Resumo Os Lusíadas

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Estrutura externa – Canto I, estâncias 105 e 106

Estrutura interna – Narração


105
O recado que trazem é de amigos,
Mas debaixo o veneno vem coberto; Sob o recado de amigos, esconde-se o veneno do
Que os pensamentos eram de inimigos, ódio, como mais tarde se descobrirá.
Segundo foi o engano descoberto. O poeta interrompe neste momento a narração, para
Ó grandes e gravíssimos perigos! considerar os riscos da vida humana: onde o ser
Ó caminho de vida nunca certo: humano tem esperança, a vida demonstra-lhe o
contrário.
Que aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança!

106
No mar tanta tormenta, e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida! No mar, o homem sujeita-se atormentas, danos e até
Na terra tanta guerra, tanto engano, à morte; na terra, à guerra, a enganos, a
Tanta necessidade avorrecida! necessidades insuportáveis.
Onde pode acolher-se um fraco humano, Assim sendo, haverá algum lugar seguro para um
Onde terá segura a curta vida, ser tão indefeso relativamente ao que conspira
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?

Os Lusíadas, Canto I, estâncias 103-106


As traições e perigos a que os navegadores estão sujeitos justificam o desabafo do
poeta sobre a fragilidade da condição humana que submete o homem a inúmeros e
permanentes perigos.
Não será por acaso que esta reflexão surge no final do Canto I, quando o herói ainda
tem um longo e penoso caminho a percorrer. Ver-se-á, no Canto X, até onde a ousadia,
a coragem e o desejo de ir sempre mais além podem levar o “bicho da terra tão
pequeno”, tão dependente da fragilidade da sua condição humana.

A IMPORTÂNCIA DAS LETRAS E AS LAMENTAÇÕES PELO FACTO DOS


PORTUGUESES NEM SEMPRE SABEREM ALIAR
FORÇA E CORAGEM AO SABER E ELOQUÈNCIA
Estrutura externa – Canto V, estâncias 92 a 100
Estrutura interna – Narração

92 - A glória
Quão doce é o louvor e a justa glória
Dos próprios feitos, quando são soados1!
É muitíssimo agradável ouvir glorificar os próprios
Qualquer nobre trabalha que em memória feitos. Qualquer nobre se esforça para que a sua
Vença ou iguale os grandes já passados. memória não fique atrás da dos seus antepassados.
As invejas da ilustre e alheia história A inveja da história dos outros é causa de grandes
Fazem mil vezes feitos sublimados. ações. O louvor estimula a praticar obras de
Quem valerosas obras exercita,
Louvor alheio muito o esperta e incita.

93 - O gosto das letras


1
São espalhados pela fama.
Não tinha em tanto os feitos gloriosos
De Aquiles, Alexandro na peleja, Alexandre não apreciava tanto os feitos de Aquiles
Quanto de quem o canta, os numerosos2 em combate como os versos harmoniosos de
Versos; isso só louva, isso deseja. Homero que o cantou. O que despertava a inveja de
Os troféus de Melcíades3 famosos Temístocles eram os troféus de Melcíadas e ele
dizia que nada o deleitava tanto como ouvir cantar
Temístocles4 despertam só de inveja, esses feitos.
E diz que nada tanto o deleitava
Como a voz que seus feitos celebrava.

94 - Virgílio
Trabalha por mostrar Vasco da Gama
Que essas navegações que o mundo canta
Vasco da Gama esforça-se por mostrar que as
Não merecem tamanha glória e fama navegações de Ulisses e de Eneias, tão celebradas
Como a sua, que o céu e a terra espanta. no mundo, não merecem tanta glória como a sua. É
Si; mas aquele Herói5, que estima e ama verdade, mas Virgílio canta Eneias e difunde a
Com dons, mercês, favores e honra tanta glória de Roma, porque o imperador Augusto o sabe
A lira Mantuana6, faz que soe estimar com presentes e favores.
Eneias, e a Romana glória voe.
95 - Octávio
Dá a terra lusitana Cipiões,
Césares, Alexandros, e dá Augustos7; A terra portuguesa produz guerreiros e reis heroicos,
Mas não lhe dá contudo aqueles dões mas não lhes dá qualidades sem as quais os homens
Cuja falta os faz duros e robustos. ficam rudes e toscos. Octávio, no meio das maiores
Octávio8, entre as maiores opressões, preocupações, compunha sábios e belos versos (e
bem o sabe Fúlvia quando Marco António a deixou
Compunha versos doutos e venustos9.
por Glafira).
(Não dirá Fúlvia10 certo que é mentira,
Quando a deixava António por Glafira11).

