Viagem Ao Mundo Do Chá
Viagem Ao Mundo Do Chá
Viagem Ao Mundo Do Chá
Leilões de chá
No começo do século XVIII, o chá era tão popular que saiu da categoria
miscelânea nos leilões da Companhia das Índias para ter leilões exclusivos.
Em 1834, como a Companhia deixou de ser uma empresa comercial, o chá
passou a ser comercializado pela iniciativa privada, e os leilões tiveram que
buscar novo endereço, finalmente se estabelecendo em Mincing Lane, para
onde se mudou a maioria dos escritórios. E a rua ficou desde então
conhecida como Rua do Chá.
Já em meados do século XIX, de mensais os leilões passaram a semanais, e
a prática da negociação por vela foi substituída por métodos mais
modernos. O chá que vinha da China, Índia, do Ceilão (atual Sri-Lanka) e
da África para ser negociado nos leilões era em quantidade tão grande que o
produto de cada país passou a ter dias específicos da semana para ser
negociado.
O chá na China
(Camellia sinensis)
10 Sanqing é nome de uma montanha sagrada para os taoistas; refere-se também aos Três Puros, tríade
de deidades da mitologia taoista: Yuan-shi-tian-zong, a Perfeição, Ling-bao-tian-song, o Sagrado e
Lao-jun, a Suprema Pureza. (N. da A.)
Drink tea when it is ready; eat food when it is offered.11
Keizan Zenji
Gongfu Cha
Nan-in, mestre de chá, recebeu um professor universitário interessado em
saber sobre o zen. Convidou-o a sentar-se e serviu sua xícara de chá até que
transbordasse, para susto e surpresa do professor, que chamou sua atenção.
– Não vê que já está cheia e nada mais pode comportar?
– Assim como essa xícara – respondeu Nan-in – você está cheio de suas
próprias opiniões e especulações, como poderei eu apresentar-lhe o zen
sem que antes esvazie sua mente?
(Conto de sabedoria popular zen “Uma xícara de chá”)
Gong fu é a arte de desempenhar uma tarefa com maestria e perfeição,
uma especialidade da região de Fukien (Fujian), produtora do chá oolong,
na China. O Gong fu refugiou-se em Taiwan (Formosa) depois da
Revolução Cultural, quando o ritual foi considerado um crime, e para lá os
produtores não apenas levaram o chá, mas a técnica de cultivo e a própria
cerimônia. Embora o ritual pareça complicado à primeira vista, são
necessários apenas dez minutos para realizá-lo depois de alguma
experiência adquirida.
A quantidade de folhas usadas para o Gong fu é maior do que o usual. O
resultado é um chá bastante concentrado e amargo para quem prova pela
primeira vez, mas depois da segunda ou terceira é difícil não se tornar um fã
dos fermentados oolong, puer, tieguanyin, narcissus e phoenix bush.
A cerimônia
Para os chineses, apontar o bico do bule ou chaleira para um convidado
em qualquer circunstância é uma indelicadeza. O gestual no preparo do chá
é delicado, antes do passo seguinte, as mãos sempre retornam à pequena
toalha que é colocada próxima à bandeja. Dessa forma a cerimônia parece
um balé, chegando até a usar o corpo inteiro em algumas, como é o caso do
taichi-cha, em que, em uma dança com bules de bicos muito finos e
compridos, o chá é servido sem que sequer uma gota seja derramada fora da
xícara.
1. Wen hu tang bei – “Aquecendo o bule e as xícaras”
2. Jian shang jia ming – “Apreciando a excelência do chá”
3. Wu long ru gong – “O dragão negro12 entra no palácio”
4. Xuan hu gao chong – “Lavagem das alturas”
A água fervida da chaleira é despejada a partir da altura do ombro de
quem está servindo; deixando transbordar um pouco para aquecer bem o
bule. Os chineses determinam a temperatura ideal para cada chá a partir do
tamanho das borbulhas formadas na superfície durante a fervura. A fervura
“olho de peixe” é usada para o chá-preto e a “olho de caranguejo” para o
oolong. O “olho de camarão” é a fervura para o chá-verde, que não é usado
nessa cerimônia.
5. Chun feng fu mian – “A brisa da primavera que varre a superfície”
Nesse estágio qualquer espuma formada na superfície do chá é retirada
com a tampa do bule ou da xícara de chá.
6. Chong xi xian yan – “Banhando o imortal duplamente”
Para assegurar que as temperaturas tanto externa quanto interna do bule se
mantenham aquecidas, as primeiras águas do chá são despejadas sobre o
bule, o que ajuda a “curar” o barro e a selar o bule para um tipo de chá
apenas. Através desse procedimento continuado o bule, ao receber apenas
água quente, imediatamente rescende ao chá escolhido.
7. Hang yun liu shui – “Fileira de nuvens, água corrente”
A primeira infusão é descartada e nesse estágio o chá é usado apenas para
aquecer o bule e as xícaras. Na cerimônia mais tradicional são feitos a
observação do aroma e o sabor das folhas depois dessa primeira fervura,
quando o chá desperta e as folhas antes enroladas se abrem até alcançar seu
tamanho normal, e o chá é servido nas xícaras aromáticas para o ritual
chamado “banho de aromas”.
8. Long feng cheng xiang – “O dragão e a fênix em união auspiciosa”
A xícara aromática é colocada sobre o pequeno bowl de chá que, em um
suave movimento chamado “união auspiciosa do dragão e da fênix”, é
virado enquanto em prece silenciosa deseja-se prosperidade, bem-estar e
felicidade a todos os participantes.
9. Liyu fan shen – “A inversão da xícara”
A seguir invertem-se as posições da xícara e do bowl em 180°.
10. Jing feng xiang ming – “Inebriado pelo bouquet”
O chá da xícara aromática é derramado na bandeja e, com as palmas das
mãos, esfrega-se a xícara para aquecê-la e fazer com que libere o aroma do
chá.
11. Hui xuan di zhen/Zai zhu qing xuan – “Derramando outra
vez”/“Servindo água pura novamente”
A água quente é servida de uma altura menor do que no estágio 4, um
pouco acima da borda do bule, e segue um princípio chamado Gao chong di
zhen – “alto para lavar, baixo para servir”. No 4o estágio, a água é
despejada de uma altura que cria uma pressão, limpando e despertando as
folhas. E, agora, no 11o estágio, as folhas já despertas liberam o sabor
lentamente.
12. Gua mo lin gai – “Descartando a primeira infusão”
As folhas ficam em infusão e, dependendo do tipo de chá e da preferência
do mestre da cerimônia, o tempo varia de 30 segundos a dez minutos.
13. Guan Gong xun cheng – “Guan Gong patrulha a cidade”
O chá é derramado em sequência nas várias xícaras dispostas, que são
servidas circularmente garantindo sabor uniforme em todas.
14. Han Xin dian bing – “Han Xin conta os soldados”
Os três goles finais são bebidos com atenção. Sendo o chá um bem
precioso, nem uma gota pode ser desprezada, e as finais são as mais
concentradas e preservam o sabor mais puro. O método remete à regra de
três, usada pelo general Han Xin para contar o número de soldados de seu
exército.
15. Ou bei mu lin – “Lavando a xícara aromática”
O conteúdo do bule é derramado em uma jarra transparente e depois
usado para “lavar” a xícara aromática. Uma xícara é posicionada de cabeça
para baixo como no 7º estágio.
16. You shan wan shui – “Desfrutando das montanhas e das águas do rio”
Depois de utilizada a água necessária, o restante deve ser descartado.
17. Long feng cheng xiang – “O dragão e a fênix em união auspiciosa”
Outra prece é entoada para a saúde e felicidade dos presentes, oferecendo-
se a xícara aromática invertida como no 8o estágio.
18. Li yu fan shen – “A carpa se vira”
O convidado recebe os dois recipientes para girá-los em 180°.
19. Jing feng xiang ming – “Recebendo o chá perfumado com reverência”
O convidado retira a xícara aromática para que o chá passe para a xícara e
o seu aroma é inspirado antes de ser bebido.
Esse estágio fala da etiqueta ao se beber chá. As mulheres devem usar o
polegar e o indicador para segurar as bordas e o dedo médio para suportar a
xícara (no caso dos pequenos bowls chineses) em uma elevação mínima,
apenas a título de equilíbrio do dedo mínimo em um movimento chamado
“cauda da fênix”. Já os homens, mantêm o dedo mínimo recolhido em um
movimento chamado de “cauda do dragão”. O chá deve ser sorvido em três
goles, o primeiro, curto, faz um passeio pela língua de forma a apreciar a
complexidade de sabores; o segundo, um gole maior para apreciar o corpo
do licor, e o terceiro para apreciar seu gosto e textura.
As folhas podem ser usadas mais de uma vez, e a cada vez devem
permanecer um tempo maior em infusão. Depois do serviço as folhas
podem ser retiradas com uma pinça e apresentadas aos convidados para
observarem a folha totalmente desperta e sentirem seu perfume.
11 “Beba chá quando estiver pronto, coma a comida quando oferecida.”
12 Alusão ao chá do tipo oolong (oo-, de “preto”, e -long, de “dragão”), que é normalmente escuro,
podendo às vezes apresentar nuances sutilmente mais claras. (N. da A.)
In the liquid amber within the ivory porcelain, the initiated may touch
the sweet reticence of Confucius, the piquancy of Laotse, and the
ethereal aroma of Sakyamuni himself.13
Kakuzo– Okakura
17 Lareira japonesa feita no piso e revestida de barro, existente desde os tempos dos samurais.
Chaleiras ficavam penduradas em uma corrente sobre o irori, prontas para prepararem o matcha. A
tradição permanece viva no interior do Japão. (N. da A.)
Darjeeling, o crème
de la crème dos chás
A palavra darjeeling deriva de Dorjeling, terra onde havia um monastério
budista com esse nome. Em sânscrito dorje se refere a um cetro religioso que
representa um raio, e ling significa morada. A região é sujeita a muitas
chuvas durante o ano.
Darjeeling pertenceu ao Sikkim, depois ao Nepal e por último à
Companhia das Índias Orientais, e o que começou como uma experiência no
plantio de chá nesse território terminou se tornando um sucesso empresarial.
O município de Darjeeling foi fundado em 1850, e, com o sucesso da
indústria do chá, recebeu um grande fluxo de imigrantes ingleses e, com
eles e para eles, infraestrutura foi importada. As terras de Darjeeling e
Assam foram fundamentais para a Companhia das Índias Orientais
adquirirem chá de altíssima qualidade a custo bem menor que o chá chinês.
Lá, ambas as folhas, a chinesa e a indiana, se comportaram muito bem,
produzindo folhas saudáveis, boa floração e sementes fortes, comprovando
que as condições locais eram ideais para o plantio. Darjeeling se tornou um
dos maiores produtores para o mercado inglês, e as aparentes desvantagens
de plantio em terrenos altos e a temporada curta de colheita são plenamente
compensadas pela qualidade incomparável do chá produzido na região.
Considerado o champagne entre os chás, seu sabor depende muito da época
da floração. A primeira colheita é feita na primavera entre os meses de
fevereiro e abril, e as folhas jovens rescendem a moscatel. Na segunda
temporada, em junho, a folha já está mais desenvolvida e madura, e o licor
extraído tem um sabor pleno de moscatel encorpado. A terceira floração
depende do clima e resulta em um licor totalmente maduro de coloração
cobre, com perfume e sabor de uva moscatel madura. Os canteiros onde a
folha darjeeling é plantada ficam a 1.800 metros de altura com inclinação
de até 45º, cada cem canteiros produzem uma média de 17 mil toneladas de
chá por ano, e as estações de colheita são divididas da seguinte forma:
Colheita da páscoa (março e abril): feita assim que o inverno termina.
As folhas novas têm cor verde-claro e o licor obtido é leve, transparente e
de gosto levemente rascante.
Colheita da primavera (maio e junho): famosa pela qualidade
excepcional de seus chás, cujas folhas têm floração avermelhada e resultam
em um licor âmbar, redondo, frutoso e levemente adocicado. Esse é o
período em que os darjeelings têm sabor pronunciado de uva moscatel.
Colheita do verão (julho a setembro): durante esse período, a natureza
do líquido se transforma. Apesar de mais forte, o licor mantém a leveza
característica e a personalidade pelas quais os darjeelings são conhecidos.
Colheita do outono (outubro e novembro): as folhas produzem nessa
época um licor ligeiramente acobreado e de sabor delicado.
Considerado o chá de melhor qualidade e sabor, o darjeeling é, entre
todos, o mais caro, e sua origem é o nordeste de Bengala, na Índia. As
árvores plantadas nas montanhas do Himalaia se beneficiam de uma forte
luz solar durante o dia e de frio e chuva abundante à noite, condições
essenciais para o delicado aroma floral levemente encorpado e com notas
adocicadas de moscatel. A comprovação da qualidade do darjeeling é um
leve formigamento na língua quando se bebe o chá.
Darjeeling first flush – a cor do licor é clara e transparente, as folhas têm
perfume floral marcante.
Darjeeling second flush – o licor tem cor mais escura e sabor forte,
contrastando com o da primeira colheita. As folhas são avermelhadas e o
sabor é o da uva moscatel, uma reação a um inseto que suga o suco pelo
caule da planta.
Darjeeling third flush – de cor escura acobreada e textura robusta, licor de
sabor leve, o darjeeling da primavera tem sabor delicado ligeiramente
frisante.
Na Índia, o chá recebeu importância apenas a partir do século XIX,
quando os britânicos criaram plantações em larga escala com o intuito de
manter estoques preparados para saciar sua crescente sede. Apesar de ser
um dos maiores fornecedores de chá do mundo, a Índia não tem nenhum
ritual formal como os chineses e japoneses, mas o chá está intimamente
ligado à vida de seu povo, seja em casa, no trabalho ou nas ruas, onde o
cha-ya é apregoado e vendido em canecas de barro finas que depois de
usadas são jogadas fora.
A mistura do cha-ya inclui, além do chá-preto forte, cardamomo, canela,
leite, açúcar, cravo e erva-doce, resultando em uma bebida cremosa e
bastante temperada. Em geral é acompanhado de samosas recheadas que se
parecem um pouco com os nossos pastéis, mas também é bebido puro
durante o dia.
Lord William Bentinck, aristocrata nascido em uma família de posses e
títulos, se tornou governador geral de Bengala (1828-1833) e em seguida da
Índia (1833-1835). Em 1834 montou uma comissão para deliberar sobre a
importação de sementes e plantas de chá e, no ano seguinte, plantações por
toda a Índia aconteceram, principalmente nas regiões montanhosas.
Sementes chegaram a Darjeeling e uma incubadora foi feita em Lebong,
próxima à cidade de Darjeeling, o que entusiasmou plantadores e incentivou
a que buscassem terras. Os primeiros canteiros criados foram Makaibar,
cidade próxima a Kurseong, e Alubari, próxima a Darjeeling. Mais tarde foi
a vez das cidades de Tukvar, Moondakoti, Dooteriah e Margaret’s hope, e,
em 1866, Darjeeling tinha 39 fazendas de chá cobrindo aproximados 405
hectares de terra.
W. O’Brien Ansell foi responsável pela primeira esteira/enroladeira que
deu impulso à indústria de chá em Darjeeling. Foi ele também quem usou a
força das águas para criar uma rede elétrica para as fazendas produtoras,
onde instalou os primeiros geradores de força, impulsionando e
revolucionando absolutamente a indústria de chá local. Depois da
independência da Índia, em 1947, os britânicos que controlavam 90% das
plantações nas colinas de Darjeeling começaram a se desfazer de suas
propriedades. Em 1956, a maior parte das fazendas tinha mudado para mãos
inexperientes que rapidamente tiveram de se adaptar ou perder a temporada
dos leilões. Alguns ingleses que ficaram na Índia ajudaram a manter a
produção e a industrialização.
A colheita é feita manualmente e por mãos tão experientes e rápidas que é
difícil acompanhar seu trabalho. Todo o cuidado é necessário para não
danificar o sabor singular proveniente de uma folha intacta. Os brotos
menores compreendem duas folhas e um bulbo, e são necessários 22 mil
deles, todos colhidos à mão, para produzir um único quilo de chá!
Entre as muitas fazendas de chá da região de Darjeeling, a Glenburn, que
fica nas margens do rio Rungeet no Himalaia com vista para a cordilheira
de montanhas Kanchenjunga, é uma opção bem bacana. No começo, em
1859, pertenceu a uma empresa de chá escocesa passando mais tarde a
pioneiros indianos, a família Prakashe, que é mais conhecida como
Chaiwala family, produtores de chá há mais de cem anos.
23 Nome derivado de uma antiga prática, na qual se usavam ventiladores para separar os pequenos
pedaços das folhas esfareladas das inteiras ou parcialmente inteiras. O produto final é usado no chá de
saquinhos. (N. da A.)
O chá na Inglaterra
The British have an umbilical cord which has never been cut and
through which tea flows constantly. It is curious to watch them in
times of sudden horror, tragedy or disaster. The pulse stops
apparently and nothing can be done, and no move made, until “a nice
cup of tea” is quickly made. There is no question that it brings solace
and does steady the mind. What a pity all countries are not so tea-
conscious. World-peace conferences would run more smoothly if “a
nice cup of tea”, or indeed, a samovar were available at the proper
time.24
Marlene Dietrich
24 “Os ingleses têm um cordão umbilical que nunca foi cortado e através do qual o chá flui
constantemente. É curioso vê-los em momentos de horror súbito, tragédia ou desastre. Os batimentos
cardíacos param e, aparentemente, nada acontece e nenhum movimento é feito até que ‘uma boa xícara
de chá’ seja preparada rapidamente. Não há dúvida de que o chá traz consolo e acalma a mente. É uma
pena que não sejam todos os países tão conscientes sobre o chá. Conferências de paz mundial
transcorreriam mais tranquilamente se ‘uma boa xícara de chá’, ou mesmo um samovar, estivesse
disponível no momento adequado.”
As duas primeiras cafeterias da Inglaterra de que se tem notícia foram
abertas nas cidades de Oxford e Londres. A de Oxford, aberta em1650,
pertencia a um homem chamado Jacob, um judeu libanês, e a outra, em
Londres, foi aberta em 1652 e era de propriedade do grego-siciliano Pasqua
Rosee, atendente de um grande importador de café que depois de anos
servindo ao patrão e amigos se tornou um expert.
Depois da restauração da monarquia em 1660, Londres testemunhou a
abertura de centenas de novas cafeterias nas quais passou a ser oferecido
também chá e, em 1683, havia em torno de 2 mil estabelecimentos
espalhados pela cidade. Thomas Garway foi o primeiro comerciante a
oferecer chá em sua cafeteria, a Sultaness Head, preparado e servido para
ser bebido no local ou adquirido a peso. A primeira venda feita diretamente
ao público no varejo foi em 1657, e o seguinte anúncio figurava no
semanário Mercurius Politicus um ano mais tarde: “A excelente bebida
chinesa aprovada por todos os médicos e chamada de Tcha pelos chineses e
por outras nações e também chamado de Tay, aliás Tee, é vendida no
Sultaness Head, uma cafeteria em Sweeting Rents, no centro de negócios
Royal Exchange de Londres.”
Em 1660, Garway distribuiu panfletos exaltando as qualidades e
propriedades do chá, que iam desde a melhora da visão até o controle da
gota e a cura do escorbuto, apregoando vitalidade física e potência sexual.
Nessa mesma época, no livro de contas da casa da condessa de Argyl,
constava que fora comprado ½ quilo de chá ao preço de 26 libras esterlinas.
Considerando que o salário médio de um advogado na época girava em
torno de vinte libras mensais, fica claro que apenas alguns podiam se dar a
esse luxo.
Em 1826 o chá já havia derrubado a preferência por café, gim ou cerveja
na Inglaterra, e as cafeterias se tornaram as precursoras dos clubes
masculinos onde homens de negócios e amigos se reuniam para atualizar os
assuntos do momento. Nas penny universities, como eram chamadas,
entrava-se pagando 1 centavo (penny) apenas, o que selecionava o público
frequentador sem que a entrada fosse exatamente proibitiva. Por esse preço
era possível tomar uma xícara de chá, ler o jornal e conversar com os
demais frequentadores.
O interessante desses cafés é que aos poucos foram se tornando
corporativos, reunindo pessoas de uma mesma área profissional. O café de
Edward Lloyd era, por exemplo, frequentado por proprietários de navios,
importadores e seguradores da área portuária, e deu origem à famosa
companhia de seguros Lloyd’s International. As conversas nas penny
universities variavam em torno de muitos tópicos, mas tinham a força de um
governo paralelo. Ali circulavam não apenas ideias, ações eram cogitadas
contra a monarquia por seus opositores republicanos. A pressão política
exercida foi tal que o governo, se sentindo ameaçado por sua influência,
chegou a considerar a proibição e o fechamento das cafeterias. Em 29 de
dezembro de 1675, Charles II proclamou uma resolução na qual todas
deveriam ser fechadas a partir de 10 de janeiro de 1676, porém, a reação ao
decreto foi tão violenta que o rei foi forçado a rever seu ato e revogá-lo.
Em 1660, o rei Charles II que, deportado, vivia em exílio na Holanda
desde a derrubada da monarquia por Oliver Cromwell, retomou o trono da
Inglaterra e encontrou um país afundado em dívidas. Logo ele próprio
contraiu outras muitas, situação possível de ser contornada apenas por um
rico matrimônio, idealmente formando uma aliança política proveitosa.
Portugal precisava se proteger da Espanha e tinha na Inglaterra, dona de
uma armada poderosa, uma aliada. Assim, um acordo foi selado entre os
dois países através do matrimônio da infanta Catarina de Bragança com o
rei Charles II. Essa aliança rendeu o maior dote conhecido até então na
história da Europa: quinhentas mil libras esterlinas, os territórios
portugueses de Tanger e Bombaim e um baú de chá.
Como rainha da Inglaterra, Catarina adotou os costumes da nova terra,
mas preferiu continuar privilegiando a culinária de seu país natal, Portugal,
e importou o chá para tomar em vez da cevada fermentada (cerveja
rudimentar) e vinhos habitualmente servidos à nobreza. E, assim, a bebida
debutou nos salões do palácio e foi abraçada pela aristocracia com
entusiasmo.
A popularidade do chá na Inglaterra beneficiou o reino comercialmente, e
a Companhia das Índias foi favorecida nas importações e na ocupação
militar de áreas que considerasse importantes para seu comércio.
O chá importado da China desde o começo do século XVII se
transformou no século seguinte em um grandioso empreendimento
centralizado em Cantão, onde comerciantes estrangeiros operavam negócios
em imensos galpões às margens do rio Pérola. O comércio prosperou tão
rapidamente que deu asas a um novo transporte e, em uma corrida contra o
tempo, foram construídos veleiros, os clippers, projetados para atingir
grande velocidade ao sabor do vento com a vantagem de serem bem mais
econômicos que os barcos tradicionais, encurtando em quase um mês a
viagem entre o Oriente e o Ocidente.
Entre os anos de 1650 e 1700, a Inglaterra importou algo em torno de
noventa toneladas de chá e, entre 1700 e 1750, foram 20 mil toneladas
aproximadamente. Se até o século XVIII a popularidade do café era
indiscutível na Inglaterra, durante a era vitoriana o chá passou em muito
essa preferência, com a vantagem de que suas folhas podiam ser
reutilizadas, o que fez com que saísse de casas nobres para bater às portas
de casas mais pobres. O chá nesse período era guardado a sete chaves e em
potes de porcelana chinesa, o que fazia não apenas o conteúdo, mas a
própria embalagem de porcelana ser cobiçada. Cofres especiais foram
criados para guardar o precioso tesouro, cuja chave ficava sob a guarda da
dona da casa, a única a ter acesso a essa joia em nome da qual foram criadas
penalidades pesadas para casos de furto doméstico.
A era vitoriana
Quarto filho do rei Jorge III e quarto na linha sucessória, o príncipe
Eduardo, duque de Kent, se viu obrigado a romper uma feliz relação marital
que manteve por trinta anos com a senhorita Julie de St Lauren para atender
ao seu dever de se casar e manter a linhagem sucessória de sua família. Em
Bruxelas, onde morava, o duque viu estampada na primeira página da
edição de dezembro de 1817 do Morning Chronicle a notícia da morte de
sua sobrinha, a princesa Charlotte, única filha legítima de seu irmão, o
príncipe regente que ocupara o trono desde que seu pai adoecera. Charlotte
era, na linha sucessória, a regente seguinte depois de seu pai. Apesar de o
rei Jorge ter em torno de 56 outros netos, a princesa era a única filha
legítima de seus filhos, portanto, a única que poderia ocupar o trono em
caso de vacância. O príncipe regente era separado da esposa e seu irmão, o
duque de York, apesar das várias tentativas, não teve filhos. E o terceiro
filho na linha sucessória vivera feliz por anos com a atriz Dora Jordan, com
quem tivera dez filhos ilegítimos, e morrera um ano antes da princesa
Charlotte.
Assim, o príncipe Eduardo, duque de Kent, casou-se aos 50 anos, em 29
de maio de 1818, com a princesa alemã Vitória de Saxe-Coburg-Saalfeld de
31 anos, viúva e mãe de duas crianças de seu casamento anterior com o
príncipe Leiningen, com quem vivera feliz por quatorze anos.
Meses depois do casamento com o príncipe Eduardo, a duquesa
engravidou e, em 24 de maio de 1819, nasceu em solo inglês sua primeira e
única filha, a princesa Alexandrina Vitória. Da mãe, as felicitações e o
conselho à duquesa de que não se entristecesse por não ter tido um varão;
segundo ela, os ingleses gostavam de rainhas. Do feliz pai, o conselho aos
amigos de que olhassem a bebê com respeito e admiração porque dela
futuramente seria o trono inglês. Mas nem todos partilhavam da mesma
felicidade e o regente foi explícito em seu desejo de que a família, após o
batismo estritamente familiar, retornasse à Alemanha. Meses depois e com
muitas dívidas por saldar, o príncipe foi obrigado a uma mudança atribulada
e, vítima de frio intenso, morreu tuberculoso durante o trajeto. A duquesa e
sua filha Vitória conseguiram permanecer em solo inglês e retornaram ao
palácio de Kensington por intervenção do príncipe Leopoldo, irmão da
duquesa, que se prontificou a mantê-las, sem o que ambas teriam sido
mandadas de volta para a Alemanha. O rei Jorge III morreu em 29 de
janeiro de 1820, e seu filho, o regente Jorge IV, foi coroado como seu
legítimo sucessor.
Desde muito cedo a princesa Vitória manifestou espírito independente,
gênio forte e vontade própria. Seus “ataques” levaram sua mãe a deixá-la
quase que em regime permanente sob os cuidados da governanta Louise
Lehzen, que cumpriu o papel materno com absoluta dedicação.
John Conroy, antes apenas parte do rol de funcionários do palácio de
Kensington, viu com a morte do duque uma oportunidade de subir na
carreira. Casado e pai de seis filhos, era considerado um homem
interessante por uns e diabólico por outros, e tornou-se conselheiro da
duquesa, afastando-a e à filha do convívio real com sucesso. Dessa maneira,
passou a ter absoluto controle sobre a vida da princesa. Manipulador,
Conroy caiu nas graças da irmã do rei e conseguiu o título de administrador
da casa Kent para si e de baronesa de Hanover para Louise Lehzen. Já que o
convívio era próximo e inevitável, o melhor era manter como aliada a dama
de companhia da futura rainha Vitória. Habituado ao poder que exercia
sobre a irmã do rei e a duquesa de Kent, de quem supostamente foi amante,
Conroy não obteve a mesma resposta da princesa Vitória ao longo de sua
administração, mas a fez sentir a força de seu poder sempre que pôde
enquanto administrou o palácio.
Em junho de 1830 faleceu o rei Jorge IV, e Guilherme IV, seu irmão e
duque de Clarence, assumiu o trono. Por não ser convidada para ocupar o
lugar que lhe parecia cabível na cerimônia, a duquesa declinou do convite
para a coroação, alegando ter de atender pessoalmente a filha enferma. Se o
rei Jorge não se importava muito com a princesa e sua mãe, o mesmo não
acontecia com o rei Guilherme que, não tendo filhos, sempre se interessou
pela sobrinha Vitória e pelos outros sobrinhos, que aos poucos trouxe para
seu convívio. Assim, alegando questões de cunho moral e comportamental,
Conroy, mais do que apoiado pela duquesa, impôs uma barreira entre a
princesa e a casa real, instruindo seus funcionários a sempre acompanhá-la
para impedir que qualquer estranho fosse autorizado a ter conversas
privadas com ela. A duquesa alegava que, em prol da educação da futura
rainha, não permitiria que ela convivesse com primos bastardos: “Se eu não
mantiver essa linha de conduta, como ensinarei Vitória a distinguir virtude
de vício?” A princesa foi constante objeto de manobra de Conroy e de sua
mãe nas várias negociações travadas pelos dois com o rei Guilherme. Ainda
menina teve que suportar anos em campanha pelo país supostamente para
ser apresentada a seus futuros súditos, enquanto a duquesa e Conroy
colhiam louros dos súditos e desaprovação do rei, azedando definitivamente
a relação entre os três.
De acordo com seus diários, a princesa tinha uma vida estressante e
infeliz em seu palácio. Essa rotina era quebrada apenas pelas aulas de
música, por algumas saídas para bailes, teatros e concertos, e,
principalmente, pela visita dos primos alemães, que seu tio temia até que
pudesse adoecê-la, tal seu estado de ansiedade e excitação a cada curta
convivência.
As relações entre a duquesa e o palácio deterioravam diariamente e o
auge da tensão aconteceu em agosto de 1836. Convidada para os
aniversários da rainha e do rei, respectivamente em 13 e 21 de agosto, a
duquesa respondeu que aceitaria partir com a filha para o palácio de
Windsor apenas no dia 20, alegando que no dia 17 era seu próprio
aniversário e que pretendia passá-lo em sua casa, ignorando completamente
o convite para a festa da rainha. Furioso, o rei não respondeu, mas, como no
dia 20 tinha agendado um compromisso no parlamento em Londres,
aproveitou para vistoriar o palácio de Kensington, descobrindo que
aposentos tinham sido ocupados pela duquesa sem sua autorização. Em seu
retorno a Windsor reuniu-se com seus convidados em um dos salões e
declarou o seu prazer em receber a princesa e a tristeza de que fosse tão
pouca sua presença na vida de sua família. Cumprimentou a duquesa
brevemente e declarou, de forma a ser ouvido por todos, que retornava de
um de seus palácios onde uma liberdade descabida havia sido tomada não
apenas sem seu consentimento, mas desobedecendo a ordens expressas
suas, e que ele não apenas não entendia como não toleraria tamanho
desrespeito. No dia seguinte, depois dos brindes de longa vida, o rei iniciou
um longo pronunciamento tendo por testemunhas mais de cem convidados.
Começou pedindo a Deus que o preservasse pelos nove meses seguintes
pelo menos, e deixou claro que, se viesse a falecer, desautorizava qualquer
regência que não a da sobrinha Vitória, mesmo não tendo completado 18
anos.
“Porque essa senhora sentada a meu lado (a duquesa) é uma pessoa
desqualificada e assessorada por incompetentes a quem não posso
autorizar para governar meu povo.” “A pessoa em questão”,
prosseguiu o rei, “tem me ofendido brutal e repetidamente e, a partir
desse momento, esse comportamento não mais será tolerado. Farei
valer meu poder de rei e soberano, começando por fazer com que
minha sobrinha, tão afastada de minha corte e convívio onde deve
estar sempre presente, passe a frequentá-la em todas as ocasiões
como é seu dever de futura soberana.”
