). Além disso, constatou-se a necessidade de aumentar a quantidade
de temas de contexto e tipos de abordagem para abarcar os exemplos contidos nos
livros. Posteriormente, para a análise dos volumes da segunda e terceira séries do
ensino médio, foi confirmada a importância da inclusão dos elementos sugeridos
na etapa anterior, como novos temas globais e tipos de controvérsia, sendo estes
relevantes para a classificação dos livros.
Em geral, a análise dos livros da segunda série do ensino médio apresentou
menos fragmentos com potencial de abordagem ASC. Esta percepção pode estar
relacionada aos conteúdos químicos abordados. Infelizmente, os conteúdos de físi-
co-química parecem reduzir as inserções de ASC, embora os autores acreditem que
eles podem ser trabalhados com a mesma abordagem. Para exemplificar, podem
ser relacionadas questões sobre a escolha de combustíveis com base em seu calor
de combustão, problematizar os tipos de materiais empregados em pilhas e seu im-
pacto ambiental e possibilidades de reciclagem ou ainda, compreender a utilização
de estabilizantes químicos para o aumento da vida de prateleira de alimentos com
base na cinética de degradação.
À guisa de consideração das coleções, é possível perceber que, de certa forma, a
maioria as obras tem algum potencial de fomentar discussões ASC em sala de aula,
mas que os livros não trazem todos os elementos necessários para que a discussão
da controvérsia se desenvolva, fato que dependerá dos professores e alunos. Como o
esperado, a obra com maior incidência, ainda que não na maioria de suas unidades
de contexto, é a obra Química Cidadã (SANTOS; MÓL, 2016) por ser construída
nessa abordagem. Espera-se que este estudo contribua para reflexão dos professo-
res de Química no momento de escolha dos livros didáticos aprovados pelo PNLD.
Este estudo, considerando a classificação de todas aos 18 obras (vide OS
AUTORES) ainda contribuiu para melhorar os trabalhos usados como referencial
no que diz respeito aos temas de relevância, ao aumentar o rol de possibilidades
a partir dos temas globais apresentados por Merryfield (1991 apud SANTOS,
2002) para materiais de larga escala. E na tipificação da controvérsia apresentada
por Stadler (2005), apresentando mais possibilidades de atividades envolvendo a
abordagem de ASC e como continuação deste trabalho, os professores do LADIEC
pretendem estender essa análise a livros de Biologia e Física, integrantes da área

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de Ciências da Natureza, além da avaliar a possibilidade deste tipo da abordagem


em sala de aula.

Analysis of socio-scientific issues in chemistry textbooks used


in high school

Abstract

The investigation of distinct possibilities of using the textbook in the classroom occurs for the
importance of this didactic resource, promoted by the National Textbook Program (PNLD). The
approach of Socio-scientific Aspects (ASC), among the various conceptions of teaching Chemis-
try, uses a contextualization based on socially relevant themes mobilized by the discussion of
controversies, based on scientific knowledge. Thus, investigating ASC in Chemistry textbooks
can help teachers to use this teaching concept. It centered this research on the analysis of books
of special Chemistry to the second and third grade of high school by PNLD. The method used
was a content analysis based on the indicators: global theme, presence of controversy and
classification criteria to classify the texts in potential promoters of socio-scientific case. Subse-
quently, the approach and the controversy oriented were delimited. An analysis of high school
second grade books showed few fragments with the potential for ASC approach. In addition, it
is possible to observe that most works have some potential to promote ASC in the classroom,
but the books do not provide all the basic elements for the discussion of the controversy to de-
velop, a fact that will depend on teachers and students. As expected, the work with the highest
incidence, although not in most of its context units, is the work “Química Cidadã”, for being built
on this approach.

Keywords: Socio-scientific issues; Textbooks, PNLD, Science Teaching.

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612 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 554-613, 2021

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Análise de aspectos sociocientíficos em livros didáticos de química para a segunda e terceira séries do ensino médio

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Carla Busato Zandavalli, Lilian Andressa Oliveira Olegário, Brenda Tavella Oliveira

Cartas à Paulo Freire: (des)esperança


de professores(as) em tempos
desinteressantes1
Carla Busato Zandavalli*, Lilian Andressa Oliveira Olegário**, Brenda Tavella Oliveira***

Resumo
O artigo retrata uma experiência pedagógica realizada no âmbito da disciplina de Teorias de
Aprendizagem, em um Curso de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências, de uma insti-
tuição pública federal de Mato Grosso do Sul. Foi solicitada aos pós-graduandos a escrita de
uma carta respondendo a uma das três Cartas presentes na obra “Pedagogia da Indignação:
Cartas pedagógicas e outros escritos”, de Paulo Freire. A atividade objetivou analisar a situação
atual de vida e formação dos professores, tomando como pressuposto a teoria freiriana, por
meio do gênero textual preferido de Freire: as cartas. Participaram da atividade 18 mestrandos,
a maioria professores convocados em redes públicas de ensino, que ministram disciplinas de
Biologia, Química, Física e/ou atuam nos anos iniciais do ensino fundamental, como profes-
sores regentes. A análise das cartas foi feita por meio da análise categorial de Bardin (2016),
observando-se a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados, a infe-
rência e a interpretação. Na exploração do material, primeiramente foi analisado o conjunto das
informações, buscando-se categorias, unidades de registro e sua frequência e, na sequência,
foram agrupadas em três grupos, tendo como referência a carta de Freire respondida pelos(as)
mestrandos(as). Foram identificadas as seguintes categorias: Paulo Freire, Educação, Esperan-
ça, Desesperança/medo; Mudanças/transformações; Democracia/democratização; Consciência
Humana; Professores/educadores; Alunos/ estudantes/crianças/ jovens; Riscos/perdas. Os diá-
logos dos(as) mestrandos(as) com o autor, por meio das cartas, denotaram a compreensão de
aspectos centrais da Pedagogia e da Epistemologia de Freire. As cartas denotam o desenvol-
vimento mais acentuado da consciência crítica dos(as) mestrandos(as), mediante a análise da
complexa realidade vivida por eles(as) e a compreensão e aplicação das categorias centrais da
obra de Freire, o que permite concluir que os objetivos da atividade foram alcançados.

Palavras-chave: Formação Continuada de Professores. Ensino de Ciências. Mestrado Profis-


sional. Paulo Freire.

*
Professora da Faculdade de Educação e dos Programas de Mestrado em Educação/CPTL e de Ensino de Ciências,
da UFMS. Campo Grande, MS, Brasil. [email protected]
**
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências da UFMS. Campo Grande, MS, Brasil. lillianliz@
gmail.com
***
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências da UFMS. Campo Grande, MS, Brasil. brendatavella@
hotmail.com

Recebido em: 01/08/2020; Aceito em: 01/03/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11523
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

614 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 614-645, 2021

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Cartas à Paulo Freire: (des)esperança de professores(as) em tempos desinteressantes

Introdução
Até bem pouco atrás
Poderíamos mudar o mundo
Quem roubou nossa coragem?
Legião Urbana2

A motivação da escrita desse artigo nasceu de uma atividade desenvolvida no


âmbito da disciplina de Teorias da Aprendizagem, no Mestrado de Ensino de Ciên-
cias, de uma instituição pública federal de Mato Grosso do Sul. Na referida disciplina
são trabalhadas as teorias da aprendizagem relevantes para o ensino de ciências
e, entre elas, a teoria de Paulo Freire, uma das mais utilizadas e reconhecidas na
área (RICARDO, 2003; AULER; DELIZOICOV, 2006 ; GALIETA NASCIMENTO;
VON LINSINGEN, 2006; SANTOS, 2007; AULER, 2013; ZAUITH; HAYASHI, 2013;
LORENZETTI, 2018; LAYRARGUES, 2018).
Ao longo da disciplina foram estudadas as seguintes obras de Paulo Freire:
Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de
Paulo Freire (FREIRE, 1979), Educação e Mudança (FREIRE, 1984), Pedagogia do
Oprimido (FREIRE, 1988), Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa (FREIRE, 1996), Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos (FREIRE, 2000).
Na atividade realizada em junho de 2019 foi solicitado aos(às) mestrandos(as)
que, após a leitura das três cartas presentes na obra “Pedagogia da Indignação:
Cartas pedagógicas e outros escritos”, escolhessem uma carta e respondessem a
Paulo Freire, tomando como lume a situação atual de vida e formação dos profes-
sores. Essa é a última obra de Paulo Freire publicada postumamente, a partir dos
esforços de Ana Maria Araújo Freire, sua esposa, em reunir seus últimos escritos.
O objetivo da atividade foi o de analisar a situação atual de vida e formação
dos professores, tomando como pressuposto a teoria freiriana e por meio do gênero
textual preferido de Paulo Freire: as cartas.
Neste artigo buscou-se analisar as cartas elaboradas pelos(as) mestrandos(as),
para identificar a percepção dos(as) mesmos(as) e a presença e importância das
concepções, e categorias trazidas por Paulo Freire.
Participaram da atividade dezoito (18) mestrandos(as). Como se trata de Mestra-
do Profissional, a maioria são professores(as), atuando nas redes públicas municipal

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Carla Busato Zandavalli, Lilian Andressa Oliveira Olegário, Brenda Tavella Oliveira

e/ou estadual dos Estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e São Paulo. Em
razão do perfil do Curso, atuam nas disciplinas de Física, Química e Biologia nos
anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, bem como são professores
dos anos iniciais do ensino fundamental.
A atividade suscitou discussões sobre a situação de des(esperança) que profes-
sores e professoras das redes pública e privada vivem no Brasil hoje, bem como a
necessidade de refletir sobre a natureza das políticas públicas de formação inicial
e continuada dos professores.
Este artigo, portanto, contempla, tanto o relato de uma experiência pedagógi-
ca, quanto a análise teórica das informações trazidas pelos estudantes-professores
acerca das políticas educacionais atuais e das dificuldades crescentes que vêm
enfrentando. A análise das cartas escritas à Paulo Freire foi realizada por meio da
Análise de Conteúdo de Bardin (2016).
Foi realizada inicialmente a pré-análise, com a definição do material, ou seja,
as 18 cartas escritas a Paulo Freire. Na leitura flutuante as cartas foram lidas
inicialmente sem agrupamentos e depois, agrupadas, conforme a carta de Paulo
Freire escolhida pelos(as) mestrandos(as). Não houve delimitação de amostra, foi
tomado o conjunto das cartas, considerando-se que todas eram representativas do
grupo de mestrandos(as), que também são professores(as) da educação básica. Na
sequência foram formulados hipóteses e objetivos acerca da percepção dos(as) mes-
trandos(as) em relação às cartas de Freire, mas especialmente, à situação atual de
vida e formação dos professores. Na exploração do material, foram identificadas,
inicialmente, as categorias que emergiram do conjunto das cartas, suas unidades
de registro e frequência e depois, na análise agrupada, foram tomadas as respostas
a cada uma das três cartas. Mediante esse conjunto de informações foram feitas as
inferências e a interpretação, observando-se a emergência das mesmas categorias
e que coincidem com aspectos centrais da obra de Freire.
Nos itens a seguir são descritas as três cartas de Paulo Freire, seguidas da
contextualização da situação de vida e de atuação dos(as) mestrandos(as), das
respostas dadas pelos(as) mestrandos(as) à carta escolhida e respectivas análises.

As cartas de Paulo Freire

As três cartas de Paulo Freire tratam de situações concretas da vida cotidiana,


discutidas a partir da ótica da democracia, da ideologia e da ação política dos cida-

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Cartas à Paulo Freire: (des)esperança de professores(as) em tempos desinteressantes

dãos(ãs). São cartas que tratam de esperança, da possibilidade de se fazer escolhas


e do caráter ético das escolhas e ações, em uma linguagem dialógica.
Na primeira carta, em que explicita o espírito do livro, Paulo Freire manifesta
sua vontade em escrever uma obra que pudesse interessar a pais, mães, filhos e
filhas, professores e professoras, em uma escrita leve e que permitisse refletir acerca
dos desafios das práticas docentes e das possibilidades de respostas aos mesmos.
Freire analisa as mudanças radicais ocorridas na sociedade e a distância cultu-
ral colocada para os membros de uma mesma família, frutos de tempos diferentes
e transformações cada vez mais dinâmicas. Indica como essa distância é motor de
conflitos, mas ao mesmo tempo de inovação e mudança. Salienta a importância de
homens e mulheres assumirem o risco do novo, entenderem os processos de mudanças
e as possibilidades de diversidade de escolhas no campo da política, dos costumes,
do gosto estético, das artes, da moral, da sexualidade, da linguagem, das estruturas
de poder da sociedade, tendo clareza que tais mudanças são refreadas pelas forças
retrógadas que atuam no meio social. Defende a necessidade de que a presença das
pessoas no mundo não seja neutra, nem de mera adaptação, mas marcada por escolhas
e criticidade, como também por limites, necessários às práticas sociais e democráticas:
[...]. É porque podemos transformar o mundo, que estamos com ele e com outros.
Não teríamos ultrapassado o nível de pura adaptação ao mundo se não tivéssemos
alcançado a possibilidade de, pensando na própria adaptação, nos servir dela para
programar a transformação. É por isso que uma educação progressista jamais pode
em casa ou na escola, em nome da ordem e da disciplina, castrar a altivez do educan-
do, sua capacidade de opor-se e impor-lhe um quietismo negador do seu ser. É por
isso que devo trabalhar a unidade entre meu discurso, minha ação e a utopia que
me move. É neste sentido que devo aproveitar toda oportunidade para testemunhar
o meu compromisso com a realização de um mundo melhor, mais justo, menos feio,
mais substantivamente democrático. É neste sentido também que é importante su-
blinhar à criança que, zangada, não importa por que, esperneia e agride quem dela se
aproxima, com ponta-pés, há limites reguladores de nossa vontade quanto estimular
a necessidade de autonomia ou de auto-afirmação a uma criança tímida ou inibida.
É preciso inclusive, deixar claro, em discursos lúcidos e em práticas democráticas,
que a vontade só se autentica na ação de sujeitos que assumem seus limites. A von-
tade ilimitada é a vontade despótica, negadora de outras vontades e, rigorosamente,
de si mesma. É a vontade ilícita dos “donos do mundo” que, egoístas e arbitrários, só
se vêem a si mesmos. (FREIRE, 2000, p. 33-34, grifos do autor).

Freire fala da relação dialética entre liberdade e autoridade, na qual se esta-


belece “[...] uma autoridade ciosa de seus limites em relação com uma liberdade
zelosa igualmente de seus limites e de suas possibilidades”. (FREIRE, 2000, p. 35).

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Carla Busato Zandavalli, Lilian Andressa Oliveira Olegário, Brenda Tavella Oliveira

O autor dirige essa reflexão apontando a “tirania da liberdade” a qual algumas


famílias se submetem ao não oferecer limites mínimos aos seus filhos. Em tempos
desinteressantes, essa reflexão pode ser extrapolada também à liberdade ilimitada
com que algumas esferas do poder político e econômico trabalham, blindadas pelo
apoio de parcela da população, agindo “em nome do povo”, mas em torno de decisões,
escolhas e palpites meramente pessoais, sem sustentação da legislação vigente e,
especialmente, dos preceitos constitucionais.
Freire trata, ainda, da importância da educação na medida em que os sujeitos
percebem o mundo e a realidade humana como construções humanas mutáveis
e se percebem enquanto sujeitos aptos a operarem tais mudanças, a defenderem
projetos, sonhos e utopias.
Destaca a carga ideológica dos discursos fatalistas que sustentam a impossi-
bilidade das mudanças, advinda dos interesses para a manutenção do existente,
mesmo que injusto e desigual, ou da acomodação de quem fraqueja movido pela
desesperança e diferencia essas origens:
Mas, é importante enfatizar que há uma diferença fundamental entre quem se
acomoda perdidamente desesperançado, submetido de tal maneira à asfixia da
necessidade, que inviabiliza a aventura da liberdade e a luta por ela, e quem tem,
no discurso da acomodação, um instrumento eficaz de sua luta – a de obstaculizar a
mudança. O primeiro é o oprimido sem horizonte; o segundo, o opressor impenitente.
Esta é uma das razões por que o alfabetizador progressista não pode contentar-se
com o ensino da leitura e da escrita que dê as costas desdenhosamente à leitura do
mundo. (FREIRE, 2000, p. 41).

O autor acentua, ainda, a importância, em uma prática pedagógica progressista,


que o(a) educador(a) ensine rigorosamente os conteúdos, mas desafie o(a) estudante
“[...] a pensar criticamente a realidade social, política e histórica em que é uma pre-
sença”. (FREIRE, 2000, p. 44). Da mesma forma, reclama a necessidade de haver
coerência entre a ação do(a) educador(a) e seu discurso ou proposições.
Observa que a mudança requer coragem, rebeldia, vontade e esperança em
relação ao futuro, pois sem esperança não se vence os limites postos pelo outro ou
por nós mesmos. Na esteira da esperança retoma os objetivos das cartas, os de
desafiar pais, mães, professores, professoras, operários e estudantes a refletirem
sobre o papel que cabe a cada um na construção e aperfeiçoamento da democracia
entre nós (FREIRE, 2000).

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Cartas à Paulo Freire: (des)esperança de professores(as) em tempos desinteressantes

Discute a necessidade de superar a democracia formal, que aceita e alimenta


desigualdades ou a democracia fundada na ética do mercado, movida pelo lucro e
não pela ética.
Na segunda carta intitulada “Do direito e do dever de mudar o mundo”, Freire
(2000) reafirma a importância de que todos tenham clareza da possibilidade da mu-
dança e das dificuldades em operá-las em face aos condicionantes sociais, políticos
e econômicos. Trata essa relação dialética como “sonhos e contra sonhos”.
Salienta que a opção por um posicionamento progressista deve se manifestar,
com coerência, em qualquer função ou lugar, na defesa indefectível ao respeito
ao(à) outro(a) e à sua dignidade, à sua possibilidade de ser no mundo. O que signi-
fica recusar posições fatalistas que auferem poderes determinantes a um ou outro
condicionante (social, político, econômico, religioso...), sem negar a sua existência.
Nas palavras do autor:
Se as estruturas econômicas, na verdade, me dominam de maneira tão senhorial, se,
moldando meu pensar, me fazem objeto dócil de sua força, como explicar a luta política,
mas, sobretudo, como fazê-la e em nome de quê? Para mim, em nome da ética, obvia-
mente, não a ética do mercado, mas da ética universal do ser humano, para mim, em
nome da necessária transformação da sociedade de que decorra a superação das injus-
tiças desumanizantes. E tudo isso porque, condicionado pelas estruturas econômicas,
não sou, porém, por elas determinado. Se não é possível desconhecer, de um lado, que
é nas condições materiais da sociedade que se gestam a luta e as transformações polí-
ticas, não é possível, de outro, negar a importância fundamental da subjetividade na
história. [...] Para mim, não é possível falar de subjetividade a não ser se compreendida
em sua dialética relação com a objetividade. [...]. (FREIRE, 2000, p. 57).

Afirma que a subjetividade só pode ser efetivamente compreendida em sua relação


dialética com a objetividade, a partir de uma concepção não mecanicista de história,
seja de direita ou de esquerda. Considera que apenas nessa percepção se expressa
efetivamente a importância da educação, a ser vivida como prática educativa radical,
estimuladora da curiosidade crítica, da busca pela razão de ser dos fatos. Afirma ainda,
que a capacidade de pensar, refletir, indagar, duvidar... deve ser um direito assegurado
às crianças, bem como a o direito de aprender a decidir com ações concretas.
Exemplifica a experiência do movimento dos Sem-Terra no Brasil, como ex-
pressão viva da crença no poder das utopias e da transformação. E manifesta como
seria positivo se outras categorias excluídas socialmente também se organizassem
e marchassem em busca de efetiva igualdade, por ser “A marcha esperançosa dos
que sabem que mudar é possível” (FREIRE, 2000, p. 61).

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Na terceira carta “Do assassinato de Galdino Jesus dos Santos – índio pataxó”,
que ficou inconclusa, Freire analisa a coisificação das pessoas e a soberania do valor
de mercado, a partir do assassinato cruel do índio pataxó que dormia num terminal
de ônibus em Brasília, realizado por adolescentes de classe média. Procura refletir
acerca dos lugares de vida e educação desses jovens e da brutalidade de sua escolha
em “brincar de matar gente” e retoma as ideias da primeira carta na qual trata do
risco da ausência do limite social, o uso indiscriminado de uma liberdade sem res-
ponsabilidade dada a filhos de certas camadas socioeconômicas. Analisa a construção
de valores desses jovens com base na ética do mercado, na qual a vida de alguém
vale pelo que se ganha no mês e destaca a urgência em se lutar por princípios de
uma ética universal que valorize a vida de seres humanos, animais, plantas.
A conclusão do texto inconcluso é essencial e, dada a sua atualidade, vale citá-la:
Não é possível refazer este país, democratizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brin-
cando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor.
Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade
muda.
Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da equi-
dade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e
não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente a nossa opção.
Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que fizemos e o que fazemos.
Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os
outros, discriminado o índio, o negro, a mulher não estarei ajudando meus filhos a
ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros... (FREIRE, 2000, p. 67).

As cartas, escritas em 1997 e complementadas por Ana Maria, que contextua-


liza esses momentos, fazem menções a situações desse momento histórico, mas
continuam cada vez mais necessárias, pois parecem antecipar reflexões úteis aos
momentos intranquilos dos anos 2000.

O contexto gerador das respostas

Para analisar o teor das cartas e as reflexões trazidas pelos(as) mestrandos(as),


antes é essencial compreender quem são e de qual lugar falam.
Os(as) mestrandos(as) são predominantemente do sexo feminino (77,7%) e
jovens, já que 77,7 % se encontram nas faixas etárias de 20 a 36 anos (Tabela 1),
idade média de 30,6 anos e moda 25 anos.

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Tabela 1: Faixas etárias dos(as) mestrandos(as) participantes do estudo


Faixas etárias 20 a 25 anos 26 a 30 anos 31 a 36 anos 37 a 40 anos 41 a 45 anos Total
Quantidade 5 6 3 1 3 18
% 27,7 33,3 16,7 5,6 16,7 100
Fonte: Dados da pesquisa.

A maioria dos participantes é da cor/raça branca (77,7%), seguida da parda


(16,7%) e da indígena (5,6%). Essa distribuição difere um pouco da distribuição da
população brasileira, dados do último Censo (Tabela 2) e da distribuição de profes-
sores no Brasil (Tabela 3), mas não da composição no ensino superior brasileiro,
que continua sendo majoritariamente branca.

Tabela 2: Distribuição da população brasileira segundo declaração de raça/cor – Brasil – 2010


Branca Preta Parda Amarela Indígena Não Declarada
Ano Total
N % N % N % N % N % N %
2010 190.755.799 91.051.646 47,7 14.517.961 7,6 82.277.333 43,1 2.084.288 1,1 817.963 0,4 6.608 0,003
Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico, 2010.

Tabela 3: Professores por raça/cor e etapa de ensino – Brasil – 2009/2013/2017


Branca Preta Parda Amarela Indígena Não declarada
Ano Total
N % N % N % N % N % N %
2009 1.857.278 712.089 38,3 54.248 2,9 365.967 19,7 10.374 0,6 6.926 0,4 707.674 38,1
2013 2.017.071 862.151 42,7 78.104 3,9 487.641 24,2 11.482 0,6 10.114 0,5 567.579 28,1
2017 2.078.910 872.435 42,0 84.934 4,1 524.078 25,2 14.352 0,7 12.738 0,6 570.373 27,4
Fonte: Carvalho (2018, p. 22).

Franco e Cunha (2015), ao analisarem o perfil dos estudantes das Instituições


Federais de Educação Superior (IFES), apontam para um decréscimo gradativo da
raça/cor branca, no período de 2004 a 2014, e o crescimento dos pardos e pretos, o
que demonstra o avanço propiciado pela política de cotas, embora ainda os estu-
dantes das IFES sejam majoritariamente brancos (45,67%).

Tabela 4: Distribuição dos graduandos segundo cor ou raça em 2004, 2010 e 2014 (Em %)
Cor ou raça Graduandos Ifes (2004)1 Graduandos Ifes (2010)1 Graduandos Ifes (2014)2
Sem declaração 0,00 0,00 3,78
Amarela 4,50 3,06 2,34
Branca 59,40 53,93 45,67
Parda 28,30 32,08 37,75
Pretos 5,90 8,72 9,82
Indígenas 2,00 0,93 0,64
Fonte: Franco e Cunha (2015) a partir de dados do Fonaprace (2004, 2010); Cepes (2014).
Notas: 1 Pesquisas Fonaprace 2004 e 2010. 2 Cálculos dos autores, com base nos microdados do Cepes (2014).

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Quanto à formação dos participantes do estudo, a maioria (72,2%) possui Li-


cenciatura em Ciências Biológicas ou Biologia; 11,1% Licenciatura em Química,
11,1% Pedagogia, 5,6% Bacharelado e Licenciatura em Ciências Biológicas. Entre
os participantes, 100% não cursaram outro Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu.
Os(as) mestrandos(as) residem e atuam, predominantemente (89%), em Mato
Grosso do Sul, sendo 72% em Campo Grande, a capital do Estado e local em que é
ofertado o curso, 5,6% em Miranda, 5,6% em Bela Vista e 5,6% em Coxim. Municípios
de áreas diferentes no estado. Há dois mestrandos(as) de estados vizinhos, sendo
5,6% do Estado de São Paulo, município de Pindamonhangaba e 5,6% do Estado de
Mato Grosso, município de Campo Verde. Vale destacar que há uma aluna de etnia
indígena, moradora de uma aldeia em Miranda, que é professora da escola da aldeia
e a primeira indígena formada em Biologia em Mato Grosso do Sul.
Em relação à atuação profissional, 88,8% são professores(as), 5,6% professor(a) e
técnico(a) em laboratório; 5,6% apenas técnico(a) em laboratório. Entre os docentes
66,6% são professores(as) de Ciências Biológicas e Biologia; 11,1% professores(as)
de Química; 11,1% professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental e 5,6%
atuam como técnico(a) na Secretária de Estado de Educação do Mato Grosso do Sul.
Quanto à rede de ensino, 55,6% dos professores atuam na rede Estadual, 33,3%
na rede municipal, 16,7% na rede privada3, observando-se que 16,7% atuam em
mais de uma rede de ensino.
Sobre a liberação do trabalho para licença de estudos, 72,2% não tiveram qual-
quer tipo de liberação, 27,8% tiveram liberação parcial. Ou seja, 100% não tiveram
liberação total. Outro fator a se destacar é que os cursos de mestrado profissional
não contam com bolsas por parte do CNPq.
Com relação ao regime de trabalho, 16,7% são concursados(as) e 83,3% convo-
cados ou contratados, percentual bastante superior à média nacional indicada por
Carvalho (2018), que aponta para o ingresso de mais de 50% dos professores por
meio concurso público nas redes públicas de ensino.
Esse dado mostra a piora das condições de trabalho dos professores em Mato
Grosso do Sul, pois as convocações não garantem direitos trabalhistas, sendo os
professores convocados em janeiro ou fevereiro, na rede municipal de Campo Grande
são demitidos no período das férias, portanto, deixam de receber salários ao longo do
ano. Em alguns governos as férias são pagas parceladamente ao longo dos contratos,
mas há variações. Gatti (apud CARVALHO, 2018, p. 52), ratifica essa percepção:

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A grande quantidade de vínculos temporários, com ligeira tendência de crescimento,


demonstra, na verdade, uma distorção no sistema de ensino, pois expressa a preca-
rização do vínculo de trabalho para esses profissionais. Eles têm as mesmas respon-
sabilidades dos profissionais concursados, mas com salários menores e sem direito a
formações continuadas e outros benefícios da carreira de docentes[...].

No momento em que foi feita a coleta de informações, em 2019, os(as) mestran-


dos(as) docentes estavam atuando 40 horas ou mais e buscando meios alternativos
para a participação nas aulas do mestrado, dadas as dificuldades em compatibilizar
trabalho e formação continuada.
Os dados dos(as) mestrandos(as) com atuação docente corroboram, em boa parte,
o perfil do professor da educação básica no Brasil, elaborado por Carvalho (2018) no
âmbito do IPEA, com dados extraídos do Censo da Educação Básica dos anos 2009,
2013 e 2017, analisando características demográficas, do contexto de trabalho e da
formação do docente:
O estudo demonstrou que os professores típicos brasileiros em 2017 são mulheres
(81%), de raça/cor branca (42%) ou parda (25,2%), com idade média de 41 anos, aloca-
das, prioritariamente, nas etapas iniciais da educação básica. Uma minoria declarou
ser portadora de necessidades especiais (0,31% em 2017). A escolaridade do professor
é predominantemente de nível superior em todas as etapas de ensino – sendo que
a maior parte é em licenciatura. Dos graduados, 36% são portadores de títulos de
pós-graduação lato ou stricto sensu. A maior parte dos professores é concursada e
leciona em apenas uma escola, 38% em uma única turma e 40% ministra uma única
disciplina. (CARVALHO, 2018, p. 5).

Os aspectos divergentes ficam por conta da média de idade, que é menor entre
os participantes do estudo, bem como o fato da maioria ser convocada e atuar em
mais de uma escola.
As condições de trabalho nas redes públicas de Mato Grosso do Sul vêm pioran-
do gradativamente nos últimos anos, observando-se em 2019, ações que trouxeram
maior instabilidade aos docentes.
Em 10 de julho de 2019, o governo do estado de Mato Grosso do Sul, sancio-
nou a Lei Complementar nº 266, que altera, acrescenta e revoga dispositivos à
Lei Complementar nº 87, de 31 de janeiro de 2000, que dispõe sobre o Estatuto
dos Profissionais da Educação Básica do Estado de Mato Grosso do Sul. Entre as
principais alterações, a Lei previu que os processos de convocação de professores,
obedeçam à classificação de um Banco de Reserva de Profissionais para a Função
Docente temporária, sendo esse banco constituído por meio de processo seletivo

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 614-645, 2021 623

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simplificado, regido por edital específico, abrangendo prova objetiva, de caráter


eliminatório, versando sobre conhecimentos gerais e pedagógicos; e análise curri-
cular, de caráter classificatório, a qual será realizada por intermédio de pontuação
de títulos, conforme estabelecido em regulamento próprio.
Outra mudança refere-se à ampliação do prazo da convocação do profissional
para 1 (um) ano, admitida a prorrogação, não ultrapassando 2 (dois) anos, pois
após esse período o candidato deve submeter-se novamente a processo seletivo.
Mas a mudança mais significativa foi relativa à diminuição/o da remuneração dos
convocados em cerca de 30%, permitida a partir do artigo 17-B:
Art. 17-B. A remuneração a ser paga ao profissional convocado para 40 (quarenta)
horas semanais será estabelecida em tabela própria a ser fixada em regulamento
observadas as seguintes condicionantes:
I - o valor da remuneração não será inferior ao Piso Nacional;
II - a remuneração será prevista de forma escalonada, de acordo com o grau de qua-
lificação do profissional convocado;
III - não se aplicará aos profissionais convocados a tabela remuneratória
vigente para os Profissionais da Educação Básica.
Parágrafo único. Na hipótese de a convocação ser inferior a 40 (quarenta)
horas semanais, o valor da remuneração será calculado proporcionalmente.
(NR). (MATO GROSSO DO SUL, 2019, p. 2, grifo nosso).

Na rede municipal de ensino de Campo Grande as licenças para estudo aos


profissionais da educação passaram a ser negadas a partir de 2019, sendo proibido
aos Diretores das Escolas afastamento da escola para atividades que não sejam
coordenadas pela Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande (SEMED).
Outro fato complicador foi o fechamento de laboratórios de ciências na maioria das
escolas, sendo mantidos apenas os situados em escolas de tempo integral.
Esse cenário de instabilidade local, nas redes municipal e estadual, se soma às
dificuldades observadas no âmbito federal, em significativa piora a partir de 2019.
Um quadro que traz maior angústia aos docentes, especialmente aos convocados,
que precisam buscar, a cada semestre, ou mesmo antes do seu fim, a tentativa
de manutenção e/ou ampliação da carga horária de trabalho. Essa instabilidade
também gera fraturas importantes na mobilização sindical e na possibilidade de
reivindicações da categoria docente.
Parte desses aspectos aparecem nas respostas às cartas a Paulo Freire, descri-
tas a seguir.

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Cartas à Paulo Freire: (des)esperança de professores(as) em tempos desinteressantes

As respostas à Paulo Freire

As cartas dos mestrandos, escritas em 2019, ou seja, 22 anos após a escrita de


Paulo Freire, atenderam à solicitação da atividade, pois são efetivamente cartas,
trazem uma linguagem dialógica, de conversa entre sujeitos históricos e sociais.
Elas estão marcadas pela denúncia da situação difícil que a educação e os edu-
cadores estão passando, pelo reconhecimento da importância das ideias do autor
para a educação e a sociedade brasileira e pela incredulidade acerca das críticas
recentes à sua obra. Outro aspecto presente em muitas cartas é a esperança que os
escritos trazem aos educadores em momentos difíceis.
Na Tabela 5 são expostas as categorias, unidades de registro e frequências4
(BARDIN, 2016) das informações obtidas no conjunto das cartas, para analisar
aspectos mais globais. Entre as categorias foram identificadas: Paulo Freire, Edu-
cação, Esperança, Desesperança/medo; Mudanças/transformações; Democracia/
democratização; Consciência Humana; Professores/educadores; Alunos/ estudantes/
crianças/ jovens; Riscos/perdas.

Tabela 5: Categorias, unidades de registro e frequências das cartas à Paulo Freire


(continua...)
Categorias Unidades de registro Frequência
Mudanças; mudar o mundo 15
Exemplo; referência; admiração; legado 8
Contribuições; incentivos 7
Paulo Freire/ Humildade; ponderação; sabedoria; autenticidade; solidariedade 6
Freire/ Reflexão 5
Paulo Esperança; sonho 5
Método 5
Coragem; recusa ao fatalismo 3
Luta pela democratização de ensino 1
Subtotal 55
Escolas; salas de aula 8
Educação crítica; ação progressista; educação transformadora; radical; questionadora;
6
estimulante
Superação das injustiças; futuro do país; cidadania; 3
Educação
Conceitos; conteúdos 3
Sonho; sonho embasado historicamente 3
Autonomia humana; capacidade de pensar, conjecturar, decidir, projetar, sonhar 2
Passa seu pior momento; atacada a todo instante 2
Subtotal 27
Esperança nas mudanças 2
Esperança Educação vale a pena 1
Contra-sonhos 1
Subtotal 4

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 614-645, 2021 625

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Momentos tenebrosos; tempos sombrios; tempos difíceis; tempos nebulosos 5


O século XXI assombra, traz medos e incertezas; época turbulenta, de extremos 2
Desânimo 1
Desesperança/
Negligência 1
Medo
Falta de esperança 1
Incertezas do rumo educacional do país 1
A opressão ainda impera no nosso país 1
Subtotal 12
Lutas intensificadas; lutas pelos direitos; lutas pela democracia 16
Sonhos; projetos 4
Brasil 4
Mudanças/
Justiça; igualdade 2
Transformações
Utopia 1
Desafios 1
Autenticidade 1
Subtotal 29
Liberdade; escolha e decisão 2
Movimentos sociais 1
Democracia/ Minorias 1
Democratização Resistência às desigualdades 1
Responsabilidade humana coletiva 1
Eticidade 1
Educação igualitária 1
Subtotal 8
Reflexão/refletir 4
Criticidade/consciência crítica; avaliação crítica do ambiente em que está inserido 3
Consciência Consciência da incompletude 1
humana Ideias 1
Consciência de classe 1
Oprimido 1
Subtotal 11
Comprometidos com a educação, mundo, realidade, justiça; não podem ser meros
3
transmissores de conteúdos programáticos
Professores(as)/ Exilados dentro do nosso país; exilados dentro das cercas ideológicas violentas 2
Educadores(as) Desesperançados; acomodados; oprimidos 2
“Doutrinadores” 1
Retirar as vendas colocadas nos alunos 1
Subtotal 9
Devem ser estimulados pelos professores a pensar criticamente e superar a postura
3
fatalista; requerem uma formação que estimule
Não possuem consciência de classe; “objetos” dentro da sociedade; falta de coragem
3
Aluno/estudante/ dada pela situação econômica e social
Crianças/jovens Vivência democrática; ainda têm sede de mudanças 2
Tirania da liberdade; dar amor é dar limites 2
Devem ter direito à educação 1
Individualistas e competitivos 1
Subtotal 12
Guerra ideológica; polarização; intensificação da alienação; ridicularização da consci-
5
ência crítica
Retirada de direitos; enfraquecimento da luta social; perdas de conquistas de movi-
3
Riscos/perdas mentos sociais
Perda de vidas; perdas da democracia; perda da liberdade de expressão 3
Elite maximizadora de injustiças 1
Escola sem partido 1
Subtotal 13
Total geral 180
Fonte: Cartas a Paulo Freire
Nota: Tabela elaborada pelos autores

626 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 614-645, 2021

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Cartas à Paulo Freire: (des)esperança de professores(as) em tempos desinteressantes

As unidades de registro vinculadas à categoria “Paulo Freire” são todas de caráter


positivo e podem ser agrupadas em três núcleos: a) transformação - A capacidade
de mudar o mundo; a esperança, o sonho; coragem; a recusa ao fatalismo; reflexão;
b) exemplo de vida e referência - Exemplo; referência; admiração; legado; Contri-
buições; incentivos; Humildade; ponderação; sabedoria; autenticidade; solidariedade;
c) dimensão pedagógica – Método; Luta pela democratização de ensino.
A categoria “Educação”, aparece diretamente relacionada à educação formal, ao
ensino, algo compreensível dado o perfil dos(as) mestrandos(as), predominantemente
professores(as) de educação básica. A caracterização desejada para essa educação
está vinculada à função social da educação/escola, vista como “futuro do país”, meio
de superação das injustiças e constituição da cidadania, meio para o desenvolvimento
da autonomia humana e das capacidades de pensar, conjecturar, decidir, projetar,
sonhar. Almejam, assim, uma educação freiriana: “crítica, progressista, transforma-
dora, radical, questionadora, estimulante”, mas também relacionada aos conceitos
e conteúdos. Dado o contexto autoritário e desfavorável à educação, indicam que
ela passa seu pior momento, é atacada a todo instante. Mas também atrelam a
ela as unidades de registro: “sonho” e “sonho embasado historicamente”, ou seja,
a esperança no futuro e na transformação também em uma dimensão freiriana.
A categoria “Esperança” embora apareça representada por poucas unidades de
registro, “esperança nas mudanças”, “contra-sonhos”, está presente enquanto senti-
do em todas as cartas, especialmente ligada à categoria “educação”, que é colocada
como motor de mudanças sociais e possibilidade efetiva de transformação do mundo
e das pessoas. Essa categoria está bastante representada no pensamento de Freire,
especialmente na sua defesa pelo caráter utópico da educação. Na obra “Pedagogia
da Autonomia”, Freire (2001, p. 80-81) afirma que o ato de ensinar exige alegria e
esperança, indicando a esperança como uma base epistêmica do ser humano:
Há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança. A es-
perança de que o professor e alunos juntos podemos aprender, ensinar, inquietar-nos,
produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos à nossa alegria. Na verdade, do
ponto de vista da natureza humana, esperança não é algo que a ela se justaponha. A
esperança faz parte da natureza humana. Seria uma contradição se, inacabado e cons-
ciente do inacabamento, primeiro, o ser humano não se inscrevesse ou não se achasse
predisposto a participar de um movimento constante de busca e, segundo, se buscasse
sem esperança. [...] A esperança é um condimento indispensável à experiência histórica.
Sem ela, não haveria História, mas puro determinismo. Só há História onde há tempo
problematizado e não pré-dado. A inexorabilidade do futuro é a negação da História.

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Num sentido antitético, ao mesmo tempo que os mestrandos situaram a esperan-


ça como algo essencial, apontam de maneira bastante contundente a “Desperança” e
o “Medo”, em um momento histórico que caracterizam como: “Momentos tenebrosos;
tempos sombrios; tempos difíceis; tempos nebulosos”. Apontam que “o século XXI
assombra”, traz medos e incertezas, situando-o como uma época turbulenta, de ex-
tremos. Nesse contexto difícil em que situam as incertezas do rumo educacional do
país, marcado pela opressão e negligência, apontam os traços da desesperança e do
desânimo. A palavra medo aparece sete vezes em textos diferentes e articulada, ou
seja, com coocorrências das expressões já indicadas: “Momentos tenebrosos; tempos
sombrios; tempos difíceis; tempos nebulosos”. Sobre a desesperança Freire (2001,
p. 81, grifo do autor) declara:
É preciso ficar claro que a desesperança não é maneira de estar sendo natural do ser
humano, mas distorção da esperança. Eu não sou primeiro num ser da desesperança
a ser convertido ou não pela esperança. Eu sou, pelo contrário, um ser da esperança
que, por “n” razões, se tornou desesperançado. Daí que uma das nossas brigas como
seres humanos deva ser dada no sentido de diminuir as razões objetivas para a de-
sesperança que nos imobiliza.

Em Pedagogia do Oprimido, Freire (1988) destaca o “medo da liberdade” ma-


nifestado por pessoas em processos de alfabetização ou cursos de capacitação, que
indicam os perigos da conscientização como expressão dos processos de opressão
pelos quais passam, dos quais decorre a consciência ingênua, carregada pelo medo e
pela inconsciência da força, do potencial de mudança que cada ser humano carrega.
O medo para Freire está diretamente ligado ao contexto e às práticas da opressão.
Algo que os(as) mestrandos(as), enquanto professores(as), estão sentindo profun-
damente e manifestando nas cartas, nesses tempos de desvalorização e agressões
contínuas à educação, ao conhecimento, à arte, à cultura e à ciência.
Na categoria “Mudanças/Transformações”, os(as) mestrandos(as) manifestam a
importância e necessidade, em face aos perigos e riscos de tempos difíceis, da inten-
sificação das lutas pelos direitos e pela democracia. Ou seja, a necessidade de não
fugir aos desafios, de constituir utopias, para a manutenção dos sonhos e projetos,
num Brasil em que extrema direita ganhou destaque e voz por representar ideias
conservadoras de uma parcela da população, que não é a sua maioria, mas que se
porta como tal. São categorias que expressam diretamente as obras de Freire, em
especial, as informações trazidas em “Educação e Mudança”, na qual o autor situa

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a educação como elemento central da mudança social, na medida em que instru-


mentaliza os sujeitos sociais para atuar no meio e transformá-lo. (FREIRE, 1984).
A categoria “democracia/democratização” está articulada às mudanças e trans-
formações, pois traz unidades de registro que apontam para a resistência à opressão
atual: “resistência às desigualdades”; “movimentos sociais”; “minorias”; “liberdade”;
“escolha e decisão”. Aponta como caminhos democráticos a responsabilidade humana
coletiva, a eticidade e a educação igualitária.
A categoria “consciência humana” presente nas cartas dos(as) mestrandos(as) é
um dos pontos centrais da teoria de Freire, que toma a educação como um processo de
conscientização. Ele apresenta três estados de consciência: consciência intransitiva;
transitiva e crítica. As duas primeiras são consciências ingênuas, ou seja, analisam
a realidade de modo simplista, com conclusões superficiais ou apressadas, tendem
a aceitar as formas gregárias de massificadoras de comportamento, não valorizam
a ciência, pois se contentam com explicações “mágicas”; partem do pressuposto que
sabem tudo, sem manifestar fundamentos para a sua argumentação; apresentam
forte conteúdo passional e percepção estática, não mutável da realidade (FREIRE,
1984, p. 40). Esse estado de consciência parece ter sido retomado na sociedade con-
temporânea nos últimos anos e tem florescido nas redes sociais e mídias, acompa-
nhado das Fake news5 e da chamada “pós-verdade” (PRIOLLI, 2017). Caracteriza
muito bem as manifestações da extrema direita em diferentes locais do mundo.
A consciência crítica é apresentada por Freire com características opostas: busca
a análise de problemas em profundidade e toma a realidade como mutável; procura
embasar seu pensamento na ciência, buscando a verificação e testagem dos fatos;
não reconhece verdades absolutas; repele posições de acomodação; é indagadora,
investigativa, dialógica (FREIRE, 1984, p. 41). É nessa percepção que a categoria
“consciência humana” é abordada nas cartas pelos(as) mestrandos(as), que a apro-
ximam da reflexão, da criticidade, da consciência de classe; da consciência de sua
própria incompletude, que aparecem como unidades de registro.
Sobre a reflexão, vale lembrar as palavras de Freire (1984, p. 16): “A primeira
condição para que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz
de agir e refletir”.
Na categoria “professores(as)/educadores(as)” os(as) mestrandos(as) apontam
polos positivos e negativos. No polo negativo constam as unidades de registro: “De-
sesperançados; acomodados; oprimidos”; “Exilados dentro do nosso país; exilados

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dentro das cercas ideológicas violentas”, aparece, ainda, a expressão “doutrinadores”,


algo bastante defendido pelo movimento “Escola sem partido”. Essas unidades de
registro refletem a situação atual de polarização ideológica e ataque aos educadores.
No polo positivo, salientam-se educadores(as) em uma perspectiva progressista,
libertadora: “Comprometidos com a educação, mundo, realidade, justiça; não podem
ser meros transmissores de conteúdos programáticos”, interessados em “retirar as
vendas colocadas nos alunos”.
Na categoria “aluno/estudante/crianças/jovens” também se manifestam polos
positivos e negativos. No polo positivo, os(as) estudantes são apontados como aqueles
que ainda têm sede de mudanças e vivência democrática, sujeitos que devem ter
direito à educação, devem ser estimulados pelos professores a pensar criticamente
e superar a postura fatalista; requerem uma formação que os estimulem. Já no
polo negativo, são vistos, genericamente, como portadores de um estado de cons-
ciência ingênua, ou seja, não possuem consciência de classe; são “objetos” dentro
da sociedade; apresentam falta de coragem dada pela situação econômica e social.
Há outro aspecto que é trazido em relação à educação das crianças pequenas, é a
“tirania da liberdade” – expressão de Freire - havendo menção da imobilidade dos
pais em face aos desejos e imposições dos filhos e a observação de que dar amor é
dar limites. Essa última percepção se coaduna muito com trechos da primeira Carta
Pedagógica em que Freire discute o delicado limite entre autoridade e liberdade e
questiona que as crianças não aprenderão democracia na licenciosidade, assim como
não aprenderão a decidir, se lhes for negada a palavra. Defende então:
[...] É vivendo com lucidez a tensa relação entre autoridade e liberdade que ambas
descobrem não serem necessariamente antagônicas uma da outra.
É a partir deste aprendizado que ambas se comprometem na prática educativa com o
sonho democrático de uma autoridade ciosa de seus limites em relação com uma liber-
dade zelosa igualmente de seus limites e de suas possibilidades. (FREIRE, 1984, p. 35).

A categoria “riscos/perdas” não apresenta polo positivo, mas acentua os aspec-


tos negativos vivenciados pelos(as) mestrandos(as), algo já colocado parcialmente
em outras categorias, especialmente em “desesperança e medo”. As unidades de
registro denunciam situações presentes em 2019, quando foram elaboradas as
cartas e, infelizmente, agudizadas desde então: “guerra ideológica; polarização”;
“intensificação da alienação”; “ridicularização da consciência crítica”; “retirada de
direitos; enfraquecimento da luta social”; “perdas de conquistas de movimentos

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sociais”; “perda de vidas; perdas da democracia; perda da liberdade de expressão”;


“elite maximizadora de injustiças” e “Escola sem partido”.
Essa análise global das cartas aponta para a ciência dos(as) mestrandos(as) em
relação aos problemas contemporâneos e como afetam seu fazer, sua identidade e
sua existência. Mas também a presença de uma consciência crítica que defende o
caráter transformador e utópico da educação, a possibilidade de mudar o mundo,
ou seja, a percepção freiriana, que permite aos mesmos terem sonhos e esperança.
Em uma análise posterior, as cartas foram subdivididas e identificadas por
letras e números, C (carta), A (carta 01), B (Carta 2), C (Carta 3), D (Carta não
identificada), os números indicam a quantidade de cartas de cada categoria6. Nessa
análise buscou-se identificar as unidades de contexto, com a análise de fragmentos
dos textos.
A primeira carta foi respondida por sete mestrandos (CA01 a CA07), a segunda
por outros sete mestrandos (CB01 a CB07), a terceira por um mestrando (CC01).
Nas três cartas restantes (CD01 a CD03), não há referência de resposta à uma carta
em especial, mas comentários gerais sobre as ideias de Freire.
Em nove delas há agradecimentos ao autor e reconhecimento da importância e
validade da sua obra. Alguns apontados abaixo:
Querido Paulo Freire, acabo de ler a sua primeira carta, do seu livro Pedagogia da Indig-
nação e fico impressionada com a sua capacidade de provocar reflexões tão valiosas e
oportunas para os nossos dias. [...]. [CA01].

É um privilégio ter a oportunidade de ler tuas cartas tão precisas e exatas, sem dúvidas
tu és um homem de grande sabedoria que deixou marcas históricas na vida de muitas
pessoas. [CA04].

As suas obras nos levam à uma reflexão, pois já vivemos momentos tenebrosos e nunca
se perdeu a esperança de mudanças. Eu agradeço a sua grande contribuição para a
minha formação enquanto cidadão e professor. Obrigado! [CA06].

Caro Paulo Freire!

Já começo te agradecendo as contribuições nas cartas. [CA07].

Reafirmo o encantamento ao ler seus escritos e digo que o exemplo dado sobre o Movi-
mento dos Sem-Terra, quanto ao seu determinismo e respeito pelo outro em suas lutas,
descrevendo a intenção destes em transformar o mundo para todos, desacreditados no
‘fatalismo neoliberal’ como ‘neobobismo’, reacende em nós a esperança de somarmos
força para lutar em prol de um país mais justo, mais fortalecido, principalmente no que
tange à educação. [CB02].

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[...] quero externar a minha admiração pelo seu legado e pelo seu trabalho como pro-
fessor pesquisador na área da educação. Que suas obras continuem inspirando outros
profissionais para que as transformações sejam possíveis tanto quanto necessárias.
[CB04].

[...] gostaria de agradecer a sua coragem. Por meio dela nos tornamos mais fortes. Seu
discurso encorajou-nos e acordou em nós o sonho de mudança. O caminho é longo.
Mas você não parou, então não vamos parar. A educação vale a pena. A marcha vai
continuar, para manter os direitos que temos, e para conquistar o que é nosso por direito.
Viva a educação Freire! [CB07].

[...] Aqui no Brasil, infelizmente não conseguimos adotar seus ensinamentos, questões
políticas falam mais alto e a população ainda não conseguiu se libertar da ignorância,
logo, a opressão ainda impera em nosso país. Mas seu legado é valorizado, o mundo in-
teiro fala de você e respeita seu trabalho, todas as universidades do mundo reconhecem
a importância do seu trabalho, aqui você é Patrono da Educação e suas contribuições
são importantíssimas. [CD01].

Os mestrandos reforçam o reconhecimento da importância da obra de Freire, em


âmbito nacional e internacional, ratificando as percepções presentes na produção
científica do ensino de ciências no Brasil (RICARDO, 2003; AULER; DELIZOICOV,
2006 ; GALIETA NASCIMENTO; VON LINSINGEN, 2006; SANTOS, 2007; AULER,
2013; ZAUITH; HAYASHI, 2013;) e, especialmente, dos teóricos que trabalham na
perspectiva do Movimento CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) e CTSA (Ciência,
Tecnologia, Sociedade e Ambiente), que salientam a consonância entre a epistemo-
logia e a pedagogia de Freire e os princípios que regem esses movimentos.
Em algumas cartas, há uma menção direta às críticas atuais sobre a obra e o
próprio Paulo Freire, e a indicação de que partem de setores não democráticos da
sociedade:
Eu sei que você deixou para nós o método com seu nome, mas esse conjunto de ideias
até hoje recebe muitas críticas, mesmo que você tenha sido considerado um dos maio-
res educadores do país, com toda a sua luta pela democratização do ensino [...]. [CA07]

Vivemos tempos sombrios, tanto de consciência política, como na Educação. Um setor


da sociedade que não conheceu tua obra e nem seu pensamento pedagógico, generoso
e esperançoso, estão pedindo em manifestações públicas e ‘democráticas’ um ‘basta
a Paulo Freire’ e volta da ditadura militar alegando que você era marxista e que os pro-
fessores são doutrinadores. [CD02]

Mudar o mundo continua sendo tão difícil quanto possível. Essas foram suas palavras
na primeira carta pedagógica do livro “Pedagogia da indignação” e nunca pensei que
suas ideias seriam tão atuais como estão sendo agora. Talvez seja por isso que você
ainda é alvo da tirania de um governo repressivo e autoritário, como esse que preside
o país. [CB04]

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[...]. Nas escolas, muitos professores são chamados de doutrinadores ao disseminarem


o seu método e suas ideias, pois elas são vistas como ideológicas e partidárias. Por
isso, uma das discussões recentes envolveram a retirada do seu nome como patrono
da educação brasileira. É triste pensar que seus ideais sejam ainda mal interpretados
e difamados por pessoas que desconhecem o seu legado e suas contribuições para a
educação. [...]. [CB04]

Essa perspectiva dos mestrandos também encontra eco na percepção de autores


das áreas de ensino e educação, que externam críticas ao governo atual em relação
ao desconhecimento acerca da obra de Freire e/ou leitura equivocada. Em face aos
constantes ataques contra Freire, o Instituto Paulo Freire publicou em 2019 uma
coletânea com sessenta e três artigos que contestam as críticas imputadas à Freire,
consideradas pelos autores como parte das fake news. Muitos dos autores nessa
coletânea discutem o crescimento das fake news, a partir da chamada pós-verdade,
que para Priolli (2017) é o momento em que a verdade é apenas mais uma opção em
pauta, ou seja, admitem-se falsas informações desde que atendam a determinados
interesses. O autor discute o surgimento do termo a partir da sua inserção no Di-
cionário Oxford, que o conceitua como “[...] um adjetivo relacionado ou evidenciado
por circunstâncias em que fatos objetivos têm menos poder de influência na formação
da opinião pública do que apelos por emoções ou crenças pessoais” e também aponta
para a sua disseminação a partir de 2016, embora tenha sido cunhado em 1992.
Priolli (2017, p. 1, grifos do autor) comenta ainda, que:
Na definição britânica, “pós-verdade” é um adjetivo “que se relaciona ou denota
circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião
pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.
Não seria então, exatamente, o culto à mentira, mas a indiferença com a verdade dos
fatos. Eles podem ou não existir, e ocorrer ou não da forma divulgada, que tanto faz
para os indivíduos. Não afetam os seus julgamentos e preferências consolidados.

Souza (2019, p. 57) situa outro ponto essencial para a análise desse movimen-
to social: “Saliente-se que na conjuntura da pós-verdade, os homens são levados a
considerar como mentira as coisas que não se coadunem com a própria ‘verdade’,
distanciando-se da intersubjetividade e da prática do diálogo”.
Entre os artigos da coletânea, destaca-se o de Leite (2019), que descreve os
problemas trazidos pelas fake news, relacionando-os com as ações impróprias em
eleições que permitiram o crescimento de partidos de direita e situa a importância

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de Freire para os educadores trabalharem de forma ética e crítica com as tecnologias


digitais. Sobre as críticas desferidas ao autor, ela comenta:
Particularmente no Brasil, um outro caso que demonstra o poder deletério do uso das
redes para fins pouco democráticos são as calúnias sobre um dos mais importantes
educadores brasileiros, reconhecido mundialmente por suas contribuições para a
história das ideias pedagógicas, mas que no Brasil tornou-se alvo de difamação. Paulo
Freire, que em 2012 foi declarado o patrono da educação brasileira (Lei nº 12.612
de 13/04/2012), e que neste ato teve reconhecida sua trajetória de vida dedicada à
alfabetização e educação libertária de jovens e adultos, acabou se tornando munição
para atacar iniciativas pedagógicas que questionam uma educação bancária, termo
cunhado pelo próprio Paulo Freire, em que o estudante é apenas um depósito de
conteúdos. Taxado de doutrinador e comunista pelo próprio Presidente da República,
uma onda de desinformação em torno das ideias freirianas acabou se espalhando em
forma de falsas notícias. Sem o devido conhecimento de sua obra, muitas pessoas
repercutem essas falácias.
Em nossa sociedade, não é difícil concluir o que transcorre nos bastidores dessa ma-
nobra de ataque ao pensador. Se o que Freire desejava era ensinar aos oprimidos e
excluídos os caminhos para a emancipação, para o pensamento crítico e consequente
libertação frente a possíveis injustiças sociais, parte de uma classe dominante da so-
ciedade capitalista preferiu, então, torná-lo um inimigo do país. Entender os motivos
que levam à criação deste tipo de engodo e saber distinguir a diferença entre opinião
e informação, verdade e mentira, notícia falsa ou verdadeira acaba sendo uma habi-
lidade crucial para que indivíduos saibam se posicionar frente à própria realidade.
Freire mesmo sugeria que nos colocássemos frente às situações do mundo munidos
de algumas perguntas: Por quê? A favor de quê? Para quem? A favor de quem? Contra
o quê? Contra quem servem estas mentiras que estão sendo criadas e reproduzidas?
(MOTA, 2020, p. 14).

Arrais e Bizerril (2020) apontam os múltiplos retrocessos na Educação Ambien-


tal a partir de 2016, movidas pelas ações de desmonte da agenda Ambiental, por
parte do Ministério do Meio Ambiente, por meio da extinção de cargos, demissão de
técnicos qualificados, extinção de ações e projetos voltados à preservação ambiental,
descrédito do governo sobre dados oficiais do INPE relacionados ao desmatamento,
queda da fiscalização e aumento da impunidade. Consideram, ainda, que a ação
conservadora em muitas áreas traz consequências negativas ao meio ambiente:
[...] O ataque ao meio ambiente também se dá indiretamente por diversas outras
manifestações do governo tais como tentativas de criminalização dos movimentos
sociais, de desmonte e desmoralização das universidades públicas e institutos fede-
rais, e consequentemente da ciência, afronta aos quilombolas, ribeirinhos, indígenas
e LGBTQI+, ataques à classe dos professores e a figuras educadoras de destaque
como Paulo Freire, desdenho com a historicidade dos direitos humanos e na busca
de um realinhamento ideológico do país aos Estados Unidos da América, sobretudo

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Cartas à Paulo Freire: (des)esperança de professores(as) em tempos desinteressantes

ao governo de Donald Trump (DICKMANN; CECCHETTI, 2019; LEHER, 2019,


grifo nosso).

Outro aspecto presente em várias cartas foi a indicação da atualidade das ideias
de Paulo Freire lançadas em 1977:
Gostaria de poder lê-lo com mais frequência e intensidade, pois as suas contribuições
transpassam gerações e épocas. Continuam muito atuais. Espero encontrá-lo novamen-
te por meio da leitura. Assim, continuarei a aprender com você. [CA01]

Estamos em 2019 e como educadora, inicio essa carta dizendo que pouca coisa mudou
por aqui desde a sua partida. [...]. Infelizmente o mundo continua pautado em uma ética
de mercado, uma ditadura mercantilista; poucos se baseiam na ética humana sem se
importar com a democracia autêntica e genuína. [CA05]

Assimilo as suas inquietações sobre o contexto social e político de sua época, o que é
tão oportuno para o período ao qual estamos vivendo no Brasil e mundo atualmente.
[...]. [CB01]

Talvez hoje não esteja tão diferente que [no] dia 21 de abril de 1997, [quando] onde [sic]
um índio foi assinado sem pudor. O sangue de inocentes continua sendo derramado
[...]. [CC01]

Lamento dizer que você previu com muita convicção os acontecimentos que assolam
os dias de hoje. Nesses vinte anos da sua partida, a educação sofreu muitas transfor-
mações no que diz respeito a avanços significativos e satisfatórios de acordo com a
sua percepção. Após uma década, parecia que as indignações reveladas por ti teriam
possíveis soluções em longo prazo; a esperança era maior. Contudo ainda havia falhas
como toda proposta. O século XXI assombra, traz medo e incertezas. [...] [CA02]

Embora não possamos analisar a realidade de forma anacrônica, vale lembrar


que, considerado o modo de produção, continuamos no sistema capitalista e com
a agudização do neoliberalismo, especialmente após o avanço significativo das
forças conservadoras em muitos países, inclusive no Brasil. Foram também forças
conservadoras que geraram o exílio de Paulo Freire, nos anos 1960, mas é preciso
distingui-las das forças atuais. Essas forças são tratadas na produção científica
contemporânea como “nova direita”, “extrema direita” (CÊPEDA, 2018).
Lowy (2015 apud CÊPEDA, 2018) reflete sobre o avanço da extrema direita,
com padrões diferentes em contextos e grupos nacionais diversos, mas ligados ao
fascismo. Observa que desde 1930 não havia manifestações expressivas do fascismo
até os anos 2000. Cêpeda (2018, p. 46) ao analisar as ideias de Lowy, destaca sua
percepção sobre o contexto europeu:

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[...] Sobre a Europa alinhava uma miríade de combinações de variáveis, enfeixadas


em países com a presença de organizações partidárias de caráter: fascista e/ou neona-
zista, semifascista ou de extrema-direita. As variáveis mais comuns e que ordenam
os modelos são: nacionalismo, antiglobalismo, xenofobia, racismo explícito, retórica
anti-imigrante, islamofobia, beligerância e intolerância. Variam também na percep-
ção das disrupturas do capitalismo, no caráter antissistêmico ou institucional, na
aversão ao comunismo e na seleção do inimigo - interno e externo. O trabalho de Lowy
estabelece a correlação entre direita (extremada) e as bases ideológicas do fascismo,
atualizando seus nexos e sentido.

Portanto, as condições conjunturais descritas por Freire apresentam aspectos


similares, mas com traços de piora e de forma muito devastadora no âmbito das
políticas sociais. Revisitando Hobsbawm (2002), no século XXI, vivemos em tempos
desinteressantes, em que crenças nas esferas democráticas estão se perdendo e
há uma realidade virtual, composta por “verdades” não objetivas, pós-verdades, que
é devastadora, pois retira dos sujeitos sociais pontos essenciais de equilíbrio para
a vida em sociedade, entendida como sociedade de direito.
O caráter do retrocesso e da desestruturação social e no âmbito educacional
são também manifestados na maioria das cartas, de formas diferentes, mas com
alguns aspectos em comum, como a quebra de valores morais, os riscos e problemas
trazidos pela polarização política (direita e esquerda), a guerra ideológica, expressos
nos trechos a seguir:
[...] Vivemos em uma época turbulenta em que os extremos são balançados a cada mo-
mento, a ponto de explodir, danificando com estilhaços as proximidades. A educação so-
fre seu pior momento, é atacada a todo instante e o pior, por quem deveria acreditar nela.
A construção do sujeito crítico é piada, a criticidade é vista como massa de manobra de
quem quer ver um caos no mundo, aterrorizados por pensar que o desenvolvimento não
acontecerá se continuarmos a acreditar em ‘utopias’. Vejo educadores desesperanço-
sos, oprimidos em suas salas de aula com receio de pedir lição de casa para seu aluno.
A formação de professores é vaga, sem tempo hábil e sem investimentos. Ser professor
no nosso país é a segunda opção na escolha de uma profissão. [...]. [CA02]

A guerra ideológica entre direita e esquerda nos leva a grandes perdas, as pessoas
não enxergam a gravidade e a complexidade dos problemas, e isso tem se refletido na
educação. O governo encara [como] gasto e não investimento, a carreira do professor é
desvalorizada, e o governo atual encara com desprezo, e isso cada vez mais aumenta a
desigualdade social. A concentração de renda está cada vez mais em pequenos grupos
que são responsáveis pela tomada de decisões, sem se preocupar com a grande parte
da sociedade. Tenho medo, a função da escola está fadada ao não cumprimento, é esse
o interesse de alguns políticos. [CA06]

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São tempos nebulosos e tenho certeza de que, se estivesse vivo, sua luta pela cons-
ciência crítica e pelos ‘esfarrapados do mundo’ seria tão constante como foi no passado.
[...]. [CB04]

[...]. Nesses últimos três anos, o Brasil passou por transformações que estão acabando
com a cultura e o progresso do país e isso em diversos aspectos, como políticos, so-
ciais, ideológicos, educacionais, familiares, éticos, etc., estamos vivendo um período
de retirada de direitos e do enfraquecimento da luta social e isso, por causa de uma in-
tensificação da alienação de uma parte da sociedade brasileira, que acredita que essas
lutas não trarão mudança e se contenta com as migalhas que as grandes corporações,
políticos e mídia jogam a esses cidadãos. [CB05]

[...] O atual governo, tal como aquele operante em sua época, não deseja cidadãos
críticos, que tenham a noção de como são oprimidos. Querem reproduzir um discurso
de ódio e plena aceitação de uma realidade que prejudica a todos, inclusive a natureza.
Temos medo. Mas estamos alicerçados na ideia de que só tem coragem quem um dia
teve muito medo. [...].

[...] Nós, professores estamos sendo exilados. Exilados dentro de nosso país. Exilados
por não poder abordar temas significantes, exilados por não termos o reconhecimento
necessário, exilados dentro da cerca de ideologias violentas as quais fomos expostos.
[CB07]

[...] Estamos passando por tempos difíceis, com lutas intensificadas e recorrentes, mas
em muitas situações fadadas a falta de um objetivo em comum a todos os brasileiros.
Nesses últimos três anos, o Brasil passou por transformações que estão acabando com
a cultura e o progresso do país e isso em diversos aspectos, como políticos, sociais,
ideológicos, educacionais, familiares, éticos, etc., estamos vivendo um período de reti-
rada de direitos e do enfraquecimento da luta social e isso, por causa da intensificação
da alienação de uma parte da sociedade brasileira, que acredita que essas lutas não
trarão mudança e se contenta com as migalhas que as grandes corporações, políticos
e mídia jogam a esses cidadãos. [CB05]

Esses aspectos descritos nas cartas dos mestrandos e muitos outros são pon-
tuados nos escritos de vários autores (CÊPEDA, 2018; SANTOS; PEREIRA, 2018;
CESLAGHI, 2019; LEHER, 2019; MACEDO, 2019; TAFFAREL; NEVES, 2019;
REIS, 2019; SEVERO, 2019; NACIF; SILVA FILHO, 2019) que analisam as polí-
ticas educacionais brasileiras pós 2016 e destacam questões preocupantes. Alguns
dos elementos mais citados pelos autores são: os riscos à democracia e à liberdade;
a doutrinação ideológica conservadora proposta como ação neutra e marcada pelo
descrédito à ciência, pela crescente militarização e pela influência religiosa em as-
suntos educacionais; os cortes orçamentários e os problemas no financiamento da
educação dados pelo teto de gastos, contingenciamentos e descaso com o FUNDEB;
os ataques à ciência, à cultura, à educação e, por consequência, aos educadores e às

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escolas; o desencontro de ações do governo federal, movido por três grupos distintos
e dissonantes, que se materializa também no Ministério da Educação, que sofre
apagão operacional nunca visto.
Taffarel e Neves (2019, p. 317-319) ao analisarem a conjuntura educacional após
a eleição de Jair Bolsonaro, destacam parte desses aspectos, bem como os processos
de precarização e privatização da educação:
A avaliação da conjuntura educacional apresenta fatos que permitem afirmar que a
Educação Estatal, pública, inclusiva, laica, democrática, de qualidade e socialmente
referenciada, em patamares conseguidos nos últimos governos de Luís Inácio Lula
da Silva e Dilma Rousseff, está sendo destruída.
São evidências dessa destruição, a implementação da política neoliberal radicalizada
que preconiza privatizar, desmontar o patrimônio público, entregar as riquezas e
abrir o Brasil ao capital imperialista predatório e parasita.
São evidências: a aprovação de medida de entrega do pré-sal ao capital internacional;
o não cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação; a alteração dos perfis
dos componentes do Conselho Nacional de Educação – CNE e do Fórum Nacional
de Educação, com a entrada dos empresários do setor privatista da educação (Todos
pela Educação) e a indicação de um militar para a Secretaria Executiva do CNE; a
aprovação da Reforma do Ensino Médio; a aprovação da autoritária e esvaziadora do
currículo Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovação da Emenda Consti-
tucional 95/16 que institui o ajuste fiscal e limita investimentos em educação e saúde;
aprovação das medidas que permitem a terceirização sem limites, que precariza o
trabalho docente; a aprovação da reforma trabalhista, que atinge os trabalhadores
em geral e em especial os trabalhadores da educação, o exercício do magistério, o
trabalho docente, pois retira dos professores o atual modelo de aposentadoria au-
mentando o tempo mínimo de serviço necessário para que o docente tenha direito a
aposentadoria.
Mas, existem outras medidas específicas que estão atingindo a Educação, desde a
creche, passando pela educação de jovens e adultos e alcançando o ensino superior.
Elas estão relacionadas ao financiamento da Educação, da Ciência e da Tecnologia,
a gestão, a formação inicial e continuada dos professores e professoras, ao trato com
o conhecimento científico, ao currículo escolar, aos métodos e técnicas de ensino, à
censura nas escolas, à negação da ciência, ao projeto Escola Sem Partido, a educação
domiciliar, a militarização das escolas públicas, ao ataque ao direito de cátedra, ao
ataque a autonomia dos sistemas de ensino e, em especial, nas universidades, a au-
tonomia de gestão, administração, financeira e didático pedagógica.

As marcas de um momento histórico de retrocessos, avanços contra a democracia,


a vida, as minorias, a natureza, estão presentes nas cartas, mas da mesma forma,
há muitas manifestações sobre a necessidade e importância da transformação, da
esperança, das utopias e dos sonhos, como projetos a serem concretizados:

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Cartas à Paulo Freire: (des)esperança de professores(as) em tempos desinteressantes

Entendo que não há luta sem sonhos. E que esses sonhos são projetos pelos quais
almejamos e acreditamos. Assim, os tornaremos reais à medida que nos ampararmos
na autenticidade. Nessa perspectiva, caro Paulo, a tão sonhada mudança não tardará!

Prova disso são os movimentos sociais, que constituem a estratégia mais adequada de
luta e defesa dos direitos das pessoas, especialmente àquelas que não possuem poder
aquisitivo ou mesmo político. Refiro-me às minorias oprimidas da sociedade que fazem
desses movimentos a ponte de acesso à democracia. [CB01].

Percebi o quão é importante sonhar, mas um sonho embasado historicamente nas con-
dições dos contextos materiais, tecnológicos e científicos, nos quais estamos inseridos.
[...] .

É fato que o nosso passado deixou marcas que perduram até hoje, tais como a coloni-
zação e escravidão, que dificultam a mudança. Mas se decidirmos agir de forma pro-
gressista, não há hora e nem lugar e muito menos importa quem eu sou. O importante é
que eu saiba que a luta, seja ela ideológica, política, pedagógica ou ética, deve ter como
principal foco o respeito ao outro. [CB02]

Outro ponto fundamental tratado em sua carta pedagógica, professor Paulo, seria o
reconhecimento do ser humano enquanto projeto, o que remonta ao coerente enten-
dimento de que o ser humano não é uma obra acabada, isto é, podendo reformular-se
e reavaliar-se no decorrer da vida, o que, por interpretação, requer a aceitação de que
suas mutantes facetas e ações são instrumentos de transformação do mundo. [...].

Dessa forma, prega-se o estímulo à ação transformadora do ser humano, em detrimento


da visão determinista de que as coisas são como deveriam e que, portanto, nada se
pode fazer. A ascendência e o exercício de uma educação estimuladora da autonomia
humana e de sua possibilidade de intervenção transformadora no mundo, de modo que
habilite este para o pleno exercício da cidadania. [CB03]

Em sociedade e dentro de sala [de aula] atualmente, luto por melhorias para que meu
aluno possa ver além dos antolhos que lhes são colocados. É um processo lento e que
emana, analogicamente, trabalhar plantando as sementes e cuidar para que elas ger-
minem, gerando assim um cidadão capaz de atuar criticamente, que tenha consciência
de que é parte da sociedade, que suas ações causam consequências que atingem a
todos, pois ele faz parte desta em sua totalidade, para que assim esse indivíduo não
renuncie à capacidade de pensar, de conjecturar, de comparar, de escolher, de decidir,
de projetar e de sonhar. [CB05]

Apesar de parecer utópico, concordo com o senhor de que devemos sonhar mantendo
lealdade às condições históricas, materiais, aos níveis de desenvolvimento tecnológico
e científico do contexto vivenciado. Dessa forma, podemos criar projetos e lutar pelas
mudanças [acreditando] que, apesar dos diversos obstáculos, é preciso perseverar e ter
em mente que somos condicionados pelas estruturas econômicas e políticas, sendo que
apenas estando cientes disso, conseguiremos enxergar a realidade em que estamos
inseridos e nos tornar capazes de [nela] intervir. [CB06].

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Nessa mesma esteira de esperança e de percepção da possibilidade das mudan-


ças, por meio de intervenções sociais, os mestrandos salientam o papel da educação
no processo de conscientização dos aprendizes enquanto sujeitos sociais, políticos
e históricos e em uma percepção libertadora e emancipatória -o caminho freiriano
- manifestado em trechos como:
[...] se desejamos que o processo de transformação do mundo realmente tenha um
fundamento, é preciso formar, construir uma consciência democrática desde cedo em
nossos alunos. No entanto, para que isso aconteça, a escola deve contribuir e desenvol-
ver metodologias pautadas em valores como respeito, responsabilidade, honestidade,
solidariedade e justiça, enfim, todos aqueles valores que auxiliem a formação de uma
mentalidade e atitude democrática.

Esse desenvolvimento da formação da consciência democrática baseia-se exatamente


nos quatro conceitos que Paulo Freire cita ao longo dessa carta. O primeiro deles, a
liberdade, tão particular e contraditória, exige cuidados para não se tornar licenciosidade
e afetar o próximo.

O segundo conceito, a autoridade, vem sofrendo uma distorção e virando autoritarismo,


cotidianamente, vivenciamos cidadãos implorando vontades, ideias e muitas vezes
calando a voz do outro. Escolha e decisão são conceitos fundamentais à vida, por meio
deles é possível direcionar objetivos e traçar o futuro.

Sabemos qual a importância desses conceitos na educação e na vida e, como educado-


res, devemos trabalhá-los associados aos próprios conteúdos, não perdendo [de vista]
a função principal da escola que é a de desenvolvimento do conhecimento científico,
crítico e reflexivo. [CA05].

[...] Particularmente me sinto motivado ao saber que faço parte do grupo que acredita no
sonho do amanhã e que busca modos de concretizá-lo, ao passo que também compre-
endo os fatores que tentam limitar o desenvolvimento da consciência crítica do oprimido,
frente à necessidade de controle dos opressores. [...].

Sigo concordando fielmente com a sua ideia de que o foco dessa educação crítica não
é a imposição ideológica e nem sobre uma única forma de ler o mundo, assim como eu
também não acredito que o papel da educação se restrinja ao ensino de conceitos. Não
posso silenciar as injustiças sociais do mundo e ser mero transmissor de conteúdos pro-
gramáticos, enquanto o poder da elite continuar maximizando essas injustiças. [CB04].

A gente acha que ainda tem jeito, e sabe que eu acho que tem mesmo. Na educação,
na forma de pensar, na união, na luta, é só não deixar de falar, e assim a gente vai indo
nesse mundo que parece tão feroz, a gente vai acreditando, nem que seja por um pin-
go, que ainda tem gente que pensa como nós, eu, educador, e como tu mesmo já dizia:
“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade
muda”. [CC01]

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Cartas à Paulo Freire: (des)esperança de professores(as) em tempos desinteressantes

As cartas expressam um rico momento de troca entre educadores(as), registram


diálogos que partilham angústias, desalentos, dúvidas, mas também esperança dada
pelo exemplo de Freire e tomada pelos(as) mestrandos(as) como caminho possível
em tempos difíceis.

Considerações finais

As cartas de Paulo Freire e a Paulo Freire reafirmaram a atualidade e importân-


cia da sua obra, especialmente em um momento de crescente opressão. Os diálogos
dos(as) mestrandos(as) com o autor, denotaram a compreensão de categorias caras
à Freire e o desenvolvimento mais acentuado da consciência crítica, mediante a
análise da complexa realidade vivida por eles(as). O que permite afirmar que os
objetivos da atividade foram plenamente atingidos.
As principais categorias que emergem das cartas apresentam uma polarização
positivo-negativa: esperança/desesperança; conservadorismo/necessidade de mudar
o mundo; medo/sonhos. Essa polarização, porém, não é lida como mera oposição,
mas em sua relação dialética, na qual um polo nega e revê e modifica o outro. São
categorias que lembram relações já colocadas por Freire em “Educação e mudança”:
saber-ignorância; amor-desamor; esperança-desesperança (FREIRE, 1984).
Sobre a relação esperança-desesperança, são essenciais as palavras de Freire:
Com base no inacabamento, nasce o problema da esperança e da desesperança. Po-
demos fazer deles o objeto de nossa reflexão. Eu espero na medida em que começo a
busca, pois não seria possível buscar sem esperança.
Uma educação sem esperança não é educação. (FREIRE, 1984, p. 29-30).

Por uma educação com esperança e por educadores(as) conscientes de seu papel
e compromisso social é que trabalhamos. Graças à Freire, marco essencial para a
educação de todos os povos e lugares, com maior consciência de nossa capacidade
de mudar a nós mesmos e ao mundo que nos cerca.

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Letters to Paulo Freire: (un)hope of teachers in uninteresting


times

Abstract

The article retract a pedagogical experience carried out within the scope of the Theories of
Learning, in a Professional Master’s Course in Science Teaching, from a federal public insti-
tution in Mato Grosso do Sul. The graduate students were asked to write a letter answering to
one of the three Letters present in the work “Pedagogy of indignation: teaching letters and other
writings”, by Paulo Freire. The activity had an objective to analyze the current situation of life
and education of teachers, assuming Freire’s theory, through Freire’s favorite textual genre: the
letters. Eighteen Master’s students participated in the activity, most of them teachers from public
schools, who teach Biology, Chemistry, Physics and/or work in the early years of elementary
school, as conducting teachers. The analysis of the letters was done through the categorical
analysis of Bardin (2016), observing the pre-analysis, the exploration of the material and the
treatment of the results, the inference and the interpretation. In the exploration of the material,
the set of information was first analyzed, looking for categories, units of record and their fre-
quency, and subsequently, they were grouped into three groups, having as reference Freire’s
letter answered by the master’s students. Have been identified to the following categories: Paulo
Freire, Education, Hope, Despair/fear; Changes/transformations; Democracy/democratization;
Human Consciousness; Teachers/educators; schoolboy/students/children/young; Risks/losses.
The dialogues of the master’s students with the author, through the letters, denoted the unders-
tanding of the central aspects of Pedagogy and Epistemology of Freire. The letters denote the
most accentuated development of the critical conscience of the master students, through the
analysis of the complex reality experienced by them and the understanding and application of
the central categories of Freire’s work, which allows concluding that the activity objectives have
been achieved.

Keywords: Continuing Teacher Education. Science Teaching. Professional Master’s Degree.


Paulo Freire.

Notas
1 Estudo desenvolvido com apoio da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Epígrafe colocada em uma das cartas escritas pelos mestrandos.
2

Houve uma abstenção. Não fecha 100%, pois há professores atuando em mais de uma rede simultanea-
3

mente.
As frequências serão inseridas apenas como referências, já que a análise de conteúdo trabalhada neste
4

artigo tem foco qualitativo.


Carvalho (2019) conceitua fakes news como os “[...] conteúdos intencionalmente e verificadamente produ-
5

zidos com a intenção de enganar aqueles que leem, aqueles que assistem, aqueles que ouvem também”.
Os trechos das cartas, para facilitar a identificação, serão transcritos nesse artigo com destaques diferentes
6

das citações, serão colocados em itálico, fonte 10 e com recuo de 1,5 cm.

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Cartas à Paulo Freire: (des)esperança de professores(as) em tempos desinteressantes

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644 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 614-645, 2021

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RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 614-645, 2021 645

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Gleice Prado Lima, Adjane da Costa Tourinho e Silva, Divanizia do Nascimento Souza

Controvérsias sobre Vacinas: o que pensam


os estudantes?
Gleice Prado Lima*, Adjane da Costa Tourinho e Silva**, Divanizia do Nascimento Souza***

Resumo
A vacina é um marco na história da humanidade, pois sua eficácia garantiu que diversas doen-
ças fossem erradicadas. Entretanto, é perceptível que o número de pessoas que buscam a
imunização vem decaindo, fazendo com que doenças, como o sarampo, ressurjam. Com o
intuito de engajar alunos em práticas que favorecem o processo de Alfabetização Científica,
este trabalho buscou analisar a construção de argumentos elaborados por alunos do 1º ano do
Ensino Médio nas aulas de Biologia, por meio de uma sequência de ensino investigativa basea-
da no tema vacina, já que temáticas que envolvem o enfoque científico e social mostram aos
alunos como ocorre a integração ciência, tecnologia e sociedade. A análise dos discursos orais
dos alunos evidencia o surgimento de ricos debates sobre o tema. Todavia, os textos escritos de
alguns evidenciam argumentos controversos, em que refutadores se opõem completamente às
conclusões. Verificou-se ainda argumentos semelhantes aos divulgados em canais de informa-
ção, em que a vacinação é apresentada como decisão individual.

Palavras-chave: Ensino de Biologia. Argumentação. Sequência de Ensino Investigativa. Vaci-


nas.

*
Mestra em Ensino de Ciências e Matemática e Licenciada em Ciências Biológicas pela UFS. Docente do Colégio
Rezende (Nossa Senhora da Glória – SE, Brasil), atuando nas disciplinas de Ciências e de Biologia. E-mail:
[email protected]
**
Doutora em Educação pela UFMG, Mestre em Educação e Licenciada em Química pela UFS. Professora titular
aposentada da UFS e docente permanente do Núcleo de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática-
UFS e da Rede Nordeste de Ensino (RENOEN). E-mail: adjane@acadêmico.ufs.br
***
Doutora em Tecnologia Nuclear pela USP e Mestre em Física pela UFS. Docente do Departamento de Física
da UFS e docente permanente do Núcleo de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da UFS e
da Rede Nordeste de Ensino (RENOEN). E-mail: [email protected]

Recebido em: 30/07/2020; Aceito em: 31/08/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11487
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

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Controvérsias sobre Vacinas: o que pensam os estudantes?

Introdução

A utilização de métodos de imunização para que o organismo humano adquira


resistência aos patógenos é datada desde o século XI na China e na Ásia. Entretan-
to, somente no século XVIII, com os estudos e experimentos realizados pelo médico
inglês Edward Jenner, é que estes métodos ganham notoriedade e a vacina passa
a ser legitimada como uma técnica segura, que garante a prevenção e erradicação
de doenças (TOLEDO, 2005).
Os estudos de Jenner, por mais de 20 anos, foram motivados pelo grande nú-
mero de mortes causadas pela varíola, uma doença infectocontagiosa, decorrente
de infecções pelo vírus Orthopoxvirus variolae, que se caracteriza pela presença de
pústulas na pele. Considera-se a imunização descoberta por Jenner como um dos
mais importantes avanços da medicina (TOLEDO, 2005; LEVI; KALLÁS, 2019).
Vacinas são compostos biológicos produzidos por meio de partículas do próprio
agente agressor ou que apresentam informação genética deste que, ao adentrarem
no organismo, estimulam a formação de anticorpos, os quais atuam na proteção
contra determinada patologia (DINIZ; FERREIRA, 2010). Historicamente, tem-se
constatado que o seu uso vem sendo responsável pela erradicação de doenças que
dizimaram populações. No entanto, atualmente, as polêmicas envolvendo a ad-
ministração das vacinas vêm motivando na população recusa à este mecanismo
de defesa. Entre os motivos de recusa destacam-se fatores religiosos, filosóficos,
políticos, familiares, bem como as reações adversas em alguns indivíduos após sua
administração (PONCE-BLANDÓN et al., 2018; CUNHA; GARCIA, 2019).
Essa polêmica tem se instaurado em distintos momentos históricos, haja vista
a resistência da população em relação à vacinação contra a varíola, no século XVIII
na Inglaterra (HOCHMAN, 2011) e, mais recentemente, no Brasil. No início do
século XX, a população do Rio de Janeiro sofreu com as epidemias de peste, varíola
e febre amarela, doenças essas que só foram erradicadas devido aos atos violentos
e autoritários do poder público, pois a população rejeitava a exposição de partes do
seu corpo para a inoculação da vacina e os pedidos de higienização domiciliar feitos
pelo sanitarista Oswaldo Cruz (PORTO, 2003; PORTO; PONTE, 2003).
Diante de tantas resistências ao uso da vacina, movimentos denominados an-
tivacinas, ganharam força e, de alguma forma, banalizam o processo de vacinação,
causando impactos na vida em sociedade, visto que surtos de doenças consideradas

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erradicadas no Brasil e em outros países, a exemplo do sarampo, vêm ressurgindo


(SANCHES; CAVALCANTI, 2018; PONCE-BLANDÓN et al., 2018).
No contexto escolar, quando analisados os conteúdos apresentados nos livros
didáticos de Biologia do Ensino Médio, percebe-se que o tema vacina é tratado apenas
na perspectiva da conceitualização, informando-se que se trata de um método de
prevenção de doenças, correspondendo a um processo de imunização ativa, o qual
envolve a produção de anticorpos.
As abordagens ao tema propostas nos livros didáticos na maioria dos casos
não exploram os contextos histórico, social e científico que envolvem a produção e
distribuição das vacinas, bem como não promovem um debate que articule o tema
a aspectos tecnológicos e sociais da atualidade. O foco das atenções neste tipo de
ensino é no conteúdo conceitual, no aprender ciência de acordo com a discussão apre-
sentada por Hodson (2014). Isso, certamente, não contribui para uma compreensão
mais ampla sobre tal tema, na perspectiva de formação da cidadania dos alunos.
Um ensino que se desenvolva em prol da Alfabetização Científica tem sido
defendido nas últimas décadas. De acordo com tal paradigma, busca-se promover
atividades de ensino que contemplem os seguintes eixos: (i) a compreensão básica
de termos e conceitos científicos, retratando a importância de que os conteúdos
curriculares próprios das ciências sejam debatidos na perspectiva de possibilitar o
entendimento conceitual; (ii) a compreensão da natureza da ciência e dos fatores
que influenciam sua prática, deflagrando a importância do fazer científico ocupar
espaço nas aulas dos mais variados modos, desde as próprias estratégias didáticas
adotadas, privilegiando a investigação em aula, passando pela apresentação e pela
discussão de episódios da história das ciências que ilustrem as diferentes influências
presentes no momento de proposição de um novo conhecimento; e (iii) o entendimento
das complexas relações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente, permitindo
uma visão mais completa e atualizada da ciência, vislumbrando relações que im-
pactam a produção de conhecimento e são por ela impactadas (SASSERON, 2015).
Na perspectiva da Alfabetização Científica, várias pesquisas que se voltam para
o ensino de Biologia (SASSERON; CARVALHO, 2008; TRIVELATO; TONIDADEL,
2015; RATZ; MOTOKANE, 2016), vêm discutindo o potencial de atividades investi-
gativas. Para Hodson (2014), a educação científica envolve quatro objetivos básicos
de aprendizagem: aprender ciência, aprender sobre ciência, fazer ciência e aprender
a abordar questões sociocientíficas (QSC). As atividades investigativas contemplam,

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de acordo com este autor, o terceiro objetivo, possibilitando aos alunos o engaja-
mento nas práticas relativas à resolução de problemas científicos, desenvolvendo a
confiança no confronto com situações do chamado mundo real.
Santos e El-Hani (2017), por sua vez, consideram que o fazer ciência pode ser
visto como o objetivo primeiro da educação científica, como condição sine qua non
para o alcance dos demais objetivos de aprendizagem. Partindo da perspectiva
participacionista discursiva (SADLER, 2009), estes autores salientam que o fazer
ciência pode ser entendido como participar do discurso científico. Assim, se apren-
der é mudar a forma de participação numa prática discursiva, para aprender o
indivíduo precisa, primeiramente, estar participando dessa prática. Nesse sentido,
o fazer ciência pode assumir diferentes formas, desde novas maneiras de usar con-
ceitos e de combiná-los em teorias, incluindo novas habilidades em procedimentos
e técnicas, até o uso de teorias, técnicas e procedimentos como ferramentas para a
investigação científica.
Sendo assim, é recomendável que as aulas de Biologia prezem o ensino por
investigação, a fim de favorecer o processo de Alfabetização Científica, fornecendo
subsídios que auxiliem os alunos a compreender e discutir os significados construídos
pela ciência, bem como os modos dessa produção.
Na construção de significados que emergem nas relações que se estabelecem
por meio da linguagem no contexto da sala de aula, distintas práticas discursivas
devem ser valorizadas. Dentre elas, a argumentação, adquire destaque, já que é por
meio de um processo argumentativo que as conclusões oriundas de uma investigação
são legitimadas, bem como distintos pontos de vista são contrapostos e avaliados.
Isso certamente auxilia a aprendizagem dos alunos acerca da Natureza da Ciência,
bem como na tomada de decisão diante de questões sociocientíficas (QSC) (ROCHA;
SILVA, 2019). Portanto, a promoção de atividades que fomentem o desenvolvimento
da habilidade argumentativa no ensino de Biologia tem o potencial de favorecer a
compreensão de aspectos da cultura científica e suas relações com questões tecno-
lógicas e sociais.
Segundo Driver, Newton e Osborne (2000), nas aulas de Ciências pouco se tem
promovido a argumentação e, por conta disso, há um favorecimento da falsa im-
pressão que a ciência é feita por meio de fatos não problematizados, de forma que
existam apenas respostas corretas, sem controvérsias às questões científicas. Esse

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aspecto faz com que os alunos se limitem a incorporar as alegações científicas e as


confrontem com suas experiências cotidianas.
Como são poucas as iniciativas que promovem de maneira investigativa a cons-
trução dos conteúdos de Biologia, buscamos a partir deste trabalho criar um ambien-
te de aprendizagem em que os estudantes utilizassem os conhecimentos científicos
construídos para elaborar argumentos diante de QSC, julgando os dados empíricos
obtidos de suas investigações, bem como os teóricos, dispostos na literatura.
Assim, no trabalho que aqui apresentamos, as vacinas e as controvérsias em
torno da vacinação foram o eixo central de uma sequência de ensino de natureza
investigativa desenvolvida em uma turma de 1º Ano do Ensino Médio, em aulas da
disciplina Biologia, em que foram valorizadas as interações discursivas e os argu-
mentos elaborados por 17 alunos. A análise focalizou o processo argumentativo, de
modo a avaliar a estrutura e o conteúdo dos argumentos orais e escritos ao longo
da Sequência de Ensino Investigativa (SEI).

O padrão de argumento de Toulmin

Para a identificação dos argumentos produzidos ao longo da SEI, foram consi-


derados os elementos do Padrão de Argumento de Toulmin (2006). Essa ferramenta
analítica apresenta subsídios que favorecem o reconhecimento de elementos lógicos
específicos em argumentos de diferentes interlocutores (VIEIRA; NASCIMENTO,
2008).
Originado para estudos no campo jurídico, o padrão de argumento de Toulmin
tornou-se bastante difundido em outros domínios, tais como Comunicação, Filo-
sofia e Didática das Ciências. De acordo com tal padrão, os elementos estruturais
fundamentais de um argumento são: o dado (D), a conclusão (C) e a garantia de
inferência (G). A estrutura básica de um argumento é, portanto: a partir de um
dado D, já que G, então C.
A conclusão (C) é a asserção que se busca defender; o dado (D) representa os
fatos aos quais recorremos como fundamento para a asserção; e a garantia de infe-
rência (G) estabelece as relações entre os dados e a conclusão. Para Toulmin, não
há argumento sem garantia de inferência, visto que argumentar é justificar um
dado ponto de vista. Nesse sentido, considera-se, em várias pesquisas no Ensino

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de Ciências, a possibilidade de garantia de inferência implícita quando esta não


aparece explicitamente na passagem dos dados à conclusão.
De acordo com o Padrão de Argumento de Toulmin (2006), é possível apresentar
um argumento com apenas estes elementos: Dado, Conclusão e Garantia de Infe-
rência. Porém, para que um argumento seja completo, podem ser acrescentados
qualificadores modais (Q), que são especificações das condições necessárias para
que uma dada garantia (também chamada, por alguns autores, de justificativa) seja
válida. Da mesma forma, é possível especificar em que condições a justificativa não
é válida ou suficiente para dar suporte à conclusão. Neste caso, é apresentada uma
refutação (R) da justificativa.
Além dos elementos já citados, a garantia de inferência (G), que apresenta um
caráter hipotético, pode ser apoiada em uma alegação categórica baseada em uma
lei, por exemplo. Trata-se de uma alegação que dá suporte à tal garantia, denomi-
nada backing ou conhecimento de base (B). Portanto, B consiste em uma afirmativa
baseada em alguma autoridade, uma lei jurídica ou científica, por exemplo, que
fundamenta a garantia de inferência. Na figura 1 apresentamos a estrutura de
argumento proposta por Toulmin (2006):

Figura 1: Padrão do Argumento de Toulmin (Adaptado de Toulmin, 2006, p.150)

Se D então, Q, C

Desde que G A menos que R

Considerando B

Fonte: Toulmin (2006, p.150).

Metodologia

Esta pesquisa é de natureza qualitativa, do tipo estudo de caso. De acordo com


Ludke e André (1986), no estudo de caso se enfatiza a interpretação e descrição
detalhada do contexto no qual estão inseridos os objetos e/ou sujeitos da pesquisa,
assim como permite generalizações naturalistas e representa diferentes perspectivas
presentes numa situação social.

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A Sequência de Ensino Investigativa aplicada abordou o tema vacinas e teve


como questão central: O uso de vacina pode ser opcional? A SEI foi elaborada
de acordo com a proposta de Pedaste et al. (2015) já que queríamos que a promoção
das práticas explicativa e argumentativa no contexto da sala de aula ocorressem
efetivamente.
Pedaste et al. (2015), com base em uma revisão de literatura sobre Ensino por
Investigação, apresentam a proposta de um ciclo investigativo composto por etapas
conectadas, as quais orientam os alunos para o desenvolvimento da aprendizagem
e as principais características do pensamento científico. Por meio do desenvolvi-
mento do ciclo investigativo, os alunos seguem métodos e práticas semelhantes
aos dos cientistas, a fim de produzir conhecimentos que respondem às questões de
investigação. O entendimento do ciclo investigativo possibilita ao professor perceber
quais adaptações são necessárias ao longo do desenvolvimento das atividades, o que
contribui para uma melhor aprendizagem dos alunos.
As fases do ciclo investigativo de Pedaste et al. (2015) são: orientação, conceitua-
lização, investigação, conclusão e discussão (Figura 2), conforme definidas a seguir.
Orientação: Nesta fase, um problema é proposto pelo professor e, por meio da
curiosidade do aluno, ocorre estimulação para que se reflita sobre ele. Nesse sentido,
tal fase possibilita o levantamento das concepções prévias dos alunos.
Conceitualização: Consiste no processo de compreensão de conceitos perten-
centes ao problema. Aqui, duas subfases são elencadas: questionamentos (formula-
ção de questões instigadas) e hipóteses (formulação de prováveis respostas, tendo
em vista conceitos retomados ou elaborados nesta fase). Deste modo, as hipóteses
baseiam-se em justificativas teóricas variáveis.
Investigação: Nesta fase, a curiosidade do aluno é transformada em ação
para que as questões elaboradas sejam respondidas. Trata-se do processo de pla-
nejamento de exploração ou experimentação, coleta de dados baseada no esquema
de exploração ou experimental delineado e análise dos dados obtidos. Pode haver
nesta fase, portanto, três subfases: exploração, experimentação e análise dos dados.
Conclusão: Nesta fase ocorre o processo de esboçar conclusões, comparando
inferências baseadas nos dados com as hipóteses ou questões de pesquisa.

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Figura 2: Fases e subfases do ensino por investigação (Adaptado de Pedaste et al., 2015, p. 56)

Fonte: Pedaste et al. (2015, p. 56).