96 - César, Alexandre e Cipião


Vai César, sojugando toda França,
E as armas não lhe impedem a ciência; César, ao mesmo tempo que conquistava a Gália, ia
Mas, numa mão a pena e noutra a lança, escrevendo num estilo comparável ao de Cícero. A
Igualava de Cícero a eloquência. arte da comédia deve a Cipião, tanto quanto
O que de Cipião se sabe e alcança, sabemos pela sua vida, um grande exemplo.
É nas comédias grande experiência. Alexandre era tão assíduo na leitura de Homero que
Lia Alexandro a Homero de maneira o tinha sempre à cabeceira.
Que sempre se lhe sabe à cabeceira.

2
Harmoniosos
3
Melcíades foi um general grego, nascido em Atenas, que comandou as tropas que venceram os persas na
batalha ocorrida em Maratona. No princípio do século V a.C., transformou Atenas na maior potência da
antiga Grécia.
4
Temístocles foi um político e general ateniense. Criou uma frota naval capaz de derrotar uma possível
invasão persa. Venceu a frota persa de Xerxes I da Pérsia na Batalha de Salamina.
5
O imperador Augusto.
6
As poesias de Virgílio.
7
Públio Cornélio cipião, vencedor de Zama (em 202 a. C.); Públio Cornélio Cipião Emiliano, vencedor
de Cartago (em 146); Augusto, o célebre imperador romano; Alexandre, o grande conquistador.
8
Octávio, o imperador Caio Júlio César Octaviano, compôs “versos doutos e venustos”, isto é, graciosos.
9
Respeitáveis, veneráveis
10
Mulher de Marco António.
11
Amante de Marco António.
97
Enfim, não houve forte capitão,
Que não fosse também douto e ciente, Enfim, com exceção de Portugal, não houve um
Da Lácia12, Grega, ou Bárbara nação, grande capitão entre os latinos, os gregos e os
bárbaros, que não fosse também um homem dado às
Senão da Portuguesa tão somente. letras.
Sem vergonha o não digo, que a razão Camões confessa-se, assim, envergonhado de o
De algum não ser por versos excelente, dizer. E a razão de nenhum capitão português ser
É não se ver prezado o verso e rima, celebrado na poesia é por não a estimar, já que não a
Porque, quem não sabe arte, não na estima.

98 - Desamor de Portugal às boas letras


Por isso, e não por falta de natura13,
Não há também Virgílios nem Homeros; Por isso, e não por falta de dotes naturais, não há em
Portugal grandes poetas, e se assim continuarmos,
Nem haverá, se este costume dura, não haverá também, dentro de algum tempo,
Pios Eneias, nem Aquiles feros. grandes heróis. E o pior ainda é que o destino fez os
Mas o pior de tudo é que a ventura portugueses tão rudes, intratáveis e insensíveis, tão
Tão ásperos os fez, e tão austeros,14 desleixados de espírito, que poucos se importam
Tão rudos, e de engenho tão remisso15, com isso.
Que a muitos lhe dá pouco, ou nada disso.

99 - O amor à Pátria
Às Musas agradeça o nosso Gama
O Muito amor da Pátria, que as obriga É ao amor da pátria que Vasco da Gama deve a
A dar aos seus na lira nome e fama fama que pelos seus trabalhos lhe dão as musas e
De toda a ilustre e bélica fadiga; que recai sobre os seus descendentes. Porque ele
próprio e os que usam o seu nome não merecem a
Que ele, nem quem na estirpe seu se chama16, estima da musa épica, nem as ninfas do Tejo, só por
Calíope não tem por tão amiga, causa dele, teriam interrompido as finas teias de
Nem as filhas do Tejo17, que deixassem
As telas d’ouro fino18, e que o cantassem.