O mal-estar provocado pelo pronunciamento foi geral, e a duquesa
ensaiou uma saída espetacular, que foi contida para não piorar sua relação
com o rei. A visita, ao contrário de seus planos, foi prolongada além do
previsto e, em sua volta a Kensington, um irritadiço Conroy a esperava,
pronto para continuar a exercer seu poder sobre ela e sua filha mais do que
nunca.
Para seu aniversário de 18 anos, após consultar o congresso, o rei
ofereceu por escrito à princesa um aumento financeiro para suas despesas
particulares, aconselhando que ela passasse a escolher seu próprio
conselheiro e seus empregados de confiança. Conroy insistiu em que a
mensagem fosse lida na presença da duquesa e a princesa agradeceu o
presente mas, obrigada pela duquesa, respondeu ao rei que estava satisfeita
com seu staff e que o aumento deveria ser concedido à sua mãe, que sempre
respeitava suas vontades financeiras. Convencido de que essas não eram
suas próprias palavras, o rei ofereceu ¼ do valor para as despesas da
princesa e 1/6 para a duquesa, que recusou ambas as ofertas sem consultar a
filha, que já não lhe dirigia palavra quando estavam a sós. Até o dia da
coroação a princesa teve que suportar a presença de Conroy, porém, assim
que foi coroada, proibiu-o de aparecer em sua presença ou de lhe dirigir
palavra falada ou escrita, o que não impediu sua mãe de mantê-lo debaixo
de seu mesmo teto. Frustrada, a princesa quis desfazer-se dos dois, mas
regras sociais a obrigavam enquanto solteira a viver com a mãe, e a única
solução sugerida para o impasse era um casamento, ideia que não chegou a
entusiasmá-la.
No baile de 18 anos da princesa o rei já estava gravemente doente e
Conroy, à beira do desespero, se agarrava com unhas e dentes pela sua
tutela, tentando convencê-la de que, conhecendo-a desde pequena e sendo
munido de sua experiência como administrador da casa real, saberia
aconselhá-la adequadamente até que adquirisse confiança e experiência
suficientes para reinar absoluta. Em 19 de junho, às 2h12, o rei faleceu e na
sua primeira noite como rainha, Vitória fez questão de jantar sozinha.
Determinada a demonstrar sua independência, avisou a mãe que não poderia
avistar-se mais com ela a qualquer hora e que qualquer comunicação
deveria ser feita através de Lorde Melbourne, primeiro-ministro escolhido
para ser seu conselheiro. Passou a ocupar um quarto só seu com uma porta
de comunicação para um aposento menor, onde foi instalada sua dama de
companhia Louise Lehzen.
A partir da coroação, vários pretendentes foram apresentados à rainha,
mas nenhum chegou a entusiasmá-la realmente. Seu tio Leopoldo tomou a
frente na busca, intercedendo para que o príncipe Alberto de Saxe-Coburgo
e Gotha, primo em primeiro grau da rainha, fosse convidado para uma
temporada no palácio em maio de 1836. Muitas cartas foram trocadas entre
os dois depois da primeira visita, e, muitas cartas mais tarde, o príncipe
retornou ao palácio. Durante sua terceira visita e depois de apenas alguns
dias de convívio, as palavras da princesa extraídas de seu diário são:
“Alberto é lindo e seus cabelos são da cor dos meus, seus olhos são de um
azul muito expressivo. Tem um belo nariz e uma boca tão doce com dentes
tão bonitos... Porém o verdadeiro encanto é seu interior, visível em sua
expressão imensamente agradável...” Cinco dias depois de sua chegada, a
rainha Vitória pedia a mão do príncipe em casamento, o protocolo não
permitia que o pedido fosse feito por ele. Casaram-se em 10 de fevereiro de
1840 na capela real do palácio de Saint James em Londres.
Meu muito querido e adorado Alberto com seu imenso amor e afeto
fez com que eu experimentasse sentimentos de felicidade celestiais
que jamais poderia ter imaginado sentir em minha vida! Estreitou-me
em seus braços e nos beijamos muitas vezes! Sua beleza, doçura,
gentileza e carinho... Como poderei ser grata o suficiente por ter um
marido como ele! Ser chamada por nomes tão carinhosos que nunca
ouvi serem dirigidos a mim antes, êxtase inacreditável! Oh! Esse foi
o dia mais feliz de minha vida!
Com o casamento vieram as mudanças: a duquesa de Kent foi
definitivamente afastada do palácio, sendo transferida para Belgravia
Square, e o príncipe Alberto ocupou o lugar de conselheiro político e braço
direito da rainha até sua morte.
No período vitoriano os acontecimentos jorravam quase diariamente
dentro e fora das fronteiras inglesas e, enquanto a Revolução Industrial
acontecia, Marx se debruçava sobre O Capital, Freud observava a histeria e
a China respirava o declínio de um império se afogando em um mar de
ópio. A duras penas para muitos a modernidade acontecia por linhas tortas
e, em meio a tantas controvérsias, a rainha Vitória, embora acusada de ser
dona de uma abordagem rígida e puritana, teve uma visão bastante moderna
e progressista, incentivando as ciências e a arte, investindo na educação e na
higiene, abrindo portas para novidades como as ferrovias e as locomotivas a
vapor, o telégrafo, a iluminação e a telefonia e o cinema. Muitas das
commodities que conhecemos hoje têm origem nesse período. A fotografia
da rainha, por exemplo, inaugurou uma nova técnica de captar pessoas e
situações de maneira quase instantânea, que não substituiria nunca a pintura,
mas aos poucos foi retratando o cotidiano de uma sociedade que se
modernizava.
A mudança radical vinha para ficar e se em terra a Revolução Industrial,
já em seu segundo período, ia quase bem obrigada, marchando a pleno
vapor, no mar os navios ingleses conquistavam abruptamente continentes e
riquezas para a Coroa britânica, em um período que ficou conhecido como
Pax Britannica. O período foi fértil para a literatura e, embora alguns
escritores tenham sido favorecidos por uma onda literária romântica e naive,
outros que não acompanharam essa linha foram vítimas de censura. Ainda
que o benefício da leitura não estivesse disponível a todos, ao final do
reinado vitoriano a escolaridade se tornou obrigatória, tirando do
analfabetismo quase 50% da população analfabeta ou semi. Floriram os
folhetins e romances, literatura educacional e infantil, administração e
etiqueta do lar, todos muito aplaudidos e incentivados pela rainha, que via
nos eventos familiares uma forma de entretenimento saudável e uma
possibilidade de manter afastados das famílias vícios comuns na época. E,
assim, muitos autores, entre eles Charles Dickens, as irmãs Brontë e Lewis
Caroll, trouxeram pessoalmente para dentro das casas de família a leitura e
dramatização de seus livros, executados nos saraus e chás da tarde.
Difícil imaginar um mundo sem anestesia ou antibióticos, sem seringas e
agulhas de sutura, mas foi apenas durante a era vitoriana que esses e outros
produtos ligados à área médica apareceram. Se hoje para nós a higiene
pessoal e cuidados relativos à manipulação de alimentos são fato
consumado, na época isso era resultado de investimento feito em pesquisas.
Concebida pelo príncipe Alberto, A Grande Exposição (The Great
Exhibition) aconteceu em 1851 e a Inglaterra apresentou e vendeu sua
moderníssima indústria aos países que participaram do evento. O lucro
gerado com as vendas foi tão assombroso que patrocinou o complexo de
residências oficiais e museus no bairro de Kensington, em Londres. Se até
ali havia reticências e desconfiança da imprensa britânica em relação ao
príncipe ou à gestão da rainha, elas definitivamente ficaram para trás. A
Inglaterra estabeleceu-se política e economicamente, e a rainha obteve
consenso geral, fazendo do modelo da casa real um exemplo para os
britânicos. Em meados de 1850, ser vitoriano não era apenas testemunhar
uma era histórica, mas participar ativamente do orgulho nacional.
As mudanças socioeconômicas transformaram a etiqueta e os costumes da
época, e as estruturas sociais ficaram evidentes. Com uma indústria em
franco crescimento nasciam os novos ricos e todo um protocolo foi tecido e
alimentado para dissociar as classes que emergiam de suas origens. Foi um
período tão cercado de convenções que as publicações sobre
comportamento e etiqueta eram quase semanais. A riqueza gerada pela
Revolução Industrial trouxe hordas de snobs (sine nobilitate) dispostos a
desbravar uma sociedade fechada e a frequentar os salões e a mesa real ou
lugar próximo a ela. Para tanto, era necessário se inteirar de que maneira
viviam e como se comportavam os aristocratas, adotando modos e costumes
para conquistar o direito de frequentar um espaço desejado e quase
impenetrável. A etiqueta do dia devia ser acompanhada bem de perto, e era
imprescindível manter-se atualizado porque presumíveis bons modos de
ontem poderiam se transformar nos maus modos de amanhã. A quantidade
de regras a serem seguidas era tão grande e chegava a tal nível de sutileza,
que mais parecia um jogo em que um simples deslize colocava a perder
esforços reiterados.
O período viu nascerem muitos modismos, entre eles, o chá da tarde,
tradicionalmente servido em elegantes endereços como a Fortnum & Mason
e o Ritz de Londres. Foi nessa época também que os populares coffee
houses se transformaram em casas de chá nas quais mulheres
desacompanhadas eram bem-vindas sem que isso lhes causasse nenhum
embaraço ou constrangimento.
Com a indústria crescendo diariamente, houve uma migração significativa
para os grandes centros da Inglaterra. Hordas de trabalhadores em busca de
oportunidades de emprego e investidores em busca de lucros migravam a
todo momento, exigindo mudanças nas estruturas físicas das cidades, o que
levou muito tempo para ser implantado. A precariedade das estruturas
existentes aliada à absoluta falta de higiene ceifou muitas vidas e foi causa
de diversas epidemias descontroladas nos centros urbanos. Os estragos
causados obrigaram finalmente investimentos substanciais em pesquisa e a
implantação de uma legislação que protegesse a vida dos cidadãos.
Os primeiros empreendedores e pesquisadores curiosos na área de saúde
foram na época visionários que se preocuparam com que a profissão
farmacêutica fosse regulamentada para afastar os charlatões. Pesquisas
foram financiadas e novas respostas auxiliadas por novos aparelhos vieram
à tona, porém as mais simples de todas, higiene e limpeza, foram as mais
complexas de serem implantadas. Com a concentração de população, a
sujeira aumentava assustadoramente nos centros urbanos, as doenças
proliferavam descontroladas e o contágio acontecia com incrível rapidez. O
chá mais uma vez atuou como medicamento, principalmente no tocante à
fervura e consequente purificação da água de beber. O vício das várias
xícaras diárias ajudou de diversas formas, fosse pela busca de água de
melhor qualidade para se acrescentar ao “remédio”, fosse porque, custando
tão caro, o chá merecia águas melhores para seu preparo. O fato é que a
melhoria foi notada, absorvida e espalhada aos quatro ventos, fazendo do
chá a bebida que reina soberana na Grã-Bretanha até hoje.
O processo para higienizar a nação foi lento e complicado. As primeiras
latrinas com descargas, por exemplo, só foram introduzidas em 1858, em
uma exposição pública, e apresentadas à população que pagava 1 pence
(1/10 de uma libra) para visitar a moderna privada. Assim a expressão to
spend a penny, ainda atual, caiu no gosto popular para indicar uma ida ao
banheiro. Os water closets atraíram muitos compradores, o design era
atraente, porém, a solução para o escoamento ainda não tinha sido pensada,
fazendo com que a água das latrinas caísse diretamente nos rios e retornasse
à rede de abastecimento público in natura. A fábrica de louça Wedgood
criou as primeiras manilhas e canos, viabilizando o escoamento das águas
para esgotos. Anos mais tarde, essa mesma fábrica seria famosa pela
produção de sofisticados aparelhos de chá e jantar em porcelana.
Em 1854, 10 mil pessoas morreram por causa da contaminação do
Tâmisa, o que obrigou uma busca de solução rápida para o problema de
distribuição e filtragem da água, que foi posta em prática em 1855. A
solução definitiva para o problema só apareceria em 1858, quando um dos
afluentes do rio transbordou e trouxe à tona esgoto in natura, obrigando que
uma rede finalmente fosse mapeada e construída em Londres. O restante do
país foi beneficiado somente doze anos depois.
Para a rainha Vitória, porém, todas as conquistas perderam o sentido
diante da morte de seu marido, seguida pouco depois pelo falecimento de
um de seus filhos:
Ser afastada no melhor momento da vida – ver nossa vida doméstica
tranquila e pura, que me ajudou a manter minha posição tão difícil de
suportar, cortada aos 42 anos, quando eu esperei instintivamente com
tanta certeza que Deus nunca nos separaria e deixaria que
envelhecêssemos juntos... – é insuportável e cruel...
Dessa data até o dia de sua morte, suas aparições públicas diminuíram
consideravelmente e seu guarda-roupas foi apenas ocupado por vestuário
negro, que se tornou tão popular entre seus súditos a ponto de muitos
adotarem a mesma forma de vestir para acompanhá-la. E, assim, foi criado
um protocolo complicado de vestes e rituais ligados à morte, que valeu aos
britânicos uma gota a mais na fama de mórbidos, já cultivada pelas muitas
histórias de vampiros e terror tão populares na época.
Em finais de 1861, o príncipe Alberto foi diagnosticado com febre tifoide
e morreu em 14 de dezembro. A rainha entrou em luto profundo e
permaneceu distante do olhar público, evitando retornar a Londres e
confinando-se no palácio de Windsor. Essa longa reclusão diminuiu a
popularidade da monarquia, abrindo espaço para os republicanos e, após
publicação de um manifesto que foi colado nas grades do palácio, seu tio
Leopoldo achou prudente que voltasse a aparecer em público. O panfleto
dizia: “Vende-se essa propriedade oficial por motivo de declínio nos
negócios de seu último ocupante.”
Durante os anos seguintes à morte do príncipe, a rainha foi cercada de
cuidados por seu então atendente, o escocês John Brown, o que incitou
muitos rumores de affaire entre os dois. Nos bastidores, a rainha era
chamada de Mrs. Brown para enorme desagrado de sua família e dos
membros do parlamento.
Em março de 1883, a rainha sofreu um acidente nas escadarias do palácio
de Windsor, o que lhe rendeu uma bengala até o resto de seus dias. Brown
morreria dez dias depois desse acidente e, para constrangimento do
secretário particular da rainha, Sir Henry Ponsonby, ela começou a escrever
um volumoso livro enaltecendo as qualidades de Brown. Oportunamente o
manuscrito foi destruído, sobrando apenas um apêndice que, em 1884, a
rainha publicou. More leaves from a journal of a life in the Highlands foi
dedicado ao “devoto atendente pessoal e leal amigo John Brown”.
Entre as correspondências recém-reveladas da rainha está uma carta
dirigida ao visconde de Cranbrook na qual ela diz que:
Talvez não exista na história outro exemplo tão verdadeiro de apego,
carinho e companheirismo amoroso entre soberano e servo... Força
de caráter e retidão destemida, delicadeza, senso de justiça,
honestidade, independência e desapego que combinavam bem com o
coração carinhoso e cálido... que fez dele um dos homens mais
impressionantes.
A rainha sente que a vida pela segunda vez25 se torna triste ao impor
que seja privada de tudo aquilo de que tanto necessita... o baque foi
enorme para não ser sentido de forma intensa.
O ano de 1887 marcou o jubileu de ouro da rainha e um banquete foi
oferecido para cinquenta reis e príncipes, seguido de uma parada pública e
um serviço para o dia de Ação de Graças. Três dias mais tarde a rainha
contratou para servir-lhe pessoalmente um dos dois garçons muçulmanos de
origem indiana que esteve ao seu serviço durante o banquete. Abdul Karim
foi rapidamente promovido de atendente a secretário e professor de urdu e,
durante o tempo em que ficou a serviço da rainha, foi alvo de intrigas
constantes. A acusação mais contundente contra ele era a de que ele
ocupava o mesmo cargo e servia-se dos mesmos privilégios que John
Brown, enquanto os outros leais funcionários do palácio se sentiam
desprestigiados. Abdul Karim serviu a rainha até sua morte e retornou a
Índia como funcionário aposentado do governo e proprietário de terras
concedidas pela Coroa.
Em setembro de 1897, a rainha comemorou o jubileu de diamante e
também seus 70 anos de vida como a mais longa regente da história da
Inglaterra. Os festejos incluíram uma procissão por Londres com as tropas
de todo o Império Britânico e a presença de representantes das colônias e
países aliados. Dois meses depois a rainha Vitória se retirou para Osborne
House, onde desde que enviuvou passou os invernos. Durante essa estada já
estava bastante fraca, confusa e com a vista turva e debilitada. Faleceu em
uma terça-feira, 22 de janeiro de 1901, com 81 anos.
Instruções claras sobre seu funeral foram deixadas por ela e incluíam ser
velada vestida de branco e usando o véu de seu vestido de noiva, ter uma
roupa do príncipe Alberto e o gesso guardado do braço quebrado do marido
depositados ao lado de seu corpo. Também uma mecha de cabelo e uma
foto de Brown deveriam também estar colocadas a seu lado e foram
cuidadosamente cobertas da vista dos familiares por um buquê de flores.
Algumas de suas joias deveriam acompanhá-la, inclusive a aliança da mãe
de Brown que lhe foi presenteada por ele em 1883 e que aqueceu ainda mais
os rumores de um casamento secreto. A rainha Vitória foi sepultada ao lado
do príncipe Alberto no castelo de Windsor.
Seus 122 diários detalhavam minuciosamente seu cotidiano e, depois de
sua morte, a princesa Beatriz, sua filha mais jovem, foi apontada como sua
executora literária, sendo a responsável por todos os seus escritos que foram
transcritos desde sua ascensão ao trono. Muitos textos originais foram
queimados durante esse processo, mas alguns volumes escaparam do fogo e
foram transcritos por Lord Esher e publicados de forma mais detalhada.
Atualmente estão em fase de transcrição para serem acessados pela internet
no site oficial da monarquia britânica. Sua correspondência e seus discursos
podem ser vistos no endereço http://www.royal.gov.uk.
Apenas após sua morte e divulgação de parte de seus diários e
correspondência chegou a público a extensão da influência da rainha tanto
na política interna quanto na externa. Do alto de seus pouco mais de metro e
meio de altura, a rainha Vitória projetou para o mundo uma imagem
inequívoca e, apesar de dias de impopularidade, ela foi abraçada por seus
súditos e colaboradores não apenas como uma figura matriarcal, mas como
uma figura política imponente, obstinada, honesta e muito franca em seus
posicionamentos. Durante o reinado vitoriano uma monarquia
constitucional se configurou gradativamente e, à medida que o reinado se
ocupava menos com a política, os valores morais e familiares entraram em
pauta. Ao contrário dos reinados anteriores, o seu provou mais discrição no
tocante a comportamentos financeiros e pessoais.
A rainha foi alvo constante de críticas sobre seu gênio explosivo, sua
obsessão pelo príncipe Alberto e alegações de relacionamento autoritário e
pouco amoroso com seus filhos. Vale lembrar que antes de seu reinado
nenhum outro rei franqueou tanto sua vida familiar aos olhos e comentários
de seus súditos.
Apesar de ser uma monarca mulher e soberana em suas decisões, a rainha
foi contra o voto feminino, declarando que homens e mulheres tinham
papéis bastante claros a serem desempenhados socialmente. “Como ficaria a
proteção que o homem deve oferecer ao sexo mais fraco?” foram palavras
proferidas pela rainha em repúdio a um primeiro movimento de
emancipação feminina.
25 O historiador responsável pela revelação dessa carta acredita que a frase “a vida pela segunda vez”
seja referente a um possível segundo casamento com Brown. Mas até a presente data nenhuma
documentação comprova essa teoria. (N. da A.)
“Take some more tea,” the March Hare said to Alice, very earnestly.
“I’ve had nothing yet,” Alice replied in an offended tone, “so I can’t
take more.”
“You mean you can’t take less,” said the Hatter: “it’s very easy to
take more than nothing.”26
Lewis Carroll, Alice in Wonderland
Etiqueta vitoriana
De forma a não derramar líquido, a maneira correta de segurar uma caneca
de chá sem alça é posicionando o polegar na posição das seis horas e o
indicador e o dedo do meio e anular na posição das doze horas, levantando
discretamente o dedo mínimo para equilibrar a caneca. As xícaras com asa
devem ser seguradas com os dedos colocados na parte da frente e por trás
da alça, enquanto o dedo mínimo deve ser elevado com ligeira curvatura,
assegurando o equilíbrio da xícara. O dedo mínimo assim levantado não é
uma afetação, mas um gesto gracioso que evita derramar o chá. Nunca
entrelace os dedos na asa nem segure a xícara entre as palmas das mãos.
Nunca mexa o chá em movimentos circulares, coloque a colher na posição
das seis horas e gentilmente ondule o líquido na direção das doze horas
duas ou três vezes. Jamais deixe a colher dentro da xícara, que, quando não
estiver sendo usada, deve ser colocada de volta no pires. Se estiver em um
serviço de buffet, ao sentar-se coloque o pires sobre a coxa com a mão
esquerda e segure a xícara com a mão direita; nos intervalos, mantenha
xícara e pires sobre a coxa. A única situação em que pires e xícara podem
estar suspensos é durante as recepções de pé. O chá pode ser servido com
leite, nunca com creme, que, pelo seu peso, mascara o sabor do chá e,
embora muitos sirvam primeiro o leite e depois o chá, talvez seja melhor
fazer ao contrário e assim servir-se da medida exata. Quando o chá for
servido com limão ele deve ser fatiado em finas rodelas e não servido em
gomos; garfos específicos para esse fim ou de sobremesa podem ser
oferecidos aos convidados para que se sirvam. Os limões também podem
ser mantidos próximos ao bule para que os convidados os alcancem com
facilidade.
Autumn Stephens, The essential handbook of victorian entertaining.
26 “– Beba mais um pouco de chá – disse a Lebre de Março à Alice, seriamente. / – Mas eu ainda não
bebi nada – Alice respondeu com um tom ofendido. – Então não posso beber mais. / – Você quer dizer
que não pode beber menos – disse o Chapeleiro Maluco. – É muito fácil beber mais do que nada.”
27 Funcionário público inglês que ficou famoso por seu diário, uma crônica sobre o cotidiano e os
grandes eventos que ocorreram na Londres do século XVII, como a Grande Praga e o Grande Incêndio
de Londres. Seus comentários foram fundamentais para retratar a sociedade da época. Pepys foi
presidente da Royal Society, entre 1684 e 1686, e primeiro-secretário do Almirantado Britânico. (N. da
A.)
28 “Conversamos sobre os interesses desse reino em manter a paz com a Espanha e guerra com a
França e a Holanda... E depois mandou vir uma xícara de chá (uma bebida chinesa) que eu nunca antes
havia tomado, e se foi.” (N. da A.)
Chá da tarde no palácio
de Buckingham
Todos os anos no mês de maio, tradicionalmente, a rainha promove uma festa
nos jardins do palácio e o chá servido na ocasião é especialmente produzido
em um blend de puro Ceylon Earl Grey e jasmim da província de Fujian. Aos
dois sabores são acrescentados o assam maltado do estado de Borengajuli, o
dimbula ceylon de Hatton e o golden cup do Kenia, o que cria um dos chás
mais saborosos e exclusivos jamais produzidos em ilhas britânicas, servido
nos jardins do palácio em Londres entre 16h e 18h.
A rainha, acompanhada do duque de Edimburgo e dos demais membros
da família real, entra às 16h em ponto nos jardins ao som do hino nacional
tocado por uma das duas bandas militares que acompanham todo o evento.
A família real circula entre as mesas cumprimentando todos até chegar à
“tenda do chá”, onde se instalam para receber os demais convidados. São
mais de quatrocentos funcionários em serviço e aproximadamente 27 mil
xícaras de chá, 20 mil sanduíches e 20 mil pedaços de torta são servidos
durante essa única tarde. Às 18h os membros da família real deixam o pátio,
novamente ao som do hino nacional, marcando o final do evento. Por mais
incrível que possa parecer, a família real não é assim tão distante quanto
aparenta; é possível mandar uma carta para a rainha em termos que se achar
conveniente. O protocolo recomenda tratá-la por Madame, mas o tratamento
não é obrigatório. Para fechar a carta, um “I have the honour to be, Madam,
Your Majesty’s humble and obedient servant” é de bom tom.
Mas se essa aproximação não for possível, outra tentativa pode ser feita;
durante oito semanas por ano as portas do palácio estão abertas para visitas
guiadas. Dezenove dos muitos aposentos de Buckingham podem ser vistos e
o chá da tarde não fica muito longe e pode ser tomado no Chez Gerard ou
no elegante Rubens at the Palace, no Rubens hotel, ambos a alguns passos
do palácio.
É possível escrever para a rainha no seguinte endereço:
To
Her Majesty The Queen
Buckingham Palace
London SW1A 1AA
Casas de chá
Twinings
Em 1706, Thomas Twining passou a comprar chás de comerciantes da
Companhia das Índias Orientais e abriu sua primeira loja. Rapidamente ele
expandiu o negócio incorporando mais três casas vizinhas. A Casa era
frequentada pela aristocracia, e entre sua ilustre clientela estava a realeza
britânica. Com a morte de Thomas Twining, em 1741, seu filho Daniel
passou a tomar conta dos negócios e a exportar chá para a América, a partir
de 1749. Em 1762 Daniel faleceu deixando os negócios para a esposa Mary.
Apesar das enormes quantidades de chá contrabandeadas em meados do
século XVIII, a Twinings continuou no comércio legal. Richard Twining,
filho de Mary, assumiu o comando da empresa em 1771 e se tornou o
presidente da London Tea Dealers que, formando um lobby, conseguiu
eleger William Pitt como primeiro-ministro e, assim, negociar as altas taxas.
A redução dessas taxas tornou o chá uma bebida mais acessível,
popularizando a casa Twinings, que em 1837 recebeu seu primeiro selo real.
Em 1834, Charles Grey, o segundo conde de Earl Grey e primeiro-ministro
do Reino Unido, que era cliente de Richard, deu-lhe um chá que recebeu de
presente de um mandarim, pedindo que o copiasse. A mistura compreendia
darjeeling indiano perfumado com bergamota, ceylon e lapsang souchong e
foi batizada de Earl Grey, um chá de sabor defumado acentuado que se
popularizou tanto que tornou a casa Twining internacionalmente conhecida.
Lipton
Não existe uma data precisa de quando o café começou a ser plantado no
Ceilão, mas esteve lá desde tempo imemorial e sua plantação deve ter sido
obra de árabes que trouxeram grãos de Moka. Os nativos da ilha não tinham
qualquer ideia do valor de seus frutos, que desprezavam, utilizando apenas as
folhas como tempero para a comida e as flores para decorar os templos
budistas. Somente depois de um século da chegada dos holandeses, foi feita
uma tentativa de comercializar os grãos, que se tornaram fonte de
enriquecimento dos produtores que até 1860 dominaram a ilha. Porém, uma
praga mudou esse cenário e também os protagonistas dessa história: saíam os
holandeses e entravam os ingleses nas figuras de James Taylor e Thomas
Lipton.
Em 1866, a companhia para qual Taylor trabalhava começou a se
interessar pelos dividendos do chá e ele foi mandado para a Índia a fim de
aprender o cultivo e a manufatura da planta. No ano seguinte, depois de
obter resultados favoráveis, deu início ao plantio em caráter experimental
em dezenove acres de canteiros em Loolecondera, e implantou a primeira
fábrica de chá. Essa iniciativa foi fundamental quando a praga ferruginosa,
a Hemileia vastatrix, atingiu toda a plantação cafeeira em 1869, levando a
um desastre econômico sem precedentes. Taylor, a essa altura um expert,
sugeriu então o plantio de chá e, como resultado, o primeiro carregamento
do ceylon tea chegou a Londres em 1875 a excelente preço, e rapidamente
alcançou fama, vendendo 1 milhão de pacotes na Feira Internacional de
Chicago.
A rápida expansão da indústria de chá do Ceilão em 1870/1880 gerou
grande interesse de empresários britânicos, que se adiantaram em adquirir
terras para plantio. Alguns desses terrenos foram comprados pelo
comerciante com o qual a história do chá no Ocidente se confunde: Sir
Thomas Lipton. Filho de irlandeses que imigraram para a Escócia, Thomas
teve uma infância paupérrima e deixou a escola aos 10 anos para ajudar no
sustento familiar. Em 1865, aos 17 anos, emigrou para os Estados Unidos,
onde teve uma dezena de trabalhos antes de ser ajudante de mercearia e
finalmente abrir seu próprio negócio em Nova York. Nos Estados Unidos se
especializou em técnicas de propaganda e vendas que usou para
comercializar mantimentos e chá na Escócia e na Inglaterra e, então,
retornou a Glasgow onde trabalhou por dois anos com os pais. Aos 21 anos
abriu sua primeira mercearia, colocando em prática sua habilidade de venda
a varejo, e em 1914 já era dono de uma cadeia de 500 lojas. Sua principal
meta era eliminar o atravessador comprando produtos em grande quantidade
para revendê-los com pequena margem de lucro. Em 1890, Thomas Lipton
já era um milionário. Em uma viagem à Austrália com escala no Ceilão,
comprou terras para começar um negócio de chá e, na contramão da época,
em vez de comercializar o chá por arrobas, criou embalagens de 200 e 500
gramas em cores chamativas e vendidas com o seguinte slogan: “Direto das
plantações para seu bule.” Lipton passou a distribuir chá para a
concorrência, que rapidamente esgotava seus estoques, e dessa forma sua
marca cobriu todo o território britânico e tornou-se mundialmente
conhecida.
Fortnum & Mason
Em 1707, Hugh Mason e William Fortnum se associaram em uma mercearia
que comercializava, entre outros produtos, o chá, e foi apoiado nele que
ambos viram crescer seu negócio. Na época, muito contrabando e adulteração
eram praticados e a casa fazia questão de manter a qualidade e integridade de
seus produtos, ficando do lado legal dos negócios, o que lhes valeu uma
clientela aristocrática e uma ligação inquebrantável com a casa real nos anos
vindouros. Durante a era vitoriana, a Fortnum & Mason recebeu o primeiro
dos muitos certificados reais que viriam estampar seus produtos. Em agosto
de 1867, a empresa foi apontada para servir ao príncipe Alberto e alguns chás
foram criados com exclusividade para a realeza britânica. As histórias do chá
e da casa Fortnum & Mason estão entrelaçadas, e seu serviço impecável que
faz juz a seu nome pode ser experimentado durante o chá da tarde servido em
seus diversos salões.
Lyons
Em 1894, a primeira loja de chá da empresa Lyons foi aberta em Londres. A
Lyons oferecia chá de alta qualidade e rapidamente formou uma boa clientela
e, por isso, resolveu fazer seu próprio blend e empacotá-lo, em um pequeno
departamento do recém-adquirido Cadby Hall, QG da sua indústria de
catering. No começo, o departamento contava com pouco mais de meia dúzia
de funcionários, mas rapidamente se mostrou extremamente popular e se
tornou um dos maiores e mais lucrativos departamentos da empresa.
A Lyons comprou plantações em Nyasaland, atual Malawi, na Índia e no
Ceilão e contratou funcionários especializados na produção de misturas, que
eram também os responsáveis pela compra e o controle de qualidade da
matéria-prima. Os rótulos da Lyons variavam de acordo com a coloração da
infusão: branco, vermelho, amarelo e verde, e o Maison Lyons, vendido
exclusivamente nas ilhas gourmets do Corner Houses. Os Corner Houses
eram restaurantes imensos com cinco ou seis andares e em cada um mais ou
menos quatrocentos funcionários trabalhavam. O primeiro foi aberto em
1909, em Coventry Street, cada piso tinha seu próprio restaurante e todos
tinham orquestras da abertura ao fechamento. Geralmente o primeiro piso
era tomado por um imenso mercado no qual especialidades de sua cozinha
eram oferecidas, além de frios, frutas do império, vinhos, queijos, flores e
chocolates. Havia também o delivery e mais uma infinidade de outros
serviços encontráveis nos grandes magazines, e houve época em que os
Corner Houses ficavam abertos durante 24 horas.
