PHST0210
PHST0210
PHST0210
Florianópolis
Fevereiro de 2004.
2
Agradecimentos:
Este espaço é reservado as pessoas que de alguma
forma contribuíram para a realização desta dissertação. Por
isso, inicialmente, agradeço aos meus pais, Cleber e Beth, pelo
apoio integral e incondicional. A Cristina, minha noiva, e aos
meus irmãos João, Anamaria e Gabriela. Enfim, a todos
nossos familiares e amigos.
Gostaria de deixar um agradecimento especial a quem
devo os méritos deste trabalho, meu professor orientador e
grande amigo, João Klug.
Agradeço também a Profa. Eunice Nodari, minha
sempre atenciosa co-orientadora. Ao Prof. Paulo Pinheiro
Machado, por novamente ter aceitado nosso convite para
banca. Ao Jó Klanovics e ao Marcos Melo, amigos e colegas
neste curso. Ao Gustavo Marangoni, parceiro nas pesquisas de
campo, assim como a todo grupo do Laboratório de
Imigração: Márcio, Prof. Valberto Dirksen, Daniel, Mariana,
Cristiane, Susana, Cristina, Evandro, Ely, Murielle, etc.
Aproveito para agradecer a todas bibliotecas e
arquivos consultados neste trabalho. Agradeço em especial ao
Arquivo José Ferreira da Silva de Blumenau e sua Diretora,
Profa. Sueli Petry, pelos importantes auxílios.
A CAPES, pelo financiamento que possibilitou esta
pesquisa.
Por fim, quero agradecer a tranqüilidade e a beleza de
Sambaqui, lugar onde escrevo e vivo feliz.
4
RESUMO
A presente dissertação tem por objetivo analisar e refletir sobre a interação entre os
imigrantes e a floresta nas colônias do vale do Itajaí e norte de Santa Catarina durante a
segunda metade do século XIX. A fundação de colônias em florestas consideradas
desabitadas tornou-se uma das grandes marcas da colonização do sul do país. Este contexto
foi decisivo na formação do modo de vida dos colonos, e é neste aspecto que concentramos
nossa pesquisa. Destacamos que o meio ambiente vem surgindo como um novo campo de
estudo historiográfico, e a compreensão desta interface entre o imigrante e o meio natural é
um exemplo disso. Para realização desta pesquisa, procuramos nos apoiar em disciplinas
como a História ambiental e a História da agricultura. Através dos mais variados
depoimentos, buscamos compreender como os imigrantes percebiam a floresta e de que
forma esta visão vai alterando-se ao longo dos anos. A vida nas colônias é marcada pela
mescla entre a bagagem cultural trazida da Europa e as novidades do novo meio. A pequena
propriedade rural é analisada como o centro das atividades coloniais. È através das práticas
rurais que ocorrem algumas das mais significativas formas de interação entre o colono e o
meio natural. A atividade agrícola adotada pelos colonos é marcada por novas influencias,
sejam elas culturais, climáticas ou geográficas, e que determinam por muito tempo o que e
como eram plantadas as culturas agrícolas. A produção historiográfica relacionada com a
imigração em Santa Catarina geralmente omite as informações relacionadas a esta temática.
É, portanto, nesta lacuna que procuramos desenvolver esta pesquisa.
ABSTRACT
This work intends to analyze and to ponder on the interaction between the immigrants and
the forest in the colonies of Itajaí Valley and north of Santa Catarina State during the
second half of the 19th century. The establishment of colonies in forests considered
uninhabited was quite remarkable in the course of the colonization of southern Brazil. This
context was decisive in the development of the way of life of the colonists, and we have
focused our research on this aspect. We pointed out that the environment has been
appearing as a new historiographical research line, and the understanding of this interface
between immigrants and the environment is an example of this. To do this research, we
have concentrated our attention in disciplines like Environmental History and History of
Agriculture. Through several statements, we have tried to understand how the immigrants
used to perceive the forest and by what means this view used to change through the years.
The association of the cultural background brought from Europe and the novelties of the
new place marks the life in the colonies. Small rural property is analyzed as the center of
the colonial activities. Some of the most significant interactions between colonists and the
environment take place through rural practices. The agricultural activities adopted by the
colonists are marked by new influences, be it cultural, climatic or geographic, and
determine for a long time what and how were planted the agricultural cultures. The
historiographical production related to the immigration in Santa Catarina State usually
omits information on this subject. Therefore, we intend to develop our research in this gap.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO__________________________________________________________07
Catarina __________________________________________________ 68
BIBLIOGRAFIA ________________________________________________________173
INTRODUÇÃO
tornou-se um marco para o processo imigratório no Brasil. Após esta, denominada Nova
Friburgo, várias outras colônias foram fundadas no país. Com a independência brasileira
implantação de colônias como São Leopoldo (1824) no Rio grande do Sul e São Pedro de
antes da abdicação de Dom Pedro I, com uma derrota imposta pela elite política do país ao
Imperador. Esta interrupção prolongou-se até a o final da década de 1840, quando se inicia
uma nova fase. No que se refere ás colônias de imigrantes, esta transformação foi
estimulada pela publicação da chamada Lei de Terras. Através desta, a partir de 1850 o
título de propriedade só poderia ser adquirido através da compra e não mais pela cedência
de terras. Neste contexto, são fundadas por iniciativas particulares diversas colônias
imperiais.
mata tornava-se o “novo lar” dos colonos estabelecidos na então província. Viver nestas
colônias significava, especialmente nos primeiros anos, viver na floresta. Isto foi
determinante para que o modo de vida destes colonos fosse marcado por um longo processo
Neste trabalho, procuramos analisar esta interação entre imigrantes e a floresta nas
colônias fundadas no vale do Itajaí e norte de Santa Catarina1 durante a segunda metade do
século XIX. De forma mais específica, concentramos nossas atenções em três importantes
colônia imperial em 1860; Dona Francisca3, atual município de Joinville, uma colônia
Ressaltamos que o meio ambiente vem surgindo como um novo campo de pesquisa
1
Sobre a colonização em Santa Catarina ler: PIAZZA, Walter Fernando. A colonização em Santa Catarina.
Florianópolis: Editora Lunardelli, 1994.
2
Sobre História da Colônia Blumenau ler: SILVA, José Ferreira da. História de Blumenau. Florianópolis:
Edeme, 1972. / THEIS, Ivo M., MATTEDI, Marcos Antônio e TOMIO, Fabrício Ricardo de Limas Tomio
(Orgs.). Nosso passado incomum: contribuições para o debate sobre a história e a historiografia em
Blumenau. Blumenau: Editora da FURB, 2000. / DEEKE, José. O município de Blumenau e a história de seu
desenvolvimento. Blumenau: Nova letra, 1995./ Centenário de Blumenau 1850 - 2 de setembro - 1950.
Blumenau: Edição da Comissão de Festejos, 1950.
3
Sobre História da Colônia Dona Francisca ler: FICKER, Carlos. História de Joinville: Crônicas da Colônia
Dona Francisca. Joinville: Tupy, 1965 /HERKENHOFF, Elly. Era uma vez um simples caminho. Joinville:
Fundação Cultural de Joinville, 1987. / Álbum Histórico do Centenário de Joinville: 1851-9 de março - 1951.
Curitiba: Gráfica Mundial [s.n.], 1951.
4
Sobre a História da Colônia Brusque ler: SEYFERTH, Giralda. A Colonização Alemã no Vale do Itajaí-
Mirim. Porto Alegre: Ed. Movimento/SAB, 1974. / CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Brusque; subsídios para
a historia de uma colônia nos tempos no Império. Brusque: Sociedade amigos de Brusque, 1960./ Álbum do
Primeiro Centenário de Brusque. Edição da Sociedade Amigos de Brusque, 1860.
5
Também ás margens do rio Itajaí Mirim, foi fundada em 1867 a colônia Príncipe Dom Pedro. Entretanto,
dois anos depois, sua administração foi anexada á diretoria da Colônia Itajaí (Brusque).
9
Este estudo da interação entre imigrantes e o meio natural teve como ponto de
relação homem e floresta. Sendo assim, podemos afirmar que a metodologia empregada
neste trabalho não segue uma “cartilha”, ou seja, ela não procura seguir apenas um
um conjunto diversificado de obras e autores que contribuem para o melhor uso das fontes
disponíveis.
O estudo da história destas colônias através deste novo enfoque possibilita uma
aproximação com uma linha historiográfica ainda pouco desenvolvida no Brasil, a história
deste trabalho. Entretanto, esta não é uma pesquisa que permanecerá “na copa das árvores”.
criações.
Historiadores como Donald Worster, José Augusto Drumond e Warren Dean são
alguns exemplos de historiadores ambientais que estão influenciando de alguma forma esta
pesquisa. No entanto, não estamos simplesmente adotando suas propostas, visto que temos
Warren Dean é um exemplo de historiador que utilizou o ambiente natural como objeto de
10
europeus até a década de 1990. Dean argumenta: “Esta história da Mata Atlântica não é
uma história natural; ou seja, não é uma explicação das criaturas da Floresta e das relações
que estas mantém entre si. É antes, um estudo da relação entre a floresta e o homem. A
percepção de muitas das fontes históricas, sem dúvida ofuscaram em diversos pontos
objeto de pesquisa, proposta por Dean, aparece como importante referencial para esta
suas pesquisas para explicar de que forma o homem atuou na destruição do ambiente
utilização dos recursos naturais pelo homem. Para este grupo, o trabalho está em primeiro
6
DEAN, Warren. A Ferro e Fogo, a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996
7
Idem: p.28.
8
Cristian Branstrom, foi professor na Universidade de Londres, atualmente realiza uma pesquisa sobre a
industria madeireira (1920-1960) na cidade de Assis-SP. Em abril de 2002, ministrou duas aulas no programa
Pós-Graduação em História da UFSC nas disciplinas Seminário de Pesquisa e Migrações e construções sócio
culturais.
11
texto estão expostas suas idéias e conceitos sobre esta disciplina. Em termos simples e
abrangentes, Worster define como função da história ambiental, tratar do papel e do lugar
importância para pesquisa, seus métodos entram em choque com algumas idéias que
adotamos para esta pesquisa. Para Worster, o historiador ambiental precisa dominar
Acredito que para fazer história ambiental não é necessário mergulhar tão profundamente
nessas disciplinas, o que seria impossível. Entendo que o historiador que estuda este
influência de outras áreas de conhecimento pode ser muito útil à pesquisa, mas, sem a
está José Augusto Drumond. Em sua tese de doutorado, Drumond procurou destacar as
análise de longa duração. Além de tratar da destruição da mata por indígenas e pela
9
WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Editora
da Fundação Getúlio Vargas, vol. 8, 1991/2. p199-215
12
10
“A História Ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa”, onde deixa claro alguns de
fonte de pesquisa para história ambiental. Estes textos, de modo geral, estão recheados de
descrições detalhadas sobre o meio natural da localidade visitada. Assim como este
destaca a relação entre o homem e a floresta e que contribui para o desenvolvimento desta
sobre a natureza, a companhia dos animais domésticos, a aproximação com árvores e flores
pesquisa para a História. Ao lidar com as questões relativas à imigração, nos deparamos
com a interface entre o imigrante e o meio natural que passa a ocupar, interface esta que se
10
DRUMOND, JOSÉ AUGUSTO. A História Ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Revista
Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, vol. 8, 1991/2.
11
THOMAS, Keith.O Homem e o Mundo Natural. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
13
Nesta busca por um suporte teórico metodológico, além da História Ambiental, este
trabalho procurou aproximar-se do que Ciro Flamarion Cardoso define como História da
Agricultura strictu sensu. Segundo ele, esta seria “uma pesquisa ampla que tratar-se-ia de
Este tipo de História da Agricultura normalmente tem como sistema de referencia o eixo:
meio ambiente / superfície cultivada e tecnologia agrícola (no sentido mais amplo deste
termo) / população”.13
restante nos inibe de definirmos esta pesquisa como tal. O próprio Ciro F. Cardoso nos
previne desta confusão. Para ele, neste modelo de História da Agricultura, “se requerem
não adquire em sua formação. Isto explica que a maior parte dos estudos históricos
12
Idem: p.19.
13
CARDOSO, Ciro Flamarion. Agricultura, Escravidão e Capitalismo. Petrópolis; Editora Vozes, 1979. p.15
14
disponíveis em nosso campo não se refira a História da Agricultura strictu sensu, embora
possam incorporar alguns dos seus aspectos – em forma às vezes superficial – a estudos
Portanto, para este trabalho, nossa aproximação com esta linha historiográfica
com o do meio ambiente. Ciro F. Cardoso, destaca que “na pratica, os historiadores da
agricultura utilizam pouco o enfoque ecológico. O mais freqüente é que nos trabalhos
clima, o solo, a hidrografia, a biogeografia, etc.), sem que intervenha em algum momento
Enfim, com uma aproximação seletiva destas obras citadas, torna-se possível o
desenvolvimento desta pesquisa a partir daquilo que julgamos como bom suporte técnico.
Para realização deste trabalho, utilizamos como suporte empírico uma grande
variedade de fontes. Além de uma vasta bibliografia sobre a história das colônias aqui
analisadas, entre as quais incluímos obras, guias, manuais e artigos escritos e publicados
durante o século XIX e que podem ser lidos e analisados como fontes primárias, utilizamos
14
Idem, p.15.
15
Idem, p.21.
15
Hermann Bruno Otto Blumenau, fundador, proprietário (de 1850 – 1860) e diretor da
Blumenau e como parte das comemorações dos 150 anos de fundação de Blumenau
Política Colonizadora no Sul do Brasil. Esta obra conta com a tradução de dois textos
escritos por Hermann Blumenau durante a criação de sua colônia e que descrevem o sul do
Brasil e suas possibilidades para emigração. O primeiro deles é o livro Sul do Brasil em
etc. Posteriormente, publicou em 1851 o chamado Guia de instruções aos imigrantes para
Província de Santa Catarina sul do Brasil como uma espécie de manual de orientação para
sucesso ou fracasso e o que deveria ser trazido da Europa pelos interessados. Desta forma,
esta obra aparece como um riquíssimo material para o estudo deste envolvimento entre o
principais aliadas nesta pesquisa. Em seus diversos volumes conta com uma grande
foi extremamente útil a esta pesquisa. No caso da colônia Blumenau, o acesso a alguns de
seus relatórios anuais se deu através do acervo do Arquivo Histórico José Ferreira da Silva
Cadernos.
oficial” em relação a estas colônias e suas informações levam em consideração, entre outros
auxílios econômicos, etc., formando um grupo de informações muito úteis para este
trabalho.
Os relatos de viajantes apresentaram-se como uma das principais fontes para esta
pesquisa, pois, permitem uma aproximação com o modo de vida rural destes colonos e
destacando, por vezes, aspectos pouco relevantes aos relatórios oficiais. Robert Ave-
Lallemant, Johann Jakob von Tschudi, Hugo Zoeller e Wilhelm Lacmann são alguns dos
viajantes que estiveram nas colônias do vale do Itajaí e norte de Santa Catarina durante a
segunda metade do século XIX e que apresentaram através de seus relatos de viagem suas
Miriam Moreira Leite, nestas obras, “a percepção das condições de vida social do local
trabalho, até chegar a uma apresentação global das condições de vida da população
visitada. [...] Os relatos de viajantes podem fornecer as primeiras pistas para estudiosos,
levando questões que mais tarde mereceriam outras investigações mais longas e
cuidadosas”.16
informações que procuramos, são revelações que devemos considerar, pois, denunciam o
informações com outras fontes, inclusive com outros relatos. Reforça a relevância desta
raramente perdeu seu caráter de testemunho de uma experiência vivida - condição essencial
limitações importantes. Uma delas, e talvez a mais complexa, diz respeito as origens do
autor. “Para melhor compreender as observações dos viajantes, seria necessário verificar
16
LEITE, Miriam Moreira.A condição Feminina no Rio de janeiro: séc. XIX. São Paulo: Hucitec/Ed USP.
1993. p.18/176.
17
Idem, 177/199
18
Idem, p.176/177
18
também quais os costumes e valores do país que provinham, quais os preconceitos que
traziam consigo”.19
imigrantes europeus no Brasil. Por esta razão, diversas obras foram encomendadas pelo
No entanto, deve-se ter noção de que este tipo de interferência não exclui a
importância da obra. Nestes casos, a aplicação da análise das informações implícitas torna-
se extremamente rica.
Miriam Moreira Leite ressalta que “com todas restrições que lhes foram feitas, os
aspectos e períodos para os quais não foram descobertas outras fontes. Na verdade apesar
sua estrutura, esta dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro apresentamos
uma reflexão sobre as formas de divulgação na Europa da vida nas colônias de imigrantes,
dando ênfase às maneiras como o meio natural era apresentado em relatos de viajantes,
19
Idem, 201.
20
Idem, 31
19
cartas de colonos, guias e manuais elaborados para os interessados em emigrar para o sul do
“novo lar” das famílias de imigrantes que nela estabeleceram-se. “A mata” passa a ser
indígena nativa, a vegetação e os diversos recursos naturais como parte integrante deste
conjunto. A chegada ao “novo ambiente” foi certamente um dos momentos mais difíceis
para os primeiros colonos que se instalaram nas colônias do vale do Itajaí e norte de Santa
miserável em alguns casos, modificou completamente o modo de vida daqueles que para
estas colônias emigraram. O clima, as enchentes, a floresta fechada com seus animais
selvagens foram alguns dos sérios problemas enfrentados. A partir deste capítulo, passamos
imigração em Santa Catarina, a influência dos caboclos no modo de vida dos colonos.
rurais imigrantes e suas formas de interação com a floresta. A estrutura das propriedades
alguns dos assuntos destacados neste trecho do trabalho. E finalmente, procuramos analisar
trabalho rural dos imigrantes nas colônias do vale do Itajaí e norte de Santa Catarina
CAPÍTULO I
A DECISÃO DE EMIGRAR
insatisfeitos com suas condições de vida. Segundo Débora Bendocchi Alves, “sempre que
Num país onde não há descontentes, a propaganda emigratória não surte nenhum efeito. Os
Estados Alemães juntamente com a Irlanda e mais tarde a Itália foram, a partir da segunda
situação no “Velho Continente” era crítica neste período, a fome e desemprego se faziam
presentes. “São os pobres que emigram, e emigram quando sua vida tradicional se torna
difícil ou quase impossível, juntam então seus últimos recursos vendem seus trastes e
Entre as principais razões para escolha pela emigração estava o grave problema
demográfico que gerava um grande aumento populacional. Com o crescimento das famílias
de agricultores, as suas terras iam sendo fragmentadas. Com isso, as pequenas propriedades
21
ALVES, Débora Bendocchi. In: Weeck. p.6
22
CUNHA, Jorge Luiz da. Alemães emigrantes: as causas. In: JOCHEM, Toni Vidal (org.). São Pedro de
Alacântara 1829-1999, Aspectos de sua História. São Pedro de Alcântara: Coordenação dos Festejos, 1999.
p.17-18.
