Algebra 1

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Álgebra 1

Notas de Aula 1/2020

José Antônio O. Freitas


30 de novembro de 2020
c bna Este texto está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-
CompartilhaIgual 3.0 Brasil http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/br/deed.pt_BR
Sumário

1 Conceitos Básicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.1 Princípio da não contradição e do terceiro excluído 7

2 Noções de Teoria de Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9


2.1 Conceitos básicos 9
2.2 Descrição de um conjunto 9
2.3 Alguns conjuntos importantes 10
2.4 Propriedades dos conjuntos 10
2.5 Relações entre conjuntos 11

3 Relações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
3.1 Relações de equivalência 17

4 Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

5 Anéis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
5.1 Conceitos Básicos 31
5.2 Anéis de Integridade e Subanéis 35
5.3 Homomorfismo de Anéis 35
5.4 Ideais 37

6 Grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
6.1 Primeiras Propriedades 41
6.2 Grupo Simétrico 43
6.3 Subgrupos 45
6.4 Grupos Cíclicos 48
6.5 Homomorfismo de Grupos 54
6.6 Isomorfimos de grupos 57
6.7 Subgrupo Normal 59
6.8 Teorema de Lagrange 68

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
5

Prefácio

Essas notas de Aula são referentes à matéria Álgebra 1, ministrada na UnB - Universidade de
Brasília - durante o 2o Semestre de 2010 pelo professor José Antônio O. de Freitas, Departamento
de Matemática. Tais notas foram transcritas e editadas pelo graduando em Ciências Econômicas
Luiz Eduardo Sol R. da Silva1 .

Revisão e ampliação das notas feita por José Antônio O. de Freitas.

É livre a reprodução, distribuição e edição deste material, desde que citadas as suas fontes e
autores. Críticas e sugestões são bem vindas.

1 [email protected]
1. Conceitos Básicos

Definição 1.0.1 Uma proposição é todo conjunto de palavras ou símbolos ao qual podemos
atribuir um valor lógico.

Definição 1.0.2 Diz-se que o valor lógico de uma proposição é “verdade” (V) se a proposição
é verdadeira ou “falsidade” (F) se a proposição é falsa.

■ Exemplos 1.1 Julgue se as seguintes sentenças são ou não proposições:


1) Todo número primo é ímpar.
■ Solução: Essa setença é uma proposição de valor lógico "Falsidade."
2) x2 + y2 ≥ 0 para todos x, y ∈ R.
■ Solução: Esse setença é uma proposição de valor lógico "Verdade".
3) Amanhã irá chover.
■ Solução: Essa sentença não é uma proposição. Não é possível atribuir um valor lógico
a ela.

1.1 Princípio da não contradição e do terceiro excluído


i) Uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo.
ii) Toda proposição ou é verdadeira ou é falsa, isto é, verifica-se sempre um destes casos e
nunca um terceiro.
Assim esses princípios afirmam que:
“Toda proposição tem um, e um só, dos valores lógicos verdade ou falsidade.”
De modo geral vamos trabalhar com proposições da forma:
i) Se H, então T.
Aqui H é chamado de hipótese e T de tese. Neste tipo de proposição iremos admitir que
H é uma verdade e precisaremos provar que T é verdade. Ou seja precisamos construir um
argumento que justifique T ser verdadeira à partir do fato de H ser verdadeira.
8 Capítulo 1. Conceitos Básicos

ii) H se, e somente se, T ou H se, e só se, T.


Esse tipo de proposição será decomposta em duas proposições no formato anterior. Isto é:
a) Se H, então T.
b) Se T, então H.
No primeiro caso admitimos H verdadeira e provamos que T também é verdadeira e no
segundo caso admitimos que T é verdadeira e provamos que H é verdadeira.
Para demonstrarmos uma proposição precisamos deduzí-la de proposições previamente com-
provadas como verdadeiras. Assim uma demonstração é a determinação de uma verdade e é
construída através de uma sequência de raciocínios lógicos, com início e fim determinados. Cada
passo dessa sequência de raciocínio deve ter sua veracidade justificada, seja através de outras pro-
posições já provadas verdadeiras ou pelo uso de axiomas, que são afirmações admitidas como
verdadeiras. Vamos utilizar, principalmente, três formas de demonstrar uma proposição, a saber:
i) Demonstração direta;
ii) Demonstração por contraposição;
iii) Demonstração por contradição ou redução ao absurdo.
Assim numa proposição do tipo:

Se H, então T.

Para demonstrá-la de forma direta devemos admitir a hipótese H verdadeira, e utilizando de


uma sequência de passos cuja veracidade podemos comprovar, chegar à conclusão que a tese T
também é verdadeira.
Na demonstração por contraposição, iremos supor que a T é falsa e novamente através de
uma sequência de passos que podemos justificar como verdadeiros, devemos chegar à conclusão
que a hipótese H também é falsa. Se conseguirmos chegar a essa conclusão então a proposição
original será verdadeira.
Por último, na demonstração pro contradição ou redução ao absurdo, iremos admitir que a
hipótese H é verdadeira e que a tese T é falsa. Usando essas suposições devemos chegar à alguma
conclusão contraditória, isto é, precisamos obter alguma informação que seja verdadeira e falsa
ao mesmo tempo. Nesse caso, significa que nossa tese T deve ser obrigatoriamente verdadeira, e
com isso a proposição também será verdadeira.
2. Noções de Teoria de Conjuntos

2.1 Conceitos básicos


Um conjunto é uma “coleção” ou “família” de elementos.
Usaremos letras maiúsculas do alfabeto para denotar os conjuntos e denotaremos elementos
de um dado conjunto por letras minúsculas do alfabeto.
Dado um conjunto A, para indicar o fato de que x é um elemento de A, escrevemos:

x ∈ A.

Para dizer que um elemento x não pertence ao conjunto A, escrevemos:

x∈
/ A.

Um conjunto sem elementos é chamado de conjunto vazio. Tal conjunto é denotado por 0.
/
Dado um conjunto A e x um elemento, ocorre sempre uma das seguintes situações:

x ∈ A ou x ∈
/ A.

Além disso, para dois elementos x, y ∈ A, ocorre exatamente uma das seguinte situações:

x = y ou x 6= y.

2.2 Descrição de um conjunto


Um conjunto A pode ser dado pela simples listagem dos seus elementos, como por exemplo:

A = {1, 2, 3, 4, 5}
B = {verdade, f also}.

Um conjunto também pode ser dado pela descrição das propriedades dos seus elementos, como
por exemplo:

A = {n | n é múltiplo de 2} = {2, 4, 6, ...}.


10 Capítulo 2. Noções de Teoria de Conjuntos

2.3 Alguns conjuntos importantes


1) N = {0, 1, 2, 3, ...} o conjunto do números naturais.
2) N0 = {0, 1, 2, 3, ...} o conjunto dos números inteiros não negativos.
3) Z = {...,
 −2, −1, 0, 1, 2, ...} o conjunto dos números inteiros.
p
4) Q = | p, q ∈ Z, q 6= 0 o conjunto dos números racionais.
q
5) R o conjunto dos números reais.
6) R∗ o conjunto dos números reais não nulos.
7) C = {a + bi | a, b ∈ R, i2 = −1} o conjunto dos números complexos.
■Observaçao 2.1 Para esses conjuntos vamos admitir como verdadeiras as propriedades básicas
da soma e multiplicação.

2.4 Propriedades dos conjuntos


Definição 2.4.1 Dados dois conjuntos A e B, dizemos que A e B são iguais se, e somente se,
eles têm os mesmos elementos. Ou seja, para todo x ∈ A também vale que x ∈ B e para todo
y ∈ B também vale que y ∈ A. Se A e B são iguais, escrevemos A = B.

■ Exemplo 2.1 Sejam A = {1, 1, 2, 3, 4, 4}, B = {3, 2, 1, 4}, C = {1, 2, 3} e D = {2, 3}. Então de
acordo com a Definição 2.4.1 temos A = B pois todo elemento de A está em B e todo elemento de
B também está em A. Agora como 1 ∈ C e 1 ∈
/ D então C 6= D.
■ Observaçao 2.2 Dados conjuntos A e B, de acordo com a Definição 2.4.1 para que A 6= B basta

que exista um elemento x ∈ A de maneira que x ∈


/ B ou que exista y ∈ B com a condição de que
y∈/ A.

Definição 2.4.2 Se A e B são dois conjuntos, dizemos que A é um subconjunto de B ou que


A está contido em B ou que B contém A se todo elemento de A for elemento de B. Ou seja, se
para todo elemento x ∈ A, temos x ∈ B. Nesse caso, escrevemos A ⊆ B (ou A ⊂ B) ou B ⊇ A
(ou B ⊃ A).

Caso A seja um subconjunto de B mas não é igual a B, escrevemos:

A ⊊ B.

Nesse caso, dizemos que A é um subconjunto próprio de B.


■ Exemplos 2.1 Sejam A = {1, 2, 3, x, y, z}, B = {x, y} e C = {x, y, z}. Temos:
1) A ⊈ B pois 1 ∈ A e 1 ∈
/ B.
2) B ⊊ A pois todo elemento de B também está em A. Observe que existem elementos de A que
não estão em B, por exemplo 2 ∈ A e 2 ∈
/ B.
3) B ⊆ C pois todo elemento de B também está em C.
4) C ⊆ A pois todo elemento de C também está em A.
■ Observaçao 2.3 Dados dois conjuntos A e B pela Definição 2.4.2 para que A não esteja con-
tido em B basta que exista x ∈ A tal que x ∈
/ B. Nesse caso escrevemos A ⊈ B.
Usando a definição de continência de conjuntos, Definição 2.4.2, podemos redefinir a igual-
dade de conjuntos, Definição 2.4.1, da seguinte forma: dados dois conjuntos A e B
A=B se, e somente se, A⊆B e B ⊆ A.
Ou seja,
se A = B então A ⊆ B e B ⊆ A.
2.5 Relações entre conjuntos 11

Além disso,

se A ⊆ B e B ⊆ A, então A = B.

Quando A e B não são iguais, escrevemos A 6= B. Para que A 6= B devemos ter A ⊈ B ou B ⊈ A.


Isto é, precisamos encontrar algum elemento x ∈ A de modo que x ∈ / B ou então encontrar y ∈ B
com a condição de que y ∈/ A.
Proposição 2.4.1 Dados três conjuntos A, B e C temos:
i) A ⊆ A (Reflexividade)
ii) Se A ⊆ B e B ⊆ A, então A = B. (Antissimetria)
iii) Se A ⊆ B e B ⊆ C, então A ⊆ C. (Transitividade)
Considere os seguintes conjuntos:

A = {n ∈ N | n é múltiplo de 2} = {2, 4, 6, ...}


B = {n ∈ N | n é múltiplo de 3} = {3, 6, 9, ...}.

Neste caso, 2 ∈ A e 2 ∈
/ B, logo A ⊈ B. Por outro lado, 3 ∈ B e 3 ∈
/ A e com isso B ⊈ A. Portanto,
dados dois conjuntos A e B, nem sempre temos A ⊆ B ou B ⊆ A.
Proposição 2.4.2 Seja A um conjunto. Então 0/ ⊆ A.
Prova: Suponha que 0/ ⊈ A. Logo existe x ∈ 0/ tal que x ∈
/ A. Mas por definição, o conjunto vazio
não contém elementos. Logo a existência de x ∈ 0/ é uma contradição. Tal contradição surgiu por
termos suposto que 0/ ⊈ A. Portanto, 0/ ⊆ A, como queríamos demonstrar. ■

2.5 Relações entre conjuntos


Definição 2.5.1 Sejam A e B dois conjuntos. Definimos a intersecção de A e B como sendo o
conjunto A ∩ B cujos elementos pertencem aos conjuntos A e B simultaneamente. Assim,

A ∩ B = {x | x ∈ A e x ∈ B}.

■ Exemplo 2.2 Sejam A = {1, 2, 3}, B = {2, 3, 4} e C = {r, s,t}. Então

A ∩ B = {2, 3}
A ∩C = 0.
/

Definição 2.5.2 Sejam A e B dois conjuntos. Definimos a união de A com B como sendo o
conjunto A ∪ B, cujos elementos pertencem ao conjunto A ou ao conjunto B. Assim,

A ∪ B = {x | x ∈ A ou x ∈ B}.

■ Exemplo 2.3 Sejam A = {1, 2, 3}, B = {2, 3, 4} e C = {r, s,t}. Então

A ∪ B = {1, 2, 3, 4}
A ∪C = {1, 2, 3, r, s,t}.

Proposição 2.5.1 Sejam A e B dois conjuntos. Então:


i) (A ∩ B) ⊆ A;
ii) (A ∩ B) ⊆ B;
iii) A ⊆ A ∪ B;
iv) B ⊆ A ∪ B.
12 Capítulo 2. Noções de Teoria de Conjuntos

Prova: Para provar a primeira afirmação seja x ∈ A ∩ B um elemento qualquer. Da definição de


interseção de conjuntos, Definição 2.5.1, temos x ∈ A e x ∈ B. Assim podemos afirmar com certeza
que x ∈ A. Logo todo elemente de A ∩ B também está em A, ou seja, A ∩ B ⊆ A. De modo análogo
prova-se a segunda afirmação sobre a interseção.
Para a terceira afirmação, seja x ∈ A. Da definição de união de conjuntos, Definição 2.5.2,
segue que x ∈ A ∪ B. Logo todo elemento de A também está em A ∪ B, ou seja, A ⊆ (A ∪ B). De
modo análogo prova-se a quarta afirmação. ■
O conceito de união (∪) e intersecção (∩) pode ser estendido para mais de dois conjuntos.
Definição 2.5.3 Sejam A1 , . . . , An conjuntos. Então

[
n
A1 ∪ A2 ∪ · · · ∪ An = Ak
k=1

é o conjunto dos elementos x tais que x pertence a pelo menos um dos conjuntos A1 , . . . , An .
Agora,

\
n
A1 ∩ · · · ∩ An = Ak
k=1

é o conjunto dos elementos x que pertencem a todos os conjuntos A1 , . . . , An simultaneamente.

Definição 2.5.4 Sejam A e B conjuntos. Se A ∩ B = 0,


/ dizemos que A e B são conjuntos
disjuntos.

Sejam A e B conjuntos tais que C = A ∪ B e A ∩ B = 0.


/ Neste caso dizemos que C é uma união
disjunta de A e B. Denotamos tal fato por

C = A t B.

Proposição 2.5.2 Sejam A, B e C três conjuntos, então:


i) A ∩ (B ∪C) = (A ∩ B) ∪ (A ∩C)
ii) A ∪ (B ∩C) = (A ∪ B) ∩ (A ∪C).
Prova:
i) Precisamos mostrar que
(1) A ∩ (B ∪C) ⊆ (A ∩ B) ∪ (A ∩C);
(2) (A ∩ B) ∪ (A ∩C) ⊆ A ∩ (B ∪C).
Para provar (1) seja x ∈ A ∩ (B ∪ C). Logo x ∈ A e x ∈ B ∪ C. Agora, de x ∈ B ∪ C, segue
que x ∈ B ou x ∈ C. Suponha que x ∈ B. Como x ∈ A e x ∈ B, então x ∈ A ∩ B. Assim,
x ∈ (A ∩ B) ∪ (A ∩ C), ou seja, A ∩ (B ∪ C) ⊆ (A ∩ B) ∪ (A ∩ C). Por outro lado, se x ∈ C,
como x ∈ A, então x ∈ A ∩C e daí x ∈ (A ∩ B) ∪ (A ∩C), logo A ∩ (B ∪C) ⊆ (A ∩ B) ∪ (A ∩C).
Portanto,

A ∩ (B ∪C) ⊆ (A ∩ B) ∪ (A ∩C).

Agora para provar (2), seja x ∈ (A ∩ B) ∪ (A ∩C). Daí, x ∈ A ∩ B ou x ∈ A ∩C. Suponha que
x ∈ A ∩ B. Assim, x ∈ A e x ∈ B. Como x ∈ B, segue que x ∈ B ∪C e então x ∈ A ∩ (B ∪C),
ou seja, (A ∩ B) ∪ (A ∩C) ⊆ A ∩ (B ∪C). Agora, suponha que x ∈ A ∩C. Com isso x ∈ A e
x ∈ C. Desse modo, x ∈ B ∪C e então x ∈ A ∩ (B ∪C) e daí

(A ∩ B) ∪ (A ∩C) ⊆ A ∩ (B ∪C).
2.5 Relações entre conjuntos 13

Portanto

A ∩ (B ∪C) = (A ∩ B) ∪ (A ∩C),

como queríamos.
ii) Análoga ao caso anterior.

Definição 2.5.5 Dados dois conjuntos A e B, definimos a diferença dos conjuntos A e B,
denotada por A − B ou A\B como sendo o conjunto

A − B = {x | x ∈ A e x ∈
/ B}.

■ Exemplos 2.2 1) Se A = {1, 2, 3, 5, 4}, B = {2, 3, 6, 8}, então

A − B = {1, 4, 5}
B − A = {6, 8}.

2) Se A = {2, 4, 6, 8, 10, ...}, B = {3, 6, 9, 12, 15, ...}, então

A − B = {2, 4, 8, 10, 14, 16, ...}


B − A = {3, 9, 15, 21, ...}

Proposição 2.5.3 Sejam A, B e C conjuntos não vazios. Então

(A ∪ B) −C = (A −C) ∪ (B −C).

Prova: Precisamos mostrar que


1) (A ∪ B) −C ⊆ (A −C) ∪ (B −C)
2) (B −C) ⊆ (A ∪ B) −C = (A −C)
Para a primeira inclusão seja x ∈ (A ∪ B) −C. Assim por definição, x ∈ A ∪ B e x ∈
/ C. De x ∈ A ∪ B,
então x ∈ A ou x ∈ B.
Se x ∈ A, como x ∈/ C segue então que x ∈ A −C. Logo x ∈ (A −C) ∪ (B −C).
Se x ∈ B, como x ∈/ C segue então que x ∈ B −C. Logo x ∈ (A −C) ∪ (B −C).
Assim (A ∪ B) −C = (A −C) ⊆ (B −C).
Agora, para a segunda inclusão, seja y ∈ (A − C) ∪ (B − C). Por definição, x ∈ A − C ou
x ∈ B −C.
Se x ∈ A − C, então x ∈ A e x ∈ / C. Como x ∈ A, segue que x ∈ A ∪ B. Mas x ∈ / C, com isso,
x ∈ (A ∪ B) −C.
Se x ∈ B − C, então x ∈ B e x ∈ / C. Como x ∈ B, segue que x ∈ A ∪ B. Mas x ∈ / C, com isso,
x ∈ (A ∪ B) −C. Assim (A − B) ∪ (B −C) ⊆ (A ∪ B) −C.
Portanto, (A ∪ B) −C = (A −C) ∪ (B −C), como queríamos. ■
Definição 2.5.6 Dados dois conjuntos A e E tais que A ⊆ E, definimos o complementar de A
em E, denotado AC ou CE (A), como

CE (A) = {x ∈ E | x ∈
/ A}.

