Da Utilidade Do "Inútil" - para Que Mesmo Filosofia - O NACIONAL

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Da utilidade do “inútil”: Para que mesmo

Filosofia?
Publicada em: 12/05/2019 - 08:00

Medidas anunciadas pelo governo federal, na área da educação, vêm


dividindo a opinião da sociedade. Uma delas diz respeito a redução dos
investimentos em cursos de áreas humanas, como filosofia e sociologia.
Nesta edição, ON/ Tendências aborda o tema na ótica do professor
Cláudio Dalbosco

A filosofia sempre foi duramente questionada em seu sentido e finalidade, desde a Antiguidade grega,
berço de seu nascimento ocidental. Foi tratada, já em seu início, como atividade perigosa, servindo
apenas para corromper ideologicamente o espírito da juventude e ensinar falsos deuses à cidade (pólis).
Estas são, como sabemos, por meio da leitura do diálogo de Platão intitulado a Apologia de Sócrates, as
duas principais acusações que os governantes da época usaram no tribunal para condenar Sócrates a
tomar cicuta (veneno).
O debate sobre o sentido e o papel da Filosofia, como também da Sociologia e das demais
Humanidades, se reacendeu recentemente, no Brasil, quando o Presidente Jair Messias Bolsonaro
declarou publicamente o corte no orçamento para o ensino delas e a prioridade de investimentos em
outras áreas, como Agronomia, Medicina e Medicina Veterinária. Está subentendido, na fala do
Presidente, por um lado, a inutilidade da Filosofia e, por outro, que outras áreas do conhecimento
humano são muito mais importantes, mas tão somente porque promovem o desenvolvimento econômico
da sociedade, saciando a fome de milhões de brasileiros e tratando de seus problemas de saúde.

Há o olhar muito restritivo, até mesmo enviesado, no raciocínio do Presidente que precisa ser posto em
questão. Em primeiro lugar, Agronomia, Medicina e Medicina Veterinária são importantes não só porque
promovem desenvolvimento econômico, contribuindo para saciar fome e curar doenças das pessoas, o
que diga-se de passagem, já são por si mesmas duas tarefas grandemente nobres. Estes saberes são
antes de tudo produto avançado da cultura humana e tanto médico como agrônomo e veterinário
possuem literalmente a possibilidade de se cultivarem a si mesmos e aos outros, humanizando-se
reciprocamente.

Lembremo-nos que de acordo com Hipócrates – autor do Juramento médico que todo o estudante de
Medicina faz ao finalizar o curso – a cura do paciente implica, além do domínio de disciplinas técnicas
como anatomia e fisiologia, a consideração da natureza como um todo. Também, o modo cuidadoso com
o qual o agricultor cultiva a planta e trata dos animais sempre serviu metaforicamente para pensar como
o educador pode contribuir na formação de seus educandos. Se quisermos, então, Medicina, Agronomia
e Medicina Veterinária estão na origem da própria Filosofia e se aprimoram em seus conhecimentos
quando se deixam orientar pelo espirito inquiridor e investigativo. Pois, aprender a formular perguntas
inteligentes é a mola propulsora não só do exercício profissional competente, mas da organização da
vida pessoal como um todo.

Que tipo de cultivo tais profissões exercem e que papel social desempenham é uma questão que precisa
ser discutida entre os próprios profissionais envolvidos, com auxílio do debate público, inerente à
sociedade democrática e plural. Médicos, agrônomos e veterinários não se contentam só com pão e
menos ainda em curar doenças, pois, enquanto seres humanos, gostam de cultura, de apreciar a beleza
da natureza e das produções humanas, buscando saciar espiritualmente suas vidas e as de outras
pessoas. Como integrantes da humanidade, vivendo sob o mesmo teto do grande universo, precisam
construir solidária e cooperativamente o espaço do viver juntos, ou seja, trabalhar em prol de um mundo
no qual o sol apareça para todos.

E a Filosofia? Também é uma técnica, no sentido grego originário ampliado do termo (techné), que
possui suas ferramentas próprias. A técnica da filosofia é o pensamento movido pela pergunta, que
desinquieta as pessoas, levando-as a ver a mesma coisa, situação ou problema, de diferentes ângulos e
perspectivas. Então, como técnica que ferramenta ela utiliza? Sua ferramenta é o conceito, ou seja, a
reflexão racional por conceitos (Kant), que move o pensamento, abrindo infinitas possibilidades para que
o ser humano possa criar outras coisas, inovando sempre seu modo de ser. Sem pensamento criativo
não há inovação, pois quem pensa sempre do mesmo modo e acha que todas as coisas devem ser
iguais e permanecerem como estão, contribui enormemente para o retrocesso e degeneração do ser
humano e da sociedade. Revela uma maneira obscurantista de ver as coisas, depondo contra o
esclarecimento e as luzes da razão.

Em síntese, ao nos deixar conduzir por esta breve reflexão fomos levados a encontrar algo em comum
entre as profissões, o que nos permite afirmar precisamente o contrário daquilo que o Presidente quer
separar, culminando no rebaixamento de algumas profissões em relação a outras. Por isso, o Presidente
Jair Messias Bolsonaro desconhece o fato, movido pela pressa e estreiteza de seu julgamento, de que
todas as profissões, enquanto exercício do cultivo e refinamento humano, possuem grande afinidade
eletiva entre si, a saber, que todas empreendem, cada uma ao seu modo, a busca humana incessante
pelo sentido da existência.

Dalbosco é pós-doutor pelo Núcleo Direito e Democracia (NDD) do CEBRAP (2013). Professor titular da
Universidade de Passo Fundo, atuando no curso de Filosofia e no PPG em Educação e pesquisador do
CNPq.

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