Assimetria - Gestores de Fundos Multimercad - Fulda, Mathias

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 214

DADOS DE COPYRIGHT

SOBRE A OBRA PRESENTE:


A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e
seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer
conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos
acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da
obra, com o fim exclusivo de compra futura. É
expressamente proibida e totalmente repudiável a venda,
aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo

SOBRE A EQUIPE LE LIVROS:


O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de
dominio publico e propriedade intelectual de forma
totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a
educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer
pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site:
LeLivros.love ou em qualquer um dos sites parceiros
apresentados neste LINK.

"Quando o mundo estiver


unido na busca do
conhecimento, e não mais
lutando por dinheiro e poder,
então nossa sociedade
poderá enfim evoluir a um
novo nível."
Índice

Prefácio

Introdução

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo Bônus

Bibliografia

Glossário

Prefácio
A democratização das aplicações financeiras traz, cada vez mais, novos
investidores brasileiros para o mercado. Em paralelo, a evolução do próprio
sistema financeiro torna necessário o desenvolvimento dos investidores,
para que ambos caminhem em conjunto. Em um cenário dinâmico e de
busca constante por rentabilidade, uma classe de ativos que ganha destaque
são os fundos multimercado.

Dentro da denominação de multi , vários, e mercados , conjunto de


transações econômicas. Esse tipo de produto pode transitar entre diferentes
ativos e fatores de risco, sem o compromisso de concentração em nenhum
deles. Por isso, um bom fundo multimercado traz a você, investidor,
diversificação e consistência ao mesmo tempo, com risco controlado e
maximização de ganhos.

Em uma indústria que possui quase 10.000 fundos multimercados, é um


árduo trabalho escolher um que seja exatamente o que você procura. Se
você planeja maximizar o seu patrimônio delegando decisões financeiras
para gestores de fundos, é importante conhecer quem toma as decisões e sua
filosofia de gestão.

Neste livro você tem a oportunidade de conhecer alguns deles. Aprender


sua maneira de pensar, olhar o mundo, interpretar dados e se posicionar. É
uma forma de se aproximar desse universo, como em um café entre você e
o gestor. Uma conversa com as perguntas que você sempre quis fazer,
conduzida de forma excepcional pelo Mathias.

Você aprenderá que as estratégias dos gestores não são infalíveis, e o


desapontamento faz parte do processo de um investidor de longo prazo.
Sendo profissionais racionais que ora acertam e ora erram, gestores criam e
reinventam seu próprio estilo de investimentos, moldam seus times e
investem junto com você, não para você. Jorge Paulo Lemann diz que “não
há atalhos para o sucesso”. Eu complemento que atalhos não existem para
qualquer objetivo na vida, quiçá para investimentos. Pessoas de sucesso já
erraram, e os erros vão sempre existir. O importante é que os acertos
aconteçam em maior quantidade, e que os erros se transformem em
experiência, e, enfim, sabedoria. 
Para quem duvida do potencial de um fundo multimercado na preservação
de patrimônio, finalizo este texto com uma breve apresentação do Modelo
de Markowitz, publicado em 1952. A Teoria Moderna do Portfólio, que leva
o nome do economista, instituiu o conceito de fronteira eficiente,
demonstrando que uma carteira diversificada maximiza o retorno frente a
um nível de risco pretendido. Essa teoria, utilizada ainda hoje, é uma
evolução do conceito de “não coloque todos os ovos em uma cesta só”. Isso
exemplifica a beleza de um produto que consegue investir em múltiplos
mercados, trazendo retorno por meio de uma eficiência única.

Desejo a você uma boa leitura!

Ana Laura Magalhães

@explicaana

Introdução
Como pensam gestores de fundos multimercado?

Que dados e princípios norteiam suas decisões?

De que forma lidam com risco e emoções?

Como aplicam Inteligência Artificial?

Bem-vindo a uma série de conversas instigantes com renomados gestores


de fundos multimercado Macro , Multiestratégia e Quantitativos .

Em 1999, poucas semanas após a maxidesvalorização do real, o Banco


Central elevou a Taxa Selic a 45% ao ano. De lá para cá, os mercados
financeiros mudaram consideravelmente. No entanto, o desafio de gerir
recursos de terceiros permanece o mesmo. Um mundo financeiro
globalizado e viciante, onde o apetite a risco se mistura com economia,
matemática, história, sociologia e, eventualmente, noites mal dormidas.
Assimetria acabou por se tornar um dos mantras na gestão de fundos
multimercado: investir em oportunidades com ganhos esperados maiores do
que potenciais perdas.

Esse é um dos diversos take-aways das conversas que tive com gestores de
12 Assets. Em um formato ágil de perguntas e respostas, exploro as
habilidades dos gestores para tomarem decisões de investimentos de forma
estruturada, sob o escrutínio público da cota diária.

Amigos me perguntam como selecionar gestores de fundos multimercado,


então incluí um capítulo bônus sobre esse tema. Em uma conversa com a
Ana Laura Magalhães, troco experiências sobre como selecionar e
acompanhar fundos multimercado. Ana Laura é mestre em Economia
Política Internacional e apaixonada por ajudar pessoas a investirem e
planejarem melhor seu futuro financeiro. Em 2018 criou a página
@explicaana, que se tornou um dos maiores canais de finanças do Brasil.

As conversas desse livro foram finalizadas no final de 2019, semanas antes


de uma das maiores crises financeiras e econômicas da história,
desencadeada pela pandemia do coronavírus. Sendo crises um assunto
recorrente das conversas, as experiências e insights dos gestores vêm num
momento extremamente útil tanto para novos investidores, quanto para
veteranos de mercado.

Muitas palavras do jargão do mercado de fundos são termos técnicos em


inglês. O glossário ao final do livro te colocará ainda mais por dentro desse
universo.

Vamos nessa?!

Mathias Fulda

Capítulo 1
FABIANO RIOS  |  

ABSOLUTE INVESTIMENTOS
F abiano Rios é o CIO da Absolute Investimentos e lidera um time de
gestores que possuem um limite de risco individual para alocar em seus
mercados de especialização. A Asset também utiliza o conceito de back
book, permitindo que posições estruturais dos fundos multimercado possam
ser compartilhadas por gestores de mercados diferentes.

F abiano, como você explicaria o funcionamento de um fundo macro?

Um fundo macro funciona a partir do estudo do que acontece na economia


do mundo e das relações de preços em todos os seus aspectos. Avaliar se
aquele é o momento de comprar ou vender determinado ativo. Observar se
os preços de mercado implicam em alguma grande assimetria para ser
aproveitada. Quando se entra no mercado para ganhar pouco, acerta-se
alguns trades , mas erra-se em outros. Então, não é dali que vamos gerar um
bom resultado. O que buscamos mesmo são mudanças de paradigma.
Coisas que o mercado não enxergou ou que deverá enxergar de outra forma.
Tentamos nos antecipar a isso. Essa é a grande oportunidade. Essa
assimetria leva a uma situação em que, caso estejamos errados, perderemos
menos. Temos de olhar para os dois lados da moeda. Caso estejamos certo,
quanto achamos que ganharemos, e, se estivermos errados, quanto
perderemos. É uma constante reavaliação desses questionamentos.

Certo. O que vocês olham para identificar essas assimetrias?

Temos diversas maneiras de acompanhar o que chamamos de


posicionamento. Temos ferramentas proprietárias, de mercado e do sell side
. Em geral, não é difícil perceber que o mercado está muito para um lado.
Quando achamos que aquilo vai mudar, podemos agir. Às vezes, não é nem
o mercado que está viciado numa posição, é uma mudança de postura de
algum agente que tem poder para influenciar o preço de forma significativa.
Para citar um exemplo, quando o Mario Draghi chegou e falou “whatever it
takes”, ele tinha um instrumental enorme para agir naquela direção e isso
era, na nossa visão, uma mudança de paradigma. Às vezes, percebemos um
posicionamento extremo do mercado ou enxergamos uma mudança de
cenário e tentamos antecipar. Quando enxergamos essa mudança, vemos
que os agentes serão obrigados a mudar seus posicionamentos.
Além da estratégia macro, vocês são conhecidos no mercado pelos
fundos de arbitragem. Você poderia dar um exemplo de estratégia que
implementam?

Arbitragem fazemos primordialmente com ações. Acho que é onde há mais


volatilidade, onde eu mesmo tenho mais intimidade, mas isso não quer dizer
que nós não possamos fazer outras coisas. Temos equipes de outras
especialidades que trazem outras ideias que encaixam no universo de
arbitragem. A maior parte dessa estratégia está em arbitragem de M & A ,
empresas em processos de fusão e aquisição. É algo bastante desafiador
pois, normalmente, você tem um downside grande e um upside pequeno.
Partindo-se do princípio de que na gestão de fundos multimercado
buscamos assimetrias positivas, este caso seria uma assimetria ao contrário
e muita gente levanta esse questionamento. A minha resposta sempre foi de
que se você faz arbitragem de M & A sem conhecimento, a assimetria passa
a ser contrária, sim. Nós temos um método que faz com que a assimetria
fique positiva. Alguns deals de M & A podem ser cancelados, não estamos
isentos de erro. A questão é o quanto você minimiza esse erro e consegue
sair dessas posições. A nossa missão é tentar ficar fora dos deals que dão
errado. E, segundo, se por acaso nós estivermos dentro de uma posição que
deu errado, que o prejuízo esteja dentro do esperado. Para que consigamos
seguir jogando, porque faz parte errar. A questão é, no longo prazo, acertar
mais do que errar. Se mantivermos o nível de acerto que historicamente nós
tivemos, iremos ganhar e recuperar um eventual prejuízo.

Faz sentido. Vocês operam muito no exterior?

Sim. Na verdade, operamos mercados onde conseguimos ganhar dinheiro,


independente da geografia. Hoje em dia a distância é menos relevante. Ásia
talvez seja mais difícil de operar por causa do fuso horário. Mas por
exemplo, em operações de arbitragem, fazemos muito mais coisa lá fora do
que aqui. Uma questão da estratégia de arbitragem é a questão do capacity ,
o tamanho das posições que você consegue montar. O nosso fundo que
opera arbitragem no exterior é várias vezes maior que o fundo que opera
arbitragem local por conta disso. No Brasil, já operamos quase todos os
mercados. Assim, montamos uma equipe focada em América Latina que
tende a crescer ao longo do tempo. Temos uma equipe de mercados
desenvolvidos. É só questão de tempo provar que temos consistência no
resultado para expandir as posições em outras regiões. Em novos mercados
entramos com posições pequenas e, se houver recorrência no desempenho,
aumentamos o risco ao longo do tempo. Aqui tivemos estratégias que
deram certo, mas, ao longo do caminho, tentamos muitas coisas que deram
errado, também. O fato é que as estratégias que deram errado não
apareceram, e as que deram certo apareceram. Esse é um processo longo e
contínuo.

Quantas pessoas estão envolvidas na equipe de gestão e análise dos


fundos?

A nossa equipe é relativamente enxuta, pois ela é bem sênior. Nós temos
mais ou menos 20 pessoas que colaboram na geração de ideias macro,
micro, análise quantitativa e gestão. Um dos maiores desafios de qualquer
gestora macro é fazer as ideias circularem. Precisamos extrair as melhores
ideias da equipe. Acredito que quem tem sucesso na gestão é quem
consegue fazer isso. Quem consegue fazer com que a equipe toda trabalhe
junto de verdade, um colaborando com o outro dentro da sua especialidade,
fazendo aquela informação fluir.

Isso é superimportante. Na análise quantitativa, quais aspectos vocês


olham mais?

Nós temos alguns modelos para acompanhar fluxo, tentar acompanhar se o


mercado está over-bullish ou over-bearish , coisas do tipo. Mas são apenas
dados adicionais.

Você prefere pegar uma virada de mercado ou ir a favor de uma


tendência?

Acho que todo gestor tem uma sistemática de investimento. O que gosto de
fazer, onde me sinto confortável, é onde acho que há valor esperado
positivo grande. Quando acontece essa virada macro, em geral, os preços
não se movimentam em formato de V. Então, o que eu gosto de fazer? É
enxergar onde há uma grande tendência, uma acomodação de preços com
determinado nível e, após essa acomodação, saber que vai acontecer alguma
coisa. Pode ser até seguindo a tendência ou para o lado oposto. Fazendo
dessa maneira não há risco de tentar “segurar uma faca caindo”, como se
diz popularmente no mercado. Não gosto de fazer isso, não faço. Uso um
ponto de stop relativamente fácil e próximo, que é o que chamo de
disciplina ou sistemática de gestão. Procuro um movimento grande, uma
acumulação e o potencial de algo acontecer depois dessa acumulação. Aí, é
o cenário macroeconômico que vai dizer para que lado isso vai.

Mudando de assunto, como você enxerga as estratégias de gestão


sistematizada?

Eu tenho certeza que tem gente que sabe fazer isso muito bem e que ganha
dinheiro com isso. Infelizmente, não consigo fazer e acho bastante difícil.
Existe a questão do survival bias. Principalmente no exterior, enxergamos
os fundos que deram certo, que conseguem ganhar dinheiro. Tenho certeza
absoluta que milhares de tentativas não deram certo e ficaram pelo
caminho. É algo que fascina muita gente, mas é bastante difícil de se
implementar.

Esse survival bias existe para fundos macro também, não é?

Nos fundos macro quem dá certo é minoria. Muita gente fica pelo caminho.
É muito difícil conseguir ter consistência e ser um gestor reconhecido pela
capacidade de dar retorno no longo prazo. Ir bem no curto prazo pode ter
um componente de sorte, mas, no longo prazo, as equipes, mais do que as
pessoas, têm de ter método, visão e disciplina para conseguir entregar.

Falando de método, existe uma modelagem para precificar o mercado


de juros que ajude vocês na gestão?

Existir, existe. Mas esses modelos são mais uma informação. A minha
experiência em tomar decisão baseada nesses modelos não foi bem-
sucedida. Acho que é uma informação, está lá. Há, por exemplo, Bancos
Centrais que divulgam os modelos de câmbio. Nós, aqui, tentamos replicar.
Temos modelos de inflação e um modelo que simula o do Banco Central.
Temos os instrumentos e é importante tê-los. É mais uma maneira de
checarmos nossa visão de mercado. Mas, tomar a decisão única e
exclusivamente baseado no modelo não é o que fazemos aqui, e não acho
que isso funciona.
Como vocês traduzem o cenário macro para posições efetivas?

Bom, acho que essa é a arte. Nosso trabalho tem um quê de arte. Senão,
qualquer matemático, engenheiro, qualquer um que fosse bom de modelos e
de contas seria bem-sucedido. Sabemos bem que não é esse o caso. Tem um
pouco da experiência de situações passadas, de já ter vivido situações
semelhantes. Tentar buscar na história situações que se assemelham com
aquela que o cenário está apontando.

Antes de entrar em um trade você estima a expectativa de retorno ou


um target de preço para aquela operação?

Bolsa é mais complexo, mas no caso de política monetária é um pouco mais


simples. Se o meu cenário acontecer, o Banco Central vai reagir dessa
maneira. Para o curtíssimo prazo, é mais simples de calcular preço e, para o
meio da curva, assumimos algum tipo de inclinação para frente. Aí
calculamos o potencial de ganho.

Como você lida com a frustração em relação tanto a trades que não
funcionaram quanto a trades onde você saiu cedo demais e poderia ter
ganho mais?

Todo gestor precisa ter uma sistemática, uma maneira de atuar. Se não, a
frustração será grande e constante. Costumo dizer que quem investe na
economia real, numa fábrica por exemplo, só vai saber se deu certo ou
errado daqui a cinco ou dez anos. Aqui eu sei se deu certo ou errado com
uma frequência infinitamente maior. E isso implica em frustração. Ou em
euforia, às vezes. Então, um gestor de sucesso não pode ficar eufórico, nem
frustrado. Tem que seguir a dinâmica que ele pré-estabeleceu, uma
sistematização vencedora. Óbvio, ele sempre vai se questionar. Mas acho
que ele não vai se questionar se foi burro porque zerou antes da hora. Ele
pode questionar a sistematização: “Será que está no momento de reavaliar a
minha maneira de pensar? Ou não?”. Acredito que estas reavaliações devem
ser bem pouco frequentes. E é por isso que cada um tem suas
características. O que tira o gestor da frustração é a disciplina. Eu me
considero um cara bastante disciplinado. Não vou dizer que sou imune a
isso, mas que lido bem com a frustração. A experiência ensina a lidar com
as diversas situações. Penso até que acabamos nos cobrando mais do que os
nossos próprios clientes. Quando há interação com os clientes, em geral,
eles parecem bem mais satisfeitos com os resultados do que nós mesmos. É
porque alguma coisa correta estamos fazendo.

Existem diversos modelos de gestão de fundos macro e multiestratégia,


desde uma gestão completamente consensual até books completamente
individuais. Como vocês estruturam o fundo macro da Absolute?

A primeira coisa que eu diria em relação à sua pergunta é que não acredito
em posição consensual. Posição tem que ter dono. Porque a posição
consensual que ganha é de todo mundo e a posição que perde não é de
ninguém. Temos livros que exigem uma aprovação qualificada. Mas, no
final das contas, alocamos a posição para cada gestor individualmente. Pode
até fracionar uma posição. Mas, se der certo, o gestor já sabe quantos por
cento daquele resultado vai ser dele e, se der errado, também. Então, o
gestor fica mais atento à posição.

Como é determinado o orçamento de risco que cada gestor do fundo


pode correr?

Existem vários gestores. Aqueles que assumem menor


risco têm um mandato específico. Os três gestores que têm
maior orçamento de risco podem tomar risco em vários
mercados, praticamente todos. Em cima disso tudo existe a
minha figura. Sou um desses três gestores, mas eu tenho
outras funções, entre elas olhar o fundo como um todo.
Sou eu que olho como está o fundo e vejo se cada posição
está de acordo com nosso cenário e de acordo com o
ganho projetado. Os outros gestores olham para o seu book
específico. Não existe um modelo perfeito, mas esse é o
que funciona melhor aqui.
Vocês utilizam o conceito de back book ?
Sim. Para toda posição temos stop . E o nosso stop para os gestores é um
max drawdown. É um peak to valley . Imagina que eu ganhei 100 basis
points em uma determinada posição. Se ela cair 30 basis , eu vou ser
obrigado a zerar por causa do stop, mas, na verdade, estou ganhando 70
basis . Dentre todas as medidas de risco que usamos, percebemos que o que
limita o positioning é esse drawdown peak to valley. Sentimos a
necessidade de ter um livro de posições em que tivéssemos grande
convicção e que pudéssemos carregar por um bom tempo. No Brasil, como
em diversas partes do mundo, acontecem grandes solavancos. Situações
especiais merecem um stop diferente. Então, criamos um modelo que
qualquer gestor pode trazer ou propor uma posição para o back book . Essa
posição, necessariamente, precisa ter a minha aprovação e de mais um dos
outros sócios, dos gestores seniores. Nesse caso, será um book em que o
stop não é peak to valley , é drawdown puro. No caso do Joesley Day, por
que não batemos no stop ? Porque a nossa posição de juros vinha ganhando.
Se aquela mesma posição estivesse nos books dos gestores teria batido no
limite de stop . Os gestores também tinham posição nos books , mas boa
parte da posição estava nesse book . Foi um momento em que realmente
fazia sentido ter um book como esse. Não fui obrigado a zerar pelo stop no
momento em que achava que era para estar aumentando a posição. Então,
temos esse book de mais longo prazo, em que aceitamos uma vol
(volatilidade) maior para atingir o nosso objetivo, para que, caso o nosso
cenário se concretize, consigamos ter o resultado esperado.

E como vocês gerenciam os drawdowns ?

Para responder sobre os possíveis drawdowns, voltamos a falar na


sistemática. Como fazemos o sizing de uma posição? O fator relevante para
o sizing é quanto achamos que podemos perder nessa posição. Levamos em
conta, no momento da montagem da posição, o quanto podemos perder. Aí,
ajustamos o risco do fundo. Temos fundos da mesma estratégia com
diferentes níveis de risco. E isso vai ser utilizado no sizing da posição.
Vamos pegar o exemplo do Joesley Day . Para a Absolute e para mim,
pessoalmente, foi um momento muito bom se analisarmos com os olhos de
agora. Sempre tento passar para os clientes que há risco nos fundos e que
eles podem perder dinheiro. O fundo não é uma máquina de fazer dinheiro.
Há limites de risco, justamente para que exista uma padronização da
conversa entre os investidores e gestores. Agora, quando acontece um caso
como o do Joesley Day, acho que é questão de sistematizar a maneira de
pensar. Veremos primeiro onde vão abrir os preços. Como vamos agir em
cada situação? Vamos analisar também como o evento impacta o nosso
cenário. Obviamente, passamos a madrugada daquele dia discutindo,
pensando, estudando o que fazer, porque precisaríamos ter uma resposta,
em algumas horas, sobre como agir. E a nossa conclusão naquele dia foi de
que o grande impacto daquele evento seria o de adiar qualquer retomada do
crescimento. Esperávamos isso em função da incerteza. Acreditávamos que
o câmbio, por exemplo, não deveria ser muito impactado. Na nossa cabeça,
com o adiamento do crescimento e sem uma desvalorização muito grande
do real, o novo cenário seria desinflacionário. Tínhamos um pouco de
bolsa, bastante posição aplicada em juros e alguma coisa comprada no
dólar. Tínhamos alguns hedges , mas não muitos. Estávamos mais
posicionados para o otimismo. Então, chegamos à conclusão de que,
dependendo dos preços, gostaríamos de diminuir nossa posição em bolsa e
manter a aplicação em pré, talvez até aumentando, se houvesse espaço. Na
nossa opinião, este combo estava mais adequado ao novo cenário do que o
anterior. Em dólar, a bolsa abriu caindo 20% e os gringos entraram
comprando. Isso acabou segurando um pouco a queda da bolsa em reais. E
o mercado de juros pré acabou piorando muito mais do que a bolsa. Foi
uma questão de stop. Acho que aconteceu um stop generalizado, pois era
uma posição mais crowded . Nesses momentos, a liquidez do pré some
totalmente. Inclusive nos vencimentos curtos, onde estávamos e achávamos
que não havia fundamento para piorar tanto. Dessa forma, tivemos de
manter a frieza e acreditar na maneira de pensar. Dada a maneira com que
fazemos o sizing , não batemos nos nossos stops, apesar de termos
registrado um drawdown razoável. Aí conseguimos executar o plano.
Diminuímos bolsa, a volatilidade aumentou muito, e achamos que tínhamos
de reduzir um pouco o risco do fundo. Aumentamos marginalmente a nossa
posição aplicada em pré. Se observarmos um mês depois do evento, a bolsa
tinha caído do preço que nós vendemos e o pré tinha voltado quase tudo.
Tanto que, naquele mês, fechamos próximo do zero a zero. Acredito que o
gestor precisa ter pouca emoção e acreditar no sistema que criou, no modelo
de posicionamento que tem. Tem que acreditar naquilo e respeitar,
obviamente, os stops.
Você falou de crowded trades . Isso é uma coisa que preocupa vocês?

O fato de um mercado estar crowded tem que ser levado em consideração.


Há momentos em que precisamos estar no consenso e há outros períodos
em que não devemos estar no consenso. Quando estamos no consenso e a
posição é crowded , precisamos estar mais atentos à mudança de cenário. Se
começarmos a perceber que o cenário está mudando, devemos tentar
antecipar um pouco a saída. Mesmo que isso signifique deixar algum
dinheiro na mesa. Levamos em consideração se a posição está crowded ou
não no sizing e nos hedges . Às vezes, até trocamos a posição por opções.
Não quer dizer que não fiquemos juntos com o crowd em determinados
momentos. Às vezes não tem jeito, mas levamos em consideração que, se
todo mundo resolver sair no mesmo momento, as consequências podem ser
piores. Sempre estamos bem atentos e conscientes disso.

O estilo de gestão de vocês é o de montar posições mais de curto prazo


ou de longo prazo?

Tenho 20 e poucos anos de mercado e não conheço ninguém que ganhou


dinheiro significativo com giro. Diria que as nossas posições são de médio
prazo, um horizonte de seis meses ou algo assim. Ser médio ou longo prazo
é relativo. Para um fundo de pensão, um prazo de seis meses é curto. Para
nós, uma posição que montamos para ter um ganho de capital em um
horizonte de seis meses é médio prazo. Não quer dizer que não possamos
segurar esta posição por anos. Se estamos acertando e acreditamos que o
fundamento persiste e ainda há uma boa assimetria, mantemos a posição.
Reavaliamos o horizonte constantemente e ele pode mudar daqui a três
meses. Se acharmos que há outro ganho potencial no mesmo ativo,
podemos segurar a posição. Por exemplo, não vamos montar uma posição
porque vemos que o ciclo americano está terminando e achamos que, nos
próximos anos, a bolsa vai ter uma grande correção lá. Essa não é uma
posição que vamos ter. Se acharmos que o crescimento for surpreender
positivamente podemos montar uma posição para os próximos seis meses,
com potencial de alta da bolsa entre 5% e 10%. Mesmo que haja risco de,
daqui a dois anos, a bolsa cair 30%, olhamos esse horizonte de seis meses.

Como os gestores lidam com a escolha de qual mercado escolher para


colocar suas posições?
Vai depender da situação. Se o gestor não estiver convicto sobre qual
mercado escolher, eu diria que ele vai querer o kit Brasil completo. O
dólar/real é menos suscetível ao cenário local do que as pessoas imaginam.
O dólar forte ou o dólar fraco impacta muito mais do que qualquer fator
idiossincrático local. A não ser que seja uma variação enorme. Em geral,
não gosto de aplicar em dólar, a não ser que seja numa situação estrutural
grande. Tendo a achar que o dólar não é o melhor mercado. Por outro lado,
o dólar tem uma grande vantagem, pois é um mercado de opções mais
líquidas e com volatilidade, em geral, mais baixa. Por exemplo, as opções
no mercado de juros são pouco líquidas. O gestor precisa avaliar quais são
os instrumentos disponíveis. Posso ter minhas posições maiores em juros,
mas, se o meu cenário estiver errado, para eu não perder em todas, pego
câmbio e bolsa também, cujo mercado de opções é mais líquido. Dessa
forma, eu me protejo um pouco se estiver errado. Todas essas combinações
são possíveis. O importante é olhar todos os instrumentos disponíveis para
cada mercado para ter mais convicção. Se um determinado mercado fica
crowded, não é incomum trocarmos uma parte da posição por opções.

Falando de opções, vocês preferem instrumentos lineares?

Quando o gestor monta uma posição em opção, ele está pagando um


prêmio. Uso opções apenas em condições específicas. Quando avalio que
um movimento rápido pode ocorrer, quando vejo um trigger de curto prazo
e a volatilidade implícita está baixa, acho que é a hora de usar opções.
Senão, custa caro carregá-las. Se tenho uma posição com perspectiva de se
materializar em seis meses, vou pagar prêmio esse tempo todo para quê?
Corro o risco de acertar e não ganhar. O gestor vê o smile da curva e analisa
os cenários para tentar diminuir o custo do prêmio que está carregando. No
geral, carregar opção custa caro. Nem sempre vale a pena.

Vocês realizam a gestão do fundo com objetivo de volatilidade ou de


rentabilidade?

O objetivo é de rentabilidade e a vol é consequência. Até porque a vol


depende da volatilidade do mercado. E essa volatilidade pode mudar com o
tempo. Se o gestor está sempre no limite de vol e a volatilidade do mercado
por algum motivo dobra, vai precisar diminuir a posição pela metade. Não
faz sentido. Nós buscamos a rentabilidade. A vol é consequência.
Como ser consistente ao longo do tempo?

Uma coisa que aprendi nesses 20 e tantos anos de gestão é que as


oportunidades surgem. Elas sempre estão presentes e o que conta é a
capacidade de identificá-las. A consistência, eu não sei. Acho que o meu
estilo de gestão, a sistematização do pensamento e do sizing acabam
gerando a consistência. Claro que é necessário acertar também, ter uma boa
equipe, saber entender e transformar o que o departamento de pesquisa está
mostrando. Para o mercado, isso é muito importante. Às vezes, um gestor
tem um ótimo departamento de pesquisa, mas não consegue transformar
aquelas informações para posição e ganhar dinheiro. Não é uma coisa só, é
um conjunto, mas a sistemática de pensar e a disciplina são muito
importantes. Disciplina é o que vai gerar a consistência do retorno.

Você comentou que as oportunidades aparecem. Você acha que os


mercados se repetem ou cada vez é diferente?

Cada vez é diferente. Apesar de nós buscarmos semelhanças históricas,


nunca é igual. Há semelhanças na maneira com que os investimentos são
feitos e como os ciclos econômicos acontecem. Agora, por exemplo,
estamos vivendo o maior ciclo econômico da história, pelo menos nos
Estados Unidos. Em alguns países os ciclos são longos, em outros curtos.
Como esses ciclos sempre ocorrem, sempre abrem oportunidades. Eu tinha
um chefe que sempre falava: “Poxa, agora acabou o prêmio do mercado.
Como vamos ganhar dinheiro ano que vem?”. No ano seguinte ele ganhava
dinheiro também, sempre havia oportunidades. Enquanto houver
volatilidade e mercados, a oportunidade vai estar presente. A questão é
conseguir identificá-las, o que não é fácil. É muito difícil. Diria que, nesses
últimos 23 anos, eu tenho conseguido sucesso nisso. Mas é difícil, bem
difícil.

Você conversa com gestores de outras Assets para trocar informações


sobre o mercado? E quanto a monitorar o posicionamento de outros
fundos?

Converso pouco. Tem amigos com que eu converso socialmente, mas falo
mais trivialidades do que sobre análise de mercado. O que tentamos fazer é
acompanhar a posição aplicada por fundos grandes. Tentar entender onde os
fundos, não só os multimercados, estão posicionados. No Brasil, com a cota
diária, é fácil acompanhar isso. Esse acompanhamento ajuda na tomada de
decisão dentro da sistematização de pensamento, na maneira de montar a
posição.

Nesses anos todos, quais foram as melhores lições que o mercado te


ensinou?

São tantas lições... Respeitar o mercado, não achar que sou o dono da
verdade. Essa questão do stop vem um pouco disso, de saber que ninguém é
maior que o mercado. Nunca se achar o melhor e também não se achar o
pior. O gestor tem que se preocupar em fazer o trabalho bem feito. Costumo
dizer internamente que não estamos proibidos de olhar para o lado.
Devemos olhar para ver se podemos melhorar, mas a preocupação é fazer o
trabalho bem feito. Se fizermos o trabalho bem feito, vamos ter recursos
para gerir. Em um momento, vamos estar com resultados melhores, em
outros, piores. Mas o importante é fazermos o trabalho bem feito. Às vezes,
ao olhar para o lado, o gestor acaba deixando de focar no que interessa. Na
época em que eu trabalhei em banco achava que os bancos americanos eram
melhores. Os americanos eram mais pragmáticos, tinham tomadas de
decisão mais eficientes etc. Quando fui trabalhar em banco americano, vi
que eles tinham os próprios problemas. Como eu trabalhei com eles em
2007, ficou bem evidente isso com a crise financeira lá nos Estados Unidos.
O que diferencia gestores é como eles reagem às situações. No Joesley Day,
a nossa reação aqui na Absolute foi em função dessa experiência. Agimos
friamente, mantivemos a forma de pensar. Trata-se também de manter uma
sistemática de sizing . Pelo lado psicológico, a posição grande é a que
perdemos e a posição pequena é a que ganhamos. Então, se temos uma
disciplina de sizing, mantemos a posição de acordo com o nível de
convicção. Dessa forma ganhamos o que tínhamos de ganhar. Não tem
tortura psicológica de achar que a posição era maior ou menor do que
deveria ser. A grande mensagem que eu captei de todos esses anos é a
questão da disciplina. Nos fundos de arbitragem, que na verdade são fundos
de grandes assimetrias, a disciplina é importante. Não acho que seja
diferente dos outros fundos, é só que nesses isso fica mais claro. Disciplina
na tomada de decisão, no sizing, no stop . Isso é que faz o gestor conseguir
chegar a 10 anos com um bom histórico. Senão, ele vira um freerider e
pode ganhar pra caramba em um curto período de tempo, mas, em algum
momento, vai quebrar a cara. Outra coisa importante é vender corretamente
o fundo para o cliente. O cliente precisa entender o que está comprando.
Uma das grandes dificuldades das gestoras é passar isso para os clientes.
Precisamos fazer com que o cliente não compre única e exclusivamente o
retorno passado daquele fundo, mas entenda porque o gestor teve aquele
retorno. Entender porque o gestor teve aquele drawdown, porque teve
aquela grande alta. Para um investidor profissional é mais fácil. Mas houve
um crescimento substancial das plataformas de investimento. Nesses casos,
as gestoras precisam contar com a ajuda dos profissionais que estão nas
plataformas para informar corretamente o que o cliente está comprando.
Esse ainda é um desafio. No longo prazo, acho que ele vai ganhar dinheiro,
mas pode ser que aconteça amanhã um evento negativo para o fundo.