Em 1918, a Lyons comprou a bem estabelecida Horniman & Sons, a
Black & Green de Manchester e mais tarde a Tetley Tea, tornando a Lyons
a maior firma inglesa no ramo de chá.
E o chá mudou o mapa-múndi
Zentcha itchimi.
O chá e o zen são um.
Provérbio japonês
Documentos comerciais comprovam que o comércio do chá no século IX já
incluía o Ocidente entre seus consumidores. Comercializado em toda a
China, o chá talvez tenha atravessado terras da Ásia Central e do Oriente
Médio nas embarcações dos comerciantes árabes, que foram aparentemente
os primeiros a comercializá-lo em Veneza nos anos 1500. A mais antiga
menção na literatura europeia sobre chá aparece no Chai Catai [Chá da
China] em 1559, capítulo do livro Delle Navigatione et Viaggi, escrito por
Giambattista Ramusio, que serviu como diplomata em Veneza e foi elevado
mais tarde à posição de membro do Conselho dos Dez, um tribunal especial
criado para debelar os complôs e crimes contra o Estado. Foi, porém, o
padre português Gaspar da Cruz, jesuíta e missionário das terras do extremo
Oriente quem primeiro descreveu o chá como bebida, em 1560. Até então
informações desencontradas eram trazidas por chefes das expedições
marítimas sobre o preparo e uso da folha, ora apresentada ensopada em
refogados doces ou salgados, ora agregada a leite gordo que, em uma
espécie de caldo, era servido como alimento.
A negociação entre chineses e portugueses foi longa, mas Portugal
finalmente garantiu por decreto real o monopólio da península de Macau
para a exploração do chá. Em 1610 a Real Companhia Marítima Portuguesa
das Índias embarcou seu primeiro carregamento de chá para distribuição na
Europa e, durante os vinte anos que se seguiram, portugueses e holandeses
foram seus únicos importadores. Portugal e Holanda tinham um trato no
qual as naus portuguesas, na época com tecnologia mais avançada,
transportariam o chá até Lisboa e, de lá, a Holanda se encarregaria da
distribuição para seu território, a França e os países bálticos. Anos depois,
quando esse trato foi rompido, a Holanda passou a fazer a importação e
distribuição sem Portugal, expandindo seus negócios na Ásia através da
Real Companhia Marítima Holandesa das Índias e, em troca de proteção
territorial, garantiu para si as águas entre o Cabo da Boa Esperança e o
Estreito de Magalhães, reinando absoluta até a chegada das forças inglesas
que agregaram a possessão à Coroa britânica.
The Way of Tea is naught but this: first you boil water then you make
the tea and drink it. However, this can only be appreciated after strict
training in the Way.29
Seno Rikyu
Ceilão
Os portugueses foram os primeiros a chegar ao Ceilão em busca dos
condimentos que frequentaram as vitrines dos boticários e depois as cozinhas
da aristocracia europeia. Governaram a ilha do século XVI até a metade do
século XVII, quando chegaram os holandeses e estabeleceram o monopólio
da canela, que não durou muito e foi logo substituído pelo plantio do café.
Original do mundo árabe, o café era vigiado de perto e qualquer tentativa de
cultivo não autorizado era punida com a morte. Mas os holandeses
conseguiram algumas mudas que reproduziram e replantaram em todas as
suas colônias, principalmente no Ceilão, onde a economia floresceu à sombra
dos cafezais.
Apesar da prosperidade, em 1796 os holandeses tiveram que abandonar
seus investimentos quando o Ceilão foi conquistado e incorporado pelos
ingleses à Coroa britânica. O café virou uma febre e, em um período de
nove anos, 294.526 acres de terra foram vendidos a plantadores locais e
europeus. Porém, uma praga incontrolável exterminou no ano de 1869
quilômetros de plantações e de sonhos, e nos cinco anos seguintes arruinou
a indústria e a sociedade cafeeira do Ceilão. Os vinte anos seguintes foram
dedicados a reverter perdas, e foi nesse período que o chá encontrou um
solo fértil para plantio. Terras antes supervalorizadas foram abandonadas ou
vendidas a preços irrisórios para investidores que perceberam o potencial da
ilha, de condições climáticas ideais para o plantio. Na Índia, já se
confirmara um sucesso e, no Ceilão, contou com o dedo experiente de
James Taylor, jovem escocês empreendedor com experiência no plantio de
chá no norte da Índia.
Em 1851, James Taylor assinou um contrato em Mincing Lane, então
centro mundial do comércio de chá, para trabalhar nos três anos seguintes
como supervisor assistente de uma plantação de café no Ceilão. Cinco anos
mais tarde seus empregadores, Harrison e Leake, impressionados com o
trabalho do adolescente de apenas 16 anos, o encarregaram de toda a
plantação de chá no estado de Loolecondera, Ceilão. Taylor foi o
responsável pela construção bastante rudimentar da primeira fábrica de chá
na ilha, inventou enroladeiras de chá mecânicas e, um ano mais tarde,
enviou para leilão em Mincing Lane os primeiros 45 quilos de chá de seu
cultivo. A partir disso, o chá do Ceilão passou a ser embarcado
regularmente para venda nos leilões de Londres. O sucesso foi tão
estrondoso que um mercado dedicado a leilões de chá foi aberto na capital
do Ceilão, Colombo, em 1883, e uma associação comercial de chá foi
fundada em 1894.
No final do século XIX, o chá que alcançava a Europa já não era mais tão
associado à China, mas ao Ceilão (Sri Lanka). A arruinada Sri Lanka
cafeeira transformou-se em um império de chá. Dentre os investidores que
enxergaram esse futuro estava Thomas Lipton, cujo nome continua ligado
ao chá até os dias atuais.
O Sri Lanka tem a peculiaridade de produzir chá, majoritariamente preto,
o ano inteiro devido ao clima. Em Kandy, de onde saíram as primeiras
produções do Sri Lanka, o chá é mais encorpado e tem um ligeiro toque
cítrico refrescante, rascante e adstringente. Nas regiões mais elevadas de
Uva e Newara Eliya, o chá é comparado ao darjeeling de aroma suave e
adocicado como a uva moscatel. Nas regiões mais baixas, o chá é
encorpado, de cor profunda, e as folhas são um pouco maiores e mais
ásperas do que o normal. A classificação do chá do Ceilão é feita nos
moldes chineses, mas as características são tipicamente locais, e o licor
produzido é mais intenso e escuro do que o chinês. Atualmente, a indústria
vem utilizando mudas chinesas, indonésias, japonesas e até brasileiras que
produzem um chá mais leve e claro. O chá-verde do Ceilão é cultivado na
região de Idalgashinna, província de Uva, e tem sabor pungente e maltado
característico das mudas provenientes de Assam. Já o chá branco é
cultivado e colhido a mão, o broto de prata do Ceilão termina o processo de
secagem e desidratação ao sol. Seu sabor é bastante leve com notas de pinho
e mel, e a cor do licor é acobreada.
29 “O Caminho do Chá não é senão isto: primeiro você ferve a água, então você prepara o chá e o bebe.
No entanto, isso só pode ser apreciado após rigoroso treinamento no Caminho.”
Drink your tea slowly and reverently, as if it is the axis
on which the world earth revolves – slowly, evenly, without
rushing toward the future. Live the actual moment.
Only this moment is life.30
Thich Nhat Hahn
Coreia
A louça coreana confeccionada para o panyaro, a cerimônia, obedecia a uma
estética religiosa na qual o celadon verde-jade ou as pátinas em bronze eram
usados para confeccionar a louça dos rituais budistas, enquanto a mais pura e
transparente louça branca era dedicada aos confucionistas. Já a porcelana
rústica coberta por esmalte acinzentado era dedicada aos animistas
(espiritualistas indianos) ou exportada para o Japão, onde eram conhecidas
como gohan chawan, tigelas de arroz. A estética utilizada na confecção
dessas superfícies rústicas era imensamente reverenciada pelos mestres de
chá e, assim, os ceramistas coreanos foram muito prestigiados pelo rigor de
seu trabalho. Muitos foram patrocinados por grandes senhores japoneses a
partir do final do século XVI. Diferentemente dos rituais de outras tradições,
nos quais, para certificar a qualidade da louça, uma nota musical era “tirada”
de cada peça, no ritual coreano buscavam-se na forma a naturalidade e a
emoção impressas na coloração final de cada peça.
Para cada estação, diferentes utensílios eram usados: no verão, o katade, a
tigela rasa, para derramar a água antes de encher o bule, e no outono e
inverno, o irabo, a tigela mais alta e estreita, que tem forma espiralada e
borda alta, para manter o calor. Apenas as xícaras permaneciam sempre as
mesmas, todas com tampa para manter a temperatura do chá.
A primeira oferenda de chá de que se tem notícia na Coreia foi feita ao
espírito do rei Suro, o fundador do reino de Geumgwan Gaya no ano 661 da
nossa era. A cultura do chá se desenvolveu na Coreia, baseada em
oferendas feitas durante as cerimônias dos ancestrais, e fez parte da vida
cotidiana dos coreanos até a dinastia Joseon (1392-1910), quando os
japoneses invadiram o país e substituíram os princípios budistas por uma
forma rígida de confucionismo. Foram principalmente os monges que
preservaram a cerimônia encoberta em seus templos nas remotas montanhas
coreanas.
No princípio do século XIX, o sábio da corte, Chong Yak-yong, exilado
durante uma reviravolta política, foi mandado para Gangjin, uma área
remota no sudeste coreano. Lá, conheceu o monge budista Hyejang, que lhe
apresentou a cerimônia de chá e de quem foi discípulo. Mais tarde, ao se
tornar um mestre ele mesmo, Hyejang ficou conhecido como “Dasan”
(Montanha de Chá), onde vivia e passava seus ensinamentos aos discípulos.
Em 1809, um jovem monge apareceu no templo, onde ficou vários meses
sob sua tutela. Esse monge viria a se tornar o venerável Cho-ui que, nas
décadas seguintes, se aproximou de grandes eruditos confucionistas a quem
ensinou a cerimônia e entre si repartiram poemas celebrando o chá. Cho-ui
compôs o “Dongchasong” (“Song of the tea of the east”), poema de várias
estrofes em que descreve a cerimônia do chá. Cho-ui foi, sem dúvida, o
responsável pelo reaparecimento da cerimônia na Coreia do século XIX,
porém, depois de sua morte quando os japoneses tomaram o país, pouco ou
nada restou de sua cultura, e a vida comum foi substituída pelos hábitos e
costumes japoneses.
Somente depois da independência da Coreia, em 1945, a cerimônia
coreana foi retomada por Hyodang (Choi Beom-Sul), que começou novas
plantações e reiniciou o processo de manufatura do chá da forma
tradicional. Hyodang escreveu o livro The korean way of tea e, seguindo os
passos de Cho-ui, retomou o ritual em sua forma original, executada não
apenas por sua conotação espiritual, mas por ser a fonte da rica tradição
cultural coreana. A cerimônia realizada hoje é a mesma de mil anos atrás,
inspirada na cerimônia chinesa. Apenas os utensílios usados foram
mudando ao longo dos anos.
Os esforços de Hyodang foram plenamente recompensados pelas dezenas
de casas de chá que atualmente estão espalhadas pela capital e interior do
país, além dos diversos centros de pesquisa, criados para estudar a
influência do chá na cultura coreana.
Na Coreia, os principais focos da cerimônia são relaxamento e
naturalidade. Durante seu preparo, as tigelas são aquecidas para receber o
chá-verde, que é derramado a certa altura, criando bolhas na superfície. Diz-
se que, quanto mais bolhas surgem, maior a sorte de quem bebê-lo. A folha
do chá-verde é chamada de chugno, orvalho de bambu. Seu formato é como
o das gotas de orvalho que escorrem sobre o bambuzal no meio do qual é
plantado.
30 “Beba seu chá lenta e reverentemente, como se fosse o eixo / Sobre o qual o mundo gira –
lentamente, de maneira uniforme, sem / correr em direção ao futuro. Viva o momento presente. /
Somente este momento é a vida.”
Of single boredom, right away
They speak–but in a cunning way.
They call him to their samovar –
None but Dunya will pour the tea;
They whisper to her: “Dunya, see!”
And then produce her sweet guitar.
O Christ! She then begins to cheep:
“Come see me in my golden keep!”31
Alexander Pushkin, Eugene Onegin
Rússia
O chá chegou à Rússia em meados de 1600, quando o embaixador chinês
apontado para ocupar o cargo em Moscou presenteou o czar Aleksey
Mikhaylovicha com várias latas. Nessa época, interessava à Rússia abrir uma
linha de negócios com a China e o chá rapidamente passou à categoria de
produto desejado. Existia na época um problema de fronteira entre os dois
países, que foi contornado em 1689 com o armistício de Nerchinsk e, assim,
as caravanas comerciais puderam circular livremente entre os dois impérios.
A rota era perigosa e traiçoeira em um trajeto de mais de 17 mil quilômetros
de estradas rochosas estéreis que levavam dezesseis meses para serem
cruzadas, o que tornava o chá um produto impossivelmente caro.
Em finais de 1700, ainda durante o reinado da czarina Elizabeth Petrovna,
foi estabelecido um carregamento regular de chá que, comprado em maior
quantidade, barateou muito o custo final. O carregamento que sessenta anos
antes tinha sido de 600 camelos anuais se elevou para 6 mil fazendo com
que a importação chegasse ao 1,5 milhão de quilo a preços bem razoáveis.
E, com um custo significativamente mais baixo, o chá debutou de maneira
mais democrática nas mesas russas. As caravanas prosseguiram intocadas
até 1880, quando o primeiro trecho da estrada de ferro transiberiana ficou
pronto. O último carregamento de Pequim para a Rússia foi em 1900 e, com
a estrada de ferro terminada, a jornada passou a ser feita em apenas sete
semanas.
O samovar talvez seja o utensílio mais identificado com o chá na cultura
russa. O recipiente de metal fabricado para aquecer a água do chá surgiu no
final de 1700 e foi uma adaptação do caldeirão tibetano, que servia tanto
para aquecer o ambiente quanto para conservar a água fervida. Na Rússia, o
chá concentrado é mantido em bules e a água quente do samovar é usada
para diluí-lo. O chá é servido em copo de vidro temperado ou de cristal e
encaixado em um podstakanniki, porta-copos com alça, de prata ou estanho.
No ritual russo bebe-se o chá com um cubo de açúcar entre os dentes ou
adoça-se o chá com geleia. Em um chá de maneira tipicamente russa, junta-
se dois ou três tipos de aromas que são fervidos separadamente e depois
misturados. Os bules são desenhados para se encaixar uns nos outros e,
assim, manter o chá quente durante toda a cerimônia.
31 “De um único tédio, imediatamente, / Eles falam, mas de uma maneira astuta. / Chamam-lhe para o
seu samovar – / Ninguém senão Dunya vai servir o chá; / Eles sussurram: ‘Dunya, veja!’ / E, em
seguida, ela toca seu violão doce. / Oh, Cristo! Ela, então, começa a piar: / ‘Venha ver-me em minha
gaiola de ouro!’”
Le premier verre est aussi doux que la vie,
le deuxième est aussi fort que l’amour,
le troisième est aussi amer que la mort.32
Provérbio argelino
Marrocos
Foram os ingleses os prováveis responsáveis pela chegada do chá-verde no
século XVIII ao Magreb, noroeste da África que inclui, entre outros países, o
Marrocos. Beber chá no continente árabe passou a ser um hábito a partir do
século XIX, época em que o comércio entre a Europa e o norte africano era
intenso. Os muçulmanos não aprovam bebidas alcoólicas e talvez por isso o
chá tenha se espalhado com tanta desenvoltura no universo árabe.
Conjectura-se que, per capita, o continente árabe bebe tanto ou mais chá do
que a China e o Japão. O chá é bebido com ou sem comida o dia inteiro e é
oferecido como cortesia a quem visita, com quem se negocia ou vem para um
dedo de prosa. O preparo do atai (cerimônia do chá) varia um pouco de uma
região para outra. Há lugares em que já vem bastante adoçado, há outros onde
snoubar é adicionado e, no inverno, quando a menta escasseia, usa-se a losna,
folha de sabor amargo, ou a artemísia, que é cítrica. O chá usado é o verde
chinês gun powder e a cerimônia é bastante simples.
1 – Para cada bule de ½ litro de água fervida acrescentam-se duas
colheres de chá-verde, que fica em infusão por quinze minutos.
2 – A seguir peneira-se a mistura em outro bule, “lavando” as folhas dos
resíduos e do amargor.
3 – Acrescenta-se açúcar, em média uma colher (chá) por decilitro.
4 – Ferve-se a mistura em fogo baixo, sendo esse um processo importante
porque o açúcar passa por hidrólise, o que dá ao chá um sabor especial.
5 – Nesse estágio, folhas frescas de hortelã podem ser mergulhadas no
bule ou individualmente e devem ser removidas depois de dois minutos em
infusão.
O preparo do chá no Marrocos é tradicionalmente um privilégio
masculino. Nas ocasiões mais formais é preparado diante dos visitantes e
servido como gesto de boas-vindas. Não deve ser recusado, pois a recusa é
tomada como ofensa. Durante a cerimônia, o anfitrião senta-se de frente
para uma bandeja e dois bules, folhas frescas de hortelã ou outras ervas,
folhas secas de chá-verde, açúcar e água fervente. Primeiramente, lava-se
com água fervida os bules, nos quais o chá é colocado e revolvido. A água é
descartada. Despertam-se as folhas com a segunda água, também
descartada, e, na terceira, acrescenta-se o açúcar. A mistura fica em infusão
por aproximadamente quinze minutos antes de ser mexida e, a seguir, é
servida pelo anfitrião em copo de vidro colorido. O chá de ambos os potes é
servido simultaneamente formando espuma na superfície, e na segunda
rodada acrescentam-se as folhas de menta e mais açúcar.
Turquia
O chá-preto é muito presente no cotidiano turco e, depois da água, é a bebida
mais consumida e servida nas reuniões formais de negócios, nas barganhas
no Grand Bazaar e nos passeios de ferry pelo Bósforo.
Nas ruas a chamada çay (chá, em turco) denuncia que o chá, fundamental
na vida social e econômica do país, está a apenas um grito de distância
desde 1500, quando passou pelo país seguindo a rota do chá. Mas foi
somente quatrocentos anos depois, em 1878, que entrou definitivamente na
vida turca, graças a um panfleto que enumerava seus benefícios, o Çay
risalesi, publicado por Mehmet Izzet, então governador de Adana. Na época
o café ainda era a bebida quente favorita dos turcos, mas o consumo mudou
radicalmente quando, com o final do Império Otomano, os turcos perderam
Moka, cidade portuária na costa do Iêmen, e o café subiu a preços incríveis.
Pelo preço de uma xícara de café era possível comprar quatro de chá; assim
casas de chá foram abertas na área de Sultanahme, em Istambul, como uma
alternativa ao café. Um dos principais produtos comercializados no porto de
Moka era o café que, chegando à Europa no século XVII, foi misturado a
cacau, e até hoje o mocha (moka) servido basicamente na Europa é um
blend de café árabe com chocolate. Aparentemente Marco Polo foi quem
descobriu o café árabe, por acaso, em uma de suas muitas viagens em que,
por falta de espaço, não foram embarcadas provisões suficientes no navio.
Ele e seus homens se viram obrigados a desembarcar em Sur (Tira, Líbano)
para comprar alimentos, e no mercado Marco Polo comprou, de um
vendedor iemenita, grãos de café trazidos de Moka que levou para a Europa.
Na Turquia, o chá é preparado em uma chaleira de dois andares. A água é
fervida na chaleira inferior maior, enquanto a infusão bastante concentrada
é preparada na parte superior. A água quente serve justamente para que cada
um possa escolher o quão concentrado deseja beber seu chá, que é servido
em copos de vidro em formato de pequenas tulipas, como manda a tradição;
açúcar é adicionado, mas leite, não.
As primeiras tentativas de plantio em solo turco foram feitas entre 1888 e
1892, em Bursa, mas o local escolhido foi inóspito. Assim, em um projeto
de lei tramitado entre parlamentares, ficou estipulado que o chá seria
plantado no lado leste do Mar Negro, de clima moderado, com altos índices
pluviais e solo fértil.
32 “O primeiro copo é tão doce como a vida, / o segundo é tão forte quanto o amor, / o terceiro é tão
amargo como a morte.”
França
O chá chegou à França importado da Holanda, no ano de 1636, e
imediatamente se tornou popular no meio aristocrático. A chinoiserie,
influência dos estilos chineses na arte, começava a se insinuar na forma de
porcelanas, lacas e decoração, casando-se perfeitamente com o estilo rococó
francês.
Luís XV, que sofria de gota, adotou o chá como medicamento. Depois
dele, o cardeal Jules Mazarin, que serviu como diplomata e ministro francês
interino de 1642 a 1661, adquiriu o hábito de beber chá, também atacado
pela mesma doença recorrente na Europa devido a uma dieta rica em
gorduras e pouco consumo de frutas e vegetais. Nesse período, o chá gozou
de grande popularidade em Paris. Mme. Sévigné foi uma cronista, talvez
involuntária, das fofocas da corte do Rei Sol. Durante 25 anos relatou
minuciosamente suas impressões nas 1.700 cartas trocadas com a filha, nas
quais o chá era assunto constante.
“Vi que a princesa de Tarante bebe doze xícaras de chá por dia, o
que de acordo com ela alivia-a de todos os seus males.” Ela me
assegurou que o Sr. Landgrave toma quarenta xícaras todas as
manhãs. “Mas, senhora, talvez sejam apenas umas trinta e pouco.”
“Não, não, quarenta… Ele estava morrendo e voltou à vida diante de
nossos olhos.”
Entre os relatos de Mme. de Sévigné consta que foi uma mulher francesa,
a marquesa de Sabliére, quem passou a usar leite para preservar suas xícaras
das manchas deixadas pelo chá. Um toque logo adotado pelos ingleses que,
na época de Luís XVI, encantados, seguiam à risca os modismos franceses.
O comércio de chá na França explodiu em meados do século XVII,
encorajado pelo rei Luís XIV e pela Companhia Francesa das Índias
Orientais, na época em que aconteciam as expedições em busca de
especiarias no Oriente. Por volta de 1600, Nicolas e Pierre Mariage
começaram a empreender viagens comerciais. Pierre foi para Madagascar e
Nicolas, para a Pérsia e Índia, e se especializaram no comércio de chás. Ao
longo dos anos seus descendentes deram continuidade aos negócios
iniciados pelos dois irmãos e, em 1843, foi aberta a primeira loja atacadista
dos irmãos Mariage. Por 130 anos a empresa foi administrada por quatro
gerações de negociantes de chá da família, fornecendo para o mercado
atacadista em Paris. A base de seu negócio era a importação de folhas
orientais da melhor qualidade que depois eram encaminhadas aos hotéis e
lojas diferenciados da França. O primeiro armazém e salão de chá está na
rue du Bourg-Tibourg, no mesmo edifício em que Henri Mariage manteve
seu escritório por 150 anos e que fica próximo do Museu Picasso e da
residência onde Victor Hugo escreveu Os Miseráveis. O lugar mantém um
ar novecentista com sua decoração colonial que veio do antigo armazém da
rue du Cloitre-Saint-Merri.
A famosa Ladurée, que começou como padaria em 1862, se tornou um
salão de chá, café e confeitaria, e foi a primeira do gênero em Paris. Sem a
presença da família Mariage, a trajetória do chá teria sido bem diferente na
França. Seu salão de chá da rue Royale foi reformado em meados do século
XX por Pierre Desfontaines, primo em segundo grau de Loius Ernest
Ladurée, e a confeitaria continua um negócio familiar até os dias atuais.
Brasil
O atual Jardim Botânico do Rio de Janeiro só foi aberto à visitação pública a
partir de 1822. A área à beira da lagoa Rodrigo de Freitas foi privatizada por
decreto real em 13 de junho de 1808, e abrigou a Real Fábrica de Pólvora e o
Jardim de Aclimação, rebatizado em 11 de outubro de 1808 de Horto Real e
que, com a fundação do Império do Brasil em 1822, passou a se chamar
Imperial Jardim Botânico. Criado por D. João para o cultivo e a climatização
de plantas exóticas e especiarias das Índias, o Jardim Botânico recebeu em
1812, a título de experimento, mudas de Camellia sinensis de Macau, que
foram enviadas pelo senador da colônia Raphael Bottado de Almeida. Dois
anos depois o rei mandou vir trezentos agricultores chineses34 para dar início
ao plantio de chá, que prometia enriquecer o Brasil como foi o caso de
Portugal, Holanda e Inglaterra. Os chineses que chegaram ao Rio de Janeiro
eram agricultores da província de Hubei, famosa pelo chá-verde. Mais tarde,
em 10 de setembro de 1814, desembarcaram no porto do Rio outros quatro
chineses que, pela deferência com que foram tratados, seriam talvez mestres
no processamento de chá.
Embora a qualidade do chá cultivado em solo brasileiro tenha sido
qualificada como boa iniciativa por especialistas, alguns acontecimentos
afastaram o Brasil do mercado internacional. Inicialmente, pelo preço maior
do que o do chá asiático, seguido pelos maus-tratos dedicados aos chineses
que, acusados de não cooperarem nem manterem em segredo as técnicas de
plantio e processamento do chá, entoaram uma resistência inesperada
seguida de fuga. Há versões de que não seriam mão de obra qualificada, e
que, para fugir do estado de pobreza em que se encontravam na China,
ludibriaram seus empregadores. Os primeiros a fugir foram perseguidos
pelo filho de D. João VI com cavalos e cães. Depois, muitos outros fugiram
para ir morar em locais mais afastados, se estabelecendo como ambulantes
ou ajudantes de cozinha. Em 1825, vários estavam registrados com nomes
de brasileiros, eram donos de licenças e tinham se tornado mascates ou
vendiam peixes e pastéis no mercado.
No mercado inglês, o chá brasileiro foi aparentemente barrado pelo preço
e pelo sabor. De acordo com experts, as plantas necessitavam de mais
tempo para se adaptar ao solo brasileiro, e o gosto do chá era ainda muito
amargo. Talvez uma possível concorrência indesejável tenha contribuído
para essas avaliações.
No livro Diário de uma viagem ao Brasil, escrito por Maria Graham,
Lady Maria Dundas Graham Callcott, e publicado em Londres em 1924, é
feita a seguinte observação:
Fui às plantações de chá, que ocupam muitos acres de um morro
cheio de pedras, tal como suponho que seja o habitat favorito da
planta na China. A introdução da cultura do chá no Brasil era um
projeto favorito do rei Dom João VI, que trouxe as plantas e os
tratadores da China com grande despesa. O chá produzido aqui e no
Jardim Botânico é tido como de qualidade superior. Mas a
quantidade é tão pequena que até agora não há a mais leve
promessa de pagar a despesa com a cultura. Contudo estão as
plantas tão viçosas, que não tenho dúvida de que em breve se
espalharão e provavelmente ficarão como nativas. Sua Majestade
construiu portões chineses e cabanas para corresponder ao destino
destes jardins; colocados onde estão, entre os belos arbustos da
erva, cujas folhas escuras e brilhantes e flores semelhantes à murta
as fazem adequadas para um canteiro, não produzem efeito
desagradável. Os caminhos são bordados de cada lado de
laranjeiras e rosais, e as sebes são de uma linda espécie de mimosa.
De modo que a China de Santa Cruz é realmente um delicioso
passeio. O imperador, porém, que compreendeu ser mais vantajoso
vender café e comprar chá, do que obtê-lo com tais despesas, não
continuou a plantação.
No Rio de Janeiro, existiam 42 lojas e armazéns dedicados à venda de
chá, além das confeitarias que serviam o chá da tarde, as concorridas Lalet e
a Cavé. “Quem vem de lá lê; quem vem de cá vê” era um versinho da época
indicando a proximidade das duas casas de chá no elegante centro do Rio de
Janeiro. Mais tarde, a igualmente elegante Confeitaria Colombo foi aberta
também no centro da cidade, onde a vida carioca acontecia.
Em São Paulo, a produção do chá foi introduzida pelo Marechal José
Arouche de Toledo Rondon em 1825. Ele plantou sementes de Camellia
sinensis, trazidas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em sua chácara e,
com a ajuda de escravos, cultivou e se dedicou a 44 mil pés. As áreas de
cultura de chá se proliferaram pela São Paulo do século XIX desde o centro
velho, passando pelo Ibirapuera, Bexiga e Morumbi, e seguiram até
Santana, onde a família Rudges tinha propriedades. Dali provavelmente
sementes foram levadas por aves para a Serra da Cantareira, onde plantas de
chá cresciam naturalmente. Quem anda pelo Morumbi não imagina que o
bairro nobre no século XIX era uma grande fazenda. A Morumbi do tupi-
guarani murundu-obi, ou “morro ou colina verde”, era uma propriedade de
mais de 1.700 hectares e foi presenteada por D. João VI ao produtor
britânico de chá John Rudge Maxwel em 1813. Não há registros da data em
que a fazenda foi vendida e atualmente a Academia Brasileira de Arte,
Cultura e História (ABACH) ocupa a Casa Grande da então fazenda.
No Vale do Anhangabaú, onde ficava a chácara do barão de Itapetininga,
foi construído o Viaduto do Chá. A obra que começou em 1888 e foi
interrompida por alguns meses pela resistência do barão e do marechal
Rondon, cujas terras seriam desapropriadas. Mas depois seguiu seu curso e
o morro do Chá deu lugar ao viaduto. Na época da construção, o nome
escolhido foi Viaduto do Café, homenagem merecida à bebida mais popular
de São Paulo. Mas, talvez, o barão e o marechal tenham exigido, além da
indenização, a troca do nome a título de reparação pela tomada de seus
terrenos.
Escócia
Surgiu no século XVIII o famoso bordão tea for two que, diferentemente do
que possamos imaginar, não tinha a intenção de ser um chá a dois e nem virar
tema musical para filme, era simplesmente um chamado para vender chá por
dois pence (dois centavos de uma libra esterlina). Nas ruas de Glasgow
ambulantes apregoavam uma xícara de chá por tuppence (dois centavos) e
com o passar do tempo numa economia de palavras, gritavam apenas tea for
two.
Os salões de chá em Glasgow surgiram por volta de 1875, quando o
comerciante Stuart Cranston teve a ideia de oferecer provas de chá em um
salão improvisado na sua sede comercial, anunciando a xícara de chá chinês
com leite e açúcar por apenas dois pences, pães e bolos à parte, e, assim,
criou o primeiro salão de chá aberto ao público.
Kate Cranston, sua irmã, logo percebeu o potencial comercial da ideia e
abriu a primeira de suas cinco lojas. Seus salões em estilo art nouveau eram
frequentados pela elite escocesa que, apesar de rígida, permitiu às senhoras
desacompanhadas visitarem a novidade. Filha de pai hoteleiro, Kate não
teve dificuldade em implantar um diferencial em seu serviço, colocando
grande ênfase na qualidade do desenho, décor, limpeza e higiene e, claro, na
qualidade e aparência dos produtos servidos, o que rapidamente angariou a
simpatia de uma clientela rica e aristocrática. Sua primeira loja foi aberta
em Argyle Street, em 1878, em sociedade com seu irmão, já um
comerciante de chá e experiente banqueteiro. Em 1892, Kate casou-se com
John Cochrane, homem de negócios que financiou a ampliação dos seus
projetos. Charles Rennie e Margaret Mackintosh foram os designers
responsáveis por sua luxuosa casa de chá, a Willow de Sauchiehall Street,
um sucesso até hoje. Kate Cranston, no entanto, parou suas atividades com
a morte do marido, em 1917, aos 60 anos.
