2022 Dis Aprandrade
2022 Dis Aprandrade
2022 Dis Aprandrade
FORTALEZA
2022
1
FORTALEZA
2022
2
3
BANCA EXAMINADORA
AGRADECIMENTOS
Minhas recordações fazem parte de todo o percurso até chegar aqui: a educação
básica, a graduação, o trabalho de sala de aula (com mais de uma década de profissão), o
período como diretora de turma, enfim, muitas lembranças.
O mestrado enfim chegou. É o resultado de muito esforço e, claro, muito apoio
recebido ao longo desse período. Por isso, faço aqui meus agradecimentos:
Agradeço aos meus pais Maria e José que sempre me apoiaram nos estudos e me
incentivaram com todo o amor e cuidado.
Ao meu esposo que esteve comigo desde o início do mestrado me apoiando.
À minha orientadora Profª Monalisa Soares Lopes, pela paciência, pelo zelo e pela
dedicação nas orientações.
Aos professores diretores de turma das escolas da capital e do interior que
disponibilizaram do pouco tempo para participar e colaborar com a pesquisa.
Aos coordenadores escolares que também se disponibilizaram em participar da
pesquisa.
À coordenadora estadual do PPDT pela atenção e pelo carinho em me atender.
Aos meus colegas de trabalho, obrigada pela força.
À minha turma do curso de Mestrado Profissional em Sociologia pelo
conhecimento compartilhado.
Às minhas colegas de orientação, obrigada pelo apoio nas conversas e no
compartilhamento de ideias.
À banca examinadora, pelas avaliações do meu trabalho.
À Capes, pelo apoio financeiro durante o mestrado.
Aos professores e coordenadores do curso do Mestrado Profissional em
Sociologia pela luta em manter um curso voltado para os profissionais da educação básica.
A Deus pelo dom da vida e pela saúde que me possibilitou chegar até aqui.
6
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar o Projeto Professor Diretor de Turma (PPDT)
na Escola Pública do Estado do Ceará, enquanto esforço de aprimoramento das práticas
pedagógicas. O professor diretor de turma é um articulador que colabora com os diversos
segmentos escolares vinculados à turma que coordena, cooperando com a gestão escolar.
Nessa fase, a pesquisa procurou identificar os impactos causados pela pandemia da Covid-19,
assim como, as estratégias utilizadas pelo professor diretor de turma no acompanhamento do
aluno. A metodologia aplicada foi norteada por pressupostos da pesquisa qualitativa. Partimos
da leitura e análise dos documentos do PPDT, bem como a técnica de aplicação de entrevistas
semiestruturada. 36 professores participaram das entrevistas via Google Meet no ano de 2021.
As entrevistas foram realizadas virtualmente por causa da pandemia da Covid-19. Os
resultados da pesquisa são apresentados de acordo com a análise dos dados coletados na
entrevista com os professores, com os coordenadores escolares e com a Coordenação Estadual
do projeto. Os relatos dos professores diretores de turma evidenciaram a importância do
Projeto Professor Diretor de Turma, principalmente durante a pandemia da Covid-19. Foi o
período em que os professores contribuíram para o projeto de Busca Ativa dos alunos
ausentes. O que se observou com o trabalho de pesquisa é que o PPDT é um aliado
indispensável no desenvolvimento da aprendizagem e da promoção do protagonismo juvenil.
No entanto, os depoimentos dos professores diretores de turma revelaram que o projeto
necessita de constantes reformulações em torno dos novos desafios os quais o PPDT está
sujeito cotidianamente.
ABSTRACT
The present work aims to analyze the Teacher Class Director Project (PPDT) in the Public
School of the State of Ceará, as an effort to improve pedagogical practices. The class director
teacher is an articulator who collaborates with the various school segments, linked to the class
he/she coordinates, cooperating with school management. At this stage, the research sought to
identify the impacts caused by the Covid-19 pandemic as well as the strategies used by the
class director teacher in monitoring the student. The methodology applied was guided by
assumptions of qualitative research. We started with the reading and analysis of the PPDT
documents, as well as the technique of applying semi-structured interviews. 36 teachers
participated in interviews via Google Meet in 2021. The interviews were conducted virtually
because of the Covid-19 pandemic. The research results are presented according to the
analysis of the data collected in the interview with the teachers, with the school coordinators
and with the State Coordination of the project. The reports of the class director teachers
highlighted the importance of the Class Director Teacher Project, especially during the Covid-
19 pandemic. It was the period in which the teachers contributed to the project of active
search for absent students. What was observed with the research work is that the PPDT is an
indispensable ally in the development of learning and the promotion of pedagogical practices.
However, the testimonies of the class director teachers revealed that the project needs
constant reformulations around the new challenges to which the PPDT is subject daily.
Imagem 2 - Implementação do Novo Ensino Médio nas escolas públicas do Ceará ........ 25
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11
2 ESTRUTURA DO PROJETO PROFESSOR DIRETOR DE TURMA ................. 15
2.1 Orientações do PPDT.................................................................................................... 15
2.2 Instrumentais do Projeto Professor Diretor de Turma............................................. 16
2.3 As Competências socioemocionais dentro do PPDT.................................................. 18
2.4 O PPDT no Novo Ensino Médio................................................................................... 20
3 REFERENCIAIS TEÓRICOS..................................................................................... 27
3.1 A Relação família-escola: primeiras reflexões............................................................ 27
3.2 A Relação família-escola e a Sociologia da Educação................................................ 28
3.3 Sobre as trajetórias das desigualdades escolares........................................................ 36
4 EDUCAÇÃO BÁSICA EM TEMPOS DE PANDEMIA........................................... 39
4.1 Os caminhos da pesquisa no contexto da pandemia................................................... 42
4.1.1 Percurso metodológico................................................................................................... 44
4.2 Apresentação dos dados da pesquisa........................................................................... 45
4.2.1 Caracterização dos entrevistados................................................................................... 45
4.2.2 Primeiro contato com o Projeto Professor Diretor de Turma....................................... 47
4.2.3 Característica(s) mais importante(s) na escolha do Diretor de Turma........................ 48
4.2.4 Valorização do Diretor de Turma pela escola............................................................... 50
4.2.5 Conflitos que mais aparecem no trabalho do PDT ............................................... 52
4.2.6 Impactos da pandemia no trabalho do Diretor de Turma............................................. 57
4.2.7 Estratégias utilizadas pelo Professor Diretor de Turma para garantir a participação
do aluno no ensino remoto............................................................................................. 61
4.2.8 Aprimoramento do PPDT............................................................................................... 66
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 74
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 76
ANEXO A ...................................................................................................................... 82
ANEXO B ...................................................................................................................... 83
ANEXO C ...................................................................................................................... 85
ANEXO D ...................................................................................................................... 86
11
1 INTRODUÇÃO
1
O Projeto Professor Diretor de Turma teve origem em Portugal na década de 1960.
12
outras modalidades de ensino como as escolas regulares. A Seduc abriu uma chamada pública
para adesão das escolas. O critério para a adesão era de que as escolas deveriam ter a oferta de
1º ano do ensino médio. Aquelas escolas onde não houvesse a oferta de ensino médio, a
adesão poderia ser feita com o 9º ano do ensino fundamental.
O processo de adesão das escolas ao projeto se deu por etapas: 2010 para turmas
de 1ª ano; 2011 para turmas de 2ª ano e em 2012 para as turmas de 3ª ano. O documento da
Chamada Pública de Adesão divulgado em 2010 estabeleceu um parecer geral sobre o PPDT
com orientações das atividades a serem realizadas pelas unidades escolares.
Sobre os motivos que me levaram a escolher o PPDT como objeto de investigação
devo ressaltar que foi por conta do meu ingresso na rede estadual através de concurso público
no ano de 2010. Nesse contexto, muitos projetos e programas foram constituídos, um deles,
foi justamente o Projeto Professor Diretor de Turma (PPDT).
Assumir a função de Diretor de Turma (DT) foi um dos meus maiores desafios.
Primeiro, porque não tinha experiência em sala de aula e, segundo, porque a escola onde fui
lotada fazia parte do bairro Bom Jardim do município de Fortaleza-CE. A chamada Área do
Grande Bom Jardim, como é conhecida, é um aglomerado de bairros como Bom Jardim,
Siqueira, Canindezinho, Granja Lisboa e Granja Portugal. Os cinco bairros se encontram em
uma região de potencial risco de vulnerabilidade social. Com base em dados do Censo
Demográfico de 2010, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico de Fortaleza
elaborou uma tabela com os 10 bairros em pior situação de Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH-Renda). O Bom Jardim aparece em 10ª posição com índice de 0,032. Ou seja,
é um dos bairros com maior proporção de pessoas em extrema pobreza.
Em decorrência do levantamento dos dados sobre o perfil socioeconômico foi que
o Grande Bom Jardim recebeu o programa Ceará Pacífico2. Uma ação coordenada junto a
equipamentos que fazem parte do bairro como o Centro Cultural do Bom Jardim3. Mesmo
com a implementação dessas ações voltadas para a diminuição do quadro de vulnerabilidade,
a região continuava apresentando problemas por conta de disputas de territórios pelas facções.
Essas guerras territoriais acabaram colaborando para o aumento nos índices de
violência na região. Como professora novata, recém-chegada do mundo acadêmico, minhas
práticas pedagógicas eram limitadas face à experiência de outros colegas. Apesar de residir
2
O Ceará Pacífico é um comitê criado a partir de 2015 que reúne esforços de diversas instituições das secretarias
do governo, em parceria com a sociedade civil que visa um conjunto de ações com o intuito de reduzir os índices
de violência no Estado do Ceará.
3
O Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ) é um equipamento das políticas públicas de arte e cultura do
Ceará localizado no bairro Bom Jardim, em Fortaleza, Ceará. Foi inaugurado em dezembro de 2006.
13
em um bairro periférico, deparei-me com uma realidade bem difícil, pois tive que lidar
diretamente com a violência. Mesmo com os desafios, vi no convite da direção da escola a
oportunidade de participar do Projeto Professor Diretor de Turma4. No começo não foi fácil.
Foi um choque entre o que eu tinha de conhecimento da academia e a vivência dos alunos.
Nesse sentido, posso afirmar que o projeto me ajudou a pensar formas de me aproximar dos
alunos, de fazer com que eles percebessem que eu também fazia parte daquela realidade, já
que eu também era produto da escola pública.
O Projeto Professor Diretor de Turma me ajudou a desenvolver o diálogo, saber
escutar e proporcionar debates com os alunos sobre a realidade que os cercavam. As
intervenções do projeto fugiam da rotina escolar, já que tive que operacionalizar o tempo
destinado ao projeto. Quando iniciei, em 2010, o projeto possuía uma carga horária de 5h/a.
Mesmo assim, o tempo era insuficiente em decorrência das demandas dos estudantes. Em
alguns momentos tive que utilizar as horas de planejamento das aulas para conversar com os
alunos. Durante esses planejamentos, busquei inserir metodologias diferenciadas dentro de
alguns conteúdos de Sociologia, e passei a problematizar situações do dia a dia dos alunos.
Com a minha atuação junto ao PPDT, tive que adaptar os espaços da sala. Os
debates foram uma forma de chamar a atenção dos alunos e facilitar a ampla participação,
mas, ainda assim, observei que os resultados educacionais não haviam sido melhorados.
Diante dessa questão, observei que a problemática estava na relação família-escola. Muitos
alunos, por estarem em situação de vulnerabilidade social, acabam levando os conflitos
familiares para o ambiente da escola. E por conseguinte, não existia uma cooperação entre as
duas instituições sociais no sentindo de trabalharem em conjunto e atender às demandas dos
alunos. Então, acabava que a escola, além de dar conta da aprendizagem do aluno, tinha que
também trabalhar as questões sociais, econômicas e emocionais.
Observei que havia um certo distanciamento da família com a escola. A percepção
era de que existia um conflito entre as duas instituições. Ou seja, era nítido a ausência da
família no acompanhamento escolar dos filhos. Assim, cabia à escola tentar “resolver” todas
as questões relacionadas ao desenvolvimento do aluno na escola e na família. Então, comecei
a pensar de que forma a escola poderia se aproximar das famílias desses alunos.
Nesse ponto, o PPDT mostrou ser um aliado imprescindível no sentido de
desenvolver atividades para a conscientização e participação da família na escola. Por isso, é
importante o tempo que o projeto disponibiliza para atendimento aos pais e alunos. Salienta-
4
A primeira vez que ouvi falar sobre o PPDT foi na etapa do curso de formação do concurso para professor
efetivo do Estado em 2009.
14
5
Na realidade das escolas regulares, o PPDT não está presente em todas as séries. Desse modo, as escolas dão
preferência às turmas da 1ª série para que haja uma continuidade do projeto. As escolas profissionais e integrais
seguem um outro esquema.
