Tratamento de TAB Com Clozapina
Tratamento de TAB Com Clozapina
Tratamento de TAB Com Clozapina
Érico de Castro Costa * iria plantar. Dormia pouco, falava muito. O conteúdo da fala gi-
Gislene Valadares Miranda ** rava em torno de dinheiro e os negócios que realizaria, que lhe
Ana Luiza Corrêa da Costa *** renderiam muitos “milhões de dólares”. O paciente foi atendido
Maurício Viotti Daker **** por psiquiatra e não aceitou a medicação, havendo necessidade
de misturar haloperidol 50 gotas na alimentação, com remissão
do quadro. Fez uso contínuo do haloperidol até as mudanças de
Resumo comportamento que se iniciaram três semanas antes do atendi-
mento de 23/11/1994.
Os autores relatam caso de paciente portador de transtorno afeti- Foi indicada internação, sendo prescritos haloperidol 5 mg
vo bipolar resistente, acompanhado há cinco anos no laboratório do VO à noite, imipramina 25 mg à noite e uma ampola de halope-
Serviço de Psiquiatria do Hospital das Clínicas - UFMG. Após descri- ridol mais uma ampola de prometazina em caso de agitação. So-
ção detalhada do caso e constatação da falência das terapêuticas psi- licitadas provas de função tireoidiana, TGO, TGP, bilirrubinas e
cofarmacológicas usuais, devido a ineficácia (lítio) ou intolerância avaliação pela clínica médica. O caso foi discutido no dia
(carbamazepina, oxcarbazepina), além da utilização de polifarmaco- 24/11/1994 pela preceptoria, que sugeriu a introdução lenta de
terapia com riscos de interações indesejáveis, é apresentada revisão clonazepam e a troca do haloperidol pela clorpromazina. Com
bibliográfica de tratamento com Clozapina e optamos pelo isso, a nova prescrição do paciente passou a ser: clonazepam
emprego, bem sucedido, da clozapina do transtorno afetivo bipolar 3,5 mg/dia, clorpromazina 200 mg/dia e imipramina 50 mg/dia,
resistente. além de biperideno 2 mg/dia. O paciente apresentou vários epi-
sódios de insônia e agitação psicomotora diurna, o que levou ao
incremento das doses de clorpromazina até 400 mg/dia, clonaze-
Palavras-chave: Transtorno de Humor Bipolar; Clozapina
pam até 6 mg/dia e imipramina 125 mg/dia.
No dia 12/12/1994 (22º dia de internação), foi iniciado carbo-
Caso Clínico nato de lítio 600 mg/dia após a normalidade dos resultados das
provas tireoidianas. Após 29 dias de internação, em 22/12/1994,
AB, 51 anos, masculino, ex-comerciante, atualmente aposen- o paciente recebeu alta com melhora do quadro de agitação e em
tado, casado, três filhas, católico, natural e residente em Belo uso de: imipramina 125 mg/dia, clonazepam 4 mg/dia, clorpro-
Horizonte. Nível de escolaridade: 4ª série primária. mazina 100 mg/dia e carbonato de lítio 900 mg/dia.
Primeiro atendimento no serviço em 23/11/1994. Apresenta- Continuou acompanhado no ambulatório, em uso de carbona-
va-se com humor deprimido, hipobúlico e com alterações do pen- to de lítio 1.200 mg/dia, clonazepam 5 mg/dia, imipramina
samento (idéias suicidas e de ruínas). Não havia qualquer altera- 50 mg/dia e clorpromazina 200 mg/dia. Mantinha-se com a litemia
ção da sensopercepção e do nível de consciência. em torno de 0,9 mEq/l a 1,0 mEq/l e sem alterações do humor.
Na anamnese da história pregressa, esposa relata que pacien- Nos controles ambulatoriais mensais da psiquiatria foi obser-
te já fez uso pesado de álcool até 1983. Em 1986, paciente apre- vado hipotireoidismo subclínico, sendo indagado se decorrente
sentou alterações de comportamento que foram relacionadas com do lítio, já que as provas tireoidianas pré-tratamento
o plano econômico do cruzado. O paciente não se cansava de fa- com lítio não apresentavam alterações (T3 = 105, T4 = 7,2,
lar “a situação está difícil”, “o dinheiro não dá para nada”. Com isso TSH = 3,9). Ao longo do ano de 1995 o paciente se manteve es-
proibiu que se ligasse a televisão e/ou se acendesse a luz da casa, tabilizado em uso da medicação já citada e com a litemia sempre
a fim de poupar energia. Além disso, arrendou sua loja em conhe- em torno de 1,0 mEq/l.
cido mercado desta capital. Em 06/11/1995, a esposa comparece sozinha ao atendimento
A esposa relata que dois anos mais tarde (1988) o paciente fi- relatando alterações de comportamento do paciente: heteroagres-
cou agitado e com episódios de agressividade. Andava durante sividade, irritação, agitação, exaltação do humor e insônia. Foi re-
toda a madrugada com saco de sementes nas costas e dizia que tirado o antidepressivo (imipramina). Aumenta-se a clorpromazi-
* Residente do terceiro ano da Residência de Psiquiatria do **** Coordenador da Residência de Psiquiatria do Hospital das
Hospital das Clínicas - UFMG. Doutorando na Universidade de Clínicas - UFMG. Professor Adjunto Doutor e Chefe do
Bonn, Alemanha. Departamento de Psiquiatria e Neurologia da Faculdade de
** Preceptora da Residência de Psiquiatria do Hospital das Clínicas Medicina da UFMG.
- UFMG.