Para finalizarmos, como você lida com o estresse da tomada de decisão


e com o fato de que a cada minuto os preços de mercado mudam?

Se tomarmos as decisões de maneira pensada e estruturada, de forma


sistemática, perceberemos que errar é parte do jogo. Ninguém é inocente o
suficiente para aplicar dinheiro comigo achando que não pode perder. Quem
investe nos fundos da Absolute precisa saber que está correndo risco e que
pode perder dinheiro sim. Nós temos bons produtos, gostamos e
trabalhamos para isso. Agora, não garantimos nada. Eu nunca garanti nada
para ninguém. Obviamente, falo para os clientes sobre os cenários
otimistas, mas sempre menciono também o que pode acontecer, dos riscos.
E isso me deixa bastante tranquilo. Os reguladores também fazem isso. Nas
lâminas dos fundos, é necessário ter várias informações. Não vou dizer que
o estresse é zero, claro que existe. Mas é bem suportável. Não sei se está no
sangue, mas a pessoa precisa gostar do que faz. Eu, claramente, gosto do
que faço e acho que, se não gostasse, não estaria aqui há tanto tempo. Tem
estresse, mas toda profissão tem estresse e as pessoas conseguem lidar bem
com isso. Quem chega ao nível em que eu e meus pares chegamos é, com
certeza, calejado, já sofreu na pele. Há 15 anos, quando operava posições
infinitamente menores do que as que opero atualmente, eu passava muito
mais estresse do que hoje. Isso acontece justamente pela experiência,
segurança, por acreditar naquilo que estou fazendo e por ter passado por
diversas crises. Quando tudo dá errado, já sabemos o que fazer. Se tudo der
errado, espero estar na ponta certa. Em geral, o mercado dá sinais antes, a
não ser em casos como o do Joesley Day. Enxergar esses sinais é algo que
fazemos bem aqui e que nos ajuda tanto na performance quanto na questão
psicológica. Me preocupo mais em acertar e em tentar identificar as
oportunidades do que achar que a cota não terá volatilidade. A cota terá
volatilidade, mas isso não é um problema em si.

Capítulo 2
MARCIO APPEL  |  ADAM CAPITAL

M arcio Appel é sócio-fundador e gestor da Adam Capital, uma Asset


especializada em fundos macro. Os fundos da Adam são geridos como uma
estratégia única, que combina as ideias de alocação de toda a equipe.

M arcio, onde começa a análise de mercado de vocês?

A análise começa com o desapego ao status quo e com a capacidade de


olhar de forma isenta os mercados. Montamos posições estruturais, por
períodos prolongados, e praticamente não temos research externo. As ideias
vêm de várias fontes, como história econômica, antropologia ou tecnologia.
Por trocarmos menos de posições, sobra tempo para fazer uma pesquisa
livre. E como somos uma casa macro, precisamos entender o mundo. É
mais holístico do que, por exemplo, small caps , algo específico. Não se
ganha conhecimento de pequenas empresas estudando o mundo.
Obviamente, sempre tem influência, mas o case é bem mais específico.
Aqui na Adam, vale o inverso. Focamos no principal fator, aquilo que
motiva o investimento. Se você vai para a especificidade acaba se perdendo
nos detalhes. No passado, já aconteceu de pecarmos pelo excesso de
granulosidade.

Como vocês interpretam os agentes ligados ao governo e à autoridade


monetária?

Nunca fazemos nada baseado em quem está na diretoria do Banco Central.


Não é isso que determina as nossas posições. Ao contrário, tentamos não
falar com as pessoas do governo, daqui ou de qualquer lugar. Não estamos
em um negócio de pegar pistas. Essa não é a nossa filosofia de investimento
e não é o que fazemos. Vamos atrás de movimentos que não dependem da
decisão de um indivíduo ou de outro. Na maioria das vezes, se estamos
certos sobre o cenário macro, inevitavelmente os agentes econômicos
responderão ao cenário que se apresenta. Eles reagem à realidade, não
criam a realidade.

Como vocês equilibram os dados econômicos de curto, médio e longo


prazo?

Primeiro fazemos uma leitura de níveis de atividade global, com uma


leitura secular. Isso depende da demografia, da parte econômica, mudança
de hábitos, entre outros indicadores. Um dos motivos da desaceleração
global dos últimos anos é a maturidade do mercado de celulares ou carros,
por exemplo, que gera um headwind para a atividade industrial global.
Então, tudo se comunica. É por isso que eu digo que esse processo é
holístico. É difícil determinar onde é o início.

Realmente. O que você lê para formar a sua visão de mundo?

Eu leio muita História sobre as civilizações, do ponto de


vista evolutivo e antropológico. Por exemplo, sobre o
consumo de energia vinculado à evolução, até o impacto
dos instrumentos econômicos e do desenvolvimento de
tecnologias. Não apenas sobre o século XX, mas sobre os
últimos 3 ou 4 mil anos. E, também, sobre as crises, não só
a de 1929, mas a de 1907 e outras que aconteceram. Acho
que a História é uma das principais ferramentas para
conseguir entender o mercado e tentar achar padrões, que
é o que fazemos. Nosso processo de investimento envolve
identificar esse padrões, e é preciso olhar o maior número
de padrões possíveis. A parcela de teoria econômica
envolvida é simples e não é o que gera diferenciação. Ao
contrário, se nos aprofundamos na teoria econômica para
fins de investimento, acabamos nos perdendo em nuances
irrelevantes. As alavancas e os resultados do processo
econômico são simples. O principal é tentar entender o
que acontece no mundo real. Do ponto de vista
demográfico, de mudança de hábitos, de tecnologia, dentre
outros, que forçam as pessoas a puxar essas alavancas para
uma direção ou outra. Por isso, acho História tão
importante.
Que padrões socioeconômicos você vê no mundo de hoje?

A Revolução Industrial trouxe um aumento demográfico enorme,


produzindo um impacto relevante. E, agora, pela primeira vez, há uma
desaceleração. No passado, reduções demográficas eram causadas por
catástrofes, peste negra e outros acontecimentos do tipo. Esses eventos
levavam a um impacto deflacionário violento. Obviamente, a queda da
dinâmica demográfica gera, ao longo do tempo, uma mudança na inflação.
O capitalismo é baseado em diversos conceitos, incluindo o de que a
competição é benéfica para o consumidor. E a competição sempre foi
precária, seja por geografia, distribuição de informação ou uma série de
barreiras para uma competição eficiente. A tecnologia fez a competição se
tornar mais eficiente. Nesse sentido, há outro impacto deflacionário.
Entendemos que uma boa parte desse benefício do aumento da competição
já está presente e vai começar a gerar um aperto de margem em empresas
que, por exemplo, não tenham a proteção natural de propriedade intelectual,
o que, no mundo atual, faz diferença. Antigamente, quando a economia
estava voltada para indústria, era relevante controlar os meios de produção.
Hoje, não é mais. Atualmente, dois sujeitos em uma sala podem fazer uma
empresa de um bilhão de dólares, o que antes era impensável. Então, a
propriedade intelectual é o que tem valor e deveria gerar um edge
competitivo, permitindo uma margem mais alta ao longo do tempo para
essas empresas, junto de outro efeito: o da facilidade em disseminar
informação, que é o conceito de que the winner takes it all . Esse efeito, por
consequência, gera um aumento muito grande da desigualdade. As pessoas,
erroneamente, acham que ela é fruto de políticas governamentais. Na
verdade, existe um hábito de achar que qualquer coisa é culpa do governo, e
não é. É consequência natural da evolução tecnológica. Na medida em que
há alavancas tecnológicas maiores, também há um aumento da
desigualdade. Porque quem tem a capacidade de usar essas alavancas,
começa a ter grandes ganhos e o restante fica em uma situação, em termos
relativos, pior do que em termos absolutos. As classes menos favorecidas
vivem melhor do que os reis viviam antigamente. Então, o ser humano
tende a se comportar de maneira não-racional. E boa parte disso também
vale para os investimentos. Por outro lado, vemos outro impacto da
tecnologia, não diretamente vinculado à parte econômica, mas que impacta
profundamente os mercados. As mídias sociais geram comportamentos que
não estávamos acostumados até pouco tempo atrás, quando o discurso era
centralizado pelas mídias tradicionais e pelo governo. Começa a voltar uma
dinâmica que existia durante as cidades-estado italianas, as pessoas falando
com os amigos ou nas praças, onde se trocava de governante o tempo
inteiro. E as mídias sociais geram isso. O controle do discurso fica reduzido
e, por outro, aumenta a capacidade de mobilização. Por exemplo, vemos
isso no discurso populista, que é simples de convencer.

Falando de mídias sociais, elas tendem a aumentar o potencial de


eventos de cauda?

Sem dúvida. A mídia social polariza os discursos, como já acontece, porque


chama a atenção. O discurso moderado gera pouca audiência e a
radicalização aumenta o engajamento. Estamos fazendo um tracking de
mídia social, uma investigação relativamente recente. Se não me falha a
memória, o primeiro efeito visto foi durante a Primavera Árabe. Mas, como
era um movimento contra ditaduras, acho que não houve uma leitura correta
do potencial de transformação política que essas ferramentas geravam.
Obviamente, na eleição do Trump e no Brexit isso ficou mais evidente. A
partir desse momento, ficou mais claro o impacto dessas ferramentas em
tudo, do ponto de vista político e econômico. Antes, nos Estados Unidos,
economicamente, fazia pouca diferença quem era o presidente. Era mais ou
menos parecido. E, agora, existe uma polarização que eu, com certeza, não
vivi. Atualmente, os líderes do Partido Democrata são quase socialistas.

E como vocês rastreiam as mídias sociais?


Estamos há um ano e meio investindo em big data e tentando identificar
padrões vindos daí. De certa maneira, é algo novo para todo mundo. É mais
para gerar um input, não para fazer um trading system. Ou seja, é para
ajudar na tomada de decisão. Porque isso não é a opinião do presidente do
Banco Central. Gera, de fato, um impacto econômico, como gerou a greve
dos caminhoneiros no Brasil. Movimentos sociais como o do Chile também
geraram impacto. Então, é preciso mapear, e acho que isso será cada vez
mais relevante. Na verdade, estamos em uma fronteira desconhecida, do
ponto de vista político. Por causa desses movimentos, nos aproximamos,
talvez, de uma democracia mais direta, o que pode ser instável
politicamente. É um mundo novo, com uma outra estrutura social.

Quando esse rastreamento de mídias sociais se torna uma posição


efetiva?

Se algum movimento que vemos nas mídias sociais gerar


alguma preocupação, temos que encontrar posições que se
beneficiariam, ou que não sofreriam se esse determinado
cenário viesse a se concretizar. Procuramos investir em
ativos baratos, mas resilientes a esse tipo de processo.
Países onde o movimento está favorável para a parte
econômica são menos afetados do que países mais
suscetíveis a esses processos políticos. Não operamos nada
baseado em um só input. É mais um dado adicional. Em
diversos momentos, seja olhando companhias ou países,
nos perguntamos qual é o impacto desse ambiente de
mídia social. As teses mais estruturais, demográficas, de
mudança de hábito, tudo isso permeia onde vamos colocar
o nosso dinheiro. Quais são os setores e países que mais se
beneficiam. Hoje, gostamos do franco suíço, porque
achamos que essa moeda é menos sujeita a esse tipo de
processo político. Se num país você não conhece nenhum
político pelo nome, é porque as coisas estão bem. É um
país mais estável.
Mudando um pouco de assunto, qual a sua opinião sobre gestão
sistemática ou quant ?

Esses sistemas, normalmente, são de curto prazo. Em sistemas de longo


prazo, argumentarão que serão capazes de identificar tendências. O
problema é que há pouca capacidade de treinamento com sistemas de longo
prazo, pois a quantidade de dados cai muito. Quando você olha para
tendências de longo prazo, a explosão de dados disponíveis para treinar o
curto prazo desaparece. Daí a dificuldade de ser capaz de treinar um sistema
em um horizonte da forma como operamos. Mas, esse negócio evolui de
forma muito rápida. E acredito que não virá de quem faz agora. Isso é muito
mais avançado do que quem já está no mercado. No caso da RenTech, por
exemplo, estamos falando literalmente de rocket science . Não tem nenhum
economista lá dentro, só PhDs, e ali pode ser que dê certo. Porque estamos
falando de pessoas altamente qualificadas. Existem gestores espetaculares,
só que não operam com horizonte longo. Não começaram por causa do big
data , propriamente dito. Já fazem isso há muito tempo, muito antes do big
data existir. Isso caminha com o fato de que todas as atividades humanas
estão se tornando obsoletas. A Inteligência Artificial vai ser uma
superinteligência que impactará tudo, sem dúvidas. Mas vale lembrar que o
ofício de gestão de recursos é um processo quase criativo. Inclusive, uma
boa parte dos processos criativos você até já consegue reproduzir, mas esse
ainda não. Por exemplo, apareceu a Uber. O sistema não sabe como tratar a
empresa ou avaliar o impacto da Uber na indústria de automóveis e da
sharing economy como um todo. É essa capacidade de extrapolar a
inovação e de imaginar. A Inteligência Artificial vai precisar ser capaz de
imaginar o que não aconteceu! Por exemplo, é possível modelar o aumento
da sobrevida humana e a mudança do paradigma de transporte, porque a
sobrevida saiu de 48 anos há 50 anos para 78 anos. E os carros substituíram
os cavalos. Foi uma evolução. Mas a sharing economy é difícil para o
modelo, porque nunca aconteceu no passado. A Inteligência Artificial teria
que basicamente chegar ao ponto de aprender sozinha. Se a máquina for
capaz de fazer isso, será porque foi capaz de se autoprogramar. É o que se
chama de singularity. Um modelo aplicado a investimentos de longo prazo
precisa ser capaz de não apenas identificar o status quo econômico, mas da
civilização, considerando todos os riscos vinculados a isso. Isso me parece
exigir um nível de evolução muito alto da Inteligência Artificial. Não existe
dados o suficiente para treinar um modelo como esse. E antes disso, há
muita coisa para ser sistematizada. Então não é uma preocupação
competitiva, porque não acho que isso será monopólio de alguém. É mais
uma mudança na civilização do que um problema particular da indústria de
gestores de recursos.

Modelar a inteligência humana é algo difícil.

Modelar a inteligência é uma coisa, já a imaginação é outra. A imaginação é


o complexo. Imaginar, por exemplo, o impacto que estamos tendo na
demografia e na competição. Falar desse assunto hoje é fácil, mas há dois
anos atrás seria difícil um sistema de pattern recognition identificar esses
fatores, porque não existia um histórico desse tipo de processo. Na época
foi preciso um pouco de imaginação. E a imaginação vai ser difícil de
substituir. Não estou dizendo que é impossível. Talvez, um dia, substitua.
Mas é um nível de AI alto. O novo é que é o problema, para todos esses
casos. Um sistema teria de ser capaz de avaliar o impacto de coisas novas
sobre uma miríade de dados econômicos. Considerando que esses negócios
não existiam no passado... Por isso não é tão simples usar AI para
simplesmente substituir o que fazemos.

Nos últimos anos, vocês aumentaram o número de mercados em que


operam?

A parte de Long & Short ficou mais desenvolvida do que era antes e segue
sendo uma fonte de retorno relevante. Ela pega bem as trading ideas
relacionadas a mudança de hábitos e é menos vinculada a outros efeitos
econômicos. Isso é uma das coisas que evoluímos desde então, do ponto de
vista de mercados. O resto, não.

Em ações, que universo vocês monitoram?

Só olhamos large caps . Nossa análise de empresas inclui o valuation e os


drivers , os fatores importantes para o resultado das companhias. Hoje, no
mundo, para o nosso nível de liquidez, existem cerca de 500 empresas onde
poderíamos investir. Dessas 500, fazemos o tracking de cerca de 80. Das
80, montamos posições em aproximadamente 20 companhias, seja
comprado ou vendido. Mas, fazemos o tracking de outras 60, pois temos
alguma ideia para onde cada setor vai. Inclusive, porque podem ser
fornecedores de um cliente de outras empresas que nós temos ou porque são
bons indicadores macros. O desempenho das empresas se comunica com a
parte macro, então acompanhamos tudo.

Vocês têm predileção por algum mercado?

Ao longo do tempo, ganhamos dinheiro em bolsa, juros e câmbio de


maneira igual. Não temos nenhuma predileção.

Como vocês otimizam o equilíbrio entre os fatores de risco?

Stress testing é uma das coisas que mais olhamos. Não o stress test
histórico, mas aquele que nós desenhamos. O stress histórico já faz parte do
nosso processo de controle de risco. Mas, quando tentamos equilibrar as
posições, olhamos prospectivamente o que parece ser um cenário adverso.
Às vezes, não conseguimos achar uma nova alocação que ganhe dinheiro e
tenha uma correlação negativa com o resto do portfólio. Então, fazemos
posições menores. Mas em Long & Short e moedas, por exemplo,
conseguimos isolar o risco de beta.

Em alguns momentos, carregar uma posição muito longa pode ser


bastante desafiador.

É preciso haver equilíbrio o suficiente para conseguir navegar o curto prazo


até as posições de longo prazo se provarem. Esse é o cuidado que nós temos
e com o qual nos preocupamos. Já tenho tempo o suficiente de mercado
para ficar menos preocupado em pegar todas as ondas. Quem faz isso há
muito tempo, já viu que bastante gente surfou e a onda quebrou. Faço como
se estivesse fazendo o meu próprio dinheiro, porque a maior parte do meu
dinheiro e dos sócios está investido aqui. Fazemos o que achamos que é o
melhor, e isso deu certo nos últimos 20 e poucos anos. Teremos períodos
em que nos sairemos melhor que os nossos pares, e períodos nos quais os
pares se sairão melhor. O principal objetivo é fazer o que achamos ser o
certo. A competição direta é menos importante.
Em mercados menos voláteis encontrar alpha e yield pode ser mais
desafiador, não é?

Mercados com vol mais baixa são mais complicados porque, normalmente,
geram movimentos abruptos e intensos. Então, é preciso ter cuidado, porque
se errarmos o processo em seis meses ou um ano, podemos sofrer. Eu me
lembro da crise de 2008. O cenário estava estranho desde 2007, mas não
acertamos mesmo estando certos de que o mercado cairia, porque os
processos de alta são muito mais longos que as quedas. Por isso, é mais
fácil carregar grandes posições compradas do que vendidas. E no momento
de disrupção, para os clientes, é mais difícil compreender. Vale lembrar que,
em geral, cotistas gostam de baixa volatilidade. Mas em 2019 muitas
pessoas, especialmente as pessoas físicas, sofreram com a vol repentina dos
fundos de crédito. Pessoa física gosta de “vender pó” (opções baratas),
ganhar pouco durante muito tempo. Só que isso, normalmente, aumenta a
chance de se perder muito em pouco tempo. E nós tentamos fazer o
contrário. Prefiro ter volatilidade baixa em momentos de mercados calmos e
depois, quem sabe, ter uma vol alta quando a disrupção estiver para o nosso
lado.

O que vocês analisam quando montam posições em commodities?

Posso dar o exemplo do ouro, uma das commodities que deu bom retorno
em 2019. No início, havia um potencial movimento de queda da taxa de
juros nos Estados Unidos. Havia também uma tensão geopolítica que
indicava uma boa chance do resto dos países do mundo querer diversificar e
sair um pouco do dólar. E, dado a situação de carrego de outras moedas, o
ouro parecia um caminho para a diversificação de reservas. Você tinha,
portanto, dois fatores muito favoráveis para a posição de ouro: a diminuição
do custo de carrego da posição e a demanda dos Bancos Centrais. Da
maneira como nós fazemos, há uma certa dificuldade em separar essas
coisas em caixas isoladas. Por exemplo, carregamos uma posição comprada
em ações de financials nos Estados Unidos já faz um bom tempo. E essa
posição possui uma correlação inversa com a taxa de juros. Normalmente,
são papéis que tendem a sofrer quando a curva de juros fecha. Então, havia
essa leitura positiva sobre o ouro, que caminhava perfeitamente com a
leitura sobre financials . São essas coisas que nós tentamos fazer. Por isso
que separar a gestão em mesas ou books , no nosso caso, não funciona. Não
queremos perder a capacidade de achar essas relações. Olhando para o caso
de petróleo, no passado, já tivemos posições tanto compradas quanto
vendidas. Petróleo apresenta uma relação de eficiência de produção e
consumo, que vem do nível de atividade econômica. Num dado momento,
tivemos uma posição vendida em petróleo, mas gostávamos de Petrobras. E
essas posições se combinavam. O portfólio é um quebra-cabeças entre valor
esperado positivo e equilíbrio. Enquanto a tese de ações nos Estados Unidos
estarem caras não se provava correta, o restante da carteira pagava o custo
de estar errado em uma das posições centrais do fundo. Temos de ser
capazes de dar o fôlego necessário para sustentar posições de prazos mais
longos. Isso, normalmente, também não fica isolado.

O petróleo é um dos mercados que, eventualmente, apresenta alguns


jumps e fatores difíceis de controlar. Isso é algo que preocupa vocês?

Sim, preocupa, por isso a posição deve ser compatível. Mas, faz parte do
dimensionamento da posição, porque pode acontecer um atentado em
algum lugar e o petróleo no dia seguinte subir 10%. Isso faz parte, sem
dúvida. São coisas não estruturais, pontuais, e a posição deve ser capaz de
suportar esses eventos. Passamos por isso, recentemente. Estávamos
vendidos, o petróleo subiu, mas depois caiu. A posição é dimensionada para
isso. Já tivemos posições em ações de tecnologia que, quando saía o
balanço, era um sobe e desce de cerca de 10%. Então, de novo, o tamanho
das posições deve ser compatível com essas descontinuidades que podem
acontecer.

Como encontrar assimetrias de retornos em moedas?

Para operar moedas, é preciso conhecer os países em si, como a demografia


e outros fatores. É um mercado profissional e complexo. Primeiro, porque
toda moeda é, por definição, um Long & Short . Você compra uma moeda e
vende outra. Eu tenho que achar uma relação entre os dois países, juntando
atividade econômica, demografia e inúmeros fatores relevantes para montar
a posição.

Vocês usam dados de COT ( Commitment of Traders )?


Para moedas, pouco. O mercado de moedas é enorme, e muitas posições
não estão em bolsas de futuros, estão em derivativos de balcão. Não
aparecem. Mas, usamos para commodities. É um dado, da mesma maneira
que usamos as posições dos agentes na B3.

E funciona para ouro e prata?

Funciona, mas não consigo dizer se funciona sozinho. Não operamos esse
dado isoladamente, é apenas um indicador, mas que acompanhamos. Por
exemplo, na nossa posição de ouro, uma das coisas que me preocupa é que
todo mundo já está nessa posição. Quando começamos, não. Mas, agora,
sim.

As posições dos players no mercado de commodities agrícolas são


relevantes para a análise de vocês?

Olhando para a soja, por exemplo, tivemos essa discussão com o nível de
estoque. Mas, é um mercado menos especulador e direcionado pela
economia real, como a safra e a demanda. Ouro tem muito position
financeiro. No passado, o petróleo teve um volume muito grande em
posições financeiras, mas hoje é menor. Todas têm suas peculiaridades.
Mas, ainda assim, é um mercado muito grande. Commodities,
normalmente, tem um caminho estreito com o mercado físico. A parte
especulativa costuma ser menos relevante do que em outros mercados
puramente financeiros. Já aconteceu com o petróleo. Havia, inclusive,
especuladores com navio parado cheio de petróleo. Mas, normalmente, não
é caso.

Vocês se reúnem periodicamente para gerar trade ideas ?

Fazemos o comitê econômico uma vez por mês e, a cada seis meses, um
grande comitê de duas semanas no qual olhamos 18 países. Cada dia é para
olhar um determinado número de países e fazer um estudo mais profundo.
Depois, monitoramos e atualizamos. Pode aparecer, também, algo
extraordinário. Alguém pode apresentar um case de outro país que achou
interessante, ou de um ativo que não acompanhamos de perto. De qualquer
forma, duas vezes por semana, na hora do almoço, temos a apresentação de
um estudo. Seja de um país, empresa, setor ou determinada commodity. Às
vezes, depois disso, montamos uma posição, às vezes, não. Em alguns casos
trocamos uma posição por outra. O ouro foi ideia de um dos membros da
equipe. Olhamos, estudamos, vimos que encaixava bem com o resto do
portfólio e fizemos.

Vocês se importam muito com os economics dos países. Onde entra a


taxa de juros nessa equação?

A taxa de juros não é a causa, mas a consequência do estado econômico do


país. Se achamos que a economia vai enfraquecer, é razoável supor que o
juros caiam e a moeda se desvalorize. E se o país é um exportador, isso
pode acontecer porque os importadores estão desacelerando ou porque
existe alguma evolução tecnológica que vai fazê-los perder market share .
Existem diferentes motivos pelos quais você pode achar que um país pode
performar bem ou mal. Aqui no Brasil conhecemos bem a capacidade de
um governo em fazer bobagem. Então, somos capazes de identificar outros
lugares onde o governo também pode fazer bobagem.

Vocês monitoram, de alguma forma, a percepção de risco de agentes,


por exemplo?

Com o big data , estamos começando a olhar. O resto são medidas


tradicionais, de volatilidade, que acompanhamos há mais tempo. E, verdade
seja dita, a participação de pessoas físicas tem sido mais relevante, não só
no Brasil, como no exterior. Então, começa a ser importante também olhar
essas informações.

Vocês procuram encontrar turning points ou tendências?

Exercitamos ser agnóstico e tentar não ter preferências, mas turning points
são sempre mais difíceis. Prefiro tendências, você nem precisa pegar o
início. As posições em que fico mais confortável são uma combinação
daquelas que acho que são de tendência e com pouca gente. Quando todo
mundo está junto, fico desconfortável, porque a posição é mais frágil, do
ponto de vista técnico. Gosto de ter posições que ninguém tem.

Com certeza. Posições “da moda” geram algum nível de buzz ? Vocês
tentam ler isso?
Estamos fazendo essa leitura do ponto de vista do big data, em termos de
mídia social. Por outras fontes é mais complexo. Mas, o extremo, é difícil
não ver. Não precisava ter mídia social para achar que a febre de bolsa no
Brasil em 2019 era gritante. Tinha bastante advogado e professor
perguntando sobre investimento. E isso é explicado pela mudança na
maneira como o investimento é distribuído no Brasil. Relevante e rápida. O
que está fazendo muita gente entrar em uma onda. Normalmente, esses
movimentos de massa me preocupam. Não gosto de participar.

Nesse contexto de juros baixos, existe alguma alternativa a equities ?

A geração de alpha pode ser comprada ou vendida. Eu sei que, para pessoa
física, é uma decisão complexa. A pessoa física deveria entender que
existem momentos bons ou não para investir. Esse é o principal. E,
normalmente, quando todo mundo está falando de investimento, não é um
bom momento. Quando todo mundo está desinteressado, é um bom
momento para investir. Porque é bom ter uma gordura razoável para entrar
no mercado de risco. E juros baixos, no mundo, é um mal indicador. A
performance histórica mostra que períodos de queda de taxa de juros são
ruins para a bolsa e períodos de alta de taxas de juros são bons. E a coisa
surpreendente: uma boa parte dessas pessoas que estão fazendo migração
por causa do juros baixos, não é quem antes era rentista. Não é o sujeito que
vivia de renda e agora está apertado. É quem nunca teve dinheiro para
renda, possui só uma poupança e, por algum motivo, agora acha que esse
capital precisa trabalhar para ele. É uma mudança radical na propensão à
risco, que não tem qualquer relação com a taxa de juros, exceto pela onda.
A rentabilidade do dinheiro nunca foi um fator determinante para essas
pessoas. O timing tem que ser determinado pela oportunidade de
investimento, não por uma necessidade sua. Senão, você vai acabar fazendo
alguma bobagem. O motivo de tomar risco é porque existe uma boa
oportunidade para tomar esse risco. O fato da taxa de juros estar fazendo
com que as pessoas tomem mais risco não é o processo correto. Um
argumento seria o de que o país está tomando as medidas corretas, por
exemplo. Mas não a taxa de juros em si. Seria melhor se a taxa de juros
estivesse subindo do que caindo, um motivo até melhor para investir. A taxa
de juros estaria subindo, as empresas performando melhor, a bolsa estaria
mais barata e valeria muito mais à pena. Mas esses processos podem ser
razoavelmente duradouros. E, na maioria das vezes, não terminam bem, só
se a sorte ajudar. Há momentos em que vale investir e momentos em que é
melhor não fazer nada. Se você acerta, faz toda a diferença. Se investe
quando está todo mundo falando, acho que pode ser desastroso com o
passar do tempo. A maioria das pessoas são levadas a comprar bolsa porque
o amigo falou que está ganhando dinheiro. Melhor investir uma parcela da
carteira ativos de risco por 20 anos, e não porque o amigo falou, te levando
a entrar all in . E era a força desse movimento, com vários outros
indicadores, que levavam a crer que estávamos passando por uma febre. O
momento certo para investir é quando há barganhas.

Será que as taxas de juros globais estão em um novo normal? Talvez,


haja uma “niponização” do mundo, que pode perdurar por muito
tempo?

Em uma “niponização” a bolsa não vai obrigatoriamente bem. Pelo


contrário, foi um desastre no Japão. A taxa de juros baixa não é um
indicador de que a economia vai bem, esse é o ponto. Tem uma boa
diferença entre os dois. Mas, dessa vez, pode ser que façamos um soft
landing permanente. Eu fiz uma apresentação em que falei: “Se você acha
que o ciclo econômico acabou, talvez deveria estar alocado em equity ” .
Porque se não houver mais ciclo econômico, o retorno vai ser mais estável
ao longo do tempo. Então muitos acham que “ this time is different” , que
nunca mais vai ter ciclo econômico. Mas não vejo nenhum indício disso. Se
olharmos a história, perto de fins de ciclo econômico, todo mundo sempre
achou que o ciclo econômico havia acabado.

Indo para um outro lado, gerir recursos e tomar riscos é algo que se
aprende na prática?

Sem dúvida alguma. Esse é um negócio para aprender na prática e ter


cicatrizes. É difícil não adquirir cicatrizes ao longo do tempo. Elas fazem
com que você aprenda, mas sem morrer. Costumo dizer que é complicado
treinar um sujeito de 30 anos para começar a ser gestor, porque é um ofício
que se aprende desde cedo. E é complexo, do ponto de vista emocional.

E você acha que tem um bom perfil emocional para esse business ?
Não, ao contrário. Sou preocupado por natureza. Se, por um lado, o fato de
ser cético e preocupado me faz sobreviver, por outro, realmente gera um
nível alto de estresse. Talvez, tenha gente que faça isso com menos estresse
do que eu. Não consigo dizer. É um negócio que possui um custo, com altos
e baixos. É necessário ter um policiamento para não ficar exuberante nos
altos. Quando se faz isso muitas vezes, depois de velho, parece que quem
lida bem com isso é quem liga pouco. Mas, alguém que liga pouco me dá
um certo medo, porque é quem pode quebrar. Por outro lado, não é fácil
equilibrar a capacidade de tomar risco com o medo de quebrar.

Fato. Chega a tirar o teu sono?

Muitas vezes. Você perde o sono nos dois pontos da curva. Tanto quando as
coisas vão muito bem, e quando as coisas vão mal. Minha cabeça remói nos
dois casos.

Mas você fica mais preocupado quando está ganhando dinheiro e tem
medo de devolver o ganho ou quando está perdendo dinheiro e talvez
esteja fazendo algo errado?

Me preocupa menos entregar os ganhos. Mas, você começa a pensar em


outras coisas e a cabeça fica mais elétrica. É preciso se policiar para não
ficar excited com esse status. E, na perda, com certeza. Quando você está
perdendo, é óbvio que também está tentando fazendo o certo. Esse business
não é simples. Por outro lado, não consigo me imaginar fazendo outra coisa
da vida. Acho interessantíssimo, é preciso um conhecimento amplo e
interesses diversos. Acompanhamos várias coisas. Acho um negócio
fantástico, mas não é para qualquer um.