21
o filho mais velho ou mais novo ficava com a propriedade. Neste caso os demais deveriam
sair para trabalhar de agregados, diaristas ou “morar de favor”. Neste contexto restava
território alemão, origem da maior parte dos colonos aqui estudados, a industrialização se
deu de forma tardia, iniciando entre 1820 e 1830, e gerando uma acelerada urbanização. A
atividade agrícola envolvia cerca de 80% da população em 1820, enquanto que em 1870
este percentual caiu para 49%. As cidades cresciam com grande rapidez. Berlim, por
exemplo, tinha menos de 200 mil habitantes em 1800 e 70 anos depois já contava com
produtos ingleses passam a ser comercializados nos Estados Alemães causando desemprego
mecânico movido a vapor, faziam crescer o desemprego. As reformas tributárias feitas por
alemães25.
Catarina se destacou com a fundação de várias colônias, entre elas, destacamos Blumenau,
23
KLUG, João. As razões da Imigração. In: JOCHEM, Toni Vidal (org.). São Pedro de Alcântara 1829 -
1999, Aspectos de sua História. São Pedro de Alcântara: Coordenação dos Festejos, 1999. p.30.
24
CUNHA, Jorge Luiz da. Alemães emigrantes: as causas. In: JOCHEM, Toni Vidal (org.). São Pedro de
Alacântara 1829-1999, Aspectos de sua História. São Pedro de Alcântara: Coordenação dos Festejos, 1999.
p.17-18.
25
ALVES, Débora Bendocchi e JOCHEM, Toni Vidal. São Pedro de Alcântara, 170 anos depois 1829 -
1999. São Pedro de Alcântara: Coordenação dos Festejos, 1999. p.15.
26
KLUG, João.Op. Cit. p.30.
22
vantagens na “Nova Terra”, das quais muitas jamais seriam cumpridas. Estes sujeitos não
eram vistos com bons olhos por boa parte das autoridades européias, pois eram
Aos emigrantes do século XIX, alguns dos contrates entre uma vida européia,
mesmo da forma mais humilde, com a vida nas colônias do sul do Brasil poderiam ser
metade dos oitocentos. Fica evidente que a maior parte dos autores destas publicações
possuía algum interesse particular sobre esta decisão. As visões sobre a forma de vida no
Brasil meridional eram as mais variadas, para alguns depoentes, a possibilidades de adquirir
um bom lote colonial já era razão suficiente para aceitar esta escolha, mas para outros as
Observamos que a descrição da vida nas florestas onde foram fundados núcleos coloniais
poderia, dependendo da visão e intenção de quem a fez, atuar como fator de atração ou
O Brasil foi, a partir da abertura dos portos em 1808, destino de muitos viajantes
Para muitos deles, especialmente para os oriundos de países onde ocorria uma emigração
em massa, visitar e relatar como e onde viviam seus patrícios que se decidiram pela
emigração eram atividades obrigatórias. Através disso, a publicação na Europa dos relatos
destes viajantes caminhava lado a lado com processo emigratório e atuava como um
certamente, textos mais antigos, publicados por viajantes que conheceram no Brasil
algumas importantes colônias, como São Leopoldo e Nova Friburgo, poucos anos após as
suas fundações.
emigração ainda caminhava a passos curtos foi Friedrich von Weech. Seu relato foi
publicado em 1828, e aparece como uma das primeiras obras com um objetivo preciso e
específico: orientar os emigrantes do seu país, especialmente aos agricultores. Sua obra
poderia ser lida como uma espécie de guia ou manual aos interessados em construir uma
vida no Brasil. Friedrich von Weech era um oficial do exército alemão que veio ao Brasil
tentar a sorte como colono. Em seu relato, Weech preocupa-se em descrever o novo país,
24
sua vegetação, seus habitantes seus usos e costumes, sua organização social. As suas
observações foram realizadas em 1827, quando o Brasil ainda era uma região desconhecida
para maioria dos europeus, suas informações e conselhos procuravam facilitar a vida dos
recém chegados ao novo país. Segundo Débora Bendocchi Alves, o modelo adotado por
Weech, com tabelas de peso e medida, preço de mercado, custos par uma instalação, tipo de
cultura existente, etc, tornou-se desnecessário ao longo dos anos quando este tipo de
emigração.27
Logo no início de sua obra, Weech procura demonstrar sua predileção pelo Brasil
27
ALVES, Débora Bendocchi. Apresentação da edição brasileira In: WEECH, Friedrich von. A Agricultura
e o comércio do Brasil no sistema colonial. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p.18.
25
Friedrich von Weech. Suas observações são recheadas de conselhos aos interessados em
emigrar, indica que tipo de emigrante poderia ter mais sucesso e como se adaptariam com
Viver na floresta brasileira era considerado por Wecch, e por quase todos viajantes
europeus, uma das grandes dificuldades a serem enfrentadas e deveriam ser levadas em
28
WEECH, Friedrich von. A Agricultura e o comércio do Brasil no sistema colonial. São Paulo: Martins
Fontes, 1889. p.25.(grifos meus)
29
Idem, p.110.(grifos meus)
26
[...] quem não viveu algum tempo nas florestas do Brasil e não
conhece exatamente o caráter dos nativos não tem a noção da
indescritível tristeza que significa permanecer ali; só um
verdadeiro amante da natureza, que na Europa dela se rodeava,
suportaria uma permanência prolongada. Se fosse possível ter
convicção de, após alguns anos, reunir o suficiente para viver de
seus próprios recursos na Europa com independência, então o
período passado no Brasil não seria absolutamente perdido.30
seu relato sua isenção ao divulgar a vida nas colônias no Brasil. Segundo ele,
30
Idem, p.110.(grifos meus)
27
Ao final de sua obra, Friedrich von Weech, faz uma previsão conformista para o
futuro das famílias estabelecidas nas colônias visitadas por ele. Projetava que a situação
mudaria de figura quando uma nova geração, que só conhecia a Europa de nome, estivesse
habituada aos usos, costumes e modo de vida do país e que não tivesse noção da existência
chegados lutaram contra grandes e diversas dificuldades. Sua última frase pode ser lida para
qualquer época ou situação, segundo Weech, “poucos homens têm a satisfação de repousar
Apesar de neste capítulo concentrarmos nossas atenções nas visões sobre o meio
natural como fator de estímulo ou repulsa a decisão de emigrar, não podemos deixar de
refletir sobre o que pensavam alguns destes viajantes sobre cada uma das colônias visitadas.
Entre os vários depoimentos aqui analisados, dois possuem opiniões muito distintas quanto
às situações das colônias Blumenau e Dona Francisca. Mesmo tendo realizado suas visitas
31
Idem, p.183.(grifos meus)
32
Idem, p.186 .(grifos meus)
28
1858, e J. J. von Tschudi, visitante em 1861, divergem muito quanto às colônias Blumenau
e Dona Francisca.
Rio de Janeiro por cerca de 17 anos. 33Após uma temporada na Alemanha, retornou ao
Brasil quando enfim realizou a viagem ao sul do país e escreveu sua obra Viagens para
Em sua visita, Lallemant analisou alguns aspectos da vida rural dos colonos de
Blumenau. Segundo ele, aqueles colonos que ainda na Europa viviam apenas as custas de
seus braços eram os mais satisfeitos com a vida rural na colônia. Para aquelas famílias que
em sua pátria natal formavam o grupo de transição entre o campo e a cidade e não tinham
encontravam consolo e até alegria nos duros trabalhos na mata e resultados obtidos.35 Ao
33
NODARI, Eunice Sueli. Imagens do Brasil na Alemanha do século XIX. Anais da XII Reunião da
SBPH: Porto Alegre, 1992. p.210.
34
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens para Província de Santa Catarina, Paraná e São Paulo. São Paulo
Ed. Itatiaia, 1980.
35
Idem, p.159.
36
Idem, p.160.
29
percebemos, através dos escritos de Avé-Lallemant, sua grande antipatia para com a
37
Esta expressão refere-se a “fidelidade de um cão”.
38
AVÉ-LALLEMAN, Robert. Op. Cit. p. 164.
30
dificilmente infundado. O autor observara em sua chegada o que muitos colonos devem ter
Blumenau tem muito boa vontade de tornar-se cidade. Por ora, falta-lhe tudo o que
constitui uma cidade. Da igreja, da casa da Câmara e outros edifícios públicos não se vê
sequer vestígios e são tão poucas as casas no caminho, que involuntariamente se pergunta:
Por mais duro que possa ser este questionamento, ele não está fora de propósito. A
estrutura disponível em Blumenau nestes primeiros anos não poderia ser considerada uma
cidade nem mesmo para os padrões brasileiros do século XIX, que dirá para europeus na
mesma época.
Sua má impressão sobre a Colônia Blumenau assim prossegue: “Aonde quer que se
olhe, vá ou esteja, vê-se, em toda parte, absoluta falta de dinheiro para levar a comunidade
caminho, uma pinguela, mas em parte alguma expressão de coisa completa ou mais ou ao
colônia. No entanto, diferente dos relatórios da colônia, considerava que a origem destas
dificuldades enfrentadas estava muito mais próxima do que se imaginava. Para ele,
Blumenau não sobreviveria por muito tempo como colônia particular individual. Algumas
39
Idem, p.157.
31
de suas duras críticas a administração de Hermann Blumenau colônia podem ser percebidas
no parágrafo a seguir:
Robert Ave-Lallemant, percebemos que seu discurso é bastante favorável a emigração para
colônias são, na maior parte das vezes, de responsabilidade dos próprios empreendedores
40
Idem, p.159 (grifos meus)
32
Entretanto, veremos que ao contrário do que faz com Blumenau, o autor rasga
elogios á outro empreendimento particular, a colônia Dona Francisca. Por isso, parece-nos
que as críticas eram muito mais pessoais que conceituais. Lallemant chega a afirmar que a
única alternativa de salvar a colônia e seus colonos era a substituição imediata de sua
direção. Observava um futuro muito difícil para a colônia Blumenau com a permanência do
Dr. Blumenau na direção. Sua visão foi expressa com as seguintes palavras:
41
Idem, p.170/171(grifos meus)
42
Idem, p.161 (grifos meus)
33
Não sabemos que relação pode ter existido entre as observações de Robert Ave-
nenhuma, pois, o maior alvo das críticas, Dr. Hermann Blumenau, permaneceu em sua
Província de Santa Catarina receberam outro importante viajante, o diplomata suíço Johan
Jakob von Tschudi. Como já colocamos, os dois depoimentos possuem grandes diferenças
individualidade de cada um e seus possíveis interesses, poderíamos até pensar que os dois
Tschudi ocorre cerca de um ano após a transferência do controle da colônia para o governo
ocorridas não poderiam ser suficientes para este viajante suíço considera-la a colônia mais
climáticas. Para Tschudi, os interessados em emigrar não deveriam temer o clima tropical
enfatizar as vantagens desta colônia, Tschudi apresenta algumas de suas críticas as terras e
43
As colônias alemãs nos distritos brasileiros de Brusque e Blumenau, publicado por decisão dos membros
do Senado 11/1897. Tradução e transcrição, Curt Hoeltgebaum. Revisão. Anemmarie Fouquet Schünk.
Revista Blumenau em Cadernos. Fundação Cultural de Blumenau.Tomo XLIII. n.07/08, 2002. p.17.
34
Como afirmamos anteriormente, Tschudi realizou sua viagem três anos após a
médico alemão já estava repercutindo em Blumenau, suas críticas à colônia teriam gerado
44
TSCHUDI, Johann Jakob von. As Colônias de Santa Catarina. Apresentação e Anotação por Walter
Fernando Piazza. Blumenau: CNPq: Fundação Casa Dr. Blumenau, 1988. p.53.
45
Idem, p.53.
35
simples agricultores. Apresentando este tipo de posição, Tschudi leva ao seu leitor uma
versão fora dos círculos mais elevados da colônia. Se relato segue desta forma:
Como já observamos, mesmo não sendo tão enfático como Avé-Lallemant sobre
Blumenau, Tschudi faz sua crítica a qualidade das terras de Dona Francisca. A partir de
coloniais negociados em Dona Francisca. Segundo ele, o custo da terra era demasiadamente
elevado para lotes muito pequenos.47 Tschudi considerou que além destas dificuldades, as
46
Idem, p.58/60
47
Idem, p.34
36
plantas tropicais, grande fonte recursos para a agricultura colonial, não poderiam ser
áspero. 48
adotado. Para ele ao invés de investir na infra-estrutura urbana, a colônia deveria estar mais
apresenta Dona Francisca como uma colônia modelar. Para ele, o empreendimento da
disponível na jovem colônia. Entre as virtudes de Dona Francisca estava uma boa rede de
estradas, com rotas para todos os sentidos da colônia. Segundo o viajante, os colonos
residentes ali também se distinguiam dos das outras colônias. Quanto a esta comparação o
autor escreve:
A importância dada pelo autor a Colônia Dona Francisca pode ser percebida através
deste trecho: “Creio que na mesma relação em que ficou São Leopoldo, no Rio Grande,
como ponto principal da colonização alemã ali, ficará Dona Francisca na Província de
Santa Catarina como o corpo central da vida alemã, como metrópole de um sistema de
colonização que, não tão palpavelmente importante como a colônia do Rio dos Sinos, a
apenas que seus textos eram lidos por pessoas interessadas em obter informações sobre o
Brasil, e que entre eles estavam alguns futuros emigrantes. Talvez, estas significativas
diferenças de opinião entre Robert Ave-Lallemant e Johan Jakob von Tschudi possam ser
apenas ideais distintos, mas, não podemos desconsiderar que cada um deles poderia estar a
49
AVÉ-LALLEMANT, Robert Op. Cit. .p.182/185 (grifos meus)
50
Idem, p.203 (grifos meus)
38
serviço de órgãos ou empresas ligados à emigração. Um indício deste tipo de relação pode
ser observado em uma advertência pública feita na Alemanha por opositores à emigração,
neste texto, Robert Avé-Lallemant foi acusado de ser um “famoso agente a serviço do
governo brasileiro”.51
também pode ser evidenciado pela presença de Hugo Zoeller nas colônias Blumenau e
Dona Francisca por volta de 1880. Zoeller foi encarregado pelo proprietário do jornal
alemão Koelnischer Zeitung a viajar pelas colônias de imigração alemã no Brasil para
narrar suas impressões, acabou por concluir seus trabalhos em novembro de 1882.
Quase trinta anos depois de sua fundação a visão que alguns visitantes tinham da
vida rural na colônia Blumenau ainda era desenhada de forma bastante rústica. Pela
mesmo com pouco cuidado, pois pernoitavam ao relento mesmo no inverno e apenas os
colonos mais ativos construíam um abrigo num canto do pasto. Estabelecendo comparações
com a realidade européia, o autor descreve que o gado leiteiro era acostumado a forragem
afirma:
51
SCHENTKE, W. Advertência contra a emigração para o Brasil. (tradução de Guido Imaguire/ revisão de
Valberto Dirksen). p.21
39
que [...] É interessante penetrar nos interesses dos colonos: gira em torno dos porcos,
Informações sobre as formas de lazer na floresta sul brasileira também poderiam ser
úteis para conquistar novos emigrantes. Dicas sobre as condições de caça, por exemplo,
origem italiana que emigraram para Brusque e Nova Trento, Dom Arcângelo Ganarini
descrições sobre a vida rural nestes núcleos coloniais destaca inicialmente uma evolução
sobre as regiões mais interessantes para lavoura, explicações sobre clima, agricultura e
produção animal:
52
ZOELLER, Hugo. Os alemães na floresta brasileira. Revista Blumenau em Cadernos. Fundação Cultural
de Blumenau, Vol. 5, p. 143, 1990.
53
Idem, p.144
40
qualidade das poderiam ser determinantes na escolha de sua futura colônia. A riqueza dos
tranqüilidade durante seu primeiros anos na colônia, facilitando seu processo de interação
Ao tomarmos contato com os relatos de alguns dos vários viajantes que visitaram as
colônias aqui estudadas, percebemos, em certos casos, opiniões divergentes sobre uma
54
A escala de temperatura Reamur foi estabelecida em 1730 pelo naturalista francês René-Antoine Ferchault
de Réaumur.O uso desta escala já foi bastante difundido, no entanto, a partir do século XX seu uso
praticamente desapareceu. Para converter esta escala para Celsius deve-se multiplicar a temperatura por cinco
e depois dividi-la por quatro.
55
GANARINI, Arcângelo. Notícias de Brusque e Nova Trento, isto é colônias Itajaí e príncipe Dom Pedro,
na Província de Santa Catarina. Revista Blumenau em Cadernos. Fundação Cultural de Blumenau, 1859.
41
mesma colônia, sobre a qualidade de vida dos colonos ali estabelecidos ou mesmo sobre as
caminho aberto para divulgarem suas observações com cargas excessivas de interesse.
manuais de orientação aos futuros emigrantes. Entre as diversas publicações deste tipo, uma
ganha especial atenção nesta pesquisa, o guia do Dr. Blumenau. Um dos aspectos que
inicialmente nos chama atenção para esta obra é o fato de que este material foi elaborado
pelo proprietário de uma colônia em formação no sul do Brasil. Este material instrutivo é
rico em informações, conselhos e sugestões, além disso, teoricamente, não diz respeito
somente a colônia Blumenau, sua intenção é instruir os futuros imigrantes de toda província
de Santa Catarina.
imigrantes para Província de Santa Catarina sul do Brasil como uma espécie de manual de
orientação para os interessados em emigrar. Esta obra apresenta-se como uma fonte
riquíssima para o estudo da classe mais beneficiada com este tipo de emigração: os
agricultores.
O primeiro capítulo deste Guia de Instruções indica Quem pode obter vantagens
emigrando para Santa Catarina. Hermann Blumenau apresenta uma espécie de modelo de
sociedade a ser formada nestas colônias. “Nos vilarejos ou no campo, todo artífice deveria
42
ter, para uso próprio, um pasto com uma ou duas vacas, bem como um pedaço de terra para
De acordo com Dr. Blumenau, os agricultores eram “a classe mais favorecida com a
estado precário e desolador, para uma situação bem melhor, vislumbrando assim um futuro
confortável, despreocupado e estável”.57 O texto ainda afirma que mesmo estes imigrantes
Os trabalhadores rurais mais humildes poderiam ter boas perspectivas já que existia
grande oferta de serviços, embora estivessem a depender desta garantia. Por isso, Hermann
Blumenau prevê um futuro promissor apenas para os que realmente tenham disposição para
56
BLUMENAU, Hermann.Guia de instruções aos imigrantes para Província de Santa Catarina sul do
Brasil.. In: FERREIRA, Cristina e PETRY, Sueli V. (ORG.) Um alemão nos Trópicos – Dr.Blumenau e a
Política Colonizadora no Sul do Brasil. Blumenau: Instituto 150 Anos, 1999. p.189.
57
Idem, p.191
58
Idem, p.191
43
trabalhar muito. Para enfim, em alguns anos economizarem o suficiente para aquisição de
mais independentes e satisfeitos, pois dependeriam apenas do esforço de seu trabalho. Para
Dr. Blumenau, estes agricultores conhecem o valor do dinheiro e sabem o quanto é difícil
consegui-lo. “Zelam pelo que possuem e não deixam levar-se por esperanças vãs, como
O Guia faz previsões para atividade rural deste tipo de agricultor interessado em
59
Idem, p.191.
60
Idem, p.195.
44
açúcar.62
Os mais abastados eram também os mais difíceis de aconselhar, não sabiam manejar
imobiliária, onde um agricultor desta classe mais abastada compraria grandes porções de
61
Idem, p.197.