Vale ressaltar que, em função da questão considerada, o ciclo investigativo pode


envolver, em si mesmo, pequenos ciclos com questões e respostas específicas, sendo
que estas últimas, em conjunto, irão responder à questão geral. Como apresentado
no Quadro 1, a seguir, os encontros 2 e 3 envolveram pequenas investigações, em
que dados experimentais foram informados por meio de textos, tratando de episódios
da história da vacina, e submetidos à análise dos alunos, tendo em vista questões
propostas no material didático. Nesse sentido, tais encontros envolveram mais de
uma fase do ciclo.

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Quadro 1: Nomeação e descrição das fases da SEI utilizada no presente trabalho


Atividade(s) Fases do Ciclo de
Descrição das atividades
Proposta(s) Pedaste et al. (2015)
Encontro 1 • Aplicação de questionário;
Apresentando o • Proposição do problema: “O uso de vacinas pode Orientação
problema ser opcional?”
• Leitura de texto sobre a história da vacina no
mundo;
• Discussão das questões apresentadas ao longo Conceitualização
Encontro 2
do texto;
Entendendo a Investigação
• Análise dos dados dos experimentos realizados
história da vacina
por Edward Jenner para a produção da vacina Conclusão
contra a varíola humana;
• Discussão dos resultados.
• Leitura do texto que ressalta o experimento de
Pasteur para a produção da vacina contra a cóle- Conceitualização
ra aviária;
Encontro 3
• Discussão das questões apresentadas no texto; Investigação
Pasteur e as vacinas
• Análise dos dados dos experimentos realizados
por Pasteur; Conclusão
• Discussão dos resultados.
• Exibição de vídeos que retratam diferentes pontos
de vista sobre as vacinas nos seres humanos;
• Discussão para elaboração de argumentos sobre Conceitualização
Encontro 4
os vídeos exibidos;
O uso de vacinas Investigação
• Elaboração de argumentos tendo em vista a
pode ser opcional?
questão central da SEI; Conclusão
• Discussão sobre o processo investigativo desen-
volvido ao longo da SEI.

Os dados foram coletados por meio de gravações em áudio e vídeo das aulas
e questionários aplicados ao longo da SEI. Os registros em áudio e vídeo foram
armazenados em um computador e, posteriormente, transcritos. Após a transcri-
ção, as aulas foram fragmentadas em episódios que passaram por um processo de
seleção, visto que nem toda a fala produzida durantes os encontros traziam dados
relevantes para a pesquisa.
Neste trabalho, são analisados os argumentos produzidos pelos alunos no
Encontro 4, o qual tratou da questão central da SEI. Para a identificação e carac-
terização dos argumentos produzidos, foram considerados os elementos do modelo
de Toulmin (2006).

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Resultados e discussões

No encontro 4, foram exibidos dois vídeos para que os alunos, ao final, expuses-
sem seus argumentos sobre vacinação. O vídeo 1, intitulado Pais que decidiram não
vacinar seus filhos1, ressalta como pais no mundo inteiro estão utilizando outras
práticas como método de prevenção de doenças. Nesse vídeo, são apresentadas,
ainda, posições de especialistas que defendem a vacinação e questionam os grupos
que se opõem a esse método de imunização. No vídeo 2, intitulado Governo e médicos
garantem que a vacina do HPV é segura2, é apresentado o drama de adolescentes
que receberam a vacina do HPV e que, por algum motivo, tiveram reações adversas
como paralisia cerebral e imobilidade, sendo que estas reações, passageiras, foram
definidas pelos médicos como reações psicológicas.
O objetivo dessa atividade foi estimular o senso crítico dos alunos em torno da
problemática do tema vacina, devido à resistência que vem crescendo na sociedade
para a adesão a este método de imunização, embora esteja registrada e divulgada
a sua importância ao longo dos séculos para a erradicação e prevenção de diversas
doenças.
Optou-se pelo uso de vídeos disponibilizados na internet por se considerar que
a utilização de recursos audiovisuais caracteriza práticas comunicativas e intera-
tivas da sociedade contemporânea, em que as ideias divulgadas por meio de tais
recursos podem promover a formação de opiniões e comportamentos (PADILHA;
SUTIL; MIQUELIN, 2013). Entendemos como importante que as aulas de ciências
favoreçam o posicionamento dos alunos diante das informações disponibilizadas
por tais meios de comunicação.
Após a visualização do vídeo 1, os alunos foram solicitados a expor suas opiniões
acerca dos seguintes questionamentos:1) Qual a opinião de vocês sobre essa práti-
ca de não vacinar os filhos? 2) Vocês acreditam que não vacinar pode gerar danos
sociais? 3) Por que ainda existe resistência quanto ao uso da vacina? No quadro 2
estão transcritos alguns excertos da discussão que ocorreu após a exibição deste
vídeo. Em tal quadro, o turno corresponde à fala de cada participante, a docente está
indicada por Prof. e os alunos estão indicados pela letra A seguida de um número.

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Quadro 2: Excerto da discussão entre a professora e os alunos após visualização do vídeo 1.


Turno Transcrição
Prof. Bom como foi visto através do vídeo 1, muitos conceitos e aspectos já haviam sidos
8 discutidos nos encontros anteriores. Quem gostaria de ressaltar esses aspectos? A12,
qual a sua opinião sobre os pais que não vacinam seus filhos?
A12. Como já ressaltei em uma aula anteriormente, muitos pais não vacinam seus filhos
por diversos fatores, como por exemplo, religiosos e cultural, mas de certa forma esta
9
prática é errada, pois isso é conservadorismo. Logo, rsrs, continuo com a mesma opinião
relacionada ao uso opcional da vacina, ou seja, não deve ser opcional.
10 Prof. Quem mais? Vamos dar a palavra a A14.
11 A14. Eu professora?
12 Prof. Sim, meu querido,você mesmo. Qual sua opinião?
A14. Eu acho que os pais que não vacinam não possuem conhecimento necessário para
tomar essa decisão. Porque se acontecer alguma coisa errada, sempre relaciona à vaci-
13
na. Muitos pais vão na internet e visualizam que a vacina faz mal, ai tomam a decisão de
não vacinar os filhos e não percebem o erro que estão cometendo.
14 Prof. Mas que erros são esses?
A14. Ah professora... de deixar os filhos desprotegidos e com maior índice de pegar doen-
15
ças.
Prof. Me explique mais uma coisa. Por que apesar da eficácia da vacina comprovada
16
através de diversos experimentos, algumas pessoas não se habilitam a tomá-la?
A14. Eu conheço muitas pessoas que não utilizam dessa prática por conta do fator re-
17 ligioso. Na minha família tenho vários primos que não tomaram nenhuma vacina. Eles
utilizam outros métodos que se dizem eficazes.

É possível perceber nas transcrições do Quadro 2, a elaboração de argumentos.


Os alunos A12 e A14 expressaram os diferentes pontos de vista de pais em relação
ao processo de vacinação e como a falta de informação reflete-se na tomada de
decisão das pessoas, que acabam não percebendo como a recusa à vacinação pode
estimular o reaparecimento de doenças.
O argumento do aluno A12 apresenta como elementos estruturais: dado, conclu-
são e garantia de inferência, ou seja, os elementos fundamentais de um argumento
como discutido por Toulmin (2006). Vejamos a Figura 3.

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Figura 3: Estrutura do argumento do aluno A12

Fonte: Elaborada pelos autores.

Após a apresentação do dado, o aluno A12 (turno 9) concluiu que o uso da vacina
não deve ser opcional. Ele expressou que a recusa à vacinação ocorre devido ao con-
servadorismo das ideias de uma parcela da população. Tal concepção funciona como
garantia de inferência, uma vez que estabelece a relação entre o dado e a conclusão.
O aluno não explica o sentido atribuído ao termo conservadorismo mas, con-
siderando-se o que foi discutido em aulas anteriores e ainda, que ele relaciona tal
termo a aspectos culturais e religiosos, pode-se inferir que se refere ao fato de que
várias pessoas, seguindo uma tradição, ainda optam pela imunização natural, ou
seja, entendem que certas doenças não precisam ser evitadas, mas adquiridas para
que ocorra uma imunização que evita a reincidência da doença no indivíduo, sem
o uso de vacinas. O aspecto religioso relaciona-se a esse entendimento, já que a
interferência humana nesse processo pode ser vista como oposição à divina.
O argumento de A14 (turno 13), por sua vez, apresenta como elementos estrutu-
rais dado e conclusão, como identificado na Figura 4 a seguir. Os dados expressam
como a falta de conhecimento aliado à influência da divulgação de ideias em canais
de informação, a exemplo das mídias online, favorecem a divergência na tomada
de decisão quanto ao uso de vacinas. Assim, o aluno concluiu que esses fatores são
propulsores para que os pais não vacinem seus filhos.

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Figura 4: Estrutura do argumento do aluno A14

Fonte: Elaborada pelos autores.

Os argumentos elaborados por ambos os alunos repassam a ideia de que muitos


pais não possuem o conhecimento necessário sobre as implicações da não vacinação
e acabam tomando decisões que prejudicam a prevenção de seus filhos contra di-
versas doenças, devido à falta de pensamento crítico acerca de hábitos arraigados
e de notícias veiculadas na internet. Isso tem sido discutido em vários estudos re-
portados na literatura, a exemplo dos realizados por Sanches e Cavalcanti (2018)
e Silva e Silva Junior (2019).
Um aspecto relevante que não é levado em conta na discussão transcrita no
quadro 2 é o fato de que a decisão individual, de cada pai, resulta em consequência
para toda a sociedade, uma vez que aumenta a probabilidade de disseminação de
doenças. A vacinação até esse ponto está sendo discutida sem levar em conta a
dimensão coletiva, social.
Em seguida, os alunos foram motivados a discutir sobre um dos métodos alter-
nativos de imunização que vem ganhando destaque na sociedade como forma de
prevenção de doenças, a homeopatia. Enquanto especialidade médica, a homeopatia
passou a ser reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina na década de 1980.
Nos dias atuais, de acordo com a portaria 971/06 (BRASIL, 2006), a homeopatia é
uma prática inserida na Política Nacional de Práticas Integrativas como forma de
ampliar o acesso da população a serviços de atenção à saúde.
Na homeopatia não são recomendadas vacinas, mas sim o uso de medicamentos
constituídos de substâncias de origem animal, vegetal ou mineral, diluídas e utili-
zadas na forma líquida, de glóbulos ou pó, por diversas vezes, de forma a possibi-
litar que os pacientes se tornem resistentes a algumas doenças e não sofram com
prováveis efeitos colaterais decorrentes das vacinas (TEIXEIRA, 2010; SANTOS;

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MONTEIRO; VARGAS, 2018). Alguns homeopatas, como exibido no vídeo 1, são


contrários à vacinação, devido às doses de antígenos que uma vacina contém. Essa
dosagem passa a ser a vilã da história, por conta dos efeitos colaterais causados.
Vejamos a discussão dos alunos sobre este conteúdo no Quadro 3, a seguir.

Quadro 3: Excerto da discussão acerca do uso da homeopatia como método de imunização.


Turno Transcrição
A8.Isso professora, a mulher no vídeo tem até carteirinha de vacinação homeopática. Mas
22
até que ponto o uso dessa prática pode garantir a imunização de uma pessoa?
23 A3. Eu mesmo acho isso impossível! Fora que ela também falou da alimentação saudável.
24 Prof. Mas por que você não concorda?
A3. Primeiro professora, hoje não existe alimentação saudável, tudo contém agrotóxico,
25
ninguém faz horta em casa para tirar todo o sustento.
26 Prof. A5, você acha o quê?
27 A5. Não sei que pergunta foi feita?
Prof. Mulher vamos lá, deixe te fazer a pergunta. O que você acha dos pais que utilizam
outras práticas, como por exemplo, a homeopatia como método de proteção e imunização
28
de doenças?
A5. Ah sim, eu acho que isso não garante 100% de imunização. Isso é uma prática recente,
que não se tem testes ou garantias que o filho não terá a doença. Isso da alimentação
também acho que não protege totalmente. Porque imagine se alimentação salvasse al-
guém, não teria o porque dos anticorpos reconhecerem os antígenos para criar memória
29
imunológica. Ao contrário, o estômago lá com suas enzimas é que seriam responsáveis
por nos proteger.

Na discussão apresentada no Quadro 3, notamos que o aluno A5 explicou a sua


conclusão (turno 29) apresentando uma lógica de raciocínio em relação às garantias
de eficácia das vacinas homeopáticas. A5 considera que não se tem garantias con-
sistentes sobre a real eficácia e segurança de tais vacinas em relação às alopáticas,
convencionais, expressando ainda que se trata de uma prática recente. Para ele,
isso ocasiona um efeito negativo para o alcance da vacinação como política pública
na imunização da sociedade contra doenças epidêmicas.
Outra característica apresentada no discurso do aluno A5 é a prática de alimen-
tação saudável como garantia para a proteção contra doenças. Para o aluno, se isso
fosse verídico, o sistema imunológico estaria em junção total com o sistema diges-
tório, com células de defesa que garantissem que as pessoas não ficassem doentes.
Essa resposta mostra que o aluno entende que existem alimentos que fortalecem o
sistema imunológico, assim como uma boa alimentação, mas que não são capazes

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de auxiliar na destruição de microrganismos do corpo. Vejamos abaixo, a estrutura


do argumento de A5, de acordo com Toulmin (2006).

Figura 5: Estrutura do argumento do aluno A5

Fonte: Elaborada pelos autores.

A discussão sobre os princípios da homeopatia, os quais se contrapõem aos


alopáticos, exigiria um investimento mais aprofundado em informações sobre esse
tópico, o qual não foi explorado na aula pela professora. Seria oportuno abordar como
a episteme homeopática e seus princípios para prevenção e cura de doenças geram
certas dificuldades na elaboração de ensaios clínicos controlados que contemplem as
premissas da metodologia científica clássica. Com relação à vacinação homeopática
ser uma prática recente, há um equívoco por parte do aluno, já que a homeopatia
data do século XVIII e constitui-se de práticas terapêuticas que visam estimular
o organismo a reagir contra os seus próprios distúrbios (TEIXEIRA, 2010). Nesse
sentido, seria efetivo, ainda, discutir como as políticas públicas se posicionam diante
da vacinação homeopática, para que os alunos tivessem entendimento sobre tal fato
e assim compreendessem os argumentos que sustentam a posição do Ministério da
Saúde de garantir a obrigatoriedade da vacina (alopática) contra doenças epidêmicas.
Como dito inicialmente, no decorrer da aula foi exibido também o vídeo 2, intitu-
lado Governo e médicos garantem que a vacina do HPV é segura. Após a apresentação
desse vídeo, buscamos obter dos alunos argumentos que expressassem a opinião
deles acerca dos efeitos colaterais causados por algumas vacinas e da possibilidade
de reações de ordem psicológica após a administração da vacina do HPV. Para isso,

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a professora questionou sobre até que ponto a reação às vacinas pode ser de ordem
psicológica e não física. A partir do que está transcrito no Quadro 4, tem-se que os
alunos defendem seus pontos de vista no debate utilizando dados obtidos dos meios
de comunicação e de experiências próprias.

Quadro 4: Excertos da discussão sobre os efeitos colaterais das vacinas.


Turno Transcrição
Prof. E aí gente. Vocês acreditam que as pessoas podem ter reações psicológicas com
65
relação à vacina? O que vocês acham?
A13. Ai professora depende. Por exemplo, a vacina do HPV aqui no Brasil pelo menos a
66 terceira dose foi suspensa. Mas será que todas as reações adversas que muitas meninas
tiveram foram psicológicas?
A15. Isso mesmo. Porque eu vi na internet que umas meninas lá do Norte, não lembro
67 a cidade, ficaram paradas um monte de dia, sem andar nem nada, depois de tomarem a
vacina. Não acredito que foi psicológico.
Prof. Bom essa é uma questão que deve ser ponderada, já que reações adversas po-
dem ocorrer com qualquer medicação, mas também nosso medo pode nos levar a sentir
coisas. Num é? Por exemplo, às vezes alguém fala que se sentiu tão mal depois de
68 tomar um medicamento ou até mesmo uma vacina, que acabamos criando isso na nossa
cabeça, acreditando que seremos os próximos. Vamos lá. Quem aqui tomou vacina do
HPV e teve reação?
69 A1. Eu não tive.

A discussão após a exposição do vídeo 2 possibilitou que a aula abordasse um


aspecto comum aos medicamentos: os efeitos colaterais. As vacinas, como qualquer
medicamento apresenta efeitos colaterais que podem variar em função do tipo de
vacina e do sistema imunológico do indivíduo. Todavia, como as vacinas não são
adquiridas pelas pessoas individualmente em farmácias, tal qual os remédios que
apresentam uma bula com as informações adequadas, a população acaba, até certo
ponto, alheia a variedade de efeitos colaterais e suas respectivas intensidades.
A discussão da turma na fase final do encontro, remeteu à questão problema da
SEI, em que os alunos deveriam se posicionar sobre a opcionalidade da vacinação,
justificando seus pontos de vista. Vale ressaltar que tal discussão envolve o fato de
que há, dentre as várias vacinas existentes, aquelas que são obrigatórias de acordo
com o Ministério da Saúde e que, portanto, devem ser acatadas por todos (BRASIL,
2014). Trata-se de vacinas para doenças infectocontagiosas que, geralmente, podem
desencadear epidemias. Há outras, porém, que são legalmente opcionais e isso pode
ser revertido para obrigatoriedade a depender da situação de uma população em
dado momento em relação à certa doença. Enfim, quando tratamos da obrigatorie-

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dade e da opcionalidade da vacinação nos referimos à possibilidade de o indivíduo


decidir sem interferência governamental.
Após análise das respostas, verificou-se que, do montante de 17 alunos que
participaram desta atividade, 10 (58,8%) consideraram possível a vacinação ser
opcional, embora colocando ressalvas para tal, as quais se expressavam por meio
de refutadores; 04 (23,5%) defenderam a obrigatoriedade; 02 (11,8%) não apresen-
taram uma posição concreta e 01 (5,9%) não soube responder. Para uma melhor
visualização dos argumentos separamos os alunos e suas respostas em grupos.
No Grupo 1 se inserem os alunos (58,8%) que consideraram possível o uso op-
cional da vacina. Tendo em vista os elementos propostos no modelo do Argumento
de Toulmin, observamos que nos argumentos desses alunos aparecem conclusões
que remetem à opcionalidade do uso da vacina; porém, nota-se a presença de refu-
tadores que estabelecem a ideia de vacinação pensada coletivamente, já que essa
é uma questão social.
Quanto à estrutura dos argumentos, segue um exemplo na figura 6:
A3. Para mim, sim, pois as pessoas têm crenças diferentes em relação à medicina, têm
religiões, logo deve ser opcional. Mas é necessário pensar coletivamente, já que vive-
mos em sociedade e temos que ter consciência para que as doenças não apareçam e
contaminem outros indivíduos.

Figura 6: Estrutura do argumento do aluno A6

Fonte: Elaborada pelos autores.

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No argumento de A3, verifica-se que o dado expressa ideias expostas no vídeo


e nas discussões ocorridas nas aulas relacionados às crenças que os indivíduos
possuem. A partir desse dado, o aluno apresentou sua conclusão, expressando que
o uso da vacina deve ser opcional. No entanto, o aluno refuta inteiramente a sua
conclusão, ressaltando que essa decisão deve ser pensada coletivamente, já que a
não vacinação pode possibilitar a disseminação de doenças. Esse refutador nos faz
refletir sobre certa incoerência apresentada na resposta do aluno, pois ele concluiu
que o uso da vacina deve ser opcional, mas ao mesmo tempo ressalta que essa de-
cisão deve ser pensada coletivamente. Porém, essa dissonância entre conclusão e
refutador não foi aprofundada no argumento.
Vale ressaltar que, a presença de refutadores seguindo essa linha de raciocínio,
nos argumentos desse grupo, é algo considerado adequado do ponto de vista da
mensagem que a SEI buscava promover aos alunos, pois há de se considerar que o
uso de vacinas deve ser um bem coletivo.
Dados empíricos relacionados ao papel de cada indivíduo para erradicação de
doenças poderiam ser mais explorados nas aulas a fim de se constituírem em ele-
mentos que fundamentassem melhor os argumentos de alguns dos alunos que se
inseriram neste grupo 1, os quais apresentaram ideiam conflituosas entre si.
No Grupo 2 se inserem os alunos que defenderam que o uso da vacina não deve
ser opcional (23,5%). Quanto ao conteúdo, os alunos nas suas conclusões defende-
ram que o uso da vacina garante que as pessoas não contraiam doenças ao longo
de suas vidas e, sobretudo, consideram a questão da vacinação levando em conta o
aspecto coletivo, social.
Podemos verificar que no argumento de A12 (Figura 7) os dados expressam
que a vacinação é a forma mais eficaz de se proteger contra doenças, mesmo com o
aparecimento dos efeitos colaterais. Com base nessas ideias, ele conclui que apesar
de todo embate existente na sociedade, o uso da vacina não deve ser opcional, já
que se trata de uma questão pública e de saúde. Entretanto, como proposto pelo
refutador, questões religiosas e culturais podem influenciar na tomada de decisão.
A12. Não, pois embora possa haver questões religiosas, culturais etc., a vacina deve
ser tratada como uma questão de saúde pública e coletiva. Isso torna todas as pessoas
seguras. Quanto aos efeitos colaterais, eles são raros e em soma, quando comparado
os efeitos aos benefícios é melhor tomar a vacina do que ficar doente.

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Figura 7: Estrutura do argumento do aluno A12

Fonte: Elaborada pelos autores.

A exemplo do argumento de A12, os demais alunos desse grupo, de forma consis-


tente, levaram em conta os aspectos da coletividade, o qual é fundamental quando
se pensa na questão da vacinação.
No Grupo 3, se inserem os alunos que não apresentaram uma justificativa
concreta sobre a opcionalidade ou não da vacinação (11,8%). Quanto ao conteúdo dos
argumentos, os alunos apresentam nas suas conclusões que a questão individual
versus social entra em embate para que as pessoas tomem suas decisões.
A11, por exemplo, apresenta no seu dado a vacinação como processo individual
e público, isso faz com que o aluno não saiba opinar sobre a opcionalidade do uso
da vacina.
A11. Na verdade, eu não sei optar. Essa questão envolve práticas individuais e públicas,
as pessoas são projetadas a pensar de acordo como foram criadas ou informadas. Cabe
a cada um se informar se o que se tem de conhecimento é verídico, para assim defender
com justificativos fortes suas ideias.

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Figura 8: Estrutura do argumento do aluno A11

Fonte: Elaborada pelos autores.

Era de se esperar que os estudantes apresentassem argumentos com aspectos


controversos, porque, como informado por Cunha e Garcia (2019), mesmo que relatos
científicos se proponham a explicar os fenômenos no âmbito da saúde, os discursos
divulgados nesses relatos concorrem com mitos, crenças populares e outras expe-
riências sociais sobre a saúde e as enfermidades que são divulgados na atualidade,
principalmente por meio de canais de informação online. Ainda assim, entende-se que
as atividades serviram como uma ação para a Alfabetização Científica, em termos
de educação em saúde, considerando-se que esse tipo de educação é promovida pela
“combinação intencional de experiências de aprendizagem com objetivo de facilitar
medidas comportamentais ou ações sobre os determinantes sociais da saúde a serem
adotadas por pessoas, ou comunidades” (ASSIS, et al., 2010, p. 2).

Considerações finais

Os resultados evidenciam que a sequência de ensino por investigação apre-


sentada neste trabalho fomentou discussões relevantes acerca da opcionalidade/
obrigatoriedade da vacinação em uma turma de 1º ano do Ensino Médio, em aulas
da disciplina Biologia. No entanto, mesmo tendo vivenciado as atividades ao longo
da SEI, alguns alunos parecem não ter percebido o processo de vacinação como
algo importante para a saúde da sociedade, e que o comportamento de defensores
do movimento antivacinas pode comprometer um esforço historicamente construí-
do pela ciência e por políticas públicas no sentido de garantir qualidade de vida e

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longevidade para a humanidade. Isso sugere que determinados aspectos da SEI


precisam ser reformulados para que os alunos compreendam com mais profundi-
dade as implicações da opção pela não vacinação, tanto para os indivíduos em par-
ticular, como para a sociedade. A inclusão de textos com opiniões de especialistas,
por exemplo, poderá auxiliá-los a refletir sobre os movimentos antivacinas e pró
vacinas e a pensar criticamente, do ponto de vista da ciência, sobre esse embate,
de modo que identifiquem, sobretudo, as fragilidades de vários argumentos que
circulam nas mídias.
Não negamos que os aspectos envolvidos na produção, armazenamento e ma-
nipulação das vacinas devam ser vistos de forma crítica, de modo a se considerar
como estes podem resultar em efeitos adversos que venham a interferir na vida
dos indivíduos. Há também que se levar em conta, ainda, que todo medicamento
envolve efeitos colaterais e que a ponderação entre riscos e benefícios faz parte do
processo de análise do seu uso.
A problemática da vacinação proposta pela SEI, por sua vez, vai além de uma
questão pessoal, trazendo assim, uma discussão mais profunda, que requer argumen-
tos que, para se tornarem bem elaborados necessitam de uma série de informações
que se articulem como dados, garantias de inferências e conhecimentos de base
consistentes. Nesse sentido, passou-se a refletir sobre como a SEI e seu desenvolvi-
mento pode ser alterada de modo a garantir esse aspecto. Analisando criticamente
a SEI nessa perspectiva, o nosso olhar recai sobre a importância do entendimento
sobre dados epidemiológicos que explicitem a relação entre uso e não uso de vacinas
e a disseminação de doenças. Isso provavelmente evidenciaria o quanto a decisão
individual pelo uso ou não de vacinas repercute no coletivo. Tais dados, certamente,
seriam elementos fundamentais para o aprofundamento da problemática proposta
pela SEI, possibilitando uma melhor elaboração dos argumentos dos alunos sobre
o tema abordado, evitando também que o professor de Biologia tenha que apresen-
tar uma resposta final e decisiva para a questão de modo a suplantar o raciocínio
crítico dos alunos.

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Controvérsias sobre Vacinas: o que pensam os estudantes?

Vaccine controversies: what do students think?

Abstract

The vaccine is a milestone in the history of mankind, as its effectiveness has ensured that
several diseases were eradicated. However, it is noticeable that the number of people see-
king immunization has been declining, causing diseases, such as measles, to resurface. In
order to engage students in practices that favor the process of scientific literacy, this work
sought to analyze the construction of arguments elaborated by students of the 1st year of
High School in Biology classes, through an investigative teaching sequence based on the
vaccine theme , since themes involving the scientific and social approach show students
how science and society integration occurs. Analyzing the students’ oral speeches, the
emergence of rich debates on the theme is evident. However, the written texts of some
students suggest controversial arguments, in which rebuttals are completely opposed to
conclusions. There were also arguments similar to those disclosed in information channels,
in which vaccination is presented as an individual decision.

Keyword: Biology Teaching. Argumentation. Inquiry Teaching Sequence. Vaccines.

Notas
Reportagem do programa Domingo Espetacular (revista eletrônica da Rede Record), exibido originalmente
1

em 06/08/2017 e disponível em https://youtu.be/GlOaGXP1tPI (último acesso em 08/12/2019).


Reportagem do Programa Fantástico, da Rede Globo de Comunicações, exibida originalmente na edição
2

do dia 14/09/2014 e disponível em http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/09/governo-e-os-medicosga-


rantem-vacina-contra-hpv-e-segura.html (último acesso em 08/12/2019).

Agradecimento

Agradecemos à Capes pela bolsa e apoio financeiro.

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Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
João Carlos Leal Cunha, Edmilson de Souza

O jogo da memória como recurso


pedagógico
João Carlos Leal Cunha*, Edmilson de Souza**

Resumo
Há algumas décadas a sociedade passa por profunda transformação cultural pautada na infor-
mática. O uso intenso de tecnologia está presente em produtos, bens e serviços, sejam eles
para a mobilidade urbana, produção de alimentos, controle sanitário, produção de medicamen-
tos, ou uso pessoal como os computadores e os celulares, cada vez mais presentes na vida
dos jovens. Essa mudança cultural oferece oportunidades para o aprendizado da Matemática
no âmbito escolar. O jogo, e, portanto, o brincar, é um importante recurso para potencializar
o aprendizado dos estudantes no Ensino Fundamental. O presente trabalho investigou a ela-
boração de versões online e física do Jogo da Memória e seu uso como recurso pedagógico
para auxiliar a aprendizagem de conceitos de matemática utilizando a troca simbólica entre
algarismos indo-arábicos e egípcios. A pesquisa foi realizada com estudantes de duas Escolas
Estaduais de Campo Grande-MS. Os resultados apontam que a complexidade gradativa dos
caracteres e a exigência de realização de operações matemáticas podem alterar a tipologia
da resposta dos estudantes, por outro lado, diferentes atividades, independente do uso ou não
da informática, potencializam a aprendizagem dos conceitos matemáticos e a assimilação das
trocas simbólicas.

Palavras-chave: Jogo da Memória. Informática na Escola. Aprendizagem de Matemática. Alga-


rismos Egípcios.

*
Escola Estadual Maestro Frederico Liebermann. Doutorando em Educação atemática, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUCSP), Brasil. E-mail: [email protected]
**
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Programa de Mestrado Profissional em Educação
Científica e Matemática (PROFECM). Centro de Estudos em Recursos Naturais (CERNA). Brasil. E-mail:
[email protected]

Recebido em: 06/08/2020; Aceito em: 21/02/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11048
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

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O jogo da memória como recurso pedagógico

Introdução

Atualmente, a sociedade está imersa em uma transformação cultural que va-


loriza o uso intenso de tecnologia através de produtos, bens e serviços, sejam eles
para a mobilidade urbana, produção de alimentos, controle sanitário, produção de
medicamentos, ou uso pessoal como os computadores e os celulares, cada vez mais
presentes na vida dos jovens.
Essa mudança cultural também está presente na escola. Não raro, organizações
escolares estabelecem regras que limitam o uso e acesso a telefones celulares, tablets
e mesmo computadores portáteis. Por outro lado, também, têm ocorrido significativos
esforços governamentais, por organizações escolares e professores para, gradativa-
mente, os espaços de aprendizagem de educação formal aproveitar o potencial ofere-
cido pelas tecnologias disponíveis. As discussões favoráveis ou contrárias parecem
ser o indício de que relevantes mudanças no processo ensino-aprendizagem estão
em curso na Escola devido à tecnologia. (ZUIN & ZUIN, 2018; REINALDO et. al.,
2016; NAGUMO & TELES, 2016; SILVA, CORREIA & LIMA, 2010)
Um ramo prestigiado pelos jovens em idade escolar, marcado pelo intenso uso
tecnológico, é o entretenimento, especialmente os jogos. Os atuais telefones celu-
lares, tablets e notebooks, permitem que estudantes, dentro do espaço escolar (ex.
durante seu intervalo), se conectem em rede, com jogadores em diferentes partes
do mundo. E, dessa maneira, por iniciativa própria, os estudantes ampliam seu
espaço de interação e aprendizagem fora do espectro formal da escola sem nem
mesmo deixá-la. (COSTA, 2018; SALGADO, 2018; SILVA, 2018; BAUMGARTEL,
2016; CRUZ, 2016; ROMANELLO, 2016; UNIGRANRIO, 2016; RIBEIRO, LEITE
& SOUSA, 2009)
A Matemática está presente, como corpo de conhecimento, em praticamente
todos os processos que envolvem o desenvolvimento de produtos, bens e serviços
com caráter tecnológico, seja de maneira direta ou indireta. Entretanto, os usuá-
rios dessas tecnologias, em idade escolar, nem sempre conseguem estabelecer essa
relação, e mesmo não compreendem aspectos de matemática básica apresentados
na Escola Formal, como indicam avaliações de larga escala. (PIZARRO & LOPES
JUNIOR, 2017; BAUER, ALAVARSE & OLIVEIRA, 2015; KALINKE, MOCROSKY
& ESTEPHAN, 2013)

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A aprendizagem de matemática permanece desafiante. Diante de novas tecnolo-


gias, o ensino, atividade conduzida pelo docente, se apresenta como um vasto campo
de oportunidades ao considerar recursos como o jogo. O jogo, tratado como recurso
pedagógico, poderá aprimorar a prática do educador em matemática ao considerar
o ato de brincar como parte da estratégia em sala de aula. Essa visão sobre o ato de
brincar valoriza e distingue o recurso pedagógico na medida em que ele for capaz
de tomar a atenção e o interesse do estudante, mantendo-se como elemento lúdico,
isto é, apresentando dimensão que remete ao prazer e a alegria do estudante de
realizar as rotinas e regras do jogo, que desdobra na aprendizagem. (SOUZA, 2012)
Na Matemática observa-se uma relação de semelhança entre o jogo e a resolução
de problemas, ambos se alicerçam na ação do estudante e, ao considerar a ludicidade,
o jogo, também, requer o prazer proporcionado pela investigação dos seus processos
que decorrem do uso da estrutura de suas regras.
O termo lúdico se origina do vocabulário latino “ludus” que significa diversão,
brincadeira. Portanto, a brincadeira deve se fazer presente no jogo, pois esse aspecto
desenvolverá as habilidades psicomotoras da criança, a atenção, a imaginação, a
concentração e a socialização, habilidades estas essenciais no convívio social e no
desenvolvimento pessoal.
Segundo Kishimoto (2007), o jogo é um suporte metodológico a todos os níveis
de ensino, desde que a finalidade dele seja clara; a atividade apresente caráter
desafiador e que esteja adequado ao grau de aprendizagem do estudante. A autora
ressalta que as situações de ensino presentes no jogo e na resolução de problemas
devem ser lúdicas e priorizar a construção de novos conhecimentos.
Scheller (2018) et. ali. investigaram os ganhos cognitivos / socioemocionais de
atividades que fazem uso de jogos matemáticos fora da sala de aula, durante o
período do lanche. Como parte dos resultados, os autores avaliaram as diferentes
dimensões envolvidas nessa vivência que teve como pressuposto “de que os espaços de
aprendizagem extrapolam a sala de aula, elegeu-se como espaços de desenvolvimento
da proposta no ambiente escolar: parque, gramado, corredor, varanda e refeitório;
todos adaptados aos diferentes jogos e situações climáticas do período.”. Esses au-
tores, enfatizam o potencial que há no jogo para desdobrar em aprendizagens, bem
como seu débito com as emoções.

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As atividades (...) ilustram que a aprendizagem de noções matemáticas não ocorre


de forma linear. Foi resultado de um processo de interação mediado por educadores
que souberam utilizar jogos e brincadeira oportunamente, explorando o potencial
de desenvolvimento que existia por trás deles. Também é resultado de vivências que
envolveram emoções e prazer, curiosidade e interesse. (SCHELLER, 2018, p. 132)

De maneira conclusiva, os mesmos autores, sentenciam aspectos capitais da


relação do jogo com a aprendizagem em matemática:
(...) as atividades promoveram a participação coletiva e individual possibilitando
o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos cognitivo, afetivo e social.
Sendo assim, os jogos e as brincadeiras constituem-se em recursos facilitadores e
motivadores da aprendizagem e se efetivam como oportunizadores da relação da
criança entre o prazer e o conhecer.(SCHELLER, 2018, p.132)

O jogo como recurso pedagógico para o ensino da matemática, pelo exposto acima,
encontra ressonância nas pesquisas acadêmicas. Mas o que dizer de seu uso entre
os professores que atuam diretamente na Educação Básica?
Tenório, Rodrigues e Tenório (2015) realizaram investigação com 62 professores
de matemática do estado do Rio de Janeiro, com foco nas relações entre o uso de jogos
em simulações computacionais. Os autores apontam que os jogos mecânicos são mais
comumente empregados no ensino de matemática do que os digitais. Várias são as
razões indicadas pelos professores entrevistados para o não uso dos jogos digitais,
entre elas “Frequentar o laboratório de informática para empregar tecnologias de
software era incomum” (TENÓRIO, RODRIGUES e TENÓRIO, 2015, p.108). Nesse
mesmo estudo 55% acusam que nunca utilizaram o laboratório de informática e
outros 31% relatam que o espaço nem existe em suas escolas.
No presente trabalho de investigação avaliou-se o uso do Jogo da Memória
(elaboração própria), versões física e virtual, para estudantes do Ensino Funda-
mental, e suas correlações com possíveis ganhos na aprendizagem de Matemática
e/ou desdobramentos socioemocionais decorrentes da organização das atividades.
As atividades elaboradas foram concebidas a partir do pressuposto de que o
cotidiano da sala de aula de Matemática, mais do que recursos tecnológicos e/ou
pedagógicos, necessitam do engajamento do docente na compreensão e aprofunda-
mento acerca do uso desses recursos virtuais ou físicos para os processos inerentes
à apreensão do mundo, à aprendizagem.
Dessa maneira, o ensino, na perspectiva defendida no presente trabalho, se confi-
gura como um movimento essencialmente do protagonismo docente, cujo foco está na

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organização e compreensão dos recursos pedagógicos; elaboração e planejamento das


estratégias em sala de aula; compreensão e suporte de uma matriz epistemológica,
que por fim, esses e outros aspectos que auxiliam na aprendizagem do estudante.
A atividade docente, em sala de aula, compreende o exercício de mediação desse
conjunto de aspectos que auxiliam a aprendizagem do estudante a fim de promover
habilidades e competências que gradativamente resultem na autonomia do estudante
e sua postura interferente na realidade.

Metodologia

Lembrar é fundamental. Hoje, tornou-se lugar comum considerar que a me-


mória é parte dos recursos intelectuais que um ser humano dispõe para otimizar
sua faculdade mental de aprender. O Jogo da Memória se vale dos processos de
associação de imagens a partir da lembrança das mesmas, em instantes sucessivos
e de curto prazo pelos estudantes.
Dessa maneira, a pesquisa é norteada por uma pergunta inicial:
O Jogo da Memória com uso de imagens (algarismos egípcios/indo-arábicos) pode
ser considerado um recurso pedagógico que auxilia na aprendizagem de matemática?
Para responder à pergunta, um conjunto de atividades foram elaboradas pelos
autores do presente trabalho com a finalidade de coletar dados com seu público alvo,
estudantes do Ensino Fundamental. A partir dos dados coletados e da definição de
uma técnica específica para análise e interpretação, foi possível realizar inferências
sobre as respostas que os próprios estudantes indicam acerca de suas experiências
com os diferentes momentos estabelecidos para o uso de recursos físicos e virtuais,
montados sobre a ideia central do uso da memória, isto é, o Jogo da Memória.
As atividades foram divididas em três etapas:
a) Jogo da Memória: Virtual e Físico;
b) Percepção do estudante sobre os Recursos Pedagógicos e a Atividade de
Matemática;
c) Jogo da Memória: Cartas Virtuais, Cruzadinha e Quiz.
A pesquisa foi desenvolvida em duas escolas estaduais, com estudantes do 6º
ano do Ensino Fundamental, localizadas no município de Campo Grande-MS. As
escolas estão designadas pelas letras A e B, sendo que a A ofereceu o ensino regular
no ano de 2017 e assinalou 5,8 no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação

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Básica); e a Escola B ofereceu o ensino integral, no ano de 2017 e alcançou 4,2 no


IDEB. Os participantes da pesquisa estão em uma faixa etária média de dez anos.
O trabalho de investigação se pautou em atividades programadas e aplicadas
para 9 (nove) encontros com os estudantes de ambas escolas. Os encontros foram
realizados em dois momentos: a) em fevereiro de 2018, sendo 6 (seis) encontros, e,
b) em junho de 2018, com 3 (três) encontros.
No primeiro momento, em fevereiro, as atividades abrangeram as etapas “a”
e “b”, isto é, o “Jogo da Memória: Virtual e Físico”, e a “Percepção do estudante
sobre os Recursos Pedagógicos e a Atividade de Matemática”, respectivamente.
O segundo momento, em junho, as atividades designadas por “Jogo da Memória:
Cartas Virtuais, Palavra-chave e Quiz”, etapa “c”, foram organizadas mediante o
planejamento de uma sequência didática, que aprofundou os estudos em aula sobre
a correspondência entre os caracteres indo-arábicos e egípcios, bem como operações
matemáticas que exploram quantidades maiores de algarismos.
A pesquisa contou com a participação de trinta e um estudantes e o tempo uti-
lizado nas escolas foi adequado dentro da realidade de cada instituição. Ambas as
turmas acolheram a pesquisa com interesse.
A presente pesquisa contou com o apoio da direção das referidas escolas atra-
vés de autorização formal. As atividades desenvolvidas pelos estudantes foram
registradas em fotos, cujas autorizações de direito de imagem, também, foram pre-
viamente assinadas pelos pais e responsáveis no ato da matrícula, de acordo com
a normatização da Secretaria de Estado de Educação. As escolas foram escolhidas
por apresentarem realidades diferentes, uma em tempo integral e outra não, porém
esse aspecto não faz parte do escopo de análise do presente trabalho.
Com a finalidade de esmiuçar o roteiro metodológico da pesquisa, a seguir, são
apresentados: o método de Análise de Conteúdo, utilizado para compreender as
mensagens que as respostas dos estudantes, nas atividades propostas, comunicam
acerca do uso do jogo da memória; e, a descrição de cada uma das atividades pro-
postas, sua mecânica, bem como a forma dos dados gerados.

Análise de Conteúdos
Os dados coletados foram organizados e analisados segundo o método conhecido
como Análise de Conteúdo (AC). A abordagem utilizada foi da pesquisadora francesa
Laurence Bardin que descreve o alcance de aplicabilidade de seu trabalho como:

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[...] apercebemo-nos de que o campo de aplicação é extremamente vasto. Em última


análise, qualquer comunicação, isto é, qualquer transporte de significações de um
emissor para um receptor controlado ou não por este, deveria poder ser escrito, deci-
frado pelas técnicas de análise de conteúdo.(BARDIN, 2011, p.32)

De maneira mais específica, de acordo com Bardin (2011, p.42) a análise de


conteúdo pode ser definida como:
[…] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter, por proce-
dimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indica-
dores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos
às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

Diante do exposto, a escolha do método foi devido a natureza dos dados obtidos
se configurarem, em sua maior parte, em registros tácitos e frequentes de palavras e
símbolos, que à luz do tratamento proposto por Bardin podem ser categorizados de ma-
neira que as “mensagens” (ou os significados) permitam que os registros dos estudantes
(os dados) “falem” e, inferências possam ser realizadas a respeito dessas mensagens.
Considerando as características dos dados coletados e o conjunto de técnicas
da AC, optou-se pelo uso da técnica de análise categorial, que “cronologicamente é
a mais antiga; na prática é a mais utilizada. Funciona por operações de desmem-
bramento do texto em unidades, em categorias segundo agrupamentos analógicos”.
(BARDIN, 2016, p.201)
Uma vez definida a técnica a ser utilizada, de maneira geral, a aplicação é esta-
belecida, de acordo com Bardin (2011, p.95), através de um processo que compreende
três fases: 1) pré-análise; 2) exploração do material; 3) tratamento dos resultados.
A pré-análise compreende a fase de organização dos dados. Esse momento
corresponde a um “período de intuições, mas, tem por objetivo tornar operacionais
e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso do
desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de análise.”. De maneira
gradativa, esse contato inicial, de caráter mais livre, com o material coletado per-
mitiu aos investigadores delimitar o alcance tanto dos próprios dados, quanto dos
desdobramentos possíveis a partir deles. (BARDIN, 2011, p.95)
Como o trabalho foi realizado em dois diferentes períodos cronológicos, feverei-
ro e junho, os dados produzidos pelos estudantes no primeiro momento (fevereiro)
permitiu alcançar, dentro da fase de pré-análise, os dois principais objetivos que a
técnica defende:

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a superação da incerteza: o que eu julgo ver na mensagem estará lá efetivamente


contido, podendo esta visão muito pessoal ser partilhada por outros? Por outras pa-
lavras, será a minha leitura válida e generalizável?
o enriquecimento da leitura: se um olhar imediato, espontâneo, é já fecundo, não
poderá uma leitura atenta aumentar a produtividade e a pertinência? Pela desco-
berta de conteúdos e de estruturas que confirmam (ou infirmam) o que se procura
demonstrar a propósito das mensagens, ou pelo esclarecimento de elementos de
significações suscetíveis de conduzir a uma descrição de mecanismos de que a priori
não possuíamos a compreensão. (BARDIN, 2016, p.34)

A percepção desses objetivos, através dos dados, permitiu realizar modificações


no perfil das atividades a serem realizadas no segundo momento, em junho.
No que tange à superação da incerteza, a técnica deveria permitir que os dados
“falassem” acerca da hipótese inicial, interna à experiência dos proponentes da pes-
quisa. Essa hipótese inicial era de que os estudantes deveriam responder melhor
à identificação e à correspondência simbólica entre os caracteres indo-arábicos e
egípcios, do que à identificação e à correspondência simbólica através de operações
matemáticas.
Diante dessa hipótese, foram estabelecidas apenas as chamadas unidades de
registro, como parte da segunda fase da técnica de análise de conteúdo, a exploração
do material, que se baseiam no conjunto de dados das duas primeiras etapas de
atividades: a) Jogo da Memória Virtual e Físico, e b) Percepção do estudante sobre
os Recursos Pedagógicos e a Atividade de Matemática.
De acordo com Bardin (2016, p.133) “tratar o material é codificá-lo”. Essa codi-
ficação corresponde ao processo em que os “dados brutos são transformados siste-
maticamente e agregados em unidades, as quais permitem uma descrição exata das
características pertinentes do conteúdo”, e, de acordo com a técnica a organização
desse processo de codificação implica na escolha de: 1) Unidades: que representam
os recortes de dentro do conteúdo, e, carregam a significação codificada; 2) Regras
de Contagem: que permitem avaliar a frequência dessas unidades; 3) Categorias:
que classificam e agregam perfis decorrentes das unidades e contagem.
Como parte da fase de exploração do material, dentro do primeiro momento,
foram definidas um conjunto de unidades de registro referentes às etapas “a” e “b”
de atividades propostas, conforme ilustra o quadro 01.

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Quadro 1: Unidades de Registro - Primeiro Momento (Fevereiro)

Atividades Unidade de Registro


Número Mínimo de Jogadas
a) Jogo da Memória Virtual
Número Máximo de Jogadas
Familiaridade com a Informática
b) Percepção do Estudante sobre os
Recursos Pedagógicos e a Ativida- Familiaridade com o Jogo
de de Matemática
as palavras: Difícil, Divertido, Interessante, Legal e Ruim

Na etapa “c” das atividades do jogo da memória (Cruzadinha, Quiz e Cartas


Virtuais), dentro do segundo momento (junho), considerando a fase de exploração
do material, um conjunto mais simples e tácito de unidades de registro foi proposto
para avaliar a resposta dos estudantes. O quadro 02 ilustra as unidades de registro
definidas.

Quadro 2: Unidades de Registro - Segundo Momento (Junho)

Atividade Unidade de Registro


Acerto
Cruzadinha e Quiz
Erro
Número Mínimo de Jogadas
Número Máximo de Jogadas
Cartas Virtuais
as palavras: Bom, Confuso, Diferente, Difícil, Divertido, Fácil, Interessante,
Legal, Muito Bom, Muito Irado e Ótimo

Com a complementação dos dados da exploração do material do segundo mo-


mento (Jogo da Memória: Cartas Virtuais, Palavra-chave e Quiz), em junho, foi
possível o estabelecimento de categorias para agrupar as unidades de registro. Duas
categorias foram definidas: a) Desempenho e, b) Interesse.
A categoria “Desempenho” procura agregar as unidades de registro de ambos os
períodos cronológicos de atividades, de acordo com sua base comum de significação
(Número Máximo de Jogadas, Número Mínimo de Jogadas, Acerto e Erro), com a
finalidade de compreender se efetivamente o uso das trocas simbólicas e da presença
de operações matemáticas foram apreendidas pelos estudantes.
A categoria “Interesse” foi cunhada a partir da análise das unidades de registro
na forma de palavras, que foram propostas em ambos os momentos da pesquisa,
fevereiro e junho. É relevante destacar que no primeiro momento as unidades de

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registro eram fixas, restando ao estudante a escolha entre as unidades de registro


definidas. Enquanto no segundo momento, os próprios estudantes escolhiam, livre-
mente, que palavras (unidade de registro) mais bem representassem suas impres-
sões sobre a atividade. Essa categoria reúne a significação codificada que procura
responder à dimensão do lúdico, isto é, a avaliação que os estudantes fazem sobre
se as atividades são prazerosas/agradáveis ou não.
A terceira fase da técnica da análise de conteúdo, o tratamento dos resultados,
não foi linear. A fase foi caracterizada por idas e vindas, e as intuições iniciais
(previstas na técnica), bem como a hipótese inicial, que auxiliaram na estabilização
da compreensão acerca de quais categorias mais bem fariam o papel de comunicar
a “mensagem do jogo da memória”, em vários momentos exigiu uma releitura dos
dados iniciais, e de considerar um exame acerca do significado da frequência das
unidades de registro. Esse processo cumpriu o segundo objetivo da técnica que foi
o “enriquecimento da leitura” que terminou por permitir as inferências, como parte
necessária da fase de interpretação dos resultados.

O Jogo da Memória Virtual e Físico

O Jogo da Memória Virtual compreendeu a elaboração de cartas com símbolos


que ilustram caracteres egípcios e indo-arábicos, que expressam quantidades e
operações matemáticas. A elaboração das cartas e do jogo foi de autoria própria do
investigador (autor 1 do presente trabalho) e professor de Matemática (que atua há
30 anos na Educação Básica). Utilizou-se para confecção das cartas e desenvolvimento
do jogo o Sistema Educacional Online (SEDUC ONLINE) que é uma rede social de
conhecimento com finalidade de criar jogos online, de caráter gratuito, desafios e
atividades educativas diversas. O uso de programas desenvolvidos no SEDUC exige
inserir os estudantes em atividades de informática. No caso do presente trabalho isso
significa inseri-los em ambiente específico da escola, na chamada Sala de Tecnologia.
O jogo apresentou duas fases. Na primeira fase, os jogadores deveriam, a partir
da lembrança dos caracteres indo-arábicos e egípcios, bem como o conhecimento
acerca das correspondências quantitativas, montar pares de cartas devido sua
igualdade matemática. Na segunda fase, além da habilidade exigida na primeira
fase, os jogadores deveriam montar os pares de cartas a partir da solução de opera-
ções matemáticas, que, intercambiam o uso dos caracteres indo-arábicos e egípcios.

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O parâmetro objetivo utilizado foi o número de jogadas que eram necessárias


para os estudantes concluírem o jogo, isto é, desvendarem todas as correspondências
entre as cartas. O próprio sistema do SEDUC contabilizava as jogadas dos estu-
dantes. Em ambas as fases foi estabelecido como regra: que após o primeiro jogador
concluir a fase, todos os demais teriam 10 minutos adicionais para a integralização
do jogo. Para efeito de análise posterior, foi adotado como referência o valor de 30
jogadas para concluir o jogo. Esse número foi obtido considerando o tempo disponível
de aula, para efetivamente os estudantes jogarem, Foi necessário desconsiderar o
tempo de intervenções do professor com as explicações da atividade e uma margem
de segurança para não extrapolar o tempo da aula.
O jogo da memória, também, teve sua versão fora da sala de tecnologia (Jogo da
Memória Físico), distante dos computadores e do ambiente com apelo tecnológico.
Essa atividade organizada em sala de aula fez uso de materiais de baixo custo e
fácil acesso aos estudantes, que valorizam a construção através da manipulação e
ação colaborativa. Essa etapa da investigação procurou valorizar o aspecto presente
nos discursos escolares tanto entre professores, quanto estudantes, qual seja, de
que é necessário “aprender na prática”, com a “mão na massa”.
O jogo da memória torna-se nesse sentido um recurso pedagógico físico, familiar
ao estudante, porque sendo ele o autor, o objeto de conhecimento (Matemática) atra-
vés de suas próprias mãos ganha uma dimensão concreta, palpável, tangível, lúdica
ao desenrolar do processo de familiarização com as características menos tangíveis
inicialmente, tal como a troca simbólica e as operações matemáticas utilizando as
variações simbólicas. Na atividade na sala de aula o objetivo foi construir as cartas
e jogar livremente, com a hipótese de que esse momento adicional, em um tempo
futuro, resultaria em melhor desempenho em nova etapa de atividades.

Percepção do estudante sobre os Recursos Pedagógicos

A segunda etapa de atividades foi elaborada para cumprir dois objetivos: (1)
Reforçar a vivência dos estudantes com os elementos do jogo da memória e, ao
mesmo tempo (2) avaliar a percepção dos estudantes sobre a primeira etapa (Jogo
da Memória Virtual e Físico). As atividades abrangem três diferentes formas (ins-
trumentos avaliativos) de obter dados sobre o olhar dos estudantes em seu contato

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com o jogo da memória, sendo elas: a) Questionário; b) Palavra Chave e, c) Painel


Palavra e Símbolo.
A concepção desses instrumentos avaliativos foi montada sobre três critérios:
1) ser parte do processo de reflexão dos estudantes sobre as correspondências
simbólicas e quantitativas dos caracteres indo-arábicos e egípcios;
2) avaliar o uso dos recursos pedagógicos;
3) atender à realidade do tempo e da dinâmica da organização da própria escola
e da sala de aula real.
O instrumento designado por “Questionário” abrange 5 (cinco) perguntas, sen-
do duas delas destinadas a compreender a percepção que os estudantes possuem
a respeito do ambiente da sala de tecnologia, as outras três abordando o jogo da
memória. As questões propostas foram:
01 - Você já usou anteriormente a sala de tecnologia?
02 - Você gostou das aulas de Matemática na sala de tecnologia?
03 - Você achou o jogo da memória fácil?
04 - Você acha que o jogo da memória ajudou em sua concentração e na memória?
05 - O jogo da memória ajudou a melhorar o relacionamento com os colegas da
sala?
O instrumento “Palavra-chave” foi utilizado para investigar a resposta dos
estudantes às unidades de registro (palavras) pré-definidas, com intuito de ter um
indicador, embora rudimentar, sobre as percepções subjetivas dos estudantes. Cada
estudante deveria escolher uma única palavra, e, o critério de escolha foi definido
como: A palavra que mais bem representasse sua avaliação sobre as atividades rea-
lizadas. As palavras listadas foram: Interessante, Legal, Divertido, Difícil e Ruim.
O terceiro instrumento, “Painel Palavra e Símbolo”, estimulou os estudantes
a brincarem na lousa com a montagem de um painel a partir de palavras e os ca-
racteres indo-arábicos e egípcios. A atividade exigiu planejamento e conhecimento
do conteúdo a ser elaborado e apresentado durante as aulas a toda a turma. Sua
principal função era elevar a vivência dos estudantes com o tema, sem a preocupação
em produzir um registro formal a ser mensurado pela pesquisa a exemplo do Jogo
da Memória Físico, na primeira fase do trabalho.
A atividade que ocorreu em sala de aula e as ações dos estudantes respondiam
à questão proposta para o painel: “Qual é o símbolo egípcio?”

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Na tabela, que foi fixada na lousa, à frente de todos os estudantes, foram dis-
postos os registros que continham alguns valores numéricos indo-arábicos. Tam-
bém, foram elaborados cartões dos símbolos egípcios para um sorteio. A atividade
consistia em verificar se o estudante havia assimilado a correspondência entre
os caracteres indo-arábicos e os egípcios. Posteriormente, de forma individual, e,
mediante sorteio de um cartão, os estudantes iriam à frente participar, através da
colocação justaposta dos numerais equivalentes entre os dois sistemas estudados.
Os cartões foram organizados em conjuntos de quinze perguntas.

Jogo da Memória: Cartas Virtuais, Cruzadinha e Quiz

A terceira etapa do trabalho reuniu três atividades. O jogo designado “Cartas


Virtuais”, foi a primeira atividade, que seguiu o mesmo modelo do Jogo da Memória
Virtual aplicado no primeiro momento, em fevereiro. A diferença entre os dois é que
a segunda fase do jogo “Cartas Virtuais” apresenta maior complexidade das informa-
ções presentes nas cartas. De maneira específica, há maior presença de caracteres
indo-arábicos e egípcios, na forma de operações matemáticas, que intercambiam as
representações simbólicas.
A Cruzadinha e o Quiz consistem em responder a questionamentos que abran-
gem desde a identificação de caracteres à quantidades e operações matemáticas. As
respostas de ambos geram dados que se complementam, verificando possíveis con-
tradições na identificação entre símbolos e quantidades. Entretanto, há diferenças
na forma de obter a resposta do estudante. Na Cruzadinha, as respostas exigem,
do estudante, correlacionar (cruzar) os questionamentos, isto é, identificar de fato
as equivalências entre a quantidade e a representação simbólica. No Quiz, há mais
de uma alternativa para o estudante avaliar.

Resultados e Discussão

Os estudantes das escolas A e B, ao participarem do Jogo da Memória Virtual na


plataforma SEDUC ONLINE em sua primeira fase, foram incentivados a associarem
as cartas de símbolos egípcios aos valores numéricos indo-arábicos. Na segunda
fase do jogo, o foco dos estudantes era a formação de pares de cartas com operações
matemáticas considerando as trocas simbólicas entre algarismos indo-arábicos e

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egípcios. Os dados obtidos foram organizados considerando a correspondência entre


o número de jogadas necessárias para a integralização de cada uma das duas fases
do jogo e o quantitativo de estudantes em cada grupo de jogadas. A avaliação foi
feita ao analisar o número de jogadas mínimas e máximas. Foi adotado o valor de
referência de 30 jogadas. Abaixo desse quantitativo os estudantes estariam dentro
do tempo razoável para a conclusão do jogo.
Na Escola A, participaram quinze estudantes na atividade do Jogo da Memória
Virtual. Nessa escola, durante a primeira fase, o menor número de jogadas foi de
dezoito, enquanto o maior quantitativo de jogadas para integralização foi de qua-
renta e quatro.
Na segunda fase, cujas cartas traziam operações matemáticas, houve sensível
variação no número de jogadas necessárias para a integralização do jogo. O quan-
titativo de jogadas se deslocou positivamente, oscilando entre vinte e seis (mínimo)
e cinquenta e duas (máximo) jogadas. As figuras 01 (primeira fase) e 02 (segunda
fase) ilustram as relações entre o número de jogadas e o número de estudantes da
Escola A. As bolhas em vermelho representam agrupamentos de estudantes que
conseguiram concluir o jogo com menor número de jogadas (abaixo de 30). As bolhas
em azul correspondem aos agrupamentos de estudantes com necessidade de maior
número de jogadas e tempo adicional para integralizar a fase. A dimensão da bolha
ilustra o tamanho do agrupamento de estudantes.

Figura 1: Primeira Fase do Jogo da Memória Virtual – Escola A

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Figura 2: Segunda Fase do Jogo da Memória Virtual – Escola A

É possível, comparativamente, verificar que na figura 02 as bolhas azuis são


mais pronunciadas do que na figura 01, o que implica que um contingente maior
de estudantes necessitou de tempo adicional, e, de maior número de jogadas, para
a integralização do jogo.
Na primeira fase, figura 01, as bolhas vermelhas são expressivas, representan-
do 87% dos estudantes, que concluíram o jogo com número satisfatório de jogadas,
abaixo de 30. Por outro lado, na segunda fase, que envolvia o reconhecimento e a
realização de operações matemáticas, o contingente de estudantes que necessitou
de maior tempo e número de jogadas para concluir o jogo (bolhas azuis) elevou-se
de 13% (primeira fase) para 67% na segunda fase.
Na Escola B participaram da atividade dezesseis estudantes. Durante a primeira
fase foram necessárias o mínimo de vinte jogadas e o máximo de cinquenta jogadas,
para diferentes agrupamentos de estudantes concluírem a fase. Na segunda fase, o
menor número de jogadas foi de vinte e o maior número foi de quarenta para concluir
a fase. As figuras 03 e 04 ilustram os resultados, respectivamente, nas primeira e
segunda fases do Jogo da Memória Virtual com os estudantes da Escola B.

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Figura 3: Primeira Fase do Jogo da Memória Virtual – Escola B

As bolhas em vermelho, figura 03, ilustram os grupos de estudantes que, com


um número menor de jogadas, conseguiram finalizar o processo completo de iden-
tificação e correspondência dos símbolos indo-arábicos e egípcios, cerca de 63% dos
estudantes. Dois estudantes que conseguiram concluir o jogo abaixo de 30 jogadas
foram representados em azul devido terem usado tempo adicional. Entretanto, como
ficaram dentro da meta de jogadas foram contabilizados junto ao primeiro grupo.
Dessa maneira, cerca de 25% dos estudantes utilizaram de maior tempo e maior
número de jogadas, que oscilaram entre 33 e 50 jogadas para conclusão.

Figura 4: Segunda Fase do Jogo da Memória Virtual – Escola B

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A figura 04 ilustra o resultado referente à segunda fase, em que as bolhas


vermelhas diminuem sua expressão, comparativamente à figura 03. O número de
estudantes que atingiram a meta, de concluir o jogo abaixo de 30 jogadas, foi reduzido
em 75% em relação à primeira fase. Por outro lado, o percentual de estudantes que
demandam mais de 30 jogadas e tempo adicional, para concluir o jogo por completo,
salta de 25% para 50%, indicando que encontram maior dificuldade para lidar com
as cartas que traziam em seu corpo operações matemáticas.
Os resultados anteriores foram analisados de acordo com a definição de duas
unidades de registro sendo elas: 1) número mínimo de jogadas e 2) número máxi-
mo de jogadas. A partir dessas duas unidades de registro serão agrupados todos os
dados apresentados anteriormente, como maneira de compreender suas relações
quantitativas e de frequência.
A tabela 01 reúne os dados das unidades de registro em valores absolutos que
abrangem os dados das fronteiras superior e inferior do jogo, isto é, os agrupamentos
com as menores e maiores números de jogadas. Também, estão reunidas as unidades
de registro com valores percentuais que identificam a frequência da obtenção da
meta de jogadas em relação ao número de jogadas de referência (mínimo: menor do
que 30 jogadas / máximo: igual ou maior a 30 jogadas).

Tabela 1: Unidades de Registro - Consolidação de Dados das Escolas A e B


Unidades de Registro
Número de Jogadas Número de Jogadas
(valores absolutos) (valores percentuais)
Escola Fases Mínimo Máximo Mínimo (%) Máximo (%)
1 18 44 87 13
A
2 26 52 33 67
1 20 50 75 25
B
2 20 40 50 50

Ao analisar, na tabela 01, os dados das escolas A e B, com relação às unidades


de registro com valores absolutos, observa-se que, independente da fase, o número
máximo de jogadas é equivalente ao dobro do número mínimo de jogadas. Adicional-
mente, verifica-se que a razão entre número máximo de jogadas e número mínimo
de jogadas são semelhantes em função da fase, isto é, para a fase 1 ambas as es-
colas apresentaram razão próxima (2,4) ou igual a 2,5, enquanto na fase 2 a razão
foi exatamente igual a 2,0 para ambas. A fase 1 apresenta um leve incremento na
amplitude em relação à fase 2 em ambas as escolas.

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Com relação ao conjunto de dados das unidades de registro com valores percen-
tuais é verificado que o comportamento do número mínimo de jogadas (e também
do número máximo de jogadas) entre as fases 1 e 2, em ambas as escolas, são seme-
lhantes. O número mínimo de jogadas sofre redução percentual na fase 2, enquanto,
de maneira inversa, o número máximo de jogadas na fase 2 se eleva. Destaca-se que
na fase 1, em ambas as escolas, a amplitude é maior em relação à fase 2.
É possível inferir acerca dos resultados acima que, de maneira geral, os estu-
dantes encontraram maiores dificuldades quando o jogo elevou o grau de exigência,
incluindo a resolução de operações matemáticas, que além da exigência de iden-
tificar e reconhecer a correspondência entre os símbolos indo-arábicos e egípcios,
também, exige o uso do raciocínio lógico e matemático para efetuar as operações,
isto é, há a ampliação do número de caracteres e exigência de realização efetiva
de cálculo nas cartas da segunda fase. Por outro lado, a redução na amplitude na
fase 2, especialmente na escola B, pode indicar ganho na familiaridade acerca dos
símbolos e/ou da mecânica do próprio jogo.
O Jogo da Memória Físico, diferente de sua versão Virtual, procurou explorar
o trabalho colaborativo entre os estudantes e não o monitoramento do número de
jogadas. Organizados em grupos e considerando que as regras do jogo seriam as
mesmas da versão Virtual, o foco passou a ser a imersão (vivência) na concepção do
jogo através da confecção das cartas, e, posteriormente, a capacidade dos estudan-
tes de, entre si, estabelecer a arbitragem do jogo a partir da experiência anterior.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aponta como competência especí-
fica para a aprendizagem de Matemática nas séries finais do Ensino Fundamental:
Interagir com seus pares de forma cooperativa, trabalhando coletivamente no pla-
nejamento e desenvolvimento de pesquisas para responder a questionamentos e na
busca de soluções para problemas, de modo a identificar aspectos consensuais ou não
na discussão de uma determinada questão, respeitando o modo de pensar dos colegas
e aprendendo com eles. (BRASIL, 2018, p.267)

A competência destacada na citação acima, embora esteja colocada como especí-


fica para a Matemática, quando desenvolvida tem repercussão para todas as áreas
da vida do estudante. É lugar comum o conhecimento de que a vida em sociedade
pressupõe estabelecer relacionamentos com os outros. Esse relacionamento foi o pano
de fundo para a proposição do Jogo da Memória Físico, uma vez que está centrado
principalmente na cooperação entre os estudantes, isto é, o objetivo da atividade só

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é alcançado mediante o trabalho em conjunto. As figuras 05 e 06 ilustram o trabalho


de um grupo de estudantes durante a confecção das cartas do jogo.

Figura 5: Grupo de Estudantes confeccionando cartas do Jogo Físico.

Figura 6: Grupo de Estudantes confeccionando cartas do Jogo Físico.

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É possível observar em ambas as situações ilustradas nas figuras 05 e 06 que os


estudantes estão manipulando cartões que possuem os sistemas numéricos indo-ará-
bico e egípcio. A atividade exige a construção de consenso entre os estudantes para
realizar a seleção de quais as cartas de fato irão compor o jogo de seu grupo. Esse
procedimento natural acaba por ampliar as oportunidades de desenvolver a habili-
dade de identificar os caracteres e relacioná-los com a quantidade que representa.
Essa atividade permitiu, ao professor, realizar pequenas intervenções sobre o
aspecto da matriz cultural da formação dos números, no caso, os ocidentais, utili-
zados cotidianamente pelos estudantes e os de origem egípcia. Inserir rudimentos
de História da Matemática está prevista na BNCC ao lado da afirmação do uso de
diferentes recursos didáticos para o ensino da matemática:
Além dos diferentes recursos didáticos e materiais, como malhas quadriculadas,
ábacos, jogos, calculadoras, planilhas eletrônicas e softwares de geometria dinâmi-
ca, é importante incluir a história da Matemática como recurso que pode despertar
interesse e representar um contexto significativo para aprender e ensinar Matemá-
tica. Entretanto, esses recursos e materiais precisam estar integrados a situações
que propiciem a reflexão, contribuindo para a sistematização e a formalização dos
conceitos matemáticos. (BRASIL, 2018, p.298)

Pelo exposto acima, O Jogo da Memória Físico entregou como resultado o es-
tabelecimento de momentos que propiciaram aos estudantes o fortalecimento das
relações interpessoais necessárias para o trabalho em grupo, e em decorrência do
processo de manipulação direta com a construção das cartas, maior familiaridade
com o tema. Tornou-se notório que esse ambiente estimulou o debate, a reflexão e
contribuiu para os estudantes sedimentarem maior domínio sobre a troca simbólica
e as operações matemáticas envolvidas na atividade.
Os resultados das atividades que representam a etapa “Percepção do estudan-
te sobre os Recursos Pedagógicos e a Atividade de Matemática” são apresentados
na sequência. O primeiro deles, o questionário, é apresentado na tabela 02. Duas
unidades de registro, familiaridade com a informática e familiaridade com o jogo,
foram definidas para avaliar o conjunto de respostas.

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Tabela 2: Questionário sobre Percepção dos Estudantes


Respostas em Percentagem (%) Escolas
Questões A B
Você já usou anteriormente a Sala de Tecnologia? 80 81
Você gostou das aulas de Matemática na sala de tecnologia? 100 100
Você achou o jogo da memória fácil? 100 88
Você acha que o jogo da memória ajudou em sua concentração e memória? 100 88
O jogo da memória ajudou a melhorar o relacionamento com os colegas da sala? 73 75

A unidade de registro designada por familiaridade com a informática abrangeu


as duas primeiras questões. A questão inicial sonda a familiaridade dos estudantes
com a sala de tecnologia e por conseguinte, com seus recursos. Na questão “Você
já usou anteriormente a sala de tecnologia?”, as respostas foram semelhantes em
ambas as escolas A e B. Cerca de 80% dos estudantes responderam positivamente,
afirmando que frequentaram várias vezes o espaço da sala de tecnologia, o que
implica que a maioria dos estudantes realizaram atividades com uso do compu-
tador em outras disciplinas. Embora o jogo da memória, na forma digital, tenha
sido construído para ser intuitivo para o estudante, a não familiaridade com o uso
do computador disponível na própria escola pode dificultar, intimidar ou mesmo
oferecer desconforto para a realização adequada da atividade proposta.
A segunda questão “Você gostou das aulas de Matemática na sala de tecnologia?”
remete à percepção da atividade proposta na sala de tecnologia como prazerosa (ou
não). As respostas dos estudantes foram unânimes em indicar positivamente, que
o jogo da memória em sua versão online foi uma atividade agradável.
A familiaridade com o jogo foi definida como outra unidade de registro para
avaliar o conjunto das três últimas questões. Os estudantes, em resposta à tercei-
ra questão, avaliaram o jogo da memória como “fácil”, sendo esta manifestação na
escola A de 100% e na escola B de 88%.
Ao verificar junto aos estudantes se os mesmos julgam que as atividades reali-
zadas conferem algum ganho, sejam eles cognitivos (quarta questão) ou socioemo-
cionais (quinta questão), avaliaram que a atenção e a memória (entre 88% e 100%)
são características mais pronunciados do que as relações interpessoais (73% a 75%).
A respeito da importância de considerar a atenção e a memória como indicador de
ganho cognitivo em jogos de caráter digital, a pesquisa de Silva e Scheffer (2019,

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p. 170) afirma que os mesmos “beneficiam os estudantes na aprendizagem dos


conceitos básicos da Matemática e desenvolvem as funções cognitivas de atenção e
memória, imprescindíveis para a disciplina”.
A unidade de registro “familiaridade com a informática” formada por seus seus
componentes, as duas primeiras questões da tabela 02, confirma que os estudantes
tanto da escola A, quanto da escola B, demonstram, através de suas respostas, que
conhecem o ambiente da sala de tecnologia, e possivelmente tem uso frequente de
seus recursos. Porém, os estudantes avaliam melhor a atividade proposta pelo jogo
da memória do que o próprio uso do ambiente onde o jogo é realizado.
As três últimas questões da tabela 02 formam o conteúdo da unidade de registro
“familiaridade com o jogo”. Embora com percentuais altos em todas as respostas em
ambas as escolas, acima de 70%, o aspecto do trabalho cooperativo entre os estudan-
tes obteve avaliação negativa por cerca de 1/4 do conjunto de todos os estudantes. De
maneira geral, a unidade de registro indica que os estudantes percebem “ganhos”
proporcionados pelo jogo da memória, em parte porque a atividade é reconhecida
como acessível e compreensível (questão 3), em parte porque o conteúdo do jogo
obteve a atenção (questão 4), auxiliando no processo de memória.
O segundo instrumento de avaliação da percepção dos estudantes sobre o jogo
da memória foi a escolha de uma “palavra-chave” ou uma unidade de registro. A
análise dos dados indica significativas diferenças na avaliação que os estudantes
de ambas as escolas fizeram sobre as atividades realizadas.
Na escola A se verificou o predomínio de uma palavra para representar sua
percepção sobre as atividades. A palavra INTERESSANTE foi escolhida por 64%
dos estudantes como principal característica das atividades realizadas. Mas o que
significa classificar as atividades realizadas como “interessante” para os estudantes?
Entre as palavras selecionadas nesta escola não aparece nenhuma que indique
desaprovação das atividades, porém, a divisão percentual das escolhas merece
maior atenção.
Entre as palavras selecionadas pelos estudantes, uma em especial é utilizada no
dia a dia por eles, LEGAL. Em geral, esse termo é utilizado indiscriminadamente
por crianças e jovens, para praticamente qualquer objeto, pessoa ou circunstância,
mas que, claramente, o impele a reconhecer que aquele “algo” que é legal, essen-
cialmente o agrada. A palavra LEGAL obteve 22% das escolhas da turma. De fato,
esse é um percentual relativamente baixo, pois pouco mais de 1/5 dos estudantes

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avalia a atividade com o termo que reconhece um celular, um brinquedo, um passeio


de seu desejo, enfim, a atividade remete ao sentido de motivador, agradável, que
enriquece sua pessoa, sua vida.
Alves e Bianchin (2010) observam que esses aspectos (alguns apresentados
acima), também, qualificam o jogo para a criança. Trata-se do fulcro da própria
definição do termo em sua raiz latina, a designação “ludus” que significa diversão,
brincadeira e, que é tido como um recurso capaz de promover um ambiente plane-
jado, motivador, agradável e enriquecido, possibilitando a aprendizagem de várias
habilidades.
Adicionalmente ao resultado obtido acima está a palavra DIVERTIDO. Cerca
de 14% dos estudantes reconhecem as atividades como tal. Ela, semelhantemente
à anterior, LEGAL, remete a uma ideia agradável e motivadora, porém ela é bem
mais específica ao jogo. O jogo, para a criança, tem a função de divertir, entreter,
alegrar, e, também, educar, estimular a aprendizagem. A brincadeira, portanto,
estabelece uma dupla função quando exercida pela criança, e, essa dupla função,
para os autores da presente pesquisa, é bem representada pelas palavras divertir
e educar. Elas representam toda a miríade de possibilidades da brincadeira.
Essa visão implica que a brincadeira irá inserir a criança em um universo maior
do que ela mesma, como afirma Vygotsky (2007, p.122), e, consequentemente trará
a ela não somente uma nova dimensão comportamental, mas também, acerca de
suas necessidades e consciência diante de sua existência. Dessa forma é na brin-
cadeira que:
(...) a criança se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de
seu comportamento diário. A criança vivencia uma experiência no brinquedo como
se ela fosse maior do que é na realidade... O brinquedo fornece estrutura básica para
mudanças das necessidades e da consciência da criança.

É notório que, ao observar em conjunto, o uso das palavras LEGAL e DIVER-


TIDO, cerca de 36% das escolhas, elas esclarecem o significado da atividade para
os estudantes da Escola A. E, também, possibilita especular acerca do significado
da escolha de 64% dos estudantes, que consideraram a atividade como INTERES-
SANTE.
Não raro, no cotidiano de acompanhamento da prática docente, é observado
os professores afirmarem que durante as séries finais do Ensino Fundamental as

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crianças parecem, gradativamente, perder o interesse pelos estudos. Esse é de fato


um assunto complexo por demais e foge ao escopo do presente trabalho, mas um
aspecto dele será utilizado para ampliar as reflexões anteriores. Esse aspecto é a
curiosidade do estudante.
Crianças por natureza são curiosas. A sobrevivência do ser humano urge pelo
conhecimento do mundo que o rodeia, e, uma emoção importante que desvela essa
situação é a curiosidade. E, a curiosidade tem uma relação direta com uma atitude
investigativa em relação ao mundo.
De acordo com De Paula e Harres (2015) a ciência é uma atividade baseada em
uma emoção humana básica que é a curiosidade, e, essa emoção, as autoras pro-
curam respaldar seus argumentos na obra do epistemólogo Humberto Maturana.
Maturana define que ao buscar o conhecimento e a aprendizagem, o domínio de
ação emocional em que se está é o da curiosidade, ou a paixão pelo explicar. Acerca
desse aspecto, os escritos do próprio Maturana (2001, p.132) esclarecem:
A emoção fundamental que especifica o domínio de ações no qual a ciência acontece
como uma atividade humana é a curiosidade, sob a forma do desejo ou paixão pelo
explicar. Além disso, o que constitui a ciência como um tipo particular de explicação
é o critério de validação que nós cientistas usamos, explícita ou implicitamente, para
aceitarmos nossas explicações como explicações científicas ao praticarmos a ciência
sob a paixão do explicar.

Nesse ponto, entende-se, e, defende-se, no presente trabalho, que os estudantes


ao classificarem as atividades de INTERESSANTE possam estar indicando que a
atividade desperta sua curiosidade, e lhes acende tal emoção, que os dirige para,
de maneira mais ampla, compreendê-la como, também, LEGAL e DIVERTIDA.
Dessa forma, os estudantes que assim classificam as atividades, também, cursam o
6º ano do Ensino Fundamental, e, que estariam em uma zona de transição daquela
apontada anteriormente, nesse trabalho, pela prática docente cotidiana, como cami-
nhando para certa apatia (desinteresse) pelo conhecimento. Esses estudantes, em
específico, parecem identificar no Jogo da Memória, uma brincadeira que remete
ao rol de emoções que auxiliam o espírito investigativo tão presente nas ciências.
A figura 07 ilustra as respostas dos estudantes da Escola A.

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Figura 7: Unidades de Registro para a Percepção dos Estudantes – Escola A.

Ao analisar-se, comparativamente, os dados obtidos com os estudantes da Escola


B, o padrão de respostas, a princípio, parecem distintos dos apresentados para a
Escola A.
Os estudantes da Escola B, diferentemente dos estudantes da Escola A, deixa-
ram a palavra INTERESSANTE com o menor percentual entre o grupo das três
palavras analisadas anteriormente, com apenas 13%. Entretanto, as duas outras
palavras, LEGAL e DIVERTIDO, apresentam uma soma total ainda maior que da
palavra com escolha majoritária na Escola A, cerca de 70% das escolhas, apontando
o caráter já explorado acerca da perspectiva da atividade ser agradável, motivadora
e, também, que oferece subsídios para educar. A figura 08 ilustra as respostas dos
estudantes da Escola B.

Figura 8: Unidades de Registro para a Percepção dos Estudantes – Escola B

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Adicional aos argumentos anteriores, observa-se que, outra diferença marcante


é a escolha da opção RUIM pelos estudantes da escola B, 13% das respostas. Esse
resultado, não deixa dúvidas, que não se trata da dificuldade da atividade, porque
eles poderiam ter optado pela palavra DIFÍCIL, que se diga de passagem, obteve
um baixo percentual, apenas um único estudante em ambas as escolas.
A explicação é que esse grupo de estudantes que optou por RUIM não gostou
da atividade. É necessário aprofundar a pesquisa nesse aspecto, mas a hipótese
é que esses estudantes, possivelmente, não compreenderam o jogo proposto como
essencialmente lúdico. O simples fato de ser um jogo não significa que basta para
ser visto por todos os estudantes como algo lúdico.
Essa argumentação é apresentada por Brougère (1998, p.114):
O que caracteriza o jogo é menos o que se busca do que o modo como se brinca, o
estado de espírito com que se brinca. Isso leva a dar muita importância à noção de
interpretação, ao considerar uma atividade como lúdica. Quem diz interpretação su-
põe um contexto cultural subjacente ligado à linguagem, que permite dar sentido às
atividades. O jogo se inscreve num sistema de significações que nos leva, por exemplo,
a interpretar como brincar, em função da imagem que temos dessa atividade

Portanto, é possível que alguns estudantes tenham a imagem estigmatizada da


matemática refletida no jogo da memória, e dessa maneira, a atividade não seria
vista como lúdica, mas como uma das “exigências da matéria de matemática”.
A Escola B, diferente da Escola A, funciona em tempo integral para desenvolver
a Educação Integral. É sabido que a implantação de escolas nessa modalidade é
recente em Mato Grosso do Sul, e os próprios professores ainda estão se adaptando
a essa nova maneira de fazer Educação. Uma pergunta que precisa ser respondida
é se essa nova escola não estaria apenas ampliando a carga horária, mas reprodu-
zindo o mesmo modelo de ensino.
Em nome do uso de novos métodos, se estaria apenas exacerbando o uso de es-
paços como a sala de tecnologia, que, sem uma mudança evidente no paradigma de
trabalho, pouco mudaria a percepção dos estudantes sobre o que se aprende, sobre
o espaço da sala de aula (seja ela com ou sem computador). O modelo de mais carga
horária logo pode se esgotar, resultando em desinteresse e atenuação da curiosi-
dade pelas atividades em sala de aula. É possível que o ambiente de uso contínuo
nessa escola da sala de tecnologia possa ter alterado sensivelmente a avaliação dos
estudantes sobre a atividade desenvolvida, resultando nos 13% que optaram por
INTERESSANTE. Entretanto, não é possível avaliar a dimensão do uso continuado

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de salas de tecnologia com os dados da presente pesquisa, até porque a soma das
outras duas categorias, DIVERTIDO e LEGAL, na Escola B, somam expressivos 70%.
De maneira geral, é possível afirmar com segurança, e os dados oferecem tal
suporte, que os estudantes de ambas as escolas avaliaram o Jogo da Memória como
possuidor das qualidades básicas de uma atividade de caráter lúdico para a idade
deles e, que também, é uma ferramenta que possibilita ganhos para a aprendizagem.
O terceiro instrumento de avaliação da etapa sobre a percepção dos estudantes
sobre o jogo da memória e atividades de matemática foi o Painel Palavra e Símbolo.
Na atividade os estudantes realizaram a montagem de um painel e se apresenta-
ram à frente (na lousa) mediante sorteio para identificarem a equivalência entre
caracteres indo-arábicos e egípcios, bem como cálculos matemáticos.
A atividade exigiu do estudante, através da justaposição de pequenos recortes de
papel, a confecção de um painel, uma espécie de tabela, em que os símbolos a serem
explorados poderiam confirmar o planejamento da associação entre os caracteres
egípcios, os indo-arábicos, as quantidades e operações matemáticas propostas pelo
professor. A figura 09 ilustra um dos estudantes à frente no painel.

Figura 9: Estudante realizando a Atividade de Elaboração do Painel

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O jogo da memória como recurso pedagógico

Os estudantes, de forma geral, demonstraram domínio tanto sobre a identifi-


cação quanto às operações matemáticas. O destaque desta atividade foi o símbolo
egípcio “flor de lótus”, que representa a quantidade 1000 (mil). Esse símbolo gerou
dúvidas quanto a seu uso. E, embora o seu desenho seja mais complexo, ele também
representa uma quantidade maior comparativamente às demais utilizadas pelos
estudantes durante o jogo.
Os resultados apresentados acima correspondem aos dados obtidos no primeiro
momento da pesquisa, em fevereiro. A seguir, são apresentados os resultados das
atividades do segundo momento, em junho, que foram aplicadas nas mesmas escolas
às mesmas turmas. Nessa etapa, após cerca de 120 dias do primeiro contato com
o jogo da memória, os estudantes participaram do que foi designado por Jogo da
Memória: Cartas Virtuais, Cruzadinha e Quiz. A concepção dessas novas atividades
consideraram os resultados e reflexões oriundas das intervenções anteriores. E,
foram organizadas em uma sequência didática, cujos resultados de sua aplicação
serão expostos em seguida.
As Cartas Virtuais correspondem ao Jogo da Memória Virtual. As regras são
as mesmas, porém, utilizando um número maior de caracteres, com incremento
da complexidade em relação à primeira versão, sendo que as rotinas consideram
apenas operações matemáticas.
Os resultados foram semelhantes em ambas as escolas. Cerca de 60% dos
estudantes ao jogar realizaram entre quinze e vinte e cinco jogadas para concluir
o jogo, uma quantidade significativamente menor comparativamente à primeira
versão online. Esse dado indica que mais da metade dos estudantes adquiriram a
habilidade de identificar a troca simbólica entre os algarismos indo-arábicos e os
egípcios, exigindo menor tempo e número de jogadas para a integralização do jogo.
Notou-se, que cerca de 12% dos estudantes (escolas A e B) fizeram uso de tempo
adicional para integralizar o jogo. Entretanto, o número de jogadas necessárias
para esse grupo de estudantes, na média, pouco se alterou em relação aos resulta-
dos da primeira versão do jogo da memória virtual, oscilando entre trinta e seis e
cinquenta e cinco jogadas. A figura 10 ilustra um grupo de estudantes realizando
o jogo Cartas Virtuais.

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Figura 10: Estudantes realizando rotinas do Jogo Cartas Virtuais.

De maneira conclusiva, ao se comparar os resultados da primeira versão do jogo


da memória virtual e o jogo Cartas Virtuais, é notório que na medida que a com-
plexidade de caracteres envolvidos na carta se eleva o número de jogadas também
sofre incremento.
Esse comportamento ficou evidente nos resultados da primeira versão virtual,
em que durante a realização da segunda fase do jogo, que utilizava exclusivamente
as operações matemáticas (semelhantemente às Cartas Virtuais), o percentual de
estudantes que necessitavam de tempo adicional para integralizar o jogo oscilou
entre 50% (Escola B) e 67% (Escola A), enquanto no jogo Cartas Virtuais esse per-
centual permaneceu pouco acima de 10%, em ambas Escolas, porém com a mesma
faixa de número de jogadas.
Atribui-se a queda significativa do número de estudantes que fizeram uso de
tempo adicional para integralização do jogo com operações matemáticas (maior nível
de complexidade) ao desenvolvimento (e estabilidade) da habilidade de identificar
os caracteres e reconhecer as equivalências quantitativas desses caracteres. Na
primeira intervenção verificou-se que os estudantes não possuíam experiências com

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as trocas simbólicas entre algarismos estudados, e mesmo as atividades propostas


evidenciaram tal fato. Os resultados sugerem que o conjunto de atividades realizadas
inicialmente com o Jogo da Memória Virtual e Físico, bem como o uso do Painel de
Símbolos, tenham influenciado o desempenho dos estudantes no jogo Cartas Virtuais,
mesmo 120 dias depois, ou ao menos, os estudantes demonstraram serem capazes
de identificar e realizar as rotinas do jogo em menor tempo e com um número até
5 vezes menor de estudantes necessitando de tempo adicional para integralização.
Outra atividade desenvolvida e aplicada para verificar a compreensão dos es-
tudantes sobre o jogo da memória foi a chamada Cruzadinha.
A Cruzadinha era composta por seis perguntas conforme ilustra a figura 11,
extraída diretamente do recorte de um formulário aplicado. Ao lado, também na
figura 11, um fragmento do formulário de resposta preenchido por um estudante.

Figura 11: Recortes dos Formulários de Perguntas e de Respostas de um dos estudantes.

O comportamento das respostas dos estudantes foi semelhante ao longo de quatro


das seis questões. As questões 1, 2, 5 e 6, tiveram todas o percentual de acerto de
92% dos estudantes, que correspondeu a 22 estudantes. O algarismo egípcio que
equivale a dez no sistema indo-arábico possui traços simples, fazendo lembrar a letra
“C” para baixo, ou mesmo uma ferradura. O propósito da questão era verificar se
os estudantes seriam capazes de identificar esse algarismo e relacioná-lo com uma
quantidade relativamente pequena e de uso cotidiano, possível de ser contabilizado
pelas próprias mãos.

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A questão 2, semelhante à primeira, tinha por objetivo verificar a habilidade


do estudante de identificar o símbolo egípcio no sistema indo-arábico. O algarismo
egípcio selecionado na questão dois é um pouco mais elaborado que o número 10,
ele tem a forma de um peixe, cujo valor no sistema de numeração indo-arábico equi-
vale à quantidade 100.000. Embora o símbolo utilizado seja familiar, um peixe, a
quantidade é relativamente elevada, distante do universo cotidiano dos estudantes,
porém, esse algarismo foi reconhecido e associado à quantidade correta por 92%
dos estudantes.
Embora com um percentual levemente menor em relação às questões 1 e 2, os
acertos da questão 3 (88%) confirmam que os estudantes reconhecem os símbolos
egípcios e são capazes de realizar a correspondência com as quantidades que eles
representam no sistema indo-arábico. A variação no percentual de erros de 12%
não é suficiente para especular sobre as dificuldades acrescidas pela inserção do
símbolo de soma na operação.
A Questão 4 se refere a uma soma de dois símbolos egípcios, semelhante à
questão 03. A soma de ambos algarismos corresponde à quantidade 1100 no sis-
tema indo-arábico. O resultado indica que apenas um único estudante conseguiu
responder corretamente à questão (96% de erros), sendo evidente a dificuldade
em identificar ambos ou um dos símbolos egípcios. Entretanto, um dos algarismos
egípcios, presentes na questão 4, aquele que tem como ícone um rolo enrolado ou a
quantidade 100, foi reconhecido majoritariamente na questão 03 (88% de acertos).
Ao que parece, a flor de lótus, que representa a quantidade 1000 escapou à memória
dos estudantes, ou, possivelmente, a correspondência desse ícone com a quantidade
que ela equivaleria no sistema indo-arábico não foi corretamente estabelecida.
É possível, também, que os estudantes não estejam necessariamente fazendo
uso do raciocínio lógico matemático ao responder à questão. Os estudantes poderiam
estar realizando determinado algoritmo matemático, mas não o compreender de fato.
As autoras Kamii e Declark (1991, p. 93) afirmam que “aprender a somar, subtrair
e multiplicar, no entanto, envolve um raciocínio lógico matemático, e raciocínio não
é técnica. O raciocínio não se desenvolve e nem pode ser aperfeiçoado meramente
através da prática”. Nesse caso, a explicação que remete ao trabalho pedagógico do
professor de “Ensinar” pode ter papel de destaque para engendrar o estudante por
dentro da lógica de somar ou subtrair.

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As reflexões anteriores parecem amparar de maneira mais intensa parte das


respostas dos estudantes na questão 5. Nesta questão é proposta a subtração que
faz uso do mesmo algarismo egípcio da Questão 1, porém ele é repetido e posicio-
nado antes e depois do sinal de subtração, o que implica que o resultado será nulo,
isto é, zero.
De maneira geral, os estudantes foram capazes de identificar e solucionar a
operação matemática de subtração. Entretanto, ao observar a questão 01, onde os
percentuais são exatamente os mesmos (92% acertos, 8% erros), se poderia espe-
cular se os estudantes que não identificaram e não estabeleceram correspondência
quantitativa entre os algarismos egípcios e indo-arábicos na questão 01 seriam os
mesmos que erraram a questão 05. E, de fato são, conforme a identificação numérica
dos formulários. É relevante salientar que os estudantes não se atentaram para
o fato de que não seria necessário realizar a identificação e correspondência dos
algarismos indo-arábicos e egípcios, bastando para tanto apenas compreender que
independentemente da quantidade que o símbolo representa, uma vez reconhecida
a operação matemática (subtração), a conclusão é que o algarismo sendo o mesmo,
ocorre a anulação da quantidade.
Em relação à Questão 6, a pergunta se referia ao estudante identificar a flor de
lótus e reconhecer sua correspondência com a quantidade 1.000 no sistema de nu-
meração indo-arábico. Apenas 8% dos estudantes erraram essa questão. Entretanto,
a flor de lótus, hipoteticamente seria a razão de 96% dos estudantes terem errado a
operação matemática que envolvia a soma simples entre o algarismo identificado na
Questão 3 por 88% dos estudantes (o algarismo egípcio 100) e a própria flor de lótus.
Ao cruzar as informações das Questões 01, 03 e 06, parece ser conclusivo que os
estudantes certamente poderiam ter solucionado a operação da questão 04, uma vez
que os mesmos ícones (de maneira individual) são identificados e a correspondência
de suas respectivas quantidades são reconhecidas.
A terceira atividade proposta do segundo momento foi o Quiz. Esse jogo de
perguntas e respostas, de maneira semelhante aos anteriores, avaliou, também,
a habilidade dos estudantes em identificar algarismos egípcios e reconhecer sua
correspondência com algarismos indo-arábicos, porém partindo dos algarismos
indo-arábicos como referência, isto é, o caminho inverso ao jogo da Cruzadinha. Os
resultados têm como indicador as unidades de registro “Acerto” e “Erro”, expressos
em percentuais, isto é, a frequência. A tabela 03 ilustra as questões do Quiz e o

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percentual de acertos e erros. Adicionalmente, foi admitido a possibilidade dos es-


tudantes deixarem sem resposta a questão, caso entendessem que não soubessem
a resposta correta.

Tabela 3: Respostas dos Estudantes ao Quiz.


Acertos Erros Sem Resposta
Questões
% % %
Como é representado 1 (um) em algarismo egípcio? 75 17 8
Que símbolo representa as 10 (dez) ovelhas que um pastor
59 33 8
egípcio comprou?
Qual a quantidade que a flor de lótus representa como símbolo
25 58 17
egípcio?

A primeira questão foi elaborada com pressuposto que a identificação e corres-


pondência da unidade em cada sistema numérico, por serem semelhantes, poderia
ser considerada de baixo grau de dificuldade. Como resultado 75% dos estudantes
acertaram a questão, o que é significativo. Contudo, considerando o baixo grau de
dificuldade, especialmente, em razão da unidade em ambos sistemas simbólicos
serem representados, respectivamente, pelos caracteres “1” (indo-arábico) e “│”
(egípcio), que em si, carregam a ideia da quantidade una, o que qualifica como ex-
pressivo os 17% de estudantes que erraram e, adicionalmente, outros 8% que não
souberam responder à questão.
A segunda pergunta do Quiz é formulada utilizando a ilustração de um pastor
com suas ovelhas, em uma tentativa de estabelecer uma imagem para auxiliar o
estudante a pensar no problema a partir de um contexto. A questão propõe a iden-
tificação e reconhecimento do número “10” do sistema numérico indo-arábico para
o egípcio, uma quantidade cotidiana e que na Cruzadinha obteve 92% de acerto.
O resultado do Quiz aponta que 59% dos estudantes acertaram a questão; outros
33% erraram e 8% não souberam responder. Essa questão, entre todas, é a que
apresenta o maior número de erros, 1/3 dos estudantes, o que implica, a princípio,
dificuldade desses estudantes em identificar e reconhecer a correspondência entre
os símbolos egípcios, o que é contraditório em relação ao resultado da Cruzadinha.
O Quiz retoma a questão da identificação e a quantificação da flor de lótus. Os
resultados indicam que 25% acertaram a quantidade que a flor de lótus representa,
enquanto outros 58% assinalaram outras respostas acreditando estarem corretos. Os

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estudantes que admitiram que não sabiam identificar a flor de lótus foram 17%. O
algarismo egípcio que tem como símbolo a “flor de lótus” representa o número 1.000
no sistema indo-arábico, esse algarismo egípcio nitidamente é mais bem elaborado
do que os outros dois das questões 01 e 02.
Seria a complexidade do símbolo a razão do acentuado percentual de erros?
Seguramente não. Os resultados obtidos com o Jogo da Memória indicam que o
processo de identificação dos símbolos é indiferente a seu registro (seu desenho)
em si, e, que em geral, quando os estudantes se apropriam da habilidade de iden-
tificarem e reconhecerem a correspondência quantitativa entre os símbolos, tam-
bém, passam a diferenciarem e perceberem, com maior clareza, que os símbolos
são meras representações, isto é, eles substituem ou tomam o lugar de algo, e que,
o representado está além do mundo simbólico, o objeto de conhecimento, o objeto
matemático, a quantidade.
É certo que as questões do Quiz apresentaram um percentual de erros supe-
rior aos do Jogo da Cruzadinha. Ao analisar suas diferenças mais evidentes, duas
merecem destaque.
Uma diferença marcante entre os jogos é a sequência exigida para a identificação
e correspondência simbólica. Na Cruzadinha os símbolos egípcios são apresentados e
os estudantes identificam sua forma indo-arábica; diferentemente, no Quiz, os sím-
bolos indo-arábicos são apresentados e os estudantes identificam sua forma egípcia.
Outra diferença é que enquanto no Quiz perguntas são apresentadas indivi-
dualmente, e a resposta, também, é registrada separadamente das demais. Na
Cruzadinha há o entrelaçamento entre perguntas, que estão no mesmo formulário.
As respostas devem ser registradas em uma estrutura de grade que graficamente
permite o estudante correlacionar perguntas e respostas, devido o número de dígitos
que podem ser inseridos na grade.