■ Observações 2.1 1) Se A = E, então CA (A) = {x ∈ A | x ∈


/ A} = 0.
/
2) (AC )C = {x ∈ E | x ∈
/ AC } = {x ∈ E | x ∈ A} = A
■ Exemplo 2.4 Sejam A = {1, 2, 3, 4} e E = {1, 2, 3, 5, 4, 0, 8, 9}. Primeiro note que A ⊆ E, daí

AC = CE (A) = {0, 5, 8, 9}.


14 Capítulo 2. Noções de Teoria de Conjuntos

Proposição 2.5.4 Sejam A, B e E conjuntos. Se A ⊆ B ⊆ E, então CE (B) ⊆ CE (A).


Prova: Seja x ∈ CE (B). Assim x ∈
/ B e como A ⊆ B, então x ∈
/ A. Daí por definição x ∈ CE (A), ou
seja, CE (B) ⊆ CE (A). ■
Proposição 2.5.5 Sejam A, B e E três conjunto tais que A ⊆ E e B ⊆ E. Então:
i) (A ∪ B)C = AC ∩ BC
ii) (A ∩ B)C = AC ∪ BC
Prova:
i) Seja x ∈ (A ∪ B)C . Logo x ∈
/ A ∪ B, assim x ∈
/Aex∈
/ B. Daí, x ∈ AC e x ∈ BC , isto é,
x ∈ A ∩ B . Desse modo,
C C

(A ∪ B)C ⊆ AC ∩ BC . (2.1)

Por outro lado, se x ∈ AC ∩ BC , então x ∈ AC e x ∈ BC . Com isso, x ∈


/Aex∈
/ B, ou seja,
x∈
/ A ∪ B, logo x ∈ (A ∪ B)C . Desse modo

AC ∩ BC ⊆ (A ∪ B)C . (2.2)

Portanto, de (2.1) e (2.2) temos

(A ∪ B)C = AC ∩ BC .

ii) Seja x ∈ (A ∩ B)C . Logo x ∈


/ A ∩ B, assim x ∈
/ A ou x ∈
/ B. Então x ∈ AC ou x ∈ BC , isto é,
x ∈ A ∪ B . Desse modo,
C C

(A ∩ B)C ⊆ AC ∪ BC . (2.3)

Por outro lado, se x ∈ AC ∪BC , então x ∈ AC ou x ∈ BC . Daí, x ∈


/ A ou x ∈
/ B, ou seja, x ∈
/ A∩B,
logo x ∈ (A ∩ B)C . Desse modo

AC ∪ BC ⊆ (A ∩ B)C . (2.4)

Portanto, de (2.3) e (2.4) temos

(A ∩ B)C = AC ∪ BC .


Definição 2.5.7 Dados dois conjuntos A e B, definimos o produto cartesiano de A por B
como sendo o conjunto

A × B = {(x, y) | x ∈ A, y ∈ B}.

Dados (x, y), (z,t) ∈ A × B, temos

(x, y) = (z,t) se, e somente se, x = z e y = t.

■ Exemplo 2.5 Sejam A = {1, 2} e B = {3, 4}. Então

A × B = {(1, 3), (1, 4), (2, 3), (2, 4)}


B × A = {(3, 1), (3, 2), (4, 1), (4, 2)}

■ Observações 2.2 1) Do Exemplo (2.5) vemos que em geral A × B 6= B × A.


2.5 Relações entre conjuntos 15
2) No caso em que A = B vamos escrever

A × A = A2 = {(x, y) | x, y ∈ A}.

De modo geral:

| ×A×
{z· · · × A} = A = {(x1 , x2 , . . . , xn ) | x1 , x2 , . . . , xn ∈ A}
n
A
n vezes

para n ≥ 2.

Definição 2.5.8 Para qualquer conjunto A, indicamos por P(A) o conjunto

P(A) = {X | X ⊆ A}

que é chamado de conjunto das partes de A.

Os elementos desse conjunto são todos os subconjuntos de A. Dizer que Y ∈ P(A) significa
que Y ⊆ A. Particularmente, temos 0/ ∈ P(A) e A ∈ P(A).
■ Exemplos 2.3 / P(A) = {0};
1) A = 0, /
2) B = {x}, P(B) = {0, / {x}};
3) C = {a, b, c}, P(C) = {0,/ {a}, {b}, {c}, {a, b}, {a, c}, {b, c},C};
4) D = R, P(D) = {X | X ⊆ R}, por exemplo Q ∈ P(D).
3. Relações

3.1 Relações de equivalência


Definição 3.1.1 Seja A um conjunto não vazio e R ⊆ A × A. Dizemos que R é uma relação de
equivalência se:
i) Para todo x ∈ A, (x, x) ∈ R. (Propriedade Reflexiva)
ii) Se (x, y) ∈ R, então (y, x) ∈ R. (Propriedade Simétrica)
iii) Se (x, y) ∈ R e (y, z) ∈ R, então (x, z) ∈ R. (Propriedade Transitiva)

Quando R ⊆ A×A é uma relação de equivalência, dizemos que R é uma relação de equivalência
em A. Quando dois elementos x, y ∈ A são tais que (x, y) ∈ R, dizemos que x e y são relacionados
ou que x e y estão relacionados.
■ Exemplos 3.1 1) Seja A={1,2,3,4}. Temos

A × A ={(1, 1); (1, 2); (1, 3); (1, 4); (2, 1); (2, 2); (2, 3); (2, 4);
(3, 1); (3, 2); (3, 3); (3, 4); (4, 1); (4, 2); (4, 3); (4, 4)}.

Quais dos seguintes conjuntos são exemplos de relações de equivalência?


• R1 = A × A
• R2 = {(1, 1); (2, 2); (3, 3)}
• R3 = {(1, 1); (2, 2); (3, 3); (4, 4); (1, 2); (2, 1)}
• R4 = {(1, 1); (2, 2); (3, 3); (4, 4)}
• R5 = {(1, 1); (2, 2); (3, 3); (4, 4); (1, 2); (2, 1); (2, 4); (4; 2)}

■ Solução: R2 não é relação de equivalência pois (4, 4) ∈


/ R2 .
R5 não é relação de equivalência pois, por exemplo, (1, 4) ∈
/ R5 .
Os demais são exemplos de relações de equivalência.

2) Seja A = Z e R ⊆ Z × Z definida por R = {(x, y) ∈ Z × Z | x = y}. Então R é uma relação


de equivalência.

■ Solução: De fato,
18 Capítulo 3. Relações

• Para todo x ∈ Z temos x = x daí (x, x) ∈ R.


• Se (x, y) ∈ R, então pela definição de R temos x = y. Logo y = x e então (y, x) ∈ R.
• Se (x, y) ∈ R e (y, z) ∈ R, então x = y e y = z. Logo x = z e assim (x, z) ∈ R como
queríamos.
Portanto R é uma relação de equivalência sobre Z.
3) Seja A = Z e tome R = {(x, y) ∈ Z × Z | x − y = 2k, para algum k ∈ Z}. Mostre que R é uma
relação de equivalência sobre Z.
■ Solução: De fato,
• Para todo x ∈ Z temos x − x = 2 · 0 e com isso (x, x) ∈ R.
• Se (x, y) ∈ R então existe k ∈ Z tal que x − y = 2k. Agora y − x = −(x − y) = −2k =
2(−k) e como −k ∈ Z segue que (y, x) ∈ R.
• Se (x, y) ∈ R e (y, z) ∈ R, então existem k, l ∈ Z tais que x − y = 2k e y − z = 2l.
Somando essas duas equações obtemos
(x − y) + (y − z) = 2k + 2l
x − z = 2(k + l)
e como k + l ∈ Z segue que (x, z) ∈ Z.
Assim R é uma relação de equivalência.
■ Observações 3.1 Seja R uma relação de equivalência em A, isto é, R ⊆ A × A.
1) Para dizermos que (x, y) ∈ R usaremos a notação x ≡ y (R), que se lê “x é equivalente a y
módulo R", ou ainda a notação xRy, com o mesmo significado anterior.
2) Em alguns casos vamos utilizar a notação ∼ para representar a relação R. Nesse caso,
escrevemos x ∼ y para dizer que (x, y) ∈ R, ou que, xRy.
Em virtude da observação anterior a definição de relação de equivalência pode ser reescrita
como:
Definição 3.1.2 Seja A um conjunto não vazio e R ⊆ A × A. Dizemos que R é uma relação de
equivalência se:
i) Para todo x ∈ A, xRx. (Propriedade Reflexiva)
ii) Se xRy, então yRx. (Propriedade Simétrica)
iii) Se xRy e yRz, então xRz. (Propriedade Transitiva)

Definição 3.1.3 Seja R uma relação de equivalência sobre um conjunto A. Dado b ∈ A, cha-
mamos de classe de equivalência determinada por b módulo R, denotada por b ou C(b), o
subconjunto de A dado por

b = C(b) = {x ∈ A | (x, b) ∈ R} = {x ∈ A | xRb}.

■ Observaçao 3.1 Seja A 6= 0 / e R uma relação de equivalência sobre A. Segue da definição de


relação de equivalência que para todo b ∈ A, b 6= 0/ pois (b, b) ∈ R logo b ∈ b.
■ Exemplos 3.2 Do Exemplo 3.1 temos
1) As classes de equivalência de R1 são:
1 = {x ∈ A | (x, 1) ∈ R1 } = {1, 2, 3, 4}
2 = {x ∈ A | (x, 2) ∈ R1 } = {1, 2, 3, 4}
3 = {x ∈ A | (x, 3) ∈ R1 } = {1, 2, 3, 4}
4 = {x ∈ A | (x, 4) ∈ R1 } = {1, 2, 3, 4}
3.1 Relações de equivalência 19

Nesse caso temos somente uma classe de equivalência.


2) As classes de equivalência de R3 são:

1 = {x ∈ A | (x, 1) ∈ R3 } = {1, 2}
2 = {x ∈ A | (x, 2) ∈ R3 } = {1, 2}
3 = {x ∈ A | (x, 3) ∈ R3 } = {3}
4 = {x ∈ A | (x, 4) ∈ R3 } = {4}

Aqui temos três classes de equivalência diferentes.


3) As classes de equivalência de R4 são:

1 = {x ∈ A | (x, 1) ∈ R4 } = {1}
2 = {x ∈ A | (x, 2) ∈ R4 } = {2}
3 = {x ∈ A | (x, 3) ∈ R4 } = {3}
4 = {x ∈ A | (x, 4) ∈ R4 } = {4}

Aqui temos quatro classes de equivalência diferentes.


4) Para a relação de equivalência R = {(x, y) ∈ Z × Z | x − y = 2k, para algum k ∈ Z} temos:

0 = {x ∈ Z | xR0} = {x ∈ Z | x − 0 = 2k, k ∈ Z}
0 = {x ∈ Z | x = 2k, k ∈ Z} = {0, ±2, ±4, ±6, . . . }
1 = {x ∈ Z | xR1} = {x ∈ Z | x − 1 = 2k, k ∈ Z}
1 = {x ∈ Z | x = 2k + 1, k ∈ Z} = {±1, ±3, ±4, ±7, . . . }

Neste caso existem somente duas classes de equivalência. (Por quê?)


Proposição 3.1.1 Seja R uma relação de equivalência em um conjunto não vazio A. Dados a,
b ∈ A temos:
i) se a ∩ b 6= 0,
/ então aRb.
ii) se a ∩ b 6= 0,
/ então a = b.
Prova:
i) Como a ∩ b 6= 0,
/ existe um y ∈ a ∩ b, logo y ∈ a e y ∈ b. Da definição de classe de equivalên-
cia temos yRa e yRb. Como R é relação de equivalência temos aRy e bRy. Pela propriedade
transitiva segue que aRb, como queríamos.
ii) Precisamos mostrar que a ⊆ b e que b ⊆ a. Para a primeira inclusão seja y ∈ a. Daí yRa.
Mas, por hipótese, a ∩ b 6= 0,
/ assim pelo item anterior segue que aRb. Logo, como yRa e
aRb, segue que yRb, ou seja, y ∈ b. Daí a ⊆ b. Agora para provar a segunda inclusão seja
x ∈ b. Então xRb. Novamente, a ∩ b 6= 0/ e então pelo item anterior segue que aRb. Assim
uma vez que R é uma relação de equivalência temos bRa e de xRb obtemos xRa, ou seja,
x ∈ a. Com isso b ⊆ a. Portanto a = b, como queríamos.

Corolário 3.1.2 Seja R uma relação de equivalência sobre um conjunto não vazio A. Dados a,
b ∈ A então a ∩ b = 0/ ou a = b.
20 Capítulo 3. Relações
Definição 3.1.4 Seja R uma relação de equivalência sobre um conjunto não vazio A. O con-
junto de todas as classes de equivalência determinadas por R será denotado por A/R e é cha-
mado de conjunto quociente de A por R.

■ Exemplos 3.3 Do Exemplo 3.2 temos:


1) A/R1 = {1}
2) A/R3 = {1, 3, 4}
3) A/R4 = {1, 2, 3, 4}
4) Z/R = {0, 1}

Definição 3.1.5 Seja C uma classe de equivalência de uma relação de equivalência R. Qual-
quer elemento y ∈ C é chamado representante de C.

Proposição 3.1.3 Seja A um conjunto não vazio e R uma relação de equivalência em A. Então A
é a união disjunta das classes b, b ∈ A, ou seja,
[
A= b.
b∈A
S
Prova: Para todo b ∈ A temos, pela definição de classe de equivalência, que b ⊆ A. Logo b∈A b ⊆
S S S
A. Agora seja x ∈ A. Logo x ∈ x e daí x ∈ b∈A b. Assim A ⊆ b∈A b. Portanto, A = b∈A b. ■
Definição 3.1.6 Sejam a, b ∈ Z, b 6= 0. Dizemos que b divide a quando existe um inteiro k
tal que a = bk. Nesse caso escrevemos b | a. Quando b não divide a, escrevemos b 6 |a.

■ Exemplos 3.4 1) Os inteiros 1 e −1 dividem qualquer número inteiro a, pois a = 1a e a =


(−1)(−a).
2) O número 0 não divide nenhum inteiro b, pois não existe a ∈ Z tal que b = 0a.
3) Para todo b 6= 0, b divide ±b.
4) Para todo inteiro b 6= 0, b divide 0, pois 0 = b0.
5) 3 6 |8.
6) 17 | 51.
Proposição 3.1.4 i) a | a, para todo a ∈ Z.
ii) Se a | b e b | a, a, b > 0 então a = b.
iii) Se a | b e b | c, então a | c.
iv) Se a | b e a | c, então a | (bx + cy), para todos x, y ∈ Z.
Prova:
i) Imediata.
ii) De fato, existem k, l ∈ Z tais que b = ka e a = lb. Assim b = klb, isto é, b(1 − kl) = 0.
Como b 6= 0 então 1 − kl = 0. Daí kl = 1 e então k = ±1 e l = ±1. Mas a > 0 e b > 0, logo
k = l = 1. Logo a = b.
iii) De fato, existem k, l ∈ Z tais que b = ka e c = bl. Assim c = kal = (kl)a, ou seja, a | c.
iv) Temos b = ka e c = al, com k, l ∈ Z. Daí bx + cy = (ka)x + (al)y = a(kx + ly) e como
kx + ly ∈ Z segue que a | (bx + cy).

Definição 3.1.7 Sejam a, b ∈ Z, dizemos que a é congruente à b módulo m se m | (a − b).
Neste caso, escrevemos a ≡m b ou a ≡ b (mod m).

■ Exemplos 3.5 1) 5 ≡ 2 (mod 3), pois 3 | (5 − 2).


2) 3 ≡ 1 (mod 2), pois 2 | (3 − 1).
3) 3 ≡ 9 (mod 6), pois 6 | (3 − 9).
Proposição 3.1.5 A congruência módulo m é uma relação de equivalência em Z.
3.1 Relações de equivalência 21

Prova:
i) Para todo a ∈ Z, a ≡ a (mod m) pois m | (a − a).
ii) Se a ≡ b (mod m), então m | (a − b). Daí existe k ∈ Z, tal que (a − b) = km. Agora,
(b − a) = −(a − b) = −(km) = (−k)m, ou seja, m | (b − a). Daí b ≡ a (mod m).
iii) Se a ≡ b (mod m) e b ≡ c (mod m), então m | (a − b) e m | (b − c). Assim, m | [(a − b) +
(b − c)]. Logo, m | (a − c), isto é, a ≡ c (mod m).
Portanto a congruência módulo m é uma relação de equivalência. ■

Teorema 3.1.6 A relação de congruência módulo m satisfaz as seguintes propriedades:


i) a1 ≡ b1 (mod m) se, e somente se, a1 − b1 ≡ 0 (mod m).
ii) Se a1 ≡ b1 (mod m) e a2 ≡ b2 (mod m), então a1 + a2 ≡ b1 + b2 (mod m).
iii) Se a1 ≡ b2 (mod m) e a2 ≡ b2 (mod m), então a1 a2 ≡ b1 b2 (mod m).
iv) Se a ≡ b (mod m), então ax ≡ bx (mod m), para todo x ∈ Z.
v) Vale a lei do cancelamento: se d ∈ Z e mdc(d, m) = 1 então ad ≡ bd (mod m) implica
a ≡ b (mod m).

Prova: Provemos o item iii).


Como a1 ≡ b1 (mod m) e a2 ≡ b2 (mod m), existem k, l ∈ Z tais que

a1 − b1 = km
a2 − b2 = lm,

isto é,

a1 = b1 + km
a2 = b2 + lm,

Assim

a1 a2 = (b1 + km)(b2 + lm)


= b1 b2 + b1 lm + b2 km + klm2
= b1 b2 + (lb1 + kb2 + klm) m
| {z }
∈Z

Ou seja, a1 a2 − b1 b2 = pm, onde p = lb1 + kb2 + klm ∈ Z. Portanto, a1 a2 ≡ b1 b2 (mod m).