15
A partir dos objetivos listados, podemos observar que o PPDT busca a parceria da
escola para a realização do projeto. A cooperação entre os sujeitos que compõem a educação é
importante para os resultados que o projeto se propõe, que é reduzir os números de evasão
escolar e aumentar os índices de aprendizagem.
Outra questão que o folder do PPDT traz é a exigência de que, preferencialmente,
os professores lotados no projeto devem ser essencialmente motivadores, ativos e com
espírito de liderança. Esse perfil desenhado para Diretor de Turma, segundo o texto,
facilitaria:
16
Desse modo, para o Projeto Professor Diretor de Turma, não adianta somente o
professor conhecer o aluno. É importante que os sujeitos que compõem a comunidade escolar
(pais, alunos, professores, coordenadores e funcionários) trabalhem em conjunto para o
desenvolvimento do processo educativo.
Assim, compete ao professor Diretor de Turma:
Vale frisar que o professor não recebe gratificação extra no salário para o
exercício da função. O que ocorre é que o projeto dispõe de uma carga horária que possibilita
ao professor Diretor de Turma realizar as atividades descritas nas funções acima citadas. No
início da implantação, o projeto possuía uma carga horária de 5h/a semanais para o
cumprimento das tarefas. A distribuição da carga horária na época foi feita da seguinte forma:
2h/a destinadas para a sistematização dos instrumentais (dossiê e portfólio); 1h/a para
atendimento dos pais e/ou responsáveis e alunos; e 1h/a voltada para as aulas de Formação
para a Cidadania.
Lembrando que essas responsabilidades devem ser alinhadas ao planejamento
que o professor tem na escola.
empresarial que defende que estudantes (vale dizer das escolas públicas) devem ser
preparados para suprir a demanda de mercado de trabalho. Partindo desse pressuposto,
podemos refletir que a proposta das competências socioemocionais contribui para a
conservação das relações de dominação vigentes na sociedade capitalista.
Essas novas políticas públicas devem contemplar oferta mais flexível de cursos e
programas objetivamente destinados à profissionalização dos trabalhadores de
acordo com itinerários formativos que lhes possibilitem contínuo e articulado
21
Em 2004, no governo Lula, foi aprovado o Decreto nº 5.154 que tentou integrar o
currículo do Ensino Médio ao currículo do Ensino Técnico buscando uma formação focada na
ciência, na cultura e no trabalho. Entretanto, os conflitos políticos acabaram por desfazer essa
ideia prevalecendo os ideais da ala empresarial que defendiam a divisão dos dois currículos. A
Lei nº 11.079 de 2004 estabeleceu normas para a cooperação e entre o setor público e o
privado. Essa lei deu origem a vários projetos educacionais voltados para a profissionalização
de jovens e adultos como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego
(PRONATEC). Já no governo Dilma a preferência foi dada para os cursos profissionalizantes
ofertados pelo SENAI.
Contudo, foram nos governos Lula e Dilma que houveram tentativas de
integralizar o Ensino Médio à educação profissional. Não obstante, o processo de reformas já
estava sendo desenhado e se concretizou com a organização dos empresários, principalmente
o movimento Todos pela Educação. A presença do movimento nos debates sobre a educação
demonstrou o real interesse desses grupos.
Segundo Ségala (2018), os discursos propagados pelo Movimento Todos pela
Educação envolvem interesses do setor privado que atua na proposição e mediação curricular
para a escola pública. O próprio Ministério da Educação em consonância com a ala ideológica
do governo Bolsonaro legitima as ações do movimento. O impeachment sofrido pela
presidente Dilma Roussef em 2016, abriu definitivamente as portas para que as reformas
reivindicadas pelo setor privado fossem efetivadas.
A saída de Dilma Roussef abriu caminho para que seu vice, Michel Temer,
assumisse o governo. Uma das primeiras medidas de Temer foi aprovar a Lei nº 13.415/17
que instituiu a Reforma do Ensino Médio. A Reforma alterou o currículo do Ensino Médio
transformando as disciplinas em itinerários formativos. A ideia é que o aluno tenha a base de
formação pelos itinerários de Linguagens e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e
Formação Técnica e Profissional. Lembrando que Língua Portuguesa e Matemática seriam as
disciplinas obrigatórias em todas as séries do Ensino Médio.
Ainda durante o ano de 2017, foi aprovada o documento final da Base Nacional
Comum Curricular com a articulação de grupos ligados aos empresários. Um dos pontos que
está presente no texto da BNCC é a de que os jovens teriam a possibilidade de escolha dos
22
itinerários. No entanto, a BNCC destaca ao mesmo tempo, que o conhecimento deve estar
conectado com a vida dos jovens dando a chance de eles fazerem escolhas a partir de seus
próprios interesses.
Segundo a BNCC, aos jovens cabem:
O Programa Ceará Educa Mais virou projeto de Lei nº17.572, aprovado como Lei
Estadual em 22 de julho de 2021. É através do Programa que recursos e ações serão
destinados para a execução de projetos nas escolas estaduais.
O Programa Ceará Educa Mais se estrutura em oito eixos mostrados a seguir
(imagem 1):
Imagem 1 - Ações Programa Ceará Educa Mais.
Podemos observar pela imagem que nas escolas onde a modalidade de ensino é
regular haverá um acréscimo na carga horária da unidade curricular Formação para Cidadania.
6
De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), os projetos de vida devem ser elementos de
integração à jornada dos jovens no Novo Ensino Médio. Na Formação Geral Básica, podem estar presentes como
estratégia de reflexão e transversalidade para uma formação atrelada aos percursos e às histórias dos estudantes.
Texto de referência disponível em: https://nossoensinomedio.org.br/. Acesso em 15 de fev. de 2022.
26
Os professores lotados nessa unidade curricular terão uma carga horária total de 5h/a,
enquanto que em outras modalidades de ensino permanecerá 1h/a para FC. Essa é justamente
a intenção da pasta do PPDT, segundo a coordenadora estadual. A ideia é fortalecer todas as
dimensões do Projeto Professor Diretor de Turma através do trabalho que o professor irá
desenvolver junto ao Projeto de Vida. Segundo a coordenadora estadual, o planejamento nas
escolas será essencial para o bom funcionamento do projeto, já que uma das atribuições do
professor Diretor de Turma é orientar os jovens na construção de seus projetos de vida.
27
3 REFERENCIAIS TEÓRICOS
[...] a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão
maturas para a vida social. Ela tem como objetivo suscitar e desenvolver na criança
um certo número de estados físicos, intelectuais e morais, exigidos tanto pelo
conjunto da sociedade política quanto pelo meio específico ao qual ela está
destinada em particular. (DURKHEIM, 2011, p.10).
Analisar a relação entre família e escola não é uma tarefa fácil. Por isso que o
tema se tornou uma preocupação dos estudos ligados à Sociologia. O peso da Sociologia da
Educação no conjunto das sociologias tem levado a estudos mais aprofundados sobre a
temática em vários países.
Silva (2010) faz uma análise histórica da relação escola-família desde os
primórdios da civilização até a pós-modernidade. Segundo o pensador:
[...] um dos seus papéis principais é a socialização da criança, isto é, sua inclusão no
mundo cultural mediante o ensino da língua materna, dos símbolos e regras de
convivência em grupo, englobando a educação geral e parte da formal, em
colaboração com a escola. (POLONIA; DESSEN, 2005, p. 304).
Podemos observar que a família é primeira instituição social que a criança tem
contato. Nessa primeira socialização, que chamamos de primária, a família orienta sobre
padrões de comportamentos que vão incidir sobre a personalidade da criança.
Já a escola, para Saviani (2011), foi pensada como espaço do conhecimento
diferente dos saberes adquiridos no âmbito doméstico, como bem pontou o autor:
Polonia e Dessen (2005) corroboram com Saviani (2011) quando afirmam que a
escola contribui para o desenvolvimento do indivíduo fazendo com que esse adquira um saber
culturalmente organizado.
A escola é a instituição em que se obtém o conhecimento formalizado, sendo por
isso, caracterizada como um espaço de desenvolvimento e aprendizagem. É no espaço escolar
que os estudantes têm a oportunidade de vivenciar aspectos ligados à cultura, ao
31
determinantes psicológicos que acabam influenciando nos objetivos e valores das duas
instituições. Guiando-se por esse prisma, para que a escola apresente bons resultados é
recomendável que as famílias cumpram os mesmos métodos de socialização.
As táticas utilizadas pela família ganham destaque e se naturalizam. A própria
escola propaga a ideia de que as famílias operam de modo divergente do seu propósito. Em
face das adversidades, as táticas de socialização utilizadas pelas famílias deixam a escola em
alerta fazendo com que essa tome medidas que possam substituir a tarefa da família de
educar. Esse conflito revela-se por meio de dois aspectos: “1) a incapacidade da família para a
tarefa de educar os filhos e 2) a entrada da escola para subsidiar essa tarefa, principalmente
quando se trata do campo moral” (OLIVEIRA, 2002, apud, MARINHO-ARAÚJO, 2010,
p.102).
Diante do exposto, percebe-se que a relação entre família-escola está envolta mais
por culpa do que por responsabilidade. Nesse caso, a escola direciona sua atenção para as
ações dos pais acreditando que a presença da família na escola é indispensável. É visível que
o acompanhamento da família contribui para a educação das crianças. Isso é observado nos
discursos, por exemplo, das famílias de classe média de escolas particulares onde os pais
acompanham de perto o rendimento escolar dos filhos, ou das reclamações dos professores da
escola pública sobre a ausência dos pais nas atividades escolares.
Patto (1999) analisa que entre os séculos XVIII e XIX, o fracasso escolar foi se
estruturando na sociedade capitalista sobre argumentos ligados ao racismo, à questão pessoal
ou cultural. Não era veiculado a possibilidade da existência de igualdades de oportunidades.
Segundo o pensador, “as crianças que não acompanhavam seus colegas na aprendizagem
escolar passaram a ser designadas como anormais escolares e as causas de seu fracasso são
procuradas em alguma anormalidade orgânica” (PATTO, 1999, p. 63).
No limiar do século XX, o argumento utilizado para o fracasso escolar passou a
ser a existência de culturas superiores e inferiores, de famílias desestruturadas, de ambientes
sociais atrasados que acabavam originando crianças desajustadas e problemáticas. Já na
década de 70 surgiu a “teoria da carência cultural” que compreendia a desigualdade entre as
crianças das classes populares pelas diferenças culturais.
Na perspectiva de Charlot (2010), não está claro o conceito sobre fracasso escolar.
Para o autor, geralmente os agentes envolvidos com a educação relacionam o fracasso com o
baixo rendimento escolar do aluno. Mas, para ele, deveríamos também pensar sobre o
34
fracasso escolar quando os bons alunos passam de ano com boas notas, mas não conseguem
ter uma visão crítica sobre a vida e sobre o mundo.
Segundo Charlot (2000), o que existe são situações de fracasso com relação ao
aprendizado escolar e não um fracasso escolar como um todo. O autor ressalta que a reflexão
sobre tal tema deve suscitar um debate sobre as questões que envolvem o sistema educacional
tais como: o aprendizado; o trabalho dos professores; a oferta do serviço público; os recursos
que devem ser investidos na educação, entre outros. Ou seja, nas questões políticas e nas
questões ligadas às práticas cotidianas dos professores e dos estudantes.
É importante ressaltar que as dificuldades que surgem na relação família-escola
são provenientes do contexto social e político. Os arranjos familiares são diversos. E, em
algumas circunstâncias, os valores transmitidos pela família estão distantes do que é ensinado
na escola. Com isso, aumenta o distanciamento entre as duas instituições, porque a família
não se sente valorizada no ambiente escolar. Existem também fatores afetivos que acabam por
interferir diretamente nessa relação, como, por exemplo, o medo dos pais pelo fracasso, pois
muitos tentam compensar suas frustrações no sucesso escolar dos filhos.
O que podemos perceber, segundo Charlot (2000), é que as desigualdades sociais
são ignoradas colocando os estudantes como únicos responsáveis pelos seus sucessos ou
fracassos. Para um estudo mais aprofundado é necessário investigar as causas que levam os
alunos ao fracasso e assim buscar ferramentas que possam superá-los. Nesse sentido, o
fracasso escolar deve ser contextualizado na biografia dos sujeitos, o que não significa, nesse
ponto, culpar o aluno pelo baixo rendimento.
Diante das reflexões, conclui-se que para haja um bom desempenho escolar das
crianças e adolescentes é necessário que os dois segmentos caminhem lado a lado.
Para Nogueira e Tavares (2013), família e escola devem trabalhar em conjunto,
numa relação de parceria. A escola pode ajudar a integrar a família no processo pedagógico
construindo assim, uma relação de diálogo e de escuta. “É necessário que uma instituição
saiba escutar a outra e, principalmente, respeitar e compreender as ideias, crenças e valores
diferentes, tornando-se complementares, integradoras” (TAVARES; NOGUEIRA, 2013,
p.51-52).