Percepção dos Estudantes sobre o Jogo de Cartas


Virtuais

Os estudantes avaliaram o Jogo Cartas Virtuais, que, semelhantemente ao


Jogo da Memória Virtual (primeira etapa da pesquisa), explorou a identificação
de algarismos indo-arábicos e sua correspondência com numerais egípcios, porém,
focando principalmente na resolução de operações matemáticas.

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Para compreender, na perspectiva dos estudantes, as visões de desenvolveram


sobre o Jogo Cartas Virtuais foi solicitado que escolhessem uma única palavra, ou
unidade de registro, que melhor representasse suas impressões sobre a atividade.
Diferente da primeira avaliação em que os estudantes foram estimulados a escolher
uma entre cinco palavras propostas, nessa avaliação eles ficaram livres para apontar
a palavra que, no entendimento deles, mais bem representa sua experiência com
o jogo realizado.
Verificou-se que 92% dos estudantes classificaram o jogo com diferentes pala-
vras, mas que podem ser reunidas em uma única categoria que avalia a atividade
como “Prazerosa” ou “Agradável” de ser realizada, conforme as unidades de registro:
BOM, LEGAL, MUITO BOM, INTERESSANTE, DIVERTIDO, MUITO IRADO,
que fazem parte do seu vocabulário informal. Somente 8% dos estudantes (dois)
consideraram a atividade DIFÍCIL ou CONFUSA.
Uma das declarações merece destaque. A unidade de registro “FOI UM DIA DI-
FERENTE”, contempla e reforça a tese de que as atividades atingiram seu objetivo
central de provocar o estudante, causando desequilíbrio e chamando sua atenção.
Em certa medida ao jogar o jogo o estudante o contrapôs a outros momentos em
sala de aula, reconhecendo que o jogo proposto para auxiliar na aprendizagem de
matemática alcançou seu objetivo também como instrumento motivacional e de
caráter lúdico para o estudante.
De outra maneira, as atividades que fazem uso do jogo como recurso pedagógico
rompem com o paradigma presente no cotidiano do estudante, o que não significa
afirmar que as atividades do cotidiano não sejam planejadas ou mesmo de menor
qualidade ou ainda desmotivadoras, mas que o fato de uma atividade educacional
valorizar o caráter lúdico e o uso de espaços no âmbito escolar que incluem a tecno-
logia (computador) tão familiar na sociedade atual, se configurou, se revelou como
um instrumento que lançou luz sobre a atenção do estudante para o aprendizado
da matemática.
Segundo Demo (2002, p. 76), a Matemática é considerada o “bicho-papão”, na
qual o professor repassa informações, os alunos tomam nota, memorizam e depois
reproduzem em uma avaliação, elaborando uma percepção de que a Matemática
seja algo difícil e incompreensível.
É evidente que qualquer campo de conhecimento possui suas complexidades.
Torna-se relevante no planejamento de atividades que pressupõem serem capazes

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que auxiliar na aprendizagem do estudante, considerar (entre outros aspectos,


ex. epistemológico) que a seleção dos recursos pedagógicos possam atenuar (ou
mesmo evitar) que se estabeleça bloqueios ou urgir estereótipos desmotivadores
desnecessários, que, ao contrário do que o senso comum faz acreditar, termos como
“bicho-papão”, “matéria difícil”, entre outros, acabam por reduzir o valor dessa área
de conhecimento na perspectiva do estudante. (DEMO, 2002, p.76)
A figura 12 ilustra as unidades de registro escolhidas pelos estudantes, bem
como sua frequência (representada pela divisão espacial) para expressar sua vivência
com o Jogo Cartas Virtuais.

Figura 12: Avaliação dos estudantes sobre o Jogo da Memória.

É necessário ampliar a reflexão sobre novas práticas (que envolvam ou não


tecnologias), novos espaços (físicos ou virtuais), e, implementar através do planeja-
mento, tal como a organização de uma sequência didática, atividades que auxiliem
tanto no ganho cognitivo quanto no desenvolvimento de aspectos socioemocionais.
E, embora, a motivação, por exemplo, embora sozinha não possa transformar o
aprendizado de matemática do estudante, por outro lado, um estudante motivado é

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um indicador seguro de maiores chances das atividades propostas terem a atenção,


o cultivo e fomento de momentos de reflexão por parte dos estudantes sobre o que
lhes é proposto.
Após apresentar o conjunto de resultados dos dois momentos da investigação,
e, respeitando a técnica utilizada para análise de conteúdo escolhida, a análise
categorial, foi possível elaborar duas categorias (Desempenho e Interesse) que
foram forjadas a partir da análise do conjunto de unidades de registro propostas
inicialmente.
A categoria “Desempenho” agregou o conjunto de significações das unidades de
registro presentes nos dois momentos da investigação. Nas atividades do Jogo da
Memória Virtual e do Jogo Cartas Virtuais a escolha das unidades de registro nú-
mero mínimo de jogadas e número máximo de jogadas estavam articuladas com as
unidades de registro acertos e erros dos jogos de Cruzadinha e Quiz. A expectativa
inicial era de que esse conjunto de dados (unidades de registro) permitissem, através
da análise de seus comportamentos quantitativos, afirmar que o aproveitamento
dos estudantes nas atividades propostas poderiam ser qualificadas como recursos
pedagógicos que prestam auxílio à aprendizagem de matemática.
Através das unidades de registro número mínimo/máximo de jogadas foi possível
verificar, nas respostas dos estudantes que:
1) a frequência de identificação dos algarismos egípcios elevou-se entre os dois
momentos da pesquisa;
2) a correspondência simbólica entre os sistemas de algarismos indo-arábicos e
egípcios apresentou melhores índices no segundo momento da investigação;
3) os estudantes apresentaram melhor aproveitamento nos jogos que valorizam
mais a identificação na troca simbólica do que quando envolvem o uso de
operações matemáticas;
4) o percentual de estudantes que necessitavam de tempo adicional para con-
cluir jogos com uso de operações matemáticas foi reduzido em cinco vezes
no segundo momento do trabalho;
5) o tempo e o número de jogadas necessárias para concluir o jogo da memória
sofreu redução para mais de 60% dos participantes;
6) embora o número de estudantes que usassem de tempo adicional para con-
cluir o jogo foi significativamente reduzido, o número de jogadas permaneceu
o mesmo nos dois momentos da pesquisa.

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As unidades de registro acertos e erros possibilitou verificar, nas respostas dos


estudantes, que:
1) a maior parte dos estudantes identificam os algarismos egípcios e suas
respectivas quantidades;
2) a maioria dos estudantes conseguem realizar a troca simbólica entre os
algarismos egípcios e indo-arábicos;
3) parte significativa dos estudantes conseguem efetuar operações matemáticas
com os algarismos egípcios;
4) dificuldades de identificação dos algarismos egípcios é crescente com com-
plexidade icônica;
5) Menos de 10% dos estudantes apresentaram dificuldades consideráveis para
identificar e realizar operações matemáticas.
A categoria “Interesse” foi a resposta à análise das unidades de registro na for-
ma de palavras. Os estudantes escolheram, individualmente, uma única palavra
para expressarem sua percepção acerca do Jogo da Memória Virtual, em fevereiro,
e, uma outra palavra para o Jogo Cartas Virtuais, em junho.
Na avaliação do jogo da memória em fevereiro, o primeiro conjunto de unidades
de registro apresentavam 5 palavras, sendo 3 delas expressando caráter positivo
em relação à atividade. Essas palavras foram definidas pelos pesquisadores e os
estudantes não poderiam adicionar nenhuma ao grupo.
Na avaliação do jogo da memória em junho, o segundo conjunto de unidades
de registro eram compostas, exclusivamente, com palavras sugeridas pelos estu-
dantes. Foram catalogadas 11 palavras. Foi identificado que 4 das 5 palavras da
primeira pesquisa estavam presentes nas escolhas dos estudantes, e, que 3 delas
expressavam o caráter positivo em relação ao jogo. Outras 6 palavras entre as 11
indicavam, igualmente, uma visão positiva em relação às atividades.
Esse caráter positivo em relação ao jogo permaneceu com percentuais acima
de 90% das escolhas dos estudantes, em ambas as escolas, nos dois momentos da
pesquisa.
Ao analisar o conjunto das unidades de registro é possível agrupá-las em pe-
quenos blocos:

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1) Divertido, Legal e Interessante: estavam presentes nos dois momentos da


pesquisa e de acordo com sua frequência significativa e as análises anteriores
representam para os estudantes a expressão lúdica do jogo;
2) Bom, Muito Bom, Ótimo: foram sugeridas pelos estudantes e representam
50% das escolhas. São palavras utilizadas comumente na escola para ex-
pressar qualitativamente que uma determinada atividade possui mérito;
3) Muito Irado e Diferente: expressam que o jogo quebra do padrão do tipo de
atividade que o estudante está acostumado cotidianamente;
4) Difícil e Confuso: a palavra difícil estava presente em ambos os momentos
da pesquisa, mas na primeira não foi escolhida por nenhum estudante; na
segunda foi escolhida, a exemplo da palavra confuso, por um único estudante;
5) Fácil: sugerida pelos estudantes, representou cerca de 1/6 das escolhas.

Foi a partir da consideração desses blocos que se definiu a ideia de que o con-
junto das unidades de registro expressavam em uma só categoria o “interesse” do
estudante pela atividade, seja pelo seu caráter lúdico ou intuitivo e simples, ou
ainda porque proporciona prazer ao aprender.
Finalmente, é possível inferir, a partir da categoria Desempenho, que o jogo
da memória, nos limites que foram apresentados nessa proposta, contribuiu para
a aprendizagem de matemática ao reafirmar aos conhecimentos de matemática
dos estudantes do sexto ano do Ensino Fundamental a habilidade de identificar
algarismos egípcios e suas quantidades, bem como realizar a correspondência com
algarismos indo-arábicos e operações matemáticas básicas. Também, foi possível
inferir, a partir da categoria “Interesse”, que o jogo da memória apresentou cará-
ter lúdico e motivacional, permitindo aos estudantes tecer um novo olhar sobre as
possibilidades do jogo para aprender matemática.

Considerações finais

As reflexões oferecidas nesse artigo procuraram responder à questão: O Jogo da


Memória com uso de imagens (algarismos egípcios/indo-arábicos) pode ser conside-
rado um recurso pedagógico que auxilia na aprendizagem de matemática?

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O jogo da memória como recurso pedagógico

Para responder a essa indagação foram elaboradas atividades que envolveram


estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental, de duas escolas estaduais do muni-
cípio de Campo Grande-MS, em jogos com diferentes formatos que se baseiam no
uso da memória. Esses jogos foram concebidos a partir de considerações de conhe-
cimentos de matemática (operações básicas) e as possibilidades de aprendizagem
das mesmas a partir do reconhecimento e trocas simbólicas entre representações
numéricas indo-arábicas e egípcias.
O trabalho de investigação se dividiu em dois grandes momentos temporais, nos
meses de fevereiro e junho de 2018. As atividades do mês de fevereiro se concen-
traram em identificar a capacidade dos jogos propostos (Jogo da Memória Virtual
e Físico) de atrair a atenção dos estudantes (apresentar caráter lúdico) e verificar
o desempenho dos mesmos como indicador de ganho cognitivo. Posteriormente, no
mês de junho, atividades adicionais explorando pequenas mudanças no formato
dos jogos, procuraram intensificar o contato dos estudantes com a proposta inicial,
e retomar a verificação tanto do interesse quanto do desempenho dos estudantes
frente aos conteúdos de matemática e aos recursos (jogos) utilizados.
É importante destacar que os estudantes diferenciam o espaço físico da sala de
aula do espaço físico da sala de tecnologia, e, uma das razões consiste na abordagem
presente nas atividades desenvolvidas, não necessariamente o espaço físico em si,
sendo que quando essas atividades privilegiam a ação dos estudantes há maior
engajamento e manifestação de interesse pelo aprendiz.
Outro aspecto observado é que o jogo em si, construído ou não pelos estudantes,
apresenta caráter lúdico para os mesmos, isto é, os estudantes interpretam as dife-
rentes atividades que envolvem modalidades de jogos de memória como possuidoras
de uma dimensão de aprendizagem mais prazerosa, que naturalmente culminam em
maior valorização dos conteúdos matemáticos envolvidos no cerne da organização
de cada jogo proposto.
Os resultados da investigação apontam que os estudantes foram mais hábeis
na identificação dos algarismos egípcios do que no uso desses algarismos para a
resolução de operações matemáticas. Nos jogos da primeira etapa de atividades
(em fevereiro de 2018), em ambas Escola A e B, respectivamente, 87% e 75% dos
estudantes alcançaram êxito na identificação e correspondência entre os algarismos
dos sistemas numéricos estudados. Na segunda etapa de atividades (em junho de
2018), os resultados, em ambas escolas, foram expressivos para a habilidade dos

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estudantes de identificação dos algarismos, cerca de 60%, e, deve-se considerar que


os algarismos eram maiores do que na primeira etapa, e, para esse grupo o número
de jogadas ficou abaixo de 25.
Comparativamente, na segunda etapa de atividades (após 120 dias), os estu-
dantes demonstraram maior habilidade no jogo com as operações matemáticas,
pois 12% dos estudantes necessitaram de tempo adicional e um número maior de
jogadas para a integralização do jogo, esse resultado é contrastante com os 67%
(Escola A) e 50% (Escola B) durante a primeira etapa de atividades para o mesmo
procedimento de resolução de operações matemáticas.
Alguns resultados, como os da Cruzadinha e do Quiz, na segunda etapa de
atividades, parecem colocar em dúvida a tese defendida acima, porém, para os
autores do presente trabalho, esses resultados eram esperados. As Cruzadinhas
e o Quiz invertem a lógica de identificação e correspondência dos algarismos de
ambos os sistemas indo-arábicos e egípcios, e na avaliação dos autores do presente
trabalho, a estrutura da Cruzadinha permite ao estudante maiores oportunidades
de trabalhar sua intuição devido à grade definir o número de dígitos da resposta,
o que não é possível no Quiz.
Quanto ao aspecto de empatia, isto é, a percepção do estudante sobre as ati-
vidades dos jogos serem classificadas como prazerosas manteve-se com percentual
superior a 90% em ambas as intervenções. É possível afirmar que para os estu-
dantes desta pesquisa os jogos apresentados são identificados como atividades com
caráter lúdico.
Finalmente, conclui-se que o jogo da memória, dentro dos limites apresentados
nesta investigação, pode ser considerado um recurso pedagógico que contribuiu para
a aprendizagem de conteúdos de matemática para estudantes do Ensino Funda-
mental das escolas que participaram do trabalho. Esse aprendizado tange ao uso
de algarismos egípcios e suas trocas simbólicas com os indo-arábicos, bem como a
realização de operações matemáticas básicas.

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O jogo da memória como recurso pedagógico

The game of memory as a pedagogical resource

Abstract

For some decades, society has been undergoing a profound cultural transformation based on in-
formation technology. The intense use of technology is present in products, goods and services,
whether for urban mobility, food production, sanitary control, medicine production, or personal
use such as computers and mobile phones, increasingly present in young people’s lives. This
cultural change offers opportunities for learning mathematics in the school environment. Gam-
bling, and therefore joke, is an important resource for enhancing student learning in elementary
school. The present work investigated the elaboration of online and physical versions of the
Memory Game and its use as a pedagogical resource to help the learning of mathematical con-
cepts using the symbolic exchange between Indo-Arabic and Egyptian numerals. The research
was conducted with students from two state schools in Campo Grande-MS. The results indica-
te that the gradual complexity of the characters and the requirement to perform mathematical
operations can change the typology of student response. On the other hand, different activities,
regardless of the use or not of computer science, enhance the learning of mathematical concepts
and assimilation. of symbolic exchanges.

Keywords: Memory Game. Computer Science at School. Mathematics Learning. Egyptian Nu-
merals.

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Sandralice Marins da Silva Dias, Wagner da Silva Terra

O Uso de Mapas Conceituais como


Instrumento de Ensino e Avaliação da
Aprendizagem Significativa dos Conceitos
Relacionados a Química do Petróleo
Sandralice Marins da Silva Dias*, Wagner da Silva Terra**

Resumo
O Ensino de Química é comumente estruturado em torno de atividades que levam à memori-
zação de informações e repetição mecânica de conceitos, o que pode culminar na limitação do
aprendizado dos alunos. Dentro deste contexto, é necessário procurar executar novas propos-
tas e estratégias de ensino e aprendizagem, assim como materiais e instrumentos potencial-
mente significativos, a fim de viabilizar a amplificação da qualidade do ensino. Nesta perspec-
tiva, Mapas Conceituais apresentam-se como instrumentos flexíveis e dinâmicos, que podem
ser utilizados em sala de aula ou laboratório. Deste modo, o objetivo principal deste trabalho foi
a utilização de Mapas Conceituais com intuito de contribuir para uma aprendizagem mais signi-
ficativa dos alunos da parte experimental da disciplina de “Tecnologias Regionais II” do Curso
Técnico em Química do Instituto Federal Fluminense (IFFluminense) campus Campos Centro.
Os mapas foram elaborados a partir do software CmapTools, e posteriormente anexados ao
material didático de duas turmas do módulo IV do Curso Técnico em Química, os quais foram
utilizados durante o segundo semestre letivo de 2018. Em busca de evidências da eficácia da
utilização dos Mapas Conceituais para contribuir para uma aprendizagem mais significativa, foi
introduzido um Questionário de Opinião contendo perguntas mistas a fim de detectar a percep-
ção dos discentes acerca do instrumento de ensino utilizado. Mapas Conceituais também foram
utilizados como instrumentos de avaliação, os quais foram elaborados pelos estudantes em três
momentos distintos, sendo estes, ao início do semestre e ao final do primeiro e segundo bimes-
tres. Esses mapas tinham intuito de procurar indícios que apontassem para uma aprendizagem

*
Licenciada em Ciências e Química pelo Instituto Federal Fluminense – IFFluminense campus Campos Centro.
Brasil. E-mail: [email protected].
**
Doutor em Ciências Naturais – UENF. Professor do curso de Licenciatura em Ciências e Química do Instituto
Federal Fluminense – IFFluminense campus Campos Centro. R. Dr. Siqueira, 273 - Parque Dom Bosco,
Campos dos Goytacazes - RJ, 28030-130. Brasil. E-mail: [email protected].

Recebido em: 09/05/2020; Aceito em: 22/04/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.10989
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

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O Uso de Mapas Conceituais como Instrumento de Ensino e Avaliação da Aprendizagem Significativa dos Conceitos...

mais significativa, assim como, averiguar a evolução conceitual dos discentes. Por meio da aná-
lise dos questionários e dos Mapas Conceituais elaborados pelos educandos, observou-se, de
modo geral, uma evolução conceitual progressiva e sinais apontando para uma aprendizagem
mais significativa, além de indicar que materiais potencialmente significativos podem contribuir
para auxiliar no processo de ensino e aprendizagem.

Palavras-chave: Aprendizagem Significativa. Ensino de Química. Mapas Conceituais.

Introdução

O Ensino de Química é comumente estruturado em torno de atividades que le-


vam à memorização de informações, sendo majoritariamente observada a realização
de aulas demasiadamente expositivas e a priorização de ferramentas pedagógicas
repetitivas. Essa forma de ensinar, muitas vezes, acaba por promover uma apren-
dizagem predominantemente mecânica, em detrimento à significativa, culminando
na limitação do aprendizado dos alunos (PIVATTO, 2013; SANTOS et al., 2013).
De acordo com Pivatto (2013, p. 3), aprender deve ser entendido como “com-
preensão de significados relacionados às experiências anteriores e às vivências
pessoais dos educandos”. Desta forma, uma aprendizagem com mais significado
é estimulada, o que contribui para a utilização do que é aprendido em diferentes
situações. Dentro desse contexto é relevante evidenciar a Teoria da Aprendizagem
Significativa (TAS) de David Paul Ausubel (1963), que tem como cerne a proposta
de que os conhecimentos prévios dos alunos carecem ser valorizados e levados em
consideração no processo de ensino e aprendizagem. À vista disso:
A aprendizagem é muito mais significativa à medida que o novo conteúdo é incorpora-
do às estruturas de conhecimento de um aluno e adquire significado para ele a partir
da relação com seu conhecimento prévio. Ao contrário, ela se torna mecânica ou repe-
titiva, uma vez que se produziu menos essa incorporação e atribuição de significado,
e o novo conteúdo passa a ser armazenado isoladamente ou por meio de associações
arbitrárias na estrutura cognitiva (PELIZZARI et al., 2002, p. 2).

Segundo Pelizzari e colaboradores (2002), quanto mais o estudante relaciona o


novo conteúdo com algum aspecto relevante previamente presente em sua estrutura
cognitiva, mais próximo estará da aprendizagem significativa. Em contrapartida,
quanto menos se estabelece esse tipo de relação, mais próximo estará da aprendi-
zagem mecânica ou repetitiva. A aprendizagem significativa apresenta vantagens
notáveis em relação à mecânica. Tais vantagens se manifestam tanto do ponto de

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Sandralice Marins da Silva Dias, Wagner da Silva Terra

vista do enriquecimento da estrutura cognitiva do aprendiz, bem como do ponto de


vista da lembrança posterior, delimitando a aprendizagem significativa como sendo
a mais adequada para ser promovida entre os alunos (PELIZZARI et al., 2002).
Diante do que foi declarado, pesquisadores das áreas de educação científica e
tecnológica precisam conscientizar-se a respeito da qualidade do processo de ensino
e aprendizagem, buscando formas de aprimorá-lo. Deste modo, é necessário pro-
curar implementar novas propostas e estratégias de ensino, a fim de se alcançar
uma aprendizagem com maior significado para os discentes. Uma alternativa é a
inserção de materiais e instrumentos potencialmente significativos, os quais poderão
minimizar a distância entre os conceitos que são aprendidos e os que são ensinados
(PACHECO e DAMASIO, 2009; PIVATTO, 2013).
De acordo com Pivatto (2013), existem vários instrumentos que podem contribuir
para o processo de ensino e aprendizagem dos discentes, como por exemplo, a utili-
zação e construção de Mapas Conceituais. Esse instrumento educacional tem como
finalidade principal auxiliar o desenvolvimento cognitivo dos alunos, englobando a
aquisição de conhecimentos e a evolução conceitual desses, possibilitando que ocorra
uma reorganização construtiva entre os conceitos preexistentes e os aprendidos.
Os Mapas Conceituais têm se apresentado como uma ferramenta de ação peda-
gógica muito útil para o ensino de diversos temas, possibilitando que um conjunto
de conceitos seja apresentado aos alunos, de tal modo que esses estejam correla-
cionados entre si. Os mapas de conceitos foram desenvolvidos por Novak e Gowin
como uma forma de instrumentalizar a Teoria da Aprendizagem Significativa de
David Ausubel (FREITAS FILHO, 2007; RUIZ-MORENO et al., 2007).
Mapas Conceituais são, em um sentido mais amplo, diagramas indicando rela-
ções entre conceitos. Mais especificamente, podem ser entendidos como diagramas
hierárquicos que procuram refletir a organização conceitual de uma disciplina, ou
parte dela. Os Mapas Conceituais influem positivamente no processo de estrutu-
ração de conceitos-chave e na fixação dessas concepções nas estruturas cognitivas
dos educandos (MOREIRA e ROSA, 1986; ROCHA e SPOHR, 2016).
Tais mapas são recursos flexíveis e dinâmicos, que podem ser utilizados em sala
de aula ou laboratório. Ostentam como maior vantagem o fato de auxiliarem no
processo de aprendizagem de conceitos, algo que muitas vezes pode ficar perdido em
meio a uma grande quantidade de informações e fórmulas. Mesmo as experiências

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laboratoriais não passariam de simples manipulações de objetos caso as concepções


não estejam claras, precisas e diferenciadas (MOREIRA e ROSA, 1986).
A título de exemplos de trabalhos que utilizaram os Mapas Conceituais como
ferramenta educacional pode-se citar os trabalhos desenvolvidos por Araújo e cola-
boradores (2006), Freitas Filho (2007) e Lima e colaboradores (2017), os quais são
brevemente apresentados a seguir:
Araújo e colaboradores (2006) exploraram o tema “destilação fracionada do
petróleo”, enfocando a exploração de um tema organizador relacionado ao cotidiano
dos alunos, lançando mão da técnica de Mapas Conceituais. Segundo os autores,
os conceitos químicos trabalhados no laboratório tornam-se mais efetivos quando
técnicas pedagógicas de ensino estão incorporadas. Segundo eles, os professores
podem utilizar dessa estratégia de ensino em aulas práticas, em conjunto com um
tema organizador apropriado para uma contextualização do cotidiano, com uma
atribuição muito positiva da aprendizagem realmente significativa.
Freitas Filho (2007) utilizou Mapas Conceituais como estratégia pedagógica para
a análise e organização do conteúdo, assim como, na avaliação da aprendizagem de
estudantes dos cursos de Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia. Segundo o
autor, foi uma estratégia pedagógica construída após aulas em sala e em laboratório,
cuja maior vantagem foi o fato de enfatizar o ensino e a aprendizagem de conceitos
importantes relacionados a química dos carboidratos, lipídios e proteínas.
Lima e colaboradores (2017) avaliaram a contribuição do uso de Mapas Con-
ceituais visando a aprendizagem significativa de conceitos inerentes da Química
Orgânica em uma turma de 3° ano do Ensino Médio regular. Segundo os autores, a
estratégia de usar a elaboração de Mapas Conceituais como ferramenta avaliativa
da aprendizagem na Química se mostrou interessante, pois convocou o aprendiz a
expor sua organização mental e as relações dos conceitos estudados, “permitindo
ao aluno hierarquizá-los e (re)significá-los” (LIMA, et al., 2017, p. 48). Já o profes-
sor, teve a oportunidade de qualificar a assimilação dos discentes sobre o conteúdo
abordado, optando pela análise do processo do ponto de vista do estudante, em
detrimento à tradicional avaliação quantitativa. Desta forma, os autores concluí-
ram que o uso de Mapas Conceituais contribuiu efetivamente para uma avaliação
formativa, com aspectos que propiciam o desenvolvimento cognitivo dos alunos e a
reflexão pelo professor.

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Diante do que foi exposto, lança-se os seguintes questionamentos: Seria possí-


vel fazer uso de Mapas Conceituais para compor um material didático potencial-
mente significativo para uma disciplina de um curso Técnico em Química? Será
que a inserção desses instrumentos em uma disciplina experimental de um curso
profissionalizante de nível médio poderia proporcionar uma aprendizagem mais
significativa? Além disso, será que os referidos mapas poderiam ser utilizados como
instrumento para avaliar a evolução conceitual apresentada pelos discentes desse
nível de ensino?
Com base no que foi exposto, o presente trabalho teve como objetivo principal
contribuir para a aprendizagem significativa dos alunos da parte experimental
da disciplina “Tecnologias Regionais II” do Curso Técnico em Química do Insti-
tuto Federal Fluminense (IFFluminense) campus Campos Centro, por meio da
utilização de Mapas Conceituais como recurso facilitador no processo de ensino e
aprendizagem. De forma mais específica, este trabalho visou elaborar um material
didático potencialmente significativo, fazendo uso dos Mapas Conceituais como
instrumentos para elucidar os conceitos relacionados à disciplina supracitada. Da
mesma forma, objetivou empregar o material elaborado em duas turmas do último
módulo de um curso profissionalizante de nível médio, com intuito de criar meios
para a promoção de uma aprendizagem mais significativa. Por fim, visou utilizar
Mapas Conceituais como instrumentos para avaliar a evolução conceitual dos dis-
centes ao longo do semestre, assim como, buscar indícios que apontem para uma
aprendizagem mais significativa.

Metodologia

Tipo de Pesquisa e Público-alvo

De acordo com os objetivos estabelecidos no presente trabalho, ele estrutura-se


como uma pesquisa de caráter qualitativo, visto que se observa uma preocupação
com o aprofundamento das compreensões de um grupo social específico, sem a
necessidade de quantificação ou avaliação estatística dos dados obtidos (GOLDEN-
BERG, 1997). Portanto o presente trabalho tende a destacar os aspectos dinâmicos,
integrais e individuais do público alvo estabelecido, para que por meio desta coleta
de dados, seja possível compreender todo o processo baseado nas perspectivas da-

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queles que são submetidos aos fenômenos analisados (POLIT et al., 2004; SILVEIRA
e CÓRDOVA, 2009).
O presente projeto foi desenvolvido ao longo do segundo semestre letivo de 2018
e direcionado a duas turmas do Curso Técnico em Química do Instituto Federal Flu-
minense (IFFluminense) campus Campos Centro, localizado na Cidade de Campos
dos Goytacazes-RJ. Foram envolvidos 29 alunos no projeto, os quais estavam devi-
damente matriculados na parte experimental da disciplina “Tecnologias Regionais
II” (três tempos de 50 minutos por semana) do quarto módulo do referido curso.
Essa componente curricular é direcionada ao ensino de conteúdos relacionados à
perfuração, produção e análise de petróleo, sendo esses de extrema importância
para a economia da Região Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro.

Etapas da Pesquisa

Antes da intervenção, as turmas do referido curso tinham acesso aos conteú-


dos da disciplina por meio de 17 experimentos descritivos (Quadro 1). Portanto o
material didático oferecido aos discentes somente continha uma breve introdução
sobre cada um dos experimentos abordados e a metodologia para confecção de cada
um deles. No entanto, a primeira etapa desta pesquisa consistiu na elaboração de
Mapas Conceituais referentes a cada um dos 17 experimentos realizados, com in-
tuito de estimular o potencial significativo do referido material. Tais mapas foram
elaborados utilizando o software CmapTools e, em seguida, adicionados à apostila
da disciplina. Esse software foi selecionado por ser gratuito (http://cmap.ihmc.us/
download/), possuir versão na língua portuguesa e ser de fácil manuseio (CAÑAS
et al., 2001; CAÑAS et al., 2004). Os mapas elaborados abrangeram cada prática
individualmente, conforme apresentado no Quadro 1.

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Quadro 1: Experimentos presentes na disciplina de “Tecnologias Regionais II” que deram origem
aos Mapas Conceituais Elaborados nesta Pesquisa.
n Experimentos e Mapas Conceituais Elaborados nesta Pesquisa
1 Densidade do etanol pelo densímetro de bulbo e densidade do petróleo pelo densímetro digital.
2 Viscosidade do óleo cru pelo viscosímetro digital DV-1.
3 Estimativa do teor de asfaltenos em diferentes amostras de petróleo.
Avaliação de desempenho de desemulsificantes comerciais na separação da água produzida
4
do petróleo.
5 Água e sedimentos em petróleo (BSW) por centrifugação.
6 Determinação da salinidade em petróleo bruto.
7 Determinação do ponto de fulgor do petróleo e de outros combustíveis.
Teor de óleos e graxas (TOG) por espectrofotometria de absorção molecular e pelo método de
8
evaporação rotativa.
9 Teor de oxigênio dissolvido na água pelo kit chemets e medidor de oxigênio dissolvido POL-60.
10 Adensamento e redução da densidade de fluídos de perfuração de poços petrolíferos.
Caracterização reológica de fluidos e influência de viscosificantes sobre os parâmetros reológi-
11
cos e gelificantes.
12 Determinação da viscosidade Marsh de um fluido de perfuração.
13 Determinação do teor de areia de um fluido de perfuração.
Determinação dos parâmetros de filtração utilizando baixas temperatura e pressão (BTBP) e
14
determinação da salinidade de um fluido de perfuração à base de água.
Determinação do teor de água, óleo e sólidos por meio da destilação do fluido de perfuração
15
(retorta do fluido).
16 Estudos sobre a formulação de um fluido de perfuração à base água.
17 Avaliação da densidade e viscosidade de um fluido de perfuração à base água.
*n = Número dos Experimentos presentes na disciplina de “Tecnologias Regionais II” do curso Técnico em Química do IFFluminense.
Fonte: Elaboração própria

Depois de confeccionados, os Mapas Conceituais foram utilizados pelos alunos


da disciplina “Tecnologias Regionais II”, durante todo o segundo semestre letivo de
2018. Cabe ressaltar que as aulas se iniciavam de forma teórica e, posteriormente,
os alunos realizavam as práticas laboratoriais referentes à teoria. Moreira (2011;
2013) evidencia que é aconselhável fazer uso dos Mapas Conceituais quando os
alunos já têm certa familiaridade com o assunto, visto que esses não são autoe-
xplicativos. Desta forma, em cada aula, o professor da disciplina promovia uma
explicação teórica do conteúdo e, posteriormente, fazia uso do Mapa Conceitual em
conjunto com os alunos, que o acompanhavam na leitura e interpretação do material

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elaborado. Portanto, o mapa serviu como um meio de organizar a matéria de forma


simplificada, para que os discentes pudessem realizar a parte procedimental com
os conceitos tão elucidados e claros quanto possível.
A segunda etapa desta pesquisa foi direcionada a confecção dos Mapas Concei-
tuais pelos discentes. Esse procedimento foi utilizado como um dos mecanismos de
avaliação para a supracitada disciplina, contrapondo as avaliações fechadas que
normalmente são utilizadas em cursos profissionalizantes de nível médio. Para
verificar a evolução conceitual dos discentes, os mapas foram elaborados em três
momentos distintos, a saber, no início do semestre letivo e ao final de cada uma das
duas etapas que compõe o semestre, ou seja, 1º e 2º bimestres.
O tema “Petróleo” foi selecionado para construção dos Mapas Conceituais em
todos os três momentos. Esse foi selecionado por ser o tema principal da disciplina
e, além disso, acreditou-se que os discentes possuíam conceitos relevantes preexis-
tentes em suas respectivas estruturas cognitivas (subsunçores), tais como: origem,
função, composição química, importância para sociedade e aspectos geopolíticos do
petróleo. Além disso, é relevante evidenciar que no primeiro dia do semestre letivo,
houve uma aula introdutória, que permitiu que os professores da disciplina apre-
sentassem uma visão geral do que seria trabalhado durante o semestre, destacando
temas como: origem do petróleo, características químicas, onde é encontrado, entre
outros. Desta forma, todos os alunos que estavam presentes nessa aula emprega-
ram conceitos relacionados ao que foi discutido nesse momento, além dos conceitos
que já estavam presentes em suas estruturas cognitivas antes da realização dessa
aula. Também é importante salientar que a confecção dos mapas ocorreu na semana
posterior ao primeiro dia de aula, sendo realizado um breve relato a respeito dos
processos de produção desse instrumento de ensino e avaliação. Tal explicação teve
o intuito de familiarizar os educandos com as técnicas básicas para construção de
Mapas Conceituais, para que eles pudessem elaborá-los durante a aplicação deste
projeto, bem como, construir os seus próprios mapas com o intuito de auxiliá-los
em seus respectivos processos de ensino e aprendizagem.
Conforme evidenciam Moreira (2013) e Moreira e Rosa (1986), não existem re-
gras gerais fixas para se traçar Mapas Conceituais, pois o importante é que o mapa
seja um instrumento capaz de evidenciar os significados atribuídos aos conceitos
e às relações entre eles. Deste modo, optou-se por deixar os estudantes livres para
criarem seus mapas conforme o desejassem. Contudo, foi especificado que os con-

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ceitos deveriam ser ordenados hierarquicamente, ou seja, dos conceitos mais gerais
para os mais específicos.

Instrumentos para coleta e avaliação dos dados

A coleta de dados se deu por meio de duas formas. A primeira delas consistiu
na obtenção dos Mapas Conceituais elaborados pelos discentes nos três momentos.
Esses se configuraram como possíveis ferramentas de avaliação da aprendizagem
dos conceitos obtidos no decorrer da disciplina, a qual foi ministrada utilizando as
duas ferramentas selecionadas (Mapas Conceituais e Experimentos Descritivos).
Dentre os 29 alunos que realizaram os Mapas Conceituais, 14 construíram os
três mapas solicitados, 10 fizeram somente dois e 5 alunos construíram apenas
um. Neste sentido, optou-se por apresentar os dados obtidos pela análise dos Ma-
pas Conceituais dos alunos que elaboraram dois, ou os três mapas requisitados.
Esse fato foi realizado para que se pudesse analisar a evolução conceitual de um
educando por meio dos mapas elaborados. Dentre os 24 alunos que tiveram seus
mapas selecionados, um não apresentou características de Mapa Conceitual, pois foi
elaborado em forma de texto corrido e tópicos. Esse mapa possuía algumas poucas
setas relacionando os textos entre si, com ausência total de palavras de ligação. O
aluno em questão construiu todos os mapas com a mesma estrutura, mesmo estando
presente na aula em que foram elucidados os processos de construção dos Mapas
Conceituais. Desta forma, apenas 23 alunos tiveram os dados dos seus Mapas Con-
ceituais pontuados, os quais foram classificados de A a W.
Depois de selecionados os Mapas Conceituais foram analisados adotando-se os
critérios de Novak e Gowin (1996). Esse método de avaliação está de acordo com as
características principais apontadas por Moreira (2012), consistindo na avaliação
dos seguintes critérios: proposições, hierarquia, ligações cruzadas (ou transversais)
e exemplos. De acordo com as características de cada critério classificatório foram
concedidas pontuações a cada um dos mapas elaborados pelos discentes de acordo
com os valores reportados na literatura (NOVAK e GOWIN, 1996 apud MARTINS
et al., 2009, p. 5). É relevante ressaltar que, ao longo da avaliação dos critérios
classificatórios, foram contabilizadas como meio certo (0,5 ponto) as ligações entre
conceitos que não apresentaram palavras de ligação. Desta maneira, quando dois
conceitos ligados entre si apresentavam veracidade e coerência em sua relação,

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mas estavam desprovidos de palavras de enlace, atribuiu-se 0,5 ponto, o qual foi
posteriormente multiplicado à pontuação referente ao critério classificatório cor-
respondente (Tabela 1).

Tabela 1: Pontuação para os Mapas Conceituais.


Critérios classificatórios Pontuação
Proposições (ligações entre dois conceitos):
Cada ligação se for válida e significativa 1
Hierarquia: cada nível válido 5
Ligações Transversais: cada ligação se for:
Válida e significativa 10
Somente válida 2
Criativa ou peculiar 1
Exemplos: cada exemplo válido 1
Fonte: MARTINS et al. 2009.

Os resultados obtidos para cada Mapa Conceitual elaborado pelos discentes


foram categorizados em seis faixas de acordo com a pontuação obtida em cada mapa
[Faixa 1 (De 0 a 10 pontos) – Desempenho muito baixo; Faixa 2 (De 11 a 20 pontos)
– Desempenho baixo; Faixa 3 (De 21 a 30 pontos) – Desempenho moderado; Faixa
4 (De 31 a 40 pontos) – Desempenho alto; Faixa 5 (De 41 a 50 pontos) – Desempe-
nho muito alto; Faixa 6 (Acima de 50 pontos) – Desempenho acima do esperado)].
Essas faixas foram obtidas a posteriori com o intuído de atribuir um conceito aos
mapas elaborados, que foram correspondentes à 20 % da pontuação de cada etapa
da disciplina.
A segunda forma de coleta de dados se deu pela aplicação de um questionário
qualitativo contendo perguntas abertas e fechadas ao final da aplicação do projeto
(Quadro 2). O referido questionário teve por intuído coletar informações e opiniões
dos alunos a respeito da intervenção realizada. Após respondidos os questionários
tiveram suas questões agrupadas por similaridade e discutidas com base no refe-
rencial teórico.

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Quadro 2: Questionário de Opinião aplicado aos discentes ao final da aplicação deste projeto.
Prezado(a) aluno(a), gostaríamos muito de contar com sua participação neste trabalho.
Por meio da realização deste questionário poderemos analisar a importância da utilização de Mapas
Conceituais no processo de ensino e aprendizagem.

Antecipadamente agradecemos toda sua colaboração.


Nº Questões
Você já conhecia a ferramenta Mapa Conceitual?
1
( ) Sim. ( ) Não. ( ) Prefiro não opinar.
Você acredita que o uso dessa ferramenta contribuiu para um melhor entendimento do con-
teúdo?
2 Caso sua resposta seja sim ou não, justifique.

( ) Sim. ( ) Não. ( ) Prefiro não opinar.


Quanto a dificuldade de construção dos mapas conceituais desenvolvidos por você:
3
( ) Muito fácil. ( ) Fácil. ( ) Difícil. ( ) Muito Difícil ( ) Prefiro não opinar.
Deixe aqui um pequeno comentário sobre a sua experiência com o nosso projeto. Obs.:
4 Você pode fazer um comentário geral sobre a atividade desenvolvida, se gostou ou não,
mostrar pontos positivos e negativos, dar sugestões e outros.
Fonte: Elaboração própria

Também é pertinente salientar, que os alunos S e P não responderam ao Ques-


tionário de Opinião aplicado ao final do semestre letivo, o que inviabilizou a relação
das respostas desses alunos com seus respectivos Mapas Conceituais. Ambos os
discentes abandonaram o curso após o primeiro bimestre, o que justifica o fato de
não terem respondido ao esse questionário e nem elaborado o último mapa solicitado.
Porém os mapas desses dois alunos foram contabilizados para avaliação da primei-
ra parte da disciplina, visto que ambos apresentaram dois mapas, o elaborado no
início do semestre e o realizado ao final do 1º bimestre. Desta forma, dos 23 alunos
que tiveram seus mapas corrigidos, 21 responderam ao questionário supracitado.

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Resultados e discussão

Elaboração e Utilização de Mapas Conceituais como Ferramenta Facilitadora


da Aprendizagem

Os Mapas Conceituais elaborados pelos docentes da disciplina foram desenvol-


vidos a fim de serem utilizados como uma ferramenta facilitadora da aprendizagem,
proporcionando a organização e elucidação dos conceitos mais importantes abordados
no componente curricular. Portanto, por meio desta pesquisa foi possível verificar
se a ferramenta utilizada contribuiu para que os alunos encontrassem maior faci-
lidade em discernir a estrutura de significados aceitos no contexto da matéria de
ensino da disciplina.
No traçado dos mapas utilizou-se figuras geométricas específicas, apesar de essas
não serem determinantes para confecção de um Mapa Conceitual. Preferencialmente
conceitos mais abrangentes devem estar destacados no mapa, de tal modo que o
leitor consiga diferenciá-lo dos demais (MOREIRA, 2013). Neste trabalho adotou-se
elipses com palavras em negrito para indicar o conceito principal e retângulos para
indicar conceitos mais específicos, todos conectados por palavras de ligação, as quais
dão sentido a conexão existente entre dois conceitos, assim como é possível observar
nos dois exemplos de Mapas Conceituais elaborados neste trabalho (Figuras 1 e 2).
Além disso, em alguns mapas traçados pelos docentes foram utilizados retângulos
verdes para destacar conceitos secundários de maior importância e abrangência,
como observado na Figura 1. Esse artifício foi implementando em Mapas Concei-
tuais que apresentavam muitas ligações transversais, o que possibilitou uma maior
facilidade de leitura por parte dos discentes.

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Figura 1: Mapa Conceitual direcionado ao Experimento de número 3 (Estimativa do teor de asfaltenos


em diferentes amostras de petróleo – 1º bimestre) – Exemplo 1 dos 17 Mapas Conceituais
elaborados neste trabalho.

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Figura 2: Mapa Conceitual direcionado ao Experimento de número 14 (Determinação dos parâmetros


de filtração utilizando baixas temperatura e pressão (BTBP) e determinação da salinidade
de um fluido de perfuração à base de água – 2º bimestre) – Exemplo 2 dos 17 Mapas
Conceituais elaborados neste trabalho.

Ao final do semestre letivo, ou seja, após serem utilizados todos os Mapas Con-
ceituais elaborados, os alunos foram questionados, por meio de um questionário
contendo perguntas abertas e fechadas, sobre a intervenção realizada. As questões
iniciais desse mecanismo de avaliação eram direcionadas a primeira etapa desta
pesquisa, sendo possível compreender a opinião dos discentes no que se refere a
contribuição dos mapas elaborados.

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Na primeira questão do Questionário de Opinião, os discentes foram indagados


se antes da aplicação desta proposta de ensino já conheciam a ferramenta utilizada.
Dentre os 21 respondentes, 12 alunos responderam “sim” (57%) e 9 declararam que
“não” (43%). Ao analisar esses números, pode-se verificar que grande parte dos dis-
centes já conhecia a ferramenta utilizada, porém durante as aulas percebeu-se que
eles não possuíam prática na confecção ou leitura desses mapas, sendo assim, pos-
sivelmente, alguns discentes confundiram Mapas Conceituais com fluxogramas ou,
até mesmo, com Mapas Mentais, ambos muito comuns no dia-a-dia dos estudantes.
Na Questão 2, os alunos foram questionados se o uso dos Mapas Conceituais
que compunham seu material didático contribuiu para um melhor entendimento dos
conteúdos trabalhados. Dos 21 respondentes, 18 relataram que “sim”, 2 responderam
“não” e apenas 1 estudante declarou “prefiro não opinar”. A análise desses números
indica que a maior parte dos estudantes acredita que o uso dos Mapas Conceituais
elaborados pelos docentes auxiliou no entendimento dos conteúdos da referida dis-
ciplina. Esses dados estão de acordo com relatos apresentados por Moreira (2012)
e Trindade e Hartwig (2012), que destacaram que a supracitada ferramenta edu-
cacional apresenta potencial como recurso instrucional, facilitando a apresentação
e o entendimento de um determinado tópico. Ademais, foi solicitado aos educandos
que justificassem suas respostas, que estão apresentadas no Quadro 3.

Quadro 3: Justificativas apresentadas por alguns discentes para a questão número 2 do Questionário
de Opinião.
(continua...)
Aluno Justificativa
“O mapa ajuda a focar em conhecimentos mais importantes de forma dinâmica, o que melhora o
A
aprendizado.”
B ---
C “O mapa conceitual ajuda no raciocínio e principalmente na organização para os estudos.”
“Acredito que contribuiu para um melhor entendimento porque faz uso de ‘palavras-chaves’, nos
D
ajudando a lembrar dos pontos importantes.”
E “Auxílio para as provas.”
F “Facilita no entendimento e auxilia no estudo para um melhor desempenho.”
“Sim, porque da para fazer um “resumão” da matéria toda, assim fica melhor para relacionar o
G
conteúdo.”
H “Sim, pois ajuda a entender a matéria e não fica tudo embolado.”
I “Os mapas conceituais facilitam na compreensão do conteúdo.”
J “È uma forma de estudar e revisar a matéria de maneira prática, ajuda a fixar conceitos.”
K “O Mapa Conceitual permite realizar um rápido estudo, de forma bem resumida.”

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(conclusão)

“Ele destaca os pontos importantes, resume a matéria ajudando a organizar as informações dando
L
uma melhor compreensão.”
M “Acredito que existam explicações mais elaboradas e, particularmente, mais eficientes.”
N “Sim, porque é um jeito mais fácil de resumir o conteúdo, fixa melhor.”
O “Ajudou para um melhor entendimento, facilitando o estudo.”
Q ---
R “Sim, porque com os mapas conceituais auxilia na hora de estudar e entender a matéria.”
T “Fica mais fácil de acompanhar o raciocínio, de visualizar conceitos e de entender a prática.”
U ---
“Os Mapas Conceituais ajudam a estabelecer uma linha lógica de estudo, principalmente quando
V feito pela mesma pessoa que estuda o conteúdo, pois os Mapas Conceituais também são uma
boa forma de revisão.”
W “Ajuda a assimilar o conteúdo e ajuda a memorizar as sequências ou etapas.”
Nota: Os alunos S e P não realizam o Questionário de Opinião, pois evadiram no 2º bimestre do curso.

Dentre as justificativas apresentadas no Quadro 3, destacam-se as que aponta-


ram que o uso dos Mapas Conceituais contribuiu para um melhor entendimento do
conteúdo, pois “organiza as informações (Aluno C) e direciona os discentes para os
“conhecimentos mais importantes (aluno A)”. Essas justificativas estão de acordo com
Moreira (2012), que destaca que os Mapas Conceituais são instrumentos capazes
de evidenciar os significados atribuídos aos conceitos e as relações entre eles, e o
fazem de forma objetiva, visualmente organizada e ocupando um espaço reduzido.
Outros alunos salientaram que o uso dos Mapas Conceituais proporciona um me-
canismo de revisão dos conteúdos de forma simplificada e prática (Alunos G, J, K,
L, N e R). Isso se justifica, pois, segundo Moreira (2013) e Moreira e Rosa (1986),
sempre devem ficar claro no mapa quais são os conceitos mais importantes e quais
os secundários, o que facilita uma posterior revisão do conteúdo de forma rápida.
Dentre as respostas apresentadas anteriormente a do aluno D também merece
destaque: “Acredito que contribuiu para um melhor entendimento porque faz uso de
‘palavras-chaves’, nos ajudando a lembrar dos pontos importantes”. Dentro desse
contexto, no que se refere à estrutura dos Mapas Conceituais, é relevante ressaltar
que as palavras-chave são importantes para explicitar a natureza da relação que se
deseja apontar (MOREIRA e ROSA, 1986; MOREIRA, 2013). Desta forma, o uso de
palavras de enlace deve ser incentivado no processo de construção de Mapas Concei-
tuais, de tal modo que a conexão entre os conceitos seja especificada pelo discente.
Esse fato somado ao comentário do aluno V, que relatou que “os Mapas Conceituais
ajudam a estabelecer uma linha lógica de estudo, principalmente quando feito pela

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mesma pessoa que estuda o conteúdo” indica que a confecção dessa ferramenta edu-
cacional também pode auxiliar o processo de ensino e aprendizagem (MOREIRA et
al., 2008; DANTAS, et al., 2017; MARTINS, 2009a; MARTINS et al., 2009b).

Mapas Conceituais como ferramenta para avaliação do


aprendizado

Mapas Conceituais podem ser úteis como ferramenta para avaliação do apren-
dizado, pois possibilitam que o docente aponte ponderações relacionadas a estru-
tura proposicional apresentada pelo discente (NOVAK e GOWIN, 1996; PIVATTO,
2013). Esta ferramenta de ensino apresenta grande potencial para a promoção e
verificação da diferenciação progressiva e da reconciliação integrativa de conceitos,
dado que, as conexões horizontais nos mapas simbolizam o estabelecimento de re-
lações transversais entre os conceitos, característica da reconciliação integrativa.
Já a hierarquização é característica da diferenciação progressiva, a qual se observa
no mapa quando se “desce” dos conceitos e proposições mais gerais para os mais
específicos (MOREIRA, 2012; 2013).
Portanto, os Mapas Conceituais podem ser instrumentos que possibilitam que
os professores detectem evidências que apontem para uma aprendizagem mais
significativa. Deste modo, a análise da presença de ligações transversais e níveis
hierárquicos no Mapa Conceitual elaborado pelo aluno refletem a realização de
reconciliação integrativa e diferenciação progressiva, processos esses que fazem
parte da dinâmica da estrutura cognitiva e ocorrem no curso da aprendizagem
significativa (MOREIRA, 2012; 2013). Somado a esse fato, as palavras de ligação,
escritas sobre as linhas que conectam proposições válidas, também podem apontar
evidências desse tipo de aprendizagem, pois essas são importantes para explicitar
a natureza da relação que o discente deseja apontar, demonstrando que a referida
relação está nítida na sua estrutura cognitiva (MOREIRA e ROSA, 1986; MOREIRA,
2012). De maneira oposta, a ausência de palavras de enlace entre dois conceitos pode
indicar que a conexão entres as proposições não está totalmente clara na estrutura
de conhecimento de quem confeccionou o mapa. Em outros casos, essa ausência
pode apontar que o elaborador encontrou dificuldades em expressar relações entre
as proposições, ou ainda, simplesmente as esqueceu.

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Desta forma, os Mapas Conceituais elaborados pelos alunos foram avaliados


levando em conta os critérios propostos por Novak e Gowin (1996), os quais foram
detalhados na metodologia deste trabalho. Essa avaliação teve por intuito pon-
tuar os mapas elaborados pelos discentes, a fim de verificar se esses podem ser
utilizados ou não como instrumentos de avaliação no ensino profissionalizante de
nível médio. A utilização dos critérios de pontuação dos Mapas Conceituais é uma
necessidade apontada tanto por discentes como por docentes, sendo possível fazer
uma avaliação da progressão da aprendizagem baseando-se na teoria cognitiva de
Ausubel (MARTINS et al., 2009a).
As pontuações obtidas após a análise dos mapas construídos pelos alunos estão
dispostas nas Tabelas 2 e 3. Em seguida observa-se uma breve análise de alguns
Mapas Conceituais confeccionados pelo público alvo desta pesquisa, a qual irá
ressaltar evidências que apontem para uma evolução conceitual dos discentes. Tal
análise será direcionada aos Mapas Conceituais elaborados no início das atividades
acadêmicas e ao final do primeiro e segundo bimestres, de modo que se possa fazer
um estudo comparativo entre os mapas elaborados. É pertinente evidenciar que,
como a estrutura cognitiva está constantemente se reorganizando por diferenciação
progressiva e reconciliação integrativa, mapas traçados hoje serão diferentes amanhã
(MOREIRA, 2012). Desta forma, almeja-se que a estrutura de conhecimento dos
educandos evolua ao longo do semestre letivo, e que os Mapas Conceituais traçados
por eles apresentem-se como um reflexo dessa evolução.

Tabela 2: Pontuação obtida após análise dos Mapas Conceituais construídos pelos alunos de A a L.
(continua...)
Aluno A B C
Critérios1 Inicial 1° B2 2° B3 Inicial 1° B2 2° B3 Inicial 1° B2 2° B3
Proposições válidas e significativas 10 24 25 5 4,5 9,5 2 6,5 8,5
Hierarquia: cada nível válido 20 30 30 10 7,5 30 5 5 20
Ligações transversais válidas e
0 20 0 0 0 0 0 0 0
significativas
Ligações transversais válidas 0 2 0 0 0 0 0 0 0
Ligações transversais criativas 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Exemplos válidos 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Total 30 76 55 15 12 39,5 7 11,5 28,5

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(conclusão)

Aluno D E F
Critérios1 Inicial 1° B2 2° B3 Inicial 1° B2 2° B3 Inicial 1° B2 2° B3
Proposições válidas e significativas 5,5 16 16,5 8 14 24 21,5 33 29
Hierarquia: cada nível válido 15 15 22,5 15 15 22,5 17,5 25 30
Ligações transversais válidas e
0 0 0 0 10 10 0 0 0
significativas
Ligações transversais válidas 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Ligações transversais criativas 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Exemplos válidos 0 0 0 3 3 3 7 8 0
Total 20,5 31 39 26 42 59,5 46 66 59

Aluno G H I
Critérios1 Inicial 1° B2 2° B3 Inicial 1° B2 2° B3 Inicial 1° B2 2° B3
Proposições válidas e significativas 6 11,5 14,5 7 21 25 6,5 21,5 18
Hierarquia: cada nível válido 10 10 15 10 20 25 10 17,5 22,5
Ligações transversais válidas e
0 0 0 0 10 0 0 10 0
significativas
Ligações transversais válidas 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Ligações transversais criativas 0 0 0 0 1 0 0 0 0
Exemplos válidos 0 0 0 0 0 2 0 2 1
Total 16 21,5 29,5 17 52 52 16,5 51 41,5

Aluno J K L
Critérios1 Inicial 1° B2 2° B3 Inicial 1° B2 2° B3 Inicial 1° B2 2° B3
Proposições válidas e significativas 6 17 26 6 32,5 30 6,5 22 34
Hierarquia: cada nível válido 7,5 17,5 20 20 30 20 7,5 12,5 30
Ligações transversais válidas e
0 0 0 0 50 0 0 30 20
significativas
Ligações transversais válidas 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Ligações transversais criativas 0 0 0 0 1 0 0 1 1
Exemplos válidos 3 5 4 0 0 2 1 0 3
Total 16,5 39,5 50 26 113,5 52 15 65,5 88
1
Critérios Classificatórios dos Mapas Conceituais utilizados por MARTINS et al. 2009. 2 1º bimestre. 3 2º bimestre.
Fonte: Elaboração própria.

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Tabela 3: Pontuação obtida após análise dos Mapas Conceituais construídos pelos alunos de M a W.
Aluno M N O
Critérios1 Inicial 1° B2 2° B3 Inicial 1° B2 2° B3 Inicial 1° B2
Proposições válidas e significativas 13 25 31 10 16 28 6 10,5
Hierarquia: cada nível válido 10 17,5 45 15 22,5 30 10 17,5
Ligações transversais válidas e significativas 0 5 40 0 5 0 0 10
Ligações transversais válidas 0 0 0 0 0 0 0 0
Ligações transversais criativas 0 0,5 3 0 0 0 0 1
Exemplos válidos 20 0 0 1 2 0 2 6
Total 43 48 119 26 45,5 58 18 45

Aluno P Q R S
Critérios1 Inicial 1° B2 Inicial 1° B2 Inicial 2° B3 Inicial 1°B2
Proposições válidas e significativas 11,5 15,5 4 10 6,5 19 8 12,5
Hierarquia: cada nível válido 22,5 17,5 5 12,5 12,5 15 12,5 10
Ligações transversais válidas e significativas 5 0 0 0,5 0 0 0 0
Ligações transversais válidas 0 0 0 0 0 0 0 0
Ligações transversais criativas 0,5 0 0 0 0 0 0 0
Exemplos válidos 0 0 2 1 0 0 3 0
Total 39,5 33 11 24 19 34 23,5 22,5

Aluno T U V W
Critérios 1
Inicial 1° B Inicial 2°B
2 3
Inicial 1°B 2
Inicial 2°B3
Proposições válidas e significativas 5,5 21 9 11 8 12,5 5,5 9,5
Hierarquia: cada nível válido 10 30 15 12,5 10 20 7,5 10
Ligações transversais válidas e significativas 0 10 20 0 0 0 0 0
Ligações transversais válidas 0 0 0 0 0 0 0 0
Ligações transversais criativas 0 1 0 0 0 1 0 0
Exemplos válidos 0 0 0 0 1 0 0 2
Total 15,5 62 44 23,5 19 33,5 13 21,5
1
Critérios Classificatórios dos Mapas Conceituais utilizados por MARTINS et al. 2009. 2 1º bimestre. 3 2º bimestre.
Fonte: Elaboração própria.

Analisando os dados apresentados nas Tabelas 2 e 3 é possível verificar uma


evolução conceitual progressiva para a maior parte dos discentes participantes desta
pesquisa (87%). Dos 14 alunos que confeccionaram os três Mapas Conceituais, 8
(C, D, E, G, J, L, M e N) apresentaram uma evolução conceitual progressiva, tendo
um aumento da pontuação do primeiro até o terceiro mapa elaborado. Para os dis-

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 714-752, 2021 733

Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Sandralice Marins da Silva Dias, Wagner da Silva Terra

centes que produziram somente dois Mapas Conceituais foi observado que 6 (O, Q,
R, T, V e W) dentre os 9 apresentaram aumento na pontuação do primeiro para o
segundo mapa. Esses dados indicam uma reorganização construtiva na estrutura
cognitiva desses discentes, o que permite sugerir, junto com uma análise estrutural
qualitativa, uma contribuição para a aprendizagem significativa do discente. Esse
resultado pode estar associado ao formato da disciplina que utilizou dois diferentes
recursos, a saber a experimentação descritiva e os Mapas Conceituais para poten-
cializar o processo de ensino e aprendizagem. Além disso, por meio deste trabalho é
percebido que a introdução de novas estratégias educacionais motiva os discentes,
facilitando ainda mais a aprendizagem, permitindo o desenvolvimento de diferentes
competências e habilidades no educando (MARTINS et al., 2009a).
Os resultados obtidos pelos Mapas Conceituais nos três momentos foram cate-
gorizados em seis faixas distintas, assim como apresentado na metodologia desse
trabalho. Essas faixas serviram de orientação para conferir conceitos aos mapas
elaborados pelos discentes. A porcentagem de mapas em cada uma das faixas e
em cada momento é apresentada na Figura 3, sendo perceptível que ao final dos
bimestres os discentes confeccionaram Mapas Conceituais mais elaborados, com
destaque para o 2º bimestre, em que 53% dos Mapas Conceituais foram considera-
dos acima do esperado.

Figura 3: Faixas de pontuação obtidas pelos Mapas Conceituais dos discentes nos três momentos
de estudo dessa pesquisa (sendo, 1º B – 1º bimestre e 2º B – 2º bimestre).

60,0
52,2 53,0
50,0

40,0 35,0
(% )

30,0 26,0
23,5
20,0 20,0
20,0 17,6
15,0
13,0
10,0
10,0 5,9
4,4 4,4
0,0 0,0 0,0 0,0
0,0
0-10 11-20 21-30 31-40 41-50 >50 0-10 11-20 21-30 31-40 41-50 >50 0-10 11-20 21-30 31-40 41-50 >50

Mapa Conceitual Inicial Mapa Conceitual do 1º B Mapa Conceitual do 2º B

Fonte: Elaboração própria.

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O Uso de Mapas Conceituais como Instrumento de Ensino e Avaliação da Aprendizagem Significativa dos Conceitos...

Apesar de alguns alunos que realizaram os três Mapas Conceituais não apre-
sentarem um aumento progressivo nas pontuações obtidas, eles elaboraram mapas
ricos em detalhes, principalmente ao fim de cada etapa. Dentre esses é possível
citar o aluno A, que apresentou um primeiro Mapa Conceitual com elevada riqueza
de conceitos e proposições válidas, além de um elevado nível hierárquico (Tabela
2). Os mapas elaborados ao final de cada um dos dois bimestres apresentaram
evolução nesses critérios quando comparados com o primeiro mapa. No entanto,
esses dois parâmetros permaneceram praticamente inalterados quando os mapas
finais foram analisados de forma comparativa. Esses dados indicam que o referido
aluno apresentou uma evolução conceitual mais pronunciada na primeira parte
da disciplina, ou não demonstrou toda sua potencialidade na confecção do último
Mapa Conceitual. Outro aspecto que merece ser evidenciado é a não observação de
nenhuma ligação transversal no último mapa elaborado pelo discente, contrapondo
as três observadas no Mapa Conceitual confeccionado ao final do primeiro bimestre
(Figura 4), acarretando assim, na diminuição da pontuação obtida pelo educando.
As ligações transversais válidas e significativas apresentadas no Mapa Con-
ceitual obtido ao final do primeiro bimestre pelo aluno A estão apresentadas em
vermelho na Figura 4, sendo uma delas criada entre a relação válida do processo
de sedimentação da matéria orgânica e a rocha reservatório. Já a segunda está
associada a interrelação entre a quantidade de asfaltenos e o preço do petróleo,
além de demonstrar a influência dessa classe de compostos químicos na densidade
desse fluido. A terceira ligação transversal encontra-se em azul na Figura 4, sendo
essa considerada apenas válida, visto que não foi considerado significativo para
um aluno do módulo IV de um Curso Técnico em Química, destacar que a água
interage com o sal. Neste caso, era requerido do discente que indicasse os motivos
que permitem essa interação. Ademais, o referido aluno utilizou palavras-chave em
todas as ligações entre conceitos na confecção dos três Mapas Conceituais.

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Figura 4: Mapa Conceitual do aluno A referente ao primeiro bimestre (Fonte: Elaboração própria).

Outro discente que merece destaque é o aluno D, que apresentou um primeiro


Mapa Conceitual relativamente pobre, mas com ligações entre conceitos providas de
palavras de enlace. No segundo mapa, o número de conceitos utilizados pelo aluno
aumentou, entretanto, todos estavam desprovidos das referidas palavras. O último
Mapa Conceitual (Figura 5) apresentou-se mais rico que o do primeiro bimestre,
compreendendo alguns novos conceitos, os quais, em sua maioria, apresentaram
palavras de ligação. Também se observou um aumento progressivo de proposições
válidas do primeiro ao último mapa, todavia, esse aumento foi pequeno.

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Figura 5: Mapa Conceitual do aluno D referente ao segundo bimestre (Fonte: Elaboração própria).

No Mapa Conceitual referente ao segundo bimestre (Figura 5) a maioria das


proposições representadas pelo aluno D eram referentes aos conteúdos trabalhados
nessa mesma época. Sendo assim o discente acabou focando mais nos conceitos
relacionados ao TOG (Teor de Óleos e Graxas) do que nos conceitos relacionados às
análises físico-químicas do petróleo. Todavia, duas análises que estavam presentes
na primeira parte da disciplina foram citadas, sendo estas: densidade e BSW (Basic
Sediments and Water), demonstrando que esses conceitos permaneceram por mais
tempo na estrutura cognitiva desse educando.
Assim como o aluno D, o estudante E apresentou, com maior riqueza de detalhes,
conteúdos trabalhados na segunda parte da disciplina ao invés de utilizar o tema
petróleo como principal, fazendo com que um dos conteúdos do segundo bimestre
fosse colocado como central na confecção do seu último Mapa Conceitual. Neste
caso, o conceito abordado foi “Fluido de Perfuração”, sendo o tema “Petróleo” sequer
citado. O aluno em questão apresentou uma evolução conceitual significativa ao
longo do semestre, fazendo uso de palavras-chave na grande maioria das ligações
entre conceitos. A análise comparativa entre os três mapas destacou um aumento
no número de níveis hierárquicos do segundo para o terceiro mapa, todavia, esse
aumento foi pequeno. Ademais, o discente apresentou duas ligações transversais
válidas e significativas, estando uma delas presente no segundo Mapa Conceitual

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(Figura 6) e a outra no terceiro (Figura 7). Em ambos os casos as ligações transver-


sais são destacadas em vermelho nos seus respectivos Mapas Conceituais, as quais
merecem lugar de destaque devido a sua importância no processo de realização da
reconciliação integrativa, sendo esse o motivo pelo qual Martins e colaboradores
(2009a) gratificam de forma mais expressiva esse tipo de ligação.
Com relação às ligações transversais válidas e significativas apresentadas pelo
aluno E, foi verificado que a ligação presente no segundo Mapa Conceitual (Figura
6), assim como para o aluno A, estava relacionada ao preço do petróleo. No entan-
to, esse discente destacou a influência da presença da água como contaminante,
levando à uma diminuição do valor agregado do petróleo, enquanto que o aluno A
destacou os asfaltenos como contaminantes (Figura 4). No terceiro Mapa Conceitual
(Figura 7) o aluno E destacou uma ligação transversal válida e significativa entre
os fluidos de perfuração e os adensantes, de tal modo que fosse possível relacionar
o controle da pressão hidrostática, presente nos poços em processo de perfuração,
com a adição de agentes adensantes, sendo esse controle uma das principais funções
dos fluidos de perfuração.

Figura 6: Mapa Conceitual do aluno E referente ao primeiro bimestre (Fonte: Elaboração própria).

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Figura 7: Mapa Conceitual do aluno E referente ao segundo bimestre (Fonte: Elaboração própria).

Os dados obtidos pela análise dos Mapas Conceituais do aluno H também me-
recem destaque, visto que esses indicam a presença de uma evolução conceitual
significativa no que se refere às proposições e níveis hierárquicos do primeiro para
o segundo Mapa Conceitual. Todavia, observou-se uma evolução conceitual pequena
em relação a esses dois quesitos quando parte-se do segundo para o terceiro mapa.
O aprendiz apresentou uma ligação transversal no segundo mapa (Figura 8), a qual
foi considerada válida, significativa e criativa. A referida ligação não se repetiu no
último Mapa Conceitual (Figura 9), todavia, ambos os mapas apresentaram a mesma
pontuação total, visto que o nível hierárquico e o número de proposições válidas,
apresentados no terceiro mapa, foram superiores, o que suprimiu a pontuação
apresentada pela ligação transversal presente no segundo mapa.

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Figura 8: Mapa Conceitual do aluno H referente ao primeiro bimestre (Fonte: Elaboração própria).

Figura 9: Mapa Conceitual do aluno H referente ao segundo bimestre (Fonte: Elaboração própria).

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A ligação transversal válida e significativa elaborada pelo aluno H, representada


em vermelho na Figura 8, foi considerada criativa, pois os conceitos presentes nessa
proposição foram relacionados a um conteúdo de outra disciplina do módulo IV do
curso Técnico em Química, a saber, Cromatografia. O discente conseguiu identificar
as diferenças de polaridade existentes entre os componentes do petróleo, destacan-
do a cromatografia em coluna como sendo uma técnica que possibilita a separação
desses em diferentes frações.
O aluno K apresentou uma evolução conceitual muito significativa do pri-
meiro (Figura 10) para o segundo (Figura 11) mapa, que se mostrou muito rico
em proposições válidas, níveis hierárquicos e ligações transversais, porém foram
observadas poucas palavras de ligação. Vale ressaltar que esse discente faltou ao
primeiro encontro, quando foi discutida uma introdução ao conteúdo, desta forma,
seu primeiro Mapa Conceitual apresentou conceitos não somente relacionados com
a Química, mas também ao cenário geopolítico que envolve o tema. Dentro desse
cenário, o referido aluno destacou o petróleo como sendo fonte de renda para os
países produtores, gerando recursos financeiros que acentua o sistema capitalista, o
que muitas das vezes, pode gerar disputas, principalmente no Oriente Médio. Além
disso, o referido aluno apresentou em seu Mapa Conceitual uma crítica ao sistema
capitalista, destacando que o mesmo se baseia numa exploração contínua, que se não
for analisada com cautela poderá causar graves desastres ambientais (Figura 10).

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Figura 10: Mapa Conceitual inicial do aluno K (Fonte: Elaboração própria).

Diferentemente do que foi observado no primeiro Mapa Conceitual, o aluno K


apresentou em seu segundo mapa (Figura 11) um embasamento químico sólido, con-
tendo várias proposições válidas, algumas com e outras sem palavras de ligação. No
entanto, o que mais se destaca no referido mapa são as cinco ligações transversais
válidas e significativas, as quais podem ser observadas em vermelho na Figura 11.
A primeira ligação transversal indica que dois dos principais grupos de compos-
tos presentes no petróleo são classificados como hidrocarbonetos, sendo um deles
nomeado de “aromáticos” e o outro de “saturados”. As demais frações (Resinas e
Asfaltenos) são consideradas não hidrocarbonetos, sendo assim, apresentam grupos
funcionais orgânicos em suas estruturas, o que proporciona uma interação entre as
substâncias presentes nessas duas classes de compostos, resultando na estabilização
das partículas asfaltênicas no interior do petróleo, o que pode ser observado em uma

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segunda ligação transversal. O referido mapa do discente também apresentou uma


ligação transversal entre dois contaminantes presentes no petróleo (H2O e H2S) e
os processos de corrosão presentes na indústria petrolífera. Por fim, as outras duas
ligações transversais estão relacionadas às propriedades do petróleo (densidade e
viscosidade), em que uma delas apresentou a correlação entre estas variáveis por
meio de expressões matemáticas em uma ligação transversal específica, sendo essa
considerada criativa.

Figura 11: Mapa Conceitual do aluno K referente ao primeiro bimestre (Fonte: Elaboração própria).

Por fim, cabe destacar os Mapas Conceituais apresentados pelo aluno L. Dentre
todas as seis ligações transversais válidas e significativas, apresentadas por esse
aluno em seu segundo Mapa Conceitual, somente uma não foi apresentada pelos
demais discentes, as outras também foram relatadas pelos alunos A, K e H, as quais
foram discutidas anteriormente e são destacadas em vermelho na Figura 12. A úni-
ca que não foi apresentada por nenhum outro discente diz respeito à formação de
emulsões por meio do contato entre a água e o óleo, sendo esses fluidos produzidos
pela indústria petrolífera. Cabe ressaltar que o referido discente não apresentou
palavras de ligação entre as proposições presentes nas ligações transversais, o que
reduziu pela metade os valores acrescidos para esses tipos de ligações.

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Figura 12: Mapa Conceitual do aluno L referente ao primeiro bimestre (Fonte: Elaboração própria).

Mesmo apresentando um Mapa Conceitual bem completo ao final do primeiro


bimestre, o aluno L conseguiu apresentar uma evolução conceitual ainda maior
ao final do segundo bimestre (Figura 13). Isso foi devido ao aumento no número
de proposições válidas e significativas e também ao aumento no nível hierárquico
apresentado do segundo para o último Mapa Conceitual do referido discente. No
entanto, observou-se uma redução na quantidade de ligações transversais válidas e
significativas, porém essas foram consideradas por completo, visto que neste mapa
o discente utilizou as palavras de ligação para conectar os conceitos. Neste mapa
foram observadas duas ligações transversais, sendo uma exatamente igual a apre-
sentada no segundo Mapa Conceitual do discente e a outra relacionada a um dos
conteúdos da segunda parte da disciplina, a saber Fluidos de Perfuração, de forma
similar ao realizado pelo aluno E.

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Figura 13: Mapa Conceitual do aluno L referente ao segundo bimestre

Fonte: Elaboração própria


Baseando-se nos Mapas Conceituais elaborados pelos discentes é possível
verificar que esse recurso se mostra bastante interessante como ferramenta de
avaliação, mesmo para cursos marcados por modelos tecnicistas de ensino, como
os cursos profissionalizantes de nível médio. Sendo assim, os dados coletados neste
trabalho estão de acordo com Struchiner e colaboradores (1999), que relatam que o
uso de Mapas Conceituais é uma forma muito eficiente de avaliar o conhecimento
estrutural do discente, os quais descrevem visualmente as correlações entre as
ideias do educando a respeito de um determinado conhecimento, representando
assim, sua estrutura cognitiva e as mudanças ocorridas nelas. Desta forma, a
análise dos Mapas Conceituais elaborados pelos discentes, mediante a observação
dos elementos constituintes da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel,
possibilitou a detecção de conhecimentos apresentados pelos alunos em diversos
aspectos relevantes à sua formação científica e profissional.

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Apesar do potencial apresentado por essa ferramenta educacional uma parcela


considerável dos educandos (56%) apresentou dificuldade na confecção dos seus Ma-
pas Conceituais, o que pode ser observado no gráfico da Figura 14. Esse resultado foi
obtido por meio da análise das respostas do público alvo desta pesquisa para a Ques-
tão 3 do Questionário de Opinião. Sendo verificado que 35% dos discentes alegaram
achar “fácil” elaborar esse tipo de mapa, 39% alegaram certo grau de dificuldade,
17% consideraram “muito difícil” e 9% dos respondentes preferiram não opinar.

Figura 14: Respostas dos alunos à Questão 3 do Questionário de Opinião.

Prefiro não
opinar (9%)
Fácil (35%)
Muito Difícil
(17%)

Difícil (39%)
(Fonte: Elaboração própria).

Apesar de grande parte dos alunos terem destacado que conhecia os Mapas
Conceituais, durante a aplicação deste projeto foi perceptível a falta de familiari-
dade da maior parte dos discentes no processo de construção dessa ferramenta de
ensino. A falta de habilidade na confecção dos mapas possivelmente é devido a sua
pouca utilização como recurso educacional, o que está de acordo com Pivatto (2013).
O referido autor aponta que embora os Mapas Conceituais sejam instrumentos ade-
quados para utilização em sala de aula ou em laboratório, poucos professores fazem
uso desse instrumento, o que consequentemente resulta na falta de experiência
dos educandos no momento de expressar sua complexa rede de conhecimentos em
apenas um único mapa. Alguns alunos inclusive destacaram que tinham muitas
informações e conceitos para serem expressos em apenas uma única folha, o que
sugere um aumento substancial na estrutura cognitiva dos discentes a respeito dos
conteúdos ministrados pela disciplina. Portanto, a falta de contato habitual com os

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Mapas Conceituais pode refletir a dificuldade que os alunos apresentaram no pro-


cesso de elaboração dos seus próprios mapas. Deste modo, ressalta-se a importância
de ambientar os discentes no processo de construção dos Mapas Conceituais, para
que eles saibam fazer uso adequado dessa ferramenta em seu cotidiano escolar.
Por fim, ao final do projeto, ao responder à Questão 4 do Questionário de Opi-
nião, os alunos foram convidados a relatar como foi a experiência com o projeto,
ressaltando pontos positivos, negativos e oferecendo sugestões. As respostas apre-
sentadas pelos discentes podem ser observadas no Quadro 4.
De forma geral, como ponto positivo os alunos relataram que os Mapas Con-
ceituais que compunham seu material didático ajudaram a organizar os principais
conceitos presentes na matéria, de forma simplificada e resumida, o que os ajudou
a acompanhar melhor o conteúdo e entender a prática. Relataram também que
foi uma ferramenta muito útil para estudar para as avaliações somativas e fazer
uma revisão mais objetiva dos principais conteúdos. É relevante ressaltar o relato
do aluno T, o qual destaca que utilizar os mapas em conjunto com a aula auxiliou
a acompanhar e entender o conteúdo. Isso se justifica, pois os Mapas Conceituais
não são autoexplicativos (MOREIRA, 2011; 2012). Portanto, ao fazer uso do mapa
em conjunto na aula, o professor está estimulando o potencial significativo dessa
ferramenta pedagógica.
Outro relato que merece ser destacado foi apresentado pelo aluno V “Os mapas
deste projeto se mostraram muito úteis na hora de revisar o conteúdo e até entender
os procedimentos e objetivos da etapa experimental. Os Mapas Conceituais tendem
a ser mais efetivos no meu caso por causa dos fluxogramas de fácil assimilação”.
Neste relato o discente destaca que a ferramenta utilizada foi bastante útil para
eles, visto que ele considerou os fluxogramas apresentados de fácil assimilação.
Portanto para o discente os mapas alcançaram seus objetivos.
Como ponto negativo alguns alunos relataram dificuldade em construir os seus
próprios Mapas Conceituais. Esses relatos reiteram a importância de ambientar os
discentes aos processos de construção e finalidades dos Mapas Conceituais. Além
desses, o comentário do aluno U também merece ser evidenciado, “acho que o mapa
conceitual apenas ajuda a decorar conceitos, e não a entender”. O relato desse aluno
está em desacordo com os demais discentes, porém esse comentário vai de encontro
com a teoria de David Ausubel. Segundo esse autor se o aprendiz deseja aprender de
forma não substancial e arbitrária, dificilmente a Aprendizagem Significativa será al-

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cançada, resultando em uma aprendizagem mecânica com maior potencialidade de ser


esquecida, portanto o educando tem papel central em seu processo de aprendizagem.

Quadro 4: Justificativas apresentadas por alguns discentes para a questão número 4 do Questionário
de Opinião.
Aluno1 Justificativa
“Particularmente, eu gostei da experiência, pois ela é prática e dinâmica, além de objetiva,
A
fazendo o tempo ser melhor usado.”
B “Os mapas conceituais são muito bons e bem resumidos, ótima ferramenta para o estudo.”
Esse projeto me ajudou a organizar os pontos para serem estudados, assim, a linha de
C
raciocínio fica mais fácil.
Gostei. Na minha opinião são “resumos” bem rápidos que ajudam nos estudos. No entanto,
D confesso que tenho dificuldade em criar mapas, quando eu dou conta copiei quase tudo do
que era pra resumir.
“A iniciativa foi boa, porém, a falta de tempo decorrido de muitas provas fez com que não
E
tivesse total aproveitamento do conteúdo. Entretanto, gostei.”
“De acordo com os questionários que recebemos, facilita o entendimento e o estudo, porém
F para nós mesmos elaborarmos, deveríamos ter mais tempo para o desenvolvimento. Na
hora de fazer o mapa faltou informações. Mas é uma ferramenta bem estruturada.”
G “Eu gostei do trabalho feito, foi bem desenvolvido e prático.”
H “Gostei, pois ajudou muito na hora de estudar para a prova.”
Os mapas são bem produtíveis, eles ajudam muito nos estudos pois trazem uma linguagem
I
simples e de maneira resumida, de forma que facilita na hora de estudar para a prova.
J “Foi interessante a experiência pois é uma ferramenta de estudo útil e que ajuda muito.”
Os mapas conceituais ajudaram a relacionar conceitos importantes da disciplina. Eles ajuda-
K
ram na obtenção de conhecimentos.
L “Gostei, facilita nos estudos e ajuda a entender o conteúdo.”
M --- 2
“A ideia foi boa, ajuda, não tenho nada contra, mas por eu ter focado mais em entender,
N
estudar a matéria, acabei dando pouca prioridade ao mapa.”
“Bom, os mapas conceituais só obtiveram pontos positivos. Foi de extrema ajuda nos estu-
O
dos, me permitiu entender melhor e também esclarecer algumas dúvidas.”
Q ---2
R “Sim gostei, pela facilidade no entendimento do tópico estudado.”
Inicialmente parecia algo que não faria diferença, mas com uma melhor visualização do
T mapa em conjunto com a aula, tornou-se uma ferramenta bastante útil para acompanhar e
entender todo o conteúdo.
U “Acho que o mapa conceitual apenas ajuda a decorar conceitos, e não a entender.”
“Os mapas deste projeto se mostraram muito úteis na hora de revisar o conteúdo e até en-
V tender os procedimentos e objetivos da etapa experimental. Os Mapas Conceituais tendem
a ser mais efetivos no meu caso por causa dos fluxogramas de fácil assimilação.”
“Gostei, achei interessante e ótimo para se fazer a revisão dos conteúdos abordados em
W
sala de aula ao final das práticas.”
Notas: 1Os alunos S e P não realizam o Questionário de Opinião pois evadiram no 2º bimestre do curso. 2 Os alunos M e Q não
apresentaram a justificativa, apesar de terem respondido o Questionário de Opinião.
Fonte: Elaboração própria.

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Conclusões

De acordo com as respostas apresentadas no Questionário de Opinião foi pos-


sível observar que os alunos aprovaram a proposta, destacando a importância dos
Mapas Conceituais no auxílio para os estudos. Os relatos apontaram que o uso dos
mapas de conceitos que compunham o material didático, contribuiu para um melhor
entendimento dos conteúdos trabalhados, mediante a organização e a elucidação
dos conceitos mais importantes, de forma objetiva e simplificada. Desta forma, ve-
rificou-se a eficácia do uso de Mapas Conceituais para compor um material didático
potencialmente significativo.
Por meio da análise dos mapas elaborados pelos alunos também foi possível
verificar que grande parte desses apresentou uma evolução conceitual progressiva,
exibindo um último mapa mais rico de conceitos e proposições válidas que os ante-
riores. Do mesmo modo, observaram-se indícios que apontaram para uma aprendi-
zagem mais significativa, relativa aos assuntos trabalhados ao longo do semestre.
Tais indícios foram elucidados por meio da observação dos critérios classificatórios
propostos por Novak e Gowin (1996), nos quais foram analisadas as proposições
elaboradas pelos alunos, os níveis hierárquicos, as ligações transversais e exemplos
apresentados, verificando-se a efetividade da utilização dos Mapas Conceituais como
ferramenta de avaliação da aprendizagem significativa para alunos de um curso
profissionalizante de nível médio. Mediante a observação desses critérios, pôde-se
aferir que 87% dos educandos apresentaram uma evolução conceitual significativa
ao longo do semestre letivo, demonstrando que o uso de Mapas Conceituais como
uma ferramenta pedagógica auxilia no processo de ensino e aprendizagem, forne-
cendo subsídios para uma aprendizagem mais significativa.

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The Use of Concept Maps as a Teaching and Assessment


Tool of Meaningful Learning of Concepts Related to
Petroleum Chemistry

Abstract

Chemistry teaching is commonly structured around activities that lead to the memorization of
information and mechanical repetition of concepts, which may culminate in the limitation of stu-
dents’ learning. Within this context, it is necessary to seek to implement new teaching and lear-
ning proposals and strategies, as well as potentially significant materials and instruments, in
order to enable the amplification of teaching quality. From this perspective, Concept Maps are
presented as flexible and dynamic instruments that can be used in classroom or laboratory.
Thus, the main objective of this work was the use of Concept Maps in order to contribute to a
more meaningful learning of students of the experimental part of the “Regional Technologies II”
subject of the Technical Chemistry Course at the Instituto Federal Fluminense (IFFluminense)
campus Campos Centro. The maps were prepared using the CmapTools software, and later at-
tached to the didactic material of two classes of module IV of the Technical Course in Chemistry,
which were used during the second semester of 2018. In search of evidence of the effectiveness
of the use of Concept Maps to contribute to a more meaningful learning, an Opinion Questionnai-
re containing mixed questions was introduced in order to detect the students’ perception about
the teaching instrument used. Concept Maps were also used as assessment tools, which were
prepared by the students at three different times, these being, at the beginning of the semester
and at the end of the first and second bimesters. These maps were intended to look for clues that
would point to more meaningful learning and to ascertain the conceptual evolution of students.
Through the analysis of the questionnaires and the Concept Maps prepared by the students,
it was observed, in general, a progressive conceptual evolution and signs pointing to a more
meaningful learning, indicating that potentially significant materials can contribute to assist in the
teaching and learning process.

Keywords: Meaningful Learning. Chemistry teaching. Concept Maps.

Referências
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Os registros gráficos no contexto do Ensino de Ciências por Investigação: em foco o Programa de Residência...

Os registros gráficos no contexto do Ensino


de Ciências por Investigação: em foco o
Programa de Residência Pedagógica
Alice Helena Bertola*, Tatiana Schneider Vieira de Moraes**

Resumo
No contexto do Programa de Residência Pedagógica foram organizadas ações que possibili-
taram a discussão do Ensino de Ciências por Investigação (ENCI) nos anos iniciais do Ensino
Fundamental como uma ferramenta para a construção de habilidades científicas. Com essa
perspectiva, este trabalho objetiva investigar se o aluno, ao se engajar em atividades de cunho
investigativo, pode aprimorar o processo de produção de textos escritos. O percurso metodo-
lógico foi estruturado incluindo uma revisão bibliográfica e uma pesquisa qualitativa, com um
caráter de estudo de caso. Os dados foram categorizados de acordo com a técnica de Análise
de Conteúdo, a qual evidenciou a necessidade de ampliação de estudos teóricos e práticos que
fomentam discussões acerca do ENCI no âmbito da leitura e da escrita. Os registros, provenien-
tes de ações investigativas, podem favorecer a inserção da criança em processos associados
ao fazer científico, como a necessidade de escrever e comunicar seus achados, compreendida
como uma atividade inerente ao trabalho investigativo.

Palavras-chave: Ensino de Ciências por Investigação; Ensino Fundamental, Programa de Re-


sidência Pedagógica.

*
Licenciada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP de Marília. Pós-graduada em
Psicopedagogia e Neurociências pela Universidade Paulista – UNIP. Coordenadora Pedagógica na Escola
Waldorf Cora Coralina de Marília. E-mail: [email protected]
**
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação – USP. Docente do Curso de Pedagogia vinculada ao
Departamento de Didática da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP de Marília. E-mail: tatiana.moraes@
unesp.br

Recebido em: 09/06/2020; Aceito em: 31/08/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11157
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

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Introdução

Este trabalho manifesta algumas inquietações e questionamentos à prática


escolar, com ênfase nas metodologias de cunho investigativo afetas ao Ensino de
Ciências. Essas indagações impulsionaram o desenvolvimento desta pesquisa no
contexto do Programa de Residência Pedagógica (PRP) - Edital CAPES nº 06/2018
- (BRASIL, 2018), no qual foi constituído um grupo de trabalho formado por quatro
residentes bolsistas, uma residente voluntária, uma professora preceptora (escola
básica) e a docente orientadora (universidade). Esse grupo teve por objetivo discu-
tir, entre outras perspectivas, a inserção do Ensino de Ciências por Investigação
(ENCI) na etapa do Ensino Fundamental (EF), bem como a introdução do aluno em
processos autênticos de investigação científica, engajando-os em tarefas de resolução
de problemas, levantamento e teste de hipóteses, sistematização e contextualização
do conhecimento, visando uma efetiva aproximação entre o universo da ciência e a
linguagem científica.
O engajamento em atividades investigativas é apontado por Sasseron (2015)
como um caminho para a promoção da Alfabetização Científica (AC) na escola básica,
processo reconhecido como um dos objetivos centrais do Ensino de Ciências e possível
de ser efetivado desde os primeiros anos de escolarização. A autora complementa
que o foco principal da AC é o envolvimento do aluno com a cultura científica e com
os processos de tomada de decisões individuais e coletivas.
Com a compreensão de que o ENCI pode representar um caminho possível
para as propostas que almejam a Alfabetização Científica, emerge a questão cen-
tral dessa investigação: Como que as atividades investigativas podem contribuir
para o envolvimento dos alunos com processos de leitura e escrita, no contexto do
Programa de Residência Pedagógica?
Com essa perspectiva, este trabalho objetiva investigar se o aluno, ao se engajar
em atividades de cunho investigativo, registra os fenômenos que observa. Dessa
forma, buscamos compreender a importância da escrita articulada às atividades
investigativas como uma ferramenta inerente ao trabalho de construção de co-
nhecimento em um processo investigativo no contexto do Programa de Residência
Pedagógica. Essas ações foram efetivadas no PRP com o subprojeto Licenciatura
em Pedagogia “Leitura e escrita em diferentes áreas de conhecimento” a partir da
articulação entre a leitura, a escrita e os pressupostos do Ensino de Ciências por

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Investigação, bem como a constituição de um grupo de trabalho específico para o


desenvolvimento dessa proposta.
O PRP é uma iniciativa da CAPES que integra a Política Nacional de Formação
de Professores do Ministério da Educação, visando intensificar a formação prática
nos cursos de licenciatura e promover a integração entre a educação básica e a
educação superior (BRASIL, 2019). Com esse propósito, o PRP preenche algumas
lacunas urgentes que são relativas à necessidade de um Projeto Político Pedagógico
explícito para a formação docente e coloca o estágio como um possível articulador
desse processo formativo. Nóvoa (2013) argumenta que o professor se forma na
escola, dentro da sua profissão, atuantes no espaço da sala de aula e construindo
reflexões sobre o seu próprio trabalho.
A partir das ações efetivadas pelos residentes na escola campo vinculada ao
Programa de Residência Pedagógica, esta pesquisa apresenta como hipótese ini-
cial a ideia de que quando o aluno é incentivado a buscar explicações científicas,
resultantes das observações que realiza, das diferentes interações e situações de
aprendizagem que vivencia, emerge a necessidade de pesquisar e registrar o pro-
cesso ao qual está envolvido, favorecendo assim o desenvolvimento da leitura e da
escrita no contexto investigativo.

Pressupostos teóricos

Pesquisas recentes sobre o Ensino de Ciências vêm apontado a importância de


ressignificar o processo de ensino e a adoção de práticas que promovam, dentre outras
abordagens didáticas, os processos investigativos em sala de aula, possibilitando
a inserção do aluno na construção do seu conhecimento, almejando a formação de
um cidadão crítico (SASSERON, 2015).
O Ensino Ciências por Investigação é apontado como sendo uma estratégia de
proposta didática que privilegia a problematização, na qual o aluno é o sujeito do
conhecimento e a sua construção é realizada a partir de interações com outros atores
e com o meio circundante (CARVALHO, 2013).
Sasseron e Carvalho (2008) apontam sobre a necessidade de um ensino de Ciên-
cias que permita aos alunos trabalhar e discutir problemas envolvendo fenômenos
naturais como forma de introduzi-los ao universo das Ciências e não mais ensinando
uma Ciência “acabada” e “pronta” em que não há espaço para discussões acerca de

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seus fenômenos, mas somente a sua operacionalização em exercícios tradiciona-


lizados. As autoras também evidenciam sobre a importância do desenvolvimento
de atividades em sala de aula que possibilitem argumentações entre os alunos e
o professor em momentos de investigação, nas quais os alunos são conduzidos a
formular hipóteses, criar argumentos para defendê-las, propondo afirmativas e
reunindo fatos que direcionam a explicação das ações investigadas (SASSERON;
CARVALHO, 2011).
Com essa perspectiva, a efetivação de propostas que abordam o ENCI desde
os anos iniciais se faz necessária para que o aluno tenha acesso a um conjunto de
ações que caracterizam a cultura científica, tais como: formular hipóteses, desen-
volver habilidades, explicar fenômenos, argumentar e comunicar seus achados
(SASSERON, 2015).
Na compreensão dos estudos que enfatizam essa abordagem em sala de aula,
Zômpero e Labarú (2011), destacam a partir de uma análise de cinco pesquisas que
o desenvolvimento de atividades investigativas, apesar de apresentar denomina-
ções e procedimentos variados na literatura, possuem alguns elementos centrais
que podem ser identificados pela presença de: problema real a ser analisado pelos
alunos; processo de emissão de hipóteses; planejamento para a realização do pro-
cesso investigativo, incluindo a busca por informações (experimentais ou bibliográ-
ficas), que auxiliam na resolução do problema; interpretação dos dados e, por fim,
a comunicação dos estudos realizados. Carvalho (2013) também argumenta sobre
a potencialidade do trabalho investigativo em sala de aula, propondo abordagens
metodológicas que dialogam com as propostas analisadas no trabalho de Zômpero
e Laburú (2011), na medida em que propõe: resolução de problemas investigativos;
levantamento, teste e organização de hipóteses; resolução do problema de investi-
gação; análise e interpretação dos dados; construção de relações causais; explicação;
socialização dos conhecimentos construídos e registros.
Nesse cenário, a criação de um ambiente investigativo em aulas de Ciências,
por meio de Sequências de Ensino Investigativas, pode conduzir os alunos à inte-
ração com elementos da cultura científica vinculados com a linguagem, dentre eles
a escrita, efetivado pelos registros produzidos pelas crianças durante as atividades
e a leitura, concretizada pela seleção de textos de sistematização do conhecimento
vinculados ao tema de estudo da SEI.

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Para que essa proposta seja inserida de forma plena no cenário escolar, as
atividades investigativas devem, portanto, ser desenvolvidas com questões proble-
matizadoras, mas que estas tragam aspectos da vida dos alunos, ou seja, problemas
reais e desafiadores que podem ser vivenciados e refletidos no contexto escolar, com
a orientação do professor. É necessário que os alunos se interessem pelo problema a
ser investigado, de forma a se sentirem motivados a resolvê-lo (ZANON; FREITAS,
2007; ZOMPERO; LABARU, 2011).
Com essa perspectiva, compreende-se como atividade investigativa, conforme
salientado por Carvalho (2013), aquela em que o trabalho do aluno não se restringe
apenas à manipulação de objetos e observação dos mesmos, mas que ao contrário,
apresenta características do fazer científico, ou seja, permite ao aluno refletir, dis-
cutir, explicar, testar suas ideias e suposições bem como relatar sobre a atividade
investigada. A autora aponta que alguns elementos constitutivos da SEI contribuem
para instigar os alunos a partir de uma situação problema, fazendo-os pensar e
propor soluções para a mesma, incluindo o uso de leituras de textos, atividades
experimentais, debates, atividades em grupo, produção de desenhos e textos, entre
outros. A problematização do conteúdo científico também contribui para a reflexão,
para o desenvolvimento do pensamento crítico, capaz de auxiliar na resolução de
problemas e para a construção de conhecimentos, de forma muito mais consistente.
Em síntese, é indispensável que a escola desperte e desenvolva, nos alunos, o
interesse pela leitura e pela escrita, a partir de contextos investigativos e com o
uso de diferentes linguagens para ampliar o raciocínio e a argumentação do aluno,
permitindo que escrevam corretamente e desenvolvam as habilidades de interpretar,
compreender, tornando-o um leitor crítico, argumentativo e independente.

Pressupostos metodológicos

No contexto do Programa de Residência Pedagógica, a pesquisa foi estruturada


em duas fases. A primeira fase foi constituída por uma pesquisa bibliográfica para a
caracterização de um corpus de trabalhos, difundidos por teses e dissertações, cujo
o escopo central foi estabelecer uma relação entre as atividades investigativas e os
processos de leitura e escrita. Os trabalhos foram selecionados nas seguintes bases
de dados: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e Catálogo
de Teses e Dissertações da CAPES, sem recorte de tempo.

