A Corneta Do Diabo

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“A Corneta do Diabo” e “A Tarde” - Tema

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Análise do capítulo XV

Introdução
Publicado em 1888, o romance “Os Maias” é considerado a obra-prima de Eça de Queirós. O
título remete para a história de uma família e o subtítulo – Episódios da vida romântica -
aponta para a ideia de crítica de costumes.

Com efeito, ao longo da obra, a ação desenvolve-se em 18 capítulos onde a intriga principal – o
amor entre Carlos da Maia e Maria Eduarda – se desenrola de forma autónoma e em paralelo
com a crónica de costumes.

Breve resumo
Carlos recebe uma carta de Ega com dois números do jornal “A Corneta do Diabo”, onde havia
sido publicado um artigo que o insultava e onde se expunha, de forma degradante, a sua
relação com Maria Eduarda.

Palma Cavalão, diretor do referido jornal, revela a Carlos e Ega, em troca de 100 mil reis, que a
carta que serviu de base ao artigo tinha sido escrita por Dâmaso.

Carlos pede ao Ega e ao Cruges para irem a casa de Dâmaso em seu nome, exigindo uma
reparação pelas armas. Este acaba por fazer uma retratação por escrito dizendo que era tudo
falso e que a tinha escrito em estado de completa embriaguez.

Carlos deixou este documento ao cuidado de Ega, para que ele fizesse o que bem entendesse.
Ega, com o ódio que tinha a Dâmaso e depois de o ver com Raquel Cohen, sua ex-amante,
dirige-se ao jornal “A Tarde” para publicar a carta de retratação de Dâmaso.

Neves, o diretor do jornal, depois da sua recusa inicial por confundir Dâmaso Salcede com o
seu amigo político Dâmaso Guedes, acaba por publicar a carta.

Relação entre o episódio e a intriga principal


O capitulo XV situa-se no desenvolvimento da ação e os episódios deste capitulo que vamos
analisar, referentes aos jornais “A Corneta do Diabo” e “A Tarde”, reforçam o pendor satírico
presente ao longo da obra de crítica a um Portugal decadente, inserindo-se assim no plano da
crónica de costumes, onde se analisam os comportamentos da sociedade portuguesa da
última metade do século XIX, com todos os seus vícios, incongruências e falhas.

Para além disso, também se relaciona com a intriga principal, uma vez que tem como principal
assunto uma carta que difama o romance entre Carlos e Maria Eduarda, no qual a intriga
principal desta obra se centra.
Personagens intervenientes – Caracterização
Personagens principais
Carlos da Maia
Apaixonado por Maria Eduarda - “Era monstruoso … que sobre uma mulher, quieta, inofensiva
no silêncio da sua casa, alguém ousasse tão brutalmente arremessar esse lodo às mãos-
cheias!”.

Defensor da sua honra e da sua amada - “E uma única ideia surgia através da sua confusão –
matar o bruto que escrevera aquilo”. Isto também revela que é precipitado.

Corajoso – quando soube que Dâmaso tinha encomendado o artigo difamatório não hesitou
em desafiá-lo para um duelo: “Queria mandar desafiar o Dâmaso …”. “O duelo será à espada
ou então ao florete …”.

João da Ega
Amigo e confidente de Carlos.

Bom a planear e a solucionar problemas - conseguiu suspender a tiragem do jornal “eu suprimi
mediante pecúnia toda a tiragem …” e ajuda Carlos a descobrir quem encomendou o artigo “-
arranja-se tudo .. Está tudo combinado!”. Também conseguiu fazer com que Dâmaso
confessasse e se retratasse “… o Dâmaso injuriou Carlos da Maia, ou se retracta publicamente
… ou dá uma reparação pelas armas ...”

Vingativo – Ficou com ciúmes quando viu Dâmaso com Raquel Cohen e decidiu publicar a carta
de retratação de Dâmaso no jornal “A Tarde” - “Subitamente com uma ideia, palpou por sobre
o bolso a carteira onde na véspera guardara a carta do Dâmaso … Eu t’arranjo! – murmurou
ele”.

Personagens secundários
Cruges
Calmo e ponderado.

Ficou com pena de Dâmaso por este ter sido pressionado a escrever a carta de retratação – “-
Coitado! – suspirou Cruges”.

Personagens-tipo ou caricaturas
Estão ao serviço da crítica social, porque nelas se espelham os vícios e os tiques sociais.