62
Idem, p.197.
63
Idem, p.201.
45
64
vendidos aos imigrantes mais pobres. Hermann Blumenau informa que mesmo com as
boas perspectivas para atividade agrícola nas colônias da província de Santa Catarina o
futuro imigrante não deve criar grandes expectativas. “A agricultura é o modo mais seguro
para aquele que aprecia uma vida independente e ama a natureza, pois assim, poderá unir
ambas de modo agradável e construir, com muito trabalho uma existência confortável e
tranqüila. Entretanto nenhuma pessoa sensata pode esperara enriquecer a curto prazo,
propriedade, nas suas plantações, no seu gado e nas madeiras de lei. Por este motivo seria
agricultura ainda estavam sendo feitos de forma bastante rústicas e simples para os moldes
o primeiro passo para a instalação das primeiras lavouras, geralmente plantava-se milho,
a quatro anos os tocos e raízes estariam apodrecidos e poderiam ser retirados com um
gancho, sendo assim a terra estaria pronta para ser arada, reduzindo o esforço em pelo
menos 2/3 em relação ao trabalho manual com enxada.66 Entretanto, a introdução do arado
64
Idem, p.199.
65
Idem: p.199.
66
BLUMENAU, Hermann.Guia de instruções aos imigrantes para Província de Santa Catarina sul do Brasil.
In: FERREIRA, Cristina e PETRY, Sueli V. (ORG.) Um alemão nos Trópicos – Dr.Blumenau e a Política
Colonizadora no Sul do Brasil. Blumenau: Instituto 150 Anos, 1999. p.199.
46
na colônia Blumenau tornou-se lenta em virtude do relevo bastante acidentado e dos altos
O plantio de arroz poderia ser outra atividade lucrativa, e com um campo arado e
preparado poderiam produzir os “frutos da terra” como milho, feijão e batata. Nas
para estes serviços. Em atividades paralelas a agricultura seria possível garantir boa renda
dar bons resultados, mas, ainda passavam pelas dificuldades de escoar as mercadorias até o
crescimento apenas no final do séc. XIX como observou o viajante alemão Dr. Wilhelm
Lacmann. Sua viagem pelo sul do Brasil ocorreu entre 1903 e 1904 e nesta relatou suas
em não esgotar o solo por completo, mas sim transformá-lo em pastagem para o rebanho.
vão enfrentar os interessados é muito maior para Hermann Blumenau do que para o grande
67
Idem, p.201/203.
68
LACMANN, Wilhelm. Cavalgadas e Impressões no sul do Brasil. Revista Blumenau em Cadernos.
Fundação Cultural de Blumenau, vol. 11, p.35, 1997.
47
texto prevê alguns problemas de adaptação nos primeiros meses após a chegada, entretanto
encontrar aqui as comodidades e prazeres que a Europa oferece, pois no campo tudo ainda
está por ser feito; mesmo a satisfação da companhia de pessoas instruídas é rara, porque,
três primeiros meses após a vinda dos recém-chegados desta classe, pois “a cama é dura, a
alimentação é ruim e nada me agrada”, mas aos poucos, a gente se acostuma à vida
selvagem, livre, peculiar e sem limites na floresta, ainda mais se alguns conhecidos ou
assim um circulo de pessoas que pensem da mesma maneira. E, inclusive, aqueles que
gostando do belo país, de tal modo, que não pensam mais em voltar as suas condições
Viagem e transmigração. É nesta parte do texto que Hermann Blumenau faz indicações
sobre o que realmente deve ser adquirido na Europa para lida rural nas colônias da
indicada neste texto. Naquele momento, não seria necessário trazer muitos instrumentos
agrícolas. O arado, por exemplo, se tornaria inútil em terras férteis cobertas pela floresta
69
BLUMENAU, Hermann.Op. Cit.. p.239.
48
ferramentas: foices; enxadas; cavilhas; pás; foicinhas e, pelo menos, uma faca com bainha,
para ser usada na cintura, pois as demais coisas, embora sejam úteis, não são essenciais”.70
Todos necessitariam de um machado forte com fio de aço fundido para o corte de
árvores. As enxadas brasileiras, mesmo sendo baratas, não eram consideradas de boa
qualidade pelo Dr. Blumenau. Estas deveriam ser de dois tipos: uma pesada e uma leve.
Ainda para lavoura de subsistência, Hermann Blumenau, indica aos imigrantes a compra de
marcenaria como “machado para cortar lenha; machadinha; martelo, ou mais adequado
ainda, martelo-machado; torquês; furadeira; serra braçal com cavalete; algumas limas; uma
fieira que servirá para esticar o arame e sua respectiva lâmina cortante; alguns formões;
cinzéis e uma ou duas plainas”.72 Quem desejasse instalar algum empreendimento maior,
como uma usina de açúcar ou um moinho, deveria trazer outras ferramentas de marcenaria
70
Idem, p.243.
71
Idem, p.243.
72
Idem, p.237.
49
[...]”.74
derrubada da mata deveria ser seguida de um intenso controle para que não cresça
novamente, desta forma, a terra poderia aos poucos ser arada. Sendo assim em pouco tempo
abelhas européias só existiam no Rio de Janeiro e ainda seriam uma novidade na Província
de Santa Catarina. Neste caso, o próprio Dr. Blumenau foi o pioneiro na introdução destas
abelhas em 1851.
Ao final deste capítulo encontra-se uma referência a criação de gado. Para Hermann
Blumenau, o gado comum brasileiro era bom e os bois eram excelentes animais de tração,
entretanto as vacas produziam leite apenas quando amamentavam. Observava que o sul do
Brasil não possuía um bom plantel de gado leiteiro europeu e introduzi-lo em Santa
73
Javradeira: ferramenta usada para abrir o encaixe na extremidade das aduelas dos tonéis no qual se
embutem os tampos (javres).
74
BLUMENAU, Hermann.Op. Cit. p.237.
75
Idem, p. 239.
50
sugeridas para produção dos derivados do leite.76 Para o local de aquisição deste plantel na
Europa, Dr. Blumenau indica: “Hamburgo e seus arredores são os melhores lugares para
compra de gado, pois como está localizada perto do porto, consegue animais da raça inglesa
e holandesa, mas aconselho escolher os melhores e mais produtivos, evitando-se o gado das
regiões pantanosas, pois, o mesmo costuma alimentar-se de pastagens altas, as quais não
existem no Brasil”.77
sobre A partida do torrão natal e a chegada à nova pátria. Neste caso, as informações são
comuns as diversas profissões. Hermann Blumenau faz referencia a sua obra Sul do Brasil
em suas referências à emigração e colonização alemã onde descreve a região. Neste caso
transporte mais barato, vende as terras por um alto preço. Com este tipo de argumento,
conclui seu texto deixando a escolha da melhor localidade para viver “a cargo do
emigrante”.
poderia ser, assim como os demais meios de divulgação aqui citados, um mecanismo de
76
Idem, p.257.
77
Idem, p.259.
51
que forma viviam os europeus que escolheram a vida nas colônias do sul do Brasil.
Entretanto, seus depoimentos foram utilizados, por vezes, pelos interessados em promover
a emigração.
que viviam. Não se pode ter com clareza a dimensão em que este tipo de interferência
determinava o que estaria escrito nas cartas enviadas por colonos para Europa. Percebe-se
que grande parte das correspondências e relatos de viajantes retratavam momentos logo
memória coletiva sobre o modo de vida que levavam parece comum à boa parte destes
depoimentos. Segundo Marina Maluf, “as lembranças pessoais são dotadas de preceitos de
Halbwachs, considerando que a memória coletiva “evolui segundo suas leis, e se algumas
lembranças individuais penetram algumas vezes nela, mudam de figura assim que sejam
O controle sobre o serviço postal destas colônias era uma das preocupações das
78
LUCENA, Célia Toledo. Artes de lembrar e de inventar, (re) lembranças de migrantes. São Paulo: Arte e
Ciência, 1999. pp 79. apud: MALUF, Marina. Ruídos da Memória. pp 40.
79
TEDESCO, João Carlos. Memória e cultura. Porto Alegre: EST, 2001. pp 19. apud: HALBWACHS, M. A
memória coletiva. São Paulo: Vértice/Revista dos Tribunais, 1990.
52
recebidas por colonos deixassem de passar “pelas mãos” da direção dos núcleos coloniais.80
Enfim, sabe-se que algumas destas correspondências já possuíam fins estabelecidos mesmo
antes de sua composição e isto pode ser encarado como fenômeno de influência externa.
Além disso, o contexto da leitura poderia fazer com que um mesmo depoimento fosse
utilizado tanto para valorizar quanto para denegrir a imagem da vida nestas colônias do sul
do Brasil.81
A grande maioria dos textos arquivados que se tem contato, descreve informações
positivas das colônias, e quando possível aconselham aos seus patrícios que permaneceram
Curiosamente, a maior parte destas cartas apaixonadas pelo “novo ambiente” refere-se aos
maiores. Observa-se que estas dificuldades dos primeiros anos eram comumente descritas
como forma de evidenciar a valentia destes imigrantes na busca bem sucedida de uma vida
emigrar. As maiores queixas de imigrantes que escolheram o Brasil como “novo lar”
estavam focadas nas regiões de plantação de café que utilizavam o “sistema de parceria”,
83
onde estes trabalhadores atuavam como substituição da mão-de-obra escrava. A
Brasil.84
divulgação uma série de folhetos. Este material era de grande importância para o processo
destino.85
parte dos imigrantes estabelecidos nas colônias aqui pesquisadas, foram fundados vários
destes jornais, no entanto, apenas dois deles não tiveram curta duração. O Deutsche
83
Ler mais sobre este assunto em: DEAN, Warren. RIO CLARO: um sistema brasileiro de grande lavoura
1820-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
84
Em 1859, a Prússia promulgou o chamado rescrito de Heydt, que devido ao mau tratamento sofrido pelos
colonos alemães no estado de São Paulo, proibiu a propaganda em favor da emigração para o Brasil. Este,
teve um efeito desfavorável sobre os possíveis emigrantes na Prússia e de 1871 em diante, em toda Alemanha.
Em relação aos três estados do sul do país, este decreto foi revogado em 1896, no entanto, para o resto do
Brasil a proibição nunca foi cancelada. (Léo Waibel, 1949. p.170)
85
ALVES, Débora Bendochi. A propaganda dos expedidores concessionários de Hamburgo e a emigração
alemã para o Brasil no século XIX.
86
ALVES, Débora Bendocchi. Notícias de Blumenau: Cartas dos irmãos Weise publicadas nos jornais da
Turíngia. Revista Blumenau em Cadernos, Tomo XLI – N.11/12, 2000. p.66.
54
Turíngia era considerado o mais importante do gênero, sua publicação era inicialmente
semanal, mas logo passou a circular com três tiragens por semana. Segundo Débora
Bendocchi Alves, “era o melhor veículo de informação que havia para os interessados em
emigrar, pois publicava artigos sobre vários países receptores, os nomes dos navios, os
preços das passagens, os dias de embarque, as leis alemãs e as dos países de destino em
1855 o Der Pilot – Unterhaltendes Wochenblatt, um tipo de folhetim que foi mantido até o
ano de 1864. O Der Pilot publicava uma maior quantidade de cartas dos imigrantes,
87
Idem. p.66/67
88
RUHE, Rudolf. Para a História da Emigração Ultramarina da Soberania Territorial do Antigo Principado de
Schwarczburg-Rudolstadt no século XIX. (tradução de André Werle).
89
ALVES, Débora Bendocchi. Op. Cit. Revista Blumenau em Cadernos. p.67/68.
55
pois representavam a voz dos que optaram por emigrar, eram depoimentos pessoais em
material era muito propício para esta função, já os colonos procuravam narrar suas
experiências e descrever seu novo país. Alguns aproveitavam estas oportunidades para
autenticidade questionável. Entendemos, assim como Débora Bendocchi Alves, que “é bem
possível que um editor, como Günter Fröbel, por exemplo, tenha, em relação ao Brasil,
selecionado aquelas cartas que estavam de acordo com os seus ideais e que tenha excluído
em vários cantos do mundo, entre eles as colônias Blumenau e Dona Francisca no sul do
Brasil.92
90
Idem, p.68
91
Idem, p.68/69
92
RUHE, Rudolf. A Emigração da Soberania de Rodolstadt ao Brasil na metade do século XIX. (tradução de
André Werle).
56
publicações que visavam advertir aos futuros emigrantes sobre as dificuldades que
emigração para o Brasil93 de W. Schentke, escrita por volta de 1870, apresenta-nos alguns
exemplos de dificuldades que deveriam inibir uma possível emigração para a então
segunda metade do século XIX as colônias mais afastadas do litoral, caso de Blumenau,
ligação.
Schentke também alerta para os problemas a que estavam sujeitos os colonos no uso
93
SCHENTKE, W. Advertência contra a emigração para o Brasil. (tradução de Guido Imaguire/ revisão de
Valberto Dirksen).
94
Esta afirmação é um pouco exagerada, pois uma população de 5.000 habitantes para jovens colônias era
razoavelmente grande para a realidade brasileira naquele período.
95
SCHENTKE, W. Op. Cit. p.9.
57
colônias eram vistas, especialmente por estes opositores á emigração, como algo altamente
em jornais, também foram aproveitadas para reforçar este tipo de advertência contra a
dados imprecisos quanto ao abandono dos núcleos coloniais. Mesmo assim, este tipo de
96
Idem, p. 9.
97
Neste período o poder político brasileiro estava sob dominação do partido Conservador, isto explica, em
parte, estas denúncias de um jornal liberal ás atitudes do governo.
98
Idem, p.16.
58
adaptavam-se com facilidade. A alternativa do retorno para Europa, para casos como estes,
era uma tarefa de grande dificuldade, já que, na maior parte dos casos, as últimas
economias teriam sido gastas para vinda ao Brasil. Como já comentamos, muitos colonos
O dito descaso do governo também pode fazer sentido, pois alguns dos pagamentos
outra explicação pode estar na então situação política brasileira, como o próprio Schentke
alerta, tratava-se de um jornal liberal e neste período o poder político brasileiro estava sob
pesquisa. Seu julgamento sobre a situação das colônias Blumenau e Dona Francisca
procurava apontar os insucessos e alertar para a dura vida que levariam seus futuros
estradas.
99
Este tipo de problema foi objeto de intensos protestos ao final da década de 1870. (MACHADO,
P.108/109)
59
A explícita má vontade de Schentke com a opção pela emigração faz com que sua
fazia parte da realidade de Blumenau e Dona Francisca, no entanto, muitos deles foram
sendo suprimidos ao longo dos anos. Na década de 1870, período abordado pelo autor, as
duas colônias já completavam vinte anos e muita coisa já havia melhorado. Os índices de
produção (apresentados no cap. III) dão conta de que neste período a exportação de uma
grande variedade de produtos já era uma realidade constante para as duas localidades.
especial de aproximação com sua pátria de origem e com seus entes queridos. O colono
alemão Johan August Priestien emigrou para Blumenau em 1855 em busca de uma vida de
proprietário rural. Sua origem foi Rothenhausen em Lübeck onde era arrendatário de terras.
Sua propriedade era considerada um modelo de estrutura para região, sua experiência e
competência nas atividades rurais foram elogiadas por vários visitantes, inclusive por
Blumenau e apresentando conselhos aos que desejassem emigrar para esta região. Em seu
100
SCHENTKE, W. Op. Cit. p. 25
101
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Op. Cit. p.161/162
60
depoimento, chegou, por vezes, a comparar a vida de “agricultor pobre” na Europa com o
modo de vida rural nas colônias do sul do Brasil. No prefácio do livro o autor apresenta
arrendatários era, segundo Priestien, algo inadmissível para aqueles que possuíam
arrendados.
ainda continha uma espécie de “ultimato” destacando as diversas vantagens que a escolha
102
PRESTIEN, Johan August. Vida de Colono. Revista Blumenau em cadernos. Fundação Cultural de
Blumenau. Vol. 7, p.128, 1965. p.25.
61
Este apelo, repleto de comparações positivas para o lado brasileiro, enfatiza algo de
emigrantes à colônia Blumenau, Johan Prestien teve seus escritos utilizados como
para o Brasil”.
103
Idem, p.128.
62
Colônia Blumenau em 1854, nos anos seguintes passaram a escrever para o irmão Luís, que
levou em consideração a aparente satisfação destes colonos com a vida no sul do Brasil.
Em carta escrita em julho de 1856, Philipp relembra a situação difícil que passaram no ano
anterior, mas, declara que a vida na “nova terra” havia melhorado. A mata nativa tinha
sentido o efeito dos machados e cedido lugar a campos produtivos e a plantações de cana-
de-açúcar e de café. Para ele uma das causas do bom desenvolvimento da colônia
Blumenau era o fato de esta ser habitada quase que exclusivamente por alemães. Na mesma
carta, Phillip destaca as possibilidades que a nova terra ofereceria aos agricultores:
104
Esta informação é de difícil comprovação, pois eram feitos apenas os registros de chegada e não de
abandono dos coloniais.
105
SCHENTKE, W. Op. Cit. p. 24
63
europeus) pela mandioca (tubérculo de consumo intensivo entre índios, caboclos, etc,) é um
aspecto de grande relevância para esta interação entre os imigrantes e o meio natural.
Em carta para o irmão Luís também escrita em julho de 1856, Rudolph procura
descrever sua atividade rural. Estas informações poderiam ser de grande valia aos futuros
foram positivas, mas ao contrário disso, a batata e especialmente o feijão tiveram ótimos
A criação de animais, atividade comum a maior parte dos colonos, também é citada
por Rudolph, segundo ele, “a manutenção de cavalos107, mulas, bois, porcos e de toda sorte
de aves, é de pequeno custo e poucas dificuldades, já que esses animais, em grande parte,
são postos em pastos e a outra parte é alimentada de frutos que aqui há com abundância. Os
pastos são excelentes e apresentam aos olhos uma vista bem agradável”. Esta reserva de
uma área de pastagem para os animais, comentada pelo colono, é condição essencial neste
106
KIRCHNER, Philipp e KIRCHNER, Rudolph. Interessante Correspondência. Blumenau em Cadernos.
Fundação Cultural de Blumenau, Vol. 7, p. 196/197, 1966. (grifos meus)
107
Na Europa, a posse de cavalos era praticamente restrita aos nobres. Esta é outra importante transformação
na vida destes imigrantes, já que este passa a ser um animal de importância fundamental para transporte e
tração. O Cap.III apresenta dados estatísticos da evolução do patrimônio animal nas colônias aqui estudadas.
64
A dificuldade de adaptação climática, comum à boa parte dos colonos, não foi
velho continente. Rudolph, assim como vários outros colonos e viajantes, preocupou-se em
108
Conversões de graus Reamur para Celsius com valores aproximados.
109
Idem: p.199/200.
110
Em função de sua posição geográfica, colocada entre morros, Blumenau é considerada uma das cidades
mais quentes de Santa Catarina.
65
para a família tinham, muitas vezes, a missão de tranqüilizar aos que na Europa
parte dos colonos, já não era mais tempo de se arrepender da escolha. Uma boa interação
com este “novo ambiente” em que passaram a viver era obrigatória, pois um retorno a
Europa já era inviável. Aqueles que escreveram sobre suas lembranças dos primeiros anos
tempos difíceis. Para Célia Lucena, a “Arte de lembrar” é um ato de recuperação do “eu”
observar uma certa uniformidade nos depoimentos daqueles que “rasgam” elogios à “nova
terra”. Este sentimento pode ser entendido através da análise de Michael Pollak sobre
memória coletiva. Sua visão sobre este fenômeno ressalta o enquadramento da memória.
111
LUCENA, Célia Toledo. Artes de lembrar e de inventar, (re) lembranças de migrantes. São Paulo: Arte e
Ciência, 1999. p.79.
66
não ser retratado nas cartas pessoais evidencia o valor deste tipo de documentação.
um importante instrumento de reflexão para o estudo sobre o modo de vida rural das
colônias do vale do Itajaí e norte de Santa Catarina. As diversas visões sobre o meio
natural, considerado receptivo para alguns e repulsivo para outros, ampliam nosso leque de
objetivavam em primeiro lugar o lucro. Ao lado disso, estava o interesse de países como o
homens livres. Todo este contexto gerava, como vimos através destes vários depoimentos,
112
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Vértice, n°3, pp 9, 1989.
67
CAPÍTULO II
O IMIGRANTE E A FLORESTA
primeiros anos, morar literalmente na floresta. Esta noção pode ser observada nos vários
imigrantes e a mata.
colônias Blumenau Brusque e Dona Francisca é formada pela Floresta Ombrófila Densa,
mais conhecida como Floresta Atlântica da região sul. Esta formação é caracterizada por
A fundação destas colônias nas matas fechadas da então Província de Santa Catarina
áreas florestais não foi “privilégio” destes que lá habitaram. Enormes porções de florestas
nativas foram destruídas em todo território brasileiro, na maior parte dos casos feita de
forma irracional pelos grandes latifundiários, visando a exploração em grande escala nas
113
Geografia do Brasil. Vol.2. Região Sul. Rio de Janeiro: IBGE, 1990. p.117/118
68
viajantes durante a segunda metade do século XIX. As razões que levaram a estas
mudanças estavam automaticamente ligadas as necessidades das famílias que para ali se
transferiram. A mata e a lavoura não poderiam ocupar o mesmo espaço e a roça era
do modo de vida europeu. Entretanto, além de alguns de seus bens materiais este emigrante
geralmente relacionados com suas heranças culturais. Entre os diversos elementos que
compunham esta “bagagem”, se reveste de grande relevância para esta análise: a forma
como percebiam a floresta. Para Simon Schama, “nem todas as culturas abraçam natureza e
paisagem com igual ardor e as que as abraçam conhecem fases de maior ou menor
entusiasmo. O que os mitos da floresta antiga significam para uma cultura européia
nacional pode traduzir algo totalmente diverso em outra cultura”.114 Desta forma, entende-
114
SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.25.
69
paisagísticas. “Na Alemanha, por exemplo, a floresta primitiva era o lugar de auto-
afirmação tribal contra o Império Romano de pedras e leis”.115 Schama ressalta que a
identidade nacional perderia muito de seu fascínio feroz sem a mística de uma tradição
paisagística particular116. Memórias e identidades são fenômenos subjetivos, não são coisas
Hall118, que as culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas
esquecida por aqueles que emigraram para as colônias do sul do Brasil, entretanto, desde os
século XIX era de origem camponesa. A terra, a paisagem, sua vegetação e suas criaturas
com seus campos e seu gado, abrigando este, sua família e seus agregados, não raro sob o
mesmo teto”.120 Para Maurice Halbawachs, “é, portanto muito natural que uma família e a
entendemos que as dificuldades impostas pelo meio físico a que passaram a viver milhares
de famílias de imigrantes estabelecidas no sul do Brasil eram reforçadas por suas fortes
ligações culturais com seu país de origem. Segundo Emílio Willems, “nenhuma das
115
Idem: p.25.
116
Idem: p.25
117
GILLIS, John R. Commemorations: the politics of national identity. Princeton: Princeton University Press,
1994. p.3
118
HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-modernidade. 4°ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p.47/50
119
WILLEMS, Emílio. Assimilação e Populações Marginais no Brasil. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1940.p. 28.
120
Idem: p. 29.
70
manifestações culturais típicas dos grupos rurais seria concebível fora de um determinado
meio [...] Nada mais estranho e triste do que um campônio legítimo fora de seu meio
nativo, mesmo que seja num ambiente rural, entre homens que são camponeses com ele”.121
A maior parte das colônias fundadas no sul do Brasil ocupou grandes áreas da Mata
Atlântica até então praticamente desabitadas por brancos. Esta região apresentava-se como
um local de difícil acesso, sua grande biodiversidade era algo completamente distinto ao
que estavam acostumados. As florestas européias já não existiam desde meados de 1700,
portanto eram desconhecidas dos europeus do século XIX. Estas áreas foram submetidas a
milhares de anos de impactos de agricultura, pecuária, vida urbana, quando não de plantios
domesticadas e controladas pelo homem. Desta forma, as enormes diferenças entre estes
bosques plantados pelos europeus e a mata nativa que se tornou o novo lar de muitos
Hunsche:
121
Idem: p.30/31.
71
nas florestas, visto que estes locais, desprezados pelos brasileiros, eram os únicos espaços
disponíveis para a fundação de colônias. Que as origens dos alemães possuem significativas
facilitador para os colonos, pelo contrário, tornou-se responsável por suas maiores
poderíamos afirmar que os imigrantes adaptaram-se (com seu modo de vida europeu) na
floresta da forma como a encontraram em sua chegada. A dita adaptação ocorreu através de
adaptação, passando a tratar este processo como um “ajustamento”. Para João Baptista
Borges Pereira, em sua obra Italianos no mundo rural paulista123, “é ponto pacífico que
esta integração entre homem-natureza não se faz num plano de entendimentos tão perfeito,
[...] a ação do homem não se limita apenas em interpretar, a dar sentido a paisagem, mas
122
HUNSCHE, Carlos H. O Biênio 1824/25 da Imigração e Colonização Alemã no Rio Grande do Sul
(Província de São Pedro). Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro – Secretaria de educação e Cultura, 1975.
p.15
123
PEREIRA, João Baptista Borges. Os italianos no mundo rural paulista. São Paulo: Edusp, 2002.
124
Idem: p.63/64
72
Para o imigrante recém chegado, a floresta era ao mesmo tempo o “novo lar” e “um
derrubada de grandes áreas de mata nativa seria uma etapa natural para o surgimento das
sociais internas, acrescidas de certas imposições do meio físico, enquanto a segunda teve
sua origem em contatos com a população nativa. Uma das principais fontes de mudanças
Alemanha rural, um fator que não admitia, geralmente, a transmissão deste ou daquele tipo
determinada também por este tipo de interação social. Embora, para o próprio Willems, a
maior parte das mudanças endógenas tenha ocorrido em função do meio físico.126 A forma
de interação com a mata desencadeou várias destas mudanças culturais ocorridas na vida
então província de Santa Catarina, onde foram fundadas algumas colônias de imigrantes.
instrumentos para análise da interação entre imigrantes e a floresta e de como esta era
125
WILLEMS, Emilio. A aculturação dos alemães no sul do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1980. p.106
126
Idem: p.107.
73
percebida nestes depoimentos. A mata nativa da região foi descrita em seus pequenos
O interesse pelo estudo da vida na selva trouxe ao Brasil no século XIX um grande
se o pesquisador Dr. Fritz Müller (colaborador e amigo de Charles Darwin com quem
região.
Santa Catarina, Dr. Blumenau e Fernando Hackradt, seu parceiro naqueles anos,
percorreram as terras que estavam às margens do Itajaí Açu. Para José Ferreira da Silva, a
majestosa floresta de abundante caça e madeiras de lei, as terras férteis de fácil manejo e a
colônia. A escolha da região entre a o ribeirão Garcia e foz do ribeirão da Velha como sede
da Colônia explicava-se, por este ser o último ponto francamente navegável do rio Itajaí
Em seu primeiro contato com a floresta da região onde dois anos mais tarde seria
fundada sua colônia, Hermann Blumenau evidencia, através de uma carta aos seus pais em
21 de abril de 1848, sua admiração pela paisagem do vale do Itajaí, assim descrevendo-a:
127
Sobre este assunto ver: SCHWARCZ, Lilia. O espetáculo das raças. Cientistas, Instituições e Questão
Racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
128
SILVA, José Ferreira da. História de Blumenau. Florianópolis: Edeme, 1972. p. 33
74
Ao afirmar que “jamais havia visto paisagem tão maravilhosas” deixa claro sua
impressão extremamente positiva desta floresta. Como parte integrante deste objeto
admirado está o agradável silêncio, interrompido apenas pelo canto das aves.
Hermann Blumenau relata sobre as florestas que compõe a região sul do Brasil,
129
BLUMENAU, Hermann. Carta aos pais, 21 de abril de 1848. In: FERREIRA, Cristina e PETRY, Sueli.
(ORG.) Um alemão nos Trópicos – Dr. Blumenau e a Política Colonizadora no Sul do Brasil. Blumenau:
Instituto 150 Anos, 1999. p.35.
75
floresta meridional brasileira reforça a idéia de que a floresta pode possuir significados
integrados e identificados com o que entendiam como floresta não tiveram facilidade na
adaptação inicial ao “novo ambiente”. Para o Dr. Blumenau, as poucas semelhanças entre
Pe. Arcângelo Ganarini, em sua obra Noticias de Brusque e Nova Trento (1880) 131,
refletiu sobre as dificuldades dos primeiros europeus estabelecidos no vale do Itajaí Mirim
em se habituarem à vida na floresta sul brasileira. O “olhar” deste tirolês italiano sobre a
floresta, entendia-a como algo assustador e misterioso. Assim, apresenta-nos mais uma
forma como a mata da região poderia ser percebida pelos europeus que por ela passaram.
130
BLUMENAU, Hermann. Sul do Brasil em suas referências à emigração e colonização alemã. In:
FERREIRA, Cristina e PETRY, Sueli V. (ORG.) Um alemão nos Trópicos – Dr. Blumenau e a Política
Colonizadora no Sul do Brasil. Blumenau: Instituto 150 Anos, 1999. p.75.
131
GANARINI, Dom Arcângelo. Noticias de Brusque e Nova Trento. Revista Blumenau em Cadernos.Vol
1/11, 1959.
76
Santa Catarina da então Província de Santa Catarina em 1858, manteve olhar atento a flora
e fauna da região. As florestas foram alvo de grande parte de suas observações relatadas em
sua obra Viagens para Província de Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Em sua
passagem pela colônia Dona Francisca assim relatou: “muito me chamou atenção a ordem
margem do rio, do outro cercado por volumosas colinas e pela mata virgem, é cortada, em
ângulos retos, por estradas conservadas enxutas por meios de valas laterais”.134
floresta existente. A região onde foi fundada a colônia Dona Francisca e onde hoje está a
132
Idem: Vol.2, p.38.
133
Idem: Vol.3 p.59.
134
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens para Província de Santa Catarina, Paraná e São Paulo. São Paulo
Ed. Itatiaia, 1980. p.181.
77
cidade de Joinville possui um solo bastante alagadiço e úmido. Esta característica foi
135
Idem: p.197.
78
Numa de suas incursões pela floresta nativa da Colônia Dona Francisca Avé-
O vale do Itajaí também foi alvo de análise de Robert Avé-Lallemant. Em seus percursos
pela floresta onde foi fundada a colônia Blumenau, parecia encarar ao mesmo tempo aquele
“mundo natural” como um inimigo a ser derrotado e um paraíso poético a ser admirado.
136
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Op. cit. p.197.
79
Blumenau, manifestava uma percepção diferenciada dos demais colonos em relação à mata,
mas mesmo assim, não escapou de problemas dentro da floresta nativa. Um destes casos é
assim relatado por ele em uma carta à Alemanha para sua irmã Röschen:
137
Idem: p.164/165
138
MULLER, Fritz. Carta para sua Irmã Röschen. In: Centenário de Blumenau 1850 -2 de setembro – 1950.
Blumenau: Edição da Comissão de Festejos, 1950. p.149.
80
pelas colônias de imigração alemã no Brasil para narrar suas impressões, revela em sua
obra um título bastante sugestivo e curioso para esta análise: Os alemães na floresta
brasileira. Escreveu suas observações sobre o que encontrou em sua viagem as colônias
Blumenau e Dona Francisca quase 30 anos após a fundação destas. Procurou percorrer os
vários cantos das regiões de floresta nativa, preocupando-se em detalhar algumas das
∗
O autor refere-se aos caranguejos dos manguezais de Dona Francisca.
81
Em suas excursões pelas florestas do médio vale do Itajaí, Zoeller afirmava invejar as
crianças que lhe acompanhavam de vez em quando, pois eram geralmente mais informadas
que seus pais e avós sobre o mundo selvagem. Os homens especialistas em percorrer a mata
fechada tiveram suas técnicas observadas pelo jornalista. Segundo ele, o mateiro legítimo
andava descalço nas incursões, como, aliás, era comum na região, não por falta de recursos,
mata nativa para o preparo das primeiras lavouras era uma necessidade eminente. A
Philipp Kirschner e seu irmão Rudolph, citados no capítulo anterior, informam, em suas
cartas, detalhes da situação em que viviam na floresta. Philipp, em 1856, em carta ao seu
139
ZOELLER, Hugo. Os alemães na floresta brasileira. Revista Blumenau em Cadernos, Blumenau, Vol. 5.
p.145, 1990.
140
ZOELLER, Hugo. Op. cit. p.145.
82
irmão Luís, deixa clara sua idéia de floresta como adversária ao desenvolvimento e destaca
que a mata nativa tinha sentido o efeito dos machados e cedido lugar a campos produtivos e
O mesmo tipo de inquietação pode ser observado em um artigo escrito em 1900 por
Richard Hinsch142, então diretor da Estação Agropecuária de Salto Weissbach. Neste texto,
além de outros assuntos, descreveu o envolvimento dos colonos agricultores com a floresta
floresta.
141
Idem: p.145.
142
Richard Hinsch foi diretor da Estação agropecuária de Salto Weissbach. Escreveu em 1900 um artigo
orientando os colonos a respeito dos procedimentos adequados para o melhor aproveitamento do solo e as
atividades de preparo da terra. Este texto foi publicado no jornal Der Urwaldsbote em 1900 por ocasião dos
cinqüenta anos de Blumenau e republicado em edição bilíngüe em junho de 2000 na Revista Blumenau em
Cadernos com tradução de Brigitte Kretzschmar.
83
ambiental no século XIX. E mais que isso, a obra de José Augusto de Pádua, “Um sopro de
Destruição” nos apresenta uma série de textos e discursos políticos dedicados á crítica
“bagagens culturais” anteriormente citadas, procurar entender o homem pelo seu tempo.
Seus valores, suas informações e seu contexto eram muito distintos dos nossos atuais. Não
devemos, e não podemos julga-los com nossos olhos de hoje. Nesta pesquisa, procuramos
entende-los sob a ênfase do trabalho rural, do seu lazer e de sua sobrevivência, mas também
Para entendermos melhor o que passou a representar esta floresta sul brasileira na
vida destes colonos, verifica-se que a floresta chegou a emprestar o título ao maior jornal na
colônia Blumenau: Der Urswaldbote, ou seja, “O correio da selva”. Outros vários textos, de
colonos ou viajantes, identificavam a vida nestas colônias como a vida nas florestas, com
143
HINSCH, Richard. Documentos originais: O desenvolvimento da agricultura em Blumenau. Blumenau em
Cadernos, Blumenau, Vol. 6. p. 9, 2000.
144
PÁDUA, José Augusto. Um sopro de Destruição: Pensamento político e Crítica ambiental no Brasil
Escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2002.
84
esta aparecendo como adjetivo comum em vários depoimentos. Um exemplo disso é o texto
Podemos perceber que este sentimento de habitantes da floresta foi incorporado a vida dos
colonos.
os imigrantes. A floresta, que inicialmente era encarada como uma inimiga a ser derrotada,
passa aos poucos a ser aliada dos colonos. Em diversas propriedades rurais foram mantidas
pequenas reservas de mata nativa e que ainda hoje podem ser observadas145. Durante
muitos anos, eram destas florestas que saiam cabos para suas ferramentas, o material
necessário para uma residência ou galpão, o alimento proveniente das caças, etc.
de seus lotes, imigrantes recém chegados estavam expostos a algumas adversidades até
selvagens, tudo poderia ser razão para desilusões e tristezas. É evidente, especialmente se
resgatarmos as memórias de alguns colonos, que nem tudo eram “espinhos” e os bons
momentos desta interação entre o imigrante e a mata também marcaram a história destas
colônias.
145
Sobre a manutenção de reservas de mata observadas atualmente, devemos levar em consideração a série de
leis ambientais promulgadas nos últimos anos.
85
de uma moradia onde fosse possível ao imigrante alojar-se com sua família. Neste
construir sua primeira casa utilizando, basicamente, matéria prima retirada da própria
totalmente inspirado nas residências dos caboclos da região. O tipo primitivo da casa do
86
colono deixava muito a desejar e este era o retrato da vida sem privilégios a que estavam
sujeitos.
encostada a uma das paredes substituía o leito. Troncos de árvores e caixotes substituíam a
telhado de folhas de palmeira. Os currais para porcos e gado também eram feitos, como
146
FERRAZ, Paulo Malta. Como viviam os primeiros colonos. In: Centenário de Blumenau 1850 -2 de
setembro - 1950. Blumenau: Edição da Comissão de Festejos, 1950. p.151.
87
entre os caboclos, com varas de bambu ou palmito, ou estacas fincadas de modo a oferecer
proteção contra a chuva. O interior da ‘casa’ era dividido em dois ou três cômodos. Um
deles era a cozinha e a sala de estar onde havia um fogão aberto. Simples aberturas sem
vidraças, mas fecháveis, serviam para ventilação. A choupana era feita rusticamente e o
material de construção para casa e rancho já eram tabuas cortadas na serraria. Agora se
tratava de uma casa de madeira bem feita e construída sobre pilares. A área era retangular e
de 30 a 40 metros quadrados, o chão era assoalhado. O telhado era puxado para trás,
cozinha.148
147
Idem: p.215.
148
Idem: p.215.
88
chegaram ao modelo de habitação que melhor combinou os traços europeus com alguns
novos adotados na nova pátria. “A casa de tijolos com madeiramento a mostra, tipo
enxaimel, com telhado puxado para frente para cobrir uma varanda, janelas com vidraças e
chão assoalho. A casa de madeira antiga continua, não raro ao lado da construção mais
depoimentos deixados por colonos e viajantes. Além de fornecerem troncos e folhas para
grande valor para alimentação das famílias imigrantes.150 Para Robert Avé-Lallemant,
149
Idem: p.215.
150
Idem: p.145
151
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Op. cit. p.194.