É duro mesmo. Esse mental fitness é algo que você consegue resolver
sozinho ou é preciso trocar ideias com alguém? Você acha o processo de
investimento muito solitário?

Não. Conversamos sempre sobre exposição. Do ponto de vista emocional,


acho que é solitário sim.

O livro The Disciplined Trader argumenta que, em trading, 20% é


análise e 80% é gerenciamento das emoções. Como você vê essa
relação?

Não sei dizer. Não sei como se comporta um sujeito sem


disciplina emocional. É sempre difícil separar se foi uma
análise errada ou qualquer outra coisa. Não é um negócio
para quem não tem opinião, porque vai sempre colocar em
dúvida todas as suas teses. Então, é preciso ter uma boa
combinação entre convicção e ceticismo. Você não pode
ser convicto a ponto de ser impermeável aos dados. Por
outro lado, não pode ser volúvel a ponto de qualquer coisa
abalar a tese. Eu sei que os extremos, com certeza, são
problemáticos. Confiança em excesso e o medo em
demasia. Todas as posições que tomamos nos parecem
óbvias. Se não parecem óbvias, é melhor não fazer. Porque
já vamos errar o óbvio diversas vezes. E se você faz coisas
que não são óbvias, qualquer coisa que aconteça vai te
tirar da posição. Tem que estar convicto e ter gordura o
suficiente para dimensionar, sabendo que a posição pode ir
contra você. Porém, é difícil formar gente nova ou alguém
apenas jogando. Não dá para jogar pôquer com feijão,
porque não é a mesma coisa. E eu tive a sorte de conhecer
esse universo apostando dinheiro cedo. No Bozano,
quando comecei a operar volumes maiores, tinha 24 anos.
Hoje, não fariam isso. Jamais dariam para um garoto
daquela idade o tamanho de posição que eu operava na
época. Então, é mais difícil para um jovem conseguir esse
volume e adquirir esse aprendizado.
Há cabeças brilhantes no mundo inteiro. Se você está operando no
mundo inteiro, está também operando em posições opostas a pessoas
muito inteligentes.

Conheci muita gente inteligente que não ganhava dinheiro. Existem bons
argumentos para comprar e vender um mesmo ativo. Pessoas inteligentes
serão capazes de sustentar pontos contrários. Mas alguns argumentos são
mais importantes que outros. Nesse negócio, você é treinado para
identificar padrões. Padrões que funcionam ao longo do tempo.

É possível ser treinado para identificar esses padrões?

Se você não leu os padrões do passado, é difícil identificar padrões atuais.


Essa é uma parte que considero essencial, e mesmo quem faz economia
olha pouco. Muitos olham a história recente, os últimos 100 anos. Acho que
é preciso mais que isso.

Você pretende estar nesse business até os 90 anos, como o Warren


Buffett?

Acho que sim. Vou fazer até morrer, porque gosto desse negócio.

É quase um vício?

É. Para mim, não é só um ofício, no sentido que algumas pessoas sentem o


trabalho como um estorvo. Acho que não é assim para ninguém que está
aqui. É um negócio interessante. O pesado é a parte emocional, não o
trabalho em si. O que nós fazemos é interessante por natureza. É como ler
quando se está de férias. Não é uma obrigação. Eu entendo o sujeito que lê
uma tonelada de research e consegue achar aquilo enfadonho. Mas, não é o
que nós fazemos. Lemos para entender o mundo. Então, é interessante por
natureza.

É isso que cativa tanto? Essa complexidade e multidimensionalidade?

Com certeza. É interessante por compreendermos o mundo. Se você


entender em detalhes o preço de um andaime, por exemplo, acho que a sua
vida não fica mais interessante apenas por causa disso. Mas o que nós
fazemos, sim. E, por sorte, fui criado para tentar fazer esse negócio de uma
forma macro. Se fizesse algo como small caps, seria uma outra
circunstância. Eu teria de ler os researchs , falar com os executivos das
empresas, um universo de ativos investidos muito menor e seria totalmente
circunstancial. Não é que eu escolhi, a priori, aos 23 anos . Comecei, por
acaso, operando Brady bonds , que já era um mercado internacional por
natureza, relacionado aos Treasuries. O acaso determina mais que qualquer
outro fator, e essas coisas não são planejadas.

Capítulo 3
SERGIO SILVA E BERNARDO ZERBINI  |

AZ QUEST

O s fundos macro da AZ Quest contam com diversos co-gestores, que detêm


uma parcela do orçamento de risco de cada fundo, onde montam suas
estratégias sob a liderança dos gestores Sergio Silva e Bernardo Zerbini.

Sergio e Bernardo, quais são os indicadores macro que vocês usam


para começar o processo de investimento de um fundo multimercado, e
como isso se traduz em uma posição efetiva?

Sergio: Para termos uma visão total da economia, passamos por todos os
indicadores de atividade, inflação, parte fiscal, balanço de pagamentos,
entre outros. O grau de importância deles vai variando de tempos em
tempos para vermos em que ponto do ciclo macroeconômico estamos. Nos
reunimos semanalmente com os nossos economistas e eles vão nos
municiando com todas essas informações. Montamos uma radiografia
macro.

Zerbini: Hoje em dia os formadores de preço estão cada vez mais


globalizados. Então, movimentos de taxas de juros lá na Turquia podem
afetar o Brasil. Aí juntamos o cenário local com o externo. Olhamos a
atividade global, juros globais, inflação global, fiscal global, e como isso
acaba interferindo nas decisões no Brasil, dependendo da aposta que vamos
tomar. O alocador de recursos, principalmente o estrangeiro, sempre vai
olhar a melhor história. Então estar de olho nos mesmos fatores
macroeconômicos fora do Brasil enriquece bastante a discussão dentro do
país, principalmente quando não houver um assunto estritamente local,
como foi a Reforma da Previdência, eleições etc. Quando o mercado não
tem esses eventos, acabamos sendo orientados pelo mercado global.

Sergio: Talvez eu adicionasse o seguinte: essa série de dados macro que


analisamos é como se fosse um filme. Pegamos todas essas séries
dessazonalizadas e tratadas econometricamente, nos fornecendo uma ideia
sobre em que ponto estamos do ciclo macroeconômico. Vemos o quanto as
medidas que foram tomadas pelo Banco Central ou pelo Ministério da
Fazenda estão funcionando e como estamos vendo a evolução disso ao
longo do tempo na economia. E isso serve para qualquer país.

Após analisar o cenário fundamentalista, como vocês calculam prêmios


nos mercados?

Zerbini: Eu acho que essa é a segunda parte da análise. Por


exemplo, se temos um ciclo de queda de juros nos
próximos seis meses, olhamos a taxa de juros ou a política
monetária implícita na taxa de juros de seis meses e vemos
se aquele preço faz sentido, se o ciclo já está bem
precificado, se existe alguma assimetria. Então, o preço do
mercado é muito relevante para a montagem de uma
posição. Porque, às vezes, aquilo que achamos já está
implícito no preço. Então, teoricamente, não existe
nenhuma assimetria. Isso vale para juros, ações e moedas.
Quando estamos otimistas com o real, porque o saldo de
conta corrente está sob controle, balanço de pagamento
está saudável, o fluxo para emergentes tem sido recorrente,
começamos a olhar para câmbio real, termos de troca e
vemos se o preço faz sentido dado todo esse fundamento e
toda expectativa de fluxo. Então, chega uma hora na qual
o preço não é mais atrativo. Aí não existe essa assimetria e
não vale fazer essa posição. Eu diria que isso é tão
importante quanto a análise macro, porque só
conseguimos performar se houver oportunidade de preço
no mercado, se aquilo que achamos o mercado ainda não
precificou. Então, o preço é importante. Aí acho que a
segunda derivada de preço seria a análise técnica, como
está o posicionamento do mercado com relação àquele
ativo, se todo mundo está achando a mesma coisa, se o
preço faz sentido quando todo mundo está achando a
mesma coisa, como tem sido o comportamento do Tesouro
Nacional na parte de juros, se o Banco Central está
comprando dólar, se está vendendo dólar, se está
recomprando reserva... Essa parte técnica de
posicionamento dos formadores de preço, mais a atuação
do Banco Central e do Tesouro Nacional, também é
importante para avaliar se aquela posição faz sentido ou
não.
Sergio: No final das contas, o filme que olhamos com os dados da economia
para trás traça uma ideia do que podemos esperar desse filme para a frente.
E quando olhamos para o futuro, para as cotações de mercado, temos uma
sensação se, dentro do que estamos vendo, os preços estão acima ou abaixo
daquilo que esperamos para daqui a três meses, seis meses, nove meses, um
ano ou até um período de tempo maior do que esse, no caso de juros. É um
pouco do que o Bernardo falou. As cotações nos mostram se estão atrás ou
à frente das nossas projeções para aquele período de tempo em que
estaremos negociando o ativo. E aí, no limite, chegaremos à conclusão se
aquele ativo, para aquele período de tempo, está caro ou barato, e
montaremos nossas posições em cima disso.

Essa estimativa de caro ou barato é fundamentalmente subjetiva?

Zerbini: Acho que não. Acho que é uma combinação dos dois. Ela tem uma
objetividade matemática, nos juros principalmente. No mercado de juros
existe uma expectativa de política monetária, é uma conta simples e
matemática. Existe uma subjetividade de como ela irá se comportar, qual a
velocidade com que cairão os juros, e isso é subjetivo. Mas se você acha
que o ciclo é de 300 basis , isso é matemática. Agora, a subjetividade vem:
como serão entregues esses 300 basis ? Qual é a velocidade? Isso é
subjetivo. Cada um acha uma coisa. A interpretação sobre a comunicação
de um Banco Central é subjetiva para cada pessoa.

Sergio: A subjetividade vem também não só como a autoridade monetária


ou como o governo reage, mas em relação a como os agentes reagem. Nos
últimos tempos, tivemos uma flexibilização de política monetária, os juros
caíram de 14,25% para 6,50%, onde todo mundo achava que os agentes
reagiriam de uma certa maneira e todo mundo achava que a economia ia
estar muito mais aquecida do que efetivamente está. Então, é um jogo de
prever as expectativas não só do governo, mas também dos agentes
privados. Por mais que a taxa de juros tenha caído, o investimento privado
talvez não tenha vindo na velocidade que esperávamos. Talvez a confiança
do consumidor e do empresariado não tenha vindo da maneira que
esperávamos. Vamos revendo essa subjetividade, sempre atentos aos dados
econômicos que vão saindo, refazendo o cenário à frente.

Zerbini: Eu diria que a matemática é alimentada com um


grau maior de subjetividade nos modelos. Quando
estimamos que o país irá crescer 2,5% no ano que vem, é
porque achamos que o índice de confiança vai melhorar no
setor privado. No entanto, não temos nenhuma análise
matemática de que esse índice de confiança irá melhorar.
Na verdade, ele é uma variável de entrada no nosso
modelo de crescimento, só que essa variável é subjetiva.
Cada um acha uma coisa e espera comportamentos
diferentes, apesar de no final existir uma conta
matemática. Eu diria que o mercado de juros é o ativo
mais cartesiano do mercado financeiro por conta dessa
matemática de ciclo monetário, mas para o dólar e para
ações, existe um grau maior subjetividade nos modelos.
Para modelarmos ações de empresas negociadas em bolsa,
cada analista usa uma expectativa de taxa de juros de
longo prazo, uma expectativa de crescimento de vendas,
de lucro etc. Já o câmbio é o mais difícil, pois o câmbio é
muito mais global. A dívida externa pública não existe, a
dívida privada está sendo diminuída dada essa recompra
de dívida que estamos vendo lá fora. O saldo de conta
corrente está bem e dado que o país não cresce tanto, as
importações estão menores, então a saúde cambial no
Brasil nunca foi melhor do que é hoje. No entanto, o preço
do ativo também varia em função das taxas de juros e da
expectativa de fluxo de capitais. Esse fluxo não
necessariamente vai acontecer, porque às vezes o cenário
macro muda. Então não há uma fórmula para o câmbio no
Brasil. Para juros há uma fórmula melhor. Quando se junta
o valor esperado para todas as empresas estima-se o
quanto pode valer a bolsa. O câmbio eu diria que é o ativo
menos cartesiano do mercado financeiro e, portanto,
menos técnico e com maior grau de subjetividade.
Na hora de montar uma posição, vocês estimam cenários de ganho e
perda para cada posição?

Sergio: Sim. Usamos o princípio de assimetria. Cada posição parte de um


cenário de ganho. É uma ideia inicial. Estamos sempre revisitando esses
números. Cada aposta tem um objetivo de ganho e de perda que tem de ser
respeitada.
E vocês também associam uma probabilidade de sucesso a cada
aposta?

Zerbini: Sim. Temos um objetivo de preço. No mercado de


câmbio há um mercado de opções, que mostra as
probabilidades do câmbio atingir determinados preços, em
função da volatilidade. No mercado de juros, se existe um
ciclo monetário, e você espera três quedas de juros de 50
basis points , você sabe exatamente qual é a relação risco-
retorno. Não falamos disso, mas existem várias maneiras
de você representar sua posição e alavancagem. Às vezes a
assimetria de preço não é boa, mas você consegue
expressar sua posição via opções de uma maneira mais
barata ou com uma alavancagem maior. Por exemplo,
Sergio montou uma posição, no final do ano passado, de
que a Taxa Selic iria ficar estável, com retorno-risco de
quase de 10 para 1. O mercado esperava que ela fosse
subir e não cair. E a Taxa Selic acabou ficando estável.
Outra questão importante é a experiência de mercado.
Quando o mercado está muito alavancado, às vezes
acontece uma onda de stop loss e temos de proteger o
fundo. Quando há um player importante do mercado
induzindo um movimento, o preço pode andar contra você.
Muita gente jovem não entende isso.
Sergio: Eventos aleatórios acontecem ao longo do caminho. Muito
provavelmente numa hora dessas os preços ficarão distorcidos por um
período de tempo e cabe a quem está tomando a decisão ter experiência o
suficiente, já ter visto algumas crises e entender como os preços se
comportam nesses momentos. Então eu acho que essa é a grande vantagem
de estar no mercado há tanto tempo e já ter visto tanta coisa. Eu acho que,
independente da capacidade técnica das pessoas, estar no mercado há muito
tempo cria um histórico de eventos que te levam a entender o mercado. A
leitura dos Bancos Centrais, da economia, dos agentes, vai ficando mais
clara quando você tem experiência.

Com certeza. O que vocês aprenderam com as piores crises?

Zerbini: Temos de respeitar o mercado de uma maneira


bastante humilde. Tem gente que não entende isso. A
geração atual nunca viu isso, uma reunião extraordinária
do Copom. Quando uma dessa acontecia, sabíamos que
vinha uma subida de juros de 200, 300 basis points . E
hoje ninguém viu isso. Isso aconteceu recentemente na
Turquia, na Argentina, então essa bagagem é importante
para tentarmos antecipar um evento desse e tentar proteger
o fundo desse evento. A liquidez também permite nos
movermos de maneira responsável. E a segunda coisa é
não “vender pó” (opções baratas). Isso aconteceu em 2008
com as exportadoras. Ao olharmos para um stress test
temos a capacidade de julgar o quanto ele é possível ou
não. O que aconteceu em cada evento e o que pode
acontecer de novo? Acho que é daí que vem a experiência.
E do outro lado o mercado exagera. Chega uma hora que
todo mundo acha que um mercado vai quebrar. A nossa
experiência mostra que o exagero existe e aí temos de ter a
capacidade de analisar se aquele preço realmente fugiu de
todo e qualquer sentido, e ter a frieza de colocar uma
posição. Entender que aquilo é um momento de desespero
de algum formador de preço. E jamais subestimar os
estrangeiros. Vivemos momentos nos quais os gringos
foram capazes de fazer estrago no mercado pelos dois
lados.
Sergio: O mercado é uma eterna lição de humildade. Você pode estar muito
bem num dia, no outro dia você pode estar na lama. Então deixamos o ego
fora da empresa, lá na rua. Não se trata de uma corrida de 100 metros. Você
não precisa fazer a sua carreira em um ano. É uma maratona. Dependendo
de quanto tempo você fica, pode virar uma ultramaratona. Trata-se de tentar
entender como é que se sobrevive ao longo do tempo nessa ultramaratona.
Não precisa ser o melhor sempre, mas não pode morrer no meio do
caminho. Para isso, a principal coisa é um book com seguros, com hedges ,
para a assimetria que na maioria das vezes não conseguimos ver. O mercado
vira muito rápido. Às vezes somos pegos de surpresa, e dependendo do
posicionamento técnico do mercado, efetivamente pode haver uma saída
estreita para as posições. Quando o mercado começa a virar sem
entendermos plenamente o que está acontecendo, os hedges nos salvam. O
Ricardo Braga, que era o tesoureiro do Citi na época em que estávamos lá,
disse uma coisa que lembro até hoje: “Não fique super feliz e excitado no
momento de vitória, nem fique mega deprimido no momento de derrota.
Tenta manter uma estabilidade psicológica para que você consiga
sobreviver ao longo do tempo”. Eu acho que o mercado é um pouco isso. É
o tipo de lugar onde suas convicções serão testadas o tempo inteiro. Se você
tiver um ego inflado, provavelmente não vai estar aberto a se questionar a
respeito das suas convicções. Para mim esse é o pior defeito, porque
provavelmente vai chegar o dia em que o mercado vai te dobrar.

Zerbini: Tendemos a falar: “Nunca isso vai acontecer”. E acho que as crises
te ensinam que, sim, isso pode acontecer. Se eu falar: “O futuro pode ficar
abaixo do spot”, alguém menos experiente pode dizer: “Isso nunca vai
acontecer, a matemática não permite”. Ou alguém dizer: “ Um banco
americano grande nunca vai quebrar”; “Um fundo grande como LTCM não
pode quebrar”. Então, são essas lições que carregamos conosco.

Vocês poderiam dar algum exemplo de hedges que usam


frequentemente?
Sergio: Usamos bastante opções. Somos ativos, principalmente quando
temos posição em bolsa brasileira. Usamos calls de dólar no Brasil, também
porque achamos que o câmbio é onde a contaminação acontece primeiro.
Hoje apostar contra o câmbio está barato. Então temos o costume de usar
opções de dólar, opções de juros e opções de Ibovespa. Infelizmente, não
são todos os mercados que te proporcionam a capacidade de fazer hedges .
O mercado de juros é um deles, nos vencimentos longos. O mercado de
opções é líquido para apostas de política monetária. Mas você não consegue
fazer hedge de DI Futuro longo ou de uma NTN-B 2050. Onde existe hedge
é no mercado de ações, que é bastante ativo, e no câmbio. O mercado local
mais líquido de opções é o de opções de dólar. Operamos também opções
de EWZ, S&P500 e já fizemos opções de ouro.

Como vocês enxergam o timing de montar uma posição?

Sergio: Aqui não temos por hábito construir a posição toda de uma vez só.
Não precisa. Toda vez que discutimos e falamos do tamanho de uma
posição, vamos construindo essa posição aos poucos. O segredo está na
construção. Não dá para chegar e falar: “Olha, esse preço está
completamente errado e vamos fazer uma posição muito grande nesse
preço”. Tudo pode ficar muito errado por muito tempo. E o que está
completamente errado pode passar a ser o novo normal daqui a algum
tempo.

Zerbini: É importante falar que vamos errar. Todo mundo


erra. Mas sabemos que existe um limite para errar.
Dependendo do estágio do seu business , do estágio do seu
fundo, da idade etc, isso tudo vai permitir ter um pouco
mais de drawdown ou não. Às vezes você reduz posição
para manter um business saudável, com responsabilidade e
comprometimento com o cliente e respeitando os seus
drawdowns . O importante é: siga as suas convicções.
Você pode perder dinheiro dois meses, mas se tudo o que
você analisou, estudou, conversou, discutiu dentro da
empresa estiver certo, as coisas vão se mover para o seu
lado. No nosso fundo não temos botão de stop loss. A
pessoa que tem a responsabilidade de apertar o botão de
redução ou não é uma pessoa que não é gestora, é o CEO
da empresa, e que vai fazer aquilo para proteger os clientes
e a instituição. Mas temos a experiência e a capacidade de
sentarmos à mesa, discutir o momento adverso, olhar para
a situação de PnL (perdas e lucros), qual o grau de
incerteza que temos, e ver qual posição vamos tomar da
melhor maneira possível, na qual consigamos proteger
melhor o cliente. Timing é importante, mas não
necessariamente você vai acertar sempre no começo.
Como o Sergio disse, deixe espaço para aumentar as
posições e cumpra os seus limites de risco. Esteja sempre
de acordo com a sua lâmina e o que você vende para o seu
cliente.
Vocês se consideram mais contrarians ou trend followers ?

Zerbini: Não tomamos posição aqui porque os outros estão achando isso ou
aquilo. Tomamos posição dado o que achamos. Às vezes o que achamos
não é o que todo mundo acha. Eu gosto de seguir a tendência. Se ela está
favorável ao que nós achamos, não vejo problema em seguir a tendência. Já
tivemos posições contrárias? Já. No câmbio já tivemos posição contrária.
Enquanto o mercado estava querendo comprar dólares, estávamos
vendendo.

Sergio: Alguns fundos estão num estágio de amadurecimento diferente do


nosso. A única maneira de eles fazerem posições com o tamanho que tem é
estar numa posição contrária ao que o mercado está achando. Isso também
pode acontecer ao longo do tempo, mas eu acho que depende de caso a
caso.
Zerbini: A posição contrária é a mais bem feita que existe, porque é a que
mais vamos nos questionar. Quando achamos alguma coisa diferente, temos
de estar convictos. E aí precisamos estudar. O consenso te deixa preguiçoso,
o contrário convicto. Tenho a curiosidade de saber o que os outros estão
pensando para me deixar mais convicto do que estou pensando.

Sergio: Não dá para tentar ter sucesso baseado em ideias alheias, porque é a
mesma coisa que colar no colégio. Não adianta muita coisa. Você pode até
passar, mas provavelmente no outro ano se o cara que te deu cola vai
embora, você vai bombar. Então não é por aí.

Zerbini: É bom analisar o lado técnico e saber que tem um fundo gigantesco
“stopando” uma posição. Isso é importante saber para ver o timing de
entrada. Se queremos ir contra ou não. Mas não pesquisamos ou
investigamos o que os outros estão fazendo. Trata-se de entender se existem
posições concentradas em um formador de preços e saber que esse player
pode mexer o mercado para um lado ou para o outro.

Sergio: No limite, o fundamento é soberano. Se estivermos em cima do


fundamento, o mercado vai convergir para o fundamento, não tem jeito.
Então, é estudar o máximo o fundamento para poder ter convicção das
posições que você está tomando.

O que limita o risco do fundo?  O VaR (Value at Risk) ? Stress Test?

Zerbini: Stress. Stress é o único hard limit que temos. Por exemplo, se o
stress do Multi estiver 0,01% acima do limite, você é obrigado a diminuir a
posição. E o drawdown é um soft limit que você tem um X para receber
durante três meses consecutivos. Se perder, você senta numa sala, conversa
com o CEO e com o comitê de risco para explicar sua posição. Mas não
necessariamente tem de reduzir a posição. Nós temos um livro consensual e
um livro individual. No individual somos obrigados a “stopar” o risco se
atingirmos o drawdown . No livro consensual, não. A área de risco não olha
o livro individual ou o consensual. Eles olham como um todo. O Sergio e
eu, como responsáveis pelo fundo, olhamos o livro individual para impor
disciplina aos traders abaixo de nós e dos nossos livros individuais
também. Então o drawdown no final é um limite soft . Para que serve um
drawdown na nossa opinião? Ele serve para você pegar uma teimosia. “Por
que você está dado nos juros e o mercado só sobe? Não é que ele sobe há
um mês. Ele sobe há seis meses”. Então isso também é para te questionar e
evitar teimosias de traders, inclusive do fundo. O VaR usamos também, mas
mais para quantificar realmente se você está perto do seu orçamento ou não.
Mas também é soft .

Vocês falaram de book consensual. Poderiam explicar um pouco melhor


como funciona a gestão do fundo com os diversos books e quanto de
limite cada um tem?

Sergio: É um pouco o que o Bernardo estava falando. Temos um número


limitado de pessoas dentro da área macro que toma risco. E acreditamos que
cada um tem de ter a liberdade de expressar a sua visão individualmente,
porque estaremos respeitando senioridade, vamos estar incentivando as
pessoas e incentivando a meritocracia nessa hora. Isso também faz com que
consigamos avaliar o time, ver quem está mais preparado para ir subindo
alguns degraus na sociedade, na hierarquia do fundo e um monte de coisas.
É uma forma também que temos de incentivar a meritocracia e olhar cada
ativo. Dessa forma conseguimos mapear o quanto cada um está
contribuindo para a estratégia global do fundo. Hoje, por exemplo, temos
cinco books individuais. Um de bolsa micro, como chamamos, que replica
algumas estratégias dos fundos de bolsa, temos o meu book , o do Bernardo,
o da Ana e o do Marcelo Curvelo. E temos os outros 50% que é a parte
consensual. O que queremos dizer com a parte consensual? Não precisa ser
uma unanimidade, mas a maior parte das pessoas, concordando que aquele
ativo, baseado no nosso cenário macro, é um bom case de investimento.
Essa posição será expressa de uma maneira destacada dentro do que
chamamos de livro consensual, que é o core . E aí vamos adicionando e
vendo a contribuição de PnL individual e do book core.

Zerbini: Eu acho importante que o livro individual gere uma posição core ,
no sentido de que, se você tiver uma ideia boa e as pessoas não estão
olhando ou não acreditam, você no seu livro individual é capaz de formular
essa ideia via sua performance, se ela está indo bem. Se você tiver um
argumento positivo, no final você vai convencer as pessoas de que aquela
posição faz sentido para o fundo como um todo, podendo colocá-la num
size maior se a maioria concordar com o seu argumento. É claro que isso é
um momento de construção. Então as pessoas primeiro vão ter de ver esse
indivíduo ganhando dinheiro e, depois que ele continua ganhando, vai
convencendo de que aquele case faz sentido. Outra coisa importante que faz
parte das discussões de consenso e livros individuais é que nós não somos
um fundo de caixinha, que é diferente de muitos fundos que têm por aí.
Aqui não temos um cara que só opera pré, um que só opera câmbio, um que
só opera bolsa, um que só opera dólar, cupom, o que quer que seja. Aqui
temos pessoas que têm complementariedade, com mais experiência ou
especialidade em alguns ativos, mas aqui não temos a obrigação que uma
caixinha exige. De um trader de câmbio ter risco o tempo inteiro para
ganhar dinheiro nessa caixinha de câmbio. Achamos que isso acaba
desperdiçando VaR , e aí você acaba não aproveitando a assimetria que
talvez seja maior no mercado de juros. Nós temos essa visão aqui dentro.
Nós sabemos que preferimos ter assimetria num ativo que é mais claro. Isso
foi usado em 2017 nos juros, foi usado em 2018 na bolsa, esse ano foi
usado novamente nos juros no segundo tri. Isso é um privilégio para quem
não tem esse modelo, porque se você tem uma caixinha, teoricamente cada
caixinha tem 25% do limite do risco. Então você vai conseguir ganhar
dinheiro no juros com esse seu 25% de limite. Nós, não. Nós temos
condição de usar 75% de limite nos juros ou no câmbio ou na bolsa ou no
que quer que seja. Não estou falando que isso é o certo ou errado e que
nunca vamos mudar. Talvez um dia mudemos de ideia, mas julgamos que
esse modelo se enquadra dentro do fundo macro e dentro da AZ Quest.
Estamos felizes com esse nosso modelo.

Vocês falaram há pouco de drawdown . Se o fundo sofre um drawdown


significativo ou já está ganhando dinheiro há um determinado período
de tempo, isso muda a maneira de vocês gerirem o fundo e alocarem
risco?

Zerbini: O estágio ou amadurecimento do seu business teoricamente exige


um gerenciamento maior de PnL . Mas olhamos para a assimetria. Se
estivermos errados, vamos ter que zerar ou diminuir a posição, ou “stopar”,
o que seja. Se estivermos certos, vamos aproveitar a assimetria. Então não é
porque estamos ganhando dinheiro que vamos diminuir a posição. Se a
assimetria continuar lá, se o juro caiu 50 basis e achamos que vai cair 300, e
já ganhamos dinheiro com 50, vamos manter essa posição e não vamos
pensar em diminuir. Quando você está perdendo, temos que olhar o
drawdown e ver se o que você perdeu faz sentido com o seu perfil, faz
sentido com o seu amadurecimento ou faz sentido com o cliente e tudo
mais. E gostamos de olhar a longo prazo. Quando estamos perdendo
dinheiro nos primeiros três meses, eu olho para a nossa casa nos últimos
dois, três anos. Se ela estiver boa, continuamos felizes, porque eu acho que
é isso do que é feita uma gestão. A gestão não é de cota diária, mensal ou
semestral. É de médio e longo prazo. Então não ficamos chateados se
estamos tendo um semestre ruim, dado que o longo prazo ainda está com
uma cara bastante positiva. O nosso objetivo aqui é sempre monitorar o
tamanho do drawdown para gerenciamento de PnL dos clientes. Se
perdermos 7% no mês… Não dá para perder 7% em outro mês. Claro que
vai depender do evento. No Joesley Day dava, mas se amanhã o Banco
Central falar que não vai cair o juros e estivermos totalmente errados,
teremos de zerar a posição e repensar.

Sergio: Voltamos para o ponto de stop gain e de stop loss . E como eu


estava falando, é um filme no qual as cenas vão vindo e ele vai sendo
desenvolvido ao longo do tempo. Quando olhamos: “Ah, o mercado já foi
demais”. “Já foi demais” não existe. O “já foi demais” pode ser revisto com
mudança de fundamento ao longo do tempo. Vou dar um exemplo. Quando
falávamos de 8,00% de taxa de juros, os 6,50% eram estimulativos. Os
6,50% são estimulativos por um período de tempo X, e a partir do momento
que o tempo vai passando e não vemos a economia crescendo, os 6,50%
não são mais estimulativos, você vai tendo uma atividade sendo revista para
baixo e vai falar o seguinte: “Bom, um novo ciclo de corte de juros pode ser
necessário”. Ou seja, se lá atrás estávamos aplicados em juros e quando
chegou nos 6,50% diminuímos a posição, passaramse seis, sete, oito, nove,
dez meses e a atividade não volta, vamos aplicar juros de novo porque de
repente a próxima pernada é para 5,00%, que é mais ou menos o que temos
na cabeça agora. Mas acho que existe também uma preocupação no
seguinte sentido. Quando falamos de construção de histórico, estamos
sempre preocupados não com a lâmina do fundo, mas com a lâmina dos
clientes da sua base. Isso tem que estar nítido, porque se você tinha R$100
milhões e 100 clientes, e eles tiveram um histórico bom, e agora o fundo
passou a ter R$2 bi, R$3 bi ou R$4 bi, esse seu cliente novo não vai ter a
mesma tolerância a uma perda que o cliente antigo. Então para construção e
sobrevivência do business , é importante que tenhamos essa noção de que,
como disse, trata-se de uma maratona. Quando estivermos passando pelo
Km40, esperamos que todo mundo esteja confiando em nós já há muitos
quilômetros. Consequentemente vai estar todo mundo dentro da mesma
lâmina há muito tempo. Então, na margem, lá na frente, isso tenderá a ser
menos importante, porque já estará todo mundo conosco há muito tempo.
Mas, de novo, stop loss é baseado na análise de fundamento.

Depois de tantos anos vocês ainda se deparam com medo de apertar o


gatilho ao montar uma determinada posição?

Sergio: Não (risos)!

Zerbini: Não (risos)! O coração bate um pouco mais acelerado em algumas


situações, mas zero medo. Acho que se você fizer o estudo correto, análise
correta junto com seu time, discutir bastante, você tem total segurança.
Estou no mercado desde 1995, o Sergio um pouco antes. Acho que você
não vai ter medo.

Sergio: Até gostamos de uma crisezinha para o sangue circular mais. Às


vezes fica tudo muito parado (risos).

Como é o dia típico de um gestor de fundo?