Estados Unidos
A história do chá na América começa por volta de 1650. Peter Stuyvesant,
diretor-geral da colônia e oficial da Companhia das Índias Holandesas, foi o
responsável pela primeira leva trazida aos Estados Unidos, e a bebida foi
bastante bem aceita. Na época bebia-se mais chá nas colônias norte-
americanas do que na própria Inglaterra.
Em junho de 1776, a Inglaterra aumentou as taxas relativas aos
suprimentos de chá, irritando profundamente os colonos que decidiram
adotar um boicote fazendo retornar os navios que atracavam no porto,
lotados do produto. A revolta culminou com o incidente conhecido como
The Boston Tea Party, em que colonos embarcaram em um dos navios
ancorados no porto de Boston e jogaram ao mar centenas de containers de
chá, ao que a Inglaterra respondeu com o envio de Forças Armadas. E assim
foi dado o primeiro tiro na direção da Guerra da Independência dos Estados
Unidos.
A tradição do chá na América, porém, é um pouco diferente da dos
colonizadores holandeses e ingleses. Livros de culinária americanos do
século XVIII apresentam receitas nas quais o chá-verde gelado já era
servido misturado a licores fortificados, na popular bebida chamada de
ponche, e a primeira receita de sweet tea (ice tea) foi registrada em 1879, no
livro comunitário Housekeeping in Old Virginia, escrito por Marion Cabell
Tyree. A partir de 1900, o chá gelado passou a ser lugar comum nos livros
de receitas americanos, e o chá-preto substituiu o verde, apoiado na
importação a preços convidativos, da Índia, Ceilão, América do Sul e
África.
Em 1904, durante a feira mundial em Saint Louis, o chá gelado
definitivamente se popularizou. A invenção foi atribuída a Richard
Blechynden, comissário e diretor do pavilhão da Companhia das Índias
Orientais que, durante a feira, ofereceu aos passantes provas de chá quente
que foram recusadas por causa do calor insuportável. Isso fez com que ele e
seu time tivessem a ideia de encher vários garrafões virados com a boca
para baixo dentro de canos de chumbo gelados e, assim, o chá foi
distribuído e aprovado. Blechynden montou um aparato semelhante em
Nova York, na loja de departamentos Bloomingdale Brothers, e com o
sucesso de vendas o chá gelado se tornou um favorito nos verões
americanos.
34 Essa informação varia muito na literatura disponível, que enumera desde trinta até trezentos
trabalhadores, porém, o número 300 é o que aparece com maior frequência. (N. da A.)
35 “Imagine-me aos seus pés, / Com chá para dois e dois para o chá, / Apenas eu para você e você para
mim, sozinhos!”
36 “Estranho como um bule pode representar ao mesmo tempo o conforto da solidão e o prazer da
companhia.”
Histórias de pirataria e contrabando na rota do chá
Sir Francis Drake foi um entre os muitos aristocratas ingleses
comissionados pela coroa real para abordar embarcações no Caribe e pilhar
tesouros durante o século XVII.
Os privateers, como eram conhecidos, significavam um investimento de
sucesso para o governo, que os contratava investindo quase nada. As
embarcações eram armadas com canhões privados e o grande número de
tripulantes que contratavam para a viagem repartia parte do butim como
soldo, sem fazer uso de nenhum dinheiro público e sem ter qualquer
contrato oficial. Na verdade, os privateers eram piratas oficiosos que
saqueavam principalmente os navios espanhóis que retornavam do novo
mundo com especiarias, e foram os responsáveis pela primeira guerra
anglo-hispânica.
Vários foram os acordos e tratados assinados na tentativa de conter suas
ações entre os anos de 1785 e 1823. Mas eles só vigoraram realmente
quando a declaração de Paris foi assinada pelas grandes potências europeias
e foi criada uma companhia de navegação, que tornou ilegal o saque
marítimo mas legalizou a colonização de terras com cultivo de especiarias,
sedas e chá.
No século XVIII, o chá, apesar de já consumido na Inglaterra, ainda era
inacessível aos simples mortais. O monopólio de importação e
comercialização era privilégio da Companhia das Índias Orientais, que
ditava os preços altíssimos. Como a procura do produto era muito grande,
um mercado paralelo se formou e uma rede de contrabando foi sendo tecida,
e, como era leve e de fácil transporte, o chá passou a ser o produto favorito
de contrabandistas.
No início do século XVIII, a Inglaterra, para financiar uma guerra contra
a Espanha, taxou o chá a níveis impensáveis e, com isso, toneladas entraram
em território britânico longe dos olhos da polícia alfandegária. Até mesmo a
Companhia das Índias Orientais abrigou contrabando “inadvertidamente”, já
que facultava a seus oficiais espaço nos navios para carregar material para
negócios particulares. Com a oportunidade de compra ao mesmo preço que
a Companhia, os tripulantes repassavam o chá antes de atracar no porto para
as mãos de contrabandistas em alto-mar. No começo, o contrabando foi
feito de forma discreta, embarcado nas Ilhas do Canal e nas Ilhas Man em
pequenos barcos a remo e em pequenas quantidades, não atingindo mais de
sessenta latas por viagem. Em terra firme, o chá era negociado com donos
de lojas a preços menores e, consequentemente, a demanda cresceu e o
negócio ficou mais sofisticado e brutal, gerando verdadeiras máfias. À
medida que o esquema crescia, sua base de apoio aumentava. Em
determinado momento, havia frotas inteiras que, armadas de canhões,
transportavam centenas de baús de chá e eram ligadas a redes que passaram
a fazer a distribuição de forma organizada até o destino final, usando o
modelo da rede de distribuição legal. Por incrível que pareça esses barcos
conseguiam seguros na Lloyd’s of London.
A rede formada era violenta e usava intimidação. A gangue Hawkhurst,
que operava ao sul da costa inglesa, foi interceptada em 22 de setembro de
1774 por oficiais alfandegários e, nos porões de seus navios, havia duas
toneladas de chá que foram confiscadas. Sessenta membros da gangue
revidaram o confisco atacando furiosamente a sede alfandegária de Dorset,
recuperando o chá e saindo tranquilamente com ele em procissão pela
cidade, sem usar qualquer disfarce. Um dos contrabandistas, ao avistar um
conhecido no caminho, cumprimentou-o e deu-lhe de presente uma saca de
chá à vista de todos.
Durante anos essa gangue operou livremente na área, intimidando
moradores e queimando propriedades dos juízes locais que tentaram
interromper suas atividades. Seus constantes ataques fizeram com que o
governo finalmente tomasse uma atitude e Daniel Chater, o amigo que foi
presenteado pelo contrabandista Johnn Diamond com uma saca de chá, foi
chamado para prestar depoimento e testemunhar contra o pirata. Em 14 de
fevereiro, Daniel Chater foi escoltado até Chichister onde iria ser ouvido e,
como a viagem era longa, o homem que o escoltava parou em um bar no
caminho. O bar pertencia à mãe de dois contrabandistas, que deu o alerta.
Simpáticos camaradas apareceram oferecendo conversa, comida e bebida de
graça, embebedando Chater e o acompanhante. A ideia era levá-los até a
França, abandonando-os por lá; porém, as esposas dos dois contrabandistas
foram contra, alegando que essa seria uma punição muito branda e perigosa.
Assim, os dois foram atados a cavalos e chicoteados em um percurso de
aproximadamente vinte quilômetros. Escorregando a cada quanto do lombo
dos cavalos e tomando coices, o que escoltava pareceu morto e foi
enterrado, e Daniel foi abandonado acorrentado. Dois dias depois quatorze
contrabandistas se juntaram para matar Chater e, como concordaram que
um tiro seria um desfecho rápido demais, o levaram a um poço. Quando ele
se ajoelhou para rezar, a gangue retalhou seu rosto e seu nariz foi cortado.
Querendo abreviar o próprio sofrimento, Daniel tentou pular no poço, mas
foi impedido pela corda do balde que o enforcou. Quinze minutos depois ele
ainda respirava e, então, cortaram a corda para que caísse no poço, mas
ainda assim ele não morreu e atiraram pedras e troncos no poço até que seus
gemidos cessaram. Aquele que escoltava, que não havia morrido,
testemunhou contra a gangue. Uma recompensa foi oferecida pela captura
do bando, um deles foi pego e, em troca de perdão, relatou o périplo de
Daniel e seu acompanhante e denunciou os demais envolvidos. Oito
contrabandistas foram julgados e condenados à morte.
Nas áreas livremente operadas pelos contrabandistas, como a Escócia e o
sul da costa inglesa, nos anos 1780 todo o chá era contrabandeado, e é
impossível calcular a quantidade de seu consumo com números oficiais, já
que a atividade era ilegal. Estima-se que o contrabando nessa época tenha
sido responsável por quase 4 milhões de quilos de chá consumidos, bem
mais do que o que entrou legalmente no país.
A prática do contrabando foi tão banalizada na época que por um bom
tempo circulou um panfleto anônimo lamentando o fato de que milhares de
homens de respeito deixavam todos os dias seus postos de trabalho para
juntar-se a hordas de malfeitores:
Aos milhares... Quem continuaria empregado na pesca, agricultura
etc., já que a gratificação régia oferecida por esse tráfico iníquo é
mantida pelo alcoolismo, brigas e devassidão, tráfico produtor óbvio
de um trem de demônios contra o qual prudência, honestidade
básica, decência, ordem e governo civil pedem unidos por reparação.
Com certeza, as atitudes que foram tomadas em relação ao contrabando
não diziam respeito nem às queixas populares nem à preocupação com a
decência. Os olhos estavam abertos apenas para um lucro que escorria por
entre os dedos da Coroa britânica e, por consequência, dos negócios da
Companhia das Índias Orientais, única legalmente autorizada para
comercializar o chá. A alternativa encontrada foi diminuir as taxas e
baratear substancialmente o preço final, obrigando o mercado americano a
absorver toda a produção excedente, o que terminou detonando o The
Boston Tea Party.
Estava clara a urgente necessidade de baratear o chá e, assim, a
Companhia das Índias Orientais usou aliados poderosos no Parlamento para
que as taxas fossem reduzidas. Em 1783 subiu ao poder como primeiro-
ministro William Pitt, de apenas 24 anos. Ele cortou dramaticamente o
imposto de 119% para 12,5% e, para compensar a perda, as taxas sobre
janelas de vidro foram aumentadas a fim de equilibrar o orçamento. O
imposto era baseado no número de janelas vitrificadas de uma residência e,
para evitar sua cobrança, algumas casas eram construídas mantendo
estruturas de janelas que permaneciam fechadas com tijolos para serem
abertas e vitrificadas mais tarde. Ainda é possível encontrar em casas
inglesas do século XVIII e XIX janelas côncavas ou convexas usadas para a
entrada de luz apenas, e de onde não se pode divisar quaisquer imagens
externas que não totalmente distorcidas. Como custavam bem menos do que
as vidraças lisas, foram adotadas pela maioria. Quando as taxas foram
aprovadas, seu texto foi dividido em duas partes da seguinte forma: uma
taxa inicial de dois shilings (antiga subdivisão da moeda britânica), o
equivalente a atuais onze libras e alguns centavos, além de uma taxa
variável para cada janela a mais que as dez incluídas no imposto inicial,
assim as casas construídas com um número de dez a vinte janelas tinham
um imposto a pagar de quatro shilings, e assim progressivamente.
Com taxas tão baixas, o contrabando de chá sumiu da noite para o dia
enquanto o consumo subiu vertiginosamente, aumentando inesperadamente
a coleta de impostos. Impostos rebaixados, contrabando erradicado, porém,
a adulteração do chá continuou na ordem do dia: além da folha original de
segunda mão, misturavam-se outras plantas e muitas vezes cinzas de origem
desconhecida. Até que, em 1725, um ato parlamentar baniu qualquer
mistura às folhas originais importadas, e a essa lei se seguiu uma emenda,
em 1777, banindo totalmente a manufatura de “chá inglês” no intuito de
preservar as árvores que serviam de componente para essa adulteração. As
medidas não surtiram efeito imediato e a população ficou ainda por alguns
anos refém dos ingredientes estranhos e ilegais adicionados ao chá.
Produtos altamente tóxicos como carbonato de cobre e o cromato de
chumbo eram usados para dar cor ao chá-verde já desbotado pelo uso, e
faziam passar despercebido o esterco de cabra acrescido à mistura e
considerado ingrediente inofensivo. Com isso o chá-verde caiu em desgraça
e abriu as portas para o chá-preto na Inglaterra do século XVIII.
Peças do chá
Porcelana
O nome vem do italiano porcellana, casca de um caramujo tão fina e
transparente como a louça. A composição da porcelana é muito variada, mas
a matéria-prima é caulim, a qual outros materiais orgânicos podem ser
acrescentados. Com a abertura comercial entre a Europa e o Oriente no
século XVII, uma grande quantidade de artigos desconhecidos e de luxo foi
trazida para o Ocidente, entre sedas, temperos e chá, mercadorias jamais
experimentadas pelos europeus e, claro, cobiçadas. Em meio a esses bens de
consumo, ainda pouco observada, estava a porcelana, que simplesmente
guardava a preciosa e delicada carga das águas salgadas que sempre
encontravam maneiras de se misturar aos produtos. As embalagens de
porcelana eram impenetráveis e podiam ficar submersas uma viagem inteira
de vários meses sem perturbar o conteúdo, que sairia delas intacto e
completamente seco, e, se no começo foi desprezada, o futuro teria para a
porcelana um destino bastante diferente.
Porcelana chinesa
Kauling ou Gaoling era a região das minas de argila branca usada desde a
dinastia Shang para confeccionar objetos em protoporcelana, o celadon com
aparência de cobre e variação de matizes verde-azulados. Durante a dinastia
Han do leste, a cerâmica esmaltada deu lugar à porcelana que, durante a
dinastia Tang, foi produzida com esmaltado tricolor sancai, exportada,
elogiada e disputada nos países islâmicos. No período entre as dinastias Sui e
Tang, a porcelana foi produzida em larga escala e, com o tempo, tanto a
porcelana quanto seu know-how atravessaram fronteiras, indo parar em outros
recantos do leste da Ásia. Durante a dinastia Song, a produção alcançou seu
melhor momento artístico e produtivo, o que fez com que a fabricação fosse
rigidamente organizada de forma que as olarias pudessem produzir uma
média diária de 25 mil peças. Na dinastia Ming uma porcelana mais artística
começou a ser exportada para a Europa, a porcelana azul e branca de desenho
simples e elegante que é típica dessa época. A porcelana Ming desfilou
imbatível pela rota da seda e alcançou o resto da Ásia e o continente africano.
Com a fronteira aberta para o comércio entre a China e Portugal, a partir de
1517 as exportações foram expressivas e continuaram com os holandeses, em
1598.
Houve algumas tentativas frustradas de reprodução de louça na Europa,
mostras de caulim foram levadas pelos portugueses, mas o máximo
conseguido foi a porcelana Médici, que em nada se pareceu com a chinesa.
Porcelana coreana
Durante a dinastia Goryeo (918-1392) o verde, celadon, era a tônica da
cerâmica coreana. Na dinastia seguinte, a Joseon (1392-1910), o branco
dominou o cenário cerâmico. Em coreano diz-se baekja para a louça branca,
que foi a escolhida tanto pela casa real coreana quanto pela chinesa Ming. A
louça foi a favorita das elites, produzida para as ocasiões especiais, rituais
religiosos e mesmo no formato de urnas funerárias, de formas simples e
brancas não esmaltadas, refletiam a estética minimalista e purista do
neoconfucionismo, ideologia do período Joseon. A partir do século XVII a
louça branca recebeu pintura em cobalto-azul, marrom-metálico e vermelho-
acobreado. Os fornos coreanos que foram construídos por volta de 1460
contaram com o patrocínio da casa real, os bunwon, como eram chamados,
eram uma atração especial: escaláveis, tinham várias prateleiras onde a
porcelana era queimada para a produção da louça branca do palácio, e assim
permaneceram até que em 1880 foram privatizados. A produção nesses
fornos, no entanto, não era totalmente voltada para a realeza. Alguma louça
servia aos diferentes departamentos do governo, outras, à aristocracia, outras
ainda, aos patrocinadores ricos, até que, por volta do século XVI, a louça
branca já não era mais um privilégio reservado à realeza e à aristocracia, e
tinha ganhado não apenas as ruas da capital, mas atravessado fronteiras e
alcançado outras cidades que, se não reproduziam louça com a mesma
qualidade, satisfaziam pelo menos a enorme demanda. A indústria de
porcelana coreana era famosa e muito reconhecida em todo o Oriente, mas
durante a invasão japonesa muitos ceramistas fugiram, deixando um vácuo
que não foi preenchido por muitos anos.
Porcelana japonesa
Os monges zen-budistas estão intimamente ligados a duas importantes
manifestações da cultura japonesa: a requintada simplicidade da cerâmica e a
formalidade delicada do chanoyu, para o qual grande parte da cerâmica é
destinada.
Em 1223 um monge zen levou um ceramista japonês para a China para
que aprendesse a produzir cerâmica tão perfeita quanto a chinesa. Ele mais
tarde retornou ao Japão e se estabeleceu em Seto, que rapidamente se tornou
um centro de produção de cerâmica com cerca de duzentos fornos
funcionando a todo vapor. A cerâmica produzida em Seto era a temoku,
faiança com esmaltação preta ou marrom-ferrugem ao estilo das faianças
chinesas contemporâneas essenciais na cerimônia do chá, evocando
simplicidade rústica. No começo do século XVII surgiram as primeiras
fornadas de pasta fina de porcelana, e trinta anos depois a produção de
porcelana azul e branca floresceu.
Entre 1643 e 1647 Sakaida Kaiemon desenvolveu a técnica de pintura
policromada para porcelana, e a partir daí surgiram as ko-imari com
estamparia suntuosa. A esmaltação mais sofisticada foi criada em Kioto por
Nonomura Ninsei e Ogata Kenzan para uma elite interessada em uma
cerimônia de chá mais elaborada. Esse trabalho atravessou as fronteiras de
seus ateliês, conquistando discípulos em todo o Japão. A razão para o
sucesso da imari foi a estagnação da produção chinesa por mais de quarenta
anos a partir da guerra civil de 1644, que obrigou a Companhia das Índias
holandesa a importar porcelana japonesa para suprir um mercado em
crescente demanda.
Porcelana alemã
Em 1708, Ehrenfried Walther von Tschirnhaus conseguiu reproduzir a
porcelana em uma mistura de diversos ingredientes que incluíam caulim e
alabastro, um segredo que foi guardado a sete chaves pela Meissen, fábrica
criada por Augustus II, o Forte, em Dresden. Tschirnhaus estava envolvido
em um projeto de aperfeiçoamento da manufatura da porcelana quando, em
1705, Böttger foi alistado para ser seu assistente. Böttger era o farmacêutico e
alquimista a quem era atribuída a transformação de poeira em pó de ouro, o
que fez com que Augustus o aprisionasse e lhe oferecesse a liberdade em
troca da fórmula da transformação. Como as pesquisas para tanto
demonstraram ser inúteis, Böttger foi feito assistente de Tschirnhaus e o
resultado de sua primeira parceria foi uma argila vermelha como a yixing
chinesa. A dura e transparente porcelana branca só aconteceu em 1708 sob a
supervisão de Tschirnhaus, que morreu em outubro desse mesmo ano. Os
louros foram colhidos por Böttger e a produção foi oficialmente iniciada em
1710.
Porcelana francesa
Sévres
Em 1712, os muitos segredos da manufatura da porcelana chinesa foram
revelados pelo padre jesuíta Francois Xavier d’Entrecolles e publicados no
Lettres édifiantes et curieuses de Chine par des missionnaires jésuites. O
padre obteve informações através de chineses convertidos ao catolicismo e de
sua observação pessoal e leitura sobre o assunto.
Na França, a porcelana debutou em Rouen, mas a fornada mais
importante saiu da fábrica de Saint-Cloud. Fábricas de porcelana foram
abertas em Chantilly, em 1730, e em Mennecy, em 1750. A Vincennes,
fundada em 1740, mudou-se mais tarde para Sévres, e nascia em 1756 uma
porcelana mais clara e livre de imperfeições, a porcelana Vincene/Sévres,
que foi a maior produtora de louças na segunda metade do século XVIII.
Desde a Renascença a Europa buscava maneiras de reproduzir a louça
chinesa sem muito sucesso, mas, a partir do século XVII, a cerâmica
chinesa começou a ser copiada e nada mais natural que se voltasse para a
produção de aparelhos de chá decorados com motivos orientais. A Sévres
resistiu à tentação dos desenhos mais populares e fez figurar em suas louças
a história da sociedade francesa, que passava por grandes mudanças no
período entre 1800 e 1900. Luís XV começou como investidor e em 1759 se
tornou dono da fábrica. Porém, com a chegada da Revolução Francesa, a
fábrica ficou à deriva, sem dono nem clientes. Apenas em 1800 os negócios
se equilibraram e Alexandre Brongniart, engenheiro e administrador da
Sévres, deu uma guinada positiva tirando a fábrica da ruína. Nos cinquenta
anos seguintes em que esteve à frente dos negócios vendeu a produção
parada e redesenhou uma nova era de louças em estilo neoclássico,
trabalhando com porcelana mais fina e durável e com esmaltes de
acabamento mais sofisticado. Foram muitos os objetos produzidos durante a
administração Brongniart no século XIX, dentre eles 89 modelos diferentes
de xícaras. O desenho de um típico aparelho de chá dos anos 1855/1861
evocava o Oriente próximo e a China, em uma alusão óbvia às origens do
chá. A decoração também tinha relação direta com o trabalho da cerâmica
chinesa, ao usar motivos e emblemas chineses na estamparia, porém,
indicava clara referência europeia no uso dos tons rosa e dourado.
Limoges
No ano de 1765, em Saint Yrieixin La Perche, na região de Limoges, Mme.
Darnet, esposa de um químico local, andava em busca de uma substância que
retirasse as manchas de gordura de suas roupas e resolveu usar o barro branco
da região. E foi assim que o caulim tão perseguido para o fabrico de
porcelana foi descoberto de forma prosaica. Seu esposo coletou uma amostra
da pasta para submetê-la ao crivo do farmaceuta local, Hilaire Villaris, que
não apenas a identificou como caulim como ficou impressionado com sua
pureza e brilho. A área de Limoges também era rica em feldspato,37 matéria
orgânica essencial para a fabricação de porcelana e, assim, uma descoberta
completa elevou a França a uma posição invejada no ranking da porcelana.
Sévres, que produzia porcelana própria, foi também beneficiada pela
descoberta, já que o empreendimento em porcelana na França pertencia ao rei
Luís XV.
Em 1771, fornos a lenha produziam fina porcelana pintada por artistas
franceses, pratos, tigelas, travessas e jarras, poncheiras, bandejas e
aparelhos de chá, além de objetos de decoração colecionáveis. Os de melhor
qualidade foram produzidos entre 1700 e 1930, e eram ricamente decorados
à mão. A aristocracia europeia mandava gravar suas iniciais ou brasões nas
peças encomendadas, um luxo possível de encomendar até hoje.
O custo de um trabalhador na região de Limoges era bem menor que em
Paris e, assim, muitas fábricas transferiram seus negócios para a região e
gravadores, pintores e escultores fizeram da porcelana de Limoges objetos
verdadeiramente artísticos e cobiçados. Em 1808, havia na região cinco
fábricas e sete fornos e, em 1900, eram 35 fábricas e 120 fornos
empregando mais de 8 mil funcionários. Limoges se tornou a capital da
porcelana francesa, com 80% de sua produção dedicada à exportação.
Trabalhos artísticos de diferentes épocas podem ser vistos no Musée de
La Porcelaine de Limoges, o mais importante museu de porcelana do
mundo.
Porcelana holandesa
Weesp
Em 1757, a primeira fábrica de porcelana foi inaugurada em Weesp, próxima
de Amsterdã, sob a direção do conde Gronsveld-Diepenbroick-Impel.
Produzia aparelhos de chá em porcelana de alta qualidade, além de apoios
para aparelhos de jantar, principalmente molheiras e sopeiras pequenas e
grandes ao estilo Luís XV, esmaltado (rococó). Artesãos franceses e alemães
foram contratados para trabalhar na fábrica, e dentre eles estava o pintor
francês Louis Victor Gerverot. Mas, apesar dos esforços e do dinheiro
investido, ficou claro que a produção não tinha como competir com a
concorrência, e a fábrica fechou suas portas em 1770.
Oude Loosdrecht
O vigário Johannes de Mol, da pequena cidade de Oude-Loosdrecht, levou
adiante sua pesquisa em porcelana, em parte por interesse pessoal, em parte
por questões sociais que atingiam sua paróquia. O desemprego e a pobreza
eram grandes e uma fábrica lucrativa como a de porcelana poderia solucionar
os problemas de todos. Gerverot, o pintor francês, foi de grande ajuda para o
vigário e, assim, a fábrica Loosdrecht foi aberta com grande variedade de
artigos, tanto decorativos quanto utilitários. Mas os mesmos problemas de
Weesp se repetiram, a competição invencível da concorrência batia à sua
porta, que se fecharia em 1784, sob direções diversas após o falecimento do
vigário, que morreu na miséria, em 1782.
Amstel
Apesar do fracasso das duas primeiras fábricas, a produção em porcelana na
Holanda continuou. Investidores que tinham colocado seu dinheiro na Oude
resolveram continuar investindo em porcelana e assim buscaram um local
maior e melhor. Ouder Amstel foi escolhida para sede da próxima fábrica e,
com a mudança, os antigos funcionários fizeram as malas e partiram também,
levando moldes e equipamentos da fábrica falida. Os primeiros artigos da
Amstel eram os mesmos da Oude, porém, mais tarde, criou seu próprio estilo
com influência Luís XVI. Em 1800, a fábrica passou para as mãos da família
Dommer e, em 1809, mudou-se para Nieuwer Amstel. Até 1814 a fábrica
apenas se ocupou com decoração de peças vindas de Paris e Bruxelas, antes
de fechar suas portas.
Delft
A porcelana de Delft, a Delft Blue, é produzida desde o século XVII, e no
princípio era uma versão da original chinesa, porém, produzida com barro e
revestida de esmalte metálico. A primeira cerâmica holandesa vitrificada de
que se tem notícia foi criada por Guido da Savino, na Antuérpia, em 1512, e
durante o período de 1640 a 1740 uma grande quantidade de porcelana foi
produzida, principalmente em Delft, que foi uma das mais importantes
cidades ceramistas da Europa. Seus trabalhos foram comprados e
colecionados pela aristocracia internacional, até que um novo modismo
aconteceu e Delft sumiu do mapa, sobrando apenas a Royal Dutch, que ainda
mantém os padrões da produção desde 1653. Foram os portugueses que
trouxeram para a Holanda o gosto oriental que tanto influenciou a produção
da faiança europeia, e Delft sofreu influência direta por conta da presença dos
comerciantes portugueses judeus, que vendiam faiança portuguesa em
Amsterdã.
Porcelana inglesa
A porcelana completava mais de mil anos na China quando aportou na
costa inglesa e causou sensação. De branco puro e translúcido era
incrivelmente fina e ao mesmo tempo forte, capaz de conter água fervente
sem rachar e com uma transparência que permitia que a luz a atravessasse.
Impossível compará-la ao material europeu tão rusticamente desajeitado. A
porcelana rapidamente se tornou o ouro branco caro e desejado pela
aristocracia, a importação cresceu a passos largos com navios trazendo até
250 mil peças por viagem encomendadas por ricos homens de negócios e
reis, e, claro, ceramistas que viam na possibilidade de desvendar a fórmula
um prenúncio de riqueza. O problema não era de habilidade, mas de falta de
matéria-prima. Os experimentos na Alemanha chegaram a uma pasta branca
semelhante ao caulim, essencial na fabricação de porcelana, mas na
Inglaterra não havia material semelhante. Depois de muitas tentativas
infrutíferas, em 1749, Thomas Briand apresentou na Royal Society a
primeira formulação de argila branca para porcelana e, no mesmo ano,
Thomas Frye e Edward Heylin (respectivamente gerente e sócio da fábrica
de porcelana Bow) patentearam uma porcelana à base de farinha calcárea,
que mais tarde foi aperfeiçoada por Josiah Spode. A patente foi descrita de
forma vaga, nada de quantificação ou especificidades, talvez com o intuito
de mascarar seu verdadeiro conteúdo, que seria uma farinha de ossos
animais, a bone china, ou de esconder o endereço do produto importado de
minas de caulim da Virgínia nos Estados Unidos.
Qualquer que tenha sido o verdadeiro conteúdo do material registrado, a
segunda opção por algum motivo teve que ser abandonada porque em 1745
as porcelanas bow foram produzidas com pó de ossos calcificados e a
patente seguinte já falava desse ingrediente. O resultado foi que peças foram
produzidas com aparência de porcelana chinesa, porém, com tal fragilidade
que rachavam em contato com a água fervida, e, apesar de serem
esteticamente mais bonitas e mais macias ao toque, não tinham resistência.
Durante esse primeiro período, fábricas foram abertas, mas fecharam logo
as portas. A técnica era cara e difícil e era impossível competir com as
louças originais chinesas, que além do mais produziam com facilidade
novas e mais delicadas peças impossíveis de serem copiadas. Em 1800,
Josiah Spode aperfeiçoou o bone china e as portas para novos fabricantes
foram abertas com preços e desenhos mais convidativos. Fábricas que
puderam experimentar e se adaptar para as rápidas mudanças na moda,
como a gigante Worcester & Derby, foram das poucas sobreviventes. As
fábricas Derby, Chelsea, Caughly, Worcester e Coalport, que fabricavam
porcelana fecharam, porém, a produção de Josiah Wedgwood, que tinha sua
própria matéria-prima, demonstrou não apenas resistência, mas beleza e
elegância que duraram. Apesar das muitas e populares cópias dos desenhos
chineses, principalmente os azuis e brancos da dinastia Ming, na Inglaterra
os florais e as paisagens bucólicas prevaleceram na porcelana produzida
entre os séculos XVIII e XIX.
R.H. Binns, dono da fábrica de porcelana Worcester, comissionou em
1872 uma série de artigos em porcelana com motivos japoneses para serem
apresentados na Mostra de Viena, em 1873. Os motivos japoneses foram
encomendados especialmente para o evento e fizeram sucesso na Europa,
onde os modelos chineses e os “europeus” eram os mais populares. Em
1890, o design art nouveau aportou na Europa, primeiro na Alemanha, na
Rosenthal und Hutschenreuther, que terminou abruptamente em 1914, com
o início da Primeira Guerra.
Spode
A Spode é uma fábrica de cerâmica baseada em Stoke-on-Trent, fundada por
Josiah Spode em 1770, e famosa pela produção em cerâmica vitrificada azul
com desenhos cromados feitos com base em transfers. Spode começou a
trabalhar com 16 anos e, aos 21, participou de inúmeras sociedades, até que
alugou uma pequena olaria onde desenvolveu cerâmicas elegantes de
coloração creme e pérola com um sutil vitrificado azul, além de uma série em
cerâmica que foi popularizada por Josiah Wedgwood.
Josiah Spode comprou a fábrica de seu ex-patrão, William Banks, e
começou um trabalho que foi acompanhado por três gerações,
permanecendo no mesmo endereço por 250 anos desde 1750. Em 1806, o
então príncipe de Gales ficou impressionado com o que viu e pediu a Spode
que produzisse um aparelho de jantar para sua coroação como Jorge IV e,
desde então, a empresa manteve o selo real e foi comissionada para executar
serviços pela Companhia das Índias Orientais, por Charles Dickens e pelo
xá da Pérsia. A Spode ficou famosa pelo under glaze azul e pela
padronagem de salgueiros brancos retirados de uma estampa conhecida
como “mandarim”.