Portanto, a relação entre família e escola não pode ser encarada apenas como
conflituosa. A escola deve tomar iniciativa com a criação de atividades e de projetos que
promovam a participação das famílias, que tragam maior engajamento de pais, alunos e dos
35
próprios professores, evitando assim, conflitos nas funções que cada segmento social deve
desempenhar.
Paro (2001) vem reforçar essa ideia destacando que:
[...] não se trata, nem de os pais prestarem uma ajuda unilateral à escola, nem de a
escola repassar parte de seu trabalho para os pais. O que se pretende é uma extensão
da função educativa (...) da escola para os pais e adultos responsáveis pelos
estudantes. É claro que a realização desse trabalho deverá implicar a ida dos pais à
escola e seu envolvimento em atividades com as quais ele não está costumeiramente
comprometido. Mas, em contrapartida, além de terem melhores condições de influir
nas tomadas de decisão a respeito das ações e objetivos da escola, eles estarão
investindo na melhoria da qualidade da educação de seus filhos, bem como na
melhoria da sua própria qualidade de vida, na medida em que esses adultos estarão
mais capacitados, intelectualmente, de usufruir melhor de bens culturais a que têm
direito e que antes não estavam ao seu alcance. Com isso, a escola não estará, na
verdade, passando parte de suas tarefas aos pais, mas aumentando seu próprio
trabalho e responsabilidades, na expectativa, é bem verdade, de facilitar seu trabalho
educativo com os estudantes. (PARO, 2001, p. 109).
A seleção com base social que se operava, assim, era amplamente aceita pelas
crianças vítimas de tal seleção e pelas famílias, uma vez que ela parecia apoiar-se
exclusivamente nos dons e méritos dos eleitos, e uma vez que aqueles que a Escola
rejeitava ficavam convencidos (especialmente pela escola) que eram eles que não
queriam a Escola. (BOURDIEU, 2007, p. 219).
O acesso à escola pública dos filhos da classe trabalhadora não garantiu êxito e,
nem tampouco, os diplomas garantiram a ascensão social. A escola ao excluir de maneira
contínua, mantendo internamente aqueles que excluem, coloca os excluídos em posição de
aceitar tudo sem questionar. A discussão sobre as formas de transmissão do capital e do
habitus em Bourdieu, constitui as principais críticas à obra do autor. Nesse quesito, o
sociólogo francês Bernard Lahire (1997) se apresenta como um dos pensadores de relevância
ao elaborar críticas sobre os estudos da Sociologia de Bourdieu.
Lahire (1997), ao contrário de Bourdieu, tem sua análise focada disposições
individuais. Ou seja, para o pensador, devemos direcionar o olhar para as trajetórias
individuais escolares de cada criança. Nessa análise, a atenção deve estar voltada aos diversos
processos de socialização na qual a criança está inserida.
Diante dessa reflexão, não é suficiente às famílias possuírem forte capital cultural,
uma vez que isso não garante sua transmissão imediata, como o autor expressa neste trecho:
Por outro lado, se a criança cultivar pequenas práticas no cotidiano familiar essas
ações podem ajudá-la a ter responsabilidade no planejamento das tarefas escolares. Por isso é
importante que as famílias acompanhem a formação educacional dos filhos. E esse interesse
começa com a presença da família na escola. Essa aproximação é importante porque valoriza
os saberes que as crianças recebem da escola, como bem coloca o autor:
[...] o que é feito na escola tem sentido e valor. Mesmo que os pais não
compreendam tudo o que os filhos fazem na escola e como não têm vergonha de
dizer que se sentem inferiores, eles os escutam, prestam atenção na vida escolar
deles, interrogando-os, e indicam, através de inúmeros comportamentos cotidianos,
o interesse e o valor que atribuem a essas experiências escolares. (LAHIRE, 1997,
p.343).
Nesse sentido, podemos perceber que uma organização familiar bem estruturada
pode contribuir para que o aluno tenha êxito no futuro, como pontua:
Sem dúvida, uma configuração familiar relativamente estável, que permita à criança
relações sociais frequentes e duráveis com os pais, é uma condição necessária à
produção de uma relação com o mundo adequada ao “êxito” no curso primário.
Através de uma presença constante, um apoio moral ou afetivo estável a todo
38
atividades não presenciais, tendo como finalidade o cumprimento das exigências curriculares
e da carga horária prevista para cada nível de ensino, conforme estabelecido no artigo 32,
inciso IV, § 4º, e no inciso II, § 11 da LDB.
As medidas tomadas para adaptar o ensino presencial para o ensino remoto
evidenciaram os problemas enfrentados pelas unidades de ensino. A justificativa do ensino
remoto desconsidera os contrastes das condições sociais e econômicas dos educandos.
Santana Filho (2020) chama o formato em que se estruturou o ensino remoto na
educação pública de um “arremedo de proposta pedagógica”, refletindo que:
A urgência para que já nas primeiras semanas os professores, agora assumido tarefas
a partir de suas casas, realizassem a transposição de seus planejamentos para
plataformas virtuais e recursos pela internet conduz à reprodução pura e simples da
exposição oral presencial para a repetição à distância das explicações e exercícios. É
um arremedo de proposta pedagógica. Na prática, fere a docência na figura do
professor e da professora que, não dominando devidamente aparatos de tecnologia,
são conduzidos a trabalhar mais horas improvisando apresentações de slides para
plataformas virtuais abertas; a expor sua prática e suas atividades em um ambiente
totalmente novo, suas fragilidades documentadas, suas potencialidades negadas e
interditadas por decisões de gabinete. Também é arremedo porque a prática
educacional à distância, mesmo para seus defensores, exige que se repense a
concepção de aprendizagem, da ação pedagógica, do currículo e dos próprios
sujeitos do processo e não se constrói assim, de improviso. (SANTANA FILHO,
2020, p.6).
nos meios digitais. Somado a essas questões, os professores tiveram que arcar com os custos
do ensino remoto com aquisição de pacotes de internet e equipamentos para produção de
vídeos-aulas.
Em nome de um “direito à aprendizagem”, movimentos e grupos empresariais
puxaram a bandeira de que a escola não poderia parar. No entanto, não houve interesse em
debater soluções para reduzir as dificuldades, as desigualdades dos alunos da escola pública.
Ao contrário, percebeu-se uma acentuação das discrepâncias entre a escola pública e escola
privada. O ensino remoto colaborou para a precariedade do trabalho docente e afastou os
alunos mais vulneráveis da escola. Ou seja, a implementação das aulas remotas comprometeu
a qualidade do ensino (BONA et al., 2020).
Entretanto, é valido pontuar algumas questões sobre o que está sendo debatido
nesta seção. Ainda que haja questionamentos sobre a forma como foi introduzido o ensino
remoto, não podemos esquecer que os profissionais da educação abraçaram a causa ajudando
a manter, mesmo com todas as adversidades, as atividades pedagógicas.
Assim como em outros estados, o Governo do Ceará teve que implementar
medidas para enfrentar a crise sanitária originada pelo Novo Coronavírus. Por meio do
Decreto nº 33510 de 16/03/2020 o governo da época, Camilo Santana, declarou situação de
emergência em saúde. Com a publicação do ato, foram criadas diretrizes norteadoras e outras
estruturas pedagógicas para apoiar o ensino e a aprendizagem nas escolas do Ceará. De início,
as escolas teriam a responsabilidade de preparar a comunidade escolar para a suspensão das
atividades presenciais. Em cumprimento ao Decreto Estadual os estudantes seriam assistidos
através das atividades escolares não presenciais com a utilização do livro didático/material
impresso e uso das tecnologias.
Os professores tiveram que executar as aulas remotas por meio de vídeos,
gravados ou ao vivo interagindo seus conteúdos por intermédio de instrumentos tecnológicos
– aparelhos celulares e/ou computadores. A própria Secretaria de Educação do Ceará criou
salas virtuais na plataforma Google Classroom com vistas a organizar as atividades por
disciplina.
Diante dessa conjuntura foi notório o aumento tanto da evasão como do abandono
escolar, principalmente por questões socioeconômicas. Analisando a realidade do Estado do
Ceará, um estudo realizado pelo Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas
(UNICEF) em 2020, mostrou que o estado registrou 135.069 crianças e adolescentes entre 6 e
17 anos de idade fora da escola. Em comparação ao ano de 2019 houve um aumento de 170%
42
já que durante esse período 49.900 das crianças e adolescentes estavam fora da escola.
Levando em consideração os dados, podemos afirmar que a pandemia da Covid-19 agravou a
situação de evasão nas escolas.
Embora a Lei de diretrizes e bases da educação (BRASIL, 1996) declare a
educação básica como um direito obrigatório, infelizmente esta norma não é garantida. O
ensino deve ser ministrado baseado em princípios essenciais, dentre os quais estão a igualdade
nas condições de acesso e permanência na escola. Dessa forma, podemos destacar que um dos
grandes desafios da escola pública, nos últimos anos, tem sido o de manter o aluno na escola,
uma vez que, muitos dos estudantes matriculados tendem a se evadir do ambiente escolar em
vista de condições econômicas e sociais.
No que tange às medidas para combater a evasão escolar, a Secretaria de
Educação do Ceará saiu na frente ao implantar em 2008 o Projeto Professor Diretor de Turma.
A característica forte do projeto é o acompanhamento individual do aluno, buscando auxiliá-
lo na superação de obstáculos e na formação para a cidadania. Durante a pandemia o trabalho
de resgate dos alunos ausentes foi intensificado pela a ação da Busca Ativa.
A Busca Ativa foi um método utilizado pelas secretarias estaduais e municipais de
ensino com o objetivo de combater o abandono e as taxas de evasão nas escolas durante a
pandemia da Covid-19. Dessa forma, os professores que são diretores de turma tornaram-se
peça chave de fortalecimento dos vínculos dos alunos com a escola.
Por outro lado, as atividades desempenhadas pelo PDT durante a pandemia da
Covid-19 acabaram por aumentar a carga de trabalho. Na pesquisa de campo, professores
relataram situações de desânimo, de cansaço e de estresse perante as exigências. Sobre essa
questão, esboçarei com mais detalhes no próximo capítulo.
ocasionado pela pandemia. Ao final de uma das entrevistas, uma professora começou a chorar
porque tinha perdido um familiar e a mãe estava hospitalizada com Covid. Foi um dos
momentos mais tensos do campo.
A pesquisa de campo também teve momentos peculiares, como uma vez em que o
diretor de uma escola exigiu a fala antes dos professores porque queria saber o teor do
trabalho. Levantou até a questão se a pesquisa era algum tipo de avaliação da Secretaria de
Educação ao passo que foi esclarecido que era apenas um trabalho acadêmico. A pesquisa de
campo teve recusa de alguns professores, principalmente de coordenadores, sobre a alegação
de que não tinham tempo. A recusa maior partiu de escolas profissionalizantes. Dessa
modalidade só se tem registro de entrevistas com dois professores. Já os professores de
escolas regulares tiveram maior participação na pesquisa. É importante frisar que as escolas
estavam no início do ano letivo de 2021 e com várias demandas da SEDUC.
Como salientamos no início do texto os professores expressaram vários
sentimentos, mas uma questão ficou bem clara nos depoimentos: o contexto de vida antes e
depois da pandemia. De fato, tudo mudou. Os professores tiveram que adaptar as atividades
escolares, suas metodologias ao novo cenário da era pandêmica. Com o PPDT não foi
diferente. Os professores diretores de turma tiveram que adaptar o projeto ao novo cenário.
Essa adaptação teve consequências como observaremos na próxima seção. A frase de abertura
deste texto expressa bem a emoção em cada fala dos entrevistados e captura de maneira
fidedigna o momento atual.
