O Couro Lavrado Mudéjar - Franklin Pereira
O Couro Lavrado Mudéjar - Franklin Pereira
O Couro Lavrado Mudéjar - Franklin Pereira
Online
22 | 2017
Número 22
Franklin Pereira
Editora
Instituto de Estudos Medievais - FCSH-
UNL
Edição electrónica
URL: http://medievalista.revues.org/1344
DOI: 10.4000/medievalista.1344
ISSN: 1646-740X
Refêrencia eletrónica
Franklin Pereira, « O couro lavrado de estética mudéjar na Casa-Museu e Fundação Guerra Junqueiro
– memórias do al-Andalus em terras portuguesas », Medievalista [Online], 22 | 2017, posto online no
dia 01 Dezembro 2017, consultado no dia 01 Dezembro 2017. URL : http://
medievalista.revues.org/1344 ; DOI : 10.4000/medievalista.1344
© IEM
Re vist a ISSN 1646-740X
Resumo
O autor centra-se em três cadeiras e cinco estofos soltos das colecções do poeta Guerra
Junqueiro, actualmente na Casa-Museu e Fundação com o seu nome; o couro lavrado
apresenta particularidades estéticas que o fazem integrar na arte mudéjar de linhagem
omíada que permaneceu no ocidente peninsular depois da Reconquista. As relações que
estes motivos permitem considerar salientam Portugal como depósito de continuidades
e adaptações de estéticas arcaicas; ficaram na arte do couro da elite c.1500-1600, antes
dos padrões renascentistas se terem tornado dominantes.
Abstract
The author analyses three chairs and five upholstery pieces of the collection of the poet
Guerra Junqueiro, nowadays at the House-Museum and Foundation bearing his name;
these leather carvings show aesthetical peculiarities that turn them part of Mudejar art of
Umayyad lineage that remained in the West of Iberia Peninsula after the Reconquest.
The connections that such motives allow highlight Portugal as a deposit of continuities
and adaptations of archaic aesthetics; they have remained in the elite’s leather art c.
1500-1600 before the Renaissance motives becoming dominant.
Keywords: Islamic legacy; Mudejar art; Carved leather; Portuguese furniture; Chairs.
la nds
Franklin Pereira
Inicio este texto com uma citação de R. W. Hamilton: “The causal links between such
simple motives in their manifold variants, distributed in widely separated regions
between many crafts, present the kind of problems apt to generate profitless speculation
which the available materials can never resolve” 1. Não subscrevo esta opinião, pelo
prazer das viagens que encerra, da descoberta, pela importância em descodificar
estéticas e de as fazer ingressar na História de Arte; na Península Ibérica há que
considerar a herança de motivos arcaicos no couro utilizado para estofos, motivos esses
passados entre manufacturas e viajados entre geografias. Apoio-me, antes, numa outra
visão: “Nearly all media, except for the art of the book, are represented and in many
instances, as with ivories, there is a critical mass of works which should allow for
reflections and conclusions on classical art historical topics such as sources, styles,
subject matter, and expression” 2.
1
HAMILTON, R. W. – Khirbat al-Mafjar: an Arabian mansion in the Jordan valley. Oxford: Claredom
Press, 1959, p. 213.
2
ETTINGHAUSEN, Richard – “Notes on the lusterware of Spain”. Ars Orientalis I (1954), pp. 133-156,
p. 100.
A estética islâmica foi recriada na arte mudéjar, onde as alcatifas e estrados atapetados,
coxins, panejamentos em têxtil ou guadameci são os aspectos mais salientes nos
interiores abastados, em usos que perduraram até inícios do século XVII. Uma outra
vertente ficou reduzida às manifestações populares do sul ibérico, prolongando-se nos
artefactos típicos como os safões e sacos de pastores 4. Relativamente aos couros da
época islâmica, pouquíssimo sobreviveu; resumem-se a duas aljavas 5, com a técnica do
calado – que veremos continuada na arte pastoril do sul ibérico – e duas adargas
nazarís 6.
3
PEREIRA, Franklin – “Couros dourados” / guadamecis dos Países Baixos em Portugal (séculos XVII-
XVIII)”. Al-Madan, 2ª série, 19/2 (Janeiro 2015), pp. 117-132, pp. 127-128.
4
PEREIRA, Franklin – “A arte dos pastores do sul peninsular: arquétipos em final de estrada”. in Actas
das III Jornadas Internacionais de Vestígios do Passado / Almeida, 2007. Póvoa do Varzim: AGIR /
Associação para o Desenvolvimento Sócio-cultural, 2007, p. 220; PEREIRA, Franklin – “A sul do rio
Mondego. Arcaísmo, simbologia e transmigração de ornamentos nas artes populares do sul ibérico”. A
Cidade de Évora, 2ª série, 7 (2009), pp. 540-542; PEREIRA, Franklin – “Eqqus cursare – uma viagem a
partir do Festival Anual do Cavalo na Golegã”. Nova Augusta 22 (2010), pp. 176-177; PEREIRA,
Franklin – “Estéticas em trânsito: a partilha do ornamento da cerâmica do Gharb al-Andalus com outros
artefactos”. Arqueologia Medieval 12 (Outubro 2012), p. 199.
5
PEREIRA, Franklin – “Cueros artísticos en el Museo Arqueológico Nacional”. Boletín del Museo
Arqueológico Nacional 20 (2002), pp. 237-238; PEREIRA, Franklin – “A sul do rio Mondego”, p. 541.