Wedgwood
As primeiras xícaras a chegarem a Londres foram importadas da China por
volta de 1700, eram sem asas e desacompanhadas de pires, como se usava na
Ásia. Alça e pires só apareceram na Inglaterra em 1750, as asas foram
concebidas por Robert Adams, e as xícaras, fabricadas por Josiah
Wedgwood. Depois de anos de mãos e dedos queimados, os britânicos
agradeceram o invento que foi sendo aprimorado ao longo do tempo. O
primeiro jogo de chá da Wedgwood compreendia uma xícara alta com asa e
um pires apenas, era um conjunto portátil vendido em caixas de madeira
forrada para que pudesse ser levado nas tardes de chá quando se era
convidado. Foi de autoria do mesmo Robert Adams a invenção do bule e dos
outros implementos necessários para um serviço completo fabricado em
porcelana. Durante a era vitoriana, os aparelhos de chá de seis peças foram
criados consistindo de chaleira, bule de chá, bule de café, bule de leite,
açucareiro e lixeiro de prata para o centro da mesa; mais tarde potes em
cristal e prata e também pinças e uma infinidade de outras ferramentas em
estanho, prata e ouro, tudo em honra ao serviço do chá da tarde. A firma
Wedgwood & Sons, fundada em 1759, prosperou e ficou conhecida pelas
figuras em porcelana e pelos serviços de chá da tarde que fabricava. A
empresa existe até hoje e ainda fabrica peças em faiança, tipo inferior de
cerâmica transparente, mais resistente que a porcelana. Algumas peças do
século XVIII assinadas pela Wedgwood podem ser vistas no Museu de Arte
Moderna de Nova York.
A louça inglesa, xícaras principalmente, foi símbolo da era vitoriana
representando a excelência da indústria da Grã-Bretanha e o refinamento
dedicado aos serviços de chá. Entre as melhores e mais cobiçadas xícaras
estiveram desde sempre as de porcelana, cuja qualidade pode ser verificada
colocando-se a peça contra a luz e observando sua transparência, que,
quanto maior, melhor qualidade apresenta. Josiah Wedgwood talvez tenha
sido um dos primeiros ceramistas a se preocupar em colocar nomes em sua
louça em vez de marcas identificadoras. Os artesãos chineses imprimiam na
parte inferior de suas criações um selo pessoal, que às vezes podia mudar a
depender do ano, permitindo aos colecionadores identificarem o período em
que certas peças foram criadas e por quem.
Existem até hoje raríssimas peças com a marca Made in occupied Japan,
muito disputadas, que marcam o período pós-guerra quando os aliados
tomaram o Japão e os japoneses foram obrigados a assinar suas peças dessa
forma, o que os ofendia profundamente. Ironicamente essas peças têm valor
altíssimo no mercado de antiguidades internacional.
Royal Doulton
A Royal Doulton vem produzindo porcelana e cerâmica de alta qualidade na
Inglaterra há duzentos anos. John Doulton, seu fundador, aprendeu a arte da
cerâmica trabalhando na Fulham Manufacturing Co., a primeira empresa
comercial de cerâmica inglesa. Com um investimento de cem libras e a idade
de 23 anos, John Doulton se associou a amigos e fundou a empresa que
reuniu o nome dos três: Jones, Watts & Doulton, que mais tarde passou a
chamar-se apenas Doulton, quando o maior acionista passou a ser John
Doulton.
A fábrica foi o maior produtor de cerâmica e louça de todos os tempos na
Inglaterra, passou da produção de dutos de louça a utilitários domésticos e
finalmente a linhas de aparelhos de chá, de jantar e bibelôs, e investiu em
objetos de decoração usando a vitrificação e outros efeitos visuais. A sede
original, em Lambeth, foi decorada por Hannah Barlow, popular por seus
animais e motivos florais produzidos em porcelana. Henry Doulton,
segunda geração e segundo filho de John Doulton, começou a trabalhar na
empresa em 1835 e trouxe na bagagem inovações tecnológicas para a
produção – um torno movido a vapor foi instalado na fábrica, permitindo
maior agilidade e rapidez e aumentando a produção.
Em 1901 a Doulton foi agraciada com o título Royal e seus produtos
passaram a ter a marca Royal Doulton estampada em sua base. Algumas by
appointment foram confeccionadas exclusivamente para a casa real e outras
fazem parte de coleções privadas ou de acervos de museus. A Royal
Doulton também fechou em 2009.
37 A palavra feldspato vem do alemão feld, campo, e spat, uma rocha que não contém minério. O
feldspato é utilizado para o fabrico da porcelana.
Baús de chá
Os primeiros containers para guardar chá usados na vida doméstica foram
potes e garrafas que chegaram da China com o próprio carregamento de chá.
Aos poucos jarras e baús foram criados na Europa em grande variedade de
tamanhos e formas e em diversos materiais, desde cerâmica e cristal até prata.
Na Inglaterra, os primeiros baús de chá encomendados tinham dois ou três
compartimentos separados para diferentes tipos de chá e para guardar
também açúcar, todos munidos de chave e fechadura para manter fora do
alcance da cobiça seu precioso conteúdo, que era guardado em aposentos
especiais aos quais apenas a dona da casa tinha acesso. A partir do século
XVIII, esses baús passaram a chamar-se caddies, uma referência a uma
medida usada para pesar o chá, o kati (do malaio), medida equivalente ao
avoirdupois,38 aproximadamente 650 gramas. Os caddies dessa época eram
pequenos e confeccionados em prata, couro de cavalo ou casco de tartaruga,
materiais tão caros quanto o chá que guardavam. À medida que o chá se
popularizou no século XIX, os caddies aumentaram de tamanho, até que baús
fechados a sete chaves foram desaparecendo, e o chá passou a ser
acondicionado em latas decoradas mantidas na cozinha ao alcance de todos.
38 Corruptela do francês avoir-de-peise, avoir de pois, que significa “bens de peso”, sistema que define
pesos e medidas em libras a onças, ainda em uso na Inglaterra e América.
Aparelhos de chá
Começaram a ser utilizados durante a dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.) e
eram fabricados em duas variedades de porcelana: a porcelana branca do
norte e a porcelana azul do sul e foram os descendentes desses primeiros
jogos de chá que chegaram à Europa pelas mãos do holandeses durante as
dinastias Song e Ming. Durante a dinastia Han o chá era comercializado no
formato comprimido em pequenos tijolos, que precisavam ser ralados e
fervidos. Às vezes recebiam outros ingredientes enquanto eram cozidos,
outras vezes, eram simplesmente batidos e depois servidos em tigelas
individuais usadas para o serviço de comidas e bebidas em geral. Nos
primórdios, o chá era servido como medicamento ou alimento, as xícaras
viriam muito tempo depois, e na Europa, séculos mais tarde, em 1790, o
primeiro aparelho de chá em prata apareceu na mesa do rei Jorge. Além de
xícara e pires, um açucareiro e um pequeno jarro de creme, mas apenas na era
vitoriana o aparelho com seis peças foi criado incluindo bule para o chá, bule
para o café, bule para creme, açucareiro, chaleira e uma pequena lixeira de
centro de mesa. Os aparelhos de chá fizeram tal sucesso que começaram a ser
produzidos na Europa, inicialmente eram cópias de designs chineses, mais
tarde ostentaram típicas paisagens e objetos da flora e fauna europeia dando
início a fábricas que se tornaram parte da história do chá inglês.
Bules
Há controvérsias quanto à data de aparecimento dos primeiros bules chineses,
se surgiram durante a dinastia Song ou Ming, porque, enquanto não foi
servido na forma de folhas, o chá era simplesmente batido ou misturado com
água sem a necessidade de um bule de serviço. Quando o bule apareceu, teve
seu primeiro formato desenhado para servir no máximo duas doses, e o chá
era tomado diretamente no bico do bule. No século XV, tanto os chineses
quanto os japoneses bebiam chá em cerimonial religioso e não mais apenas
como medicamento e, assim, estudantes e intelectuais chineses se envolveram
em projetos para criar bules.
O chaísmo japonês estimulou uma evolução artística no desenho de bules
em Yixing, e bules decorados com elementos da natureza ou dizeres dos
sutras eram cobiçados para fazer parte das cerimônias, principalmente se
produzidos nessa região, onde os trabalhos eram perfeitamente criativos. Os
japoneses começaram produzindo bules em barro vermelho e mais tarde
importaram artistas chineses para encaminhá-los na arte da confecção dos
implementos da cerimônia do chá. Bizan tornou-se um importante centro
produtor de cerâmica e foi onde o raku rústico produzido com barro escuro
nasceu. Os bules evoluíram por cem anos com diversos materiais e formas
no sul asiático e, nos trezentos anos seguintes, ganharam o mundo. Na
época em que os portugueses começaram a importar chá, o conceito bule já
era bastante desenvolvido na China, mas foram os holandeses que
importaram os primeiros Yixings para a Europa. Eram de pequeno porte,
com bases grandes e bicos largos de forma a não entupirem na hora de
servir o chá. Pela primeira vez os europeus viam bules de cerâmica
resistentes ao calor, que só seriam produzidos na Europa por volta de 1670,
pelas mãos dos irmãos ceramistas Elers, que criaram a indústria de cerâmica
inglesa.
No século XVIII, deslumbrada pela louça chinesa, a aristocracia inglesa
não media esforços para comprá-la. Chá e chinoiseries eram vistos como
símbolo de poder e riqueza, sofisticação e modernidade e, em 1750,
aproximadamente duas milhões de peças chinesas foram importadas. Os
bules maiores demoraram a aparecer e os europeus utilizaram serviços em
prata, cafeteiras árabes ou bules em cerâmica comum para servir chá. O
primeiro bule em prata de que se tem notícia foi fabricado em 1627, mas
somente durante o reinado de Jorge II os bules de tamanho maior passaram
a ser criados, com a queda do preço do chá. Xícaras e pires em prata
existiam desde 1648 de forma ainda desconfortável. O pires pequeno servia
para apoiar a xícara e esfriar o chá, que era bebido por alguns no próprio
pires, já que as xícaras em prata, ainda sem asas, conduziam bem mais calor
do que suas predecessoras em porcelana. Mas vale lembrar que, na época, o
chá era utilizado como medicamento, e mais tarde foi bebido
reverentemente com luvas e, somente quando realmente se popularizou, as
asas das xícaras foram criadas.
Colheres de chá
As primeiras colheres de chá eram côncavas e de cabo longo para retirar o
chá dos baús mais fundos. Somente a partir de 1770 apareceram colheres
mais curtas próprias para potes menores e em formato de pequenas conchas
de escalope. O desenho teve origem nas conchas verdadeiras que os chineses
colocavam sobre os baús para que os possíveis compradores pudessem retirar
porções para observar o chá. Mais tarde foram criadas colheres em formas
diversas, porém a mais popular sempre foi a concha desenhada não apenas
em colheres, mas em coadores e pinças de açúcar.
Lendo a sorte nas folhas de chá
A mística em torno do chá e do café criou vários métodos divinatórios e
assim surgiu, não se sabe exatamente de onde, a tasseografia ou teomancia,
que é a leitura feita a partir das folhas de chá. Aparentemente originária da
China e usada pela aristocracia como oráculo, essa prática foi também
amplamente divulgada na Grécia e no Oriente Médio. De acordo com seus
praticantes, a tasseografia pode prever o futuro e ler toda uma vida através
dos desenhos formados pelas folhas do chá no fundo de uma xícara.
Apareceu pela primeira vez durante a Idade Média, quando ler a sorte
com gotas de vela e algumas outras substâncias maleáveis era uma prática
popular, e culminou com a leitura de folhas de chá no século XVII.
Inglaterra, Escócia e Irlanda produziram uma boa quantidade de literatura e
kits para chá dedicados à tasseomancia e aparelhos em porcelana foram
elaborados para a prática, que consiste em um ritual no qual o chá em folhas
é preparado sem coar e o consulente, depois de beber parte dele, revolve
bem as folhas que ficaram no fundo da xícara. O líquido e as folhas são
derramados em um prato e a sorte do consulente está lançada. Uma cobra,
por exemplo, pode significar falsidade ou inimizade, enquanto uma espada
pode simbolizar boa sorte. Uma montanha refere-se a uma jornada difícil e
uma casa pode significar mudança ou sucesso próximo, e assim
sucessivamente, seguindo um diretório e a sensibilidade de quem faz a
leitura, que se dá a partir da borda interna da xícara, representando o
presente, acompanhando o caminho da asa em espiral até alcançar o bojo,
onde é abordado o futuro.
É posível fazer a leitura em xícaras brancas, mas existem xícaras feitas
especialmente para a tasseomancia, nas quais as folhas encontram seu lugar
nas marcas e desenhos feitos especialmente com esse intuito. A partir do
século XIX, ceramistas produziram xícaras e pires especiais, muitas vezes
com instruções para a leitura. Há dezenas de desenhos diferentes para se
fazer a adivinhação, os mais comuns são os desenhos do zodíaco, com
símbolos planetários na parte interna da xícara e astrológicos, no pires,
combinando tasseografia e astrologia. Há os que trazem o desenho de um
baralho de 52 cartas e mais um coringa ou 32 cartas apenas e, assim, a
leitura se alia à cartomancia. E há ainda aqueles que na própria xícara e
pires trazem possíveis resultados numerados, que podem ser conferidos em
livretos explanatórios.
Mitologia do chá na China
Da hong pao
(grande manto vermelho)
Normalmente encontrado nas encostas do monte Fujian na China, da hong
pao é um arbusto raro e antigamente havia apenas seis dessas plantas no
mundo todo. Como a encosta onde cresce é extremamente íngreme e
perigosa, macacos foram treinados para colher as folhas e seus donos os
vestiam com coletes vermelhos para não perdê-los de vista. Quando muitos
subiam, as montanhas de longe pareciam cobertas por um manto vermelho.
Mas, de acordo com a lenda, seu nome foi dado em homenagem a um
estudante que, a caminho de prestar exames para ocupar um cargo público a
serviço do imperador, caiu doente, e ao tomar o chá da hong pao curou-se,
retomou seu caminho e chegou a tempo de prestar seus exames com louvor.
Uma vez empossado como governador, recebeu um manto vermelho que
levou ao monte Fujian e lá deixou em reconhecimento. A partir de então, a
infusão antes verde tomou a cor vermelha e, impressionados, os moradores da
área batizaram a planta de da hong pao, que significa grande manto
vermelho. Outra história do da hong pao é que durante a dinastia Ming a mãe
de um dos imperadores caiu gravemente doente e ao tomar o chá curou-se.
Em sinal de gratidão, o imperador teria mandado grande quantidade de tecido
vermelho (de acordo com a tradição chinesa o vermelho traz boa sorte e
afasta os maus espíritos) para que as moitas fossem cobertas durantes os
meses de inverno, garantindo assim uma produção constante do chá.
Ti kuan yin
(bodhisatva de ferro/chá oolong)
Tie quer dizer ferro e kuanyin ou guanyin é a manifestação feminina do Buda
da compaixão, Avalokitesvara ou Chenrezig. Tieguanyin é também chamada
de ti kuan yin, tit kwun yum, ti kwan yin, tie guan yi e buda de ferro
compassiva, e em sua homenagem um tipo de chá oolong, original da região
de Xiping, foi batizado de tieguanyin e lendas locais contam que... “Há
muitos séculos vivia na província de Fujian, na China, um fazendeiro
chamado Wei e a todo amanhecer quando saía de seu casebre e ao entardecer
quando retornava passava pelo templo dedicado a Guanyin. Apesar de muito
pobre, ficava apenado com a condição de penúria do templo e, assim, todos
os dias ao passar por ele entrava, queimava incenso no seu interior, varria o
piso e limpava a imagem de Kuanyin, para que o lugar não tivesse um ar
abandonado. Observando sua devoção, Tieguanyin lhe apareceu em sonho
dizendo que atrás do templo, bem no fundo de uma caverna, havia um
tesouro capaz de enriquecer sua família e suas próximas gerações, mas para
se tornar um bem realmente precioso seria necessário compartilhá-lo com os
vizinhos. Ao acordar Wei foi apressado até a caverna atrás do templo e
procurou pelo tesouro, mas tudo que encontrou foi uma planta. Desapontado,
levou-a para seu quintal e plantou-a. Depois de alguns anos a muda resultou
em uma moita saudável e perfumada e, arrancando algumas de suas folhas,
Wei preparou uma infusão agradável ao paladar e percebeu que o aroma
peculiar e o sabor permaneciam inalterados apesar de usar as mesmas folhas
várias vezes. Wei propagou a plantação e, lembrando as instruções recebidas
em sonho, distribuiu mudas e sementes entre seus vizinhos. Comerciantes da
capital que ouviram falar do chá passaram a disputá-lo e a região ficou
conhecida como especialista nessa variedade de oolong. Os agricultores da
região enriqueceram e o chá ganhou reputação nacional.” O templo dedicado
a Kuanyin foi reformado e é mantido até hoje pelos habitantes de Sand, cujo
chá não tem concorrentes. O oloong é um chá de bouquet intenso e de cor
âmbar acentuada. Os de melhor qualidade são classificados como Monkey
Picked, colhidos por macacos treinados por monges budistas para buscar as
folhas dos galhos mais altos das árvores, que são as mais raras e as mais
saborosas.
Outra história sobre o tieguanyin é a de Wang, um erudito que
acidentalmente descobriu uma muda de chá sob uma rocha guanyin em
Xiping, colheu-a e plantou-a em seu jardim. Seis anos mais tarde, em visita
ao imperador Qianlong, presenteou-o com o chá de sua plantação. O
imperador inquiriu sobre sua origem que, revelada por Wang, fez o
imperador rebatizar o chá como kuanyin.
Baihao yinzhen
(Agulha de prata)
A folha se parece com uma agulha e a cor é prata. Uma das muitas lendas
sobre o agulha de prata é a do imperador Hui Tsung, que estava tão
apaixonadamente absorto na busca pela perfeita infusão desse chá que
negligenciou as fronteiras e perdeu seu reino para os mongóis.
Conta-se que, em tempos remotos, a província de Fujian experimentava
uma onda de seca intensa. Alguns de seus habitantes, em busca de um
milagre, resolveram subir a montanha de Taimue e enfrentar a fúria de um
dragão negro guardião de uma planta celestial que, além dos poderes de
cura, fazia brotar água de rios secos quando sua seiva tocava o solo. Três
irmãos se atreveram a subir a montanha e dois deles decidiram enfrentar o
dragão. Esses dois foram petrificados, mas sua irmã sobreviveu à fúria do
dragão e resolveu emboscá-lo. Vitoriosa, se apoderou da planta e derramou
parte da seiva nos irmãos, que voltaram à vida. A outra parte foi derramada
no leito seco do rio, fazendo a água brotar do chão e ali as mudas da planta
celestial cresceram e foram plantadas por toda a cidade.
Uma terceira história conta que Zhong Lan, uma mulher muito gentil e
compassiva conhecida como mãe Lan, que vivia aos pés da montanha Tai
Lao, atual província de Fujian, vendo que o sarampo que devastava o país
chegara a sua cidade, adoecendo e matando centenas de habitantes,
trabalhou incansavelmente para ajudar e confortar quantos pudesse. Uma
noite, ao adormecer, sonhou que um ser celestial veio até ela e disse que,
por causa de sua bondade e cuidado com o próximo, os céus a escolheram
para exterminar a doença e salvar incontáveis vidas, e que ela deveria subir
a montanha Tai Lao. Lá encontraria um chá que deveria preparar e oferecer
aos doentes. O chá operou milagres e a história de Zhong Lan chegou aos
ouvidos do imperador Yao que, comovido com a bondade da mulher, lhe
concedeu o título de “Tai Um”, nome reservado apenas aos parentes do
imperador ou aos deuses.
O chá se tornou uma lenda talvez por sua raridade e sabor incomparável.
Para se conseguir meio quilo de baihao yinzhen são necessários
aproximadamente 4.500 brotos que são colhidos manualmente. Dentre os
chás brancos, o baihao yinzhen é o mais caro e mais premiado, e sua melhor
safra acontece entre março e abril. A curiosidade é que, diferentemente dos
demais chás, ele deve ser colhido em manhãs de sol alto quando os brotos
estejam completamente livres de qualquer umidade.
Pu-erh
(Chá fermentado Pu-er)
O puer, também chamado de chá dos antepassados, é conhecido desde a
dinastia Han (206a.C.-220d.C.) e, de acordo com a lenda, suas sementes
foram deixadas por Zhu Geliang (Zhegeliang) – o primeiro-ministro do
estado Shu, atual Sichuan, durante o período dos três reinos (220-280 da era
atual). Zhu Geliang ensinou ao povo de Yunnan a arte de plantar, colher e
preparar o chá e credita-se às montanhas ao norte do rio Lincang os nomes de
objetos deixados ali por ele: youle (copper gong), mangzhi (copper boa),
manzhuan (iron brick), yi Bang (wooden clapper), gedeng (leather stirrup), e
Mansa (seed-sowing bag). Durante a dinastia Qing (1644-1911), o chá puer
ganhou tal fama que mais de 100 mil pessoas estavam envolvidas em seu
cultivo na área Simão, o centro administrativo de Pu-erh. Conta-se que alguns
monges enterraram seu chá para que saqueadores não viessem roubá-lo, e
tempos mais tarde, quando foram buscá-lo, perceberam que tinha sofrido uma
transformação surpreendente que resultou no puer.
O puer era moldado em pequenos tijolos em formatos que evocavam a
sorte, e também na forma de moedas, para ser usado como dinheiro. O chá
era considerado um investimento de valor e, dependendo de sua idade, era
tratado como os melhores vinhos franceses.
Those dripping crumpets, I can see them now. Tiny crisp wedges of
toast, and piping-hot, flaky scones. Sandwiches of unknown nature,
mysteriously flavoured and quite delectable, and that very special
gingerbread. Angel cake, that melted in the mouth, and his rather
stodgier companion, bursting with peel and raisins. There was enough
food there to keep a starving family for a week.39
Daphne du Maurier, Rebecca
You have filled my tea with lumps of sugar, and though I asked most
distinctly for bread and butter, you have given me cake. I am known
for the gentleness of my disposition, and the extraordinary sweetness
of my nature, but I warn you, Miss Cardew, you may go too far.40
Oscar Wilde, The importance of being earnest
39 “Aquelas brevidades gotejantes, posso vê-las agora. Pequeninas pontas de torrada, e scones
quentíssimos. Sanduíches de natureza desconhecida misteriosamente temperados e totalmente
deliciosos, e aquele bolo de gengibre tão especial. Angel cake, que derretia na boca, e seu pesado
acompanhamento explodindo de frutas cristalizadas e passas. Havia ali comida suficiente para
alimentar uma família faminta por uma semana.”
40 “Você encheu meu chá com torrões de açúcar, e ainda que eu tenha pedido claramente por pão e
manteiga você me deu bolo. Eu sou conhecido por minha natureza gentil e extrema docilidade, mas eu
estou avisando Miss Cardew, você pode estar indo longe demais.”
O embate do chá
Um connoisseur de vinho dirá que os brancos combinam com peixes e aves
enquanto os tintos, com carnes, massas e queijos, mas, com a chegada dos
vinhos do novo mundo, algumas regras caíram em desuso e as combinações
foram reacomodadas. Com o chá aconteceu algo bem parecido. Durante
décadas o chá-preto aromatizado ou não foi considerado o único
acompanhante de refeições, enquanto os demais eram tomados sozinhos sem
quaisquer acompanhamentos. Na China bebe-se chá com ou sem motivo,
com verduras, legumes, frutas secas, nozes variadas e também nas refeições
formais. Na Europa, se antes o chá não ousava, hoje centenas de variedades
de chá são servidas para serem degustadas com os tradicionais sanduíches de
pepino, doces, tortas e biscoitos. São chás na forma mais simples,
aromatizados, blends ou defumados, como o lapsong souchon, que chegam à
beira do sabor de bacon e se comportam maravilhosamente com massas
cozidas nele! O oolong se supera como acompanhamento de um prato de
verduras e legumes que podem ser preparados no vapor de um chá de jasmim
em que o arroz está sendo cozido, criando uma festa de aromas e sabores!
Para o chá da tarde, o Earl Grey é perfeito, com toques de frutas cítricas;
para acompanhar as sobremesas, os melhores chás são os mais
achocolatados ou os verdes, que equilibram pratos muito adocicados. Mas,
para terminar a refeição, puer sempre, nada mais digestivo, saboroso e
dietético!
Os cardápios de chá atualmente trazem uma infinita variedade e pesquisar
e experimentar é preciso, pois é dessa forma que se aprende e se constrói o
paladar para chá!
Um mestre de cerimônia do chá ofendeu acidentalmente um samurai e
rapidamente se desculpou; porém, sentindo-se ultrajado, o soldado exigiu
que o impasse fosse decidido na ponta de sua espada. O mestre, que não
tinha qualquer experiência com espadas, pediu conselho de um monge
amigo, experiente em lutas, enquanto bebiam chá. O monge se desculpou
por não poder ajudá-lo, mas vendo-o preparar o chá observou sua perfeita
concentração e tranquilidade e disse: “Amanhã, quando for duelar com o
soldado, mantenha sua espada levantada como se fosse atacar, mas
encare-o com a mesma concentração e tranquilidade com que prepara a
cerimônia do chá.” No dia seguinte, na hora marcada para o duelo, o
mestre seguiu o conselho do monge. No dia marcado o samurai preparou
seu ataque e encarou por alguns minutos a expressão calma e atenta do
mestre, desconcertado baixou sua arma e saiu se desculpando pela
arrogância sem que nenhum golpe tenha sido desferido.
(Conto zen-budista)
Receitas tradicionais
para o chá das 17h
O chá da tarde inglês, como a maioria dos eventos tradicionais, foi recebendo
releituras ao longo do tempo, já que a culinária ligada ao fruto das
descobertas foi sempre exagerada no uso de ingredientes por ser, entre outras
coisas, um peso capaz de avaliar o poder e a riqueza de uma casa. Mas, para
os padrões das gerações posteriores, tudo vinha com excessos a serem
repensados. A comida reflete a economia, a estratificação social e a política
de um estado em sociedades que, livres de maiores percalços diários,
investem na sofisticação do seu cotidiano. Assim, diferentemente do que
talvez imaginemos, a comida é uma cronista fiel da cronologia das
civilizações, e os livros de receitas são verdadeiros inventários de uma
sociedade.
Com a descoberta do fogo, os homens deixaram de consumir os alimentos
in natura, dando início ao processo do cozimento, e documentaram essas
primeiras experiências nas paredes das cavernas onde viviam. Mais tarde,
com o surgimento da escrita, registros de receitas foram feitos em placas de
argila e o primeiro de que se tem notícia data do ano 350 a.C., e foi escrito
pelo grego-siciliano Archestratus. Hedypatheia fala pela primeira vez do
conceito de gastronomia – a palavra é de origem grega e significa
gaster/estômago e nomos/conhecimento. De lá para cá foram vários os tipos
de publicações tratando do assunto comida, e foram várias também as
invenções e os utensílios fabricados para facilitar a vida dos encarregados
pela cozinha de uma casa ou comércio. Uma dessas invenções, que
apareceu muitos anos depois do chá da tarde, mas que beneficiou
imensamente tanto restaurantes como donas de casa, foi uma
corriqueiríssima, para os padrões tecnológicos atuais, máquina de fatiar pão.
Criada por Otto Frederick Rohwedder, em 1928, gerou um impacto
comercial fabuloso na venda de pães e sanduíches.
O nobre John Montagu, conde da cidade de Sandwich, não foi exatamente
uma figura popular no tempo em que viveu (1718-1792), mas seu nome
chegou até os dias de hoje graças ao lanche que inventou em uma de suas
noites de jogatina. Para não se afastar da mesa de apostas, pediu ao garçom
da casa que trouxesse duas fatias de pão e uma de rosbife e foi
simplesmente assim que surgiu o lanche mais conhecido de que se tem
notícia; o sanduíche!
Scones
Scones são bolinhos especiais para o chá da tarde, a versão doce acrescida ou
não de frutas secas é a mais tradicional, que evoluiu para outras receitas,
inclusive salgadas. Na versão original, o scone é servido com clotted cream,
lemon curd e geleia de morango. Sua provável origem é escocesa, porém, a
primeira receita escrita de que se tem notícia remonta à Eneida, poema épico
de Virgílio (1513). São várias as versões para a escolha de seu nome, uma
delas atribui a stone (scone) of destiny, nome da pedra em que os reis
escoceses eram coroados.
O creme que acompanha o scone, o clotted cream ou clabber cream
(palavra arcaica que significa “despensa”, onde provavelmente era guardado
para “coagular”/clott), é um creme maturado das regiões de Devon e da
Cornuália, no sudoeste da Inglaterra, e é obtido de leite com alto teor de
gordura, no mínimo 55%. Tradicionalmente o leite é fervido e a gordura que
fica na superfície durante a fervura é retirada e aquecida em panelas rasas
de cobre por aproximadamente uma hora ou até que o creme venha à
superfície formando pequenos coágulos. A consistência final é semelhante a
da manteiga, mas o sabor é cremoso e delicado. Esse mesmo creme é
fabricado por outros povos e utilizado de outras maneiras; na Índia ele é o
malai, no Oriente Médio, kajmak e, na Mongólia, o öröm, que engrossa o
chá salgado.
O lemon curd é uma geleia espessa e consistente feita de limão e tão
tradicional quanto a geleia de laranja confeccionada com raspas, a famosa
marmalade inglesa. Ao curd às vezes são acrescentados ovos, manteiga ou
creme de leite grosso para criar um crème pâtissier usado nas tortas de
frutas ou como recheio de massas doces, mas é a geleia de morango que,
junto com o clotted cream, acompanha os scones.
• Scones simples
Ingredientes
250g de farinha com fermento
1 pitada de sal
50g de manteiga
30g de açúcar
150ml de leite
Modo de preparo
Misture a farinha, o sal e a manteiga, acrescente o açúcar e o leite até obter
uma massa de boa consistência para uma ligeira sova em superfície
enfarinhada. Abra em formato de esfera com aproximadamente 2 centímetros
de altura e corte com aro ou cortador de biscoitos de 5 centímetros. Disponha
os pãezinhos em forma untada, pincele um pouco de leite sobre cada um e
leve para assar, em forno quente preaquecido, por 10 a 15 minutos ou até que
estejam crescidos e dourados. Deixe esfriar em uma grade de inox antes de
servir. Se quiser, a essa receita podem ser acrescidas frutas vermelhas
desidratadas ou passas.
No Brasil é improvável encontrar um creme que seja comercializado sem
pasteurização e com o teor de gordura necessário para se preparar o clotted
cream, segue a receita abaixo que se aproxima da original.
• Clotted cream
Ingredientes
½ colher (chá) de extrato de baunilha
½ xícara de creme de leite gelado e dessorado
2 colheres (sopa) de açúcar de confeiteiro
½ xícara de iogurte grego bem espesso
Modo de preparo
Coloque uma vasilha de inox na geladeira por 1 hora e misture nela, com uma
batedeira, a baunilha e o creme de leite, acrescentando o açúcar aos poucos
até formar um creme bem consistente. Com a ajuda de uma colher misture
delicadamente o iogurte e sirva com os scones ainda quentes.
Muffins
Em documento datado de 1703, o pãozinho está grafado como moofin, talvez
derivado de muffen do alemão (bolinho) ou quem sabe do francês moufflet.