PDT
Professor(a) História Mais de 2 anos Temporário(a) Regular
PDT
Professor(a) Língua Portuguesa Mais de 2 anos Temporário(a) Regular
PDT
Professor(a) Letras - Espanhol 6 anos Temporário(a) Integral
PDT
Professor(a) Ciências Biológicas Mais de 3 anos Temporário(a) Regular
PDT
Professor(a) Geografia Mais de 5 anos Efetivo(a) *Regular/ Integral
PDT
Professor(a) Letras - Espanhol 4 anos Temporário(a) Regular
PDT
Professor(a) Geografia 4 anos Efetivo(a) Integral
PDT
Professor(a) Educação Física 1 mês Temporário(a) Regular
PDT
Professor(a) Ciências Biológicas 3 anos Temporário(a) Regular
PDT
Professor(a) Filosofia 5 anos Temporário(a) Profissionalizante
PDT
Coordenador Matemática 2 anos e meio Efetivo(a) Integral
(a) pedagógico como
PDT coordenador (a)
Coordenador Geografia 2 anos como PDT Efetivo(a) Regular
(a) pedagógico e 3 anos como
PPDT coordenador
Coordenador Letras Português 5 anos Efetivo(a) Regular
(a) pedagógico
PPDT
Coordenador Não informou a 10 anos como Efetivo(a) Regular
(a) pedagógico formação PDT e
PPDT coordenador(a)
Coordenador Geografia 3 anos Efetivo(a) Regular
(a) pedagógico
PPDT
Coordenador Licenciatura em 6 anos como PDT Efetivo(a) Regular
(a) pedagógico Química e coordenador(a)
PPDT
Coordenador Não informou a 9 anos como PDT Efetivo(a) Integral
(a) pedagógico formação e coordenador(a)
PPDT
Coordenador Língua Portuguesa 6 anos como PDT Efetivo(a) Integral
(a) pedagógico e coordenador(a)
PPDT
Coordenador Pedagogia com 12 anos de Efetivo(a)
47
Em nossas entrevistas, indagamos os docentes sobre como havia sido seu primeiro
contato com o projeto. Parte significativa apontou que a aproximação com o PDT se deu na
própria instituição de ensino, a título de curiosidade ou convite da gestão. Vejamos o que
dizem os professores diretores de turma:
Em 2014, eu já estava numa escola regular. Nessa escola fiquei de 2014 a 2018.
48
Então desde o primeiro ano eu não tinha nem ideia do que era ser diretora de turma.
A gente aprende muito na prática, muito mesmo. Então primeiro momento que a
escola oferece essa carga horária não dá muito ali [...]. Hoje em dia eu acredito que
sim, já tem um treinamento, já tem uma conversa, tem uma formação porque o
interesse de direção de turma hoje tá muito voltado mesmo para a questão da evasão.
Então professor que assume direção de turma ele já tem que ter ciência assim dos
problemas que uma turma ela pode vir a desenvolver durante o ano. Mas 2014 não
tinha mesmo essa preocupação. A ideia era mesmo fazer a lotação dos professores,
dos que queriam e complementar a carga horária e deixar a escola também sem
muita preocupação porque não são todos que querem esse projeto, que abraçam esse
projeto. Então quando tem um que quer a escola já lotava logo. E assim, o
aprendizado era na prática. O desenvolvimento era na prática. O que nós tínhamos
de uma perviedade sobre o que nós iríamos fazer é porque tinha no momento
algumas fichas biográficas, nós tínhamos que preencher manualmente no começo de
2014 e essas fichas faziam parte da formalidade do projeto, e elas sim, eram bastante
cobradas, somente essas fichas tinham que estar atualizadas [...]. Como era o
desenvolvimento, o que seria tratado, o que seria conversado em sala não tinha ali
uma formação não. Era deixado realmente muito livre a cargo de cada professor.
(PROFESSORA DA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL, 6 ANOS COMO PDT,
2021).
Outro tema que nos interessou abordar foi sobre as características que devem ser
buscadas no recrutamento de um DT. Nesse quesito, percebemos pelas falas que o ponto
crucial para ser diretor de turma é que o professor tenha um bom relacionamento com os
alunos. O professor diretor de turma tem que ser um bom observador, aquele que tem uma
visão geral do ponto de vista educacional, para além da disciplina que leciona. Vejamos os
relatos:
Eu acho que pra ser PDT... acho que paciência, tem que ter muita paciência. Tem
que ter capacidade pra escutar. Eu acho que é a principal. Tem que saber escutar o
outro. Você tem que ter paciência pra escutar a história do outro. Você tem que ser
emocionalmente estável porque as histórias que a gente vai escutar são
aterrorizantes, são aterradoras, são horrendas às vezes. Você tem que ter um
psicológico, não sei nem uma forma de falar...você tem que ter um perfil psicológico
estável porque tem histórias de aluno que vão desestabilizar você, de certa forma.
Você não pode demonstrar na frente do aluno. Você vai pra casa e você chora,
desaba ali na sua casa, mas na frente do aluno você não pode desestabilizar. E é uma
coisa que não existe aparato psicológico pra gente. A gente sabe disso. Não existe.
49
[...] Uma coisa que o PDT tem que ser também é curioso, observador,
principalmente. Porque você tem que observar os meandros daquela coisa...como o
aluno tá ali na escola, a forma como o aluno age. Tem tudo isso. (PROFESSORA
DA ESCOLA PROFISSIONALIZANTE, 5 ANOS COMO PDT, 2021).
Primeiro tem que ser um professor que saiba escutar, que tenha sensibilidade a
escuta. A escuta atenta. Que não tenha preconceitos. É difícil saber quem é que não
tem preconceitos ou não. Mas assim, de saber. Acho que é a sensibilidade mesmo de
você notar que o professor tenha sensibilidade de perceber como é a vida desses
estudantes, ela adentra a escola. Como é a vivência deles, o cotidiano, na história de
vida deles isso interfere na escola e como a escola pode mediar essa questão.
(PROFESSORA DA ESCOLA REGULAR, 7 ANOS COMO PDT, 2021).
Eu acho que a primeira coisa que ele precisa saber ou que ele precisaria saber,
apresentar como característica é saber que ele tem uma função social. Tem uma
função social ali. Muitos professores acham que a principal função dele é despejar
conteúdo. E às vezes, esse é o erro, às vezes, da nossa área e também é um problema
na hora de escolher o perfil do professor para atuar no diretor de turma. Precisa ser
uma pessoa mais holística em relação a educação. Não pode ser um fundamentalista
da disciplina dele. (PROFESSOR DA ESCOLA REGULAR, 3 ANOS COMO PDT,
2021).
Nos depoimentos podemos observar que uma das características para que o
professor seja escolhido para a função de PDT é que ele saiba escutar, escutar as histórias dos
alunos, que tenha a sensibilidade sem preconceitos. Entre as falas surgiu também a concepção
de que o papel do professor diretor de turma tem uma função social. Não deve ser aquele
professor de conteúdo, onde há apenas a preocupação com as notas, rendimentos.
O depoimento a seguir, de um coordenador, corrobora com essa ideia de que o
trabalho do professor diretor vai além dos conteúdos ministrados da grade curricular. Vejamos
o relato:
Para ser Diretor de Turma ele tem que gostar de ser professor, ele tem que gostar de
pessoas. Por que? Porque o diretor de turma é aquela pessoa que além de administrar
a disciplina da grade curricular [...] vai ser o responsável por aquela turma. Então ele
precisa conhecer a turma, ele precisa dialogar com os alunos. Então quando a gente
vai escolher o nosso quadro de Diretor de Turma a gente sempre procura olhar para
aqueles professores que têm essa facilidade porque a gente sabe que existem aquelas
pessoas que são mais comunicativas, são aquelas pessoas que gostam de interagir,
que gostam de conversar com os meninos. E existem aqueles outros colegas que são
mais reservados, que não tem essa facilidade de chegar, de dialogar, de conversar.
Então quando a gente vai escolher o Diretor de Turma a gente olha para esse perfil,
[...] mas o primeiro critério que a gente usa é esse. É aquele profissional da educação
que gosta de dialogar, que se interessa em ver o lado social também do aluno, não só
o aluno dentro da sala de aula, mas também o aluno fora da sala de aula.
(COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ESCOLA REGULAR, 6 ANOS COMO
COORDENADOR DO PPDT, 2021).
A valorização dos docentes que atuam na função de Diretor de Turma foi um tema
que reputamos relevante investigar a partir da percepção de nossos interlocutores. Os relatos
evidenciam o reconhecimento da gestão e dos estudantes, sem, no entanto, contarem com o
apoio e entendimento dos colegas docentes sobre a importância do PDT:
Eu acho que ele é valorizado pelos alunos e em determinadas situações pela gestão.
Pelos outros colegas professores não. Até mesmo o discurso que a gente escuta que
na verdade em todas as escolas que eu já trabalhei é sempre o mesmo discurso: Ah!
Os seus alunos. Na verdade, são alunos do corpo docente daquela escola. Como se o
problema daquela turma fosse problema somente do PDT. Só reclamam da turma,
mas não trazem uma solução, não trazem uma ideia que possa vir a melhorar. E aí
acaba como se realmente, como muitos desinformados dizem: Ah! É o pai e a mãe
da turma. Não! Os alunos têm pai, têm mãe, têm algum responsável por eles. E o
professor diretor de turma, pelo menos na minha percepção, ele não está ali nessa
função familiar. Ele está ali na função de educador exercendo um algo a mais dentro
dessa função educadora. E vai trabalhar essa relação entre a razão e a emoção. Então
não é valorizado nesse sentido de que as pessoas, os próprios professores não
entendem muito bem o que é o projeto, para que serve, como é que funciona e
acabam confundindo as coisas. Mas os alunos valorizam muito a função do PDT.
Tanto é que muitas vezes quando eles vão para o 2º ano ou para o 3º que não tem o
PDT eles reclamam bastante, eles estranham bastante. (PROFESSORA DA
ESCOLA REGULAR, 7 ANOS COMO PDT, 2021).
Pela gestão sim, principalmente pelos coordenadores. Eu acho que eles são bem
atenciosos com a gente. Pelos alunos eu sinto uma receptividade. Claro que a gente
tem problemas, principalmente com aquelas propostas que eu ou até a gente pode
comentar, recentes, de várias dinâmicas que a Seduc propôs junto com o Instituto
Ayrton Senna. A gente teve uma série de problemas, mas eu percebo que, tipo no
começo, foi mais difícil, mas hoje os alunos já entendem mais a proposta do projeto
e têm uma receptividade bacana, [...]. Eu sinto certa valorização, não pela SEDUC.
Eu acho até que a Seduc tenta valorizar um pouco o projeto em si trazendo essa
parceria com outros institutos, mas eles ficam muitos preocupados com atividade
burocrática, acha que o professor está trabalhando se ele está preenchendo relatório.
Isso atrapalha mais do que ajuda. (PROFESSOR DA ESCOLA DE TEMPO
INTEGRAL, 4 ANOS COMO PDT, 2021).
Eu acho que questão do mapa, o famoso carômetro (tirar fotos) é fundamental para a
questão da organização da escola e do próprio conhecimento dos professores
saberem quem são os alunos durante a chamada, está ali no professor online. Eu
acho isso muito importante. Inclusive é até desvalorizado por vários professores,
mas eu acho que isso é fundamental. Outra coisa que eu acho muito importante é
com relação ao acompanhamento do rendimento dos alunos com relação as notas.
Isso é uma função do PDT também e fazer um intermédio entre o aluno e o
professor em questão. Outra função também que eu acho muito importante do PDT é
especificamente dentro da escola de tempo integral, é a questão da mediação de
conflitos. Principalmente conflitos entre alunos e alunos e outros professores. E
também a questão do canal de comunicação. E também a questão da comunicação
do PDT com os responsáveis, com a família do aluno. (PROFESSOR DA ESCOLA
DE TEMPO INTEGRAL, MAIS DE 5 ANOS COMO PDT, 2021).
É ter essa proximidade com aluno. É tentar fazer ali uma ponte entre... se há
necessidade entre ele e coordenação, entre professor-aluno-pai-coordenação. Então é
saber, é mostrar para o aluno que ele pode ter sim uma pessoa que ele possa
procurar, que ele possa pedir ajuda, que ele não está sozinho. Que o problema dele
não é único e dentro das aulas normais, acredito que não dê tempo para os
professores trabalharem nesse sentido. Nessa humanização da sala de aula. É tudo
muito rápido. Na correria são 6 aulas, às vezes 5. Então o diretor de turma é aquela
aula que dá um freio mesmo no que está acontecendo e vamos aqui tentar conversar,
trazer, mostrar, explicar. Então é nesse sentido que eu vejo que o diretor de turma
pode atuar na escola. (PROFESSORA DA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL, 6
ANOS COMO PDT, 2021).
No caso da escola profissional o conflito que nós vemos bastante são situações de
alunos que, às vezes, não querem estar na escola. Em alguns casos eles ainda são da
escola regular, quando era no presencial ficavam o dia inteiro na escola, para eles
era algo bem difícil. Em 2017 eu tive um caso assim. O que é que acontecia? O
aluno não queria ficar na escola aí ligava pra casa, a mãe liberava e ele ia embora.
Um belo dia, por conta da quantidade de faltas, chamamos a família e foram os pais,
o pai e a mãe. O pai não sabia que a mãe estava liberando o aluno. Detalhe, o pai
trabalhava na construção civil, então ele tinha um tipo físico que... tinha um jeito
assim, bem grosseirão mesmo, assim, bem rústico. Quando ele ficou sabendo da
situação foi lá na hora da reunião e o sujeito ficou bem alterado e a mãe começou a
chorar porque, assim, ela extremamente passiva e o pai extremamente agressivo. E
9
A palavra bullying tem sua origem da palavra inglesa bully, que significa dizer ameaçar, oprimir, intimidar e
maltratar. Este termo é utilizado para definir atos de violência e atentados físicos e morais, de modo intencional e
repetidos praticados por um indivíduo ou um grupo, com o objetivo de causar dor e sofrimento em uma relação
de desigualdade de poder. As instituições e os educadores de ensino acabam se deparando com este tipo de
violência no dia a dia da escola (SOARES, 2019).