6
PÉREZ HIGUERA, Teresa – Objetos y imagenes de al-Andalus. Madrid: Editorial Lundwerg, 1994, p.
124; (AL-)ANDALUS: las artes islámicas en España. Madrid: Ediciones El Viso, 1992, p. 296;
PEREIRA, Franklin – “Eqqus cursare”, p. 171.
O Museu de l’Art de la Pell (em Vic, Espanha) expõe um guadameci árabe do século
XIV 10 e uma sanefa na mesma técnica e datação 11, sem especificar se é andalusí; integra
ainda uma cortina em padrão de hexágonos alongados (século XIV) 12, uma caixa
octogonal, com um motivo de entrançado com ferreteado típico das encadernações, com
pontos dourados, e datada do século XIV 13, e uma cortina gofrada de padrão em
pequenos trapézios, já do século XVI 14.
7
(AL-)ANDALUS, pp. 288, 291, 293; PEREIRA, Franklin – “Identidade e memória nas artes do couro de
linhagem ibero-muçulmana”. in Actas do I Seminário Internacional de Memória e Cultura Visual/ Póvoa
do Varzim, 2007. Póvoa do Varzim: AGIR/Associação para o Desenvolvimento Sócio-cultural, 2008, p.
208.
8
PEREIRA, Franklin – As cadeiras em couro lavrado e os guadamecis do Museu de Pontevedra.
Pontevedra: Museu de Pontevedra, 2000, p. 245; PEREIRA, Franklin – “Leather decoration tools of the
Iberian tradition, since the 13th century”. Tools and Trades 12 (2000), p. 11.
9
MATILDA ANDERSON, Ruth – “El chapin y otros zapatos de la Alhambra”. Cuadernos de la
Alhambra 5 (1969), pp. 17-41; PEREIRA, Franklin – “Leather decoration tools”, p. 22; PEREIRA,
Franklin – “Identidade e memória”, p. 209.
10
ART en la pell: cordovans i guadamassils de la col.lecció Colomer Munmany. Barcelona: Fundació la
Caixa / Generalitat de Catalunya, 1992, p. 73, imagem 47.
11
ART en la pell, p. 73, imagem 48.
12
ART en la pell, p. 72, imagem 46.
13
(EL) ARTE en la piel – Colección A. Colomer Munmany. Madrid: Fundación Central Hispano / Museu
de l’Art de la Pell, 1998, p. 54.
14
ART en la pell, p. 80, imagem 78; (EL) ARTE en la piel, p. 79.
15
“Sur un type de reliure des temps almohades”. Ars Islamica I (1934), p. 80; (AL-)ANDALUS, pp. 123 e
308.
16
EXPOSICIÓN de encuadernaciones españolas, siglos XII al XIX. Madrid: Sociedad Española de
Amigos del Arte, 1934, pp. 10, 23 e 35; PASSOLA, José M. – Artesania de la piel. Encuadernaciones en
Vich, siglos XII-XV. Vic: Colomer Munmany, 1968, imagens 28, 30, 34 e 36; ÁLVARO ZAMORA,
María Isabel; MONDINGORRA LLAVATA, María Luz; GIASANTE, Donatella – Els vestits del saber.
Enquadernacions mudèjars a la Universitat de València. Valência: Universitat de València, 2003, pp. 27,
31, 58, 83, 85, 91, 93 e 99; CARPALLO-BAUTISTA, Antonio – “Las encuadernaciones mudéjares de
A datação dos objectos enumerados e, em particular, a sua estética, não ajudam muito
no entendimento global das gravuras mudéjares portuguesas, aqui consideradas. Só uma
análise detalhada destes couros lavrados, a par de paralelismos com peças já incluídas
na arqueologia medieval, e outras obras do mundo antigo, é que permite clarear dados,
abrir portas e perceber a viagem que contêm.
O regimento lisboeta dos correeiros, de 1572, refere apenas a “cadeira de espaldas” como
peça de exame, entre outros artefactos típicos do ofício. Noutro item estão referidas “as
cadeiras de qualquer sorte” 20, que não devem ser entendidas como obras da livre criação
dos artífices envolvidos no seu fabrico. Aliás, é o regimento dos carpinteiros, também da
mesma data, que esclarece haver modelos oficiais e medidas estabelecidas, em depósito
na câmara municipal, e marcadas com a “marca da cidade”; ao afirmar “como erão
antigamente” e “que se costumão fazer” 21 para essas peças, o texto revela a antiguidade
desses modelos, devedores aos seus congéneres tardo-medievais.
20
LIVRO DOS REGIMENTOS dos officiaes mecânicos da mui nobre e sempre leal cidade de Lisboa
(1572). Ed. e prefácio por Virgílio CORREIRA. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1926, p. 88.
21
LIVRO DOS REGIMENTOS, pp. 115, 117 e 118.
22
PEREIRA, Franklin – O couro lavrado no Museu Municipal de Viana do Castelo: da arte “mourisca”
à época barroca. Viana do Castelo: Museu Municipal, 2000, pp. 22 a 27.
23
ARIÉ, Rachel – Miniatures hispano-musulmanes: recherches sur un manuscrit arabe illustré de
l’Escurial. Holanda: E. J. Brill, 1969, pranchas XVIII, XXI e XXXV; PEREIRA, Franklin – As cadeiras
em couro lavrado, pp. 232 e 233.