Macio como é o pãozinho, os muffins ingleses são pãezinhos e não bolinhos
doces, diferente dos muffins americanos. Nas cozinhas inglesas aristocráticas
o padeiro da família preparava os muffins a partir das sobras de pão, biscoito,
restos de massas para tortas e batatas, que ele misturava e fritava em uma
grelha em fogo aberto para os empregados da casa comerem com seu chá ou
café da manhã. Em algum momento esse pãozinho subiu de status e passou a
frequentar os chás da tarde. Aberto ao meio e grelhado, vinha acompanhado
de manteiga, queijo, geleia ou mel; como o scone, o muffin se tornou uma
tradição nas mesas de chá.
Uma antiga cantiga de ninar, “The muffin man”, descreve a peregrinação
de porta em porta de um vendedor de muffins e aparece no livro Persuasão,
romance de Jane Austen do início do século XIX. É possível que a origem
do muffin remonte ao século X, mas sua popularidade chega ao auge no
século XVIII. No início do século XIX havia dezenas de fábricas espalhadas
pela Inglaterra e o vendedor de muffin era figura fácil nas ruas inglesas.
Rápidos e de fácil preparo, os muffins foram muito populares no período da
Segunda Guerra, talvez porque com alimentos racionados a receita original
se encaixasse bem com a dificuldade de ingredientes.
Ingredientes
1 pacotinho de fermento granulado para pão
1 colher (chá) de açúcar
400g de farinha de trigo
1 pitada de sal
220ml de leite
50ml de azeite
Modo de preparo
Misture bem todos os ingredientes secos e aos poucos acrescente o leite;
junte apenas 200ml e acrescente o azeite. Amasse com as mãos. Se a massa
estiver seca e difícil de manipular acrescente, mexendo sempre, o restante
do leite. Amasse ligeiramente e coloque a massa em saco plástico, deixando
espaço para que dobre de tamanho, feche e deixe descansar por meia hora,
40 minutos. Retire a massa do saco e forme com ela um rolo de uns 7
centímetros, corte cilindros como pães de hambúrguer. Unte uma grelha,
deixe que aqueça bastante e vá dourando os muffins. Eles podem ser
guardados em potes hermeticamente fechados ou congelados. Nesse último
caso, partidos ao meio para que possam ser levados diretamente ao forno ou
grelha quente antes de servir.
Os sanduíches
Os sanduíches servidos no chá da tarde são tradicionalmente frios e
preparados em pão de fôrma branco porque, na época em que o chá da tarde
foi concebido, a farinha branca refinada era mais cara e, portanto, sua
utilização, mais do que sabor, visava status. Isso não impede que, ao longo
dos anos, novidades apareçam nos cardápios na forma de pães integrais e
outros, que podem ser confeccionados em casa, comprados em lojas de
produtos naturais ou nos supermercados de bairro. Mas é preciso cuidado
para que o sabor do pão não interfira no do recheio e o ideal é que fiquem
perfeitamente equilibrados e que todos os sabores possam ser percebidos a
cada mordida. Os sanduíches devem ser pequenos e delicados, cortados ao
meio ou em quartos, e arrumados de maneira harmônica em uma torre de
doces de três andares ou servidos em pratos individuais. Para que
permaneçam frescos pode-se envolvê-los em um pano de prato limpo de
algodão levemente umedecido ou cobri-los com papel filme. Depois de
cortados, os pães de fôrma ressecam rapidamente e, por isso, o ideal é
consumi-los até três horas depois de preparados.
• Sanduíche de pepino
Ingredientes
1 a 2 pepinos japoneses (sem semente)
Fatias de pão de fôrma tipo Graham (prefira os já descascados)
1 pote de queijo aerado cremoso tipo boursin
2 ou 3 galhos de cebolinha picada
Modo de preparo
Lave bem os pepinos. Fatie-os no processador, mantendo a casca. Retire a
casca do pão tendo cuidado para que as fatias fiquem simétricas e se
equilibrem bem. Faça poucas de cada vez. Em uma tigela, misture bem o
queijo e a cebolinha picada e passe a mistura em cada fatia de pão. Disponha
o pepino (que só deve ser acrescentado praticamente na hora de servir porque
cria muita água e molha o pão) sobre cada fatia como se fosse uma escama de
peixe, cubra com outra fatia e corte ao meio ou em quartos. Sirva em pratos
individuais guarnecidos com um pequeno galho de salsa troncuda ou
cerefólio. A mistura do queijo pode permanecer na geladeira pelo tempo de
validade do próprio queijo se houver sobra.
• Sanduíche de ovos
Ingredientes
2 ovos cozidos
2 colheres (sopa) de maionese
1 colher (sopa) de creme de leite
1 colher (chá) de mostarda inglesa (amarela)
1 pitada de curry
Pão de fôrma branco descascado
Modo de preparo
Amasse os ovos ligeiramente com um garfo e reserve. Misture todos os
outros ingredientes, exceto o pão de fôrma. Depois combine os ingredientes
de forma a não machucar muito os ovos, deixando pequenos pedaços.
Espalhe sobre uma fatia de pão e cubra com a outra. Se não for consumi-los
imediatamente, proceda como recomendado na introdução. As sobras do
recheio duram não mais que dois dias se misturadas diretamente aos ovos.
• Sanduíche de agrião
Ingredientes
Folhas de agrião
1 pote de queijo aerado tipo boursin
1 colher (chá) de pimenta-do-reino ralada
Pão de fôrma de grãos
Geleia de pimenta
Modo de preparo
Lave bem o agrião e reserve. Em uma tigela, misture o queijo e a pimenta
ralada e reserve. Espalhe em uma fatia do pão uma boa camada de queijo e na
outra pincele geleia de pimenta. Cubra com bastante agrião a fatia com
queijo, sobreponha a outra fatia e corte o sanduíche em duas partes antes de
servir.
• Minisanduíches quentes de ementhal
Ingredientes
Pão de fôrma branco
1 fatia grossa de queijo ementhal holandês por sanduíche
2 a 3 gotas de azeite de trufa por sanduíche
Sour cream (1 colher (sopa) de iogurte consistente, 4 gotas de limão e
salsinha finamente picada)
Modo de preparo
Sobre uma das fatias coloque o queijo e pincele com o azeite. Feche o
sanduíche e leve a um grill de forma que fique com as marcas da grelha.
Corte em quatro quadrados e guarneça a lateral de um prato com sour cream.
• Sanduíche de camembert com geleia de jaca
Ingredientes
Queijo camembert
Alecrim
Pão integral alemão fatiado
Alface roxa e verde
Geleia de jaca
Ingredientes para a geleia de jaca
5 a 6 bagos de jaca mole (podem ser comprados em feira livre)
5 a 6 colheres (sopa) de açúcar
100ml de água filtrada
Modo de preparo da geleia de jaca
Leve ao fogo médio todos os ingredientes e mexa para não grudar. O ponto
pode variar de acordo com o gosto pessoal. Se quiser um doce mais
encorpado, mais água e açúcar serão necessários ao longo do cozimento.
Sirva depois que esfriar.
Modo de preparo do sanduíche
Se o camembert veio na latinha leve para assar em forno quente por
aproximadamente 10 minutos; deixe o papel aberto e coloque galhinhos de
alecrim. Quando for tirar do forno, use luvas de silicone e tire o queijo da lata
puxando-o pelo papel. Abra a embalagem completamente e corte o queijo em
triângulos. Cubra apenas uma fatia de pão com o queijo disposto em camadas
como degraus. Sirva em prato individual guarnecido com folhas de alface
roxa e verde sobrepostas e, na lateral, duas ou três colheres de sopa da geleia
para acompanhar.
• Sanduíche de avocado e palmito
Ingredientes
1 avocado (abacate pequeno de casca escura)
Suco e raspas de ½ limão
Sal e pimenta ralados a gosto
3 a 4 talos de palmito
2 a 3 gotas de azeite de trufas
Pão de fôrma sem casca
Alface roxa crespa
Modo de preparo
Misture a polpa do abacate ao limão, sal e pimenta, processe o palmito,
incorpore à mistura do abacate e pingue o azeite. Recheie o pão de fôrma em
duas camadas com a pasta e corte ao meio, no formato de dois triângulos.
Arrume em bandeja guarnecida com alface roxa crespa ou em pratinhos
individuais. Espete um palito nos sanduíches para que não escape recheio
pelas laterais quando servidos.
• Torradas com queijo de cabra e tomates blushed
Os tomates blushed são bem mais macios que os tomates secos e muito
menos ácidos. Em geral são vendidos em conserva com azeite de oliva, que
deve ser descartado.
Ingredientes
50g de tomates blushed
4 tomates cereja bem picados
Gotas de azeite balsâmico
Pão de fôrma de grãos
150g de queijo de cabra
Folhas de manjericão
Modo de preparo
Misture o tomate em conserva com o tomate cereja, pingue o balsâmico e
reserve. Toste o pão ligeiramente e corte em triângulos. Espalhe uma boa
camada de queijo e cubra com folhas picadas de manjericão. Sirva a mistura
de tomates na lateral do prato.
• Tarteletes salgados
São versáteis, leves e fáceis de fazer. Podem ser feitos com massa pronta de
vol-au-vent (folhados encontrados no mercado) ou com pão de fôrma fresco
acondicionado em forminhas de empada com as laterais aparadas. São
servidos com recheio frio ou quente e até com legumes bem cortadinhos
regados com azeite balsâmico ou azeite de trufas. A receita básica da massa é
a seguinte:
Ingredientes para a massa
220g de farinha de trigo
110g de manteiga fria
1 colher (chá) de sal
3 a 4 colheres (sopa) de água
filtrada
Ingredientes para recheio básico
2 ovos
1 ½ copo de leite
150g de parmesão ralado
Modo de preparo
Preaqueça o forno a 170ºC, unte de quinze a vinte forminhas metálicas.
Coloque forminhas de papel amanteigadas ou siliconadas próprias para
empadinhas dentro das forminhas metálicas. Em uma tigela, junte todos os
ingredientes da massa manualmente até obter um efeito seco quase maleável
e abra nas forminhas.
Bata os ingredientes do recheio acrescentando outros ingredientes que
queira, como aspargos, champignons, palmitos, queijos variados, enfim...
Recheie as forminhas só até a metade para que ao assar não transbordem.
Leve ao forno para assar sobre um tabuleiro por 15 a 20 minutos ou até
que dourem. Deixe esfriar e retire com muito cuidado, puxando pelas
forminhas de papel ou de silicone.
Essa receita também pode ser feita em miniforminhas de quiche com
fundo removível.
Ah, biscoitos...
Do latim biscoctu, que significa duplamente cozido, os biscoitos foram em
algum momento confeccionados com pedaços de bolo que, postos para assar
uma segunda vez, ficaram crocantes. Mas essa não é a receita original cujo
crédito parece ser persa, ainda que haja evidências de biscoitos mais antigos
produzidos na China, Índia e África.
Os biscoitos foram inicialmente produzidos com farinha rústica e cereais
e em alguns países eram acrescentadas nozes e frutas ou mel para adoçá-los.
De fácil transporte e substanciosos, eram favoritos entre os tripulantes das
naus portuguesas que se deslocavam para o novo mundo entre os séculos
XV e XVI. O padre Raphael Bluteau refere-se a eles no seu Vocabulário
português e latino como “pães do mar”. A cada marujo ou soldado cabia na
época o equivalente a 28 arráteis (1 arrátel= 428 gramas) de biscoitos como
ração mensal.
Aquilo que foi concebido como pão pelos povos antigos, e cuja confecção
era basicamente uma mistura de grãos e água, era duro de engolir. Mas foi
provavelmente esse o protótipo dos primeiros biscoitos que, nas mãos dos
egípcios, ganharam desenhos e formatos variados, além de ostentarem
marcas especiais quando dedicados a aristocratas. A fabricação era trabalho
de escravos contratados por períodos de horas ou mesmo semanas para
produzi-los e a arte era passada de pai para filho.
A primeira receita documentada de biscoito foi encontrada no século
XVIII pelo erudito Amadio Baldanzi, em um antigo manuscrito hoje
preservado na cidade de Prato, Itália. Era a primeira receita dos famosos
biscotti di Prato que na moderna Itália são conhecidos como cantuccini.
Muito secos, tradicionalmente vêm acompanhados por uma bebida na qual
são mergulhados. Na Itália são servidos como sobremesa depois de farto
jantar, acompanhados de uma aguardente toscana chamada vinho santo.
Fora da Itália, no entanto, os cantuccini acompanham cafés e chás.
Em meados do século XVII o biscoito era um sucesso na Europa e, com
as novas refeições, a Inglaterra criou um mercado não apenas produtor, mas
consumidor. Foram fabricados no país biscoitos para todos os gostos e cujo
excedente era exportado para as colônias. Como colônia ainda não
industrializada, os Estados Unidos não tinham maquinário para fabrico
próprio, mas perceberam rapidamente que o consumo interno valia a
importação de máquinas inglesas e, aos poucos, os americanos não apenas
produziram peças para reposição, mas criaram suas próprias máquinas,
formando uma das mais ricas e poderosas indústrias americanas, e, assim, o
biscuit inglês foi rebatizado de cookie (do holandês koekie ou bolinho). A
história dos biscoitos se confunde com a história da confeitaria desde os
primeiros registros de doces, embora para os padrões atuais nem fossem
muito doces. Chegaram à Europa durante a conquista muçulmana da
Espanha e, da cozinha real, pularam para o tabuleiro dos ambulantes e
depois para as grandes fábricas.
O biscoito como o conhecemos hoje, formulado com manteiga, açúcar,
cremes e aromatizantes, só apareceu no século XVIII e apenas em 1875 o
primeiro cortador metálico foi criado e patenteado por Alexander
Ashbourne. Essa criação revolucionou a indústria de biscoitos, que passou a
fabricar e distribuir em larga escala.
Conta-se que o biscoito da sorte nasceu no período em que a China foi
invadida pelos mongóis. Durante a luta pela libertação, os chineses teriam
criado grandes biscoitos na forma de meia-lua dentro dos quais seriam
colocados mapas e mensagens a serem trocados entre generais articuladores
da libertação chinesa. Tempos mais tarde o biscoito, apesar da mudança na
forma, teria se tornado uma tradição para lembrar o povo chinês de sua luta
e consequente libertação do domínio de Gêngis Khan e seu exército.
A verdade é que, apesar da bonita lenda, os biscoitos foram criados em
1909 na Califórnia, mais precisamente em São Francisco, pelo imigrante
japonês Makoto Hagiwara, dono de uma casa de chá, como uma inovação
criativa para oferecer a seus clientes.
• Fortune cookies (biscoitos da sorte chineses)
Ingredientes
¾ de xícara de farinha de trigo
½ xícara de manteiga derretida
1 xícara de açúcar de confeiteiro
1 pitada de sal
3 claras ligeiramente batidas
½ colher (chá) de extrato de baunilha
½ colher (chá) de extrato de amêndoas
Tiras de papel com mensagens
Modo de preparo
Preaqueça o forno a 180ºC. Com um fouet (batedor de arame) misture
todos os ingredientes até obter uma massa homogênea e consistente. Os
biscoitos devem ser feitos individualmente ou no máximo dois por vez,
porque o formato se consegue com a massa morna, quase quente, e são
dobrados com o uso de luvas. Use papel-manteiga sobre a fôrma ou manta
de silicone e com uma colher de chá faça círculos de aproximadamente 10
centímetros. Asse por 4 ou 5 minutos ou até que os biscoitos estejam
parcialmente dourados, para que seja possível o manuseio da massa. Retire
com uma espátula, coloque a tirinha e dobre o biscoito em formato de
pastel. Depois aproxime as duas pontas. Se quiser que fiquem brilhantes,
passe os biscoitos como o auxílio de pinça culinária em uma mistura de
clara em neve batida com açúcar de confeiteiro.
Short bread biscuits
Os famosos biscoitos amanteigados ingleses têm, na verdade, sua origem na
Escócia. Os mais famosos na Grã-Bretanha são os da empresa Walker’s,
fundada em 1898 por Joseph Walker, produzidos em sua então padaria aberta
com um empréstimo de 50 libras. O biscoito foi sendo aperfeiçoado ao longo
dos anos e Joseph viu a fama bater a sua porta, o que fez com que procurasse
uma loja maior e investisse em uma carroça e um cavalo para fazer entregas.
Hoje seus bisnetos exportam biscoitos para vários continentes.
Na época em que esse biscoito foi criado, a manteiga custava uma
verdadeira fortuna e, por isso, o biscoito era oferecido apenas nas ocasiões
muito especiais como casamentos, Natal e Ano-novo e seu formato era um
círculo achatado nas dimensões de um bolo, como um biscoito gigante. Na
Escócia era tradicional esfarelar um biscoito desses sobre a cabeça da noiva
na entrada de sua nova casa para que fosse feliz. O hábito de festejar com
amanteigados o Ano-novo tem origem nos antigos bolos pagãos, os Yule,
uma representação do deus Sol.
A receita é atribuída à rainha Mary da Escócia e, na época, o formato do
biscoito era grande e redondo e dividido em pequenos triângulos, que
terminaram conhecidos como petticoat tails. Existem algumas teorias sobre
esse nome, sendo uma delas baseada na corruptela do nome em francês
petites cotés referente aos triângulos cortados do grande biscoito, ou ainda
petit gautelles (bolinhos) que foi se anglicizando com o tempo até chegar a
petticoat tails. A rainha apreciava imensamente a cozinha francesa e,
aparentemente, foram os cozinheiros franceses que trabalhavam em seu
palácio que criaram a receita em sua honra, ou o refinaram para seu gosto.
A literatura a respeito do biscoito data do século XII, embora a primeira
receita propriamente dita figure em um livro escocês de 1736. Essa receita e
algumas variações da época incluíam fermento nos ingredientes. A partir de
1850 as receitas pediam apenas manteiga, farinha e açúcar em quantidades
preservadas até hoje, mas passíveis de pequenas mudanças por onde
passam, dependendo do gosto pessoal e também da região onde é fabricado
o biscoito. A rainha Vitória, por exemplo, preferia os seus ligeiramente
salgados, enquanto na região de Lancashire é comum a adição de alcarávia
e coentro. Em algumas regiões da Escócia são adicionadas raspas de
laranjas ou amêndoas e, com a fundação da empresa Walker’s, surgiu uma
versão com gengibre e mais recentemente uma com choc-chip.
• Amanteigados escoceses
Ingredientes
120g de manteiga
5 a 6 gotas de essência de baunilha
60g de açúcar
180g de farinha de trigo
Açúcar de confeiteiro
Modo de preparo
Preaqueça o forno a 190ºC. Processe a manteiga, a essência e o açúcar
juntos, formando uma pasta leve. Acrescente a farinha aos poucos até obter
uma massa homogênea, abra em superfície enfarinhada com espessura de 1
½ centímetro e corte com cortador próprio no formato que desejar. Arrume
no tabuleiro enfarinhado, espalhe por cima o açúcar de confeiteiro e leve
para gelar por 20 minutos. Retire da geladeira e asse por 15 a 20 minutos ou
até dourar. Deixe esfriar em uma grade antes de servir.
• Amanteigados de farinha de arroz
Ingredientes
60g de açúcar
30g de açúcar de confeiteiro
140g de manteiga com sal
1 colher (café) de essência de baunilha ou amêndoa
150g de farinha de trigo
60g de farinha de arroz
Modo de preparo
Preaqueça o forno a uma temperatura média. Processe todo o açúcar com a
manteiga e a essência, acrescente as farinhas peneiradas e misture bem
formando uma massa homogênea. Cubra a fôrma que vai usar com papel-
manteiga, enfarinhe a superfície onde vai abrir a massa e escolha entre os
formatos: o redondo, do tamanho de uma noz, que deve ser achatado sobre o
papel do tabuleiro como uma bolacha, ou o comprido na largura de 1 ½
centímetro e com espessura entre 4 e 5 centímetros. Fure ligeiramente a
superfície do biscoito para que asse bem por dentro e leve ao forno. Retire em
aproximadamente 30 minutos ou assim que estiver dourado.
• Digestive biscuit
Além de delicioso, o digestive é ligeiramente doce e além de acompanhar o
chá da tarde pode também acompanhar queijos e servir como base para tortas
doces, salgadas e crumbles. O nome digestive foi concebido com base na
crença de que o bicarbonato de sódio, um dos componentes da receita, agiria
como um antiácido e, portanto, emprestaria ao biscoito propriedades
digestivas. O digestive pode ser encontrado também com cobertura de
chocolate amargo, ao leite ou branco.
Ingredientes
4 colheres (sopa) de açúcar mascavo
4 colheres (sopa) de manteiga
4 colheres (sopa) de leite integral
¾ de xícara de farinha integral grossa
¼ de xícara de farinha de trigo
½ colher (chá) de fermento em pó
1 colher (sopa) de flocos de aveia
Modo de preparo
Preaqueça o forno a 190ºC. Unte dois ou três tabuleiros rasos para biscoito ou
utilize mantas de silicone e reserve. Misture na batedeira o açúcar e a
manteiga até obter uma pasta clara e aerada, adicione o leite e bata mais um
pouco até obter um creme grosso. Acrescente as farinhas e o fermento
peneirados e os flocos de aveia e amasse manualmente todos os ingredientes
sobre superfície enfarinhada. Abra a massa com um rolo e corte biscoitos
redondos de aproximadamente 6 centímetros de diâmetro. Coloque nos
tabuleiros e faça furos na superfície com um garfo. Asse por 15 a 18 minutos
ou até dourar e deixe esfriar em uma grade antes de servir.
Se quiser digestives de chocolate, derreta uma barra em banho-maria e cubra
os biscoitos frios ainda sobre a grade, deixe que o chocolate endureça antes
de armazená-los.
• Cookies de gengibre
Ingredientes
80g de Karo
110g de manteiga sem sal
300g de farinha de trigo com fermento
1 colher (chá) de bicarbonato de sódio
200g de açúcar
1 colher (sopa) de gengibre em pó
1 ovo batido
40g de gengibre em conserva bem picado
Modo de preparo
Preaqueça o forno a 170ºC, unte dois ou três tabuleiros e cubra com papel-
manteiga. Reserve.
Em fogo brando, aqueça o Karo e a manteiga, deixe esfriar. Em uma tigela,
misture manualmente a farinha peneirada com o bicarbonato, o açúcar e o
gengibre em pó, acrescente o ovo e o gengibre picado. Misture todos os
ingredientes e com ele faça aproximadamente 20 bolinhas e coloque no
tabuleiro, mantendo um bom espaço entre elas que irão crescer. Asse por 15 a
20 minutos ou até que estejam douradas e perfumadas. Retire dos tabuleiros e
deixe esfriar sobre grades antes de servir.
Os bolos
O bolo de frutas é confeccionado na Europa desde o medievo, mas, de
acordo com lendas culinárias, a primeira receita foi criada pelos egípcios
para ser uma dentre as muitas oferendas colocadas nas tumbas de seus entes
queridos para sua última jornada.
Os romanos passaram a produzir regularmente bolos de frutas um pouco
depois, e os ingredientes mais utilizados eram romãs, pignolis, e passas,
macerados em farinha integral rústica e misturados a mel e especiarias. Há
registros de cruzados, guerreiros e caçadores que carregavam em suas
bagagens bolos de frutas para alimentarem-se durante os longos períodos de
viagem. Um alimento completo que dispensava cozimento, já que
fermentava ao longo do tempo. Quando as primeiras frutas secas chegaram
ao continente britânico, em 1400, receitas de bolos de frutas começaram a
ser preparadas em diversos condados e, por volta de 1700, um bolo de frutas
ritual misturado a castanhas era confeccionado ao final de cada colheita
para ser servido antes da seguinte. A cada ano uma boa safra era
comemorada enquanto a seguinte era homenageada.
Na Inglaterra leis foram criadas restringindo o bolo a casamentos,
crismas, Páscoa e Natal e, em princípios do século XVIII, o bolo de
ameixa41 foi banido completamente da Europa continental por ser
considerado pecaminosamente caro. O preço das frutas era altíssimo e a
quantidade usada na receita era grande. Somente cem anos mais tarde,
durante a era vitoriana, o bolo foi reabilitado e um chá da tarde vitoriano
não podia prescindir dele. Os bolos de frutas eram, então, confeccionados e
esperados ansiosamente durante todo o ano em que ficavam guardados.
Fosse por respeito às tradições pagãs, fosse porque com o tempo se
tornavam mais saborosos, ou por serem uma delicatéssen muito cara. Os
ingleses até hoje preparam como ninguém essa receita maravilhosa!
A mãe de um amigo que mora em Colombo (Sri Lanka) fazia um bolo de
frutas imbatível que guardava por um ano em uma lata de biscoitos antes de
mandar por sedex para o filho. Também meu amigo Carlos Sartoretto, um
gourmet de mão cheia, produz uma vez ao ano um dos bolos de frutas mais
saborosos e perfumados que já provei e presenteia seus amigos no Natal.
Faço sorvete de creme e conhaque para acompanhar.
Foi costume durante anos na Inglaterra que moças solteiras, ao receberem
sua fatia de bolo de frutas em um casamento, a guardassem para colocar
embaixo de seus travesseiros e assim sonhar com seus futuros maridos.
De acordo com historiadores culinários, os precursores dos atuais bolos
foram assados em meados do século XVII, quando os primeiros avanços
tecnológicos na área tomaram forma e os primeiros ingredientes refinados
apareceram. Usavam-se, então, moldes redondos sem fundo feitos em
metal, madeira ou papel; alguns ajustáveis, outros fixos, que eram
colocados sobre tabuleiros chatos para assar. Muitos bolos ainda mantinham
frutas secas como ingrediente adoçante, outros já começavam a produzir
glacês e criar novas técnicas com o surgimento do açúcar.
O que diferenciava um bolo de um pão era apenas uma linha muito tênue,
já que muitas receitas de bolos sugeriam uma fermentação adequada a pães.
O sabor doce era o que evidenciava a diferença entre os dois, e a chegada de
novos utensílios e ingredientes separou definitivamente um do outro. Mas
apenas no século XIX os bolos passaram ao formato que conhecemos hoje,
preparados com farinha e açúcar refinados e fermento próprio. O chef
francês Marie-Antoine Carême foi o pai da confeitaria e estudou desenho e
arquitetura, o que lhe permitiu confeccionar verdadeiras obras de arte,
criando imensas esculturas que frequentaram as mesas reais europeias e
russas e lhe renderam fama internacional.
No mundo rural, durante séculos, entre plantio e colheita agricultores
ofereceram bolos rituais com grãos e frutas que retiravam da terra, e tanto
tamanho quanto formato faziam parte de um simbolismo específico. É a
partir desses rituais que os bolos passam a frequentar batizados, casamentos
e funerais e, à medida que se sofisticam em ingredientes, formato e
decoração, falam da importância de cada momento, onde é repartido e com
quem. Na Antiguidade, quando esse tipo de material custava verdadeira
fortuna, era uma honra e deferência especial ser presenteado com um bolo
ou comparti-lo com outros comensais.
• Fruit cake
As frutas secas usadas na receita a seguir devem ser colocadas de molho no
dia anterior e aqui pode ser usado tanto o chá-preto forte da gama dos
defumados quanto o Earl Grey para a infusão, que vão emprestar ao bolo
sabor e fragrância sutil. Existe no mercado uma mistura pronta de frutas
cristalizadas natalinas ideal para essa receita. Essas frutas, se mantidas em
papel-manteiga e guardadas em recipiente hermeticamente fechado na
prateleira mais baixa da geladeira, onde nem luz e nem muito frio as toquem,
permanecem bem por muito tempo. Também podem ser congeladas,
retirando-se todo o ar da embalagem.
Ingredientes
150g de manteiga amolecida
150g de açúcar demerara (mascavo mais escuro)
4 ovos
220g de farinha de trigo
1 colher (chá) de fermento em pó
1 colher (sopa) de melado
100ml de conhaque ou cointreau
2 colheres (chá) de suco de limão-siciliano
1 pitada generosa de noz-moscada
450g de frutas secas (passas variadas, frutas vermelhas secas, damascos,
tâmaras)
300ml de chá frio
220g de frutas cristalizadas
220g de cerejas secas ou frutas vermelhas desidratadas
Modo de preparo
Preaqueça o forno em grau médio (170ºC) e prepare uma forma redonda de
22 centímetros, com fundo removível, com papel-manteiga. Processe em
batedeira a manteiga e o açúcar até obter um creme homogêneo. Adicione os
ovos separadamente, alternando com a farinha já peneirada com o fermento, e
continue batendo até que ovo e farinha formem uma mistura uniforme,
cremosa e clara. Desligue a batedeira e acrescente manualmente o melado, o
conhaque (ou cointreau), o limão e a noz-moscada, misturando tudo
cuidadosamente. Junte todas as frutas em outra vasilha (as frutas secas devem
ser infundidas em água de um dia para o outro. Coe as frutas para utilizá-las
na receita e reserve o chá que poderá ser reaproveitado para fazer pão) e
incorpore-as à mistura delicadamente, de forma que a massa mantenha a
aeração necessária e o bolo asse corretamente sem solar, o que leva em torno
de 2 horas. O bolo deve ficar bem corado e perfumado. Espete um palito para
ter certeza de que o bolo está bem assado e retire da fôrma quando estiver
frio.
• Dundee cake
O dundee cake é uma variação escocesa do bolo de frutas. Nele prevalecem
groselhas secas, passas e amêndoas e pode prescindir das frutas cristalizadas.
Essa versão escocesa foi creditada e comercializada por James Keiller, dono
da fábrica Keiller de marmalades, as famosas geleias cítricas produzidas na
Escócia e Inglaterra. Conta-se que Mary, rainha da Escócia, não gostava de
cerejas e a primeira versão contendo amêndoas ao invés de cerejas foi
produzida especialmente para ela. A decoração do dundee é feita com
círculos concêntricos de amêndoas inteiras.
Ingredientes
100g de amêndoas peladas
180g de manteiga sem sal
180g de açúcar mascavo
Raspas de 1 laranja
3 colheres (sopa) de geleia de laranja
225g de farinha de trigo
1 colher (chá) de fermento
3 ovos
100g de amêndoas trituradas
2 colheres (sopa) de leite
100g de cerejas cristalizadas
500g de frutas secas picadas
2 colheres (chá) de açúcar
Modo de preparo
Coloque as amêndoas em uma tigela com água fervida e deixe que
descansem por 5 minutos, descarte a água. Preaqueça o forno a uma
temperatura de 170ºC e forre uma fôrma de 20 centímetros de fundo falso
com papel-manteiga. Use a batedeira para misturar a manteiga e o açúcar até
obter um creme homogêneo e acrescente as raspas de laranja e a geleia.
Peneire farinha e fermento adicionando um pouco a cada ovo acrescentado,
batendo sempre, acrescente as amêndoas trituradas, uma colher (chá) de leite
e a seguir as frutas cristalizadas (cerejas e frutas secas) e mexa tudo
manualmente com bastante cuidado. Despeje aos poucos a mistura na fôrma e
nivele bem antes de colocar as amêndoas peladas de forma circular sobre o
bolo. Leve ao forno por 45 minutos depois abaixe a temperatura para 130ºC e
deixe assar por mais 1 hora, 1 ½ hora. Espete um palito, que deve retornar
com algumas migalhas quando o bolo estiver no ponto. O meio não deve
assar muito para que permaneça macio.
Misture o restante do leite com o açúcar e faça um glacê para ser pincelado
sobre o bolo que, depois de glaçado volta por 2 a 3 minutos ao forno. Retire o
bolo novamente do forno e deixe que esfrie na fôrma. Depois de frio enrole
em papel-manteiga e sirva a partir de dois dias de assado.