100
Porque o amor fraterno19 e puro gosto
De dar a todo o Lusitano feito O amor pelos seus compatriotas, o gosto de louvar
Seu louvor, é somente o pressuposto20 os feitos lusitanos é o único móbil das Tágides.
Das Tágides gentis, e seu respeito. Apesar disso, o poeta faz votos de que ninguém
Porém não deixe enfim de ter disposto desista de praticar grandes feitos, porque eles serão
Ninguém a grandes obras sempre o peito21, recompensados desta maneira ou de outra.
Que por esta, ou por outra qualquer via,
Não perderá seu preço, e sua valia.
SÍNTESE DA REFLEXÃO

12
Do Lácio
13
De qualidades naturais.
14
Tão rudes. Como rudos no verso seguinte.
15
Tão descuidado.
16
Nenhum descendente seu
17
As Tágides.
18
As suas ocupações: a contemplação dos seus amores.
19
Amor que as namoradas de Camões têm a todos os Portugueses, como sendo seus irmãos, por serem
todos filhos da mesma pátria.
20
É somente o desígnio.
21
O ânimo e a vontade
O fim da narrativa de Vasco da Gama ao
Acontecimento motivador da reflexão
rei de Melinde.
O desprezo das artes e das letras e a
Tema de reflexão / Posicionamento importância do registo escrito de grandes
crítico do poeta façanhas como glorificação do povo
português e incentivo a novos heróis.
 Anáfora;
Marcas linguísticas do discurso
 Enumeração;
judicativo e valorativo
 Adjetivação valorativa.

O poeta começa por mostrar como o canto, o louvor, incita à realização dos feitos
heroicos; dá, em seguida, exemplos do apreço que os antigos heróis gregos e romanos
tinham pelos seus poetas e da importância que davam ao conhecimento e à cultura,
compatibilizando as armas com o saber.
Não é, infelizmente, o que se passa com os portugueses, que não dão valor aos
seus poetas, porque não têm cultura para os conhecer. Ora, não se pode amar o que
não se conhece, e a falta de cultura dos heróis nacionais é responsável pela
indiferença que manifestam pela divulgação dos seus feitos, e, se não tiverem poetas
que os cantem, serão esquecidos. Apesar disso, o poeta, movido pelo amor à pátria,
reitera o seu propósito de continuar a engrandecer, com os seus versos, as “grandes
obras” realizadas.
Manifesta, desta forma, a vertente crítica e pedagógica da sua epopeia, na defesa
da realização plena do homem, em todas as suas capacidades.
O DINHEIRO COMO FONTE DE CORRUPÇÃO E DE TRAIÇÕES
Estrutura externa – Canto VIII, estâncias 96 a 99
Estrutura interna – Narração