Dâmaso Salcede
Imita Carlos em tudo e tem inveja dele.

Vê em Carlos um modelo a seguir, mas a inveja que sente por causa de Maria Eduarda leva-o a
um ato de vingança.

É um anti-herói: os seus defeitos evidenciam as qualidades de Carlos.

Cobarde - acabou por escrever a carta para fugir do confronto com Carlos - “E um único
sentimento vivo dominava: acabar, reentrar na sua paz pachorrenta, livre de floretes e de
escarros.”.

Ignorante “- Embriaguez é com “n“ ou com “m”?”.


Representa o novo-riquismo.

Palma Cavalão
Desonesto, subornável, corrupto, sem carácter, símbolo do jornalismo de escândalo, faz tudo
por dinheiro.

Aceitou dinheiro para: suspender a tiragem do jornal - “De sorte que apenas ele propôs
comprar a tiragem do jornal – o jornalista estendeu logo a mão larga … Dera-lhe cinco libras …
e a promessa de mais dez …” e para revelar o nome da pessoa que encomendou o artigo - “-
Quanto quer ele? … Cem mil reis.”.

Neves
Parcial, interesseiro, aproveita a sua posição para influenciar politicamente os leitores. Símbolo
do jornalismo político e parcial. Inicialmente recusa publicar a carta de retratação de Dâmaso,
pois confunde-o com o Dâmaso Guedes, seu amigo político. Depois, quando sabe que se trata
de Dâmaso Salcede decide publicá-la por vingança – “E tu querias que eu publicasse isso …
Dâmaso, nosso amigo político! Um maganão que nos entalou na eleição passada, fez gastar ao
Silvério mais de trezentos mil reis … Perfeitamente às ordens … ó Pereirinha … Tem aí uma
carta para sair amanhã …”.

Temas abordados e aspetos da crítica social


Temas:

• O jornalismo sensacionalista
• A corrupção
• A incompetência dos jornalistas
• O clientelismo partidário
Objetivo: Denunciar a falta de isenção da imprensa ao permitir a publicação de insultos,
acusações e justificações entre Dâmaso e Carlos da Maia.

Eça de Queirós, com o episódio de “A Corneta do Diabo”, critica o jornalismo sensacionalista, a


bisbilhotice – Palma Cavalão diz que Silvestre, o outro jornalista da Corneta do Diabo, não era
bom na escrita, mas que sabia bisbilhotices da sociedade.

Denuncia-se ainda a corrupção, uma vez que Palma Cavalão deixa-se subornar para suspender
a venda dos jornais e para revelar a identidade da sua fonte, violando um dos princípios do
jornalismo: “Nunca revelar as fontes.”.

Acerca da Corneta do Diabo o narrador afirma - “… na impressão, no papel, na abundância dos


itálicos, no tipo gasto, todo ele revelava imundice e malandrice”. E Carlos também diz que “Só
Lisboa, só a horrível Lisboa, com o seu apodrecimento moral, o seu rebaixamento social, a
perda inteira de bom senso, o desvio profundo do bom gosto, a sua pulhice e o seu calão,
podia produzir uma “Corneta do Diabo”.

No caso “d’A Tarde”, o autor pretende denunciar a politiquice jornalística, a ausência de ética
e a proteção dos correligionários. É neste jornal que Ega consegue publicar a carta de Dâmaso,
depois da recusa inicial de Neves, o diretor do jornal, porque o confundiu com um amigo
político.

O diálogo de Ega com Neves e outros funcionários do jornal mostra a atmosfera política, o
cinismo e a parcialidade do jornalismo. Esta parcialidade também está patente na redação de
uma notícia sobre o livro do poeta Craveiro, por pertencer “cá ao partido” e também quando
Gonçalo, um dos redatores do jornal, referindo-se a Gouvarinho exclama “- Uma cavalgadura
…” e depois afirma que o apoia pois “- É necessário homem! Razões de disciplina e
solidariedade partidária … Há uns compromissos … o Paço quer, gosta dele …”.

Critica-se assim a decadência do jornalismo português, que se deixa corromper, motivado por
interesses económicos, demonstrando também parcialidade originada por motivos políticos
(compadrio político). Também se denuncia o baixo nível da imprensa lisboeta da época que se
alimentava de factos da vida privada das pessoas.

Compara-se a situação do jornalismo português com a situação do país “tais jornais, tal país”.