Zerbini: Estamos sempre discutindo, olhando para os preços, assimetrias,


todos os mercados que cobrimos, e discutindo com o time, conversando,
olhando para a posição. Eu diria que 99% das vezes estamos posicionados.
Mas não é todo dia que você se coloca em risco. Nem todos os dias você
está com o olho na tela de cotações. Diferente de uma tesouraria, não somos
uma casa de high frequency , de ficar montando e desmontando posição o
tempo inteiro. Às vezes você faz um day trade aqui, dependendo da
volatilidade do mercado, mas não é uma obrigação você estar no telefone
operando o dia inteiro. Um fundo hoje, com um horizonte de longo prazo
como é o nosso, tem dias mais e menos ocupados, dias que você está mais
no mercado ou menos. Depende da quantidade de eventos, do tamanho da
posição, do estágio da posição. Se estamos perto de um nível que vamos
diminuir ou aumentar, vamos ficar de olho. Aqui temos tempo para ler
bastante. Acho que tem de ler muito, conversar e discutir bastante, para
tentar ter uma nova trade idea . Estamos sempre procurando qual é o
próximo trade . Agora, se tem um trade no final, estamos sempre
procurando qual é o próximo cavalo. O que podemos estudar melhor? Não
paramos nunca, mas em termos de tomar risco e estar no mercado, eu diria
que, comparado com uma tesouraria, somos bastante tranquilos.

Com relação aos diferentes mercados, vocês gostam de operar um


mercado contra o outro, como se fosse um Long & Short macro?

Zerbini: Sim, temos um livro de book relativo, que a Ana toca, mas eu já
coloquei posições relativas no meu book , tanto no book consensual quanto
no individual. Operamos bolsa local comprada contra uma outra vendida lá
fora, e vice-versa. Ou um setor específico contra o outro. Uma moeda
comprada contra uma moeda vendida. Então temos bastante Long & Short
macro dentro do fundo. E aí vem aquela história de análise macro. Quanto
mais profundo você pode ser e quanto mais amplo em termos de atingir
várias análises em vários países, maior sua capacidade de fazer Long &
Short macro. Comprar moeda do Brasil, vender do México, comprar da
Austrália, vender da Nova Zelândia ou Coreia contra a África do Sul. Então
vai depender das oportunidades e da nossa capacidade de penetração nas
histórias individuais. Temos uma pessoa que é especialista nisso, que é a
Ana Abraão. Ela também tem um book de gestão e é um book que
chamamos de book relativo, pode fazer o que quiser contra o que quiser.

Vocês percebem algum viés comportamental na gestão de vocês?

Zerbini: Existe essa identificação. Acho que cada um tem a sua. Pelos dois
anos e meio que eu estou aqui, sinto que a casa tem uma tendência otimista.
Ganhamos doado em juros, ganhamos vendidos em dólar, ganhamos mais
comprados em bolsa do que o inverso. Mas houve momentos de bear
market . Então eu diria que, honestamente, tendemos a ser uma casa mais
otimista. Tendemos a ganhar mais em momentos otimistas do que em
momentos pessimistas, mas não quer dizer que não ganhemos em
momentos pessimistas. Compramos bastante dólar quando o dólar bateu
R$3,70, então teoricamente montamos uma posição pessimista nesse ativo.
Mas eu diria que você pode analisar isso matematicamente falando. Você
pode ver o comportamento da nossa cota versus o comportamento dos
mercados e a direção dos mercados. Eu diria que 70% do mercado de
fundos performa em um cenário otimista.

Vocês têm esse viés por ser difícil explicar para o cotista que o fundo foi
mal, enquanto o mercado andou positivamente?

Zerbini: Não, eu acho que é uma tendência. Conheço gente bastante bear ,
que ganha dinheiro no bear market . Não que nós não tenhamos ganhado.
Eu não estava aqui, mas teve um cenário pessimista no Brasil com a Dilma,
no final do segundo mandato Lula, como no final do segundo mandato
Dilma e começo do último da Dilma. Era um mercado claro de se ficar
bearish com relação ao Brasil, comprado em dólar. Então existem cenários
em que realmente você vai ganhar numa posição bearish . Aliás, acho que é
uma questão individual. Eu me considero mais otimista do que pessimista, e
eu falo: “Ganhei mais no otimismo do que num cenário econômico
negativo”. É uma característica minha.

Sergio: Tem o fator psicológico nisso. Você apostar no desastre é sempre


muito ruim. Você sabe que o resultado disso talvez seja bom só para você
ou para poucos. Então acho que exista um viés psicológico nisso. Concordo
com o Bernardo. Apostar a favor, até porque nessas horas a autoridade
monetária vai junto. É um trade mais confortável. Ao apostar contra, você
dorme pior. Apostar contra uma autoridade monetária que tem uma bazuca,
contra alguém que tem um lote muito maior do que o que você tem… Acho
que dá certo durante algum tempo, mas acho que você pode ser
surpreendido em algumas horas. Tem de ser preciso no timing . Eu acho que
as coisas ruins não duram para sempre, senão o país quebra e a coisa fica
inviável. Você acaba ficando contra quem efetivamente decide política
monetária e “n” medidas. Então às vezes fica complicado, como apostar
numa compra de dólar. Os anúncios de leilão para o dia seguinte são sempre
depois que o mercado está fechado. Eu acho que é mais difícil.

Como é lidar com o risco de insolvência da dívida pública?

Sergio: Brasil?

Sim, Brasil.
Sergio: De verdade, na minha opinião é só correção de preço. Nunca
tivemos default da dívida interna. Sempre que fomos caminhando para o
extremo as medidas foram tomadas para que a rota fosse corrigida. Eu acho
até que podemos ter esse sentimento por um período X de tempo, mas pelo
menos nesses últimos 25 anos que eu estou no mercado, de alguma forma,
as coisas sempre foram endereçadas. Talvez não na rapidez e com a
urgência que gostaríamos, mas acho que nunca ficamos em xeque, de
olharmos e falarmos: “Nossa, estamos caminhando para um período de
insolvência”. Acho que não. Houve períodos difíceis? Sim. Nessas horas,
talvez nós tenhamos tido oportunidades. Talvez essas oportunidades não
voltem mais. Olhávamos e falávamos o seguinte: “Nossa, NTN-B 2045.
IPCA + 9%. Insolvente”. Era uma preocupação que estava lá atrás no nosso
raciocínio? Estava. Hoje quando você olha a NTN-B 2045 a três e pouco,
você olha e fala: “Meu Deus do céu, que saudade do IPCA + 9%”.

Zerbini: Eu acho que vivemos dois Brasis diferentes. Houve o pré-boom de


commodities e o pós-boom de commodities. O pré-boom de commodities
foi de 94 até 2003, quando tínhamos uma dívida externa bastante elevada e
o medo da solvência fiscal. O risco de default da dívida externa era muito
presente. Você não tinha reserva para pagar nada. E acho que hoje você tem
o pós-boom de commodities, onde o risco de cauda é a dívida local. A
Reforma da Previdência veio para ajudar, mas chegamos a discutir
dominância fiscal dois ou três anos atrás. Então se não tomarmos as
medidas, vamos cada vez mais discutir essa solvência fiscal. Como o Sergio
falou, acho que ainda estamos longe, mas sabemos exatamente o que
precisa acontecer para voltarmos a discutir isso rápido. Graças ao
Congresso, essa Reforma está saindo, mas se não saísse iríamos discutir
isso com certeza. Um gestor respeitado no mercado disse algo que eu tendo
a concordar: “O Brasil é um país de rentistas, certo? Ganhamos esses juros
altos de presente a vida inteira, porque nunca quebramos. Mas se não
fizermos a coisa certa, em algum momento vamos ter de devolver parte dos
juros que ganhamos nos últimos 30 anos”. Eu acho que o fantasma da
solvência fiscal é local. Ele existiu nos últimos dois, três anos, e a Reforma
veio para melhorar. Mas vamos continuar discutindo, porque o país precisa
crescer, gerar superávit primário etc. Então acho que é um ponto
importante, que vão ter momentos mais estressados e outros menos
estressados, mas como o Sergio falou, o Brasil está sempre no precipício.
Ao longo do tempo escolhemos o precipício em que quisemos estar. Acho
que o nosso precipício hoje é a solvência fiscal. Esse é o nosso precipício.
Dado exemplos passados nos últimos anos, o precipício fez com que a
política econômica fosse na direção correta e, em alguns casos, o Congresso
também fosse, mas algumas vezes com bastante sofrimento.

Sergio: Os políticos são um tipo curioso. Nós flertamos com essa ideia de
insolvência inúmeras vezes. Mas uma coisa é você estar na beira do
precipício, outra coisa é você se jogar. E eu acho que quando você olha
racionalmente, a opção de qualquer político, de qualquer governo, é não se
jogar. Tudo bem, já houve default da dívida externa, mas dívida interna não.
De alguma forma, ao longo do tempo, fomos corrigindo a rota. Eu acho que
é emblemático o que vimos nessa aprovação de Reforma. Por mais que não
tivéssemos a organização política que esperávamos ou talvez a articulação
política que imaginávamos no início, tivemos efetivamente um Congresso
fazendo o que deveria ser feito. Talvez, na margem, estejamos melhorando
um pouco.

Trading é uma coisa que pode ser ensinada? Como vocês aprenderam
na experiência pessoal?

Sergio: Eu diria que a análise macro pode ser aprendida, a


precificação dos ativos pode ser aprendida, mas eu acho
que tem uma coisa particular, que é como cada um reage
individualmente a tomar risco. Tomar risco é quase que
uma habilidade, um skill. Não estou falando de tomar risco
de maneira irresponsável, mas eu acho que é o tipo da
coisa que nasce com você. É uma habilidade específica de
cada um. Eu não acho que isso possa ser ensinado, não. Eu
conheço pessoas muito capazes que não lidam bem em ir
para casa e colocar a cabeça no travesseiro tomando risco,
porque o estômago revira, sei lá o que acontece. A pessoa
não se sente bem. Já teve gente que trabalhou comigo e
estava tomando um pouco mais de risco. O mercado
começava a ir contra, a pessoa saía da mesa, não
almoçava, perdia peso, não dormia. Certamente são
características que não condizem com você tomar risco.
Então, se vai fazer mal para a sua saúde, não adianta. Eu
acho que todo o resto você aprende, mas o se sentir bem
tomando risco é individual. Acho que isso não dá para
ensinar, não.
Zerbini: Acho que tudo na vida é vivência. E é a vivência que te traz
experiência e aptidão para fazer o negócio. Eu acho que o Sergio e eu, dado
o nosso tempo, temos um papel de mentoria bastante importante. Agora,
aptidão, perfil para ser gestor, ser trader , isso vai com a vivência e a
capacidade dessas pessoas de ir para a casa e ter a sensação de que está
fazendo o que gosta. Claro que tudo são fases na vida. Quando eu tinha 23,
24 anos, eu nem ligava para o dia de amanhã, tinha um pouco mais de
espírito aventureiro. Mas eu acho que a vivência é tudo, além do estudo. Às
vezes pessoas júnior falam que querem ser trader . Qual é a fórmula para
ser trader? Você tem que investir tempo, tem que estudar, ler, estar
interessado, ter dúvida e investir em si mesmo, senão você não vai chegar a
lugar nenhum. E tem de ter vivência. Porque só inteligência não é
suficiente. Eu trabalhei com gênios que não conseguiram ser traders . Acho
que existe vivência + perfil.

Sergio: Tem que ver o seu lugar no mercado. Existem caras muito bons,
mas tomar risco não é a deles.

Zerbini: O cara tem um currículo dez vezes melhor do que o meu, mas não
consegue ser trader. Ou porque às vezes acha que a coisa é cartesiana
demais, e falamos que não é. Existe o feeling, a sorte. Eu não estou falando
que ganhamos dinheiro por sorte, mas não existe trader azarado. Ninguém é
bom azarado. Não existe isso. Acho que tudo isso tem a ver com a energia e
a vivência que você foi desenvolvendo ao longo do tempo, criando aptidão
pela profissão. Acho que o meu papel e o do Sergio aqui é identificar essas
pessoas e motivar essas pessoas, para ter um time cada vez melhor e para
que essas pessoas venham, um dia, a substituir os seniores. Acho que esse é
o objetivo das pessoas mais experientes. Passar um legado para alguém.
Mas esse alguém precisa se esforçar, não é só ter uma pós e achar que a
parte acadêmica e o que aprendeu na faculdade é tudo. Precisa aprender,
viver, ver se aquilo faz parte da sua vocação para ter o sucesso.

E como funciona, na prática, essa mentoria que vocês fazem com as


suas equipes?

Zerbini: Essas pessoas participam de todas as discussões, em termos de


cenário macro e montagem de posição. Damos nossa visão das assimetrias,
das experiências de mercado, o que pode acontecer e o que não pode
acontecer, e tentamos discutir views diferentes. Não quer dizer que o Sergio
e eu vamos estar sempre certos. Pode ter gente menos experiente de
mercado que pode ter uma opinião melhor e mais certa que a nossa, fazer o
teste disso, fazer essas pessoas colocarem o risco, seguirem as suas
convicções. Às vezes, mesmo sabendo que elas vão errar, é importante
colocar. Acho que isso é importante acontecer. Acho que faz parte deixar
esse cara errar. Esse drawdown existe para esse cara errar. Isso faz parte do
aprendizado. E depende de uma contrapartida vinda dele. A mentoria
depende dessa pessoa sentar do nosso lado, querer entender, conversar com
os CEOs, entender o cotista, o cliente, para o cara se aprofundar e querer ser
sênior. É uma via de duas mãos. Aqui somos abertos, e temos um ambiente
bom e rico. Eu cheguei onde cheguei porque trabalhei em lugares onde as
pessoas eram disponíveis. Eu sentava com um cara mega sênior, o
tesoureiro, o head da mesa, porque queria aprender o beabá do business
deles e eles me ensinavam. Esse ambiente de disponibilidade dessas pessoas
com experiência, que entendem bastante do mercado, é crucial para um
ambiente de mentoria satisfatório. Existe o autodidata, mas eu acho que ele
precisa da experiência dos gestores mais vividos para receber a opinião de
alguém experiente, de gente que já viveu mais coisas.

Capítulo 4
CARLOS CALABRESI  | 

GARDE ASSET MANAGEMENT


C arlos Calabresi é CIO da Garde Asset Management, e lidera um time de
gestores responsáveis por gerir books independentes divididos em
mercados e estratégias. Além de supervisionar essas mesas, Calabresi tem
duas funções importantes dentro da Garde: harmonizar a exposição a risco
dos fundos entre os diversos mercados por meio de hedges, e gerir os
fundos de previdência da Asset.

Calabresi, quando vocês fundaram a Garde, como foi a dinâmica de


sair da estrutura de um banco internacional para gerir um fundo com
cotistas?

Ajudou o fato de nosso time já trabalhar junto. O primeiro ponto importante


é que sempre fui focado em gerenciar o time e conseguir extrair um bom
resultado dele. Sempre fui rigoroso na escolha das pessoas e na parte de
organização, do processo, de exigir disciplina e de monitorar os riscos.
Depois, com isso bem amarrado, sempre procurei extrair o skill que os
gestores têm. Isso é interessante, porque quando se tem um time que investe
no mercado, que opera o mercado, as pessoas participam das mesmas
reuniões e discussões. Muito do que circula de informação é comum e cada
um tem um resultado diferente. Normalmente, existem aquelas pessoas que
consistentemente ganham mais dinheiro e aquelas que, mesmo
participando, fazendo tudo igual, não conseguem gerar valor para o time.
Tem um componente aí que envolve um pouco de psicológico, de
personalidade. Uma parte importante é conseguir fazer essa seleção das
pessoas que, sob várias condições, vão conseguir gerar valor, ganhar
dinheiro, não importando a condição do mercado. Esse componente faz
diferença. Isso é ainda mais importante no mundo do asset management .
Quando se está num banco com franchise importante, como era o caso do
BNP, que tinha clientes internacionais e locais grandes, o business com
cliente gera um colchão de resultado. Também com o fluxo, conseguimos
entender melhor o que está acontecendo, o que está por trás das
movimentações de mercado, o que na Asset não temos. A Asset é realmente
você contra o mercado. Nesse sentido, você não está vendo o que os
clientes estão fazendo, não tem outro resultado que pode te ajudar quando
está em um momento mais difícil. Você tem de “matar um leão por dia”.
Nesse sentido, o skill pessoal ajuda muito. Quando cheguei aqui, com 30
anos de mercado, tentei montar tudo mais ou menos conforme as
experiências que tinha. A nossa organização é semelhante a uma tesouraria.
A equipe é organizada por mercados, tem especialistas para cada tipo de
mercado, mas com um esforço grande para que isso funcione como um
time, que não crie incentivos para que as pessoas olhem apenas para o seu
resultado e não contribuam com o resto. Então a estrutura faz com que a
gente consiga alavancar os valores pessoais e fazer com que o todo
funcione melhor do que a soma do individual. Alguns fatores ajudam a
montar um time de alta performance. Como background para nossa área
operacional eu prefiro o pessoal de ciências exatas. Basicamente todo o
nosso time é de engenheiros, com foco em raciocínio, cálculo, resolver
problemas. Eu procuro também trazer pessoas que trabalharam em bancos
grandes, de preferência bancos estrangeiros, justamente por esse lado de
controle de riscos rigoroso e focos em sistemas. No BNP basicamente
abolimos planilha. Era proibido, não se podia ter planilha. Os cálculos
tinham que estar validados, encapsulados para que não corrêssemos risco de
alguém mexer em uma fórmula e acontecer um acidente operacional ou
alguma perda porque alguém mexeu inadvertidamente e contaminou todo o
cálculo de pricing da mesa. Aqui a gente procura replicar isso. Por isso eu
tenho tantos profissionais do ITA. São muito bons em programação, para
encapsular a parte de pricing e gestão de risco. Somos muitos rigorosos
com sistemas de monitoramento de risco. A granularidade que fazemos para
medir esse risco é grande. Procurei trazer a experiência que tinha para esse
mundo, aproveitando que não tinha as restrições que um banco tem. Aqui
temos liberdade para montar a organização e o time do jeito que queremos.
Obviamente temos que achar as pessoas certas, então uma parte grande do
meu tempo é investido em entrevistas. Ter a pessoa certa agrega muito
valor. Uma das coisas que fizemos no final do ano foi um grande upgrade
no time. Ter mais liberdade na formação da equipe compensa a falta de um
colchão de resultado de clientes que um banco tem. Outro ponto é que
tivemos que nos acostumar a ter o PnL julgado diariamente, uma pressão
em duas dimensões, o absoluto e o relativo. Clientes perdendo não vão ficar
contentes. Mas, além disso, mesmo quando você ganha, tem que ganhar
mais que os concorrentes. Nosso objetivo é estar no primeiro quartil dos
melhores gestores.

Como funciona a estrutura de gestão do principal fundo?


Partindo do conceito de que somos organizados por mercados, temos uma
equipe para câmbio, uma para opções, uma para juros, outra para bolsa e
uma mesa sistemática. Cada mercado tem sua equipe, que normalmente tem
o pessoal júnior, que ajuda, que executa, e o pessoal sênior, que é quem
realmente toma risco. Todos os seniores têm um budget . Esse budget varia
em função da senioridade e do histórico. O budget do ano seguinte é
baseado no histórico, dando um pouco mais de peso para o histórico
recente. A gente constrói esse budget área por área, operador por operador.
Aí entramos na parte dos limites. O fundo tem limite de VaR , os operadores
não. Eles têm outros limites. O pessoal de câmbio tem um limite para delta
e esse limite tem sublimites por moeda. Em opções, temos limites para
todas as gregas. Não só para o delta , mas também para o gamma , para
vega e para as gregas de segunda ordem. Na mesa de juros temos o limite
de sensibilidade, o famoso DV01. Além disso, temos sublimites por vértices
e por brackets , intervalos de 6 meses. As pessoas têm de tentar se
enquadrar em vários sublimites, mas VaR é só um limite do fundo. Depois
temos também um limite de drawdown . Ou seja, com relação ao retorno, o
budget que nos obriga a fazer uma redução do risco. Se um gestor começa a
perder dinheiro, a partir de um certo nível ele tem que reduzir a posição. Se
alguém está perdendo, a gente reduz a posição daquele cara sem atrapalhar
quem está ganhando e sem prejudicar demais a rentabilidade do fundo
inteiro. Em função do budget temos uma alocação média de risco para
alcançar aquele budget , dado um índice de Sharpe médio. Obviamente, vai
ter sempre gente que vai “outperformar” o budget e pessoas que vão
“underperformar”. Isso é normal. Em alguns momentos, os mercados
ajudam mais um mercado que outro. Nos últimos dois, três anos, o mercado
de juros sofreu uma redução acentuada de taxas. Isso não acontece com
frequência, a Selic cair de 14,0% para 6,0%. O pessoal da mesa de juros
brilhou no mercado nos últimos três anos, muito mais do que as outras
áreas, que tiveram movimentos mais voláteis e bidirecionais. Excluindo os
episódios Joesley e o movimento da greve dos caminhoneiros, o juros
seguiram numa só direção. Foi um período muito bom para trading de juros
e mais desafiador para trading de câmbio. Obviamente, temos que
balancear tudo isso quando definimos o budget .

Hoje, qual é a sua função dentro da equipe?


Normalmente quem executa as operações são os gestores. Eu não tenho
book próprio. Como somos organizados por mercado, se a gente quer fazer
hedge por conta de algum risco de cauda, não podemos colocar um hedge
para o fundo inteiro no book de um dos gestores, porque senão
desmontamos o resultado dele inteiro. Temos um livro de hedge para essas
situações e eu cuido disso. Tenho outro livro que funciona assim: a gente
quer ficar posicionado em um certo mercado, um gestor está de acordo, mas
não temos um acordo do tamanho. Eu quero ficar maior e ele quer ficar
menor. Então posso fazer uma complementação da posição em outro book
fora dele, um book que chamo de “harmonização”. Mas isso não acontece
muito. Além disso, abrimos um fundo de previdência que estou tocando.
Em função da legislação, as alocações são diferentes. Vou te dar um
exemplo: o D’Artagnan, que é nosso fundo macro, tem um espaço grande
para operar câmbio, seja dólar/real ou outras moedas. E o fundo de
previdência está limitado a 10% do fundo só. Aí preciso fazer uma
adaptação. Com a bolsa é o contrário. No fundo D’Artagnan, temos um
limite direcional de bolsas de até 20% do fundo, e no de previdência, de até
50%. Na medida do possível, tentamos ficar com os fundos bem alinhados.
Se eu estou comprado em bolsa em um fundo, provavelmente vou estar
comprado em bolsa no outro. Quem está cuidando do fundo de previdência,
por enquanto, sou eu. Até porque, como é um fundo menor, são três books ,
é uma gestão um pouco mais simples. Não consigo ver todos os mercados
ao mesmo tempo, então eu prefiro definir o cenário e aí cada um foca na
sua área, porque assim a gente não deixa passar nada.

Como funciona o book de hedges ?

Com a guerra comercial com os Estados Unidos, a China resolveu


endurecer mesmo. Portanto, aproveitamos que o S&P500 voltou para 2.900
e já começamos a fazer uma posição via opções de venda de S&P, para
proteger as nossas posições. Não que eu esteja negativo, mas esse risco
agora está um pouco mais na superfície. Ele tinha subido e voltou. Nesse
nível, perto dos 3.000, o upside fica bem reduzido. A gente começou a
montar essa posição para proteger um pouco o fundo desse tipo de evento,
se ele ocorrer.

Como vocês decidem colocar risco em um mercado?


Para nós, colocar risco ou não acontece em função da nossa visão de
cenário. Quanto mais claro um mercado está ou quanto mais convicto
estamos de alguma coisa, mais risco alocamos. Foi um pouco do que
aconteceu no ano passado com a eleição. Começamos o ano bem otimistas,
achávamos que a população estava querendo um governo reformista, que o
Alckmin era esse cara. De repente, no meio do ano ficou esquisito, porque a
candidatura do Alckmin não saía do lugar. Tinha o Haddad, Ciro, Marina e
o Alckmin atrás. Começamos a pensar: “E agora? Se der um desses aqui, o
cenário fica muito ruim. Se der Alckmin, fica muito bom”. Isso só mudou
em setembro, com a facada. O Bolsonaro entrou no jogo, com o Paulo
Guedes. “Tudo bem, não vai dar o Alckmin, mas se for o Bolsonaro com o
programa liberal do Paulo Guedes pode ser bom”. Mas até então era uma
coisa binária. Quando estamos em uma situação em que a visibilidade não é
boa tendemos a ter menos risco. Quando temos uma clareza maior,
tendemos a tentar aproveitar a oportunidade, aumentando um pouco a
alocação. Obviamente, temos de ver o lado específico de cada mercado. Há
mercados nos quais precisamos ter uma visão mais local do que está
acontecendo, que é o caso dos juros, e mercados em que o externo
influencia mais, que é o caso do câmbio. A bolsa fica no meio termo. Se as
moedas estão todas apanhando lá fora, o real aqui vai abrir apanhando um
pouco. Se mais ou menos, vai depender um pouco de como estão as coisas
locais, mas a direção tende a ser a mesma. O mercado de bolsa sofre uma
influência, mas não tão grande. Muitas vezes lá fora as bolsas estão ruins e
aqui a bolsa vai bem. Os mercados de juros sentem pouca influência.
Claramente o que o Banco Central, o dono da bola, faz com a Taxa Selic é
muito em função de inflação. A nossa alocação de risco é muito focada no
mercado local. 85% do fundo é Brasil e 15% é o resto. Mas a gente acha
importante ter alocação em ativos internacionais pela influência que
exercem sobre o mercado local.

Falando de cenário, como começa o seu modelo de análise macro?

Nossa área econômica é toda composta por economistas. O cenário macro é


revisado mensalmente em três reuniões extensas. No primeiro dia a gente
analisa o mercado internacional. No segundo dia, o mercado local e, no
terceiro, se definem as estratégias. Vamos no detalhe, sob o ponto de vista
da economia. É quase uma aula detalhada sobre cada assunto. Definimos
esses cenários para que o fundo possa se posicionar. Além disso, temos toda
semana uma reunião do comitê de gestão, onde só participam os gestores,
porque a linguagem é diferente, o timing é outro, mas sempre baseado no
que foi apresentado pela equipe econômica. E temos ainda as reuniões
diárias na parte da manhã, que é um ajuste daquele cenário que traçamos
para o mês. É uma discussão sobre os dados de alta frequência, além do
noticiário daqui e lá de fora. Por exemplo: “Um dado saiu acima ou abaixo
das projeções? Isso muda algo no nosso cenário?”. Uma parte importante
do nosso tempo é dedicado à discussões econômicas. O gestor, que é uma
pessoa com background mais técnico, passa a juntar as duas coisas e a
entender como a economia funciona e como isso acaba interferindo nos
mercados que opera.

Na visão de vocês, quais fatores influenciam mais cada um dos


mercados: o mercado de juros, o de câmbio e o de ações?

Para o mercado de juros os fatores mais importantes são atividade e


inflação, com certeza. Para trading de taxa de juros, um bom
acompanhamento e um bom entendimento sobre atividade e inflação cobre
80% do que precisamos para podermos nos posicionar. No caso de bolsa,
temos de fazer duas análises. Uma análise é mais da conjuntura, atividade e
inflação. Elas indicam o que vai acontecer com a taxa de juros. E juros são
um componente importante para o mercado de bolsa. Mas tem também a
análise micro, que é empresa por empresa. Aí tem que fazer o mais
complexo, porque depois de analisado o macro, você tem de ver as
empresas das quais gosta, as empresas das quais não gosta, as que você
acha que vão crescer, que vão entregar resultados, que vão aumentar receita,
que podem ser uma boa opção de investimento. E aquelas que você acha o
contrário. O interessante do mercado de bolsa é que existem várias
estratégias possíveis. Há uma estratégia direcional macro: “Eu quero ficar
comprado ou vendido porque acho que a bolsa vai subir ou cair”. Só que
dentro disso existem ações que você quer ficar vendido, para ficar mais
comprado naquelas que gosta mais. Você sempre vai poder fazer um pouco
de estratégia de valor relativo, que permite gerar resultado
independentemente da direção da bolsa. No mercado de câmbio a taxa de
juros é importante, mas tem toda a parte de contas externas. Então
estimamos a balança comercial e o fluxo financeiro. A gente olha muito o
pipeline de emissão de dívida, IPOs e follow-ons , que geram um fluxo
razoável. Eles geram uma entrada importante de gringo. Muitas vezes os
estrangeiros também compram papéis de renda fixa mais longos. E, além
desse fluxo direto, tem a parte indireta, que é o movimento global das
moedas, com uma influência forte aqui.

Você falou da contribuição dessa parte Long & Short de bolsa dentro
fundo. Como vocês comunicam as apostas nessa estratégia?

Normalmente a informação que eu passo sobre esse book é tanto o que


temos de exposição direcional quanto o que temos de exposição bruta. O
short é a diferença dos dois. Dando um exemplo concreto, a gente está com
10% de posição direcional comprada em bolsa e 30% de posição bruta
comprada. Quer dizer que eu tenho 20% de valor relativo. Hoje esse valor
relativo é feito não só através de ações contra ações, mas também através de
ações contra índice. Muitas vezes usamos índices de emergentes lá fora para
proteger parte da carteira.

É possível vocês montarem um trade relativo, de um mercado com o


outro? Por exemplo, estar dado em juros e tomado no dólar.

Esse foi o grande trade do ano passado. Foi o trade que não deu susto.
Como somos organizados por mercado, no caso de montagem de um trade
relativo, utilizamos books apartados e com divisão dos resultados entre os
responsáveis por cada mercado.

Como é a gestão do book de opções?

É uma pergunta interessante, porque tratamos opções como um ativo. O


ativo é volatilidade, se a volatilidade vai subir ou vai cair. Na verdade,
quando se determina o preço de uma opção, um dos componentes do preço
da opção é a volatilidade. Existe volatilidade implícita e a volatilidade
realizada. Implícita é aquela embutida no preço da opção. A realizada é a
medida no dia a dia do mercado. Normalmente o que a gente faz é verificar
se a volatilidade implícita está baixa ou alta. Por exemplo, em períodos de
eleição, em eventos como o Brexit, o Trump anunciando elevação de tarifas
de importação no dia 1º de setembro… Sabemos que vai acontecer uma
perturbação, algum evento que pode fazer o mercado se mexer. Isso tem
que aparecer na precificação de opções para aquela data ou em torno
daquela data. Tudo isso a gente opera aqui. A parte de opções não é feita
para operarmos figuras direcionais. A posição que o fundo faz é comprado
ou vendido em volatilidade. É uma visão de que essa volatilidade pode
subir ou cair, e aí a gente se posiciona em função disso.

Como vocês trabalham a influência da autoridade monetária e do


Tesouro nos mercados de juros e cambial?

O juro é o mercado mais dependente do Banco Central, porque a autoridade


monetária vai definir 10 vezes por ano qual o nível de taxa, e existe todo o
processo que está por trás do nosso sistema de metas de inflação: a reunião,
seguida de um statement . A ata sai na semana seguinte e o relatório de
inflação sai trimestralmente. É um conjunto de informação maior e mais
profundo, que vem com uma apresentação. Do ponto de vista de calendário,
são os eventos importantes. Copom, statement , ata e relatório de inflação.
Além disso temos as conversas. Estamos sempre no Banco Central para
poder explorar um pouco mais, apresentar a nossa visão, conhecer a visão
deles. E tem os eventos onde os diretores do Banco Central comparecem e
se pronunciam. É dever de ofício acompanhar tudo isso para ver se há
alguma mudança de discurso. Temos de prestar bastante atenção, pois é
algo que mexe com o mercado. O Tesouro tem um papel importante,
porque, no final, se olharmos de modo agregado, o Tesouro é o grande
tomador de juros, ficando o mercado inteiro aplicado, porque o Tesouro está
lá vendendo a dívida. Depois o risco de mercado acaba passando de uma
mão para outra, mas o risco primário vem do Tesouro. Isso depois vira a
base para o mercado de futuros. Normalmente, de quarta para quinta-feira é
o dia no qual o juro tem um funcionamento um pouco mais fake , porque já
tentam puxar um pouco a taxa de juros para poder entrar no leilão com uma
taxa mais alta e ganhar alguma coisinha. É um fator que tem que ser levado
em conta. No caso do câmbio, eu acho que o Banco Central participa só em
situações específicas. Ele tenta não participar muito, deixando o mercado
funcionar por conta própria. Para nós, é importante estar junto desse
pessoal. Por isso somos um fundo mais alocado em Brasil . Tem sempre
alguém da equipe visitando o Banco Central e o Tesouro. Nesse processo da
Reforma da Previdência um dos nossos economistas ficava três dias por
semana em Brasília para tentar sentir os agentes políticos. É uma vantagem
competitiva que a gente tem sobre os estrangeiros, mas o revés da medalha
também é verdadeiro. Por isso dou menos peso para o mercado
internacional nas minhas alocações, porque eu aqui não tenho o mesmo
nível de informação que o pessoal que está lá fora conversando com os
Bancos Centrais internacionais. Obviamente, eles têm mais detalhes e uma
visão melhor que a minha daqui.