Como a congruência módulo m é uma relação de equivalência, podemos determinar suas clas-
ses de equivalência. Assim, dado n ∈ Z, temos

n = C(n) = {x ∈ Z | x ≡ n (mod m)}.

Denotaremos C(n) por Rm (n) ou n, quando não houver possibilidade de confusão.


Por exemplo, fixando m > 1

Rm (0) = {x ∈ Z | x ≡ 0 (mod m)} = {x ∈ Z | x = mk, k ∈ Z} = mZ


Rm (1) = {x ∈ Z | x ≡ 1 (mod m)} = {x ∈ Z | x = 1 + km, k ∈ Z}
Rm (n) = {x ∈ Z | x = n + km, k ∈ Z}

Proposição 3.1.7 As classes de equivalência definidas pela congruência módulo m são determi-
nadas pelos restos da divisão inteira por m. Em outras palavras, Rm (n) é o conjunto dos números
inteiros cujo resto na divisão inteira por m é n.
22 Capítulo 3. Relações

Corolário 3.1.8 Rm (k) = Rm (l) se, e somente se, k ≡ l (mod m).

■ Exemplos 3.6 1) Se m = 2, então os possíveis restos na divisão inteira por 2 são 0 e 1. Logo,
existem duas classes de equivalência, a saber

R2 (0) = {x ∈ Z | x ≡ 0 (mod 2)} = {x ∈ Z | x = 2k, k ∈ Z}


R2 (1) = {x ∈ Z | x ≡ 1 (mod 2)} = {x ∈ Z | x = 1 + 2k, k ∈ Z}.

2) Se m = 3, então os possíveis restos da divisão inteira são 0, 1 e 2. Daí

R3 (0) = {x ∈ Z | x ≡ 0 (mod 3)} = {x ∈ Z | x = 3k, k ∈ Z}


R3 (1) = {x ∈ Z | x ≡ 1 (mod 3)} = {x ∈ Z | x = 3k + 1, k ∈ Z}
R3 (2) = {x ∈ Z | x ≡ 2 (mod 3)} = {x ∈ Z | x = 3k + 2, k ∈ Z}

Proposição 3.1.9 Na relação de equivalência módulo m existem m classes de equivalência.


Prova: Os possíveis restos na divisão inteira por m são 0, 1, ..., (m − 1). Como cada possível resto
define uma classe de equivalência diferente, existem exatamente m classes de equivalência ■
■ Observaçao 3.2 Fixado m inteiro positivo, denotaremos

Rm (0) = 0
Rm (1) = 1
..
.
Rm (m − 1) = m − 1
Z
O conjunto quociente desta relação será denotado por ou Zm . Assim
mZ
Z
Zm = = {0, 1, ..., m − 1}.
mZ
Queremos definir um meio de somar e multiplicar os elementos de Zm . Por exemplo, em
Z2 = {0, 1} temos que a soma de pares é par, soma de par com ímpar é ímpar e a soma de ímpares
é par. Assim podemos escrever

⊕ 0 1
0 0 1
1 1 0

Para multiplicação, temos

⊗ 0 1
0 0 0
1 0 1

Definição 3.1.8 Dados a, b ∈ Zm definimos

a⊕b = a+b (3.1)


a ⊗ b = ab. (3.2)
3.1 Relações de equivalência 23

Proposição 3.1.10 As operações de soma e produto definidas em (3.1) e (3.2) são independentes
dos representantes das classes.
Prova: Dadas duas classes em Zm com representantes diferentes, a1 = a2 e b1 = b2 , com a1 6= a2
e b1 6= b2 , temos:

a1 ≡ a2 (mod m)
b1 ≡ b2 (mod m).

Daí,

a1 + b1 ≡ a2 + b2 (mod m)
a1 b1 ≡ a2 b2 (mod m)

Mas de a1 + b1 ≡ a2 + b2 (mod m) segue que a1 + b1 = a2 + b2 . Assim

a1 ⊕ b1 = a1 + b1 = a2 + b2 = a2 ⊕ b2 .

Agora de a1 b1 ≡ a2 b2 (mod m) segue que a1 b2 = a2 b2 . Assim

a1 ⊗ b1 = a1 b1 = a2 b2 = a2 ⊗ b2 .

Portanto a soma e a multiplicação não dependem dos representantes que escolhemos para as
classes de equivalência, como queríamos. ■
■ Exemplo 3.1 A soma e a multiplicação em Z4 = {0, 1, 2, 3} são dadas nas tabelas abaixo:

Tabela 3.1: Soma e multiplicação em Z4


⊕ 0 1 2 3 ⊗ 0 1 2 3
0 0 1 2 3 0 0 0 0 0
1 1 2 3 0 1 0 1 2 3
2 2 3 0 1 2 0 2 0 2
3 3 0 1 2 3 0 3 2 1

Proposição 3.1.11 As operações de soma ⊕ e multiplicação ⊗ em Zm satisfazem as seguintes


propriedades:
i) Para todos x, y ∈ Zm : x ⊕ y = y ⊕ x.
ii) Para todos x, y e z ∈ Zm : (x ⊕ y) ⊕ z = x ⊕ (y ⊕ z).
iii) Para todo x ∈ Zm , x ⊕ 0 = x.
iv) Para todo x ∈ Zm , existe y ∈ Zm tal que x ⊕ y = 0.
v) Para todos x, y ∈ Zm : x ⊗ y = y ⊗ x.
vi) Para todos x, y e z ∈ Zm : (x ⊗ y) ⊗ z = x ⊗ (y ⊗ z).
vii) Para todo x ∈ Zm : x ⊗ 1 = x.
Prova:
i) x ⊕ y = x + y = y + x = y ⊕ x.
ii) (x ⊕ y) ⊕ z = x + y ⊕ z = (x + y) + z = x + (y + z) = x ⊕ y + z = x ⊕ (y ⊕ z).
iii) x ⊕ 0 = x + 0 = x.
iv) Dado x ∈ Zm escolha y = m − x ∈ Zm . Assim x ⊕ y = x ⊕ m − x = x + (m − x) = m = 0.
v) x ⊗ y = x · y = y · x = y ⊗ x.
24 Capítulo 3. Relações

vi) (x ⊗ y) ⊗ z = x · y ⊗ z = (x · y) · z = x · (y · z) = x ⊗ y · z = x ⊗ (y ⊗ z).
vii) x ⊗ 1 = x · 1 = x.

Definição 3.1.9 Um elemento a ∈ Zm é inversível se, e somente se, existe b ∈ Zm tal que
a ⊗ b = 1. Neste caso, b é chamado inverso de a e denotaremos b = (a)−1 .

Proposição 3.1.12 Se o inverso existe, então ele é único.


Prova: De fato, dado a ∈ Zm , suponha que existem b, d ∈ Zm tais que a ⊗ b = 1 = a ⊗ d, então

b = b ⊗ 1 = b ⊗ (a ⊗ d)
= (b ⊗ a) ⊗ d = 1 ⊗ d = d


Proposição 3.1.13 Um elemento a ∈ Zm é inversível se, e somente se, mdc(a, m) = 1.

Corolário 3.1.14 Se m é um número primo, então para todo x ∈ Zm , x 6= 0, existe inverso.

■ Exemplos 3.7 1) Em Z4 existem dois elementos inversíveis que são 1, cujo inverso é 1, e o
3, cujo inverso é 3.
2) Em Z11 , todos elementos, exceto 0, possuem inverso:

Tabela 3.2: Inversos em Z11


Elemento 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Inverso 1 6 4 3 9 2 8 7 5 10
4. Funções

Definição 4.0.1 Uma função f : A → B, de um conjunto A em um conjunto B, é uma relação


que associa os elementos de A com os elementos em B satisfazendo as seguintes condições:
i) Para todo x ∈ A, existe y ∈ B tal que f (x) = y.
ii) Se x ∈ A é tal que f (x) = y1 e f (x) = y2 com y1 , y2 ∈ B, então y1 = y2 .
Nesse caso y é chamado de imagem de x segundo f .

O conjunto A é chamado de domínio de f e será denotado por dom ( f ). O conjunto B é


chamado de contra-domínio de f . O conjunto

Im ( f ) = { f (x) | x ∈ A} ⊆ B

é chamado imagem de f .
■ Exemplos 4.1 1) Sejam A = {0, 1, 2, 3} e B = {4, 5, 6, 7, 8}. Quais das seguintes relações
são funções?
a) R1 = {(0, 5), (1, 6), (2, 7)}
b) R2 = {(0, 4), (1, 5), (1, 6), (2, 7), (3, 8)}
c) R3 = {(0, 4), (1, 5), (2, 7), (3, 8)}
d) R4 = {(0, 5), (1, 5), (2, 6), (3, 7)}

■ Solução: a) Não é função pois 3 ∈ A e 3 não está associado à nenhum elemento de B.


b) Não é função pois 1 ∈ A está associado a dois elementos diferentes em B.
c) É uma função.
d) É uma função.

2) R5 = {(x, y) ∈ R × R | y2 = x2 }

■ Solução: Não é função pois, por exemplo, para x = 1 temos y = −1 ou y = 1.

3) R6 = {(x, y) ∈ R × R | x2 + y2 = 1}.

■ Solução: Não é função pois, por exemplo, para x = 0 temos y = 1 ou y = −1.


26 Capítulo 4. Funções

4) R7 = {(x, y) ∈ R × R | y = x2 }
■ Solução: É uma função.

Definição 4.0.2 Seja f : A → B uma função.


i) Dizemos que f é injetora se dados x1 , x2 ∈ A tais que f (x1 ) = f (x2 ), então x1 = x2 . De
modo equivalente, dizemos que f e injetora se dados x1 , x2 ∈ A tais que x1 6= x2 , então
f (x1 ) 6= f (x2 ).
ii) Dizemos que f é sobrejetora se para todo y ∈ B, existe x ∈ A tal que f (x) = y.
iii) Dizemos que f e bijetora se f for injetora e sobrejetora simultaneamente.

■ Exemplos 4.2 Verifique se as seguintes funções são injetoras ou sobrejetoras:


1) f : Z → Z dada por f (x) = 3x + 1
■ Solução: De fato, dados x1 , x2 ∈ Z tais que f (x1 ) = f (x2 ) temos

f (x1 ) = f (x2 )
3x1 + 1 = 3x2 + 1
3x1 = 3x2
3(x1 − x2 ) = 0.
Assim x1 − x2 = 0, isto é, x1 = x2 . Logo f é injetora.
Para determinar se f é sobrejetora seja y ∈ Z. Precisamos determinar se é possível encon-
trar algum x ∈ Z tal que f (x) = y. Ou seja, precisamos saber se a equação 3x + 1 = y tem
solução em Z para qualquer valor de y.
Se tomarmos y = 2 temos
3x + 1 = 2
3x = 1
e essa última equação não possui solução em Z. Logo para y = 2 não existe x ∈ Z de modo
que f (x) = 2. Logo f não é sobrejetora.
2) g : Q → Q dada por f (x) = 3x + 1
■ Solução: A prova que g é injetora é idêntica ao caso anterior.

Para determinar se g é sobrejetora seja y ∈ Q. Precisamos determinar se é possível encon-


trar algum x ∈ Q tal que g(x) = y. Ou seja, precisamos saber se a equação 3x + 1 = y tem
solução em Q para qualquer valor de y. Mas
3x + 1 = y
3x = y − 1
y−1
x= ∈Q
3
para qualquer valor de y ∈ Q. Assim dado y ∈ Q tome x = (y − 1)/3 ∈ Q. Daí
   
y−1 y−1
g(x) = g =3 + 1 = y − 1 + 1 = y.
3 3
Logo g é sobrejetora.
3) A função h : R → R dada por h(x) = x2
■ Solução: A função h não é injetora pois, por exemplo, h(−1) = 1 = h(1) e 1 6= −1.

A função h não é sobrejetora pois, por exemplo, para y = −1 não existe x ∈ R tal que
h(x) = −1.
27
Definição 4.0.3 Sejam f : A → B e g : B → C funções. Definimos a função composta de g
com f como sendo a função denotada por g ◦ f : A → C tal que (g ◦ f )(x) = g( f (x)) para todo
x ∈ A.
■ Exemplos 4.3 1) Sejam f : R → R e g : R → R dadas por f (x) = x2 e g(x) = x + 1. Assim
podemos definir g ◦ f e f ◦ g e

(g ◦ f )(x) = g( f (x)) = g(x2 ) = x2 + 1


( f ◦ g)(x) = f (g(x)) = f (x + 1) = (x + 1)2

Assim em geral f ◦ g 6= g ◦ f .
2) f : R− → R∗+ e g : R∗+ → R dadas por f (x) = x2 + 1 e g(x) = ln x. Nesse caso só podemos
definir g ◦ f : R− → R e

(g ◦ f )(x) = g( f (x)) = g(x2 + 1) = ln(x2 + 1).

Proposição 4.0.1 Se f : A → B e g : B → C são funções injetoras, então g ◦ f : A → C é injetora.


Prova: Dados x1 , x2 ∈ A tais que (g ◦ f )(x1 ) = (g ◦ f )(x2 ) queremos mostrar que x1 = x2 . Temos:

(g ◦ f )(x1 ) = (g ◦ f )(x2 )
g( f (x1 )) = g( f (x2 )).

Como por hipótese g é injetora, dessa última igualdade segue que f (x1 ) = f (x2 ). Mas f também
é injetora, por hipótese, daí x1 = x2 , como queríamos. Portanto g ◦ f é injetora. ■
Proposição 4.0.2 Se f : A → B e g : B → C são funções sobrejetoras, então g ◦ f : A → C é
sobrejetora.
Prova: Para mostrar que g ◦ f : A → C é sobrejetora, precisamos mostrar que para todo y ∈ C,
existe x ∈ A tal que (g ◦ f )(x) = y.
Assim seja y ∈ C. Como g : B → C é sobrejetora, existe z ∈ B tal que g(z) = y. Mas z ∈ B e
f : A → B é sobrejetora e assim existe x ∈ A tal que f (x) = z. Logo

(g ◦ f )(x) = g( f (x)) = g(z) = y.

Portanto g ◦ f é sobrejetora. ■
Definição 4.0.4 Seja f : A → B uma função.
i) Dado P ⊆ A, chama-se imagem direta de P segundo f e indica-se por f (P) o subcon-
junto de B dado por

f (P) = { f (x) | x ∈ P},

isto é, f (P) é o conjunto das imagens por f dos elementos de P.


ii) Dado Q ⊆ B, chama-se imagem inversa de Q segundo f e indica-se por f −1 (Q) o
subconjunto de A dado por

f −1 (Q) = {x ∈ A | f (x) ∈ Q},

isto é, f −1 (Q) é o conjunto dos elementos de A que tem imagem em Q através de f .

■ Exemplos 4.4 1) Seja A = {1, 3, 5, 7, 9} e B = {0, 1, 2, 3, . . . , 10} e f : A → B dada por f (x) =


x + 1. Temos:
• f ({1}) = { f (1)} = {2}
28 Capítulo 4. Funções

• f ({3, 5, 7}) = { f (3), f (5), f (7)} = {4, 6, 8}


• f (A) = { f (1), f (3), f (5), f (7), f (9)} = {2, 4, 6, 8, 10}
• f (0)
/ = 0/
• f −1 ({2, 4, 10}) = {x ∈ A | f (x) ∈ {2, 4, 10}} = {1, 3, 9}
• f −1 ({0, 1, 3, 5, 7, 9}) = {x ∈ A | f (x) ∈ {0, 1, 3, 5, 7, 9}} = 0/
2) Sejam A = B = R e f : R → R dada por f (x) = x2 . Temos:
• f ({1, 2, 3}) = {1, 4, 9}
• f ([0, 2]) = { f (x) ∈ R | 0 ≤ x ≤ 2} = {x2 | 0 ≤ x ≤ 2} = [0, 4]
• f −1 ([1, 9]) = {x ∈ R | f (x) ∈ [1, 9]} = {x ∈ R | 1 ≤ f (x) ≤ 9} = {x ∈ R | 1 ≤ x2 ≤
9} = [−1, −3] ∪ [1, 3]
Proposição 4.0.3 Seja f : A → B uma função e sejam P, Q ⊆ A, X, Y ⊆ B.
i) Se P ⊆ Q, então f (P) ⊆ f (Q).
ii) f −1 (X ∪Y ) = f −1 (X) ∪ f −1 (Y ).
Prova:
i) Se y ∈ f (P), então existe x ∈ P tal que f (x) = y. Mas como P ⊆ Q, então x ∈ Q e daí
y ∈ f (Q). Logo f (P) ⊆ f (Q).
ii) Seja z ∈ f −1 (X ∪Y ). Então f (z) ∈ X ∪Y . Se f (z) ∈ X, então z ∈ f −1 (X) e daí z ∈ f −1 (X) ∪
f −1 (Y ). Se f (z) ∈ Y , então z ∈ f −1 (Y ) e assim z ∈ f −1 (X) ∪ f −1 (Y ). Logo, f −1 (X ∪Y ) ⊆
f −1 (X) ∪ f −1 (Y ).
Agora, seja z ∈ f −1 (X) ∪ f −1 (Y ). Se z ∈ f −1 (X), então f (z) ∈ X, daí f (z) ∈ X ∪Y , isto é,
z ∈ f −1 (X ∪Y ). Se z ∈ f −1 (Y ), então f (z) ∈ Y e assim f (z) ∈ X ∪Y , isto é, z ∈ f −1 (X ∪Y ).
Logo f −1 (X) ∪ f −1 (Y ) ⊆ f −1 (X ∪Y ).
Portanto, f −1 (X ∪Y ) = f −1 (X) ∪ f −1 (Y ).

Dado f : A → B uma função, queremos construir uma função g : B → A de modo que

g( f (x)) = x

para todo x ∈ A. Mas f (x) = y com y ∈ B. Assim podemos tentar definir g como

g(y) = x, y ∈ B se, e somente se, f (x) = y. (4.1)

Com essa definição g é uma função? Vejamos um exemplo: definida f : {0, 1, 2, 3} → {4, 5, 6, 7, 8}
por:

f (0) = 5
f (1) = 5
f (2) = 6
f (3) = 7.

A partir da definição (4.1) temos

g(5) = 0
g(5) = 1
g(6) = 2
g(7) = 3.

Assim g definida pela condição (4.1) não é uma função pois g atribui ao número 5 dois possí-
veis valores: 0 e 1. Isso ocorre pois f não é injetora. Vamos então redefinir f de modo a torná-la
29

injetora:

f (0) = 5
f (1) = 4
f (2) = 6
f (3) = 7.