54
aí a questão da assertividade que a gente teve que construir essa questão foi por
meio da escola. Ainda bem que eu estava, no caso era escola profissional, estava
com o coordenador de curso e com a coordenação escolar. [...] Mas no geral da
escola profissional geralmente é isso. É aluno que não quer estar ali, às vezes não se
identifica com aquele curso e quer sair. Um outro caso foi de um aluno que estava
sofrendo bullying. Um determinado aluno estava fazendo vários atos de
discriminação com ele e a mãe foi na escola conversar e ela perguntou assim: quem
eu devo procurar? Aí ele parou pra pensar e disse assim: o meu professor diretor de
turma. Eu quero que a senhora fale com ele. Eu estava de planejamento, a mãe veio
eu atendi, passei o caso pra coordenação, chamamos os pais dos alunos que estavam
fazendo discriminação. Depois ele melhorou tanto que ele até arrumou uma
namorada. (PROFESSOR DA ESCOLA PROFISSIONALIZANTE, 8 ANOS
COMO PDT, 2021).
Os maiores conflitos realmente são, por incrível que pareça, familiares, que eles
trazem para a escola. Problemas que envolvem tipo... alunos que são expulsos de
casa, a gente teve caso de alunos que foram expulsos de casa durante o período de
estudo na escola. O aluno chega chorando na escola e a gente tem que mediar.
Alunas que ficam grávidas, alunos que vão ser pais. Enfim, uma série de outros
conflitos que trazem para a escola, situação realmente de ter que trabalhar, por
exemplo, e como é que media o trabalho com a escola. Esse tipo de situação. Eu
acho que são os maiores problemas que a gente tem lá na escola com relação a PDT.
(PROFESSOR DA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL, 4 ANOS COMO PDT,
2021).
No próximo relato, uma professora afirma que um dos conflitos mais difíceis que
chegam até ela é a questão do abuso sexual. Para a docente, o Diretor de Turma até consegue
55
Eu não sei se por eu ser diretora de turma mulher chega mais para mim essa questão
de abuso sexual. Tanto por parte de menina como por parte de menino. Então para
mim, infelizmente, esse assunto é bem recorrente. Então primeiro é o abuso sexual
que pode ser por um membro da família ou por algum membro da igreja que é muito
próximo à menina. Aí uma coisa puxa a outra. Geralmente as meninas que sofreram
abuso sexual têm as crises de ansiedade, crises de depressão, e, ansiedade e
depressão. No contexto geral vêm meninos e meninas. E aí eu sinto falta daquele
apoio que eu sempre falo que a gente precisa de um psicólogo, de uma rede apoio
maior. Então são conflitos bem desgastantes [...] eu brinco com o [nome citado] que
é o diretor que, às vezes, eu estou esponja, eu não estou bem e eu acabo absorvendo
a energia negativa. Então eu precisaria junto com esses alunos de uma rede de apoio
que são psicólogos. E a gente sempre fica na promessa: um dia vai chegar, um dia
vai chegar. Aí fica nesse “um dia”. A gente abre portas que, às vezes, o aluno não
consegue segurar essa demanda. Então esse aluno consegue externalizar, eu consigo
tirar, às vezes, com os pais, esse aluno para conversar, mas fica o pai e a mãe desse
aluno que não levam essa criança, esse adolescente para o psicólogo, para uma rede
de apoio. Isso me frustra bastante porque eu fico triste porque eu descubro, digamos
assim, o problema, o quê que está causando aquele estresse naquela criança, o que
está causando a depressão, o que está causando a ansiedade, mas quando leva para a
família, porque a família é que tem que tomar alguma atitude, não toma. Então é
meio frustrante. (PROFESSORA DA ESCOLA REGULAR, 4 ANOS COMO PDT,
2021).
Por fim, uma professora Diretora de Turma evidencia um dos conflitos familiares
mais recorrentes que é a questão da identidade de gênero. É uma temática que mexe com
alunos, pois diz respeito à fase de descobertas. Nessa fase, muitos alunos não sabem como
agir. Da parte dos os pais, ocorre a negação e isso acaba gerando conflitos familiares, como
evidenciamos no relato a seguir:
A minha turma desse ano, por exemplo, eu estou com três alunas que elas querem
ser chamadas pelo nome social. Então não é Geiciane, é Pietro. Aí você lida com
esse conflito de gênero, de identidade, mas ao mesmo tempo ainda piora pra mim
porque a família não tem conhecimento. Então você tem que ter toda uma forma de
pisar devagarinho no terreno pra convencer as meninas a conversar com a família, a
dizer que elas estão passando por toda essa transição, que as famílias não sabem
porque elas moram aqui na sede do município e só vão pra casa nos fins de semana.
Então são problemáticas que a gente tem. Então a gente tem que ter essa sabedoria,
ter essa expertise pra lidar porque tem muita coisa. E se a gente não tiver o tato a
gente não pega o projeto. [...] esses são o que eu acho que exigem mais da gente é a
história da expertise. Eu fiz um curso recentemente, recentemente em 2020 sobre os
diálogos socioemocionais no AVACED, então eu me dediquei muito a esse curso.
Fiz o trabalho final porque todos os textos que eram disponíveis lá na plataforma
eles lhe davam meio que um norte pra você lidar com esses conflitos.
(PROFESSORA DA ESCOLA REGULAR, 7 ANOS COMO PDT, 2021).
56
A professora frisa que o PDT tem que ter a expertise, no sentido da sabedoria para
auxiliar os alunos em seus conflitos. Nesse sentido a depoente ressalta que o curso ofertado
pela plataforma AVACED da Secretaria de Educação ajudou a buscar meios para ela lhe dar
com as situações de conflitos, principalmente na parte de gênero que é o mais recorrente na
escola em que atua.
A grosso modo, o que os professores colocam em suas falas é que o conflito
existe. Alguns desses conflitos os alunos trazem de casa, outros surgem no ambiente escolar.
Sobre o conflito Georg Simmel (1983) analisa que o mesmo se reproduz junto às ações
interativas e relacionais no contexto social, ou seja, em todas aquelas produzidas no interior
da sociedade. Simmel (1983, p.122) afirma que: “Admite-se que o conflito produza ou
modifique grupos de interesse, uniões, organizações. [...] é uma forma de sociação”. O
conflito, portanto, pode possibilitar momentos de construções e destruições. Nesse sentido, os
professores diretores de turma podem utilizar o conflito como um mecanismo de reconstrução
das relações sociais.
Os professores diretores de turma relataram a importância de se criar uma rede
apoio em torno dos alunos. Essa rede implicaria o envolvimento de pais, professores, gestão e
profissionais da área de psicologia. É a parte mais complexa, segundo os diretores de turma,
porque nem sempre a família está presente na escola, falando particularmente do contexto da
escola pública. A gestão escolar até tenta dar um apoio, mas esbarra na falta de profissionais,
pois o número de psicólogos que existe na rede estadual é insuficiente para atender toda a
demanda. O que acontece é que, em muitas situações, os diretores de turma acabam
absorvendo para si os conflitos revelados pelos alunos. Isso gera um desagaste entre os
professores diretores de turma.
A relevância dos problemas e conflitos que chegam e/ou se desdobram na escola e
a importância das atividades diretas com os discentes, conjugadas à demanda de que o PDT
atua nessa perspectiva, leva alguns professores a considerarem exagerada a quantidade de
tempo dedicada às atividades burocráticas em detrimento de outras tarefas que, na visão dos
próprios docentes, poderia contribuir para o aprimoramento da aprendizagem dos discentes,
como podemos observar nos relatos a seguir:
Acaba nem sendo uma atividade de sala de aula com os meninos, mas uma atividade
de sala de professores que é a burocracia. Às vezes, é tanta burocracia, mas tanta
burocracia que eu fico pensando: Jesus Amado! Esse tempo que eu perco
preenchendo tabela, preenchendo planilha, alimentando sistema, eu poderia estar
planejando aula de formação para cidadania. Atrapalha e não é pouco! Porque é de
57
conhecimento inclusive da própria SEDUC que o sistema é instável. Presta hoje, não
presta amanhã... (PROFESSOR DA ESCOLA REGULAR, 4 ANOS COMO PDT,
2021).
Toma muito o meu tempo mais as questões burocráticas, assim do próprio projeto,
sabe. Porque a gente tem que fazer, por exemplo, o que a gente fez, ver cada aluno,
saber se ele está acessando, se ele não está. As partes burocráticas mesmo do
projeto, sabe. A ficha biográfica, esses detalhezinhos assim que a gente, demanda
muito tempo..., entendeu? (PROFESSORA DA ESCOLA REGULAR, MAIS DE 3
ANOS COMO PDT, 2021).
A questão que a escola está fazendo desde o ano passado que deu uma demanda pra
caramba, tempo da gente, que é o que a gente chama de Busca Ativa. É outra
atividade que demanda um tempinho para a gente ligar para falar com os pais, para
saber como o aluno está. É uma forma bastante interessante que a escola elaborou,
mas que requer um tempo porque a gente tem que ligar para 45 alunos. E assim...
cada caso é um caso, e a gente tem que conhecer mais o aluno, porque que ele não
está acessando, quais as dificuldades desse aluno, entendeu? Assim... é uma
atividade que demanda tempo? É! Mas eu acho muito gratificante fazer isso porque
você tem uma noção do que a tua turma está fazendo, de quem está participando. E
aí em cima disso pegar aquele aluno e fazer que ele continue, não desista.
(PROFESSORA DA ESCOLA REGULAR, MAIS DE 3 ANOS COMO PDT,
2021).
Eu acho que a questão da escuta sofreu um impacto muito grande, eu não consigo ter
uma conversa franca com os alunos devido a distância. Você não consegue ter essa
conversa, você não consegue realmente ter uma grande afinidade, você não
consegue ter uma abertura melhor com eles porque você não tem aquela confiança
de quando você está no físico... porque você olha para a pessoa e tem toda aquela
questão de você olhar para a pessoa e a pessoa sentir confiança em você. Sendo PDT
na distância isso fica muito complicado porque o aluno para ele chegar para você e
falar alguma questão que ele está tendo, ele demora muito mais. Porque ele fica: será
que aquele professor é confiável? Será que minha PDT é confiável? Então a questão
da escuta, essa questão do falar sobre os problemas sofreu um impacto muito, muito
grande mesmo. Muito prejudicial. (PROFESSORA DA ESCOLA
PROFISSIONALIZANTE, 5 ANOS COMO PDT, 2021).
Nos meses de abril, maio, junho, nós fomos mais sugados com trabalhos
burocráticos, e eu fiquei muito pasma como a maioria dos alunos não sabia acessar
um e-mail. Você dava o e-mail institucional para o aluno, a senha, dizia assim: olha,
a senha é a data do seu aniversário e aí o aluno não sabia por onde acessar aquele e-
mail. O aluno não sabia, até no final do ano tinha aluno me pedindo o e-mail
institucional, a senha, o número da matrícula, enfim. Então os primeiros meses do
ensino remoto foi praticamente para a gente poder ensinar o aluno a acessar as
plataformas que eles precisavam para assistir aula. Uma outra demanda também
muito grande foi o processo de comunicação com os alunos e com os familiares.
Muitos alunos com dificuldade de acesso à internet e aí aquela questão de entrar em
contato com a família. Os primeiros meses fomos sugados pela burocracia. [...]
Então no ano passado como PDT eu acredito que o projeto, o desenvolvimento das
competências socioemocionais nas aulas de formação cidadã foi muito impactado
negativamente. (PROFESSORA DA ESCOLA REGULAR, 1 ANO COMO PDT,
2021).
O grande impacto foi no aspecto de burocrático. Isso foi impactado. Por quê?
Porque quando a gente estava no presencial e queria fazer uma determinada... a
questão de o menino inserir os dados no sistema que a gente levava pro laboratório
de informática era fácil. [...] Esse aspecto realmente está complicado. Principalmente
carteirinha de estudante, foto, enfim, tá meio complicado fazer isso aí. Por outro, o
aspecto de acompanhamento, claro, a conversa presencial... é bom você estar ali de
frente pera pessoa, conversar. Mas o aspecto relacional de diálogo, por um lado
facilitou. Por que? Porque agora como... você tá lá no WhatsApp, você está naquele
grupo com aquele aluno, por um lado facilitou, porque assim, às vezes, ele quer
conversar com você, ele manda uma mensagem, manda um áudio. (PROFESSOR
DA ESCOLA PROFISSIONALIZANTE, 8 ANOS COMO PDT, 2021).