24
CRESWELL, K. A. C. – Early Muslim Architecture. Umayyads. A. D. 622-750. Oxford: Claredom
Press, II, 1969, p. 389; ASIA, ruta de las estepas: de Alejandro a Gengis Khan. Barcelona: Fundación La
Caixa, 2001, p. 77.
25
YON, Jean-Baptiste – “La época grecoromana – fusión de culturas bajo la impronta helenística”. in
Oriente Próximo – Historia y Arqueología. Colónia: Konemann, 2000, p. 81.
26
HAMILTON, R. W. – Khirbat al-Mafjar, pp. 99, 102 e 182.
27
PAVÓN MALDONADO, Basílio – El arte hispano-musulmán en su decoración floral. Madrid:
Agencia Española de Cooperación Internacional, 1990, tabla III-12-100 e XXI-61-413; PEREIRA,
Franklin – O couro lavrado no Museu Municipal, p. 45.
Formados por cravos de cabeça tronco-crónica, tais triângulos são usuais nas selas
tradicionais portuguesas. A explicação que os artífices me deram para tal decoração é
exactamente essa: é tradicional ser assim. Eventualmente, tal simplismo poderá
esconder algo mais, enraizado na herança islâmica. As selas portuguesas são devedoras
ao tipo de equitação denominado “à gineta”, identificado com os exércitos andalusís
desde o século X. Escritos entre 971 e 975, os relatos palacianos do califa al-Hakam II
parecem dar uma explicação plausível para os cravos tradicionais da selaria portuguesa.
Alguns relatos referem cavalos com selas e arreios com a marca do Califato; outros
especificam que a sela e o arreio estão adornados de prata, ou são os equinos
provenientes das cavalariças do Califato 28. A distinção entre arreios “civis” e califais
deveria fazer-se por estes terem marcas estéticas específicas. Tem toda a lógica admitir
que tal decoração se apresentaria na face exterior dos arções. Deste modo, os triângulos
cravados nas selas portuguesas têm uma origem centenária e são uma manifestação de
uma provável obrigação tornada tradição, aqui em selaria, e que se manteve após a
Reconquista.
Nos primeiros séculos da era cristã, a produção têxtil do Egipto copta atingiu grande
qualidade, onde se incluía este motivo 30. Com ligeiras variantes – com cinco cantos, ou
enlaçado em si, e também a elementos iguais, mas com as pétalas transformadas em
28
AL-RASI, Isa Ibn Ahmad – Anales Palatinos del Califa de Córdoba al-Hakam II, 360-361 H. – 971-
975 J. C. Madrid: Sociedad Estudios y Publicaciones, 1967, pp. 63, 68, 166 e 167; PEREIRA, Franklin –
“Uma leitura do painel “Santiago aos Mouros” do Museu de Arte Sacra de Mértola – a equitação
medieval e os artefactos da guerra a cavalo”. Arqueologia Medieval 12 (Outubro 2012), p. 288.
29
PEREIRA, Franklin – O couro lavrado no mobiliário artístico de Portugal. Porto: Lello e Irmão, 2000,
p. 12; PEREIRA, Franklin – O couro lavrado no Museu Municipal, p. 43; PEREIRA, Franklin – “Couros
artísticos nos interiores abastados de Arraiolos e Montemor-o-Novo, no século XVII”. Almansor 1-2ª
série (2002), pp. 145-168; PEREIRA, Franklin – “Couros artísticos nos interiores abastados”, p. 156.
30
KYBALOVÁ, Ludmila – Les tissus coptes. Paris: Cercle d’Art, 1967, p. 13.
31
HAMILTON, R. W. – Khirbat al-Mafjar, p. 199.
32
HAMILTON, R. W. – Khirbat al-Mafjar, p. 184.
33
PAVÓN MALDONADO, Basílio – “La formación del arte hispanomusulmán: hacia un corpus de la
ornamentación geométrica rectilínea”. Al-Andalus XXXVIII-1 (1973), pp. 195-242, tabla XIII.
34
STIERLIN, Henri – Islão. de Bagdade a Córdova: a arquitectura primitiva do século VII ao século
XIII. Colónia: Tachen, 2002, p. 81.
35
PORTUGAL ISLÂMICO: os últimos sinais do Mediterrâneo. Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia /
Instituto Português de Museus, 1998, pp. 86 e 87.
36
EGRY, Anne de – Um estudo de “O Apocalipse do Lorvão” e a sua relação com as ilustrações
medievais do apocalipse. Lisboa: Fundação Gulbenkian, 1972, pp. 101-102; PEREIRA, Franklin – O
couro lavrado no Museu Municipal, p. 51.
37
PEREIRA, Paulo – História da arte em Portugal. Vol. I. Lisboa: Círculo de Leitores, 1995, p. 443.
38
PAVÓN MALDONADO, Basílio – Arte toledano: islámico y mudéjar. Madrid: Instituto Hispano-
árabe de Cultura, 1988, lâmina CLXXIII.
39
TORRES BALBÁS, Leopoldo – “De cerámica hispano-musulmana”. Al-Andalus IV (1939), pp. 421 e
422.
40
PEREIRA, Franklin – “Identidade e memória”, p. 209.
41
ART EN LA PIEL, pp. 81 e 95.