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Os descritores de busca foram utilizados com operadores booleanos OR e AND


com as seguintes combinações: (“ensino por investigação” OR “ensino de ciências
por investigação” OR “atividades investigativas”) AND leitura e (“ensino por inves-
tigação” OR “ensino de ciências por investigação” OR “atividades investigativas”)
AND escrita. Apesar da busca ter sido realizada de forma separada, os dados obti-
dos, tanto para leitura quanto para escrita, foram tratados conjuntamente, pois se
relacionam com o escopo desta investigação.
A análise dos dados obtidos foi realizada mediante a organização de eixos temá-
ticos de análise, a saber: 1) A escrita/leitura e o Ensino de Ciência por Investigação
no contexto das intervenções com alunos e 2) A escrita/leitura e o Ensino de Ciência
por Investigação no contexto da formação de professores ou dos materiais pedagógicos.
Na segunda fase desta pesquisa, foram empreendidas ações na escola campo,
vinculada ao Programa de Residência Pedagógica, com o objetivo de articular os
elementos do ENCI com a escola básica, no contexto da leitura e da escrita, apre-
sentando um enfoque predominantemente qualitativo. Para tanto, foi estruturada
uma Sequência de Ensino Investigativa (SEI), pautada nos pressupostos de Car-
valho (2013).
Lüdke e André (2004, p. 18) apontam que uma pesquisa de natureza qualitativa
“se desenvolve numa situação natural, é rica em dados descritivos, tem um plano
aberto e flexível [...] focalizando a realidade de forma complexa e contextualizada”.
Os dados gerados e selecionados para a análise, no contexto desta investigação,
circunscrevem uma abordagem de estudo de caso, na medida em que ocorre a
busca pela compreensão da observação detalhada em cooperação com os partici-
pantes (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Os dados gerados também permitem a análise
e interpretação de fatos e fenômenos exatamente como ocorrem no real, oriundos
da produção de dados, embasada numa fundamentação teórica consistente, obje-
tivando compreender e explicar o problema pesquisado, conforme orientam Lüdke
e André (2004). Foram recolhidos os registros gráficos das crianças como forma de
instrumento de coleta de dados.
O percurso metodológico insere-se na organização de uma Sequência de Ensi-
no Investigativa (SEI) (CARVALHO, 2013), intitulada de “Seres vivos”, a qual foi
aplicada aos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal
do interior paulista. A constituição da SEI foi um processo oriundo de encontros
recorrentes entre a docente orientadora e as alunas residentes do Programa. A

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Os registros gráficos no contexto do Ensino de Ciências por Investigação: em foco o Programa de Residência...

temática foi sugerida pela professora da turma do 3º ano, por ser um tópico do con-
teúdo programático a ser ministrado. A professora da turma também fez sugestões
e adequações na estrutura final da SEI, considerando o conhecimento dos alunos
em questão, bem como agregando outros valores a esse processo formativo.
Os princípios éticos foram adotados com o envio e recolhimento de assinatura
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) dos pais dos alunos, bem
como os nomes dos sujeitos e da escola-campo foram preservados.

Análise de dados

Os dados obtidos nas duas fases desta investigação serão apresentados nas
seções seguintes, organizadas para o tratamento e análise dos dados bibliográficos
(3.1) e dos dados empíricos (3.2). Os dados bibliográficos foram analisados com base
na técnica da análise de conteúdo (BARDIN, 2011), na qual foram identificadas as
semelhanças entre os estudos para que fosse possível estabelecer agrupamentos
por meio de categorias temáticas, sendo identificadas duas categorias de análise: 1)
Escrita/leitura e o Ensino de Ciência por Investigação no contexto das intervenções
com alunos e 2) Escrita/leitura e Ensino de Ciência por Investigação no contexto
da formação de professores ou dos materiais pedagógicos.
Os dados empíricos também foram analisados com base na técnica de análise
de conteúdo (BARDIN, 2011). A partir da aplicação da SEI foram obtidos dados na
forma de registros gráficos das crianças (desenho e escrita), analisados com base
em eixos temáticos, a saber: 1) Registros de classificação e 2) Registros de atividade
experimental. Em decorrência de algumas dificuldades apresentadas pelos discentes,
importa destacar que não foi possível categorizar todos os registros.

Dados bibliográficos

Na BDTD, foram encontrados o total de 32 trabalhos associados com o termo


leitura e 58 trabalhos associados ao termo escrita. Desse total, apenas 07 traba-
lhos (06 dissertações e 1 tese) atenderam aos critérios de inclusão, que permitiu
articular a perspectiva investigativa em Ensino de Ciências com os anos iniciais
do Ensino Fundamental no contexto da escrita e da leitura. No Banco de Teses e
Dissertações da CAPES, foram encontrados o total de 09 trabalhos associados com

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o termo leitura e 16 trabalhos associados ao termo escrita. Desse total, apenas 03


dissertações atenderam aos mesmos critérios de inclusão.
Após a organização e tratamento dos dados, iniciou-se o processo de análise a
partir da leitura na íntegra dos trabalhos selecionados, com o intuito de identificar
as semelhanças entre os estudos e estabelecer possíveis agrupamentos. Essa escolha
foi feita com base nas estratégias utilizadas nas pesquisas e, com essa perspectiva,
verificou-se a presença de duas categorias distintas (Quadro 1).

Quadro 1: Categoria de análise e distribuição dos trabalhos localizados.


Número de
Categoria Descrição Autores/ano
artigos alocados
Trevisani (2019);
Escrita/leitura e o En- Categoria que descreve as inter- Hilário (2018);
sino de Ciência por In- venções realizadas com as crianças Zerlottini (2017);
vestigação no contexto com o intuito de estabelecer rela- Silva (2017);
das intervenções com ções entre os elementos da cultura 8 Zocoler (2016);
alunos científica e da alfabetização na lín- Almeida (2015);
gua materna. Nunes (2013);
Oliveira (2009).
Categoria que descreve as ações
Escrita/leitura e o En-
realizadas com os professores com
sino de Ciência por In-
o intuito de potencializar a aproxi-
vestigação no contexto Melo (2017);
mação com o Ensino de Ciências
da formação de profes- 2 Pinto (2012).
por Investigação e com os materiais
sores ou dos materiais
pedagógicos facilitadores do ensino
pedagógicos
da leitura e da escrita
Fonte: dados de pesquisa (2019).

Com essa perspectiva, os trabalhos alocados em cada categoria são apresentados


e analisados nos tópicos seguintes.

A escrita/leitura e o Ensino de Ciência por Investigação no contexto das


intervenções com alunos:

Os trabalhos localizados e enquadrados nessa categoria apresentam um eixo


comum composto pela proposição de atividades investigativas ou Sequência de
Ensino Investigativo para turmas do Ensino Fundamental I, envolvendo conteúdos
científicos. De modo geral, os dados coletados, na forma de registros escritos, foram
analisados com a perspectiva de avaliar as contribuições do ensino investigativo
para o processo de escrita dos alunos.

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Nesse contexto, Silva (2017) analisou os registros escritos de alunos de 4º e 5 º


anos após uma intervenção didática com uma SEI e identificou três categorias de
registros a saber: relatos de experimento científico; relatos de experiência vivida;
relatos híbridos. A autora concluiu que os relatos de experimentos, gênero textual
típico da cultura científica, bem como os relatos híbridos apresentaram mais in-
dícios da interação dos alunos com a cultura científica e evidenciaram, de forma
mais relevante, o uso da escrita, enquanto elemento do fazer ciência. Com essa
mesma perspectiva, Zocoler (2016) objetivou investigar de que maneira a prática
da produção de textos de forma contextualizada, durante atividades investigativas,
poderia auxiliar os estudantes a compreenderem eventos científicos do cotidiano
e a produzirem textos mais coerentes e coesos. A análise dos dados foi pautada na
identificação dos indicadores de Alfabetização Científica, na análise da estrutura
de argumentos e nos elementos que tornam um texto coerente e coeso. Os resul-
tados evidenciaram que é possível integrar Ciências e Língua Portuguesa em um
constante trabalho de articulação entre a AC e o aprendizado da produção de textos
escritos, de modo síncrono e efetivo. A autora destaca que os elementos constitutivos
do processo de planejamento de atividades investigativas, proporcionam condições
para que o aluno fale e sinta a necessidade de divulgar o que aprendeu, legitimando
a escrita como um processo inerente ao trabalho investigativo, coadunando com as
ideias de Silva (2017).
O trabalho de Trevisani (2019), pautado nos pressupostas da Teoria Histórico-
-Cultural, também utiliza a produção textual dos alunos, bem como os desenhos, com
o objetivo de evidenciar o processo de construção de conceitos científicos desencadea-
dos pelos alunos a partir do envolvimento com atividades investigativas. A produção
textual com o intuito de verificar as aproximações com a escrita científica também
foi o foco dos estudos de Almeida (2015). Os resultados apontam que os alunos do 5º
ano do EF conseguiram relatar as atividades propostas e alguns apresentaram, na
escrita, a construção de uma relação causal para o fenômeno físico estudado, bem
como utilizaram palavras e expressões que se aproximaram da linguagem cientí-
fica. Almeida (2015) também destaca que esse processo pode expressar indícios da
construção do raciocínio científico em consonância com os estudos de Nunes (2013)
que aponta para o desenvolvimento de habilidades cognitivas avançadas a partir do
engajamento em atividades investigativas. A análise dos registros, neste contexto,

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também identificou a escrita como um elemento correspondente às intenções do


ato comunicativo.
Oliveira (2009) apresentou uma relação de interdependência entre os registros
orais e escritos dos alunos, produzidos ao término das atividades investigativas. A
autora propôs que a discussão oral ajuda os alunos no momento de registro escrito,
sendo que esse último tem o importante papel de socializar informações e de au-
mentar o conhecimento sobre o tema trabalhado. Ademais, a autora constatou que a
fala é uma importante mediadora entre o pensamento e a escrita. Com essa mesma
perspectiva, Hilário (2018) identificou que os relatos escritos produzidos ao final
das atividades propostas é uma ferramenta eficiente que estimula as crianças na
oralidade, leitura e produção escrita, contribuindo para o processo de alfabetização
em linguagem, a partir de uma abordagem investigativa.
Em um contexto diferente, Zerlottini (2017) avaliou o potencial das aulas de
Ciências com caráter investigativo, com o objetivo de promover a autonomia dos
alunos e a criatividade na produção de poemas. A aplicação de uma SEI pautada na
temática sobre o ciclo da água permitiu que os alunos refletissem sobre as Ciências,
elaborando suas ideias de uma forma pouco comum para a disciplina: em versos,
envolvendo-os em um processo criativo e autoral. Ao evidenciar a produção de poe-
mas nas aulas de Ciências, a autora expõe a importância da escrita, assim como
Zocoler (2016), em um processo de articulação bastante favorável entre as aulas de
Língua Portuguesa e as outras disciplinas, sobretudo, a de Ciências, potencializando
o processo de aquisição de linguagem científica.

A escrita/leitura e o Ensino de Ciência por Investigação no contexto da


formação de professores ou dos materiais pedagógicos

Os dois trabalhos alocados nessa categoria possuem um eixo comum evidenciado


pelas ações voltadas à formação de professores no âmbito do Ensino de Ciências por
Investigação que consideram os processos de leitura e a escrita em suas propostas.
Nesse contexto, Pinto (2012) objetivou compreender como ocorre a aproximação dos
elementos das Ciências Naturais pela Literatura Infantil, bem como analisar o uso
desse gênero pelos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental. A coleta de
dados foi efetivada por meio de análise documental de livros de Literatura Infantil
disponíveis aos alunos dos anos iniciais do EF e de entrevistas com 6 professores

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desse segmento de ensino. A autora aponta que o uso didatizado da Literatura Infan-
til é consistente, desde que os professores sejam levados a pensar na problemática
e busquem subsídios teóricos a fim de elaborarem estratégias de leitura. Os temas
relacionados ao Ensino de Ciências são representativos na Literatura Infantil e,
por isso, apresentam-se promissores para novas análises.
Em outro contexto, Melo (2017) caracterizou a concepção do Ensino de Ciências
da Natureza proposto no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC)
com o intuito de identificar as contribuições e limites dessa proposta para a disci-
plina em questão. A pesquisa empregada foi do tipo documental, com abordagem
qualitativa, a partir dos cadernos de formação continuada do PNAIC publicados em
2012, 2014 e 2015. O PNAIC propõe direitos inovadores de aprendizagem na área
de Ciências da Natureza, mas as práticas de ensino apresentadas pouco oportuni-
zaram momentos reais, capazes de potencializar substancialmente o planejamento
e reflexões críticas sobre as práticas de ensino de Ciências. As propostas para a
prática docente, geralmente, não estabelecem relações diretas com os direitos de
aprendizagem e vinculam nas atividades a concepção tradicional e, por vezes, o
ensino via redescoberta. Nesse contexto, o ensino de Ciências precisa ir além da
simples memorização das informações veiculadas em textos e exposição dos docen-
tes. É preciso promover o acesso efetivo dos discentes em práticas de investigação,
nas quais haja oportunidade efetiva de compreensão dos conhecimentos científicos
e tecnológicos.
A análise dos dados bibliográficos revela, para a primeira categoria, a organiza-
ção de situações de ensino investigativas que são promotoras de ações de leitura e,
sobretudo de registro. Alguns trabalhos objetivaram caracterizar esses registros, bem
como evidenciar sua importância no ato de comunicar as atividades investigativas
realizadas pelas crianças e registrar o processo de construção de conceitos científicos.
Ademais, foi evidenciado também possibilidades de integração entre as disciplinas
de Ciências e Língua Portuguesa, no contexto do ENCI. Sobre esse aspecto, Brandi
e Gurgel (2002) apontam a importância do processo de leitura e escrita no Ensino
de Ciências, com vistas à introdução da criança à cultura científica. Entretanto,
essas autoras destacam a necessidade de formação de professores como sendo um
elemento essencial para inserção desses aspectos nos anos iniciais do EF, fato que
corrobora com os poucos trabalhos representativos da segunda categoria.

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Após esse processo de tratamento e análise dos dados da pesquisa bibliográfica,


a seção seguinte objetiva descrever e discutir os dados produzidos na escola vincu-
lada ao Programa de Residência Pedagógica.

Dados coletados na escola campo

Com base no referencial teórico e metodológico do Ensino de Ciências por


Investigação foi estruturada uma SEI, a qual foi aplicada na escola campo como
atividade de regência do Programa de Residência Pedagógica. De acordo com a por-
taria CAPES 259/2019 (BRASIL, 2019, art. 3º) “o PRP tem por finalidade promover
a experiência de regência em sala de aula aos discentes da segunda metade dos
cursos de licenciatura, em escolas públicas de educação básica, acompanhados pelo
professor da escola”. Com essa perspectiva, a proposta foi pautada na organização
de uma Sequência de Ensino Investigativa (CARVALHO, 2013) que compreende
um conjunto de atividades intencionalmente planejadas, envolvendo um conteúdo
escolar e organizada de modo a privilegiar as discussões dos alunos durante a re-
solução de problemas, permitindo o levantamento de hipóteses, a sistematização
do conhecimento e o registro das atividades realizadas.
A SEI em questão foi intitulada de “A Classificação dos Seres vivos” (Quadro 2),
envolvendo o conteúdo relacionado aos reinos animal e vegetal e teve o objetivo de
compreender como o Ensino de Ciências por Investigação, pautado na Alfabetização
Científica, pode contribuir para o aprimoramento da produção de textos escritos.
A sequência foi estruturada com 6 aulas, sendo que o problema de investigação
proposto às crianças foi: Como pode classificar os seres vivos?. Compreendemos
que as questões problematizadoras devem ser amplas e envolver a abordagem
Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTSA), mas nem sempre essa articula-
ção é possível. Coaduamos com a ideias apresentadas por Sasseron (2015, p. 57)
nas quais os “processos de discussão e resolução de problemas ligados às ciências
são trabalhados em situações de ensino”, ou seja, temáticas científicas podem ser
estruturadas em problemas e propostas em situações didáticas, intencionalmente
organizadas para este propósito.

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Quadro 2: SEI aplicada na turma do 3º ano do EF.


TÍTULO: “A Classificação dos Seres vivos”
Problema de investigação: Como podemos classificar os seres vivos?
AULA 1 Conversando sobre os seres vivos e não vivos do mundo – apresentação do problema
orientador da investigação “Como podemos classificar os seres vivos?, passeio pes-
quisa e registro (Foto 1).
AULA 2 Conhecendo o grupo dos artrópodes: Leitura de livro, atividade de classificação dos
artrópodes e registro das ações (Foto 2).
AULA 3 Classificando o reino animal – Atividade de classificação com imagens de diferentes
animais (habitat, locomoção, alimentação, cobertura do corpo e reprodução), circuito
de animais com observação em pequenos grupos (hamster, peixe, gato, lula, camarão,
minhoca, larvas de besouro, tartaruga, pintinho) (Foto 3).
AULA 4 Classificação do reino vegetal – Passeio pesquisa para coleta de folhas, leitura de texto
sobre classificação das folhas e registro (Foto 4).
AULA 5 Evidenciando o processo da fotossíntese – Realização da atividade experimental e
investigativa sobre a fotossíntese, leitura de texto e registro (Foto 5).
AULA 6 Conversando sobre classificação e aplicação do jogo – Atividade utilizando chave dico-
tômica de classificação de animais e plantas, seguida de leitura de texto sobre cadeia
alimentar e realização de atividade lúdica sobre “Jogo da cadeia alimentar” e registro
(Foto 6).
Fonte: elaborado pelas autoras.

No conjunto das descrições das ações efetivadas, são apresentadas algumas


fotos dos elementos destacados nas aulas de 1 à 6 que compuseram a SEI do 3º ano:

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A organização da SEI e sua consequente aplicação na escola campo vinculada


ao PRP representa uma etapa importante do processo de imersão dos lincenciandos
no cotidiano escolar com possibilidades de reflexão sobre os pressupostos teóricos do
Ensino por Investigação em articulação com as práticas observadas e experimenta-
das, as quais foram efetivadas pela regência da SEI em sala de aula. Portanto, este
estudo apresenta capilaridade tanto para a instrumentalização teórica e prática dos
licenciandos envolvidos no contexto da formação inicial e dos professores da escola
básica que passam a vivenciar novas propostas metodológicas em um contexto de

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formação continuada. Com esta perspectiva, as crianças também são beneficiadas


com as atividades que são desenvolvidas, enriquecendo seu reportório cultural, aqui
representado pelas ações relativas às ciências.
Nesse sentido, Moraes, Lima e Carvalho (2021) argumentam sobre a neces-
sidade do professor criar condições objetivas e efetivas para o fomento das ações
investigativas com as crianças, estimulando diferentes formas de linguagem com
o intuito de mobilizar o pensamento, a memória, a atenção, a percepção, dentre
outras qualidades especificamente humanas.
Ao término das atividades propostas, foi solicitado que os alunos realizassem os
registros gráficos das ações vivenciadas por eles, os quais foram analisados com base
nas categorias indicadas. A presença da categoria “Registros de classificação” ficou
evidente na escrita produzida pela aluna após a separação dos materiais encontrados
no passeio pesquisa no qual ela apresenta suas hipóteses sobre a classificação dos
seres vivos (animais e plantas) e dos seres não vivos (Figura 1).
A figura 2 evidencia outro tipo de registro que também foi alocado nessa categoria
“Registros de classificação”. Neste caso, a criança classifica as folhas com base nas
informações fornecidas por meio da leitura de um texto e das discussões realizadas
entre a residente e os alunos. Importa destacar que o texto lido anteriormente e
que fomentou a realização dessa atividade, foi sistematizado pelas alunas residen-
tes com a supervisão da professora orientadora e apresentou questões relativas à
classificação das folhas incluindo imagens, texto escrito e referências.

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A análise dos dados indica que, dentre as hipóteses da criança a pena foi clas-
sificada como um elemento do “Grupo das plantas”, ou seja, do reino vegetal. Essa
confusão é plausível para a idade uma vez que esses conhecimentos estão sendo
construídos e consolidados pela criança e observar a pena como um elemento isolado
pode dificultar a visualização do animal como um todo. Jiménez-Aleixandre, Bugallo
Rodríguez e Duschl (2000) apresentam um conjunto de operações epistemológicas
(indução, dedução, causalidade, definição, classificação, apelos, con­sistências e
plausibilidade) que orientam a construção dos argumentos utilizados pelos alunos,
os quais contribuem para a inserção na cultura científica e no entendimento dos
diferentes aspectos das ciências, bem como no engajamento em discussões que en-
volvam temas científicos. Nesse entendimento, os autores apontam a classificação
como uma operação epistemológica para se fazer ciência na medida em que possibilita
o agrupamento de objetos ou organismos de acordo com critérios pré-estabelecidos.

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Sasseron e Carvalho (2008) propõem os Indicadores de Alfabetização Científica,


nos quais a “classificação de informações” (p. 338) integra um conjunto de indicado-
res relacionados ao trabalho com os dados obtidos em uma investigação. As autoras
apontam que o ato de classificar informações “constitui-se em um momento de or-
denação dos elementos com os quais se está trabalhando procurando uma relação
entre eles” (p. 338).
Como apontado pelos autores, classificar não é um único elemento do processo
de Alfabetização Científica, mas representa uma habilidade importante que soma-
da a tantas outras em um processo investigativo, pode contribuir para elevar os
níveis de consciência das crianças e o envolvimento crescente com a aquisição de
significados da linguagem das Ciências.
Na sequência das análises, a discussão se voltou para os registros realizados
após as ações práticas e investigativas durante o desenvolvimento da SEI.
Após a realização do experimento sobre a fotossíntese as crianças fizeram o
registro dessa atividade. A categoria “Registro de atividade experimental” fica
evidente na análise desse registro como mostra a Figura 3.

O registro apresenta vários elementos que foram utilizados para a elaboração


do experimento da fotossíntese. A criança descreve os passos realizados durante o
desenvolvimento da experiência, incluindo aspectos relacionados às conclusões finais

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observadas pelo grupo. Importa destacar que apesar de ser um registro individual,
a criança reforça o caráter coletivo da construção do experimento quando utiliza
todos os verbos na terceira pessoa do plural.
Silva (2017) aponta que os registros classificados como “relatos de experimentos”
representam um gênero textual típico da cultura científica e apresentaram mais
indícios da interação dos alunos com a cultura científica uma vez que evidenciaram,
de forma mais relevante, o uso da escrita, enquanto elemento do fazer científico.
Ademais a criança utiliza a linguagem do desenho e a linguagem escrita como
complementares. Com essa perspectiva, Derdyk (2004) aponta que as linguagens
verbal e gráfica participam de uma natureza mental, com suas especificidades e
particularidades, mas cada uma, à sua maneira, contribui para a formação de uma
ideia, imagem ou conceito.
Após análises dos registros produzidos por alunos ao término das aulas de
Ciências, cujo o foco foi a resolução de um problema, Oliveira e Carvalho (2005) e
Sasseron e Carvalho (2010) apontam que as crianças utilizam os desenhos como
apoio para auxiliar a compreensão das ideias apresentadas no texto escrito ou
complementar alguma informação que não conseguem expressar de forma escrita.
A criança elabora seu gênero do discurso (BAKHTIN, 2003), seu conteúdo, suas
escolhas para construir sua escrita. O registro de atividade experimental é uma
ação inerente à cultura científica, comumente utilizado na ciência para o registro do
conhecimento científico e, portanto, precisa ser apropriado na escola, local propício
para a articulação entre a linguagem escrita e a científica informada.
O engajamento com situações de registros, decorrentes de ações intencionalmente
planejadas em um contexto investigativo podem favorecer a inserção da criança em
processos associados ao fazer científico, representados no recorte desta pesquisa
pela necessidade da criança escrever e comunicar seus achados.

Considerações finais

As ações vinculadas ao Programa de Residência Pedagógica tiveram como foco


o ensino, sobretudo o Ensino de Ciências por Investigação, mas também possibi-
litaram a inserção do aluno residente em contextos amplos de articulação entre o
ensino, a pesquisa e a extensão.

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O percurso de desenvolvimento desta pesquisa permitiu caracterizar, a partir da


análise dos dados bibliográficos, a prevalência dos estudos que articulam a leitura/
escrita com o Ensino de Ciências por Investigação no contexto das intervenções com
as crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Esses trabalhos apontam a
relevância do engajamento das crianças na resolução de situações-problemas como
disparador para a linguagem escrita, permeada de elementos da ciência, bem como
o registro uma ferramenta inerente ao processo de comunicação e construção de con-
ceitos científicos e uma possibilidade de integração entre as disciplinas de Ciências
e Língua Portuguesa, no contexto do ENCI. Importa destacar que foram encontra-
dos apenas dois estudos que articulam a escrita/leitura com o ENCI no contexto
da formação de professores e dos materiais pedagógicos, indicando a necessidade
de discussão e ampliação de trabalhos que possam favorecer a instrumentalização
teórico e prática de professores da rede básica de ensino. De todo modo, foi possível
perceber a escassez de material, consolidado no conjunto de teses e dissertações,
sobre esta interface de estudo, sugerindo um campo com possibilidades de expansão
de conhecimentos.
Com a perspectiva de estruturar e aplicar uma SEI, no contexto da regência
do Programa de Residência Pedagógica, também foi proposto o desenvolvimento de
atividades investigativas que pudessem fomentar o envolvimento dos alunos com
processos de leitura e escrita.
Sobre este aspecto, importa destacar, em um primeiro momento o protagonismo
dos residentes na construção a aplicação da SEI no contexto do programa, resva-
lando em ações de formação inicial de professores que, pela configuração do PRP,
também impactam a formação continuada. No conjunto dessas ações, as crianças da
escola campo são favorecidos, uma vez que se beneficiam das atividades propostas,
intencionalmente planejadas, com o intuito de articular a promoção da escrita a
partir do fomento às ações investigativas.
Nesse sentido, a SEI trabalhada motivou e envolveu os alunos com as estratégias
de resolução de problemas, levantamento de hipóteses, comunicação e compreensão
de fenômenos. O desenvolvimento dessa sequência possibilitou a coleta de dados
através das representações dos registros dos alunos, pois ao propor uma tarefa de
registrar uma situação de aprendizagem, o repertório do aluno se expande de modo
significativo e esses registros podem expressar evidências do conhecimento adquirido
durante as atividades realizadas.

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Ademais, o registro desempenha uma função de linguagem, compreendendo


significados e sentidos precisos, que não se configuram apenas como uma represen-
tação gráfica, mas constituem-se em uma estratégia de pensamento, a qual precisa
ser estimulada pelo professor, como uma habilidade constitutiva do processo de
aprendizagem, mas que precisa ser aprendida pela criança.
Com essa perspectiva, a SEI trabalhada, contemplou atividades de leitura e es-
crita relacionadas com atividades de experimentação, pesquisa, atividades lúdicas,
sistematização e discussão de conceitos estudados. A relação entre essas diferentes
estratégias se apresenta como uma proposta potente para o processo de ensino e
aprendizagem, na medida em que mobiliza diversas formas do pensamento e possi-
bilita o engajamento dos alunos com diferentes estratégias de ensino relacionados
à mesma temática e vinculadas ao contexto da leitura e da escrita.
O trabalho investigativo, organizado com esses elementos, proporcionou também
a construção de espaços e ações potentes para o protagonismo da criança durante o
processo de formação de conceitos científicos de forma contextualizada. O Ensino de
Ciências por Investigação potencializa a criação de um ambiente investigativo nas
escolas, que possibilita a condução e mediação das crianças no processo simplificado
do trabalho científico para que possam, gradualmente, se envolver com a cultura
científica e se apropriar, integralmente, da linguagem das Ciências.
Assim, integrar Ciências e linguagens nos primeiros anos do Ensino Fundamen-
tal pode fomentar o desenvolvimento de habilidades essenciais para o processo de
ensino e aprendizagem para essas e outras áreas do conhecimento, fortalecendo a
importância das Ciências Naturais no processo formativo das crianças.

Agradecimentos
As autoras agradecem à CAPES pelo apoio financeiro, à escola campo vinculada ao Programa de
Residência Pedagógica, à professora e aos alunos da turma do 3º ano de 2019.

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Graphic records in the context of Inquiry-Based Teaching


Science: focusing on the Pedagogy Residence Program

Abstract

In the context of the Pedagogical Residency Program, actions were taken to enable the discus-
sion of Inquiry-Based Teaching Science (IBTS) in the early years of Elemenatry School to act as
a tool for the construction of scientific skills. With this perspective, this paper aims to investigate if
the student, by engaging in investigative activities can improve the production process of written
texts. The methodological path was structured including a bibliographical review and a qualitative
research, acting as a study case. All data were categorized using the Content Analysis techni-
que, which has evidenced the need to expand theoretical and practical studies that encourages
discussions about IBTS in the scope of reading and writing. The records, originated from inves-
tigative actions may favor the child’s insertion in processes associated with scientific activities,
such as the need to write and communicate its findings, acknowledged as an activity inherent of
investigative work.

Keywords: Inquiry-Based Teaching Science; Elementary School; Pedagogical Residence Pro-


gram.

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Os registros gráficos no contexto do Ensino de Ciências por Investigação: em foco o Programa de Residência...

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Perspectivas de licenciandos em Física


sobre a Educação de Jovens e Adultos
Larissa Carniel da Silva*, Patrícia Ignácio**, Tobias Espinosa***

Resumo
O presente estudo buscou compreender quais são os entendimentos sobre o conceito, os su-
jeitos, o ensino e a aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos (EJA), de licenciandos de
um curso de licenciatura com habilitação em Física de uma universidade pública federal loca-
lizada na Região Metropolitana de Porto Alegre. Para isso, utilizou-se de entrevistas gravadas
em áudio, posteriormente, analisadas sob o olhar da Análise Temática, descrita por Braun e
Clarke (2006). De acordo com as análises realizadas, os achados da pesquisa mostraram que
os licenciandos: pouco sabem o que é a EJA; percebem os alunos da EJA como um público
diversificado; entendem que os alunos desta modalidade não possuem interesse pelos estudos;
acreditam que os alunos da EJA aprendem de forma lenta e dificultosa; mencionam a impor-
tância da realização de sondagem junto aos alunos, para o planejamento da aula; apostam,
preferencialmente, em metodologias tradicionais, sugerindo, também, metodologias ativas e a
mescla dessas. Por fim, os resultados apontam a necessidade de repensar os currículos dos
cursos de licenciatura em Física e de um maior investimento em pesquisas sobre o Ensino de
Física na EJA.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos, Ensino de Física, Formação de professores de


Física, Ensino e Aprendizagem na EJA, Análise Temática.

*
Mestranda em Ensino de Ciências Exatas pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Licenciada em
Ciências Exatas também pela FURG. Contato: [email protected]
**
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mestre em Educação pela Univer-
sidade Luterana do Brasil (ULBRA) e Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS). Contato: [email protected]
***
Doutor em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Ensino de
Física também pela UFRGS. Licenciado em Física pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).
Contato: [email protected]

Recebido em: 07/04/2020; Aceito em: 29/01/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.10817
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

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Perspectivas de licenciandos em Física sobre a Educação de Jovens e Adultos

Introdução

O Ensino de Física para jovens e adultos se constitui em uma das habilitações


do curso de Licenciatura em Física1. Contudo, a partir de uma primeira inserção em
uma turma da Educação de Jovens e Adultos (EJA), vivenciada por parte dos autores
deste artigo na disciplina de Estágio I, no último ano em um curso de licenciatura
com habilitação em Física, pôde-se perceber o quanto as turmas da EJA possuem
características diferenciadas em relação ao ensino regular e entre si. Com isso, o
presente estudo teve por interesse entender como ocorre a formação de professores
nessa modalidade de ensino. Isso porque, ao se deparar com a ação docente perante
uma turma de EJA, os autores em questão notaram a falta de conhecimentos sobre
o fazer docente em relação ao funcionamento, ao planejamento, às metodologias e às
avaliações específicas para essa modalidade de ensino nos licenciandos da referida
disciplina. A questão que reverbera das vivências descritas retoma a fragilidade da
formação dos cursos de licenciatura quanto às diferenças que demarcam a Educação
de Jovens e Adultos e como trabalhar com esta modalidade.
A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade educacional criada com o
objetivo de possibilitar às pessoas que não tiveram acesso à escola na idade con-
vencional concluir seus estudos nos ensinos fundamental e médio (BRASIL, 2000).
Pensando particularmente no Ensino de Física na EJA, investigou-se como tem sido
a formação de professores na área, se os futuros professores saem da licenciatura
preparados para trabalhar e quais seus entendimentos sobre essa modalidade de
ensino.
Em relação à estrutura curricular dos cursos de formação de professores para o
ensino de Física, o Parecer 1304/20012 aponta que os cursos de licenciatura em Física
devem conter aproximadamente 50% da carga horária total composta de disciplinas
como: Física Geral, Matemática, Física Moderna e Contemporânea e disciplinas
complementares. Esse documento ainda afirma que, para a licenciatura em Física,
serão incluídos, no conjunto dos conteúdos profissionais, os conteúdos da Educação
Básica, considerando as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores em Nível Superior (BRASIL, 2015), bem como as Diretrizes Nacionais
para a Educação Básica (BRASIL, 2013). O documento das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores em Nível Superior define que

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[...] para a Formação Inicial e Continuada em Nível Superior de Profissionais do


Magistério para a Educação Básica aplicam-se à formação de professores para o
exercício da docência na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio
e nas respectivas modalidades de educação (Educação de Jovens e Adultos, Educação
Especial, Educação Profissional e Tecnológica, Educação do Campo, Educação Esco-
lar Indígena, Educação a Distância e Educação Escolar Quilombola), nas diferentes
áreas do conhecimento e com integração entre elas, podendo abranger um campo
específico e/ou interdisciplinar (BRASIL, 2015, p. 3).

Assim, o que se percebe é uma perspectiva de formação ampla, onde o objetivo


é habilitar os futuros professores para a Educação Básica em todas as suas moda-
lidades. Isso faz com que se reflita sobre a forma como se dá essa formação, tendo
em vista a diversidade de realidades nas quais o professor de Física pode se inserir.
Posto isto, a pergunta de pesquisa que norteou o presente artigo foi: Quais são
os entendimentos de licenciandos em Física de um curso de licenciatura com habi-
litação em Física de uma universidade pública federal da Região Metropolitana de
Porto Alegre acerca do conceito, dos sujeitos, do ensino e da aprendizagem na EJA?
Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa, na qual foram realizadas
entrevistas individuais semiestruturadas3 a fim de investigar quais os entendimentos
de 12 licenciandos em Física sobre o conceito, os sujeitos, o ensino e a aprendizagem
na EJA, em um curso de licenciatura com habilitação em Física. As entrevistas foram
gravadas em áudio e, posteriormente, analisadas sob o olhar da Análise Temática
descrita por Braun e Clarke (2006).

A educação de jovens e adultos no brasil

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 9.394/1996 especifica que a EJA


é uma modalidade de ensino cujo objetivo é possibilitar às pessoas que, por algum
motivo, não concluíram a educação básica durante a infância e adolescência, voltem
a estudar. A LDB (1996), no inciso VII art. 4º, ainda afirma que o dever do Estado
com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: “oferta de
educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades
adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem
trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola”.
O papel da EJA no Parecer 11/20004, segundo Soares (2002, p. 13), é estabelecer:

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a ‘função reparadora’, que se refere ao ingresso no circuito dos direitos civis, pela
restauração de um direito negado; a ‘função equalizadora’, que propõe garantir uma
redistribuição e alocação em vista de mais igualdade de modo a proporcionar maiores
oportunidades, de acesso e permanência na escola, aos que até então foram mais des-
favorecidos; por último, a função, por excelência da EJA, permanente, descrita no do-
cumento como a ‘função qualificadora’. É a função que corresponde às necessidades de
atualização e de aprendizagem contínuas, próprias da era em que nos encontramos.

Com isso, a EJA deixa de ter função de suprir, compensar a escolaridade perdida,
como na legislação anterior, e foca nas novas funções descritas pelo Parecer 11/2000.
A EJA pode ser ofertada nas seguintes modalidades: Proeja, Encceja e EJA a
distância. O Proeja se constitui no ensino da EJA oferecido junto com um curso
técnico de formação profissional ou vice-versa. O termo é encontrado com mais
frequência nos Institutos Federais de Educação Tecnológica do Governo Federal
(DECRETO nº 5.8405, 2006). O Encceja, segundo o Ministério da Educação (2018),
é o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos, que
visa a conclusão do Ensino Básico, através de exames, incluindo a certificação de
pessoas que moram no exterior e a população carcerária. Já a modalidade de EJA
a distância, segundo o Parecer 6/20106 (2010), surgiu como uma oportunidade para
os jovens e adultos concluírem o ensino básico. No Parecer 6/2010 (2010, p. 22) é
destacada a necessidade de se desenvolver estudos sobre a relação entre a EJA e
a EaD (Educação a Distância) “para obterem maior compreensão das reais possi-
bilidades da Educação a Distância em EJA”. Segundo Fajardo (2018), os estados,
os quais são responsáveis pela formação dos currículos, precisam da aprovação dos
conselhos locais para a adesão da EJA a distância, o que pode ocorrer ainda este
ano. Segundo o Parecer 11/2000 (2000, p. 39), a idade mínima para ingresso em
cursos da EJA no ensino fundamental “que também objetivem exames supletivos
desta etapa, só pode ser superior a 14 anos completos dado que 15 anos completos
é a idade mínima para inclusão em exames supletivos” e o “estudante da EJA de
ensino médio deve ter mais de 17 anos completos para iniciar um curso da EJA. E
só com 18 anos completos ele poderá ser incluído em exames” (BRASIL, 2000, p. 40).
Sobre o ensino nessa modalidade, o PNE (Plano Nacional de Educação) de 2001,
na seção 5.1, declara que “é necessária [...] a produção de materiais didáticos e téc-
nicas pedagógicas apropriadas, além da especialização do corpo docente”, tendo em
vista as suas especificidades. Além disso, a meta 11 da seção 5.1 do PNE de 2001
assinalava a relevância de

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estimular a concessão de créditos curriculares aos estudantes de educação superior e


de cursos de formação de professores em nível médio que participarem de programas
de educação de jovens e adultos.

Isso mostra que, no PNE de 2001, havia interesse no fornecimento de material


específico à EJA, na formação continuada de professores dessa modalidade e também
na inserção do assunto nas ementas das disciplinas dos cursos de licenciaturas no país.
Entretanto, no PNE de 2014 a concessão de créditos curriculares aos estudantes
de graduação, não permaneceu. Já, o estímulo à formação continuada de professores
para trabalhar com a EJA, continuou. Com isso, compreende-se que ao mesmo tempo
em que há avanços nas legislações sobre a EJA, ainda há um longo caminho a se
percorrer em relação à formação de professores para essa modalidade de ensino.

Quem são os sujeitos frequentadores da EJA

Sabe-se que a EJA é destinada a jovens e adultos que não tiveram acesso à
escola na idade adequada, mas quem são eles, especificamente? Segundo o Censo
Escolar de 2018 (INEP, 2019), cerca de 52% dos alunos matriculados na EJA pos-
suem idades de 15 a 24 anos. Isso mostra que, atualmente, os frequentadores da
EJA são em sua maioria jovens.
Os dados do Censo Escolar de 2018 (INEP, 2019) ainda mostram que, 52% dos
frequentadores da EJA são homens, e os outros 48% são mulheres. Além disso,
39,09% são pardos, 16,05% brancos, 5,58% pretos, 0,75% indígenas, 0,35% amarelos
e 38,18% não é declarado.
Loch (2009) relata, através de sua experiência docente na EJA, que o público da
EJA poderá ser um morador de rua, um jovem deficiente, um adulto trabalhador,
avós de 70, 80 anos, negros, brancos, pardos, homossexuais etc.
Ao encontro disso, Haddad e Di Pierro (2000) explicam que, o grupo social cons-
tituído por jovens passou a ser maior número, na Educação de Jovens e Adultos, a
partir dos anos 80, e que possui uma trajetória escolar anterior mal sucedida. Em
relação à presença de jovens na EJA, Brunel (2008, p. 9) explica em seu livro que
os jovens, quando chegam nesta modalidade, em geral, estão desmotivados, desen-
cantados com a escola regular, com histórico de repetência de um, dois, três anos
ou mais. Muitos deles sentem-se perdidos no contexto atual, principalmente em
relação ao emprego e à importância do estudo para a sua vida e inserção no mercado
de trabalho.

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Em experiência com a EJA, vivenciada por parte dos autores deste artigo, pode-se
observar o elevado número de jovens advindos do ensino regular, nessa modalidade.
Esses alunos, geralmente, foram excluídos do ensino regular por não avançarem
ou por mau comportamento.
De acordo com Souza (2012, p. 15), os frequentadores da EJA “são pessoas que
possuem trajetória de vida marcada por exclusão, perdas e esperanças”. Ou seja,
são pessoas que, em alguns casos, já internalizaram a incapacidade de aprender.
Por isso, o educador da EJA deve ser capaz de reacender nessas pessoas a crença
na sua potencialidade em aprender.
Sobre os sujeitos frequentadores da EJA, Lise e Andreolla (2014) realizaram
um estudo cujo objetivo era identificar o novo7 sujeito dessa modalidade na Escola
Básica Municipal Rui Barbosa, da cidade de Chapecó. Para isso, os autores desen-
volveram um levantamento sobre a faixa etária dos alunos e realizaram perguntas
tais como: “Você trabalha?”; “Qual é o seu horário de trabalho?”; “Como você se
considera quanto a sua cor?”; e “Quantas pessoas da sua casa estudam, excluindo
você?”. Os resultados apontaram que, cerca de 39% tinham idades de 15 a 20 anos,
74% eram trabalhadores, 63% trabalhavam em horário comercial, 40% se conside-
ravam brancos, 38% se consideravam pardos e 39% não possuíam nenhum membro
da família que estudasse. Para os autores, a divulgação desses dados para a escola
possibilitaria que a mesma soubesse “quem é realmente esse ‘novo’ [...] sujeito, os
seus problemas, seus anseios, suas necessidades, suas facilidades” para assim, se
adequar para melhor receber esse aluno (LISE; ANDREOLLA, 2014, p. 72).
Em relação ao educando adulto, Pinto (2010, p. 86) diz que ele
é antes de tudo um membro ‘atuante’ da sociedade. Não apenas por ser um trabalha-
dor, e sim pelo conjunto de ações que exerce sobre um círculo de existência. O adulto
analfabeto é um elemento frequentemente de alta influência na comunidade.

Isso remete ao entendimento de que o adulto analfabeto, apesar de não possuir


um conhecimento considerado válido pela escola, possui um conjunto de conhecimen-
tos importantes para seus pares e parece se mostrar influente em sua comunidade.
Por fim, foi possível verificar que o público da EJA é diversificado e, também,
diferente dos alunos regulares. Isso mostra a necessidade de uma formação especí-
fica ao professor (e futuro professor) dessa modalidade de ensino.

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Formação de professores para a EJA

Em se tratando da formação de professores para jovens e adultos, Arroyo (2006,


p. 17) expressa que “a formação do educador e da educadora de jovens e adultos
sempre foi um pouco pelas bordas, nas próprias fronteiras onde estava acontecendo
a EJA”. Segundo o autor, a causa disso é o fato de não se ter parâmetros oficiais
que delineiam o perfil e a formação do educador dessa modalidade porque, também,
não se tem uma definição ainda muito clara da própria EJA. Além disso, segundo
Arroyo (2006, p. 18), a EJA
é uma área que permanece em construção, em uma constante interrogação. Um
aspecto que talvez tenha sido muito bom para a própria EJA é o fato de ela não ter
conseguido nunca, ou nem sequer tentado, conformar-se no sistema educacional.
Isso fez com que não se tentasse também conformar a formação do educador e da
educadora da EJA num marco definido.

Para Lise e Andreolla (2014, p. 59), “um dos maiores problemas da EJA no mo-
mento atual é a falta de professores com formação específica na área para atender
a esse público diferenciado, de forma significativa e enriquecedora”. Ao encontro
disso, Machado (2008, p. 165) menciona que a formação de um profissional preparado
para trabalhar com jovens e adultos é importante e que essa deveria ser tratada na
formação inicial desses professores, pois
a maioria dos cursos de formação de professores nos prepara para atuar com o aluno
ideal - por que não dizer irreal. Aprendemos os conteúdos de nossas áreas, conhe-
cemos algumas ferramentas pedagógicas e metodológicas, mas estamos longe de
pensar a realidade concreta da escola na qual iremos atuar, ao assumir um contrato
temporário ou, mesmo, ao passar num concurso para cargos efetivos nas redes públi-
cas de ensino. É a primeira questão a ser enfrentada pela formação de professores da
EJA: há que se repensar os currículos dos cursos de licenciatura, para que a formação
inicial trate dessa modalidade de ensino.

Percebendo o distanciamento entre a formação de professores e a realidade da EJA,


neste trabalho, considera-se a formação do educador da EJA de suma importância para
uma potencial qualificação e aprimoramento nos processos de ensino e na aprendizagem
dos alunos. Ou seja, a formação de um professor de Física que possua formação para
a EJA, e outras modalidades, é extremamente necessária nos dias atuais.
Em meio a esse debate, Ventura e Bomfim (2015) realizaram um estudo com o
objetivo de contribuir para a discussão sobre o lugar que a EJA ocupa na formação

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inicial de professores, promovida nos cursos de licenciatura. Ao investigar como a


formação do professor da EJA aparece em documentos oficiais, os autores concluíram
que a EJA é “alvo de metas modestas, políticas descontinuadas e fragmentadas,
iniciativas focais e aligeiradas, [...] no qual a universalização da educação básica de
qualidade para todos vem sendo assunto menor” (VENTURA; BOMFIM, 2015, p. 211).
No que se refere ao educador de adultos, Pinto (2010, p. 85-86) fala que se deve
“considerar o educando não como um ser marginalizado, um caso de anomalia social,
mas, ao contrário, como um produto normal da sociedade em que vive”. Além disso,
o educador ainda precisa
considerar o educando como um ser ‘pensante’. É um portador de ideias e um produ-
tor de ideias, dotado frequentemente de alta capacidade intelectual, que se revela es-
pontaneamente em sua conversação, em sua crítica aos fatos, em sua literatura oral.
O que ocorre é que em presença do erudito arrogante, ‘culto’ (o ‘doutor’) o analfabeto
se sente inferiorizado e seu comportamento se torna retraído (PINTO, 2010, p. 86).

Dizendo de outro modo, é preciso ver seu aluno como um universo de possibili-
dades, um sujeito escolar capaz como todos os outros, um ser pensante e com uma
caminhada de inserção social, ao longo de toda a sua vida.
Ainda sobre a presença da EJA nas licenciaturas, Koch (2014) realizou uma
pesquisa com o objetivo de analisar a existência de elementos formativos relacio-
nados à EJA, desenvolvidos nos cursos de uma instituição de ensino superior da
Região de Chapecó. Com a análise das matrizes curriculares, observou que, dos 13
cursos de licenciaturas dessa instituição, 10 deles ofereciam de um a quatro crédi-
tos voltados à EJA. A partir da perspectiva da autora, concluiu-se que a formação
para a docência na EJA mostra muitas lacunas na formação inicial e continuada
dos educadores e que se deve cada vez mais discutir sobre a EJA nas licenciaturas.
Segundo Loch (2009), o educador deve sempre considerar que para elaborar o
planejamento e a avaliação na EJA se deve pensar: com os educandos, a sua vida,
as suas necessidades, os seus desejos e as suas aspirações articulados com a reali-
dade social e cultural em que vivem, num processo conjunto em que o ver, o ouvir
e o agir estão conectados. Assim sendo, percebe-se uma enorme tendência, entre
os estudiosos, em considerar os saberes e experiências do educando como parte
fundamental nos processos de ensino e de aprendizagem.
Em relação a isso, Giovanetti (2007, p. 247) busca ressaltar a extrema importân-
cia do olhar diferente que o educador da EJA precisa ter em relação aos seus alunos

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ao reeducarmos o nosso olhar docente, à luz do legado da educação popular, podere-


mos superar a negatividade ainda tão presente em nossas abordagens sobre os alunos
da EJA, ainda referidos por meio de uma visão marcada pela “carência”, o que acaba
por reafirmar uma postura preconceituosa e estigmatizada.

Isso porque, a EJA é um campo da educação que se dedica a seres humanos


marcados pela exclusão social, advindos das camadas populares. E, por isso, o
educador precisa reconstruir o seu olhar a respeito desses educandos. Com isso,
compreende-se o quão a formação de professores voltada para a EJA é importante
e necessária nos cursos de licenciaturas.

Ensino de Física na EJA

Para um breve levantamento acerca das pesquisas sobre o Ensino de Física


na EJA no Brasil, realizou-se buscas nas plataformas Scielo (Scientific Electronic
Library Online) e BDTD (Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações),
considerando todos os trabalhos acadêmicos disponíveis nessas bases até 2019. Na
Scielo, utilizou-se os termos chave: EJA e Física, resultando em quatro artigos, sendo
que um deles não estava relacionado ao tema. Na BDTD, utilizou-se o termo Ensino
de Física na EJA, o qual retornou 75 resultados, dos quais, apenas 25 continham
Física e Educação de Jovens e Adultos (EJA) no título ou nas palavras-chave. Na
presente seção, comentaram-se alguns dos trabalhos encontrados, considerados
mais relevantes para a discussão do presente artigo.
Silva (2017), em sua dissertação intitulada Análise de Material Didático de
Física para EJA: do TELECURSO ao PNLD8-EJA, destaca alguns dos problemas
encontrados no Ensino de Física na EJA no Brasil. Para o autor, a formação inade-
quada dos professores e a limitação de materiais didáticos específicos disponíveis
têm contribuído para a execução de um currículo precário. Silva ainda relata que,
durante a sua trajetória docente em uma escola pública, observou a falta de livros
didáticos e também a falta de livros voltados para a EJA, o que o levava a realizar
uma adaptação dos poucos livros que haviam voltados ao ensino regular. Por isso,
a dissertação de Silva (2017) teve como objetivo analisar três materiais didáticos
(TELECURSO, Acervo-EJA e PNLD-EJA) voltados para jovens e adultos. Ele
buscou compreender sua organização, de que maneira o material pretendia auxi-
liar os alunos e os docentes e, ainda, se o material didático apresentava indícios

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de compatibilidade com o Encceja. Após a análise dos materiais, o autor observou


que esses apresentavam uma abordagem da Física a partir do cotidiano do aluno,
valorizando também o conhecimento adquirido ao longo da vida dos alunos da EJA.
Estudos como os de Barbosa (2018) e Gama (2015) mostram caminhos alternati-
vos na elaboração de produtos educacionais na área de Ensino de Física para a EJA.
Em sua dissertação, Barbosa (2018) buscou compreender as possíveis contribuições
de atividades lúdicas de Física no contexto da EJA, propondo seis alternativas lúdi-
cas, cujos temas abordados são do campo da Mecânica, Termologia e Física Elétrica
referentes ao 3º segmento da EJA, séries correspondentes ao Ensino Médio regular.
Os resultados apontam que cinco das seis atividades propostas cumpriram tanto
com a função lúdica quanto à educativa, transformando, segundo o autor, o ensino
e a aprendizagem dos conceitos de Física divertido e estimulante.
Já Gama (2015), investigou as contribuições de uma proposta de Ensino de
Física para a EJA apoiada no conceito de aprendizagem significativa de Ausubel9,
utilizando atividades experimentais demonstrativas como principal estratégia de
ensino. Com a aplicação de algumas atividades experimentais demonstrativas sobre
Hidrostática, oito questionários, dois mapas conceituais, uma avaliação tradicional10,
dados provenientes das atividades experimentais demonstrativas e de uma prática
investigativa (gravações em áudio e anotações no diário de campo da professora-
-pesquisadora), Gama concluiu que as atividades experimentais demonstrativas
se revelaram eficientes como uma proposta de avaliação processual e que também
levaram o Ensino de Física para além da sala de aula.
Krummenauer e Wannmacher (2016) realizaram uma pesquisa, com o auxí-
lio de questionários estruturados, com o objetivo de identificar a percepção de 16
professores de Física, que atuavam na EJA, em duas cidades da região do Vale do
Rio dos Sinos – RS, acerca do interesse dos alunos da EJA nas aulas de Física. Os
resultados apontaram que 11 desses professores percebiam a desmotivação dos
alunos nas aulas e todos os 16 professores entrevistados afirmaram implementar
as mesmas metodologias de ensino usadas no ensino regular. O que indica a falta
de mudança de metodologia de ensino para a EJA e, consequentemente, a não ob-
servância das especificidades desta modalidade
Buscando dados sobre os imaginários de licenciandos em Física quanto à EJA
e ao Ensino de Física nessa modalidade, perspectiva semelhante ao que se propôs
no presente estudo, Jesus e Nardi (2016) realizaram uma pesquisa com 17 licen-

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ciandos em Física de uma universidade pública do interior do estado de São Paulo,


utilizando questionários, e sistematizaram seus resultados no Quadro 1.

Quadro 1: Aspectos dos imaginários dos licenciandos (JESUS; NARDI, 2016, p. 67).

Aspectos dos imaginários de licenciandos em física quanto à EJA e ao ensino de física nessa
modalidade
a. Conhecem a expressão “EJA”, mas não sabem como essa modalidade se organiza;
b. Relacionam a educação de adultos apenas à alfabetização;
c. Caracterizam a EJA pela sua carga horária reduzida - se comparada ao ensino regular - sendo
este um fator preocupante;
d. Sugerem a simplificação dos conteúdos;
e. Preocupam-se em relacionar os conceitos científicos com o cotidiano dos alunos;
f. Vinculam a EJA à uma imagem negativa;
g. Reconhecem especificidade da modalidade;
h. Estabelecem interdiscursos com a legislação, para justificar a necessidade dos cursos de EJA;
i. Destacam interesses políticos e econômicos que possam estar envolvidos na modalidade.

Na mesma perspectiva investigativa, Montenegro (2016) realizou uma pesqui-


sa com o principal objetivo de verificar como as discussões da realidade da EJA
se expressam dentro dos cursos de formação inicial de licenciatura em Química e
licenciatura em Física da Universidade Estadual da Paraíba. Para isso, primeiro
foram observados os documentos oficiais (Pareceres e Diretrizes) e técnicos (Proje-
to Político Pedagógico) que regem os cursos de licenciatura mencionados, a fim de
tentar observar qual o perfil do educador que se espera formar. Em um segundo
momento, utilizou-se de entrevista semiestruturada a fim de verificar o que os 7
professores formadores tinham a dizer sobre a formação voltada para a EJA. Em
seus resultados, o autor percebeu que há falta de orientação voltada para a EJA
nos documentos oficiais que orientam os documentos técnicos, tornando esse diálogo
ainda distante. O autor ainda afirma que diante das falas dos professores formado-
res, ficou perceptível que, para os entrevistados, não há discussão que seja voltada
para uma formação inicial específica para a modalidade EJA nos referidos cursos e
tal fato tem sido um obstáculo ao professor formador e aos professores em formação.
A partir desse panorama, é possível perceber o quanto se faz necessária a
ampliação da discussão sobre como tem se dado a formação de professores para o
Ensino de Física na EJA, tendo em vista suas implicações nos processos de ensino
e aprendizagem e, consequentemente, no sucesso escolar dos alunos.

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Caminhos metodológicos

A presente pesquisa foi de caráter qualitativo, na qual pretendeu-se verificar


quais os entendimentos de licenciandos em Física sobre o conceito, os sujeitos, o
ensino e a aprendizagem na EJA. Para isso, criou-se um roteiro de entrevista se-
miestruturada (Quadro 2), realizada individualmente e gravada em áudio. A escolha
por gravação de áudio se deu para que a conversa ocorresse mais livremente, sem
a necessidade de realizar muitas anotações durante a entrevista.

Quadro 2: Roteiro de entrevista semiestruturada.

1. O que você sabe sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA)?


2. O que é a EJA?
3. Você já teve algum contato com essa modalidade de ensino? Qual?
4. Quem são os alunos que podem cursar a EJA?
5. Por que você acredita que existem cursos de EJA?
6. Como você pensa num planejamento de aula para os alunos da EJA?
7. Cite exemplos de atividades que podem ser desenvolvidas na EJA.
8. Quais metodologias você acredita serem adequadas para serem desenvolvidas em turmas de EJA?
9. Você gostaria de lecionar na EJA?
10. Existem diferenças entre esses alunos e os do ensino regular? Quais?
11. Caracterize o sujeito da EJA.
12. Como você acredita que ocorre a aprendizagem dos alunos da EJA?
13. Em quais disciplinas do curso de Licenciatura você lembra ter estudado ou discutido sobre a EJA?
14. Quais comentários você gostaria de adicionar?

Na entrevista semiestruturada, o pesquisador formula um roteiro com questões


principais e complementa-o com outras questões, à medida que surjam durante o
desenvolvimento da entrevista (MANZINI, 1991). Gaskell (2011) afirma que a en-
trevista qualitativa fornece uma descrição detalhada de um meio social específico.
Além disso, com entrevistas individuais, é possível conseguir detalhes mais ricos a
respeito de experiências pessoais, decisões e sequências das ações. Nesse sentido,
as entrevistas proporcionaram: uma maior flexibilidade, favorecendo a adaptação
às características das pessoas e às circunstâncias em que se desenvolveram as
entrevistas; captar a expressão corporal dos entrevistados, bem como a tonalidade
da voz e a ênfase nas respostas; dar visibilidade aos entendimentos e opiniões de

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sujeitos que são licenciandos em Física; e, ainda, garantir maior sinceridade nas
respostas que foram dadas.
A pesquisa teve como campo de estudo uma universidade pública federal,
localizada em uma cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre. A cidade é
considerada de zona rural e possui uma população de mais de 40 mil habitantes.
Os sujeitos da pesquisa foram todos os 12 alunos de um curso de licenciatura
com habilitação em Física, a partir do terceiro semestre. As 12 entrevistas tiveram
duração média de 10 minutos cada e todos os participantes assinaram um termo
de consentimento livre e esclarecido11.
A análise das entrevistas deu-se através da Análise Temática. Segundo Braun
e Clarke (2006, p. 79, tradução nossa), a análise temática é um método qualitativo
de análise de dados que busca “identificar, analisar e relatar padrões (temas) dentro
dos dados. Ela minimamente organiza e descreve o conjunto de dados em (ricos)
detalhes”. Conforme explicado por Braun e Clarke (2006), os temas emergentes
da análise temática podem variar de acordo com questões delineadas e devem ser
considerados antes e durante as análises. Levou-se em conta, neste estudo, que as
questões delineadas seriam categorias pré-definidas de análise, buscando responder
o objetivo geral deste trabalho. As categorias definidas foram: a) o conceito; b) os
sujeitos; c) o ensino; e d) a aprendizagem na EJA.
No quadro 3, Braun e Clarke (2006) apresentam os estágios da Análise Temática,
mas ressaltam não haver uma ordem fixa.

Quadro 3: Estágios da análise temática (BRAUN; CLARKE, 2006, p. 87, tradução nossa).
Estágio Descrição do processo
1. Familiarizando-se com
Transcrição dos dados, leitura e releitura dos dados, apontamento de ideias iniciais.
seus dados
2. Gerando códigos Codificação das características interessantes dos dados de forma sistemática em
iniciais todo o conjunto de dados, e coleta de dados relevantes para cada código.
Agrupamento de códigos em temas potenciais, reunindo todos os dados relevantes
3. Buscando por temas
para cada tema potencial.
Verificação se os temas funcionam em relação aos extratos codificados (nível 1)
4. Revisando temas
e ao conjunto de dados inteiro (nível 2), gerando um "mapa" temático da análise.
5. Definindo e nomeando Nova análise para refinar as especificidades de cada tema, e a história geral conta-
temas da pela análise; geração de definições e nomes claros para cada tema.
A última oportunidade para a análise. Seleção de exemplos vívidos e convincentes
6. Produzindo o relatório do extrato, análise final dos extratos selecionados, relação entre análise, questão
da pesquisa e literatura, produzindo um relatório acadêmico da análise.

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Em um primeiro momento, após a realização das entrevistas, fez-se as transcri-


ções das mesmas. De acordo com o andamento das transcrições, realizou-se a leitura
flutuante das transcrições (Estágio 1). A transcrição se deu de forma manual e foi
importante para uma primeira reflexão.
Durante a leitura atenta dos dados, considerando as categorias supracitadas: a)
o conceito; b) os sujeitos; c) o ensino; e d) a aprendizagem na EJA, destacaram-se as
primeiras temáticas relevantes, por serem reincidentes (Estágio 2 e 3). No Quadro
4, apresenta-se o esquema de análise utilizado nos processos de e, em seguida, a
sinterização em temáticas dentro das categorias encontradas no excerto.

Quadro 4: Exemplo dos Estágios da Análise Temática realizada.


Categorias e seus
Transcrição Códigos iniciais
respectivos temas
Entrevistador: Como você pensa num planejamento de aula
para os alunos da EJA?
ENSINO
Licenciando I: Eu acho que primeiramente, assim, se eu fosse Verificar a faixa etária - Sondagem da turma
a docente eu analisaria a faixa etária que eu tenho dentro da dos alunos antes de - Diferente do ensino
sala de aula para mesclar, porque às vezes tu pode ter mais planejar aulas. regular
jovens do que adultos né.
Ensino diferente para
SUJEITOS
Entrevistador: [expressão de concordância]. a EJA. - Jovens
- Adultos
Licenciando I: Mas tem uma pessoa que já tem mais de 50 Conhecer os alunos - Idosos
anos tem que ter um tipo de abordagem diferente, então ini- para planejar aulas.
cialmente, provavelmente eu adotaria uma postura, assim,
mais de conhecer quem é a minha turma para a partir de uns
dois, três encontros montar um currículo através disso.

Por fim, iniciou-se o processo de escrita dos resultados encontrados (Estágio 6),
no qual realizou-se também uma revisão dos temas encontrados e uma melhor
definição dos mesmos (Estágio 4 e 5).

Resultados e discussões

A partir das doze entrevistas realizadas com os licenciandos de Física de um


curso de licenciatura com habilitação em Física de uma universidade pública federal
na Região Metropolitana de Porto Alegre, foi possível realizar uma leitura flutuante
das transcrições e identificar quais perspectivas os licenciandos em Física possuem
sobre o que é, sobre os sujeitos, sobre o ensino e a aprendizagem na Educação de
Jovens e Adultos.

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A partir das temáticas encontradas para o conceito de EJA, observou-se que os


licenciandos entendem, em geral, que a EJA se trata da possibilidade de conclusão
dos ensinos fundamental e médio (licenciandos A12, B, E, F, I, J, K e L). Para o li-
cenciando A, a EJA “é uma opção, que é fazer o ensino fundamental e ensino médio,
já para o licenciando B, a EJA é para o pessoal conseguir tirar13, ter o diploma de
ensino médio” e, por fim, para o licenciando I, a EJA “é um mecanismo, assim, que
boa parte da sociedade usa para conseguir a formação do ensino médio”.
Chama a atenção, nas narrativas, que quase metade dos licenciandos admitem
não saber como a EJA funciona (B, F, H, I e L). Em falas como: “olha, basicamente,
é que o pessoal que não tem interesse ou que não conseguiu terminar no tempo
adequado vai e faz, mas eu não sei como realmente funciona se é só ir assistir à aula
e fazer a prova ou só fazer a prova, não sei, basicamente, é isso que eu sei (licen-
ciando F); eu não sei o que é Educação de Jovens e Adultos” (licenciando B); “sobre
a Educação de Jovens e Adultos eu sei pouco, na verdade” (licenciando L); é possível
observar o fato descrito acima. Esse resultado está de acordo com o encontrado por
Jesus e Nardi (2016) em seu artigo - que teve como objetivo investigar imaginários
de um grupo de licenciandos em Física sobre a EJA e o ensino nessa modalidade.
Segundo os pesquisadores, a “ideia de como a modalidade se organiza parece não
estar clara para os futuros docentes” (JESUS; NARDI, 2016, p. 57).
Ao contrário dos achados de Jesus e Nardi (2016); os quais mostram que os
licenciandos, ao serem questionados sobre a EJA, referem-se somente ao processo
de alfabetização, esquecendo que essa modalidade também oferece continuidade dos
estudos para pessoas que já são alfabetizadas; os licenciandos E e J assinalaram
que a EJA não se refere somente à alfabetização. Falas como as descritas a seguir
demonstram que esses licenciandos entendem a EJA para além da alfabetização.
“eu acho que vai muito além do da daquela parte de alfabetização né” (licenciando E);

“eu achava que era pra alfabetizar, eu acredito que é pra alfabetizar jovens e adultos, no
caso, pessoas que não têm esse conhecimento, até porque se for só pra se formar tem
esses outros que são o NEJA14, isso, aquilo eu não sei se EJA, NEJA, e todas as coisas
são educação para jovens e adultos, a mesma coisa, mas, acredito que é voltado, princi-
palmente, para ensino de alfabetização, de aprender o básico, de conta” (licenciando J).

Já o licenciando G, apenas mencionou que também é objetivo da EJA aumentar


os índices de alfabetização no país, enquanto os demais não fizeram referência à
alfabetização em suas respostas.

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Para os licenciandos B, C e E, a EJA se constitui em uma modalidade de ensino


para pessoas que já passaram da idade regular para estudar. Isso porque, entendem
a EJA como um espaço onde: “eles dão aula pro pessoal que é mais velho, à noite,
que tem mais de 18 anos” (licenciando B); “o que eu sei é pra quem o EJA é, pra
quem já passou da idade que seria pra estar no ensino normal” (licenciando C).
O licenciando G mostrou conhecer o termo Encceja, porém, confundiu-se com
o de EJA, no seguinte trecho: “as pessoas que a, a, digamos, abandonaram, dei-
xaram pra se formar depois e que tem uma idade mais avançada, elas entram no
EJA pra, pra conseguir o diploma de ensino médio [...] Acredito que, eu acho que o
fundamental é o Encceja, né, algo do gênero”.
Oportuno dizer que, chamou a atenção os licenciandos não comentarem sobre a
modalidade EJA a distância, comumente oferecida em redes particulares de ensino.
Vale lembrar que a partir de 2018 as novas diretrizes curriculares para o ensino
médio limitaram o uso do EaD em até 80% para a EJA (FAJARDO, 2018).
A partir disso, é possível observar que os estudantes de licenciatura com habili-
tação em Física, em sua maioria, têm um conhecimento diversificado e, em alguns
momentos, superficial do que venha a ser EJA. Contudo, os que já tiveram algum
contato com a modalidade, seja por meio de algum familiar ou por meio de situações
produzidas no curso de licenciatura, trazem em suas narrativas mais elementos
sobre o conceito da Educação de Jovens e Adultos.
Pensando nos sujeitos frequentadores da EJA, identificou-se um conjunto
amplo de características utilizadas para definir os alunos da Educação de Jovens
e Adultos. Tal achado, possivelmente, reflete o diversificado público que a EJA
atende (LOCH, 2009).
Os resultados com mais incidência estão apresentados no Quadro 5.

Quadro 5: Temáticas mais frequentes para definir os sujeitos da EJA.


Temáticas Licenciandos Frequência
Pessoas que trabalham A, B, D, E, F, G, I e J 8
São maiores de 18 anos A, B, D, H, I, J, K e L 8
Pessoas mais velhas A, B, D, F, G e J 6
Alunos que não conseguiram se formar na idade certa B, F, H, I e J 5
Não concluíram o ensino fundamental e o médio no ensino regular A, G L e K 4
Jovens H, I, J e L 4

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Oito dos doze licenciandos sinalizaram que os sujeitos da EJA são maiores de
18 anos. Essa compreensão, porém, mostra certo desconhecimento da idade mínima
de ingresso de alunos na EJA, pois para o ensino fundamental é de 15 anos e para
o ensino médio é de 18 anos (BRASIL, 2000). Apenas o licenciando F mencionou a
idade inicial de 16 anos.
Apenas quatro, dos doze licenciandos, mencionaram “jovens”, em suas respostas.
Este dado chama a atenção, pois segue na contramão do que é apresentado no Censo
Escolar de 2018 (INEP, 2019), no qual cerca de 52% dos alunos matriculados na EJA
possuem idades entre 14 e 24 anos. Isso revela que, boa parte dos licenciandos em
Física acreditam que os alunos da EJA são, em sua maioria, adultos e/ou idosos.
A análise das entrevistas, também aponta que algumas das características des-
critas pelos licenciandos expressam um certo preconceito relacionado ao interesse
dos sujeitos frequentadores da EJA com os estudos, os quais remetem a entendi-
mentos de que estes alunos: não se interessaram em estudar antes (licenciando F),
não gostavam de estudar (licenciando A), não querem estudar e dormem nas aulas
(licenciando B), não fazem as atividades em casa (licenciando J), geralmente, não
estão interessados em aprender (licenciando H), possuem deficiência (licenciando
D) e só querem se formar (licenciando E). Oportuno destacar que esses olhares
negativos sobre os alunos da EJA - sete dos doze licenciandos - implicará na forma
como estes licenciandos irão elaborar, ministrar suas aulas e contribuir na formação
de seus alunos.
Segundo Pinto (2010, p. 91), ao subestimar a educação de um adulto, o professor
“supõe que a educação (alfabetização de adultos) consiste na ‘retomada do cresci-
mento’ mental de um ser humano que, culturalmente, estacionou na fase infantil.
O adulto é considerado, assim, um ‘atrasado’”. Em relação a isso, Giovanetti (2007)
diz que os educadores devem superar essa negatividade relacionada à EJA, para
que não se assuma uma postura preconceituosa e estigmatizada. Além disso, Arroyo
(2007, p. 7) destaca que
Quem convive com esses jovens e adultos deve se fazer essa pergunta: de onde esses
jovens e adultos que freqüentam a EJA estão mais próximos? Seria dos jovens e adul-
tos das camadas médias? Ao contrário, estão cada vez mais distantes. Na pobreza,
miséria, sub-emprego, vulnerabilidade.

Em relação às condições de vida dos alunos da EJA, o licenciando I menciona


que “tem uma grande parcela da sociedade que opta por desistir da formação, por-

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que às vezes é difícil se deslocar, às vezes não tem motivação pra continuar, falta
recurso... financeiros e que geralmente, os alunos da EJA vêm de comunidades
mais pobres, sem incentivo. Onde, na grande maioria dos casos, o aluno não, não
decide continuar estudando, porque ele precisa trabalhar pra ajudar a família a se
manter”. Esse entendimento está de acordo com Souza (2012), quando afirma que
esses alunos têm trajetórias de vida marcadas por exclusão, perdas e esperanças.
Observou-se nos resultados certa relação entre as falas de ensino e aprendi-
zagem, pois entende-se que o modo como os licenciandos pensam que o aluno da
EJA aprende, implicará nas formas como planejarão e desenvolverão suas aulas.
Oportuno dizer que três, dos doze, licenciandos não falaram sobre a aprendizagem,
mesmo que uma das questões fizesse referência ao tema.
No que se refere à aprendizagem dos alunos da EJA, um terço dos licenciandos
entendem que essa aprendizagem ocorre de forma lenta (C, E, F e J). Já os licen-
ciandos A e H compreendem que a aprendizagem nessa modalidade se baseia em
memorização e, os licenciandos A e C, que esses alunos possuem mais dificuldades.
Segundo o licenciando F, os alunos da EJA aprendem mais lentamente “pelo
fato de que eles não estão mais tão acostumados com a sala de aula, eles têm outras
preocupações [...] então, eles têm trabalho, tem muitas outras coisas, então isso eu
acho que prejudica um pouco mais”. Já para o licenciando J, “é muito mais difícil
tu trabalhar a aprendizagem de um adulto e de um jovem, porque a cabeça dele
vai tá voltada para outras quinhentas coisas e não somente para aquilo que está
acontecendo em sala de aula [...], diferente da criança que ela consegue ocupar a
mente dela só com aquele conteúdo [...], então, a aprendizagem mais é demorada
por esse lado”.
Sobre a aprendizagem se dar através da memorização, o licenciando A fala que
“eu acho que é memorização, [...] talvez, aprender alguma coisa seja mais difícil,
então, talvez seja na base da memorização, da formulinha lá, tentar decorar for-
mulinha”.
Nota-se de forma reincidente a descrição de processos de ensino simplificados,
descrito por meio de ideias como, repetitiva (licenciando L), resumida (licenciando
D) e técnica (licenciando L), também são mencionadas como características da
aprendizagem de jovens e adultos.
Em relação ao ensino para a Educação de Jovens e Adultos, há certa concordân-
cia de que ele deve ser diferente do que é desenvolvido no ensino regular (licenciandos

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B, C, D, E, F e G), em especial por considerarem se tratar de um ensino que deve


ser ministrado de forma resumida (licenciandos A, B, C, F, H, L e K) e facilitada
(licenciandos H e L). Esse entendimento de que o ensino na EJA é ministrado de
forma resumida está de acordo com os achados de Jesus e Nardi (2016) e Lambach
e Marques (2009), nos quais os entrevistados também caracterizaram a EJA como
um ensino resumido. As seguintes falas, evidenciam o caráter resumido, popular-
mente atribuído à Educação de Jovens e Adultos: “teria que ser bem resumido na
verdade, que tudo que teria que se ver em um ano, eles teriam que ver em 6 meses”
(licenciando A); “eu acho que pode ser qualquer uma atividade que tu fosse no, no
ensino normal, só que tu teria que adequar, adaptar em menos tempo, né, e não
cobrar tanto” (licenciando C); “o EJA perde um pouco da, do conteúdo escolar em si.
Já na escola a gente já perde e no EJA, como ele é um tempo mais diminuído, tem
menos carga horária, o pessoal perde também bastante conteúdo” (licenciando F).
Na contramão desse entendimento, os licenciandos C e K falam em um ensino
igual ao do ensino regular, envolvendo atividades para fazer em casa, experiências
rápidas, como por exemplo, a montagem de circuitos elétricos.
A experimentação física emergiu como uma prática pedagógica a ser desenvol-
vida em salas de aula da EJA (licenciandos A, F, K, J e L). Segundo o licenciando
J, é interessante realizar em uma sala de aula da EJA “algum tipo de experimento,
assim, mais dinâmico, porque é uma coisa que vai ter a atenção deles e que pode
instigar uma discussão”. Segundo Laburú, Mamprin e Salvadego (2011, p. 20) é por
meio das atividades experimentais, que “o estudante pode ser estimulado a não per-
manecer no mundo dos conceitos e das linguagens, desencadeando a oportunidade
de relacioná-las ao mundo empírico”.
De acordo com a pesquisa de Lambach e Marques (2009), os professores de
Química na EJA valorizam muito as atividades empíricas por meio de práticas de
laboratório, com o objetivo de ilustrar e reforçar o conteúdo teórico. Além disso, a
dissertação de Gama (2015), já mencionada na seção sobre o Ensino de Física na
EJA, apostou em aplicações de atividades experimentais demonstrativas para es-
tudar Hidrostática com alunos da EJA, obtendo bons resultados. Isso mostra que
atividades experimentais podem contribuir para o ensino de jovens e adultos.
Para os licenciandos E, L e F, o ensino na EJA deve estar relacionado às vivências
e o cotidiano dos alunos, o que está de acordo com os resultados também encon-
trados por Lambach e Marques (2009, p. 226), em seu artigo “Ensino de Química

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na Educação de Jovens e Adultos: relação entre estilos de pensamento e formação


docente”. No estudo, os autores constataram o interesse de professores de Química
em “participar de cursos que considerem a experiência extra-escolar dos educandos,
levando em conta o seu perfil e a sua realidade”.
Em relação ao ensino utilizando as vivências dos alunos, autores como Pinto
(2010) alertam que se deve considerar esse sujeito como um participante ativo de
uma comunidade e, também, as suas experiências de vida. Sobre aproveitar a ex-
periência de vida dos alunos, Paulo Freire (2020, p. 31-32) questiona
por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da cidade
descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e
dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que
oferecem à saúde das gentes.

Ainda sobre isso, Loch (2009) lembra que os educadores da EJA devem consi-
derar os saberes e experiências do educando como parte fundamental no processo
de ensino e aprendizagem.
Como reflexo do entendimento de que a aprendizagem dos alunos da EJA ocorre
de forma lenta (licenciandos C, E, F e J), o Ensino de Física é pensado como “ma-
tematicamente mais leve” (licenciando A), facilitado (licenciandos H e L) e, ainda,
exigindo uma maior paciência aos professores (licenciando E).
Chama a atenção que a ideia de um ensino “matematicamente mais leve” (licen-
ciando A), também aparece nos resultados de Jesus (2012, p. 119) quando, na fala de
um entrevistado, é dito: “imagino que as aulas terem mais conceitos do que contas
e quando elas aparecem devem ser as mais simples”. A autora comenta que há um
equívoco nessas ideias, pois, os licenciandos “parecem relacionar esta abordagem
com a ausência da ferramenta matemática vista como um empecilho para o ensino
e que a exclusão desse instrumento irá facilitar a assimilação dos conceitos para
os estudantes” (JESUS, 2012, p. 139). Entretanto, diversos autores recomendam
que o Ensino de Física seja mais conceitual, por acreditarem que a aprendizagem
conceitual é imprescindível para um bom entendimento da Física e, inclusive, é
condição necessária para a resolução de problemas (SILVEIRA; MOREIRA; AXT,
1996; LASRY; MAZUR; WATKINS, 2008).
Falas como “depende muito de como é a turma pra mim planejar a aula” (licen-
ciando D) e “então, inicialmente, provavelmente, eu adotaria uma postura, assim,
mais de conhecer quem é a minha turma pra a partir de uns dois, três encontros,

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montar um currículo através disso” (licenciando I), asseveram a preocupação dos


alunos em relação à sondagem dos conhecimentos dos alunos para a elaboração do
planejamento de aula (licenciandos D, E, I e J). Esse movimento de realizar uma
sondagem inicial numa turma da EJA também é comentada por Loch (2009).
Percebeu-se a opção pelo ensino tradicional como metodologia a ser empregada
na EJA pelos licenciandos C, D, H, I e K. Entretanto, os licenciandos D e K falaram
que primeiro utilizariam o ensino tradicional15 e depois readaptariam, caso não
funcionasse. Já o licenciando H citou a pedagogia diretiva, enquanto o licenciando
C mencionou uma aula direta, sem enrolação e o licenciando I afirmou não saber
se conseguiria escapar do ensino tradicional. Houve ainda, a ideia de mesclar
metodologias ativas com tradicionais (licenciandos J e L). Isso mostra que apesar
da presença significativa do ensino tradicional como perspectiva de trabalho a ser
desenvolvida pelos futuros professores, é possível constatar uma abertura para
metodologias ativas de ensino, o uso da experimentação física, a preocupação com
a experiência de vida e o cotidiano dos alunos.
Destacam-se as respostas à questão 9, onde os licenciandos deveriam responder
se gostariam de lecionar na EJA. Dos doze entrevistados, sete responderam que sim
(licenciandos D, E, F, G, I, J e K), três que apenas por necessidade (licenciandos A,
B e H), um que não (licenciando B) e outro que não sabe (licenciando K). O que se
observa, é que há interesse do grupo entrevistado, em sua maioria, em ministrar
aulas na Educação de Jovens e Adultos, apesar de acusarem fragilidades em sua
formação inicial.
Ao perguntar aos licenciandos em quais disciplinas do curso de licenciatura
lembravam ter estudado ou discutido sobre a EJA, as disciplinas citadas foram
Didática (licenciandos A, B, C, J e L), Organização Escolar e Trabalho Docente
(licenciandos A, G, K e L), Ciências e Sociedade (licenciando J) e Oficinas I16 (licen-
ciando J). Os demais licenciandos (D, E, F, H e I) alegaram nunca terem estudado
ou discutido sobre a EJA em sala de aula. Conforme as falas dos licenciandos,
entende-se que houve pouca discussão sobre a EJA durante a sua formação inicial.
A exemplo, citam-se: “acredito que uma foi Organização Escolar, quando a gente
estudou a questão das bases e estava ali inserido o, o nome EJA né, ah, mas não,
não tem um aprofundamento (licenciando G); na faculdade a gente não tem isso,
[...], eu já estou aqui há quase dois anos e, nesse tempo todo, nunca, nunca vieram
falar assim beleza agora vocês vão lá a noite dar uma aula no EJA (licenciando E);

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Perspectivas de licenciandos em Física sobre a Educação de Jovens e Adultos

então, assim, a gente falou sobre. Mas entrar a fundo mesmo, eu ainda não entrei
em nenhuma cadeira. Didática que a gente debateu mais mesmo” (licenciando J).

Considerações finais

O presente estudo permitiu observar quais as perspectivas de licenciandos em


Física, acerca do conceito, dos sujeitos, do ensino e da aprendizagem na Educação
de Jovens e Adultos. Para compreender tais perspectivas optou-se por entrevistar
doze licenciandos de um curso de licenciatura com habilitação em Física. Através
das entrevistas, percebeu-se que os futuros professores sabem pouco sobre as in-
formações necessárias para atuar na modalidade de Educação de Jovens e Adultos,
resultado semelhante aos encontrados na literatura.
De acordo com as análises realizadas, os achados da pesquisa indicam que
os licenciandos: a) pouco sabem sobre o que é a EJA, ressalvados aqueles que já
possuíram algum contato familiar; b) entendem os alunos da EJA como um pú-
blico diversificado; c) entendem que os alunos da EJA vêm de uma trajetória de
desinteresse pelos estudos do ensino regular; d) apostam, preferencialmente, em
metodologias tradicionais, sugerindo, também, metodologias ativas e a mescla
dessas; e) mencionam a importância da realização de sondagem junto aos alunos,
para o planejamento da aula; f) e acreditam que os alunos da EJA aprendem de
forma lenta e dificultosa.
Com os poucos entendimentos dos licenciandos em Física para a docência na
EJA, é possível inferir que a EJA ainda ocupa lugar de pouco destaque na propos-
ta curricular do curso em questão. Para uma formação adequada para a docência
na EJA, é preciso que o futuro professor tenha acesso a um conjunto de saberes
e práticas, por meio dos quais veja seu aluno como um universo de possibilidades
e tenha condições de desenvolver um ensino capaz de promover a construção do
conhecimento de seus alunos. Por fim, conclui-se que os resultados encontrados
mostram a necessidade de maior investimento nos estudos sobre o Ensino de Físi-
ca na EJA, bem como, do repensar das diretrizes curriculares e dos currículos dos
cursos de licenciatura.
Para além, entende-se que esse assunto deva ser ainda mais abordado. Isso
porque, a presente pesquisa sobre o entendimento de licenciandos acerca da EJA
sinaliza a necessidade do debate sobre possíveis ações envolvendo: a inclusão de

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uma disciplina específica na grade curricular dos cursos de licenciatura; a inserção


dos estudos sobre a modalidade EJA em ementas de disciplinas pedagógicas e, tam-
bém, da promoção de palestras, seminários, ciclos de debates e rodas de conversas
sobre o tema.

Physics student’s perspective about youth and adult


education

Abstract

This study sought to understand what are the understandings of the undergraduate physics
students, from the Physics Undergraduate of the Metropolitan Region of Porto Alegre, about the
concept, the students, the teaching and learning in Youth and Adult Education (EJA, in Portugue-
se). For this purpose, we carried out interviews recorded in audio and subsequently analyzed
from the point of view of Braun and Clarke’s thematic analysis. According to the analyses perfor-
med, the findings pointed out that undergraduates: know little about EJA, except for those who
have had some family contact; perceive EJA students as a diverse group; presents a biased dis-
course disqualifying EJA students; tends to prefer traditional teaching strategies, also suggesting
active methods and a mixed approach; mention the importance of conducting an investigation
with students in order to plan the classes; believe that EJA students learn slowly and with diffi-
culty. Finally, the results point to the need to rethink the undergraduate physics curriculum and to
invest more in research on Physics Teaching in EJA.

Keywords: Youth and Adult Education, Physics Teaching, Physics Teacher Training, Teaching
and Learning in EJA, Thematic Analysis.

Notas
Segundo o documento de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores em Nível
1

Superior (BRASIL, 2015), os cursos de licenciatura habilitam para o exercício da docência na Educação
Básica, incluindo a EJA, uma das modalidades da Educação Básica.
O Parecer 1304/2001 define as Diretrizes Nacionais Curriculares para os Cursos Superiores de Física.
2

Permite ao pesquisador realizar outras perguntas, para além das que compõem o roteiro, conforme os
3

desdobramentos da entrevista. É também conhecida como semidiretiva ou semi-aberta (MANZINI, 1991).


O Parecer 11/2000 estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.
4

O Decreto nº 5.840, de 13 de julho de 2006, institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração
5

da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade Proeja.


O Parecer 6/2010 tem como assunto: Reexame do Parecer CNE/CEB nº 23/2008, que institui Diretrizes
6

Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos - EJA, nos aspectos relativos à duração dos cursos e
idade mínima para ingresso nos cursos de EJA; idade mínima e certificação nos exames de EJA; e Educação
de Jovens e Adultos desenvolvida por meio da Educação a Distância.
Os autores utilizam o termo novo, pois esse seria o primeiro ano que a escola ofereceria a EJA.
7

8
Plano Nacional do Livro Didático.

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Perspectivas de licenciandos em Física sobre a Educação de Jovens e Adultos

9
Segundo Moreira (2011), a aprendizagem significativa de Ausubel diz que o conhecimento novo deve
sempre estar relacionado com algum conhecimento prévio do aluno e que esse sujeito precisa apresentar
uma predisposição e intencionalidade em aprender.
10
A avaliação tradicional, a qual a autora se refere, contou com 16 questões abordando os conceitos estu-
dados durante a intervenção, com o objetivo de investigar a compreensão dos alunos acerca da temática
Hidrostática.
11
Os termos de consentimento livre e esclarecido estão mantidos em arquivo físico, e, os outros dados da
pesquisa estão em arquivo digital, sob guarda e responsabilidade, por um período mínimo de cinco anos
após o término desta pesquisa.
12
Letra indicada para cada licenciando conforme a ordem de realização das entrevistas.
13
A expressão tirar aqui significa obter.
14
Núcleo de Educação de Jovens e Adultos.
15
De acordo com Silva (2005), o ensino tradicional está pautado na técnica, voltada para as ocupações
profissionais, no qual o papel do professor é o de detentor e transmissor do conhecimento aos alunos.
Segundo Becker (1994), na pedagogia diretiva, o professor entende que o aluno apenas aprenderá quando
ele transmite o conhecimento, sendo este o mito da transferência do conhecimento. Nota-se que para
esses licenciandos, o professor é quem transfere o conhecimento e o aluno apenas recebe as informações
transmitidas.
16
Os nomes de algumas disciplinas foram alterados para proteger a identidade do curso em questão.

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Processos Formativos e mediação em centros e museus de ciências: o caso de um centro de ciências de Vitória/ES

Processos Formativos e mediação em


centros e museus de ciências: o caso de um
centro de ciências de Vitória/ES
Jonathan Pires Janjacomo*, Geide Rosa Coelho**

Resumo
A pesquisa tem por objetivo compreender os processos formativos que influenciam na consti-
tuição dos sujeitos quanto aos seus saberes e fazeres da mediação em um centro de ciências.
Para alcançar o objetivo assumimos como delineamento metodológico o estudo de caso e como
sujeitos os mediadores de um centro de ciências de Vitória – ES. Os dados foram produzidos
por meio da participação como mediador voluntário do primeiro autor dessa pesquisa que rea-
lizou duas rodas de conversa que foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas. Os
dados foram analisados a partir do referencial freiriano em articulação com os saberes docentes
e os saberes da mediação em centros de ciências. Os resultados demonstraram influência das
mídias eletrônicas como fonte de inspiração bem como os processos de escolarização, princi-
palmente no que se refere aos saberes pedagógicos. Outro aspecto evidenciado é o processo
de formação centrado na autoformação dos mediadores.

Palavras-chave: Processos formativos. Saberes da mediação. Centro de ciências

*
Licenciado em Física, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo, Doutorando em Ensino
de Física no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências- USP. Brasil. E-mail: janjaco-
[email protected]
**
Licenciado em Física, Mestre em Educação e Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Professor dos programas de Pós-Graduação em Educação (PPGE-UFES) e do Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Física (PPGEnFis-UFES) da Universidade Federal do Espírito Santo. Brasil. E-mail: geidecoelho@
gmail.com

Recebido em: 21/05/2020; Aceito em: 31/08/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11070
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 803-834, 2021 803

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Jonathan Pires Janjacomo, Geide Rosa Coelho

Introdução

Centros e museus de ciências são considerados espaços de educação não formal e se


destacam por apresentarem ao público ambientes propícios ao diálogo entre as ciências
da natureza e a cultura científica. Em alguns países, os centros e museus de ciências
são tidos como locais de diversão familiar, sendo um dos principais programas a se fazer
em um dia de lazer ou para programações especiais como observações astronômicas
noturnas, acampamento e festas de formaturas (JACOBUCCI, 2008). Entretanto, no
Brasil a ideia de que museus são locais em que se guardam velharias é predominante
no imaginário e no discurso popular e, por isso, segundo Codes, Silva e Araújo (2011),
menos de um terço da população nacional já visitou algum tipo de museu e quando se
trata dos museus de ciências, certamente o quantitativo é ainda menor.
Hamburger (2001) sinaliza que temos poucos centros e museus de ciências no
país e a maioria deles são recentes. Além disso, há pouca divulgação sobre as ati-
vidades que ocorrem nesses espaços. O contraponto é visto nos dados levantados
pela Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciências (ABCMC), que em seu
guia de instituições no país, aponta para o crescimento no número de instituições,
aumentando em mais de 40% o número de locais cadastrados entre 2009 e 2015.
Associado a esse crescimento, expandem-se também as pesquisas com o en-
foque nos centros e museus de ciências. Um amplo levantamento realizado por
Ovigli (2015) demonstrou que o aumento se deu a partir do início dos anos 2000,
indicando alguns eixos categóricos nos quais têm se centrado as investigações. Para
Ovigli (2015), há um conjunto de trabalhos que versam a respeito dos aspectos pe-
dagógicos de estruturação de mostras científicas e ações de divulgação científica,
outras pesquisas buscam compreender como se dá a aprendizagem nos museus de
ciências. Estudos que focam na formação de professores têm tratado de investigar
a contribuição dos museus na formação dos educadores, além de trabalhos que
discutem a formação dos próprios educadores nos espaços científico-culturais, este
último ponto de discussão deste artigo.
Em geral, centros e museus de ciências oferecem formações aos profissionais
que ingressam para compor o quadro de mediadores, como é possível constatar em
diversos capítulos dos livros: Educação para a ciência, de Crestana e colaboradores
(2001) e Diálogos e ciência, de Massarani e colaboradoras (2007). Quando analisa-
mos algumas destas pesquisas que descrevem os processos formativos de media-

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Processos Formativos e mediação em centros e museus de ciências: o caso de um centro de ciências de Vitória/ES

dores em centros e museus de ciências, notamos que boa parte das características
profissionais são adquiridas no exercício da atuação como educador museal e não
na formação inicial. Gomes e Cazelli (2016) refletem sobre a intencionalidade da
formação a partir da experiência, que ocorre quando os educadores compreendem
as demandas de seu ofício no conflito com a realidade –, questionando se essa se
constitui como um ato intencional da instituição ou se é influenciada por limitações
de tempo, orçamento e outros, dentro da formação inicial dos mediadores.
Ainda que alguns exemplos possam ser encontrados, “a literatura na área de
formação de educadores que atuam direta e indiretamente nos espaços de educação
não formal ainda é muito escassa no país” (COELHO; BREDA; BROTO, 2016, p.
528), dessa forma delineamos como objetivo central deste artigo compreender os
processos formativos que influenciam na construção dos sujeitos quanto aos seus
saberes e fazeres da mediação em um centro de ciências.

Mediação humana em espaços científico-culturais

Os centros e museus de ciências são espaços que buscam dialogar sobre os


empreendimentos científicos da humanidade junto a seus visitantes e o mesmo
acontece, na maioria das vezes, pela voz de seus mediadores humanos. A mediação
na abordagem sociocultural é compreendida como um processo de produção de
relações entre objetos, fenômenos e contexto com o ser humano, promovendo uma
ação reflexiva, crítica e construtiva entre sujeito e mundo.
Podemos analisar a mediação em museus de ciências sob diferentes perspectivas,
a primeira delas é a mediação pedagógica, em que a construção do conhecimento
ocorre pela via do diálogo, forma de interação que requer compromisso e respeito
com os saberes prévios dos visitantes. Essa visão vai ao encontro do referencial
freiriano (FREIRE, 1988), compreendendo que a educação é fruto de fala e escu-
ta, de uma visão horizontal entre educador e educando, e não em um processo de
transferência de conteúdo.
Se entendermos mediação como a mera transmissão de conhecimento de um indiví-
duo que sabe para outro que não sabe, corremos o risco de transformar a mediação
em um processo de mão única, sem diálogo e sem levar em consideração as peculia-
ridades do receptor da informação, protagonista e agente, tanto quanto o mediador,
e dessa forma estaríamos esvaziando os sentidos dos processos de ensino e aprendi-
zagem (PINTO; GOUVÊA, 2014, p. 57).

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Outro olhar possível considera que a mediação é o agente da transformação cul-


tural em cada sujeito, modificando sua percepção de mundo a medida que o objeto
é compreendido por ele. Dessa forma, a mediação cultural é entendida como uma
“aproximação entre dois mundos culturais, tendo como meta não a substituição ou
a superposição de um meio de cultura em detrimento de outro, mas a mudança do
homem e do mundo” (PINTO; GOUVÊA, 2014, p. 56).
Essa mudança é possível a partir do encontro entre os sujeitos e suas culturas,
momento em que as observações, constatações, descobertas e emoções são elementos
que se misturam nos museus de ciências, tornando o local um ótimo ambiente para
se conversar sobre ciência. Para Wagensberg (2001) esse é um dos elementos que
dá vida ao museu: o diálogo entre os visitantes estimulados pelo que presenciam e
a necessidade humana de compartilhar o que aprende, bem como o ato de reinter-
pretar e, dar novos significados para o que vive. “O museu se torna um centro onde
pessoas se reúnem para conversar, um lugar que celebra a riqueza das experiências
individuais e coletivas, e um participante da solução de problemas de forma colabo-
rativa” (HIRZY, 2002, p. 10, apud RODARI; MERZAGORA, 2007, p. 9).
Para Pavão e Leitão (2007), tudo isso é possível graças a presença dos me-
diadores e das mediadoras, sujeitos cujo papel é o de estimular a curiosidade nos
visitantes. Nesse sentido, os autores denominam as interações que ocorrem como
sendo explainers-on, ou seja, “reconhece o papel do monitor dentro do museu como
instrumento interativo por excelência, com potencial invejável para mediar processos
de construção do conhecimento” (PAVÃO; LEITÃO, 2007, p. 41).
Com tanto a desafiar e problematizar, os museus de ciências são locais ideais para
a condução no visitante de uma curiosidade ingênua a uma curiosidade epistemoló-
gica (FREIRE, 2006), gerando muito mais dúvidas boas, uma vez que consideramos
que “o visitante deve sair com uma interrogação maior do que aquela que ele trouxe
[...] oferecer respostas sim, mas, sobretudo gerar a indagação” (PAVÃO; LEITÃO,
2007, p. 41). Nesse sentido, um dos papeis do mediador e da mediadora é fazer a
aproximação entre o mundo da ciência e o do visitante, independentemente de sua
origem, em outras palavras o mediador é “aquele que transita por vários mundos,
repletos de modelos diferenciados: da ciência, dos visitantes e dos idealizadores das
exposições e atividades” (QUEIRÓZ et al., 2002, p. 79), além de seu próprio mundo.