Marcas do estilo queirosiano e o seu valor expressivo

Linguagem e Estilo Queirosiano


A prosa de Eça de Queirós reflete a sua forma de pensar e exprime facilmente o seu modo de
ver o mundo e a vida. Este soube explorar, a partir de um vocabulário simples, a força
evocativa das palavras com o uso de sentidos conotativos e relações combinatórias. Através de
processos como: o ritmo da narração, a descrição, o diálogo, monólogos interiores e
comentários, Eça conseguiu imprimir nas suas palavras um verdadeiro encanto.

O Impressionismo Literário
Eça revela um estilo literário dualista, por um lado descreve de forma fiel a realidade
observável e por outro, a fantasia e a imaginação do escritor realçam essa mesma descrição.
Deste modo, deixa transparecer as impressões que lhe ficam da realidade que descreve já que
considera que não bastava descrever pormenorizadamente aquilo que se observava, mas que
também era necessário manifestar o sentimento que resulta dessa mesma observação. Assim,
Eça além de descrever pormenorizadamente, soube revelar a sua visão crítica sobre a
sociedade dos finais do século XIX.

As Personagens
Nas suas obras, Eça pretende criticar a sociedade portuguesa da época. Para o fazer, utilizou
personagens tipo – personagens que não são individuais, mas que dizem respeito uma
personagem geral que retrata, por exemplo, uma classe social ou uma certa instituição. Com
este tipo de personagens, o escritor conseguiu retratar nas suas obras a sociedade em que
vivia. Eça julgava a sociedade portuguesa uma sociedade em decadência, por isso era posta no
banco dos réus por parte do autor.
As críticas que Eça de Queiroz faz da sociedade são bastante subjetivas, pois é sempre a visão
pessoal do escritor presente nas obras.

O Adjetivo e o Advérbio
De modo a tornar a sua escrita mais expressiva, Eça apoia-se nos adjetivos e advérbios de
modo que transmitem ao leitor uma sensação de visualização. O adjetivo é usado com uma
sabedoria e criatividade que faz dele a categoria gramatical por excelência na obra
queirosiana. Assim, consegue demonstrar a sua visão crítica sobre a sociedade do século XIX
de uma forma subtil, mas que terá um grande ênfase, fazendo com que a sua sátira nos pareça
objetiva.
No estilo Queirosiano, o adjetivo é usado de forma extremamente subjetiva e não pretende
estabelecer qualquer relação direta com o substantivo que qualifica, mas sim dar a entender a
relação entre esse nome e os outros, despertando a imaginação. Deste modo, o adjetivo surge
com um carácter impressionista da prosa de Eça de Queiroz, já que é utilizado para mostrar ao
leitor os sentimentos produzidos no escritor.
Outra característica literária presente nas obras de Eça é o uso de adjetivação dupla e tripla,
com vista a mostrar não só a descrição, mas novamente, complementando-a com as
impressões que surgem da mesma.
Quanto aos advérbios de modo, devido à sua sonoridade, foram trabalhados cuidadosamente
pelo escritor, de forma a incidirem sobre o sujeito, mantendo as funções do adjetivo, mais
uma vez, para que a criatividade e imaginação do leitor surja de forma espontânea.

Os Verbos
Tal como acontece com o uso dos adjetivos e dos advérbios, também os verbos são utilizados
com um carácter impressionista por parte do autor. Do mesmo modo, suscitam a imaginação
do leitor. Para escapar à monotonia imposta pelo uso de verbos semelhantes, Eça optou por
substituir os verbos comuns por outros menos vulgares, mas que expressam mais amplamente
a ação descritiva pretendida pelo autor.
Os verbos declarativos (disse, afirmou, observou, explicou, respondeu, prosseguiu, …) são
comuns para introduzir falas de personagens e por isso tornam o discurso monótono, pelo
que, o escritor opta por suprimi-los. Assim, a não utilização deste tipo de verbos, confere ao
texto uma quebra na monotonia e dá-lhe ritmo e vivacidade.
É usual o uso do pretérito imperfeito em obras realistas, pois este tempo torna as ações
presentes as ações realizadas no passado. Quando é utilizado o pretérito perfeito é narrada
uma ação passada que está concluída e encerrada no passado. No uso do imperfeito, pela
transposição dos eventos narrados até ao tempo presente, faz com que o leitor testemunhe o
acontecimento narrado.

A Frase e a Linguagem
Uma das preocupações de Eça foi evitar as frases demasiado expositivas, fastidiosas e pouco
esclarecedoras dos românticos. Para tal, faz uso da ordem direta da frase, para que a realidade
possa ser apresentada sem alterações, e empregou frases curtas para que os factos e as
emoções apresentadas fossem transmitidas objetivamente.
A pontuação, na prosa queirosiana, não pretende servir a lógica gramatical. Eça põe a
pontuação ao serviço do ritmo da frase para, por exemplo, marcar pausas respiratórias, para
revelar hesitações ou destacar elevações de vozes.
Para evitar a utilização constante dos verbos declarativos, Eça criou o estilo indireto livre.
 O processo consiste em utilizar no discurso indireto a linguagem que a personagem usaria no
discurso direto, ou seja, no diálogo. Deste modo, o texto ganha vivacidade e evita a repetitiva
utilização de disse que, perguntou se, afirmou que, ..., criando a impressão de se ouvir falar a
personagem.
Eça de Queirós utiliza uma linguagem representativa não só da personalidade da personagem,
mas também de acordo com a sua condição social.
Como observador da sua sociedade, Eça teve de recriar nas suas obras as diferentes linguagens
das diferentes classes sociais da sua época. Por isso, as suas obras tornam-se riquíssimos
espólios e testemunhos da vida dos finais do século XIX.
Recursos Estilísticos
A prosa Queirosiana é enriquecida com vários recursos estilísticos. Aquelas que se podem
destacar por melhor representam o estilo de Eça são:

 a hipálage – figura de estilo que consiste em atribuir uma qualidade de um nome a


outro que lhe está relacionado, revelando assim a impressão do escritor face ao que
descreve.
 a sinestesia – figura de estilo relacionada com o apelo aos sentidos que nos transporta
para um conjunto de sensações por nos descrever determinado ambiente (cenário
envolvente) com realismo, tornando-nos de certa forma testemunhas desse cenário.
 a adjetivação – uso de adjetivos, muitas vezes utilizada a dupla e tripla adjetivação.
 a ironia – recurso estilístico que, por expressar o contrário da realidade, serve para
satirizar e expor contrastes e paradoxos.
 a aliteração – figura de estilo que utiliza a repetição de sons para exprimir sensações
ou sons da realidade envolvente.

Em “Os Maias” estão presentes as principais características estilísticas do autor:

1. Discurso indireto livre


Exemplo “Palavra, caramba, se soubesse que se tratava de um cavalheiro como o Sr.
Maia, não tinha aceitado o artigo! Mas então! …”.
A utilização deste modo de expressão é uma forma do autor evitar o uso excessivo dos
verbos introdutores do diálogo, contribuindo para um tom oralizante e para o ritmo
narrativo. Para além disso, é uma forma de caracterização indireta da personagem,
muitas vezes de forma caricatural. Por exemplo, através do excerto anterior
concluímos que Palma Cavalão é hipócrita.

2. Vocabulário rico e inovador, utilizando:


Neologismos: “Não somos talvez cretinos – mas estamos cretinizados” e “… mas o
Chiado, a coscuvilhice, os politiquetes …” – efeito cómico ou pitoresco.

Estrangeirismos: “… boulevard de Paris” e “uma cocotte safada …” – francesismo. É


usado de uma forma irónica e corresponde à pretensão das personagens de exibir
modernidade e cosmopolitismo.

3. Recursos expressivos
Ironia: é através dela que se procede à crítica e à construção da crónica de costumes.
“… pensa o homem que botou conquista …”.
Serve a crítica social, conferindo leveza e humor à narrativa.

Metáfora: “… estourar o bandulho a rir!”. Função cómica.

4. Utilização expressiva de adjetivos e verbos no gerúndio


“Não é um gordalhufo, um janota …” … “um maganão …” – Função caricatural.
“… que estava abiscoitando …” – forma de dar conta do valor aspetual habitual ou
durativo da ação.

Conclusão
Eça declarou sobre “Os Maias”, numa carta dirigida a Ramalho Ortigão: “Decidi … fazer não só
um romance, mas um romance que pusesse tudo o que tinha no saco”. E foi isso que fez
através dos temas abordados, principalmente no que diz respeito à crónica dos costumes onde
o autor critica os valores e atitudes da sua geração.

Eça de Queiroz teve uma vasta carreira como jornalista na qual refletiu as suas ideias do que
deveria ser um jornalismo sério, não deixando de criticar a classe jornalística, denunciando os
seus vícios através dos seus textos de imprensa e dos seus romances.

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