Nessa dinâmica de falar com os players vocês conversam com outras


Assets para perceber como o mercado está pensando? Qual é a
influência que isso tem no posicionamento de vocês?

O tempo inteiro. Todo mundo aqui tem relações que ao longo do tempo
foram sendo exploradas, relações de mais confiança. Com as pessoas que
agregam, que você confia, que não mentem. Há, sim, uma troca de
informações importante com o mercado, mas acho que tem de ser algo
seletivo. Cada um na sua área, mas existem as pessoas que são respeitadas,
que contribuem. Não é só jogar conversa fora, porque não existe tempo para
isso. É preciso ver quem são as pessoas que têm o que contribuir e explorar
isso.

Falando de pessoas, os gestores aprendem o ofício na prática?

Nesse aspecto o negócio de asset management é diferente dos bancos. Um


banco, em função do resultado recorrente que consegue com os clientes, dá
mais espaço para contratar estagiários. Numa Asset cada pessoa precisa
produzir, porque não se tem outra fonte de resultado. O resultado vem das
posições que fazemos. Procuramos ter, em todas as áreas, pessoas seniores.
Mas quando pegamos pessoas que começam como estagiárias e
identificamos que o skill e a personalidade da pessoa poderia ser
desenvolvida numa mesa, colocamos ela para ajudar. Ela começa a ajudar, a
aprender a boletar, a fazer contas... Demora muito para um júnior começar a
tomar seu próprio risco, porque esse processo de aprendizado é algo que se
aprende na prática mesmo. Ele participa de todas as reuniões, começa a
entender qual é o racional das discussões, olha como é o funcionamento da
mesa, como é o processo de decisão do mentor dele - se ele estiver em uma
área em que trabalha com um gestor sênior. Embora os gestores seniores
decidam o cenário e o posicionamento macro do fundo, e eu o nível de
risco, o timing e o instrumento são definidos pelo gestor, porque ele está
mais no front para saber. A partir de certo ponto, é o skill do gestor que tem
que fazer diferença. Quem reage mais rápido, quem reage mais devagar,
quem acumula, quem opera com alta frequência. A gente tem vários estilos.
No final, vamos ver que, apesar de estilos diferentes, olhamos quem faz
dinheiro de maneira consistente. Se um gestor traz resultado de maneira
consistente com operações de alta frequência, ou se é um cara mais
estrutural, mas também consistente, para mim está bom. É preciso ver quem
realmente tem capacidade de monetizar. Quem consegue pegar toda essa
base que damos aqui via discussão com a área econômica e depois
consegue transformar isso em posicionamento de mercado, alocação de
risco e monetização. O estagiário vai ter que aprender isso ao longo do
tempo.

Quanto tempo você leva para identificar se alguém tem consistência


para tomar risco e ganhar dinheiro tomando risco?

Começamos a ver aquele cara que está um pouco mais arisco e colocamos a
pessoa para ajudar. A pessoa começa a ajudar, a participar, dar palpites,
ideias. Se começamos a ver que ela tem um certo grau de acerto no que fala
e em suas ideias, em algum momento falamos: “Agora você vai poder fazer
na vida real tudo isso que está tentando contribuir no plano teórico”. Esse
novato vai fazer posições pequenas. Vamos medindo e corrigindo o que não
deu certo, e o processo evolui. Mas tem que ser realmente com um mentor
do lado, começando pequeno e evoluindo aos poucos. Isso vale para os
seniores também. Quando eu contrato um profissional novo que não
conhece a casa e que a gente também não o conhece, mesmo que seja uma
pessoa sênior com nome no mercado, que veio por recomendação e que foi
bem na entrevista, sempre seguro um pouco a rédea. Vamos ver como esse
profissional se sai, até eu entender o estilo dele, e ele entender o meu. Em
algum ponto a gente começar a soltar um pouco mais os limites. Até para
ele não entrar e bater no muro, porque aí já abala um pouco a
autoconfiança. O psicológico é muito importante. A série Billions , da
Netflix, é a história de um hedge fund. Tem muita coisa ali baseada em fatos
reais, mas o que achei interessante e nunca tinha me passado pela cabeça é
que, na empresa dele, a terceira pessoa mais importante é a mulher do RH.
Não porque ela faz a parte de RH, mas porque ela é uma psicóloga. Ela traz
os gestores para sessões de psicologia na rotina do fundo, porque eles
muitas vezes perdem a confiança ou tomam uma perda muito grande. Ela
faz esse trabalho psicológico para os tomadores de risco voltarem a ter
confiança e a produzir. Nunca tinha me passado isso pela cabeça, mas vi
que essa parte é importante. Às vezes o gestor, inexplicavelmente, entra
numa fase ruim, tem dificuldade para ganhar dinheiro e, de repente, sai da
má fase. Isso é puro psicológico. Temos que trabalhar esse lado também.

E vocês também contratam psicólogos?

Já houve casos em que eu mandei o cara para o psicólogo. Tinha um gestor,


que no final acabou não dando certo, mas que era tecnicamente espetacular.
Participava bem das discussões, só que tinha aversão a risco. Ele não
conseguia colocar posições relevantes em seus books . Era um dos mais
preparados, que mais participava e mais sabia, mas só colocava posição
pequena. A gente falava: “Não é possível, você tem que aumentar a
posição”. Ele não conseguia. No final, acabamos tendo que dispensá-lo,
porque o fundo ficou grande. Ele nunca perdeu dinheiro, sempre ganhou,
mas num volume incompatível ao tamanho do fundo, devido ao seu
problema pessoal de aversão a risco. Apesar de ser um gestor e querer ser
um gestor, na hora “H” não conseguia. Então, infelizmente, acabou saindo.
Isso acontece. Uma das minhas últimas tentativas foi mandá-lo para a
psicóloga, mas ele quase deixou a psicóloga “maluca”. Ficou contestando a
psicóloga depois de um mês.

O lado psicológico e emocional parece fazer muita diferença no estilo


de gestão da equipe de vocês. Que parte do trading você acredita ser
determinada por fatores emocionais e que parte pelo lado técnico?

Acho que as coisas se complementam. Sem a base, não acredito em gestor


que monta uma posição porque tem bom feeling. No passado isso
funcionava. Hoje o mercado é mais complexo e ele não consegue. É muito
importante o processo de geração do cenário. A reunião grande gera o
cenário e depois a reunião de gestão modula o tamanho do risco do fundo, o
equilíbrio entre as posições. Depois entra a execução. Aí é o gestor contra o
mercado, mas já há uma grande base embaixo. Quem faz diferença é quem,
com toda essa base, consegue ganhar dinheiro. Ganhar dinheiro com
consistência. Não adianta o profissional que ganhou muito dinheiro esse
mês devolver tudo daqui a dois meses. Isso para o fundo é muito ruim.
Entre performance e consistência, eu diria que o peso da consistência é até
maior do que o peso da performance. Não adianta ganhar muito num ano e
depois ter um ano ruim. O gestor que ganha um pouco menos, mas vai
sempre na mesma direção, sempre ganhando com consistência, é
importante. Tem que ser um cara com um skill ganhador. Nessa hora entra o
perfil psicológico.

Vocês acabam usando dados técnicos de mercado para gerenciar timing


ou para gerenciar os books ?

É caso a caso, porque existe gestor que olha gráfico, existe gestor que não
olha gráfico. Não quer dizer que o gestor que olha gráfico vai ganhar e que
o outro que não olha não vai ganhar. Tem aquele cara que olha outras
coisas. Particularmente, me ajuda olhar para gráfico, porque ele me dá uma
relação temporal de onde o preço está em relação a onde já esteve. Tem
gestor que diz: “Nesse nível de preço eu começo a fazer a posição”. Aí
entra um pouco daquele trading skill . Cada um tem o seu jeito de operar. O
importante é que a gente trabalhe sobre uma mesma base. Ou seja, que a
gente tenha definido o cenário e para onde a gente quer direcionar o fundo.
Tamanho, timing e instrumento eu deixo para cada gestor. Resumindo, não
tem uma receita nesse sentido. Tem aqueles que preferem usar e usam
gráfico e aqueles que usam outras ferramentas.

Você falou no início da nossa conversa sobre limite de VaR , de Stress,


stop loss , drawdown . Stress é outro limite de risco que vocês usam?

A gente usa. Ele existe, é um indicativo, mas normalmente estamos muito


abaixo do limite máximo. Então não é um limite que seja relevante. Os
limites de VaR são atingidos antes do limite de stress , normalmente.

Antigamente, as tesourarias eram um dos principais atores do


mercado. Com o crescimento do asset management , dos fundos macro,
esse cenário mudou. Como vocês veem a importância dos fundos macro
dentro da liquidez do mercado?

O apetite a risco nos bancos hoje é muito baixo e o capital requirement , a


alocação em capital para manter posições proprietárias, é muito alto. Hoje o
que há é uma extensão das mesas de clientes. Acabam dando algum limite
de risco para essas mesas, que se aproveitam um pouco do fluxo, mas não é
um resultado que seja de uma relevância tão grande. Existem alguns bancos
específicos que continuam muito grandes. É o caso do Santander, do Itaú e
do BTG Pactual. Eles ainda têm uma importância, até pelo tamanho. Acho
que sejam, talvez, os maiores players . Mas isso gera até uma dificuldade
para mim, do ponto de vista de perfil das pessoas que eu quero que
trabalhem aqui. Eu gosto de pessoas que vêm de banco, só que poucas
pessoas hoje em banco são tomadoras de risco. Elas são mais
administradoras de fluxo do que tomadoras de risco. Hoje, para achar
profissionais que sejam mais risk takers em banco é mais difícil. Eu acho
que realmente os grandes players hoje são os fundos e os investidores
estrangeiros, que na sua maioria são fundos também.

Como vocês veem o nível de eficiência ou ineficiência nos mercados


atualmente?

O mercado melhorou muito nesse sentido. O mercado está esperto para


notícias e eventos de calendário, reage rápido. A gente até acha que existe
um mercado a ser explorado, porque reage de uma maneira um pouco mais
lenta, que é o mercado da América Latina. México, Chile e Colômbia
reagem com um certo delay . Aqui é muito difícil. O mercado está esperto.
Não tem moleza, não.

Vocês tendem a ser mais trend followers ou mais contrarians ?

Normalmente, definimos uma direção e vamos. A chance de resultados


ruins sendo contrarian é maior. Mas não é que entremos nas posições
porque está todo mundo numa posição. Aliás, temos certo cuidado com
posições crowded .

Como vocês identificam se um mercado ou trade está crowded ?

Não é nada muito exato, mas tentamos fazer uma regressão entre cotas de
fundos e movimento de ativos, pegando os principais players . Temos uma
lista hoje dos 30 maiores fundos e tentamos modelar qual é o
posicionamento de cada um, para ver se isso faz sentido para o movimento
de mercado. Obviamente, usamos também as cartas mensais para dar uma
ajustada, para ver se os caras estão mais ou menos alocados. Não é uma
ciência exata, mas dá uma boa indicação.

O mercado de juros acaba sendo muito direcional, não é?

O único tomador final mesmo é o Tesouro. O resto é batata quente trocando


de uma mão para outra. Mas tem fundo que alavanca. Vimos o que
aconteceu com o mercado naquele Joesley Day, porque as posições estavam
muito alavancadas. Tinha fundo com dez, doze PLs aplicados. Então gerou
uma surpresa muito grande, porque bater dois limites de alta nunca tinha
acontecido na história, eu acho.

Isso acaba fazendo com que vocês montem posições mais estruturais?

É, não vai ter aquele negócio que só você vai saber, que só você vai ver. É
difícil. Em relação à bolsa, como são muitos cases , pode acontecer. Mas
juro e câmbio é mais difícil. Um banco que sabe um fluxo XYZ consegue
se preparar para isso, mas dentro de uma Asset é muito difícil. É na base do
estrutural mesmo. Qual a direção que você quer ir. Aí se usa um pouco de
skill : “Acho que foi demais, vou diminuir. Caiu demais, vou aumentar”.
Até a hora que acontece alguma coisa estrutural que te fale: “Acabou. A
direção não é mais aquela, é para cá que vou agora”.

O fato de vocês terem books diferentes pode fazer com que um book
possa estar numa posição diferente da outra em termos de view ?

Como no nosso processo a base é o cenário, isso acaba causando um


alinhamento de posições. A menos que seja um hedge , dificilmente vamos
estar posicionados de uma maneira construtiva num mercado e pessimista
em outro. O que pode fazer essa diferença é o nível de preço. “Apesar de eu
estar construtivo, acho que esse mercado aqui andou e esse aqui não andou,
então vou ficar posicionado aqui e não aqui”. Também não é uma coisa fácil
de falar: “Isso aqui já está no preço, isso aqui não está”. Mas aí tem um
pouco de valuation e feeling para falar: “Eu acho que tem mais upside desse
lado que daquele. Portanto, é aqui que a gente vai se posicionar e não ali”.

Nos últimos anos, como vocês conviveram com o risco de insolvência da


dívida pública?
Aqui não há muito o que se fazer. Até porque o fundo só
consegue mandar 20% do que ele tem para fora. Por
enquanto o ativo de melhor qualidade ainda é o ativo de
dívida pública. Uma das vantagens que temos em relação a
outros países é que a nossa dívida é toda financiada com
dinheiro local. Hoje a participação de gringo é em torno de
12%, o resto é local. Alguns de uma maneira compulsória,
como seguradoras, fundos dedicados e fundos de pensão.
Esses eu acho que não têm alternativas, a não ser deixar
boa parte dos recursos na dívida pública. Se houvesse uma
fuga de capitais, aí seria mais dinheiro de private banking .
Esse tema foi discutido à exaustão. A dívida é grande, é
preciso pelo menos ter algum prêmio que faça sentido em
relação ao tamanho dessa dívida. Essa dívida, que é muito
maior do que a de qualquer país emergente, sem nenhum
prêmio, poderia gerar algum tipo de realocação de ativos e
saída de recursos. Isso aconteceu um pouco na época da
eleição de 2014. Eu diria que o private banking já tem uns
20% alocados lá fora e por enquanto está bom. Para haver
risco de uma fuga de capitais é preciso uma piora no fiscal
sem um nível de taxa de juros adequado para se financiar a
dívida. Ou seja, um juro mais baixo do que ele deveria
estar. Tudo isso ao mesmo tempo iria causar uma
realocação dos ativos e o capital iria embora. Mas nós
como gestores do fundo temos limitações a respeitar.
Na mesa de gestão sistemática, como vocês estão atuando?

No caso de juros temos dois modelos. Um para juros de curto prazo, para
12 meses, e um para juros de médio prazo, de 2 anos. E eles respondem a
fatores diferentes. O modelo de curto prazo tem uma resposta melhor à
política monetária. O modelo mais longo é um pouco mais complexo, pois
o prêmio de risco da curva responde a mais variáveis. Entramos com uma
grande quantidade de dados, envolvendo séries de preços, dados técnicos de
mercado, posições etc. Medimos se as posições em aberto e se as
compradas ou vendidas estão aumentando ou diminuindo. Adicionamos
sazonalidade, dados de inflação, vários dados de atividade econômica,
dados relativos às contas do governo... Nós montamos uma série de quase 2
mil dados, e os sistemas trabalham em cima deles. Temos alguns artifícios
de Inteligência Artificial para vermos quais variáveis estão ganhando ou
perdendo peso, para recalibrar o modelo. O modelo indica a direção de
mercado e se o sinal é de movimento forte ou fraco. Em função disso, ele já
sugere o tamanho da posição. O modelo também define os drawdowns e os
stops . O modelo diz qual a probabilidade de cada mercado ir para um lado
ou para o outro nos próximos 20 dias. Tudo isso é feito com milhares de
back-tests . É um trabalho contínuo. O interessante foi ver que a
modelagem de juros foi mais demorada. Mas agora que temos a maioria das
variáveis mapeadas, os modelos de câmbio e bolsa estão saindo mais
rápido. Nesse sentido, na hora que formos analisar ativos do mercado
internacional, pode ser bom. Porque é um mercado que nós conhecemos
menos. Obviamente temos muito mais informação sobre o mercado
brasileiro. Temos mais dados e estamos mais próximos das empresas e do
governo aqui. Lá fora, não. Não tem como ter o mesmo nível de
informação. Então, o approach de investigar milhares de variáveis pode
ajudar a melhorar a nossa performance no mercado internacional.

Como o modelo pondera as diferentes fontes de dados?

No modelo curto os preços de vários ativos correspondem a 52% das fontes


de dados do modelo. A parte de indicadores de atividade econômica
corresponde a 22%. Em seguida, dados ligados ao governo, 14%. Depois os
indicadores técnicos, de sazonalidade, que mostram se o mercado está
sobrecomprado ou sobrevendido, responde por 8% do modelo. Dados de
inflação entram com 5%. E por aí vai. Essa calibragem é que acabou dando
o ótimo retorno para esse mercado de DI Futuro curto. No DI longo essa
ponderação muda um pouco. No câmbio, muda bem. No câmbio a parte de
preços de ativos responde por 31%. Indicadores técnicos, de sazonalidade,
26%. Inflação, 20%. Atividade econômica, 17%. Dados ligados ao governo,
5%. Muitos dos dados são comuns aos dois mercados. Mas, a influência
deles no comportamento do ativo é diferente.

Como você vê o futuro dos fundos macro? Eles correm o risco de


perder relevância, como aconteceu no exterior?

Não acho que os fundos macro irão acabar. Pelo contrário.


Mas, olhando para as cartas mensais dos fundos, vemos
que 90% das Assets têm o mesmo cenário. As visões são
muito parecidas. O acesso aos dados é praticamente o
mesmo. Hoje em dia, todo mundo tem acesso a todos os
dados. O que vai fazer diferença é o skill do gestor, o
psicológico, quanto ele é disciplinado. Fazendo um
parêntese, quando contratamos a nossa equipe quant , uma
das coisas importantes para eles foi que no cartão de
visitas deles estivesse o label de cientista de dados. Eles
realmente se veem como cientistas, não como gestores. E
essa equipe tenta justamente não depender de fatores
psicológicos das pessoas. Tentam tirar o fator humano da
equação. Aqui, nós vamos ficar no meio do caminho. Ou
seja, essa mesa terá um percentual do risco do fundo. De
manhã, na nossa reunião, a equipe quant compartilha o que
os modelos estão dizendo. Se o modelo prevê um
movimento forte, fraco ou se o preço de mercado está
neutro... Os outros gestores usam isso como mais uma
informação. Eles se interessam em saber quais dados estão
levando à indicação que o modelo quant está dando. Então,
eu acho que, no final, acabamos melhorando a parte macro
também. Nós não queremos ainda fazer uma migração. Eu
ainda dou muito peso para o skill de gestor. Eu acho que
ainda faz diferença. Mas, os gestores tem um input a mais
para tomar as decisões.
Para finalizarmos, que conselho você daria para quem está começando
e quer aprender sobre mercado e não tem acesso a mentores?

Existem casas como a BlackRock e Pimco, tem o Mohamed El-Erian, que


são bons nesse ramo e que hoje soltam informação no Twitter o tempo
inteiro. Eu acompanho o que eles falam. São caras em quem confio, como o
Mohamed. Eu leio todos os textos dele com atenção. Isso me ajuda a formar
meu próprio cenário. Mais do que o próprio research dos bancos, porque
você nunca sabe direito se é estagiário que está fazendo aquele research .
São caras que eu acho mais confiáveis. Essas cartas mensais dos fundos
ajudam, porque tem, além da parte de cenário, uma parte de alocações.
Ajuda a tentar modelar como os outros fundos estão posicionados, para ver
quem está carregado e como o mercado está tecnicamente. Existem alguns
livros bons, como aquele do Howard Marks e do próprio Mohamed. Toda
semana a BlackRock publica relatórios simples de ler. Não são profundos,
mas dão uma visão do que eles estão achando, tanto em renda fixa como em
equities . Como tem muita informação que daqui a uma semana não vale
mais, esses caras mais experientes e mais confiáveis ajudam bastante.

Capítulo 5
RODRIGO TERNI  |   GIANT STEPS

R odrigo Terni é um dos fundadores e co-CEO da gestora Giant Steps,


Asset especializada em gerir fundos multimercados com uso intensivo de
ciência de dados e processos sistemáticos.

Rodrigo, podemos chamar os fundos da Giant Steps de fundos


quantitativos?

Historicamente, a palavra quantitativo é usada para separar um fundo de


natureza quantitativa de outro que não possui essa característica.
Atualmente, os fundos que não utilizarem nenhuma tecnologia e
matemática no processo de gestão, sem sistematização desse processo, vão
ficar pelo caminho. Os 20 maiores fundos do mundo atualmente são, de
uma forma ou de outra, quantitativos. Todos eles usam tecnologia para o
processamento de dados, para execução ou para a modelagem. Em algum
momento será necessário usar tecnologia e isso já se relaciona com a
definição do que é ou não quantitativo. Alguns fundos tradicionais no país
estão começando a usar processamento de dados na gestão. Podem surgir
várias perguntas a partir daí: “Eles se tornaram quantitativos? Em que
momento?”. Tornam-se quantitativos quando começam a usar mais do que
20% ou 30% do orçamento de risco nessas operações? Quando se aplica
método na execução e quando se usa dados? Por isso o termo sistemático é
mais inteligente. Trata-se de um estilo de gestão onde seres humanos
desenvolvem um sistema para obter bons retornos ao comprar e vender
ativos no mercado, com o suporte de tecnologia e matemática. A grande
diferença disso para um gestor que não utiliza sistema, é que o fundo desse
gestor está preso a ele. Sem ele para operar o fundo, nada acontece,
enquanto que um gestor sistemático pode rodar seu sistema em qualquer
lugar do mundo, sem sua presença ser necessária.

De onde veio a ideia de começar um fundo de gestão sistemática?

O ser humano sempre buscou, de uma forma ou de outra, a ciência por trás
do investimento. Essa busca se acelerou a partir da década de 50, quando
Markowitz contribui com o desenvolvimento do conceito de risco, que até
então não era fácil de medir estatisticamente. Posteriormente, Sharpe e
outros cientistas e matemáticos começaram a trazer novos conceitos para o
mercado. Essencialmente, algo que era muito baseado na intuição e
experiência humana passou a se aproximar muito mais da ciência. O que
acontece hoje é simplesmente um passo natural como em qualquer outra
indústria: aplica-se muito mais matemática e tecnologia em um processo
ainda muito baseado no ser humano. No final das contas, qualquer gestão
de recursos lida com quantidades, números, e não há como escapar disso.
Agora, gestão sistemática faz bastante sentido porque, afinal, qualquer
fundo no mundo segue um processo, seja ele qual for. O gestor cria o seu
processo e tenta segui-lo da melhor forma possível. E é desejável que ele
faça isso. Até porque, quando alguém investe em um gestor profissional,
não espera que ele deixe a emoção interferir. Espera-se que ele seja
totalmente racional. E, se ele for, desenhará um processo para ser seguido,
com um limite de riscos. Se existe um limite de risco, espera-se que o
gestor saia da posição quando ele for atingido. Muitos pensam que intuição
humana é muito importante. Mas como a intuição humana ajudaria um
gestor em um caso de limite de risco, por exemplo? Se for atingido e a
intuição humana o levar a se manter na posição, obviamente o limite de
risco será ultrapassado. Se der certo, foi possível ganhar dinheiro. Mas e se
der errado? Na história, milhares de traders e fundos quebraram, e alguns
poucos sobreviveram com essa intuição. Estatisticamente, apostar no gestor
que vai seguir o emocional não é muito interessante. É preferível seguir
alguém mais racional, que segue um processo. E, se esse for o caso, por que
não testar esse processo como se fosse um experimento científico? Existem
dados disponíveis para realizar esse experimento e ver se ele fez sentido no
passado ou se foi movido pela sorte. Na gestora, lidamos com profissionais
inteligentes, com formação acadêmica relevante e uma experiência grande
de mercado. Transformamos o processo que eles desenvolveram ao longo
do tempo em um método científico. O processo se desenvolve em algumas
etapas, mas trata-se basicamente de aplicar as ideias desses profissionais em
uma sequência de passos que acabam recebendo o nome de algoritmos. São
feitos testes dos processos com dados passados e, se eles fizerem sentido, os
computadores são programados para executá-los automaticamente. No final
das contas, é uma repetição de algo já feito todos os dias. Não vejo outra
forma de fazer isso. Acontecem muitas falhas se o processo for puramente
humano, com influência de emoções, vieses comportamentais e cognitivos,
que já foram mais do que comprovados. Não vejo como um gestor
conseguiria sobreviver em um mundo cada vez mais rápido e com mais
dados para analisar. Alguns gestores dizem ler 400 ou 500 páginas por dia.
Mas isso não quer dizer muita coisa em comparação com a quantidade de
informação criada diariamente. Outros gestores com investimento em
tecnologia estão lendo 400 milhões de páginas em vez de 400. Então, é um
pouco de arrogância pensar que ele vai conseguir sobreviver nesse mundo
com a mesma gestão que foi feita há 20, 30 anos. Trata-se de fazer a
evolução de uma indústria tradicional, assim como está em curso a
evolução da indústria de bancos, seguros, farmacêutica e do cinema.
Praticamente todas as indústrias estão tendo grandes revoluções baseadas
em tecnologias exponenciais, como Inteligência Artificial, blockchain e
tantas outras que surgiram ao longo dos últimos cinco anos.
Para montar a Asset vocês se inspiraram em outras gestoras de
recursos do exterior?

A revolução na indústria de gestão aconteceu já na década de 90. O


surgimento de um fundo chamado Medallion, da Renaissance, foi a
disrupção de uma indústria tradicional, por mostrar que, quando a
tecnologia é aplicada de forma inteligente, com o processamento de dados e
matemática, é possível não só superar os retornos médios do mercado, mas
humilhá-los. O resultado histórico dele é alguma coisa como 40% líquido
de taxas, e ele tem 5% de taxa de administração e 44% de taxa de
performance. É um resultado tão além de qualquer outro que não é possível
nem comparar o que ele faz com outros fundos. E está fazendo isso há 30
anos. O caso do Medallion foi o momento de uma virada de chave e, a
partir disso, observa-se nessa indústria uma sistematização,
profissionalização e uso da tecnologia cada vez maior. Então, a Renaissance
é, com certeza, a principal referência, porque é muito fora da curva. Mas
existem outras gestoras no exterior, como a AQR, Two Sigma, a Winton,
Man AHL, e várias outras que realmente aplicam o conceito de usar um
processo científico na gestão. Nos espelhamos, realmente, no processo
criado pela Renaissance, onde 400 PhDs trabalham juntos para criar uma
pesquisa muito avançada e capaz de ser aplicada na prática. Obviamente,
Jim Simons e outros grandes gestores sistemáticos são admiráveis por si só,
mas o que eles criaram em termos de empresa é o mais importante, porque
o processo e a cultura é o que faz com que o fundo tenha perenidade. Jim
Simons já se aposentou da Renaissance há quase dez anos, e a empresa
continua com resultados excepcionais, o que demonstra que o processo é
muito mais forte e criativo. Nossa referência é mais a empresa e a estrutura
do que as pessoas em si.

Interessante. Que tipo de estratégias vocês conseguiram sistematizar?

O trabalho de um gestor tradicional macro, por exemplo, é observar a


economia e o mercado financeiro ao mesmo tempo, e cruzar informações de
indicadores econômicos com preços de mercado, para encontrar
oportunidades de compra e venda. Ao observar crescimento, inflação,
confiança e o preço das ações dos Estados Unidos é pos sível definir se o
momento é adequado para comprar ou vender juros americanos. No final
das contas, o que o gestor faz é econometria a partir de certa quantidade de
inputs, de informações diferentes. No caso de um gestor macro, o output
desta conta é a indicação do que deveria ser feito: comprar ou vender. Então
se trata de um processo. Se o gestor macro tradicional consegue observar
dez indicadores, outro gestor com acesso a tecnologia consegue observar
cinco mil. Se o gestor segue um processo de econometria para definir o que
é bom e o que é ruim para uma economia, então é possível se basear em
teoria econômica para destilar indicativos de que a economia vai bem ou
diferenciar os momentos nos quais o ciclo econômico é bom ou ruim para
determinados ativos. É possível transformar essa teoria econômica em uma
fórmula matemática que processa esses dados e oferece indicativos para
comprar ou vender. Nosso método é realmente uma evolução de um
processo natural. Em vez de 10 dados econômicos, 5.000. Em vez de
observar uma única economia, observa-se todas. Em lugar de atentar para o
último ano, observa-se os últimos 100. Então é possível testar se essa teoria
econômica faz sentido nos últimos 100 anos, o que é muito melhor, porque
proporciona muito mais escala para processar dados e assim programar um
computador para executar automaticamente essa operação. Fazer isso é
relativamente simples, dado que um software recebe como informação os
preços de mercados e os indicadores econômicos, repete uma sequência de
passos que foi criada, executa uma conta e devolve. Conectado com a bolsa,
o software envia uma ordem de compra e está resolvido. A verdadeira
dificuldade é pensar em estratégias de investimento que obterão sucesso no
mercado. Tentamos encontrar ineficiências de mercado. Ou seja, momentos
onde ativos do mercado estejam precificados de forma errada, sendo
possível aproveitarmos para ganhar dinheiro. O processo decisório de um
gestor que utiliza um histórico de 100 anos é diferente dos demais porque
ele consegue analisar e testar para decidir o que é melhor em termos
estatísticos, ao invés de usar apenas sua experiência, que normalmente não
passa de 10 a 20 anos. Por exemplo, muitas vezes a projeção pode ser de
que o dólar contra o real está caro e vai se desvalorizar. Essa previsão pode
ter uma probabilidade altíssima de estar certa. Mas quando a projeção
acertar, o gestor vai ganhar muito pouco e quando errar, perder muito.
Estatisticamente, é melhor apostar na compra, pois se de fato o mercado
estiver errado, a estratégia tem muito mais a ganhar. Isso se chama
assimetria positiva de risco. Muito gestor gosta de vender o dólar no topo e
ter uma boa história para contar. Foi genial, pensou fora da caixa. Nós, que
olhamos o mercado sob uma ótica estatística, realmente não teremos a
história bonita, mas teremos consistência, que nos permitirá estar no
mercado daqui a 20 anos, enquanto o gestor com histórias bonitas vai contar
mais duas ou três. Na quarta, pode errar e perder muito. A ideia é usar
matemática e ciência a nosso favor. Estamos realizando um projeto
científico que nos ajuda a observar o que faz mais sentido em termos
estatísticos e explorar isso em vários mercados.

O fato de vocês conseguirem extrair alpha dessas ineficiências é por que


os mercados não são eficientes?

Sim. Se fosse eficiente, ninguém ganharia mais do que o mercado. Estamos,


sim, explorando alguma ineficiência. Existem, porém, diversos momentos
nos quais o mercado é eficiente. Eu diria que em grande parte do tempo ele
é eficiente, então estratégias nas quais simplesmente se extrai prêmio de
risco são mais valiosas. Por exemplo, se ações não tivessem prêmio de risco
sobre a renda fixa, ninguém compraria ações. Além disso, foi comprovado
que as menores empresas possuem prêmio de risco maior do que as
grandes, porque há um risco maior nas empresas de menor porte. Assim
como esse, existem vários outros prêmios de risco que é possível absorver.
Em um momento onde o mercado está racional, exploramos esses prêmios
com um determinado nível de risco para ganhar um determinado nível de
retorno. Agora, existem momentos onde o mercado fica irracional, nos
quais pessoas entram em pânico ou ficam eufóricas. Se entraram em pânico,
vão vender tudo e o prêmio de risco vai deixar de fazer sentido. Nesse
momento, é melhor explorar estratégias que são mais direcionais e pontuais,
tentar explorar essa oportunidade de ineficiência e irracionalidade, do que
usar estratégias que são mais racionais, como prêmios de risco etc. Aí
compramos ou vendemos muito rápido para explorar esse momento que
sabemos que é curto. No ambiente de racionalidade, é desejável absorver do
mercado o prêmio de risco. Desenvolvemos dois tipos de fundo que
exploram esses dois ambientes.