Está sendo só mais a parte da cidadania. No ano passado nós conseguimos fazer os
instrumentais todos: as rubricas. Porque a gente trabalhou até o dia 17 de março.
Hoje está fazendo um ano de paralisação [...] então a gente conseguiu fazer as
rubricas, a gente conseguiu fazer a ficha biográfica dos meninos de 1º ano que é
onde o projeto acontece, ainda no presencial. Nesse ano não fizemos, infelizmente.
Por quê? Porque as matrículas foram virtuais. Algumas mães foram presencialmente
60
matricular os meninos de 1º ano, mas foi escalado que uma vez por semana ia uma
coordenadora, depois a outra, com muita distância. Então esse ano nós estamos
paralisados praticamente em relação a esses instrumentais: a ficha biográfica e as
rubricas. Os instrumentais que a gente está preenchendo, é a infrequência,
alimentando o drive com as atividades, a PEC que é o planejamento, inclusive tem
PEC de formação cidadã que a gente também faz. Mas essa parte da ficha
biográfica, principalmente para quem é DT de 1º ano, que é o meu caso, como eu
disse a gente só tem DT nos 1º aqui [...], mas a gente ainda não conseguiu. Está
muito difícil preencher, conversar com cada aluno daquele... porque a ficha
biográfica, você sabe que ela é muita extensa, ela é muito amiúde. [...] Para mim a
parte mais dolorosa é essa: desses instrumentais não estarem sendo preenchidos. É
como se a gente tivesse em dívida. (PROFESSORA DA ESCOLA REGULAR, 7
ANOS COMO PDT, 2021).
O grande problema que a pandemia trouxe para o PDT foi a falta de apoio
psicológico aos professores integrantes. Eu não estou falando nem de aluno não. Eu
estou falando de professor, porque os professores integrantes, quando eu te disse que
teve essa quebra do acompanhamento é porque o professor ele falava com o aluno
no olho agora ele teve que fazer o quê? Pegar o telefone e ligar. Quando era no olho
no olho, era a percepção. Ele vê que o menino não estava bem, ele chegava perto.
Agora ele tinha que pegar e tinha que perfazer uma turma de 40 meninos ligando
durante o dia. Então ele passou a escutar histórias que estavam bem entranhadas.
Então a carga emocional para cima do professor foi gigantesca. E não teve um apoio
vindo da secretaria de educação para o professor PDT. Veio para o coordenador,
mas não teve para o professor PDT. Era o coordenador que escutava, mas o
coordenador escutava do mesmo jeito que escutava antes, escutava sempre. [...]
quando veio a pandemia, no bendito dia ele ligava para os 40 da turma. Então
imagina o rolo compressor de histórias que vieram para cima. Inclusive da galera
querendo virar a cabeça mesmo. Quando eu falo é professor. E não teve o suporte
para poder argumentar. Isso impacta deveras. Impacta muito mesmo a condução do
próprio projeto porque vê o professor que está sofrendo ali, tu não tens, eu não tenho
formação psicológica. (COORDENADOR PEDAGÓGICO DA ESCOLA
REGULAR, 3 ANOS COMO COORDENADOR DO PPDT, 2021).
61
4.2.7 Estratégias utilizadas pelo Professor Diretor de Turma para garantir a participação
do aluno no ensino remoto
Com o PDT a escola fez uma reunião semanal com os alunos, sendo obrigatória.
Então toda segunda-feira, às 11h o PDT tem 1h com a turma. Isso desde o ano
passado devido a pandemia. Então é no mesmo horário porque antes da pandemia a
gente tinha 2h de PDT para duas aulas, mas aí com a pandemia ficou 1h, então
segunda-feira às 11h a gente tem esse horário de escuta ativa com os alunos que a
gente pode trabalhar alguns temas, a gente pode fazer rodas de conversa. O que
realmente, às vezes, não funciona porque tem menino que tem pavor de microfone,
câmera então ele não fala. É uma questão da fobia mesmo e a gente não vai obrigar.
(PROFESSORA DA ESCOLA PROFISSIONALIZANTE, 5 ANOS COMO PDT,
2021).
Foi através do WhatsApp, porque até o uso do Classroom, do e-mail, era tudo muito
recente pra eles, não tinham costume de usar e-mail e as aulas também estavam
reduzidas, as aulas através do Meet, que só veio aparecer já em final de maio. Então,
eles tinham uma quantidade reduzida de aulas e o meu maior encontro com eles
tirando...porque eu sou professora de [...], tirando essas duas disciplinas que nós
tínhamos contato pelo Meet e a frequência era muito pequena, nosso maior contato
era através do WhatsApp mesmo. Mas eu percebi, eu entendi que eles, quer dizer,
que eles entenderam que eu continuava sendo a diretora de turma deles, me
buscavam através do WhatsApp e isso foi muito bom. Ou seja, mesmo a distância
eles não conseguiram perder esse vínculo, mas nas aulas pelo Meet nós não tivemos,
estamos tendo esse ano. (PROFESSORA DA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL, 6
ANOS COMO PDT, 2021).
Nesse depoimento, a docente nos relata as dificuldades para manter o contato com
os alunos no início da pandemia, citando o período de 2020. Mesmo utilizando plataformas
como o Classroom e o Meet, a participação dos alunos continuava reduzida. Foi nesse
contexto que a estratégia de intensificar o contato com a turma pelo WhatsApp para manter o
vínculo emergiu. O objetivo era fazê-los entender que ela estava presente mesmo que
virtualmente.
Em outro relato, um professor reafirma a mesma estratégia citada que é o uso do
WhatsApp. Outra questão indicada é que o professor teve que adaptar todo o conteúdo do
projeto para trabalhar temas do cotidiano, mais ligados à realidade pandêmica. Muito além do
conteúdo, o professor frisou a importância de dar apoio aos alunos em tempos de pandemia.
Único meio que a gente tinha era o WhatsApp. [...] Na formação, mesmo na minha
disciplina, tive que adaptar todo o conteúdo. Esquecer aquele programa anual e
trabalhar aquele assunto do dia mesmo. Ouvir, ter essa sensibilidade, entender as
limitações tanto do aluno como dos pais. O pai dizia: olha, meu filho não está
participando porque eu não tenho internet, eu não tenho celular ou tenho celular,
mas vou ter que trabalhar. Nós conseguimos, por exemplo, ano passado no âmbito
escola nenhum abandono, 100% de aprovação. [...] Enfim... foi mais o contato pelo
WhatsApp e trabalhar o emocional. Não foi o momento de cobrar aprendizagem
academicista, acadêmico. Foi mesmo dar força, lutar para sobreviver e dizer: lute pra
estar vivo. (PROFESSOR DA ESCOLA REGULAR, 8 ANOS COMO PDT, 2021).
O que podemos apreender diante dos relatos é que uma das estratégias
mobilizadas pelos professores diretores de turma envolveu abordagem mais incisiva como a
criação de grupos de pais e alunos no WhatsApp. Tal estratégia colaborou para manter vínculo
com os alunos, principalmente, no início de 2020, quando todos foram interpelados pela
pandemia e lockdown. Nesse sentido, observamos também que o PPDT ganhou notoriedade
por conta da preocupação das escolas em reduzir a infrequência escolar, intensificada pelo
63
ensino remoto. Em se tratando da realidade da escola pública, nem todos os alunos tinham
acesso a celular e à internet. A Busca Ativa, portanto, foi uma das atividades mais citados
pelos diretores de turma. Foi através dessa ação que as escolas conseguiram reduzir os índices
de evasão.
O depoimento a seguir é de um coordenador de PDT de uma escola do interior.
A gente estabeleceu algumas estratégias. [...] chegou para nós, por exemplo, uma
diretoria de turma que usou a seguinte estratégia: toda semana ela fazia uma espécie
de sorteio e ela sorteava ali, dois, três alunos e ligava para aquele aluno durante a
semana e aí ela ia conversar com eles para saber como é que eles estavam. Mesmo
tendo a aula de formação para cidadania, ela fazia essa atividade à parte. E aí
conversava, muitas vezes, ela relatando para gente que os meninos ficavam
surpresos. [...] A partir desses contatos ela conseguiu ter uma interação maior deles.
Eles ficavam se comunicando com mais frequência com ela. Então foi uma
estratégia belíssima que eu gostei muito de ela ter usado na turma dela. E aí nós
tivemos outros professores que tomando todos os protocolos de segurança, eles
acabavam, com aqueles alunos que eles tinham mais dificuldade de ter contato, que
são aqueles que moram em localidades bem longínquas que não têm cobertura nem
de celular, não conseguem fazer nem uma ligação, eles acabavam vendo alguns
nomes e iam fazer uma visita em casa. Claro! Naqueles momentos que a gente teve
assim uma flexibilização maior. (COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ESCOLA
REGULAR, 6 ANOS COMO COORDENADOR DO PPDT 2021).
Pela fala do coordenador os distritos longe do centro da cidade não possuíam sinal
de internet e isso acabava impossibilitando a participação dos alunos nas aulas remotas. Nesse
caso, alguns professores tiveram que realizar visitas às residências, em virtude de que não
conseguiam o contato pelo celular. A estratégia de fazer visitas às residências dos alunos
ausentes foi umas das atividades muitas vezes relatadas pelos PDTs das escolas do interior.
Isso ocorreu pela particularidade de que todos se conhecem, segundo a fala de uns dos
professores diretores de turma.
Segundo a coordenadora estadual do PPDT, os resultados da Busca Ativa dos
alunos ausentes se devem muito ao trabalho desempenhado pelos professores diretores de
turma. Vejamos o relato:
Quando se falou de Busca Ativa, quem foi o ator da Busca Ativa? O Diretor de
Turma. Eu acho que se não fosse o diretor de turma nessa pandemia a gente estaria
num processo bem mais crítico. Ajudou bastante. Aí tornou-se... Essa visibilidade,
ela foi tão forte que hoje... Aí o que nós ganhamos? Hoje nós somos política de
estado em função desse trabalho de Busca Ativa que foi feito pelo Professor Diretor
de Turma diretor de turma. Então até hoje a secretaria tem uma gratidão imensa aos
diretores de turma por todo esse processo que foi feito nesse ano de pandemia. Então
assim, o professor Diretor de Turma teve um papel fundamental nesse período
porque ele esteve presente. Não estou desmerecendo, imagina, de forma nenhuma,
os nossos colegas diretores, os nossos outros colegas professores. Eu estou só
colocando que a posição do diretor de turma nessa pandemia foi estratégica, ela foi
fundamental. Então assim, o impacto foi muito forte. Nós tivemos CREDEs,
64
regionais e escolas, que o índice de infrequência foi zero. O índice de abandono foi
praticamente zero, 1% ou 2%. Isso se deve a quem? Ao professor diretor de turma,
ao projeto, aos professores diretores de turma. E realmente abraçaram uma causa e
fizeram o impossível. [...] Então o Diretor de Turma ele é imprescindível dentro de
uma escola. (COORDENADORA ESTADUAL DO PPDT, 2021).
Antes a gente rendia mais, assim também como a gente absorvia mais demandas
vindas desses alunos, de você detectar que aluno tal está sofrendo assédio, está
passando por uma transição de gênero e isso não é aceito na família. Então acaba
que desemboca, às vezes você estava na sala dos professores e ele acenava no vidro
da porta e você ia e ele dizia: eu posso conversar com a senhora um momentinho?
Pode ser no recreio, pode ser um dia que a senhora pode me receber. A gente fazia
assim: tinha a história do atendimento. Tinha uma sala, tinha não, tem. Uma sala
com uma mesa grande, um computador, computador de mesa, uma geladeira, muitas
tomadas nessa sala porque às vezes o professor vinha usar seu notebook. Então era
uma sala onde a gente chamava de ponto do acolhimento. E ali quando o aluno
queria conversar com você, desabafar com você, você agendava. Os computadores, a
geladeira estão lá, mas não tem como você estar lá e fazer uma abertura e dizer:
Olha, quem tiver com esses problemas que quiser conversar, desabafar, hoje eu vou
estar disponível para você na escola. Então, eu acho que a pandemia gerou esse
distanciamento social que é efetivo, tem que ter mesmo, mas isso dificultou o nosso
contato com esse aluno no sentido de ouvir as demandas sociais que ele tem, as
demandas emocionais. Então nós não somos os mesmos e nem vamos ser quando
terminar essa pandemia. Não seremos mais os mesmos porque nós aprendemos a
estar nesse isolamento social justamente nós, aluno e professor, que a gente está
mesmo nisso e para gente voltar à nossa rotina vai demorar um pouco.
(PROFESSORA DA ESCOLA REGULAR, 7 ANOS COMO PDT, 2021).