*** Residente de Psiquiatria do Instituto Raul Soares, Fundação Endereço para correspondência:
Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Residência de Psiquiatria - Hospital das Clínicas
Av. Prof. Alfredo Balena 110.
na para uma dose de 500 mg/dia, mantêm-se demais medicações, tido estazolam 2 mg/dia e reduzido carbonato de lítio para
pede-se litemia de urgência. Nova consulta em 17/11/1995, man- 300 mg/dia.
tendo o mesmo quadro relatado pela esposa na consulta anterior. Paciente novamente internado em 25/01/1996 com quadro de
Retirada clorpromazina e introduzidos haloperidol 15 mg/dia e agitação psicomotora, insônia, humor irritável, ausência de crítica,
biperideno 4 mg/dia. Em 20/11/1995 o paciente se apresenta in- mesmo com uso da medicação: carbonato de lítio 300 mg/dia, lo-
quieto, humor lábil, heteroagressividade, ausência de idéias deli- razepam 8 mg/dia, prometazina 50 mg/dia, estazolam 2 mg/dia e
rantes. Litemia 1,0 mEq/l. Reduzido haloperidol para 7,5 mg/dia tioridazina 400 mg/dia. Neste dia, o médico-assistente suspende o
e introduzida a prometazina 50 mg/dia. Mantém-se inquieto, hu- uso de tioridazina e introduz clonazepam 6 mg/dia, eleva estazo-
mor lábil, relatando tristeza e ansiedade. Caso discutido com a lam para 4 mg/dia, eleva prometazina 75 mg/dia e suspende o car-
preceptoria, que sugeriu a internação. bonato de lítio. Também foram administrados uma ampola de ha-
Em uso à internação de carbonato de lítio 1.200 mg/dia e clo- loperidol e uma ampola de prometazina IM. Após supervisão, o
nazepam 4 mg/dia. Retirado haloperidol devido à inquietação mo- médico residente introduz em 26/01/1996 oxcarbazepina
tora desenvolvida pelo paciente. Reintroduzida clorpromazina 600 mg/dia, mantendo clonazepam 6 mg/dia, prometazina
100 mg/dia e mantida prometazina 50 mg/dia. Em 25/11/1995 é 75 mg/dia e estazolam 4 mg/dia. Em 30/01/1996 o paciente apre-
introduzida a carbamazepina 200 mg/dia no esquema terapêutico senta melhora parcial da agitação, da insônia, da labilidade do hu-
do paciente, que já utilizava carbonato de lítio 1.200 mg/dia, clor- mor e da crítica. Aumento da dose de oxcarbazepina para
promazina 200 mg/dia e clonazepam 2 mg/dia. Paciente manten- 1.200 mg/dia. Melhora do quadro, embora persista queixa de in-
do quadro de agitação, labilidade do humor e insônia. Aplicado sônia. Mantém-se estabilizado, sem alterações do humor, sem
Mini-Mental em 27/11/1995 com um score igual a 26 pontos. agitação. Em uso de oxcarbazepina 900 mg/dia, clonazepam
Carbamazepina elevada para 400 mg/dia. Introduzido estazo- 4 mg/dia e prometazina 75 mg/dia. Alta hospitalar em 08/03/1996,
lam 2 mg/dia. Em 01/12/1995 mostra-se calmo, cooperativo, dor- após 44 dias de internação, com remissão total do quadro.
mindo bem, mantendo humor lábil. Aumentada carbamazepina Retorna ao ambulatório mantendo quadro psiquiátrico com
para 600 mg/dia. Alta hospitalar em 11/12/1995 após 19 dias de evolução satisfatória (boa readaptação e estabilidade de humor,
bom padrão de sono e interesse em atividades diversas). Porém,
internação. Encontrava-se calmo, cooperativo, queixando-se de
apresentou quadro dermatológico compatível com rash cutâneo
sonolência diurna e com sono noturno adequado. Medicação no
(lesões eritematosas em placa e em pápulas, pruriginosas, na re-
momento da alta: carbonato de lítio 600 mg/dia, carbamazepina
gião da face, dorso, peito e braços) com disseminação progressi-
1.200 mg/dia, clonazepam 1 mg/dia, clorpromazina 50 mg/dia,
va. Foram aumentados prometazina para 125 mg/dia e clonaze-
estazolam 2 mg/dia.
pam 6 mg/dia. Suspensa a oxcarbazepina. Evoluiu com insônia,
Dois dias após a alta o paciente é atendido no ambulatório,
logorréia, falando alto. Presença de alterações de pensamento.
apresentando-se disfórico, humor lábil, choro fácil e agitação psi-
Idéias de grandeza e com conteúdo inapropriado relacionado ao
comotora. Presença de prurido cutâneo importante com escoria-
sexo. Indicada reinternação.