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Formação de educadores e seus saberes

As pesquisas em/sobre/com centros e museus de ciências têm se expandido nos


últimos anos (OVIGLI, 2015), entretanto não há um referencial específico que trate
da formação de mediadores (GOMES; CAZELLI, 2016) e, por isso, é comum encon-
trarmos trabalhos que utilizem interlocutores da área da formação de professores.
Com a intenção de ampliar a maneira como compreendemos a formação de me-
diadores em centros e museus de ciências, fazemos algumas considerações acerca dos
processos formativos que originam os saberes necessários à mediação em museus. A
obra de Tardif (2002) intitulada “Saberes docentes e formação profissional”, possibilita
ampla compreensão a respeito da origem dos saberes para atuação como educador, sendo
considerado por nós como um bom balizador para as análises de dados desta pesquisa.
A partir da visão de Tardif (2002, p. 36), é possível “definir o saber docente como um
saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da
formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”.
Além da constituição como educador, os processos formativos influenciam e são
influenciados pelas matrizes político-filosóficas dos sujeitos, assim sendo trazemos as
concepções apresentadas nas obras de Paulo Freire, com ênfase para a “Pedagogia
da autonomia: saberes necessários à prática educativa” (FREIRE, 2011). Algumas
aproximações e distanciamentos serão feitos entre as obras referidas e outras que
dialogam mais especificamente sobre/com centros e museus de ciências.
Como já citamos não há um referencial específico sobre a formação de mediado-
res, porém, no que tange aos processos de mediação, Queiróz e colaboradoras (2002)
estabeleceram os saberes da mediação em museus de ciências e suas relações com o
contexto escolar. Para as autoras, existem as seguintes categorias e subcategorias:
I) saberes compartilhados com a escola – saber disciplinar, saber da transposição
didática, saber do diálogo e saber da linguagem; II) saberes compartilhados com a
escola no que dizem respeito à educação em ciência – saber da história da ciência,
saber da visão de ciência, saber das concepções alternativas; III) saberes mais
propriamente de museus – saber da história de instituição, saber da interação com
professores, saber da conexão, saber da história da humanidade, saber da expressão
corporal, saber da manipulação, saber da ambientação e saber da concepção da ex-
posição (QUEIROZ et al, 2002, p. 81).

A internalização dos saberes requer tempo, pois “a dimensão temporal está rela-
cionada com as situações de trabalho que exigem dos trabalhadores conhecimentos,

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competências, aptidões e atitudes específicas que só podem ser adquiridas e domina-


das em contato com essas mesmas situações” (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 211).
A condição de educando demanda tempo e fontes de conhecimentos diversifica-
das, nesse contexto os/as mediadores/as devem se deixar abertos a novas experiências
e práticas que lhes sejam significativas para sua formação. Freire (2011) sinaliza que
aos educadores se colocarem conscientes de que estão em constante construção de
seus saberes, pode-se e deve-se sempre buscar mais e ir além, dessa forma o tempo
vivenciado se caracteriza como possibilidade de experiência profissional, desde que
seja acompanhado de reflexão crítica da realidade e elaboração de novos meios de
se estar profissional frente às demandas.
Considerando o ofício do mediador sujeito a múltiplas interferências durante toda
sua vida profissional, parece ficar clara a ideia de que a formação, inicial ou continu-
ada, não deve se ater aos aspectos meramente técnicos, apesar de não se desejar que
estes sejam renegados (QUEIRÓZ et al., 2002).

Ao se analisar o pensamento de Tardif e o pensamento freiriano, o primeiro


autor traz a importância e influência da esfera social na qual os profissionais da
educação estão inseridos, sendo vital na vida de professores e mediadores. Trazemos
uma síntese do que é proposto por Tardif quanto aos saberes dos professores, suas
fontes sociais e os modos de integração no delineamento da profissão.
Os “saberes pessoais dos professores” (TARDIF, 2002, p. 63) são aqueles rela-
cionados à família, ao ambiente em que se vive, à educação que trazemos “de casa”,
dentre outros, que são incorporados ao longo da vida e compõem os caminhos que são
percorridos quanto aos modos de ser educador. Os “saberes provenientes da formação
escolar anterior” se constituem como o conjunto de conhecimentos adquiridos em
mais de uma década em que o sujeito é estudante e, que podem influenciar em sua
visão de educação. Os “saberes provenientes da formação profissional para o ma-
gistério” se configuram em cursos de formação em licenciatura, desde as disciplinas
cursadas, até os cursos de formação continuada, passando por estágios entre outros.
Os “saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho” se
referem à adaptação realizada durante a prática docente quanto aos dispositivos que
são disponibilizados, tais como livros didáticos, cadernos de exercícios, avaliações
externas e outros. Os “saberes provenientes de sua própria experiência na profissão,
na sala de aula e na escola” dizem respeito à socialização no exercício da profissão,
nas trocas de saberes com os colegas de profissão, nos momentos de planejamento

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e reuniões com todo o corpo docente, o que proporciona uma noção ampla de como
é/está a instituição educacional.
Na visão do autor, diversos saberes mobilizados pelos educadores em seu cotidiano
não são provenientes de suas formações especializadas para a prática profissional,
mas advêm de outros processos formativos. Pensar dessa forma exige que os edu-
cadores e educadoras se coloquem no papel de reflexão crítica sobre suas práticas a
fim de reconhecer os conhecimentos que são transformados em saberes necessários à
sua atividade educacional (ABRAHÃO, 2016). Podemos entender esses saberes como
provenientes de diferentes contextos socioculturais que influenciam nas atividades
de mediação realizadas e produzidas pelos sujeitos, ou seja, a matriz política, social
e cultural influencia e define a postura tomada pelos mediadores (FREIRE, 1979).
Dentre as fontes de conhecimento, há um consenso de que é no espaço de atuação
que se formam as principais bases para um trabalho transformador. No processo de
formação permanente, o momento da aprendizagem do educador é o da reflexão crítica
com a prática, o ato de se assumir como sujeito inconcluso em seu campo de atuação,
uma vez que “na concepção de Freire, teoria e prática são inseparáveis tornando-se,
por meio de sua relação, práxis autêntica, que possibilita aos sujeitos reflexão sobre
a ação, proporcionando educação para a liberdade” (FORTUNA, 2015, p. 65).
Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é
o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de
ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessá-
rio à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a
prática (FREIRE, 2011, p. 40).

Se nas obras freirianas não há uma sistematização a respeito da origem dos


saberes utilizados por educadores, Carvalho (2014) fez uma aproximação da ma-
neira como os conceitos surgem na literatura de Paulo Freire e são categorizadas
por Nóvoa (1999), apresentando-as da seguinte maneira:
Saberes específicos (ou saberes das disciplinas), da própria disciplina de atuação do
docente, oriundos de sua formação profissional inicial, necessários à interpretação
dos conteúdos curriculares; Saberes didáticos (ou saberes da pedagogia), também
originários de sua formação inicial, necessários ao entendimento das teorias pe-
dagógicas e ao planejamento das atividades didáticas; Saberes experienciais (ou
da experiência), frutos de sua vivência profissional, a fim de tornar exequíveis as
estratégias didáticas planejadas; Saberes vivenciais, ou seja, todas as experiências
impressas pelo meio social no consciente e inconsciente do professor ao longo de sua
trajetória desde a infância (CARVALHO, 2014, p. 36-37).

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Um primeiro olhar para as categorias acima pode dar a impressão de que são as
mesmas, ou ao menos semelhante, às de Tardif (2002). Porém, a diferença está no
fato de que a formação do profissional na perspectiva freiriana tem como elemento
central o caráter político do ser educador.
A construção de um arcabouço de soluções oriundas de percursos pessoais e
profissionais tem o poder de mudar a concepção sobre o estar no mundo e, com isso,
tem mais relação com a prática de uma educação libertadora, educação que visa dar
subsídios para os enfrentamentos cotidianos. Dessa forma, “[...] ensinar já não pode
ser este esforço de transmissão do chamado saber acumulado, que faz uma geração
à outra, e aprender não é a pura recepção do objeto ou do conteúdo transferido”
(FREIRE, 1997, p. 5). O mediador como ser dialógico, deve saber escutar o que o
outro tem a dizer e saber dizer o que o outro precisa escutar, com a plena ciência
do momento de intervir para não atrapalhar, mas sim ajudar o
[...] indivíduo a “construir” a sua interpretação pessoal, individual, da realidade da
sua existência, o que, de forma alguma, implica numa contínua “reinvenção da roda”,
mas, isto sim, numa oportunidade do indivíduo dar significância à realidade que o
circunda [...] e que, por vezes, passa ignorada (CARVALHO, 2014, p. 40).

Todos os processos formativos mencionados, são assimilados por mediadoras e


mediadores de centros e museus de ciências e se tornam fundamentais para a sua
atuação diária, ainda que se transformem a partir de novas experiências. É com
esse olhar que pretendemos, analisar as narrativas produzidas com os mediadores
e as mediadoras que atuam em um museu de ciências.

Delineamento metodológico

o presente trabalho configura-se como um estudo de caso, pois dessa forma é


possível “focalizar um fenômeno particular, levando em conta seu contexto e suas
múltiplas dimensões”, valorizando “o aspecto unitário” e ressaltando “a necessidade
da análise situada e em profundidade” (ANDRÉ, 2013, p. 97).
Dentro do estudo de caso, alguns métodos foram utilizados na produção dos
dados, tal como o da atuação do primeiro autor deste trabalho como mediador vo-
luntário na Escola da Ciência – Física (ECF), a fim de possibilitar a produção de
diários de campo reflexivos entre os meses de junho e setembro de 2017. Além de
estar presente no centro de ciência em seu pleno funcionamento, esse método pos-

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sibilitou uma aproximação afetiva com os educadores que atuam no espaço, o que
foi de fundamental importância para evitar “desconfianças iniciais e estabelecer
uma relação franca, indispensável ao fornecimento, por parte dos investigados, de
dados o mais aproximado possível à sua realidade” (GALVÃO, 2005, p. 342).
Outro método utilizado foi a formação de rodas de conversa (MOURA; LIMA,
2014), ferramenta que possibilita a produção qualitativa de dados, uma vez que
no ato de conversar pode-se observar e refletir com as narrativas dos sujeitos e,
simultaneamente, possibilita um processo formativo para todos participantes, uma
vez que refletimos sobre a nossa prática pedagógica e profissional ao narrarmos
(ABRAHÃO, 2016).
No caminho que delineamos, a fuga do objetivo dos estudos esteve sempre
presente, uma vez que os mediadores conversavam não só sobre o tema proposto,
mas sobre tudo que tem relação com ser um mediador em um centro de ciência. A
conversa também possibilitou a abertura ao novo, encontros com o diferente enun-
ciado por seus colegas e interação com o próprio espaço, criando diversos pontos de
escape, mas que sempre retornavam de maneira fluida e natural.
De certa forma podemos dizer que as rodas de conversa se caracterizaram como
momentos em que os mediadores desataram alguns nós que estavam amarrados
em suas gargantas e que esse exercício de fala e escuta foram se construindo nas
idas e vindas das memórias de cada um. As narrativas produzidas nas rodas são
contextualizadas e locais, nos dando a possibilidade de responder ao nosso proble-
ma de pesquisa. Acreditamos que a ênfase do local onde foi realizada a pesquisa é
necessária, pois consideramos apenas os elementos do caso que estudamos, assim
não pretendemos generalizar para outros espaços, uma vez que “a generalização é
sempre problemática, não podem ser considerados gerais, fatos dizendo respeito a
contextos muito particulares” (GALVÃO, 2005, p. 331).
Foram realizadas duas rodas de conversa com os mediadores da ECF no próprio
espaço físico do acervo, nos dias vinte e nove (29) de julho de 2017 e dois (02) de
setembro de 2017. Além do pesquisador/mediador voluntário, na primeira roda de
conversa houve a presença de cinco mediadores e quatro mediadores na segunda.
As duas rodas de conversas foram gravadas em áudio para posterior transcrição
e análise. Todos os mediadores participantes da pesquisa assinaram o termo de
consentimento livre e esclarecido1.

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Sobre a Escola da Ciência – Física e os mediadores do


espaço, nossos sujeitos de pesquisa

A ECF é um dos espaços científico-culturais vinculados à Secretária Municipal


de Educação (SEME) que atendem diferentes tipos de público gratuitamente, sendo
estes visitantes: turistas, munícipes, grupos de estudantes agendados e avulsos,
dentre outros.
A ECF localiza-se a Rua Jose de Anchieta – Parque Moscoso, região central de
Vitória, em um prédio inaugurado em 1952 que foi adaptado para receber os ins-
trumentos que a compõem. O prédio, tombado pelo patrimônio histórico estadual
é um importante representante da arquitetura modernista dotado de salas amplas
e boa iluminação. No local – com 2000 m² de área construída – há cinco amplas
salas de exposições temáticas permanentes, um mini auditório, uma galeria para
exposições temporárias, banheiros para visitantes, sala administrativa e cozinha.
Na área externa um jardim com árvores antigas e painéis em mosaico, obra do
artista Anísio Medeiros que também, foram restaurados (ZUCOLOTO et al., 2011,
p. 23-24).

No dia 26 de abril de 2000 a ECF entrou em funcionamento, sendo legalmente


instituída em 24 de setembro de 2001 com a Lei Municipal Nº 5.397 que “Cria a
Escola da Ciência – Física e a Escola da Ciência – Biologia/História” (VITÓRIA,
2001). O documento oficial traz em anexo o regimento interno das Escolas das
Ciências, entretanto as mudanças na SEME fizeram com que alguns princípios
fossem alterados com o passar dos anos. O documento atual que rege os Centros de
Ciência, Educação e Cultura de Vitória é o Decreto 17.015 de 02 de maio de 2017,
no qual se encontra as seguintes atribuições:
a) proporcionar a relação entre o conhecimento científico e as vivências do cur-
rículo vigente na Educação Infantil e Ensino Fundamental; b) exemplificar por
meio de experimentos concretos e vivenciais a complexidade dos conhecimentos
curriculares, correlacionando teoria/prática/conhecimento/vivência; c) assegurar
que o conhecimento científico produzido e compartilhado nos Centros de Ciência,
Educação e Cultura de Vitória proporcione enriquecimento curricular para estu-
dantes e se torne significativo e relevante à comunidade; d) acompanhar, preser-
var e complementar o acervo referente às ciências; e) planejar o atendimento ao
público em geral e a escolares com vistas à efetivação do pleno funcionamento dos
Centros de Ciência, Educação e Cultura de Vitória; f) propiciar espaços abertos
para realizações artístico culturais e científicas envolvendo comunidade local; g)
difundir conhecimentos científicos e o interesse pelo estudo do meio em que vive,
possibilitando ampliação do saber e visão de seu público; h) promover a alfabeti-
zação científica como instrumento de acesso de todos ao conhecimento produzido

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pela humanidade; i) fornecer subsídios técnicos e/ou informações às Gerências


Administrativas/Pedagógicas da Secretaria de Educação e outras entidades
afins; j) coordenar, executar e verificar as atividades administrativo-financeiras
de acordo com a legislação em vigor; k) manter intercâmbio com entidades cientí-
ficas, visando a troca de experiências; l) desenvolver capacidades de observação,
evidenciando a amplitude e complexidade do conhecimento científico e sua relação
com vida social; m) executar outras atividades correlatas ou que lhe venham a ser
atribuídas (VITÓRIA, 2017, p. 6-7).

Podemos observar tanto atribuições que dizem respeito aos modos de funciona-
mento do espaço, tal como aparecem nos itens i) e j), quanto características voltadas
para as ações educacionais para a sociedade de uma maneira geral, como em h)
e l), quanto ações mais articuladas ao currículo formal das instituições escolares
vistas em a), b) e c)
A dimensão da ampliação da cultura e da educação pelo e para o patrimônio, tão
cara aos museus, deve ser contemplada e as oportunidades de interação entre esses
espaços devem levar à percepção de que os museus são mais do que complementos da
escola, pois possuem uma identidade própria (MARANDINO, 2001, p. 97).

Quando consideramos o documento oficial e o que entendemos por escolas e


museus, perpassando a interlocução com Marandino (2001), podemos perceber cla-
ramente que a ECF não é uma escola em si, mas sim um centro de ciências.
Sobre os sujeitos da pesquisa, é importante ressaltar que os nomes utilizados
são fictícios, de modo a garantir o sigilo dos participantes da pesquisa. No quadro
a seguir (Quadro 1), apresentamos os sete integrantes que participaram das rodas
de conversa que constituíram a produção de dados da pesquisa e que são (ou foram)
mediadores na ECF durante o desenvolvimento deste trabalho. Estão contempladas
de igual modo as variáveis idade, características pessoais e de tempo de atuação
que auxiliam na contextualização dos sujeitos e de suas narrativas. Todos os parti-
cipantes da pesquisa eram estudantes de licenciatura em física no IFES – Campus
Cariacica.

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Quadro 1: Caracterização dos mediadores


Tempo de atuação na ECF
Nome2 Idade Características pessoais
(até setembro de 2017)
Tem interesse em leituras, estudos e
Cleobulo 20 Iniciou as atividades em abril de 2017
gosta de jogar vídeo game
É guitarrista, professor de música e dá Foi mediador durante um ano, saiu para se
Pítaco 22
aulas particulares de física dedicar a dar aulas de música.
Gosta de correr e está aprendendo a
Bias 21 Está como mediador a um ano e meio.
tocar violino
Nas horas vagas gosta de jogar vídeo
Sólon 18 É mediador desde abril de 2017
game e montar cubo mágico
Gosta de pedalar, andar, fazer trilhas e Atuou durante três anos e durante a pesquisa
Tales 22
escalar conseguiu um emprego
Ficção científica e super-heróis são algu-
Míson 18 Atua desde junho de 2017 como mediador
mas de suas preferências
Quílon 24 Tem apreço por livros, animes e mangás Participa das atividades desde agosto de 2017
Fonte: próprios autores.

Uma característica comum a todos os mediadores que atuantes na ECF no período


da pesquisa é que eles pertencem ao gênero masculino. Contudo, mediadoras já fizeram
parte da equipe da ECF – este dado foi possível de constatar observando o livro de
ponto em meses anteriores e a partir de relatos e conversas ao longo do tempo em que
o autor participante do estudo de casa esteve no espaço. Ao olharmos para o estudo
realizado por Carlétti (2016) sobre os perfis de mediadores e mediadoras científico-cul-
turais que atuam no Brasil, mostrou dados distintos aos deste trabalho ao observar
que discrepância 56,2% dos sujeitos do estudo eram mulheres e 43,8% homens.
Outra característica dos mediadores da ECF é a faixa etária, sendo que todos
eles têm idade entre 18 e 25 anos. Carlétti (2016), em seu estudo a nível nacional,
observou que 63,8% dos mediadores estavam na faixa etária entre 18 e 25 anos,
característica compreensível ao lembrarmos que os mediadores na ECF são estu-
dantes de graduação, enquanto o panorama nacional trazido por Carlétti (2016)
leva em consideração espaços em que os mediadores são estudantes da educação
básica e locais onde a mediação é consolidada como profissão, tendo sujeitos com
mais de quinze anos de atuação.

Análise e reflexões com os diálogos produzidos

As análises dos dados produzidos durante as rodas de conversa possibilitaram


categorizar as falas dos sujeitos3 a partir da leitura, análise e categorização das

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narrativas; assim, os processos formativos foram agrupados nos seguintes núcleos


temáticos emergidos do estudo: (i) saberes vivenciais ou sobre o que se aprende ao
longo da vida; (ii) saberes da formação escolar anterior ou o que se aprende com
tantos professores; (iii) saberes didáticos ou os primeiros passos para a docência; (iv)
saberes específicos ou sobre como se formam os cientistas; (v) saberes curriculares
ou o que o local espera de nós enquanto educadores ; (vi) saberes experienciais ou
sobre a alegria de estar sempre em construção.

Processos formativos: fonte dos saberes necessários para a mediação

Para atuar aqui na Escola da Ciência – Física, o que é que vocês acham que foi
necessário aprender, o que vocês acham que, durante suas práticas quando vêm os
grupos de visitantes, o que vocês utilizam para poder fazer a mediação? (Pesquisador)
A partir dessa questão, deram-se início as conversas em roda. De maneira geral,
podemos “definir o saber docente como um saber plural, formado pelo amálgama,
mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes
disciplinares, curriculares e experienciais” (TARDIF, 2002, p. 36), e assim também
podemos definir os saberes da mediação como um conjunto de conhecimentos que
introjetados na prática de mediadores se torna fundamental para qualidade da
mediação.
Qualquer um que tenha entrado em um espaço científico-cultural pode se
remeter, a partir da fala de um mediador, a um momento de sua vida que lhe foi
marcante, um episódio que lhe chamou a atenção e que não obteve resposta.
É legal que as pessoas ficam “é tão simples, mas tão genial”, mas é exatamente isso
(Sólon)

Na ECF não é diferente, os encontros remetem a surpresa, a alegria e a diver-


são, direcionados por meio de ideias a partir de diferentes perspectivas dos media-
dores. Para uma mediação crítica e problematizadora, que desperte o interesse do
visitante, é necessário que o educador ou a educadora possua saberes próprios que
potencialize as dimensões relacionais, lúdicas e afetivas.
[…] qual o papel do mediador? É realmente explicar o experimento? (Míson)

Na minha visão além de explicar é instigar a procura pelo conhecimento da pessoa...


(Quílon)

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Exatamente... Entreter, porque se a pessoa viesse aqui pra aprender sobre como cada
experimento funciona não precisaria de mediador... Só a placa já dava conta e era só
colocar um segurança pra não quebrarem as coisas e pronto... (Míson)

E aí nem precisaria do experimento, era só ter escrito... E viraria um livro... (Quílon)

Aí eu volto a dizer... O pesquisador/ desculpa, o mediador ele tem esse papel de entreter
a pessoa... (Míson)

Esse momento da conversa em que se envolvem Míson e Quílon aponta para


uma reflexão sobre ser mediador. Reflexão crítica que deve perpassar toda a vida
enquanto educador (FREIRE, 2011), seja em um centro de ciência ou em uma
escola. A conversa entre Míson e Quílon aponta também para a importância dos
mediadores no processo de produção de conhecimento nos espaços socioculturais,
transpondo o conhecimento científico bruto em questões para os visitantes desco-
brirem as belezas das ciências.

(i) Saberes vivenciais ou sobre o que aprendemos ao longo da vida

Aqui estamos nós. Nós e a profissão. E as opções que cada um de nós tem de se fazer
como professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de
ensinar. É impossível separar o eu profissional do eu pessoal (NÓVOA, 2000, p. 17).

Não há como dissociar as atividades pessoais e profissionais de um educador


compromissado com a formação crítica, dessa forma podemos dizer que todas as
experiências vividas influenciam nos modos de ser mediador. Essa interação da
história de vida com a profissão é notada na fala de um dos mediadores:
[…] no meu caso desde novo, desde os meus 12 ou 13 anos eu já tenho que lidar com
pessoas, lidar com crianças por causa dos trabalhos/ de alguns bicos que eu fiz... Então
a parte de lidar com o público, a parte de falar não era tanto o problema (Quílon)

A fala de Quílon contrasta com a de educadores que estão iniciando sua interação
com os educandos, pois é comum apresentar certa timidez, medo ou vergonha ao
iniciar a trajetória profissional enquanto educador, porém neste caso isso não foi
demonstrado, uma vez que a barreira existente no primeiro contato já havia sido
quebrada anteriormente na vida do mediador.
A esses saberes, construídos ao longo da vida do educador, podemos atribuir aos
processos da educação informal, uma vez que, segundo Gohn (2006, p. 29):

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na educação informal, os agentes educadores são os pais, a família em geral, os ami-


gos, os vizinhos, colegas de escola, a igreja paroquial, os meios de comunicação de
massa, etc.” e os locais onde ocorrem são “demarcados por referências de nacionali-
dade, localidade, idade, sexo, religião, etnia etc. A casa onde se mora, a rua, o bairro,
o condomínio, o clube que se frequenta, a igreja ou o local de culto a que se vincula
sua crença religiosa, o local onde se nasceu.

Ao contextualizarmos as obras de Gohn (2006), podemos dizer que na atualida-


de um forte componente da educação informal está no domínio da internet. Sólon
aponta para esta influência pessoal quando começou a mediar na ECF:
Eu percebi que eu tive um referencial muito grande mesmo com professores ou até a
galera do youtube que fazem uma parada bem diferente da gente... No meu primeiro mês
a minha apresentação era uma mistura do Iberê do Manual do Mundo com o Átila do Ner-
dologia. Eu começava a apresentação falando “hoje nós vamos...” era ridículo. Hoje em
dia eu já tenho uma/ eu já sinto que eu tenho uma forma de apresentar pessoal (Sólon)4

Sólon nos mostra que a internet como meio de comunicação molda ações na
sociedade atual, entretanto a maneira como Sólon permite que este meio influencie
suas ações dá indícios da importância da conscientização sobre seus usos.
Notamos a transformação das novas gerações. Sua comunicação, maneira de
interagir, modos de brincar, entre outros aspectos, são alguns indicativos de que
não só a sociedade está em constante mudança, mas também os educadores, por
serem parte da sociedade e almejarem a democratização do conhecimento, devem
transformar as práticas educacionais. A internet e as redes sociais são instrumentos
que possibilitam essa articulação, não podendo ser negligenciadas como influentes
na subjetividade de qualquer educando.
Todos os dias novos vídeos surgem com piadas prontas, conhecidas nas redes
sociais como memes. Esses memes integram o discurso atual, sendo praticado muitas
vezes como uma linguagem paralela presente na oratória cotidiana. Pítaco utiliza
dessa artimanha para trazer os visitantes para conversa no momento das visitas.
Ele nos conta que a partir de como o grupo se comporta, é possível inserir elementos
dessa nova linguagem de modo que os visitantes o aceitem como um elemento do
grupo e fique mais fácil encaminhar a visita. Durante a visita, Píton tenta perceber
[…] o que que a galera gosta de falar, o que a galera gosta de ouvir... Aí você falando o
que eles gostam de ouvir sei lá piada, meme de internet, diversão […] você se divertir
com eles e acaba que eles vêm junto com você (Pítaco)

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Muitos são os saberes pessoais que se enraízam nas práticas dos mediadores
da ECF.

(ii) Saberes da formação escolar anterior ou o que aprendemos com tantos


professores

Será que esses trocentos professores que a gente já teve interferem em nossa
maneira de dar aula? Ou... se será que o certo mesmo é o aluno se espelhar neles?
Ou será que se eu for pegar por exemplo me debruçar numa pesquisa seja ela numa
literatura numa coisa escrita ou então vídeos eu vou encontrar pessoas que falam
sobre aquilo ou sobre como poderiam ser, entendeu? (Pesquisador)
Antes de cogitar ser educador em um centro de ciência, qualquer indivíduo que
pretenda ser mediador já possui em seu histórico estudantil mais de dez mil horas
em sala de aula como estudante da educação básica, tempo suficiente para elabora-
ção “de crenças, de representações e de certezas sobre a prática docente” (TARDIF,
2002, p. 261). É fácil recordar daquelas professoras/professores que nos marcaram
por sua dedicação à profissão, sua amorosidade ao ensinar e o zelo pela formação
de seus alunos como cidadãos. Por outro lado, a lembrança daquelas professoras/
professores que não se preocupavam com a aprendizagem, apenas copiava textos
no quadro e puniam como forma de avaliação também fica evidente na memória.
Outros exemplos poderiam ser apontados como processos formativos para um
educador antes mesmo que se identifique como tal, e “percebe-se que a maioria
dos dispositivos de formação inicial dos professores não conseguem mudá-los nem
abalá-los. Os alunos passam pelos cursos de formação de professores sem modificar
suas crenças anteriores sobre o ensino” (TARDIF, 2002, p. 261).
A gente já teve professores então a gente meio que já tem muitos moldes […] o que quis
dizer sobre usar um professor como molde é basicamente “esse cara dá uma aula boa
gostei do jeito dele” ou “esse cara dá uma aula ..., não posso fazer como ele”, tá ligado
(Pítaco)

Pítaco apresenta a influência exercida por professores que ele teve ao longo de
sua vida. Como seres inacabados, a formação acontece continuamente na vida do
educador, porém cabe refletir sobre o que carregar como elemento da cultura docente
nos encontros que ocorrem nas salas de aula.

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Em algumas oportunidades ao interagir com os mediadores da ECF, o assunto em


foco era sobre o papel do professor na visita à ECF, uma vez que o comportamento
da turma, a maneira como a visita se desenvolve, as interações promovidas e os
diálogos são parcialmente potencializados pela participação do “responsável” pela
turma. Falávamos sobre a postura do professor ou da professora desde o momento
em que eles entram em contato com a ECF para agendar a visita, pois entendemos
que, se uma professora/professor pretende que seus educandos/educandas apren-
dam algo em específico, ou seja, algum conteúdo relacionado a matéria que estão
estudando, é necessário que os professores comuniquem com antecedência a fim de
os mediadores possam se preparar de modo a atender a esse objetivo. Tales é cate-
górico neste sentido ao afirmar que “eu acho até certo quando o professor quer dar/
ele pode falar com você “ah, eu quero que você de ênfase em tal área” aí o que que
você faz? Quando tiver naquela parte você dá ênfase se for possível”. Continuando
a conversa com a literatura:
Vamos supor, por exemplo, que o professor pense que uma visita guiada seja uma
boa ideia. Nesse caso, a situação ideal seria que o professor orientasse a visita, tendo
os ‘explicadores’ como auxiliares. Na verdade, esse é um tipo muito raro de visita.
Dificilmente há tempo para preparar com antecedência uma boa visita escolar, pois
isso demandaria muito tempo e esforço de parte dos professores (GOMES DA COSTA,
2007, p. 31).

Ao trazer a problematização quanto à postura docente relativa ao agendamento


da visita, pretendíamos que os mediadores pensassem a longo prazo quando estives-
sem como docentes atuantes em uma escola e pensassem em levar seus educandos
em um espaço científico-cultural. Como eles fariam para que a visita fosse mais
proveitosa? Eles iriam fazer como os professores que agendam e em cima da hora
solicitam algo em específico? Iriam deixar os estudantes sob a responsabilidade
dos mediadores enquanto se distraíssem com qualquer outra coisa? Essas e outras
questões devem ser refletidas antes de uma resposta trivial, haja vista as variáveis
que estão em jogo. O fato é que a maneira como os professores agem implica em
como os mediadores vão atuar futuramente.
Ao se colocar na posição do professor ou professora, seria importante que o
sujeito possuísse o que Queiróz e colaboradoras (2002, p. 86) chamam de saber da
concepção da exposição, em que se acentua a necessidade de conhecer as “ideias
das pessoas que idealizaram, planejaram e executaram a exposição, o que inclui o
saber da tendência pedagógica da exposição”. Acreditamos que só assim o professor

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poderia alcançar seus objetivos pessoais e educacionais ao levar o grupo de estu-


dantes a um centro de ciência.

(iii) Saberes didáticos ou os primeiros passos para a docência

Durante uma das rodas de conversa, ao se discutir sobre os professores que


cada um já teve, Tales comentou sobre um professor da disciplina de diversidade e
processos inclusivos e a questão da deficiência:
[…] ele falava uma coisa que era interessante “não é a pessoa que é deficiente, é o
prédio que é deficiente” porque o cadeirante nasceu antes daqueles prédios subirem,
então se ele não tem acesso pro cadeirante quem é deficiente é aquele prédio, porque
ele veio depois e aí você começa a olhar pra socie/ começa a olhar pro mundo assim...
“Pô, o cadeirante não passa aqui. Essa escola aqui tem um banheiro ali de cadeirante”
beleza, mas como que o cadeirante sai daqui e vai pra área externa se não tem nenhuma
rampa que dá acesso a ele? Você já começa a olhar assim “como que ele vai fazer isso?
Como que ele vai fazer aquilo?” você já se adapta a sua visão daquilo que tá fazendo
praquilo que a gente viu (Tales)

Tales aponta para uma reflexão que surgiu durante sua formação pedagógica e
que fora transportada para a ECF. Mediante essa demanda, é necessário reavaliar
a conexão (QUEIRÓZ et al., 2002) entre os equipamentos do local, é importante que
o mediador conheça o espaço para que não prive nenhum visitante das interações
objetivadas pelo museu.
Outra influência que pode ser associada à formação docente está presente na
narrativa de Sólon, referente à necessidade de se explicar os conceitos relacionados
aos objetos culturais, mesmo que em outros momentos os mesmos sujeitos tenham
apresentado uma visão diferente.
Eu vejo muito como etapas... Por exemplo, pra você explicar elétrica você tem que expli-
car o que é um átomo, e ter que explicar de onde vem o elétron numa turma de criança é
mais difícil [por]que você não pode chegar nem na primeira etapa, tu tem que se divertir
sem falar nada... Tu pode até deixar uma dúvida ou outras na criança, mas tu não tem
que explicar nada e isso é uma parada que é bem difícil, porque eu quero explicar as
paradas pra criança e eu sei que ela não vão entender (Sólon)

“Ter que explicar” está presente no discurso dos mediadores de uma forma que
é difícil de ser desvinculada. Na primeira roda de conversa, a qual teve duração de
pouco mais de duas horas, foram mencionadas vinte e cinco vezes a palavra “expli-
car” por parte dos mediadores, já a palavra “dialogar” não foi referida nenhuma vez

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e o termo “conversar” apenas uma vez, entretanto, o contexto em que esta última
apareceu não era o de conversar propriamente com o público.
Torno a fazer a pergunta que dá nome ao artigo de Gomes da Costa (2007) “os
‘explicadores’ devem explicar?”5, artigo que, inclusive, foi disponibilizado para os
mediadores da ECF enquanto o primeiro autor dessa pesquisa atuava no espaço
a fim de que problematizassem os processos de formalização necessários para o
atendimento no museu.
A questão é saber o que eles sabem e como sabem, e aprender a ensinar-lhes coisas
que elas ainda não sabem mas querem saber. A questão é saber se meu conhecimento
é necessário porque às vezes não o é. Outras vezes é necessário, mas essa necessidade
ainda não foi percebida pelas pessoas. Então, uma das tarefas do educador e educado-
ra é também provocar a descoberta de necessidade de saber e nunca impor um conhe-
cimento cuja necessidade ainda não foi percebida (FREIRE; HORTON, 2003, p. 86).

Por que não dialogar, levando em consideração os saberes trazidos pelos vi-
sitantes em vez de levar a eles uma base pronta? Uma questão que só pode ser
respondida pela via das transformações no ser educador.

(iv) Saberes específicos ou sobre como se formam os conceitos científicos

Conhecer o conteúdo que está posto em diálogo é caráter fundamental para


qualquer educador, seja ele na escola ou no centro de ciências. O saber da formação
específica se envolve cotidianamente nas vozes de mediadores culturais. Freire
(2003) nos fala que para ensinar, existe o compromisso anterior de saber o que se
vai ensinar, mesmo que durante o processo se aprenda mais, e se deve aprender
mais a cada vez que uma pessoa diferente lhe faz uma pergunta ou você lança uma
questão a ela. A esse respeito, Cleobulo comenta sobre seus saberes específicos a
respeito dos fenômenos das ciências físicas.
Os conhecimentos de ciências eu já tinha porque eu estudava física também, sempre
gostei de física, de pesquisar ciência, mas na hora de falar, de desenvolver ali pra uma
turma já era diferente, eu já não sabia fazer direito (Cleobulo)

É perceptível a confiança que depositam no conhecimento científico, entretanto


sabemos que, enquanto sujeitos educadores, devemos estar conscientes de nossa
incompletude; dessa forma, devemos buscar sempre novos modos de interpretar o
mundo (FREIRE, 2011).

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A princípio, os fenômenos relacionados aos objetos da ECF são de simples


compreensão, não necessitando de um aprofundamento conceitual para dialogar
com o público em geral, porém a diversidade social nos surpreende a todo instante,
surgindo perguntas desafiadoras. Pensando em uma mediação problematizadora, a
postura do mediador não deveria ser o de dar a resposta, mas estimular o visitante
a responder a sua própria pergunta. “O papel do educador progressista é desafiar
a curiosidade ingênua do educando para, com ele, partejar a criticidade. É assim
que a prática educativa se afirma como desocultadora de verdades escondidas”
(FREIRE, 2006, p. 79).
Outro momento da roda de conversa que destacamos foi quando Sólon, em dois
momentos distintos, apresentou sua visão quanto aos conhecimentos científicos
na ECF:
Algumas coisas, tipo o empuxo, eu tava com um pouco de dificuldade pra explicar e aí
depois que eu tive aula com o [professor] melhorou muito (Sólon)

Eu acho que na real, daqui o que eu menos aprendi foi conceito científico, foi mais como
se relacionar com as pessoas que chegaram aqui e que eu acabei de conhecer (Sólon)

E essa dimensão que Sólon traz é importante, uma vez que é fundamental
que mediadores em centros de ciências saibam conversar com o público. Uma vez
conhecida a ECF, sabemos que a formação curricular realizada a partir da leitura
do “Roteiro do Acervo: Pasta de Estudos dos Estagiários” (sobre essa pasta, ler a
seção seguinte) se confunde com as formações específicas. É comum que o mediador
ignore as horas em sala de aula de sua formação acadêmica quando eles estão con-
versando em roda e valorizando outros aspectos de sua formação, porém os textos
em si trazem para o diálogo interno os fenômenos e conceitos aprendidos.

(v) Saberes curriculares ou o que o local espera de nós enquanto educadores

A mediação estabelecida na ECF é bastante direcionada a partir das instruções


passadas pelo responsável pedagógico – René6. Tradicionalmente, René orienta os
novos mediadores para suas ações e, sempre que solicitado, ele explica como funcio-
nam os experimentos, como atender os diferentes públicos, como resolver conflitos
que o mediador esteja passando.

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Ao conversar com os mediadores e com o René, ele disse: “Qualquer dúvida é


para vir e perguntar, tirar as dúvidas nessas primeiras semanas”, incentivando
os mediadores a procurá-lo. As palavras utilizadas por René ecoam nos discursos
dos mediadores quando o assunto é o objetivo da ECF. Um exemplo é trazido por
Míson, quando ele diz:
O René que foi quem nos deu essa formação sempre nos diz e eu concordo com ele
“se a pessoa vir aqui e não aprender uma vírgula sobre física, mas sair curiosa e tendo
interesse, o papel foi feito” (Míson)

O caráter curricular (TARDIF, 2002) da formação dos mediadores se mostra em


vias de uma formação que “abra a mente dos visitantes”, de modo que esses sejam os
sujeitos participantes na mediação. A ideia da curiosidade como fator preponderante
nos visitantes é essencial para a satisfação dos mediadores em um museu de ciência.
Como mencionado por Míson anteriormente, o René provoca os estudantes para
que a visita seja prazerosa e desperte o interesse nos visitantes, porém, mesmo
estando disponíveis aos mediadores, nem sempre eles o procuram para sanar seus
conflitos. Alguns sentimentos por parte dos mediadores estão atravessados nessa
dificuldade de comunicação, o que repercute em sua formação curricular inicial na
ECF.
No início foi meio difícil pra mim, eu fiquei meio perdido, não sabia se eu lia o roteiro,
se eu via as apresentações, se eu pesquisava na internet, fiquei meio perdido (Míson)

Eu fiz exatamente isso pesquisar na internet, ver os monitores antigos e ler o roteiro
(Sólon)

Percebemos de igual modo que os mediadores se sentem mais à vontade para


explorar e conversar com seus colegas, o que nos levou a enxergar a concepção da
formação a partir das experiências de mediadores com mais tempo em serviço.
Refletindo sobre os modelos propostos por Marandino (2008), surge a dúvida se
esse modelo de formação estaria mais parecido com outro modelo centrado na (auto)
formação ou na relação aprendiz-mestre. Não é intenção colocar os mediadores da
ECF em uma categoria fechada, mas apenas pensar as relações possíveis em um
centro de ciência e compreender como esta ocorre. A própria autora (MARANDINO,
2008, p. 27) sinaliza para o fato de que “tais modelos não são excludentes e que
muitas vezes são utilizados de forma concomitante pela instituição formadora”, o
que é o caso da ECF.

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Acima podem ser observadas as falas de dois mediadores, entretanto cada su-
jeito ao narrar sua trajetória evidencia algum ponto novo, diferente dos demais. A
história de Tales é um pouco diferente, por ter começado a atuar na ECF antes dos
demais e num cenário que era outro.
Quando eu cheguei aqui foi chegar aqui no meio de ninguém que faz física, todo mundo
era biólogo, todos os estagiários eram biólogos e isso foi a melhor coisa que já aconte-
ceu. (Tales)

Quando Tales começou na ECF os mediadores eram conhecidos como estagiários,


pois o contrato era realizado diretamente com a Prefeitura Municipal de Vitória,
compondo o quadro de mediadores e mediadoras estudantes interessados em atuar
independente da formação ou instituição de origem. O diálogo entre as múltiplas
formações é uma aposta que colabora na construção de um espaço com olhares
diversos focados num mesmo objeto cultural e é referente a este ponto que Tales
teceu seu comentário e deixou claro durante a roda de conversa, ou seja, que esses
encontros foram potentes no sentido da aprendizagem, de se colocar como educador
frente a outras visões de mundo.
Aqui, percebemos que o representante da instituição sugere o diálogo, a troca de
conhecimentos e se apresenta como suporte para quaisquer eventuais dificuldades
que os mediadores possam apresentar, possibilitando uma maior apropriação do
conhecimento sobre o local e sobre o que se propõe a oferecer para seus públicos.
Em primeiro lugar eu quero que eles se divirtam... Se ele veio aqui e não aprendeu nada
mas ele se divertiu, pra mim já tá valendo, porque ele saiu com a diversão e ele vai eter-
nizar na memória dele aquilo que ele vivenciou aqui (Tales)

Nosso maior desafio aqui é levar isso ao público e fazer com que eles gostem realmente
que não fique algo maçante e eles realmente se sintam atraídos por essa área da ciência
(Bias)

Tales e Bias concordam com o objetivo do espaço como é proposto pelo respon-
sável e pela legislação vigente.
g) difundir conhecimentos científicos e o interesse pelo estudo do meio em que vive,
possibilitando ampliação do saber e visão de seu público; [...]
l) desenvolver capacidades de observação, evidenciando a amplitude e complexidade
do conhecimento científico e sua relação com vida social (VITÓRIA, 2017, p. 6-7).

Em outras palavras, a formação proporcionada pela equipe pedagógica da ECF


atende as demandas municipais, justificando a consolidação do espaço frente à

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sociedade. Além disso, proporciona aos mediadores a percepção de diferentes expe-


riências durante sua atuação no centro de ciência.

(vi) Saberes experienciais ou sobre a alegria de estar sempre em construção

Conforme foi passando o tempo eu fui observando os outros monitores explicarem os


experimentos e fui aprendendo mais com a explicação deles mesmo né, mais do que
com os conhecimentos de fora (Cleobulo)

O modelo centrado na relação aprendiz-mestre ou na prática (MARANDINO,


2008) é muito comum na formação de mediadores em museus de ciências, sendo
considerada a principal maneira pela qual os mediadores e mediadoras adquirirem os
saberes necessários para a sua mediação. Gomes (2013) discute sobre essa formação
em sua pesquisa e problematiza os motivos que levam à supervalorização da prática.
Vale questionar se esta valorização da formação em serviço se deve a uma escolha
dos profissionais envolvidos na formação de mediadores, ou se é influenciada por
limitações de tempo, orçamentárias ou outras, que impediriam a realização de ações
de formação inicial com maior duração (GOMES, 2013, p. 121).

Durante uma das rodas de conversa foi tensionado o fenômeno da rotatividade


dos mediadores, colocando em questão se o motivo da ênfase na formação a partir da
prática não se dá por falta de um corpo profissional sólido, dificultando o empenho
da equipe pedagógica em organizar formações para todos.
A ideia de que os saberes da experiência bastam para que se possa mediar o
conhecimento presente no acervo da ECF é abordado em um trecho da narrativa
de Bias.
Com relação à formação para atuar aqui... Eu não acho que seja algo realmente neces-
sário porque pelo que eu vi os bolsistas da Prefeitura também não tiveram uma forma-
ção, eles foram pegando com o tempo e desenvolveram técnicas próprias... Então com
o tempo aqui, com a presença de outros bolsistas, você vai aprendendo coisas e vai se
desenvolvendo (Bias)

A concepção de formação presente na narrativa de Bias se reduz à condição


de um curso específico, uma vez que este era o contexto específico no momento da
conversa. Porém, é curioso observar que essa percepção se sustenta na formação
aprendiz-mestre (MARANDINO, 2008). Consideramos que os saberes da experiência
são fundamentais além de serem fonte de conhecimento indispensável para qualquer
educador. Inclusive, é um dos pontos que mais se destacaram ao longo das rodas

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de conversa, porém há que se reconhecer que a formação em serviço só é possível


quando se tem um conhecimento prévio sobre o tema que está sendo tratado, com
um olhar do ponto de vista de uma formação crítica e consciente de cada educador
(FREIRE; HORTON, 2003). Dessa forma, é possível uma potente formação na e
com a prática.
São os encontros com os indivíduos mais experientes que proporcionam reflexões
ímpares no contexto da profissão de educador e de seu desenvolvimento profissio-
nal (NÓVOA, 2009). Esses encontros potencializam a aprendizagem e ajudam a
consolidar o perfil profissional de cada um. Entretanto, Freire (2011) sinaliza que
a prática por ela mesma, sem articulação com a teoria, corre o risco de se tornar
puro ativismo, ação sem pensamento, sem reflexão, enquanto o oposto também não
é aconselhável. Teoria que não é colocada em prática se torna mero blá-blá-blá.
Dessa forma, é importante entender que “na concepção de Freire, teoria e prática
são inseparáveis tornando-se, por meio de sua relação, práxis autêntica, que pos-
sibilita aos sujeitos reflexão sobre a ação, proporcionando educação para a liberda-
de” (FORTUNA, 2015, p. 65). É organizando os conhecimentos teóricos junto aos
desdobramentos das visitas que os saberes da experiência tendem a se constituir,
a tornarem-se parte do discurso, na inter-relação entre teoria e prática, na práxis
autêntica dos educadores e educadoras nos museus/centros de ciências.
É preciso que fique claro que, por isto mesmo que estamos defendendo a práxis, a
teoria do fazer, não estamos propondo nenhuma dicotomia de que resultasse que este
fazer se dividisse em uma etapa de reflexão e outra, distante, de ação. Ação e reflexão
se dão simultaneamente (FREIRE, 1988, p. 125).

Na transformação reflexiva, as experiências dos mediadores foram desvendando


caminhos, como o que Cleobulo apresenta:
[…] e sobre o que você falou de que aqui é um espaço de curiosidade é uma coisa que
eu tô aprendendo ainda, e essa semana foi muito importante pra mim porque eu comecei
a pegar umas turmas né, de menininhos pequenininhos... Eu peguei uma de meninos de
três e quatro anos e eu não soube como agir tive que pedir auxílio para o Sólon porque
eu não sabia o que fazer direito (Cleobulo)

A dúvida gerada na ação, o convite ao diálogo e reflexão com outro mediador e a


nova ação se dão num mesmo momento, da práxis libertadora, “o seu quefazer, ação
e reflexão, não pode dar-se sem a ação e a reflexão dos outros, se seu compromisso
é o da libertação” (FREIRE, 1988, p. 122).

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Entendemos que os saberes da experiência também se dão na colegialidade, nas


trocas de conhecimentos e na interação dialógica. As narrativas dos mediadores
se encontram diversas vezes nesse ponto, isto é, no ponto em que sua formação é
complementada mediante apresentação de um problema para um colega e juntos
buscam uma solução. Concordando com Moita (2000), os mediadores da ECF apre-
sentam um fator que reflete uma experiência coletiva de parceria na profissão.
Ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca, experiência, interações sociais,
aprendizagens, um sem fim de relações. Ter acesso ao modo como cada pessoa se for-
ma é ter em conta a singularidade da sua história e sobretudo o modo singular como
age, reage e interage com os seus contextos. Um percurso de vida é assim um percurso
de formação, no sentido em que é um processo de formação (MOITA, 2000, p. 115).

Além da formação com os pares, existem diversos encontros que compreendemos


como processos formativos. Raros são os momentos em que o mediador se encontra
sozinho devida a constante movimentação de visitantes nos museus, o que se con-
figura como tempo e espaço suficientes para a criação de certos hábitos.
Na narrativa de Cleobulo, notamos sua preocupação acerca de diferentes aspectos
da visita para os visitantes. Quando ele diz que não sabe como agir, deixa claro que
encontra dificuldades em conversar, interagir, divertir, ensinar os meninos – como
ele os denomina. “Vale a pena também destacar que, ao visitar o museu, busca-se
uma experiência prazerosa e divertida, mas também de ensino e de aprendizagem”
(MARANDINO, 2008, p. 25). Sob a visão apontada por Marandino (2008), Cleobulo
se desdobra para encantar e ensinar um pouco de ciências para as crianças, mas
essa é uma tarefa bastante complexa, tendo em vista que o mediador se encontra
no início de uma formação acadêmica, e que mesmo que estivesse nos anos finais,
essa não ainda contemplaria a formação para atuação na educação infantil, somente
para alguns casos no Ensino Fundamental.
Outra vez os saberes da experiência são construídos pela via da aproximação
entre pares. Tales apresenta sua experiência ao referir que:
O cara tá passando uma teoria sobre aquele experimento... Mas olhando pra ele agora,
pega em volta e olha pra cara de cada um que tá olhando pra ele como eles estão se
sentindo? Eles tão ali olhando... Tão quieto? Tão brincando? Eu acho que/ que aí com
esse convívio com a biologia, eu vi que não tem que se aprofundar em tudo, não tem
que mostrar/ tem que fazer com que eles se divirtam (Tales)

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Apesar de parecer um pouco confuso, a narrativa de Tales diz respeito à per-


cepção enquanto mediador sobre o envolvimento do público em uma visita. Essa
percepção tem a ver com a sensibilização frente ao outro, a empatia durante a me-
diação. Para ele, essa característica foi apreendida no contato com os mediadores
e mediadoras da ECF, que eram estudantes de ciências biológicas. Segundo Tales,
diferentemente dos estudantes de física, os de ciências biológicas teriam uma faci-
lidade maior em colocar-se no lugar do outro. A percepção apontada por Tales é um
ponto que Brito (2008) chama à reflexão.
A opção por alunos da graduação das muitas áreas do conhecimento traz diversos
olhares para o tema tratado. O aprendizado dos futuros mediadores ocorre em uma
perspectiva multidisciplinar, proporciona a troca de experiências, contribui para a
sua formação pessoal, profissional e acadêmica e reduz o discurso especializado e
técnico, flexibilizando, assim, o atendimento ao público (BRITO, 2008, p. 41).

Entretanto, no contexto desta pesquisa, poucos foram os mediadores que tiveram


a oportunidade de trabalhar em meio a um corpo multidisciplinar de educadores.
Por meio dos conhecimentos construídos no e com o espaço consideramos que,
durante o tempo de atuação na ECF, se desenvolve o sentimento de pertença e o de
que aquele acervo também é um patrimônio cultural. Essa experiência contribui
para a mediação, compondo saberes que Queiróz e colaboradoras (2002) denomi-
naram como a grande categoria dos saberes mais propriamente de museus. Dentro
dessa grande categoria existem conhecimentos relacionados à instituição em si,
mas também sobre a história da humanidade e a concepção da exposição, saberes
que moldam os mediadores e leva para cada um a percepção de que na totalidade
ele é único.
A compreensão da ECF como espaço educativo auxilia na percepção dos me-
diadores de que, para que um indivíduo aprenda algo que ele quer ensinar, temos
que dialogar com as múltiplas experiências e saberes, além disso, é preciso que o
visitante se divirta e se interesse por saber mais – esse é um dos pressupostos da
ECF, como já abordado anteriormente. A relação com o público, de articular um saber
da transposição didática com a vida e a ciência é um ponto abordado por Cleobulo:
[…] e eu fui percebendo que esse espaço aqui é um espaço de ciência também né, que
carrega esse nome da ciência – física e a gente explica um pouco de física aqui, mas
aqui é mais um espaço de curiosidade mesmo onde a pessoa se surpreende com essa
coisa diferente que tem que é a física né, e ela não se dá conta que existe na vida dela
todos os dias toda hora (Cleobulo).

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Anteriormente, Cleobulo tinha apontado que suas experiências o fizeram per-


ceber que a ECF é um espaço de curiosidade, e aqui ele percebe que também é um
lugar de ciência. Esse saber vem de sua experiência com o uso diário da ciência e da
tecnologia e que, portanto, é insumo-chave a ser explorado por meio de referenciais
familiares que permitam ao visitante uma aproximação com o conceito trabalhado
no museu/centro de ciência (AVELLANEDA et al., 2008, p. 34).
Cada passo que é dado faz parte da formação de si e do outro no museu, faz parte
também da formação consciente de cada agente que produz e comunica o que sabe.
No ato de comunicar, ou seja, de falar e ouvir, as experiências vão se constituindo,
experiência marcante na vida de um mediador (LARROSA, 2002). Cada vez que,
na práxis autêntica, um sujeito se coloca no lugar do outro, ele é formado para a
liberdade.

Considerações finais

durante a produção desta pesquisa foi possível constatar que a reflexão sobre
o processo formativo do mediador e da sua experiência com a divulgação científica
podem auxiliar de igual forma os futuros pesquisadores a compreenderem os proces-
sos formativos que influenciam na constituição dos saberes e fazeres da mediação
em um centro de ciência. Observamos que há muito mais na prática dos mediadores
do que pode oferecer o ensino formal ofertado pela instituição de ensino de cada
mediador, além de que, existem diversas esferas da vida que se constituem como
redes que sustentam a forma como o conhecimento científico circula em um espaço
característico da educação não formal.
Dentro dos processos formativos, os quais são fontes de saberes necessários
para a mediação, encontramos nas narrativas dos mediadores as origens de seus
saberes. Dentre elas, destacamos a influência que as mídias eletrônicas exercem,
como apontado por Sólon, quando este lembra que ao começar na ECF tinha o
costume de repetir jargões de youtubers e buscava nesses novos popularizadores
da ciência fonte de inspiração para suas práticas. Outro ponto marcante é quando
Tales relembra a reflexão conduzida por um de seus professores durante a formação
acadêmica sobre deficiência física, a qual aponta que não se deve pensar nas pessoas
como limitadas em termos de acesso ao espaço, mas sim que o espaço é deficiente

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em não proporcionar a chance de interação para todos, sabendo que a sociedade é


extremamente diversificada em relação aos sujeitos que a constituem.
Entretanto, notamos a forte presença de uma formação pautada no modelo da
autoformação (MARANDINO, 2008), no qual os mediadores devem buscar seus
próprios meios para atuar. Em alguns momentos também ficou evidente a formação
pela via da relação aprendiz-mestre, o que também parece surgir do descaso com a
excelência no atendimento da instituição. Infelizmente, essa denúncia vem em um
momento em que a população passa por um momento difícil na política nacional. Por
outro lado, é reconfortante saber que a partir desse ponto é possível transformar o
quadro vigente de modo a levar cada vez mais em consideração as particularidades
e demandas dos mediadores em sua formação.
Por fim, considerando o momento pelo qual a Educação tem passado e as di-
ficuldades que as políticas educacionais têm enfrentado, podemos concluir que a
ECF tem atendido os seus objetivos enquanto instituição, porém ao se lutar por um
futuro mais justo e melhor, é que apostamos em uma “educação problematizadora,
que não é fixismo reacionário, é futuridade revolucionária” (FREIRE, 1988, p. 73).
Acreditamos na utopia e na continuidade dos anúncios e das denúncias. “Reinsisto
em não ser possível anúncio sem denúncia e ambos sem o ensaio de uma certa
posição em face do que está ou vem sendo o ser humano” (FREIRE, 2000, p. 119).

Formative processes and mediation in science centers and


museums: the case of a science center in Vitória/ES

Abstract

This study aims to understand the formative processes that impact on the constitution of one´s
knowledge and knowhow as mediators in a science center. This case study has as its subjects
the mediators of a Science Center in Vitória-ES. The participation of this article´s first author
as a volunteer mediator contributed to the data collection process. As part of the data, as the
transcriptions of the audios from two conversation circles conducted by the first author. The data
were analyzed using Freire´s framework in articulation with teaching knowledge and the media-
tion knowledge required in science centers. The interpretations highlighted the electronic media
influence as a source of inspiration, as well as the schooling processes, especially regarding
pedagogical knowledge. Another aspect highlighted, is the process self-training of mediators.

Keywords: Formative processes. Mediation knowledge. Science center

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Notas
Esta pesquisa compõe o projeto “Narrativas (auto)biográficas e reflexividade: contributos para a formação
1

inicial e continuada de professores” com registro 44931315.4.0000.5542 no Comitê de Ética/Plataforma


Brasil e com aprovação em 28/08/2015.
Os nomes escolhidos para os mediadores são os dos Sete Sábios, figuras escolhidas por Platão para exem-
2

plificar a eficácia da educação lacedemônia em Protágoras (343a).


As narrativas serão apresentadas ao longo do artigo da maneira como foram enunciadas pelos mediadores,
3

assim sendo, poderemos verificar o uso da linguagem coloquial podendo conter o uso de gírias, dialetos e
vícios de linguagem dos sujeitos.
É importante sinalizar que ao dizer “era ridículo”, Sólon falava de uma maneira que era possível reconhe-
4

cer a mudança e a criação de uma personalidade própria, expressa logo em seguida e não uma crítica aos
canais do Youtube.
O termo explicador é uma tradução livre de explainers, que são mediadores na língua inglesa.
5

René (nome fictício) é professor de ciências na Prefeitura Municipal de Vitória e atua na coordenação
6

pedagógica da ECF, instituição em que é alocado desde 2002. Na ECF o coordenador pedagógico oferece
formação inicial para os mediadores, organiza as atividades de férias, dialoga com diferentes instâncias
e secretarias de educação. René não havia sido mencionado enquanto sujeito da pesquisa, entretanto o
caráter etnográfico, resultante da imersão do primeiro autor no campo estudado, imprime a participação
de diferentes sujeitos na produção dos dados.

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834 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 803-834, 2021

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Questão sociocientífica sobre o uso medicinal da Cannabis sativa: uma proposta didática segundo a pedagogia...

Questão sociocientífica sobre o uso


medicinal da Cannabis sativa: uma
proposta didática segundo a pedagogia
histórico-crítica
Dezyrê Mendes Peixoto*, Cinthia Leticia de Carvalho Roversi Genovese**

Resumo
Este trabalho aborda a questão sociocientífica (QSC) sobre o uso medicinal da Cannabis sativa
e tem como objetivo apresentar e discutir uma proposta didática elaborada segundo a pedago-
gia histórico-critica (PHC), para ser implementada no Ensino Médio. Fundamentada no materia-
lismo histórico, esta pedagogia também forneceu os instrumentos, técnicas e procedimentos de
elaboração e análise dos dados. As aproximações e semelhanças que existem entre as QSC e
a PHC foram discutidas a partir da análise da proposta. Os resultados demonstraram a impor-
tância da educação em ciências que inova ao discutir assuntos científicos controversos que es-
tão presentes na sociedade, considerando aspectos históricos, culturais, econômicos, políticos,
científicos, religiosos, entre outros. Incentivar a participação dos estudantes é fundamental no
desenvolvimento da argumentação e autonomia.

Palavras-chave: Cannabis sativa, questão sociocientífica, pedagogia histórico-crítica.

*
Mestre em Educação em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática
da Universidade Federal de Goiás. Professora de Ciências e Biologia na Educação Básica em Goiânia, Goiás,
Brasil. E-mail: [email protected]
**
Doutora em Educação em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Uni-
versidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP. Professora da Faculdade de Educação e do
Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal de Goiás,
Brasil. E-mail: [email protected]

Recebido em: 09/09/2020; Aceito em: 31/08/2021


https://10.5335/rbecm.v4i2.11617
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 835-857, 2021 835

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Dezyrê Mendes Peixoto, Cinthia Leticia de Carvalho Roversi Genovese

A educação CTSA e as questões controversas: o dilema da


Cannabis

As possibilidades e as demandas para o ensino de ciências são múltiplas e plurais,


resultantes de um cenário repleto de novas propostas, metodologias e teorias que,
além de tudo, objetivam uma ressignificação e uma reestruturação do processo de
ensino-aprendizagem. Nesse aspecto, o movimento Ciência, Tecnologia, Sociedade
e Ambiente (CTSA), desde a década de 1970, vem contribuindo para a construção
de novas perspectivas e visões a respeito da ciência e tecnologia (C&T) e de suas
relações com o ambiente, com os cidadãos, com a moral e a ética, com a religião, e
claro, com o avanço e o desenvolvimento da tecnologia.
Boa parte das escolas, quando se trata da alfabetização e da apropriação dos
conhecimentos científicos, acabam formando indivíduos que ficam silenciados na
sociedade, ou seja, indivíduos mais aptos a aceitar regras e a não participar de dis-
cussões que interferem e impactam diretamente suas vidas e a de outros. Portanto,
é comum que não se discuta a natureza da ciência, nem a sua confiabilidade, sendo
transmitida aos alunos uma visão de ciência neutra, sem disputas, conflitos, polê-
micas e divergências. No entanto, fora das escolas, o que os estudantes vivenciam é
exatamente o oposto; o cotidiano na verdade, é marcado por inúmeras controvérsias.
(TRIVELATO; SILVA, 2013).
Frequentemente, a Ciência é apresentada aos alunos como a solução dos problemas
mundiais: algo destituído de dúvidas e problemas. O ensino de Ciências raramente
conduz os alunos à exploração das limitações da Ciência ou a uma análise crítica
das suas implicações sociais, econômicas e éticas. Através da discussão de assuntos
controversos podemos proporcionar aos alunos uma imagem mais realista da Ciência.
(REIS, 1999, p. 110).

Uma vez que naturalmente existem questões polêmicas e controversas, quase


sempre relatadas pelas mídias e extensivamente compartilhadas, curtidas e comen-
tadas nas redes sociais, cabe ao ensino de ciências por meio do movimento CTSA,
a educação na perspectiva das questões sociocientíficas para trabalhar em aula os
assuntos controversos que envolvem ciência, tecnologia, sociedade e ambiente, a
fim de promover um pensamento crítico em relação aos produtos da C&T, como por
exemplo, a formulação de novos medicamentos milagrosos, que “curam” desde uma
unha quebrada até os tipos mais graves e severos de câncer.

836 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 835-857, 2021

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Questão sociocientífica sobre o uso medicinal da Cannabis sativa: uma proposta didática segundo a pedagogia...

Uma discussão que vem tendo destaque na mídia brasileira é o uso medicinal
da planta Cannabis sativa. Os estudantes assistem as notícias na televisão ou na
internet e geralmente fazem as mais diversas perguntas a seus professores sobre
esse assunto. Por este motivo, surgiu a pergunta deste trabalho: “Como abordar
o uso medicinal da Cannabis sativa para estudantes do Ensino Médio, sem fazer
nenhuma defesa ao uso de drogas?” Se essa questão não for discutida nas escolas,
esses estudantes podem obter informações equivocadas ou incompletas, como a
possível divulgação de que se trata de algo inofensivo e que o medicamento pode
ser usado por qualquer pessoa. (BONINI et al. 2018; ALSHERBINY; LI, 2019).
Neste sentido, Reis (1999, p. 108) explica que “[...] a discussão de assuntos con-
troversos ajuda os alunos a compreenderem as situações sociais, os actos humanos
e as questões de valores controversos por eles levantados”. Desta forma, a discussão
do uso medicinal das propriedades da Cannabis é um assunto que divide opiniões,
carregadas de preconceitos, medos, fé, desinformação e esperanças exacerbadas.

A planta polêmica

Dentre as espécies do gênero Cannabis, a mais conhecida e estudada é a Can-


nabis sativa, nome científico da planta utilizada na produção da maconha, palavra
de origem africana popularmente utilizada para denominar este vegetal. Conhecida
desde o Antigo Egito, a Cannabis sativa faz parte da história da humanidade por
milênios, por ser utilizada como alimento, medicamento, óleo combustível e sua fibra
pode ser utilizada na fabricação de papel. Países como Uruguai, Canadá, Estados
Unidos (19 Estados), Holanda, Portugal, Espanha e Israel, entre outros, permitem
o uso desta planta para fins terapêuticos. (LESSA; CAVALCANTI; FIGUEIREDO,
2016; JESUS; FERNANDES; ELIAS; SOUZA, 2017).
A planta foi introduzida em nosso país a partir de 1549 pelos escravos e difun-
diu-se por todo o território. Somente na segunda metade do século XIX, descobria-se
os efeitos maléficos da maconha, mas ainda se faziam recomendações medicinais.
A proibição no país data desde 1938, por meio do Decreto-Lei nº 891 do Governo
Federal. (CARLINI, 2006). Como toda substância capaz de causar alterações no
sistema nervoso, o uso da Cannabis iniciada na adolescência pode ser prejudicial ao
desenvolvimento das funções cognitivas do cérebro. (CRIPPA et al., 2005; RIGONI
et al., 2007).

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A partir da década de 1960 vários estudos foram realizados para testar proprie-
dades medicinais da Cannabis sativa. Existem mais de 100 substâncias canabinoi-
des, e dentre elas, duas substâncias chamaram a atenção, no Brasil, de médicos,
mães, pacientes, jornalistas e políticos: o Tetra-hidrocanabinol (THC) e o Canabidiol
(CBD). O CBD tem chamado a atenção por não ter sido comprovada a sua depen-
dência química. (LESSA; CAVALCANTI; FIGUEIREDO, 2016). De acordo com os
autores, medicamentos que contêm essas substâncias são indicados pelos médicos
aos pacientes que apresentam vômitos e enjoos devido à quimioterapia, esclerose
múltipla, Síndrome de Dravet (epilepsia), perda de apetite em decorrência da AIDS
e dores crônicas devido ao câncer.
O uso de plantas medicinais para alívio da dor e tratamento de doenças ocorre
desde a pré-história. Atualmente, diversos medicamentos que utilizamos regular-
mente são de origem vegetal. Por exemplo, opioides como a morfina e a codeína
são extraídos da papoula, e a aspirina, um dos anti-inflamatórios mais utilizados
no mundo inteiro, é extraída da casca do salgueiro. (LESSA; CAVALCANTI; FI-
GUEIREDO, 2016). Sob esse aspecto, defendemos a necessidade de mais estudos e
discussões acerca das propriedades medicinais da Cannabis sativa no tratamento
de doenças, dentro das possibilidades e dos limites a respeito do assunto.
Com relação à legislação brasileira, destacamos dois Projetos de Lei (PL). O
primeiro é o PL nº 339/2015 da Câmara dos Deputados Federais, que permite a
comercialização no território nacional de medicamentos que contenham extratos,
substratos ou partes da planta Cannabis sativa, ou substâncias canabinoides (de-
rivadas da Cannabis) em sua formulação. O texto deste PL altera o Art. 2º da Lei
antidrogas, nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que hoje proíbe em todo o território
nacional o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos
quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, com exceção de plantas de uso
estritamente ritualístico-religioso.
O segundo é o PL 5.295/2019, do Senado Federal, que propõe a liberação do
cultivo da planta exclusivamente para a produção de medicamentos e a realização
de pesquisas científicas. Nenhuma das propostas mencionadas permite o uso re-
creativo ou o plantio individual. O debate sobre o uso medicinal da maconha está
no Senado desde 2016. (BRASIL, 2019).
Em dezembro de 2019 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),
analisou o PL nº 339/2015 da Câmara dos Deputados Federais, e aprovou o uso

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medicinal de produtos à base de Cannabis sativa, mas vetou a regulamentação do


plantio para fins medicinais e científicos. A aprovação vale apenas para produtos à
base de CBD, que poderão ser vendidos em farmácias e drogarias, mediante pres-
crição médica. As empresas interessadas em desenvolver estes produtos precisarão
importar a matéria-prima e terão que seguir uma rígida regulamentação da agência.
A medida vale por três anos.
Segundo a ANVISA, há mais de 13 milhões de brasileiros, com diversas doen-
ças, que poderiam se beneficiar desses medicamentos. Em Israel, por exemplo, o
uso medicinal da Cannabis sativa foi aprovado em 1999, beneficiando a vida de
milhares de pessoas que precisam fazer uso contínuo dos medicamentos. No mundo
todo, são mais de 40 países que já regulamentaram o uso medicinal desta planta.
(BRASIL, 2019).
Logo, além do custo muito elevado do medicamento, que deverá ser importado,
outro dilema está na premissa de que na Cannabis sativa há substâncias canabi-
noides que ao serem isoladas e extraídas são capazes de tratar doenças graves e
que não apresentam melhoras com outras medicações, mas também, é uma planta
utilizada na produção da maconha, a droga ilícita mais consumida no mundo.
(WATSON; BENSON; JOY, 2000).
O aumento dessa discussão no país ocorreu porque muitas mães passaram a
entrar na justiça para conseguirem importar medicamentos com CBD para seus
filhos que apresentam a Epilepsia Refratária, doença caracterizada por crises de
convulsão que não são controladas com os medicamentos disponíveis atualmente. No
entanto, não são todas as famílias que conseguem pagar pelo medicamento, porque o
frasco com 30 mililitros (ml) do óleo é vendido nas farmácias por aproximadamente
dois mil e quinhentos reais. (TUCHLINSKI, 2020).
Por causa da polêmica, Tuchlinski (2020) explica que devido às dificuldades
de acesso ao medicamento, decisões judiciais são frequentemente noticiadas pela
mídia. Recentemente, um casal que possui dois filhos com Transtorno do Espectro
Autista (TEA) conquistou na Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) a permissão
para cultivar Cannabis sativa para uso medicinal, após a realização de um curso.
As crianças, com sete e dez anos, não haviam apresentado melhora com os medica-
mentos convencionais e estavam adquirindo o óleo medicinal da Associação Abrace
Esperança. No entanto, a demanda está muito grande e a família não estava rece-
bendo o medicamento regularmente.

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Estudos com as substâncias canabinoides têm sido realizados em casos específicos na


medicina. Pesquisadores do Hospital Sírio Libanês e da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo (DALL’STELLA et al., 2019) usaram cápsulas de CBD
e flores vaporizadas com THC concomitantes ao tratamento convencional a pacientes
com tumores malignos de difícil controle. Um mês após o tratamento, um dos pacientes
apresentou grande melhora e o outro teve uma pseudoprogressão, que foi resolvida em
um curto período. Até o momento da publicação, os autores explicaram que os pacientes
estavam vivos e que tiveram uma melhora significativa na qualidade de vida durante
o tratamento, com disposição para realizarem suas atividades físicas rotineiras.
Como a liberação de medicamentos à base de CBD é recente no Brasil, conside-
ramos este tema como controverso em nosso país e elaboramos, para ser abordada no
Ensino Médio uma proposta didática fundamentada na pedagogia histórico-crítica.
O objetivo com a elaboração da proposta didática é promover a discussão, o senso
crítico, a construção de argumentos, ou seja, a participação efetiva dos estudantes,
enquanto cidadãos, para o desenvolvimento do pensamento autônomo nas decisões
sobre este assunto científico controverso, a Cannabis medicinal.

A pedagogia histórico-crítica como metodologia

Conforme mencionado anteriormente, a Cannabis sativa é uma planta herbá-


cea, cujo principal produto comercializado é a maconha, droga classificada como
ilegal em nosso país. O uso medicinal de uma substância derivada desta planta é
um assunto importante a ser estudado. Acreditamos que a pedagogia histórico-crí-
tica se configura como uma metodologia de pesquisa e de ensino que pode trazer
significativas contribuições para a compreensão desta questão ainda controversa.
O campo da metodologia científica apresenta métodos próprios de investigação,
adequados para cada área do conhecimento e as metodologias de ensino também
possuem métodos próprios para a apropriação do saber. No entanto, tanto a meto-
dologia científica utilizada na investigação, como a metodologia de ensino dependem
dos objetivos a serem alcançados. (WACHOWICZ, 1991).
Assim, tendo como objeto de pesquisa a elaboração e análise de uma proposta
didática sobre o uso medicinal da Cannabis sativa, o procedimento metodológico
escolhido foi a própria pedagogia histórico-crítica. Desenvolvida a partir do método
materialista histórico-dialético, esta proposta pedagógica forneceu os subsídios para

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a escolha dos instrumentos, técnicas e procedimentos de elaboração e análise dos


dados. Tozoni-Reis (2004) explica que optar pelo materialismo histórico dialético
como referencial teórico-metodológico contribui na orientação para a obtenção dos
dados e na fundamentação teórica para a sua análise.
A manifestação dessa concepção na prática escolar se dá de diferentes formas.
Especificamente neste caso, a proposta didática foi elaborada considerando as ca-
racterísticas e as premissas dessa pedagogia, uma vez que ela se configura como
uma abordagem crítica, no sentido em que concebe as condicionantes sociais no
processo de ensino e que a dimensão histórica também integra esse fazer (SAVIANI,
2012), assim como as questões sociocientíficas, originadas do movimento CTSA, que
também consideram esses fatores para o ensino de ciências.
Teixeira (2003) enxerga no Movimento “Ciência, Tecnologia e Sociedade” relações
com a pedagogia histórico-crítica, destacando que se este fosse realmente pratica-
do nas salas de aula, o perfil do ensino de ciências mudaria radicalmente. Essas
duas orientações exigem a concepção de um perfil docente diferenciado, pois traz
novas implicações para os cursos de formação de professores e o desafio de novas
experiências de ensino-aprendizagem na área de ciências, se comprometendo com
uma educação progressista. “É fundamental transformar a educação científica num
processo que permita aos alunos a leitura do mundo e a interpretação/reflexão sobre
os acontecimentos presentes em nossa dura realidade”. (TEIXEIRA, 2003, p. 101).
Pode-se considerar os anos finais da ditadura militar no Brasil, especificamente
o ano de 1979 como o marco na constituição da pedagogia histórico-crítica ou ainda,
pedagogia crítico-social dos conteúdos. Os principais representantes dessa vertente
são: Dermeval Saviani, o próprio elaborador do método; José Carlos Libâneo, atual-
mente professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás e um dos educadores
mais influentes na atualidade; Guiomar Namo de Mello; Newton Duarte; Carlos
Roberto Jamil Cury; João Luiz Gasparin, entre outros. No campo da Avaliação da
Aprendizagem, os trabalhos de Cipriano Carlos Luckesi denotam elementos da
pedagogia histórico-crítica (PHC).
A PHC surge das análises e dos estudos do professor Dermeval Saviani, pautados
no ideário marxista e nas ideias da Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski, basea-
da também na dialética de Marx. No geral, dentro dessa concepção, cabe à escola
a preparação do estudante para o mundo, com suas contradições, de maneira que
é por meio da aquisição dos conteúdos, ou seja, dos conhecimentos historicamente

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construídos e elaborados pelo conjunto de homens, e da socialização, que o homem


pode participar democraticamente e ativamente na sociedade. (LIBÂNEO, 1989).
Cabe à escola então, lidar com o saber sistematizado e não com o saber espontâneo:
“Ora, a opinião, o conhecimento que produz palpites, não justifica a existência da
escola, do mesmo modo, a sabedoria baseada na experiência de vida dispensa e até
mesmo desdenha a experiência escolar, o que inclusive chegou a cristalizar-se em ditos
populares como: “mais vale a prática do que a gramática” e “as crianças aprendem
apesar da escola”. É a exigência de apropriação do conhecimento sistematizado por
parte das novas gerações que torna necessária a existência da escola. A escola existe,
pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber
elaborado (Ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos do saber. As atividades
da escola básica devem se organizar a partir dessa questão”. (SAVIANI, 2012, p. 14).

A PHC parte de uma análise e de uma alternativa às concepções pedagógicas


existentes na época de sua elaboração, que se delinearam ao longo da história. Ela
nasce em um contexto de ditadura, mas se adequa à atualidade brasileira. Essa
concepção se mostra como um campo fértil de pesquisa, uma vez que ela pode ser
um instrumento de melhoria e de conferir um outro sentido à formação científica
que se pretende enquanto mediadores do ensino das ciências.
Gasparin (2009) apropriando-se do trabalho de Saviani, delineou uma “didática”
para a PHC. Os primeiros momentos do ensino giram em torno da prática social
inicial do conteúdo, ou seja, é quando ocorre um primeiro contato com o assunto a
ser estudado. Em seguida, a problematização, que se constitui em desafio, para
que o próprio estudante se sinta estimulado a buscar o conhecimento. A instrumen-
talização se configura como o caminho pelo qual o conhecimento sistematizado é
colocado à disposição dos educandos para que o assimilem e o recriem, de maneira
que a criatividade destes esteja condicionada ao domínio do conhecimento científico,
uma vez que só se inova quando há efetiva incorporação de um saber.
O quarto momento, denominado catarse, consiste na verdadeira apropriação
do saber por parte dos educandos. Neste momento do processo de aprendizagem,
é a síntese que o educando é capaz de fazer em relação ao conteúdo, considerando
os aspectos teóricos, práticos, cotidianos e científicos. Em síntese é a nova postura
mental do estudante face ao conhecimento estudado, é senão, o momento efetivo de
aprendizagem, de apropriação dos conteúdos. (GASPARIN, 2009).
A quinta e última parte diz respeito à prática social final, que corresponde ao
retorno à prática social inicial, porém, com uma nova visão e uma nova perspectiva

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sobre determinada realidade. Desta forma, os sujeitos adquirem uma nova visão de
seu mundo, uma nova forma de pensar e agir em sua comunidade.
Para Aranha (2006, p. 342), “[...] a tarefa da pedagogia histórico-crítica insere-se
na tentativa de reverter o quadro de desorganização que gera uma escola excludente,
com altos índices de analfabetismo, evasão, repetência e, portanto, de seletividade.”
O saber precisa ser apropriado pela classe trabalhadora, que colocará este a serviço
de seus interesses, de maneira que para superar as heranças, é necessário começar
pelo acesso ao saber elaborado. Sobre o ensino pautado no princípio dialético:
“Reforça-se que o ponto de partida é a prática social do aluno, a qual, uma vez considera-
da, torna-se elemento de mobilização para a construção do conhecimento. Tendo o pen-
samento mobilizado, o processo de construção de conhecimento já se iniciou. É preciso
estar atento para que a elaboração da síntese do conhecimento, momento destacado na
metodologia dialética, não fique desconsiderada. Ela possibilita a volta à prática social
já reelaborada, uma vez que o aluno construiu, no pensamento e pelo pensamento, a
evolução do objeto de estudo pretendido”. (ANASTASIOU; ALVES, 2004, p. 74).

Antes de iniciar o trabalho, os alunos devem ser informados de que o conteúdo


será abordado com fundamentação no materialismo histórico, base filosófica de uma
teoria da educação que busca o pensamento crítico com ação social transformadora.
(GASPARIN, 2009).

Proposta didática

A proposta didática aqui apresentada para ser implementada no Ensino Mé-


dio, tem como foco promover conhecimentos e discussões a respeito da questão
sociocientífica sobre o uso medicinal das propriedades da Cannabis sativa. Nossa
proposta também é um meio de reiterar uma das competências da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) para o ensino de ciências da natureza, que explica que
os estudantes devem ser capazes de:
“Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respei-
tar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valoriza-
ção da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas
e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza”. (BRASIL, 2017, p. 10).

A construção de argumentos, a participação em debates e outras atividades que


demonstram o protagonismo e a autonomia do educando, são atividades que contri-
buem para a construção de novas visões de C&T e novas posturas diante a decisões

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importantes na sociedade. Por meio desta proposta didática, os estudantes deverão ser
capazes de compreender que o tema abordado é uma questão sociocientífica complexa,
que envolve fatores científicos, sociais, morais, políticos e religiosos. Além disso, deverão
ser capazes de construir argumentos contra ou a favor da utilização das propriedades
medicinais da planta Cannabis sativa e da plantação e produção em território nacional.
Objetiva-se ainda o estímulo ao senso crítico, à discussão e à participação em
decisões coletivas que afetam a sociedade, a aprendizagem a despeito dos prejuízos e
efeitos nocivos de substâncias psicoativas no sistema nervoso e por fim, a formação
de atitudes de prevenção aos danos à saúde e à vida, a criminalidade e a violência
associada ao uso de drogas.
Os temas controversos ao serem trabalhados em sala de aula, precisam con-
siderar o interesse e a faixa etária dos alunos, e especialmente, precisam incluir
dimensões sociais, culturais, econômicas, políticas, éticas e morais que envolvem
a produção de conhecimento científico (TRIVELATO; SILVA, 2013), conhecimento
que, neste caso, se refere às pesquisas envolvendo a utilização de CBD e THC na
produção de medicamentos. Nesse sentido, a questão sociocientífica abordada
neste trabalho, pode ser descrita da seguinte forma: “Cannabis medicinal: be-
nefícios versus riscos”.

Análise da proposta didática

O número de aulas ou encontros dentro de uma proposta didática é variável,


nesta proposta, o planejamento e a organização das atividades demandam o total de
seis ou sete aulas. Durante as aulas serão necessários recursos como computador,
projetor, aparelho de som, exercícios, quadro, cartazes, microfone e portfólio.
Entre as diferentes possibilidades de avaliação contínua dentro desta propos-
ta, está a adoção dos portfólios como estratégia para acompanhar os registros dos
alunos a respeito das aulas e das discussões realizadas. Pois:
“[...] possibilita o acompanhamento de construção do conhecimento do docente e do
discente durante o próprio processo e não apenas o final deste. Daí sua principal
característica de validação. Ela exige do professor um alto grau de organização, no
sentido de acompanhar as produções/manifestações escritas dos estudantes”. (ANAS-
TASIOU; ALVES, 2004, p. 81).

Os portfólios quando empregados são capazes de oferecer o registro, de modo


contínuo, das percepções e das experiências e leva em consideração as vivências

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dos estudantes fora do ambiente escolar, o que confere sentido à sua aprendizagem.
Desta forma, é possível conectar a escola às práticas sociais dos alunos. Além disso,
o próprio discente, por meio do portfólio torna-se autor de sua própria trajetória,
podendo revisitá-la sempre. O portfólio incentiva a escrita e beneficia todos os ti-
pos de alunos, revelando suas capacidades e potencialidades, o progresso de suas
aprendizagens e a defesa de suas posições ao longo do processo. (VILLAS BOAS,
2005). Por isso, em cada um dos cinco momentos do método, os estudantes serão
incentivados a registrarem suas observações em seus portfólios. As possibilidades
de ações, atividades e estratégias estão apresentadas e serão descritas a seguir.
A questão sociocientífica descrita anteriormente será apresentada aos estudan-
tes logo no início da Prática Social Inicial do Conteúdo. Este momento é muito
importante, porque o professor explica aos estudantes os objetivos da proposta
didática e os conteúdos que serão trabalhados. No entanto, ele vai além dessa apre-
sentação e busca motivar seus alunos, fazendo-lhes perguntas para saber qual é a
prática social imediata que possuem sobre o tema abordado. O quadro 1 sintetiza
e estrutura este primeiro momento da proposta:

Quadro 1: Prática Social Inicial do Conteúdo


Prática Social Inicial do Conteúdo
Questão sociocientífica: “Uso medicinal da maconha: benefícios versus riscos”
- Compreender o conceito de droga e a ação das drogas no sistema nervoso.
Objetivos
- Conhecer as propriedades medicinais da Papaver somniferum (Papoula) e Cannabis sativa.
da Proposta
- Aprofundar o estudo sobre a controvérsia do uso medicinal da Cannabis sativa.
Didática
- Estudar a legislação sobre a liberação de medicamentos à base de canabidiol e as possibili-
dades de sua produção em território nacional.
- Conceito de drogas e sua ação no sistema nervoso (SN).
- Propriedade medicinal de algumas plantas: Papaver somniferum (Papoula) e Cannabis sativa.
Conteúdo
- Uso medicinal da Cannabis sativa.
- Atual legislação brasileira sobre o assunto e em outros países.
Exemplos de respostas que podem surgir, a partir das experiências/vivências dos estudantes
O que os com relação ao tema ou a outras plantas com propriedades medicinais:
estudantes já - Todas as drogas são proibidas.
sabem sobre - Vender droga é crime.
o conteúdo - A maconha acalma e dá fome.
- Muitas plantas medicinais são usadas por familiares.
Exemplos de perguntas que podem surgir:
O que os
- O que a maconha faz no cérebro?
estudantes
- Por que a maconha é proibida e o cigarro e o álcool são liberados?
gostariam de
- Qual é a diferença entre a maconha comum e a medicinal?
saber a mais
- A maconha é pior para a saúde do que o cigarro comum?
Fonte: as autoras.

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Neste momento, o professor deixa os estudantes à vontade para dizerem o que já


sabem, sem interrompê-los e sem corrigi-los quanto a possíveis conceitos errôneos,
para estimular a participação e o diálogo. (GASPARIN, 2009). Promover o debate
com respeito a opiniões diferentes é um dos objetivos da educação com as questões
sociocientíficas, e o uso medicinal da Cannabis é atualmente um assunto científico
controverso. No entanto, o docente irá perceber que o interesse dos estudantes não
ficará restrito apenas ao uso medicinal da maconha, e a discussão poderá ser am-
pliada para a questão da legalização da maconha, além de poder abranger outras
drogas, pois o consumo de substâncias psicoativas como o álcool e o tabaco tem sido
cada vez mais frequente e mais precoce entre os jovens e adolescentes. A BNCC
orienta que é importante
[...] identificar, analisar e discutir vulnerabilidades vinculadas às vivências e aos
desafios contemporâneos aos quais as juventudes estão expostas, considerando os
aspectos físico, psicoemocional e social, a fim de desenvolver e divulgar ações de pre-
venção e de promoção da saúde e do bem-estar. (BRASIL, 2017, p. 557).

Os próprios livros didáticos abordam este tipo de conteúdo, como uma forma de
promover informações sobre o uso de drogas. Todavia, como aponta Teodoro et al.
(2017), essa abordagem ainda é insuficiente e descontextualizada para que se atinja
os objetivos determinados em relação à prevenção do uso e abuso de entorpecentes.
Os livros atuais não adotam mais uma abordagem baseada no medo ao lidar com o
tema drogas psicotrópicas e nem banalizam seu uso. Contudo, a abordagem sobre o
tema drogas é passível de adequações e melhorias, principalmente considerando a
apresentação de informações superficiais e descontextualizadas em relação a outras
questões como saúde, cultura, consumismo, demais aspectos sociais (políticas públi-
cas, violência, mídia) e econômicos (indústria farmacêutica, tráfico etc.) (TEODORO
et al. 2017, p. 39).

Para Saviani (2012), uma das tarefas primordiais de uma pedagogia revolucioná-
ria é a difusão de conteúdos vivos e atualizados, de modo que os estudantes tenham
acesso ao saber elaborado e historicamente construído. Dentro desta perspectiva, o
professor enquanto organizador do processo de ensino-aprendizagem, pode se valer
do tema para promover a apropriação dos conhecimentos científicos a respeito do
funcionamento do sistema nervoso, e, para além disso, promover uma discussão
contextualizada, atual e que faça sentido à prática social dos educandos sobre pre-
juízos do uso e abuso de drogas. “Ao fazer da experiência social concreta dos alunos a
própria trama do trabalho pedagógico, sobre a qual se introduz o conteúdo científico

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das matérias, está-se concebendo o conhecimento como uma atividade inseparável


da prática social”. (LIBÂNEO, 1989, p. 76).
O próximo momento da proposta didático-pedagógica é a problematização,
caracterizado pela transição entre a prática e a teoria, ou seja, entre a realidade
vivenciada pelos estudantes e o conhecimento científico sobre o assunto estudado.
(GASPARIN, 2009). É o início da sistematização do conteúdo e está apresentado
no quadro 2.

Quadro 2: Problematização
Problematização
Discussão sobre os principais problemas sobre a liberação do uso medicinal da maconha em
diferentes dimensões.
O que são drogas e como agem no sistema nervoso? Quais são os prejuízos do uso
de drogas? Quais são os efeitos no organismo de pessoas que fazem uso do óleo
medicinal para aliviar sintomas de doenças degenerativas? Que meios existem para
Científica
a obtenção dos medicamentos à base de Cannabis sativa? Quais são os riscos?
Quem são os responsáveis pelas pesquisas sobre essas substâncias? O que é im-
portante avaliar?
Quais as consequências sociais para as pessoas que fazem uso de drogas? Como
ajudar e obter ajuda? Os efeitos colaterais dos remédios à base de Cannabis podem
causar prejuízos à sociedade como os remédios derivados do ópio? Como diminuir o
Social
número de dependentes químicos? De que forma as famílias e os pacientes podem
ser beneficiados com o uso medicinal de propriedades da Cannabis sativa? Como
desconstruir os preconceitos em relação ao uso medicinal da maconha?
Quanto vai custar o medicamento feito à base de maconha nas farmácias? Como
Econômica garantir que as famílias de baixa renda tenham acesso ao medicamento de maneira
gratuita ou com preço acessível?
Há alguma Lei ou Projeto de Lei que auxilie as famílias mais carentes a obterem o
medicamento? Como a população pode solicitar aos políticos uma legislação que
garanta o acesso do remédio às famílias de baixa renda? Por que novos medica-
Política mentos não poderão ser produzidos em território brasileiro com substâncias canabi-
noides? Quais são os riscos?
Quais seriam as possibilidades e os limites da produção em território nacional? Por
que a maconha é proibida em alguns países e liberada em outros?
Qual é a posição das religiões sobre o uso medicinal da Cannabis no Brasil e em
Religiosa
outros países?
Quais os efeitos psicológicos do uso medicinal da Cannabis para os pacientes e
Psicológica
suas famílias?
Quando foram descobertos os benefícios do medicamento à base de Cannabis? Em
Histórica quais países há esta liberação e há quanto tempo este medicamento está liberado
em cada país?
Fonte: as autoras.

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As grandes questões sociais ganham destaque na problematização, e vêm antes


da estrutura dos conteúdos, pois são questões fundamentadas na prática social dos
estudantes e professores, não individualmente, mas enquanto sujeitos históricos,
situados em um determinado tempo e lugar. (GASPARIN, 2009). Este momento do
método está de acordo com as ideias de Sadler (2004). Este autor explica que as ques-
tões sociocientíficas envolvem o raciocínio informal, ou seja, uma forma de pensar
não institucionalizada, dado que os dilemas sociais ligados às tecnologias científicas
compreendem valores culturais, morais, éticos, sociais e até mesmo religiosos.
“Articular a cultura social acumulada com as condições socioculturais dos alunos e
da classe social a que pertencem, permitindo sua reelaboração crítica, leva a uma
correspondência conteúdos-métodos, de tal forma que a validade de um método
decorre de sua eficácia em garantir o encontro do aluno com as matérias de ensino”.
(LIBÂNEO, 1989, p. 71-72).

Na problematização, é interessante que os estudantes contribuam com os conhe-


cimentos que já incorporaram a respeito do tema da aula, e que percebam que este
momento é a oportunidade de questionar o que está posto, questionar a realidade,
colocar em dúvida as certezas. (GASPARIN, 2009). É o início do desenvolvimento
da consciência crítica.
É importante que se delimite, considerando o risco de interpretações errôneas,
que não há nesta proposta qualquer incentivo ao uso de quaisquer substâncias lícitas
ou ilícitas que causem danos à saúde da população. Ao contrário disso, enquanto
docente é preciso esclarecer que determinadas espécies de plantas contêm proprie-
dades medicinais que são empregadas no tratamento de várias doenças. Tais plantas
também fazem parte da prática social dos alunos, seja através de informações da
própria internet ou oriundas da sabedoria popular.
Na Instrumentalização, o conteúdo sistematizado historicamente é coloca-
do à disposição da turma, por meio de uma relação triádica estabelecida entre os
estudantes, o conteúdo e o professor. Nenhum destes elementos é neutro, porque
são condicionados por fatores políticos, culturais, históricos, objetivos, subjetivos,
econômicos, entre outros. (GASPARIN, 2009). O quadro 3 apresenta as ações e os
recursos a serem utilizados.

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Quadro 3: Instrumentalização
Instrumentalização
Leitura da Legislação, exposição dialogada do professor, palestra 1: “Canabinoides
Ações medicinais, epilepsia, autismo e câncer: perspectivas e esperanças” e palestra 2: “Pre-
discentes e venção ao uso de drogas: um compromisso com a saúde e o bem-estar”, pesquisa dos
docentes alunos sobre a legislação em outros países sobre o tema e sobre o posicionamento de
algumas religiões, discussão sobre os resultados da pesquisa, debate a favor ou contra
o uso de medicamentos à base da Cannabis, roda de conversa.
Recursos
materiais e Palestrantes, professor, alunos, revistas, jornais, sites, Legislação, livros.
humanos
Fonte: as autoras.

A busca de informações complementares em noticiários, em sites especializados,


nas redes sociais e em documentários são fundamentais para o desenvolvimento
da proposta. O trabalho interdisciplinar demandado com o estudo de questões
sociocientíficas faz com que o docente busque diversas fontes de conhecimento e,
provavelmente serão encontrados diferentes posicionamentos de cientistas e da
sociedade, pois as informações encontradas podem ser conflituosas ou incompletas.
(RATCLIFE, GRACE, 2003).
Relacionar o conteúdo com o cotidiano proporciona aos estudantes maior faci-
lidade para elaborarem os conceitos científicos. Gasparin (2009) explica que este
suporte teórico tem como concepção epistemológica a Teoria Histórico-cultural. É um
processo relevante porque os conteúdos que o professor explica não são transmitidos
diretamente para a mente dos estudantes. No entanto, quando os estudantes bus-
cam estabelecer relações entre o cotidiano e os conteúdos, esse esforço em formular
explicações, comparações e análises, os auxilia a migrarem da síncrese para uma
nova síntese mais elaborada, operação fundamental da Catarse.
Didaticamente, a Instrumentalização e a Catarse estão separadas, mas é difícil
determinar onde termina uma operação mental e começa a outra. (GASPARIN, 2009).
No quadro 4, referente ao próximo momento da proposta didática, o estudante é
estimulado a mostrar a sua aprendizagem.

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Quadro 4: Catarse
Catarse

Síntese mental do -Registrar informações relevantes, escrever os principais argumentos utilizados nos deba-
estudante e sua tes e construir os próprios argumentos para a elaboração de uma dramatização.
apropriação do co- - Retomada da questão sociocientífica como orientação para a produção de uma carta di-
nhecimento recionada à sociedade, tendo como base os conhecimentos e argumentos aprendidos, re-
lacionando-os às dimensões científica, social, política, econômica, histórica, entre outras.
Fonte: as autoras.

Aprender ciências exige motivação e participação ativa no processo de aprendi-


zagem. Vivenciar, ainda que em situações simuladas, os dilemas da ciência pode ser
um caminho para a compreensão da complexidade e das controvérsias científicas,
e propicia que os estudantes mobilizem os conhecimentos que foram construídos e
reconstruídos. Neste momento, pode-se lançar mão, a depender dos objetivos pre-
tendidos, da dramatização.
A dramatização é uma estratégia em que os estudantes mobilizarão as capa-
cidades de decisão, interpretação, crítica e imaginação. (ANASTASIOU; ALVES,
2004). Os alunos poderão representar personagens envolvidos na discussão do tema,
como por exemplo, cientistas e médicos; pai e/ou mãe de baixa renda com filhos
com Síndrome de Dravet; Adulto com fibromialgia ou Alzheimer; Padre; Pastor;
Deputado que votará ou não pela aprovação de um projeto de Lei, representante de
uma ONG que defenda a causa e um jornalista. O professor organizará e mediará
o desenvolvimento da atividade em sala de aula.
No trabalho com as questões sociocientíficas, a dramatização pode auxiliar os
estudantes a compreenderem que o desenvolvimento científico não ocorre de ma-
neira independente da sociedade, na qual ele surge. E cada ator social terá a sua
opinião baseada em valores pessoais e éticos, cada cidadão ou grupo de cidadãos
poderá lidar de maneira diferente sobre um mesmo assunto científico controverso.
Sobre a dramatização:
“É uma estratégia que tem várias finalidades. Possibilita o desenvolvimento da
‘empatia’, isto é, a capacidade de os estudantes se colocarem imaginariamente em
um papel que não seja o seu próprio. Traz à sala de aula um pedaço de realidade so-
cial, de forma viva e espontânea, para ser observada e analisada pelos estudantes”.
(ANASTASIOU; ALVES, 2004, p. 89).

De acordo com Foreman (2010), além de romper com as rotinas de sala de aula,
a dramatização pode gerar diversão e interesse verdadeiro, podendo ser considerada

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com um meio natural de aprender. Para o autor é importante que a dramatização


seja incorporada de maneira regular no ensino de ciências, para que os alunos se
habituem e tirem maior proveito dessa estratégia. Esse recurso facilita a aprendiza-
gem, inclusive de conceitos abstratos que fazem parte dessa área de conhecimento.
“Isso quer dizer que a aprendizagem somente é significativa a partir do momento
em que os educandos introjetam, incorporam ou, em outras palavras, apropriam-se
do objeto do conhecimento em suas múltiplas determinações e relações, recriando-o
e tornando-o “seu”, realizando ao mesmo tempo a continuidade e a ruptura entre o
conhecimento cotidiano e o científico”. (GASPARIN, 2009, p. 50).