42
PEREIRA, Franklin – O couro lavrado no Museu Municipal, pp. 50-53.
43
PEREIRA, Franklin – “A grande viagem da flor quadripétala: um estudo a partir da fíbula da escultura
“Nossa Senhora do Ó” do Museu Municipal Carlos Reis/Torres Novas”. Nova Augusta 24 (2012), pp.
183-196.
Nas peças nºs 2, 3, 4 e 5, a moldura floral estilizada tem como estrutura uma espiral ou
S, havendo, por vezes, um ponto de união das curvas simétricas, constituído por um
anel, argola ou fivela (“hebilla”, em espanhol) 44. Denominadas em inglês “scroll
patterns”, aparecem como bordas internas de vasos cerâmicos de Bizâncio; quanto à sua
proveniência, “it is hard to be certain of origins, the pattern being so universal. (...)
Sometimes they were stylized into what are little more than undulating bands, but when
they are elaborate they usually take on a form which suggests relationships with Islamic
pottery” 45. Relativamente ao emprego deste tipo de molduras na arte ibérica, B. Pavón
Maldonado afirma: “La cenefa estrecha con palmetas asidas a roleos ondulados
encuentra ya ampla acogida en el arte sasánida, el bizantino e en el omeya oriental; se
impone sobre todo en Madinat al-Zahra y en la Mesquita de Córdoba” 46.
Assim, este tipo de moldura tem paralelos com outras, presentes tanto na arquitectura
islâmica do Médio Oriente omíada e abássida 47 como na peninsular, em Madinat al-
Zahra 48 (à qual não falta o vinco interno) e na Mesquita de Córdova 49; nas artes móveis,
encontra-se, por exemplo, numa arqueta de marfim da época Taifa 50, numa lápide
funerária do século XII, em território português 51, e em iluminuras dos “Beatos”
espanhóis.
na busca de uma explicação para tal estética: a folha com anéis intercalados nos gomos
– denominada em estudos espanhóis como “palmeta digitada” 52 – aparece em marfins
califais e nos estuques de Madinat al-Zahra 53, nos primeiros anos do século XI; o seu
uso prolongou-se na arte dos reinos de Taifas 54. As épocas almorávida 55 e almóada 56
levaram o acanto a maior estilização; por vezes, a folha é reduzida a gomos intercalados
com anéis, ou preenchida com estilizações florais. O seu uso prolongou-se nas
produções nazarís 57; aparece também na Sinagoga de Santa Maria la Blanca (Toledo),
do século XIII 58, denotando o prolongamento da estética califal na comunidade judaica,
e, ainda, na ornamentação cristã elaborada por mudéjares, como no Mosteiro de las
Huelgas, em Burgos 59, do mesmo século.
Tendo permanecido sete séculos na Península, esta estilização, a nível dos couros de
arte, apenas se encontra nos lavrados portugueses, com diversos aspectos decorrentes da
sua génese sob o Califato.
Aos desenhos já publicados 61, mostrando a evolução da tão corrente folha de acanto, até
se estilizar em “palmeta digitada”, haverá que acrescentar o exemplo português aqui
52
PAVÓN MALDONADO, Basílio – El arte hispano-musulmán, p.115.
53
TORRES BALBÁS, Leopoldo – ““Las yeserías descubiertas recientemente en las Huelgas de Burgos”.
Al-Andalus VIII (1943), pp. 209-254.
54
TORRES BALBÁS, Leopoldo – “Las yeserías descubiertas”.
55
RICARD, Prosper – Pour comprendre l’art musulman dans l’Afrique du Nord et d’Espagne. Paris:
Hachette, 1924, p. 170, figuras 303 e 304.
56
RICARD, Prosper – Pour comprendre, figuras 305-312.
57
RICARD, Prosper – Pour comprendre, figuras 317-320.
58
TORRES BALBÁS, Leopoldo – “Las yeserías descubiertas”, p. 224; PAVÓN MALDONADO, Basílio
– Arte toledano, pp. 81 e 136.
59
PAVÓN MALDONADO, Basílio – Arte toledano, pp. 124 e 125.
60
TORRES BALBÁS, Leopoldo – “Las yeserías descubiertas”, p. 215.
61
PAVÓN MALDONADO, Basílio – El arte hispano-musulmán, tabla XXI, nº 43, p. 121; PEREIRA,
Franklin – O couro lavrado no Museu Municipal, p. 57; PEREIRA, Franklin – “Identidade e memória”,
p. 213.
Atrás, referi o módulo da flor quadripétala sobre quadrado, presente num relevo lisboeta
do século X-XI; um outro também apresenta palmetas, organizadas como que nas
diagonais de um quadrado, e que terá, como os outros do relevo citado, a “sua filiação em
paralelos de origem oriental, como os de Khirbat al-Mafjar (739-743), transmitidos por
artistas do período omíada à Península Ibérica, talvez no tempo de Abd al-Rahman I” 71.
Uma outra versão, mais requintada, aparece pintada em cerâmica islâmica atribuída aos
séculos XI-XII, descoberta em Mértola 72: quatro ramos iguais saindo do enlaçado têm
paralelos com o centro do assento em causa.
62
PEREIRA, Franklin – O couro lavrado no Museu Municipal, pp. 59 e 60.
63
PEREIRA, Franklin – “Identidade e memória”, p. 212.