ções nos membros superiores devido a atrito. Foi suspensa a car-
Aumentado clonazepam para 10 mg/dia. Mantida prometazi-
bamazepina. Elevado carbonato de lítio para 1.200 mg/dia, man-
na em 125 mg/dia. Discutida em supervisão a reintrodução do
tido clonazepam 1 mg/dia, elevada clorpromazina para carbonato de lítio. Realizada interconsulta dermatológica, sendo
100 mg/dia. Retorna cinco dias após mantendo o quadro de agita- estabelecida hipótese diagnóstica de farmacodermia por oxcarba-
ção psicomotora, humor lábil, prurido mesmo após a interrupção zepina, com prescrição de hidrocortisona tópica. Manteve-se agi-
da carbamazepina. Suspensa clorpromazina e reiniciada prometa- tado à internação, logorréico, sem crítica, insone, coprolálico, em
zina 50 mg/dia, trocado clonazepam por lorazepam na dose de que pese a medicação. Prescrito sulpiride 200 mg/dia por suges-
3 mg/dia, mantido estazolam 2 mg/dia. Em 28/12/1995 retorna ao tão da preceptoria. Persistiu agitado, insone e com humor lábil.
ambulatório com o mesmo quadro de agitação psicomotora, lo- Aumento de sulpiride para 250 mg/dia. Reduzido clonazepam
gorréico, humor lábil, taquipsíquico. Caso discutido com o pre- para 6 mg/dia e prometazina para 100 mg/dia. Suspenso o
ceptor que sugeriu o aumento do lorazepam para 6 mg/dia, man- sulpiride 17 dias após seu início, devido ao relato de inquietação
tendo o carbonato de lítio 1.200 mg/dia e prometazina após a elevação progressiva dessa droga, que chegou a dose de
50 mg/dia. Persistiu muito agitado, sendo inclusive atendido em 300 mg/dia. Prescrito estazolam 4 mg/dia.
serviço de urgência psiquiátrica. O preceptor sugeriu a introdução Prescrito verapamil 120 mg, em 09/04/1996. No dia seguinte
de tioridazina na dose de 200 mg/dia, redução do carbonato de lí- à suspensão do sulpiride. Manteve-se insone, agitado, logorréico.
tio para 900 mg/dia e manutenção do estazolam 2 mg/dia, loraze- Mantido o uso de clonazepam 4 mg/dia, a prometazina fora sus-
pam 6 mg/dia e prometazina 50 mg/dia. Foi solicitada tomografia pensa quatro dias antes. Aumento da dose de verapamil para
computadorizada de crânio, sem alterações. Houve melhora do 160 mg/dia e, a seguir, para 200 mg. Alta hospitalar em
quadro com a introdução da tioridazina. Melhora da labilidade 15/05/1996, após 57 dias de internação, em uso de verapamil
emocional, porém paciente continua agitado. A tioridazina foi ele- 200 mg/dia, clonazepam 4 mg/dia, estazolam 4 mg/dia e prome-
vada para 300 mg/dia, o carbonato de lítio reduzido tazina 50 mg/dia.
para 600 mg/dia, mantidos lorazepam 6 mg/dia, prometazina Nos 15 dias seguintes a alta hospitalar, o paciente voltou a
50 mg/dia e estazolam 2 mg/dia. Em 16/01/1996 persiste a agita- apresentar quadro maniforme. Problemas com vizinhos por ligar
ção, apesar da melhora parcial com tioridazina. Esta foi aumenta- o rádio em alto volume, retorno da agitação psicomotora e insô-
da para 400 mg/dia. Lorazepam aumentado para 8 mg/dia, man- nia. O caso foi discutido com a preceptoria e se optou pela reti-
endógena, 18 pacientes com mania, 15 pacientes com psicose or- tinham sido tratados com até oito antipsicóticos diferentes duran-
gânica, 51 pacientes com discinesia tardia, 18 pacientes com ou- te algum tempo; 36% dos pacientes iniciaram o uso de clozapina
tros transtornos do movimento e quatro pacientes com outros devido à ineficácia farmacológica dos outros tratamentos e 64%
diagnósticos. Antes do tratamento com clozapina, os pacientes já devido aos efeitos colaterais tradicionais com essa classe de medi-
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