Segundo Gasparin (2009, p. 107), as dramatizações “[...] desafiam o educando


a buscar soluções para problemas, analisar variáveis que afetam uma situação,
preparando-o para enfrentar situações reais”. Essa preparação é justamente um
dos diversos objetivos que se pretende com a utilização de questões controversas
na educação em ciências.
Considerando a multiplicidade de recursos que podem ser empregados nas
aulas de ciências, sobretudo para trabalhar as questões sociocientíficas, “[...] os
professores devem usar uma variedade de abordagens diferentes em seu trabalho,
para atender a variedade de estilos de aprendizagem dos alunos”. (FOREMAN, 2010,
p. 141). Em consonância a essa variedade, outro momento dedicado à Catarse seria
a elaboração de cartas pelos estudantes. A escrita das cartas terá como orientação
a questão sociocientífica apresentada na Prática Social Inicial: “Uso medicinal da
maconha: benefícios versus riscos”.
Nesta fase de formulação de ideias, de síntese e organização de informações,
de mobilização de vivências, os estudantes ao elaborar uma carta que pode ser
destinada à deputados, à comunidade, aos familiares e demais atores envolvidos na
questão, sintetizam as aprendizagens que desenvolveram e construíram até aqui,
fazendo um novo uso social dos conhecimentos científicos, momento que corresponde
à Prática Social Final do Conteúdo.
No retorno à Prática Social, estudantes e docente passam a ter maior com-
preensão científica sobre o conteúdo estudado. No entanto, não basta apenas uma
aprendizagem teórica, pois o processo pedagógico na perspectiva histórico-crítica é
realizado segundo uma determinada posição política, que significa uma nova forma
de agir, com compromisso social perante o assunto estudado. (GASPARIN, 2009).
O quadro 5 apresenta as possíveis intenções dos estudantes e propostas de ação.

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Quadro 5: Prática Social Final do Conteúdo


Prática Social Final do Conteúdo a partir da análise dos registros nos portfólios
Neste momento, é espe- -Participar de mais discussões sobre o assunto para melhorar os argumentos.
rado que os estudantes -Buscar estratégias a fim de disseminar o conhecimento científico para diminuir
registrem suas futuras in- os preconceitos.
tenções quanto ao tema -Aprofundar os conhecimentos sobre o medicamento estudado e seus efeitos
estudado e suas possíveis no organismo.
ações práticas. Alguns -Buscar mais informações sobre pessoas doentes que usam o medicamento
possíveis registros que es- à base da Cannabis sativa e aquelas que precisam usar, mas que não conse-
peramos encontrar: guem por diversos motivos, inclusive políticos e econômicos.
Fonte: as autoras.

Neste último momento da proposta, o professor não deve forçar um consenso


entre os estudantes sobre a questão sociocientífica estudada. (RUDDUCK, 1986).
O mais importante é que as diferentes opiniões sejam contempladas (SADLER,
2004; SANTOS; MORTIMER, 2009), e que haja compreensão de que as relações
entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente devem ser encaradas de maneira
autônoma, crítica e responsável. (REIS, 2004; REIS; GALVÃO, 2005).
As possíveis alternativas para o encaminhamento da questão sociocientífica for-
mulada deve estimular a imaginação e a criatividade dos estudantes, que precisam
ter liberdade para analisarem, questionarem e decidirem suas próprias conclusões
(PEDRETTI, 1997), com base nos argumentos que construíram.
No início da elaboração da proposta, não tínhamos claro as semelhanças e
diferenças que encontramos entre a educação na perspectiva das QSC e a metodo-
logia proposta pela PHC. Apenas ao final das análises foi possível identificá-las e
organizá-las. Estão apresentadas no quadro 6.

Quadro 6: Semelhanças e diferenças entre QSC e PHC


Pressupostos da QSC e PHC
-Análise crítica da sociedade, com vistas à transformação para um mundo mais justo.
-Valorização do conhecimento historicamente produzido.
-Formação política para a cidadania.
-Trabalho interdisciplinar, com consideração a diversos aspectos relacionados ao tema estudado.
Semelhanças
-Busca de informações por diversas fontes.
-Valorização da participação dos estudantes.
-Estímulo ao desenvolvimento da capacidade de argumentação.
-Promoção da diversidade de opiniões.
QSC PHC
-Surgiu a partir do movimento CTSA. -Tem origem no materialismo histórico-dialético.
Diferenças -É trabalhada no ensino de ciências. -É trabalhada em todas as disciplinas escolares.
-As QSC são elaboradas a partir de as- -A PHC valoriza os assuntos sociais relevantes.
suntos científicos controversos.
Fonte: as autoras.

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Portanto, percebemos que apesar das diferenças, as semelhanças entre as duas


propostas apresentam a possibilidade de um trabalho pedagógico no ensino de
ciências, de colaboração, de parceria, apesar das diferenças que existem. O método
proposto pela PHC contribuiu significativamente para a construção de uma inter-
venção didática que consideramos enriquecedora para o docente poder trabalhar a
controvérsia acerca da Cannabis medicinal em nosso país.
Perante a situação atual, é preciso fazer a distinção entre questionar as propostas
científicas e negar as propostas científicas. A primeira está em consonância com os
objetivos da educação na perspectiva das QSC, pois entende-se que desta forma a
ciência não é neutra, que as ‘descobertas” são provisórias, que não cabe a essa área
de conhecimento a resolução de todos os problemas mundiais.
Dentro desta perspectiva, os estudantes compreendem a natureza da ciência e
sua complexidade, mas entendem que diante de tantas respostas, a que se submete
ao método científico é a mais fundamentada. A visão negacionista da ciência, ou
melhor, “cegueira” negacionista da ciência, nada mais é do que um retrocesso, um
desserviço aos avanços já alcançados.

Considerações finais

Muitos caminhos já foram apontados para a melhoria do ensino de ciências e


várias são as alternativas que os professores e as escolas têm em mãos para dar
início a uma transformação no processo de ensino-aprendizagem. Dentre esses
vários caminhos, o trabalho com as QSC ao ser incorporado ao cotidiano escolar,
promove, sobretudo uma formação crítica e emancipadora dos estudantes frente
a questões que envolvem C&T. É dar aos discentes a oportunidade de se mostrar
enquanto cidadãos, que participam, argumentam e decidem. É não mais silenciar
a população diante da tomada de decisão.
Os assuntos controversos que o desenvolvimento científico e tecnológico traz
para a sociedade podem ser abordados no ensino de ciências por meio do trabalho
com a educação na perspectiva das QSC. E para a elaboração de uma proposta di-
dática sobre a polêmica que envolve o uso das propriedades medicinais da Cannabis
sativa, escolhemos como metodologia a PHC, pois ambas defendem uma educação
crítica, que privilegia a participação dos estudantes. A proposta foi elaborada para o
Ensino Médio, mas pode ser adaptada para a Educação de Jovens e Adultos (EJA),
bem como para a formação inicial e continuada de professores.

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Ao relacionar as QSC com a PHC, o que se percebe é a estreita correlação de


concepções, que permite um trabalho coerente e fundamentado. A proposta didática
não só pode como deve ser adaptada à realidade de cada professor que se dispor
a discutir o tema controverso. Vale lembrar ainda que: “Neste contexto, qualquer
tentativa de alteração da mentalidade dos alunos só será possível através de uma
alteração da mentalidade dos professores, que se reflicta numa mudança das práticas
e do papel do professor na sala de aula”. (REIS, 1999, p. 110). De nada adiantará se
propor a realizar qualquer atividade, se antes o professor não revisitar a si mesmo,
num movimento contínuo de aprendizagens e ensinos.
Não conhecemos todo o alcance dos medicamentos que podem ser produzidos
a partir da Cannabis sativa, por isso defendemos a importância da valorização de
pesquisas científicas acerca dos possíveis benefícios que a sociedade pode obter
com esta planta. Pessoas com crises convulsivas severas, câncer, Alzheimer, entre
outras doenças, precisam de resultados confiáveis com urgência. No entanto, al-
guns trabalhos científicos (BONINI et al. 2018; RIBEIRO, 2018; ALSHERBINY; LI,
2019) já foram publicados e a sociedade está se mobilizando na busca por melhorar
a qualidade de vida, lutando contra seus próprios preconceitos.

Socio-scientific issue about the medicinal use of Cannabis


sativa: a didactic proposal according to the historical-critical
pedagogy

Abstract

This paper study the socio-scientific issue (SSI) on the medicinal use of Cannabis sativa and
aims to present and discuss a didactic proposal elaborated according to the historical-critical
pedagogy (PHC), to be implemented in High School. Based on historical materialism, this pe-
dagogy also provided the tools, techniques and procedures for the elaboration and analysis of
data. The similarities and similarities that exist between SSI and PHC were discussed from the
analysis of the proposal. The results demonstrated the importance of science education that
innovates when discussing controversial scientific issues that are present in society, considering
historical, cultural, economic, political, scientific, religious aspects, among others. Encouraging
student participation is essential in the development of argumentation and autonomy.

Keywords: Cannabis sativa, socio-scientific issue, historical-critical pedagogy.

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52, 2000. DOI: https://doi.org/10.1001/archpsyc.57.6.547

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Fabiana Gomes Guntzel, Franciele Braz de Oliveira Coelho

Sequência didática para o ensino inclusivo


de estudantes com deficiência visual:
abordagem do tema abelhas
Fabiana Gomes Guntzel*, Franciele Braz de Oliveira Coelho**

Resumo
A inclusão no âmbito escolar descende de muitos estudos e práticas que assegurem o direito
dos estudantes de construírem seus conhecimentos juntos. Para que esse direito seja garanti-
do, a escola deve oportunizar meios didático-pedagógicos para esse processo inclusivo acon-
tecer, buscando valorizar a heterogeneidade, tratando a todos com o princípio da equidade.
Este trabalho relata uma pesquisa desenvolvida em um curso de Ciências da Natureza Licen-
ciatura, a qual objetivou investigar a pertinência da aplicação de uma sequência didática sobre
a temática abelhas, no componente curricular de Ciências na Educação Básica. A metodologia
se caracterizou, quanto à abordagem, como qualitativa; quanto aos objetivos, exploratória e,
quanto aos procedimentos, como intervenção pedagógica. Teve como lócus uma escola da rede
pública municipal e o sujeito uma estudante com deficiência visual matriculada no sétimo ano da
escola. Os dados foram analisados segundo a metodologia de Linguagem de Descrição (BER-
NSTEIN, 2000). A pesquisa foi desenvolvida em quatro etapas, para melhor elucidação sobre o
contexto pesquisado. Como resultados, o estudo apresentou que a inclusão de estudantes com
deficiência visual no contexto escolar é uma realidade possível e o uso de materiais e recursos
adequados, elaborados a partir dos interesses, necessidades, potencialidades e da realidade
dos sujeitos, facilitam a interação em sala de aula, propiciando seu desenvolvimento pessoal por
meio do estímulo na busca pela construção do conhecimento.

Palavras-chave: Ensino de Ciências da Natureza; Aprendizagem significativa; Inclusão escolar.

* Licenciada em Ciências da Natureza pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa) – Campus Dom Pedrito.
Mestranda do PPG em Ensino de Ciências da Unipampa – Campus Bagé, Brasil. E-mail: [email protected].
** Doutora em Ensino de Ciências pela Universidade Franciscana (UFN). Professora Adjunta da Universidade
Federal do Pampa (Unipampa) – Campus Dom Pedrito, Brasil. E-mail: [email protected].

Recebido em: 28/05/2020; Aceito em: 29/01/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11099
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

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Sequência didática para o ensino inclusivo de estudantes com deficiência visual: abordagem do tema abelhas

Introdução

A Educação é um direito garantido pela Constituição a todos e a qualquer ser


humano, cujo princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todos os estudan-
tes devem aprender juntos, sempre que possível, independentemente de quaisquer
dificuldades ou diferenças que possam ter. Assim, a inclusão se torna um desafio
nos processos de ensino e aprendizagem nas salas de aulas regulares, não apenas
aos estudantes incluídos, mas também aos professores que, muitas vezes, não se
sentem preparados para uma efetiva inclusão no processo educacional.
Sobre o conceito de inclusão, Mantoan (2005, p. 24) a define como “[...] a nossa
capacidade de entender e reconhecer o outro e assim, ter o privilégio de conviver e
compartilhar com pessoas diferentes de nós”. No que se refere às práticas sociais,
a sociedade, em suas diferentes culturas, atravessou diversas fases, como relata
Sassaki (2010, p. 16), começando pela exclusão social de pessoas que, por suas “[...]
condições atípicas não pertenciam à maioria da população”. Desenvolveu-se nesse
contexto o atendimento segregado dentro de instituições, passando à prática da
integração social e, recentemente, a sociedade adota a filosofia da inclusão social
para modificar os sistemas sociais gerais. Nesse âmbito, cabe destacar a necessidade
de “[...] modificação da sociedade como pré-requisito para qualquer pessoa buscar
e exercer a cidadania” (SASSAKI, 2010, p. 42).
A área de Ciências da Natureza carece de pesquisas que contemplem o ensino
inclusivo a estudantes com deficiência visual (DV). Em análise realizada nas atas
do Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), evento de
grande porte e de relevância para a área, verificou-se que, em suas 12 edições, período
de 1997 a 2019, apesar do expressivo número de publicações, sobre a temática, a
primeira publicação ocorreu no evento apenas no ano de 2001, em um montante de
233 publicações da edição. Nas edições seguintes, verifica-se pelo menos um trabalho
com foco na DV, número ainda pouco expressivo diante das dimensões do evento.
Tendo em vista a importância do processo inclusivo, o presente estudo contemplou o
tema inclusão envolvendo estudantes com DV e a importância do professor de Ciências
da Natureza frente a essa temática. Sabe-se que os fundamentos teóricos metodológi-
cos da inclusão escolar estão centrados em uma concepção de Educação de qualidade
para todos, destacando o respeito à diversidade dos educandos e a importância da
preparação de profissionais e educadores ao atendimento das pessoas com deficiência.

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Considerando o processo inclusivo de estudantes com deficiência visual na Edu-


cação Básica, a proposta deste estudo visou investigar a pertinência da aplicação de
uma sequência didática (SD) sobre a temática abelha, no componente curricular de
Ciências na Educação Básica. As atividades que fazem parte da SD são organizadas
de maneira a aprofundar o tema que está sendo estudado e são variadas em ter-
mos de estratégia: leituras, aula dialogada, simulações, jogos didáticos, atividades
práticas experimentais, etc. (ZABALA, 1998).
A temática sobre abelhas com enfoque na produção de mel foi escolhida para
a confecção da SD, uma vez que o Estado do Rio Grande do Sul, local de desenvol-
vimento da pesquisa, é o principal produtor de mel do país1 e o município de sua
aplicação tem relevante número de apicultores, favorecendo o entendimento sobre
o assunto e despertando o interesse dos estudantes.
A partir do exposto, emergiu o seguinte problema de pesquisa: De que forma
a proposição de uma sequência didática acessível para estudantes com deficiência
visual contribui para a apropriação dos conceitos científicos relacionados a animais
invertebrados – classe insecta?
Cabe ressaltar a importância da diversificação de atividades e recursos didáticos
no processo de inclusão escolar,
[...] é diversificando as atividades, trabalhando conteúdos e utilizando recursos
alternativos que se consegue a participação ativa do aluno no processo ensino-apren-
dizagem e, consequentemente, o seu crescimento pessoal, de forma que possa aplicar
e utilizar os conhecimentos adquiridos na prática social (POLICARPO, 2008, p. 08).

São de fundamental importância a utilização de metodologias e recursos espe-


cíficos nos processos de ensino e aprendizagem os quais favoreçam uma aprendiza-
gem ativa em algum grau, exigindo do estudante e do professor formas diferentes
de movimentação interna e externa (MORAN, 2015). É nesse contexto que se faz
necessário empregar metodologias adaptadas no processo educacional inclusivo, de
modo a suprir as inúmeras barreiras existentes no ensino e na aprendizagem de
Ciências da Natureza.
Atualmente, o ensino de Ciências da Natureza, a partir da Base Nacional Co-
mum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017) está estruturado em eixos temáticos que
organizam seus conteúdos no decorrer do Ensino Fundamental. Com o objetivo de
proporcionar aos estudantes o contato com processos, práticas e procedimentos de
modo a intervir na sociedade, a BNCC traz inúmeros desafios, incluindo a investi-

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gação nos processos de ensino e aprendizagem e o desenvolvimento do letramento


científico, que envolve a capacidade de compreender e interpretar o mundo (natural,
social e tecnológico), mas também de transformá-lo com base nos aportes teóricos e
processuais das ciências (BRASIL, 2017).
Apreender Ciências, de acordo com esse documento, não é a finalidade última do
letramento científico, mas o desenvolvimento da capacidade de atuação do estudante
no e sobre o mundo. É importante destacar o papel do professor como mediador nas
ações investigativas de modo a “[...] fortalecer a autonomia dos estudantes, oferecen-
do-lhes condições e ferramentas para acessar e interagir criticamente com diferentes
conhecimentos e fontes de informação” (BRASIL, 2017, p. 60).
Nesse contexto, os recursos didáticos acessíveis e recursos de tecnologias
assistivas assumem fundamental importância na educação de estudantes cegos,
oportunizando o acesso à aprendizagem de conceitos científicos.

Materiais didáticos e tecnologias assistivas no ensino de


estudantes com deficiência visual

Muitas terminologias são utilizadas como sinônimos da tecnologia assistiva


(TA), dentre elas: ajudas técnicas, tecnologias de apoio, tecnologia adaptativa e
adaptações (LAVORATO, 2014). Para Mól (2019, p. 133), o conceito de TA “[...] diz
respeito a uma ampla gama de produtos e serviços, pois no senso comum estaria
ligada a equipamentos digitais, softwares e informática”. O autor destaca ainda que
a TA vai além desse conceito, estando presente em simples adaptações como um
lápis mais grosso, material em relevo, dentre outros.
A TA, para um estudante cego, é o que supre suas deficiências específicas de-
correntes da ausência da visão, proporcionando-lhe autonomia no desempenho de
atividades diárias (GALVÃO FILHO, 2013). O termo TA é uma expressão que se
refere a um conceito ainda em processo de construção, cuja utilização de recursos
se reporta aos primórdios da história da humanidade.
No Ensino de Ciências da Natureza, o uso desses recursos possibilita a habilidade
de desenvolver materiais que empreguem uma didática multissensorial, utilizando
outros sentidos do corpo humano como meio de veiculação da informação, como o
tato e a audição, de forma individual ou mista (CAMARGO, 2012). Sendo o Ensino
de Ciências da Natureza baseado grande parte em conceitos representados visual-

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mente por meio de equações e/ou experimentos, o professor deve utilizar recursos
acessíveis que promovam a aprendizagem dos alunos com DV.
[...] é incompreensível que os estudantes com deficiência visual tenham grandes
dificuldades com a sistemática do ensino atual visto que o mesmo invariavelmente
fundamenta-se em referenciais funcionais visuais (CAMARGO; SILVA, 2003, p.1218).

No contexto de inclusão social visando à autonomia, independência e qualidade


de vida surge a necessidade de utilização de materiais e recursos didáticos que fa-
voreçam a aprendizagem do estudante com deficiência. Há inúmeras possibilidades
de utilizar materiais simples e de baixo custo para a mediação dos processos de
ensino e aprendizagem, os quais devem ser explorados à abordagem de conceitos.
Ao utilizar um recurso de TA em sala de aula, o professor deve considerar o im-
pacto dessa provisão da TA às reais necessidades dos estudantes com deficiência
visual, a avaliação funcional dos recursos utilizados se faz necessária para que a
aprendizagem aconteça.

O contexto para uma aprendizagem significativa

Diante da complexidade do processo de inclusão escolar envolvendo desde a


legislação, o Ensino de Ciências da Natureza para pessoas com deficiência visual,
a formação de professores, a disponibilidade de recursos de TA, é importante a dis-
cussão acerca da aprendizagem de um estudante com DV. No contexto da sala de
aula em meio a tantas diferenças, o professor será o mediador do processo e todos
devem ser incluídos em seu planejamento evitando assim, o desconforto que um
estudante com deficiência enfrenta diante da escolarização.
De acordo com Galery (2017, p.14), “[...] aprender é parte da condição humana
é seu órgão de sobrevivência”. Na qual essa condição de aprender para sobreviver
demande de uma relação afetiva com o outro conduzindo aos desafios da vida por
meio de laços sociais. Para que a aprendizagem significativa ocorra, é preciso haver
um processo de modificação do conhecimento, reconhecendo a importância que os
processos mentais têm nesse desenvolvimento.
Destacando a importância da mediação do professor nos processos de ensino
e aprendizagem, possibilitando ao estudante com DV reorganizar os conceitos já
existentes com os conceitos mediados em sala de aula até a assimilação deles,
torna-se importante as contribuições de Vygotsky e a influência de seus conceitos

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no processo inclusivo. Para Vygotsky (2007), a relação do homem com o ambiente


em que vive não é realizada de maneira direta, mas caracterizada pela presença
de um mediador. Dessa forma, Vygotsky (2007) destaca que a mediação estabelece
as relações do homem com o mundo e elas vão se constituindo ao longo da vida. O
autor destaca a importância de pessoas com DV no contexto escolar, pois, ao esta-
belecer relações com estudantes videntes, haveria a mediação de suas relações com
o ambiente em que está incluído (VYGOTSKY, 2001).

Abordagem metodológica

Quanto à natureza da pesquisa, este estudo se caracterizou como qualitativo,


pois, segundo Triviños (1987), essa abordagem trabalha os dados buscando seu
significado, tendo como base a percepção do fenômeno dentro do seu contexto. Em
relação aos objetivos propostos, a pesquisa foi exploratória, sendo que estudos com
este viés têm como objetivo principal desenvolver, esclarecer e modificar conceitos
e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses
pesquisáveis para estudos posteriores (GIL, 1999). Quanto à escolha do objeto
de estudo, classifica-se como intervenção pedagógica. Conforme Gil (2002), essas
pesquisas têm por objetivo ampliar os conhecimentos, preocupando-se com seus
possíveis benefícios práticos. No estudo em questão, buscou-se analisar o contexto
da inclusão na escola por meio do uso de sequência didática no Ensino de Ciências
da Natureza, de forma que esse cenário fosse investigado em sua totalidade.
A pesquisa foi aplicada em uma turma com uma estudante com deficiência visual
incluída no sétimo ano do Ensino Fundamental, em uma escola pública municipal per-
tencente à zona urbana, de um município localizado na região da Campanha Gaúcha.
A pesquisa fez uso de observações como coleta de dados para conseguir informações
sobre determinados aspectos da realidade, ajudando a pesquisadora a “[...] identificar
e obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os indivíduos não têm consciência,
mas que orientam seu comportamento” (LAKATOS; MARCONI, 1996, p. 79).
A escola participante da pesquisa é uma instituição nucleada do município,
recebendo estudantes tanto da zona urbana como rural, desde a Educação Infantil
até o nono ano do Ensino Fundamental, totalizando 190 estudantes matriculados
na instituição. A escola tem uma profissional especialista que atende na sala de
recursos multifuncionais para atendimento educacional especializado (AEE).

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Etapas de desenvolvimento da pesquisa

Este estudo foi desenvolvido em quatro etapas, descritas e apresentadas na


Figura 1:

Figura 1: Etapas do desenvolvimento da pesquisa.

Fonte: Autoras (2019).

De acordo com a análise realizada nas escolas municipais participantes da pesquisa,


apenas uma apresentava uma estudante com baixa visão incluída nos anos finais do
Ensino Fundamental, enquadrando-se nos objetivos propostos à realização da pesquisa.
No estudo foram utilizados os seguintes instrumentos de coleta de dados: diário de
campo, observações e questionários. O questionário foi aplicado à professora de Ciências
que tem uma estudante com baixa visão incluída no sétimo ano; à professora especia-
lista responsável pelo atendimento na sala de atendimento educacional especializado
(AEE) e à estudante com baixa visão participante da pesquisa. A todos os participantes
da pesquisa foi solicitada a assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido e
seus nomes não foram divulgados, a fim de resguardar suas identidades. Na etapa de
aplicação da sequência didática para a turma da estudante incluída, também foram
utilizados como instrumentos a observação e o diário de campo.
A metodologia para análise dos dados foi a da Linguagem de Descrição (BER-
NSTEIN, 2000). O autor destaca dois tipos de linguagem: a linguagem de descri-

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ção interna, que compreende a teoria (ou conjunto de teorias) e seus conceitos e a
linguagem de descrição externa, representada pelos modelos gerados a partir da
linguagem de descrição interna. A seguir, tem-se a representação em diagrama da
metodologia de Bernstein utilizada para a análise dos dados.

Figura 2: Metodologia de Linguagem de descrição para análise dos dados.

Fonte: Adaptado de Bernstein (2000).

Segundo Bernstein (2000), esta metodologia visa favorecer uma relação dialética
entre os conceitos constituídos por uma teoria (linguagem de descrição interna) e
os dados empíricos a serem analisados (linguagem de descrição externa). A partir
de mudanças originadas pelos dados empíricos, a linguagem de descrição externa
conduz a mudanças na linguagem de descrição interna.

Metodologia de trabalho: sequência didática

A sequência didática (SD) foi elaborada abordando conteúdos referentes a


diferentes áreas do conhecimento como: Química, Física, Biologia, Matemática e
Língua Portuguesa, fugindo da fragmentação dos conteúdos e permitindo ao pro-
fessor desenvolver conceitos científicos de um modo dinâmico, tornando as aulas
de Ciências mais atraentes e significativas. A SD parte de uma introdução sobre
a atividade de apicultura e a produção de mel no município pesquisado, logo, são

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discutidos os conceitos sobre a sociedade dessa espécie na colmeia para a produção


de mel, destacando as características morfológicas das abelhas e as características
do favo de mel. São abordados também conceitos referentes ao processo de polini-
zação destacando a importância da espécie para o meio ambiente, bem como o risco
de extinção dela devido ao uso de agrotóxicos.
Diferentes materiais didáticos foram utilizados para a abordagem dos conceitos:
álbum seriado, jogo didático e maquetes táteis. Para que o material fosse acessível
a todos os estudantes, a letra foi ampliada em fonte arial tamanho 24, conforme
orientações da professora especialista da sala de atendimento educacional espe-
cializado (AEE) da escola participante da pesquisa. O material se torna acessível
também a estudantes cegos, embora não tivesse esse público incluído no contexto da
pesquisa, sendo essencial adaptá-lo a essa necessidade. O álbum seriado tem fonte
ampliada e escrita em braile, as imagens também são ampliadas e com diferentes
texturas para que todos os estudantes tenham acesso ao mesmo material didático.

Figura 3: Capa do álbum seriado adaptado e de página interior mostrando o favo de mel com texturas

Fonte: Autoras (2019).

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O jogo associação das abelhas (Figura 4) tem o objetivo de relacionar fichas com
as características das abelhas: operária, rainha e zangão e suas funções na colmeia.

Figura 4: Jogo Associação das Abelhas.

Fonte: Autoras (2019).

Os conceitos referentes à morfologia foram abordados por meio de associação


das partes que constituem o corpo das abelhas em maquete tátil da imagem da
abelha, ampliada e com diferentes texturas (Figura 5). As fichas apresentam fonte
ampliada e também a escrita em braile.

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Figura 5: Maquete tátil para associação das partes morfológicas das abelhas.

Fonte: Autoras (2019).

Para identificar os principais produtores nacionais de mel, foi utilizado um


mapa tátil, confeccionado em diferentes texturas (Figura 6).

Figura 6: Mapa tátil.

Fonte: Autoras (2019)

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O jogo caminho das abelhas, presente na SD, tem como objetivo identificar
conceitos fundamentais referentes à organização social das abelhas, à polinização
e à produção de mel e ao impacto por meio do uso de agrotóxicos e desmatamento,
ocasionando a diminuição de indivíduos dessa espécie. Os materiais utilizados para
a realização do jogo são um tabuleiro ampliado e adaptado em braile, com textura
demarcando o espaço das “casas”, dado com números ampliados e escrita numéri-
ca em braile, dois pinus com diferentes texturas e questões com fonte ampliada e
escrita em braile, conforme Figura 7.

Figura 7: Jogo Caminho das Abelhas

Fonte: Autoras (2019).

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A sequência didática foi adaptada para estudantes com deficiência visual (baixa
visão ou cegueira), e foi aplicada em uma turma de sétimo ano do Ensino Funda-
mental da rede municipal de ensino, que continha uma estudante com baixa visão.
Os materiais que compõem a SD foram utilizados por todos os estudantes da turma,
mostrando a importância do uso de diferentes materiais que possibilitem o processo
de inclusão em sala de aula.

Resultados e discussões
O campo teórico permeou a coleta de dados, da mesma forma que os dados cole-
tados possibilitaram o enriquecimento das teorias adotadas, em processo dialético.
No Quadro 1, tem-se o detalhamento da análise dos dados:

Quadro 1: Análise de dados da pesquisa, conforme Bernstein (2000)


Linguagem de descrição Linguagem de
Etapa Procedimento
interna descrição externa
- Identificar os materiais didático-
-pedagógicos e os recursos didáticos
Entrevista e aplica-
utilizados na sala de atendimento Resultados obti-
ção de questionário Principais referenciais sobre
educacional especializado (AEE) da dos com a entre-
– profissional respon- inclusão: Bersch (2017), Ga-
escola participante do estudo; vista e o questio-
sável pelo AEE da lery (2017) e Mól (2019).
- Compreender o trabalho desenvolvi- nário.
escola.
do na sala de AEE voltado aos estu-
dantes com deficiência visual.
Metodologia ativa:
- Analisar a metodologia utilizada pela Entrevista e questio- Lilian Bacich e José Moran Resultados obti-
professora para o ensino de Ciências nário aplicados à pro- (2018) dos com a aplica-
da Natureza junto à estudante com fessora de Ciências Inclusão: ção dos questio-
deficiência visual em sala de aula. da Natureza. Romeu Kazumi Sassaki nários.
(2010) e Gerson Mól (2019)
Metodologia ativa:
Lilian Bacich e José Moran
Reorganizar e aplicar
Sequência didática de Ciências da (2018)
sequência didática
Natureza que possibilite a inclusão da Sequência didática: Material didático
para a turma com a
estudante com deficiência visual no Zabala (1998) construído.
estudante com defici-
contexto escolar. Inclusão:
ência visual incluída.
Romeu Kazumi Sassaki
(2010) e Gerson Mól (2019)
- Entrevista e questio- Resultados obti-
nário aplicados à es- Metodologia ativa: dos com a entre-
Avaliar o processo de construção do tudante incluída par- Lilian Bacich e José Moran vista, o questioná-
conhecimento da estudante com de- ticipante da pesquisa. (2018) rio e os registros
ficiência visual com a aplicação da - Anotações do diário Inclusão: do diário de campo
sequência didática. de campo da pesqui- Romeu Kazumi Sassaki e as observações
sadora. (2010) e Gerson Mól (2019) realizadas pela
- Observações. pesquisadora.
Fonte: Construído a partir da teoria de Linguagem de Descrição de Bernstein (2000).

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Conforme exposto, todas as etapas da pesquisa foram delineadas com ambas


as linguagens de descrições: interna e externa. Os conceitos de inclusão e recursos
acessíveis nos processos de ensino e aprendizagem também foram correlacionados
em cada etapa com as ideias descritas por Bernstein (2000). Assim, o estudo buscou
compreender a relação entre o processo inclusivo da estudante com deficiência visual
nas aulas de Ciências através da aplicação de uma sequência didática.
Como resultado da primeira etapa da pesquisa, que envolveu a participação da
professora responsável pela sala de AEE, verificaram-se os inúmeros atendimentos
realizados na escola, sendo estes organizados conforme disponibilidade de horário
e em turno inverso ao que os estudantes estão na sala de aula. A profissional tem
graduação em Pedagogia com habilitação em Orientação Escolar e Educação Es-
pecial, especialização em Inclusão e Atendimento Educacional Especializado. Há
parceria no trabalho desenvolvimento pelo AEE com alguns professores da escola.
As instituições que auxiliam no processo pedagógico para o desenvolvimento do
trabalho na escola são o Núcleo de Apoio Psicopedagógico e Inclusivo (NAPI), a As-
sociação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e a fonoaudióloga do município.
Sobre o processo de inclusão em sala de aula, a professora do AEE relata que:
“[...] Percebo que já houve uma evolução, mas ainda precisa ser efetivada de fato
a inclusão de todos, pois esse processo depende muito do professor na sala de aula
em buscar atividades que sejam acessíveis para todos” (Professora responsável
pela sala de AEE). Ela também relata a importância do apoio de inúmeros setores
municipais para que a inclusão aconteça, oferecendo suporte clínico e pedagógico
para que os encaminhamentos sejam realizados e os direitos das pessoas com de-
ficiência garantidos. De acordo com Mól (2019, p. 92) o atendimento educacional
especializado apresenta, dentre seus principais objetivos: “[...] Prover condições de
acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio
especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes”. Nesse
sentido, também cabe ressaltar que se faz necessário “Fomentar o desenvolvimento
de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras nos processos de ensino
e aprendizagem” (BRASIL, 2011, p. 1).
Como descreve a professora responsável pelo AEE, percebe-se a dificuldade dos
professores atuantes em sala de aula em atender às necessidades dos estudantes
com deficiência. Há muitas barreiras a serem vencidas e a atuação do professor em
sala de aula ainda é a maior quando se trata de uma formação para uma efetiva

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inclusão escolar. Galery (2017, p. 86) destaca a importância da prática docente: “[...]
a ação reflexiva da prática docente mobiliza-me cada vez mais para a necessidade
de nos unir na construção de uma escola para todos e cada um. Onde todos têm os
mesmos direitos e de fato a aprendizagem aconteça”.
Nesse contexto reflexivo sobre a prática docente em sala de aula, enfatiza-se
a importância da utilização de tecnologias assistivas (TA) que atendam às neces-
sidades dos estudantes incluídos e professores capazes contemplarem o processo
inclusivo em seus planejamentos. A utilização da TA, na visão de Bersch (2017),
visa auxiliar os estudantes atendidos na sala de recursos em atividades da vida
diária e prática, por meio de materiais pedagógicos que atendam às necessidades
deles. Bersch (2017) destaca a importância das TA possibilitando estratégias que
valorizem a individualidade do estudante aumentando sua capacidade de ação e
interação. A professora do AEE da escola busca atuar de forma criativa, procurando
alternativas que favoreçam o entendimento de conceitos pelos estudantes por meio
de diferentes recursos que permitam autonomia no processo de aprendizagem.
A escola da pesquisa contava em seu corpo docente com uma professora de
Ciências com graduação em Ciências do 1.° grau. Ela atuava com duas estudantes
incluídas nos anos finais do Ensino Fundamental: uma estudante surda e uma es-
tudante com baixa visão. O processo de inclusão em sala de aula é destacado pela
professora como um desafio, sendo difícil articular a prática do seu planejamento
às necessidades das estudantes incluídas em sala de aula. Em entrevista, esta
profissional destacou que “[...] utilizo muito em minhas aulas o livro didático, o que
dificulta a visualização do conteúdo para a estudante que tem baixa visão, pois a
fonte não é ampliada e muitas vezes tenho que atendê-la individualmente” (Relato
da professora de Ciências sobre a prática em sala de aula).
A falta de formação necessária para desenvolver um melhor trabalho acaba
dificultando o processo, que é amenizado pelo atendimento em turno inverso na
sala de AEE, único incentivo à prática inclusiva na escola. É importante destacar
até que ponto o atendimento na sala de AEE supre as necessidades nos processos
de ensino e aprendizagem de Ciências, uma vez que conceitos científicos precisam
ser desenvolvidos. Costa e Lorenzetti (2020, p. 43) destacam que “O domínio concei-
tual é importante no ensino de ciências, mas é crucial que os alunos transcendam a
abstração, sendo capazes de aplicar o conhecimento em seu contexto sociocultural e
ambiental. É imprescindível a apropriação do conhecimento para o posicionamento

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Sequência didática para o ensino inclusivo de estudantes com deficiência visual: abordagem do tema abelhas

crítico frente a problemas científico”. Para que isso ocorra de maneira favorável,
precisa existir um trabalho colaborativo entre a professora da sala de AEE e a
professora de Ciências, ambas desenvolvendo ações capazes de colaborarem signi-
ficativamente à aprendizagem dos estudantes incluídos. Na escola pesquisada, não
ocorria essa união entre as áreas.
Nem sempre o ensino formal atende os objetivos para o Ensino de Ciências. Há
necessidades de mudanças indicando que várias situações precisam ser corrigidas,
a formação docente, tempo de aprendizagem, a interdisciplinaridade e, no caso da
educação inclusiva, a adaptação de recursos (MÓL, 2019). Em relação à atuação do
professor em sala de aula, cabe destacar que é necessário “[...] (re) afirmar que a
postura do professor transmissor de informações deve dar lugar à postura de media-
dor entre o sujeito e o objeto de conhecimento, parece ser redundante e insuficiente
aos anseios daqueles que estão se tornando professores ou cuja formação acadêmica
não favorece a prática pedagógica” (BACICH; MORAN, 2017, p. 91). Os autores
nos conduzem à reflexão sobre a importância de mediar as informações para que
os estudantes sejam atuantes no processo, o que, na maioria das vezes, não ocorre
principalmente na sala de aula que tem estudante incluído.
Na sequência do estudo, para a elaboração do material utilizado na aplicação e
os conceitos a serem abordados, investigou-se o interesse dos estudantes acerca da
temática abelha. Na primeira etapa, eles foram questionados sobre o que gostariam
de saber sobre as abelhas. Utilizando o aplicativo Word cloud®, cada estudante
respondeu ao questionamento com as principais curiosidades acerca da temática.
Conforme as curiosidades, uma nuvem de palavras era formada no aplicativo, que
destacou as mais citadas (Figura 8).

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Figura 8: Principais curiosidades destacadas com o uso do aplicativo Word cloud®

Fonte: Autoras (2019).

Após essa primeira intervenção, que buscou identificar o interesse dos estudantes
sobre a temática, organizou-se a SD com o álbum seriado, jogos e maquetes, que foi
aplicada em três períodos, no turno da manhã, em uma turma de sétimo ano com
nove estudantes, sendo três meninos e seis meninas. Uma das estudantes apresen-
tava baixa visão e, de acordo com relato dela, havia dificuldade em acompanhar as
aulas, pois as professoras utilizavam o livro didático e o material impresso cuja fonte
não era acessível. A escola tinha impressora, ela se encontrava em manutenção há
algum tempo e os professores não conseguiam adaptar o material utilizado em aula.
Como forma de documentar a intervenção em sala de aula, foi utilizado o diário
de campo, no qual foram registrados os momentos da aplicação da SD permitindo,
além do registro, a reflexão sobre a aplicação da pesquisa. Macedo (2010) aponta
que a utilização do diário de campo:
Além de ser utilizado como instrumento reflexivo para o pesquisador, o gênero di-
ário é, em geral, utilizado como forma de conhecer o vivido dos atores pesquisados,
quando a problemática da pesquisa aponta para a apreensão dos significados que os
atores sociais dão à situação vivida. O diário é um dispositivo na investigação, pelo
seu caráter subjetivo, intimista (MACEDO, 2010, p. 134).

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No estudo, as anotações no diário de campo foram registradas imediatamente


como forma de armazenar os acontecimentos vivenciados.
Para dar início à aplicação da SD, os estudantes foram questionados sobre a
atividade da apicultura: se conheciam alguém que realizasse essa atividade, onde
seria o melhor lugar para colocar as caixas de abelhas e como seria a vida em uma
colmeia. As respostas foram surgindo aleatoriamente e todos estudantes relataram
que já avistaram caixas de abelhas e favos de mel.
Na sequência, a partir da história “Meu dia pede mel”, com o álbum seriado,
exploraram-se os conceitos sobre a sociedade das abelhas e a importância das flores
no processo de polinização para a produção do mel. Durante a leitura dos conceitos
apresentados no álbum seriado, todos os estudantes tiveram acesso ao material e
a leitura foi também realizada pela estudante com baixa visão. Por meio do álbum
seriado, habilidades relacionadas à leitura e à compreensão de texto foram desen-
volvidas, bem como conceitos matemáticos referentes à forma hexagonal do favo de
mel. A fonte ampliada permitiu que a estudante incluída tivesse acesso à leitura
junto com os demais colegas utilizando o mesmo material.
Com o jogo associação das abelhas, foi possível destacar as características prin-
cipais dessa classe, abordando os conceitos referentes à morfologia das abelhas, em
que cada estudante deveria associar a ficha à parte do corpo correspondente. Com a
observação do mel puro e a textura formada no favo de mel, os estudantes relataram
suas observações em relação a esses dados. No uso do mapa tátil, os estudantes
visualizaram os Estados brasileiros tentando identificá-los e logo destacando os
principais produtores de mel do país, desenvolvendo, por meio do material, conceitos
geográficos e matemáticos.
O jogo caminho das abelhas permitiu a abordagem dos conceitos referentes à
organização social das abelhas, à polinização e à produção e mel, à utilização de agro-
tóxicos e ao desmatamento como as principais causas da diminuição dessa espécie.
Ao abordar o impacto do uso de agrotóxicos no meio ambiente, conceitos químicos
foram desenvolvidos, devido à utilização desses produtos e suas consequências em
relação a diferentes espécies. Os conceitos da Física foram desenvolvidos em relação
à visão das abelhas no processo de polinização. Por fim, ainda na aplicação da SD,
os estudantes foram questionados acerca do porquê “Meu dia pede mel”, relacio-
nando a importância das abelhas ao meio ambiente. Nas respostas dos estudantes,
destaca-se a importância das abelhas no processo de polinização e na produção do

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mel. Um estudante destacou que o mel também pode ser utilizado na fabricação de
cosméticos e medicamentos. Durante a aplicação da SD, percebeu-se o envolvimento
dos estudantes em relação à temática, possibilitando a reflexão acerca da atuação do
ser humano no ambiente e as atitudes que podem extinguir espécies, acarretando
em um desequilíbrio ambiental.
Como proposto na pesquisa, a SD se constituiu de diferentes atividades práticas
em que os conceitos desenvolvidos partiram da curiosidade dos estudantes sobre a
temática abelha. Para Zabala (1998), a SD:
[...] pode indicar a função que tem cada uma das atividades na construção do conheci-
mento ou da aprendizagem de diferentes conteúdos e, portanto, avaliar a pertinência
ou não de cada uma delas, a falta de outras ou a ênfase que devemos lhe atribuir
(ZABALA, 1998, p. 20).

A proposta da SD, além de diferenciar da metodologia utilizada constantemente


pela professora de Ciências do contexto do estudo, abrangeu uma perspectiva de
práticas mais ativas em sala de aula nas quais o estudante fosse protagonista nos
processos de ensino e aprendizagem. A aprendizagem, para Bacich e Moran (2018):
[...] é ativa e significativa quando avançamos em espiral, de níveis mais simples para
mais complexos de conhecimento e competência em todas as dimensões da vida. Esses
avanços realizam-se por diversas trilhas com movimentos, tempos e desenhos dife-
rentes, que se integram como mosaicos dinâmicos, com diversas ênfases, cores e sín-
teses, frutos das interações pessoais, sociais e culturais que estamos inseridos (p. 2).

Nesse contexto de uma aula dinâmica proporcionando uma aprendizagem ativa


e significativa, buscou-se relacionar o contexto dos estudantes com conceitos a serem
desenvolvidos de maneira que eles se interligassem nas diferentes áreas. Sendo o
processo de aprendizagem único e diferente para cada estudante, mediar a aplicação
da SD foi importante, pois, a todo o momento, os estudantes eram instigados a refle-
tir sobre determinado assunto. Mól (2019) destaca a importância da aprendizagem:
[...] os processos de ensino e aprendizagem geram transformação de todos os envol-
vidos nessa interação. Para isso, o professor deve promover mediações intencionais,
visando alterar a zona de desenvolvimento iminente de seus estudantes e contribuir
para a formação de conceitos científicos que possibilitem o desenvolvimento de recur-
sos cognitivos, sociais e emocionais mais eficientes para a tomada de decisões sobre
si e o mundo que o cerca (p. 119).

Buscando subsídios capazes de satisfazer as particularidades dos estudantes,


adaptou-se a SD para que a estudante com baixa visão tivesse acesso ao conteúdo

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da mesma forma que o restante da turma. A adaptação do material utilizado na


intervenção mostra que o processo inclusivo em sala de aula se norteia na atuação
do professor. Inúmeros fatores acabam impedindo que a inclusão aconteça em sala
de aula, mas o principal ainda é o despreparo docente diante do processo.
Durante a elaboração e aplicação desta pesquisa, percebeu-se o afastamento
existente entre a atuação da professora de Ciências e a realidade do processo inclu-
sivo. Não há uma contextualização nos processos de ensino e aprendizagem, o que
muitas vezes acaba contribuindo para as dificuldades no entendimento de conceitos
científicos. Ao decorrer da aplicação da SD, a estudante com baixa visão participou
ativamente das atividades propostas. Um de seus maiores obstáculos nas aulas de
Ciências tratava-se das leituras dos textos no livro didático e os impressos disponi-
bilizados pela professora sem o tamanho da fonte adequada. Durante a aplicação
da SD, a estudante conseguiu ler o material disponibilizado e participar dos jogos
compreendendo os conceitos que estavam sendo abordados. Conclui-se, por meio
desta pesquisa, que a utilização de diferentes materiais acessíveis pode colaborar
significativamente nos processos de ensino e aprendizagem de Ciências, tornando
a aula mais dinâmica, com a participação ativa dos estudantes.
A proposta em torno da SD visa a uma alternativa em meio à metodologia tradi-
cional tão presente ainda na Educação Básica. É importante salientar as inúmeras
discussões que permeiam o processo de inclusão de estudantes com deficiências e as
leis que amparam esse processo no Brasil. Muito se avançou em busca da inclusão de
estudantes com deficiência nas escolas, mas se percebe que ainda há muito caminho
a ser percorrido, pois, na escola, os estudantes têm a oportunidade de aprenderem
juntos, sendo que suas diferenças não devem ser escondidas, mas respeitadas. Des-
sa forma, com a aplicação da SD, buscou-se contribuir de forma significativa para
que a prática docente fosse reorganizada de modo a incluir todos os estudantes no
processo educativo, com uma prática dinâmica favorecendo significativamente os
processos de ensino e aprendizagem.

Considerações finais

A inclusão no ambiente escolar é garantida pela legislação. Tendo em vista


a importância desse processo, a garantia por meios legais não é suficiente para
que a verdadeira inclusão no contexto escolar aconteça, no qual inúmeros fatores

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devem ser reorganizados para que, de fato, a escola seja inclusiva. É relevante a
acessibilidade no ambiente escolar para que todos tenham acesso aos ambientes
da instituição, assim como a adaptação de materiais didáticos destinados aos es-
tudantes de modo a incluir as diferenças no contexto da sala de aula. Deve ocorrer
investimento em cursos de formação continuada aos professores da Educação Básica
com estudantes incluídos em suas turmas, pois os relatos identificados por meio da
pesquisa mostram a dificuldade de planejar e desenvolver as atividades em sala de
aula com esse público.
Embora tão complexo seja o processo inclusivo na escola, mesmo diante de
muitas falhas ainda existentes em relação à inclusão no nosso cotidiano, é preciso
incluir as diferenças e, para isso, os professores de Ciências devem repensar sua
prática em sala de aula. Esta pesquisa propôs investigar a pertinência da aplica-
ção de uma SD sobre a temática abelha, no componente curricular de Ciências na
Educação Básica. Analisou-se, por meio da aplicação de uma SD, uma dinâmica
diferenciada e ativa nas aulas de Ciências, motivando os estudantes e colaborando
com a professora, mostrando que, com a utilização de materiais didáticos adaptados,
é possível utilizar metodologias ativas nas aulas de Ciências.
Refletindo a partir dos resultados obtidos nessa pesquisa, em nenhum momento
houve a pretensão de apontar falhas em relação ao trabalho desenvolvido com a
estudante incluída. Tendo em vista que o trabalho da escola pública é se adaptar a
receber inúmeras diferenças no contexto escolar e, diante da inclusão, a escola está
cada vez mais buscando alternativas para atender a todos os estudantes.
A professora de Ciências participante da pesquisa apontou a importância do
processo inclusivo, mas destacou não se sentir apta a desenvolver um trabalho so-
zinha em relação a esse público. Com a estudante com baixa visão, percebeu-se a
importância e a fragilidade do que realmente é incluir em sala de aula. A estudante
relatou que gosta de Ciências e já ouviu muito a respeito, mas, nas aulas, muitas
vezes não enxergava o material disponibilizado e a dificuldade em ler esses recursos
acabava prejudicando seu entendimento sobre os conteúdos.
Percebe-se a complexidade do processo inclusivo, e nos relatos de todos os en-
volvidos na pesquisa, destaca-se que o contexto da sala de aula é uma rotina rápida
em que perceber as características e necessidades de cada estudante que está diante
de nós, não é tarefa fácil. O planejamento muitas vezes não está adequado a todos,
não contemplando a perspectiva inclusiva. Espera-se que os resultados da pesquisa

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Sequência didática para o ensino inclusivo de estudantes com deficiência visual: abordagem do tema abelhas

contribuam com a ampliação do debate sobre o processo de inclusão de estudantes


com deficiência visual em sala de aula, além de demonstrar a necessidade de se
investir em materiais didáticos acessíveis para o Ensino de Ciências da Natureza.

Didactic sequence for the inclusive teaching of visually


impaired students: approaching the bees theme

Abstract

Inclusion in the school environment stems from many studies and practices which ensure the
right of students to build their knowledge together. For this right to be guaranteed, the school
must provide didactic-pedagogical means for the inclusive process to take place, seeking to
value heterogeneity, treating everyone with the principle of equity. This work reports a research
developed in a course in Natural Sciences Degree, which aimed to investigate the relevance of
applying a didactic sequence on the theme of bees, in the curriculum component of Science in
Basic Education. The methodology was characterized, as for the approach, as qualitative, as for
the objectives as exploratory and, as for the procedures, as pedagogical intervention. It had as a
locus a public school in the municipal network and as a subject a student with visual impairment
enrolled in the seventh year of the school. The data were analyzed according to the Descrip-
tion Language methodology (BERNSTEIN, 2000). The research was developed in four stages,
to better elucidate the researched context. As a result, the study showed that the inclusion of
students with visual impairments in the school context is a possible reality and that the use of
appropriate materials and resources, elaborated from the interests, needs, potentialities and the
reality of the subjects, facilitate interaction in classroom, enabling their personal development by
stimulating the search for knowledge construction.

Keywords: Natural Sciences teaching; Meaningful learning; School inclusion.

Nota
Disponível em: <https://sebraers.com.br/apicultura/rs-e-o-principal-produtor-de-mel-ha-mais-de-uma-de-
1

cada/>. Acesso: 1 dez. 2020.

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Jean Dalmo de Oliveira Marques, Laís Cássia Monteiro de Souza Barreto, Elizalane Moura de Araújo Marques

Trilhas interpretativas em unidade de


conservação: espaço pedagógico para o
ensino de ecologia
Jean Dalmo de Oliveira Marques*, Laís Cássia Monteiro de Souza Barreto**,
Elizalane Moura de Araújo Marques***

Resumo
A utilização de Trilhas Interpretativas (TI) em Unidades de Conservação (UC) tem sido utiliza-
das na educação básica e superior como alternativa viável para os conteudos ecológicos. O
objetivo da pesquisa foi investigar o ensino e aprendizado de Ecologia da Amazônia (EA) por
meio da utilização de TI em UC, valorizando seu(s) ponto(s) de atratividade(s) e o contato do
aluno com a (o) flora, solo e recurso hídrico. A metodologia utilizada teve abordagem qualitativa
e utilizou uma sequência didática composta por roteiros e fichas de campo como instrumentos
norteadores e questionários com mecanismo de coleta de dados. Os sujeitos da pesquisa foram
15 (quinze) alunos pertencentes ao Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas (LCB), do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM). As TI em UC de-
monstraram ser eficientes espaços pedagógicos para o processo de ensino e aprendizagem de
EA. Os alunos conseguiram compreender os conteúdos ecológicos, impossíveis de ocorrer em
uma aula formal em sala de aula, pois as vivencias em cada TI foram cientificamente enrique-
cedoras, despertando valor moral, consciência crítica e percepção individual frente aos vários
desafios que o Bioma Amazônia enfrenta para manter sua biodiversidade inalterada. O produto
educacional elaborado contribuiu para um novo olhar a ser concebido para as UC em termos
de utilização, colaborando para a instrumentalização de outros espaços com potencial para o
ensino, bem como para o desenvolvimento de aulas mais participativas.

Palavras-chave: Trilha interpretativa. Unidade de conservação. Sequência didática. Ecologia da


Amazônia.

*
Doutor em Ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA. Professor do Departamento
Acadêmico de Química, Ambiente e Alimentos - DQA e do Programa de Pós-Graduação em Ensino Tecno-
lógico - PPGET do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas - IFAM, Brasil. E-mail:
[email protected]
**
Mestre em Ensino Tecnológico pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino Tecnológico - PPGET. Professora
da Secretaria de Estado de Educação e Qualidade de Ensino do Amazonas - SEDUC - Amazonas, Brasil.
E-mail: [email protected]
***
Mestre em Ciências de Alimentos pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Professora do Depar-
tamento Química, Ambiente e Alimentos – DQA do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Amazonas - IFAM, Brasil. E-mail: [email protected]

Recebido em: 02/08/2020; Aceito em: 28/08/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11525
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

882 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 882-913, 2021

Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Trilhas interpretativas em unidade de conservação: espaço pedagógico para o ensino de ecologia

Introdução

As questões ambientais devem ser trabalhadas de forma que os alunos enten-


dam a real importância da preservação e conservação do meio ambiente. Ao abordar
estes assuntos utilizando a sua riqueza e diversidade será possível potencializar
os conhecimentos transmitidos, melhorando não apenas o interesse e desempenho
dos alunos nas aulas, mas também sua visão de mundo, despertando reflexões em
torno dos problemas ambientais (LIMA; MARQUES, 2019).
Considerando os binômios teoria e prática, ensino e campo, esta pesquisa se
pautou em uma forma de aprender e ensinar motivado pelo aprender de forma
prática. Muitos conteúdos relacionados a conceitos biológicos, tais como recursos
naturais, não são recentes, porém, trabalhá-los de maneira apenas teórica parece
ser no mínimo negligente, circunstância esta, que pode ser um dos empecilhos para
a compreensão dos conteúdos.
Dessa forma, acredita-se no papel das aulas de campo como facilitadora da
aprendizagem, pois são necessárias para o entendimento do aluno quanto a vários
conceitos, a saber: dinâmica, equilíbrio, uso, manejo e conservação de ambientes
naturais. Contudo, existem outros aspectos que tendem a dificultar o uso de aulas
práticas no processo de ensino (OLIVEIRA; CORREIA, 2013). É notório que a ne-
cessidade de práticas de campo existe, porém é perceptível um número reduzido de
locais conservados nas paisagens urbanas. Assim, a falta ou a não otimização de
espaços, aponta para uma descontinuidade no processo ensino e aprendizagem de
Ecologia, especificamente em disciplinas que podem ser enriquecidas por práticas
de campo e laboratório em áreas preservadas e/ou conservadas, como, por exemplo,
em UC.
UC abertas ao público são ambientes propícios para o desenvolvimento de au-
las, com enfoque nas trilhas interpretativas (TI), pois podem ser utilizadas para
potencializar o processo de ensino e aprendizagem, porém é perceptível que esses
espaços são escassos em ambiente urbanos. Por outro lado, muitas vezes, a própria
comunidade e a academia desconhecem ambientes não formais alternativos no meio
urbano que podem ser utilizados com as mais diversas finalidades. Por entender a
importância das UC, a implantação de TI vem crescendo em muitas áreas (PRO-
JETO DOCES MATAS, 2002).

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As TI desenvolvidas em UC podem enriquecer o aprendizado de estudantes e,


ao mesmo tempo, contribuir para a preservação da UC, seja por meio do desenvolvi-
mento de pesquisas ou apenas para fins de monitoramento da área. As trilhas podem
ser uma fonte para trabalhar conceitos já vistos em sala de aula, principalmente
quando passam pela transformação de trilhas comuns em TI, tornando possível
visualizar pontos de destaque, caracterizar pontos de atratividade (PA), trabalhar
temas pré-estabelecidos, desenvolver roteiros de campo, entre outros (PROJETO
DOCES MATAS, 2002).
A preocupação na implantação de TI é salientada por Guimarães (2003, p. 23
apud PAIVA; FRANÇA, 2007), no sentido de que:
A trilha interpretativa como um trajeto de curta distância (500 à 1.000 metros), onde
buscamos otimizar a compreensão das características naturais e/ou construídas e
culturais da sequência paisagística determinada pelo seu traçado [...], direcionadas
à educação ambiental, ou [...], de tomada de consciência em relação ao meio ambiente
(GUIMARÃES, 2003, p. 23 apud PAIVA; FRANÇA, 2007).

As características biofísicas e estruturais de trilha merecem um detalhamento,


pois são importantes para o desenvolvimento de estudos e visitas destinadas ao
ensino. Prejuízos ao meio ambiente, como modificações nos aspectos topográficos
e hídricos podem decorrer de trilhas mal estruturadas (COSTA, 2006). Portanto,
há a necessidade de um planejamento eficaz, pensando nas características do local
e o público a quem se destina as trilhas, para que possam minimizar os impactos
no ambiente e maximizar o aproveitamento para o aprendizado, tendo em vista a
segurança dos visitantes. Trilhas bem construídas e devidamente mantidas prote-
gem o ambiente do impacto do uso e ainda asseguram aos visitantes maior conforto,
segurança e satisfação (ANDRADE, 2003). Levando em conta tais considerações é
possível instrumentalizar trilhas para proporcionar ao visitante um contato pra-
zeroso e educativo, geralmente realizado por sinalização.
A sinalização de trilhas em ambientes naturais é de extrema importância e ain-
da pode levar conhecimento ao visitante. A sinalização por meio de placas é muito
importante na interpretação ambiental (IA), principalmente em trilhas autoguiadas.
As placas precisam ser claras, informativas, interessantes para os visitantes e con-
tendo “textos em vários idiomas, com perguntas abertas, encorajando os visitantes
a pensar e solicitando que eles façam algo, por exemplo, “olhe para cima, para ver
a copa de árvores” (NELSON, 2012).

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Muitas pesquisas em ambientes naturais sobre TI têm sido desenvolvidas nos


últimos anos (BEDIM, 2014; EISENLOHR et al., 2013; FEITOSA; SOUSA; ALEN-
CAR, 2013; IKEMOTO, 2008; FILHO; AMARAL; ABREU, 2014; OLIVEIRA; MELO,
2009; SANTOS et al., 2012; SIQUEIRA, 2006; VALENTI, 2012), mas apenas com
objetivo de estratégia para educação ambiental promovendo mudanças de valores
e posturas em relação à natureza (SENICIATO; CAVASSAN, 2004). Reduzidos são
os trabalhos que exploraram temas e conceitos vinculados ao ensino regular, com
aulas práticas voltadas para o ensino (ARAÚJO et al., 2013). Quando bem demar-
cadas, com sinalização, com aulas planejadas e roteirizadas, podem compor um
eficiente recurso para ampliação de visitas e excursões com caráter de ensino sobre
os recursos naturais e conservação dos mesmos (PROJETO DOCES MATAS, 2002).
TI oportunizam ainda condições para o uso de atividades práticas de campo para
auxiliar no entendimento de conceitos teóricos, tornando possível coletar amostras
de solo, planta e água a serem conduzidos ao laboratório e posterior análise. São um
recurso de extrema importância para o ensino e aprendizado de conteúdos ambien-
tais que disponibilizam possibilidades para o desenvolvimento de aulas teóricas e
práticas de campo, permitindo o contato direto dos alunos com os recursos naturais.
Segundo Menezes (2015), uma trilha nada mais é que uma estrada para pedestres
(ou em alguns casos ciclistas). Trilhas antigas em várias civilizações se tornaram
rodovias existentes hoje. Todavia, atualmente, as trilhas deixaram de ser apenas
um caminho para locomoção e passaram a serem utilizadas para um contato maior
com a natureza (EISENLOHR et al., 2013).
Os diferentes usos dados às trilhas, hoje, têm forte relação com os apelos acerca
da preservação do meio ambiente ou devido à popularidade crescente de atividades
ao ar livre, como as caminhadas. Isso indica que as pessoas estão procurando novas
maneiras de interagir com o ambiente natural (FERREIRA, 1998). As trilhas estão
sendo utilizadas como via de condução a ambientes naturais, para contemplação da
natureza, prática de esportes radicais, recreação e ecoturismo, além de ainda serem
utilizadas como via de acesso e comunicação entre grupos em áreas não urbanas
(COSTA et al., 2014; EISENLOHR et al., 2013).
As trilhas em locais turísticos de grande beleza cênica e em áreas conservadas
são denominadas Trilhas Ecológicas (TE), pois permitem o contato dos seres hu-
manos com o meio natural, facilitando o acesso. A crescente procura por turismo
em áreas naturais faz crescer as chances de implantação de programas objetivando

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a educação ambiental nestes locais. Muitas ações de incentivo à visitação em par-


ques e demais UC estão sendo desenvolvidas por compreender a importância que
ambientes naturais tem para as relações humanas com o meio ambiente, e para
que essas sejam feitas da melhor maneira (PRONEA, 2005; CASES et al., 2012;
PRONEA, 2014; MENEZES, 2015).
Dentro das possibilidades dos métodos de manejo de trilhas têm-se diferentes es-
tratégias para transformar as trilhas em oportunidades prazerosas de educação
ambiental, traduzindo para o visitante os fatos que estão além das aparências, tais
como leis naturais, interações, funcionamentos, história ou fatos que, mesmo apa-
rentes, não são comumente percebidos, desenvolvendo um novo campo de percepções
(ANDRETTA et al., 2006, p. 3).

As TE facilitam o contato com a natureza e as TI propõem uma experiência de


aprendizagem sobre o espaço, além de proporcionarem uma maneira de entender
o espaço visitado, tornando mais fácil a compreensão dos pontos de atratividade
(PA), pois sem a interpretação ambiental (IA) um visitante pode passar por uma
trilha e não perceber a importância da vegetação presente, dos animais, do relevo
e formação geológica daquele local.
Em TI também se ressalta que é imprescindível o planejamento para que a
interpretação ambiental (IA) possa ser eficiente e assim verdadeiramente levar
o visitante a uma experiência educativa não-formal em determinados ambientes
(PEREIRA, 2015). A IA é uma maneira de representar a linguagem da natureza, os
processos naturais, a inter-relação homem e natureza, de maneira que os visitantes
possam compreender e valorizar o ambiente e a cultura local (MMA, 2006). A IA
tem como objeto principal as situações educativas em lugares de visitação turística,
principalmente em ambientes naturais, em que se pretende alcançar alguma sen-
sibilização e aprendizado dos visitantes para com os recursos do ambiente. Assim,
a IA consiste em uma atividade praticada por guias, monitores e planejadores de
instituições de turismo, preservação e conservação do patrimônio (seja ele histórico,
cultural, natural etc.) (SILVA, 2012). Quando a interpretação é organizada, torna-se
mais fácil de ser transmitida pelo guia e de ser entendida pelo visitante, por isso
focar em um tema ajuda a selecionar os conceitos que devem ser passados para o
visitante, facilitando a compreensão (NELSON, 2012). Essa IA é realizada a partir
do mapeamento dos PA que a TI apresenta. Portanto, os PA são considerados como

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pontos de destaque que ocorrem no decorrer de uma trilha como potencial interpre-
tativo (BARRETO; MARQUES, AZEVEDO, 2019).
A concepção de utilizar TI como estratégia para o ensino de Ecologia da Ama-
zônia (EA) pode contribuir para melhorar o seu processo de ensino-aprendizagem
e, concomitantemente, potencializar ambientes regionais que possam fomentar tal
fim, com vistas à aprendizagem de componentes curriculares específicos. Sabe-se que
a disciplina EA é ofertada em cursos de graduação em Biologia. Por ser específica
desse curso, nas Instituições de Ensino Superior (IES) não há uma metodologia de
ensino padrão estabelecida de como abordar os seus conteúdos, os quais são es-
pecíficos do Bioma Amazônia (SANTOS, 2020). Portanto, utilizar trilhas se torna
uma ferramenta para desenvolver aulas teóricas, práticas, transpondo a barreira
do ensino fragmentado. Sendo possível abordar com mais eficácia componentes cur-
riculares que podem ser melhor compreendidos a partir do contato do aluno com o
meio ambiente.
Assim, o presente trabalho investigou o ensino e aprendizado de EA por meio
da utilização de TI em UC, valorizando seu(s) ponto(s) de atratividade(s) e o contato
do aluno com a flora, solo e recursos hídricos.

Metodologia

Sujeito e local da pesquisa

Os sujeitos da pesquisa foram 15 (quinze) alunos pertencentes ao 7º e 8º períodos


do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas (LCB), pertencentes ao IFAM. As
TI foram abertas Ponta das Lajes, localizada na parte central da Bacia do Amazo-
nas, coordenadas 03º08’S e 59º52’W, na margem esquerda do Rio Amazonas, cerca
de 20 km ao oeste do Rodway, porto do centro histórico da cidade de Manaus, a 2
km à jusante da confluência dos rios Negro e Solimões, especificamente em uma
UC do tipo Reserva Particular do Patrimônio Nacional (RPPN) Dr. Daisaku Ikeda,
pertencente à Associação Brasil Soka Gakkai, situado na Avenida Desembarcador
Anísio Jobim 980, Km 11 (FRANZINELLI; IGREJA, 2013) (Figura 1).

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Figura 1: Mapa da RPPN Dr. Daisaku Ikeda destacando com setas vermelhas as TI abertas.

Fonte: Os autores (2020).

A Pesquisa

Esta pesquisa faz parte do projeto intitulado utilização de UC no ensino e


aprendizado de recursos naturais na Amazônia. A pesquisa foi voltada para o
ensino e aprendizado e teve natureza qualitativa, pois considerou o contato direto
do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada (DENZIN;
LINCOLN, 2006). No mesmo sentido, tem característica de pesquisa descritiva,
onde essa visa descrever as características de determinada população ou fenômeno,
e faz uso de técnicas padronizadas de coleta de dados: questionário e observação
sistemática (GIL, 1991; DALFOVO; LANA; SILVEIRA, 2008).
A sequência didática seguida para o desenvolvimento desta pesquisa foi pla-
nejamento; identificação, seleção e reconhecimento das trilhas; caracterização
biofísica; intervenção, instrumentalização/sinalização das trilhas e verificação da
aprendizagem, que serão descritas a seguir:

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Identificação, seleção e reconhecimento das trilhas para interpretação

Cada trilha recebeu um nome específico conforme o seu principal recurso natural
a ser utilizado nas aulas de EA, conforme seus PA. Assim, em cada trilha avaliou-se
os indicadores de atratividade que foram utilizados para definir o tema das TI. Os
indicadores de atratividade foram analisados levando em conta o valor qualitativo
para aumentar a atratividade do local (GONZAGA; MARTINS, 2011).

Caracterização biofísica das TI

A caracterização biofísica das TI foram realizadas para caracterizá-las em nível de


dificuldade devido a possibilidade de alguns obstáculos naturais, levando em conta a
acessibilidade, pois foram utilizadas por alunos de diferentes faixa etárias e condições
físicas. Os níveis estipulados foram: leve, médio e difícil. Estes níveis foram construídos
com a análise do comprimento, declividade e solo da trilha. Os níveis servem para
instruir o visitante que farão uso das TI e essas informações estão contidas nas placas
situadas na entrada das trilhas. Os parâmetros para medidas foram adaptados de
Ikemoto (2008), acrescentando-se apenas o parâmetro, nível do rio, devido as condições
amazônicas de variação do pulso de inundação, que direta ou indiretamente afetam
as trilhas utilizadas na UC. As características biofísicas das trilhas foram verificadas
por sensoriamento remoto e uso de um aparelho de posicionamento global (GPS), onde
foram gerados mapas altimétricos contendo declividade, largura e comprimentos das
trilhas, possibilitando a identificação das trilhas em nível de dificuldade.

Intervenção

As atividades interventivas foram realizadas durante 2 (dois) dias consecuti-


vos, até 3 (três) trilhas por dia, obedecendo a ordem contida na Tabela 1. Antes de
ingressar nas TI, os alunos foram divididos em 3 (três) grupos contendo 5 (cinco)
alunos em cada grupo sendo que cada grupo escolheu uma trilha para a qual deseja-
va projetar as placas interpretativas (PI). Todas as atividades foram desenvolvidas
com a participação direta dos alunos sob a constante orientação do professor.
Foram utilizados caderno, caneta, máquina fotográfica, quadrado de madeira
20 cm x 20 cm, régua, pá de jardim, saco plástico de 2 kg, recipientes de alumínio
20 cm x 20 cm, estufa de 50º C.

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Cada TI possuía um roteiro e ficha de campo especifica, onde o aluno pôde regis-
trar suas observações. As aulas dialogadas-expositivas em cada trilha direcionavam
os alunos a observarem os potenciais ecológicos.
Os roteiros específicos e as fichas de campo utilizadas para cada trilha podem ser
visualizados http://repositorio.ifam.edu.br/jspui/handle/4321/356. Esses norteavam o
aluno a observar as características da TI e os seus pontos de maior importância educa-
cional registrando tais pontos por meio de fotos. Portanto, os objetivos e as estratégias
planejadas seguiram as especificidades de cada trilha, já que cada uma tinha um po-
tencial específico para ser utilizada no processo de ensino e aprendizagem (Quadro 1).

Quadro 1: Procedimentos adotados nas TI.


Conteúdo
No Trilha Objetivo(s) Estratégia(s) utilizada(s)
de EA
Abordar a Lei nº 6.938 e Lei
9.985.
Trilha Entrada
Política Demonstrar a importância da Aula expositiva dialogada ao longo da tri-
da Reserva
Ambiental gestão eficiente em UC por lha com duração de 30 minutos na trilha.
1 (TER)
meio de reflorestamento e re-
cuperação de área degradada.
Aula expositiva dialogada ao longo da tri-
Compreender a compreensão lha com duração de 1 hora.
da ciclagem de nutrientes na
Floresta Amazônica e sua im- Coleta de solo e liteira sobre o solo com
Trilha Perfil portância para a manutenção trado até 30 cm de profundidade confor-
Relevo/
Topográfico da fertilidade do solo e biodi- me a delimitação topográfica descrita por
Topografia
(TPT) versidade da vegetação em Marques (2016).
2 diferentes posições topográfi-
cas. A liteira foi separada em: folhas, galhos,
flores/frutos sementes, sendo organizado
em conforme Luizão (2007).
Aula expositiva dialogada ao longo da tri-
Observar as características lha com duração de 40 minutos.
Trilha Terra Solo
as principais morfológicas dos
Preta de Índio Antrópico Abertura de perfil do solo conforme Dos
3 solos antrópicos.
(TTPI) Santos et al. (2015)
Trilha Aula expositiva dialogada ao longo da tri-
Vegetação Tipo de Demonstrar a importância das lha com duração de 1 hora.
de Palmeiras Vegetação
palmeiras para o ecossistema. Observação das sementes, folhas, copa
4
(TVP) e liteira.
Aula expositiva dialogada ao longo da tri-
Reconhecer a formação ro- lha com duração de 40 minutos.
Trilha Rocha,
Evolução de chosa Alter do Chão, o in-
Solo e Falésia
Solos temperismo e as falésias que Coleta de amostras de rocha, solo e uti-
5 (TRSF) lização da Carta de Munsell para identifi-
ocorrem no local.
cação da cor do solo (MUNSELL, 1994).
Observar o encontro das Aula expositiva dialogada ao longo da tri-
Trilha Encontro
águas e sua beleza cênica, lha com duração de 30 minutos.
das Águas Rios da
ressaltando a importância do
6 (TEA) Amazônia Observação do Encontro das Águas
seu tombamento.
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

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Instrumentalização das TI com PI

Foi realizado uma oficina de sinalização em sala de aula (Figura 2A), onde os
alunos destacaram os principais PA que cada trilha visitada possuía quanto aos
conteúdos abordados (Figura 2B) para a construção das PI (Figura 2C).

Figura 2: Alunos elaborando um piloto das PI em sala de aula.

2A 2B 2C
Fonte: Os autores (2020).

Assim, um piloto das PI foi construído previamente como forma de ser ava-
liado pelos alunos para que, posteriormente, as PI definitivas fossem construídas
e instaladas nas TI. Na avaliação preliminar os alunos responderam a seguinte
pergunta: “Você tem alguma sugestão para melhorar as PI”? Participaram desta
avaliação, 15 (quinze) alunos. Posteriormente, a instrumentalização definitiva das
TI foi realizada por meio da construção de PI de alumínio galvanizado com layout
segundo as instruções normativas do ICMbio (2020).

Validação do produto educacional

A validação final das 6 (seis) PI foi realizada com a participação dos mesmos 15
(quinze) alunos já mencionados, os quais responderam a seguinte pergunta: “qual
a importância das PI para a compreensão do conteúdo contido nas TI”?

Verificação da Aprendizagem

Após a finalização das atividades interventivas em cada trilha, os alunos res-


ponderam um questionário com questões semiestruturadas. O intuito era saber se

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as aulas expositivas e o contato dos alunos com o(a) flora, solo e recurso hídrico
contribuiu para o processo de ensino e aprendizagem de conteúdos abordados na
disciplina EA. Os dados foram transcritos, tabulados, analisados e categorizados,
segundo reagrupamento analógico (BARDIN, 2016).

Resultados e Discussão
Caracterização biofísica das TI

Na Tabela 1, é possível visualizar as características biofísicas das TI, sendo


possível visualizar o comprimento, largura, tempo de caminhada e nível de dificul-
dade. As TI apresentam as mesmas larguras (1,5 m) com tempos de caminhada de
5 minutos (TER e TEA), 10 minutos (TTPI e TRSF) e 30 minutos (TPT e TVP). As
maiores variações foram obtidas no comprimento das trilhas que variam de 109
(TEA) m à 760 (TPT) m e no nível de dificuldade na TI, que oscilaram entre leve
(TER, TRSF e TEA), média (TTPI) e difícil (TPT e TVP).

Tabela 1: Características biofísicas das trilhas.


No Tempo de Nível de
Trilha Comprimento Largura
caminhada dificuldade
1 Trilha Entrada da Reserva (TER) 166 m 1,5 m ± 5 min Leve
2 Trilha Perfil Topográfico (TPT) 760 m 1,5 m ± 30 min Difícil
3 Trilha Terra Preta de Índio (TTPI) 234 m 1,5 m ± 10 min Média
4 Trilha Vegetação de Palmeiras (TVP) 367 m 1,5 m ± 30 min Difícil
5 Trilha Rocha, Solo e Falésia (TRSF) 428 m 1,5 m ± 10 min Leve
6 Trilha Encontro das Águas (TEA) 109 m 1,5 m ± 5 min Leve
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Os resultados a seguir serão apresentados a partir da investigação realizada


em cada TI localizada na UC, valorizando a IA e seus PA, bem como o contato do
aluno com a flora, solo e recurso hídrico com vistas no ensino e aprendizado da
disciplina EA.

Trilha Entrada da Reserva (TER)

Nesta trilha foi necessário destacar o contexto histórico das leis ambientais 6.938
(Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA) e 9.985 (Sistema Nacional de Unidades

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de Conservação da Natureza - SNUC) criadas em 1981 e 2000, respectivamente.


Além dessas leis estarem incluídas no conteúdo de EA, esta abordagem inicial foi
necessária e pertinente como forma de exemplificar a importância da utilização des-
ta trilha como exemplo prático dos princípios, objetivos e instrumentos da PNMA,
bem como dos critérios, normas para a criação, classificação implantação e gestão
das unidades de conservação. Foi possível abordar as Leis, pois os seus conteúdos
foram facilmente observados nas TI em termos de aplicabilidade, valorizando o
contato do aluno com a flora, fauna, solo e recursos hídricos, mais difícil de serem
compreendidos em uma aula tradicional em sala. No mesmo sentido, como esta UC
foi explorada pelo desmatamento, mas, atualmente, está em processo de recuperação
por meio de reflorestamento, os alunos visualizaram essas características (Figura 1).

Figura 1: Alunos na TER observando as características da TI.

Fonte: Os autores (2020).

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Na Tabela 2 observamos as respostas dos alunos durante a aula dialogada


realizada na TER. Preliminarmente, as 3 (três) primeiras questões objetivavam
verificar o grau de conhecimento dos alunos quanto aos conteúdos abordados. Sur-
preendentemente, 64% dos alunos disseram já conhecer alguma lei ambiental, bem
como 75% narraram terem usado alguma lei em atividades acadêmicas (Questão
1) e foram unanimes em destacar (100%) ser importante saber sobre as leis que
norteiam o direito ambiental (Questão 2). Muitas vezes esse conhecimento é obtido
por meio da televisão, rádio, jornal impresso e internet, que noticiam as consequên-
cias das mudanças em diversas partes do Mundo (FREITAS; MARQUES; SOUZA,
2020). O próprio curso de graduação oferece possibilidades via projetos de PIBIC e
extensão possibilitando acesso a um conhecimento prévio sobre temáticas ambien-
tais (Questão 3), o que facilita ensinar EA usando TI em UC. Os alunos demons-
traram grande interesse pela temática tratada, mesmo porque já traziam consigo
conhecimento básico e, principalmente, entusiasmo nas discussões demonstrando
grande facilidade na compreensão dos princípios, objetivos, instrumentos das Leis
Ambientais e classificação das UC.
Sobral (2014), que também aborda essa questão, entende que:
Estudantes universitários nos dias atuais fazem parte de um grupo social que tem a
sua disposição uma grande cobertura de informações a respeito de questões ambien-
tais, principalmente pela comunicação em massa, mais ampla que a geração anterior
(SOBRAL, 2014, p.22).

No tocante a importância em saber sobre as leis (Questão 2), observamos a res-


ponsabilidade e consciência que os alunos terão no futuro em proteger o ambiente
como profissionais por meio dos relatos “sim, pois seremos profissionais de biologia”
(A2, A5, A9, A10, A12 e A13); “muito importante, pois faz parte da área em que
eu atuo” (A5, A8, A11, A14 e A15); “se torna importante, pois podemos desenvolver
atividades profissionais que dependem do que aprendemos na faculdade” (A1, A3,
A4, A6 e A7). Recentemente, Freitas, Marques e Souza (2020) também encontraram
resultados semelhantes em pesquisa realizada em UC no mesmo bioma, conseguindo
demonstrar conceitos fundamentais sobre Mudanças Climáticas Globais a partir
dos componentes da campina, campinarana e floresta primária, bem como abordar
a importância da preservação desses, viabilizando o processo de ensino e aprendi-
zagem sobre essa temática no contexto de ecossistemas amazônicos.

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Tabela 2: Respostas dos alunos durante a aula dialogada realizada na TER.


Questões Sim Não Respostas categorizadas
A5: “A lei sobre Educação Ambiental - Lei 9.795”;
1) Você conhecia sobre A8: “Lei PNMA - os CONAMAS referentes a agua”;
alguma lei ambiental 64% 36% A11: “Lei de crimes sobre o ambiente”.
antes dessa aula? A9, A2, A3, A6, A9, A10 e A12: “Sim”
A1, A13, A14 e A15: “não muito”; A3 e A7: “não”.
A2, A5, A9, A10, A12 e A13: “sim, pois seremos profissionais de
biologia”;
2) Você acha importan-
A5, A8, A11, A14 e A15: “muito importante pois faz parte da área
te saber sobre as leis
100% - em que eu atuo”;
que norteiam o direito
ambiental? A1, A3, A4, A6 e A7: “Se torna importante, pois podemos desenvol-
ver atividades profissionais que dependem do que aprendemos na
faculdade”.
3) Já fez uso de alguma A2, A9, A10, A12, A13 e A14: “Nas atividades de extensão”;
lei em atividades aca- 75% 25% A5, A7, A8, A11 e A15: “Na iniciação cientifica (PIBIC)”;
dêmicas? A1, A3, A4, A6: “não”.
4) De que forma elas A3, A7 e A11: “em empresas que usam essas leis”;
Não se Não se
podem ser visualiza-
aplica aplica A1, A2, A4, A5, A6, A8, A9, A10, A12 A13, A14 e A15: “Em aula prá-
das de forma prática? tica onde podemos ver como são usadas e respeitadas”.
5) Após a aula na TER, A1 e A15: “Não” ;
ficaram claros os ob-
jetivos e instrumentos 82% 18%
da Lei nº 6.938 que A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8, A9, A10, A11, A12, A13 e A14 - “Sim”.
estabelece a PNM?
A1, A2, A5, A8 e A11: “existem dois tipos as de uso integral e as de
6) Após a aula, você uso sustentável”;
sabe identificar quais
A3, A9, A13 e A14 “proteção integral e uso sustentável”;
as categorias de Uni- 100% -
dades de Conserva- A4, A6, A7, A10, A12 e A15: “A lei 9.985 separa em duas classes:
ção? as de proteção integral e as de uso sustentável, a RPPN é uso
sustentável por exemplo”.
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Trilha Perfil Topográfico (TPT)

Esta trilha foi uma oportunidade única para os alunos conhecerem as variações
no relevo/topografia no bioma amazônico, compreendendo a importância da ciclagem
de nutrientes na Floresta Amazônica e sua importância para a manutenção da fer-
tilidade do solo e biodiversidade da vegetação em diferentes posições topográficas
(platô, vertente e baixio). Marques et al. (2016) delimita para este bioma a topografia
em platô (90 à 120 m de altitude), vertente (75 à 90 m de altitude) e baixio (50 à 75
m de altitude). Esta temática é bem característica do Bioma Amazônia e propor-
cionou aos alunos um conhecimento sobre a dinâmica da ciclagem de nutrientes.

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Assim, a aula foi conduzida explanando sobre as diferenças nas diferentes posi-
ções topográficas. Foi explicado e visualizado pelos alunos que no platô, vertente e
baixo as características do (a) solo, vegetação e entrada de luz sofrem variações em
decorrência da posição topográfica (Tabela 3). Para elucidar melhor as diferenças
abordadas podemos visualizar na Tabela 3 os resultados das análises realizadas a
partir das amostras coletadas pelos alunos sob a orientação do professor.

Tabela 3: Resultados das análises realizadas na TPT.


Posição Massa de Liteira (kg ha-1) Classe de Solo Entrada de Luz
Platô 49,8 Latossolo Baixa
Vertente 45,5 Argissolo Moderada
Baixio 40,0 Espodossolo Alta
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Os resultados apresentados na Tabela 3 estão de acordo com outros estudos neste


bioma quanto as variações na massa de liteira produzida (MONTEIRO, 2005), classe
de solo (MARQUES et al., 2016) e entrada de luz (MARQUES; OLIVEIRA; PAES,
2019) nas posições topográficas estudadas. Observamos que existem diferenças na
massa de liteira, na classe de solo e na entrada de luz, diretamente influenciados
pela posição topográfica.
O conteúdo sobre relevo/topografia é característico de cada bioma e o professor
necessita buscar alternativas pedagógicas como as aqui desenvolvidas como forma
de promover o ensino da temática e aprendizado dos alunos. É impossível reconhecer
relevo/topografia sem vivenciar alguma atividade prática, seja ela no campo ou por
meio de uma dinâmica pedagógica para tal fim. A estratégia pedagógica desenvolvida
na TPT é uma alternativa viável para que professores que ministram esta temática
nos cursos de EA possam desenvolver.
A potencialização de atividades investigadoras que torne o aluno protagonista
da ação, além de promover a educação cientifica efetiva contextualizada com a rea-
lidade regional e global, permite uma melhor abordagem interativa entre aluno e
professor (MARQUES; OLIVEIRA; PAES, 2019).

Trilha Terra Preta de Índio (TTPI)

Na TTPI foi abordado uma temática extremamente regional abordada na EA que


é a presença dos solos antrópicos na Amazônia. Somente 9% dos alunos relataram

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já conhecer o significado dessa classe de solo. A abertura do perfil de solo foi o PA


de suma importância para exemplificar suas principais características (Figura 2).

Figura 2: Perfil de solo antrópico aberto para conduzir a aula na TTPI.

Fonte: Os autores (2020).

No perfil, os alunos foram estimulados a observar a cor do solo. A grande maioria


dos alunos relatou não conhecer essa característica (98%). O solo tinha a cor marrom
escuro (Figura 2). Os alunos também observaram que as plantas ao redor eram mais
frondosas devido à alta fertilidade desses solos proporcionada pela maior presença
de matéria orgânica do solo (MOS). Botelho e Marques (2020) destacaram que a
MOS é maior nos solos antrópicos quando comparado com Latossolo. A presença
desses solos contribuiu ecologicamente com a fauna e flora do local, pois disponibi-
liza nutrientes em abundância. Portanto, a TTPI apresenta um grande potencial
ecológico de ensino em termos de sustentabilidade ambiental, interações ecológicas
e disponibilidade de nutrientes para serem abordados com alunos na disciplina EA.

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Trilha Vegetação de Palmeiras (TVP)

A IA na TVP demonstrou para os alunos a importância da vegetação de palmeiras


para o ecossistema a partir da observação da trilha, destacando as plantas existentes
e características das suas sementes, folhas, copa e liteira sobre o solo (Figura 3).
Perguntamos aos alunos o que percebem ao olhar a vegetação predominante nesta
trilha? Os alunos responderam “tem muitas palmeiras e a trilha é plana, diferente
da outra que visitamos” (A4, A7, A13 e A14); “essa trilha possui um igarapé” (A8
e A15); “tem mais frutos no chão” (A3 e A5); “muitas folhas grandes sobre o chão”
(A1, A2, A6 e A9); “é úmido e não tem luz” (A10, A11 e A12).
Os relatos dos alunos caracterizam muito bem a TVP, pois é afetada ocasio-
nalmente pela subida do nível do rio. Além disso, fica parcialmente alagada se a
cheia for considerável. A vegetação é adaptada a áreas alagadiças, o que faz com
que sobreviva mesmo com o excesso de água em período chuvoso. A percepção dos
alunos quanto à altura das plantas, frutos, entrada de luz e umidade no ambiente
foi percebida pelo olhar, olfato e tato, estimulando esses sentidos. A utilização das
trilhas permite também a construção de conhecimentos científicos significativos,
estimula ganhos cognitivos e relacionados às dimensões sociais e afetivas, melhoria
na autoestima, no senso de responsabilidade individual e coletiva e na manutenção
da cidadania (COSTA et al., 2014).

Figura 3: Fruto de buriti (A), Planta de buriti (Mauritia flexuosa) (B) e Plantas de açaizeiro
(Euterpe oleracea) (C).

A B C
Fonte: Os autores (2020).

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A Tabela 4 apresenta as respostas dos alunos quanto a questões mais específicas


sobre a TVP. Podemos observar que os alunos conseguiam identificar as palmeiras
como um tipo de vegetação predominante.

Tabela 4: Respostas dos alunos na TVP.


Questões Respostas categorizadas
A1, A2, A3, A4, A6, A8, A9, A10, A11, A12, A13 e A14: “palmeiras”;
A5: “Palmeiras, capim, diversas árvores”;
1) Quais os tipos
de espécies e A15: “As florestas de baixio parecem ser um ambiente chave para o estabelecimento
ou vegetação de espécies de terra firme nas áreas inundáveis, possibilitando o desenvolvimento de
predominante na adaptações a situações episodicamente hipóscicas, por ocorrência episódicas das
área? enchentes”;
A7: “Palmeiras nas trilhas e gramíneas em áreas abertas. As palmeiras que foram
observadas em grande maioria foram açaizeiros, buritizeiros, tucumanzeiros”.
A1, A2, A6, A7 e A14: “Sim, pois suas estruturas adaptativas evoluíram para que se
adequasse ao local de solo arenoso, mas com muita liteira na superfície”;
A5, A8, A9, A10 e A11: “Sim, pois ela inibi o crescimento de espécies que não sejam
2) Essa vegetação da mesma família”;
é considerada A12: “Sim na terra firme o baixio é o ambiente que mais se aproxima das condições
hiperdominante encontradas em florestas inundáveis, com espécies arbóreas adaptadas as imersões
neste ambiente? episódicos pelo nível das águas dos igarapés.
Explique A13 e A15 “As palmeiras são típicas desse ambiente úmido”;
A7: “Sim esse tipo de vegetação (Palmeiras) são árvores que medem em média 20 a
35 m, por serem altas e muito próximas umas das outras dificultam a propagação de
sementes de outras espécies”.
A2 e A14: “O solo apresenta grande quantidade de liteira, o que torna o solo mais
úmido e propenso à vegetação de palmeiras mesmo sendo arenoso”;
A5: “A comunidade de palmeiras se distribui em três zonas: solos bem drenados (pla-
tô, topo, vertente), solos pobremente drenados (zona de transição) e solos sazonal-
mente inundados (igarapés)”;
A7: “Solo arenoso, com espessa camada de liteira cerca de 1,50 m, úmido”;
3) Quais as carac- A8: “Um solo com uma textura mais úmida, rico em nutrientes, uma coloração escura,
terísticas do solo sendo possível encontrar uma quantidade de matéria orgânica em decomposição, que
sob palmeiras? ajuda na proteção e enriquecimento do solo”;
A1, A3 e A9: “Solo com mais umidade, bastante nutriente, rico em liteira”;
A4, A6, A9, A10, A11 e A13: “Solo rico em matéria orgânica, fértil”;
A15: “Solo fértil, drenável, úmido enriquecido com matéria orgânica”;
A12: “A liteira é bastante espessa com a presença de muitas folhas e sementes caídas
das palmeiras, isso tornava o solo baste instável para caminhar. Observa-se também
a presença de artrópodes como aranhas”.
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Definidamente por meio da Questão 1, observamos que os alunos conseguiram


identificar as principais características das palmeiras, pois as reconheceram com
facilidade ao longo da TVP (A1, A2, A3, A4, A5, A6, A8, A9, A10, A11, A12, A13 e

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A14), bem como a hiperdominância que exercem sobre o local onde estão inseridas
(Questão 2). As respostas são satisfatórias e estão de acordo com o abordado ao
longo da aula dialogada na trilha, pois destacam a hiperdominância da vegetação
de palmeiras e cada aluno enfatiza um aspecto que explica esta característica como
pode ser visto nas respostas dos alunos A5, A8, A9, A10, A11: “[Sim, pois ela inibi o
crescimento........]” e A7: [“Sim esse tipo de vegetação (Palmeiras) são árvores...........]”.
Ribeiro, Araújo e Santana (2007) relatam que as palmeiras encontradas na Amazô-
nia, como Buriti, estão restritas ao Baixio. Para a dinâmica ecológica da Amazônia,
o solo de palmeiras é muito importante e é responsável pela concentração de pal-
meiras comestíveis, frutíferas, com valor econômico e que entender essa dinâmica
é de extrema relevância para os alunos. Nesses ambientes são comuns solos are-
nosos, justamente o que foi compreendido pelos alunos e transcrito nas respostas
da Questão 3, sendo visualizado nas repostas dos alunos A1, A3 e A9: “Solo com
mais umidade” e A12: [“A liteira é bastante espessa com a........]. Resultados sobre
o uso dos solos e sobre a vegetação como método didático-pedagógico foi encontrado
também por outros autores (OLIVEIRA; MARQUES, 2017).

Trilha Rocha, Solo e Falésia (TRSF)

A IA na TRSF promoveu o ensino e aprendizado do reconhecimento da evolução


de solo por meio de falésia nas margens do Rio Negro e a formação rochosa Alter
do Chão característica no local. Assim, coletamos amostras de rocha e solo ao lon-
go da TRSF para que os alunos as texturassem (esfregar o solos entre os dedos) e
utilizassem um torrão (resultado de partículas primárias ou secundárias do solo)
como amostra representativa do solo para caracterizar a sua cor por meio da Carta
de Munsell (Figura 4).

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Figura 4: Alunos na TRSF observando a formação Alter do Chão (A), coleta de amostras
de rocha (B), coleta de amostras de solo no sopé da Falésia (C) e Manuseio da
Carta de Munsell no campo para identificação da cor do solo (D).

A B

C D
Fonte: Os autores (2020).

Assim como nas outras trilhas, os alunos foram estimulados a observá-la e ao


adentrarem responderam “o que chama mais sua atenção”? O relato dos alunos
foi “o solo tem cor característica dos solos da Amazônia” (A1 e A9), “não sabia que
tinha essa praia, parece com outras praias no rio, mas diferente por conter essa
formação rochosa” (A14), “A rocha está exposta com a baixa do rio” (A4, A6 e A7),
“Os solos têm diferentes cores” (A3, A8, A10, A11 e A12), “A rocha está abaixo do
solo” (A5, A13 e A15). As respostas representam a riqueza da TRSF, com vários
PA para serem utilizadas nas aulas de EA. A localização desta trilha foi influen-
ciada diretamente pela subida e descida das águas do rio. Como estava situada na
margem do Rio Negro, é afetada todos os anos pela subida e descida do rio, o que
justifica as respostas quanto dos alunos A4, A6, A7 e A14. Na época de seca, é pos-
sível caminhar sobre a rocha (Figura 4A) e visualizar a formação rochosa (Figura
4B). As cores do solo também foram bem evidenciadas nas falas dos alunos (A1, A3,
A8, A9, A10, A11 e A12). Portanto, o contato do aluno com a rocha, solo e falésia

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foram extremamente importantes para a compreensão desse conteúdo. Botelho e


Marques (2019) afirmam que a prática de campo de caráter investigativo, explora-
tório e interdisciplinar possibilita o ensino de origem, formação, ocupação, erosão
e preservação do solo de forma prática, permitindo aos estudantes compreender os
processos, transformações e interações que regem essas temáticas, impossíveis de
serem compreendidas apenas em sala de aula, propiciando uma experiência capaz de
desvendar o ambiente no qual os alunos estão inseridos. Botelho e Marques (2020)
também observaram o despertar nos alunos de atitudes, habilidades, posicionamen-
tos e competências quanto à preservação e conservação do solo, bem como frente
aos processos, dinâmicas e transformações observadas ao longo do desenvolvimento
de atividades práticas sobre solos em UC. Os mesmos autores ainda salientam ser
necessário repensar a prática pedagógica no sentido de problematizar o ensino do
solo no campo, a fim de estabelecer relações necessárias com o contexto regional
favorecendo valores sociais e ambientais.

Trilha Encontro das Águas (TEA)

A IA na TEA discutiu com os alunos o conteúdo sobre Rios da Amazônia, a partir


da observação do encontro das águas e sua beleza cênica, ressaltando a importân-
cia do seu tombamento. Dentre os PA da TEA destacamos à vista panorâmica do
encontro dos Rios Negro e Solimões, vulgarmente conhecido como “Encontro das
Águas” (Figura 5).

Figura 5: Visão panorâmica do encontro das águas (A) sendo observado pelos alunos sentados
durante a aula (B).

A B
Fonte: Os autores (2020).