64
PEREIRA, Franklin – O couro lavrado no Museu Municipal, pp. 43 e 44; PEREIRA, Franklin –
“Couros artísticos nos interiores”, p. 156.
65
PEREIRA, Franklin – “Identidade e marcas de cultura – a propósito de uma cadeira em couro lavrado
na igreja de Santa Eufémia da Chancelaria (Torres Novas)”. Nova Augusta 21 (2009), pp. 143-153.
66
PEREIRA, Franklin – O couro lavrado, pp. 36, 92 e 93.
67
PEREIRA, Franklin – “Identidade e memória”, p. 211; HAMILTON, R. W. – Khirbat al-Mafjar, p.
151, figura 114a, p. 213.
68
PAVÓN MALDONADO, Basílio – El arte hispano-musulmán, lâmina I-5, nº 47, e lâmina I-2, nº 6;
BARRUCAND, Marianne; BEDNORZ, Achim – Arquitetura islámica, p. 78.
69
(Al-)ANDALUS, p. 253.
70
PAVÓN MALDONADO, Basílio – El arte hispano-musulmán, tabla III, nºs 19 e 26.
71
REAL, Manuel Luís – “Os Moçárabes do Gharb português”. in Portugal Islâmico: os últimos sinais do
Mediterrâneo. Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia / Instituto Português de Museus, 1998, p. 86.
72
TORRES, Cláudio (org.) – Cerâmica islâmica portuguesa. Mértola: Câmara Municipal de Mértola /
Fundação Gulbenkian / Campo Arqueológico de Mértola, 1987, imagem 76.
73
(AL-)ANDALUS, pp. 304-311.
74
(AL-)ANDALUS, pp. 191 a 204.
75
PEREIRA, Franklin – As cadeiras em couro lavrado, pp. 223, 230 e 231.
76
FERRANDIS TORRES, José – Cordobanes y guadamecíes: catálogo ilustrado de la exposición.
Palácio de la Biblioteca y museos nacionales. Madrid: Sociedad Española de Amigos del Arte, 1955,
imagens 49, 50 e 59; ART en la pell, pp. 80, 90 e 91; (EL) ARTE en la piel, p. 85.
77
PEREIRA, Franklin – “Os couros artísticos: modas e estéticas em trânsito”. in Sphera Mundi – Arte e
cultura no tempo dos Descobrimentos / Congresso Internacional. Lisboa, 13-15 Outubro 2015. Vale de
Cambra: Caleidoscópio, 2015, pp. 297-312; PEREIRA, Franklin – “The Charola de Tomar: early 16th
century mould-embossed gilt leather, glued to stone walls”. Newsletter. Stroke-up-Trent: Archeological
Leather Group 43 (Março 2016), pp. 14-16.
Todas as peças aqui em estudo são réstias de um passado esquecido, da estética islâmica
que permaneceu nestes modelos de cadeira “d espaldas”. Acessível e resistente, o couro
bovino tornou-se a matéria-prima ideal para estofos nos territórios que se tornaram
Portugal, sendo de admitir que foi buscar os elementos lavrados a outras artes, ou
mesmo aos correntes artefactos de couro (adargas, cintos, selas, aljavas, coxins e
guadamecis) das modas mudéjares.
78
PEREIRA, Franklin – “Leather decoration tools”, p. 11.
79
FEDUCHI, Luís – Historia del Mueble. Madrid: Afrodisio Aguado, 1946, figura 367; FEDUCHI, Luís
– Antologia de la Silla Española. Madrid: Afrodisio Aguado, 1957, figuras 33, 37 e 45; GUILÓ
ALONZO, Maria Paz – “Cordobanes y guadamecíes”. in BONET CORREA, António – Historia de las
artes aplicadas y industriales en España. Madrid: Editorial Cátedra, 1982, p. 326; AGUILÓ ALONZO,
Maria Paz – El mueble clásico español. Madrid: Editorial Cátedra, 1987, p. 154; AGUILÓ ALONZO,
Maria Paz – El mueble en España, siglos XVI-XVII. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones
Cientificas / Ediciones Antiqvaria, 1993, pp. 353-355; AGUILÓ ALONZO, Maria Paz – “Cordobanes y
guadamaciles”. in (EL) ARTE en la piel, p. 21; AGUILÓ ALONZO, Maria Paz – “Cordobanes y
guadameciles”. Madrid: Espasa Calpe. Summa Artis LXV (1999), pp. 266 a 268.
participação dos artífices das “três religiões do Livro” no trabalho do couro; esse
documento envolve os fabricantes da matéria-prima (curtidores e surradores), aqueles
que manufacturam o utilitário sapato (em vários modelos) e os fabricantes de odres.