Agora g torna-se:

g(5) = 0
g(4) = 1
g(6) = 2
g(7) = 3.

Ainda assim g não é função pois g não associa 8 ∈ B com nenhum elemento em A. Isso ocorre
pois f não é sobrejetora.
Portanto para que a condição (4.1) defina uma função é necessário que f seja bijetora. Temos
então o seguinte teorema:

Teorema 4.0.4 Seja f : A → B função. Defina g : B → A por

g(y) = x, y ∈ B se, e somente se, f (x) = y. (4.2)

Então g é uma função se, e somente se, f é bijetora.

Prova: Precisamos mostrar que:


i) Se g definida por (4.2) é uma função, então f é bijetora.
ii) Se f é bijetora, então g definida por (4.2) é uma função.
Provemos a primeira afirmação: suponha que g é uma função. Precisamos provar que f é
injetora e sobrejetora.
Sejam x1 , x2 ∈ A tais que f (x1 ) = y = f (x2 ). Como f (x1 ) = y temos g(y) = x1 , além disso,
g(y) = x2 . Mas g é uma função, daí x1 = x2 , ou seja, f é injetora.
Dado y ∈ B, como g é uma função, existe x ∈ A, tal que g(y) = x, logo f (x) = y e assim f é
sobrejetora.
Portanto f é bijetora.
Agora vamos provar a segunda afirmação: suponha que f é bijetora. Precisamos mostrar que
g é uma função. Primeiramente, dado y ∈ B, como f é sobrejetora, existe x ∈ A tal que f (x) = y.
Logo por (4.2) segue que g(y) = x ∈ A. Logo g associa cada elemento de B com algum elemento
em A.
Suponha que g(y) = x1 e que g(y) = x2 . Daí, de (4.2) temos f (x1 ) = y e f (x2 ) = y. Mas f é
injetora, logo x1 = x2 e então g(y) = x1 = x2 . Assim g associa cada elemento de B com somente
um elemento em A.
Portanto g é função. ■
Definição 4.0.5 A função g : B → A do teorema 4.0.4 é chamada de função inversa de f :
A → B e será denotada por g = f −1 .

Definição 4.0.6 Dado um conjunto A 6= 0,


/ a função iA : A → A dada por iA (x) = x é chamada
de função identidade.

Proposição 4.0.5 Se f : A → B é bijetora, então f ◦ f −1 = iB e f −1 ◦ f = iA .


30 Capítulo 4. Funções

Prova: Temos iB : B → B e iA : A → A. Além disso, f ◦ f −1 : B → B e f −1 ◦ f : A → A, daí


dom ( f ◦ f −1 ) = dom (iB ) e dom ( f −1 ◦ f ) = dom (iA ). Agora, y ∈ B, ( f ◦ f −1 )(y) = f ( f −1 (y)) =
y = iB (y). E se x ∈ A, ( f −1 ◦ f )(x) = f −1 ( f (x)) = x = iA (x). Portanto f ◦ f −1 = iB e f −1 ◦ f = iA
como queríamos. ■
Proposição 4.0.6 Se f : A → B e g : B → A são funções, então:
i) f ◦ iA = f
ii) iB ◦ f = f
iii) g ◦ iB = g
iv) iA ◦ g = g
v) Se g ◦ f = iA e f ◦ g = iB , então f e g são bijetoras e g = f −1 .
Prova:
i) Primeiro temos f : A → B e iA : A → A e f ◦ iA : A → B. Assim dom ( f ◦ iA ) = dom ( f ).
Agora dado x ∈ A, temos ( f ◦ iA )(x) = f (iA (x)) = f (x). Portanto, f ◦ iA = f .
ii) Segue de forma semelhante ao caso anteiror.
iii) Segue de forma semelhante ao primeiro caso.
iv) Segue de forma semelhante ao primeiro caso.
v) Provemos que f é bijetora: sejam x1 , x2 ∈ A tais que f (x1 ) = f (x2 ). Como f : A → B e
g : B → A, então g( f (x1 )) = g( f (x2 )), ou seja, (g ◦ f )(x1 ) = (g ◦ f )(x2 ). Daí, iA (x1 ) = iA (x2 ).
Logo, x1 = x2 . Logo f é injetora.
Agora, dado y ∈ B, segue que y = iB (y). Mas iB = f ◦g. Daí, y = iB (y) = ( f ◦g)(y) = f (g(y)).
Assim, x = g(y) ∈ A e f (x) = y. Logo f é sobrejetora.
Portanto f é bijetora. Analogamente, prova-se que g é bijetora.
Provemos agora que g = f −1 . Para isso, primeiro temos f −1 : B → A e então dom (g) = B =
dom ( f −1 ). Agora, f ◦ g = iB = f ◦ f −1 . Assim, para todo x ∈ B, ( f ◦ g)(x) = ( f ◦ f −1 )(x).
Isto é, f (g(x)) = f ( f −1 (x)). Portanto como f é injetora, g(x) = f −1 (x) para todo x ∈ B.
Logo g = f −1 como queríamos.

5. Anéis

5.1 Conceitos Básicos


Definição 5.1.1 Seja A um conjunto não vazio. Dizemos que A está munido (ou equipado) de
uma operação binária quando existe uma função

∆ : A×A → A
(a, b) 7−→ a∆b

Uma operação binária também é chamada de uma operação interna em A.

■ Exemplos 5.1 1) A soma usual nos conjuntos Z, Q, R e C é uma operação binária.


2) A multiplicação usual nos conjuntos Z, Q, R e C é uma operação binária.
3) Seja m > 1, m ∈ Z fixo. A soma (3.1) e a multiplicação (3.2) definidos em Zm = {0, 1, ..., m − 1}
são uma operações binárias.
4) A operação ÷ em Q∗ é uma operação binária.
5) Já em N, Z, Z∗ e em Q a operação ÷ não é uma operação binária.

Definição 5.1.2 Seja A um conjunto não vazio no qual estão definidas duas operações binárias
⊕ e ⊗, chamadas soma e produto. Dizemos que (A, ⊕, ⊗) é um anel quando as seguintes
condições são verdadeiras:
i) Associatividade: para todos x, y, z ∈ A vale que

(x ⊕ y) ⊕ z = x ⊕ (y ⊕ z).

Essa propriedade é chamada propriedade associativa da soma.


ii) Comutatividade: Para todos x, y ∈ A vale

x ⊕ y = y ⊕ x.

iii) Elemento Neutro: Existe em A um elemento denotado por 0 (zero) ou 0A tal que para
32 Capítulo 5. Anéis

todo elemento x ∈ A vale

x ⊕ 0A = x = 0A ⊕ x.

Tal elemento 0A é chamado de elemento neutro da soma ou simplesmente elemento


neutro.
iv) Elemento Oposto: Para cada elemento x ∈ A, existe y ∈ A tal que

x ⊕ y = 0A = y ⊕ x.

Tal elemento y é chamado de oposto aditivo de x ou simplesmente oposto de x.


v) Associatividade: Para todos x, y, z ∈ A, vale que

(x ⊗ y) ⊗ z = x ⊗ (y ⊗ z).

vi) Distributividade: Para todos x, y, z ∈ A vale

(x ⊕ y) ⊗ z = x ⊗ z ⊕ y ⊗ z.

Essa propriedade é chamada distributiva da soma em relação ao produto.


vii) Distributividade: Para todos x, y, z ∈ A vale

x ⊗ (y ⊕ z) = x ⊗ y ⊕ x ⊗ z.

Essa é a propriedade distributiva do produto em relação à soma.


■ Observações 5.1 Seja (A, ⊕, ⊗) um anel.
1) Comutatividade: Se para todos x, y ∈ A vale

x ⊗ y = y ⊗ x.

Dizemos que (A, ⊕, ⊗) é um anel comutativo.


2) Unidade: Se existe em A um elemento denotado por 1 ou 1A tal que

x ⊗ 1 = x = 1 ⊗ x,

para todo x ∈ A, então dizemos que (A, ⊕, ⊗) é um anel com unidade ou um anel unitário.
O elemento 1A é chamado de unidade de A ou elemento neutro da multiplicação de A.
3) Se um anel (A, ⊕, ⊗) satisfaz as duas propriedades anteriores dizemos que (A, ⊕, ⊗) é um
anel comutativo com unidade ou um anel comutativo unitário.
4) Seja (A, ⊕, ⊗) um anel. Quando não houver chance de confusão com relação às operações
envolvidas diremos simplesmente que A é uma anel.
■ Exemplos 5.2 1) (Z, +, .), (Q, +, .), (R, +, .), (C, +, .), (Zm , ⊕, ⊗) são anéis comutativos e
com unidade.
2) Seja A = Z = { f : Z → Z | f é uma função}. Dadas duas funções quaisquer f , g ∈ A, defi-
nimos f ⊕ g : Z → Z e f ⊗ g : Z → Z como:

( f ⊕ g)(x) = f (x) + g(x)


( f ⊗ g)(x) = f (x)g(x)

para todo x ∈ Z. Assim (A, ⊕, ⊗) é um anel. De fato:


5.1 Conceitos Básicos 33

i) Para todo x ∈ Z
[( f ⊕ g) ⊕ h](x) = ( f ⊕ g)(x) + h(x) = ( f (x) + g(x)) + h(x)
= f (x) + (g(x) + h(x)) = f (x) + (g ⊕ h)(x)
= [ f ⊕ (g ⊕ h)](x)
para todos f , g e h ∈ A.
ii) Para todo x ∈ Z
( f ⊕ g)(x) = f (x) + g(x) = g(x) + f (x) = (g ⊕ f )(x),
portanto f ⊕ g = g ⊕ f para todos f , g ∈ A.
iii) 0A : Z → Z dada por 0A (x) = 0 para todo x ∈ Z. Daí para todo x ∈ Z
( f ⊕ 0A )(x) = f (x) + 0A (x) = f (x) + 0 = f (x)
para todo f ∈ A. Logo f + 0A = f para todo f ∈ A. Logo 0A é o elemento neutro da
soma em A.
iv) Dada f ∈ A, defina g : Z → Z por g(x) = − f (x) para todo x ∈ Z. Daí para todo x ∈ Z
temos
( f ⊕ g)(x) = f (x) + g(x) = f (x) + (− f (x)) = 0.
Logo g(x) = − f (x) é o oposto de f ∈ A.
v) Para todo x ∈ Z
[( f ⊗ g) ⊗ h](x) = ( f ⊗ g)(x)h(x) = ( f (x)g(x))h(x)
= f (x)(g(x)h(x)) = f (x)(g ⊗ h)(x)
= [ f ⊗ (g ⊗ h)](x)
para todos f , g e h ∈ Z.
vi) Para todo x ∈ Z
[( f ⊕ g) ⊗ h](x) = ( f ⊕ g)(x)h(x) = ( f (x) + g(x))h(x)
= f (x)h(x) + g(x)h(x) = ( f ⊗ g)(x) + (g ⊗ h)(x)
= [( f ⊗ g) ⊕ (g ⊗ h)](x)
para todos f , g e h ∈ A.
vii) Para todo x ∈ Z
[ f ⊗ (g ⊕ h)](x) = f (x)(g ⊕ h)(x) = f (x)(g(x) + h(x))
= f (x)g(x) + f (x)h(x) = ( f ⊗ g)(x) + ( f ⊗ h)(x)
= [( f ⊗ g) ⊕ ( f ⊗ h)](x)
para todos f , g e h ∈ A.
Assim (A, ⊕, ⊗) é um anel. Além disso, para todo x ∈ Z
( f ⊗ g)(x) = f (x)g(x) = g(x) f (x) = (g ⊗ f )(x)
para todos f , g ∈ A. Assim a operação ⊗ é comutativa.
Mais ainda, definindo 1A : Z → Z como 1A (x) = 1 para todo x ∈ Z temos
( f ⊗ 1A )(x) = f (x)1A (x) = f (x) · 1 = f (x)
para todo f ∈ A. Logo 1A é a unidade de A.
Portanto (A, ⊕, ⊗) é um anel comutativo com unidade.
34 Capítulo 5. Anéis

■ Observaçao 5.1 Seja (A, ⊕, ·) um anel. Para simplificar a notação vamos denotar a operação
⊕ por + e a operação ⊗ por · e assim escrever simplesmente que (A, +, ·) é um anel.
Proposição 5.1.1 Seja (A, +, ·) um anel. Então:
i) O elemento neutro é único.
ii) Para cada x ∈ A existe um único oposto.
iii) Para todo x ∈ A, −(−x) = x.
iv) Dados x1 , x2 , . . . , xn ∈ A, n ⩾ 2, então
−(x1 + x2 + · · · + xn ) = (−x1 ) + (−x2 ) + · · · + (−xn ).
v) Para todos α , x, y ∈ A, se α + x = α + y, então x = y.
vi) Para todo x ∈ A, x · 0A = 0A = 0A · x.
vii) Para todos x, y ∈ A, temos x(−y) = (−x)y = −(xy).
viii) Para todos x, y ∈ A, xy = (−x)(−y).
Prova:
i) Suponha que existam 01 , 02 ∈ A elementos neutros de A. Assim
x + 01 = x e x + 02 = x
para todo x ∈ A. Assim
01 = 01 + 02 = 02
e portanto o elemento neutro é único.
ii) De fato, dado x ∈ A suponha que existam y1 , y2 ∈ A tais que
x + y1 = 0A e x + y2 = 0A .
Daí
y1 = y2 + 0A = y1 + (x + y2 ) = (y1 + x) + y2 = 0A + y2 = y2 .
Logo o oposto de x é único e daí será denotado por −x.
iii) Dado x ∈ A, então −x é oposto de x, isto é, x + (−x) = 0A . Logo o oposto de (−x) é x, ou
seja, −(−x) = x.
iv) Segue usando indução sobre n.
v) Suponha que α + x = α + y. Seja −α o oposto de α daí
x = 0A + x
= [(−α ) + α ] + x
= (−α ) + (α + x)
= (−α ) + (α + y)
= [(−α ) + α ] + y
= 0A + y = y
como queríamos.
vi) Temos x · 0A + 0A = x · 0A = x · (0A + 0A ) = x · 0A + x · 0A . Assim do item anterior segue que
x · 0A = 0A .
vii) Provemos que x(−y) = −(xy):
x(−y) + xy = x((−y) + y) = x · 0A = 0A ,
portanto −xy = x(−y).
viii) Basta usar o caso anterior.

5.2 Anéis de Integridade e Subanéis 35

5.2 Anéis de Integridade e Subanéis


Definição 5.2.1 Um anel comutativo (A, +, ·) é dito ser um anel de integridade quando para
todos x, y ∈ A, se xy = 0A , então x = 0A ou y = 0A . Um anel de integridade também é chamado
de domínio de integridade ou simplesmente de domínio.

■ Observaçao 5.2 Se x e y são elementos não nulos de um anel A tais que xy = 0A , então x e y
são chamados de divisores próprios de zero.
■ Exemplos 5.3 1) Os anéis Z, Q, R, C são anéis de integridade.
2) Em geral Zm não é anel de integridade, por exemplo, em Z4 , 2 6= 0, no entanto 2 ⊗ 2 = 4 = 0.
3) Mn (R) não é um anel de integridade, por exemplo, em M2 (R)
       
1 0 0 0 0 0 0 0
A= 6= , B= 6=
0 0 0 0 1 0 0 0
 
0 0
AB = .
0 0
4) Suponha que m = nk, m > n > 1 e m > k > 1. Logo, em Zm , n 6= 0 e k 6= 0 e no entanto
n ⊗ k = m = 0. Logo, se m não é primo, então Zm não é um anel de integridade. Agora,
suponha que m = p primo. Sejam x, y ∈ Zm tais que x ⊗ y = 0, ou seja, xy ≡ 0 (mod p).
Daí p | xy. Logo p | x ou p | y. Portanto, x = 0 ou y = 0̄. Assim, Zm é anel de integridade se,
e somente se, m é primo.

Definição 5.2.2 Seja (A, +, ·) um anel. Dizemos que um subconjunto não vazio B ⊆ A é um
subanel de A quando (B, +, ·) é um anel.

■ Exemplos 5.4 1) Todo anel A sempre tem dois subanéis: {0A } e A, que são chamados de
subanéis triviais.
2) Em (Z4 , ⊕, ⊗) o conjunto B = {0, 2} é um subanel.
3) No anel Z, o conjunto mZ, m > 1 é um subanel de Z.
Proposição 5.2.1 Seja (A, +, ·) um anel. Um subconjunto não vazio B ⊆ A é um subanel de A se,
e somente se, x − y ∈ B e x · y ∈ B para todos x, y ∈ B.

5.3 Homomorfismo de Anéis


Definição 5.3.1 Um homomorfismo do anel (A, +, ·) no anel (B, ⊕, ⊗) é uma função f : A → B
que satisfaz:
i) f (x + y) = f (x) ⊕ f (y), para todos x, y ∈ A;
ii) f (x · y) = f (x) ⊗ f (y), para todos x, y ∈ A.

Proposição 5.3.1 Sejam (A, +, ·) e (B, ⊕, ⊗) anéis e seja f : A → B um homomorfismo. Então:


i) f (0A ) = 0B
ii) f (−x) = − f (x), para todo x ∈ A.
Prova:
i) Fazendo x = y = 0A , temos
f (0A ) = f (0A + 0A ) = f (0A ) ⊕ f (0A )
Somando − f (0A ) em ambos os lados obtemos
f (0A ) ⊕ (− f (0A )) = ( f (0A ) ⊕ f (0A )) ⊕ (− f (0A ))
0B = f (0A ) ⊕ 0B
f (0A ) = 0B .
36 Capítulo 5. Anéis

ii) Temos 0B = f (0A ) = f (x + (−x)) = f (x) ⊕ f (−x). Assim somando − f (x) em ambos os
lados obtemos
0B ⊕ (− f (x)) = [ f (x) ⊕ f (−x)] + (− f (x))
− f (x) = f (−x) ⊕ ( f (x) ⊕ (− f (x)))
f (−x) = − f (x)
como queríamos.

Definição 5.3.2 Seja f : A → B um homomorfismo, onde A e B são anéis. Dizemos que
i) f é um epimorfismo se f for sobrejetora.
ii) f é um monomorfismo se f for injetora.
iii) f é um isomorfismo se f for bijetora.
iv) Quando A = B e f é um isomorfismo, então f é um automorfismo.

Definição 5.3.3 Sejam (A, +, ·) e (B, ⊕, ⊗) anéis e f : A → B um homomorfismo de anéis.


Então o subconjunto de A definido por

ker( f ) = {x ∈ A | f (x) = 0B }

é chamado de kernel ou núcleo de f .

Proposição 5.3.2 Sejam (A, +, ·) e (B, ⊕, ⊗) anéis e f : A → B um homomorfismo de anéis.


Então:
i) ker( f ) é um subanel de A.
ii) f é injetora se, e somente se, ker( f ) = {0A }.
Prova:
i) Primeiro note que sendo f é um homomorfismo então f (0A ) = 0B . Logo 0A ∈ ker( f ), isto
é, ker( f ) 6= 0.
/
Agora dados x, y ∈ ker( f ) precisamos mostrar que x − y ∈ ker( f ) e xy ∈ ker( f ), e para
mostrar isso basta mostrar que f (x − y) = 0B e f (xy) = 0B . Inicialmente como x, y ∈ ker( f )
daí f (x) = f (y) = 0B . Assim
f (x − y) = f (x + (−y)) = f (x) ⊕ f (−y) = f (x) ⊕ (− f (y)) = 0B ⊕ 0B = 0B
f (xy) = f (x) ⊗ f (y) = 0B ⊗ 0B = 0B .
Logo x − y ∈ ker( f ) e xy ∈ ker( f ). Portanto ker( f ) é um subanel de A.
ii) Primeiro suponha que f é injetora e vamos mostrar que ker( f ) = {0A }. Para isso seja
x ∈ ker( f ). Então
f (x) = 0B ,
mas f sendo um homomorfismo temos f (0A ) = 0B . Daí
f (x) = 0B = f (0A ).
E como f é injetora, por hipótese, segue que x = 0A . Logo ker( f ) = {0A }.
Agora suponha que ker( f ) = {0A } e vamos mostrar que f é injetora. Para isso sejam x1 ,
x2 ∈ A tais que f (x1 ) = f (x2 ). Daí
f (x1 ) = f (x2 )
f (x1 ) ⊕ (− f (x2 )) = 0B
f (x1 ) ⊕ f (−x2 ) = 0B
f (x1 − x2 ) = 0B .
5.4 Ideais 37

Logo x1 − x2 ∈ ker( f ) = {0A }. Com isso x1 − x2 = 0A , isto é, x1 = x2 . Portanto f é injetora.



Proposição 5.3.3 Sejam (A, +, ·) e (B, ⊕, ⊗) anéis e seja f : A → B um homomorfismo sobrejetor
de anéis.
i) Se A tem unidade, então B tem unidade e

f (1A ) = 1B .

ii) Se A tem unidade e x ∈ A possui inverso multiplicativo, então f (x) tem inverso e

[ f (x)]−1 = f (x−1 ).

Prova:
i) Incialmente como num anel a unidade é única, para mostrar que B possui unidade basta
mostrar que

y ⊗ f (1A ) = y = f (1A ) ⊗ y

para todo y ∈ B. Sendo assim, seja y ∈ B. Como f é sobrejetor então existe x ∈ A tal que
f (x) = y. Assim

y ⊗ f (1A ) = f (x) ⊗ f (1A ) = f (x · 1A ) = f (x) = y


f (1A ) ⊗ y = f (1A ) ⊗ f (x) = f (1A · x) = f (x) = y

para todo y ∈ B. Portanto B possui unidade e 1B = f (1A ).


ii) Novamente, devido à unicidade do inverso em um anel, para mostrar que f (x) possui inverso
basta mostrar que

f (x) ⊗ f (x−1 ) = 1B = f (x−1 ) ⊗ f (x)

desde que x ∈ A possua inverso multiplicativo. Sendo assim suponha que x ∈ A possui
inverso multiplicativo. Seja x−1 o inverso multiplicativo de x em A. Temos

f (x) ⊗ f (x−1 ) = f (x · x−1 ) = f (1A ) = 1B


f (x−1 ) ⊗ f (x) = f (x−1 · x) = f (1A ) = 1B

Portanto f (x) possui inverso multiplicativo e [ f (x)]−1 = f (x−1 ), como queríamos.


5.4 Ideais
Definição 5.4.1 Seja (A, +, ·) um anel comutativo. Um subconjunto não-vazio I ⊆ A é cha-
mado de ideal de A se:
i) para todos x, y ∈ I, temos x − y ∈ I.
ii) Para todo α ∈ A e todo x ∈ I, temos α · x ∈ I.

■ Observaçao 5.3 Quando I = A ou I = {0A }, dizemos que I é um ideal trivial.


Proposição 5.4.1 Seja A um anel comutativo e I um ideal de A. Então:
i) 0A ∈ I.
ii) −x ∈ I para todo x ∈ I.
iii) Se 1A ∈ I, então I = A.
Prova:
38 Capítulo 5. Anéis

i) Da definição de ideal temos α · x ∈ I para todo x ∈ I e todo α ∈ A. Assim dado x ∈ I


0A = 0A · x ∈ I.
ii) Como 0A ∈ I, dado x ∈ I da definição de ideal segue que 0A − x ∈ I, isto é, −x ∈ I.
iii) Suponha que 1A ∈ I. Como I é ideal, para todo α ∈ A e todo x ∈ I devemos ter α · x ∈ I.
Assim, em particular, 1A · x ∈ I para todo x ∈ A. Logo, A ⊆ I e como I ⊆ A, então I = A.

■ Exemplos 5.5 1) Em Z todos os ideais não triviais são da forma mZ, m > 1.
2) No anel Z p , onde p é um número primo, os únicos ideais são os triviais {0} e Z p .
De fato, seja I ⊆ Z p um ideal, I 6= {0}. Provemos que I = Z p . Para isso, vamos provar que
1 ∈ I. Seja a ∈ I, a 6= 0, pois I 6= {0}. Como p é primo, mdc(a, p) = 1, daí existe b ∈ Z p ,
b 6= 0, tal que 1 = a ⊗ b. Mas I é ideal e a ∈ I, logo 1 = a ⊗ b ∈ I.
Portanto I = Z p .
3) Os únicos ideais não triviais de Z8 = {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7} são:

I1 = {0, 2, 4, 6}
I2 = {0, 4}

Definição 5.4.2 Seja I um ideal de um anel (A, +, ·). Dados x, y ∈ A dizemos que x é congru-
ente a y módulo I quando x − y ∈ I. Neste caso, escrevemos x ≡ y (mod I).

Proposição 5.4.2 A congruência módulo I é uma relação de equivalência em A × A, onde A anel


comutativo unitário.
Prova: Como 0 = 0A ∈ I e para todo x ∈ I, x − x = 0 ∈ I, então x ≡ x (mod I).
Suponha que x ≡ y (mod I). Então x − y ∈ I. Como −1 ∈ A, y − x = −(x − y) = −[(x − y)1] =
(x − y)(−1) ∈ I, ou seja, y ≡ x (mod I).
Agora, se x ≡ y (mod I) e y ≡ z (mod I), então x − y ∈ I e y − z ∈ I. Daí, x − z = (x − z) +
(y − z) ∈ I, ou seja, x ≡ z (mod I).
Logo, é uma relação de equivalência. ■
Seja y ∈ A. A classe de equivalência módulo I de y é

C(y) = {x ∈ A | x ≡ y (mod I)} = {x ∈ A | x − y ∈ I}.

Agora, x − y ∈ I significa que existe t ∈ I, tal que x − y = t. Logo, x = y + t, onde t ∈ I.


Assim,

C(y) = {y + t | t ∈ I} = y + I.

■ Observaçao 5.4 Denotamos por y + I (ou I + y) a classe de equivalência módulo I de y ∈ A.


A
Denotamos por o conjunto de todas as classes de equivalência, tal conjunto é chamado de
I
quociente do anel A pelo ideal I.
■ Exemplos 5.6 1) Seja A um anel com unidade e I1 = {0} e I2 = A ideais. Então:
i) Dado x ∈ A:

C(x) = x + I1 = {x + 0} = {x}.

A
Assim = {x + I | x ∈ A}, logo existem tantas classes de equivalência quantos forem
I1
os elementos de A.
5.4 Ideais 39

ii) Para I2 = A temos:


C(0A ) = 0A + I = {0A + t | t ∈ I2 }.
Como I2 = A, para todo x ∈ A temos x ∈ C(0A ) logo existem uma única classe de
A
equivalência e = {0A + I}.
I2
2) Seja A = Z. Sabemos que os ideais de Z são da forma mZ, m > 1. Seja I = mZ um ideal de
Z. Assim x ≡ y (mod I) se, e só se, x − y ∈ I. Mais isso ocorre se, e somente se, x − y = mk,
Z
para algum k ∈ Z. Logo x ≡ y (mod I) se, e só se, m | (x − y). Portanto, = Zm .
I
Agora seja I ideal e A um anel comutativo unitário. Temos
A
= {y + I | y ∈ A}
I
onde y + I = {y + t | t ∈ I} e y ∈ A.
A
Vamos definir uma soma ⊕ e um produto ⊗ em por
I
(x + I) ⊕ (y + I) = (x + y) + I
(x + I) ⊗ (y + I) = (xy) + I
A
para x + I, y + I ∈ .
I
A
Verifiquemos que a soma e o produto em não dependem do representante da classe de
I
A
equivalência. Para isso sejam x1 + I, x2 + I, y1 + I, y2 + I ∈ tais que
I
x1 + I = x2 + I
y1 + I = y2 + I
Então
(x1 + I) ⊕ (y1 + I) = (x1 + y1 ) + I
(x2 + I) ⊕ (y2 + I) = (x2 + y2 ) + I
Como x1 + I = x2 + I, então x1 − x2 ∈ I e como y1 + I = y2 + I, então y1 = y2 ∈ I. Mas I é ideal,
logo (x1 − x2 ) + (y1 − y2 ) = (x1 + y1 ) − (x2 + y2 ) ∈ I, ou seja
(x1 + I) ⊕ (y1 + I) = (x2 + I) ⊕ (y2 + I).
Agora,
(x1 + I) ⊗ (y1 + I) = (x1 y1 ) + I
(x2 + I) ⊗ (y2 + I) = (x2 y2 ) + I
Como (x1 − x2 )y1 ∈ I e (y1 − y2 )x2 ∈ I então
(x1 − x2 )y1 + (y1 − y2 )x2 ∈ I
x1 y2 − x2 y1 + y1 x2 −y2 x2 ∈ I
| {z }
=0
x1 y1 − x2 y2 ∈ I,
ou seja, xy + I = x2 y2 + I. Portanto,
(x1 + I) ⊗ (y + I) = (x2 + I) ⊗ (y2 + I).
40 Capítulo 5. Anéis

Teorema 5.4.3 Seja (A, +, ·) um anel comutativo e com unidade. Então, se I é um ideal de A, o
A
quociente com as operações ⊕ e ⊗ é um anel comutativo e com unidade. O elemento neutro
I
da soma é a classe 0A + I e a unidade do produto é 1A + I.
6. Grupos

6.1 Primeiras Propriedades


Definição 6.1.1 Seja A um conjunto não vazio. Toda função f : A × A → A é chamada de uma
operação binária sobre A.

Nas considerações que faremos a seguir uma operação binária f sobre A que associa a cada
par ordenado (x, y) ∈ A × A um elemento f (x, y) ∈ A será denotada simplesmente por ∗. Assim
escreveremos f (x, y) = x ∗ y. Por exemplo a operação ∗ : N × N → N tal que x ∗ y = xy está bem
definida pois xy ∈ N sempre que x, y ∈ N. Observe que esta operação não pode ser definida em Z
pois por exemplo 2−1 ∈ / Z. Também não pode ser definida em Q pois 21/2 ∈ / Q.
Definição 6.1.2 Seja G um conjunto não vazio no qual está definida uma operação binária ∗
tal que:
i) Para todos x, y, z ∈ G:

(x ∗ y) ∗ z = x ∗ (y ∗ z)

ii) Existe e ∈ G tal que

x∗e = x = e∗x

para todo x ∈ G. Tal elemento e é chamado de elemento neutro ou unidade de G.


iii) Para cada x ∈ G, existe y ∈ G tal que

x∗y = e = y∗x

O elemento y é chamado de inverso ou oposto de x.


Nesse caso dizemos que o par (G, ∗) é um grupo.

■ Observaçao 6.1 Quando ∗ é uma soma, dizemos que (G, ∗) é um grupo aditivo. Se ∗ é uma
multiplicação, dizemos que (G, ∗) é um grupo multiplicativo.
Além disso, quando não houver chance de confusão com relação à operação do grupo (G, ∗)
42 Capítulo 6. Grupos

vamos dizer simplesmente que G é um grupo.

Definição 6.1.3 Um grupo (G, ∗) é chamado de grupo comutativo ou abeliano quando ∗ é


comutativa, ou seja, quando

x∗y = y∗x

para todos x, y ∈ G.

■ Exemplos 6.1 1) (Z, +) é um grupo abeliano.


2) (Q, +) é um grupo abeliano.
3) (Q∗ , ·) é um grupo abeliano.
4) (R, +) é um grupo abeliano.
5) (R∗ , ·) é um grupo abeliano.
6) Considere o conjunto dos números reais R com a operação ∗ definida por
x∗y = x+y−3
para x, y ∈ R. Então (R, ∗) é um grupo abeliano.
■ Solução: De fato,
i) Para todos x, y, z ∈ R
(x ∗ y) ∗ z = (x + y − 3) ∗ z = (x + y − 3) + z − 3
= x + (y − 3 + z) − 3 = x + (y + z − 3) − 3 = x ∗ (y + z − 3)
= x ∗ (y ∗ z)
ii) Para todo x ∈ R, temos x ∗ 3 = x + 3 − 3 = x = 3 ∗ x. Logo, 3 é o elemento neutro de ∗.
iii) Dado x ∈ R, tome y = 6 − x ∈ R. Assim
x ∗ y = x + (6 − x) − 3 = 3 = y ∗ x.
Assim y = 6 − x é o oposto de x na operação ∗ definida em R.
Portanto (R, ∗) é um grupo.
Além disso, para todos x, y ∈ R
x∗y = x+y−3 = y+x−3 = y∗x
Logo, (R, ∗) é um grupo comutativo.
7) (Zm , ⊕) é grupo.
8) (Zm − {0}, ⊗) é grupo?
■ Solução: Não, pois por exemplo, para m = 4 temos Z4 − {0} = {1, 2, 3} = G e tomando
2 ∈ G temos 2 ⊗ 2 = 0 ∈
/ G. Portanto a operação ⊗ não é uma operação binária em G =
Z4 − {0}.
Proposição 6.1.1 Seja (G, ∗) um grupo. Então:
i) O elemento neutro de G é único.
ii) Existe um único inverso para cada x ∈ G.
iii) Para todos x, y ∈ G,
(x ∗ y)−1 = y−1 ∗ x−1
Por indução, x1 , x2 , . . . ,xn−1 , xn ∈ G,
(x1 ∗ x2 ∗ · · · ∗ xn−1 ∗ xn )−1 = xn−1 ∗ xn−1
−1
∗ · · · ∗ x2−1 ∗ x1−1
iv) Para todo x ∈ G, (x−1 )−1 = x.
6.2 Grupo Simétrico 43

6.2 Grupo Simétrico


Seja A um conjunto não vazio. Dada uma função f : A → A, sabemos que f possui inversa se, e
somente se, f é bijetora, Teorema 4.0.4. Assim considere o conjunto

S = { f : A → A | f é bijetora}

com a composição de funções ◦. Como Id : A → A tal que Id(x) = x para todo x ∈ A é uma função
bijetora então S 6= 0.
/ Agora sejam f , g e h ∈ S . Para todo x ∈ A temos

[( f ◦ g) ◦ h](x) = ( f ◦ g)(h(x)) = f (g(h(x)))


[ f ◦ (g ◦ h)](x) = f ((g ◦ h)(x)) = f (g(h(x)))

Logo ( f ◦ g) ◦ h = f ◦ (g ◦ h).
Agora da Proposição 4.0.6 sabemos que para toda f ∈ S

f ◦ Id = f = Id ◦ f ,

logo Id é o elemento neutro da composição. Além disso, para toda f ∈ S existe g ∈ S tal que

f ◦ g = Id = g ◦ f

pois f é bijetora. Logo todo elemento de S possui inverso.


Portanto (S , ◦) é um grupo. Além disso, em geral, esse grupo não é comutativo.
Vamos considerar agora o caso particular em que A ⊆ N é um conjunto finito. Estamos consi-
derando A ⊆ N somente para simplificar a notação, poderíamos fazer a abordagem seguinte para
qualquer conjunto finito.
Se A = {1}, então só existe uma função f : A → A que é bijetora e essa função é a identidade.
Nesse caso S = S1 = {Id} e (S1 , ◦) é um grupo, e nesse caso comutativo.
Se A = {1, 2} então podemos definir as seguintes funções bijetoras em A:

Id : A → A f :A→A
Id(1) = 1 f (1) = 2
Id(2) = 2 f (2) = 1

Assim S = S2 = {Id, f } e (S2 , ◦) é um grupo.

◦ Id f
Id Id f
f f Id

Além disso, da tabela acima vemos que esse grupo é comutativo.


Agora seja A = {1, 2, 3}. Podemos definir então as seguintes funções bijetoras em A:

Id : A → A f1 : A → A
Id(1) = 1 f1 (1) = 2
Id(2) = 2 f1 (2) = 1
Id(3) = 3 f1 (3) = 3
44 Capítulo 6. Grupos

f2 : A → A f4 : A → A
f2 (1) = 3 f4 (1) = 2
f2 (2) = 2 f4 (2) = 3
f2 (3) = 1 f4 (3) = 1

f3 : A → A f5 : A → A
f3 (1) = 1 f5 (1) = 3
f3 (2) = 3 f5 (2) = 1
f3 (3) = 2 f5 (3) = 2

Logo S = S3 = {Id, f1 , f2 , f3 , f4 , f5 } e (S3 , ◦) é um grupo. Nesse caso temos


( f1 ◦ f4 )(1) = f1 ( f4 (1)) = f1 (2) = 1
( f4 ◦ f1 )(1) = f4 ( f1 (1)) = f4 (2) = 3
daí ( f1 ◦ f4 )(1) 6= ( f4 ◦ f1 )(1), isto é, f1 ◦ f4 6= f4 ◦ f1 . Portanto o grupo (S3 , ◦) não é comutativo.
Note que em S2 temos 2 = 2! elementos e em S3 temos 6 = 3! elementos.
De modo geral, se A = {1, 2, 3, . . . , n} então existem exatamente n! funções f : A → A bijetoras.
Assim o grupo (Sn , ◦) possui n! elementos e se n ⩾ 3 Sn é um grupo não comutativo.
Definição 6.2.1 O grupo Sn é chamado de grupo simétrico ou grupo de permutações em
A = {1, 2, 3, . . . , n}.

Um modo de representar os elementos de Sn é o seguinte: vamos representar as funções f ∈ Sn


na forma de uma matriz contendo 2 linhas e n colunas. A primeira linha é o domínio da função e
a segunda contém suas imagens. Assim se f ∈ Sn escreveremos
 
1 2 3 ... n
f= .
f (1) f (2) f (3) . . . f (n)
No caso de S3 vamos escrever
     
1 2 3 1 2 3 1 2 3
Id = f2 = f4 =
1 2 3 3 2 1 2 3 1
     
1 2 3 1 2 3 1 2 3
f1 = f3 = f5 =
2 1 3 1 3 2 3 1 2

e daí, por exemplo,


     
1 2 3 1 2 3 1 2 3
f3 ◦ f4 = ◦ = = f2 .
1 3 2 2 3 1 3 2 1

Definição 6.2.2 Seja (G, ∗) um grupo. Se G é um conjunto com uma quantidade finita de
elementos, dizemos que G é um grupo finito. Denotamos por |G| o número de elementos de G
e que será chamado de ordem de G ou cardinalidade de G. Quando o conjunto G não é finito,
dizemos que G é um grupo infinito.

■ Exemplos 6.2 1) (Zm , +) é um grupo finito para todo m > 1.


2) (Sn , ◦) é um grupo finito com n! elementos.
3) (Z, +) é um grupo infinito.
6.3 Subgrupos 45

6.3 Subgrupos
Definição 6.3.1 Seja (G, ∗) um grupo. Um subconjunto não vazio H ⊆ G é chamado de
subgrupo de G se, e somente se, (H, ∗) é um grupo.

Proposição 6.3.1 Seja G um grupo. Um subconjunto não vazio H ⊆ G é um subgrupo de G se, e


somente se
i) x−1 ∈ H, para todo x ∈ H;
ii) x ∗ y ∈ H, para todos x, y ∈ H.
Prova: Se H é subgrupo, então H é um grupo. Logo i) e ii) são satisfeitos.
Agora provemos que se H satisfaz i) e ii), então H é grupo.
Como G é grupo, então ∗ é associativa, logo ∗ é associativa em H.
De i), para todo x ∈ H, x−1 ∈ H. Mas de ii), para todos x, y ∈ H, x ∗ y ∈ H. Logo, se x ∈ H,
então e = x ∗ x−1 ∈ H.
Novamente por i), todo elemento de H possui inverso em H.
Portanto, (H, ∗) é um grupo. ■
■ Exemplos 6.3 1) Dado (G, ∗) grupo, H = {e} e H = G são subgrupos de G, chamados de
subgrupos triviais.
2) Seja (Z, +) um grupo. Tomando H = mZ, onde m > 1, então H é subgrupo de Z.
3) G = U(Z8 ) = {1, 3, 5, 7}. Então (G, ) é um grupo com |G| = 4. Além disso,

H1 = {1, 3}
H2 = {1, 5}
H3 = {1, 7}

são subgrupos de G.
4) Considere o grupo aditivo M2 (R). Então o conjunto
  
a b
H= ∈ M2 (R) | a + d = 0
c d

é um subgrupo de M2 (R).
Seja (G, ∗) um grupo. Para simplificar a escrita vamos adotar uma notação multiplicativa e
escrever (G, ∗) = (G, ·). Assim, dados x, y ∈ G vamos denotar

x ∗ y = x · y = xy.

Nesse caso vamos dizer simplesmente que G é um grupo.


Proposição 6.3.2 Seja G um grupo. Dado H ⊂ G um subgrupo defina

x ∼ y se, e somente se, x−1 y ∈ H (6.1)

para todos x, y ∈ G.
i) A relação definida em (6.1) é uma relação de equivalência.
ii) Se a ∈ G, então a classe de equivalência determinada por a é o conjunto

aH = {al | l ∈ H}.

Prova:
46 Capítulo 6. Grupos

i) Precisamos mostrar que a relação ∼ definida acima satisfaz a Definição (3.1.1).


Denote por e o elemento neutro do grupo G.
Primeiro, como H é subgrupo de G, então e ∈ H. Mas

e = x−1 x

para todo x ∈ G. Logo x ∼ x, como queríamos.


Suponha que x ∼ y. Daí

x−1 y ∈ H.

Isto é,

x−1 y = l

onde l ∈ H. Mas H é subgrupo e l ∈ H, então l −1 ∈ H. Agora

l −1 = (x−1 y)−1 = y−1 (x−1 )−1 = y−1 x,

isto é, y−1 x ∈ H. Com isso, y ∼ x.


Finalmente, suponha que x ∼ y e y ∼ z. Daí

x−1 y ∈ H
y−1 z ∈ H

e então como H é subgrupo de G devemos ter

(x1 y)(y−1 z) ∈ H
x−1 (yy−1 )z ∈ H
x−1 z ∈ H.

Ou seja, x ∼ z.
Portanto, ∼ é uma relação de equivalência sobre G.
ii) Seja a ∈ G. Agora, por definição a classe de equivalência de a é dada por

a = {x ∈ G | x ∼ a}.

Queremos mostrar que a = aH, onde

aH = {al | l ∈ H}.

Seja x ∈ a. Assim x ∼ a, isto é, x−1 a ∈ H. Logo existe l ∈ H tal que

x−1 a = l.

Mas então x = al −1 . Com isso x ∈ aH, uma vez que H é subgrupo e l −1 ∈ H.


Agora seja y ∈ aH. Logo existe t ∈ H tal que

y = at.

Então

ya−1 = t ∈ H.

Logo a ∈ y, ou seja, yx ∈ a.
Portanto a = aH, como queríamos.
6.3 Subgrupos 47


Proposição 6.3.3 Seja H um subgrupo de um grupo G. Então duas classes laterais quaisquer
módulo H são subconjuntos de G que possuem a mesma cardinalidade, isto é, a mesma quantidade
de elementos.
Prova: Seja H um subgrupo de um grupo G. Dados a, b ∈ G para mostrar que aH e bH possuem a
mesma cardinalidade vamos mostrar que sempre é possível definir uma função bijetora entre esses
conjuntos, quaisquer que forem a e b ∈ G.
Para isso, defina f : aH → bH por f (al) = bl, para l ∈ H. Mostremos que f é bijetora, isto é,
que f é injetora e sobrejetora.
Para mostrar que f é injetora, sejam al1 , al2 ∈ aH tais que

f (al1 ) = f (al2 ).

Daí

bl1 = bl2
b (bl1 ) = b−1 (bl2 )
−1

l1 = l2 ,

com isso al1 = al2 . Logo f é injetora.


Agora, seja bt ∈ bH. Tome at ∈ aH e assim

f (at) = bt,

isto é, f é sobrejetora.
Portanto f é bijetora e com isso aH e bH têm a mesma cardinalidade, como queríamos. ■
■ Observaçao 6.2 Da proposição anterior, sabemos que duas classes de equivalência posssuem

sempre a mesma cardinalidade. Agora, tomando e ∈ G, o elemento neutro, temos

eH = {el | l ∈ H} = H.

Assim a cardinalidade de aH é igual a cardinalidade de eH = H, independente de a ∈ G. Ou


seja, a cardinalidade de qualquer classe de equivalência é sempre igual à cardinalidade de H.

Definição 6.3.2 Para cada a ∈ G, a classe de equivalência aH definida pela relação de equiva-
lência (6.1) é chamada de classe lateral à direita, módulo H, determinada por a.

■ Exemplos 6.4 1) No grupo multiplicativo G = {1, −1, i, −i}, onde i2 = −1. Considere o
conjunto H = {1, −1}. Então H é um sugbrupo de G e as classes laterais serão:

1H = H = {1, −1}
iH = {il | l ∈ H} = {i, −i}.

2) Considere o grupo multiplicativo R∗ e H = {x ∈ R∗ | x > 0} ⊂ R∗ . Então H é subgrupo de


R∗ e as classes laterais serão:

1H = H = {x ∈ R∗ | x > 0}
aH = {al | l ∈ H}.

Se a > 0, então al > 0 para todo l ∈ H e com isso al ∈ H. Logo

aH = H
48 Capítulo 6. Grupos

para todo a > 0.


Se a < 0, então al < 0 para todo l ∈ H. Logo

aH = {x ∈ R∗ | x < 0}.

Com isso existem somente duas classes laterais que são: H e aH, para a < 0.
3) Considere agora o grupo simétrico G = S3 . Denote por

   
1 2 3 1 2 3
a= , b= .
2 3 1 1 3 2

Fica como exercício verificar que {e, a, a2 , b, ba, ba2 } = S3 . Aqui e é a função identidade,
a2 = a ◦ a, ba = b ◦ a e ba2 = b ◦ (a ◦ a). Seja H = {e, a, a2 }. Então H é subgrupo de S3 e as
classes laterais serão:

eH = H
bH = {bl | l ∈ H} = {b, ba, ba2 }.

Logo existem somente duas classes laterais que são H e bH.

6.4 Grupos Cíclicos


Seja (G, ∗) um grupo.
Caso a operação ∗ seja do tipo multiplicativa, vamos escrever (G, ∗) = (G, ·). Assim, dados x,
y ∈ G vamos denotar

x ∗ y = x · y = xy.

Com a notação multiplicativa o inverso de um elemento x ∈ G será denotado por x−1 .


Definição 6.4.1 Seja G um grupo multiplicativo e denote por e o elemento neutro de G. Se
x ∈ G e m ∈ Z, a potência m-ésima de x, ou potência de x de expoente m, é o elemento de G
denotado por

xm

e definido por:


e, se m = 0,
m
x = xm−1 x, se m ≥ 1,

 −m −1
(x ) , se m < 0.

■ Exemplos 6.5 1) No grupo multiplicativo GL2 (R) seja

 
1 1
A= .
2 3
6.4 Grupos Cíclicos 49

Então:
 
0 1 0
A =
0 1
A1 = A
     
1 1 1 1 3 4
A = A·A =
2
· =
2 3 2 3 8 11
 
3 −1
A−1 =
−2 1
 
−2 2 −1 11 −4
A = (A )
−8 3

e podemos calcular An para todo n ∈ Z.


2) No grupo multiplicativo Z∗5 seja a = 2. Então:
0
2 =1
1
2 =2
2
2 = 2 2 = 4
3
2 = (2)2 2 = 3
4
2 = (2)3 2 = 1
5
2 = (2)4 2 = 2

e para m ≥ 5 os valores se repetem.


Agora,
−1
2 =3
−2 −1
= (2 )−1 = 4
2
2 =4
−3 −1
= (2 )−1 = 3
3
2 =2
−3 4 −1 −1
2 = (2 ) =1 =1
−5 5 −1 −1
2 = (2 ) =2 =3

e para m ≤ −5 os valores se repetem.


3) No grupo multiplicativo S3 seja
 
1 2 3
a= .
2 3 1
Então:
a0 = e
a1 = a
     
1 2 3 1 2 3 1 2 3
2
a = ◦ =
2 3 1 2 3 1 3 1 2
     
1 2 3 1 2 3 1 2 3
a = a ◦a =
3 2
◦ =
3 1 2 2 3 1 1 2 3
50 Capítulo 6. Grupos

e para m ≥ 4 os valores se repetem.


Agora,
a−1 = a2
a−2 = (a2 )−1 = a
a−3 = (a3 )−1 = e−1 = e

e para m ≤ −4 os valores se repetem.


Proposição 6.4.1 Seja G um grupo multiplicativo. Se m e n são números inteiros e x ∈ G, então
i) xm xn = xm+n
ii) x−m = (xm )−1
iii) (xm )n = xmn
iv) xm xn = xn xm .
Seja (G, ∗) um grupo.
Caso a operação ∗ seja do tipo aditiva, vamos escrever (G, ∗) = (G, +). Assim, dados x, y ∈ G
vamos denotar
x ∗ y = x + y.
Com a notação aditiva o oposto de x ∈ G será denotado por −x.
Definição 6.4.2 Seja G um grupo aditivo e denote por e o elemento neutro de G. Se x ∈ G e
m ∈ Z, o múltiplo m-ésimo de x é o elemento de G denotado por

m·x

e definido por:


e, se m = 0,
m · x = (m − 1) · x + x, se m ≥ 1,


−[(−m) · x], se m < 0.

Proposição 6.4.2 Seja G um grupo aditivo. Se m e n são números inteiros e x ∈ G, então


i) m · x + n · x = (m + n) · x
ii) (−m) · x = −(m · x)
iii) n · (m · x) = (nm) · x

Definição 6.4.3 Seja G um grupo multiplicativo e x ∈ G. Denote por [x] o seguinte conjunto

[x] = {xm | m ∈ Z} ⊆ G.

Proposição 6.4.3 Seja G um grupo multiplicativo e x ∈ G.


i) O subconjunto [x] é um subgrupo de G.
ii) Se H é um subgrupo de G tal que x ∈ H, então [x] ⊆ H.
Prova:
i) Como x0 = e, então e ∈ [x] e com isso [x] 6= 0.
/
Agora sejam a, b ∈ [x]. Assim existem l, k ∈ Z tais que
a = xl
b = xk .
6.4 Grupos Cíclicos 51

Então

a−1 = (xl )−1 = x−l ∈ [x]


ab = xl xk = xl+k ∈ [x].

Portanto, [x] é um subgrupo de G.


ii) Se x ∈ H e H é um subgrupo de G, então como

xm = xm−1 x
= x| · x{z· · · }x
m vezes

segue que xm ∈ H para todo m ∈ Z. Logo [x] ⊆ H, como queríamos.



Definição 6.4.4 Um grupo multiplicativo G será chamado de grupo cíclico se, para algum
x ∈ G, vale

G = [x].

Nessas condições, o elemento x é chamado de gerador do grupo G.

■ Exemplos 6.6 1) No grupo multiplicativo C∗ , o subgrupo gerado por i é:

[i] = {im | i ∈ Z} = {1, −1, i, −1}.

2) No grupo S3 , o subgrupo gerado por


 
1 2 3
f=
2 3 1

[ f ] = { f m | m ∈ Z} = {e, f , f 2 }.

3) No grupo aditivo Z o subgrupo gerado por 3 é

[3] = {3m | m ∈ Z} = 3Z.

Proposição 6.4.4 Todo subgrupo de um grupo cíclico é também cíclico.


Prova: Seja G um grupo cíclico. Queremos mostrar que se H ⊆ G é um subgrupo, então H
também é cíclico.
Para isso suponha que G = [x]. Tome H ⊆ G um subgrupo. Como os elementos de G são todos
da forma xm , para m ∈ Z, então os elementos de H também são potências de x.
Se H = {e}, então H = [e].
Suponha que H 6= {e}. Assim existe xl ∈ H com l 6= 0. Como H é subgrupo, então (xl )−1 ∈ H
para todo xl ∈ H. Ou seja, existe em H pelo menos um elemento xk com k > 0.
Seja α > 0 o menor número inteiro tal que xα ∈ H. Denote

xα = b.

Vamos mostrar que

H = [b].
52 Capítulo 6. Grupos

Como b = xα ∈ H, então pela Proposição (6.3.2), segue que [b] ⊆ H.


Agora seja y ∈ H ⊆ G = [x]. Daí y = xt para algum t ∈ Z.
Como α > 0 podemos efetuar a divisão inteira de t por α obtendo

t = qα + r

com 0 ≤ α < r. Assim

y = xt = xqα +r = (xα )q xr .

Mas xα = b ∈ H, logo bq ∈ H e daí

xr = b−q y ∈ H

pois b−q , y ∈ H. Ou seja, xr ∈ H. Mas α é o menor inteiro positivo tal que xα ∈ H e r < α . Logo
r = 0 e com isso

y = xqα +r = (xα )q x0 = (xα )q = bq ∈ [b].

Logo y ∈ [b] e portanto

H = [b]

como queríamos. ■
Definição 6.4.5 Seja G um grupo com elemento neutro e. Dado x ∈ G se existir um inteiro
h > 0 tal que
i) xh = e
ii) xr 6= e qualquer que seja o inteiro r tal que 0 < r < h
diremos que a ordem ou período de x é h. Nesse caso escreveremos |x| = o(x) = h.
Se para qualquer inteiro r 6= 0, xr 6= e, diremos que a ordem de x é zero.

■ Exemplos 6.7 1) No grupo multiplicativo C∗ temos


• o(1) = 1 pois 11 = 1
• o(i) = 4 pois

i1 = i
i2 = −1
i3 = −i
i4 = 1

• o(−i) = 4
• o(2i) = 0 pois para todo r > 0 temos (2i)r = 2r ir e 2r 6= 1 para todo r > 0.
2) Em S3 temos, por exemplo, para
 
1 2 3
a=
2 1 3
que

a 6= e
     
1 2 3 1 2 3 1 2 3
2
a = ◦ =
2 1 3 2 1 3 1 2 3
6.4 Grupos Cíclicos 53

e então o(a) = 2.
Agora para
 
1 2 3
b=
3 1 2
temos
b 6= e
     
1 2 3 1 2 3 1 2 3
2
b = ◦ =
3 1 2 3 1 2 2 3 1
     
1 2 3 1 2 3 1 2 3
b3 = b2 ◦ b = ◦ =
2 3 1 3 1 2 1 2 3
e assim o(b) = 3.
3) Em Z5 com a soma temos
• o(0) = 1
• o(1) = 5 pois
1 6= 0
1 + 1 6= 0
1 + 1 + 1 6= 0
1 + 1 + 1 + 1 6= 0
1+1+1+1+1 = 0
De modo semelhante chega-se à conclusão que
o(2) = o(3) = o(4) = 5.
4) Em Z o único elemento de ordem diferente de zero é o elemento neutro.
Proposição 6.4.5 Seja x um elemento de ordem h > 0 de um grupo G. Então xm = e se, e somente
se, h | m.
Prova: Precisamos mostrar que
i) Se xm = e, então h | m.
ii) Se h | m, então am = e.
Para provar ii) suponha que o(x) = h e que h | m. Daí existe l ∈ Z tal que m = hl. Logo
xm = xhl = (xh )l = el = e
pois h(x) = h.
Agora para provar i) suponha que o(x) = h e que am = e. Como h > 0, podemos efetuar a
divisão inteira de m por h. Assim
m = hq + r
com 0 ≤ r < h.
Daí
e = xm = xhq+r = xh qxr = (xh )q xr = eq xr = xr .
Assim xr = e. Mas o(x) = h e 0 ≤ r < r. Logo r = 0 e então
m = hq,
ou seja, h | m, como queríamos. ■
54 Capítulo 6. Grupos

6.5 Homomorfismo de Grupos


Definição 6.5.1 Dados dois grupos (G, ∗) e (H, 4) dizemos que uma função f : G → H é um
homomorfismo de grupos se

f (x ∗ y) = f (x)4 f (y)

para todos x, y ∈ G.

■ Observaçao 6.3 Sejam (G, ∗), (H, 4) grupos e f : G → H um homomorfismo.


1) Se G = H, neste caso f : G → G é chamado de um endomorfimos de grupos.
2) Se f : G → H é uma função injetora, então dizemos que f é um monomorfismo de grupos.
3) Se f : G → H é uma função sobrejetora, então dizemos que f é um epimorfismo de grupos.
4) Se f : G → H é uma função bijetora, então dizemos que f é um isomorfismo de grupos.
5) Se f : G → G é uma função bijetora, então dizemos que f é um automorfismo de grupos.
■ Exemplos 6.8 1) A função f : Z → C∗ dada por f (x) = ix é um homomorfismo de (Z, +)
em (C∗ , ·). De fato,

f (x + y) = ix+y = ix · iy = f (x) · f (y)

para todos x, y ∈ Z.
2) A função f : R∗+ → R dada por f (x) = ln(x) é um homomorfismo de (R∗+ , ·) em (R, +). De
fato,

f (xy) = ln(xy) = ln(x) + ln(y) = f (x) + f (y)

para todos x, y ∈ R∗+ . Além disso, como ln(x) é uma função bijetora, então f é um isomor-
fismo de grupos.
3) Sejam m um inteiro positivo fixo. A função f : Z → Zm definida por f (x) = x é um homo-
morfimos de (Z, +) em (Zm , ⊕). De fato,

f (x + y) = x + y = x + y = f (x) + f (y).

Além disso, esse homomorfismo é sobrejetor.


Proposição 6.5.1 Sejam (G, ∗), (H, 4) grupos e f : G → H um homomorfismo. Denote por 1G
e 1H os elementos neutros de G e H, respectivamente.
i) f (1G ) = 1H
ii) [ f (x)]−1 = f (x−1 ) para todo x ∈ G.
Prova:
i) Como f (1G ) ∈ H e 1H é o elemento neutro de H temos

f (1G )41H = f (1G ) = f (1G ∗ 1G )


f (1G )41H = f (1G )4 f (1G ).

Seja f (1G )−1 o inverso de f (1G ) em H, assim operando nessa última igualdade, pela es-
querda, com f (1G )−1 obtemos

f (1G ) = 1H ,

como queríamos.
6.5 Homomorfismo de Grupos 55

ii) Seja x ∈ G. Como num grupo o inverso de um elemento é único, basta mostrar que

f (x)4 f (x−1 ) = 1H
f (x−1 )4 f (x) = 1H .

De fato,

f (x)4 f (x−1 ) = f (x ∗ x−1 ) = f (1G ) = 1H


f (x−1 )4 f (x) = f (x−1 ∗ x) = f (1G ) = 1H .

Logo

[ f (x)]−1 = f (x−1 )

como queríamos.

Proposição 6.5.2 Sejam I é um subgrupo de G e f : G → H um homomorfismo de grupos. Então
f (I) é um subgrupo de H.
Prova: Como I é um subgrupo de G, então 1G ∈ G. Agora f é um homomorfismo, logo f (1G ) =
1H ∈ f (I) e assim f (I) 6= 0.
/
Agora, dado y ∈ f (I) precisamos mostrar que y−1 ∈ f (I). Mas se y ∈ f (I), então y = f (x) com
x ∈ I. Daí

y−1 = [ f (x)]−1 = f (x−1 )

e como I é um subgrupo de G, x−1 ∈ I e como isso y−1 ∈ f (I).


Finalmente, dados y, z ∈ f (I) existem x1 , x2 ∈ I tais que y = f (x1 ) e z = f (x2 ). Mas f é
homomorfismo, daí

y4z = f (x1 )4 f (x2 ) = f (x1 ∗ x2 )

e como I é subgrupo, x1 ∗ x2 ∈ I. Logo y4z ∈ f (I).


Portanto f (I) é um subgrupo de H. ■
Definição 6.5.2 Sejam (G, ∗), (H, 4) grupos e f : G → H um homomorfismo de grupos.
Chama-se de núcleo ou kernel de f e denota-se por N( f ) ou ker( f ) o seguinte subconjunto de
G:

ker( f ) = {x ∈ G | f (x) = 1H }.

■ Exemplos 6.9 i) Considere o homomorfismo f : Z → C∗ dado por f (x) = ix . Temos

ker( f ) = {x ∈ Z | f (x) = 1} = {x ∈ Z | ix = 1} = {0, ±4, ±8, · · · } = 4Z.

ii) O núcleo do homomorfismo f : R∗+ → R dado por f (x) = ln(x). Temos

ker( f ) = {x ∈ R∗+ | f (x) = 0} = {x ∈ R∗+ | ln(x) = 0} = {1}.

iii) O núcleo do homomorfismo f : Z → Zm dado por f (x) = x, m > 0 fixo. Temos

ker( f ) = {x ∈ Z | f (x) = 0} = {x ∈ Z | x = 0} = {0, ±m, ±2m, · · · }.

Proposição 6.5.3 Sejam (G, ∗), (H, 4) grupos e f : G → H um homomorfismo de grupos. Então:
56 Capítulo 6. Grupos

i) ker( f ) é um subgrupo de G.
ii) f é um monomorfismo se, e somente se, ker( f ) = {1G }.
Prova:
/ Se x ∈ ker( f ), então f (x−1 ) =
i) Como f (1G ) = 1H , então 1G ∈ ker( f ) e com isso ker( f ) 6= 0.
−1 −1 −1
[ f (x)] = 1H = 1H e daí x ∈ ker( f ). Finalmente se x, y ∈ ker( f ), então f (x ∗ y) =
f (x)4 f (y) = 1H 41H = 1H , ou seja, x ∗ y ∈ ker( f ).
Portanto ker( f ) é um subgrupo de G.
ii) Suponha que f é um monomorfismo de grupos. Tome x ∈ ker( f ). Temos f (x) = 1H = f (1G )
e como f é injetora x = 1G . Logo ker( f ) = {1G }.
Agora suponha que ker( f ) = {1G }. Sejam x, y ∈ G tais que

f (x) = f (y)
f (x)4 f (y)−1 = 1H
f (x)4 f (y−1 ) = 1H
f (x ∗ y−1 ) = 1H

e daí x ∗ y−1 ∈ ker( f ) = {1G }. Logo x ∗ y−1 = 1G , isto é, x = y. Portanto f é injetora.



Proposição 6.5.4 Sejam H, J e L grupos. Se f : H → J e g : J → L são homomorfismos de grupos,
então g ◦ f : H → L também é um homomorfismo de grupos.
Prova: Sejam x, y ∈ H. Temos

(g ◦ f )(xy) = g( f (xy)) = g( f (x) f (y)) = g( f (x))g( f (y)) = (g ◦ f )(xy)(g ◦ f )(xy).

Portanto, g ◦ f é um homomorfismo de grupos. ■

Corolário 6.5.5 Se f e g são homomorfismo injetores (sobrejetores), então g ◦ f também é um


homomorfismo injetor (sobrejetor).

Prova: É um consequência direta das Proposições (4.0.1) e (4.0.2). ■


Proposição 6.5.6 Sejam (G, ∗) e (H, 4) grupos. Se f : G → H é um isomorfismo de grupos,
então f −1 : H → G também é um isomorfismo de grupos.
Prova: Como f : G → H é bijetora, então f −1 : H → G existe e é também bijetora, Teorema (4.0.4)
e Proposição (4.0.6).
Mostremos que f −1 é um homomorfismo de grupos. Para isso sejam y1 y2 ∈ H. Como f :
G → H é sobrejetora, existem x1 , x2 ∈ G tais que f (x1 ) = y1 e f (x2 ) = y2 . Assim

f −1 (y1 ) = x1
f −1 (y2 ) = x2 .

Com isso

f −1 (y1 4y2 ) = f −1 ( f (x1 )4 f (x2 ))


= f −1 ( f (x1 ∗ x2 ))
= x1 ∗ x2
= f −1 (y1 ) ∗ f −1 (y2 ),

ou seja, f −1 é um homomorfismo de grupos. Portanto f −1 é um isomorfismo de grupos. ■


6.6 Isomorfimos de grupos 57

6.6 Isomorfimos de grupos


Considere o grupo multiplicativo G = {1, −1} e o grupo S2 das permutações sobre o conjunto
{1, 2}. Aqui
    
1 2 1 2
S2 = id = ;f = .
1 2 2 1

Temos

Tabela 6.1: G Tabela 6.2: S2


· 1 -1 ◦ id f
1 1 -1 id id f
-1 -1 1 f f id

Defina σ : G → S2 por

σ (1) = id
σ (−1) = f .

Da definição de σ é fácil ver que essa função é bijetora. Além disso,

σ (1) ◦ σ (1) = id ◦ id = id = σ (1) = σ (1 · 1)


σ (1) ◦ σ (−1) = id ◦ f = f = σ (−1) = σ (1 · −1)
σ (−1) ◦ σ (1) = f ◦ id = f = σ (−1) = σ (−1 · 1)
σ (−1) ◦ σ (−1) = f ◦ f = id = σ (1) = σ (−1 · −1)

ou seja, σ (x · y) = σ (x) ◦ σ (y) para todos x, y ∈ G. Assim função σ é um homomorfismo de G em


S2 .

Como σ também é bijetora, então σ é um isomorfismo de G em S2 . Nesse caso, dizemos que


G e S2 são grupos isomorfos e denotamos isso escrevendo G ∼
= S2 .
Definição 6.6.1 Sejam (G, ∗) e (H, 4) grupos. Se existe f : G → H um isomorfismo, diremos
que G e H são grupos isomorfos e denotaremos esse fato escrevendo G ∼
= H.

Proposição 6.6.1 Sejam G e H grupos multiplicativos. Se f : G → H é um isomorfimos de


grupos, então G é comutativo se, e somente se, H é comutativo.
■ Exemplos 6.10 1) Os grupos Z6 e S3 não são isomorfos pois Z6 é comutativo e S3 não é
comutativo.
2) Considere o grupo S6 das permutações em {1, 2, · · · , 6}. Tome
 
1 2 3 4 5 6
f= ∈ S6 .
2 3 4 5 6 1

Seja H = [ f ]. Então H ∼
= Z6 , onde ϕ : H → Z6 dada por ϕ ( f k ) = k é um isomorfimo de
grupos.
Proposição 6.6.2 Sejam G e H grupos multiplicativos. Seja f : G → H é um isomorfimos de
grupos. Então x ∈ G é tal que o(x) = h se, e somente se, o( f (x)) = h.
Seja G = [a] um grupo cíclico. Dois casos podem ocorrer:
Caso 1: ar 6= as sempre que r 6= s.
58 Capítulo 6. Grupos

Um exemplo desse caso é o grupo cíclico G = [3] no grupo multiplicativo (Q∗ , ·). Aqui, para
todos r 6= s temos 3r 6= 3s . Além disso, é imediato verificar que a função

f :Z→G
f (x) = 3x

é um isomorfimo de grupos. Assim Z ∼= G.


De modo geral temos a seguinte proposição:
Proposição 6.6.3 Se G = [a] é um grupo cíclico que cumpre a condição do Caso 1, então a
função f : Z → G por f (r) = ar é um isomorfimo de grupos. Ou seja, G ∼
= Z.
Prova: Basta verificar que a função f : R → G dada por f (x) = ax é um isomorfimo de grupos. ■
■ Observaçao 6.4 Como a função da proposição anterior é uma bijeção, segue então que os
conjuntos Z e G = [a] têm a mesma cardinalidade. Assim os grupos que satisfazem o Caso 1 são
todos infinitos. Por esse motivo eles são chamados de grupos cíclicos infinitos.
Caso 2: ar = as para algum par de inteiros distintos, r e s.
Um exemplo desse caso é considerar o grupo G = [2] no grupo aditivo Z6 . Nesse caso

G = [2] = {k · 2 | k ∈ Z}.

Aqui temos

6 · 2 = 12 · 2.

Proposição 6.6.4 Seja G = [a] um grupo cíclico que cumpre a condição do Caso 2. Então existe
um inteiro m > 0 tal que
i) am = e
ii) al 6= e, sempre que 0 < l < m.
Nesse caso, a ordem do grupo G é m e

G = [a] = {e, a, a2 , · · · , am−1 }.

Prova: Como ar = as para r e s distintos podemos supor sem nenhum prejuízo que r > s. Então
r−s > 0 e

ar−s = ar a−1 = ar (as )−1 = ar (ar )−1 = e.

Logo existem potências estritamente positivas de a iguais ao elemento neutro de G. Seja m o


menor inteiro positivo tal que

am = e. (6.2)

Com isso provamos o item (i).


Agora, observe que

am = e
am+1 = a
am+2 a2
..
.
am+m = e
6.7 Subgrupo Normal 59

ou seja, a partir da potência m os valores começam a se repetir.


Suponha que ai = a j com 0 ≤ i < j < m. Daí 0 < j − i < m e

a j−i = a j a−1 = a j (ai )−1 = a j (a j )−1 = e

Mas isso contradiz a escolha de m. Logo nas potências

a0 , a1 , a2 , . . . , am−1

não há repetições de elementos. Assim al 6= e para todo 0 < l < m, o que prova (ii).
Agora seja x ∈ G = [a]. Então x = at para algum t ∈ Z. Efetuando a divisão inteira de t por m
obtemos

t = qm + r

com 0 ≤ r < m. Daí

at = aqm+r = aqm ar = (am )q ar = eq ar = ar

e como os possíveis valores de r são 0, 1, 2, . . . , m-1 então at ∈ {a0 , a1 , a2 , . . . , am−1 }. Logo


[a] ⊆ {a0 , a1 , a2 , . . . , am−1 } e como {a0 , a1 , a2 , . . . , am−1 } ⊂ [a] segue que

G = [a] = {a0 , a1 , a2 , . . . , am−1 }

e então |G| = m, o que completa a demonstração. ■

Corolário 6.6.5 Seja G = [a] um grupo cíclico de ordem finita igual a m. Então a função
f : Zm → G dada por f (x) = ax é um isomorfimo de grupos.

Prova: Basta mostrar que a função f : Zm → G dada por f (x) = ax é um isomorfimo de grupos.

6.7 Subgrupo Normal


No grupo S3 considere as permutações
   
1 2 3 1 2 3
f= e g= .
2 3 1 1 3 2
Assim

S3 = {Id, f , f 2 , g, g f , g f 2 }.

Seja H = [g] = {Id, g}. As classes laterais de H são

IdH = H
f H = { f , f g} = { f , g f 2 } = (g f 2 )H
f 2 H = { f 2 , f 2 g} = { f 2 , g f } = (g f )H.

Logo

S3 /H = {H, f H, f 2 H}.

Defina em S3 /H a operação

(xH)(yH) = (xy)H,
60 Capítulo 6. Grupos

onde xH, yH ∈ S3 /H.


Vamos verificar se essa operação está bem definida. Para isso sejam

f H = (g f 2 )H
f 2 H = (g f )H.

Temos

( f H)( f 2 H) = ( f f 2 )H = f 2 H = H

[(g f 2 )H][(g f )H] = [(g f 2 )(g f )]H = [g( f 2 g) f ]H = [g(g f ) f ]H = [(gg)( f f )]H = f 2 H.

Com isso

( f H)( f 2 H) 6= [(g f 2 )H][(g f )H],

ou seja essa operação não está bem definida em S3 /H. Isto ocorre pois

f H = { f , g f 2 } 6= { f , g f } = H f .

Portanto nem sempre é possível transformar o conjunto S3 /H em um grupo. Para tal é preciso
introduzir um novo conceito.
Sejam (G, ·) um grupo, denotado multiplicamente para fins de simplificação, e A e B subcon-
juntos de G. Vamos indicar por

AB

e chamaremos de produto de A por B o seguinte subconjunto de G:

AB = 0,
/ se A = 0/ ou B = 0/
AB = {xy | x ∈ A e y ∈ B}, se A 6= 0/ e B 6= 0.
/

Assim o produto de A por B é uma operação sobre o subconjuntos das partes de G, P(G),
chamada de multiplicação de subconjuntos de G.
Como G é associativo, então a multiplicação de subconjuntos também será associativa. Além
disso, caso o grupo G seja comutativo, então multiplicação de subconjuntos também será comu-
tativa.
■ Exemplos 6.11 1) Seja G = {e, a, b, c} o grupo tal que

Tabela 6.3: Grupo de Klein


· e a b c
e e a b c
a a e c b .
b b c e a
c c b a e


6.7 Subgrupo Normal 61

Esse grupo é chamada de grupo de Klein.


Se A = {e, a} e B = {b, c}, então
AB = {xy | x ∈ A, y ∈ B} = {b, c, ab, ac} = {b, c}.
2) Considere o grupo multiplicativo dos números reais. Se
A = {x ∈ R∗ | x > 0}
B = {x ∈ R∗ | x < 0}
então
AB = {xy | x ∈ A, y ∈ B} = B.

Definição 6.7.1 Um subgrupo N de um grupo G é chamado de subgrupo normal (ou invari-


ante) se, para todo x ∈ G, vale

xN = Nx.

Denotaremos esse fato escrevendo H ⊴ G.