96 - O poder do dinheiro
Nas naus estar se deixa vagaroso,
Até ver o que o tempo lhe descobre:
Que não se fia já do cobiçoso Vasco da Gama ficou na nau, esperando os
acontecimentos, pois perdera a confiança no Catual.
Regedor corrompido e pouco nobre.
O poeta tira a moral da história: veja-se o poder que
Veja agora o juízo curioso o dinheiro exerce sobre os ricos e sobre os pobres.
Quanto no rico, assim como no pobre,
Pode o vil interesse e sede inimiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga.
97 - Poliméstor. Dánae. Tarpeia.
A Polidoro mata o Rei Treício22,
Só por ficar senhor do grão tesouro; O rei da Trácia matou Polidoro só para se apoderar
Entra, pelo fortíssimo edifício23, do dinheiro dele: a filha de Acrísio, fechada numa
Com a filha de Acriso a chuva d'ouro; fortaleza, foi violada pela chuva de ouro. Tarpeia
Pode tanto em Tarpeia avaro vício24, entregou a cidadela em troca de ouro e ficou
Que, a troco do metal luzente e louro, soterrada debaixo dele.
Entrega aos inimigos a alta torre,
Do qual quase afogada em pago morre.
98
Este rende munidas fortalezas25,
Faz tredores26 e falsos os amigos:
Este a mais nobres faz fazer vilezas, Por causa do dinheiro rendem-se fortalezas,
E entrega Capitães aos inimigos; atraiçoam-se amigos, entregam-se capitães, perdem-
se virgindades, corrompe-se o uso do saber.
Este corrompe virginais purezas,
Sem temer de honra ou fama alguns perigos:
Este deprava às vezes as ciências,
Os juízos cegando e as consciências;
99
Este interpreta mais que sutilmente.
Os textos; este faz e desfaz leis;
Por causa do ouro, dão-se interpretações habilidosas
Este causa os perjúrios entre a gente,
aos textos; fazem-se e anulam-se leis; os homens
E mil vezes tiranos torna os Reis. juram falso; os reis tornam-se tiranos. E até os
Até os que só a Deus Onipotente sacerdotes se deixam levar pela sua fascinação,
Se dedicam, mil vezes ouvireis embora sob aparências virtuosas.
Que corrompe este encantador, e ilude;
Mas não sem cor, contudo, de virtude.
22
Príamo, rei de Troia, confiou o seu filho Polidoro a Polimnestor, rei da Trácia (o rei Treício). Depois da
queda de Troia, Polimnestor, para se apoderar do oiro que teria vindo com o filho de Príamo matou
Polidoro e atirou o cadáver ao mar.
23
Acrísio, pai de Dánae, encerrou a sua filha numa torre de bronze para impedir o cumprimento da
profecia de que seria morto pelo filho que dela nascesse. Mas Júpiter entrou na torre sob a forma de uma
chuva de oiro e tornou Dánae mãe de Perseu que, mais tarde, veio a matar Acrísio.
24
Tarpeia, filha de Spurius Tarpeius, entregou a cidadela de Roma (o Capitólio) aos Sabinos sob
promessa de eles lhe darem o que traziam no braço esquerdo (o bracelete de oiro). Tácio, rei dos Sabinos,
consentiu, mas, ao entrar na cidadela, atirou-lhe não só o bracelete, mas também o escudo que tinha no
mesmo braço. Os soldados fizeram o mesmo e Tarpeia ficou esmagada.
25
O oiro faz render fortalezas bem fortificadas
26
Traidores.
SÍNTESE DA REFLEXÃO
As traições sofridas por Vasco da Gama
em Calecut, nomeadamente o seu
Acontecimento motivador da reflexão
sequestro, são ultrapassadas pela entrega
de valores materiais.
Tema de reflexão / Posicionamento O poder de corrupção do ouro que tudo
crítico do poeta compra.
 Anáforas;
Marcas linguísticas do discurso
 Enumeração;
judicativo e valorativo
 Adjetivação valorativa.

O poeta enumera os efeitos perniciosos do ouro, que provoca derrotas, faz dos
amigos traidores, mancha o que há de mais puro, deturpa o conhecimento e a
consciência, condiciona as leis, dá origem a difamações e à tirania de reis,
corrompendo até os sacerdotes, sob a aparência da virtude. Retomando a função
pedagógica do seu canto, o poeta aponta o dedo à sociedade sua contemporânea,
orientada por valores materialistas.
MANIFESTAÇÃO DE PATRIOTISMO PELO POETA E EXORTAÇÃO A D.
SEBASTIÃO
Estrutura externa – canto X da estância 145 a 156
Estrutura interna – Narração
Plano narrativo – As reflexões do poeta
145 - (Desalento do Poeta. Censuras à Pátria)
Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
Destemperada27 e a voz enrouquecida, O poeta interrompe aqui a narração. Queixa-se à sua
musa: não quer cantar mais, porque a sua lira está
E não do canto, mas de ver que venho desafinada e a sua voz enrouqueceu, não por muito
Cantar a gente surda e endurecida. cantar, mas por causa da gente surda e insensível a
O favor com que mais se acende o engenho quem se dirige. A pátria não lhe dá o prémio que
Não no dá a pátria, não, que está metida estimula o engenho poético, porque só pensa na
No gosto da cobiça e na rudeza ganância e sofre de uma estupidez triste, soturna,
Düa austera, apagada e vil tristeza. apagada e mesquinha.

146 -(Conselhos ao Rei Dom Sebastião)


E não sei por que influxo de Destino
O poeta não sabe que mau destino tira aos
Não tem28 um ledo orgulho e geral gosto, Portugueses o orgulho contente e o gosto de viver
Que os ânimos levanta de contino que faz os homens encarar as dificuldades
A ter pera trabalhos ledo o rosto. animosamente e com alegria. Mas volta-se agora
Por isso vós, ó Rei, que por divino para o rei que um desígnio de Deus colocou no
Conselho29 estais no régio sólio posto, trono. O que acaba de contar mostra que ele é
Olhai que sois (e vede as outras gentes) senhor unicamente de excecionais vassalos:
Senhor só de vassalos excelentes. compara-se com os de outras nações.
147 - (O heroísmo português)
Olhai que ledos vão, por várias vias,
Quais rompentes liões e bravos touros,
Dando os corpos a fomes e vigias, Que o rei veja como eles, pelos vários caminhos do
A ferro, a fogo, a setas e pelouros, mundo, se expõem a todos os perigos da guerra e do
mar …
A quentes regiões, a plagas frias,
A golpes de Idolátras30 e de Mouros,
A perigos incógnitos do mundo,
A naufrágios, a pexes, ao profundo31.
148
Por vos servir, a tudo aparelhados;
De vós tão longe32, sempre obedientes;
A quaisquer vossos ásperos mandados, … prontos a tudo para o servir, obedecendo, calados
Sem dar reposta, prontos e contentes. e tão longe dele, a todas as suas ordens. Basta
Só com saber que são de vós olhados, pensarem que o rei os está observando para
Demónios infernais, negros e ardentes33, desafiarem o inferno – e é certo que farão vencedor
Cometerão convosco34, e não duvido o seu rei.
Que vencedor vos façam, não vencido.

27
Desafinada
28
Ela, a Pátria
29
Por Providência Divina
30
A palavra torna-se grave por motivo de acentuação métrica.
31
Ao mar profundo.
32
Apesar de tão longe de vós.
33
Imagem do guerreiro invencível. Negros da pólvora e do fumo das batalhas.
34
Acometerão.
149 - (Benignidade e justiça)
Favorecei-os logo, e alegrai-os
Com a presença e leda humanidade; Por isso o rei deve protegê-los e recebê-los
De rigorosas leis desalivai-os, bondosamente, aliviá-los de leis pesadas: é este
Que assi se abre o caminho à santidade. procedimento que leva à santidade. Deve escolher
Os mais exprimentados levantai-os, para seus conselheiros os homens que juntam a
Se, com a experiência, têm bondade experiência ao valor, porque esses sabem quando as
coisas são oportunas.
Pera vosso conselho, pois que sabem
O como, o quando, e onde as cousas cabem.

150 - (Os religiosos)


Todos favorecei em seus ofícios,
Segundo têm das vidas o talento;
Tenham Religiosos exercícios Que o rei favoreça cada um segundo o seu ofício e
vocação. Que os clérigos se ocupem em rezar e
De rogarem, por vosso regimento, fazer penitência pelos pecados de todos, deixando
Com jejuns, disciplina, pelos vícios qualquer ambição de glória ou dinheiro.
Comuns; toda ambição terão por vento,
Que o bom Religioso verdadeiro
Glória vã não pretende nem dinheiro.

151 - (Os cavaleiros)


Os Cavaleiros tende em muita estima,
Pois com seu sangue intrépido35 e fervente
Que estime os cavaleiros, pois não só alargam a fé à
Estendem não somente a Lei de cima, custa do seu sangue mas também o império do rei. E
Mas inda vosso Império preminente. os que o vão servir em regiões remotas vencem dois
Pois aqueles que a tão remoto clima inimigos: os homens que os atacam e os
Vos vão servir, com passo diligente, padecimentos que sofrem.
Dous inimigos vencem: uns, os vivos,
E (o que é mais) os trabalhos excessivos.

152 - (A experiência)
Fazei, Senhor, que nunca os admirados
Que proceda de maneira que os Alemães, Franceses,
Alemães, Galos36, Ítalos e Ingleses, Italianos e Ingleses, nações tão admiradas, não
Possam dizer que são pera mandados, possam dizer que os Portugueses são feitos mais
Mais que pera mandar, os Portugueses. para obedecer que para mandar. Que se aconselhe
Tomai conselho só d’exprimentados só com homens experimentados, pois, embora os
Que viram largos anos, largos meses, que estudaram pelos livros tenham muita
Que, posto que em cientes muito cabe. capacidade, o experimentado conhece melhor as
Mais em particular o experto37 sabe particularidades das coisas.

153 - (Formião e Aníbal)


35
Audaciosos, corajoso
36
Da Gália (franceses).
37
Experimentados
De Formião38, filósofo elegante,
Vereis como Aníbal escarnecia, Aníbal escarnecia do filósofo Formião, quando este,
Quando das artes bélicas39, diante com grandes discursos, lhe falava da arte da guerra.
A ciência militar que preste não se aprende na
Dele, com larga voz tratava e lia. imaginação ou nos livros, mas na observação e na
A disciplina militar prestante prática.
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando40.