Cristãos, judeus e mudéjares/”mouros” estão presentes no curtume e estabelecem regras
para o uso de determinadas cores no calçado 80; rectificado em 1532, este documento
tem uma muito explícita frase final: “tiramdo as palauras que falão nos Judeus e mouros
81
pelos Ja hy não aver” – este é o reconhecimento da extinção das minorias judaica e
muçulmana nos ofícios básicos do couro, a par de um final anteriormente oficializado:
“O ciclo do mudejarismo português encerra-se a Dezembro de 1496 com a publicação
do édito de D. Manuel” 82. O surgir da cadeira encourada no século XVI afasta-nos das
“vivências mistas” 83 nos ofícios; as referências da autora à participação dos mudéjares
no calçado são do século XV, em Beja, Loulé, Avis e Évora; nesta última cidade, em
finais do século XIV, vemos os “mouros çapateiros” 84 envolvidos também no
curtume 85. O Livro dos Regimentos de 1572 refere que o oficial, no exame para mestre
sapateiro de obra de vaca, realizava dois tipos de calçado: “abrochados Solados de
correa e outros chãos solados aa mourisca” 86; neste último, empregava um método
herdado dos sapateiros islâmicos. Na selaria, e ainda lendo o mesmo Livro dos
Regimentos, continuava a fabricar-se o modelo de sela gineta, permanecendo, portanto,
o tipo de monta à gineta herdado dos exércitos andalusís, a par da sela estradiota do
norte cristão; o ofício de correeiro tinha anexo o de adargueiro – a adarga era o escudo
de couro que protegia o cavaleiro da monta à gineta. Métodos de elaboração e
apetrechos continuaram em uso no Portugal cristão, agora sem artífices mudéjares, mas
antes por continuidades e provas da sua eficiência, seja no calçar ou no cavalgar.
80
PEREIRA, Franklin – Ofícios do couro na Lisboa medieval. Lisboa: Editora Prefácio, 2009, p. 54.
81
LIVRO das Posturas Antigas. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1974, pp. 324 e 330.
82
BARROS, Maria Filomena Lopes de – Tempos e espaços de mouros: a minoria muçulmana no reino
português (séculos XII a XV). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 595.
83
BARROS, Maria Filomena Lopes de – Tempos e espaços de mouros, p. 593.
84
BARROS, Maria Filomena Lopes de – Tempos e espaços de mouros, p. 515.
85
PEREIRA, Franklin – Ofícios do couro, p. 54.
86
LIVRO DOS REGIMENTOS dos officiaes mecânicos da mui nobre e sempre leal cidade de Lisboa
(1572). Ed. e prefácio por Virgílio CORREIRA. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1926, p. 77.
Augusto Cardoso Pinto publicou uma série de imagens e comentários a quatro cadeiras
estruturalmente semelhantes às da Casa-Museu Guerra Junqueiro 90. Nenhum dos couros
lavrados é, no entanto, em estilo mudéjar; uma das peças apresenta couros prensados 91.
87
PEREIRA, Franklin – “A arte dos pastores”; PEREIRA, Franklin – “O couro e o Islão na Península
Ibérica: identidade cultural, pedagogia e património. Reflexões em torno de uma tese de mestrado”.
Ensinarte / Revista das artes em contexto educativo 10 (2007), pp. 22-33; PEREIRA, Franklin –
“Identidade e memória”.
88
PEREIRA, Franklin – “Las influencias del Califato de al-Andalus en los cueros labrados de Portugal
del siglo XVI”. in Mil años de trabajo del cuero. Actas del II Simposium de Historia de las Técnicas.
Córdova: Sociedad Española de Historia de las Ciências y de las Técnicas / Universidad de Córdoba
2003, pp. 501-518.
89
PEREIRA, Franklin – “Leather decoration tools”, p. 10.
90
PINTO, Augusto Cardoso – Cadeiras portuguesas. Lisboa: A. C. Pinto, 1952, estampas XIV, XV e
XVII.
91
PINTO, Augusto Cardoso – Cadeiras portuguesas, estampa XVII, figura 12.
Este caso prova a raridade destes lavrados e a falta de conhecimentos do autor referido
quanto às artes do couro, incluindo a do guadameci.
A par do frontal de altar do século XVI, em guadameci, no Museu Abade de Baçal 92, já
referido, e da produção alentejana de sacos de pastores e safões 93, poderiam/deveriam
estes estofos ter estado presentes nas exposições (e respectivos catálogos) “Memórias
Árabo-islâmicas em Portugal” (realizada em Mértola em 1997) 94 e “Portugal islâmico:
os últimos sinais do Mediterrâneo” (realizada no Museu Nacional de Arqueologia em
1997-98) 95.
Servem também estes estofos para um fim mais vasto: “reequacionar as interacções
entre a maioria cristã e a minoria islâmica (nomeadamente com o auxilio de outras
ciências, que não apenas a História), o que permitirá perspectivar de forma mais
correcta a realidade que chamamos «nação»” 96. Uma nação que tem, no mobiliário de
assento, a cadeira em couro lavrado como representante, uma particularidade europeia
com fama. Mais do que as cadeiras renascentistas e barrocas, muito frequentes em
museus e colecções particulares, estão estas peças cheias de História, e são janelas para
um legado de riqueza e esplendor.
92
PEREIRA, Franklin – “Identidade e memória”, p. 209.
93
PEREIRA, Franklin – “A arte dos pastores do sul peninsular”; PEREIRA, Franklin – “O couro e o
Islão”; PEREIRA, Franklin – “Identidade e memória”.
94
PEREZ, Rosa Maria (org.) – Memórias árabo-islâmicas em Portugal. Lisboa: Comissão Nacional para
a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses, 1997.
95
PORTUGAL ISLÂMICO.
96
BARROS, Maria Filomena Lopes de – A comuna muçulmana de Lisboa: sécs. XIV e XV. Lisboa:
Hugin, 1998, p. 165.