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Trilhas interpretativas em unidade de conservação: espaço pedagógico para o ensino de ecologia

A IA da TEA foi realizada a partir do histórico do local. Foi dito que aquele
ambiente recentemente tinha sido alvo de especulações para a construção de um
novo porto para a cidade de Manaus e de uma área de lazer, fato este uma realidade
local. Nesse aspecto, foi perguntado aos alunos se os mesmos concordavam com esse
tipo de obras. Por unanimidade, relataram que obras desse tipo poderiam trazer
degradação ao ambiente. Esses fatos foram ponderados para estimular a percep-
ção dos alunos sobre possíveis consequências para a conservação do ambiente, o
que resultou em uma discussão e apropriação de conceitos na TEA. Para Santos,
Flores e Zanin (2011), a IA é uma oportunidade de desenvolvimento humano que
estimula a capacidade investigadora, levando o homem a repensar seu modo de
ver e sentir o planeta como um todo, a partir da leitura e da percepção da reali-
dade ambiental. Dessa forma, a natureza se firma como ferramenta facilitadora
do aprendizado; concebe-se a educação biológica como estratégia para a proteção
dos recursos naturais.
As UC têm por objetivo a conservação da biodiversidade, a preservação de
locais de beleza cênica e dos ambientes históricos. Murta e Goodey (2005) falam
que interpretar não é apenas informar sobre algo, mas é um ato de comunicação.
Amaral, Carvalho e Coutinho (2020), em atividade multidisciplinar desenvolvida
em TI, destacaram que proporcionou aos discentes atividade física, ressignificação
de conceitos biológicos relacionados ao ensino de Botânica, auxílio mútuo, aprendi-
zagem, integração com a natureza.
No âmbito da ecologia, de uma forma geral, o Bioma amazônico é tão amplo
como complexo. Existe a necessidade de se estudar as características amazônicas
mais afundo com uma disciplina específica para tal, como EA. Como relatado
por Ab’Saber (2002), a Amazônia brasileira possui interesse científico e didático
e complementa dizendo que há noção erronia de que o ecossistema é formado
apenas por floresta:
O fato de a região ter sido apresentada sempre como o império das florestas equato-
riais, de disposição zonal, acarretou distorções sérias nos estudos dos ecossistemas
regionais. É certo que, em termos do espaço total amazônico, predominam esmaga-
doramente os ecossistemas de florestas dotadas de alta biodiversidade. Entretanto,
se levarmos em conta o conceito original de ecossistema, independentemente das
disparidades espaciais de sua ocorrência, chegaremos a um número bem maior de
padrões ecológicos locais ou sub-regionais (AB’SABER, 2002, p.7).

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Nessa perspectiva, a educação é a forma mais eficaz para alcançar uma gestão
de recursos ambientais equilibrada, pois possui a capacidade de desenvolver ações
educativas numa perspectiva de construir novas olhares, valores educacionais e
éticos nos alunos e na sociedade (LIMA; MARQUES, 2019).

Produto Educacional

Na Tabela 5 é possível observar os relatos das sugestões dos alunos quanto à


avaliação preliminar do piloto das PI construído.

Tabela 5: Relatos das sugestões dos alunos quanto à avaliação preliminar do piloto das PI construído.
Alunos “Você tem alguma sugestão para melhorar as PI”?
A1 As placas poderiam ser posicionadas para uma melhor visualização de grandes grupos.
Usar sempre um tamanho de fonte que seja agradável aos olhos quando forem lidas além
A2
de posicioná-las a uma altura adequada.
A3 As placas poderiam ter mais informações sobre a vegetação a ser encontrada na trilha.
A4 Identificar as espécies no decorrer da trilha indicando sua importância.
Falar sobre a qualidade das espécies de fauna e flora amazônicas e mostrar as interações
A5
que existem das espécies com outras espécies no âmbito ecológico.
As placas são bem elaboradas e contém informações relevantes que contribuem para uma
A6
melhor experiência na trilha.
Talvez visando questão da educação inclusiva as placas poderiam ter algo de Braille pelo
A7 menos as partes principais como tipo de vegetação encontrada, os números de emergência
as atividades da trilha isto é válido para libras.
A8 É uma sugestão bem básica a fonte das letras das informações deveria ser maior.
A9 As placas poderiam ser posicionadas para uma melhor visualização de grandes grupos.
Sim, nem tudo consta nas placas porque a biodiversidade da unidade é grande, mas os
A10
pontos principais da trilha estão nas placas.
Estender o público-alvo e considerar a educação inclusiva (através do uso de libras nas
A11
placas, por exemplo), seria uma opção válida.
Acredito que mostrar mais nas placas a biodiversidade dos animais na mesma reserva seria
A12
interessante também. Apesar de já conter, mas em menor foco.
Poderia haver descrição da vegetação predominante em todo o tipo de relevo e sua impor-
A13
tância.
A14 Identificar as espécies no decorrer da trilha indicando sua importância.
A15 Falar sobre as espécies de fauna e flora amazônicas.
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

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A maioria das sugestões foi considerada para a construção final das PI como
foi o caso das sugestões dos alunos no tocante ao posicionamento das placas (A1 e
A9), fonte das letras adequadas (A2 e A8) e as espécies existentes no decorrer da
trilha (A4 e A14). Entretanto, algumas sugestões foram parcialmente atendidas,
pois requeriam “[...mais informações sobre a vegetação.....]”, “[.....falar sobre a
qualidade das espécies da fauna e flora......]”, “[......descrição da vegetação.....]” e
“[falar sobre as......]”, respectivamente dos alunos A3, A5, A13 e A15. As PI devem
conter os pontos de maior atratividade percebido e visualizado na TI (BARRETO;
MARQUES; AZEVEDO, 2019). Na realidade as placas apresentam a quantidade
necessária de informações contidas nas TI, fato este, constatado pelos alunos A10
e A12. Portanto, todas as sugestões culminaram para a obtenção de PI bem ela-
boradas e adequadas para o ensino de EA (A6). Para o momento, não foi possível
atender as sugestões dos alunos A7 e A11 devido os recursos financeiros para a
construção das PI não serem suficientes para tal adaptação, mas concordamos que
são extremamente importantes e necessários a inserção da linguagem de sinais.
Atualmente, estamos buscando recursos junto a agencias financiadoras para pro-
mover tal adequação. Além disso, a continuidade dos estudos nas PI construídas e
instaladas podem promover o aprimoramento do que já foi desenvolvido com vistas
numa melhor interação dos conteúdos ecológicos contidos na disciplina EA com os
PA existentes nas TI.
Assim, apresentamos as 6 (seis) PI, elaboradas pelos alunos e professor, finca-
das permanentemente na entrada de cada TI estudada como produto educacional
desta pesquisa (Figura 6). Relembrando que esta instrumentalização foi realizada
para promover melhor compreensão dos alunos sobre os conteúdos relacionados à
EA (Quadro 1). Por outro lado, as PI auxiliarão a quem visitar a UC, contribuindo
para o processo de ensino e aprendizagem da sociedade como um todo.

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Figura 6: PI fincadas na entrada de cada TI. A) TER; B) TPT; C) TTPI; D) TVP; E) TRSF; F) TEA.

A) B)

C) D)

E) F)
Fonte: Produtos da pesquisa (2020).

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Trilhas interpretativas em unidade de conservação: espaço pedagógico para o ensino de ecologia

Na validação das PI percebemos o quanto foi importante o feedback dos alunos


para o desenvolvimento deste produto educacional, pois proporcionou com que
avaliássemos cada etapa e produzíssemos o produto com base nas contribuições
dos mesmos. O próprio layout das PI obedeceu às instruções normativas do ICMbio
(2020) e as sugestões dos alunos. As PI com informações quanto o grau de dificul-
dade das TI (leve, médio e difícil); comprimento das TI (m) e tempo de caminhada
(localizados do lado superior à esquerda); à esquerda e à direita no meio estão os
conteúdos ecológicos específicos para cada TI; no centro está o mapa altimétrico
demonstrando o caminho a ser percorrido; ainda no centro, mas na base da PI, estão
descritos os procedimentos obrigatórios ao visitar as TI tais como: não fazer foguei-
ras, não consumir bebidas alcoólicas, não levar armas, não alimentar os animais,
não caçar e explorar recursos, usar calçado adequado; logo abaixo apresentam-se
os itens recomendados como: água, repelente, protetor solar e caminhar em grupos
de três pessoas; à direita na base das TI continha os contatos de emergência como
SAMU, polícia militar, bombeiro e defesa civil (Figura 6).
As TI visitadas proporcionaram uma compreensão das características e peculia-
ridades contidas na UC os quais foram abordados de maneira contextualizada com
a região amazônica. A grande maioria dos alunos responderam que as PI propor-
cionaram uma eficiente compreensão do conteúdo contido nas TI, como é possível
observar na Tabela 6; exceto o A13, que respondeu: “Parcialmente, Não dá para
afirmar que contribui para a aprendizagem, pois a mesma é relativa.” Cada indiví-
duo percebe, reage e responde diferentemente ao contato com meio. As respostas ou
manifestações são resultado das percepções, dos processos cognitivos, julgamentos
e expectativas de cada um, estas manifestações afetam a conduta, muitas vezes, de
forma inconsciente (PALMA, 2005). Presume-se que o termo usado “relativo” esteja
no sentido de que o aprendizado do aluno está condicionado a percepção de cada um.

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Tabela 6: Relatos de 15 (quinze) alunos quanto a importância das PI para a compreensão do con-
teúdo contido nas TI.
A1 “Pois, a placa está informando aquilo que vamos ver os cuidados que precisamos ter ao entrar na
trilha.”
“As placas são ótimas para nos preparar para as trilhas, tanto nos cuidados, como nas dificuldades.
A3 Também há informações sobre o tipo de solo da área e o que podemos encontrar em cada tipo.”
“A floresta Amazônica é diversa, então é muito importante as placas interpretativas para nos infor-
A4 mar particularidades daquela trilha como dificuldades, solo, animais e o que observar.”
“Com as placas interpretativas a absorção de informações fica mais fácil e melhor, além de incenti-
A5 var e aguçar a curiosidade e não deixar nenhum recurso natural passar despercebido.”
“É de suma importância parta melhor compreensão dos recursos ali encontrados para orientação
A7 do visitante, já que é uma área reflorestada e de abrigo para diversos animais e em local urbano e
como está se relaciona.”
“As placas interpretativas fornecem informações importantes no que diz respeito ao que está pre-
A9 sente nas trilhas e abre a mente para uma melhor reflexão das observações feitas.”
A10 “Sim, pois as trilhas interpretativas podem ser uma ferramenta importante na aprendizagem signi-
ficativa de discentes, explorando as vivências práticas sobre o conteúdo que é visto na teoria em
sala de aula.”
A11 “Sim, proporciona a sensibilização dos alunos no que se refere as questões ambientais.”
A12 “Sim, está relacionada aos conteúdos transversais e favorece a relação professor aluno através das
experiências das trilhas.”
A13 “Parcialmente, não dá para afirmar que contribui para a aprendizagem, pois a mesma é relativa.”
A14 “Sim, pois aborda os conceitos trabalhados em sala de aula de forma prática e objetiva.”
A15 “Sim, pois todos os públicos podem ser beneficiados com algum tipo de conhecimento ao entrar na
reserva.”
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

O fato de os alunos alcançarem uma melhor compreensão do conteúdo de EA


com o auxílio das PI nas TI foi também observado em outros estudos com quanto
ao aprendizado dos alunos (SANTOS; FLORES; ZANIN, 2012; ARAÚJO, 2013;
COSTA, et al., 2014). A sequência didática utilizada demonstrou proporcionar o
aprendizado eficiente dos alunos, o que nos leva a sugerir que pode ser implantada
em outras trilhas associada a outros componentes curriculares. Muitos estudos
com trilhas vêm sendo elaborados e comprovam o aprendizado dos alunos, porém
em sua maioria são voltados a Educação Ambiental e não para conteúdos ecológi-
cos específicos. As observações feitas por Santos e Silva (2015) nos mostram que o
uso de trilhas em ambientes urbanos e naturais, apesar de crescentes em eventos
científicos, é utilizado para desenvolver atividades, mas sem utilizar esses “espaços

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como espaços adjacentes a sala de aula, rico de informações e imagens reais para
ensinar Ciências”.

Considerações finais

As TI em UC demonstraram ser eficientes espaços pedagógicos para o processo


de ensino e aprendizagem de EA a partir da utilização dos principais PA e, princi-
palmente, do contato direto do aluno com a flora, solo e recurso hídrico.
As TER, TPT, TTPI, TVP, TRSF e TEA apresentam contextos teóricos e práticos
característicos do Bioma Amazônia que podem ser utilizados por alunos e professores
na compreensão de conteúdos ecológicos.
Percebemos que os alunos conseguiram compreender os conteúdos ecológicos,
impossíveis de serem compreendidos uma aula formal em sala de aula, pois as vi-
vencias em cada TI foram cientificamente enriquecedoras despertando valor moral,
consciência crítica e percepção individual frente aos vários desafios que o Bioma
Amazônia enfrenta para manter sua biodiversidade inalterada.
A sequência didática experenciada demonstrou ser eficaz para as atividades de-
senvolvidas nas TI, permitindo o professor planejar, problematizar, intervir e atingir
os objetivos pretendidos, podendo ser utilizada como modelo para outras pesquisas,
já que os alunos foram protagonistas ao longo de todo as etapas da pesquisa.
O produto educacional elaborado contribuiu para um novo olhar a ser concebi-
do para as UC em termos de utilização, colaborando para a instrumentalização de
outros espaços com potencial para o ensino, bem como para o desenvolvimento de
aulas mais participativas.
Um processo de ensino e aprendizagem integrado e regionalizado com o objeto
de estudo tem grande potencial de despertar maior interesse dos alunos, estimular
a percepção, facilitar a compreensão e consolidar atitudes de preservação e susten-
tabilidade ambiental.

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Interpretive trails in conservation unit: pedagogical space for


teaching ecology 

Abstract

The use of Interpretative Trails (IT) in Conservation Units (CU) has been used in basic and
higher education as a viable alternative for ecological content. The objective of the research
was to investigate the teaching and learning of Ecology of Amazonian (EA) through the use of
IT in UC, valuing its point (s) of attractiveness (s) and the student’s contact with the flora, soil
and water resource. The methodology used had a qualitative approach and used a didactic
sequence composed of scripts and field cards as guiding instruments and questionnaires with
data collection mechanism. The research subjects were 15 (fifteen) students belonging to the
Biological Sciences Degree Course (BSD), from Department of Chemistry, Environment and Food at
the Federal Institute of Education, Science and Technology of Amazonas (IFAM, Brazil). The IT in CU
demonstrated to be efficient pedagogical spaces for the teaching and learning process of EA.
The students were able to understand the ecological contents, impossible to occur in a formal
class in the classroom, as the experiences in each IT were scientifically enriching, awakening
moral value, critical awareness and individual perception in the face of the various challenges
that the Amazon Biome faces to maintain its biodiversity unchanged. The educational product
elaborated contributed to a new look to be conceived for the CU in terms of use, collaborating for
the instrumentalization of other spaces with potential for teaching, as well as for the development
of more participatory classes.

Keywords: Interpretative trails. Conservation units. Didactic sequence. Ecology of amazonian.

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José Carlos Pinto Leivas

Uma árvore diferente: fractal exploratório


na formação continuada de professores
pedagogos
José Carlos Pinto Leivas*

Resumo
Neste artigo, apresentou-se uma pesquisa qualitativa, a qual teve por objetivo geral investigar
visualização em uma construção fractal exploratória envolvendo geometria e formas, grandezas
e medidas. Quanto à fundamentação teórica, foram empregadas concepções sobre a habilida-
de de visualização, destacando-se como ela pode ser explorada na obtenção de dados sobre
sequências e padrões obtidos na construção da Árvore Fractal. A pesquisa foi realizada em uma
aula na modalidade de ensino remoto, devido ao período de pandemia no transcorrer da discipli-
na oferecida em um programa de ação continuada a nível de mestrado. A atividade em questão
foi dirigida a professoras com formação inicial em Pedagogia, todas em exercício. A aplicação
foi feita via plataforma digital online e os dados foram coletados por meio de textos e imagens
produzidas pelos seis participantes. Os resultados mostraram que é viável explorar uma outra
geometria, tanto na formação continuada quanto na atividade profissional das participantes.

Palavras-chave: Árvore Pitagórica. Sequências e Padrões. Anos Iniciais.

*
Doutor em Educação (Matemática) pela Universidade Federal do Paraná. Professor do Programa de Pós-
-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática - Universidade Franciscana-UFN, Brasil. E-mail:leivasjc@
gmail.com

Recebido em: 08/10/2020; Aceito em: 26/04/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11609
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

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Uma árvore diferente: fractal exploratório na formação continuada de professores pedagogos

Introdução

O ensino de Geometria nos Anos Iniciais de escolaridade, antigamente também


denominado primário, particularmente com a Independência do Brasil no início do
século XIX, introduziu discussões importantes quanto a justificativas de sua inclusão
nesse nível. A Matemática era ensinada por engenheiros, em geral, sem formação
didática, oriundos de Portugal, os quais a conduziam em um nível inapropriado. Sil-
va e Valente (2014), nos estudos históricos a respeito da inserção da Geometria nos
primeiros anos escolares, indagam: [...] “Que geometria fez parte dessas primeiras
discussões sobre sua inclusão na escola do ler, escrever e contar?” (p. 17). Para tais
autores, o ensino de Geometria, no ensino primário, só foi se desenrolar no século XIX.
Piaget e Inhelder (1993) apontam aspectos psicológicos envolvidos na aprendi-
zagem de Geometria, uma vez que, “[...] o espaço infantil, cuja natureza é ativa e
operatória, começa por intuições topológicas elementares, bem antes de tornar-se si-
multaneamente projetivo e euclidiano”. Nessa direção, Leivas, Hasselmann e Franke
(2019) indicam possibilidades de explorar tais propriedades por meio da Banda de
Möebius em pesquisas com participantes de diversos níveis de escolaridade. Tam-
bém, Silva e Leivas (2014) realizam uma pesquisa com alunos em ação continuada
em um mestrado profissional, na qual exploram alguns jogos topológicos, como o
de pintar um mapa com um número reduzidos de cores.
Ainda, no quesito de envolver a psicologia na aprendizagem geométrica, não
se pode deixar de evocar Dienes (1977), o qual reitera o dito por Piaget de que as
primeiras noções nas crianças a respeito da Geometria independem de medidas. De
acordo com o autor, “Uma criança preocupa-se muito pouco com a distância exata
dos objetos, de seus movimentos ou do ângulo sob o qual as coisas são vistas” (p. 1).
Aponta-se estudos e investigações atuais do autor deste artigo, as quais envolvem
habilidades visuais no desenvolvimento de pensamento geométrico, ou seja, uma
maneira de formar imagens mentais, com a finalidade de construir determinado
conceito. Tal habilidade pode ser desenvolvida por diversos meios metodológicos e
recursos didáticos. Para Arcavi (1999, p. 217),
visualização é a habilidade, o processo e o produto de criação, interpretação, uso e
comentário sobre figuras, imagens, diagramas, em nossas mentes, em papel ou com
ferramentas tecnológicas, com a finalidade de desenhar e comunicar informações,
pensar sobre e desenvolver ideias não conhecidas e avançar na compreensão.

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Fischbein (1987), por sua vez, associa visualização à intuição para produzir
conhecimentos auto evidentes da seguinte forma: “É uma afirmação trivial que
se tende naturalmente a pensar em termos de imagens visuais e o que não se pode
imaginar visualmente é difícil de conceber mentalmente” (p. 103).
Assim sendo, em tempos de pandemia, em que atividades pedagógicas ocorrem de
forma remota, justifica-se uma pesquisa realizada em uma aula nessa modalidade,
destinada a professoras em ação continuada em um programa de mestrado profis-
sional voltado a profissionais pedagogos que atuam na Educação Infantil e Anos
Iniciais do Ensino Fundamental. Recursos materiais convencionais como esquadro
e compasso, devido ao momento pandêmico, não estavam presentes no ambiente
familiar, o que demandou improvisações e adaptações criativas para obtenção da
denominada ‘Árvore Fractal’. Portanto, preocupar-se com a formação do professor que
ensina Matemática é um campo da Didática da Matemática que merece investigação
nas seguintes temáticas: “Formação e desenvolvimento profissional do professor de
matemática; o professor de matemática e a(s) prática(s) do professor; formação e
desenvolvimento profissional do professor de matemática” (PONTE, 2020, p. 811).

Procedimentos metodológicos

Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo no ensino, a qual, para Moreira


(2011), tem o foco no próprio ensino. Nas palavras do autor, “Todavia, embora não
haja, necessariamente, uma relação de causa e efeito entre ensino e aprendizagem,
não faz muito sentido falar em ensino sem relacionar essa atividade a de aprender”
(p. 15). Por tal razão, analisar como ocorre tanto o ensino, quanto a aprendizagem
de um tema não trivial – Geometria Fractal – em uma aula no sistema remoto, na
qual se empregam também construções e explorações de Geometria Plana, indica
contribuições para o desenvolvimento de pensamento geométrico das participantes.
Além disso, acredita-se que este tipo de atividade pode propiciar a disseminação de
tais conteúdos em suas práticas profissionais.
A coleta de dados foi feita mediante os registros filmados ou fotografados pelas
participantes e encaminhados por meio eletrônico ao professor-pesquisador. Tal
processo levou em consideração, ainda, seu acompanhamento durante a realização
da atividade realizada, a qual ocorreu via GoogleMeets.
No que diz respeito à análise, Rodríguez et al. (2016) afirmam ser preciso re-
correr aos ‘ingredientes’ disponíveis na coleta de dados, dentre os quais destaca-se:

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[...] Pode ser um slogan, uma tarefa, uma lista de tarefas, o planejamento, o programa
da matéria, a filmagem de uma aula, o registro escrito de uma aula, um livro e assim
por diante. Seja próprio ou de terceiros, o documento deve estar disponível em papel,
áudio ou vídeo, extraído da internet ou de outras fontes (p. 14)1.

Os sujeitos envolvidos na pesquisa foram alunas regularmente matriculadas em


uma disciplina de um Mestrado Profissionalizante em Ensino de Ciências e Mate-
mática, a qual é realizada de forma interdisciplinar, envolvendo um professor com
formação matemática, que é o autor desta pesquisa e uma professora de Ciências
Naturais. A disciplina é programada na tentativa de conectar o conteúdo sequências
e padrões numéricos, no que diz respeito à Matemática, e filotaxia das plantas no
tocante às Ciências Naturais. No que diz respeito ao conteúdo de ciências, a opção
foi por investigar a classificação de elementos da Botânica e, para tal, a professora
fez com que as participantes buscassem, ao seu redor, plantas para efetuar o estudo/
classificação. Essa conexão, particularmente, explorando sequências de Fibonacci
encontradas na natureza foram motivadoras para desencadear o estudo das sequên-
cias numéricas no que diz respeito à Matemática.
Em uma primeira etapa da disciplina, as estudantes buscaram informações
sobre filotaxia de plantas e as Sequências de Fibonacci, o que proporcionou um reco-
nhecimento de padrões nas sequências ali visualizadas e formalizadas. Na segunda
etapa, os sujeitos foram estimulados a conhecer uma nova geometria, denominada
Fractal, com a qual se envolveram em algumas aulas e atividades, novamente,
conectadas com fractais encontrados em ambiente natural. Para além de um mero
reconhecimento desses fractais e dos respectivos padrões, foi proposta a construção da
‘Árvore Fractal’, a qual forneceria inúmeras possiblidades para o desenvolvimento de
construções geométricas na prática profissional dos Anos Iniciais. Assim, definiu-se
o seguinte objetivo geral da pesquisa: investigar visualização em uma construção
fractal exploratória envolvendo geometria e formas, grandezas e medidas.
Para cumprir com tal objetivo, o professor-pesquisador fez um levantamento
prévio da existência de recursos de desenho geométrico nas residências dos sujei-
tos, tais como esquadro, transferidor e compasso. Como todas são professores da
Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, com formação inicial
em Pedagogia, nenhuma possuía esses materiais. No entanto, todas dispunham de
régua, lápis e canetas coloridas, além de livros de capa dura. Com isso, planejou-se
a aula remota, adequando os recursos disponíveis à construção idealizada. O deta-
lhamento dessa atividade será apresentado junto à análise dos dados.

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Seis sujeitos participaram da realização das tarefas, filmando ou fotografando


seus registros durante o processo, de forma a constituir documentos próprios que
foram encaminhados ao professor-pesquisador para análise. Tais indivíduos, todos
profissionais em exercício, serão designados pelas siglas2 para evitar identificações,
sendo eles: PP1; PP2; PP3; PP4; PP5; PP6.

Fundamentos teóricos

O ensino de Geometria, particularmente no início da escolarização, como expla-


nado na introdução deste artigo, ainda é recente no Brasil, e continua a promover
discussões por pesquisadores que, na década de 1990, o consideravam abandonado
(PAVANELLO, 2000). Lorenzato (2015, p. 14), ao abordar sobre a formação continua-
da, levanta os seguintes questionamentos: “para lecionar basta possuir um diploma
universitário? O que é formação contínua? Ela é importante para quê? Quais opções
de formação contínua têm sido oferecidas aos professores?”.
Além dessas considerações, chama-se atenção para o papel dos cursos em ação
continuada, com os quais se tem envolvimento atual, particularmente nessa for-
mação para profissionais pedagogos que atuam em uma área em que a inovação é
primordial. Neste segmento, destaca-se o papel de dois grupos, um liderado por Lo-
renzato (2015) e outro pelo autor do presente artigo - GEPGEO, os quais ocupam-se
diretamente com o ensino de Geometria nos diversos níveis, buscando atualizações
para além de uma simples concepção euclidiana.
Biani (2015) analisa um projeto de ensino realizado pelo grupo liderado por
Lorenzato, no qual uma das atividades desenvolvidas dizia respeito à localização
em mapas. Nessa ocasião, os alunos, inicialmente, questionaram se era uma ta-
refa de Geografia ou de Matemática, ao que concluíram, após debates, ser “uma
dedução intuitiva, mas já agregando algum conhecimento” (p. 67). Essa conclusão
de um episódio de aula de 5º ano do Ensino Fundamental vai ao encontro do que
Fischbein (1987, p. 19) aponta para a intuição como forma de produzir conheci-
mentos: “o papel essencial da intuição é conferir às componentes conceituais de um
esforço intelectual as mesmas propriedades as quais garantem a produtividade e a
eficiência adaptativa de um comportamento prático”. O autor vai além ao indicar que
as representações visuais “não somente auxiliam na organização da informação em
representações como constituem importante fator de globalização [...]”. Além disso,

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Uma árvore diferente: fractal exploratório na formação continuada de professores pedagogos

uma imagem visual não apenas “[...]organiza os dados em estruturas significativas,


mas é também um fator importante para orientar o desenvolvimento de uma solução
analítica, representações visuais são essenciais dispositivos antecipatórios” (p. 104).
Com relação ao indicado, Lima e Carvalho (2014) abordam, em suas pesquisas
sobre conversas com professores, que ensinam Geometria na atualidade, sobre as
representações em geometria escolar serem importantes. Assim expressam: “Em
todas as atividades mencionadas acima, o conhecimento geométrico é construído,
gradativamente, com o auxílio de representações dos objetos do mundo físico [...] e,
nesse processo, o sentido da visão desempenha um papel destacado” (p. 92). A partir
disso, discorrem sobre visualização, em direção análoga ao que o autor do artigo
tem abordado em pesquisas de sua autoria.

Geometria fractal

Neste item, traz-se algumas considerações a respeito de Geometria Fractal, uma


das geometrias não euclidianas mais recentes, particularmente devido aos estudos de
Mandelbrot, no século XX. De acordo com Janos (2009, p. 285), “A Geometria Fractal
é uma linguagem matemática que descreve, analisa e modela as formas encontradas
na natureza”. Esta geometria está fundamentalmente ligada à teoria do Caos e,
segundo Barbosa (2002, p. 9), “Ambas, Geometria Fractal e Caos se desenvolveram
principalmente pelo rápido aprimoramento das técnicas computacionais”. No que
diz respeito ao estudo desses objetos, o autor acrescenta: “A Matemática, em geral,
fornece ao matemático, ao professor, e é bom que também ofereça ao educando, pra-
zeres oriundos de várias formas de pensar e ver, ou de suas próprias ações” (p. 13).
A partir dessa última afirmação é que a presente pesquisa desenvolve-se, na
medida em que oferece a professores da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental uma oportunidade de aprenderem, como educandos, novas formas
de ensinar, explorando habilidades frequentemente prazerosas para esses sujeitos,
como colorir, recortar, fazer atividades manuais e visuais.
Entende-se que, empregar Geometria Fractal em uma aula na modalidade re-
mota (ou não), com profissionais trabalhando com crianças pequenas, pode permitir
um avanço nos quesitos relacionados a números, sequências numéricas, visualização
de formas geométricas planas e propriedades relacionadas.

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 914-933, 2021 919

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Fractais matemáticos são aqueles construídos a partir de regras matemáticas


estabelecidas, como divisão em partes congruentes, no caso do Conjunto de Cantor;
determinação de pontos médios de lados de um triângulo equilátero, no Triângulo
de Sierpinski; exploração do Teorema de Pitágoras, no caso do presente artigo, na
construção da Árvore Fractal.
Uma pesquisa no 3º Ano do Ensino Médio com Geometria Fractal foi realizada
por Picoli Sonza e Leivas (2018), em que foi explorado o papel dobradura em quatro
etapas, cada uma envolvendo um dos fractais a seguir: Curva de Koch, Floco de
Neve de Koch, Triângulo de Sierpinski e Árvore Bifurcada. Os autores concluíram
que os participantes identificaram os fractais na natureza, bem como sua impor-
tância para o estudo em questão. Além disso, relacionaram o tema a outros tópicos
de Matemática já estudados.
A exploração da Árvore Fractal no Ensino Fundamental e na Arquitetura foi
realizada por Baier, Sedrez e Krindges (2012). Os autores mostram possibilidade
de se estudar temas contemporâneos de Matemática que deveriam fazer parte dos
currículos dessa disciplina, aspecto com o qual as pesquisas do autor do presente
artigo corroboram. Os autores, em seu trabalho, apresentam algumas características
da Geometria Fractal, assim como regras de construção obtidas por estudantes de
um oitavo ano do Ensino Fundamental. Indicam, também, obras arquitetônicas que
exploram fractais e que despertam o interesse dos estudantes para a Matemática.
Outra pesquisa com estudantes do Ensino Fundamental, em um 9º ano, foi
realizada por Picoli Sonza e Leivas (2018), dessa feita explorando a Teoria de Van
Hiele, juntamente com o software Geogebra, na construção da Árvore Pitagórica. Os
estudantes classificaram figuras geométricas de elementos da natureza obtidos por
meio de fotografias, agrupando-os de acordo com as duas geometrias – Euclidiana e
Fractal. Além disso, identificaram características de autossemelhança nos objetos
fractais e concluíram que ambos os recursos foram decisivos para a compreensão
do Teorema de Pitágoras e de sua aplicação.
A partir dessa rápida revisão, pode-se perceber as inúmeras possibilidades de
explorar Geometria Fractal em níveis diferenciados de escolaridade e de situações
de aplicação. Portanto, tem-se mais uma razão para a presente pesquisa, que se
distingue das citadas por envolver professoras da Educação Infantil e Anos Iniciais
em uma ação continuada.

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A investigação e a análise dos dados.

Como já explicitado, a pesquisa foi realizada no primeiro semestre de 2020, du-


rante o período de pandemia e de forma remota. As estudantes já haviam estudado
o tema sequências e padrões, especialmente na abordagem da filotaxia das plantas.
Além disso, os pressupostos de Geometria Fractal também haviam sido tratados,
uma vez que realizaram uma atividade envolvendo o Triângulo de Sierpinski com
o uso de recortes em papel e colagem em uma folha colorida, determinando padrões
em termos de perímetros e áreas dos triângulos. Inicialmente, na primeira aula
da disciplina, haviam construído um cartão fractal, dando continuidade ao estudo
dessa geometria nas aulas subsequentes.
O professor-pesquisador apresentou em PowerPoint no qual solicitava o material
necessário para a realização da atividade, retomando o que havia indicado previa-
mente (uma ou duas folhas A4 ou papel quadriculado/milimetrado); lápis, borracha,
régua, canetinhas... (o que tivesse ao redor); um ou dois cantos retos duros (livros,
cartolina, metal... o que estivesse ao alcance); material para fazer um diário de bordo
da aula (o qual deveria ser devolvido por e-mail ao professor em um prazo de 48h).
No segundo slide, discutiu-se sobre o processo avaliativo do trabalho (Figura 1)

Figura 1: Indicativos do processo avaliativo.

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 914-933, 2021 921

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No que segue, foram propostas etapas e acompanhamento pela plataforma sobre


o desempenho das participantes:
1) Marque na folha, na parte inferior, um segmento AB, paralelo à base inferior,
de 10 cm de comprimento e marque o seu ponto médio C.
2) Pelo ponto médio C do segmento AB, trace uma perpendicular e, sobre ela,
um segmento com 8 cm de comprimento. Chame seu ponto extremo de D.
Durante a construção, o professor-pesquisador pode constatar algumas dificulda-
des, inicialmente, na compreensão do que deveriam realizar. Promoveu, assim, uma
discussão com todas. Dienes (1977) reitera o dito por Piaget de que, nas crianças,
as primeiras noções independem de medidas. Com este grupo focal não aconteceu
diferente. Ao se questionarem como obter a perpendicular, sem que o proponente da
atividade o dissesse, logo associaram tal fato ao que ele havia recomendado (terem
um ou dois cantos retos duros - livros, cartolina, metal...). Assim, traçaram a per-
pendicular, uma vez que não houve dificuldade na compreensão da determinação
do ponto médio C do lado AB.
3) Trace paralela ao segmento AB (ou perpendicular ao CD), passando pelo
ponto D.
Para a realização dessa tarefa, houve um hiato considerável por partes das
participantes, até que PP4 promoveu uma explosão, enquanto as demais questio-
navam como proceder: “coloca um livro com o dorso no segmento AB, bem pertinho
de A e deixa o dorso para dentro e firma bem. Tira o primeiro e escora no segundo
fazendo ele passar por D e passa uma reta” (PP4). Ao que tudo leva acreditar, essa
participante explorou sua intuição, no sentido indicado por Fischbein (1987, p. 19),
ou seja, utilizar tal habilidade para produzir conhecimentos. Em outras palavras,
a intuição é o esforço intelectual que garante produtividade e eficiência adaptativa
de um comportamento prático. Assim, todas seguiram a sugestão e obtiveram a
linha paralela ao segmento AB. O professor-pesquisador, vale ressaltar, não teve
preocupação maior com a formalização conceitual.
Na sequência, encaminhou o seguinte (Figura2):
4) Marque um segmento DE, com 5cm, nessa paralela para a direita, e outro
DF, também de 5cm, para a esquerda.
5) Obtenha os quadrados DEHG e DFKG.

922 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 914-933, 2021

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Figura 2: Construção do professor-pesquisador

No que segue, apresenta-se as primeiras construções realizadas por PP6 (Figura


3) e encaminhadas por e-mail ao professor-pesquisador, de modo a atender ao que
segue.
6) Trace as retas DH e DK.
7) Marque sobre a reta DH o semento DL com a metade da medida de CD e o
mesmo sobre DK (DJ).
8) Apague os quadrados

Figura 3: Elaborado por PP6.

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Salienta-se que as estudantes não dispunham de transferidor, de modo a obte-


rem as bifurcações da árvore para obter o padrão fractal. O professor-pesquisador,
por essa razão, ao utilizar os livros/régua, optou por obter o ângulo de 45º, uma vez
que ele corresponde àquele formado pela diagonal do quadrado com um de seus
lados. Dessa forma, seria viável a construção sem o instrumento apropriado, isto
é, o transferidor. Percebe-se que a sequência apresentada por PP6 satisfaz plena-
mente, visto que a estudante, assim como as demais, apoderou-se da ‘ferramenta’
adaptada. Como ilustra a Figura 3, a utilização de livros para a obtenção de ângu-
los retos permitiu a bifurcação da árvore, o que vai ao encontro do dito por Arcavi
(1999) sobre o processo e o produto de criação no desenvolvimento de visualização
desse objeto fractal.
Na Figura 4 são ilustradas outras etapas da construção da árvore fractal ex-
plorando os recursos adaptados para a tarefa realizada por PP5. Essa participante
explorou o papel quadriculado, diferentemente das demais que usaram o papel ofício.
Deste modo, recorreu a outra forma de obtenção dos quadrados. Importante destacar
que fora solicitado reunirem o tipo de material que havia disponível nas residências
individuais, sendo que apenas essa participante dispunha do papel quadriculado.
Destaca-se, também, que ela foi bastante criativa e não pediu auxílio ou orientação
para obter as diagonais, usando o lado do quadradinho como unidade de medida.

Figura 4: Construção de PP5.

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Para finalizar a construção, foi indicado:


9) Formar quatro novos quadrados, conforme o material que dispuser. Estes
devem ter um lado sobre as retas assinaladas, um para um lado e o outro
para o outro.
Na Figura 5, apresenta-se a construção realizada pelo professor no Geogebra,
bem como sua finalização.

Figura 5: Dados do professor-pesquisador.

Na figura da esquerda, estão orientações para a construção dos quadrados na


primeira iteração, a fim de obter diagonais correspondentes às ramificações de 45o
e, na da direita, a árvore com os traços auxiliares já eliminados. A seguir, constam
explorações a partir do andamento das construções que foram feitas, como a deter-
minação dos padrões.
Construída a Árvore Fractal, deu-se início a outra etapa da investigação, que
consistia na busca dos padrões encontrados. Para isso, distribuiu-se, antecipada-
mente, o Quadro 1, para ser preenchido durante as construções.

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Quadro 1: Dados coletados durante a construção da Árvore Fractal.


Constituintes da Árvore Fractal
Interação Quantidade de segmentos Quantidade de segmentos em forma de potenciação
0
1
2
3
4
...
n

Embora a coleta de dados possa parecer simples, ela foi relevante para os su-
jeitos da pesquisa, uma vez que os auxiliou na organização das tarefas e permitiu
que tirassem conclusões corretas no que diz respeito aos padrões e sequências que
podem ser obtidas nos objetos fractais. Particularmente, esses padrões ocorrem
naqueles fractais construídos matematicamente, os quais, no presente caso, foram
também explorados geometricamente, indo ao encontro do que preconiza a BNCC.
Assim, foram propostos os seguintes questionamentos:
Quantos segmentos foram construídos na segunda iteração? Quantos segmentos
seriam construídos na 5ª iteração? Qual é a razão (divisão) entre os segmentos na
1ª e na 2ª iteração? Qual é a razão entre os segmentos na 2ª e na 3ª iteração? Ain-
da, escreva a lei matemática que determina o número de segmentos em função do
número de iterações. No que segue, apresenta-se os dados e conclusões de algumas
participantes.
PP5

Quadro 2: Dados fornecidos por PP5.


Iteração Quantidade de segmentos Quantidade de segmentos em forma de potência
0 2 21
1 4 22
2 8 23
3 16 24
4 32 25
... 64 26
n

926 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 914-933, 2021

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A participante interpretou que, na primeira iteração, havia o segmento horizontal


e o vertical, logo 2. Indicou, para a posição 5, localizada na linha com pontinhos,
o valor correto de 64 segmentos. Portanto, 26, ou seja, não se deu conta que essa
era a quinta posição e, então, poderia retomar a escrita e escrever 25, retificando
os anteriores. Talvez por isso, embora conseguisse escrever as potenciações cor-
retamente, não expressou a generalização para n. Ela iniciou com 2 segmentos
e com o expoente 1, quando ainda não havia iteração. Talvez, por isso, não tenha
conseguido a expressão 2n+1. Finalizando, a participante escreveu que a razão entre
os comprimentos era de 0,5. No entanto, como pode ser verificado no Quadro 2, ela
não conseguiu escrever a lei matemática que expressa o número de segmentos em
função do número de iterações. Essa finalização remete diretamente ao questiona-
mento feito por Lorenzato (2015), quando argumenta que determinadas abordagens
na formação continuada não bastam para lecionar, tampouco um diploma superior.
No que segue, apresenta-se os dados fornecidos por PP4. A estudante, a exemplo da
anterior, demonstrou limitações na formalização das potenciações, particularmente
por ter interpretado a iteração 0 como isenta de segmentos e, no caso, a expressão
pode ter sido considerada coerente (Quadro 3). Já na segunda linha, ela interpreta
como tendo um único segmento e completa com 11.

Quadro 3: Dados fornecidos por PP4.


Iteração Quantidade de segmentos Quantidade de segmentos em forma de potência
0 0 01
1 1 11
2 2 21
3 4 22
4 8 23
... 16 24
n Nº segmentos anteriores x 2 2nº de interações – 1

PP4 interpreta que, na segunda iteração, há “2 segmentos formando os 1os galhos


da árvore”. Responde aos demais itens coerentemente, indicando que a razão seria a
metade, e escreve a lei matemática de modo correto, ainda que não tão bem forma-
lizada. Reporta-se, neste ponto, à visualização sugerida por Fischbein (1987) que,
aliada à intuição, produz conhecimentos auto evidentes a partir de uma afirmação
trivial pensada em termos de imagens visuais.

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PP3 informa: “Observei a construção feita anteriormente e completei a tabela”,


a qual consta do Quadro 4.

Quadro 4: Dados fornecidos por PP3.


Iteração Quantidade de segmentos Quantidade de segmentos em forma de potência
0 1 2º
1 2 2¹
2 4 2²
3 8 2³
4 16 24
5 32 25
n 64 2n+1

Essa estudante destacou-se pela expressão correta das potenciações, tendo co-
meçado pela iteração 0 como sendo a primeira. Ao responder aos questionamentos,
explicita que, na segunda iteração, há 2 segmentos e na quinta, 16. Conclui que o
número de segmentos vai dobrando e indica corretamente a generalização, isto é,
2n+1. Ela fornece, ainda, a seguinte explicação: “De um galho central vão surgir ga-
lhos secundários e dos secundários surgem outros e assim por diante e normalmente
observa-se a diminuição do tamanho desses galhos”.
Ao analisar os dados fornecidos por PP3, retoma-se o indicado por Rodríguez
et al. (2016), ao afirmarem ser preciso recorrer aos elementos capturados em um
documento disponibilizado a partir da realização de uma aula. Essa análise do
documento fornecido por PP3 vai ao encontro da aquisição de habilidades visuais
como preconizado por Arcavi (1999), as quais promovem um processo de criação,
interpretação e uso de figuras e imagens reproduzidas em papel.
Para concluir as análises da atividade, foi pedido que as participantes indicas-
sem dificuldades na interpretação da tarefa; aspectos positivos; aspetos negativos;
conexões da atividade realizada com o que indica a BNCC; possibilidades de uso
na prática profissional das participantes. Apresenta-se os depoimentos de duas das
participantes.

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PP1
Dificuldades na interpretação da tarefa.
“No início da atividade que era a construção da árvore fractal parecia que era fácil a sua
construção, mas no decorrer da atividade não sei por que, ficou um pouco complicado
nas medidas das ramificações da árvore, o importante que no final deu tudo certo”.

Aspectos positivos da tarefa.


“Para mim foi de grande relevância essas propostas de aula fazendo com que a curio-
sidade crescesse a cada aula fazendo com que me tornasse pesquisadora de cada
tema abordado em sala de aula. Assim, podemos perceber que a matemática pode ser
trabalhada de várias maneiras, deixando o seu conteúdo mais prazeroso”.

Aspectos negativos da tarefa


“O único negativo, para mim que não foi em aula presencial, mas valeu o desafio”.

Conexões da atividade com a BNCC


“Alguns fractais são construídos conforme a BNCC a partir de objetos geométricos
estudados na educação básica, tais como segmentos de reta, triângulos e quadrados.
Outros são construídos por meio de programas computacionais com a utilização de
dezenas de cores, apresentam uma movimentação com forte apelo estético e, numa
visão superficial”.

Conexões possíveis com sua prática profissional nos Anos Iniciais


“Sim, as práticas pedagógicas podem e devem ser trabalhadas sempre que possível
desde o maternal até o ensino superior sobre os fractais como um conteúdo criativo na
matemática, fazendo com que a matemática deixe de ser aquele bicho que todo estu-
dante acha para ser uma aula prazerosa cheia de mistério, criatividade e descoberta”.

No que segue, PP5 apresenta seus depoimentos de forma sequencial.


“A árvore fractal foi construída a partir de iterações feitas, com material improvisado que
cada pessoa dispunha no momento. Essas iterações foram aumentando, dando a forma
de árvore. Eu senti dificuldades para interpretar a tarefa a partir do momento que tive que
realizá-la sozinha. Aí refiz tudo novamente, seguindo os slides que o professor enviou”.

Aspectos positivos da aula


“Realizar a partir da geometria atividades práticas e motivadoras. Utilizar na realização
da atividade materiais que temos em casa”.

Aspectos negativos
“Insegurança em relação ao que eu entendi e o que o professor esperava...”

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“De acordo com a BNCC este conteúdo pode ser trabalhado com o quinto ano do Ensino
Fundamental, observando a proporção, a partir do aumento do número de segmentos e
a diminuição do tamanho dessas iterações. (EF05MA18) Reconhecer a congruência dos
ângulos e a proporcionalidade entre os lados correspondentes de figuras poligonais em
situações de ampliação e de redução em malhas quadriculadas e usando tecnologias
digitais”.

“Essa atividade pode ser explorada nos anos iniciais de inúmeras maneiras, depen-
dendo do objetivo do professor. (EF05MA14) Utilizar e compreender diferentes repre-
sentações para a localização de objetos no plano, como mapas, células em planilhas
eletrônicas e coordenadas geográficas, a fim de desenvolver as primeiras noções de
coordenadas cartesianas”.

“Além de trabalhar a matemática, podem ainda dar introdução a interpretação de plantas


baixas em malhas quadriculadas”.

Considerações finais

Neste artigo apresentou-se análise de uma pesquisa realizada no primeiro semes-


tre do ano de 2020, com uma turma em ação continua em um mestrado profissional.
Envolveu seis professoras da Educação Infantil e Anos Inicias, todas com formação
inicial em Pedagogia. A disciplina tinha como pressuposto curricular a abordagem
de números. O professor da turma, autor do presente artigo, buscou desenvolver
o conteúdo por meio de uma construção fractal, uma vez que, no primeiro dia de
aula, já havia dado alguns indicativos dessa geometria na exploração de sequências
numéricas e padrões na construção de um cartão fractal.
A pesquisa teve por objetivo investigar visualização em uma construção fractal
exploratória envolvendo geometria e formas, grandezas e medidas. Após o preenchi-
mento de um quadro com medidas obtidas durante a construção da Árvore Fractal,
os estudantes encaminharam este documento ao professor-pesquisador, o qual os
utilizou para realizar a análise dos dados.
A opção por este fractal prendeu-se ao fato de que ele permitiu ir além da utiliza-
ção de recursos convencionais como esquadros, compasso e transferidor. Além disso,
pelo fato de a atividade ser desenvolvida no ambiente domiciliar de cada participante
individualmente e de modo remoto. O fato de vivenciar-se o momento de pandemia im-
plicou no entendimento da necessidade de adaptar situações/materiais e alternativas
didático/metodológicas para o ensino e a aprendizagem matemática, especialmente
por tratar-se de uma disciplina de um mestrado profissional em ensino.

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Outra razão pela escolha deste fractal é que ele permite explorar tanto geometria
e formas quanto grandezas e medidas, recomendadas nos conteúdos e habilidades
da BNCC. Assim, entende-se e pesquisa-se sobre habilidade de visualização e, nes-
sa situação, foi possível explorá-la na obtenção de padrões e sequências, inclusive
o envolvimento com potenciação, o que não é muito frequente na formação inicial
desses sujeitos.
Os resultados da pesquisa mostram que elementos visuais e conteúdos geomé-
tricos foram explorados e que permitiram aprimorar o nível de desenvolvimento de
pensamento geométrico das participantes. Por sua vez, o envolvimento desses sujei-
tos, avaliando a realização da atividade, apontando aspectos positivos e negativos e,
sobretudo, indicando sua viabilização junto às suas práticas profissionais, indicam
que a opção por tal metodologia na referida atividade com Geometria Fractal pode
ser utilizada em qualquer nível de escolaridade, desde que adaptada didaticamente.
Espera-se que tal pesquisa possa contribuir para que outros profissionais que
atuam no nível de ensino investigado possam fazer uso dessa atividade, aprovei-
tando-a como sugestão de como é possível ser realizada durante o ensino remoto.

A different tree: exploratory fractal in continuing teacher


education

Abstract

In this article, a qualitative research was presented, which had the general objective of investiga-
ting visualization in an exploratory fractal construction involving geometry and shapes, quantities
and measures. As the main theoretical foundation, conceptions about the ability of visualization
and how it can be explored in obtaining data on sequences and patterns obtained in the cons-
truction of the Fractal Tree were used. The research was carried out in a class, in the remote
teaching modality, due to the period of pandemic that occurred during the course offered in a
program of continuous action at the master’s level aimed at teachers with initial training in Peda-
gogy, all in exercise. The application was made through an online digital platform and data were
collected through texts and images produced by the six participants. The results showed that it
is feasible to explore a geometry other than Euclidean and to be developed in their practices.

Keywords: Pythagorean Tree. Sequences and Patterns. Early Years.

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José Carlos Pinto Leivas

Notas
“[...] Puede ser una consigna, una tarea, un listado de tareas, la planificación, el programa de la materia,
1

la filmación de una clase, el registro escrito de una clase, un libro, etcétera. Ya sea de autoría propia o
ajena, el documento debe estar disponible en papel, audio o video, extraído de internet u otras fuentes”
A sigla PP foi utilizada com as iniciais das palavras Professor Pedagogo seguidas de índice numérico.
2

Referências
ARCAVI, A. The role of visual representation in the learning of mathematics. In: NORTH AMERI-
CAN CHAPTER OF THE PME, 1999. Proceedings… Disponível em: <http://www.clab.edc.uoc.
gr/aestit/4th/PDF/26.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2020.
BAIER, T.; SEDREZ, M. R.; KRINDGES, E. E. ÁRVORES FRACTAIS NO ENSINO FUNDA-
MENTAL E NA ARQUITETURA. Anais... IV Jornada Nacional de Educação Matemática; XVII
Jornada Regional de Educação Matemática. Passo Fundo, UPF, 2012.
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Nayara Ricele da Costa Tavares, Jaílson Santos de Novais

“Você já estudou sobre aquecimento global


na escola?”: contrapontos de estudantes
amazônidas do campo e da cidade
Nayara Ricele da Costa Tavares*, Jaílson Santos de Novais**

Resumo
Diferentes áreas do conhecimento discutem sobre aquecimento global. A temática suscita mui-
tos debates devido ao dissenso entre pesquisadores e outros setores sociais sobre a existência,
as causas e os efeitos do aquecimento da Terra. A escola é um dos espaços onde esse debate
comumente ocorre. Considerando que a Amazônia desempenha um papel central na discussão
sobre o aquecimento planetário, neste trabalho, investigamos quais as principais fontes de infor-
mação sobre aquecimento global a que estudantes têm acesso, bem como se a escola aborda
esse assunto. Participaram da investigação 249 estudantes do ensino fundamental em duas
escolas municipais de Santarém, Pará, sendo uma na zona urbana e outra na zona rural. Um
questionário foi aplicado aos participantes durante aulas de ciências. Os resultados apontam
que a escola trabalhava a temática ambiental por meio de exercícios e leituras, principalmente
na disciplina geografia. Contudo, aparentemente não abordava alguns elementos estabelecidos
nos parâmetros curriculares nacionais e no programa de ensino da rede municipal de educação,
à época da pesquisa (2012). A televisão demonstrou ser um meio de difusão frequente da temá-
tica entre estudantes. Porém, outras fontes de informação foram relatadas, como a internet, na
zona urbana, e o livro didático, na zona rural. Informações da mídia podem ser um instrumento
útil de debate na escola, no entanto, o embasamento científico é fundamental para enriquecer a
discussão e questionar criticamente informações equivocadas.

Palavras-chave: Educação na Amazônia; Ensino de ciências; Ensino fundamental; Mudanças


climáticas.

*
Especialista em Sociedade, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia pelo Centro de For-
mação Interdisciplinar da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Professora do Colégio Pitágoras.
Juruti, Pará, Brasil. E-mail: [email protected]
**
Doutor em Ciências Biológicas (Botânica) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Professor
do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Sosígenes Costa, da Universidade Federal do Sul da Bahia
(UFSB); do Programa de Pós-graduação em Ciências e Tecnologias Ambientais (UFSB/IFBA); e do Programa
de Pós-graduação em Sociedade, Ambiente e Qualidade de Vida, da Universidade Federal do Oeste do Pará
(UFOPA). Porto Seguro, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected]

Recebido em: 17/09/2020; Aceito em: 31/08/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.10790
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

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“Você já estudou sobre aquecimento global na escola?”: contrapontos de estudantes amazônidas do campo e...

Introdução

O ensino de ciências contribui para formar cidadãs e cidadãos críticos, que sejam
capazes de compreender o mundo ao seu redor, ao refletirem sobre o papel da ciência
nesse processo e de como ela influencia a nossa vida em sociedade. Nesse contexto,
a literatura aponta de forma praticamente consensual que o ensino de ciências e
suas metodologias, devido a esse caráter emancipatório e cidadão, estão sujeitos às
modificações históricas, econômicas e sociais, do nível global ao local (KRASILCHIK,
1987; KRASILCHIK; MARANDINO, 2004; ZAUITH; HAYASHI, 2013).
Ampliar o letramento científico da sociedade é um dos objetivos centrais do
ensino de ciências. Com isso, assim como Krasilchik e Marandino (2004), entende-
mos que:
[...] ser letrado cientificamente significa não só saber ler e escrever sobre ciência, mas
também cultivar e exercer as práticas sociais envolvidas com a ciência; em outras pa-
lavras, fazer parte da cultura científica. (KRASILCHIK; MARANDINO, 2004, p. 22).

Para que esse objetivo seja alcançado, é fundamental que o ensino de ciências,
tanto em espaços formais, quanto não formais, abarque temáticas e debates atuais
que permeiam a vida em sociedade, a exemplo de aquecimento global, bioética,
equidade, racismo, vacinas, dentre outros (VERRANGIA; SILVA, 2010; SILVA;
KRASILCHIK, 2013; BARBOSA; LIMA; MACHADO, 2019). Dessa forma, espera-se
que o ensino de ciências escolar prepare cada estudante para ser um(a) cidadão(ã)
informado(a) sobre a ciência (ALLCHIN, 2011), “[...] confiante para viver com a
ciência como uma importante fonte de conhecimento para a sociedade, e que sabe
como e quando a ela recorrer” (FENSHAM, 2014, p. 660, tradução nossa).
No presente estudo, centramo-nos na temática do aquecimento global antropo-
gênico, um fenômeno controverso do ponto de vista da discussão social, haja vista as
implicações predominantemente políticas e econômicas decorrentes dessa discussão.
Apesar disso, há aspectos consensuais no âmbito científico, no que tange à base física
desse fenômeno, conforme apontado por Junges e Massoni (2018, p. 471). Investigar
como estudantes em diferentes contextos compreendem essa temática é importante
para que se repense o ensino sobre aquecimento global nas escolas, a partir de um
planejamento voltado para a compreensão (WIGGINS; McTIGHE, 2019).
Diante disso, este trabalho investiga quais são as principais fontes de informação
sobre aquecimento global para estudantes de duas escolas públicas no município

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de Santarém, Pará, em contextos urbano e rural. Além disso, o estudo averiguou


se e como as escolas abordam a temática do aquecimento global, na visão dos(as)
estudantes. Participaram desta pesquisa 249 estudantes do 8.º e 9.º anos do ensino
fundamental, por meio de resposta a um questionário semiestruturado aplicado no
primeiro semestre de 2012. O presente artigo complementa um estudo qualitativo
anteriormente conduzido por Tavares e Novais (2014) com o mesmo conjunto de
participantes, no qual foram estudadas percepções sobre o conceito de aquecimento
global e a relação de tal conceito com a Amazônia.
Sobre aquecimento global e o currículo de ciências
A Base Nacional Comum Curricular – BNCC – foi instituída no Brasil pela
resolução CNE/CP n.º 2, de 22 de dezembro de 2017. Para o ensino fundamental, a
BNCC inclui no 8.º ano, na área de Ciências, a unidade temática Terra e universo.
Nela, para o objeto de conhecimento Clima, está prevista a seguinte habilidade:
“(EF08CI16) Discutir iniciativas que contribuam para restabelecer o equilíbrio
ambiental a partir da identificação de alterações climáticas regionais e globais
provocadas pela intervenção humana” (BRASIL, 2018, p. 349).
Além disso, a BNCC menciona que a área de ciências busca “[...] abranger com
maior detalhe características importantes para a manutenção da vida na Terra, como
o efeito estufa e a camada de ozônio [...]” (BRASIL, 2018, p. 328), que são fatores
diretamente ligados à compreensão do aquecimento global. Esse assunto também é
mencionado na BNCC em uma habilidade prevista para a unidade temática Gran-
dezas e medidas, para o 4.º ano em matemática:
(EF04MA23) Reconhecer temperatura como grandeza e o grau Celsius como unidade
de medida a ela associada e utilizá-lo em comparações de temperaturas em diferentes
regiões do Brasil ou no exterior ou, ainda, em discussões que envolvam problemas
relacionados ao aquecimento global (BRASIL, 2018, p. 293).

Antes da BNCC, os Parâmetros Curriculares Nacionais já previam que, nas


ciências naturais, as(os) estudantes do 4.º ciclo do nível fundamental (8.º e 9.º anos)
deveriam discutir a “[...] investigação sobre a polêmica do aquecimento global do
planeta e da inversão térmica [...]” (BRASIL, 1998a, p. 99). Ainda segundo os PCN
(BRASIL, 1998b), o meio ambiente é incluído como tema transversal no currículo
escolar, seguindo a ideia do eixo temático Vida e Ambiente. Ao final do 4.º ciclo, a(o)
estudante deve ter conhecimento sobre os principais ciclos biogeoquímicos, como
os do carbono e do oxigênio, podendo assim contribuir em debates ambientais, dis-

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cutindo o problema das queimadas na Amazônia, o “buraco” na camada de ozônio


etc. (BRASIL, 1998a).
Tratando-se do recorte proposto para a presente pesquisa, o munícipio de
Santarém (Pará), observamos que o programa de ensino da Secretaria Municipal
de Educação e Desporto (SEMED) do 1.º ao 9.º inclui o eixo temático “Vida e meio
ambiente”, no qual relaciona a ciência com questões sociais, tecnológicas e naturais.
Observa-se que as orientações curriculares ainda recomendam de forma limitada
a inclusão da temática aquecimento global na educação básica, especialmente no
ensino de ciências. A literatura na área aponta isso, ressaltando que muito ainda
precisa ser feito para que essa temática seja tratada de forma ampla e efetiva no
ensino de ciências (JACOBI et al., 2011; JUNGES; MASSONI, 2018). Sobre isso,
Jacobi et al. (2011, p. 138–139) afirmam que:
Independentemente do nível de envolvimento e centralização pelos governos, os
relatórios frisam que a CCE [Climate Change Education] segue sendo um tema pe-
riférico na área da educação, tanto no âmbito das pesquisas acadêmicas quanto na
prática cotidiana escolar.

Apesar disso, é possível encontrar um campo de pesquisas sobre aquecimento


global e ensino de ciências, ensino de mudanças climáticas (climate change education)
e letramento climático (climate literacy), como apontam levantamentos realizados
por Azevedo e Marques (2017), Monroe et al. (2017) e Gonçalves, Juliani e Santos
(2018). As abordagens da temática são diversas e incluem, por exemplo, o trabalho
na perspectiva de temas sociocientíficos controversos, do letramento ou da alfabe-
tização científica, e da intersecção ciência–tecnologia–sociedade–ambiente.
Jacobi et al. (2011, p. 145) defendem a necessidade de:
[...] uma instrumentalização teórica e metodológica do educador no processo de for-
mação inicial e continuada, nas diferentes áreas de formação, para poder desenvolver
as potencialidades do educando no que diz respeito ao conhecimento sobre as mudan-
ças climáticas e às atitudes e valores envolvidos nesse processo, desde a educação
infantil até a educação superior.

Um passo importante para alcançar essa meta é compreender como as escolas


têm abordado a temática do aquecimento global e quais as fontes de informação
sobre isso a que estudantes têm acesso. De posse dessas informações, é possível
planejar ações pedagógicas mais efetivas, em um processo dialógico entre o que a
escola ensina, o que a(o) estudante apreende no cotidiano, a partir de diferentes

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fontes, e o que se espera do ensino de ciências, enquanto elemento promotor do


pensamento crítico para a formação cidadã.

Método

Lócus da investigação e participantes

A pesquisa ocorreu em duas escolas municipais de ensino fundamental na cidade


de Santarém (Pará, Brasil). A fim de preservar a identidade das unidades escolares
e das(dos) participantes, doravante, as escolas serão referidas como escola urbana
e escola rural.
A escola urbana situa-se na zona urbana de Santarém e atende principalmente
a estudantes que residem em bairros circunvizinhos, como Aeroporto Velho, Jardim
Santarém e Santarenzinho. Durante a pesquisa, a instituição atendia a aproxima-
damente 324 estudantes, dos quais 158 correspondiam ao 4.º ciclo, com faixa etária
entre 12 e 15 anos. Além disso, a escola dispunha de 38 docentes, sendo que três
deles(as) lecionavam ciências.
A escola rural localiza-se na região do planalto santareno, em comunidade rural às
margens da rodovia BR–163, Santarém–Cuiabá. A referida escola atende a estudantes
de comunidades rurais como Andirobal, Igarapé do Pimenta, Poço Branco e São José.
À época da coleta de dados, a instituição atendia a aproximadamente 551 estudantes,
das(dos) quais 101 estavam no 4.º ciclo, com idade entre 12 e 17 anos. Ao todo, 22 do-
centes atuavam na escola, com apenas uma professora lecionando a disciplina ciências.
A presente pesquisa incluiu 249 participantes, sendo 148 na escola da zona ur-
bana e 101 na escola da zona rural, com faixa etária entre 12 e 17 anos. Todas(os)
as(os) estudantes do 4.º ciclo – 8.º e 9.º anos do ensino fundamental – que concor-
daram previamente em participar da pesquisa e estavam presentes nas turmas no
dia da aplicação responderam ao questionário.

Instrumento para coleta e análise dos dados

O instrumento para coleta de dados consistiu em um questionário versando so-


bre os meios pelos quais os estudantes têm acesso a informações sobre aquecimento
global e se a escola tem trabalhado esse assunto em suas atividades (Figura 1). A

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aplicação do instrumento ocorreu no primeiro semestre de 2012, durante as aulas de


ciências. A direção das escolas, bem como as(os) docentes responsáveis pelas turmas
concordaram com a execução da pesquisa nos termos aqui descritos. As respostas
foram categorizadas em planilha eletrônica do software Microsoft Office Excel® 2010
e são aqui apresentadas sob a forma de gráficos percentuais e dados descritivos.

Figura 1: Instrumento para coleta de dados aplicado a 249 estudantes do 8.º e 9.º anos do ensino
fundamental em escolas urbana e rural em Santarém, Pará, durante pesquisa sobre
aquecimento global
ESCOLA:__________________________________________________________________
IDADE: _______ anos completos SEXO: ( ) Masculino ( ) Feminino
TURMA: _______________________ TURNO: ____________________________

1. Marque abaixo os meios de comunicação pelos quais você já viu alguma informação sobre o
tema aquecimento global:
( ) Livro didático ( ) Revista ( ) Televisão. Que tipo de programa? ________
( ) Internet ( ) Filme ( ) Jornal impresso
( ) Desenho animado ( ) Outros. Quais? __________________________

2. Você já estudou algo sobre aquecimento global na escola? ( ) Sim ( ) Não


Se você respondeu “Sim”, em qual ou quais disciplinas isso aconteceu? _____________________________
__________________________________________________
3. Se você já ouviu falar sobre aquecimento global na escola, como isso foi trabalhado?
( ) Aula expositiva ( ) Seminário ( ) Jogos ( ) Aula de campo
( ) Exercício ( ) Leitura ( ) Palestra ( ) Filmes
( ) Outros. Informe como: _____________________________________________________
4. Dentre os fatores abaixo, qual ou quais você acha que contribui diretamente para o aquecimen-
to global?
( ) Queimadas ( ) Desmatamento ( ) Fotossíntese
( ) Estiagem/Seca ( ) Efeito estufa ( ) Chuva ácida
( ) Queima de combustíveis fósseis (gasolina, diesel etc.)
( ) Outros. Quais? ______________________________________________________________

Fonte: Dados da pesquisa.

Resultados

O contato com a temática aquecimento global na zona urbana

A presente análise permite comparar os dados obtidos nas respostas de estu-


dantes do 8.º e 9.º anos na escola da zona urbana. Em ambos os anos, as principais
formas para obter informação sobre a temática aquecimento global foram a televisão,
a internet e os livros didáticos (Figura 2). Estudantes do 8.º ano afirmaram que
televisão (24% das citações), livro didático (17%) e internet (15%) são os principais

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meios pelos quais já adquiriram alguma informação sobre aquecimento global (Figu-
ra 2). Enquanto isso, as turmas de 9.º ano responderam que os principais meios de
comunicação pelos quais já acessaram alguma informação sobre aquecimento global
foram: televisão (24% das citações), internet (20%) e livro didático (16%) (Figura 2).
Os demais meios de comunicação – revista, jornal impresso, filme, desenho animado,
dentre outros – foram citados por menos de 15% das(os) estudantes participantes
da pesquisa em ambos os anos (Figura 2).

Figura 2: Percentual dos meios de comunicação pelos quais estudantes do ensino fundamental em
escola urbana de Santarém, Pará, já obtiveram alguma informação sobre aquecimento
global. (8.º ano, gráfico à esquerda; 9.º ano, gráfico à direita)

Fonte: Dados da pesquisa.

Quando perguntadas(os) “Você já estudou algo sobre aquecimento global na


escola?”, a quase totalidade dos alunos (94%) respondeu que já teve contato com
essa temática em sala de aula, por meio de exercícios, palestras, leituras ou aula
expositiva, principalmente nas disciplinas geografia (72% das citações), ciências e
estudos amazônicos (Figuras 3 e 4). Mais especificamente, 89% das(os) estudantes
investigadas(os) no 8.º ano responderam que já haviam tido contato com a temática
na escola e 11% disseram que não. Nas respostas dessas(es) estudantes que tiveram
alguma experiência com a temática na escola, 43% das citações correspondem à
disciplina geografia, 31% das respostas relacionam-se à disciplina ciências e 16% à
disciplina estudos amazônicos (Figura 3). No 9.º ano, 95% das(os) estudantes res-
ponderam que já estudaram sobre aquecimento global, e apenas 5% disseram que
nunca trabalharam com o tema na escola (Figura 3). Dentre as disciplinas citadas
pelas(os) estudantes, as que mais se destacam nas respostas desse ano também fo-

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ram geografia (54%), estudos amazônicos (21%) e ciências (13%) (Figura 3). Outras
disciplinas escolares mencionadas pelas(os) estudantes e nas quais se trabalhou
aquecimento global foram português, religião e história (Figura 3).

Figura 3: Percentual das disciplinas escolares que já abordaram o tema aquecimento global em
sala de aula, segundo estudantes do ensino fundamental em escola urbana de Santarém,
Pará. (8.º ano, gráfico à esquerda; 9.º ano, gráfico à direita)

Fonte: Dados da pesquisa.

Sobre a maneira pela qual a temática foi trabalhada na escola, as respostas de estu-
dantes do 8.º ano mencionaram exercício (30%), leitura (21%) e palestra (18%) (Figura
4). Enquanto isso, para o 9.º ano, as alternativas mais citadas foram exercício (27%),
palestra (23%) e leitura (20%) (Figura 4). Outras formas de trabalhar o tema em sala
de aula incluíram aula expositiva, seminário, jogos, aula de campo e filmes (Figura 4).

Figura 4: Percentual das formas pelas quais a temática aquecimento global já foi abordada na es-
cola, segundo estudantes do ensino fundamental em escola urbana de Santarém, Pará.
(8.º ano, gráfico à esquerda; 9.º ano, gráfico à direita)

Fonte: Dados da pesquisa.

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Dentre os fatores que contribuem diretamente para o aquecimento global, as(os)


estudantes destacaram as queimadas, o desmatamento na Amazônia e a queima de
combustíveis fósseis (Figura 5). Mais especificamente, as alternativas mais citadas
por estudantes do 8.º ano foram desmatamento (26% das respostas), queimadas (25%)
e queima de combustíveis fósseis (20%), como gasolina e diesel (Figura 5). Na ótica
das(os) estudantes do 9.º ano, os principais fatores que contribuem diretamente para
o aquecimento global são as queimadas (26% das citações), o desmatamento (23%)
e a queima de combustíveis fósseis (23%). Menos de 13% das citações apontaram
o efeito estufa como fenômeno relacionado às causas do aquecimento global, em
ambas as turmas pesquisadas (Figura 5).

Figura 5: Percentual dos fatores que contribuem diretamente para o aquecimento global, segundo
estudantes do ensino fundamental em escola urbana de Santarém, Pará. (8.º ano, gráfico
à esquerda; 9.º ano, gráfico à direita)

Fonte: Dados da pesquisa.

O contato com a temática aquecimento global na zona rural

Na primeira pergunta do questionário aplicado ao 8.º ano da escola rural, as(os)


estudantes deveriam marcar os meios de comunicação pelos quais já obtiveram
alguma informação sobre aquecimento global. Os meios mais citados foram televi-
são (28% das respostas), livro didático (17%) e internet (16%) (Figura 6). O maior
destaque à televisão está ligado, segundo as respostas analisadas, a programas
jornalísticos como fontes de informação.

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Figura 6: Percentual dos meios de comunicação pelos quais estudantes do ensino fundamental
em escola rural de Santarém, Pará, já obtiveram alguma informação sobre aquecimento
global. (8.º ano, gráfico à esquerda; 9.º ano, gráfico à direita)

Fonte: Dados da pesquisa.

Na questão “Você já estudou algo sobre aquecimento global na escola?”, 65%


das(os) estudantes do 8.º ano responderam sim e 35% disseram não. As(Os) que res-
ponderam sim fizeram referência às seguintes disciplinas: geografia (49% respostas),
ciências (19%), estudos amazônicos (16%), português (16%) (Figura 7). Todas(os)
as(os) estudantes do 9.º ano afirmaram que já estudaram sobre aquecimento glo-
bal na escola. Segundo essas(es) estudantes, as disciplinas nas quais esse tema foi
abordado são geografia (73% das citações), ciências (17%), português (6%) e estudos
amazônicos (4%) (Figura 7).

Figura 7: Percentual das disciplinas escolares que já abordaram o tema aquecimento global em sala
de aula, segundo estudantes do ensino fundamental em escola rural de Santarém, Pará.
(8.º ano, gráfico à esquerda; 9.º ano, gráfico à direita)

Fonte: Dados da pesquisa.

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Por outro lado, na questão “Se você já ouviu falar sobre aquecimento global na
escola, como isso foi trabalhado?”, as(os) estudantes do 8.º ano responderam que a
abordagem se deu por meio de exercícios em sala de aula (37% das citações), palestras
(26%) e leituras (16%) (Figura 8). Enquanto isso, estudantes do 9.º ano afirmaram
que exercícios (41% das respostas) e leituras (36%) são os instrumentos mais utili-
zados por docentes para trabalhar aquecimento global em sala de aula (Figura 8).

Figura 8: Percentual das formas pelas quais a temática aquecimento global já foi abordada na escola,
segundo estudantes do ensino fundamental em escola rural de Santarém, Pará. (8.º ano,
gráfico à esquerda; 9.º ano, gráfico à direita)

Fonte: Dados da pesquisa.

No que diz respeito aos fatores que contribuem diretamente para o aquecimento
global (como queimadas, desmatamento e queima de combustíveis fósseis), todas
as alternativas apresentadas no questionário foram citadas pelas(os) estudantes,
inclusive as que não estão diretamente relacionadas às causas, mas sim aos efeitos
do aquecimento global, como estiagem/seca (Figura 9). Dentre as alternativas mais
citadas por estudantes do 8.º ano estão a queima de combustíveis fósseis (26%), o
desmatamento (24%) e as queimadas (22%) (Figura 9). Quanto a tais fatores que
influem no aquecimento global, estudantes do 9.º ano acreditam que, dentre os
principais, se enquadram as queimadas (24% das citações), o desmatamento (24%),
a queima de combustíveis fósseis (21%) e o efeito estufa (19%) (Figura 9).

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Figura 9: Percentual dos fatores que contribuem diretamente para o aquecimento global, segundo
estudantes do ensino fundamental em escola rural de Santarém, Pará. (8.º ano, gráfico à
esquerda; 9.º ano, gráfico à direita)

Fonte: Dados da pesquisa.

Discussão

Todas as opções fornecidas no questionário como forma de difusão da temática


aquecimento global foram citados pelas(os) estudantes (Figura 2 e Figura 6). Den-
tre os meios de difusão da temática, os mais citados em ambas as escolas foram
a televisão, a internet e os livros didáticos. Esse dado destaca a mídia como meio
informador, mas, não necessariamente formador de criticidade. Segundo Sulaiman
(2011, p. 659), “[a] mídia informa, mas a formação crítica passa por outros espaços
e momentos que permitem a construção do conhecimento e opinião”.
A televisão apresentou uma média de 24% de citações na escola urbana e 26,5%
na escola rural. Entre os programas desse veículo de comunicação que fizeram
alguma ligação com o aquecimento global, foram citados pelas(os) estudantes,
principalmente, telejornais, programas de cunho ambiental e programas infantis.
Na pesquisa realizada por Tavares et al. (2010), a televisão também apareceu como
principal veículo de informação para as(os) estudantes, com uma média 39,9%,
entre quatro cidades do interior de São Paulo. Por outro lado, na pesquisa de Mar-
chioreto-Muniz (2010), a televisão também teve maior destaque entre estudantes
do ensino fundamental, mas, para o ensino médio, a escola teve maior destaque.
A autora entende que essa diferença se deu porque estudantes de ensino médio já
possuem maior nível de conhecimento para debater o assunto, pois a temática é

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abordada nas diversas disciplinas, enquanto que estudantes do ensino fundamental


buscam informações na televisão, pois, o tema é menos abordado em sala de aula.
A internet ocupou o segundo lugar como meio de difusão da temática na escola da
zona urbana. As(Os) estudantes da zona urbana dispõem de infraestrutura melhor
na escola, com cobertura de rede, biblioteca anexada ao laboratório de informática
e acesso à internet. Em contrapartida, na escola rural o livro didático teve maior
destaque do que a internet, o que pode estar relacionado à infraestrutura local e
da escola. Essa escola rural não possui laboratório de informática; possui somente
biblioteca com livros didáticos. Segundo Verceze e Silvino (2008), com a falta de
recursos didáticos, como televisão, vídeo, internet, entre outros, o ensino fica com-
prometido e, consequentemente, o rendimento e o aprendizado da(o) estudante.
A cobertura de rede que atende ao meio rural, quando disponível, é inferior à
que atende à zona urbana. Ao analisar as representações e usos da internet por
adolescentes de escolas públicas de Florianópolis (SC), Mello e Wiggers (2008) fize-
ram uma reflexão sobre o fenômeno da “exclusão digital” e afirmam que, no Brasil,
apesar do crescimento no uso da internet em comparação com países desenvolvidos,
há uma grande desigualdade digital. Os autores pontuam, ainda, a necessidade de
implementar políticas de letramento digital para jovens do meio rural.
Tavares et al. (2010) registraram um índice de 12,8% no uso da internet como
fonte de informação sobre o tema aquecimento global. Os autores destacaram que
esse recurso, aliado à televisão (39,9%), está sobressaindo-se em relação à escola,
que apresentou uma média de 32,8%. Marchioreto-Muniz (2010) também constatou
em sua pesquisa que a internet tem se sobressaído entre estudantes, principalmente
de nível médio.
Importante ressaltar que o livro didático é apenas um dos instrumentos de apoio
ao trabalho do(da) professor(a) e que pode ser ampliado com exercícios e atividades
contextualizadas, de acordo com a realidade de cada localidade. A não adequação
dos livros didáticos aos aspectos regionais prejudica o trabalho das(dos) docentes,
principalmente da zona rural (VERCEZE; SILVINO, 2008).
Outro ponto interessante na pesquisa foram as citações de desenho animado
como forma de difusão do tema aquecimento global. Os desenhos animados re-
presentam um conjunto de estímulos visuais, auditivos, reflexivos, de mensagens
e informações sobre diferentes contextos (GOMES et al., 2012). Se a televisão se
aproximar dos conceitos ambientais por meio de desenhos animados, pode forta-

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lecer a relação ser humano–natureza, na qual o processo de ensino-aprendizagem


é favorecido por meio do conhecer, perceber e sentir, aliando o lúdico à realidade
(GOMES et al., 2012).
De acordo com nossos dados, a escola também vem exercendo seu trabalho edu-
cativo, discutindo a questão ambiental e, principalmente, a temática aquecimento
global. Quando perguntadas(os) “Você já estudou algo sobre aquecimento global
na escola?”, 92% das(dos) estudantes da escola urbana disseram que a temática
já foi abordada. Enquanto isso, na escola rural, 82,5% também confirmaram essa
abordagem. Apesar da temática meio ambiente ser um conteúdo transversal e que
deve ser trabalhado em todas as disciplinas (BRASIL, 1998b), somente algumas
foram citadas pelas(os) estudantes, como geografia, que teve maior destaque nas
duas escolas, seguida pelas disciplinas ciências, estudos amazônicos e português.
Em relação às demais disciplinas, na escola urbana foram citadas história e religião.
Analisando a percepção de professoras(es) sobre educação ambiental no ensino
fundamental, Bizerril e Faria (2001) concluem que os temas relacionados à educa-
ção ambiental parecem estar ligados às disciplinas ciências e geografia devido ao
excesso de conteúdo, à programação pré-estabelecida pela escola e à compreensão
das(dos) docentes sobre o conceito de educação ambiental. No discurso das(dos)
próprias(os) docentes, a educação ambiental é vista de forma romântica, como amar
a natureza e cuidar dos animais. Além disso, os autores afirmam que, sob um olhar
interdisciplinar, há fácil interação entre as disciplinas geografia e ciências ou his-
tória. Entre as demais disciplinas, as(os) docentes demonstram maior dificuldade
em desenvolver trabalhos multi e interdisciplinares.
Em conversa informal com a professora de geografia da escola rural, a mesma
relatou a importância em falar sobre aquecimento global e declarou que, quando
possível, relaciona esse tema à realidade dos alunos, principalmente no 9.º ano.
Nesse ano, em ambas as escolas, a disciplina geografia foi a mais mencionada
pelas(os) estudantes. Segundo a professora da escola rural, dá-se mais ênfase à
questão ambiental nessas séries, especialmente ao aquecimento global, pois esse
tema faz parte do conteúdo programático. No entanto, à época, o programa de ensino
da rede municipal tratava o tema como conteúdo programático do 8.º ano – “Ques-
tões socioambientais no mundo contemporâneo” –, sendo que uma habilidade a ser
desenvolvida pela(o) estudante é “[...] confrontar dados e concepções a respeito do
aquecimento global e das mudanças climáticas” (SEMED, 2012, p. 36).

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No 9.º ano, o principal eixo temático é “O mundo contemporâneo: globalização,


redes e técnicas”. A partir da análise do livro didático utilizado pela escola para o
8.º ano, percebemos que o conteúdo didático tratava somente de alguns pontos bem
específicos quanto ao clima e à vegetação na América. O livro referente ao 9.º ano
tratava somente dos problemas ambientais ocorrentes no exterior e de forma bem
resumida. Segundo Bizerril e Faria (2001), essa informação limitada e descontextua-
lizada pode comprometer a compreensão dos alunos de modo que eles não entendem
até que ponto discutir a questão ambiental pode ser importante para eles.
A disciplina ciências faz referência à temática somente quando se trata de po-
luição, especialmente no livro didático do 8.º ano. De acordo com a professora da
disciplina estudos amazônicos da zona urbana, essa disciplina trabalha a temática
nos dois anos, pois, a contextualização amazônica é a base da disciplina e um dos
principais temas relacionados e trabalhados em aula é a degradação ambiental –
poluição e desmatamento – ao longo da colonização (SEMED, 2012). A professora
dessa disciplina relatou que não havia livro didático de estudos amazônicos na rede
de ensino e que a principal fonte de informação era proveniente de artigos encon-
trados na internet e livros do seu acervo pessoal.
As formas mais utilizadas para abordagem da temática em sala de aula, segundo
as(os) estudantes, foram exercício e leitura. De acordo com Silva (2003), a leitura é tra-
balhada na escola a fim de cumprir as tarefas escolares e, à medida em que é imposta,
a(o) estudante a percebe como obrigação. Isso pode ocorrer porque ainda temos dificul-
dade em estimular o(a) estudante a ter uma relação mais empática com as atividades
de leitura, em sala e extraclasse. Muitas vezes, sequer retomamos nas discussões em
sala sobre o que o(a) estudante já leu, o que conferiria maior sentido à atividade de lei-
tura, situando-a em um momento pedagógico com um objetivo de aprendizagem mais
explícito. Nesse contexto, Kleiman (2002, p. 24) afirma que, “[...] é durante a interação
que o leitor mais inexperiente compreende o texto: não é durante a leitura silenciosa, nem
durante a leitura em voz alta, mas durante a conversa sobre aspectos relevantes do texto”.
As respostas à questão em que as(os) estudantes destacam os fatores que estão
relacionados ao aquecimento global corroboram a ideia de que as(os) estudantes não
têm um conceito formado sobre aquecimento global. Isso foi exposto diversas vezes nos
discursos de um estudo anterior, onde as respostas eram confusas e sem embasamento
científico (TAVARES; NOVAIS, 2014). O efeito estufa que, segundo Mendonça (2007),
é um fator diretamente relacionado ao aquecimento global, esteve presente em 11,5%

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das citações entre 8.º e 9.º anos na escola urbana e 13,5% na escola rural, sendo que
o 9.º ano dessa última escola representou 19% das citações. Os demais fatores são
considerados contribuintes na emissão de gases de efeito estufa ou consequências do
aquecimento global. As(Os) estudantes têm noção de que o uso de combustíveis fósseis,
aliado ao desmatamento e às queimadas, tem influência sobre o aquecimento global,
mas, falta maior clareza na informação e conhecimento para explicar o processo.
De acordo com o IPCC (2007), a principal causa do aumento na concentração
de dióxido de carbono na atmosfera desde o período pré-industrial é o uso de com-
bustível fóssil, além da agricultura e do uso do solo, os quais também contribuem
com outros gases. Vários fatores também têm destaque para o aquecimento global
na região amazônica, como desmatamento, queimadas e construção de hidrelétricas
(SHARMA, 2012). Os impactos ambientais provenientes das mudanças climáticas
envolvem vários processos biológicos – como produção fotossintética, aumento da
transpiração das plantas causando estresse hídrico, proliferação de vetores patogê-
nicos – que podem alterar a vida no planeta levando a um desequilíbrio ambiental.

Considerações finais

Quando se fala em difusão da temática aquecimento global, a televisão assume


posição destacada como meio de comunicação de massa. Porém, as(os) estudantes
que participaram da presente pesquisa demonstraram também obter informações
de outras fontes. Utilizar as informações da mídia pode ser um instrumento rele-
vante de debate, envolvendo e estimulando as(os) estudantes, mas, é necessário
embasamento científico para enriquecer tal discussão, o que pode ser feito por meio
de artigos científicos e outros trabalhos na área.
O trabalho com temáticas ambientais deve buscar envolver a(o) estudante e
motivá-la(lo) para que se torne mais participativa(o) na comunidade em que está
inserida(o). A produção de materiais didáticos com recursos de mídia elaborados
pelas(os) próprias(os) estudantes pode ser uma estratégia interessante, pois, por
meio dessas produções, elas(eles) podem relatar as vivências que têm com temá-
ticas ambientais. Sugerimos novos estudos na área, à medida em que as questões
ambientais, não somente as mudanças climáticas, ganham grande importância na
formação de estudantes do ensino básico, atores contemporâneos e futuros na busca
por um mundo sustentável.

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“Have you ever studied about global warming in school?”:


counterpoints of rural and urban Amazonian students

Abstract

Different knowledge areas discuss about global warming. The theme raises many debates due
to the dissent between researchers and other social sectors regarding the existence, causes
and effects of the Earth’s warming. The school is one of the spaces where this debate commonly
occurs. Since the Amazon plays a central role in the discussion about the planetary warming,
in this work, we investigated which are the main sources of information on global warming for
students, as well as if the school addresses this issue. A total of 249 elementary school students
were included in the investigation, from two municipal schools in Santarém, Pará State – one
in the urban area and another in the rural area. A questionnaire was applied to the participants
during Science classes. The results show that the school addressed the environmental theme
through exercises and readings, mainly in the Geography discipline. However, the school appa-
rently did not address some elements established in the national curriculum parameters and in
the teaching program of the municipal education secretary, when the research was carried out
(2012). Television proved to be a common way for disseminating the theme among students.
However, other sources of information were mentioned, such as the internet, in the urban area,
and the textbook, in the rural area. Information from the media may be an useful instrument for
debate at school; however, the scientific background is essential to enrich the discussion and
critically question misinformation.

Keywords: Education in the Amazon; Science education; Elementary education; Climate chan-
ges.

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A utilização de organizadores prévios para o ensino de estequiometria: uma proposta de unidade de ensino...

A utilização de organizadores prévios para


o ensino de estequiometria: uma proposta
de unidade de ensino potencialmente
significativa
Franciele Tatiana Haupt*, Daniele Trajano Raupp**, Vladimir Lavayen***

Resumo
Este trabalho apresenta uma proposta didática para o ensino de estequiometria com base na
teoria da aprendizagem significativa e organizada no formato de uma unidade de ensino poten-
cialmente significativa. O formato da sequência de aulas visa a promover um aprendizado de
qualidade, que difere do aprendizado mecânico, tendo em conta que o conhecimento prévio dos
alunos influencia fortemente a aprendizagem. Situações e problemas que envolvem o relacio-
namento com ingredientes e receitas culinárias são utilizados aqui para agregar novos conheci-
mentos. A justificativa para o desenvolvimento dessa estratégia de ensino é que a estequiome-
tria é identificada como um assunto desafiador devido à necessidade do uso e da interpretação
de linguagens químicas, físicas e matemáticas. Como resultado, espera-se que esta unidade
contribua para a melhor compreensão dos conceitos de estequiometria e promova o uso de
materiais de aprendizagem potencialmente significativos, além de demonstrar a construção de
relações lógicas com o conhecimento científico e o distanciamento do ensino de química com
base apenas na memorização de conteúdos.

Palavras-chave: ensino de química; aprendizagem significativa; conhecimento prévio; cálculo


estequiométrico; reagente limitante.

*
Licencianda em Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Brasil. E-mail [email protected]
**
Doutora em Educação em Ciências Docente do Instituto de Química e dos Programa de Pós-Graduação em
Educação em Ciências e PROFQUI da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Brasil. E-mail daniele.
[email protected]
***
Doutor em Química. Docente do Instituto de Química e do Programa de Pós-Graduação em Química da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Brasil. E-mail [email protected]

Recebido em: 28/08/2020; Aceito em: 22/04/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11599
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 953-969, 2021 953

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Franciele Tatiana Haupt, Daniele Trajano Raupp, Vladimir Lavayen

Introdução

O conceito de estequiometria (do grego stoicheion = elemento e metria = medida) é


a base para o entendimento da diferença entre a química quantitativa e a qualitativa.
(MENDES; SANTANA; JÚNIOR, 2017). As relações estequiométricas são um dos
tópicos mais difíceis de serem compreendidos pelos alunos. A dificuldade dos alunos
normalmente está relacionada à forma como o conteúdo é abordado, com enfoque no
aspecto matemático em detrimento de uma interpretação química, levando a uma
mecanização dos procedimentos para a solução de problemas envolvendo aspectos
quantitativos dos fenômenos químicos. O desenvolvimento do cálculo estequiométrico
engloba três linguagens: matemática (aritmética e proporção); física (unidades de
medida); e química (simbologia, grandezas e equações químicas). (DA COSTA; DA
TRINDADE SOUZA, 2013).
No domínio cognitivo, essas linguagens estão relacionadas com os três níveis
representacionais da química (simbólico, submicroscópico e macroscópico), além do
conhecimento matemático. Gabel (1999) classifica os sistemas em três níveis especí-
ficos: simbólico, macroscópico e submicroscópico. Esses níveis são assim detalhados:
o nível macroscópico diz respeito às representações mentais adquiridas a partir da
experiência sensorial direta, sendo construído mediante a informação proveniente
dos sentidos; o submicroscópico está correlacionado às representações abstratas,
com as entidades pequenas (ou seja, átomos, íons, moléculas); o nível simbólico,
por sua vez, expressa os conceitos químicos a partir de fórmulas, equações, entre
outros. (JOHNSTONE, 1991; GILBERT, TREAGUST, 2009).
No caso específico da estequiometria, as letras são utilizadas para representar
elementos e suas fórmulas moleculares; os coeficientes estequiométricos indicam
a proporção de moléculas na reação; e os índices numéricos, o número de átomos
de uma espécie em particular. O vocabulário químico associado a essas operações
parece dificultar a aplicação das habilidades matemáticas dos alunos aos fenômenos
químicos. (HAIM et al., 2003). A complexidade do vocabulário associada a problemas
estequiométricos pode impedir que os estudantes usem operações matemáticas
simples para resolvê-los.
Alguns pontos críticos na resolução desses cálculos são o entendimento de como
as reações funcionam e, particularmente, a diferença entre condições reacionais este-
quiométricas, conhecidas na literatura como “estequiometrias de reagente limitante”.

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(LE MAIRE et al., 2018). Podem-se mencionar, também, nos casos avançados, os
compostos que não contêm moléculas discretas com composição atômica variável, os
quais são conhecidos como compostos não estequiométricos. (MYERS; MAHAN, 1995).
Kalantar (1985) declara que, durante anos, seus alunos tiveram problemas de
estequiometria envolvendo um reagente limitante, especialmente em casos em que a
estequiometria da reação não era de 1:1, mesmo compreendendo que as quantidades
estequiométricas de reagentes eram exceção, e não regra, e apesar dos tratamentos,
geralmente claros, apresentados nos textos. Muitos dos erros comuns cometidos pelos
alunos, ao determinar a quantidade de produto formado, envolvem: reconhecer o
reagente que está em menor quantidade como sendo o reagente limitante; calcular
a quantidade de produto como sendo o somatório das quantidades de reagentes; não
considerar os rearranjos dos átomos nas moléculas durante a reação química; resolver
o problema diretamente com quantidade em gramas, não convertendo para número
de mols; não perceber que haverá algum excesso de reagente no final da reação; e não
atribuir os coeficientes aos reagentes descritos. (SOSTARECZ; SOSTARECZ, 2012).
A estequiometria de reações é um ponto crítico, sobretudo quando se trata de
entender como funcionam as reações e a diferença entre condições de reação es-
tequiométrica e não estequiométrica, também conhecida como “estequiometria do
reagente limitante”. (LE MARIE et al., 2018). Isso ocorre devido ao fato de que os
problemas com reagente limitante não são apenas abstratos, mas também mate-
máticos. (STEINER, 1986).
Um método para favorecer o domínio dos alunos a respeito de condições este-
quiométricas e não estequiométricas são as “analogias ilustradas”. (LE MAIRE
et al., 2018). Segundo Gafoor e Shilna (2012), o uso de analogias é recomendado
porque fornece uma ponte entre um conceito desconhecido e o conhecimento que
os alunos têm, o que os motiva e facilita a visualização de conceitos abstratos por
comparações com objetos concretos. As ideias desses autores vão ao encontro do
predito pela Teoria da Aprendizagem Significativa, de David Ausubel.

A aprendizagem significativa e a UEPS

A Teoria da Aprendizagem Significativa, proposta por David Ausubel, objetiva


compreender como o conhecimento é adquirido e a nossa estrutura cognitiva é
construída. (AUSUBEL, 2003). Na perspectiva do autor, a aprendizagem é um pro-

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cesso por meio do qual uma nova informação (as ideias expressas simbolicamente)
interage de forma substantiva (não literal) e não arbitrária com aquilo que o sujeito
já sabe. (MOREIRA, 2013). A interação de forma literal está relacionada com a
aprendizagem mecânica, uma vez que esse tipo de interação, em geral, limita-se a
reproduzir o conhecimento de maneira idêntica à que foi apresentada ao aprendiz.
A aprendizagem mecânica fundamenta-se na memorização de novas ideias sem
estabelecer conexões. Em vista disso, trata-se de um aprendizado com menores
chances de permanecer na estrutura cognitiva do aluno a longo prazo. Contudo, se
há o estabelecimento de conexões entre a nova informação e o conhecimento prévio,
tem-se como resultado a construção de significados pessoais para essa informação.
A construção de significados pessoais é elaborada de forma “não literal”; desse
modo, se caracteriza como uma aprendizagem significativa. (TAVARES, 2004). A
interação não arbitrária não deve ocorrer com qualquer ideia prévia, mas, sim, com
algum conhecimento, especificamente relevante, já existente na estrutura cognitiva
do aprendiz. Esse conhecimento prévio, isto é, aquilo que o sujeito já sabe, é o que
Ausubel chamava de subsunçor ou ideia-âncora.
Em outras palavras, a nova informação ancora-se em conceitos ou proposições
relevantes já presentes na estrutura cognitiva. A importância dos subsunçores no
processo de aprendizagem é enfatizada por Ausubel, Novak e Hanesian (1980).
Segundo os autores, se tivessem que reduzir a um princípio único toda a psicologia
educacional, esse princípio seria: “O fator isolado mais importante que influencia a
aprendizagem é aquilo que o aprendiz já conhece. Descubra o que ele sabe e baseie
nisso os seus ensinamentos”. (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980, p. 137).
Quando o aluno não dispõe de subsunçores adequados para a ancoragem da nova
informação, pode-se recorrer aos organizadores prévios. Organizador prévio é um
recurso que deve preceder o material de aprendizagem, ou seja, deve ser utilizado
antes da abordagem do conhecimento científico a ser desenvolvido. Esses organi-
zadores devem ter um nível mais alto de abstração, generalidade e inclusividade
em relação a este. Além de suprir a deficiência de subsunçores, os organizadores
prévios podem ser usados para auxiliar os alunos a perceberem a relacionabilidade
entre os novos conhecimentos apresentados e os seus conhecimentos pré-existentes.
(MOREIRA, 2013).
Assim, a aprendizagem significativa é considerada uma ampliação na estrutura
cognitiva que opera como âncora para novos conceitos e ideias, estabelecendo rela-

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ções entre as ideias e organizando-as hierarquicamente. Para que a aprendizagem


ocorra de maneira significativa, é fundamental que o material de aprendizagem seja
potencialmente significativo (material relacionável à estrutura cognitiva do sujei-
to) e que o aprendiz tenha predisposição para aprender (dispor de conhecimentos
prévios/subsunçores necessários). (MOREIRA, 2013).
O professor tem o papel de facilitar a construção dessas relações lógicas, uti-
lizando os princípios de diferenciação progressiva e reconciliação integrativa, que
são pressupostos dessa teoria. Na diferenciação progressiva, apresentam-se os
conceitos mais gerais, os quais são discriminados progressivamente em conceitos
mais específicos. A reconciliação integrativa consiste na construção e reconstrução
das relações conceituais, visto que novos conceitos foram incorporados à estrutura
cognitiva e precisam ser reorganizados (KONFLANZ et al, 2020).
Visando a facilitar essa relação lógica, Moreira (2011) propõe a criação de ma-
teriais potencialmente significativos, com uma estrutura organizada, que façam
sentido ao público para o qual se pretende desenvolver determinado conceito e
contribuam para uma aprendizagem com qualidade, se diferenciando da aprendi-
zagem mecânica. As denominadas unidades de ensino potencialmente significativas
(UEPSs) são sequências de ensino alicerçadas em teorias de aprendizagem que
visam à aprendizagem significativa, em contraposição à aprendizagem puramente
mecânica. Esse tipo de proposta didática tem como argumento principal a contri-
buição para uma modificação no ensino, que, ao longo das últimas décadas, tem
sido pautado na memorização de conteúdo, proporcionando apenas a aprendizagem
mecânica. (MOREIRA, 2011).
Sob essa ótica, o papel do professor é apresentar situações-problema, cuidadosa-
mente selecionadas, para organizar o ensino, mediando a captação de significados
da parte do aluno. Depois de definido o objetivo da sequência didática e identificados
os aspectos declarativos e procedimentais sobre o tópico a ser abordado, Moreira
(2011) recomenda que a UEPS seja organizada de acordo com aspectos sequenciais,
que são, resumidamente, os seguintes:
Situação inicial: Nessa etapa, devem-se propor situações para que o aluno exter-
nalize seus conhecimentos prévios em relação ao conteúdo. Discussões, questionários
e mapas conceituais são exemplos de atividades para essa fase.
Situação-problema inicial: De posse dos conhecimentos prévios dos alunos, de-
ve-se propor uma situação-problema de nível introdutório, envolvendo o tópico a ser

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estudado, buscando dar um sentido à temática. Podem ser sugeridas situações por
meio de simulações, demonstrações, vídeos, problemas cotidianos, matérias midiáti-
cas, exercícios clássicos, desde que tenham um nível acessível e problematizador. A
organização de uma situação-problema inicial é imprescindível para a aprendizagem
significativa. São as situações-problema que dão sentido aos novos conhecimentos.
Aprofundamento do conteúdo: O conhecimento deve ser apresentado a partir
da diferenciação progressiva, partindo-se de aspectos mais gerais, com uma visão
integrada dos elementos relevantes à matéria de ensino para a exemplificação de
pormenores específicos. Devem-se valorizar atividades colaborativas após a exposi-
ção do conteúdo, como práticas em grupos e apresentações. Conceitos estruturantes
devem ser apresentados em níveis crescentes de complexidade, sempre destacando
semelhanças e diferenças entre os exemplos, em uma reconciliação integrativa.
Nova situação-problema: A nova situação-problema deve propor questionamentos
com um nível de complexidade maior, evidenciando as correspondências e contradi-
ções entre os conceitos. As atividades devem valorizar ações colaborativas entre os
alunos, proporcionando maior interação e negociação de significados, sempre com
a mediação do professor. Podem-se propor tarefas como resolução de problemas,
construção de mapas conceituais, experimentos, elaboração de projetos, etc.
Aula integradora final: Abordam-se, aqui, as características mais relevantes do
conteúdo em questão, dando continuidade ao método de diferenciação progressiva
a partir de uma ótica integradora, buscando a reconciliação integrativa entre os
conceitos.
Avaliação da aprendizagem na UEPS: A avaliação, nessa perspectiva, deve
buscar evidências de compreensão de significados e capacidade de transferência
do conhecimento para diferentes situações. Inclui a avaliação formativa (situações,
tarefas em grupo, registros do professor), que visa a avaliar o progresso ao longo
do processo de aprendizagem, e a avaliação somativa individual, na qual deverão
ser propostas questões/situações, em geral, no formato de provas que demandem
a compreensão e evidenciem a captação de significados. (MOREIRA, 2011). A ava-
liação deverá estar baseada, em pé de igualdade, tanto na formativa quanto na
somativa individual.
Avaliação da UEPS: A fim de aprimorar e/ou validar as estratégias de ensino,
além da evolução conceitual dos alunos, deve ser considerada uma avaliação con-

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junta sobre a UEPS. Tal avaliação pode se dar por meio de uma roda de conversa
ou mesmo de um questionário avaliativo.