A qualidade dos dados é fundamental no business de vocês. Como


confiar nos dados históricos aos quais vocês têm acesso no Brasil?

Enfrentamos grande dificuldade de coletar, tratar e utilizar dados. É muito


difícil fazer isso com os provedores que existem no Brasil. Por outro lado, é
uma oportunidade porque o profissional que realmente investe recursos para
fazer isso tem uma vantagem muito grande sobre os outros. É mais uma
oportunidade do que um desafio, porque sabemos como fazer e estamos
dispostos a abraçar esse trabalho. Ao longo da história, nós ganhamos muito
dinheiro no Brasil justamente por existir essas ineficiências e não haver
alguém disposto a fazer o trabalho de coletar e tratar esses dados.

Que dados seriam esses, por exemplo?

Desde dados de mercado normais até praticamente qualquer coisa que se


possa imaginar. Imagens de satélite, notícias, mídias sociais, textos etc.
Tudo isso são dados possíveis de serem utilizados. São chamados de dados
não estruturados, pois surgem com frequência ad hoc sendo, portanto,
difíceis de coletar e tratar. Porém, é necessária uma dedicação e um
investimento muito grande para conseguir desenvolver uma base de dados
extensa e com informações fidedignas. As demonstrações financeiras são
um exemplo. Parecem um dado super fácil de coletar, mas é super difícil.
Coletamos de um provedor, por exemplo, as demonstrações financeiras da
Petrobras em 2017, mas essas informações foram refeitas ao longo daquele
ano. Isso significa que a Petrobras começou com um balanço e, depois de
um mês, percebeu algo errado e corrigiu uma pequena linha. Depois de seis
meses corrigiu outro erro. O resultado é um dado coletado que já foi
corrigido duas vezes. O gestor pode pensar que, se fizer a matemática
baseada nesses dados, pode chegar a um modelo que vai render muito
dinheiro. Mas há dados que não estavam disponíveis naquela época. Se ele
usar esse modelo muito provavelmente não vai ganhar dinheiro. Tratar os
dados significa tentar chegar à informação mais fidedigna e correta que
existia no momento em que o dado foi publicado. Isso é extremamente
difícil. Esse é o tipo de correção que fazemos e que realmente proporciona
uma vantagem muito grande. Fazemos isso também para preços normais de
mercado. Preços de fechamento de mercado são fáceis de encontrar, mas
todas as ordens enviadas para a bolsa em um determinado dia, para
reconstruir o book , são muito difíceis de rastrear historicamente. E isso nós
fazemos também. As séries de indicadores econômicos muitas vezes
possuem grandes descontinuidades ou são refeitas. É super difícil conseguir
utilizá-las sem um grande tratamento prévio. E tal como essas séries,
existem várias outras, de várias fontes interessantes que podemos usar para
construir nossas estratégias. Exploramos essa oportunidade em todos os
lugares do mundo. Não temos limitações geográficas e hoje operamos em
praticamente todos os países que possuem liquidez adequada. Obviamente,
se não houver liquidez, há um risco operacional que não queremos assumir.
Partimos primeiramente de um filtro de liquidez e, se for satisfatório,
podemos explorar os dados e ativos desses países.

Vocês já analisaram trading systems clássicos, como reversão à média?

A ideia por trás de qualquer sistema é analisar dados de forma estatística e


desenhar experimentos científicos para identificar estratégias que obteriam
sucesso em determinadas condições de mercado. Essa é a mesma ideia para
um sistema de reversão à média, ainda que implementada de forma mais
simples e com matemática mais rudimentar. Hoje é praticamente impossível
tentar encontrar algum método desse tipo que gere um alpha consistente no
longo prazo, uma vez que elas são conhecidas há muitos anos e tem muita
gente que olha para isso. Ainda assim, em tamanhos pequenos, pode ser que
exista algo a ser feito, mas não seria possível para uma gestora grande
executar. Sendo assim, é preciso realizar uma pesquisa diferenciada para
encontrar padrões que são mais sutis, porque os padrões mais simples já
foram descobertos e tendem a não dar dinheiro. Por meio das técnicas de
machine learning que utilizamos, tentamos encontrar padrões que não são
óbvios. Se forem, todo mundo já descobriu. É necessário encontrar algo
diferente.

Dessa forma, parte do ganho de vocês advém do fato de vocês


explorarem ineficiências que ainda não foram identificadas por outros
players ?

Exatamente. A analogia que faço é com o processo de extração de ouro. Na


época da colonização brasileira, bastava procurar a olho nu e já se
encontrava pepitas de ouro para extrair. Hoje, já não é mais o caso. Para
extrair uma pequena quantidade de ouro, é necessário o uso de muita
tecnologia. Porém, a extração de ouro nunca foi tão grande quanto
atualmente. Ou seja, o ouro não deixou de existir, da mesma forma como o
alpha de mercado não deixou, apenas ficou mais difícil de enxergá-lo. Por
isso o uso de tecnologia é essencial. Eu diria que o mais difícil nesse
processo de “extrair” o alpha não seja encontrar a estratégia, o modelo em
si. Nós dispomos de alguma coisa como 30 ou 40 modelos desenvolvidos
ao longo da história. E com certeza é possível encontrar profissionais que
possam replicar o modelo 1, o 7 ou o 13. Mas o grande valor está em
replicar o nosso processo, a tecnologia que desenvolvemos, que é algo
muito difícil de fazer. Contamos com 20 pessoas que se dedicam a
desenvolver novos modelos. Enquanto alguém tentar copiar o modelo 1, já
vão existir outros dois novos. Encontramos novas ineficiências o tempo
todo. Muitos podem pensar que, se o mercado ficar só com gestores
sistemáticos, as ineficiências irão sumir. É evidente que não. Ao explorar
uma ineficiência, surge outra. O mercado sempre será vivo e dinâmico, e
sempre será possível encontrar alguma forma de explorá-lo e gerar alpha .
Mas daqui para a frente vai ficar cada vez mais difícil, porque as técnicas
para encontrar alpha continuarão avançando.

As ordens de mercado de vocês são automatizadas?

Grande parte das ordens que temos estão automatizadas, exceto no caso de
mercados onde isso não é possível. Por exemplo, para instrumentos de
balcão, opções de alguns determinados ativos, não há liquidez em tela,
então é necessário um trader humano para executar essas operações.

Como vocês lidam com quebras de paradigmas ou de rupturas de


níveis de mercado?

Na verdade, isso se relaciona um pouco com a forma que nós


implementamos e retiramos cada modelo de operação. Devemos analisar
nossos modelos e avaliar se eles pararam de funcionar porque mudou o
regime ou por causa de um período ruim. Se for o período, vão continuar a
performar daqui a seis meses. É nesse aspecto que o ser humano exerce
uma função muito importante: discernir o que está acontecendo e o que é
mais adequado para determinado cenário. Ainda não encontramos nenhuma
forma, em nenhuma gestora que conhecemos no Brasil ou no exterior, de
automatizar o processo de ligar ou abandonar cada modelo. Normalmente, é
o ser humano que chega a esse entendimento. Então, quando entendemos
que mudou o regime, fazemos as alterações nos modelos em uso. Agora,
existem algumas coisas interessantes que podem ser feitas e que ajudam a
testar ideias mais longas. Chamamos esse processo de cross validation . É
possível testar um modelo na Inglaterra, com um histórico muito maior, e
validá-lo no Brasil. Por exemplo, temos um modelo de juros que utiliza
uma técnica de machine learning . Esse modelo pode ser testado com a
série da Inglaterra e, depois de parametrizado e pronto, ser aplicado com
uma série do Brasil para ver se funciona. Nesse caso funcionou muito bem.
Como pode ele performar no Brasil se ele nunca foi usado para isso? É
possível validar uma hipótese para outro país mesmo que o modelo nunca
tenha tido contato com a série de dados, mesmo se a série de dados for
muito pequena. No final das contas, o mercado financeiro é o mesmo para
todo mundo e os operadores são os mesmos. Então, o comportamento tende
a ser similar. Obviamente existem histórias em países que são particulares e
será preciso analisar com cuidado. Mas, se o gestor conseguir um modelo
que funciona para mais de um país, a chance dele ter encontrado algo que
vai continuar funcionando é muito maior. Esse é um processo de validação
muito importante para nós.

Quando vocês decidem abandonar um modelo?

Quando desenvolvemos um modelo, há uma expectativa quanto ao


resultado e outra quanto às estatísticas deste modelo. Ou seja, como esse
modelo deve se comportar na prática e qual é a sua distribuição de
resultados. Conforme executo o meu fundo, analiso se as estatísticas estão
discrepantes, tanto para o lado bom quanto para o lado ruim. Às vezes, ao
ser implementado, um modelo está muito pior do que o esperado, mas há
algo anormal, porque a estatística dele está diferente do calculado. Esse é
um modelo que merece uma análise mais cuidadosa para verificar se
alguma coisa mudou. É necessário corrigir ou examinar se é simplesmente
um período de performance ruim. Não existe uma regra de estatística que
diz quando é hora de abandonar um modelo. É muito mais uma discussão
aberta entre os pesquisadores, onde procuramos entender se o regime
mudou ou não. Às vezes é fácil perceber. Por exemplo, dispomos de
modelos que exploram intervenções do Banco Central no dólar. Se o Banco
Central parar de intervir no dólar, esse modelo para de funcionar. Não é
necessário esperar seis meses para saber se esse modelo vai deixar de
funcionar porque ele está explorando uma coisa que deixou de existir.
Agora, se for o caso de modelos que exploram tendências em dólar, estes
podem ir perdendo eficiência e parar de performar daqui a seis meses. Esse
é um modelo mais difícil de tirar de operação porque a frequência dele é
muito baixa e não houve nenhuma alteração clara de regime para conseguir
tirá-lo.

Hoje vocês montam posições em quantos países?

Em cerca de 20 países, nos quais observamos ações, juros, moedas e


commodities.

E quantas estratégias vocês têm rodando ao mesmo tempo?

Nosso fundo mais conhecido executa em torno de 30 estratégias em


paralelo. Os outros fundos possuem uma estratégia única para buscar
prêmio de risco. Nesse caso, a forma deles crescerem é a fonte de dados e
não o tipo de modelo.

Os fundos da Giant Steps que buscam prêmios de risco têm uma


estratégia de maturação mais longa?

Com certeza. Trata-se de um horizonte mais longo de investimento. O


objetivo do fundo é utilizar toda nossa tecnologia para analisar uma
quantidade maciça de dados e escolher quais países acreditamos possuir
melhor relação risco-retorno e, em seguida, quais ativos dentro desses
países comprar. Ao fazer isso, estamos selecionando os ativos com melhor
prêmio de risco e montando uma carteira extremamente balanceada. Se
formos pensar objetivamente, é muito parecido com o trabalho de um fundo
macro. A grande diferença é que temos abrangência para analisar um
número muito maior de ativos e países devido a toda nossa tecnologia. Note
que existe uma grande diferença dessa ideia para aqueles gestores que
buscam somente prêmios de risco tradicionais como value , carry etc. Esses
gestores vão pensar em alocar igualmente e explorar de forma idêntica se,
por exemplo, houver cinco prêmios de risco, em cinco classes. Farão isso
sem decidirem sobre onde alocar mais ou menos risco em termos de classe
de ativo ou geografia. O grande diferencial do nosso fundo é que o modelo
central é voltado para definir onde concentrar mais o risco. O fundo pode
ficar mais concentrado em uma classe de ativos ou em um país, diferente de
um fundo com alocação de risco igual em um país ou classe.
Alguns fundos quantitativos têm drawdowns expressivos. Por que isso
ocorre?

Eu argumentaria que qualquer fundo possui drawdown s expressivos em um


determinado momento da história. Fundos que utilizam tecnologia e
estatística para tomar decisão não são diferentes, e muito menos piores. Na
verdade, uma das principais vantagens de um fundo sistemático, é que seu
controle de risco é parte do sistema e, portanto, será seguido independente
da opinião do gestor naquele momento, que seguramente estará
emocionalmente comprometida. Já vimos inúmeras vezes gestores
quebrarem porque não seguiram os limites de risco, e isso jamais
aconteceria com um gestor sistemático. No nosso caso, a maioria dos
nossos drawdown s vieram depois de ganhos expressivos, devido à forma
como nossos fundos são construídos. Como mencionei anteriormente,
procuramos por vantagens estatísticas, o que significa que podemos passar
longos períodos perdendo para acertar fortemente em poucos momentos. A
maior dificuldade que podemos enfrentar, e qualquer outro gestor também,
é a ausência de liquidez. Quando o mercado fica sem compradores e
vendedores, é necessário aguardar o mercado voltar ao normal, e nesses
momentos, drawdown s podem ser inevitáveis, para qualquer fundo.

Olhando para um back-test , como teria rodado o fundo de trend


following na crise de 2008?

Para o fundo Zarathustra, o ano de 2008 teria sido espetacular, porque é um


tipo de cenário que, em nosso caso, é muito bom. É um cenário de queda
contínua, com poucas reversões, ou seja, de pura irracionalidade, com as
pessoas entrando em pânico, exatamente o que o fundo explora. Ocorreram
outros anos parecidos com esse ao longo do tempo. Mas 2008 foi o melhor
deles, nesse sentido. Toda essa queda teria sido muito boa para nós.
Cenários ruins para essa estratégia são aqueles como o começo de 2019, no
qual o mercado vai e volta muito rapidamente com vários choques.

Faz sentido. Talvez o fundo que coleta prêmios de risco perdesse um


pouco de dinheiro em 2008, certo?

Com certeza. No caso da estratégia de prêmio de risco, nós desenhamos um


modelo para ser muito rápido em notar quando o cenário está mudando e
reduzir a posição. Conseguiríamos mitigar, mas iríamos perder.

Como vocês estabelecem limites de riscos para os fundos?

Todas as estratégias que desenvolvemos, obrigatoriamente, devem ser


implementadas com as regras de entrada e saída do mercado. A saída é o
stop loss . Todas elas dispõem desses parâmetros dentro delas por definição.
Além disso, o gestor, como ser humano, precisa entender o que faz sentido
como delimitação de risco para o seu fundo. E essa limitação deve ser
imposta pelo ser humano e não pelos modelos. Senão o modelo matemático
entraria em um momento no qual, por exemplo, a volatilidade do mercado
continuaria caindo e sua posição continuaria aumentando, como nós já
vimos acontecer em outros fundos. É necessário definir uma limitação
clara, que é importante para nós em termos de risco. Definimos qual é o
limite máximo de risco do fundo, por classe de ativo e por modelo que
colocamos em execução.
Capítulo 6
EDUARDO CAMARA  | 

ITAÚ ASSET MANAGEMENT

E duardo Camara é Managing Director da Itaú Asset Management,


responsável pela gestão de diferentes estratégias incluindo as estratégias
de multimercado com multi-gestores, na qual diferentes times fazem a
gestão de diferentes books independentes.

Eduardo, como vocês estruturaram o fundo multiestratégia do Itaú?

O produto multimercado oferece um grande grau de liberdade. Há muitos


tipos de fundos multimercado com estilos e modelos diferentes. Não
existem estilos melhores ou piores, são apenas diferentes. Nesse ambiente
de queda de juros, a demanda por produtos Long & Short deve aumentar
significativamente. A sociedade brasileira, tanto indivíduos quanto
investidores institucionais, tem historicamente uma alta alocação em renda
fixa, e por um bom motivo. Antes o investidor recebia um prêmio para
alocar em renda fixa, mas temos visto, diariamente, uma realocação de
renda fixa para outros ativos com prêmio maior e, consequentemente,
possibilidades de maiores retornos, especialmente renda variável e produtos
de multimercado. Nosso objetivo é sempre oferecer o melhor produto para
nosso cliente. Mas, dado o nosso tamanho, a preocupação é também
oferecermos um produto que tenha escala. Detemos demanda por dezenas
de bilhões de reais em multimercado. E só há uma maneira de oferecer um
produto para o qual seja possível entregar um retorno consistente com
escala: por meio da diversificação da tomada de risco. Tomadas de decisão
por conta de um único gestor podem funcionar, mas há riscos e o primeiro
deles é o gestor simplesmente errar e tomar uma grande decisão de
investimento que traga um resultado indesejado em um horizonte relevante.
O segundo risco se refere ao conceito de key man risk , ou seja, se o gestor
precisar se ausentar, o business estará comprometido. Então, isso não é
desejável. Construímos um produto que procura maximizar o Sharpe - que é
quanto retorno entregamos para o risco corrido - e ofereça escala através da
alocação de risco para diferentes gestores, com portfólios complementares e
com uma correlação baixa. Entre 2017 e 2019, houve a primeira fase do
produto agora conhecido como Global Dinâmico. Nessa fase, os riscos
eram mais concentrados, eu mesmo assumi grande parte deles junto com o
portfólio da minha equipe, embora uma parte do risco fosse alocada para
outros gestores dentro da Asset. Atualmente, na segunda fase, o produto
conta com oito equipes. São três de natureza macro, três de estratégia Long
& Short - Long & Short Brasil, Long & Short LatAm e Long & Short Global
- e duas equipes sistemáticas, sendo uma mais focada em risk premium e
outra dedicada a outros diversos modelos. Várias estratégias
suficientemente diversificadas, com uma ampla escalabilidade. Os
portfólios apresentam correlação baixa e possuem, inclusive, horizontes de
investimentos diferentes e ativos distintos. A beleza desse modelo é que
trata-se de um círculo virtuoso: quanto melhor é a performance, maiores as
possibilidades de crescimento e, quanto mais se consegue crescer, mais
times é possível atrair, o que resulta em diversificação e consistência para o
portfólio, melhorando a performance. Então, a necessidade do Itaú Asset
Management é ter um produto multimercado, que invista verdadeiramente
de uma maneira global, seja diversificado, e que não tenha key man risk.
Esse é o produto ideal. Nos últimos dois anos, a performance tem sido
sólida. Com esse tipo de estratégia, contamos com algo perto de R$8
bilhões no produto multimercado puro, além dos mais de R$14 bilhões em
estratégias satélites como previdência e renda fixa, o que tem chamado a
atenção do mercado.

Para montar essa estrutura, vocês se inspiraram, de alguma forma, em


algum produto visto no exterior?

Interagimos com diferentes casas no exterior. E as que realmente


conseguem ter escala no negócio de hedge fund são aquelas que trabalham
com um modelo de plataforma, que é esta diversificação de tomada de
risco. A de maior sucesso talvez seja a Millenium, mas existem várias que
trabalham com esse modelo, como a Point72, a Citadel e outra
relativamente recente, uma dissidência da Millenium, que é a Exodus Point.
Até mesmo em algumas casas onde existe o star manager, o profissional
que se identifica com a empresa, como Paul Tudor Jones ou mesmo George
Soros, há o trabalho com um modelo de diversificação de gestores em
algum nível. Talvez ocorra alguma concentração de parte do risco, mas há
diversificação através de gestores. Esse é um modelo relativamente comum
no exterior. No Brasil, talvez seja praticado em menor grau, mas não somos
os primeiros a utilizá-lo. Essa é a beleza: não é necessário reinventar a roda,
mas simplesmente observar o que está funcionando e tentar reproduzir e
adaptar à realidade local.

Que estratégias e mercados vocês gostariam de explorar no futuro?

O mercado brasileiro é relativamente pequeno e as correlações entre os


ativos são muito altas. Em geral, há a fase do Brasil melhor, do Brasil pior,
momentos globais de risk on ou risk off , e os ativos acabam se
comportando de maneira muito parecida. Apesar de, recentemente, o dólar-
real ter mostrado um comportamento pouco menos correlacionado com os
outros ativos. Então, a capacidade de diversificação no Brasil é limitada, o
que é um grande desafio. Do ponto de vista regulatório, podemos ter 20%
do capital no exterior num fundo multimercado, considerando os veículos
onde é desejável atingir um público maior. Mas não é possível enfrentar
todos os ativos do mundo com uma equipe 100% brasileira. Isso está claro.
E é necessário mão de obra especializada. Contamos com um escritório em
Nova York com uma equipe que possui um grande portfólio de LatAm
Equities e que está desenvolvendo o segmento de LatAm Long & Short
dentro desse produto. O objetivo é criar um círculo virtuoso e, conforme
cresça o produto, ser possível alocar mais capital no exterior. A ideia é
aumentar, ao longo do tempo, a base de gestores focados em ativos não-
brasileiros em Nova York. Temos conversas constantes com gestores de
outras classes de ativos, como commodities, crédito em mercados
emergentes, alguns dedicados a inflação de mercados desenvolvidos. Esses
ativos acabam demonstrando uma correlação menor com os mercados
brasileiros. Estes gestores possuem backgrounds diferentes da escola
brasileira de gestão. Observam o mundo e assumem risco de maneiras
diferentes. São complementares e, quando isso é transformado em números,
a grande vantagem é a queda de correlação entre os diferentes books. Então,
o produto maduro é aquele no qual há diferentes classes de ativos, renda
fixa Brasil e global, crédito Brasil e global. No momento, estamos na fase
adolescente deste produto. Já com relação ao crédito doméstico no Brasil,
prevalece ainda a visão de que é quase um loan. O crédito é concedido e a
gestora espera receber os cupons e depois o principal de volta. Mas, no
mercado internacional, há uma possibilidade maior de trading na área de
crédito, com trades relativos, até no soberano. Moedas, renda variável,
Long & Short , commodities. Há diversificação na classe de ativos, na
alocação geográfica de risco e no background das pessoas. No futuro
contaremos com mais pessoas de diferentes nacionalidades para operar o
portfólio. Hoje temos gestores de entre 5 e 10 nacionalidades. Esse é o
verdadeiro valor a ser capturado. Agora o desafio é conseguir atrair essas
pessoas. O negócio é ter as melhores cabeças. E, para conseguir atraí-los, é
importante ter um modelo que faça sentido e seja compatível com as opções
que esses gestores vão encontrar em outras casas. Um lugar onde possam
exercer funções semelhantes. O desafio de modelos como o da Millenium,
Point72 e Exodus Point é justamente a competição pelo capital humano. A
expectativa é desenvolver um modelo compatível com esse cenário ao
longo do tempo.

Como vocês encontram os talentos para gerir o fundo?

O banco possui um programa de trainees bastante forte, no qual o Asset


Management está inserido. A maioria dos jovens atraídos pelo programa é
aproveitada. Os treinamentos são aplicados de acordo com os diferentes
perfis. Alguns possuem um perfil comercial, outros de economista e há
aqueles com perfil de gestão de recursos, de tomadores de risco. É
necessário, no entanto, tornar o programa de trainee um negócio global para
atrair pessoas com backgrounds diferentes. É desejável uma equipe com
backgrounds , experiências e vidas distintas, com visões de mundo
diferentes, com pessoas que enxerguem e assumam riscos de maneira
diferente. Ter uma equipe de 50 pessoas formadas na FGV, que fizeram
MBA no Insper e cresceram em São Paulo e Rio de Janeiro é legal, mas
haverá redundância em termos de experiências e de como enxergam o
mundo. Além disso, temos o que chamamos de IAM Academy , ou seja,
uma grade de treinamento específica para os profissionais que, após
finalizarem o programa de trainee , vão trabalhar na Asset. Então, há um
conteúdo de economia forte para quem tem background de engenheiro ou
matemático, mas também temos matérias de programação e de trading
muito forte. Além, obviamente, de tudo que já é comum tanto em uma
Asset quanto em um banco, como os segmentos de compliance, melhores
práticas e assim por diante. É nossa obrigação fortalecer e tentar extrair o
máximo de cada profissional.

Na sua opinião, analisar mercados e gerir recursos é algo que possa ser
ensinado?

Como diz Nassim Taleb no livro Fooled by Randomness: “ It’s easier to sell
or buy than frying an egg”. Então, assumir risco é fácil, o difícil é assumir
risco com qualidade. Primeiramente, há pessoas que tem perfil mais
propenso a assumir risco e pessoas que são mais avessas à tomada de risco.
Não existe certo ou errado, são perfis diferentes. Se o profissional possui
uma qualidade que é desejável aproveitar, ele será aproveitado em funções
diferentes. Uma coisa é o analista, outra coisa é, por exemplo, um gestor de
portfólio propriamente dito. Nesse caso, é recomendável que o profissional
seja mais propenso a assumir risco, e o que pode ser feito é ensiná-lo a
assumir risco com qualidade, ajudá-lo a tomar decisões com maior
embasamento e em situações onde seja possível verificar que a relação
risco/retorno é mais adequada. Um investimento no qual há dois para
ganhar e cinco para perder parece menos interessante do que um
investimento com cinco para ganhar e dois para perder. Parte do trabalho é
procurar assimetrias. Então, existe o profissional que não assume risco e o
que assume. Quem assume risco pode ser ajudado a fazer isso com melhor
qualidade.

Qual o maior erro que você vê gestores de portfólios cometerem?

Excesso de autoconfiança, porque pode levar à tomada de decisões erradas.


Isso se aplica a qualquer área da vida. Da perspectiva da gestão, é
recomendável buscar diversificar a tomada de risco de forma que um
grande erro de gestão, o que eventualmente acontece, não impacte o
produto como um todo. Esse é justamente o conceito: diversificação que
possa ajudar o produto a ter uma performance melhor ao longo do tempo.

Como vocês lidam com limites de risco, stops e drawdowns ?

No Global Dinâmico, que envolve o trabalho de diferentes gestores, há um


limite de risco, de stress test. Cada time de gestão tem um limite de VaR ,
um limite de stress e um limite de drawdown . Os limites de stress e de VaR
trabalham em conjunto. O de VaR monitora o risco alocado em condições
normais de mercado. Obviamente, todos os limites são imperfeitos e são, na
verdade, instrumentos para conseguir monitorar o portfólio. O limite de
stress ajuda a monitorar as respostas caudais que o portfólio possa
manifestar a movimentos discretos e extremos. Vale lembrar que, na
maioria das vezes, o limite de stress serve pouco para limitar o risco do dia
a dia. O VaR assume esse papel. No caso de um limite de stop por
drawdown , o que se busca é limitar as perdas de gestores que, por acaso,
estão em um momento desfavorável, porque o estilo do profissional não
encaixa com aquele momento específico do mercado ou porque ele fez uma
leitura ruim do cenário. A ideia é reduzir o risco daquele gestor e deixar ele
arejar, se reciclar e depois permitir que ele volte a alocar o risco. Embora
não se trate de algo recorrente, os drawdowns acabam se tornando uma
ferramenta para fazer uma reciclagem de gestores. Ao longo do tempo
ficam os melhores. Trazer e manter os melhores é o desafio.

Como gerenciar a alocação de risco em mercados com pouco prêmio?

Quando o prêmio de mercado diminui, os gestores podem acabar assumindo


riscos ruins, assimétricos, em casos extremos. Isso é uma preocupação.
Parte do meu trabalho é justamente alocar o capital do fundo. O objetivo é
alocar o capital no time mais experiente, com um histórico forte e um
retorno recente, nos últimos seis ou 12 meses, com tendência positiva, isso
porque talvez o ambiente de mercado esteja favorecendo esses gestores.
Tudo o mais constante, busca-se alocar capital em uma equipe com um
portfólio menos correlacionado com o restante. Tudo o mais constante, é
viável, no final das contas, alocar capital a equipes com mais capacity . Há
estratégias nas quais o gestor só consegue gerir R$1 bilhão, já em outras é
possível gerir R$10 bilhões. Se a concentração não for um problema para o
desenho do portfólio, isso pode ser feito. Então, é necessário analisar
diversas variáveis. E, tudo o mais constante, também, procura-se alocar
capital nos mercados com mais oportunidade. Obviamente deve ser feita
uma análise quantitativa cuidadosa sobre todos esses aspectos, além de uma
análise qualitativa em termos de ambiente de mercado e de ciclo. Há um
pouco de arte nessa gestão.

Vocês montam hedges para fundos multiestratégia?


Tipicamente, os portfólios são construídos já com algum tipo de hedge .
Sejam, por exemplo, os portfólios Long & Short , sejam os portfólios
macro. Tradicionalmente, um bom gestor macro está sempre pensando em
hedge . Ele tem as posições de ataque e as de defesa. Então, o portfólio já
nasce com certa característica, é um hedge fund no sentido próprio da
palavra hedge . O que pode acontecer, e de fato ocorre com alguma
frequência, é que diversos gestores constroem algumas posições que estão
com uma correlação maior entre si do que tipicamente possuem. Podem
estar expostos à renda variável ou ao aumento de juros globais. Se o
portfólio estiver concentrado em um fator de risco, é possível,
eventualmente, procurar outro tipo de hedge .

Você vê uma grande diferença entre o estilo de tomada de risco de um


gestor estrangeiro e o de um gestor brasileiro? Isso tem a ver com o
background de cada um?

Nada é regra, mas a escola brasileira de gestão é, em média, obcecada por


inflação. Os brasileiros são muito bons em analisar inflação, a parte curta da
curva de juros e política monetária. Essa é a característica do típico gestor
macro brasileiro, com algumas exceções. O que mais se encontra são
gestores bons fazendo isso. Mas os brasileiros pegam esse modelo e
extrapolam para os outros mercados, operam em todos os países ao redor do
mundo com esse framework de política monetária. Até ganha-se dinheiro
com isso. É uma escola. Mas, o típico gestor de Nova York ou de Londres,
aquele que olha globalmente, opera em diversas bolsas a partir de uma
visão macro. Procura entender em qual momento do ciclo a economia está,
como está a área fiscal e monetária dos países, observa mercados
emergentes como uma classe só. Esse gestor aloca risco de forma top down
mesmo. Geralmente se envolve pouco na parte curta de juros, enquanto o
brasileiro é diferente, gosta de olhar para a parte curta da curva de juros. Ele
olha o segundo DI, terceiro DI, enquanto o estrangeiro olha para
vencimento longo, algo com mais duration . Qual é a melhor escola?
Obviamente não tem melhor. Não existe certo ou errado, são estilos
diferentes, mas complementares. O desenho de portfólio ideal conta com os
dois. É desejável gestores que olhem top down e os que estejam em busca
do micro na política monetária.
Como você vê o crescimento dos fundos de índice, os ETFs ( Exchange
Traded Funds )?

Essa é uma discussão ótima. Tenho uma visão um tanto agnóstica. Nos
Estados Unidos os ETFs de renda variável e os fundos passivos já devem
ser maiores que os fundos ativos. Esse é o cenário no Japão há alguns anos.
No Brasil esse é o caminho que está sendo trilhado. E o problema, ou
característica, do ETF, é que ele acaba intensificando fluxos para ativos com
os maiores pesos nos índices. Então, algumas distorções são criadas. Por
exemplo, a ação da Amazon recebeu a maior parte do fluxo que vai para
ETFs de ações nos Estados Unidos. As ações de empresas menores, que
talvez estejam fora de ETFs , acabam sendo prejudicadas em relação a essa
alocação de capital. Isso, por outro lado, gera uma oportunidade. Um gestor
que não se preocupa com um índice de ações, gerindo um fundo do tipo
total return , pode enxergar aí uma oportunidade. Pode avaliar que a
Amazon está supervalorizada e que as ações fora dos índices têm uma
oportunidade de valor. Consequentemente, o gestor pode comprar todas
essas ações que estão fora do índice. Esses gestores, em tese, estariam
arbitrando essa distorção causada pelos ETFs . Globalmente, os grandes
gestores de ações de valor têm sofrido nos últimos anos. Mas houve
momentos de pequenas reversões desse movimento. Em alguns momentos
de mercado, que chegou-se a chamar de quant quake , as ações tipo growth
registraram grande queda . Nesses períodos, os índices continuaram como
se nada tivesse acontecido. Mas quem estava observando os diferentes
fatores notou que esse acontecimento gerou movimentos extremos. Fluxos
como esse podem gerar essas distorções, é um aprendizado. A distorção
pode ser também uma oportunidade, para quem tem estômago, aguentar um
tempo maior.

Qual a visão de vocês sobre gestão quantitativa e gestão sistemática?