Antes da pandemia, o projeto ele tinha os objetivos, tinha seus pilares, as bases
como plano de fundo e a questão do resgate do aluno na questão da infrequência. A
gente tem também que trabalhar a questão das competências socioemocionais que é
um grande pilar hoje do projeto. Sempre quando se vincula o Projeto Professor
Diretor de Turma sempre se fala muito dessa questão do acolhimento, na questão do
bem-estar do aluno com base em todas aquelas microcompetências que são o aluno
se conhecer, o aluno na escola, o aluno no mercado de trabalho. Então a gente tem
uma vertente que o projeto em si desenvolve. Antes da pandemia, esse projeto era
obviamente melhor trabalhado porque nós poderíamos trabalhar com base nos
instrumentais que já existiam, com base na parceria dos projetos que já se tinha nas
instituições como o instituto Aliança, o instituto Ayrton Sena. [...] só que no
contexto de pandemia o projeto teve que se reinventar. Hoje em dia, o que que a
gente pode dizer: o Projeto Professor Diretor de Turma tem como pilar
fundamental, nesse contexto atual, fazer com que o aluno não desista, a grosso
modo. Então hoje eu falo para você que o Projeto Professor Diretor de Turma está
nessa roupagem de fazer com que o aluno permaneça na escola. O que também já
era um dos pilares no projeto inicial quando não se tinha pandemia. Mas hoje está
muito focado nisso. (COORDENADOR PEDAGÓGICO, 3 ANOS COMO
COORDENADOR DO PPDT, 2021).
alunos durante a pandemia da Covid-19, inclusive na orientação das ferramentas digitais para
as aulas remotas. Além do apoio técnico, a coordenadora ressalta o amparo emocional que os
PDTs deram aos alunos durante o contexto da pandemia.
Aquela questão de estar sempre entrando em contato com a família dizendo: olha, a
escola vai continuar. É um novo mecanismo, mas a gente estava sempre em contato.
A formação aos alunos, o suporte. Não foi nem formação. O suporte dado através do
PDTs aos alunos em como que eles utilizariam as ferramentas que os professores
passariam a usar até o momento. O aluno ele sabe utilizar, a grande maioria, eles
sabem utilizar mensagem de WhatsApp, mas o aluno ele não sabe passar um e-mail.
Ele não sabe mexer em documentos como Google Forms. Então nós tivemos uma
demanda muito grande quando o professor pedia uma atividade: mande por e-mail.
Aí o aluno disse: eu não mandei porque não sei passar ainda. Então assim, para o
professor do LEI que é o laboratório de informática da escola era uma demanda
muito grande. Então como é que a gente fez esse trabalho de suporte ao aluno?
Através dos PDTs. Então foi na aula da cidadania que os PDTs foram trabalhar
realmente, ensinar pros meninos a passar um e-mail, ensinar pros meninos o que era
o Google Forms como é que eles acessavam. No meio do percurso a SEDUC
começou a criar as ferramentas, outras ferramentas de suporte a aula remota e
vieram os e-mails institucionais. O aluno não sabe utilizar e-mail institucional, ele
não logar a ferramenta no celular. Então tudo isso os PDTs foram ajudando nesse
trabalho. Como é que faz o aluno online? Como é que faz isso? então esse suporte
pra que o menino não se sentisse desamparado, não se sentisse desmotivado. As
temáticas abordadas por elas também na sala de cidadania sempre voltando para a
questão da motivação da aula para que o aluno não desistisse, para que o aluno não
se desesperasse porque a gente, no cenário de pandemia, nós temos aqueles alunos...
que a sensação que dá, é que eles não querem acreditar que está acontecendo, então
eles vivem normalmente como se nada tivesse acontecendo ampliando o risco de
contaminação. E por outro lado, nós temos alunos que caíram em forte depressão de
tanto medo, de tanto pânico de perder entes queridos. Então as PDTs também estão
nesse suporte. Inclusive no atendimento individualizado. Agora assim, vale ressaltar,
que as PDTs quando vão para o atendimento individualizando desses meninos que
fazem aquela ligação pra família ou para o próprio aluno pra conversar com ele, elas
não estão fazendo terapia, que elas nem podem fazer isso. Elas estão na verdade
buscando motivá-lo a participar das aulas, a estar presente, a tentar viver esse novo
ajuste de realidade escolar mantendo a logística, a dinâmica de área que ele tinha
como se ele tivesse indo pra escola. Para que ele crie aquela rotina de estudo e
automaticamente ele se desvencilhe até dos medos sem perder a sensibilidade da
realidade. (COORDENADORA PEDAGÓGICA NA ESCOLA DE TEMPO
INTEGRAL, 6 ANOS COMO PPDT, 2021).
[...] aqueles calhamaços de papel que a gente tinha não temos mais. Em 2018, nós
criamos um GT que foi um Grupo de Trabalho, composto por coordenadores de
escola, psicólogo, coordenador regional do Projeto Professor Diretor de Turma,
orientadores de regionais. Nós nos reunimos e fomos estudar aqueles instrumentais
do Projeto Professor Diretor de Turma. Então nós compusemos um novo manual
que eu acredito que ele saia agora em 2022 e nesse manual nós fizemos um
enxugamento no sistema de 32 instrumentais para 18 instrumentais. Hoje o sistema
só é composto de 18 instrumentais. Desses instrumentais apenas 2 são de fato
preenchidos pelo Professor Diretor de Turma que é a ficha biográfica que uma parte
dela migra do acadêmico, do SIGE acadêmico. A outra parte de fato ele precisa
sentar com os estudantes para que os meninos preencham. Mas desde de 2019 nós
compusemos umas aulas, que são 10 aulas que vão logo no início do ano, que a
gente disponibiliza pra todas as escolas. E nessas 10 aulas esse preenchimento, por
exemplo, da ficha biográfica ele vem dentro de um contexto de vida. [...] E aí ele faz
todo um trabalho de entendimento de o porquê que a ficha biográfica é importante,
porque ela é uma vida. Ela tem uma vida ali. É a vida de uma pessoa que está sendo
expressa num papel. (COORDENADORA ESTADUAL DO PPDT NO CEARÁ,
2021).
Eu acho que é a questão do tempo. Eu acho que foi diminuída a quantidade de aulas
que o professor DT tem para...vou até usar a expressão cuidar, para cuidar daquela
turma. Aí eu acho que o tempo ele é muito contra a gente. Eu acho que as 5 aulas
como era no início do projeto, as 5 aulas, 4 para você cuidar da burocracia, para
você fazer o atendimento e 1 de formação cidadã, eu acho que é o essencial. Para
mim hoje essa questão temporal da demanda que vem com a aula remota, ela é o que
mais está prejudicando o andamento do projeto. [...] a questão tempo já nos ajudaria
bastante porque aí a gente não se sentia tão ínfimo, tão pequeno com tanta demanda.
Porque tem muita demanda. Mesmo a gente estando com alguns instrumentais sem
serem preenchidos, mas esse fato da conversa de pé de ouvido, da busca ativa, de
estar tentando mediar os conflitos que eles têm com os professores isso toma muito
tempo da gente. Aí eu acho que no momento o projeto está pecando nessa questão.
Eu ia até citar a questão burocrática, mas isso já diminuiu muito. Nos primórdios,
assim que o projeto teve início, tinha mais instrumentais, hoje tem menos. Isso foi
bom. Isso já foi muita reclamação de quem é DT e diminuiu, mas eu acho que hoje o
tempo, por conta dessa metodologia remota, ele tem sido o grande inimigo do
projeto. Nós não estamos dando conta, pelo menos aqui a nível de... (nome da escola
citada) eu escuto os colegas dizerem que esse é o maior problema. Porque tem hora
que você não sabe se está dando aula na sua disciplina naquela turma ou a disciplina
de formação cidadã ou fazendo a Busca Ativa ou controlando a infrequência. Então
tempo para mim é o fator hoje que está negativando o projeto. (PROFESSORA DA
ESCOLA REGULAR, 7 ANOS COMO PDT, 2021).
era de 4h/a passou para 5h/a. Segundo a coordenadora, o PPDT saiu ganhando com o novo
ensino médio.
Uma outra questão bastante recorrente nas falas dos entrevistados foi sobre as
formações. Sobre essa questão vejamos o relato a seguir:
[...] eu participei de duas formações presenciais com a SEDUC sobre o projeto que
antigamente eram formações anuais, depois disseram que seriam trimestrais e tudo.
Mas isso de fato não se concretizou muito bem. Então o primeiro aspecto que eu
mencionaria seria a formação dos PDTs que atualmente é por escolha. A escola
indica um professor para formação. Não deveria ser assim. Ideal que todos
participassem. Todos fossem contemplados com uma formação a cada três meses,
por exemplo. Duas por semestre. E eu sinto muita falta de uma formação
estruturada, seja da secretaria no sentido de todos os PDTs. Não um curso online, da
plataforma que o professor acesse quando ele quiser, mas quando voltarmos no pós-
pandemia, nós termos formações contínuas ao longo do ano com todos os
professores PDTs, pelo menos que todos os professores sejam convidados, pode ser
que alguns não participem por conflito com carga horária, mas que seja feito um
convite extensivo a todos os professores por meio de formações múltiplas. Desde a
questão do projeto em si, questão das competências, questão das dificuldades, da
saúde mental, do protagonismo estudantil, da própria questão do Projeto de Vida.
Então a gente precisaria dessas formações. [...] Eu acho que não só a SEDUC
poderia utilizar o material do Instituto Ayrton Senna, como poderia oferecer bolsas
de incentivo para que professores da rede produzissem o próprio material do Projeto
de Vida com base na realidade que eles encontram nas escolas. Seria muito
importante isso. Eu acho importante que esse componente Projeto de Vida pudesse
ser mais valorizado e construído mesmo nas escolas. [...] Então essa formação
cidadã fica muito aleatória, fica muito dependente da iniciativa de cada professor.
(PROFESSOR DA ESCOLA REGULAR, 5 ANOS COMO PDT, 2021).
11
O TPB é conhecido como Transtorno de Personalidade Borderline ou Limítrofe. A expressão Borderline
70
amparar essa criatura? Sendo que a gente para conseguir, às vezes, uma consulta
para o psicólogo na CREDE é muito, muito, difícil. É um psicólogo ... para não sei
quantas escolas. É uma correria e os pais, por sua vez, é aquela coisa assim: Ah, meu
filho não tem esse problema não! Isso aí é da adolescência. Geralmente é o pai que
coloca a venda nos olhos e acha que está tudo okay, tranquilo. Então poderia ter um
psicólogo, poderia ter um psicopedagogo. A gente poderia ter um aparato melhor no
sistema de informação. (PROFESSORA DA ESCOLA PROFISSIONALIZANTE, 5
A NOS COMO PDT, 2021).
A primeira coisa que eu acho que a escola tem que fazer é esse mapeamento. [...]
Então mapear esses equipamentos que ela tem no contexto dela pra ajudar. Porque a
gente não tem de fato, em lugar nenhum do planeta, um psicólogo na escola, um
assistente social dentro da escola. Não existe isso. Existem os equipamentos ao redor
da escola. [...] E esse psicólogo que está dentro da escola, ele é um psicólogo
escolar, ele não é um psicólogo clínico. Hoje o que é que a gente tem na SEDUC
como equipamento de ajuda em nível psicológico? Nós temos 30 psicólogos atuando
em toda a rede. Aqui na SEFOR, por exemplo, são 6 psicólogos porque são 2 por
SEFOR. Dois pra SEFOR 1, dois pra SEFOR 2, dois pra SEFOR 3. Nas outras
regionais, nós temos os 24 que são divididos dependendo da regional, porque nós
temos regional que só tem 12 escolas, 10 escolas. Mas nós temos regional que tem
50 escolas. Então dependendo do tamanho da regional a gente tem a quantidade de
psicólogos. São psicólogos educacionais, não são clínicos, que vão às escolas partir
das demandas trazidas pelo coordenador regional do Diretor de Turma. Porque o
diretor de turma é quem vai sistematicamente às escolas. Eles vão sempre às escolas.
E aí quando eles vão, eles vão com os psicólogos a partir das demandas que existem
lá. Então assim: Ah, tu vais lá na tua escola e lá os meninos estão se cortando, estão
com ideação suicida. O que esse psicólogo faz? A primeira coisa que ele faz é uma
roda de conversa porque ele não pode fazer atendimento clínico lá. Ele faz uma roda
de conversa com esses meninos e encaminha para esse equipamento que tem mais
próximo da escola. Porque os psicólogos mapearam em nível de Ceará todos os
equipamentos de saúde que ficam ao redor daquelas escolas. E aí quando eles vão, já
designam. (COORDENADORA ESTADUAL DO PPDT NO CEARÁ, 2021).
refere-se a algo que está na fronteira, no limite. O TPB é caracterizado por um padrão difuso de instabilidade nas
relações interpessoais, na autoimagem e nas relações afetivas, com acentuada impulsividade em diferentes
contextos, acarretando dificuldades de convívio e instabilidade social, seja para o paciente, seja para as pessoas a
seu redor, o que causa sofrimento e prejuízos em diversos âmbitos (APA, 2014).