Estamos perante um motivo partilhado entre a tradição mudéjar dos “panos d’armar”
(seja em têxtil, seja em guadameci) e uma linhagem a emergir, a do mobiliário de
assento, onde o couro bovino era a matéria-prima dominante em Portugal; esta linhagem
absorveu, na sua estética, motivos arcaicos, sendo o padrão de arcos duplos
contracurvados um dos pouquíssimos elementos partilhados. O interior do espaldar
(figura 1A) relembra os marfins califais 97; apresenta delicadas ramagens, onde se
encontram cinco aves diferentes, a maior das quais parece ser um pavão; alguns ramos
têm pequenas curvas sobre o enrolamento, sugerindo ser continuidade da estilização do
acanto no al-Andalus califal 98. Para a execução de tanto detalhe, o correeiro utilizou,
além da goiva em “v” cortante ou da faca de incisão – este é um caso em que a finura
das linhas cria dúvidas sobre o tipo de ferramenta –, uma punção minuciosa
(denominada “escama” pelos gravadores actuais) para criar o efeito de penas nos
pássaros. Como novidade, há um riscado obtido por punção, que dá a ideia de
rebaixamento e sobreposição, e que iria passar a ser corrente nas gravuras renascentistas
posteriores. O correeiro utilizou ainda um “fosco”/granulado para o fundo, como era
típico desde o Gótico peninsular.
O assento (figura 1B) repete a moldura do espaldar; o seu centro, no entanto, parece ser
uma evolução a partir dos modelos califais das palmetas distribuídas em quatro
direcções. A estilização floral que rodeia o centro deste assento – quatro folhas nas
diagonais, enrolamentos e faixas – repete-se em dois outros da FGJ, soltos da estrutura,
que veremos adiante (peças nºs 7 e 8). Pela negativa, note-se que a pregaria, que fixa o
espaldar, atropela a moldura; aconteceria o mesmo na estrutura original?
97
FERRANDIS TORRES, José – Marfiles árabes de Occidente, siglos X y XI. Vol. I e II. Madrid:
Estanislao Mestre, 1935-1940; (AL-)ANDALUS, pp. 191 a 204; ANDALOUSIES, pp. 122 e 123.
98
PAVÓN MALDONADO, Basílio – El arte hispano-musulmán, p. 121, tabla XXI, nº 43; PEREIRA,
Franklin – O couro lavrado no Museu Municipal, pp. 59 e 60.
a cadeira funcional 99. Apesar deste corte, este espaldar adiciona mais dados à produção,
rara e magnífica, desta “tenda” de correeiros, com um peculiar método de gravura
minuciosa, possivelmente herdado das anteriores oficinas de mudéjares portugueses (se
não de sangue, pelo menos de tradição cultural erudita). Permite também este espaldar
considerar as trocas comerciais com a Galiza no século XVII e XVIII, aspecto que
também foquei no estudo citado, publicado pelo Museu de Pontevedra 100.
99
PEREIRA, Franklin – As cadeiras em couro lavrado, pp. 223, 230 e 231.
100
PEREIRA, Franklin – As cadeiras em couro lavrado, pp. 240 a 242.
direita da larga moldura. O rameado arcaico da moldura, inscrito em amplos SS, tem
semelhanças com o seguinte, sendo, todavia, menos requintado. Neste rameado, é de
notar pequenos enrolamentos, relembrando medalhões que acompanham alguns “suras”,
elaborados no al-Andalus nos séculos XI e XII; adiante, na peça nºs 3 e 4, veremos de
novo este esquema arcaico. Em cada canto encontram-se flores aparentadas à palmeta.
Os motivos centrais do espaldar são, supostamente, armas de aliança, a que não falta a
fantasia. Os arcos podem ser lidos como a letra M, encimada por uma coroa de conde,
de sete pérolas (o clássico são nove pérolas). No escudo, no peito da ave estão
representadas as armas plenas de Coelho (na bordadura estão oito coelhos, quando o
clássico são cinco). Como suporte da heráldica está um dragão marinho. Tal como na
peça seguinte, o ferramental resume-se a uma goiva em “v”, e um cinzel curvo. Os
coelhos foram executados um a um, e não por punção única.
O assento (figura 2A) faz par com o espaldar e, como era usual, o motivo é de
inspiração vegetalista, dispensando a brasonária. Os rameados simétricos a partir de
uma flor central parecem derivar das palmetas califais. A flor central é aparentada ao
antiquíssimo motivo da flor quadripétala sobre quadrado, o que acrescenta raridade e
importância a esta peça; é outro dos pouquíssimos elementos partilhados com os
guadamecis de 1500, portugueses e espanhóis.
Esta cadeira tem semelhanças, no modelo e na moldura lavrada, com outra, presente no
Museu Nacional de Arte Antiga 101, assim como com a peça anterior deste estudo.
Quanto ao assento, o original ter-se-á estragado e foi substituído por um péssimo
exemplar, que denota a falta de capacidades do pretenso gravador, de uma época recente
onde já não havia exames nem juízes de ofício. Nunca saberemos o grau de distorção
que o gravador, talvez na época em que a estrutura foi substituída, imprimiu ao desenho.
Parece só ter restado os triângulos, limitando uma moldura devassada pelo simplório e o
fácil; as volutas são invenção, mas as cabeças de ave deixam-me na dúvida se existiriam
no original, sabendo que, muitas vezes, a gravura partilhava figuras zoomórficas com os
têxteis. A própria texturização do assento parece ter sido realizada com um pequeno
cinzel curvo, e não com o tradicional “fosco” de grão, usado desde o Gótico até ao
Rococó.
101
MOBILIÁRIO Português. Roteiro. Lisboa: Museu Nacional de Arte Antiga / Instituto Português de
Museus, 2000, p. 50; PEREIRA, Franklin – “Las influencias del Califato de al-Andalus”, p. 513, figura
11.
Neste espaldar, além da tradicional goiva em “v” cortante, o artífice gravador usou um
cinzel não-cortante em curva (empregue para formar os triângulos laterais), uma punção
de bola pequena (apresenta-se entre cada curva dos triângulos), um outro cinzel de curva
pequena (encontra-se nos rameados) e uma punção de grande bola (marcada no brasão
central). Este espaldar devia estar fixo a uma cadeira semelhante àquela da figura 1. O
espaldar desta última cadeira, ilustrado adiante (figura 5B), distingue-se deste apenas no
brasão. É de crer que este espaldar, o seu assento correspondente (figura 5), e aqueles da
cadeira “despaldas” lisboeta, ilustrados adiante – figura 5A e figura 5B –, são gravuras
da mesma oficina mudéjar portuguesa, sem eliminar a hipótese de várias oficinas
partilharem os mesmos motivos requeridos pela elite cristã de então.
A cadeira lisboeta é, tal como as cadeiras “d’espaldas” da CMGJ (nºs 1 a 3), uma
excelente réplica; os cravos serão, no entanto, os originais, cujo desenho “aos gomos”
foi abandonado nos inícios do século XVII, passando a usar-se cravos de cabeça em
meia esfera. Note-se, ainda, que o assento lisboeta (figura 5A) foi cosido a um outro
couro, salvando-o da eliminação. O espaldar desta cadeira (figura 5B) é o par correcto
do assento. A moldura e os triângulos escalonados repetem-se, enquanto o motivo
central é um brasão sob elmo, em que aquele encerra um vaso de flores. O rameado que
rodeia o brasão é outra versão mudéjar da estilização vegetalista, semelhante a outro,
estudado páginas atrás (peça nº 4). Aliás, a diferença entre o espaldar lisboeta e a peça
nº 4 da FGJ encontra-se apenas no brasão.
O gravador recorreu à goiva em “v” cortante, e a alguns cinzéis não cortantes, para
elaborar a flor do elmo, as cunhas do brasão, as linhas rectas e curvas na folhagem e o
zig-zag encordoado da fina moldura interna. Uma punção de grão texturou o campo do
lavrado, assim como o do brasão. Uma punção de bola foi usada no brasão. Tal como o
espaldar e assentos anteriores, este devia estar fixo a uma cadeira semelhante à atrás
considerada (figura 1).
102
PEREIRA, Franklin – As cadeiras em couro lavrado, p. 227; PEREIRA, Franklin – O couro lavrado
no Museu Municipal, pp. 67 a 69.
103
PEREIRA, Franklin – “Identidade e memória”, p. 220.
Referências bibliográficas:
Fontes impressas
LIVRO DOS REGIMENTOS dos officiaes mecânicos da mui nobre e sempre leal cidade
de Lisboa (1572). Ed. e prefácio por Virgílio CORREIRA. Coimbra: Imprensa da
Universidade, 1926.
Estudos
AGUILÓ ALONZO, Maria Paz – “Cordobanes y guadamecíes”. in BONET CORREA,
António – Historia de las artes aplicadas y industriales en España. Madrid: Editorial
Cátedra, 1982, pp. 325-335.
FERRANDIS TORRES, José – Marfiles árabes de Occidente, siglos X y XI. Vol. I e II.
Madrid: Estanislao Mestre, 1935-1940.
– “Leather decoration tools of the Iberian tradition, since the 13th century”. Tools and
Trades 12 (2000), pp. 1-25.
– “Las influencias del Califato de al-Andalus en los cueros labrados de Portugal del
siglo XVI”. in Mil años de trabajo del cuero. Actas del II Simposium de Historia de las
Técnicas. Córdova: Sociedad Española de Historia de las Ciências y de las Técnicas /
Universidad de Córdoba, 2003, pp. 501-518.
– “A arte dos pastores do sul peninsular: arquétipos em final de estrada”. in Actas das
III Jornadas Internacionais de Vestígios do Passado / Almeida, 2007. Póvoa do
Varzim: AGIR / Associação para o Desenvolvimento Sócio-cultural, 2007, pp. 218-223.
– “Eqqus cursare – uma viagem a partir do Festival Anual do Cavalo na Golegã”. Nova
Augusta 22, (2010), pp.157-182.
– “Uma leitura do painel “Santiago aos Mouros” do Museu de Arte Sacra de Mértola - a
equitação medieval e os artefactos da guerra a cavalo”. Arqueologia Medieval 12
(Outubro 2012), pp. 279-292.
– “The Charola de Tomar: early 16th century mould-embossed gilt leather, glued to
stone walls”. Newsletter. Stroke-up-Trent: Archeological Leather Group 43 (Março
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– “Sur un type de reliure des temps almohades”. Ars Islamica I (1934), pp. 74-79.
RICE, David Talbot – “The pottery of Bizantium and the Islamic world”. in Studies in
Islamic Art and Architecture in Honour of Professor K. A. C. Creswell. Cairo: The
American University in Cairo Press, 1965, pp. 194-236.