Primeiramente, quando recentemente se observou o aumento de volatilidade


em momentos pontuais, muitos culparam os gestores sistemáticos. Não
concordo totalmente que o trade sistemático foi o trigger para o aumento da
volatilidade pontualmente no passado recente. Vale lembrar que estamos em
um contexto histórico de volatilidade muito baixa. Há a compreensão de
que esse aumento de vol se deu pela queda de liquidez no mercado. E a
queda de liquidez no mercado, em nosso entendimento, está relacionada
com regulamentação, principalmente, dos bancos americanos e europeus,
onde a tomada de risco proprietário diminuiu bastante. Existe menos
liquidez nos mercados secundários, listados, e a profundidade dos mercados
diminuiu muito. Por isso, às vezes, são criados vácuos onde quem quer
negociar acaba realmente deslocando os preços. O dia 24 de dezembro de
2018 foi um dia emblemático, o S&P caiu muito. Existem diferentes
maneiras de se ver o trade sistemático. O que eu entendo por sistemático
hoje é simplesmente sistematizar um processo de investimento e ganhar
escala. Existem portfólios que são evoluções do chamado risk parity, uma
derivada do portfólio inicial básico (60% equities , 40% bonds) , que é uma
alocação simplista de capital. É possível fazer uma alocação entre essas
duas classes de ativos e, em vez de olhar para o capital, olhar para o risco.
Conforme a volatilidade muda, ajustes são feitos para que o risco de cada
classe de ativos seja representado de maneira adequada. Se a volatilidade de
uma classe de ativos subir muito e o gestor continuar com o mesmo capital,
o risco em relação àquela classe de ativos pode ter mudado muito. Ao
evoluir esse conceito, é possível colocar mais classes de ativos. Pode-se
adicionar commodities, moedas, volatilidade, que é uma classe de ativo, e
fazer alocações de risco em diferentes mercados. Essa é uma maneira de
sistematizar o portfólio. Outra forma é olhar para diferentes mercados a
partir de uma perspectiva sistemática. Algumas regras são definidas e se,
por exemplo, uma moeda ficar muito barata em relação ao que se entende
por valor justo, um flag é utilizado para que se tome uma decisão, e assim
por diante. Essa é uma forma de tratar o portfólio sistematicamente. Outra é
entender que o mercado, estruturalmente, oferece e tem prêmios de risco
nas diferentes classes de ativos a serem capturados. Talvez, o mais simples
nesse caso seja o de volatilidade. Investidores pagam um prêmio para se
protegerem de um certo tipo de risco, comprando opções. Esse é, por
exemplo, o conceito de uma seguradora. É possível, de uma maneira
sistemática, assumir que se está disposto a correr esse risco. O problema de
se vender opções é que ativos individuais estão sujeitos a um risco
idiossincrático. Qual é a maneira mais adequada de se prover esse seguro,
vendendo volatilidade? É diversificar o risco em diferentes ativos.
Idealmente, diferentes classes de ativos. Então, o gestor está exposto à
volatilidade de equities , commodities, moedas. E em diferentes geografias
e horizontes, de forma que se consiga ter um portfólio diversificado.
Obviamente, se houver algum problema de grande dimensão, isso irá
potencialmente gerar uma alta correlação entre os diferentes ativos. Estes
são os momentos que os portfólios de volatilidade não performam bem.
Mas existem outros fatores de risco. Existe fator de valor, de crescimento.
Pode acontecer de o gestor administrar um portfólio que procura capturar
prêmios de risco em diferentes fatores, níveis de volatilidade, tendências e
assim por diante, em diferentes classes de ativos. Por falta de
conhecimento, há ideias distorcidas sobre o que é o sistemático ou o
quantitativo. Por exemplo, o que seria um black box ? É um conceito no
qual o gestor deseja não compartilhar o que está acontecendo. Por isso é
black box , mas não para o próprio gestor. Não existe black box. O que
existe, na verdade, é o que chamamos de investimento sistemático, ou seja,
capturar de maneira sistemática os prêmios de risco do mercado por vias
diferentes, ou criar portfólios que tenham algumas regras na alocação de
risco. Trabalhei com traders muito bons nos últimos 25 anos e os melhores
agem de forma sistemática, inclusive no dia a dia. Eles não querem operar
de um jeito em um dia e, no outro, de forma diferente. Todos os dias o bom
trader procura executar o seu processo de investimento de maneira
sistemática. Eles são, inclusive, considerados “chatos”, porque vão, por
exemplo, almoçar sempre no mesmo lugar, pedem o mesmo prato, mantém
as mesmas amizades... Gostam de fazer aquele mesmo tipo de trade . Os
grandes gestores no mundo, como o Warren Buffett, por exemplo, nada
mais são do que grandes profissionais sistemáticos. Foram publicados
papers sobre isso. É o caso do Buffett’s Alpha. Buffett tem um perfil
sistemático, observa o mercado de uma mesma maneira. Não inventa coisa
diferente. Ele está lá, há 60 anos, fazendo a mesma coisa. Parece que
funcionou para ele.

Para executar a gestão sistematizada, vocês desenvolvem modelos


internos ou usam ferramentas de mercado?

A maioria das ferramentas foi desenvolvida in house. Há 10 anos, numa


mesa de operações, víamos basicamente traders em frente a suas planilhas
Excel negociando com o broker por telefone. Hoje é muito mais silencioso
e temos diversos programadores. Está todo mundo trabalhando com Python.
Então, fazemos muita coisa internamente. Obviamente, alavancamos em
ferramentas externas, seja em termos de formação, seja em termos de banco
de dados, principalmente. E, no caso de alguns desafios operacionais mais
complexos, terceirizamos alguns trabalhos.

Qual ou quais benchmarks vocês recomendam para se analisar fundos


multiestratégia?

O problema dos benchmarks é que multimercado é um negócio


relativamente heterogêneo. Existem multimercados muito diferentes. A
própria volatilidade dos produtos é diferente. Então, o primeiro passo é
tentar comparar coisas que sejam mais ou menos comparáveis, seja em
termos de volatilidade ou da construção do portfólio. Há gestores que
operam mais beta e outros que procuram gerar alpha propriamente dito.
Não existe certo ou errado, são apenas portfólios diferentes. Alguns
benchmarks replicam a indústria pelo tamanho de cada gestor. Outros,
produzem um índice “investível”, ou seja, um índice só dos fundos que
estão abertos à captação. Esse tipo de benchmark é interessante para aquele
investidor que pensa em investir, mas não mostra ao gestor se ele está bem
ou mal em relação à concorrência. O que interessa ao investidor, no final
das contas, é um retorno adequado ao risco. Nós usamos o CDI como
termômetro ou régua para medir se estamos gerando retorno acima do nível
livre de risco brasileiro. Agora, o que fazemos é criar uma lista de
concorrentes relevantes e então observamos como estamos. Procuro olhar
pouco para isso, porque traz pouco valor. Não vou assumir mais ou menos
risco em função de como estou diante da minha concorrência. Mas é bom
para ter ciência sobre onde estamos vis-à-vis a indústria. O ideal é observar
uma vez por mês, não mais do que isso, com o objetivo de mapear. No fim
das contas, o que é preciso fazer é gerar retorno ajustado ao risco.

E qual a maneira mais adequada para avaliar os fundos


multimercado?

Os fundos precisam ter retorno de longo prazo, ajustado ao risco. Se eu


investir hoje em uma ação, fundo de ações, fundo multimercado ou em um
hedge fund , estou preocupado que ao longo do tempo será gerado um
retorno composto. Em renda variável talvez seja possível, no longo prazo,
ter retornos maiores. Só que o risco é muito maior. Então, depende um
pouco do tipo de risco que se está disposto a correr. Mas, se o desejo é
correr menos risco, o hedge fund é um investimento que não vai te dar uma
volatilidade de 15% ao ano, mas vai dar uma vol de 7%. O retorno, porém,
não será de 13%, mas de 7% ou 10%, algo assim. Não adianta olhar para o
retorno de curto prazo, porque não traz nada, tem muito ruído. Deve-se
procurar o retorno de longo prazo . Talvez esse seja o maior objetivo de
qualquer investidor. O que adianta ganhar ou perder dinheiro hoje? Isso não
representa nada. Mas, qual foi o compound gerado nos últimos 12, 24 ou 36
meses? O retorno compound que, por exemplo, o Luis Stuhlberger gerou
nos últimos 20 anos para os clientes dele responde qualquer coisa. Ele estar
bem ou mal esse ano é pouco relevante porque o retorno composto que ele
trouxe ao dinheiro investido há 20 anos é o que importa.

A queda da volatilidade de alguns mercados nos últimos anos é ruim


para a gestão de fundos?

É ruim para os investidores em geral, porque as melhores oportunidades de


investimento são quando os preços estão deslocados. Preços ficam
deslocados sempre por algum motivo. Seja por informação mal
disseminada, aversão a risco, por incerteza ou porque um participante
precisou sair de uma posição deslocando o preço de um ativo. Quando há
algum tipo de distorção, é quando nasce uma oportunidade. Se o mercado
está aquele céu de brigadeiro, super bem precificado, fica menos
interessante. O mercado mais arbitrado é um mercado mais difícil.

Que tipo de conselho você dá para quem quer aprender mais sobre o
funcionamento dos mercados e conceitos de investimento?

No caso de trading sistemático, o lance é education . O profissional precisa,


realmente, possuir um background acadêmico forte, entender matemática
aplicada a finanças e programação. Pertenço a uma escola mais macro e o
segredo, na minha opinião, é ler, ler, ler e ler. Muita leitura. Há muito o que
ler em termos de research para entender o dia a dia do negócio. Mas não dá
para viver só disso. Particularmente, gosto de ler livros para entender a
história, entender o funcionamento do mercado. E sou old school , tenho
livros de papel e uma biblioteca. Leio muito sobre história geral e do
mercado financeiro, livros como When Genius Failed (Roger Lowenstein) ,
Fooled by Randomness (Nassim Nicholas Taleb), Devil Take the Hindmost
(Edward Chancellor) e Den of Thieves (James B. Stewart), que conta a
história do Michael Milken. Aliás, esse livro é genial. Ler é uma condição
necessária para ser um bom gestor macro.

Algum livro te ajudou a identificar momentos extremos de mercado?

O Devil Take the Hindmost , do Edward Chancellor. Eu li esse livro e fiquei


algumas noites sem dormir. É curioso porque li antes da crise de 2008 e
naquele momento ficou claro o que estava acontecendo. É um livro
relativamente curto, mas conta a história das bolhas. E todas as bolhas são
as mesmas histórias.

Verdade. Que mais você aprendeu com as crises sérias, como a Crise da
Ásia de 1997 e a Crise Financeira de 2008, por exemplo?

A lição é zerar rápido. Zere rápido e saia da frente se você não sabe como o
negócio acaba. Só é possível diminuir risco de uma maneira: zerando a
posição. Não tente fazer hedge , por exemplo, protegendo uma posição
comprada em real vendendo peso mexicano. Essa é uma fórmula para
perder mais dinheiro. Zere o que você tem e irá dormir mais tranquilo,
mesmo que você tenha sido atropelado naquele dia. Zerar uma posição de
alta convicção é mentalmente difícil. Mas nas grandes crises, a alternativa é
você morrer antes de poder aproveitar a volta, seja porque foi demitido,
porque seu cliente resgatou o capital ou sua contraparte cortou as suas
linhas de crédito. Estar vivo é a prioridade.

Capítulo 7
SÉRGIO BLANK E RODRIGO MARANHÃO  |  

KADIMA ASSET MANAGEMENT

S érgio Blank e Rodrigo Maranhão são os responsáveis pela equipe de


gestão da Kadima Asset Management, uma das pioneiras em gestão
quantitativa no Brasil, aplicando modelos sistemáticos a uma família de
fundos.

Sérgio, como funciona um fundo quantitativo?


Sérgio: Chamar um fundo de quantitativo pode ser muito genérico. É como
falar que um fundo é multimercado. Existem diversos subtipos e
subdivisões. Por isso, falamos que o nosso fundo é sistemático, aquele cuja
gestão segue um conjunto de regras pré-estabelecidas. Você segue, desde o
início do pregão, regras que estão colocadas e não mudam. Se uma
determinada ação ou futuro preencher um requisito para ser comprado ou
vendido, a execução será feita, independente de o gestor ter uma opinião
particular se aquele ativo é bom para ser comprado ou vendido ou se o
preço está bom. Essa é a diferença de um fundo sistemático para um
discricionário. A vantagem é tirar a opinião ou a subjetividade, porque
sabemos que o ser humano possui emoções ou vieses comportamentais.
Queremos mostrar para os clientes que a abordagem sistemática é legítima e
permite gerar rentabilidade. Mais do que isso, é uma abordagem
descorrelacionada da abordagem tradicional por ser sistematizada. E, por
ser descorrelacionada, costuma atrair diversos investidores. Como dizia
Markowitz, a diversificação é o único almoço grátis que o mercado vai dar.
Então, se você tem a oportunidade de montar um portfólio com ativos ou
fundos descorrelacionados, é desejável ter algo deste tipo. Mas, para dar
certo, não basta ser sistemático. O fato de ser sistemático apenas tem a ver
com o conjunto de regras pré-estabelecidas. Mas, como essas regras são
criadas? Quem cria essas regras? Esse é o verdadeiro segredo de cada
gestor quantitativo ou sistemático. Em geral, é preciso ter, dentro da
gestora, uma área de pesquisa forte para desenvolver os métodos
matemáticos. Normalmente, utilizando o que chamamos de back-test , para
testar ideias com dados passados. A criatividade do gestor quantitativo é a
única limitação para os tipos de modelos que estarão dentro do fundo.

De onde veio a inspiração para estudar e colocar dinheiro nessas


estratégias?

Sérgio: Quando eu ainda trabalhava em banco, no final da década de 90,


comecei a pensar de que forma os hedge funds internacionais geravam
dinheiro para os clientes. Porque, na minha opinião, os hedge funds são a
classe de investimentos que sempre esteve na vanguarda da geração de
alpha . Por isso, eu estudei hedge funds , papers, livros e revistas, e notei
algumas estratégias que esses fundos internacionais utilizavam para gerar
dinheiro. Uma das estratégias que me entusiasmou foi a quantitativa. Como
pode um modelo matemático ganhar dinheiro impunemente no mercado por
tantos anos? Então, a única forma de me convencer de que isso era possível
era eu mesmo fazer os back-tests . Concluí que muitas das estratégias que
tínhamos testado não eram robustas. Ou seja, eram estratégias que
dependiam de certos fatores e circunstâncias para funcionar. Por exemplo,
funcionavam num bull market , com volatilidade comportada ou curva de
juros fechando. Ao mesmo tempo, outras estratégias se mostraram mais
robustas, porque pareciam funcionar bem em uma ampla diversidade de
cenários. Foram estas que se tornaram o embrião da nossa área de trading
quantitativo. Eram as estratégias de trend following.

E que livros te inspiraram a começar, ainda nos anos 90?

Sérgio: Entre os livros que me inspiraram a testar coisas diferentes e


entender o que os hedge funds faziam, eu listaria o Market Wizards e The
New Market Wizards . Foram dois livros muito inspiradores. Ali eu pude
perceber que a metodologia quantitativa já era disseminada. Mas talvez a
principal lição do livro é a de que existem diferentes fórmulas para se
ganhar dinheiro. Você tem que tentar achar a maneira mais adequada ao seu
próprio estilo, e isso não quer dizer que seja a única ou a certa. O
importante é ser descorrelacionado. No livro, havia quem ganhasse dinheiro
de forma quant , de forma discricionária, operando cota de fundo ou
aplicando e resgatando de fundos. É inacreditável. Pessoas que ganhavam
dinheiro só fazendo short, outras apenas operando opções. Todas as
abordagens são legítimas, então é preciso encontrar a forma mais adequada
para cada um.

Quais modelos vocês implementaram?

Rodrigo: Na época em que trabalhava em banco, foi o Sérgio quem


começou a utilizar essa abordagem, ainda em 2002. Então, incluindo este
período, estamos há 17 anos desenvolvendo esses modelos e já temos uma
biblioteca bem completa. Se escolhermos diferentes subconjuntos de
modelos, já temos fundos e produtos diferentes. É assim que temos,
atualmente, sete famílias de fundos, cada uma com objetivos e
características próprias. Especificamente, o Kadima FIC FIM, o nosso
primeiro fundo, é o fundo quant mais antigo do Brasil, e tem como
principal estratégia capturar tendências de curtíssimo prazo. É o que nós
chamamos de trend following, ou seguidora de tendência. Essa estratégia
utiliza uma fórmula matemática que olha para o passado do ativo, os
últimos dias de negociação, e tenta identificar se há uma tendência de alta
ou de queda. Se identificar uma tendência de alta, o algoritmo comprará o
ativo, apostando que a alta vai continuar. Se identificar uma tendência de
queda, o algoritmo venderá o ativo, apostando que a queda vai continuar.
Essa é uma das estratégias que temos dentro do fundo, mas não é a única.
Temos também, por exemplo, modelos de Long & Short aplicados a ações.
E há alguns tipos de Long & Short diferentes que podemos fazer. Existem,
por exemplo, os chamados Long & Short estatísticos, modelos que buscam
reversões à média de grupos de ações. Existem modelos de fatores que
montam carteiras compradas em ações e vendidas em outro grupo de fatores
ou no índice Ibovespa. Há modelos de contra-tendência, que tentam
identificar quando uma tendência está acabando. Existe uma série de
modelos, porque você pode tentar sistematizar e criar regras para qualquer
tipo de ideia e testar se, estatisticamente, funciona ou não. O que eu
considero relevante é o que o Sérgio mencionou, sobre a ausência de
discricionariedade dos fundos quantitativos ou sistemáticos. Em um fundo
tradicional, o gestor compraria a ação X, Y ou Z porque a margem EBITDA
da empresa está crescendo. Será que, no passado, quando isso acontecia, a
ação realmente apresentava uma alta? Não sei, mas é algo que conseguimos
testar. Esse é o ponto-chave: tirar a discricionariedade e tomar as decisões
baseado em dados, apenas com o que as informações estão revelando. Você
pode testar uma ideia, criar regras, e avaliar se é verdade ou não, criando
um modelo ou algoritmo para operar nesse determinado mercado.

Sérgio: No caso do EBITDA, o Rodrigo fez uma comparação interessante,


entre um gestor discricionário e um quantitativo. Não queremos dizer que
as nossas estratégias, quaisquer que sejam, são melhores que as estratégias
de outros gestores. Mas, são diferentes. Em geral, nós dizemos que os
gestores discricionários fazem menos apostas, mas com mais qualidade. Um
gestor quant , assim como nós somos, possui poder computacional para
analisar muitos casos ao mesmo tempo. Fazemos muitas apostas, mas, cada
uma delas não terá a mesma qualidade de uma aposta realizada por um
fundo discricionário, porque não estudamos cada caso com a mesma
profundidade que um gestor discricionário. Ambas as abordagens
costumam ser lucrativas, e a grande vantagem: são descorrelacionadas. Dá
para ganhar dinheiro das duas formas. Fazendo poucas apostas
concentradas com alta qualidade em cada uma delas ou fazendo muitas
apostas diluídas. Ambas, no conjunto, geram resultados interessantes.

Rodrigo: Nosso fundo possui diversos modelos compondo o portfólio. E,


uma comparação que dá para fazer com o fundo tradicional, é pensar em
cada um desses modelos como um trader dentro do fundo. Cada um possui
limites para operar de forma independente. E tudo isso vai construir o
resultado final do fundo. Tem um exercício que você pode fazer. Digamos
que houvesse uma moeda viciada. O gestor macro estudaria profundamente,
avaliando que há 70% de chance de ganhar uma aposta na moeda viciada.
Um resultado altíssimo. Se você calcula qual seria o lote ótimo da aposta,
usando o chamado critério de Kelly, apostaria 40% do seu patrimônio a
cada vez. Porém, digamos que só seja possível fazer quatro apostas. Ao
simular esse processo com essa aposta concentrada, dá para ver que a
chance de perder após um ano é de 35%. Agora, digamos que há uma outra
moeda em que o edge é muito menor, com 54% de chance de ganhar, 4%
apenas acima do resultado aleatório que seria de 50%. O critério de Kelly,
nesse caso, diz que é necessário apostar 8% do patrimônio em cada aposta.
Só que ao invés de fazer 4 apostas por ano, você faz 252. Nesse caso, a
chance de estar perdendo, após um ano, cai de 35% para 28%. Se você
conseguir um grande volume de apostas, basta um pequeno edge estatístico
para ter um negócio mais interessante ou ganhador.

Os trading systems mais antigos eram muito inspirados em ideias de


análise gráfica?

Rodrigo: Sem dúvida. Os casos bem sucedidos de CTAs , nos Estados


Unidos e Europa, são fontes de inspiração. Mas hoje, com todo o avanço
tecnológico, você consegue fazer coisas muito mais sofisticadas. Um
celular atual possui mais capacidade de processamento do que um
computador há dez anos atrás. Está disponível, capacidade de
processamento é barata e é possível fazer coisas muito mais sofisticadas.
Com isso, cresceram algumas novas áreas de estudo, como, por exemplo, o
machine learning, que traz diversas ferramentas que podem ser
incorporadas ao processo de investimento. A ideia de uma estratégia de
trend following não se diferencia muito do que era em 1939, quando
Donchian começou a operar o rompimento de Highs & Lows . Não se
distancia muito. A ideia é identificar tendências e apostar qual vai
continuar, com perdas pequenas e ganhos grandes. Essa é a ideia de uma
estratégia de trend following. Mas o que vai ser utilizado como indicador ou
fórmula para mensurar tendências pode ser mais sofisticado do que foi no
passado.

Sérgio: Eu creio que o núcleo da estratégia é relativamente simples de ser


compreendido. Mas os segredos estão nos detalhes. A diferença entre
montar uma estratégia de trend following com índice de Sharpe de 0,50 e
1,00 é grande. Uma certa sofisticação é necessária para, justamente, evitar
certos trades perdedores e até aumentar o tamanho da posição em certos
trades ganhadores. É essa inteligência que talvez nos diferencie, em relação
a uma estratégia simples de trend following. Há uma outra questão que
talvez seja uma diferença grande: a execução. Não basta ter um modelo que
funciona bem no back-test ou na teoria. Também é importante conseguir
executar esse modelo de forma econômica. Especialmente, quando falamos
de tendências de curto prazo, em que economizar qualquer centavo faz toda
a diferença. Porque a expectativa média de ganho não é muito alta, uma vez
que as tendências são curtas. Nós conseguimos desenvolver alguns
algoritmos de execução que ajudaram bastante no sucesso da estratégia.

Modelos de trend following tendem a sofrer em mercados laterais.


Como vocês lidam com isso?

Sérgio: A característica do trend following é tentar perseguir tendências.


Porém, esta estratégia vai mal quando essas tendências não existem. E não
somente precisamos que existam, mas que ocorram com baixo ruído. Não
adianta um ativo ir de 10 para 20, o que parece uma tendência interessante,
se antes passou de 10 para 30, de 30 para 15 e depois de 15 para 20. Isso foi
um grande ruído, e não uma tendência. Em contrapartida, se um ativo foi de
10 para 20 em um caminho bem-comportado, como, por exemplo, de 10
para 14, de 14 para 18, de 18 para 20, os nossos modelos, provavelmente,
iriam capturar essas tendências. Mas, respondendo ao que você colocou, a
ausência de tendências, que se caracteriza como o movimento de
ziguezague, é o pior cenário possível para um trend following. Para lidar
com isso, nós fazemos back-tests extensos. Nós temos bases de dados de 20
anos no mercado brasileiro, tick by tick . É algo bastante robusto e difícil de
se conseguir, que construímos ao longo de anos. Em geral, se estive fora da
empresa e vejo no fim do dia que a bolsa e o dólar fecharam no zero a zero,
tendo a achar que o resultado do fundo no dia não foi bom. Se a bolsa
fechou no zero a zero, é porque não houve uma tendência de um dia para o
outro. Mas, no intraday , provavelmente ela oscilou e o meu modelo de
trend following de curto prazo pode ter achado que uma tendência se
iniciou, tendo entrado em uma posição que, ao fim do dia, não se mostrou
ganhadora.

Rodrigo: Recentemente, perguntei à Bolsa, por curiosidade, se ela tinha


dados do dólar tick by tick dos anos 2000 e eles não tinham. Nós temos
dados que nem a bolsa tem.

Sérgio: Fomos armazenando e limpando esses dados ao longo do tempo.


Isso é importante para o modelo não dar falso positivo ou falso negativo.
Então, conseguimos realizar o back-test dessas estratégias em um grande
período. No passado existiram momentos de tendência e de ziguezague.
Esperamos, no back-test , que as estratégias tenham uma boa relação de
risco-retorno. Essas estratégias não irão sempre ganhar dinheiro, mas
esperamos que, em momentos de ziguezague, percam menos do que
ganhariam em movimentos de maior tendência. Estratégias que no back-test
não têm esse comportamento, provavelmente não serão homologadas e
aplicadas dentro do fundo.

Rodrigo: Você pode se perguntar por que não desligar um modelo quando o
mercado está de lado. A verdade, é que nunca encontramos nada que tenha
o poder preditivo de adivinhar quando as tendências vão ou não acontecer.
Ao se tentar acertar o timing de ligar ou desligar um modelo, corre-se o
sério risco de não pegar o movimento quando ele acontecer. O resultado do
back-test ao testarmos ligar e desligar os modelos, é o pior possível. De
acordo com a filosofia do modelo de seguir tendências, as perdas são muito
pequenas quando comparadas aos ganhos. Por mais que seja desagradável,
ali, quando se está passando por um período de mercado com mais
ziguezague ou sinais falsos, se olharmos no longo prazo, a perda será
irrelevante perto do momento em que o fundo se recuperar. Acho que esse
longo histórico no back-test dá muita confiança para continuarmos seguindo
aquelas regras.

Sérgio: A família de fundos de trend following é gigante, porque temos o


trend following de curto, médio ou longo prazo e os aplicamos em
mercados diferentes: juros, câmbio, índice futuro, ações, mercados
internacionais e commodities. É um número enorme de combinações de
modelos e mercados. Aliás, esse é um dos aspectos em que nos
diferenciamos, porque temos muitas combinações, e uma perda em uma
delas não vai afetar de forma preponderante o restante do fundo.

Voltando ao modelo de Long & Short estatístico, vocês poderiam dar


um exemplo dessa estratégia na prática?

Sérgio: Costumamos chamar essa estratégia de arbitragem estatística. Por


exemplo, se num grupo de ações de bancos houver quatro ações líquidas,
três bancos podem estar subindo e um caindo. O que esse modelo vai fazer,
em algum momento, é apostar na convergência desse grupo. Vai comprar a
ação do banco que está caindo e vender a descoberto os três que estão
subindo, apostando que este grupo vai voltar a caminhar junto. Outro
exemplo é o ouro e a prata, um subindo e outro caindo. Esse modelo vai
apostar na convergência desses ativos.

Vocês olham para outros tipos de padrão?

Sérgio: Um outro exemplo é que podemos, eventualmente, identificar um


grupo de ações que, por um motivo qualquer, performam melhor do que o
índice S&P500 nos últimos quinze minutos de pregão. São outros tipos de
padrão de comportamento.

Vocês têm algum modelo que coleta prêmios de risco a partir de dados
macro?

Rodrigo: Temos em nossa biblioteca um modelo que utiliza como input as


informações do relatório Focus do Banco Central para se posicionar em
juros e moeda, mas está desativado há alguns anos. Percebemos que, no
final das contas, o modelo pegava movimentos parecidos com o trend
following de longo prazo, porém com um controle de risco pior. Então, não
fazia sentido mantê-lo.

Os modelos da Kadima exploram vieses comportamentais?

Sérgio: Nossos modelos acabam explorando esses vieses comportamentais,


tanto de pessoas, como de outros gestores. Às vezes os agentes de mercado
acham que um ativo já subiu ou caiu muito. E isso nem sempre é verdade.
Pode ser que o ativo precise andar mais. Então, uma das coisas que os
nossos modelos exploram é justamente esse tipo de viés. Além disso,
quando eu digo que os modelos de fatores coletam algum tipo de prêmio de
risco ligado aos fatores de valor, crescimento ou momentum , é porque
também são, de forma individual e coletiva, ligados ao comportamento
humano. Se não existissem vieses comportamentais, o mercado seria
perfeito. Não seria possível gerar alpha em cima do mercado. O fato de
que, historicamente, nós conseguimos gerar alpha contradiz a teoria de
mercados eficientes.

Vocês pesquisam formas de incorporar dados de mídias sociais nos


modelos?

Rodrigo: Nós já testamos coisas do tipo, mas há dois problemas. Primeiro,


que esses dados, em geral, são relativamente recentes. Não há histórico que
permita chegar a alguma conclusão definitiva. Segundo, nós testamos,
independentemente se achamos que funciona ou não. E, o que eu posso
falar, é que esses dados alternativos que nós testamos nunca chegaram em
nada que parecesse bom. Porém, nós não descartamos. Pode ser que, em
algum momento, encontremos alguma coisa que pareça boa e faça sentido
de ser incorporada ao processo. Até hoje, nunca encontramos.

Sérgio: Temos relatos de fundos que operam, por exemplo, com bases em
fotos de satélite do estacionamento do Walmart. Se está cheio, é porque está
vendendo muito e a economia melhorando. Mas, se o estacionamento está
vazio, a economia está piorando. Sabemos que existem gestoras operando
dessa forma e estamos atentos para esse tipo de input. Mas, como o Rodrigo
disse, ainda não temos nada do tipo. Na verdade somos conservadores em
nossas estratégias e gostamos de back-tests longos. Não só longos, mas que
passaram por diferentes momentos em diversos ciclos econômicos.
Queremos que os nossos modelos sejam robustos, com economia crescendo
ou em recessão, com vol alta ou baixa. Para isso, precisamos de mais dados
para ficarmos confortáveis, e modelos que operem a partir de premissas
diferentes. Ainda não achamos, mas, nada impede de termos algo assim no
futuro.

Por quanto tempo, em média, um modelo funciona?

Sérgio: Nossos modelos matemáticos não necessariamente funcionam para


sempre. Claro que os modelos possuem longevidade, bem alta em alguns
casos. O nosso modelo de trend following, por exemplo, funciona bem há
quase 20 anos. Mas isso não quer dizer que qualquer modelo que nós
desenvolvemos funcionará para sempre. Porque, normalmente, o modelo
matemático explora algum tipo de ineficiência do mercado, e o próprio
mercado pode se corrigir. Então, uma das funções da nossa equipe de
pesquisa é reavaliar todos os modelos que estão em operação, observando
se a curva de resultado continua positiva e de acordo com o padrão
esperado pelo back-test. Se algum está fora do padrão, é preciso investigar
o porquê. Será que esse mercado ficou mais eficiente, mais rápido ou
simplesmente mais lento? Investigamos caso a caso. Podemos retirar esse
modelo de circulação ou apenas corrigi-lo. Se o mercado ficou mais rápido,
podemos mudar algum tipo de parâmetro para readaptar o modelo. É
dinâmico. Não desenvolvemos os modelos, deixamos ele operando e vamos
viajar. A realidade, no nosso cotidiano, é tentar, a todo momento, revisar os
modelos e questionar se estão funcionando ou não, se fizemos algo errado
ou se o mercado está mudando. Talvez o dia a dia de um fundo quantitativo
seja bem diferente do que as pessoas imaginam.

Rodrigo: É muito importante que essa avaliação do modelo seja feita de


maneira objetiva e sempre baseada em dados e informações. Existe um
ferramental estatístico que ajuda a avaliar se realmente aconteceu alguma
mudança nas premissas de back-test , no comportamento do mercado ou do
modelo em si. É importante que a decisão de manter um modelo ligado ou
desligado seja feita com base em dados. Sou um pouco mais otimista que o
Sérgio, pois acho que alguns modelos irão funcionar para sempre. O de
trend following, por exemplo, é um deles. Existe evidência acadêmica de
que as estratégias de trend following funcionam há pelo menos 200 anos,
como mostra um paper publicado por um grupo de pesquisadores da
França. Acho que é inerente ao comportamento do ser humano. Então, eu
acredito que trend following é uma estratégia que vai sempre durar.

Atualmente, vocês operam no mercado local e internacional. Qual o


peso de cada um deles?