• Bolo de café com nozes
Ingredientes do bolo
15 metades de nozes
200g de açúcar
200g de manteiga
4 ovos batidos em 1 colher (sopa) de água gelada
200g de farinha com fermento
1 colher (chá) de fermento para bolo
1 colher (sobremesa) de pó de café instantâneo dissolvido
Ingredientes do recheio
500g de mascarpone
50g de açúcar mascavo
3 colheres (sopa) de licor de café
Modo de preparo
Preaqueça o forno a 170ºC. Unte duas fôrmas redondas de 20 centímetros de
diâmetro e cubra com papel-manteiga. Toste dez meias nozes ligeiramente
em frigideira e reserve, pique as nozes restantes e reserve. Processe todos os
ingredientes até obter uma massa macia e homogênea e distribua nas duas
fôrmas com cuidado. Asse por 20 minutos aproximadamente, retire da fôrma
e deixe esfriar.
Para o recheio misture cuidadosamente o mascarpone ao açúcar e acrescente
o licor. Com parte do creme recheie uma metade do bolo, coloque em cima a
outra metade do bolo e cubra-o com o restante do creme, salpique com nozes
e sirva.
• Bolo vitoriano clássico
Ingredientes do bolo
200g de açúcar
200g de manteiga amolecida
4 ovos batidos
200g de farinha com fermento
2 colheres (sopa) de leite
Ingredientes do recheio
100g de mascarpone
100g de açúcar vanille
1 colher (café) de extrato de baunilha
300g de geleia de morango
1 saquinho de açúcar vanille para confeitar o bolo
Modo de preparo
Preaqueça o forno a 170ºC. Unte duas fôrmas redondas de 20 centímetros de
diâmetro e cubra com papel-manteiga. Processe todos os ingredientes até
obter uma massa homogênea e macia e distribua nas duas fôrmas com
cuidado. Asse por 20 minutos aproximadamente, retire da fôrma e deixe
esfriar.
Para o recheio misture cuidadosamente o mascarpone ao açúcar e acrescente
a baunilha. Com parte do creme recheie uma metade do bolo, cubra com a
geleia e encaixe o segundo bolo. Peneire o açúcar vanille por cima do bolo.
Podem-se usar moldes ou estênceis em papel ou silicone para formar
desenhos sobre o bolo com o açúcar peneirado.
• Bolo de chocolate
Ingredientes
140g de chocolate meio amargo com 70% de cacau
6 ovos, claras separadas
100g de manteiga
140g de amêndoas trituradas
1 colher (sopa) de cointreau
80g de açúcar
Cacau em pó para polvilhar
Crème fraîche (ver receita na coluna ao lado)
Modo de preparo
Preaqueça o fono na temperatura de 170ºC, unte uma fôrma de fundo
removível de 23 centímetros de diâmetro e sobre a base coloque papel-
manteiga. Derreta o chocolate em banho-maria, deixe esfriar e bata com
batedor até conseguir uma mistura lisa. Acrescente as gemas, a manteiga, as
amêndoas e o licor. Bata as claras em neve com uma pitada de sal. Continue
batendo e adicione o açúcar aos poucos até que endureçam. Misture bem duas
colheres dessas claras com a mistura de chocolate e acrescente o restante
cuidadosamente. Coloque a mistura na assadeira e leve ao forno por 30 a 35
minutos. O bolo deve estar firme ao final desse tempo. Deixe esfriar na
fôrma; o bolo vai murchar um pouco e rachar, mas a ideia é essa, não se
assuste! Peneire cacau por cima e sirva cada fatia ladeada por creme fraiche.
• Crème fraîche rápido
Ingredientes
1 colher (chá) de ágar-ágar
2 colheres (sopa) de suco de limão
100g de iogurte grego
4 gotas de extrato de baunilha
Raspas de ½ limão
Modo de preparo
Deixe o ágar-ágar no suco de limão até absorver todo o líquido. Aqueça sem
ferver, esfrie e incorpore ao iogurte, acrescente a baunilha, as raspas de limão
e sirva.
• Farinha de amêndoas
O único ingrediente são as amêndoas na quantidade que for necessário.
Amêndoas rançam com facilidade depois de processadas, o ideal é mantê-las
inteiras no freezer e utilizar à medida que for necessário. Pode-se usá-las com
ou sem pele, depende do gosto pessoal.
Modo de preparo
Leve as amêndoas mergulhadas em água ao fogo brando, quando ferver retire
do fogo e coe, deixe esfriar e descasque. Depois de peladas, leve ao forno
preaquecido por 5 a 10 minutos, não deixe torrar! Esfrie e processe na função
pulse do liquidificador. Se processar demais vira pasta.
• Bolo de gengibre com cobertura de cream cheese
Ingredientes do bolo
3 ovos
170g de açúcar
150ml de melado
2 colheres (sopa) de mel
2 colheres (sopa) de raspas de laranja
150ml de óleo vegetal
350g de farinha de trigo
1 colher (chá) de canela em pó
1 colher (café) de cravo em pó
2 colheres (chá) de gengibre em pó
1 colher (chá) de bicarbonato de sódio
1 pitada de sal
1 xícara de água morna
Ingredientes da cobertura
230g de queijo aerado tipo philadelphia
2 a 3 pacotes de açúcar vanille peneirado
1 colher (chá) de essência de baunilha
Modo de preparo
Preaqueça o forno a 180ºC, unte uma fôrma quadrada de 22 centímetros ou
uma fôrma redonda de fundo removível de 23 centímetros de diâmetro, cubra
com papel-manteiga, reserve. Bata na batedeira em velocidade média os
ovos, o açúcar, o melado, o mel, as raspas de laranja e o óleo até formar uma
massa cremosa. Misture em outro recipiente a farinha, as especiarias, o
gengibre, o bicarbonato e o sal e incorpore ao creme de ovos. Junte a água
morna e continue batendo até obter uma massa homogênea. Despeje a
mistura na fôrma e leve para assar por 30 a 40 minutos. Teste o cozimento
espetando no centro do bolo um palito, que deve sair limpo.
Para a cobertura, misture em batedeira o queijo, o açúcar e a baunilha até
obter um creme homogêneo. Leve à geladeira por uma hora e cubra o bolo
depois que estiver frio. Mais raspas de laranja podem ser salpicadas sobre a
cobertura.
• Bolo de banana
Ingredientes
3 bananas-d’água maduras bem amassadas
80g de manteiga derretida
Raspa e suco de ½ laranja-pera
170g de açúcar
1 ovo batido
1 colher (chá) de extrato de baunilha
1 colher (chá) de bicarbonato de sódio
350g de farinha de trigo
Modo de preparo
Preaqueça o forno a 175ºC. Unte uma fôrma de pão e reserve. Misture
manualmente, ou em velocidade média na batedeira, as bananas e a manteiga
e incorpore o suco, o açúcar, o ovo e a baunilha. Salpique o bicarbonato de
sódio sobre a massa e misture bem. Por último coloque a farinha, misturando
sempre. Despeje a mistura na fôrma e asse por aproximadamente 50 minutos.
Deixe esfriar em grade apropriada e sirva com crème fraîche (ver receita na
página 227. Substituir na receita o suco de limão por suco de laranja-pera e as
raspas de limão por raspas de laranja).
Tortas, tarteletes, docinhos
• Torta de peras e maçãs em Earl Grey
Ingredientes da massa
220g de farinha de trigo
110g de manteiga
1 colher (sopa) de açúcar
2 colheres (sopa) de amêndoas trituradas
2 colheres (sopa) de água filtrada
Ingredientes do recheio
1 xícara de água
2 saquinhos de Earl Grey
¼ de xícara de açúcar
3 maçãs descascadas, descaroçadas e cortadas longitudinalmente
3 peras grandes descascadas, descaroçadas e cortadas longitudinalmente
2 cravos
1 colher (café) de essência de baunilha
Modo de preparo
Misture manualmente todos os ingredientes da massa e forre as laterais e o
fundo de uma fôrma de fundo removível de 20 centímetros. Um bom truque é
cobrir a massa com papel-manteiga e colocar vários grãos de feijão por cima
da massa. Assim, ao assar, a massa não vai subir e ficará lisinha para receber
o recheio. Leve para assar por 15 a 20 minutos ou até que esteja ligeiramente
dourada. Retire os feijões e o papel-manteiga e deixe esfriar na fôrma.
Para o recheio, ferva a água, junte o chá e deixe em infusão por 10 minutos,
retire os saquinhos, acrescente açúcar ao chá e junte maçãs, peras e cravos.
Tampe a panela e deixe ferver por 5 minutos ou até que as frutas estejam
macias ao toque, mas não moles. Retire as frutas e reduza o chá açucarado até
obter aproximadamente ¾ de xícara de líquido. Deixe esfriar um pouco,
acrescente a baunilha e derrame sobre as frutas. Deixe esfriar antes de rechear
o bolo.
Montagem
Preencha a massa da torta ainda na fôrma com as frutas e, na hora de servir,
regue cada pedaço de torta com a calda, que pode ficar mais caramelada se
for reduzida em fogo brando. Creme de leite bem gelado ligeiramente
adocicado e com raspas de laranja pode acompanhar a torta.
• Torta de limão
Ingredientes da massa
175g de farinha de trigo
100g de manteiga
1 colher (sopa) de açúcar
1 colher (sopa) de água gelada
Raspas de ½ limão
Ingredientes do recheio
2 colheres (sopa) de amido de milho
100g de açúcar
Raspas de 2 limões-sicilianos
125ml de suco de limão-siciliano
Suco de 1 laranja-pera pequena
85g de manteiga em cubinhos
3 gemas
1 ovo
Ingredientes do suspiro
4 claras
150g de açúcar
2 colheres (sopa) de amido de milho
Modo de preparo
Processe todos os ingredientes da massa na função pulse do liquidificador,
quando estiverem ligeiramente misturados retire da máquina e termine o
processo manualmente até obter uma massa homogênea para preencher uma
fôrma de torta medindo aproximadamente 20 centímetros (as de lateral baixa
com bordas dentadas). Fure toda a superfície com um garfo e leve para assar
por 15 minutos ou até que doure. Um bom truque é cobrir a massa com
papel-manteiga e colocar vários grãos de feijão por cima da massa. Assim, ao
assar, a massa não vai subir e ficará lisinha para receber o recheio. Retire os
grãos de feijão e o papel-manteiga assim que tirar a massa do forno e deixe-a
esfriar na fôrma.
Para o recheio, misture o amido de milho, o açúcar e as raspas de limão em
uma panela e junte o suco de limão coado aos poucos, mexa até dissolver.
Acrescente o suco da laranja e cozinhe tudo em fogo brando mexendo sempre
até obter um mingau grosso e liso. Assim que a mistura começar a levantar
fervura, desligue o fogo e adicione a manteiga, mexendo sempre até que
derreta. Incorpore as gemas batidas mais o ovo inteiro, misture bem e retorne
ao fogo brando. Mexa a mistura vigorosamente por alguns minutos, para não
encaroçar, até que a mistura engrosse e levante bolhas. Retire do fogo e deixe
esfriar.
Para o suspiro, bata as claras na batedeira até que forme picos, então
acrescente metade do açúcar aos poucos, uma colher de sopa de cada vez,
sempre batendo. Acrescente o amido de milho e a seguir o resto do açúcar.
Aqueça ligeiramente o recheio da torta e cubra a massa com ele. Comece com
o suspiro pelas laterais da torta para que ele não afunde. Leve a torta de volta
ao forno por 20 minutos ou até que o suspiro comece a dourar. Desenforme
depois de fria.
• Bombas de chocolate e Nutella (éclairs)
Ingredientes das bombas
50g de manteiga em cubinhos
150ml de água
1 colher (chá) de açúcar
70g de farinha peneirada
2 ovos batidos
Ingredientes do recheio
100g de creme de chantilly batido
1 colher (chá) de baunilha
120 g de Nutella
Ingredientes da cobertura
60g de chocolate ao leite picado
10g de manteiga sem sal
80g de açúcar vanille peneirado
Modo de preparo
Leve ao fogo brando, em uma panela, a manteiga, a água e o açúcar. Assim
que levantar fervura e a manteiga derreter, desligue o fogo, adicione a farinha
e bata vigorosamente com uma batedeira manual ou batedor por 1 minuto ou
até que a massa fique macia e desgrude da panela.
Adicione o ovo batido aos poucos, batendo sempre. Preaqueça o forno a
200ºC, unte um tabuleiro baixo, próprio para biscoitos. Se tiver um saco de
confeiteiro pode usá-lo para pingar a mistura, se não use um saco plástico
transparente desses de congelar comida. Faça um furo de 1 centímetro em
uma das pontas, coloque a misture no saco e pingue vinte éclairs de
aproximadamente 7 centímetros cada, deixando espaço entre eles para que
cresçam. Asse por 10 minutos, aumente para 220ºC a temperatura do forno e
asse por mais 15 a 20 minutos até que dourem. Tire do forno e imediatamente
fure a lateral de cada éclair para que o vapor saia. Deixe esfriar em uma
grade. Essa primeira fase pode ser feita um dia antes de servir as bombas
desde que depois de totalmente frias sejam embrulhadas individualmente com
papel-manteiga e colocadas em embalagem bem fechada.
Para o recheio, misture o creme chantilly com a baunilha e a Nutella. O
próximo passo é encher o saco de confeiteiro com o recheio e preencher cada
éclair.
Para a cobertura, derreta o chocolate com a manteiga em banho-maria, depois
de derretido bata com garfo até que fique um creme liso, adicione o açúcar
vanille, batendo até obter uma massa brilhosa. Mergulhe a parte de cima de
cada éclair nesse molho e deixe esfriar antes de servir.
• Tarteletes
Um supercoringa na hora de servir um chá, as tarteletes, que são basicamente
forminhas de massa, podem ser preenchidas com geleia e, sobre ela, frutas
frescas ou em conserva, crème patissier acrescido de essência de amêndoas,
brigadeiro com algum enfeite, bolinhas de sorvete, enfim, quase tudo o que
houver a mão pode ser usado para confeccionar tarteletes. Existem no
comércio forminhas prontas de massa filo ou massa folhada. A seguir
apresento uma receita básica que pode ser assada com recheio por 10 a 15
minutos ou até que dourem. As forminhas usadas podem ser as de
empadinhas untadas para irem ao forno; as menores têm apresentação mais
bonita. Use a imaginação!
Ingredientes
220g de farinha de trigo
110g de manteiga
1 colher (sopa) de açúcar
3 a 4 colheres (sopa) de água filtrada
Modo de preparo
Preaqueça o forno a 200ºC, unte as forminhas. Processe todos os ingredientes
até obter uma massa quebradiça, forre as forminhas com a massa e leve-as
para assar em forno quente. As forminhas têm boa durabilidade se guardadas
em recipiente forrado de papel seda muito bem fechado.
• Trufas frescas
Ingredientes
1 lata de creme de leite resfriado na geladeira por 1 noite
170g de chocolate meio amargo em barra
Cacau em pó
Modo de preparo
Descarte o soro e coloque o creme de leite em uma panela pequena. Quebre o
chocolate e incorpore ao creme. Leve a mistura ao fogo brando sempre
mexendo. Assim que derreter, tire do fogo e mexa até ter uma consistência
lisa e cremosa. Despeje em recipiente de louça, tampe e leve à geladeira por
um dia. Quando for retirar da geladeira para fazer as trufas, peneire uma
xícara de cacau em pó em um bowl. Boleie cada trufa entre duas colheres de
chá, passe pelo cacau e coloque em forminhas sobre quadradinhos de papel
celofane. Essas trufas, como são frescas, devem permanecer na geladeira em
embalagem fechada. Pode-se acrescentar aromatizantes, biscoitos ou nozes
trituradas e mesmo um pouco de licor.
• Madeleines à Antonio Correia Miranda (meu neto)
Alguns se referem a elas como biscoitos, mas as madeleines são bolinhos
franceses para acompanhar chá, reconhecíveis à distância pelo formato de
conchas de escalopes. Recém-saídas do forno, as madeleines ficam mais
saborosas com uma camada de açúcar vanille ou um glacê de limão.
Afamadas por Marcel Proust no romance No caminho de Swan (Em busca do
tempo perdido), as madeleines surgiram em Commercy, vilarejo da região de
Lorraine, durante o século XVIII. O nome foi aparentemente dado pelo duque
de Lorraine que, encantado com os bolinhos, batizou-os com o nome da
cozinheira que os preparou. A massa é de pão de ló, mas a diferença aqui é
que a manteiga usada é clarificada (deve estar derretida e morna) e pode ser
inclusive quase queimada, com cuidado é claro! Isso confere às madeleines
leveza e um suave sabor amanteigado. A manteiga derretida deve ser
aquecida para não solidificar em contato com a massa. O formato tradicional
é o de concha de escalope; existem tabuleiros próprios para elas, mas outras
forminhas pequenas também podem ser utilizadas. A massa depois de pronta
pode ser guardada por até três dias na geladeira em recipiente tampado e
longe de luz. Como a característica mais marcante desse bolinho é seu
frescor, não é necessário preparar a receita toda de uma só vez.
Ingredientes
115g de manteiga sem sal
130g de farinha de trigo
½ colher (chá) de fermento em pó
Sal
3 ovos em temperatura ambiente
100g de açúcar cristal
30g de açúcar mascavo
1 colher (chá) de extrato de baunilha
1 colher (chá) de raspa de limão -siciliano
Modo de preparo
Derreta em uma panela a manteiga e tampe para que permaneça quente.
Misture em um recipiente a farinha e o fermento peneirados junto com o sal.
Bata em batedeira os ovos e os dois tipos de açúcar até obter uma massa
grossa e clara, acrescente a baunilha e as raspas de limão, desligue a
batedeira. Incorpore um 1/3 da mistura da farinha mexendo levemente; a
seguir, metade da farinha, mexendo com cuidado; e finalmente o resto
mexendo muito ligeiramente para não murchar a mistura. Junte a manteiga
derretida delicadamente, cubra e leve para refrigerar por 1 ou 2 horas. O ideal
é que a mistura fique por uma noite na geladeira.
Preaqueça o forno a temperatura de 190ºC. Unte generosamente com
manteiga as fôrmas, de preferência não aderentes, espalhe um pouco de
farinha com o cuidado de retirar o excesso, e leve-as à geladeira para
endurecer a manteiga. Despeje pequenas porções da massa no meio da
forminha para que ela se expanda, asse por 8 a 10 minutos, até que as laterais
estejam bem douradas e o centro, barrigudinho. Retire do forno e da fôrma
imediatamente para que não continuem assando com o calor. Deixe esfriar
em grades frias por alguns minutos e sirva ainda mornas.
Pães e pãezinhos
• Pão de abóbora
Ingredientes
200g de farinha de trigo
1 colher (chá) de bicarbonato de sódio
1 pitada de sal
200g de açúcar
240g de purê de abóbora (asse na casca ou cozinhe no vapor e amasse
sem temperos)
120ml de azeite de oliva
2 ovos batidos
60ml de água
1 pitada generosa de noz-moscada
1 pitada generosa de canela em pó
1 pitada generosa de curry
1 ou 2 galhos de alecrim
Modo de preparo
Preaqueça o forno a 180ºC. Unte uma fôrma de pão de 23 centímetros,
reserve. Misture os ingredientes secos (exceto as especiarias) e, a seguir, o
purê de abóbora, o azeite, os ovos batidos, a água, a noz-moscada, a canela
em pó e o curry. Misture ligeiramente e despeje na fôrma untada, coloque o
alecrim por cima da massa e asse por 50 minutos aproximadamente.
Verifique se ficou assado espetando um palito no centro do pão. Retire da
fôrma e deixe esfriar em grade limpa antes de cortar.
• Brioche à tête (parisien)
O brioche nasceu na Normandia no século XVI, mas a massa remonta à
Idade Média; bolos parecidos aos brioches atuais eram produzidos na época.
Gisors e Gournay ficaram famosas pelos brioches, talvez por causa da
excelente manteiga encontrada na região. Não são facílimos de fazer, mas
tampouco são muito difíceis, e o resultado compensa!
Ingredientes
500g de farinha de trigo
1/3 xícara de açúcar cristal
4 ½ colheres (chá) de fermento seco granulado (para pizza)
2 colheres (chá) de sal
4 ovos para o pão
½ xícara de leite
1 xícara de manteiga semiderretida e cortada em cubos
2 ovos e 1 gema para pincelar
Modo de preparo
Ajuste a pá para misturar massa de pão n0 processador, junte a farinha, o
açúcar, o fermento e o sal em velocidade mínima para misturar os
ingredientes. Acrescente quatro ovos e o leite e continue misturando na
mesma velocidade. Quando a massa começar a tomar forma, troque a pá
misturadora pelo gancho e misture na velocidade média por 2 minutos; pare a
processadora e desgrude a massa do gancho e da tigela. Continue a misturar
até que a massa fique firme e elástica, mais 2 minutos aproximadamente.
Acrescente metade dos cubos de manteiga aos poucos, bata por mais 2
minutos e retire a massa do processador.
Misture manualmente a massa por alguns minutos sobre si mesma para
que a manteiga fique misturada homogeneamente e depois retorne ao
trabalho com gancho no processador. Acrescente a manteiga restante,
aumente para a velocidade média e trabalhe por mais 4 minutos. Solte a
massa do gancho e da tigela e volte a misturar por mais 4 minutos. O
resultado pode parecer mole demais, mas não acrescente mais farinha!
Coloque a massa em um saco plástico transparente, feche o saco e deixe
que a massa fermente até dobrar de tamanho, por 1 hora ou 1 ½ hora em
lugar quente. Quando for fazer os pães, passe farinha nas mãos e não na
massa! Depois de fermentada corte a massa em dezesseis partes (uma opção
também é cortar a massa em apenas duas partes, caso você prefira assar em
uma fôrma grande individual).
Coloque a massa sobre uma superfície limpa e seca, corte em 16 pedaços
iguais e forme bolinhas com a mão, amassando de fora para dentro por
alguns minutos e finalizando o formato como uma espécie de pino de
boliche, mais baixo e gordinho. Coloque na fôrma, cubra com plástico e
deixe crescer por no máximo 30 minutos. Forno preaquecido a 190ºC,
misture dois ovos e uma gema com uma pitada de sal e pincele
cuidadosamente sem deixar que a mistura escorra pelas laterais. Os brioches
devem ser colocados no centro do forno por 18 minutos para assarem por
igual, ou até que estejam bem dourados. Depois de prontos, deixe esfriar
por alguns minutos e retire das fôrmas. Sirva ainda morno com manteiga
e/ou geleia.
• Caracóis de canela
Ingredientes do pão
250g de farinha de trigo
40g de açúcar
1 colher (chá) de sal
20g de manteiga amolecida
1 ½ saquinho de fermento granulado (para pizza)
150ml de água em temperatura ambiente
Ingredientes do recheio
30g de manteiga amolecida
100g de passas
1 colher (chá) de canela em pó
1 ovo batido
100g de açúcar
100ml de água
Modo de preparo
Misture ligeiramente todos os ingredientes do pão e coloque em saco plástico
para congelados. Crie um pouco de ar dentro do saco, amarre, coloque em
local quente e deixe descansar por 1 hora. Depois disso abra a massa com
uma altura aproximada de 1,5 centímetro, pincele a manteiga sobre ela,
espalhe as passas e salpique a canela. Enrole a massa com cuidado como se
fosse rocambole. Corte fatias de 5 centímetros de grossura e coloque em
fôrma enfarinhada, sem manteiga, dando espaço entre um pãozinho e outro
para que cresçam em lugar quente por 30 minutos. Preaqueça o forno a
190ºC, pincele as gemas sobre os pãezinhos e leve para assar por 20 minutos.
Misture água e açúcar em uma panela e leve para ferver por 2 minutos ou até
obter um xarope grosso que deve ser pincelado sobre os pãezinhos ainda
quentes.
• Pain au chocolat rápido
Ingredientes
2 folhas finas de massa folhada (cortada cada em 12 quadrados)
12 pedaços de chocolate meio amargo dividido em 12 pedaços de 50g
1 ovo batido com 1 colher (sopa) de água
Açúcar
Modo de preparo
Forre um tabuleiro baixo ou manta de silicone com papel-manteiga. Pincele
com manteiga cada quadrado de massa e coloque um pedaço de chocolate
dentro. Aperte bem a massa sobre o chocolate e coloque cada pãozinho sobre
o tabuleiro com a emenda virada para baixo. Preaqueça o forno a 200ºC,
pincele cada pãozinho com gema de ovo e salpique açúcar por cima, leve
para assar por 15 minutos ou até ficar dourado e crocante. Deixe esfriar um
pouco e sirva morno.
• Danish pastry rápido (pão doce da Dinamarca)
Ingredientes
1 ½ xícara de leite
2 colheres (sopa) de açúcar
1 colher (chá) de extrato de baunilha
4 gemas e 1 ovo batido
1 colher (sopa) de amido de milho
4 folhas de massa folhada
200g de damascos postos de molho por uma noite e ligeiramente
aferventados
1 ovo
1 xícara de geleia de damasco aquecida
Modo de preparo
Junte em uma panela o leite, a metade do açúcar e a baunilha, mexa sobre
fogo baixo até começar a ferver, desligue o fogo. Em outro recipiente bata as
gemas, o resto do açúcar e o amido de milho e despeje a mistura de leite por
cima bem devagar. Leve ao fogo brando mexendo sempre por 5 a 6 minutos
até obter um mingau. Retire do fogo, mantenha a panela tampada, reserve.
Preaqueça o forno a 220ºC. Unte com manteiga dois tabuleiros e cubra-os
com papel-manteiga. Preencha cada quadrado de massa com uma colher
(sopa) do creme de ovos, disponha dois damascos em cada e junte cada ponta
oposta no meio da massa. Coloque com cuidado nas assadeiras e pincele com
ovo batido. Asse por 12 a 15 minutos ou até que pareçam crocantes e
dourados. Ao retirar do forno pincele a geleia sobre os pãezinhos quentes e
sirva morno.
Pode-se também fechar os pães dando um formato de catavento, cortando
a massa em cruz e trazendo as pontas da direita para o centro da massa,
pressionando com um pouco de água ou geleia para não descolar durante o
cozimento.
• Scone de queijo
Ingredientes
225g de farinha de trigo com fermento
Sal e pimenta a gosto
100g de manteiga
200g de grana padano ralado
3 ramos de cebolinhas bem picados
2 ovos batidos
2 a 4 colheres (sopa) de iogurte natural
Modo de preparo
Preaqueça o forno a 200ºC. Unte uma assadeira plana própria para biscoitos.
Peneire a farinha, coloque sal e pimenta a gosto e adicione a manteiga,
misturando bem até que o produto final se pareça a farelo. Incorpore ¾ do
queijo e a cebolinha misturando bem. Adicione o iogurte às colheradas e pare
quando a massa ficar elástica e desgrudando dos dedos. Role a massa em um
pouco de farinha em superfície limpa e deixe-a com espessura de 2,5
centímetros. Corte os scones, disponha-os na assadeira e cubra-os com o
queijo restante.
Asse por aproximadamente 25 minutos ou até que estejam dourados e fofos.
Retire do forno e deixe esfriar por 20 minutos em uma grade própria.
Consuma os scones ainda mornos, que podem se tornar uma refeição,
partidos ao meio com cada metade coberta por creme de espinafre e ovos, por
exemplo, acompanhado de salada. Podem também ser acompanhados de
queijo, manteiga, geleia ou da tradicional manteiga ao rum, que é
delicadamente temperada e finalizada com rum.
• Manteiga ao rum
Essa é uma receita tradicional originária da cidade de Cumberland, na região
dos lagos no norte da Inglaterra, e acompanha biscoitos de aveia e scones de
iogurte. Era oferecida a amigos em visita aos bebês recém-nascidos, que em
troca deixavam uma moeda de prata. No dia do batismo, com o pote de
manteiga já vazio, as moedas eram colocadas dentro dele. Um pote que ainda
tivesse gordura e onde moedas se grudassem significava que a criança jamais
passaria necessidade. Há um ditado que diz: “Manteiga simboliza a riqueza,
açúcar, a doçura e o rum, o espírito da vida.” A manteiga ao rum também
acompanha o tradicional Christmas pudding.
Ingredientes
225g de manteiga sem sal
170g de açúcar mascavo
8 a 10 colheres (sopa) de rum escuro
Noz-moscada ralada a gosto
Modo de preparo
Aqueça uma tigela e coloque a manteiga nela, bata até que fique cremosa,
incorpore o açúcar e o rum, rale a noz-moscada e misture tudo.
Tradicionalmente a manteiga é levada a gelar em recipiente de louça.
41 É comum em inglês alguns nomes englobarem uma categoria de coisas como é o caso de, por
exemplo, plum (ameixa) cake, termo genérico para todos os tipos de frutos secos de menor porte, como
passas, groselhas e frutos silvestres. Assim como pudding pode se referir à palavra sobremesa e dinner
a uma refeição mais substanciosa, como almoço ou jantar. (N. da A.)
Diário de bordo
Visto tirado sem grande complicação, malas prontas, documentos
guardados, roteiro checado, abraços e beijos trocados, últimas
recomendações reiteradas e partimos para a China no dia 30 de setembro,
com uma primeira parada em Londres. Dormimos profundamente durante o
voo e, com todo o gás, rumamos para o hotel apenas para deixar as malas e
mordiscar uma maçã – as inglesas são especialmente deliciosas. Chamamos
um táxi e tocamos para a Fortnum & Mason, parada obrigatória para quem
aprecia o requinte de um verdadeiro chá da tarde inglês. Uma sessão de chá
pode durar mais do que meras duas horas no Jubille Tea Room, criado para
comemorar o jubileu de ouro da rainha Elizabeth, que aconteceu em 2012.
No cardápio, trezentos tipos de chás de diferentes regiões e safras são
oferecidos pelo maître, de quem se pode receber preciosas sugestões.
Os chás, como os bons vinhos, não apenas desfrutam de prestígio, mas
também de privilégios concedidos aos melhores champagnes e vinhos do
mundo. Assim como em uma boa safra vinícola, o chá depende de fatores
como terroir, solo e clima, que determinam o resultado final da safra. No
salão do Jubille Tea Room a carta de chá oferece dezenas de chás, puros e
blends, e oito variedades podem ser escolhidas para o serviço com a ajuda
do maître bem treinado, essencial nas escolhas, que variam de acordo com o
paladar de cada cliente. Uma demonstração envolvendo quatro tipos de chá
também pode ser solicitada e um dos instrutores da casa gentilmente nos
introduz às diferentes e sutis nuances dos variados tipos de chás. Sanduíches
e doces delicados são servidos e depois os scones, clotted cream e geleias
de amora e morango indispensáveis. A escolha de outro tipo de chá pode ser
feita a qualquer momento durante o serviço, que conta com um cardápio de
opção vegetariana, como na maioria das casas de chá inglesas.
O salão funciona até as 21h, de segunda-feira a sábado e, ao terminarmos
nosso chá, rapidamente visitamos os outros andares da loja para algumas
fotos e inevitáveis compras. No andar térreo são oferecidos oitocentos tipos
de chá e há especialistas generosos à disposição, pacientes e
imprescindíveis na hora das decisões cruciais. Compramos pouco porque
ainda temos muita viagem pela frente e, cansadas, embarcamos de volta em
um táxi para o hotel. No dia seguinte, antes de nosso embarque à tarde,
temos outra sessão, dessa vez apenas uma degustação e algumas fotos na
loja original da Twinings, que fica no Strand, rua no centro de Westminster,
em Londres, onde está desde 1706.
Uma degustação simples como a que vamos participar exige atenção
porque a variedade apresentada é enorme. As safras variam muito e um
saquinho de chá pode custar uma boa fortuna, nada, é claro, que se compare
ao que já custou um dia quando seu peso valia quase o de ouro em pó.
Na Twinings são ministrados cursos individuais ou em grupo que variam
em preço e tempo, dependendo do teor e do número de horas aula, o que
não é interessante apenas para a hora da compra, mas também para ajudar
na harmonização e apreciação do chá nas várias maneiras em que pode ser
servido. Os perfumes, formas e tipos a degustar em uma sessão de prova são
os mais variados e há, inclusive, um chá brasileiro bastante saboroso.