89
Entre os alimentos retirados da floresta que fizeram parte da vida dos colonos ainda
colono, como o taiá** e o mangarito***, sobe os mais altos troncos de árvore e forma
cunhado na Alemanha, o colono Friedrich Ernst Weise apresenta uma curiosa justificativa
para transformação na aparência dos europeus do norte. Segundo ele, “os primeiros tempos
na floresta não passam sempre como se desejaria. Não há, todavia, problemas com o calor;
acostuma-se logo. Perde-se um pouco da cor rosada, mas que volta. Isto se deve à
alimentação, pois não se está acostumado com as frutas do sul. (“Der Pilot”, nr. 31, 4 de
alimentos, de forma geral, não eram muito diferentes dos consumidos na Alemanha. A
diferença mais lamentada estava no pão. O clima da colônia não era propício para produção
de trigo, o que determinou sua substituição por milho e mandioca. No entanto, Ernst Weise
*
Aráceas: Grande família de plantas floríferas, monocotiledôneas, formada por plantas mais ou menos
herbáceas, embora não de raro de grande porte, e que habitam, em geral, as matas sombrias e úmidas. As
plantas tem, quase sempre, rizomas tuberosos, vários deles comestíveis. Vivem sobretudo na zona tropical, e
há quase 2000 espécies, numerosas brasileiras.
**
Taiá: Erva da família das aráceas, originária da América Tropical e muito cultivada como alimento, de
folhas longamente pecioladas, de tonalidade azulada, e que, picadas e cozidas, servem como couve.
***
Mangarito: Erva da família das aráceas, de origem incerta, produtora de rizoma farináceo e comestível,
cujas grandes folhas sagitadas e cobertas de pruína azulada, e que alcança uns 50 cm de comprimento.
152
Idem: p.192.
153
ALVES, Débora Bendocchi. Notícias de Blumenau: Cartas dos irmãos Weise publicadas nos jornais da
Turíngia. Revista Blumenau em Cadernos, Tomo XLI – N.11/12, 2000. p.70.
90
observou também uma importante vantagem na alimentação brasileira. O clima mais ameno
permitia manter os animais nas pastagens durante o ano inteiro, conseqüentemente reduzia
os gastos com ração, e isto era uma garantia de poder ter muito mais carne disponível a um
menor custo. Além disso, a caça era permitida nas florestas brasileiras possibilitando outra
fonte de alimento aos colonos (“Der Pilot”, nr. 32, 11 de agosto de 1857). O colono John.
Georg Heinrich Weise, irmão e parceiro de Friedrich Ernst, comentou sobre a oferta de
caça em Blumenau em uma de suas cartas publicadas no “Der Pilot”. Segundo ele “Não há
falta de carne; carne selvagem há em abundância. Um pouco antes de minha chegada meu
irmão caçou uma onça e capturou uma segunda numa armadilha na floresta. Ele também
mata várias galinhas por dia. (“Der Pitol”, nr. 30, 28 de julho de 1857)”
do significado da floresta da Europa para o sul do Brasil. De prática exclusiva dos nobres
imigrantes nas florestas meridionais brasileiras. A caça é incorporada como uma das
principais atividades de lazer dos colonos. Nos seus passeios pela mata, Hugo Zoeller
ocasião em que tomou parte de uma “turma de mato”, liderada por um agrimensor e que
tinham a tarefa de medir terras na região da Hamônia (Ibirama). Neste contexto, subindo o
rio Hercílio a bordo de uma canoa, relata em pormenores aspectos da fauna e flora. Fica
evidente, em sua curta descrição, que a caça acontecia à medida que a “turma de mato” se
deslocava em seu trabalho habitual. Não se parava o trabalho para caçar em busca de
provisões. Lacmann descreve seu “primeiro jantar” num rancho montado para passar a
noite, jantar este com carne de jacu, abatido à margem do rio, à medida que as canoas
avançavam. Relata ainda, que no dia seguinte, os dois cães que faziam parte da
154
ZOELLER, Hugo. Op. cit. p.146.
155
BLUMENAU, Hermann. Sul do Brasil em suas referências à emigração e colonização alemã. In:
FERREIRA, Cristina e PETRY, Sueli V. (ORG.) Um alemão nos Trópicos – Dr.Blumenau e a Política
Colonizadora no Sul do Brasil. Blumenau: Instituto 150 Anos, 1999. p.65.
156
LACMANN, Willhen. Ritte und Rasttage in Südbrasilien - Reisebilder und studien aus dem Leben der
deutschen Siedelungen. Berlin: Vertag Diertrich Reimer, 1906.
92
caça. Soltos na margem, logo localizaram um veado, o qual acuado, atirou-se no rio, onde
colono na mata, visto que normalmente se fazia acompanhar de uma arma de fogo. Era uma
festejos junto às florestas. Um “velho colono” blumenauense assim relatava suas memórias:
Como vemos aqui, a vida na floresta também proporcionava aos colonos o contato
com uma grande diversidade de animais selvagens. Contratando com as prazerosas caçadas
esta proximidade também era responsável por algumas situações de perigo. Especialmente
nos primeiros anos, ataques de animais selvagens considerados perigosos, como cobras e
157
Conversa de um Velho Colono Blumenauense.Joinville: Calendário Der Volksbote, 1903. In: DEEKE,
José. O município de Blumenau e a História de seu desenvolvimento. Blumenau: Nova Letra, 1995. p.71.
93
mais freqüentes e perigosas. Uma preocupação com este tipo de problema foi levantada por
Hermann Blumenau ainda em 1850 em sua obra Sul do Brasil em suas referências à
emigração e colonização alemã. O texto atua, neste caso, como uma espécie de “manual de
primeiros socorros”. A atitude a ser tomada em caso de mordida de cobras venenosas foi
Dr. Fritz Muller, grande estudioso da vida animal, teve durante toda sua longa vida
na Colônia Blumenau uma relação muito estreita com a mata nativa. No entanto, assim
como todos os outros colonos, ele estava sujeito a problemas com animais selvagens. Em
carta a sua irmã Röschen, Müller descreve um curioso ataque de onça ocorrido junto a sua
propriedade.
158
BLUMENAU, Hermann. Sul do Brasil em suas referências à emigração e colonização alemã. In:
FERREIRA, Cristina e PETRY, Sueli V. (ORG.) Um alemão nos Trópicos – Dr.Blumenau e a Política
Colonizadora no Sul do Brasil. Blumenau: Instituto 150 Anos, 1999. p.77.
94
seu cachorro. Não quis acredita-lo, porém logo duas noites após,
apareceram mortos dois porcos de meu vizinho e, na manhã
seguinte, encontramos no caminho uns rastos de animal, que devia
ser muito grande e devia estar acompanhado por um outro menor,
do tamanho de um gato bem grande. Preparamos, logo, as
espingardas, as armadilhas e guardamos bem os animais. À noite,
depois de ter notado o desaparecimento de um cachorro, um grito
repentino fez acordar meu irmão Augusto. Em companhia de S...,
meu irmão foi ao chiqueiro e viu que duas tábuas do teto estavam
separadas e no chão encontrava-se um porco morto. Pelas marcas
de sangue, via-se que a onça já erguera sua presa no teto. Ambos,
então, pegaram o animal morto e o amarraram a um tronco de
árvore, próximo a casa, quando reapareceu a onça, que foi recebida
com dois tiros. Por um pequeno instante, a fera estacou. Depois
fugiu aos saltos para a mata. Na manhã seguinte, seguimos por
muito tempo as marcas de sangue, mas, desde então a fera não mais
apareceu.159
colonos, esta ferramenta era indispensável para vida na floresta. Hugo Zoller destacou a
importância deste instrumento, segundo ele: “Para abrir uma brecha no emaranhado da
floresta usa-se um facão e um outro menor que é a faca de caça. Quando bem afiado cada
golpe corta os galhos e cipós como se fosse manteiga ou queijo. No início se tem
dificuldade, mas aos poucos se pega o jeito que consiste somente em golpear o galho da
159
MULLER, Fritz. Carta para sua Irmã Röschen.In: Centenário de Blumenau 1850 -2 de setembro – 1950.
Blumenau: Edição da Comissão de Festejos, 1950. p.150.
160
ZOLLER, Hugo. Op. Cit. p.145.
95
mata ganhou espaço na vida das colônias: o comércio de madeiras serradas. Esta era
certamente, uma das atividades onde o confronto entre imigrantes e a floresta se deu de
forma mais intensa e longa. O surgimento de serrarias ao longo do vale do Itajaí e norte de
local. Com a matéria prima facilmente disponível esta se tornava, geralmente, uma
Serraria em Blumenau
madeiras, embora destacasse que o rendimento no corte destas árvores seria maior que na
161
Idem: p.231.
96
atividade madeireira.
162
KIRCHNER, Philipp e KIRCHNER, Rudolph. Interessante Correspondência. Blumenau e Cadernos.
Blumenau, Vol. 7. p.199/200, 1996.
97
destas colônias também pode ser compreendido através dos documentos oficiais. Os
relatórios e os quadros estatísticos anuais nos dão conta do número de serrarias existentes
em cada colônia ao longo dos anos. Estes estabelecimentos eram enquadrados ao lado de
mapa estatístico da colônia Dona Francisca em 1868164. Neste, observamos que dos
responsável por cerca de 56:000$000 réis, aparecendo como o principal produto exportado
no ano.
madeireira em Brusque. Segundo este documento, a maior parte dos primeiros colonos,
fracos agricultores, se o eram, não haviam encontrado incentivo para os trabalhos agrícolas,
mas lutando com toda sorte de dificuldades, e principalmente falta de vias de comunicação,
trocarão o arado pelo machado, a enxada pela serra, e entregaram-se a preferência pelos
163
COLOMBI, Luiz Vendelino. Blumenau: da economia de subsistência à industrialização (1850-1880).
Revista Blumenau em Cadernos. TomoXLII – N.1/2, 2001. 81
164
Dados obtidos no Décimo sexto Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849. p.13/14.
Acervo: AHJLLE – Trad. Helena Richlin
165
FALA DIRIGIDA Á ASSEMBLÉIALEGISLATIVA PROVINCIAL DE SANTA CATARINA EM 21 DE
MARÇO DE 1875 PELO EXM. SR. PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DR. JOÃO THOMÉ DA SILVA. CIDADE
DE DESTERRO, TYP. LOPES, 1875. p.93. Brazilian digitization Homepage. Disponível em:
<<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
98
corte de madeiras. Segundo o mesmo relatório, esta estava sendo a causa maior do tardio
mais imediato teria sido a grande motivação para esta escolha, já que a plantação aparecia
grandes áreas de mata, alguns imigrantes também foram responsáveis por um processo
Hugo Zoller, durante sua visita as colônias de Santa Catarina, esteve atento a estas
colônia com a introdução de novas plantas teria tido como conseqüência desagradável à
introdução involuntária de ervas daninhas. Estas teriam sido utilizadas como plantas
trazidas par Blumenau e Dona Francisca. Segundo ele, em Blumenau, de uma maneira
geral, as árvores florestais não se aclimatizaram, mas legumes e verduras deram excelentes
resultados. Das árvores florestais, somente alguns exemplares de carvalho, faia (Buche),
Tília (Linde), betuba (Birke), não haviam se adaptado. A única fruta alemã que havia se
pêssego. Morangos cresciam bem, mas, maças, pêras, ameixas aprilots, cerejas, uvas, uva
resultados eram outros. As frutas com excelentes desempenhos na região eram as bananas,
166
ZOLLER, Hugo. Op. Cit. p144
99
europeus os melhores resultados tinham sido obtidos com ervilhas, feijão, aspargo, repolho
e alface. 167
exóticas, também se fez aparecer por seu sobrinho, Vitor Gaertner, que por volta de 1870
plantadas ao lado da Igreja Protestante e após muitos anos alcançaram um imenso porte.168
Hoje esta espécie de pinheiro é bastante difundida em varias regiões do Brasil. Entre as
suas finalidades comercias está a fabricação de móveis por um baixo custo. As grandes
madeireiras geralmente possuem grandes áreas desta espécie, visto que o seu rápido
Assim como nos dias de hoje, as excessivas chuvas causavam no século XIX sérios
eram notadamente os mais sentidos pelos colonos, pois, neste caso, a recuperação das
pode ser percebida em alguns trechos dos relatórios anuais da Sociedade Colonizadora de
de cultivo. Par este problema, uma conclusão hoje absurda para nós foi tirada pela direção.
167
Idem, 144.
168
Pioneirismo. Revista Blumenau em Cadernos. Maio de 1968. Vol. 9. p. 99/100.
100
Segundo eles, a experiência mostrava que a chuva tendia a diminuir com o desmatamento
da mata e por isso no futuro, com o avanço do fogo e do machado, poderiam ter em vista a
garantia de uma precipitação atmosférica menos intensa, sem que, depois da retirada da
clareiras feitas nas florestas havia controlado as chuvas que castigavam os primeiros anos
de Dona Francisca.170
Este tipo de argumento infundado pode também ter sido utilizado como argumento
na perspectiva do trabalho rural, vemos esta posição como algo muito mais próximo de
Este excesso de chuva a que acabamos de nos referir aliado a este solo
propagação de doenças.
tifo.172 Entre os temas mais abordados nos relatórios anuais da sociedade colonizadora de
169
Dados Obtidos no Terceiro Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849. Acervo: AHJLLE
– Trad. Helena Richlin. p.45/46.
170
Dados obtidos no Sexto Relatório da Sociedade Colonizadora da Hamburgo de 1849. Acervo: AHJLLE –
Trad. Helena Richlin. p.80.
171
FICKER, Carlos. Transformação étnica e social do imigrante e da língua alemã em Santa Catarina. In:
Blumenau em Cadernos.novembro de 1970. Vol. 11. p.210.
172
FICKER, Carlos. História de Joinville: Crônicas da Colônia Dona Francisca. Joinville: Tupy, 1965.
p.104.
101
ao ano de 1855, seus responsáveis afirmam que a mortalidade havia diminuído muito em
relação aos anos anteriores. Justificavam esta redução pela abertura de maiores extensões
de clareiras e cultivos, aos cuidados com a dieta e o modo de vida, necessários para rápida
aclimatação, mas,que não eram levados em consideração pela maioria dos primeiros
imigrantes. Além disso, a chegada de médicos capacitados também teria tido papel
Em seu depoimento sobre o clima do vale do Itajaí, Zoeller observava que o verão
poderia atingir altas temperaturas. Para ele, esta estação não era propícia para o estado de
mais doenças que o inverno. Entretanto, chamava sua atenção a baixa intensidade de casos
de insolação, pois, mesmo com a elevada temperatura não houve uma vítima fatal durante
casos de afogamentos no rio Itajaí Açu, especialmente nos primeiros anos. Algumas das
Entre estes graves problemas encontrados pelos colonos na vida em meio à floresta
173
Dados obtidos no Quinto Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo. Acervo: AHJLLE – Trad.
Helena Richlin. p.68.
174
ZOELLER, Hugo. Os alemães na floresta brasileira. In: Revista Blumenau em Cadernos: maio de
1990. Vol. 5. p.146.
102
presença dos europeus bastaria para expulsa-los da região”. 175 No entanto, a colonização,
especialmente no vale do Itajaí, foi marcada por constantes conflitos entre os Xokleng,
De acordo com Débora Bendocchi Alves, a região da Blumenau teria sofrido entre
1852 e 1883, no mínimo, 11 ataques de índios. Alguns dos relatos deixados apontam para
depoimentos descrevem esta relação sob o ponto de vista dos colonos, dos funcionários
públicos e dos agentes colonizadores. Os encontros são narrados através dos vocábulos
ataque, roubo, saque, assassinato, rapto, cerco, morte a pauladas, etc. sendo que a agressão
inicial partia sempre dos Xokleng”. Segundo Roselane Alves, “o mérito da questão, que
colocava o indígena nesta posição, não era ‘porque ele fez?’, mas ‘o que ele fez?’ e ‘como
ele fez?’. Nesse caso, em especial, como ele fez, é ainda mais importante no discurso
jornalístico.”177
podemos supor. Entendemos, como Sílvia Arend e Luísa Wittmann que “nas suas
175
ALVES, Débora Bendochi. Revista Blumenau em Cadernos. p.71
176
Ao final do século XIX, com a intensificação dos conflitos, aumentam as expedições dos chamados
bugreiros, conhecidos como caçadores de índios, contratados para defenderem os interesses dos colonos. Os
bugreiros, “nas suas batidas pelo mato, muitas vezes matavam os homens e as mulheres Xokleng adultas e
capturavam jovens e crianças que eram levados para as sedes dos distritos ou para cidade de Blumenau”.176
Estas ações eram encaradas, na visão destes agressores, como forma de revide aos ataques indígenas contra
famílias de imigrantes.
177
ALVES, Roselane Maria. “Se mostram os bugres” Abordagens da imprensa catarinense sobre o indígena
(1900-1914). Florianópolis 2000. Dissertação (Mestrado em, História). Universidade Federal de Santa
Catarina. p.103.
103
descrições, talvez, eles utilizassem as palavras medo, espanto, curiosidade, pegar, defesa,
Não cabe a aqui procuramos apontar maiores ou menores culpados entre colonos e
indígenas, no entanto devemos enfatizar esta ausência da versão dos Xokleng para os
conflitos e ter clareza de que este já era um território ocupado. Enfim, esta relação, violenta
floresta.
colonos e a floresta, um processo marcado por momentos difíceis como estes, mas também
pelo surgimento de possibilidades promissoras para muitos europeus que viviam em grande
dificuldade em seus países de origem. A maior parte destas boas alternativas surgiu através
das atividades agrícolas, fazendo com que o modo de vida rural, objeto do próximo
178
AREND, Silvia Maria Fávero e WITTMANN, Luisa Tombini. O problema dos Xokleng no município de
Blumenau (1900-1914) polifonias. In Revista Blumenau em Cadernos. Tomo XLIII – n 05/06 – Maio/Junho
de 2002. p.65-66.
104
CAPÍTULO III
VIDA RURAL
imigrantes europeus no sul do Brasil durante o século XIX. As colônias agrícolas tinham
A vida rural dos imigrantes estabelecidos nas colônias do vale do Itajaí e norte de
Santa Catarina durante a segunda metade do século XIX é o assunto deste terceiro capítulo.
Através dele, procuramos apresentar a pequena propriedade rural como o centro das
procuramos compreender quais eram culturas agrícolas cultivadas, que animais eram
práticas rurais adotadas, e por esta razão, sua análise surge como um dos mais importantes
A pequena propriedade colonial foi assumida, desde o início, como a unidade básica
do sistema colonial. As práticas rurais adotadas pelos imigrantes eram demarcadas pelos
este modelo não foi adotado por muito tempo. Após a Lei de Terras, em 1850, onde a
concessão foi substituída pela compra, o tamanho médio dos lotes foi reduzido primeiro
Blumenau, por exemplo, a maior parte dos seus primeiros, lotes divididos em 28 de agosto
de 1852 pelo Dr. Blumenau, possuía por volta de 35 hectares179,mas, em sua seqüência os
aquisição de um lote colonial era a derrubada de parte da mata para construção de uma
modestíssima residência e para o surgimento das primeiras plantações. Aos poucos, para
propriedades vai sendo aperfeiçoada. Além dos avanços na construção de suas residências,
179
Apenas as propriedades do Dr. Fritz Müller e de seu irmão Augusto Müller aproximaram-se de 50 hectares
de superfície.
180
SILVA, Zedar Perfeito da. O vale do Itajaí. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1954. p.26.
106
maior parte das propriedades rurais das colônias alemãs de Santa Catarina seguiu uma
estrutura comum quanto à divisão do espaço, determinada, entre outras razões, pelo modelo
Esta forma de distribuição dos lotes coloniais pode ser entendida através deste mapa
da colônia Blumenau em 1864, onde observamos sua demarcação de forma retangular com
107
sentido longitudinal em relação a estradas e rios. Este formato alongado fez com que, nas
colônias fundadas em vales estreitos, os lotes tivessem seus fundos no alto dos morros.