71
Segundo a coordenadora estadual, hoje a rede estadual conta com 731 escolas,
destas, 638 tem o projeto diretor de turma. O projeto apresenta um custo porque quando um
professor sai de uma turma para assumir o PDT tem que contratar um outro profissional para
poder ficar no lugar. Segundo levantamento feito em 2019 pela coordenação estadual, o PPDT
tinha um custo inicial de 3 milhões de reais. Obviamente hoje essa cifra é bem maior. Por
isso, a coordenadora ressalta que a própria escola deve fazer o mapeamento desses
equipamentos de saúde e de assistência psicossocial para dar suporte às demandas dos alunos
e dos professores. Mesmo com todas essas observações, os professores diretores de turma
relataram que se sentem sozinhos, sem apoio, e que muitas vezes são acometidos por
sentimentos de frustração por não conseguirem resolver os problemas dos alunos.
Um ponto colocado nas falas é com relação à lotação do PPDT. O ideal, segundo
os diretores de turma, é que o professor continuasse na mesma turma de PPDT até a etapa
final do ensino médio. Há uma ruptura com a troca de professores. Essa rotatividade entre os
professores diretores de turma acaba interrompendo um trabalho que vinha sendo
desenvolvido na turma. Isso, para os DTs, é negativo.
Sobre essa questão, a coordenadora estadual reflete:
O que que acontece até hoje com o Professor Diretor de Turma é que o fluxo de
professor é muito grande. Você nunca tem assim [...] vai começar e terminar o ciclo.
Não existe isso. Isso é um sonho de consumo. A gente tem isso propriamente dito
nas EEEPs. Eu acredito que na educação profissional isso pode até acontecer... como
o projeto começou lá, essa organização... foi lá. Mas nas escolas regulares que a
gente tem esse fluxo de professor muito grande porque ainda tem, ainda existe
aquela concepção de complemento de carga horária com o professor diretor de
turma. Infelizmente! E aí entra um professor que às vezes não gosta, que não se
identifica, mas que é o jeito! E para estar como diretor de turma a condição sine qua
non é gostar de gente. Se você gosta de gente, vá para o diretor de turma. Porque o
diretor de turma ele é muito mágico. Uma vez diretor de turma nunca mais você
quer deixar de ser porque ele mexe muito com a gente. Quando você trabalha
aquelas palavrinhas chave: razão e emoção em que você percebe que esse lado do
afetar que o valor tanto traz para gente, se deixar afetar, afetar o outro. E esse afetar
no sentido de levar para o outro o conforto, de levar para o outro esse conhecimento
de forma mais leve, mais maleável, de significado. Um conhecimento significativo.
Então se desconstrói o professor. E não é todo professor que está preparado para
essa desconstrução. Então trabalhar com o professor diretor de turma é uma
desconstrução sim! (COORDENADORA ESTADUAL DO PPDT NO CEARÁ,
2021).
mais extensa. Nesse sentido, para garantir a lotação, os professores são convidados para
exercer a função de diretor de turma e assim definir sua carga horária. Há, portanto, no relato
da coordenadora uma crítica à forma como o projeto é encarado em algumas escolas,
principalmente no período das lotações.
Sobre essa questão vale lembrar que as lotações ocorrem via SEDUC. Para lotar
os professores a própria SEDUC solicita da escola os horários de PDT para complementação
da carga horária. Nesse sentido, há um descompasso entre a fala dos professores e a posição
da coordenadora em relação ao Projeto Professor Diretor de Turma. No final das contas o que
observamos é que a própria SEDUC se utiliza do projeto para resolver pendências de lotação.
Para a coordenadora, o Projeto Professor Diretor de Turma não deve ser reduzido
apenas à complementação de carga horária. O projeto vai além disso. O professor, para ser
diretor de turma, tem que se identificar com o projeto, tem que saber se relacionar com as
pessoas para poder ajudar o aluno já que uma das funções do PDT é mediar o relacionamento
entre os alunos de sua turma e os demais professores. Um professor que saiba trabalhar a
razão e a emoção. Essa última premissa está presente na apresentação da Chamada Pública de
Adesão ao PPDT de 2010, (CEARÁ, 2010): “O Projeto Diretor de Turma visa a construção
de uma escola que eduque a razão e a emoção, onde os estudantes são vistos como seres
humanos que aprendem, riem, choram, se frustram”. Nas palavras da coordenadora, o projeto
também transforma o professor diretor de turma porque o leva a se desconstruir, a sair da zona
de conforto, a ter uma nova concepção de educação.
Resumindo: Em muitas falas, os diretores de turma desabafaram sobre a condição
do PDT durante a pandemia. Além de internalizarem os problemas elencados pelos alunos,
muitos professores reclamaram das cobranças das gestões e da SEDUC em cumprir as
atividades estabelecidas, principalmente em relação à Busca Ativa. As pressões para manter
os alunos nas atividades remotas sejam pelo uso das plataformas digitais, como a criação de
grupos de alunos e pais pelo WhatsApp, ou até mesmo visitas às residências dos alunos têm
deixado os professores diretores de turma reféns do projeto, pois tiveram que dar suporte ao
aluno em tudo, inclusive, na questão do acompanhamento psicológico. E como já relatado nos
depoimentos anteriores isso tem adoecido os professores. Nesse sentido, os professores
sentem falta de um suporte, principalmente por parte de profissionais da área da Psicologia.
Esse apoio serviria tanto para os alunos como para os professores.
Nesse ponto, as consequências da pandemia não acometeram somente os alunos,
mas atingiram também os professores diretores de turma. Por isso, a importância de uma rede
73
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É consenso que a pandemia atingiu a todos em graus distintos, mas o impacto foi
mais sentido na escola pública onde estão os filhos da classe trabalhadora. Isso porque os
professores tiveram que dar conta de problemas potencializados pela pandemia. Ou seja,
alguns problemas já existiam, como por exemplo a infrequência escolar e a questão da saúde
mental, mas com a pandemia os professores viram os casos se multiplicarem a ponto de não
conseguirem lidar com situações mais graves. Isso gerou um desgaste por parte dos
professores e dos coordenadores escolares. Não podemos esquecer que muitos DTs
adoeceram e precisaram também de cuidados com a saúde mental.
Apesar de todas as adversidades, podemos perceber pelas falas, que o projeto
professor diretor de turma contribui para superar os desafios de aprendizagem dos alunos, mas
ainda assim necessita de constantes reformulações em torno dos novos desafios os quais o
PPDT está sujeito cotidianamente. Nesse sentido, os professores ressaltaram alguns pontos do
projeto a serem aprimorados tais como: aumento da carga horária para atendimento e
preenchimento dos instrumentais, formação contínua, além da criação de uma de rede de
apoio de profissionais ligados às áreas da saúde e da assistência psicossocial.
Nessa perspectiva, a pesquisa mostrou a importância do projeto para a
permanência dos alunos na escola, principalmente em tempos de pandemia. Mas mostrou,
principalmente, que o projeto exerce um papel significativo no processo de desenvolvimento
pessoal e cognitivo dos estudantes oriundos das escolas públicas.
Destacamos a contribuição da Sociologia nas reflexões sobre o Projeto Professor
Diretor de Turma. Entre as muitas contribuições, é que os estudos da Sociologia propiciam
pontuarmos a necessidade de que essa possa ser uma ferramenta pontual para o processo
reflexivo e crítico das questões levantadas nos depoimentos pelos professores diretores de
turma, para que assim, possamos pensar mecanismos de aprimoramento do projeto.
76
REFERÊNCIAS
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http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf.
Acesso em: 18 abr. 2020.
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Edição 53, Seção 1, p. 39.
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Mais”, consistente em ações destinadas à estruturação, ao desenvolvimento e
à implementação de estratégias de gestão no âmbito da rede pública de ensino do estado do
Ceará, objetivando o aprimoramento e o fortalecimento do processo de aprendizagem. Palácio
da abolição, do governo do Estado do Ceará. 2021. Disponível em:
https://www2.al.ce.gov.br/legislativo/legislacao5/leis2021/17572.htm. Acesso em: 05 jan.
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MALAVAZI, Maria Márcia Sigrist. Os pais e a vida escolar dos filhos. 2000. 320 p. Tese
(Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas,
2000.
PARO, Vitor Henrique. Escritos sobre educação. São Paulo: Xamã, 2001. p. 101-112.
POLONIA, Ana da Costa; DESSEN, Maria Auxiliadora. Em busca de uma compreensão das
relações entre família escola. Psicol. esc. educ., Campinas, v. 9, n. 2, p. 303-312, dic. 2005.
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2014.
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São Paulo, Ática, 1983.
81
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desafio no contexto educacional. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do
Conhecimento. Ano 04, Ed. 09, Vol. 05, pp. 68-78. Setembro de 2019.
TODOS PELA EDUCAÇÃO. Relatório de atividades 2014. Ano 2014. Disponível em:
chromeextension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/viewer.html?pdfurl=https%3A%2F%2
Ftodospelaeducacao.org.br%2Fwordpress%2Fwpcontent%2Fuploads%2F2020%2F08%2Frel
atorio-de-atividades-2014.pdf&clen=20469259&chunk=true. Acesso em: 04 jan. 2022.
ANEXO A
Você está sendo convidado (a) por Ana Paula Rodrigues de Andrade, Mestranda
em Sociologia em Rede Nacional-Profsocio/UFC, responsável pela pesquisa intitulada “O
PROJETO PROFESSOR DIRETOR DE TURMA COMO INSTRUMENTO DE
INTERVENÇÃO NA FORMAÇÃO CIDADÔ, a participar como voluntário (a) desse
estudo.
Essa pesquisa pretende avaliar o Projeto Professor Diretor de Turma a partir das
narrativas de experiências dos professores diretores de turmas e propor um material didático
que os auxiliem nas práticas pedagógicas.
Acreditamos que a pesquisa seja importante porque o conteúdo do PPDT mostra-
se pertinente para o desenvolvimento de um estudo, partindo do pressuposto de que o projeto
tenta se firmar como uma política pública em educação, estabelecida pela Secretaria de
Educação do Estado do Ceará. Nesse sentido a Sociologia pode contribuir para sua avaliação
e aprimoramento.
Para a realização da pesquisa será feita entrevistas via Google Meet e todo o
conteúdo será gravado para que a pesquisadora depois possa analisar os dados. É importante
salientar que o uso da ferramenta do Meet se dá por conta da situação da pandemia da Covid-
19 no Estado do Ceará.
Durante toda a entrevista o participante tem o direito de tirar qualquer dúvida ou
pedir qualquer outro esclarecimento sobre o estudo.
Vale destacar, ainda no convite, que a qualquer momento o entrevistado (a)
poderá recusar a continuar participando da pesquisa e que também poderá retirar o seu
consentimento, sem que isso lhe traga qualquer prejuízo.
É dada a garantia de que as informações dessa pesquisa serão confidenciais, sendo
divulgadas apenas em eventos ou publicações científicas, não havendo identificação dos
participantes, a não ser entre os responsáveis pelo estudo.
Autorização:
Fortaleza, ____/____/2021
__________________________________________
Assinatura do (a) participante da pesquisa
____________________________________________
Assinatura do (a) pesquisador (a)
83
ANEXO B
1) Fale sobre sua trajetória profissional, destacando a sua experiência no magistério até a
função que exerce atualmente.
2) Considerando a sua experiência anterior e a sua função atual, o que você sabe sobre a
história do PPDT no Ceará e como se deu o seu primeiro contato com o projeto?
3) Na sua opinião, qual deve ser a(s) característica(s) mais importante na escolha do Diretor
de Turma?
4) A sua escola possui uma estrutura adequada para o desenvolvimento do trabalho de Diretor
de Turma? Ex: uma sala para atendimento dos alunos e pais.
5) Você acha que o Diretor de Turma é valorizado na escola onde trabalha?
6) Há algum feedback por parte da gestão sobre o seu trabalho como PPDT?
7) Enquanto Diretor de Turma, quais atividades considera mais importante? Que atividades do
projeto ocupa mais o seu tempo?
8) Que conflitos mais aparecem no seu trabalho como DT? Algum conflito envolveu
violência? Como se dá a mediação desses conflitos?
9) No ano de 2020 tivemos a pandemia da covid-19 que impossibilitou as aulas presenciais.
- Quais impactos o seu trabalho como DT sofreu por conta da pandemia?
- Que estratégias, você como DT, utilizou para manter a presença e participação dos alunos
nas atividades do ensino remoto?
- Teve apoio (estrutura) da gestão da escola, da coordenação da SEDUC?
10) Fale sobre sua experiência como DT antes e durante a pandemia.
11) Na sua opinião, como o projeto pode ser aprimorado?
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ANEXO C
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ANEXO D