A proposta de unidade de ensino potencialmente


significativa

Objetivando contribuir com o ensino de estequiometria, elaborou-se uma sequên-


cia de aulas baseadas nos pressupostos da aprendizagem significativa, utilizando
como organizador prévio a relação com ingredientes culinários (Quadro 1). A se-
quência proposta será descrita a seguir, de acordo com Moreira (2013), tendo como
objetivo ensinar os conceitos e cálculos relacionados à estequiometria de reações,
usando exemplos de receitas culinárias como organizadores prévios.

Quadro 1: Organização da unidade de ensino


Sequência Etapas da UEPS Estratégias utilizadas
Mapa mental;
Situação inicial;
Resolução da situação-problema inicial;
Aula 1 Situações-problema iniciais;
Aula expositiva com uso de organizador prévio e reso-
Aprofundamento do conteúdo.
lução de cálculos.
Nova situação-problema; Aula expositivo-dialogada com uso de organizador pré-
Aula 2
Aprofundamento do conteúdo. vio, simulador computacional e resolução de cálculos.
Aula 3 Aprofundamento do conteúdo. Aula expositiva e resolução de cálculos.
Aula expositivo-dialogada com uso de organizador
Aula 4 Aprofundamento do conteúdo.
prévio (atividade prática) e resolução de cálculos.
Aula 5 Aprofundamento do conteúdo. Resolução de cálculos.
Mapa conceitual final;
Avaliação formativa; Resolução de questão-desafio;
Aula 6
Avaliação da UEPS. Aplicação de questionário com questões abertas e
fechadas para avaliação da UEPS.
Aula 7 Avaliação somativa individual. Aplicação de prova.
Resolução de dúvidas referentes às questões da ativi-
Aula 8 Aula final.
dade avaliativa.
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

Situação inicial: Com o intuito de instigar os alunos a externalizarem seus


conhecimentos prévios, sugere-se uma atividade colaborativa em pequenos grupos
(dois a quatro participantes) para a construção de um mapa mental (Figura 1), par-
tindo da palavra central: “estequiometria”. Esse mapa mental pode ser apresentado

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ao grande grupo e servir como base para a avaliação formativa. Para auxiliar os
alunos nessa construção, podem ser feitas perguntas como: O que é estequiometria?
O que o preparo de uma receita tem a ver com química? Também podem ser lança-
das palavras-chave como: proporção, unidades de medida, conversão de unidades,
grandezas, equação química, coeficientes estequiométricos.

Figura 1: Atividade colaborativa: mapa mental sobre estequiometria

Fonte: Elaborada pelos autores (2020).

Situações-problema iniciais: Para o ensino de estequiometria, optou-se por uti-


lizar como situações-problema iniciais questões do cotidiano, fazendo uso da relação
com ingredientes culinários. Os alunos são convidados a resolver problemas a partir
de receitas culinárias fornecidas pelo professor. Propõe-se que as questões contem-
plem, em nível introdutório, relações que serão importantes no desenvolvimento do
conteúdo (como proporções e unidades de medida) e que os alunos possam modelá-las
mentalmente. As Figuras 2 e 3 contém exemplos que podem ser utilizados.

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Figura 2: Receitas utilizadas

Fonte: Elaborada pelos autores (2020).

Figura 3: Situações para cálculo com ingredientes culinários

Fonte: Elaborada pelos autores (2020).

Aprofundamento do conteúdo: Uma aula expositivo-dialogada pode ser utilizada


como estratégia para começar a ensinar, de fato, o tópico em pauta. A partir dos
resultados da etapa anterior, é possível verificar se os alunos têm em sua estrutura
cognitiva os subsunçores adequados para o desenvolvimento do conteúdo ou iden-
tificar a necessidade de empregar organizadores prévios.
Um exemplo de receita de torrada (Figura 4) escrita na forma de uma equação
química, é uma alternativa simples de organizador prévio que pode preceder a

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apresentação dos aspectos gerais do conteúdo a ser desenvolvido (Lei de Lavoisier


ou Lei da Conservação da Matéria, Lei de Proust ou Lei das Proporções Constantes,
relações molares, relações mol/massa, relações massa/massa, entre outras, aplicadas
ao cálculo estequiométrico), buscando explicitar a relacionabilidade entre o conhe-
cimento do cotidiano do aluno e o conhecimento novo.

Figura 4: Uso de organizadores prévios para relações não estequiométricas

Fonte: Elaborada pelos autores (2020).

Nova situação-problema: Como as novas situações-problema devem ser propos-


tas em níveis crescentes de complexidade, devem ser abordadas, nesse momento,
situações em que os reagentes não estão em relações estequiométricas, em que um
deles pode se consumir completamente antes, destacando semelhanças e diferenças
relativamente às situações e aos exemplos nos quais esteja presente o uso de relações
algébricas simples, a fim de promover a reconciliação integrativa. Segundo Moreira
(2013), devem-se explorar relações entre ideias, conceitos e proposições, bem como
apontar similaridades e diferenças importantes, reconciliando discrepâncias reais
ou aparentes.

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Indica-se a realização de atividade com reagentes, produtos e excesso do simula-


dor interativo gratuito do Portal PhET, que, dependendo dos recursos à disposição,
pode ser efetuada em laboratório de informática ou em aparelho celular com acesso
à Internet. Nessa tarefa, os alunos devem ter à disposição diferentes quantidades
de reagentes/ingredientes e, com o auxílio da ilustração, pode-se verificar qual a
quantidade máxima de produto a ser obtida, qual(is) reagente(s)/ingrediente(s) es-
tá(ão) em excesso e qual deles está limitando a formação de produto, atentando-se
ao rearranjo dos átomos nas moléculas ocorrido na reação química.
Convém convidar os alunos a jogarem os diferentes níveis do jogo disponíveis
no simulador, desafiando-os a utilizar também as opções de ocultar moléculas e
ocultar os números. Na Figura 5, tem-se um exemplo do uso dos ingredientes culi-
nários, empregados nessa proposta como organizadores prévios. O uso de analogias
ilustradas é recomendado por Gafoor e Shilna (2012), pois faz uma ponte entre um
conceito abstrato e os conhecimentos prévios dos alunos.

Figura 5: Atividade com simulação para reagentes em excesso e limitantes

Fonte: Elaborada pelos autores (2020).

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Aprofundamento do conteúdo: Sugere-se novamente uma aula expositivo-dialo-


gada, iniciando com exemplos culinários simples – como receita de sanduíche e de
omeletes –, escritos na forma de equações químicas, tendo a função de atuar como
organizadores prévios, dessa vez para o entendimento dos conceitos de reagente
limitante e de reagente em excesso. Após a explanação dos conteúdos, é conveniente
que os alunos tenham tempo em aula para resolver exercícios que envolvam situa-
ções de reações em condições estequiométricas, solicitando o auxílio do professor se
necessário. Ainda dentro do aprofundamento do conteúdo, podem ser trabalhadas
questões envolvendo pureza de reagentes e rendimento das reações. Anteriormente
à introdução deste último tópico, indica-se a realização da atividade prática, con-
forme a Figura 5, podendo atuar como um organizador prévio, usando novamente
um exemplo culinário como analogia para um conceito químico.

Figura 6: Atividade prática sobre rendimento de reações

Fonte: Elaborada pelos autores (2020).

Avaliação formativa: Indica-se a construção de um mapa conceitual (Figura 7)


como atividade avaliativa. É interessante que sejam mantidos os mesmos grupos
da construção do mapa mental (situação inicial) para que estes possam ser compa-
rados na busca de evidências de aprendizagem significativa. Outra atividade que
pode compor a avaliação formativa é a resolução de uma questão-desafio, tendo as
características de uma situação-problema, em que os diversos aspectos abordados
no aprofundamento do conteúdo sejam aplicados de forma contextualizada.

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Figura 7: Atividade colaborativa: mapa conceitual de estequiometria

Fonte: Elaborada pelos autores (2020).

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Avaliação da UEPS:A fim de aprimorar e/ou validar a estratégia utilizada para


o ensino de estequiometria, além das avaliações formativas e somativas que visam
a identificar a evolução conceitual dos alunos, buscando indícios de aprendizagem
significativa, é importante que os estudantes avaliem a unidade de ensino propos-
ta. Essa avaliação pode se dar por meio de uma roda de conversa, ou mesmo um
questionário avaliativo com questões fechadas do tipo escala Likert de cinco pontos
e questões abertas.
Avaliação somativa individual: Para avaliar o alcance de determinados obje-
tivos de aprendizagem ao final da aplicação da UEPS, comumente realiza-se uma
avaliação baseada em provas. A sugestão é que sejam utilizadas tanto questões com
ingredientes culinários quanto questões de estequiometria (Figura 8).

Figura 8: Exemplos de questões para avaliação somativa individual

Fonte: Elaborada pelos autores (2020).

Aula final: Resolução de dúvidas referentes às questões da atividade avaliativa.

Considerações finais

O debate sobre ensinar conceitos científicos de forma contextualizada não é


novidade no ensino de química, mas se configura como um desafio em sala de aula.
Estabelecer relações diretas com o dia a dia, o contexto ou questões atuais com as
quais os alunos têm contato é uma estratégia para dar sentido aos conceitos abor-
dados e aproximar os estudantes da ciência.

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Dessa forma, o uso das UEPS pode ser considerado uma alternativa prática e
viável para ser implementada em sala de aula, uma vez que propõe uma organi-
zação lógica e sequencial das atividades de ensino, com o emprego de situações em
ordem crescente de complexidade e com avaliação ao longo de sua implementação.
Essas são estratégias fundamentais para o processo de conceitualização e que irão
contribuir para que o aluno atribua sentido a esse novo conceito, promovendo uma
aprendizagem com significado.
Em outras palavras, trata-se de uma organização didática com vistas a uma
aprendizagem que não é limitada à memorização e à reprodução em uma avaliação,
pois objetiva a compreensão, a capacidade de explicar e aplicar o conhecimento
em novas e diferentes situações de forma processual. Espera-se que a UEPS aqui
apresentada e detalhada incentive o desenvolvimento e a implementação em sala
de aula de outras unidades de ensino potencialmente facilitadoras da aprendiza-
gem significativa, principalmente para os tópicos específicos que são considerados
mais desafiadores tanto pelos alunos quanto pelos professores. Ademais, a UEPS
aplicada estará sendo analisada como parte de um trabalho de conclusão de curso
de Licenciatura em Química.

The use of previous organizers for teaching stoichiometry: a


potentially significant teaching unit proposal

Abstract

This work shows a didactic proposal for the teaching of stoichiometry based on the theory of
significant learning and organized in the format of a potentially significant teaching unit. The class
sequence format aims to promote quality learning, which differs from machine learning. Taking
into account that the previous knowledge of the students strongly influences learning. Situations
and problems involving the relationship with ingredients and culinary recipes are used here to
bridge new knowledge. The justification for developing this teaching strategy is because stoichio-
metry is identified as a challenging subject, due to the need for the use and interpretation of che-
mical, physical, and mathematical languages. As a result, we hope that this unit will contribute to
a better understanding of stoichiometry concepts and promote the use of learning materials that
are potentially significant and demonstrate the construction of logical relationships with scientific
knowledge and distancing of the chemistry teaching based solely on memorizing contents.

Keywords: chemistry teaching; meaningful learning; previous knowledge; stoichiometric calcu-


lation; limiting reagent

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968 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 953-969, 2021

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A utilização de organizadores prévios para o ensino de estequiometria: uma proposta de unidade de ensino...

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Alcedir Luis Finkler, Maurício de Campos, Paulo Sérgio Sausen, Airam Teresa Zago Romcy Sausen

Uma implementação de modelos matemáticos


de máquinas síncronas em MATLAB/SIMULINK
como atividade interdisciplinar
Alcedir Luis Finkler*, Maurício de Campos**, Paulo Sérgio Sausen***,
Airam Teresa Zago Romcy Sausen****

Resumo
Na disciplina de máquinas elétricas, ofertada em cursos técnicos e cursos de engenharia volta-
dos à área elétrica, estuda-se um dos principais componentes utilizados em sistemas de gera-
ção de energia elétrica: a máquina síncrona. A compreensão do funcionamento dessa máquina
requer um conhecimento prévio de disciplinas como física e matemática. Física para o estudo
do momento de inércia, coeficiente de atrito, interação entre campos magnéticos, e matemática
para a compreensão das equações utilizadas na construção dos modelos. Logo, este tema,
além de ser muito importante para compreensão dos sistemas elétricos, envolve a aplicação
de conhecimentos adquiridos em diversas disciplinas dos respectivos cursos. Para a realização
das aulas, algumas atividades podem ser desenvolvidas em laboratório, porém, há alguns parâ-
metros nessas máquinas que são inacessíveis por meio de experimentação prática e precisam
ser analisados via simulação computacional. Entre os possíveis softwares para realização des-
sas simulações está o MATLAB/SIMULINK. Em uma proposta realizada com alunos do curso
Técnico Subsequente em Eletromecânica desenvolveu-se o presente trabalho, que reúne os
principais modelos matemáticos de máquinas síncronas e descreve a sua implementação em
MATLAB/SIMULINK. A atividade proposta permitiu aos alunos uma melhor compreensão do
princípio de funcionamento dessas máquinas.

Palavras-Chave: Ângulo de carga; Dinâmica de sistemas de potência; Modelos de máquinas


síncronas; Modelos de sistema de potência; Monitoramento de sistemas de potência.

*
Mestre em Modelagem Matemática e Computacional pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul, Brasil. Docente EBTT do Instituto Federal Farroupilha, Brasil. E-mail: alcedir.finkler@iffarroupilha.
edu.br
**
Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Campina Grande, Brasil. Professor Adjunto I da
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]
***
Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Campina Grande, Brasil. Professor Adjunto III da
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]
****
Doutora em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Campina Grande, Brasil. Professor Adjunto III da
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]

Recebido em: 10/09/2020; Aceito em: 31/08/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11624
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

970 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 970-992, 2021

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Introdução

Modelos matemáticos de máquinas síncronas têm sido amplamente estudados


nas últimas décadas. O conhecimento desses modelos é de fundamental impor-
tância para o desenvolvimento de estudos voltados ao sistema elétrico de potência
(SEP). Desse modo, Ghahremani (2011) descreve o ângulo de carga de máquinas
síncronas como um dos parâmetros mais importantes para monitoração e controle
de estabilidade no SEP.
Na construção dos modelos de máquinas síncronas é considerado um sistema
de coordenadas com origem no centro do rotor, conforme ilustrado na Fig. 1.a. Esse
sistema possui um dos eixos alinhado ao bobinado de campo, chamado de eixo di-
reto (eixo-d), e o segundo eixo, deslocado em 90 graus elétricos, que chama-se de
eixo em quadratura (eixo-q). Sob os eixos direto e em quadratura são consideradas
bobinas fictícias para representar as correntes parasitas e correntes que circulam
nos bobinados amortecedores. Logo, como essas bobinas são fictícias nas disciplinas
de máquinas elétricas, a visualização do comportamento dos fluxos magnéticos e
das correntes precisa ser realizada por meio de simulação computacional.
Diferentes modelos de máquinas síncronas podem ser propostos de acordo com
o número de bobinas que será considerado no rotor da máquina. Os modelos são
classificados como Modelo i.j, onde i corresponde ao número de bobinas considerado
sob o eixo-d, e j corresponde ao número de bobinas considerado sob o eixo-q. Krishna
(2014) introduz a modelagem de máquinas síncronas e apresenta, inicialmente, um
modelo (Modelo 2.2) que considera duas bobinas sob o eixo-d (F e 1D) e duas bobi-
nas sob o eixo-q (1Q e 2Q), conforme ilustrado na Fig. 1.a. Em seguida, descreve as
principais simplificações apresentadas na literatura para esse modelo.
Contudo, diferentes modelos de máquinas síncronas são utilizados para obtenção
de parâmetros, como o ângulo de carga. Como exemplo, é possível citar o trabalho de
Ghahremani (2011), que descreve um método para estimar o ângulo de carga direcio-
nado ao estudo de estabilidade após a ocorrência de falhas na rede. O autor descreve
que o efeito das bobinas amortecedoras pode ser negligenciado quando a dinâmica das
máquinas em períodos subtrasitórios não for de interesse. No desenvolvimento, devido
a mudanças abruptas nos valores de impedância da máquina, explica que o ângulo
de carga obtido possui um valor incorreto durante a falha (GHAHREMANI, 2011).
O trabalho de Venkatasubramanian (2004), por sua vez, descreve a importância de

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estudos direcionados a estimar os estados de máquinas síncronas. Assim, apresenta


um método utilizando o Modelo 1.0 para obtenção do ângulo de carga. Justifica sua
escolha ao salientar que esse modelo é de fácil representação. Já Jha e Chakrabarti
(2015) descrevem um método que utiliza unidades de medição fasorial e o Modelo 2.1
para obtenção do ângulo de carga. Caberia avaliar quão diferentes são os modelos na
obtenção do ângulo de carga de máquinas síncronas.
Destarte, neste trabalho é descrita a metodologia de simulação dos principais
modelos de máquinas síncronas com o objetivo de obter o ângulo de carga a partir da
utilização do SIMULINK. Os resultados obtidos para os ângulos de carga são com-
parados ao modelo de máquinas síncronas disponível na biblioteca do SIMULINK,
que utiliza os parâmetros padrões com valores em percentuais (p.u.). Esses resulta-
dos foram comparados e para isso foram utilizados os coeficientes de correlação de
Pearson. As principais contribuições deste trabalho são: permitir que os alunos do
curso Técnico Subsequente em Eletromecânica tenham uma melhor visualização da
implementação das equações, que tenham uma melhor compreensão dos ganhos e
perdas obtidos com a simplificação dos modelos matemáticos, e orientar na escolha
do modelo de máquinas síncronas mais adequado a ser utilizado em estudos rela-
cionados ao ângulo de carga de máquinas conectadas ao SEP em função do objetivo
(conhecer valores em regime transitório ou conhecer valores em regime permanente) e
da máquina a ser estudada (máquinas de polos lisos ou máquinas de polos salientes).
A metodologia utilizada nesta produção, para a simulação de máquinas síncronas
e obtenção do ângulo de carga com os diferentes modelos, é descrita na Seção 2. Na
Seção 3 são discutidos os resultados obtidos. Na Seção 4 é realizada a conclusão
deste trabalho.

Figura 1: Bobinas máquina síncrona: (a) plano abc, (b) plano dq0.

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Simulação de máquinas síncronas

O SIMULINK possui, em sua biblioteca, um bloco que permite a simulação de


máquinas síncronas ao inserir os parâmetros padrões da máquina com seus valores
em p.u. Esse modelo está ilustrado na Fig. 2. O SIMULINK permite, por meio do
módulo PowerSim, realizar a inicialização de máquinas obtendo os parâmetros de
tensão a ser aplicada ao bobinado de campo (Vf1) e potência mecânica a ser apli-
cada ao eixo (Pm), com objetivo de obter determinados valores de potência ativa e
reativa. Para realização das simulações, considerou-se uma máquina síncrona de 30
kVA, 4 polos, operando em regime permanente com 10% da potência ativa e fator de
potência unitário (FP) no período de simulação de 0 a 10 segundos. Decorrido esse
período, a potência mecânica aplicada ao eixo é elevada de forma a obter 100% da
potência ativa e mantendo FP = 1.

Figura 2: Diagrama de referência.

Como neste trabalho o objetivo é comparar o ângulo de carga obtido com os di-
ferentes modelos, utilizou-se como entrada em Pm um sinal degrau. Em aplicações
práticas, devido a inércia dos equipamentos, é impossível a implementação de um
degrau a Pm, porém, em simulação, com objetivo de comparar diferentes modelos
matemáticos, este ensaio permite uma melhor visualização da dinâmica do modelo
à tal entrada quando comparada a entradas em rampa. Boldea (2016), no capítulo

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5.12.1, apresenta um estudo para análise do comportamento de máquinas síncronas


a um degrau aplicado ao torque mecânico.
O diagrama utilizado para simulação, ilustrado na Fig. 2, consiste em uma
máquina síncrona conectada diretamente a um barramento infinito (representando
o SEP). O ângulo de carga apresenta o valor em graus. Utilizou-se um ganho k =
(π/180) para converter o valor em radianos. No desenvolvimento das equações serão
utilizados os seguintes parâmetros:
Ra Resistência de armadura;
RL Resistência da carga;
Xd, Xd’, Xd” (no SIMULINK Xd, Xdd, Xddd) Reatância síncrona, transitória
e subtransitória de eixo direto;
Xq, Xq’, Xq” (no SIMULINK Xq, Xqd, Xqdd) Reatância síncrona, transitória
e subtransitória do eixo em quadratura;
Td’, Td” (no SIMULINK Tdd, Tddd) Constante de tempo transitória e sub-
transitória de curto circuito do eixo direto;
Tq’, Tq” (no SIMULINK Tqd, Tqdd) Constante de tempo transitória e sub-
transitória de curto circuito do eixo em quadratura;
Td0’, Td0” Constante de tempo transitória e subtransitória de circuito aberto
do eixo direto;
Tq0’, Tq0” Constante de tempo transitória e subtransitória de circuito aberto
do eixo em quadratura;
𝝳 (no SIMULINK delta) Ângulo de carga;
ω Velocidade angular do eixo da máquina;
ωo Velocidade angular do campo magnético girante do estator;
ωB Velocidade angular nominal da máquina;
id, iq Corrente no eixo direto e eixo em quadratura;
vd, vq Tensão no eixo direto e eixo em quadratura;
ψd, ψq (no SIMULINK Psid, Psiq) Fluxo magnético concatenado nas bobinas
do eixo direto e eixo em quadratura do estator;
ψF, ψ1D (no SIMULINK PsiF, Psi1D) Fluxo magnético concatenado no bobina-
do de campo e fluxo magnético concatenado no bobinado fictício considerado
sob eixo direto;

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ψ1Q, ψ2Q (no SIMULINK Psi1Q, Psi2Q) Fluxo magnético concatenado nos
bobinados fictícios 1 e 2 considerados sob eixo em quadratura;
H Constante de inércia;
Tm Torque mecânico;
V Tensão de linha da rede.
Os valores para esses parâmetros utilizados nas simulações estão listados no
Anexo A. Nas seções seguintes estão descritos os procedimentos para simulação dos
diferentes modelos apresentados por Krishna (2014).

Modelo da máquina síncrona em p.u. (Modelo 2.2)

O Modelo 2.2 apresentado por Krishna (2014), considera, no rotor, duas bobinas
posicionadas sob o eixo direto e duas bobinas sob o eixo em quadratura, conforme
ilustrado na Fig. 1b.
As equações das máquinas síncronas quando escritas em função das correntes,
tensões e fluxos magnéticos das bobinas de armadura, A, B e C, apresentam não
linearidades. Para contornar essas não linearidades, essas bobinas são substituídas
por duas bobinas fictícias, localizadas sob o eixo-d e eixo-q, que se movem alinha-
das às bobinas do rotor, conforme ilustrado na Fig. 1.b. Essa substituição é feita
por meio das transformadas de Park, também conhecidas como transformadas dq0
(KUNDUR, 1994).
As equações utilizadas para determinar os estados da máquina síncrona, escritas
em função dos parâmetros padrões em valores por unidade (p.u.), são apresentadas
de Eq (1) à Eq (10) (KRISHNA, 2014).

𝑑𝜓𝑑
= −𝜔ψ𝑞 − 𝜔𝐵 𝑅𝑎 𝑖𝑑 − 𝜔v𝑑 (1)
𝑑𝑡

(2)

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(3)

𝑑𝜓1𝐷 1
= −𝜓1𝐷 + 𝜓𝑑 (4)
𝑑𝑡 𝑇𝑑 "

𝑑𝜓1𝑄 1
= −𝜓1𝑄 + 𝜓𝑞 (5)
𝑑𝑡 𝑇𝑞 ′

𝑑𝜓2𝑄 1
= −𝜓2𝑄 + 𝜓𝑞 (6)
𝑑𝑡 𝑇𝑞 "

𝑑𝛿
= 𝜔 − 𝜔0 (7)
𝑑𝑡

𝑑𝜔 𝜔𝐵
= 𝑇 − 𝜓𝑑 𝑖𝑞 + 𝜓𝑞 𝑖𝑑 (8)
𝑑𝑡 2𝐻 𝑚

1 1 1 1 1
𝑖𝑑 = 𝜓𝑑 + − 𝜓𝐹 + − 𝜓1𝐷 (9)
𝑋𝑑 " 𝑋𝑑 𝑋𝑑 ′ 𝑋𝑑 ′ 𝑋𝑑 "

1 1 1 1 1
𝑖𝑞 = 𝜓𝑞 + − 𝜓1𝑄 + − 𝜓2𝑄 (10)
𝑋𝑞 " 𝑋𝑞 𝑋𝑞 ′ 𝑋𝑞 ′ 𝑋𝑞 "

As tensões nos eixos diretos e em quadratura são obtidas por Eq (11) e Eq (12).

𝑣𝑑 = −V𝑠𝑒𝑛(𝛿� (11)

𝑣𝑞 = V𝑐𝑜𝑠(𝛿� (12)

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A implementação das Eq (11) e Eq (12) no SIMULINK, para obtenção das tensões


nos eixos direto e em quadratura, é ilustrada na Fig. 3.

Figura 3: Tensões vd e vq, Modelo 2.2.

A implementação das equações mecânicas Eq (7) e Eq (8) no SIMULINK é


ilustrada na Fig. 4.

Figura 4: Equações mecânicas, Modelo 2.2.

A implementação, no SIMULINK, das equações dos fluxos magnéticos relaciona-


das às bobinas ψF e ψ1D do eixo direto do rotor Eq (3) e Eq (4) é ilustrada na Fig. 5.

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Figura 5: Equações dos fluxos no eixo direto, Modelo 2.2.

A implementação, no SIMULINK, das equações dos fluxos magnéticos relaciona-


das às bobinas ψ1Q e ψ2Q do eixo em quadratura do rotor Eq (5) e Eq (6) é ilustrada
na Fig. 6.

Figura 6: Equações dos fluxos no eixo em quadratura, Modelo 2.2.

Para cálculo do ângulo de carga, os transientes do estator podem ser negligen-


ciados considerando dψd/dt = 0, dψq/dt = 0, ω = ωB. Logo, Eq (1) e Eq (2) são escritas
como Eq (13) e Eq (14) (KUNDUR, 1994; KRISHNA, 2014).

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(13)
0 = −ψ𝑞 − 𝑅𝑎 𝑖𝑑 − v 𝑑

(14)
0 = −ψ𝑑 − 𝑅𝑎 𝑖𝑞 − v 𝑞
A implementação das equações relacionadas às bobinas do estator Eq (13) e Eq
(14) no SIMULINK é ilustrada na Fig. 7.

Figura 7: Equações dos fluxos no estator, Modelo 2.2.

As equações para obtenção das correntes nos eixos direto e em quadratura,


descritas em Eq (9) e Eq (10), são ilustradas na Fig. 8.

Figura 8: Equações das correntes, Modelo 2.2.

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Para realização da simulação, atribui-se os valores dos degraus Vf1 e Pm iguais


aos valores ajustados no modelo de referência. Em seguida, é possível comparar o
ângulo de carga obtido com os diferentes modelos, como ilustrado na Fig. 9.

Figura 9: Ângulo de carga com Modelo de referência e Modelo 2.2.

Modelo 2.1

Uma simplificação no Modelo 2.2 pode ser obtida ao reduzir uma bobina no eixo
em quadratura do rotor fazendo Tq" = 0, ψ2𝑄 = ψ𝑞 , logo:

(15)

𝑑𝜓1𝐷 1
= −𝜓1𝐷 + 𝜓𝑑 (16)
𝑑𝑡 𝑇𝑑 "

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𝑑𝜓1𝑄 1
= −𝜓1𝑄 + 𝜓𝑞 (17)
𝑑𝑡 𝑇𝑞 ′

𝑑𝛿
= 𝜔 − 𝜔0 (18)
𝑑𝑡

𝑑𝜔 𝜔𝐵
= 𝑇 − 𝜓𝑑 𝑖𝑞 + 𝜓𝑞 𝑖𝑑 (19)
𝑑𝑡 2𝐻 𝑚

1 1 1 1 1
𝑖𝑑 = 𝜓𝑑 + − 𝜓𝐹 + − 𝜓1𝐷 (20)
𝑋𝑑 " 𝑋𝑑 𝑋𝑑 ′ 𝑋𝑑 ′ 𝑋𝑑 "

1 1 1
𝑖𝑞 = 𝜓𝑞 + − 𝜓1𝑄 (21)
𝑋𝑞 " 𝑋𝑞 𝑋𝑞 ′

Para simulação do Modelo 2.1, o diagrama para obtenção dos fluxos magnéticos
no eixo em quadratura passa a ser conforme ilustrado na Fig. 10.

Figura 10: Equações dos fluxos no eixo em quadratura no Modelo 2.1.

O diagrama das correntes, no Modelo 2.1, passa a ser conforme ilustrado na


Fig. 11.

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Figura 11: Equações das correntes no Modelo 2.1.

Os fluxos magnéticos no estator permanecem conforme Fig. 7, o fluxo magnético


no eixo direto permanece conforme Fig. 5, tensões vd e vq ficam conforme Fig. 3, e
as equações mecânicas continuam conforme Fig. 4.
A Fig. 12 ilustra a comparação entre o ângulo de carga obtido com o Modelo de
referência e o Modelo 2.1.

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Figura 12: Ângulo de carga com Modelo de referência e Modelo 2.1.

Modelo 1.1

Uma simplificação no Modelo 2.1 pode ser obtida reduzindo uma bobina no eixo
direto do rotor fazendo Td" = 0, ψ1𝐷 = ψ𝑑 , logo:

(22)

𝑑𝜓1𝑄 1
= −𝜓1𝑄 + 𝜓𝑞 (23)
𝑑𝑡 𝑇𝑞 ′

𝑑𝛿
= 𝜔 − 𝜔0 (24)
𝑑𝑡

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𝑑𝜔 𝜔𝐵
= 𝑇 − 𝜓𝑑 𝑖𝑞 + 𝜓𝑞 𝑖𝑑 (25)
𝑑𝑡 2𝐻 𝑚

1 1 1
𝑖𝑑 = 𝜓𝑑 + − 𝜓𝐹 (26)
𝑋𝑑 " 𝑋𝑑 𝑋𝑑 ′

1 1 1
𝑖𝑞 = 𝜓𝑞 + − 𝜓1𝑄 (27)
𝑋𝑞 " 𝑋𝑞 𝑋𝑞 ′

Para simulação do Modelo 1.1, o diagrama para obtenção dos fluxos magnéticos
no eixo direto e no eixo em quadratura passa a ser conforme ilustrado na Fig. 13.

Figura 13: Equações dos fluxos no rotor do Modelo 1.1.

O diagrama das correntes no eixo direto e eixo em quadratura no Modelo 1.1


passa a ser como ilustrado na Fig. 14. Os fluxos magnéticos no estator permane-
cem conforme Fig. 7, tensões vd e vq ficam conforme Fig. 3 e as equações mecânicas
continuam conforme Fig. 4.

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Figura 14: Equações das correntes no Modelo 1.1.

A Fig. 15 ilustra a comparação entre o ângulo de carga obtido com o Modelo de


referência e o Modelo 1.1.

Figura 15: Ângulo de carga com Modelo de referência e Modelo 1.1.

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Modelo 1.0

Uma simplificação no Modelo 1.1 pode ser obtida ao reduzir uma bobina no eixo
em quadratura do rotor fazendo Td’ = 0, ψ1𝑄 = ψ𝑞 , logo:

(28)

𝑑𝛿
= 𝜔 − 𝜔0 (29)
𝑑𝑡

𝑑𝜔 𝜔𝐵
= 𝑇 − 𝜓𝑑 𝑖𝑞 + 𝜓𝑞 𝑖𝑑 (30)
𝑑𝑡 2𝐻 𝑚

1 1 1
𝑖𝑑 = 𝜓𝑑 + − 𝜓𝐹 (31)
𝑋𝑑 " 𝑋𝑑 𝑋𝑑 ′

1
𝑖𝑞 = 𝜓𝑞 (32)
𝑋𝑞 "

Para simulação do Modelo 1.0 não há bobinas no rotor no eixo em quadratura,


havendo apenas uma bobina no eixo direto, conforme ilustrado na Fig. 16.

Figura 16: Equação do fluxo no rotor no Modelo 1.0.

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O diagrama das correntes no eixo direto e eixo em quadratura no Modelo 1.0


passa a ser conforme ilustrado na Fig. 17. Os fluxos magnéticos no estator per-
manecem conforme Fig. 7, tensões vd e vq conforme Fig. 3 e equações mecânicas
conforme Fig. 4.

Figura 17: Comparativo entre o Modelo referência e Modelo 1.0.

Análise dos resultados obtidos com as simulações

Durante a realização da simulação com o modelo de referência da Fig. 2, um


bloco To workspace do SIMULINK é utilizado para produzir um vetor na área de
trabalho do MATLAB. Na simulação com o modelo de referência da Fig. 2, esse vetor
é salvo na área de trabalho do MATLAB com o nome “delta”. Para a realização da
simulação com o Modelo 2.2, um bloco To workspace do SIMULINK, ilustrado na
Fig. 4, é utilizado para produzir um vetor na área de trabalho do MATLAB com o
nome “delta2”. Após realizada a simulação com os diferentes modelos matemáticos e
construídos vetores que representam o comportamento do ângulo de carga é possível
compará-los utilizando os coeficientes de correlação de Pearson. Esses coeficientes
são utilizados para mensurar a correlação entre as variáveis apresentadas nos dois
modelos. Os coeficientes de correlação de Pearson podem ter valores indo de -1 a +1.
Quando os coeficientes se aproximam de +1 indicam que há uma variação linear

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positiva entre as variáveis, ou seja, quando uma aumenta a outra também aumenta.
Utiliza-se o comando corrcoef do MATLAB para comparar o vetor de referência aos
vetores de cada um dos modelos. O intervalo de tempo dos vetores é determinado
pelo passo de cálculo configurado no SIMULINK. Para as simulações aqui descritas
utilizou-se o passo de cálculo de 1E-5 s. Na Tabela 1 são apresentados os valores
dos coeficientes de correlação de Pearson obtidos pela comparação dos diferentes
modelos no intervalo de tempo de 10 a 25 segundos.

Tabela 1: Coeficientes de correlação de Pearson de 10 a 25 segundos.


Parâmetro Valor
ρ(𝝳 Modelo Referência, 𝝳 Modelo 2.2) 0.9999
ρ(𝝳 Modelo Referência, 𝝳 Modelo 2.1) 0.9576
ρ(𝝳 Modelo Referência, 𝝳 Modelo 1.1) 0.9066
ρ(𝝳 Modelo Referência, 𝝳 Modelo 1.0) 0.7441

A Fig. 18 ilustra a comparação entre o ângulo de carga com os Modelos 2.2, 2.1,
1.1 e 1.0 no intervalo de tempo de 10 a 25 segundos. É possível observar que, em
regime permanente, todos os modelos convergem para o mesmo resultado.

Figura 18: Comparativo entre Modelo de referência, Modelo 2.2, Modelo 2.1, Modelo 1.1 e Modelo
1.0 no intervalo de tempo de 10 a 25 s.

988 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 970-992, 2021

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Uma implementação de modelos matemáticos de máquinas síncronas em MATLAB/SIMULINK como atividade...

Na Tabela 2 são apresentados os valores dos coeficientes de Person obtidos pela


comparação dos diferentes modelos no intervalo de tempo de 10 a 12 segundos. Uti-
liza-se novamente o comando corrcoef do MATLAB, considerando o novo intervalo
de tempo, para comparar o vetor de referência aos vetores de cada um dos modelos.

Tabela 2: Coeficientes de correlação de Pearson de 10 a 12 segundos.


Parâmetro Valor
ρ(𝝳 Modelo Referência, 𝝳 Modelo 2.2) 0.9998
ρ(𝝳 Modelo Referência, 𝝳 Modelo 2.1) 0.9240
ρ(𝝳 Modelo Referência, 𝝳 Modelo 1.1) 0.8658
ρ(𝝳 Modelo Referência, 𝝳 Modelo 1.0) 0.6772

A Fig. 19 ilustra a comparação entre o ângulo de carga obtido nas simulações e


os Modelos 2.2, 2.1, 1.1 e 1.0 no intervalo de tempo de 10 a 12 segundos. É possível
observar que, em regime transitório, há uma divergência entre os modelos.

Figura 19: Comparativo entre Modelo de referência, Modelo 2.2, Modelo 2.1, Modelo 1.1 e Modelo
1.0 no intervalo de tempo de 10 a 22 s.

Logo, para identificação do ângulo de carga durante os momentos transitórios, é


importante que os estudos sejam realizados considerando os modelos com maior nú-
mero de bobinados do rotor, como o Modelo 2.2. A utilização de modelos simplificados

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 970-992, 2021 989

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com objetivo de facilitar o desenvolvimento de cálculos leva a um distanciamento


dos parâmetros reais da máquina.
Em máquinas de polos salientes, o valor da reatância subtransitória do eixo em
quadratura não é informado. Assim, para simulações de máquinas de polos salien-
tes é preciso utilizar modelo 2.1 ou modelos simplificados, sendo que o modelo 2.2
utiliza-se apenas para máquinas de polos lisos.
É importante observar que nas máquinas de polos salientes serão informados
os parâmetros Tq e Tq”, enquanto no modelo 2.1 são utilizados, nas simulações, os
parâmetros Tq e Tq’. Diante disso, para simulações de máquinas de polos salientes,
os valores fornecidos nas folhas de dados dos fabricantes para Tq” devem ser utili-
zados como Tq’.
Após realizada uma análise dos resultados obtidos com os diferentes modelos, os
alunos conseguiram observar que, à medida em que são consideradas simplificações
no modelo matemático, os resultados para obtenção do ângulo de carga em regime
transitório são comprometidos. Contudo, os resultados em regime permanente
não são alterados. Nesse sentido, o modelo 1.0 pode ser compreendido como mais
adequado para estudos em regime permanente, uma vez que fornece os mesmos
resultados do modelo 2.2, ainda que com uma menor complexidade computacional.
Já o modelo 2.2 é mais adequado para máquinas de polos lisos em estudos de regime
transitório, e o modelo 2.1 é o mais adequado para máquinas de polos salientes.

Conclusão

Com a realização desta proposta de estudo, os alunos tiveram a oportunidade de


visualizar, de forma objetiva, os principais modelos de máquinas síncronas utilizados
na literatura, bem como o método para implementação desses modelos utilizando
MATLAB/SIMULINK. Ademais, conseguiram observar as principais vantagens e
desvantagens na utilização de modelos matemáticos simplificados. Não obstante,
a realização da presente proposta com alunos da disciplina de máquinas elétricas
possibilitou a aplicação interdisciplinar dos conhecimentos adquiridos no curso
Técnico Subsequente em Eletromecânica.

990 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 970-992, 2021

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A math models implementation of synchronous machines in


MATLAB/SIMULINK as an interdisciplinary activity

Abstract

In the discipline of electrical machines, offered in technical courses and engineering courses
focused on the electrical area, one of the main components used in electrical power systems
generation is studied, the synchronous machine. Understanding how this machine works re-
quires prior knowledge of subjects such as physics and mathematics. Physics for the study of
the moment of inertia, friction coefficient, interaction between magnetic fields, and mathematics
for understanding the equations used in the construction of the models. Therefore, this topic, in
addition to being very importance for understanding electrical systems, involves the application
of knowledge acquired in several disciplines of the respective courses. For the realization of clas-
ses, some activities can be developed in the laboratory, however, there are some parameters on
these machines that are inaccessible through practical experimentation and need to be analyzed
via computer simulation. Among the possible software to perform these simulations is MATLAB
/ SIMULINK. In a proposal made with students of the Subsequent Technical course in Electro-
mechanics, the present work was developed, which gathers the main mathematical models of
synchronous machines and their implementation is described in MATLAB / SIMULINK. The pro-
posed activity allowed students to better understand the principle of these machines operation.

Keywords: Load angle; Power system dynamics; Synchronous machine models; Power system
models; Power system monitoring;.

Referências
BOLDEA, I. Synchronous Generators. Boca Raton: CRC Press, 2016.
GHAHREMANI, E. I. K. Online state estimation of a synchronous generator using unscented
kalman filter from phasor measurements units. IEEE Transactions on Energy Conversion,
v. 26, n. 4, p. 1099–1108, 2011.
KRISHNA, S. An Introduction to Modelling of Power System Components. 1. ed. India:
Springer, 2014.
JHA, S. M.; CHAKRABARTI, E. K. Estimation of the rotor angle of a synchronous generator by
using PMU measurements. IEEE Eindhoven PowerTech, p. 1–6, 2015.
KUNDUR, P. Power System Stability and Control. New York: McGraw-Hill, 1994. (EPRI
Power System Engineering Series).
VENKATASUBRAMANIAN, V. R. G. K. (2004). Direct computation of generator internal dynamic
states from terminal measurements. In: 37TH ANNUAL HAWAII INTERNATIONAL CONFER-
ENCE ON SYSTEM SCIENCES, Big Island, HI, USA, Anais […], p. 6, 2004.

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Anexo A - Valores dos parâmetros utilizados na simulação

A Tabela 3 contém os parâmetros e unidades de medidas utilizados para simu-


lações.

Tabela 3: Parâmetros utilizados nas simulações.


Parâmetro Valor Dado em:
Ra 0.003 p.u.
Xd 1.8 p.u.
Xd’ 0.3 p.u.
Xd” 0.23 p.u.
Xq 1.7 p.u.
X q’ 0.65 p.u.
X q” 0.25 p.u.
Td’ 0.8274 segundos
Td” 0.0232 segundos
Tq’ 0.3510 segundos
Tq” 0.0293 segundos
H 3 segundos
V 1 p.u.

992 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 970-992, 2021

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Unidade de ensino potencialmente significativa para o estudo da água e poluição na perspectiva da educação...

Unidade de ensino potencialmente


significativa para o estudo da água e poluição
na perspectiva da educação ambiental crítica
Cristiane Jussara da Silva*, Helotonio Carvalho**, Kátia Aparecida da Silva Aquino***

Resumo
A poluição litorânea está na lista dos graves problemas ambientais que prejudicam a sociedade
e a manutenção dos ecossistemas. Considerando esse cenário e a complexidade que envolve
os problemas ambientais é importante que as escolas, não mais de forma ingênua, realizem
ações que conversem com os diversos saberes curriculares com uso de ferramentas e estraté-
gias de ensino que sejam potencialmente significativas. Nesse contexto, foi desenvolvida uma
Unidade de Ensino Potencialmente Significativa (UEPS) acerca da temática “Água e Poluição
na Educação Básica”. A UEPS foi idealizada utilizando uma sequência de ações de ensino de
modo interdisciplinar utilizando uma variedade de estratégias e ferramentas e com a avaliação
pautada na produção de mapas conceituais, tendo sido aplicada a estudantes do ensino médio
de uma escola da rede estadual de Pernambuco. Durante as estratégias didáticas utilizadas
foram encontradas evidências de que novos conceitos se ancoraram aos conhecimentos pré-
vios dos estudantes, sendo indício de uma aprendizagem significativa em curso. A aplicação
das diversas etapas da UEPS contribuiu para a formação de estudantes que passaram a ser
protagonistas juvenis, com a possibilidade de entenderem a complexidade da problemática da
poluição litorânea, além de desenvolverem responsabilidade ambiental, social e política.

Palavras-chave: Aprendizagem Significativa. Ensino de Ciências. Mapa Conceitual. UEPS.


*
Mestre em Ensino de Ciências Ambientais (ProfCiamb-UFPE). Docente da Secretaria de Educação do Estado
de Pernambuco. Brasil. E-mail: [email protected]
**
Membro permanente do Programa de Pós-graduação em Rede para o Ensino das Ciências Ambientais
(ProfCiamb-UFPE). Brasil. E-mail: [email protected]
***
Membro permanente do Programa de Pós-graduação em Rede para o Ensino das Ciências Ambientais
(ProfCiamb-UFPE). Docente do Colégio de Aplicação da UFPE. Brasil. Autor de correspondência. E-mail: aquino@
ufpe.br

Recebido em: 15/09/2020; Aceito em: 19/08/2021


https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i2.11047
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 993-1017, 2021 993

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Cristiane Jussara da Silva, Helotonio Carvalho, Kátia Aparecida da Silva Aquino

Introdução

Trazer para o estudante a complexidade de temas sobre degradação e poluição


ambiental, utilizando práticas tradicionais e ignorando que o ensino na atualidade
deve desenvolver competências cognitivas, pessoais e sociais é ter um parâmetro,
no mínimo ultrapassado, do ensino e da aprendizagem. Na década de 1960, David
Ausubel propôs a chamada Teoria de Aprendizagem Significativa (TAS) como al-
ternativa para o que ele denominava concepção behaviorista de aprendizagem. Se-
gundo Moreira (2017), para Ausubel a concepção behaviorista (comportamentalista)
da aprendizagem via o estudante como um ser meramente passivo, ao qual não se
dava elementos estimuladores para desenvolver sua criticidade. A fim de superar
esses supostos problemas, Ausubel (1963) propôs uma teoria abrangente de como
os seres humanos aprendem e retêm conhecimentos em sala de aula e ambientes
de aprendizagem análogos, cujo escopo estaria limitado ao aprendizado por recep-
ção e retenção de material significativo. Para Ausubel (1963), aprendizagem por
recepção referia-se às situações nas quais o conteúdo da tarefa de aprendizagem
(o que é aprendido) é apresentado ao invés de descoberto independentemente pelo
aluno. Basicamente, a TAS considera a aprendizagem como o resultado da constan-
te reestruturação da chamada estrutura cognitiva da mente humana. Obras como
as de Ausubel, Novak e Hanesian (1980), Moreira (2010, 2011) e Novak e Cañas
(2010) vem tentando refinar a TAS e apresentar ideias para seu uso ostensivo em
sala de aula.
Dentro dessa perspectiva, procurou-se, nesse trabalho, fomentar uma Educa-
ção Ambiental Crítica (EAC) fundamentada em uma visão holística da realidade
e nos métodos da interdisciplinaridade, que traga discussões sobre a ineficácia do
conhecimento fragmentado e da não contextualização das problemáticas ambien-
tais do estudante (CARVALHO; LAYRARGUES, 2012). As conferências ambientais
mundiais da década de 1970 já evidenciavam que ações ordenadas, com o propósito
de preservar o meio ambiente, eram práticas indissociáveis do ensino formal. A
institucionalização, no Brasil, dos documentos educacionais (Parâmetros Curricu-
lares Nacionais e Base Nacional Comum Curricular), com o tema Meio Ambiente,
passou a ser garantida no currículo escolar, como eixo transversal, em razão de sua
abrangência, complexidade e importância (BRASIL, 2006). Nessa direção, autores
como Loureiro e Layrargues (2006) sugerem que a prática da educação ambiental,

994 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 993-1017, 2021

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para ser efetiva, deve estar fundamentada numa perspectiva que estimule o pensar
e o agir crítico do estudante.
Loureiro (2007) expõe que as escolas utilizam práticas de Educação Ambiental
apenas com ações de sensibilização e/ou conscientização do convívio com a nature-
za, salvo raras exceções. Essa é a causa, segundo o autor, do frágil diálogo entre a
escola e a comunidade onde ela está inserida. O que também precisa ser levado em
consideração, de acordo com Carvalho e Toniol (2010), são os novos fenômenos que
reconfiguram as práticas tradicionais e que precisam ser incorporados aos temas
ambientais. A escola deve ser, portanto, um espaço aberto, que permita que as
questões socioambientais sejam discutidas mesmo nos ambientes mais vulneráveis,
fazendo, com isso, o encurtamento da distância entre as políticas públicas e o que
efetivamente acontece dentro das escolas (MACHADO; MORAIS, 2019).
Essa responsabilidade da escola fica muito evidente no mais recente documento
oficial nacional, que direciona a educação no país, a Base Nacional Comum Curri-
cular (BNCC) que, em uma de suas competências gerais, preconiza que o estudante
deve ser preparado para
Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular,
negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e pro-
movam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável
em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado
de si mesmo, dos outros e do planeta (MARINI, 2018, p. 10).

Pelo exposto, ao se trabalhar a complexa problemática ambiental, como a


poluição do Complexo Estuarino do Canal de Santa Cruz, é possível evidenciar o
processo de degradação ou poluição, principalmente se o ambiente tratado for local,
o que permite que seja vivenciado pelos estudantes. Neste cenário, a compreensão
da sua dimensão não deve ser abordada de forma fragmentada e restrita apenas
ao componente curricular de Biologia, por exemplo, visto que nenhum componen-
te curricular apresenta primazia intelectual sobre qualquer outra na busca da
sustentabilidade (COIMBRA, 2000). O que não descarta a importância do ensino
de Biologia como um momento oportuno para o desenvolvimento de competências
relacionadas à criticidade e observância de eventos e fenômenos que ocorrem ao
redor dos estudantes. Além disso, o estudo de um canal estuarino, ao deixar emergir
sua importância socioambiental e econômica, propicia discussões que podem ser
um rico campo de desenvolvimento crítico no tocante à prática do professor, linha

RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 993-1017, 2021 995

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pedagógica da escola e formação de uma conduta ecológica e cidadã do estudante.


Contudo, são necessárias práticas pedagógicas que promovam um ensino que tam-
bém seja significativo e crítico para os estudantes.

Teoria da aprendizagem significativa crítica e as Unidades


de Ensino Potencialmente Significativas (UEPS)

O ensino na contemporaneidade deve buscar uma aprendizagem que seja sig-


nificativa e que prepare o estudante para participar ativamente do seu processo de
ensino-aprendizagem. Entretanto, as práticas pedagógicas atualmente utilizadas, de
acordo com Moreira e Massine (2015), salvo algumas exceções, continuam baseadas
em “fazer exercícios repetitivos, estudar na véspera das provas, decorar respostas
corretas”. Ausubel, na década de 1960, vem como pioneiro na visão de aprendizagem
cognitivista, na qual a sua principal preocupação era em como facilitar ao aprendiz
a aprendizagem com significado, de um corpo organizado de conhecimentos em
situação formal de ensino (MOREIRA, 2017).
Ausubel, Novak e Hanesiam (1980) se referiram, ao conhecimento prévio ou
subsunçor do estudante como um “ancoradouro” para os novos conceitos que pas-
sarão a ter significado na estrutura cognitiva do aprendiz. Para os autores, suas
pesquisas na área de psicologia educacional poderiam ser resumidas a um único
princípio: “O fator isolado mais importante que influencia a aprendizagem é aquilo
que o aprendiz já conhece. Descubra o que ele sabe e baseie nisso os seus ensina-
mentos” (AUSUBEL, 1980, p. 1).
Caso o aprendiz não disponha desses subsunçores, ele indicou os organizadores
prévios, que têm a função de servir de ponte entre o que o estudante não sabe e o
que ele precisa saber, sendo eles mais abrangentes e inclusivos do que os materiais
potencialmente significativos. Dentro dessa linha, Moreira (2010) aponta que se
deve acolher as ideias prévias dos estudantes e construir diversificadas situações de
aprendizagem dando à TAS um viés crítico, surgindo a chamada Teoria da Apren-
dizagem Significativa Crítica, que se configura a partir de princípios facilitadores,
que ajudam o estudante a enxergar o conteúdo potencialmente significativo com
a ideia de aplicá-lo nas situações cotidianas, o que faz o conhecimento, em termos
cognitivos, reorganizar-se e adquirir novos significados em relação ao que, até então,
poderia estar sendo visto de forma isolada (MOREIRA, 2012).

996 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 993-1017, 2021

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Unidade de ensino potencialmente significativa para o estudo da água e poluição na perspectiva da educação...

Neste contexto, a Unidade de Ensino Potencialmente Significativa (UEPS),


idealizada por Marco Antônio Moreira, é um tipo de sequência didática que satisfaz
a necessidade educacional de buscar a melhor maneira de relacionar explicitamen-
te os aspectos mais importantes de uma temática a ser abordada, aos aspectos
especificamente relevantes de estrutura cognitiva do aprendiz e assim promover
uma aprendizagem significativa (MOREIRA, 2011). O autor ressalta que a busca
por evidências da aprendizagem significativa deve ser sempre o objetivo-fim para
o professor que pretende utilizar uma UEPS como ferramenta da aprendizagem
(MOREIRA, 2011).
Moreira explica que essa ferramenta é constituída por sequências de ensino,
fundamentadas teoricamente que não devem utilizar uma abordagem mecânica e,
sim, significativa nas pesquisas de ensino que forem utilizadas (MOREIRA, 2011).
As etapas de uma UEPS são: 1. Conhecimento prévio: O aluno externaliza seu
conhecimento prévio, aceito ou não-aceito no contexto da matéria de ensino; 2.
Situações-problemas introdutórias: Preparam o terreno para a introdução do
conhecimento (declarativo ou procedimental) que se pretende ensinar e que serão,
cuidadosamente, mediadas no sentido de despertar a intencionalidade do discente
em aprender significativamente. 3. Diferenciação progressiva: Deverá partir dos
aspectos mais gerais, do que é mais importante na unidade de ensino, para o mais
específico; 4 Situações-problemas complexas: Deverão ser propostas em níveis
crescentes de complexidade com uso de materiais potencialmente significativos. 5.
Reconciliação integradora: Nessa fase, existe a possibilidade de ir e voltar com
o conteúdo temático onde essas situações podem ser resolvidas em atividades cola-
borativas, sempre com a mediação do docente; 6. Avaliação: Deverá ser formadora
e recursiva na busca de evidência de uma aprendizagem significativa, que se sabe
ser progressiva.
O professor mediador do processo de construção de uma UEPS deve estar
atento ao que afirma seu idealizador ao falar da importância dos materiais e as
estratégias de ensino, que devem ser diversificados para propiciar e estimular o
diálogo, o questionamento e a crítica (MOREIRA, 2011). Para isso, privilegiam-se
as atividades colaborativas e momentos de atividades individuais. Alguns exemplos
das UEPS desenvolvidas para Mestrados Profissionais como Produto Educacional
pelas Universidades Brasileiras são apresentados no Quadro 1. O repositório esco-
lhido para essa breve pesquisa foi o Banco de Teses e Dissertações da Coordenação

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de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Nesse repositório, en-


contram-se teses e dissertações apresentadas nos programas de pós-graduação de
todo o país. Foram encontrados um total de 161 UEPS nesse repositório. O Quadro
1 lista apenas uma amostra de UEPS produzidas recentemente, mas já evidencia
a realidade de pequena produção deste produto educacional na área de Ciências
Naturais. Este fato é também constatado no repositório do Mestrado Profissional
em Rede Nacional para o Ensino de Ciências Ambientais, polo Universidade Fe-
deral de Pernambuco (PROFCIAMB-UFPE), de onde os professores pesquisadores
deste trabalho fazem parte, sendo a UEPS apresentada, a primeira a fazer parte
do repositório desse programa.
Para a etapa de avaliação, os mapas conceituais são ferramentas de impor-
tante relevância por terem sido criadas com base na teoria da Aprendizagem Sig-
nificativa de David Ausubel (1963). De acordo com Novak e Cañas (2010), para se
elaborar um mapa conceitual, é importante que a área de conhecimento seja bastante
familiar para quem vai elaborá-lo, uma vez que a estrutura hierárquica do mapa
conceitual depende do contexto no qual será usado. Partindo de uma boa pergunta,
o Mapa Conceitual passará a representar relações significativas entre conceitos
na forma de proposições. Elas são constituídas de dois ou mais termos conceituais
unidos por palavras para formar uma unidade semântica (NOVAK; CAÑAS, 2010).
Os mapas conceituais podem ser construídos tanto de forma manual como pelo
uso do programa CmapTools que é um aplicativo que, segundo Novak e Cañas (2010),
alia a qualidade do mapa conceitual ao uso de Tecnologias Digitais de Informações
e Comunicações (TDICs). O software facilita o uso para usuários de todas as idades
elaborarem e modificarem seus mapas. É essa versatilidade que faz essa ferramenta
ser promissora no acompanhamento e desenvolvimento de uma UEPS, justificando,
assim, sua escolha para validar a UEPS proposta neste estudo.

998 RBECM, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 993-1017, 2021

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Quadro 1: Algumas dissertações que construíram UEPS como produto educacional


Tema da UEPS Programa Referência
Ensino de conceitos de termodinâmica: es- Mestrado Profissional em Ensino de Ciências
tação meteorológica como possibilidade de Naturais da Universidade Federal de Mato CONTIN, 2018
aprendizagem em Física. Grosso
Proposta de uma UEPS para ensinar o efei- Mestrado Profissional em Ensino de Física da
LIMA, 2018
to fotoelétrico no ensino médio. Universidade de Brasília
Inserção dos conceitos da radiação do cor- Mestrado Profissional em Ensino de Física do
po negro no ensino médio através de uma Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec-
FILHO, 2018
sequência didática baseada em uma UEPS nologia do Amazonas
Proposta de UEPS abordando conceitos en- Mestrado Profissional em Ensino de Ciências
MEDEIROS,
volvidos no processo de ensino e aprendiza- Naturais e Matemática da Universidade Fede-
2018
gem da eletroquímica. ral do Rio Grande do Norte
Unidade de Ensino Potencialmente Signifi- Mestrado Profissional Em Ensino de Ciências
CAVALCANTI,
cativa para estudo do sistema respiratório e Matemática da Fundação Universidade de
2016
humano no Ensino Fundamental. Passo Fundo
Unidades de Ensino Potencialmente Signifi-
Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e
cativas para a Aprendizagem de Geometria FABRO, 2018
Matemática da Universidade de Caxias do Sul
Analítica.
Enfoque CTSA e as Unidades de Ensino Po- Mestrado Profissional em Ensino de Ciências
tencialmente Significativas na formação de Naturais e Matemática da Universidade Esta- HAMMEL, 2018
professores de Ciências. dual do Centro-Oeste
Fonte: Banco de Teses e Dissertações da CAPES (2018)

Para evitar uma aprendizagem de curto prazo com interpelações tradicionais,


este trabalho consistiu no desenvolvimento de uma UEPS para o estudo da água e
poluição na Perspectiva da Educação Ambiental Crítica, objetivando ir progressi-
vamente diferenciando e integrando novos significados aos já existentes na estru-
tura cognitiva do estudante. Nesta direção, a UEPS foi desenvolvida em etapas, de
forma a não separar o conhecimento acadêmico da realidade local, sendo então um
instrumento de transformação social e política, tentando aproximar a alfabetização
científica do acesso a ambientes já familiares ao estudante e incitando o seu agir.
Atendeu-se aos princípios da Teoria da Aprendizagem Significativa Crítica (TASC),
proposta por Moreira (2010), em que o educando, munido do conhecimento construído
significativamente, poderá atuar como agente promotor de transformação ao propor
possíveis soluções na sua comunidade.

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Metodologia

As etapas da UEPS foram desenvolvidas e aplicadas na Escola de Referência


em Ensino Médio Professora Eurídice Cadaval, localizada no município de Itapis-
suma-PE. A abordagem se deu em uma turma de 2º ano do Ensino Médio, compos-
ta por 30 estudantes que foram divididos em cinco equipes enumeradas de 1 a 5.
A UEPS foi construída em sete etapas, de acordo com os preceitos sugeridos por
Moreira (2011). Cada etapa foi pensada para oferecer múltiplas abordagens com
utilização de várias estratégias para cercar os estudantes e convidá-los, ativa e
qualitativamente, a trabalharem a problemática da poluição do estuário local. No
total, foram utilizadas 20 aulas com 50 minutos cada. O detalhamento da UEPS é
apresentado no Quadro 2.
A Escolha do tema foi a etapa inicial onde foi realizada uma pergunta nor-
teadora para que, individualmente e livremente, todos os estudantes respondessem
ao seguinte questionamento: “quais as principais problemáticas ambientais, do
município, que mais lhes inquietam?”. Esta etapa foi seguida pelo Levantamento
do conhecimento prévio em que os estudantes foram divididos em cinco equipes
e receberam informações sobre os pressupostos básicos para produção de um Mapa
Conceitual. Em seguida produziram o primeiro mapa, tendo como pergunta: “qual
é a importância da água para os seres vivos?”. No segundo momento, dessa mesma
etapa, em oficina ministrada no auditório da escola, foi trabalhada a temática “Pro-
blemáticas Ambientais” que, ao utilizar a técnica de Brainstorming (tempestade de
ideias), usou as respostas dos estudantes como ponto de partida para produzir, em
tempo real, uma nuvem de palavras como feedback desse momento.

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Quadro 2: UEPS para o ensino da temática água e poluição na Educação Básica.

Etapa Aulas Ações

1. Escolha do tema 1 Pergunta individual sobre a problemática que norteará a UEPS.


• Produção do 1° mapa conceitual.
2. Levantamento do • Brainstorming (tempestade de ideias).
3
conhecimento prévio • Nuvem de Tags. Disponível em <https://voyant-tools.org> acesso em
20/06/2019
• Aula deflagradora com textos sobre Resíduos sólidos; manguezais e es-
tuários; Enzima come PET; Conservação dos oceanos. Etapa executada
com a participação do professor do componente curricular de Química.
• Vídeos: Documentário Além do Lixo, Disponível em <https://www.youtu-
be.com/watch?v=alX5pP0eGAQ> acesso em 19/11/2018, duração de 15
minutos e 25 segundos;
• Sistema otimiza coleta de lixo na Holanda, disponível em <https://www.
youtube.com/watch?v=GYPphgOZ-kU> acesso em 19/11/2018, duração
de 2 minutos e 50 segundos;
3. Encontro de situação- • Maré de lixo na República Dominicana, disponível em <https://www.you-
tube.com/watch?v=Fpbd4H_l7qw> acesso em 19/11/2018, duração de
-problema introdutória 8
35 segundos.
• Aula de campo 1: visita ao Canal de Santa Cruz com professor pesqui-
sador, estudantes e participação de equipe de escoteiros do município.
Volta à escola com discussão sobre essa aula.
• Aula de campo 2: visita ao Museu Espaço Ciência: Oficina Água, para
fazer análise físico-química da água coletada pelos alunos do Canal de
Santa Cruz.
• Palestra no auditório da escola: órgão convidado (CPRH). Tema: Co-
nhecer para Conservar. Participação externa: analista ambiental da APA,
Secretária do Meio Ambiente e agente popular de saúde. Participação
interna: estudantes do 2° Ano e professor pesquisador.
• Utilização do game Kahoot. A partir dos textos científicos trabalhados na
etapa introdutória. Foram produzidas 4 perguntas e respostas, por equi-
4. Diferenciação
2 pes, no total de 20. O professor, com essas questões, formou um quiz
progressiva
sobre resíduos sólidos e poluição dos estuários por águas residuais que
alimentou o game Kahoot. <https://create.kahoot.it/>
• Exposição com fotos relacionada ao ecossistema estuarino local com o
auxílio do professor do componente curricular de Arte.
5. Situação-problema
3 • Produção de uma proposta de intervenção coletiva, auxiliados pelo pro-
complexa
fessor do componente curricular de Português, que a posteriori foi entre-
gue, pelos alunos, ao chefe do poder executivo municipal.
• Mesa Redonda. Tema: Quais as políticas públicas municipais relaciona-
das a resíduos sólidos e rede de tratamento de esgoto?
• Organização prévia: Professor pesquisador e gestor da escola.
• Mediadores da mesa: estudantes do 2° ano.
6. Reconciliação
2 • Convidados do poder público municipal: gestora da Secretaria de Meio
integrativa
Ambiente e gestor da Secretaria de Limpeza Urbana.
• Convidados de organizações não governamentais: presidente da colônia
municipal de pescadores e presidente da Associação de Catadores de
Resíduos Sólidos.
• Construção do 2° mapa conceitual: Foi utilizado o aplicativo CmapTools.
7. Avaliação 1
<https://cmap.ihmc.us/cmaptools/>
Fonte: SILVA (2019)

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A etapa da Situação-problema introdutória foi executada em quatro mo-


mentos. O primeiro momento contou com a participação do professor do componente
curricular de Química, que em aula deflagradora, trabalhou textos científicos e
vídeos relacionados à temática água e poluição marinha. Em um segundo momento
foi realizada uma visita, guiada por um grupo de escoteiros, à margem do Canal
de Santa Cruz. Na volta à escola, foi feita uma roda de discussão sobre a relação
da visita com a temática. Em um terceiro momento aconteceu uma segunda aula
de campo em espaço não formal, O Museu Interativo de Ciências de Pernambuco –
Espaço Ciência (Olinda – PE), com visita a duas oficinas, sendo uma direcionada à
Área “Água”. Nessa oficina, foi realizada a análise físico-química de uma amostra de
água coletada pelos estudantes do Canal de Santa Cruz (Itapissuma-PE). A segunda
oficina foi uma exposição de doenças de veiculação hídrica, nesse caso, a do “Aedes
aegypti: que mosquito é esse?”. O quarto e último momento dessa etapa ocorreu,
no auditório da escola, com uma palestra realizada por um analista ambiental
da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) que é responsável pela Área de
Proteção Ambiental de Santa Cruz (APA Santa Cruz), com o tema: “Aprender para
Conservar”. Além do Analista Ambiental, participaram dessa palestra como convi-
dados do palestrante, a Secretária do Meio Ambiente do município de Itapissuma
e um agente de saúde ambiental também do mesmo município, convidados que só
enriqueceram o debate ocorrido pós-palestra.
Na etapa do desenvolvimento da Diferenciação progressiva foi solicitado aos
estudantes uma releitura dos textos científicos trabalhados na etapa de situação
problema introdutória. Em equipe, os estudantes foram orientados a elaborarem
quatro perguntas e respostas, sendo duas sobre poluição por resíduos sólidos e duas
sobre poluição por água de efluentes. No final da aula, 20 perguntas e respostas
foram produzidas pelas equipes. Elas formaram um quiz, que alimentou o game
Kahoot, que seria usado na próxima aula. Na sequência, em dupla e sem consultar
material, os estudantes tiveram a oportunidade de jogar o game Kahoot.
A etapa da exposição de Situação-problema complexa teve a participação dos
professores dos componentes curriculares de Artes e de Português. O componente
de Artes trabalhou a temática “Pintura Acadêmica no Brasil – Fotografia: Arte na
realidade”. Foi então solicitado que cada uma das cinco equipes escolhessem uma
fotografia da visita ao Canal de Santa Cruz e organizassem uma apresentação com
slides com a foto escolhida e uma produção textual descrevendo a mesma. No com-

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ponente curricular de Português, a professora trabalhou o “Gênero Textual – Carta


Argumentativa”. Então, foi solicitado que os estudantes, em equipe, produzissem
um pequeno texto de reivindicações endereçado ao Chefe do Executivo Municipal.
Eles deveriam elencar as problemáticas ambientais observadas ao longo do proje-
to, dando sugestões de soluções. Ao término, os estudantes produziram um texto
coletivo que se transformou em uma carta propositiva que foi entregue ao Prefeito
do Município de Itapissuma/PE.
Já a etapa para promoção da Reconciliação integrativa aconteceu no au-
ditório da escola com a realização de uma atividade de mesa-redonda. As equipes
elaboraram perguntas que seriam direcionadas aos convidados e elegeram alguns
estudantes para mediarem as falas. O tema da mesa redonda foi “Quais as Políticas
Públicas Municipais Voltadas ao Meio Ambiente?”. Os convidados foram os Secretá-
rios Municipais de Limpeza Urbana e de Meio Ambiente e, como representantes de
instituições não governamentais, foram a Presidente da Associação de Pescadores
e a Presidente da Associação de Catadores de Resíduos Sólidos. Da escola, partici-
param os trinta estudantes, professores e o gestor.
Por fim, a etapa de Avaliação visou analisar o impacto das etapas da UEPS
na aprendizagem dos estudantes. Para isso, os estudantes produziram um segundo
mapa conceitual após todas as intervenções. Foi então realizada uma comparação
entre o mapa conceitual construído na etapa de conhecimentos prévios, com o
segundo mapa, construído na etapa de avaliação, esse último, após os estudantes
passarem pelas várias etapas da UEPS. A fim de obtermos indícios da promoção
da aprendizagem significativa crítica (OLIVEIRA et al, 2017) foi avaliado como os
conceitos apresentados no primeiro mapa foram articulados com novos conceitos
no segundo mapa.

Resultados e discussão

A construção da UEPS foi iniciada com a indicação da temática “Água e Poluição”


que foi escolhida pelos próprios estudantes ao serem indagados sobre a problemática
ambiental local que mais os incomodavam. A escolha se justifica pelo fato da escola
se encontrar numa cidade estuarina e eles, em sua maioria, serem filhos ou parentes
de pescadores. O Estuário de Santa Cruz, localizado no município de Itapissuma/
PE, tem grande relevância socioeconômica para a produção pesqueira, que abastece

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e gera renda para os munícipes no mercado local, além de munir grande parte da
Região Metropolitana do Recife e do interior do Estado, sendo um dos estuários mais
importantes do litoral do Estado de Pernambuco. Com base na referida temática,
no Quadro 2 é apresentada a UEPS, objeto desse estudo.
Quanto à etapa 1 da UEPS, de posse das respostas ao questionamento feito aos
estudantes sobre as problemáticas ambientais locais, constatou-se que majorita-
riamente foi citada a poluição do canal que banha a cidade como principal proble-
mática a ser tratada. Esse resultado pode ser justificado tanto pelo fato da escola
estar em uma cidade estuarina, como também devido a ter vários estudantes que
são filhos ou parentes de pescadores. Cabe salientar que o tema pertence a um eixo
transversal Meio Ambiente que pode ser trabalhado em qualquer unidade e por
qualquer um dos componentes curriculares ofertados no Ensino Médio, conforme
os PCNs (BRASIL, 1997).
Neste contexto, emerge um dos princípios para a aprendizagem significativa, a
intencionalidade (AUSUBEL, 2003). Corroborando o que a TASC concebe, conforme
estudo de Masini e Moreira (2008), o estudante pode, através de sua percepção,
tematizar os assuntos a serem tratados e que, por sua compreensão, podem passar
a ter significado. Essa foi a intencionalidade da pergunta feita a eles, a busca pelos
significados. O que vai ao encontro do que diz Carvalho (2012), em relação à EAC,
quando a autora aconselha evitar o caminho apressado e superficial na abordagem
das questões ambientais, o que poderia reforçar uma consciência ambiental ingê-
nua. Foi importante perceber o amadurecimento que, mesmo sem um vocabulário
científico e/ou técnico, esses estudantes já conseguiam expressar sobre a temática
nessa primeira etapa. Não só citaram, como justificaram suas respostas, eviden-
ciando uma das premissas da AS que é a pré-disposição a aprender (Ausubel,1963).
Com relação à etapa 2, a estratégia escolhida foi a produção de mapas concei-
tuais em grupo para responder à pergunta foco “Qual é a relação da água com os
seres vivos?”. A principal função dos mapas de conceitos é evidenciar a associação
de significados (MOREIRA, 2005). Dos cinco mapas conceituais produzidos, apenas
dois mostravam um esboço de ligação do tema água com poluição. A Figura 1 mostra,
como exemplo, um desses mapas conceituais.

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Figura 1: Mapa conceitual 1 produzido por estudantes de um dos grupos.

Pode-se inferir, a partir da análise do mapa, uma visão já diversificada do uso


da água, visto que já levanta um viés crítico de sua relação com o meio ambiente,
demostrando o conhecimento prévio que possuem sobre a temática. Contudo, foi
observada uma linguagem desprovida de complexidade conceitual e acadêmica o
que a classifica como ingênua. A principal estratégia advogada por Ausubel (2003),
em situações como essa, é deliberadamente manipular a estrutura cognitiva com o
uso dos organizadores prévios. Esses farão as pontes entre o que o estudante já tem
e o que ele precisaria ter para aprender significativamente a temática estudada.
Mesmo tendo citado o conceito de poluição com alguns de seus subprodutos/
consequências geradas pelo homem, a análise evidencia a ausência de conceitos
relacionados às questões hídricas locais, deixando claro as lacunas no domínio de
conceitos relevantes sobre o tema (MASINI; MOREIRA, 2008). Algumas ideias
ainda eram muito vagas, como por exemplo, as expostas na primeira e na segunda
proposição do mapa: Planeta→ Serve para → Hidratação; Moradia; Fotossíntese. Ob-
serva-se um certo grau de confusão principalmente quanto aos conceitos hidratação
e fotossíntese, cujas relações com o conceito água permitem múltiplas interpretações.
Para complementar a etapa 2, foi realizada uma dinâmica de grupo que utilizou
a técnica de brainstorming, que estimulou o pensamento crítico e o posicionamento
diante da temática. As interpelações ocorreram de forma rápida e calorosa, sendo

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robustamente respondidas pelos estudantes. O fechamento da dinâmica foi comple-


mentado com a chamada “nuvem de palavras”, técnica que mostra a relevância de
uma palavra pela quantidade de vezes que é repetida. Das 89 palavras produzidas,
5 tiveram maior relevância, devido à sua repetição: plástico, economia, impacto,
ambientais e pesca. Esses resultados se mostraram coerentes com a problemática
local por ficarem subentendidas questões atuais (plástico), socioeconômicas (econo-
mia e pesca) e ambientais (impacto e ambiente). Ao término dessas duas estratégias
utilizadas nessa etapa, o professor pesquisador procurou seguir as recomendações de
Ausubel (1963), ao sugerir que o ensino fosse baseado naquilo que o aprendiz já sabe.
Na etapa 3 foram levados em consideração alguns princípios facilitadores de
uma Aprendizagem Significativa Crítica: princípio do conhecimento prévio, princípio
da não centralidade do livro texto, princípio da não utilização do quadro de giz e da
participação ativa do aluno e diversidade de estratégias de ensino (MOREIRA, 2006).
Nesta direção, a temática foi apresentada sob diferentes perspectivas. De acordo
com Gowin (1981), apresentar o tema de forma diversificada é importante para que
o estudante perceba a relevância dos conceitos e manifeste uma intencionalidade
para captá-los e internalizá-los. Assim, a primeira estratégia dessa etapa, contou
com a participação do professor de Química que, em aula deflagradora, utilizou
textos e vídeos.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, PCNs, a leitura de um texto é
apenas um recurso e não o essencial da aula, o que foi comprovado pelo entusiasmo
da participação dos estudantes na aula (BRASIL, 1997). Assim, cabe ao professor
problematizar para que se caminhe para a compreensão do conceito pretendido. Isso
mostra uma característica fundamental do continuum que é a não dicotomização
da relação existente entre práticas tradicionais e as práticas com potencialidades
para serem significativas, o que segundo Ausubel (1963), só contribui para o forta-
lecimento da colaboração de ambas no processo de ensino-aprendizagem.
A segunda estratégia da etapa 3 foi uma visita ao Canal de Santa Cruz, ba-
seando-se na premissa que o aprendizado que tem seu ponto de partida no universo
vivencial comum ao estudante, desenvolve com vantagem o aprendizado significativo,
aproximando o ensino e a escola do mundo real. Essa abordagem foi baseada em
Ausubel, Novak e Hanesian (1980) ao relatarem que quando a natureza do assunto
é apresentada de forma não arbitrária e não aleatória permite que ocorra uma rela-
ção não opressora e substantiva, quando ideias inerentes ao ser humano designam

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o significado lógico que irá determinar se uma atividade é ou não potencialmente


significativa. Nessa aula de campo, um misto de leveza, encantamento, curiosidade
e vários questionamentos dos estudantes fizeram com que o professor pesquisador
percebesse que naquele momento eles sentiram estar adentrando de fato na pro-
blemática da poluição do Canal de Santa Cruz.
Esse exercício in loco ao estuário foi complementado com uma visita orientada
pelos monitores ao museu interativo de Ciências – Espaço Ciência (Olinda/PE). As
informações científicas instigaram a curiosidade como mais uma oportunidade de
aprendizagem em direção à alfabetização científica, caracterizando o que Ausubel
(1963) preconiza sobre ser no curso da aprendizagem significativa que o significa-
do lógico dos materiais de aprendizagem se transforma em significado psicológico
para o aprendiz. Ainda no Espaço Ciência os estudantes participaram de oficinas
para análise físico-química da qualidade da água do estuário local onde receberam
informações dos parâmetros oficiais de normalidade para um estuário. Por fim, em
oficina sobre o Aedes aegypti assistiram a uma palestra que, de forma lúdica e com
uso de recursos de tecnologias digitais, explorou vários aspectos dessa arbovirose,
do seu transmissor e sua ligação com a água.
Como fechamento da etapa 3, houve uma palestra na escola acerca do tema pelo
órgão responsável pela área de proteção e conservação desse complexo estuarino
- a Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco (CPRH) que criou a APA
Santa Cruz - Área de Proteção Ambiental – para localmente exercer essa função.
Verificou-se, com essas atividades, que a diversidade de situações-problema deu
provável sentido aos novos conhecimentos (VERGNAUD, 1991). Os estudantes já
começavam a mostrar motivação para debater a temática de forma mais segura e
desinibida. Assim, de acordo com Carvalho (2012), embora a formação de um sujeito
ecológico tenha lugar em todas as experiências que nos formam durante a vida, a
escola toma parte entre estas experiências como um elo muito importante deste
ambiente-mundo em que vivemos.
Na etapa 4, correspondente à promoção do processo de diferenciação progressiva,
o desafio é manter o interesse e o engajamento dos estudantes. A intenção dessa
etapa foi observar se o estudante teria a habilidade de diferenciar progressivamente
de forma inclusiva o que foi visto na etapa prévia e seguir abordando os aspectos
mais específicos (MOREIRA, 2011). Nesta etapa foi escolhido um quiz produzido por
eles, em equipe, com perguntas retiradas dos textos científicos usados na etapa 3.

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As perguntas produzidas nesse quiz serviram para fomentar um jogo, via Kahoot.
O uso da plataforma Kahoot como um ambiente virtual de jogos proporcionou um
contexto motivacional e desafiador no cotidiano da sala de aula. A média geral de
acertos da turma foi de cerca de 85%, resultado que evidencia um aproveitamento
satisfatório das atividades realizadas até aquele momento, lembrando que a tec-
nologia sozinha não garante aprendizagem, assim como não irá transpor velhos
paradigmas (DIESEL et al, 2017).
O professor pesquisador observou que, no que se refere às questões elaboradas
sobre a problemática da poluição do Canal de Santa Cruz, os estudantes conseguiram
ressignificar o ingênuo conhecimento prévio sobre a poluição hídrica estuarina com
novos conceitos, com perguntas que partiram do geral para realidade local, como
por exemplo: impacto ambiental X estuário (específico); poluição dos ecossistemas
aquáticos X responsabilidade da coleta de resíduos sólidos no município (problema
existente no município); aterro sanitário X consequências da poluição dos ecossis-
temas aquáticos (no estuário em questão, poluição por resíduos sólidos); manguezal
como bioma que filtra impurezas X 60% do que se pesca nesse município vem do
estuário local (classe trabalhadora do município prevalentemente de pescadores);
destino final dos resíduos sólidos X importância das mudanças educativas (o que
estava sendo trabalhado na UEPS), e outras. O game também serviu para testar
controle, tempo de resolução de questões e equilíbrio emocional. Foram criados
novos laços dentro da sala de aula, o que proporcionou que os mais tímidos e intro-
vertidos externassem seu potencial, aproximando-se dos demais estudantes. Estes
resultados estão de acordo com Moya Fuentes et al. (2016) que compara a sala de
aula, temporariamente, a um espetáculo através do jogo.
Já na etapa 5, na perspectiva de apresentar situações mais complexas sobre a
temática em estudo, foram envolvidos os componentes curriculares de Português
e Artes. Procurou-se ir ao encontro do que diz Moreira (2010), sobre estruturar o
conhecimento através da presença de novas situações-problema que possam retomar
as características mais relevantes das temáticas trabalhadas nas etapas anterio-
res. Segundo Ausubel (1980), esse é o momento em que o que é mais significativo e
adequado interage com a nova informação. Nessa direção, no componente curricular
de Artes, por exemplo, os estudantes apresentaram uma exposição dos registros
fotográficos produzidos na aula de campo ao Canal de Santa Cruz (Etapa 3). A
intenção era observar se eles demonstrariam progressivo entendimento da com-

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plexidade da problemática hídrica ao explicar o material produzido e escolhido por


eles para exposição. Ao justificarem a fotografia escolhida, foram intencionalmente
convidados a se darem conta da magnitude de informações que pode ser revelada
do meio ambiente em uma fotografia (LOUREIRO, 2014).
De acordo com Leff (2010), a crise ambiental é um problema epistemológico
que possibilita a discussão e a reflexão do conhecimento e dos saberes ambientais.
A Fotografia e o texto escrito pelas equipes evidenciavam que, ao contemplar a
paisagem e enquadrá-la em um plano fotográfico, os problemas ambientais já não
passavam despercebidos por eles. Percebe-se então, a clareza e o amadurecimento na
voz de um dos estudantes quando afirma: “Mesmo que a poluição seja microscópica
como a água que sai da canaleta e deságua no canal, ela é tão prejudicial quanto
a macroscópica, causando como “subproblema”, prejuízo ao estuário e a quem dele
se serve como fonte de renda”. Os estudantes e suas equipes conseguiram fazer
um resgate crítico através da paisagem de um projeto municipal de saneamento
que não levou em conta a futura agressão ao meio ambiente. Conseguiram, na sua
explanação, associar às várias consequências oriundas dessa ação mal planejada,
no que se refere as questões ambientais, econômicas e sociais. As imagens oferecem
registros restritos muito poderosos das ações temporais e dos acontecimentos reais
(BAUER e GASKEL, 2017).
Por outro lado, no componente curricular de Português, o tema de poluição foi
abordado, a partir do estudo do gênero textual Carta Argumentativa. Cartas foram
escritas e coletivamente transformadas em uma Proposta de Intervenção pelos
grupos de estudantes com sugestões de melhorias para a divulgação de medidas de
combate à poluição do estuário. A proposta final foi direcionada ao chefe do executivo
do município. Foi uma oportunidade para os estudantes “negociarem significados” e
“abandonarem as narrativas”, de acordo com o que preconizam alguns princípios da
TASC (MOREIRA, 2010). Essa é a mesma linha de entendimento dos PCNs (BRA-
SIL, 1997), ao preconizar que seja dada ao estudante a oportunidade de construir
modelos explicativos e linhas de argumentação. Os estudantes foram instigados
a participarem e questionarem, além de valorizarem as atividades coletivas que
propiciaram discussões, resultando na elaboração conjunta de ideias práticas que
poderão sair dos muros da escola e se ambientar com a sociedade.
O mais importante neste cenário é proporcionar não só a autonomia do estudante,
mas o seu posicionamento diante de um problema com mudanças de atitudes. Para

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alegria de todos, a carta foi respondida pelo gestor público, mostrando que ações
escolares podem ir além das discussões pedagógicas. A carta-resposta do governo
municipal mostrou que existe um vasto campo de possibilidades de parcerias que
podem acontecer entre o seguimento escolar e órgãos governamentais. “Essa cons-
tatação revela a necessidade de fortalecer os vínculos da escola com atores envolvi-
dos na gestão da Educação Ambiental e fora dela – entre os quais a comunidade,
universidades e poder público” (LOUREIRO, 2007, p. 58).
Para a etapa 6, destinada à promoção do processo de reconciliação integrativa,
foi organizada uma mesa-redonda com os principais atores relacionados à temática.
Participaram representantes do Governo Municipal (Secretária do Meio Ambiente
e Secretário de Limpeza Urbana), organizações não-governamentais (presidentes
da colônia de pescadores e da Associação de Catadores de Resíduos Sólidos) e os
estudantes como sociedade civil. As perguntas e a quem seriam endereçadas foram
elaboradas autônoma e previamente pelos estudantes, que inclusive presidiram o
evento tendo, ao mesmo tempo, algo prático e real ligado ao tema. Isto serviu de
parâmetro observacional de como estavam o nível de entendimento dos novos co-
nhecimentos dos estudantes nessa etapa da UEPS, pois, ao formular as perguntas,
os discentes iriam argumentar com base nos conceitos, concepções e informações
assimilados, reconciliando ideias e promovendo a TASC (MOREIRA, 2017).
O ensino da Biologia, na perspectiva da Educação Ambiental Crítica, tornou
possível aos estudantes a compreensão de que há uma ampla rede de relações entre
o que é visto na escola, como produção científica, e o contexto social com os contex-
tos econômico e político. Essa etapa da UEPS foi mais uma oportunidade para os
estudantes irem e voltarem com o conteúdo temático e demonstrarem se tinham
ancorado ou não novos conhecimentos aos já existentes (MOREIRA, 2011).
Várias perguntas foram elaboradas em uma prévia discussão entre as equipes
e evidenciaram o grau de maturidade dos estudantes sobre a temática, o que se
refletiu na postura crítica e autônoma que assumiram ao serem os protagonistas
ativos do evento. Esse resultado confirma o que Ausubel, Novak e Hanesian (1980)
discutem sobre a relevância de se identificar e organizar conceitos e proposições.
Todavia, essa relação entre as ideias não precisa ser rigorosamente escrita e unidi-
recional. Para um evento em que os estudantes precisariam fazer uso da criticidade
necessária ao momento e ao tema, eles se mostraram cognitivamente preparados
para essa fase da UEPS sem necessariamente estarem fazendo uma atividade

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escrita tradicional. Isso ficou claro ao observar o nível da abordagem feita por eles
conforme evidenciado nos exemplos abaixo:
• “Por que apenas uma parte da margem do Canal (próxima à praça central)
é limpa?”
• “O que a Secretaria de Limpeza Urbana tem feito para resolver o problema
dos resíduos sólidos depositados em locais indevidos na cidade?”
• “Educação Ambiental é um tema bastante falado. A colônia de pescadores,
a Associação de Catadores de Resíduos e a Secretarias aqui presentes têm
projetos sendo realizados sobre essa temática? Se tem, quais são?”
• “O que vocês estão fazendo para conscientizar as pessoas a não poluírem o
canal?”
Moreira (2012) sugere que avaliação de uma UEPS deve ser em termos de busca
de evidências, progressividade e não linearidade da aprendizagem. Nesse estudo, a
avaliação foi essencialmente formativa, considerando não comportamentos finais,
mas transformações, concepções e reflexões ao longo do processo e fazendo uso da
recursividade quando necessária, visto que as novas proposições evidenciaram uma
diferenciação progressiva dos conceitos que foram se contextualizando e se recon-
ciliando integralmente a um amadurecimento cognitivo exposto pela ferramenta
escolhida para avaliação (MOREIRA, 2011).
Nesta direção, para avaliação/validação da UEPS foi construído um segundo
mapa conceitual pelos mesmos estudantes das equipes que fizeram os primeiros
mapas. Segundo Novak e Cañas (2010) essa produção é uma forma de estimular
o desempenho cognitivo e, por esse motivo, sua utilização pode ser uma poderosa
ferramenta tanto de aprendizagem como de avaliação. Conforme Aquino e Chiaro
(2013), o mapa conceitual então se constitui em uma ferramenta de aprendizagem
para o estudante, à medida que auxilia no planejamento dos estudos, preparação
para avaliações e resolução de problemas. Assim, nessa última etapa da UEPS
foram produzidos um total de cinco mapas, sendo um deles mostrado na Figura
2. Este mapa foi construído pelo mesmo grupo que construiu o mapa da Figura 1,
para fins de comparação.
Na comparação entre os mapas das Figuras 1 e 2, observou-se que, conforme
indica Moreira (2012), ao se ancorar representações válidas da estrutura conceitual/
proposicional de um novo conhecimento ao já existente, torna-se tal estrutura mais

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expandida, e essa nova configuração ficou evidenciada na Figura 2. Assim, a análise


do mapa conceitual da Figura 2, mostra uma evolução na direção de uma preocupa-
ção ambiental crítica fortemente relacionada com as questões sociais, econômicas e
políticas do município, visto que na sociedade contemporânea, não basta adquirir
novos conhecimentos de maneira significativa, é preciso adquiri-los criticamente.
Ao mesmo tempo que é preciso viver em sociedade e integrar-se a ela, é também
necessário ser crítico em relação a ela (Moreira, 2006).

Figura 2: Mapa Conceitual 2 produzido por estudantes do mesmo grupo responsável pelo mapa
conceitual 1, utilizando o CmapTools.

A equipe, partindo inicialmente do conceito de água e poluição, como os conceitos


mais inclusivos, deu rápido seguimento ao processo de diferenciação progressiva
retomando as características mais relevantes do conteúdo em questão. Porém,
passou a apresentar uma forte perspectiva integradora que também evidencia a
transformação ocorrida na aprendizagem relacionada aos conceitos socioambientais
ligados ao estuário. Percebem-se modificações cognitivas capazes de referenciar
progressivamente os conceitos causadores da poluição. Na proposição Poluída→
Por causa→ Governo; Indústria; Cidadãos; Pescadores, por exemplo, os estudantes

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mostram que conseguem diferenciar as causas da poluição com a reconciliação de


saberes ao articular esta proposição na sequência Governo; Indústria; Cidadãos;
Pescadores→ Por conta da→ falta de educação ambiental; investimento em sa-
neamento básico; falta de informação. Tal articulação nos permite inferir que os
estudantes passaram a identificar as consequências provenientes das principais
causas, em um movimento crítico e reflexivo que foi, certamente, gerado ao longo
das etapas da UEPS.
Por fim, também é possível observar na Figura 2 que os estudantes partem de
conceitos mais gerais para conceitos mais específicos mostrando o evidente processo
de diferenciação progressiva. Um exemplo está na proposição Número de Turistas;
Comércio de Frutos do Mar→ Exemplo→ Canal de Santa Cruz. Nesta proposição
os estudantes externalizam novos significados em oposição aos ingênuos conceitos
vistos no primeiro mapa conceitual (Figura 1). Estas são evidências da ancoragem
de novos conceitos aos conceitos prévios numa demonstração da transformação do
conhecimento existente, ou seja, uma aprendizagem significativa em curso (MO-
REIRA, 2017). Acreditamos que este foi o primeiro passo para que os estudantes
sejam futuros transformadores do meio em que vivem, com a escola passando a ter
um papel que vai muito além das paredes da sala de aula.

Considerações finais

A UEPS desenvolvida neste trabalho utilizou-se de vários recursos e ferramentas


que puderam proporcionar a união de uma temática de magnitude transversal, como
é o caso do Meio Ambiente, na perspectiva da junção de uma Educação Ambiental
Crítica para promoção de uma Aprendizagem Significativa Crítica. Juntas, elas
foram gradativamente impulsionando os estudantes, ao longo do processo, a se
tornarem mais participativos, ativos, inovadores e, acima de tudo, questionadores.
O relato acima evidencia as possibilidades de outros profissionais da educação
utilizarem essa UEPS em suas realidades. Por sua versatilidade, molda-se a qual-
quer tema ou componente curricular que se propuser a abordar. Nesta direção, a
UEPS não é pensada e executada “para” o estudante, devendo sempre ser pensada e
executada “com” o estudante que é o caminho do êxito de uma UEPS. Ao respeitar a
história do estudante e romper com as velhas práticas de ensino, o legado é de uma
aprendizagem que seja potencialmente significativa e preferencialmente crítica.

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A UEPS, concomitantemente ao estudo, rendeu alguns desdobramentos que


corroboraram para sinalizar a acertada direção de sua aplicação, especialmente
no que se refere à sua demanda social, pois os estudantes foram convidados, a
participarem de um projeto piloto da Secretaria Municipal de Limpeza Urbana
(Itapissuma/PE) na comunidade, sobre o descarte de resíduos sólidos em lugares
indevidos em diversas áreas do município.
Além disso, uma UEPS propicia ao professor o real papel mediador em detri-
mento de posturas tradicionais que visam a apresentação de regras e de informações
descontextualizadas, que apenas desmobilizam e servem para perpetuar a cons-
trução de uma visão de que a aprendizagem está restrita a terminar nas paredes
de uma sala de aula. Por fim, a UEPS também evidencia a satisfação de entender
que o estudante tem o direito de participar ativamente de seu processo de ensino-
-aprendizagem e a riqueza da percepção da realidade que ele pode trazer para esse
processo, bastando apenas que se crie ambientes propícios, materializando os ganhos
reais para uma educação pautada na promoção de uma aprendizagem significativa.

Potentially significant teaching unit for the study of water


and pollution from the perspective of critical environmental
education

Abstract

Coastal pollution is among the most serious environmental problems nowadays. Schools have
a fundamental role on promoting and improving environmental awareness for current and future
generations. With this aim, it is important they take actions that integrate different knowledge
fields with the use of teaching tools and strategies, which are potentially significant. With this
purpose, a Potentially Meaningful Teaching Unit (PMTU) was developed on the theme “Water
Pollution in Basic Education” and applied to high school students from a public school from
Pernambuco state. The PMTU was conceived using a sequence of teaching actions in an inter-
disciplinary way by using different strategies and learning tools. Learning evaluation was carried
out by using concept maps produced by the students before and after applying the PMTU. These
maps showed that the new concepts were anchored to the student’s previous knowledge, an in-
dication of meaningful learning was achieved. PMTU sequence helped the students to play major
roles in learning to better understand the complexity of the coastal pollution problem. In addition,
it also aided them in developing environmental, social, and political responsibility.

Keywords: Meaningful Learning. Science Teaching. Conceptual Map. PMTU.

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