154 - (Humildade do Poeta)


Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,
Mas com que autoridade fala ele, poeta, homem
De vós não conhecido nem sonhado? obscuro, que o rei não conhecia nem por sonhos?
Da boca dos pequenos sei, contudo, Sabia, no entanto, que os mais perfeitos louvores
Que o louvor sai às vezes acabado. saem da boca dos pequenos. E não lhe faltava o
Nem me falta na vida honesto estudo, estudo recolhido, a longa experiência e o engenho
Com longa experiência misturado, de espírito (presente neste livro), coisas que
Nem engenho, que aqui vereis presente, raramente se encontram juntas.
Cousas que juntas se acham raramente.
155 - (" Para servir - vos, braço às armas feito ")
Pera servir-vos, braço às armas feito,
Pera cantar-vos, mente às Musas dada; Tinha o braço exercitado na guerra e a mente
Só me falece ser a vós aceito, inclinada às Musas. Só lhe faltava a aceitação do
De quem virtude41 deve ser prezada. rei, que devia prezar o valor. Se Deus lha
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito concedesse e se o rei se lançasse num
Dina empresa tomar de ser cantada, empreendimento digno de ser cantado (como era de
pressagiar, atendendo à sua inclinação divina)…
Como a pressaga mente vaticina
Olhando a vossa inclinação divina,

156 - (" Para cantar - vos, mente às Musas dada ")


Ou fazendo que, mais que a de Medusa42,
A vista vossa tema o monte Atlante43,
… quer fazendo-se temer de longe no norte de
Ou rompendo nos campos de Ampelusa44 África, quer batalhando nos seus campos e
Os muros de Marrocos e Trudante45, conquistando cidades, o poeta promete-lhe que a sua
A minha já estimada e leda Musa Musa feliz e estimada fará o rei conhecido em todo
Fico46 que em todo o mundo de vós cante, o mundo, como um Alexandre que tivesse a sorte de
De sorte que Alexandro em vós se veja, Aquiles – ser cantado por Homero.
Sem à dita de Aquiles ter enveja.

SÍNTESE DA REFLEXÃO

38
Filósofo grego que, em Éfeso, dissertou diante de Aníbal acerca da arte de combater. O general
cartaginês só pôde verificar desacertos no saber teórico apresentado.
39
Técnica e arte de combater
40
Lutando
41
Merecimento
42
Uma das três Górgonas que transformava em pedra aqueles que a contemplavam.
43
Atlas, em Marrocos. Quer dizer o poeta: “Que o monte Atlante tema a vossa visita mais do que a de
Medusa”.
44
Cabo de Espartel, a oeste de Tânger.
45
Tarudante, capital de uma província marroquina.
46
Asseguro, tenho por certo.
Chegada a Portugal da armada de Vasco
Acontecimento motivador da reflexão
da Gama.
Lamentações do poeta pela falta de
reconhecimento pátrio e crítica amarga ao
estado de decadência moral do país.
Tema de reflexão / Posicionamento
Incentivo ao rei para que seja monarca
crítico do poeta
digno da grandeza do nome de Portugal.
Disponibilidade para servir o país pelas
armas e pela escrita.
 Anáforas;
Marcas linguísticas do discurso  Enumeração;
judicativo e valorativo  Interrogação retórica;
 Adjetivação valorativa.

Os últimos versos de Os Lusíadas revelam sentimentos contraditórios: desalento,


orgulho, esperança. “No mais, Musa, no mais…”. O poeta recusa continuar o seu
canto, não por cansaço, mas por desânimo. O seu desalento advém de constatar que
canta para “gente surda e endurecida”, mergulhada “no gosto da cobiça e da rudeza /
duma austera, apagada e vil tristeza”. É a imagem do Portugal do seu tempo.
Por contraste, o poeta tem orgulho nos que estão dispostos a reavivar a grandeza
do passado, evidenciando ainda esperança de que o rei os estimule a dar continuidade
à glorificação do “peito ilustre lusitano” e dar matéria a um novo canto. O poema
encerra, pois, com uma mensagem que abarca o passado, o presente e o futuro. A
glória do passado deverá ser encarada como exemplo presente para construir um
futuro grandioso.

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