O Brasil tem solo e clima adequados para plantio de chá e o rei Dom
João, na intenção de fazer do Brasil Colônia um país rico e independente de
Portugal, tentou levar adiante essa vocação. Mas o café tinha já seu espaço
garantido em solo brasileiro e o chá nunca chegou a se tornar um verdadeiro
investimento no país. Mas há no interior de São Paulo, em Resgate,
plantadores que exportam com sucesso. De qualquer maneira, as distâncias
entre a Ásia e o Brasil atualmente são bem menores e com certeza o chá
muito em breve vai ocupar um lugar de destaque em nossas vidas, como as
infusões já ocupam.
Fim de visita e hora de nova partida. Depois da visita à Casa Twinings
embarcamos no Heathrow Express, na estação de Paddington, rumo ao voo
para Beijing. A data que escolhemos coincidiu com a semana do Moon ou
Mid-Autumn Festival que acontece no décimo quinto dia do oitavo mês do
calendário lunar, quando a lua está maior e mais brilhante no céu, é a lua
das colheitas.
A lenda que cerca essa lua é que o arquiteto Hou Yih, depois de construir
o palácio de Jade em homenagem à deusa do Paraíso do Leste, recebeu
como recompensa uma pílula que continha o elixir da imortalidade, mas
antes de tomá-la ele deveria cumprir algumas condições. Porém, antes que o
engenheiro pudesse cumprir o prometido, sua esposa Chang O, muito
curiosa, encontrou a pílula e simplesmente a tomou e, como castigo, foi
banida para a lua onde, de acordo com a tradição, sua beleza se torna
radiante durante o Festival da Lua, um feriado público que dura uma
semana. Nesse festival, lindos moon cakes são oferecidos. O formato do
bolinho é lindo, existem forminhas individuais especiais com desenhos de
caracteres chineses ou de folhas que dão um toque final muito especial ao
bolinho de sabor inesperado. O recheio pode variar entre pasta doce de
feijão azuki ou geleia de frutas e a última opção é bem mais leve e mais
próxima do nosso paladar.
Sobrevoando a entrada da China tem-se a impressão que o que se vê da
janela do avião é a superfície da lua, uma paisagem muito rochosa,
absolutamente seca e quase azulada. Meu coração descompassa, estamos
chegando lá!
A China de ontem
Marco Polo, dentre os tantos entusiastas estrangeiros que descobriram a
China, foi talvez quem mais ilustrou o Ocidente sobre essa sociedade que ia
desvendando a cada viagem empreendida. Invenções como o fabrico de papel
e consequentemente o papel-moeda, as impressões manual e mecânica que
deram origem aos muitos livros de filosofia, religião e política e uma
enciclopédia criada sob a supervisão do imperador chegaram à China
centenas de anos antes de a imprensa e até mesmo a escrita baterem às portas
europeias.
Os chineses inventaram a pólvora e a arte de guerrear e também a
tecnologia hidráulica e mecânica, relojoaria, astronomia, metalurgia, teoria
musical, agricultura e engenharia, náutica e artesanato sofisticado. Foram,
enfim, os pais da tecnologia moderna. Em chinês o país se chama
Zhongguó, que significa reino central em referência a sua posição no
universo em relação ao céu e a terra. O nome China deve sua raiz à dinastia
Chin.
A história da China tem aproximadamente 4 mil anos e foi iniciada pela
dinastia Xia na idade da pedra. Já nesse período os chineses fabricavam
tecidos em seda e tinham domínio sobre a linguagem escrita usada para a
leitura de oráculos pelos escribas oficiais. A partir daí as dinastias foram
substituindo umas as outras, guerras foram deflagradas, territórios
anexados, minorias acopladas ou dizimadas e invasões consumadas, mas o
povo resistiu a cada ação. Talvez impulsionados pela obstinação
característica do povo chinês, talvez guiados pela sabedoria milenar que,
mesmo quando parecia apagada, ressurgia das cinzas, ou talvez porque
desde um passado remoto se considerassem o centro do universo. Os
chineses se adaptaram e se reinventaram ao longo dos séculos e atualmente,
em uma espécie de viagem contrária, são eles que ocupam os vários setores
da vida ocidental.
Escavações na área de Beijing revelam que a cidade já era habitada entre
os períodos de 200 mil a 500 mil anos atrás, mas somente começou a fazer
história entre o século V e III a.C., quando se tornou a capital da dinastia
Yan. Antes Jicheng, a cidade passou a chamar-se Yanjing e foi capital da
dinastia Liao até o século X. No século XII, sob a regência da dinastia Chin,
passou a chamar-se Zhongdu (capital central), onde foi erguido um palácio
e construída a ponte Lugou, também conhecida como ponte Marco Polo. O
exército mongol de Gêngis Khan tomou Zhongdu no século XII e a
renomeou Dadu (grande capital central), que também ficou conhecida como
Khanbaliq ou Cumbuluc, que significa “A Grande Mansão Khan”. No
século XIV a dinastia Ming transferiu toda a pompa imperial para Nanquim
e Dadu recebeu o nome de Beiping (paz no norte), e somente cinquenta
anos mais tarde se chamou Pequim/Beijing. Durante a dinastia Qing, no
século XV, Beijing prosperou e palácios e jardins floriram, houve grande
investimento cultural e cabeças privilegiadas brilharam. Surgia a primeira
escola de eruditos chineses.
A China de hoje
A população da China cresceu na década de 2000 o equivalente a uma Itália,
para dizer a verdade um pouco mais que uma Itália, e hoje concentra em seu
território aproximadamente 1,34 bilhão de habitantes. É a maior população
do mundo, o que fez com que, entre as décadas de 1970 e 1980, a política do
filho único fosse adotada pelo governo chinês no intuito de frear o
crescimento demográfico explosivo. Mas o país já era bastante povoado e,
atualmente, em uma febre de divórcios e recasamentos, o número de crianças
saiu do controle. Enquanto escrevo esse relato provavelmente a população já
deu um novo salto estatístico. Tradicionalmente as famílias chinesas eram
rurais e imensas, mas atualmente quase metade da população é urbana por
conta das mudanças socioeconômicas do país, que fizeram da China a
segunda maior economia mundial. Esse crescimento é visível nos sem-
número de imensos edifícios que brotam da terra diariamente com incrível
rapidez. Tem-se a impressão de se estar observando um trabalho de
formigueiro, onde centenas trabalham e, passados alguns dias, de um canteiro
de obras arruinado surgem os primeiros andares de alguma construção
moderníssima, com o cuidado de afetar minimamente possível o intenso
trânsito e a multidão de transeuntes.
Não há cidade onde obras não estejam acontecendo sem parar, o que
preocupa um pouco porque os últimos resquícios de uma riquíssima cultura
vão se apagando a cada obra. A arquitetura é impressionante e, apesar dos
muitos edifícios altos, não se tem sensação claustrofóbica e é interessante
observar os últimos andares dos prédios tanto durante o dia quanto à noite,
quando mudanças sutis acontecem. Xangai me deu um pouco de pânico
pelo crescimento vertical desenfreado e aparentemente fechado em um sem-
número de viadutos concêntricos. Mas uma vez dentro da cidade minha
opinião mudou totalmente. Quanto aos transportes, na década de 1990, ser
dono de uma bicicleta na China era símbolo de status e possível para
poucos. Atualmente essa realidade é outra, mais de 1/3 da população passou
para a classe média e as distâncias entre pontos de uma mesma cidade se
tornaram enormes à medida que as cidades na China crescem sem parar. E
todos querem carro!
Os preços e as taxas para comprar um carro são altas, mas mesmo assim
há carros luxuosos nas ruas. O transporte público é muito bom e frequente,
mas a sinalização é toda em chinês, é claro. Assim, se quiser usar ônibus,
tenha sempre o destino desejado escrito em mandarim, porque nosso
alfabeto não faz o menor sentido por lá. Já o metrô tem as estações escritas
em “pinyin” que é a escrita em alfabeto ocidental baseada na fonética
chinesa, e a população mais do que prestativa ajuda sempre para que se
chegue ao destino desejado. Com a profusão de transportes e as chaminés
das milhares de fábricas espalhadas construindo um país novo, a poluição,
apesar de ser considerada a maior do mundo, não é sentida no ar que se
respira nas grandes cidades. E eu que fui munida de caixas de remédios para
asma fiquei felizmente surpresa em não usar nenhum durante toda a
viagem!
Fiquei surpresa também ao perceber que a maior parte das embalagens é
produzida com material reciclável ou eco friendly. E a impressionante
limpeza nas ruas, mesmo as dos mercados por onde circulam milhares de
pessoas diariamente, é de dar inveja. A população masculina atual da China
é maior do que a feminina e para cada 116 homens nascem 100 mulheres.
São cerca de 30 milhões de homens solteiros que estão em busca de
casamento, sendo que, de acordo com algumas mulheres chinesas, muitos
deles não estão a sua altura, o que os leva a viajar para países vizinhos ou
procurar na internet por noivas. Todos os números aqui são
impressionantemente acompanhados de muitos zeros, tudo é mega!
Há alguns anos estive em Formosa (Taiwan) e, durante a travessia de uma
das inúmeras avenidas larguíssimas de deixar qualquer autoestrada
americana no chinelo, minha visão ficou fixa na outra calçada. Não vi mais
nada ao meu redor com medo de o tempo do sinal ser insuficiente para
atravessar tamanha distância, e saí meio alucinada, contando os segundos
que escasseavam a cada passada, quase uma corrida. Mal alcancei a outra
calçada senti um súbito vento e me voltei para observar boquiaberta as
centenas de silenciosas bicicletas que cruzaram ordeiras e disciplinadas a
rua, como em uma revoada de gafanhotos, quando o sinal abriu. A cena foi
tão surpreendente que não consegui fotografar e permaneci impactada por
alguns minutos depois que elas passaram. Hoje em dia as bicicletas são
mais escassas.
Na China, com mínimas exceções, o povo não é ansioso como nós, é
muito educado e disciplinado, fala baixo e faz o mínimo de ruído possível.
E, embora a maioria ainda não fale inglês, são imensamente prestativos e
solidários.
Há coisas na cultura chinesa que são de beleza e delicadeza inenarráveis,
como a ópera de Pequim, as cerimônias de chá, a beleza dos trabalhos em
seda e os entalhes de jade, a porcelana e mais um sem-número de trabalhos
artísticos de beleza e sensibilidade raras. Há outras que nos parecem
estranhas, como as delicatéssens de sua gastronomia, muito particulares, e
outras ainda absolutamente bizarras.
Eu já tinha ouvido falar das mulheres com pés de lírio ou pés de lótus,
mas me deparar com o trabalho do fotógrafo chinês Li Nan, na exposição
intitulada “A última geração das mulheres de pés de lírio”, com cinquenta
registros de senhoras que talvez já não existam mais, foi realmente de tirar o
fôlego! O registro da deformidade considerada erótica e elegante faz parte
do acervo de um museu erótico nas cercanias de Xangai. Ainda meninas,
essas mulheres tinham os dedos quebrados para trás em direção à sola dos
pés, obrigando as unhas a se cravarem na carne, necrosando toda a área, que
precisava ser retirada de vez em quando para não provocar uma gangrena. O
mais impressionante é pensar que o cheiro exalado por essa combinação de
fatores era considerado um poderoso perfume erótico, valha-me Deus!
Pés de lírio ou de lótus, como eram chamados esses minúsculos bibelôs,
na verdade não tinham nada de belo ou romântico. Os minúsculos pés eram
apertados ainda na infância, quanto mais cedo melhor, e, aos 2 ou 3 anos de
idade, as meninas tinham os pés amarrados por ataduras que seguravam
uma pedra na curva da sola dos pés, deformando-os e impedindo-os de
crescer. A dor era tanta que muitas eram amordaçadas durante o processo e
frequentemente desmaiavam. A rotina dolorosa era executada diariamente
por três longos anos e legava dores durante uma vida inteira. Era às meninas
da classe alta que a prática era imposta, mas algumas filhas de camponeses
passaram também a ser submetidas por seus pais ao método, na esperança
de que pudessem com isso fazer um bom casamento no futuro. Sim, esse era
um pré-requisito para um bom casamento, porém, muitas delas
simplesmente terminavam trabalhando como camponesas ou morrendo de
fome por não poderem se manter de pé nas lavouras para seu sustento. Essa
prática nasceu durante o reinado do último imperador da dinastia Shang
(1766 a.C.-1122 a.C.).
Reza a lenda que a última imperatriz da dinastia nasceu com pequenos
pés deformados e, como os imperadores eram considerados uma linhagem
direta de Deus, deviam ser modelos a copiar, não apenas em sinal de
respeito, mas cumprindo um desígnio. Assim, nenhuma outra mulher
deveria apresentar pés diferentes dos da rainha, o que fez com que todas
aquelas que faziam parte do seu séquito passassem a atar os pés, tornando
os pés pequenos um padrão de beleza na corte e objeto de desejo de homens
e mulheres da aristocracia. Os pés não mediam mais que um maço de
cigarros sem filtro e quanto menores mais valiam. Eram três categorias:
ouro 7,5cm, prata 10cm e ferro qualquer medida maior que essa última. Se
depois de casado um marido descobrisse que a esposa não tinha pés
pequeníssimos podia anular a união sem qualquer responsabilidade a ser
assumida. Em 1911 a prática foi formalmente proibida, o que não impediu
que continuasse acontecendo ainda por muitos anos. Em 1998, a última
sapataria que confeccionava sapatos para mulheres com pés de lótus fechou,
porém, mais de 4,5 bilhões de mulheres chinesas foram vítimas dessa
prática.
De lá para cá a China vem sofrendo profundas mudanças. De acordo com
fontes oficiais, a literacia atualmente atinge 96,2% da população, o que é
uma façanha imaginando que o alfabeto chinês tem aproximadamente 3 mil
ideogramas. O índice de mortandade infantil atual é igualmente
surpreendente, em torno de 0,013%.
Beijing / Pequim
Beijing tem avenidas largas e uma arquitetura contemporânea. Lá estão os
monumentos erigidos ao comunismo, entre eles o túmulo de Mao Tsé-tung e
a praça da Paz Celestial que na verdade é mais uma praça do Povo, como as
muitas outras com o mesmo nome espalhadas pelo país. A caminho de uma
delas, vamos quase imprensadas no meio de milhares de chineses que,
turistas como nós, no feriado longo visitavam o local. Mas essa é com certeza
muito diferente das turbas e hordas turísticas barulhentas a que estamos
acostumados. Andam devagar, falam em tom baixo mesmo ao celular e se
movimentam com cuidado. Em nenhum momento sentimos claustrofobia,
apesar do passo coeso e ritmado.
Em Beijing se enxerga o céu com facilidade e em setembro ele é claro, os
dias são quase quentes e muitas flores enfeitam a cidade. Nos dois primeiros
dias, para nos ambientarmos, contratamos um tour, mas depois, bastante
seguras, já de manhã cedo alugávamos os recepcionistas para traduzirem
para o mandarim o que escrevíamos em inglês. Terminamos andando em
todos os tipos de transporte ajudados por gente muito simpática que, por
conta de não entender o que falávamos, algumas vezes nos mandaram para
a direção errada. Mas no final chegávamos ao lugar certo, como no caso do
Boulud, restaurante francês bem próximo à praça do Povo, em um pequeno
quartier reservado de frente para um lago, onde uma chorona jogava em
franjas suas folhas pontilhadas por pequeninos focos de led. O lugar,
imenso, é de um absoluto luxo e sobriedade. Mas antes dele preciso falar do
Temple, restaurante que nos levou ao Boulud.
O Temple fica muito longe de qualquer coisa, é uma longa viagem e tem-
se a impressão de estar deixando a cidade, mas o lugar é fascinante! Metade
dele é um templo budista que foi destruído e na outra metade ficam o
restaurante e uma galeria com instalações de arte. O dono é belga e a fusão
cultural e gastronômica vale a viagem. Foi lá que conhecemos o maître que
nos recomendou o Bouloud, onde já havia trabalhado. No Bouloud desde a
entrada ficamos deslumbradas. O que dizer de serviço e comida, além do
vinho chinês que foi uma surpresa agradável? As sobremesas foram um
show a parte! Acredito que mulheres e chefs franceses sabem tudo sobre
elas e no Bouloud o chef, é claro, é francês!
Não passamos em nenhum momento por farmácias alopáticas e nas
únicas duas chinesas fitoterápicas que vimos pouca gente circulava.
Percebemos que, apesar da comida farta e bastante oleosa, os chineses são
magros, e contamos nos dedos de uma única mão as pessoas acima do peso
que vimos durante nossa estada, concluindo que a magreza talvez seja
resultado dos efeitos do chá. E os chineses nos confirmaram as suspeitas
enumerando todas as qualidades do chá chinês, inclusive as pequenas doses
de sinvastatina natural encontradas no puer.
A cidade tem muito a oferecer e o ideal é, estando no centro, buscar a
revista Time Out ou What’s On local. As óperas para turistas, assim como
todos os tours culturais, têm legendas em algum ponto para saber o que
acontece. Mas eu e Márcia Clayton (a fotógrafa que registrou a viagem)
recomendamos uma incursão menos ortodoxa, como um passeio a pé pelo
Houtong, o conjunto de casarios antigos que ainda resiste na cidade, onde
há monastérios budistas; casas de chá (onde paramos para reservar
cerimônias); a escola confuciana, que está presente nas grandes cidades;
pequenas lojas descoladas, e vários restaurantes e cafés, que abrigam tanto
turistas quanto locais. Em nenhum momento tive dificuldades para comer
comida vegetariana. Muito povoada pelas tantas etnias que abriga, a China
tem de tudo para todos os gostos. Andamos pelos museus da cidade,
presenciamos casamentos barulhentos com queima de fogos e visitamos a
bienal e as surpreendentes galerias de arte. Bom gosto e refinamento, com
poucas exceções, foi o que encontramos por todos os lados.
Hora de fazer as malas e na manhã seguinte pegar o avião para Xian.
Xian
Foi a capital dos Três Reinos enquanto Pequim era ainda um posto comercial,
e foi também ponto de partida da Rota da Seda. Centro financeiro, Xian foi
abrigo das muitas dinastias chinesas, a Tang foi a última a ocupar a cidade,
que tem uma população atual estimada em 8,5 milhões de habitantes. O ponto
central da cidade é a muralha retangular de catorze quilômetros e meio
construída pela dinastia Ming. No seu interior há jardins e vários
monumentos que podem ser visitados e, ao longo da avenida à frente da
entrada principal, pontos turísticos típicos de arredores palacianos; uma torre
do sino e outra do tambor. De Xian partem excursões para o sítio
arqueológico, onde estão, imponentes, os guerreiros de terracota e, às vezes,
o camponês que o descobriu distribuindo autógrafos. A construção de
túmulos e muralhas de segurança na China tem como material as vidas de
todos os operários que nela trabalharam e que delas não saíam vivos; fosse
pelo esforço e péssimas condições de trabalho e climáticas, fosse porque
construtores de obras de segurança tinham que permanecer calados e, no
sistema dinástico, o povo pertencia ao imperador, que com ele podia fazer o
que achasse justo. A área conta a história das dinastias ao longo do seu
território, com museus e tumbas ricamente trabalhados e ornados.
Em Xian nos hospedamos em um lugar muito luxuoso e curioso, em um
recuo que abriga alguns hotéis da mesma rede com as variações de suas
estrelas. Os hotéis são interligados por jardins suntuosos e corredores de
mármore e têm um portão alto trabalhado em ferro onde ficam seguranças.
No meio dos quatro hotéis já totalmente construídos, uma pérola! Um
edifício talvez dos anos 1950 que está sendo totalmente reformado e ostenta
na fachada o letreiro: People’s Hotel. Inferimos que esse lugar tenha servido
de QG do que foi o partido comunista ou talvez um lugar de férias para os
trabalhadores chineses, mas hoje é um centro de convenções dirigido por
uma rede francesa de hotéis. Os transportes na China são muito baratos e,
ao tomarmos um riksha (é um transporte parecido com uma lambreta que
puxa um pequeno compartimento que tem dois assentos), o segurança veio
ao nosso alcance para, em chinês, negociar o preço da corrida e,
imediatamente, nos desaconselhou por ser mais caro que um táxi, o
equivalente a sete reais. Agradecemos e pulamos dentro, rumo ao centro da
cidade.
Xangai
Viajar pela China é entrar na máquina do tempo em tamanha velocidade que
chega a ser assustador. A leve vertigem e surpresa causada pelo trem-bala,
que se desloca a trezentos quilômetros por hora e vai do aeroporto de Xangai
até a outra ponta do continente, talvez seja a forma mais próxima de
descrever a sensação de viajar de uma cidade para a outra nesse imenso país.
A sede de modernização é tão intensa que as publicações e os guias turísticos
caducam rapidamente. É preciso se atualizar em tempo real porque as
construções não param e as modernizações acontecem da noite para o dia. Se
o livro comprado sobre Pequim estava razoavelmente atualizado em 2010, o
outro sobre Xangai, de 2007, já era uma antiguidade. Não apenas detalhes da
cidade foram modificados, mas alguns museus e galerias mudaram de
endereço.
Chegar a Xangai foi um choque para quem sabia que ia encontrar uma
China moderna mas, embalada pelas primeiras impressões da viagem, não
imaginava tamanho contraste. O primeiro sinal de que Xangai não está para
brincadeiras é sua arquitetura moderníssima, arrojada e concêntrica e
rodeada por muitos anéis de concreto. Viadutos se insinuam por todo lugar
tentando desafogar o trânsito indomável. Mal cheguei, me vi acuada por
uma cidade que engole gente já na entrada. Sua enorme mandíbula de
dragão está sempre pronta para tragar suas presas e triturá-las e eu pensei
em dar meia-volta. Mas me controlei, tinha o dia seguinte para decidir. O
importante era chegar a algum lugar para me abrigar do susto.
Chegamos ao hotel depois de um percurso longo, anoitecia e o lugar não
parecia muito bom. Pensamos em mudar no dia seguinte, mas naquele
momento a fome era muita e resolvemos nos aventurar em direção ao centro
da cidade. No meio de tantas lojas e shopping centers nos refugiamos em
um dos restaurantes do hotel Meridien, que tem recepção no 11o andar de
um edifício comercial. As construções aqui precisam se adaptar à realidade
numeral e, assim, algumas lojas de grife e restaurantes elegantes tomam
conta dos andares inferiores do hotel, enquanto restaurantes e comércios
médios funcionam a partir dos andares altos. A vista do alto de Xangai é
impressionante e a arquitetura, vigorosa. O jantar francês à la carte foi
bastante bom e o vinho foi um bom acompanhante.
Passado o primeiro impacto e depois de uma noite de sono, às 5h abri as
cortinas para um visual contrastante, mas não de todo desagradável. Do 11o
andar a vista era generosa e o rio se exibia sinuoso. Os barcos navegavam
sobre as águas e pensei que do outro lado da margem talvez ainda
funcionasse o passeio descrito pelo guia de viagens. Uns minutos de
meditação e antes de me arriscar na cidade procuro o restaurante para o café
da manhã. Esse é o primeiro hotel com administração totalmente chinesa em
que nos hospedamos e a diferença não passa despercebida. Mas, aos poucos,
fui me acostumando e no final eu já era uma viciada em comer macarrão
com shoyu e legumes de manhã. E assim fiquei por umas boas semanas
depois de voltar para casa.
Saí para enfrentar a cidade me orientando pelo fluxo das pessoas e
alcancei o caminho da praça do Povo passando por uma rua de pedestres
movimentadíssima e de comércio intenso. Motoqueiros buzinavam
apressados para que os passantes saíssem do caminho e ambulantes
passavam vendendo rodinhas traseiras de patins para serem adaptadas aos
calçados. Xangai tem pressa e, se ainda não é, em futuro muito próximo
será o centro econômico do mundo. A cidade respira nervosa e pela
primeira vez vi na China gente ruidosa, ruas frenéticas e o tiquetaquear das
máquinas matraqueando no promenade. Outros edifícios estão a caminho,
mas apesar das muitas construções, o barulho das obras é infinitamente
menor do que aquele que normalmente escuta-se no Brasil. Talvez porque
os blocos de construção sejam pré-moldados, talvez porque a mão de obra
seja infinita e rápida, talvez porque em um país tão populoso entenda-se que
quanto menor o barulho menor a neurose. Caminhando com sensação de
vertigem, tendo a manga da camisa puxada por ambulantes com catálogos
de cópias de tudo o que é possível reproduzir, atravessei a praça e
finalmente encontrei um oásis na frente do belíssimo museu, um jardim
planejado equilibrando não apenas o visual da cidade, mas seus humores. A
praça no centro do jardim abriga um chafariz rodeado por canteiros floridos
e edifícios construídos aos pares em cada esquina para quebrar arestas,
como manda o feng shui.
Xangai é redonda concentrando suas forças de fora para dentro e
irradiando, a partir do centro, uma inesperada tranquilidade nas sombras dos
passeios públicos floridos e arborizados.
Hangzou
É nossa última cidade antes de começar a jornada de volta para casa e, na
verdade, já me bate uma melancolia. Gostei imensamente de tudo o que vi e
experimentei na China e espero voltar rápido, quem sabe para aprofundar os
estudos de chá? O país é muito grande e há muitos outros lugares para ver,
experimentar e aprender; a experiência foi muito rica. Reservamos quartos no
Tea Boutique Hotel e, quando chegou nossa vez de tomar o táxi na fila
enorme, fomos dispensadas por três ou quatro motoristas que não tinham a
menor ideia de onde queríamos ir porque a reserva estava totalmente em
inglês. Para nossa sorte dois casais de orientais atrás de nós falavam entre si
em inglês e nos socorreram. Alguns eram de Hong Kong e outros da Coreia,
mas falavam chinês fluente e gentilmente nos colocaram no táxi depois de
checar com o motorista que ele tinha entendido bem. O mais cômico? Em
inglês o hotel se chama Tea Boutique Hotel e em chinês um nome
completamente diferente. Se não fosse pela gentileza dos casais
demoraríamos um bocado para nos localizarmos, mas valeu a pena! O hotel é
uma joia, com um SPA maravilhoso e quartos ao estilo zen, equipados com
jogo de chá para fazer uma cerimônia. E o mais incrível de tudo é ter água
engarrafada do rio para fazer esse chá! A secura na China é incrível e nos
banheiros de todos os hotéis em que nos hospedamos diariamente eram
colocadas duas garrafinhas de água mineral sem gás. A água da bica na China
não é tratada, como na Europa e nos EUA, mas encontrar água pura do rio
Yangtse para fazer chá? Uma emoção!
Hangzhou é patrimônio cultural do chá e da seda e, por conta disso, é uma
cidade preservada. Mal entramos no hotel nos metemos no SPA, que
beleza! A comida do hotel é muitíssimo boa também e cada ambiente era
mais despojadamente lindo que o outro! Hangzhou tem um templo budista
nos moldes tradicionais que funcionava como uma espécie de região
administrativa onde tudo acontecia e ainda acontece hoje, porém,
atualmente é mais para turista ver. Há rochas escavadas por toda parte com
imagens de budas e os vários templos no interior do monastério budista, que
tem um parque enorme, abrigam imagens belíssimas e riquíssimas. Saímos
na manhã seguinte para visitar o templo e, por mais que procurássemos um
táxi, não achávamos nenhum vazio. Buscamos informações e terminamos
tomando um ônibus local. Mas não havia cobrador e tínhamos que ter o
dinheiro exato para seguir viagem. Um impasse se formou com vários
passageiros conversando entre si para trocar nosso dinheiro, mas, como não
alcançaram um entendimento, terminaram se cotizando para pagar nossa
passagem. O máximo foi pedir informação sobre o destino! Todos falavam
ao mesmo tempo em chinês, apontando para um mapa em chinês, e
terminamos às gargalhadas entabulando uma conversa em chinês e
português. A essa altura pouco importava a língua que usássemos entre nós,
já que não era o chinês, e nos deixamos levar convencidas de que o lugar
era grande o suficiente para não passar despercebido. E estávamos certas,
no ponto final do ônibus avistamos o templo. Conseguimos participar de
alguns dos rituais que estavam acontecendo e recebemos uma prece em um
pergaminho para nos proteger pelo resto da viagem.
Dia longo, voltamos cansadas para nos programar para o dia seguinte.
Hanzhou e chá são sinônimos e eu estava pesquisando na internet, buscando
por uma casa tradicional, até que me deparei com a Tai Chi Tea House, na
184 Hefang Street, uma rua de pedestres na qual se encontra de tudo um
pouco. A casa foi fundada no século XVIII por Zheng Xiangdong, que veio
de Xangai com sua família para sobreviver como aprendiz em uma pequena
casa de chá. Honesto e muito trabalhador, em pouco tempo Zheng tornou-se
um expert e ficou amigo do dono do estabelecimento que, rico graças à
expertise do amigo, abriu um estabelecimento maior em 1785, deixando
para Zheng sua pequena loja de chá. Zheng rebatizou o estabelecimento de
Tai Chi Tea House, conseguiu contratos de compra com ingleses e cresceu
gradualmente. Em 1938, mudou-se para Hangzhou por conta da invasão
japonesa e se estabeleceu na rua Hefang com sua próspera casa de chá.
Depois de reveses políticos, guerras e recessões a casa desapareceu, mas em
1994 a sexta geração de Zheng resolveu retomar os negócios da família e
reerguer o estabelecimento no mesmo lugar. Atualmente são mais de 500
filiais ao redor da China e o espetáculo apresentado pelos garçons é
imperdível, todos vestidos a caráter como na dinastia Qing e apresentando
uma linda cerimônia Kongfu. Na mesma rua encontra-se o museu das
atividades da família, onde estão expostos diferentes utensílios e mobiliário
usados ao longo do tempo. Coroamos nossa viagem com um passeio pelo
centro e, ajudadas por jovens com bom inglês, ainda tivemos tempo de
caminhar sobre uma grossa vitrine que abriga os restos de uma rua típica da
dinastia Tang.
De volta a Xangai, apenas uma noite nos separa da hora da partida. Meu
coração está bem apertadinho e, apesar do sono, a vontade é de não perder
nenhum minuto. Mas a viagem de volta é longa e a diferença de fuso
horário é de doze horas. Termino de arrumar a mala e preparo meu último
chá em solo chinês. Amanhã de manhã não vai sobrar tempo para nada
antes do embarque. Chegando a Londres nos separamos, Márcia fica mais
alguns dias na Inglaterra para se encontrar com seu marido, Simon, e eu vou
para casa já cheia de saudades da China.
Visita à casa de chá Twinings no Strand, em Londres
Escrito pelo autor laico brasileiro que mais vende livros de temática religiosa
no Brasil, Jesus – O homem mais amado da História: a biografia daquele que
ensinou a humanidade a amar e dividiu a História em antes e depois é o livro
mais atual sobre a vida do homem cuja história mantém seu vigor e interesse
há mais de dois mil anos. O escritor e jornalista Rodrigo Alvarez tomou
como base as fontes arqueológicas e bibliográficas mais recentes, além das
mais antigas (entre eles diversos manuscritos originais), e viajou pelos
mesmos lugares percorridos por Jesus em seu tempo para reconstituir os
passos do pregador que, ao mesmo tempo Deus e homem, ensinou a amar,
mudou o curso da humanidade e dividiu a História em antes e depois. Com
uma narrativa elegante, acessível e guiada pelos fatos, além de ricamente
ilustrado, Jesus – O homem mais amado da História é um livro sobre um
Jesus de antes do cristianismo e de todas as suas divisões futuras – e que
mostra a todos os leitores, cristãos ou não, a relevância e a permanência de
sua trajetória e de seus ensinamentos.