Desta forma, as plantações, iniciadas nas várzeas avançavam pelas encostas chegando até
uma pequena reserva de mata no alto das colinas. Os morros não eram totalmente
desmatados, permitindo uma reserva de madeira e lenha para propriedade. Estas paisagens
podem ser identificadas até hoje nas regiões rurais do vale do Itajaí.
todos colonos lotes com características semelhantes e providos de água, mata e pelo menos
mínimas condições de acesso (picadas, estradas, etc), este modelo também permitia uma
maior aproximação física entre as casas dos colonos. Para Giralda Seyferth181, o fato da
propriedade rural também ser chamada de colônia é carregado de significado. Segundo ela,
(Fig.11) Fonte: Desenho de Anamaria P. R. Teixeira dos Santos, baseado em croqui de Teobaldo Jamundá In:
Centenário de Blumenau 1850 -2 de setembro - 1950. Blumenau: Edição da Comissão de Festejos, 1950.
181
SEYFERTH, Giralda. Imigração e Cultura no Brasil. Brasília: Editora da UNB, 1990. p.25.
182
Idem, p.25.
109
atividade policultora e a criação de animais fizeram com que cada propriedade possuísse
seus espaços bem demarcados. Em sua maioria, as partes fundamentais estavam assim
distribuídas: a casa ficava próxima de riachos e da estrada; os ranchos ficavam aos fundos e
domésticas. Mais afastado ficavam as pastagens cercadas para cavalos e vacas, assim como
prevaleceu durante muitos anos, e ainda hoje é possível observar sua presença nos distritos
rurais das antigas colônias. Mesmo com áreas cada vez mais fragmentadas, proporcionando
propriedades cada vez mais inviáveis economicamente, o modelo de distribuição dos lotes
onde a produção agrícola brasileira era baseada nos latifúndios monocultores, a exploração
do lote colonial também se caracterizou pelo uso de técnicas agrícolas muito rudimentares.
Os colonos usavam o mais primitivo sistema agrícola, que “consiste em derrubar e queimar
a mata seguida do plantio que emprega basicamente a enxada. Depois de cultivar esta
secundária, enquanto uma nova área de mata é derrubada para ter a mesma função”.183 A
adoção desta prática brasileira de cultivo, conhecida como coivara, foi justificada pela
183
WAIBEL, Léo. Princípios da colonização européia no sul do Brasil. Revista Brasileira de Geografia.
Ano XI – Abril-Junho de 1949 – Nr.2. p.180.
184
SEYFERTH, Op. Cit., p.30.
112
Os colonos pioneiros receberam-nas, especialmente, dos caboclos que viviam nas regiões
próximas as colônias.
excessivo da terra, ao longo dos anos, quando a terra em descanso passa a ser reutilizada a
qualidade já é muito inferior ao primeiro uso. Segundo Léo Waibel, “se os sistemas
agrícolas extensivos não dão resultados satisfatórios nas grandes propriedades, quando
aplicados nas pequenas, tornam-se ilógicos e perigosos. O termo extensivo quer dizer que
os três fatores da produção – terra, capital e trabalho – a terra, é o principal e deve ser
abundante. Mas isto não acontece nas pequenas propriedades dos colonos europeus do
Brasil meridional”.185
O tradicional lote colonial de 25 hectares não permite o pousio das terras por um
período longo, ou ao menos suficiente, resultando no rápido esgotamento do solo. Este fato,
ao lado do parcelamento dos lotes por herança, é apontado como um dos grandes
responsáveis pela migração da população camponesa excedente para regiões mais recentes
de colonização.186
De acordo com Giralda Seiferth, com o uso da coivara pelos colonos, “deixou de ser
técnicas agrícolas mais modernas da Europa não foram introduzidas no país. Com detalhe
185
WAIBEL, Op.Cit.p.181.
186
SEYFERTH, Op. Cit., p.30.
113
adicional que deve ser lembrado: boa parte dos imigrantes veio de regiões européias onde a
Brasil, Léo Waibel, propôs uma divisão em três sistemas agrícolas que representam,
atenções apenas nos dois primeiros estágios. De qualquer forma, segundo o autor, “apenas
em poucas áreas o desenvolvimento real da paisagem cultural passou pelos três estágios. A
maioria das áreas atingiu somente o segundo estágio, e muitas chegaram a um ponto morto
no primeiro estágio”.188
187
SEYFERTH, Op. Cit. p.30.
188
WAIBEL, Op.Cit.p.182
189
WAIBEL, Op. Cit. P.182.
114
Léo Waiibel destaca que “os alemães, como os demais colonos europeus, receberam
dos índios não somente o sistema de rotação de terras, mas também as plantas cultivadas
por estes (o milho, o feijão preto, a mandioca, a batata doce) e até a ferramenta indígena, a
reconhecido depois que a maior parte das matas é devastada, que a densidade da população
aumenta, e quando são construídas estradas utilizáveis pelas carroças de quatro rodas dos
claramente expresso pelos tipos de casas que, em contraste com o tipo uniforme de casa dos
que ganha importância neste estágio. No entanto, seu uso ficou restrito as áreas planas
desmatadas há mais tempo, já que era inviável nas terras íngremes ou recentemente
desmatadas. Apesar de ser indicativo de avanços no trabalho agrícola, nesta fase a terra
arada, ainda não é cultivada junto à criação de gado, impedindo que a terra seja adubada
190
WAIBEL, Op. Cit. P.181.
191
WAIBEL, Op.Cit.p.186.
115
naturalmente. Pelo contrário, a alternância entre campos arados e capoeiras (melhor prova
De acordo com Léo Waibel, esta união entre a criação de gado e a agricultura só é
que é ainda no segundo estágio que os colonos passam a criar, além de porcos e aves,
algumas poucas cabeças de gado que lhes fornecem leite e manteiga, e que são criados em
pastos plantados e cultivados em volta da casa do colono. No entanto, mesmo que estes
colonos quisessem colocar esterco nos campos não teriam animais suficiente para produzi-
lo em quantidade utilizável. Waibel destaca que o modelo de criação de gado adotado pelos
solo.
também teve um papel importante dentro da vida rural dos imigrantes. Além de alternativa
sendo utilizados por homens, mulheres e crianças. Para Emílio Willems, “uma camponesa
montada em cavalo seria a idéia mais extravagante para o cérebro conservador do alemão
rústico”.193
192
WAIBEL, Op.Cit.p.185.
193
WILLEMS, Op. Cit. p.68.
116
demarcadas pela pequena propriedade agrícola e apoiadas pelo uso de técnicas agrícolas
Catarina, assim como na maior parte das colônias de imigrantes europeus estabelecidos no
117
sul do Brasil durante a segunda metade do século XIX, o principal alicerce para o
relações de mercado de cada produto, determinavam o que seria ou não cultivado. Este
conjunto foi decisivo para que a produção de cada colônia possuísse grandes semelhanças,
Com objetivo de analisar e refletir sobre quais eram as espécies mais cultivadas e
que tipo de transformações elas sofrem ao longo da segunda metade dos oitocentos
buscamos reunir alguns dados estatísticos sobre a produção agrícola presentes nos
da outra é um aspecto de grande importância nesta busca por compreender a relação entre o
imigrante e o meio natural. Neste momento, nossa análise abre espaço para a interferência
três principais colônias catarinenses deste período: Blumenau, Brusque (Itajaí e Príncipe
Dom Pedro) e Dona Francisca. Neste caso nossa análise ficou condicionada as informações
referentes à produção de cada colônia foi o primeiro obstáculo desta análise. Em função de
uma análise serial ao longo de toda segunda metade do século XIX ficou prejudicada. Outra
século XIX: as unidades de medida. Na análise da agricultura nos deparamos com diversos
problemas deste tipo, sobretudo para os anos anteriores a implantação do sistema métrico
118
cultivada de uma colônia e sua transformação ao longo dos anos. No entanto, este tipo de
ocupação territorial.
encontramos algumas descrições sobre a área196 que ocupavam cada uma das principais
culturas produzidas em Dona Francisca nos anos de 1860197, 1864198 e 1867199, nove, treze
194
Até 1862 o Brasil utilizava as unidades e medidas de Portugal (ex: vara , braça (extensão), quintal (massa),
etc), mas estas medidas nunca foram rigorosamente cumpridas. Em 1862 o Sistema Métrico francês foi
adotado em todo o Império, mas somente em 1872 foi aprovado o Regulamento do Sistema adotado.
195
Para viabilizarmos esta análise procuramos, quando possível, uniformizar as unidades de medidas
utilizando valores aproximados obtidos através de conversão com base em valores reconhecidos.
196
Foi feita uma conversão de braças quadradas e morgos para hectares. Utilizamos os seguintes valores: 1
braça quadrada = 4,84 metros quadrados; 1 hectare = 10000 metros quadrados. 1 morgo = 0,242 hectares.
197
Nono Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849. p.13/14. Acervo: AHJLLE – Trad.
Helena Richlin.
198
Décimo terceiro Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849. p.13/14. Acervo: AHJLLE –
Trad. Helena Richlin
199
Décimo sexto Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849. p.13/14. Acervo: AHJLLE –
Trad. Helena Richlin
119
100%
90% tubérculos
80% arroz
70%
fumo
60%
araruta
50%
40% cana-de-açúcar
30% milho
20% feijão
10% mandioca
0%
1860 1864 1867
(Gráfico 1)
desses anos. Observamos através dele que o milho e a mandioca mantiveram-se durante
este intervalo como os mais produzidos desta colônia. De acordo com os relatórios de 1860
e 1864, os tubérculos (cará, inhame, taiá, etc.) também tiveram registravam uma importante
ocupação, no entanto, em 1867 a sua ocupação fica em segundo plano ao lado do cultivo de
arroz e da cana-de-açúcar. Neste momento, a cana, importante cultura para economia das
De acordo com estes dados, o cultivo do milho manteve-se como o maior entre as
plantações de Dona Francisca (pelo menos até 1867) ocupando 492 hectares em 1860, 596
em 1864 e 555 em 1867. Já a mandioca era cultivada 363, 279 e 402 hectares nos anos de
Francisca não tinham qualquer relação com a origem européia dos colonos. Pelo contrário,
120
a que passaram a viver e, sobretudo, com as influencias de lusos, caboclos e indígenas nas
área ocupada por cada cultura. Em 1861200, onze anos após a fundação da colônia e nove
após a distribuição dos lotes aos primeiros colonos, a plantação da colônia seguia a
proporção abaixo.
café
100% tubérculos
80% arroz
fumo
60%
cana-de-açúcar
40% milho
20% feijão
mandioca
0%
1861
(Gráfico 2)
hectares respectivamente.
200
Dados obtidos no Quadro estatístico do ano de 1861. Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva.
P02.14 141.
121
Brasil e pouco comuns aos europeus. Estes dados de 1861 correspondem a um período de
transição para Blumenau, já que a partir de 1860 esta colônia deixa de ser particular e passa
não contava em todos relatórios anuais, apresentamos aqui dados referentes ao período
onde esta esteve sob administração do imperial, ou seja, depois de 1860 e antes de sua
emancipação em 1880.
450 424
400
350
300
250 234
Percentual
200
150 população
100 74 61 45 área cultivada
50 39 21 33
0
1861- 1868- 1873- 1877-
1868 1873 1877 1880
intervalo
(Gráfico 3)
122
cultivada, respeitando quatro intervalos. Através deste, percebemos que o crescimento das
plantações foi maior que o aumento no número de habitantes em três dos quatro intervalos.
No entanto, com exceção do primeiro intervalo, os percentuais aparecem com uma certa
equivalência, o que nos permite afirmar que esta relação manteve-se razoavelmente estável
neste período.
O aumento gradativo das áreas cultivadas aponta para um avanço constante sobre as
áreas de mata nativa e por conseqüência direta, uma rápida transformação na paisagem
local. Algumas culturas, como cana-de-açúcar, milho e mandioca, ganharam cada vez
uma maior rentabilidade para os colonos, mas, em função do alto custo, eram mais comuns
201
Os dados foram obtidos nos seguintes relatórios: Quadro estatístico do ano de 1861. Acervo: Arquivo
Histórico José Ferreira da Silva. P02.14 141 / Mapa estatístico da Colônia Blumenau do ano de 1868.
Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. P02.33 332. / MAPA ESTATÍSTICO DA COLÔNIA
BLUMENAU DO ANO DE 1873 IN: FALA DIRIGIDA Á ASSEMBLÉIALEGISLATIVA PROVINCIAL DE
SANTA CATARINA EM 25 DE MARÇO DE 1874 PELO EXM. SR. PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DR.
JOÃO THOMÉ DA SILVA. CIDADE DE DESTERRO, TYP. LOPES, 1874. Brazilian digitization Homepage.
Disponível em: <<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004. / Mapa estatístico da
Colônia Blumenau sobre o fim de 1877. Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. P02.66 668. /
Mapa demonstrativo da situação, origem e condições da Colônia Blumenau referentes ao ano de 1880.
Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. P02.85 859.
123
alambiques, existentes na colônia Blumenau. Em segundo plano, mas também com grande
entre cada uma das colônias. Em Dona Francisca, por exemplo, os engenhos de mandioca,
com cerca de 20 estabelecimentos202. A importância disso pode ser observada pelo fato de
neste período Dona Francisca e Blumenau, colônias maiores e mais antigas, possuíam cerca
visibilidade se combinadas aos números da produção agrícola de cada uma destas colônias.
Para isso, buscamos através dos relatórios oficiais203 alguns resultados anuais desta
202
FALA DIRIGIDA Á ASSEMBLÉIALEGISLATIVA PROVINCIAL DE SANTA CATARINA EM 21 DE
MARÇO DE 1875 PELO EXM. SR. PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DR. JOÃO THOMÉ DA SILVA. CIDADE
DE DESTERRO, TYP. LOPES, 1875. p.93..Brazilian digitization Homepage. Disponível em:
<<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
203
Os relatórios oficiais apresentam-se ao pesquisador como uma importante fonte de informação.No entanto,
estes documentos apresentam apenas uma versão e que por vezes pode ter sido manipulada de acordo com os
interesses da atual administração. Por esta razão, o historiador deve ter sempre uma suspeita em relação a esta
documentação.
204
Foi efetuada a conversão de escalas de medidas para quase todos produtos agrícolas analisados. Nos casos
onde o produto estava em arrobas foi feita uma conversão direta para quilos (1 arroba = 14,6 kg) ou tonelada
(1 tonelada = 1000 Kg). Quando os produtos estavam em alqueires, seus valores foram primeiramente
convertidos para litros (1 alqueire = 40 litros) e posteriormente para hectolitros (1 hectolitro = 100 litros)
[fonte: . No caso do milho utilizamos também a conversão: 1 alqueire = 30,2 Kg [Fonte: LUNA, Francisco
Vidal e KLEIN, Herbert S. Nota a respeito de medidas para grãos utilizadas no período colonial e as
dificuldades para sua conversão ao sistema métrico. Boletim de História Demográfica. Ano VIII, número 21,
março de 2001.Disponível em: <<http://historia_demografica.tripod.com/BHD.HTM >> Acesso em 5 de
fevereiro de 2004.] Para conversão de medidas de aguardente utilizamos a seguinte fórmula (1 medida = 4
quartilhos ; como 1 quartilho = 0,6 litros, então 1 medida = 2,4 litros) [fonte: COSTA, Iraci del Nero da.
Pesos e medidas no período colonial brasileiro: denominações e relações. In: Boletim de História
Demográfica. Núcleo de Estudos em História Demográfica. Ano I, Abril de 1994. Disponível em:
<<http://historia_demografica.tripod.com/BHD.HTM >> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.] Apenas nas
unidades feixes de milho e mãos de milho, não conseguimos fazer tal conversão. Sabe-se que 1 mão de milho
= 50 espigas de milho, mas, como os outros valores de milho encontram-se em grãos, esta conversão é muito
complicada.
125
produção agrícola das colônias aqui estudas. Os valores correspondem a basicamente duas
unidades de medida: quilos e hectolitros. Em função desta diferença não foi possível
elaborarmos uma comparação precisa entre todos produtos agrícolas apresentados. Mesmo
dados referentes aos primeiros vinte e cinco anos após a fundação da colônia,
antes da fundação do núcleo de São Bento205. Nossa pesquisa procurou analisar a produção
e não a rentabilidade de cada produto, procuramos saber o que era mais produzido sem a
obrigação de compreender que cultura era mais lucrativa. A análise da evolução de alguns
produtos ficou prejudicada em alguns casos, seja pela baixa produção, pela dificuldade em
e dois anos após a fundação da colônia, percebemos mais uma vez a importância das
tubérculos. Neste ano, os dois estavam entre os mais produzidos de Dona Francisca. Os
205
Em 1873 a Sociedade Colonizadora de Hamburgo fundou o núcleo colonial de São Bento, hoje município
de São Bento do Sul. A partir deste momento os relatórios reduziram as especificidades sobre cada núcleo, o
que impediu a obtenção de maiores informações sobre os anos posteriores.
206
Dados obtidos em: MAPA ESTATÍSTICO DA COLÔNIA BLUMENAU DO ANO DE 1873 IN: FALA
DIRIGIDA Á ASSEMBLÉIALEGISLATIVA PROVINCIAL DE SANTA CATARINA EM 25 DE MARÇO DE
1874 PELO EXM. SR. PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DR. JOÃO THOMÉ DA SILVA. CIDADE DE
DESTERRO, TYP. LOPES, 1874. Brazilian digitization Homepage. Disponível em:
<<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
126
dados apontam para uma colheita de cerca de 11.100207 toneladas de tubérculos e para
toneladas no mesmo ano ou para o café com 12 toneladas, percebemos a importância desta
observação. Outra cultura agrícola de destaque neste período era o milho, sua produção em
Aliás, o milho foi uma cultura de fundamental importância para todas colônias aqui
estudadas. Na Colônia Brusque209, por exemplo, seu cultivo esteve sempre à frente nos
comparada a outro importante produto da colônia: o açúcar. Para sua elaboração utilizamos
ocorrida em 1881.
207
Este valor, exposto no Relatório da Presidência da Província de Santa Catarina de 1876, é exagerado se
comparados aos demais produtos da colônia. Uma possível explicação para isso é o fato deste produto ser
comumente apresentado em litros e não em quilos como neste relatório. O Relatório de 1874, por exemplo,
apresenta uma produção de 12.200.000 litros de tubérculos. Além disso, devemos diferencia-lo dos demais
por ser formado por um conjunto de culturas nativas como: cará, taiá e inhame. Mesmo assim, independente
da unidade, é certo que esta cultura era, senão a mais produzida, a que atingia o maior peso total.
208
Neste mesmo ano a produção de aguardente, também derivada da cana-de-açúcar, foi de 192.000 litros.
209
Ex-colônias Itajaí e Príncipe Dom Pedro.
210
Dados obtidos em: RELATÓRIO DO PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DE SANTA CATARINA, O
DOUTOR ALEXANDRE RODRIGUES DA SILVA CHAVES, APRESENTADO Á ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA PROVINCIAL NA 2.a SESSÃO DA 12.a LEGISLATURA EM 1.o DE MARÇO DE 1865.