Rodrigo: O primeiro requisito para entrarmos em um mercado, é que um


determinado ativo tenha liquidez o suficiente para operarmos, além de uma
base de dados longa e confiável para realizarmos o back-test . Existem
muitos ativos que obedecem a esses critérios. No Brasil, temos futuro de
dólar, futuro de juros, futuro de Ibovespa e ações. No exterior, futuros de
commodities agrícolas, metálicas e de energia, futuros de índices de ações,
futuros de juros, futuros de moedas e futuros de taxa de juros, de diferentes
países. Tudo com liquidez, então operamos todos esses mercados. Hoje, as
maiores alocações de risco são nos mercados brasileiros, tanto em futuro
quanto ações. 80% no mercado local e 20% nos mercados offshore . Mas
isso pode variar com o tempo. Já foi mais e menos. Achamos que faz
sentido ter uma alocação de risco maior no mercado local, por enquanto,
mas não existe qualquer problema em aumentar o peso no exterior. Muita
gente nos pergunta se os mercados offshore são, em teoria, mais eficientes e
deveriam ser mais difíceis para gerar alpha . Estamos conseguindo gerar
bastante alpha ao longo dos anos inclusive em mercados muito eficientes e
competitivos, como o mercado de ações americano.

A característica de cada mercado importa na hora de implementar os


modelos?

Rodrigo: Vemos na prática que alguns tipos de modelos têm melhor


aderência em determinadas classes de ativos. Ações, seja no Brasil, Estados
Unidos, Europa ou Ásia, têm um determinado tipo de modelo que funciona
melhor. Já futuros de moedas, por exemplo, tanto de países emergentes,
quanto de desenvolvidos, funcionam melhor com um outro tipo de modelo.

Vocês têm predileção por algum tipo de solução de problemas, como


redes neurais, algoritmos genéticos ou outros otimizadores?
Rodrigo: Não temos preconceito de testar possibilidades. Todas as técnicas
que você citou podem ser testadas, mas isso não significa que o modelo vai
ter resultados melhores apenas por utilizar algo sofisticado. Deve sempre
haver parcimônia ao observarmos se aquela sofisticação está simplesmente
fazendo um curve fitting da sua estratégia para os dados passarem ou se
realmente possui alguma significância. A experiência também ajuda. E,
claro, há todo um grande ferramental estatístico e matemático. Técnicas de
machine learning , como, por exemplo, o cross validation, vêm sendo cada
vez mais utilizadas nos últimos anos. Ajudam na validação do processo,
mas a experiência também é importante, porque a estratégia será
programada por alguém. Sempre haverá um humano para programar,
porque o computador não programa por si só. E, quando uma pessoa está
programando, é possível cometer erros. A maioria dos estagiários, no
primeiro back-test que faz, acha uma estratégia com Sharpe de 10 ou 20.
Uma coisa que, nós, com experiência, sabemos que é impossível. Esse
resultado com certeza indica algum erro ou viés . Não é factível acreditar
que uma estratégia vai conseguir entregar um Sharpe tão alto. Então, são
erros comuns e é preciso tomar cuidado. Até porque, se sofisticar demais,
pode ficar ainda mais difícil identificar o erro.

Sérgio: O Rodrigo deu um exemplo de Sharpe de 10, que nós sabemos não
existir. Mas, às vezes, o sujeito apresenta uma estratégia de Sharpe de 1,0
que pode até parecer razoável. Mas, pela complexidade da programação,
cometeu um erro muito difícil de identificar. Você vai achar que a estratégia
realmente possui um Sharpe de 1,0 e, quando colocar na prática, não vai
acontecer. Então, qualquer estratégia que programamos e testamos é sempre
“back-testada” por pelo menos duas pessoas independentes dentro da
empresa. Estes programadores precisam chegar aos mesmos resultados e
em linguagens de programação diferentes.

Interessante essa abordagem. Como é feito o cross validation ?

Rodrigo: O cross validation é uma técnica que pega os seus dados e


segmenta em alguns pedaços. Normalmente, cinco. Assim, otimizamos um
pedaço, testamos na outra parte para ver se os resultados entregues são
coerentes. Na abordagem da estatística tradicional, em um modelo
econométrico, se usaria um in-sample e um out-of-sample, quebrando em
apenas dois pedaços, parametrizando o modelo. Assim, pegaria um pedaço
dos seus dados, usaria como um in-sample para treinar ou otimizar o
modelo e testaria em um out-of-sample. Mas, no machine learning, se
utiliza mais o cross validation. Ao invés de separar os dez anos em apenas
dois grupos, os 10 anos são separados em cinco grupos de dois anos. Você
pega várias combinações de dois anos para otimizar e testar. Assim,
podemos observar com maior precisão se aquele processo de otimização é
robusto ou não, se apresenta resultados parecidos em diferentes janelas.
Esse cross validation pode ser incorporado ao processo de investimento.
Mas, como o Sérgio falou, o mais importante é o processo de reprogramar o
que alguém já programou, em outra linguagem, de forma independente,
para poder validar um determinado processo. Depois, ainda tomamos
alguns outros cuidados. Quando uma estratégia entra em funcionamento, é
sempre com uma alocação de risco muito pequena, e temos alguns scripts
que são rodados de madrugada para refazer os back-tests e comparar se os
resultados estão de acordo com o esperado . Se houver qualquer tipo de
divergência ou de erro na programação, dá para perceber nos primeiros
dias, porque o back-test vai divergir do que está sendo feito. Quando
colocamos a estratégia em funcionamento, o nosso diretor de risco
programa um simulador para comparar com as execuções reais. Em caso de
divergência, também dá para indicar. Entendemos que é importante criar
esse arcabouço para, quando acontecer algum erro, conseguirmos
identificar. Novamente, o modelo ou algoritmo não surgiu do nada. Foi feito
por uma pessoa, e qualquer pessoa está sujeita a erros. Não ter excesso de
confiança é importantíssimo para evitar desastres. Penso que o desastre
acontece, justamente, quando se tem um excesso de confiança que leva a
pessoa a não se preparar para quando errar. Por isso, é muito importante
sempre partir da premissa de que há algo errado, para que o erro não te tire
do jogo.

Quais são os conhecimentos técnicos necessários para quem se interessa


por dar os primeiros passos em uma empreitada nesse campo?

Sérgio: O primeiro passo é a curiosidade. A pessoa deve ser curiosa e ler


bastante sobre o assunto, entender o que são os modelos matemáticos, quais
tipos existem, que testes têm de ser feitos, para perceber o que funciona e o
que não. E, para fazer esses testes, tem de ter algum tipo de ferramenta. Por
isso, é preciso entender um mínimo de programação e como diversas
linguagens funcionam, dependendo do tipo de teste que se quiser fazer. Em
seguida fazer pelo menos alguns back-tests preliminares com algumas bases
de dados, para começar a entender do assunto. Mas, para coisas mais
sofisticadas, realmente existem fortes barreiras de entrada. A limpeza da
base de dados, por exemplo, é importantíssima, especialmente no trade
intraday de curto prazo. Se a base não está limpa, você pode acabar
achando que faria uma operação que não teria de fato existido ou vice-
versa. Você termina o processo com um back-test ruim ou falso. Um outro
fator, é que os modelos estão cada vez mais sofisticados. Por mais que o
básico funcione, funciona com um Índice de Sharpe talvez muito baixo.
Além disso, temos que lembrar que não basta encontrar um modelo que
funciona. É preciso também ser capaz de executar. Porque muitos modelos,
especialmente os mais rápidos, os que mapeiam vários ativos ao mesmo
tempo, necessitam de uma execução automática. E nem todo mundo tem
condições de ter uma ferramenta com cotações em tempo real alimentando
um programa que gere ordens de execução. Além disso, é necessário um
arcabouço de controle de riscos. Por essas razões, não é recomendado fazer
por conta própria. Mas, para alguém que quiser se aventurar nesse mundo, a
melhor coisa é se inteirar do assunto e depois tentar entrar em uma gestora,
para fazer parte de uma equipe de programação e entender como funciona e
crescer dentro da área.

Rodrigo: Essa pessoa precisa ter um espírito de cientista, não acreditar no


que os outros falam, baseado apenas em opiniões. Precisa se dar ao trabalho
de ir e testar. Ter uma hipótese e utilizar metodologias científicas no
processo de investimento. Creio que esse é o ponto-chave: a pessoa fazer,
ao invés de simplesmente acreditar no que está sendo dito.

Vocês falaram de limpar as bases de dados. Como isso funciona?

Rodrigo: Até hoje nunca encontramos um vendor que entregasse uma base
de dados que confiássemos plenamente. Então, sempre que compramos uma
base de dados, de qualquer mercado ou ativo, verificamos. São comuns
erros esdrúxulos. Por exemplo, já vi uma vírgula errada no preço do dólar.
Ao invés de 4.100,00 vi 41,0000. Erros assim são normais. Se pegarmos
uma base de dados com erros desse tipo e colocarmos no backtest , o
modelo vai achar que o preço despencou de 4.100 para o 41. Ficou
bilionário ou quebrou, em um movimento que não aconteceu. Na série de
preços, também é comum acharmos um zero no meio do nada. No caso de
dados point-in-time , como, por exemplo, dados de balanço de empresas,
que podem ser utilizados como inputs para modelos. Os balanços se
referem a um determinado período. O vendor tem o balanço referente ao
trimestre ou período. Só que esse dado não é, obrigatoriamente, o mesmo
que foi divulgado à época e que teríamos acesso no passado. As empresas
podem publicar uma revisão. Por exemplo, as regras contábeis podem ter
mudado e foi preciso republicar o balanço, ou acharam um erro. Nesse caso,
é importante que o dado reflita o que teria sido visto naquele momento em
que se estaria operando. Isso é um cuidado que deve ser tomado, saber se
aqueles dados realmente estavam disponíveis naquele instante. Acabamos
gastando bastante tempo para cuidar disso. É claro que, depois de tantos
anos, já temos muita coisa pronta. Temos um banco de dados enorme, e
basicamente o atualizamos, colocamos dados novos e empilhamos mais
coisas. Mas, com frequência, queremos pensar em um mercado novo ou
uma coisa nova e temos que refazer esse processo.

Sérgio: Os dados de point-in-time deram muito trabalho. Tivemos uma


pessoa dedicada por mais de um ano só para limpar esses dados de balanço.
É uma base muito difícil de ter, porque, em alguns casos, chega a ser uma
limpeza manual, e são muitas ações diferentes. Nós nos protegemos de
eventuais erros não só vendo os outliers e fazendo estas checagens que o
Rodrigo colocou, mas também comparando as bases de vendors diferentes.
Às vezes, compramos a base de dois ou três vendors e cruzamos os dados
para identificar possíveis discrepâncias. Um outro aspecto muito importante
e que costuma ser menosprezado, é que não basta ter uma base correta.
Também é preciso saber como utilizá-la. Deve-se levar em consideração
certos eventos que acontecem nos mercados. Exemplo: uma ação que valia
R$30,00 em um certo dia recebeu um dividendo de R$3,00 e abriu a
R$27,00 no dia seguinte. Se você simplesmente tem a base de dados do
preço da ação, vai achar que o preço da ação caiu 10% de um dia para o
outro. Na verdade, se você estivesse comprado, não teria perdido nada,
porque deve-se considerar o dividendo que foi recebido. E esta informação
sobre o dividendo não estará, em princípio, naquela base de dados. De
alguma maneira, é preciso acoplar na base de dados a informação de que,
naquela data, aquela ação pagou aquele dividendo. Ou seja, incorporar os
eventos corporativos. E existem dividendos, split , bonificações,
subscrições etc. Tudo isso tem a ver com a limpeza da base de dados. Um
terceiro aspecto, é que nós operamos futuros. Não adianta ter a base do
índice futuro desde os anos 2000, porque os vencimentos de índice mudam
a cada dois meses. É preciso criar uma forma inteligente de fazer o
encadeamento das bases a cada dois meses, refletindo o que teria
acontecido na realidade. Você precisa ver o futuro contínuo, e existem
várias técnicas para fazer isso. Por diferença, pela razão, ajuste ou
fechamento. Não é simples limpar a base de dados. É muito complicado e
pode ser a diferença entre achar que um modelo é maravilhoso ou concluir
que é desastroso.

Rodrigo: Se não há uma base confiável, não é possível confiar no backtest .


No primeiro revés que a estratégia tomar, vai ser tentador desligar o
modelo. Uma base confiável é crucial.

Com certeza. Para fundos que operam no intraday , ajuda ter os


servidores próximos à bolsa?

Sérgio: A proximidade dos datacenters em relação à bolsa impacta o que


chamamos de latência. Ou seja, a rapidez com que o computador percebe
um certo preço mudando e envia a ordem para operar em cima daquele
preço. Isso faz diferença em certos modelos de altíssima frequência. Mas,
os modelos que temos na Kadima não são de altíssima frequência. São
modelos cuja eficiência não depende de milissegundos à frente ou atrás.
Isso não quer dizer que não são modelos rápidos, mas é um rápido que não
faz diferença emitir a ordem daqui e chegar em 50 milissegundos, ou ser
emitida de dentro da bolsa, o que seria quase instantâneo. Não é isso que
vai fazer o nosso modelo ser ganhador ou perdedor. Nos Estados Unidos,
existe uma questão séria relacionada à latência, porque há uma arbitragem
entre as bolsas. Se eu tenho as mesmas ações sendo negociadas em cinco ou
seis bolsas diferentes, então, de fato, ali faz diferença. E certas bolsas norte-
americanas te pagam emolumentos para operar, ao contrário do que
acontece em geral, onde emolumentos são um custo de transação. Fazem
isso porque colocar uma ordem sem agredir vai gerar liquidez para aquela
determinada bolsa. Então, ao invés da bolsa cobrar os emolumentos, você
ganha para operar. Uma operação realizada por muitos hedge funds nos
Estados Unidos é comprar e vender a mesma ação, em geral pelo mesmo
preço, mas em bolsas diferentes para ganhar estes emolumentos. É o
centavo do centavo e ganham muito dinheiro assim. Mas, só se consegue
essa operação de maneira eficiente se as cotações de todas as bolsas forem
sincronizadas e em real time . Nesse caso, realmente, faz muita diferença
estar a um quilômetro ou cem metros da bolsa. Mas, para os modelos que
nós temos, isto não é um problema.

Rodrigo: No Brasil, permite-se o chamado colocation , em que se instala


um computador dentro da bolsa. A Kadima, se não me engano, foi a
primeira gestora a ter colocation . E, em um determinado momento,
percebemos que não havia necessidade e resolvemos tirar a máquina de lá.
Foi uma decisão estratégica. Não queríamos brigar por milissegundos. Não
era no que queríamos nos diferenciar, porque buscamos outro tipo de alpha
.

Capítulo 8
MARCO FREIRE  |  KINEA INVESTIMENTOS

M arco Aurélio Freire é o responsável pelas estratégias dos fundos


multimercado da Kinea Investimentos, e lidera uma equipe de gestão
multidisciplinar divida por mesas, que cobrem diversos mercados e
estratégias.

Marco, existem diferentes modelos de gestão de fundos multimercado.


Como vocês chegaram à estrutura utilizada pela Kinea?

No modelo convencional, um gestor, com auxílio de uma equipe, toma uma


decisão centralizada. A centralização de posição pode formar uma carteira
mais eficiente que a soma de carteiras individuais. Essa é a principal
vantagem desse modelo. O outro extremo é o seguinte: vários gestores.
Gestor para mercado de dólar, de juros, de bolsa e por aí vai. Dessa forma, o
fundo consegue ter muito mais cabeças atuando e cobrir mais ativos que
uma pessoa sozinha seria capaz de analisar. Existe uma quantidade de
informação que uma pessoa consegue processar. Então, aqui, temos os dois
argumentos, e ambos têm verdade. O nosso modelo está no meio do
caminho. Atualmente a equipe tem cerca de 30 pessoas envolvidas
diretamente na gestão e é formada de várias equipes menores. Cada
subequipe geralmente tem em torno de três pessoas. Então, dentro de cada
um desses mercados de atuação do fundo, eu tenho uma equipe pequena
discutindo e trocando ideias. Nós temos oito “caixinhas” de gestão, cada
uma cobrindo um mercado. Temos um gestor que opera taxas de juros e
inflação, outro faz dólar e cupom cambial, um é responsável pelas
estratégias de ações Long & Short, e um faz ações Long Bias, todos esses
no Brasil. Há ainda um gestor que opera volatilidade, um renda fixa de
América Latina, outro faz modelos quantitativos, outro opera países do G10
com visão macro. Cada mesa toma suas decisões e tem o risco pré-
estabelecido. Elas tomam 50% do risco do fundo, e os outros 50% ficam
comigo. Sou o alocador e tento fazer com que a carteira total seja eficiente.
Preciso ter uma descentralização das tomadas de decisão, senão minha
carteira não vai conseguir ser suficientemente complexa. O book Long &
Short tem, atualmente, 70 ações no Brasil. O time quantitativo tem 5 mil
ativos offshore. O time de G10 cobre seis moedas e três taxas de juros. Eu
não conseguiria olhar tudo sozinho, mas posso ver as melhores ideias de
cada grupo e o todo, para tornar a carteira eficiente no conjunto. A forma
pela qual funcionamos é essa. Outra forma de pensar isso é como se eles
fossem os especialistas e eu, o generalista. Eu observo a floresta, enquanto
cada um olha detalhadamente as árvores. Somos uma casa que mistura
gestão macro e micro. Somos focados na assimetria dos preços dos ativos.
Passamos a maior parte do tempo discutindo isso. O importante que aprendi
nesses anos de gestão é que a assimetria de preços é o X da questão. Se eu
tiver posições assimétricas de preço ou combinar posições diferentes que
têm assimetrias, acho que consigo, com alguns hedges , um portfólio
eficiente, oferecendo uma relação risco-retorno boa para o cliente. Essa é a
busca. Não somos uma casa que concentra posições. Dificilmente fazemos
isso. Se possível, temos sempre várias apostas, independentes, assimétricas
e com proteções. Procuramos uma carteira que seja resiliente a vários
cenários. Além disso, temos seis pessoas trabalhando na parte de pesquisa e
análise, sendo três economistas que olham para inflação, atividade
econômica, fiscal, contas externas etc. Mas a nossa equipe de análise é um
pouco mais diversa. Os outros 3 profissionais respondem a qualquer
pergunta de pesquisa. Por exemplo, nos ajudam a decidir quanto de capital
alocar em cada equipe de gestão, algo que requer muitos dados. A nossa
equipe de análise também tem um papel relevante em responder várias
perguntas que são importantes no nosso processo de gestão como: “Qual é a
melhor regra de stop ? Como eu dou os avisos para os gestores com relação
à regra de stop ?”. É uma questão quantitativa que demanda fazer contas. E
por aí vai. Temos duas pessoas na equipe que são cientistas de dados, para
poder responder a outras perguntas, como por exemplo o posicionamento de
outros fundos em cada mercado. É uma equipe mais quantitativa que
analisa dados para nos auxiliar.

De que forma funciona a estrutura de gestão no dia a dia?

Cada book tem uma cota. Então todo dia eu tenho as cotas gerenciais dos
fundos, a minha e a de cada gestor. Isso é importante para o processo de
investimento. Porque decisão colegiada às vezes gera frustração. O gestor
leva uma ideia e essa ideia não passa no comitê. Então cada gestor tem
liberdade para montar as suas posições. Um gestor pode estar comprado em
NTN-B no book dele e eu vendido no mesmo ativo no meu book . No final
do ano, vamos ver se eu não aloquei certo ou se o erro foi do gestor do
mercado de juros que não geriu bem no mercado dele. Então isso fica claro,
sem frustação. Fica existindo uma atribuição de responsabilidade. Nós
temos os comitês, mas a decisão é totalmente descentralizada. Cada gestor
toma suas próprias decisões, e se eu não gostar, faço o contrário no meu
book . Até porque, em algum momento, eu posso estar no meu fundo
procurando proteções. Imagine que está todo mundo otimista com Brasil, e
a mesa de dólar está vendida em dólar, a mesa de bolsa está comprada em
bolsa, a mesa de juros está aplicada em pré. Eu penso: “Opa, acho que está
muito concentrado, tenho que procurar uma proteção”. Aí procuro um
hedge para que a carteira total faça sentido. Eu não necessariamente estou
alocando nas mesma ideias deles. Às vezes sim, mas o importante é que a
posição total do fundo faça sentido.

E como é a tua rotina e a da equipe?

A maior parte da equipe chega no escritório 7:30h da manhã para se inteirar


das notícias que aconteceram na madrugada. A rotina típica é ler vários
jornais do Brasil, lá de fora, e nós dividimos isso em grupos. Um grupo vai
cobrir o noticiário do Brasil, um outro da Austrália, da Europa, Canadá e
por aí vai. Nós fazemos uma reunião, que começa 8:10h e vai até 8:40h,
para compartilhar esse material. É a nossa reunião de caixa. Mas não
tomamos decisões nas reuniões de caixa. Nós compartilhamos informação
para que todos saibam o que está acontecendo, seja no micro das empresas,
seja no macro dos países. Depois disso olhamos a abertura de mercado. O
restante do dia varia de equipe para equipe. No meu caso, eu passo menos
tempo olhando o mercado e mais tempo lendo. Se estou querendo entender
mais sobre o mercado da Austrália vou ver vídeos sobre o mercado
imobiliário da Austrália, vou ler relatórios, tentar conversar com pessoas e
marcar calls com bancos australianos para conversar com eles. Além disso,
tipicamente, tenho uma ou duas reuniões com a minha equipe ou o
subgrupo da minha equipe. Por exemplo, hoje vou sentar com o subgrupo
de volatilidade para eles me falarem quais são as oportunidades que estão
vendo nesse mercado. Amanhã é o dia que sento para discutir com o
pessoal de renda fixa no Brasil e o pessoal de dólar aqui no Brasil. Depois
passo o dia pensando sobre algum tema de investimento. Eventualmente
tenho reuniões com outras pessoas que podem auxiliar, como consultores e
outros bancos dos quais sejamos clientes. Muitas vezes não surge nenhuma
ideia nessas reuniões. Mas, num belo dia, você que já vinha amadurecendo
um tema de investimento e já tinha o preço certo para colocar, ganha uma
visão mais forte sobre ele e uma ideia para implementar. Aí sim, nesse dia
que eu implementar a estratégia, vou olhar mais de perto o mercado,
conversar mais com o grupo especialista nele e vamos começar a montar a
posição. Quando você enxerga a oportunidade, você vai e executa ela no
mercado.

Alguém te ajuda a acompanhar as tuas posições?

No dia a dia penso mais as posições de longo prazo, mas a minha equipe
sabe as posições que eu tenho em cada mercado. Se sai alguma notícia
relevante, eles vêm imediatamente me avisar. Às vezes um movimento de
preços pode me levar a concluir que seria bom diminuir ou aumentar um
pouco a posição. Mas preciso discernir o que é tendência e o que é ruído.

Esse é um baita desafio... Como filtrar ruído de tendência?

Essa pergunta é importante e de difícil resposta. Na minha experiência, a


melhor coisa a fazer é, quando você monta uma posição, já tentar identificar
os fatores que irão provar ou negar a sua tese. Principalmente aqueles que
mostrem que você está errado. Então, de modo geral, quando eu monto um
tema, já tento identificar o que é importante e o que vou acompanhar no dia
a dia. Justamente para tentar, no ruído do mercado, não deixar que aquilo
afete a minha tomada de decisão, e leve a uma decisão precipitada.
Gostamos de contratar consultores independentes como fontes de
informação. Lemos as notícias de jornal, olhamos os dados econômicos
com bastante detalhe, isso é importante. Mas gostamos de ter algum
consultor para ter uma segunda opinião não enviesada, para checarmos o
que estamos fazendo. Fora isso, é falar com outras pessoas, tentar entender
o que elas estão achando, para estar sempre testando se sua tese de
investimento vale ou não.

Você poderia falar um pouco sobre os fatores de risco de cada book ?

Por exemplo, eu posso fazer uma posição Long & Short no setor de
elétricas. Se faço isso, dimi nuo o risco de juros, porque todas essas
empresas são influenciadas por juros. Diminui também o risco de
regulação, porque todas as empresas são do mesmo setor. Além disso,
dentro deste setor, uma empresa vai se sair melhor do que outra, por
exemplo, na construção das linhas de transmissão. Se eu pegar uma ação
individual, ela estará sujeita a vários fatores, mas posso usar hedges para
pegar o fator que eu quero. Às vezes, fazemos isso. O caso da Petrobras é
outro exemplo. Eu não quis investir nessa ação durante algum tempo, mas
houve uma melhoria na gestão da empresa. A empresa ia melhorar, ser mais
profissional, ia vender ativos, diminuir as alavancagens etc. Entretanto, ela
ainda estava dependente do preço do petróleo. As melhorias de gestão não
adiantam muito se o petróleo despencar, porque é o produto que a empresa
vende. Então, eu posso travar esse risco, de certa forma, se eu comprar
Petrobras e vender contratos de futuros de petróleo. Existe uma arte que é
saber quanto de petróleo vender. Isso não é uma decisão fácil, mas pode ser
tomada. Portanto, com operações intrassetoriais, intersetoriais e trade de
ações para os mercados macro, é possível apostar em ativos específicos,
isolando alguns riscos. No câmbio, essas operações são mais difíceis,
porque são muitos fatores influenciando. Além dos fatores locais de
determinada moeda, existe sempre a influência do dólar e das decisões do
FED, que impactam o mundo. Já as operações com juros de curto prazo são
as que têm menos influência. Geralmente juros curtos têm a ver somente
com a política monetária e a economia do país em questão. Já nos juros
longos, existe um componente global forte. Geralmente, os vencimentos de
juros longos de diversos países andam mais juntos do que os vencimentos
de curto prazo. Então, até construirmos um portfólio, prefiro que meus
gestores façam mais posições nos juros curtos do que nos longos. Nós
estamos em um período de juros brasileiros baixos, então está todo mundo
com a cabeça do TINA: “ there is no alternative to equity ”. Muitos pensam
que todo mundo no Brasil vai ter que comprar ações porque os juros estão
baixos. Quando pensam em ações, pensam em Ibovespa. E qual é o
problema de disso? É porque 30% das ações do Ibovespa são ligadas a
commodities. Ações de commodities não tem a ver com os juros baixos no
Brasil. Além disso, 30% do Ibovespa é composto por ações de bancos. E
pode ser que os bancos percam com esse cenário de juros baixos. Não é
óbvio que eles vão ganhar. Para essa dinâmica faz mais sentido comprar
uma ação de uma empresa de consumo doméstico, por exemplo. Todos
esses aspectos são considerados.

Como vocês estruturaram a mesa de gestão quantitativa?

Sempre questionamos o nosso diferencial competitivo. Onde podemos


agregar valor e competir no mercado de fundos. Quem está na fronteira do
conhecimento quantitativo, investindo mais recursos e esforço, tem
vantagem sobre você. O que temos tentado fazer é coletar prêmio onde haja
motivo econômico e montar estratégias que se beneficiem desses prêmios.
Por exemplo, sabemos que, ao longo do tempo, se comprarmos ações
baratas e vendermos ações caras, teremos um motivo econômico para
ganhar dinheiro. Se olharmos as séries históricas com vários mercados
diferentes, veremos que isso dá dinheiro. Então programamos medidas de
valor que achamos relevantes com um filtro qualitativo nosso. Testamos
pares de ações globais usando esses filtros para ver se no passado isso teria
funcionado e ver o quão consistente foi esse prêmio ao longo do tempo. Se
houver consistência histórica, implementamos essa estratégia. Ou seja,
começamos a usar as nossas medidas de valor para fazer uma carteira de
gestão de ações Long & Short global. Colocamos um sinal quantitativo, que
tem evidência empírica, intuição econômica, e colocamos para funcionar.
Existem outros prêmios: de valor, de qualidade, de momentum , de
carregamento, em vários tipos de mercados diferentes, seja dentro de ações,
mercados futuros, ou posições direcionais. Isso agrega valor, principalmente
para o portfólio brasileiro, porque geralmente esses retornos são pouco
correlacionados com ativos brasileiros. Você consegue montar uma carteira
mais eficiente agregando esses sinais. Uma vez que o perfil é diferente, essa
é uma mesa separada. Por exemplo, a mesa de Long & Short Brasil tem o
perfil de analistas que conversam com as empresas, entendem o negócio. A
mesa de gestão sistemática se baseia em dados. São profissionais que
passam o dia todo no Python ou no Matlab programando e testando
modelos.

Vocês também monitoram fluxo?

É fácil acompanhar o fluxo, difícil é tomar uma decisão baseada só nele. O


que nós olhamos são momentos extremos de posicionamento. Se todos os
hedge funds e todos os multimercados estão posicionados numa direção,
com relação ao histórico, não é o momento de montar uma posição naquela
direção. Você fica menor, zerado ou até monta uma posição na direção
contrária.

O fluxo te ajuda a tentar entender movimentos de mercado sem


notícias que os justifiquem?

Quando se trata de fluxo de curto prazo baseado em notícias, geralmente, os


quantitativos são os caras que ganham dinheiro. Os qualitativos, quando se
metem nesse jogo, têm dificuldade de entender e são dominados. No caso
de ações americanas, existe uma porção de empresas contratando
provedores de big data e usando, literalmente, centenas de pessoas para
analisar isso. Não vamos conseguir ter um edge aqui no Brasil nesse
mercado no curto prazo. Tem empresas quantitativas que usam algoritmos
supersofisticados. Nós olhamos o fluxo e tentamos entender o que está
acontecendo. Às vezes, pode haver um descolamento técnico que gera uma
oportunidade. Mas é difícil ganhar dinheiro só com essa informação
isoladamente.

Como você pensa em cenários para as posições que pretende montar?

Acho que a maioria das pessoas pensa apenas no cenário modal da


distribuição de probabilidade, aquele que tem maior chance de ocorrer, mas
elas deveriam focar na cauda da distribuição e no cenário médio. É daí que
vêm muitas formas que usamos para nos posicionar. Diferentemente de
outras casas, não pensamos só no cenário mais provável. Ele é um dos
analisados e pode ser o menos importante para a tomada de decisão.
Geralmente, para mim, é o menos importante. O mercado tende a formar
expectativas baseadas no passado recente, um viés cognitivo que gera
oportunidades. Fazemos um conjunto de cenários, precificamos o mercado
em vários deles e comparamos com o valor atual. A partir daí, atualizamos
a probabilidade de cada um dos cenários de acordo com as evidências
daquele momento e comparamos novamente com os preços. Se surge uma
oportunidade, eu monto uma posição. Aí vem outro passo importantíssimo,
que é definir o tamanho da posição. Se minha distribuição de cenários está
muito diferente dos preços, vou para uma posição maior. Se essa diferença
for menor, monto posições menores. Basicamente, o tamanho é
proporcional à distância do preço atual daquele ativo em relação aos valores
projetados nos diferentes cenários. Tentamos buscar essa assimetria nos
diferentes mercados.

Como um gestor percebe quando está errado?

Seguindo o que falamos sobre teste e ruído, analiso cada oportunidade


sempre como uma hipótese e contra-hipótese. Se começo a ver indícios de
que minha contra-hipótese é verdadeira, naturalmente mudo minha posição.
Se o gestor é disciplinado, vai reconhecer as evidências contrárias e
diminuir a posição. Qual a dificuldade disso? Um pouco de ego, de
reconhecer que está errado. Às vezes, o gestor insiste em achar que as
coisas vão virar para o seu lado, mas isso não deveria ser um problema se
ele for disciplinado. É importante ter outra pessoa olhando os dados junto
com o gestor para dar isenção à análise sobre a posição que ele escolheu. A
pior situação ocorre quando o mercado vai contra o gestor, mas ele não vê
evidências de que sua hipótese esteja errada. O que isso pode indicar? Pode
ser só uma oportunidade para aumentar a posição ou pode ser um sinal de
que ele não mapeou direito todas as possibilidades. Além da hipótese base e
contra-hipótese, ainda pode acontecer uma terceira que ele nem mesmo
previu, embora isso seja dificílimo de ocorrer. Mas para momentos assim,
temos o stop. É o ponto no qual o mercado diz que estamos errados.
Zeramos a posição porque a tese está se provando errada, mesmo com as
evidências todas a favor. Esse é o stop mais difícil. Muita gente acha que
gestão é acertar 80% e errar 20%. Para mim, gestão é acertar 60% e errar
40%, mas nos 60% ganhar muito mais do que as perdas registradas nos
40%. Quando uma posição perde mais do que o esperado eu saio da
posição. Não quer dizer que depois eu não vá voltar, que eu não venha a
rever a minha posição. Mas, naquele momento, eu saio para preservar essa
característica de assimetria de payoff . Passado um tempo, eu vou rever o
caso do zero, fazer todo o dever de casa. E não volto para a posição rápido.
Você precisa ficar um pouco fora da posição para conseguir ter o
desprendimento necessário para avaliá-la de uma forma objetiva
novamente. