Cronica

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A SOLIDÃO E A SOZINHEZ - Humberto Werneck

Neste momento em que estamos – ou deveríamos estar – fechados em casa, muitos de nós sem ter quem
nos faça companhia, há quem sinta falta, também, de palavras que em língua portuguesa deem conta dos
diferentes sentimentos de estar sozinho. Não nos basta, de fato, o substantivo “solidão”. Problema que não tem
o idioma inglês, servido por loneliness, aplicável quando a falta de alguém ao lado seja um peso no corpo e
na alma, e também por solitude, para aqueles casos em que estar sozinho, longe de ser um peso, pode ser
desejável. Até existe em português o termo “solitude”, mas como sinônimo menos utilizado de solidão. Fique
aqui a sugestão de nos apropriarmos da palavra “sozinhez”,criada por Paulo Mendes Campos na sua delicada
crônica “Para Maria da Graça”, e de injetarmos nela a ideia, que ali não está, de uma solidão, digamos, benigna,
bem diversa daquela, pesada, que nos faz sofrer.
A leitura de nossos cronistas pode deixar mais clara, se preciso for, a ideia de que há solidão boa e solidão
ruim. Paulo Mendes Campos, já que falamos nele, escreveu sobre a solidão pesada – na belíssima crônica
“Talvez”, em que “as barreiras do mundo” se fecham sobre um homem.
Ou em “O galo”, crônica de juventude, na qual, vendo “esfacelar-se” nas esquinas o grupo de amigos com
quem cruzava a madrugada, o personagem termina por se ver “sozinho com o seu destino”.
Já em “Um homenzinho na ventania”, o cronista acompanha a errância de um homem nas ruas do Rio de
Janeiro, tomado por um vendaval tremendo, no dia em que, melancolicamente, chegava aos 40 anos de idade. Já
Rubem Braga se divide entre a “solidão” e a “sozinhez”.
A primeira aparece, por exemplo, em “A mulher esperando o homem”, na qual a personagem se vê “sujeita a
muitos perigos entre o ódio e o tédio, o medo, o carinho e a vontade de vingança”.
Em “A casa”, por fim, sonha com uma morada ideal, na qual haja “um canto bem escuro” em que “possa
ficar sozinho, quieto, pensando minhas coisas”.
[...] Antonio Maria, em “Amanhecer no Margarida’s”, fechado em despovoada intimidade, se felicita:
“Que delícia estar sozinho!” E conclui que “A grande felicidade seria a de estar-se inteiramente só, em
companhia de alguém”. Matéria de reflexão, quem sabe, a dois ou não, para os vagares destes dias de reclusão
forçada...

A SOLIDÃO E A SOZINHEZ - Humberto Werneck


Neste momento em que estamos – ou deveríamos estar – fechados em casa, muitos de nós sem ter quem
nos faça companhia, há quem sinta falta, também, de palavras que em língua portuguesa deem conta dos
diferentes sentimentos de estar sozinho. Não nos basta, de fato, o substantivo “solidão”. Problema que não tem
o idioma inglês, servido por loneliness, aplicável quando a falta de alguém ao lado seja um peso no corpo e
na alma, e também por solitude, para aqueles casos em que estar sozinho, longe de ser um peso, pode ser
desejável. Até existe em português o termo “solitude”, mas como sinônimo menos utilizado de solidão. Fique
aqui a sugestão de nos apropriarmos da palavra “sozinhez”,criada por Paulo Mendes Campos na sua delicada
crônica “Para Maria da Graça”, e de injetarmos nela a ideia, que ali não está, de uma solidão, digamos, benigna,
bem diversa daquela, pesada, que nos faz sofrer.
A leitura de nossos cronistas pode deixar mais clara, se preciso for, a ideia de que há solidão boa e solidão
ruim. Paulo Mendes Campos, já que falamos nele, escreveu sobre a solidão pesada – na belíssima crônica
“Talvez”, em que “as barreiras do mundo” se fecham sobre um homem.
Ou em “O galo”, crônica de juventude, na qual, vendo “esfacelar-se” nas esquinas o grupo de amigos com
quem cruzava a madrugada, o personagem termina por se ver “sozinho com o seu destino”.
Já em “Um homenzinho na ventania”, o cronista acompanha a errância de um homem nas ruas do Rio de
Janeiro, tomado por um vendaval tremendo, no dia em que, melancolicamente, chegava aos 40 anos de idade. Já
Rubem Braga se divide entre a “solidão” e a “sozinhez”.
A primeira aparece, por exemplo, em “A mulher esperando o homem”, na qual a personagem se vê “sujeita a
muitos perigos entre o ódio e o tédio, o medo, o carinho e a vontade de vingança”.
Em “A casa”, por fim, sonha com uma morada ideal, na qual haja “um canto bem escuro” em que “possa
ficar sozinho, quieto, pensando minhas coisas”.
[...] Antonio Maria, em “Amanhecer no Margarida’s”, fechado em despovoada intimidade, se felicita:
“Que delícia estar sozinho!” E conclui que “A grande felicidade seria a de estar-se inteiramente só, em
companhia de alguém”. Matéria de reflexão, quem sabe, a dois ou não, para os vagares destes dias de reclusão
forçada...

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