SANTA CATARINA, TYP. CATHARINENSE DE ÁVILA 4 RODRIGUES, 1865. p.25. Brazilian digitization
Homepage. Disponível em: <<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
211
Dados obtidos em: RELATÓRIO APRESENTADO AÁ ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PROVINCIAL
DE SANTA CATARINA NA 2.a SESSÃO DE SUA 26.a LEGISLATURA, PELO PRESIDENTE,
FRANCISCO JOSÉ DA ROCHA, EM 11 DE OUTUBRO DE 1887. RIO DE JANEIRO, TYP. UNIÃO DE
ªM COELHO DA ROCHA & C., 1888. Brazilian digitization Homepage. Disponível em:
<<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
212
RELATÓRIO APRESENTADO Á ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PROVINCIAL DE SANTA
CATARINA NA 2.a SESSÃO DE SUA 26.a LEGISLATURA, PELO PRESIDENTE, FRANCISCO JOSÉ
DA ROCHA, EM 11 DE OUTUBRO DE 1887. RIO DE JANEIRO, TYP. UNIÃO DE ªM COELHO DA
127
146000
açúcar 28791
13943 1886
Produtos
1867
604000 1864
milho 269202
213514
Peso em quilos
(Gráfico 4)
deixar de diferencia-los, já que neste gráfico, estamos fazendo a comparação entre grãos de
Sua produção, comumente medida em litros, também teve sua produção comparada a do
ROCHA & C., 1888. Brazilian digitization Homepage. Disponível em: <<http://www.crl.edu/content.asp>>
Acesso em 5 de fevereiro de 2004
213
A produção de aguardente, o outro grande derivado da cana-de-açúcar, teve uma produção de 10800 litros
em 1864, 20900 litros em 1867 e 300000 litros em 1886.
214
A superioridade do milho sobre o açúcar ficava apenas em sua quantidade, visto que em rentabilidade o
açúcar o superava. O relatório Provincial de 1887 indica que na exportação do município de São Luiz (ex-
colônias Itajaí e Príncipe Dom Pedro) que apesar do milho ter sido muito superior ao açúcar em quantidade,
os dois foram avaliados igualmente em 20:000$000 cada, sendo superados apenas pelo comércio de madeiras
serradas que atingiu 90:000$000.
128
800000
milho
356560
produtos
1886
1867
farinha de 600000
mandioca
119800
Litros
(Gráfico 5)
entanto, devemos novamente destacar o fato do açúcar ser um dos derivados produzidos da
cana pelos colonos, e não o único como acontece com a farinha de mandioca215.
Das três colônias aqui analisadas, Blumenau é a que conseguimos reunir o maior
conjunto de dados estatísticos sobre a produção agrícola. Nossa análise reuniu informações
referentes a seis diferentes anos desta colônia, e em seus números observamos mais uma
215
A farinha de mandioca, segundo o mesmo relatório sobre a produção em Brusque no ano de 1886, indica
que sua rentabilidade era inferior ao açúcar e ao milho, pois sua produção neste ano foi avaliada em
12:000$000, contra 20:000$000 do açúcar e sua saca era negociada a 1$600 contra 2$000 do milho.
216
Dados obtidos no Mapa estatístico da Colônia Blumenau sobre o fim de 1877. Acervo: Arquivo Histórico
José Ferreira da Silva. P02.66 668.
129
10884442
milho 7278200
5726675 1885
Produtos
1880
753160 1877
açúcar 349700
217000
Peso em quilos
(Gráfico 6)
O gráfico aponta mais uma vez para grande superioridade da produção de milho. No
entanto este grande distanciamento não é observado quando comparamos o milho aos
tubérculos, pelo contrário, além do equilíbrio, notamos que culturas como cará, inhame e
taiá, eram aparentemente os mais produzidos em Blumenau nos anos219 onde esta análise
capacidade e não peso, geralmente possui valores diferentes para cada produto, ou seja
enquanto 1 litro de milho pode corresponder “X” Kg, 1 litro de tubérculos pode
217
Dados obtidos no Mapa demonstrativo da situação, origem e condições da Colônia Blumenau referentes
ao ano de 1880. Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. P02.85 859
218
Dados obtidos em: RELATÓRIO COM QUE O EXM. SR CORONEL MANOEL PINTO LEMOS, 1.o
VICE-PRESIDENTE, PASSOU A ADMINISTRAÇÃO DA PROVÍNCIA DE SANTA CATARINA, O DR. JOSÉ
LUSTOSA DA CUNHA PARANAGUÁ, EM 22 DE JUNHO DE 1885. CIDADADE DE DESTERRO, TYP. DO
“JORNAL DO COMÉRCIO”, 1885. Brazilian digitization Homepage. Disponível em:
<<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
219
A elaboração de uma comparação nos anos anteriores a 1877 ficou impossibilitada, visto que o milho era
comumente medido em “mãos”. Os mapas estatísticos utilizados para os anos de 1877 e 1880 foram os
mesmos utilizados no gráfico anterior.
130
11000000
tubérculos
8910000
Produtos
1880
1877
9640000
milho
7585000
Quantidade em Litros
(Gráfico 7)
Mesmo assim, esta comparação, agora feita em litros, destaca mais uma vez a
representadas pelos tubérculos. Além disso, devemos levar em conta que os dados acima
referem-se a vinte sete e trinta anos após a fundação da colônia, ou seja estas culturas
apresentaremos outros dois gráficos desta produção, um para os medidos em quilos e outro
128800
11500
queijo 32464
21900
1880
115800 1877
Produtos
85000
manteiga 37018 1873
32120
3095 1868
1861
16000
14200
fumo 13514
18980
2525
Peso em quilos
(Gráfico 8)
e fumo nos anos de 1861220, 1868221, 1873222, 1877223 e 1880224. Através dele, observamos
Este crescimento torna-se ainda maior ao final do século XIX. Com a ampliação das áreas
220
Dados obtidos no Quadro estatístico do ano de 1861. Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva.
P02.14 141.
221
Dados obtidos no Mapa estatístico da Colônia Blumenau do ano de 1868. Acervo: Arquivo Histórico José
Ferreira da Silva. P02.33 332.
222
Dados obtidos em: MAPA ESTATÍSTICO DA COLÔNIA BLUMENAU DO ANO DE 1873 IN: FALA
DIRIGIDA Á ASSEMBLÉIALEGISLATIVA PROVINCIAL DE SANTA CATARINA EM 25 DE MARÇO DE
1874 PELO EXM. SR. PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DR. JOÃO THOMÉ DA SILVA. CIDADE DE
DESTERRO, TYP. LOPES, 1874. Brazilian digitization Homepage. Disponível em:
<<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
223
Dados obtidos no Mapa estatístico da Colônia Blumenau sobre o fim de 1877. Acervo: Arquivo Histórico
José Ferreira da Silva. P02.66 668.
224
Dados obtidos no Mapa demonstrativo da situação, origem e condições da Colônia Blumenau referentes
ao ano de 1880. Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. P02.85 859.
132
ocupar o primeiro lugar entre os produtos exportados pela colônia.225 A fumicultura ainda
apresentava-se de forma modesta neste período, no entanto, também ao final do século XIX
ela ganha maior importância com a criação da Estação Agronômica e Veterinária em Rio
dos Cedros226.
Quanto aos produtos em litros, dos quais devemos novamente considerar suas
250000
165000
feijão 86400
48000
15520
1210000
farinha de 1140000
330000 1880
mandioca 552800 1877
Produtos
103760
1873
670000
370000 1868
aguardente 160300 1861
73560
52828
620000
460000
arroz 113600
32800
2000
Quantidade em Litros
(Gráfico 9)
225
LACMANN, Wilhelm. Cavalgadas e Impressões no sul do Brasil. Revista Blumenau em Cadernos.
Fundação Cultural de Blumenau, vol. 11, 1997. p.34/35.
226
Este assunto é aprofundado no próximo sub-capítulo.
133
produção de farinha de mandioca. Seus elevados valores a colocavam como um dos mais
aguardente também tivesse sua importância para colônia. Segundo o quadro apresentado
Dos quatro produtos agrícolas que compõe o gráfico, o feijão é o que apresenta
colônia, o feijão jamais aparece entre os mais produzidos. No entanto, seu estável
crescimento indica que esta cultura cumpria um papel importante para Blumenau.
Ao contrário do que ocorre com o feijão, o arroz é dentre estes quatro produtos
agrícola o que apresentou o maior crescimento. Este aumento em sua produção em meados
da década de 1870 pode ser explicado, em parte, pelo estabelecimento no vale do Itajaí de
Enfim, através desta análise sobre a produção agrícola das colônias Blumenau,
Brusque e Dona Francisca percebemos mais uma vez a que culturas pouco ou nada comuns
227
Alguns municípios com Rodeio e Rio dos Cedros, antigos núcleos italianos da colônia Blumenau, ainda
possuem grandes áreas de cultivo de arroz.
134
analisados como os mais produzidos por colonos do vale do Itajaí e norte de Santa Catarina.
Ao lado dos cultivos agrícolas as práticas rurais imigrantes também foram marcadas
animal de cada família, quando existia, resumia-se a algumas poucas cabeças de gado,
algumas dezenas de aves e porcos, alguns cavalos ou (e) bois para transporte e tração, tudo
isso sempre condicionado aos espaços restritos de sua pequena propriedade rural.
patrimônio animal de cada colônia. Estas informações auxiliam nossa compreensão sobre
228
Parelhas de bois é como chama-se um conjunto de dois bois utilizados nos chamados “carros de boi”.
229
A ausência de valores para mulas e carneiros no anos de 1861 indica que ou não haviam animais destas
espécies ou que sua quantidade não foi registrada no relatório analisado.
230
Dados obtidos no Quadro estatístico do ano de 1861. Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva.
P02.14 141.
231
Dados obtidos no Mapa estatístico da Colônia Blumenau do ano de 1868. Acervo: Arquivo Histórico José
Ferreira da Silva. P02.33 332.
232
Dados obtidos em: MAPA ESTATÍSTICO DA COLÔNIA BLUMENAU DO ANO DE 1873 IN: FALA
DIRIGIDA Á ASSEMBLÉIALEGISLATIVA PROVINCIAL DE SANTA CATARINA EM 25 DE MARÇO DE
1874 PELO EXM. SR. PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DR. JOÃO THOMÉ DA SILVA. CIDADE DE
DESTERRO, TYP. LOPES, 1874. Brazilian digitization Homepage. Disponível em:
<<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
233
Dados obtidos no Mapa estatístico da Colônia Blumenau sobre o fim de 1877. Acervo: Arquivo Histórico
José Ferreira da Silva. P02.66 668.
135
Cabras 30 70 210 90 38
(Gráfico 10)
nas pequenas propriedades coloniais. Observamos que de 1861, nove anos após a
distribuição dos primeiros lotes na colônia, até 1880, ano da emancipação, estas criações
mantiveram-se como as mais significativas de Blumenau. Era através destes animais que o
assim como nas demais colônias, pode ser diretamente relacionada com esta numerosa
criação de aves e porcos. Seu cultivo era, em grande parte, destinado a alimentação destes
234
Dados obtidos no Mapa demonstrativo da situação, origem e condições da Colônia Blumenau referentes
ao ano de 1880. Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. P02.85 859.
235
Nossos dados sobre a produção de milho estão duas diferentes unidades de medida: mãos e hectolitros.
Como não conseguimos uniformizar estas unidades, foi necessária a elaboração de dois gráficos.
136
Colônia Blumenau:
Criação de porcos e aves X Produção de milho
(1861, 1868 e 1873)
80000 400000
Número de
Mãos de
animais
milho
40000 200000 Aves domésticas
20000 100000 milho
0 0
1861 1868 1873
Anos
(Gráfico 11)
Colônia Blumenau:
Criação de porcos e aves X Produção de milho
(1877 e 1880)
120000 120000
Hectolitros de
100000 100000
Número de
milho
(Gráfico 12)
pelo menos em parte, relacionado com o expressivo aumento na criação destes animais
domésticos.
137
1877-1880 9
21
1873-1877 121
Intervalos
61 gado vaccum
85 população
1868-1873
39
1861-1868 3796
234
Percentual
(Gráfico 13)
de Blumenau entre 1861 e 1868. Este período corresponde aos primeiros sete anos da
colônia sob administração do império, época onde os investimentos foram mais volumosos
na colônia. Embora isto seja muito significativo, devemos considerar como duvidosa a
Quanto aos animais de transporte e tração, dos quais destacamos aqui os cavalos e
mulas, apesar de sua grande importância, não eram animais dos quais as famílias tinham a
necessidade de possuir em grande quantidade. O gráfico abaixo apresenta sua relação com
0,2
1877-1880
21
1873-1877
163
intervalos
61 cavalos e mulas
82 população
1868-1873
39
1861-1868
820
234
percentual
(Gráfico 14)
Observamos aqui, semelhanças com o que ocorre com o gado bovino, o aumento
mais impressionante da criação de cavalos e mulas acontece durante a década de 1860. Este
estatísticos sobre este patrimônio animal de alguns momentos de cada uma destas colônias.
236
Onde os valores não estão preenchidos significa que a informação está indisponível ou que realmente não
havia sequer um destes animais.
237
Dados obtidos em: RELATÓRIO DO PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DE SANTA CATARINA, O
DOUTOR ALEXANDRE RODRIGUES DA SILVA CHAVES, APRESENTADO Á ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA PROVINCIAL NA 2.a SESSÃO DA 12.a LEGISLATURA EM 1.o DE MARÇO DE 1865.
139
(Gráfico 15)
de aves e porcos na vida rural das famílias imigrantes. Seus números, assim como em
Blumenau, são os mais expressivos entre os animais criados na colônia. Esta supremacia
de suínos e aves domésticas é uma das características mais marcantes das pequenas
SANTA CATARINA, TYP. CATHARINENSE DE ÁVILA 4 RODRIGUES, 1865. P.25. Brazilian digitization
Homepage. Disponível em: <<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
238
Dados obtidos em: MAPA ESTATÍSTICO DA COLÔNIA ITAJAHY – BRUSQUE DO ANO DE 1867 IN:
RELATÓRIO APRESENTADOS Á ASSEMBLEIA PROVINCIAL DE SANTA CATARINA, NA SUA SESSÃO
ORDINÁRIA, E O 1.o VICE-PRESIDENTE , COMENDADOR JOSÉ DE OLIVEIRA, POR OCASIÃO DE
PASSAR-LHE A ADMINISTRAÇÃO O PRESIDENTE ADOLPHO DE BARROS CAVALCANTI DE
ALBUQUERQUE NO ANO DE 1868. RIO DE JANEIRO, TYP. NACIONAL, 1868. Brazilian digitization
Homepage. Disponível em: <<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004
239
Dados obtidos em: RELATÓRIO APRESENTADO AÁ ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PROVINCIAL DE
SANTA CATARINA NA 2.a SESSÃO DE SUA 26.a LEGISLATURA, PELO PRESIDENTE, FRANCISCO
JOSÉ DA ROCHA, EM 11 DE OUTUBRO DE 1887. RIO DE JANEIRO, TYP. UNIÃO DE ªM COELHO DA
ROCHA & C., 1888. Brazilian digitization Homepage. Disponível em: <<http://www.crl.edu/content.asp>>
Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
140
referentes aos anos de 1860240, 1864241, 1867242, 1871243, 1874, ou seja, de oito a vinte e
(Gráfico 16)
Além do que já foi observado através dos quadros anteriores, o aspecto que mais
chama-nos atenção neste quadro é a existência das colméias entre os números de animais.
O mel e a cera de abelha fizeram parte da produção agrícola de Dona Francisca, e seus
valores, apesar de modestos, indicam o interesse por esta criação. Curiosamente, foi na
240
Nono Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849. p.13/14. Acervo: AHJLLE – Trad.
Helena Richlin.
241
Décimo terceiro Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849. p.13/14. Acervo: AHJLLE –
Trad. Helena Richlin
242
Décimo sexto Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849. p.13/14. Acervo: AHJLLE –
Trad. Helena Richlin
243
Dados obtidos em: P.35. Brazilian digitization Homepage. Disponível em: RELATÓRIO DO VICE-
PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DE SANTA CATARINA, DR. GUILHERME CORDEIRO COELHO CINTRA,
APRESENTADO Á ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PROVINCIAL EM 25 DE MATÇO DE 1872. CIDADE DE
DESTERRO, 1872.<< http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
141
colônia Blumenau, onde os números de colméias não aparecem entre os dados estatísticos,
que surgiram as primeiras iniciativas do cultivo de abelhas. O Dr. Hermann Blumenau teria
existência de cada espécie animal em Dona Francisca é a mesma observada para colônia
base das práticas rurais coloniais. Algumas de suas principais transformações ao longo dos
comum a boa parte dos núcleos coloniais existentes em Santa Catarina. A grande variedade
em Blumenau, Dona Francisca e Brusque. Alguns colonos, que na Europa atuavam nas
Europa na época da emigração, não poderiam ser repetidas com fidelidade nas colônias do
sul do Brasil. Desta forma, algumas culturas até então desconhecidas para os europeus
passaram a fazer parte da produção agrícola e da alimentação dos colonos. Ao longo dos
anos, o desenvolvimento destas atividades rurais foi mesclando a bagagem cultural trazida
rural dos imigrantes. A farinha de mandioca, por exemplo, apresentava-se como um dos
Esta mescla caracteriza boa parte da produção rural nestas colônias, no entanto,
estas não foram as únicas influências recebidas pelos imigrantes agricultores. A fundação
no séc. XIX, as técnicas agrícolas mais modernas da Europa não foram introduzidas no
país. Mesmo assim, observamos que o trabalho rural nestas colônias sofreu transformações
ao longo dos anos. As introduções de novas culturas e alguns avanços nas formas de cultivo
são os aspectos mais significativos. Considerando isso, procuramos através deste trabalho,
refletir sobre as finalidades e a potencialidade destas sociedades e eventos para a lida rural
nas colônias.
disso, estas associações estiveram à frente na realização das exposições coloniais e em suas
durante a segunda metade do século XIX. Além da premiação dos principais produtores,
industrial, eram feiras que representavam a força e a utopia modernista. “Sua origem data
todos os países poderiam contribuir com a exposição. Portanto, estas “exposições realizadas
na segunda metade do século XIX apresentavam progressos alcançados pela ciência, pela
tecnologia e pela cultura, além de atuarem como um dos mais importantes espaços de
propaganda para as mercadorias produzidas pela sociedade burguesa, numa época em que
244
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador, D. Pedro II um Monarca dos Trópicos. p. 388
245
FILHO, Almir Pita Freitas. Tecnologia e Escravidão no Brasil: Aspectos da Modernização Agrícola nas
Exposições Nacionais da Segunda Metade do Século XIX (1861-1881). Revista Brasileira de História.
Vol.22. p.73
144
Imperador D. Pedro II, um entusiasta do avanço científico, teve presença cativa nestas
exposições. Sua intenção era colocar o país entre as nações que caminhavam rumo ao
progresso industrial. Mesmo tendo levado produtos industriais (maquinaria, materiais para
marajoara.246
processo ainda estava distante. No Brasil foram promovidas seis exposições nacionais de
1861 a 1888. Estas serviam como preparatórias e classificatórias para a escolha dos
também era inspirado nas universais, com a distribuição de medalhas e diplomas para as
246
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. Cit. p. 393/394
145
nacionais e internacionais foi premiada em algumas edições. Através de seu diretor Dr.
em 1875.
A premiação da Colônia Blumenau em Paris 1867 foi tratada com grande satisfação
pelo Imperador Dom Pedro II e por seu Ministério da Agricultura. Observamos através de
metade do século XIX, Dr. Blumenau elaborou uma proposta de um programa para as
247
Correspondência de Dom Pedro II para Hermann Blumenau. Acervo: Arquivo histórico José Ferreira da
Silva. Pasta 2.32 n.329.
248
RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DE 1868. p.30. Brazilian digitization Homepage.
Disponível em: <<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004
146
classes:
249
BLUMENAU, Hermann. Proposta de um programa para as exposições coloniais. Revista Blumenau em
Cadernos. Vol 5. Blumenau, 2000. p.43.
250
Idem, p.44.
147
da segunda classe. Estas informações deveriam dizer respeito a uma das três secções
propostas:
A proposta ainda deixa claro que a fonte de recursos para viabilização destes
faz referência sobre a responsabilidade das comissões eleitas no bom aproveitamento destes
fundos recebidos.253
Esta proposta de Hermann Blumenau evidencia, em seu capítulo VII, o papel a ser
cumprido pelas sociedades de cultura na promoção das exposições coloniais. Nas colônias,
em que existissem sociedades ativas de cultura ou de outra denominação, que tivessem por
251
Idem, p.47/53.
252
Idem, p. 48.
253
Idem, p.53.
148
a preparação e execução práticas das exposições a uma Comissão Geral, eleita pelas
mesmas e composta de pelo menos três membros, a qual seguiria em geral pelos princípios
atividade, segundo seu Estatuto, eram melhorar a economia rural, bem como as condições
promoveria reuniões periódicas nas quais haveria conferências de assunto instrutivo, troca
de idéias e consultas mútuas sobre os problemas enfrentados. Segundo ata desta Sociedade,
em sua primeira reunião que se seguiu à fundação foi tratado uma longa discussão sobre a
cultura do milho, tabaco, bicho da seda, bem como plantas de frutos oleosos e de fibras.
Pelas atas das demais reuniões constatam-se que os principais temas de discussão eram a
cultura do tabaco, milho, feijão, e das plantas tuberosas, sendo nomeados diversos sócios
resultados obtidos. 255 Esta sociedade também mantinha uma biblioteca para o uso gratuito
de seus membros.256 Não temos conhecimento das obras disponíveis, mas acredita-se que
era constituída em sua maior parte por livros e manuais de instrução agrícola.
através dela ocorreu a subscrição para compra de gado bovino e ovino além da promoção
pela sociedade, mas ao lado das sementes de tabaco também distribuía com regularidade
254
Idem, p. 53.
255
Atas da Sociedade de Cultura (acervo AHJFS). In: Centenário de Blumenau 1850 -2 de setembro -
1950. Blumenau: Edição da Comissão de Festejos, 1950. p. 344/345
256
RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DE 1871. p. 31 Brazilian digitization Homepage.
Disponível em: <<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
257
RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DE 1879. p.111. Brazilian digitization Homepage.
Disponível em: <<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004
149
grande sortimento de sementes de hortaliças. As suas reuniões não se realizavam sem uma
ou mais preleções sobre o assunto referente à cultura de alguma planta, preparo de algum
fundação da Associação Agrícola das colônias Itajaí e Príncipe Dom Pedro. Seu
surgimento deu-se por iniciativa do Diretor Dr. Luiz Betin Paes Leme, e seu objetivo era a
realização de exposições anuais dos produtos agrícolas das colônias e ao mesmo tempo
incentivar nos colonos o interesse pela lavoura. Eram celebradas seções mensais onde eram
dos eventos de 1872 e 1873 foram remetidos à Exposição Nacional, sendo alguns deles
258
Atas da Sociedade de Cultura (acervo AHJFS) Op. Cit. p.344/345
259
Idem, p. 345
260
RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DE 1874. p. 273 Brazilian digitization Homepage.
Disponível em: <<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
261
Álbum do Primeiro Centenário de Brusque. Brusque: Edição da Sociedade de Brusque, 1960. p. 220
262
RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DE 1873. p. 35 Brazilian digitization Homepage.
Disponível em: <<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
150
Colonizadora de Hamburgo, logo nos primeiros anos após sua fundação no norte de Santa
Catarina em 1851, foi criada uma Sociedade Cultural. Sua finalidade era “ajudar aos
imigrantes com conselhos e auxílios por meio de exposições públicas e por meio da
indústria”.263
Os auxílios aos agricultores representavam uma das várias seções desta Sociedade
colônia agrícola) são as mais destacadas pela direção da colônia. Os relatórios citam com
sobre tentativas da dita sociedade na introdução de sementes de lúpulo, trigo, centeio, aveia
e cevada. Neste momento apenas estas duas últimas teriam obtido bons resultados. 264
potencialidade das influências que estas sociedades de apoio à atividade agrícola poderiam
gerar à lida rural. O Relatório de 1865, por exemplo, apresenta uma descrição interessante
263
Quinto Relatório da Sociedade. Cololonizadora de Hamburgo de 1849. p.73. Acervo: AHJLLE – Trad.
Helena Richlin.
264
Nono Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849. p.32. Acervo: AHJLLE – Trad. Helena
Richlin.
151
Colônia). Desta forma, algumas contribuições desta sociedade não ficavam restritas a seus
membros. O mesmo jornal publicava alguns ensaios curiosos para instrução dos colonos,
sendo que os assuntos estavam comumente relacionados às formas de manejo das mais
Através de sua Sociedade Cultural foi sugerida para Colônia Dona Francisca a
realização de uma exposição colonial para o ano de 1866, com o intuito de mostrar o que
Santa Catarina realizou sua exposição provincial como prévia para o evento imperial no
mesmo ano de 1866 em sua capital Desterro. A participação da colônia Dona Francisca
exposição nacional de 1866, a o açúcar branco do colono B. J. Poschaan foi premiado com
uma medalha de prata. Este dado aponta para um desenvolvimento considerável das
265
Décimo Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849. p.42/43. Acervo: AHJLLE – Trad.
Helena Richlin.
152
em grande escala no país e pouco conhecida nos países de origem destes colonos.266
com grandes proporções para época. Sendo Dona Francisca a maior e mais populosa
colônia de Santa Catarina, acredita-se que o evento deve mesmo ter atingido um grande
público. O custo do evento ficou em torno de 1 Conto de Reis, e mesmo sendo esta uma
colônia particular apenas subvencionada pelo Império, o governo contribuiu com 500 mil
Réis enquanto o restante foi coberto pelas entradas e por outras receitas.268
(1881) e Berlim (1882). A participação do Brasil nesta última, tinha como um dos
principais objetivos cunhar uma melhor imagem da emigração para o Brasil (pois esta havia
sido arranhada em função do “Reeskript von Der Heydt”, de 1859), especialmente para o
sul do país.269
como um todo, não estavam entre as mais destacadas nestas exposições universais. No
266
Décimo quarto, décimo quinto e décimo sexto relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849.
Livro II. p.43, 54 e 64. Acervo: AHJLLE – Trad. Helena Richlin.
267
Sobre este assunto ver: HERKENDORFF, Elly. A primeira exposição agroindustrial de Joinville. In: Era
uma vez um simples caminho.Joinville: Fundação Cultural de Joinville, 1987. p. 117/125.
268
Vigésimo Quarto Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849. p.13/14. Acervo: AHJLLE
– Trad. Helena Richlin.
269
RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DE 1881. 75/76. Brazilian digitization Homepage.
Disponível em: <<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
153
a simples presença e as modestas premiações podem ter influenciado o trabalho rural nos
diversos núcleos coloniais catarinenses. Esta influência pode ter ocorrido diretamente ou
também inspiravam a elaboração de artigos agrícolas, feitos, por vezes, com incentivo do
governo imperial.270
das exposições e associações agrícolas. Em 1895 foi criada no núcleo colonial de Rio dos
Este tipo de instituição surgiu no Brasil apenas na segunda metade do século XIX.
Foram cinco institutos, localizados na Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Sergipe e Rio
Grande do Sul. Entretanto, “segundo Gastal (1980), esses institutos, criados entre 1859 e
Apesar deste insucesso, as iniciativas não pararam por aí, já que ainda antes do
agrícola. Em 1883, por exemplo, foi criada em Pelotas uma instituição de ensino de
270
RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DE 1868. p. 30. Brazilian digitization Homepage.
Disponível em: <<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004.
271
Idem, p.46.
154
Antônio da Silva Prado, foi fundada em 1885 a Imperial Estação Agronômica de Campinas,
cada vez mais importância. “A Alemanha passou a produzir cientistas bem treinados,
manuais e aparelhos para suprir não só as suas necessidades, mas, outras para muito além
de suas fronteiras”.273
científico. Este domínio era representado pelo seu grande número de universidades, escolas
estrutura organizacional era formada por estações experimentais financiadas pelo Estado.
“Nesse contexto, a primeira instituição de pesquisa agrícola sustentada pelo governo foi
Möckern, na Saxônia, criada em 1852 com o objetivo de buscar soluções científicas para os
estações experimentais baseadas no modelo de Möckern, que tinham por características não
272
Idem, p.47/48.
273
BERNAL. apud SANTOS, Lucy Woellmer dos. Estação Agronômica de Veterinária do Estado. (1895-
1920): uma abordagem histórica sobre o início da pesquisa agrícola em Santa Catarina. Florianóplis,
Editora da UFSC, 1998. p.33.
274
Idem, p.34.
275
Idem, p.38.
155
Agricultores”.276
De acordo com Lucy Woellner dos Santos, “Esse modelo, adotado no Brasil, foi
escolhido também para a Estação de Rio dos Cedros; isto ocorreu, presumivelmente, pela
influência do Dr. Hermann Blumenau, diretor da Colônia Blumenau, e que pertencia a uma
elite cultural na Alemanha, país que liderava a organização científica na época. Mesmo
depois de vir para o Brasil, o Dr. Blumenau mantinha freqüentes contatos com os meios
influências podem ter sido reforçadas pela comprovada visão tecnocrática do governador
tentativas com plantas ornamentais, acabou trazendo junto a elas algumas ervas daninhas.
Sua disposição em absorver novas tecnologias pode ser comprovada pela introdução, em
1851, do primeiro arado de Santa Catarina, mas que não podia ser usado ainda, pelos
Mesmo após o seu retorno à Alemanha, por carta a seu procurador no Brasil, em
1892, oferece área de suas terras para implantação de uma estação experimental. Esta
disposição demonstra que, mesmo à distância, ele acompanhava o que transcorria na antiga
276
RUTTAN. apud SANTOS, Lucy Woellmer dos. Estação Agronômica de Veterinária do Estado. (1895-
1920): uma abordagem histórica sobre o início da pesquisa agrícola em Santa Catarina. Florianóplis,
Editora da UFSC, 1998. p.39
277
SANTOS, Lucy Woellmer dos. Op. Cit. p.155/156
156
terras na Ponta Aguda. Lamentava também a diminuição do espaço para artigos agrícolas
cultivo.279
Experimental de Rio dos Cedros, o nome de Giovanni Rossi ganha destaque. Este
agrônomo italiano foi o seu diretor e responsável de 1895, ano da fundação até 1907. As
sobre a cultura do fumo, no entanto, merece destaque nos relatórios de Rossi, as referencias
videira, oliveira, maçã, pêra, pêssego, ameixa, caqui, marmelo, e diversas outras espécies
sementes e mudas.280
278
Idem, p.85
279
ALVES, Débora Bendocchi. Notícias de Blumenau: Cartas dos irmãos Weise publicadas nos jornais da
Turíngia. Correspondência. Blumenau em cadernos. Tomo XLI – n.11/12, 2000. p114/116.
280
SANTOS, Lucy Woellmer dos. Op. Cit. p.120
157
da época, preparados pelas ferrarias “das nossas valadas”. Nos montes usava-se a foice e a
mecânica e as enxadas puxadas por tração animal. A única máquina difundida e fabricada
na colônia, era a maquina de picar cana e outras forragens, utilizada no preparo da ração
animal.281
significativamente o alcance destas informações. A Estação Agrícola de Rio dos Cedros foi
Enfim, observamos através desta pesquisa, que apesar de nestas colônias ter
predominado por longo tempo uma agricultura rudimentar com o uso da coivara, existiram
281
ROSSI, Giovanni. Agricultura. Síntese e tradução Pe Victor Vicenzi. Blumenau em Cadernos. Tomo
XVII. n.11/12, 1977. p.355
158
tentativas consistentes para aprimorar a produção rural. Neste contexto, destaca-se com
bastante relevância, o significado das exposições bem como das “Associações Culturais”,
para o mercado.
159
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo sobre questões ambientais vem sendo alvo de estudos nas mais variadas
disciplinas. Neste caminho, a historiografia também apresenta-se como uma de suas portas,
Neste caso, as ações e percepções humanas sobre o meio ambiente aparecem como
pouco ou nada abordados sobre a vida nas colônias. A forma como colonos e viajantes
proporcionaram o contato com diferentes formas de observar a floresta. A vida nas colônias
é comumente reconhecida como a vida na floresta. Este sentimento era evidenciado pelas
viajantes, os guias e manuais indicados aos futuros emigrantes também davam espaço para
integração entre colonos e o meio natural a sua volta. Esta preocupação evidencia a
importância e a curiosidade sobre informações como estas. A mata nativa é vista por vezes
como um inimigo a ser derrotado, mas noutras como um paraíso poético a ser admirado.
Estas definições misturam-se ao longo dos anos, e são determinadas em grande parte por
uma mescla entre a bagagem cultural trazida da Europa com os novos valores adquiridos no
novo meio.
160
suportavam melhor que os outros as enormes diferenças entre a Europa e o sul do Brasil.
sendo que alguns jamais haviam tido experiência no trabalho rural. A transformação
imposta pela emigração estava muito além de uma simples mudança de endereço. A
decisão de deixar tudo para trás em troca de uma vida nas colônias no sul do Brasil,
representava também mudar de país, ter contato direto e estar sujeito à outra cultura, a
necessidade de aprender uma nova atividade profissional (para alguns novos agricultores),
acessíveis apenas aos mais abastados, no sul do Brasil a mata tornou-se o destino de muitas
famílias de imigrantes. No entanto, as grandes diferenças entre elas não param por aí. Ao
contrário dos bosques europeus, o deslocamento na floresta atlântica era uma tarefa difícil,
a grande quantidade de cipós e galhos impedia a livre circulação. Além disso, alguns
Nossa pesquisa procurou evidenciar a noção de que a floresta poderia ser percebida
das mais variadas formas, e que estaria geralmente condicionada a bagagem cultural de
cada um. Seguindo Simon Schama, entendemos que “nem todas as culturas abraçam
natureza e paisagem com igual ardor e as que as abraçam conhecem fases de maior ou
menor entusiasmo”.282
282
SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.25.
161
ambos. Esta relação determinou grandes modificações nas duas partes, realizando o que
chamamos de “ajustamento”. Ao longo dos anos, os colonos procuram cada vez mais
conformar o novo meio a suas necessidades e interesses, mas, ao mesmo tempo, passam a
sofrer grandes transformações nos seus hábitos. Entre elas, estão algumas assimilações de
práticas adotadas pela população cabocla da região. Aliás, deve-se destacar que este assunto
é, geralmente, silenciado pelas fontes e pela literatura sobre a imigração em Santa Catarina.
Como vimos neste trabalho, a forma como foram construídas as primeiras residências, as
também puderam ser observadas através dos gráficos estatísticos da produção agrícola das
Como vemos, é através das práticas rurais que se evidenciam algumas das mais
importantes formas de interação entre os colonos e o meio natural. Por esta razão,
procuramos analisar a pequena propriedade colonial como o centro das atividades numa
colonos e a floresta foram determinadas pela forma de distribuição dos lotes e pela
demarcados para manterem uma forma longitudinal, tendo com referencias as estradas, os
162
rios e córregos e os morros. Este modelo fez com que a maior parte dos colonos possuísse
propriedades com os espaços bem demarcados, e com grandes semelhanças entre si.
como direção os fundos da propriedade, por isso, com o passar dos anos, apenas uma
pequena reserva de mata era deixada, geralmente no topo dos morros, e de onde os colonos
tiravam suas madeira para lenha, para construção de galpões e para cabos de ferramentas.
para um número expressivo de serrarias nas colônias estudadas, e ao contrário das culturas
agrícolas, as madeiras não eram plantadas, pois, estavam facilmente disponíveis nas
desmatadas, já que ao contrário dos cultivos agrícolas, a sua derrubada não se limitava a
espaços pré-determinados.
agricultura foi durante toda a segunda metade do século XIX, a base da economia destas
colônias. Ao longo dos anos, algumas culturas agrícolas como o milho vão ganhando cada
vez mais espaço, ao mesmo passo que algumas tentativas, como a introdução do trigo, não
atingem sucesso. Alguns mapas estatísticos analisados neste trabalho nos mostraram que o
crescimento da área cultivada assim como da produção de algumas culturas, esteve quase
283
Este comentário refere-se a exportação de madeiras em Dona Francisca. Dados obtidos no Décimo sexto
Relatório da Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849. p.13/14. Acervo: AHJLLE – Trad. Helena
Richlin.
163
grandes transformações nas formas de cultivo, já que a enxada foi por muito tempo a
na Europa, não pode ser utilizado na maior parte das colônias. O relevo acidentado e os
restos de tocos e raízes eram seus grandes adversários. Desta forma, a adoção de técnicas
agrícolas muito rudimentares, impediu que fosse realizado um dos importantes propósitos
utilizadas na Europa.
Mesmo não tendo revolucionado as práticas rurais nestas colônias, a fundação das
deixadas pela historiografia no que diz respeito a relação entre colonos e a floresta,
bibliografia analisada, composta por obras e artigos que de alguma forma analisam aspectos
assunto que ainda tem muito para ser investigado e analisado. A utilização de outras fontes,
contribuir em muito para obtenção de informações que esta pesquisa não conseguiu atingir.
Enfim, esperamos que este trabalho seja uma importante contribuição para os
estudos sobre a vida nas colônias do vale do Itajaí e norte de Santa Catarina, assim como
para as pesquisas que visem enfocar a relação entre o homem e o meio natural.
165
LISTA DE IMAGENS
Figura 1 - “Primeiro contato com a mata” - Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira
da Silva
Silva
Ferreira da Silva
Silva
da Silva
Figura 12 – “Vida rural no vale do Itajaí” - Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira
da Silva
LISTA DE GRÁFICOS
Ferreira da Silva. P02.85 859 / RELATÓRIO COM QUE O EXM. SR CORONEL MANOEL
PINTO LEMOS, 1.o VICE-PRESIDENTE, PASSOU A ADMINISTRAÇÃO DA PROVÍNCIA
DE SANTA CATARINA, O DR. JOSÉ LUSTOSA DA CUNHA PARANAGUÁ, EM 22 DE
JUNHO DE 1885. CIDADADE DE DESTERRO, TYP. DO “JORNAL DO COMÉRCIO”,
1885. Brazilian digitization Homepage. Disponível em:
<<http://www.crl.edu/content.asp>> Acesso em 5 de fevereiro de 2004
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FONTES