■ Exemplos 6.12 1) Seja G = S3 . Já vimos que se tomamos


     
1 2 3 1 2 3 1 2 3
Id = , f= e g=
1 2 3 2 3 1 1 3 2
então
S3 = {Id, f , f 2 , g, g f , g f 2 }.
Considere o subgrupo H = [ f ] = {Id, f , f 2 }. Então H é um subgrupo normal de G.
■ Solução: De fato,

IdH = H = HId
f H = { f , f 2 , Id} = H f
f 2 H = { f 2 , Id, f } = H f 2
gH = {g, g f , g f 2 } = Hg
(g f )H = {g f , g f 2 , g} = H(g f )
(g f 2 )H = {g f 2 , g, g f } = H(g f 2 ).
Portanto
xH = Hx
para todo x ∈ S3 . Logo H é um subgrupo normal de S3 .
2) Se G é um grupo abeliano, então todo subgrupo de G é normal.
■ Solução: De fato, como G é abeliano então

xy = yx
para todos x, y ∈ G. Daí se N é um sugrupo de G, então para todo x ∈ G temos
xN = {xt | t ∈ N} = {tx | t ∈ N} = Nx.
Portanto N é um subgrupo normal de G.
62 Capítulo 6. Grupos

3) Seja H um subgrupo de G tal que H possui somente duas classes laterais. Então H é um
subgrupo normal de G.
■Solução: De fato, como as classes laterais à direita são duas: H e xH, onde x ∈
/ H. Então
xH = CG (H) pois G = H ∪ xH e H ∩ xH = 0. /
Agora as classes laterais à esquerda também são somente duas: H e Hx, onde x ∈ / H. Então
Hx = CG (H) pois G = H ∪ Hx e H ∩ Hx = 0. /
Portanto xH = Hx para todo x ∈ G, isto é, H é um subgrupo normal de G.
Proposição 6.7.1 Seja G um grupo. Se H e L são subgrupos normais de G, então H ∩ L é um
subgrupo normal de G.
Prova: Precisamos mostrar que

x(H ∩ L) = (H ∩ L)x

para todo x ∈ G. Vamos mostrar isso provando as duas inclusões.


Assim seja x ∈ G e y ∈ x(H ∩ L). Temos

y = xt

com t ∈ H ∩ L. Daí y = xt com t ∈ H e t ∈ L. Logo y ∈ xH e y ∈ xL. Mas por hipótise, H e L são


subgrupos normais, logo y ∈ Hx e y ∈ Lx. Ou seja, existem h1 ∈ H e l1 ∈ L tais que

y = h1 x
y = l1 x.

Donde segue que h1 = l1 . Assim y = kx com k ∈ H ∩ L, isto é, y ∈ x(H ∩ L). Com isso obtemos
que x(H ∩ L) ⊆ (H ∩ L)x.
Agora seja z ∈ (H ∩ L)x. Então z = rx com r ∈ H ∩ L. Ou seja, z ∈ xH e ∈ Lx. Novamente,
usando a hipótese que H e L são subgrupos normais, obtemos que z ∈ xH e z ∈ xL. Com isso

z = xh2
z = xl2

com h2 ∈ H e l2 ∈ L. Assim devemos ter h2 = l2 o que nos leva à conclusão que z = xu com
u ∈ H ∩ L. Daí z ∈ x(H ∩ L) e com isso (H ∩ L)x ⊆ x(H ∩ L).
Portanto

x(H ∩ L) = (H ∩ L)x

e então H ∩ L é um subgrupo normal de G, como queríamos. ■


Proposição 6.7.2 Seja N um subgrupo normal do grupo G. Então, para quaisquer a, b ∈ G temos

(aN)(bN) = (ab)N.

Prova: Vamos mostrar a igualdade, provando as duas inclusões.


Seja x ∈ (aN)(bN). Daí x = αβ com α ∈ aN e β ∈ bN. Logo existem n1 , n2 ∈ N tais que

α = an1
β = bn2 .

Então

x = (an1 )(bn2 ) = a(n1 b)n2 .


6.7 Subgrupo Normal 63

Mas por hipótese, N é um subgrupo normal de G e então bN = Nb. Assim como n1 b ∈ Nb = bN,
existe n3 ∈ N tal que

n1 b = bn3 .

Com isso

x = a(n1 b)n2 = a(bn2 )n2 = (ab)(n3n2 ) ∈ (ab)N

e então x ∈ (ab)N, ou seja, (aN)(bN) ⊆ (ab)N.


Agora, para a outra inclusão, seja y ∈ (ab)N. Daí

y = (ab)n = (ae) (bn),


|{z} |{z}
∈An ∈bN

isto é, y ∈ (aN)(bN). Logo (ab)N ⊆ (aN)(bN).


Portanto,

(aN)(bN) = (ab)N,

como queríamos. ■
Seja N um subgrupo normal de um grupo G, onde e denota o elemento neutro de G. Denote
por

G/N = {aN | a ∈ G}

o conjunto das classes de equivalência determinadas por N.


Defina em G/N a operação

(aN)(bN) = (ab)N

para todos aN, bN ∈ G/N.


Sejam a, b, x, y ∈ G tais que

aN = xN
bN = yN.

Queremos mostrar que

(aN)(bN) = (xN)(yN).

Mas

(aN)(bN) = (ab)N
(xN)(yN) = (xy)N

então vamos mostrar que (ab)N = (xy)N.


Seja z ∈ (ab)N. Daí

z = (ab)n = a(bn), n ∈ N.

Mas, por hipótse bN = yN, então yN = Ny assim bn = yn1 . Além disso, N é um subgrupo normal
de G então yN = Ny e daí yn1 = n2 y. Então

z = a(bn) = a(yn1 ) = a(n2 y) = (an2 )y.


64 Capítulo 6. Grupos

Novamente, pela hipótese, aN = xN e então podemos escrever an2 = xn3 . Assim

z = a(bn) = a(yn1 ) = a(n2 y) = (an2 )y = (xn3 )y = x(n3 y).

Mas N é um subgrupo normal, com isso yN = Ny e então podemos escrever n3 y = yn4 . Logo

z = x(n3 y) = x(yn4 ) = (xy)n4

essa última igualdade nos diz que z ∈ (xy)N e então (ab)N ⊆ (xy)N.
Agora seja v ∈ (xy)N. Daí existe r ∈ N tal que v = (xy)r. Aqui repetindo os passos do caso
anterior, usando que N é um subgrupo normal e que aN = xN e que bN = yN podemos escrever

v = (xy)r = x(yr) = x(br1 ) = x(r2 b) = (xr2 )b = (ar3 )b = a(r3 b) = (ab)r4

e com isso v ∈ (ab)N. Logo (xy)N ⊆ (ab)N.


Portanto

(ab)N = (xy)N,

ou seja,

(aN)(bN) = (ab)N = (xy)N = (xN)(yN).

Além disso, a multiplicação em G/H satisfaz as seguintes propriedades:


i) [(aN)(bN)](cN) = (an)[(bN)(cN)] para todos aN, bN, cN ∈ G/N;
ii) (aN)(eN) = (ae)N = aN = (ea)N = (eN)(aN) para todo aN ∈ G/N;
iii) (aN)(a−1 N) = (aa−1 )N = eN = (a−1 a)N = (a−1 N)(aN) para todo aN ∈ G/N.
Portanto, o conjunto G/N é um grupo com a multiplicação de conjuntos.
Nesse grupo o elemento neutro é eN e (aN)−1 = (a−1 )N.
Definição 6.7.2 Sejam G um grupo e N um subgrupo normal de G. Nessas condições, o
grupo quociente de G por N é o par formado pelo conjunto quociente G/N e da operação de
multiplicação de conjuntos aplicadas aos elementos desse conjunto.

■ Exemplos 6.13 1) Seja G = {1, −1, i, −i} um grupo e N = {1, −1}. Como G é um grupo
abeliano então N é um subgrupo normal de G. Assim podemos definir o grupo quociente
G/N. As classes laterais de N são

1N = N
iN = {it | t ∈ N} = {i, −i}.

Assim

G/N = {N, iN}

e a operação em G é dada por

Tabela 6.4: G/N


· N iN
N N iN
iN iN N
6.7 Subgrupo Normal 65

2) Seja G = Z6 = {0, 1, 2, 3, 4, 5} e H = {0, 3}. Como Z6 é abeliano, então H é um subgrupo


normal e com isso podemos definir o grupo quociente Z6 /H. As classes de equivalência de
H são

0+H = H
1 + H = {1 + t | t ∈ H} = {1, 4}
2 + H = {2 + t | t ∈ H} = {2, 5}.

Daí

Z6 /H = {H, 1 + H, 2 + H}

Tabela 6.5: Z6 /H
⊕ H 1+H 2+H
H H 1+H 2+H
1+H 1+H 2+H H
2+H 2+H H 1+H

3) Seja G = S3 . Já vimos que se tomamos


     
1 2 3 1 2 3 1 2 3
Id = , f= e g=
1 2 3 2 3 1 1 3 2

então

S3 = {Id, f , f 2 , g, g f , g f 2 }.

Considere o subgrupo H = [ f ] = {Id, f , f 2 }. Como H possui somente duas classes laterais,


que são

IdH = H
gH = {g, g f , g f 2 }

então H é um subgrupo normal de S3 . Assim podemos definir o grupo quociente S3 /H, onde

S3 /H = {H, gH}.

Temos

Tabela 6.6: S3 /H
◦ H gN
H H gN
gN gN H
66 Capítulo 6. Grupos

Proposição 6.7.3 Se N é um subgrupo normal de G, então a função µ : G → G/N definida por


µ (a) = aN é um homomorfismo sobrejetor de grupos tal que
ker(µ ) = N.
Prova: Primeiro vamos mostrar que µ é um homomorfismo de grupos. Para isso sejam x, y ∈ G.
Daí
µ (xy) = (xy)N = (xN)(yN) = µ (x)µ (y).
Logo µ é um homomorfismo de grupos.
Agora, dada yN ∈ G/N tome y ∈ G e com isso
µ (y) = yN,
ou seja, µ é sobrejetor.
Finalmente, mostremos que
ker(µ ) = N.
Seja x ∈ N. Temos
µ (x) = xN = N = eN
pois N é subgrupo. Assim x ∈ ker(µ ). Logo N ⊆ ker(µ ).
Por outro lado, se t ∈ ker(µ ) então
µ (t) = eN.
Mas µ (t) = tN daí devemos ter te−1 ∈ N, isto é, t ∈ N. Logo ker(µ ) ⊆ N.
Portanto
ker(µ ) = N,
como queríamos. ■
Definição 6.7.3 Se N é um subgrupo normal de G, então o homomorfismo µ : G → G/N
definido por µ (a) = aN é chamado de homomorfismo canônico de G sobre G/N.

Lema 6.7.4 Se f : G → L é um homomorfismo de grupos, então N = ker( f ) é um subgrupo


normal de G e, portanto, G/N é um grupo.
Prova: Precisamos mostrar que
xN = Nx
para todo x ∈ G.
Seja y ∈ xN. Daí y = xh, com h ∈ N = ker( f ). Agora
y = xh = xh(x−1 x) = (xhx−1 )x.
Mas
f (xhx−1 ) = f (x) f (h)[ f (x)]−1
e como h ∈ N = ker( f ) segue que f (xhx−1 ) = eL . Logo xhx−1 ∈ N = ker( f ) e então y = (xhx−1 )x ∈
Nx. Assim xN ⊆ Nx.
Agora seja z ∈ Nx. Daí z = ln com l ∈ N e com isso
z = lx = (xx−1 )ln = x(x−1 lx)
e de modo análogo ao caso anterior mostra-se que x−1 lx ∈ N = ker( f ). Assim z = x(x−1 lx) ∈ xN.
Logo Nx ⊆ xN.
Portanto xN = Nx para todo x ∈ G. Com isso N = ker( f ) é um subgrupo normal de G, como
queríamos. ■
6.7 Subgrupo Normal 67

Teorema 6.7.5 — Teorema do Homomorfismo para Grupos. Seja f : G → L um homomor-


fismo sobrejetor de grupos. Se N = ker( f ), então o grupo quociente G/N é isomorfo ao grupo
L.
Prova: Inicialmente observe que
G/N = {aN | a ∈ N}
e como f : G → L é sobrejetora então
L = { f (a) | a ∈ G}.
Assim vamos definir a regra σ : G/N → L por σ (aN) = f (a). Mostremos que σ é uma função.
Da definição de σ segue que todo elemento de G/N possui uma imagem em L. Provemos que
um mesmo elemento não possui duas imagens distintas. Assim sejam aN, bN ∈ G/N tais que
aN = bN.
Daí ab−1 ∈ N e como N = ker( f ) então
f (ab−1 ) = eL
f (a)[ f (b)]−1 = eL
f (a) = f (b)
mas por definição σ (aN) = f (a) e σ (bN) = f (b). Logo σ (aN) = σ (bN), e então σ realmente é
uma função de G/N em L.
Mostremos que σ é um homomorfismo de grupos e que esse homomorfismo é bijetor.
Primeiro, dados aN, bN ∈ G/H temos
σ ((aN)(bN)) = σ ((ab)N) = f (ab) = f (a) f (b) = σ (aN)σ (bN).
Logo σ é um homomorfismo de grupos.
Agora
ker(σ ) = {aN ∈ g/N | σ (aN) = eL }.
Mas
σ (aN) = eL
f (a) = eL
e então a ∈ ker( f ) = N. Com isso aN = N = eN. Logo
ker(σ ) = {eN}
e assim σ é injetora.
Finalmente, seja y ∈ L. Queremos encontrar x ∈ G/N tal que
σ (x) = y.
Mas
L = { f (a) | a ∈ G}
e então y = f (a) para algum a ∈ G. Tomandi x = aN obtemos
σ (x) = σ (aN) = f (a) = y,
isto é, σ é sobrejetora.
Portanto σ é um isomorfismo de grupos, daí G/N ∼
= L, como queríamos. ■
68 Capítulo 6. Grupos

■ Exemplo 6.1 Dado um inteiro m > 1, considere o homomorfismo ρm : Z → Zm definido por


ρm (x) = x.

Solução: Como ρm é um homomorfismo sobrejetor, então do Teorema 6.7.5 segue que

Z/N ∼
= Zm

onde

N = ker(ρm ).

Mas

ker(ρm ) = {x ∈ Z | ρm (x) = 0}.

Agora ρm (x) = 0 se, e só se, x ≡ 0 (mod m). O que ocorre se, e só se, x = mk com k ∈ Z. Assim
temos

N = ker(ρm ) = {mk | k ∈ Z} = mZ.

Logo

Z/N = Z/mZ ∼
= Zm .

6.8 Teorema de Lagrange


Seja G um grupo finito. Se H é um subgrupo de G, então existirá uma quantidade finita de classes
laterais módulo H. Assim o conjunto

G/H = {aH | a ∈ G}

é finito.
O número de elementos de G/H é chamado de índice de H em G e será denotado por

[G : H] = |G/H|.

Teorema 6.8.1 Seja G um grupo finito. Se H ⊆ G é um subgrupo, então |H| divide |G|.

Prova: Seja H um subgrupo de um grupo finito G. Denote

[G : H] = r.

Assim

G/H = {a1 H, a2 H, · · · , ar H}

com

ai H ∩ a j H = 0/

sempre que ai 6= a j . Além disso,

G = a1 H ∪ a2 H ∪ · · · ∪ ar H
6.8 Teorema de Lagrange 69

e como todas as classes de equivalência módulo H possuem a mesma quantidade de elementos e


essa quantidade é igual à ordem de H, o(H), então
o(G) = o(a1 H) + o(a2 H) + · · · + o(ar H)
o(G) = o(H) + o(H) + · · · + o(H)
logo o(G) = ro(H), ou seja,
o(G) = [G : H]o(H).
Portanto o(H)|o(G), como queríamos. ■
■ Exemplo 6.2 Quais são as possíveis ordens dos subgrupos de um grupo de ordem 48?
■ Solução: Seja G um grupo tal que |G| = 48. Se H é um subgrupo prório de G, então |H| divide
|G|. Mas 48 = 24 · 3, daí se H é um subgrupo de G então |H| = 2 ou |H| = 3 ou |H| = 22 ou
|H| = 23 ou |H| = 24 ou |H| = 2 · 3 ou |H| = 22 · 3 ou |H| = 23 · 3.
■ Observaçao 6.5 O Teorema 6.8.1 não diz que haverá um subgrupo de ordem n para todo n tal

que n||G|. Diz apenas que se H é subgrupo de G, então |H| divide |G|. Por exemplo, no grupo S4
considere o seguinte subconjunto:
   
1 2 3 4 1 2 3 4
L= , .
1 2 3 4 1 3 4 2
Observe que o número de elementos de L divide |S4 | = 4! = 24 mas L não é um subgrupo de S4
pois
 −1  
1 2 3 4 1 2 3 4
= ∈/ L.
1 3 4 2 1 4 2 3

Corolário 6.8.2 Seja G um grupo finito. Então a ordem de um elemento x ∈ G divide a ordem
de G e o quociente é [G : H], onde H = [x].

Prova: A ordem de x ∈ G é igual à ordem do subgrupo H = [x]. Assim, pelo Teorema de Lagrange
(6.8.1), o(H)|o(G) e
o(G) = [G : H]o(H),
ou seja,
o(x)|o(G)
como queríamos. ■

Corolário 6.8.3 Sejam G um grupo finito e x ∈ G. Então

xo(G) = e,

onde e denota o elemento neutro de G.


Prova: Suponha que a ordem de x ∈ G é k. Assim k é o menor inteiro estritamente positivo tal que
xk = e. Assim pelo Corolário (6.8.2) podemos escrever
o(G) = [G : H]k
onde H = [x]. Logo
xo(G) = x[G:H]k = (xk )[G:H] = e
como queríamos. ■
70 Capítulo 6. Grupos

Corolário 6.8.4 Seja G um grupo finito cuja ordem é um número primo. Então G é um grupo
cíclico e os únicos subgrupos de G são os triviais, ou seja, {e} e G.

Prova: Seja o(G) = p, com p primo. Assim p > 1 e daí existe x ∈ G com x 6= e. Seja H = [x]. Do
Teorema de Lagrange (6.8.1) segue que

o(H)|p.

Daí o(H) = 1 ou o(H) = p. Mas x 6= e, logo o(H) = p e então

G = H = [x]

e assim G é cíclico.
Agora seja J um subgrupo de G. Daí Teorema de Lagrange (6.8.1) segue que

o(J)|o(G) = p.

Com isso o(J) = 1 ou o(J) = p. Logo J = {e} ou J = G, como queríamos.



Bibliografia

[1] H.H. Domingues, G.Iezzi: Álgebra Moderna, 2ł Ed., Atual, 1982

[2] S. Shokranian: Álgebra 1, Ciência Moderna, 2010

[3] Adilson Gonçalves: Introdução à Álgebra, 5ł Ed., IMPA, 2003

[4] G. Birkhoff, S. MacLane: Álgebra Moderna Básica, 4ł Ed., Guanabara Dois, 1980

[5] E. A. Filho: Iniciação à Lógica Matemática, Nobel, 2002

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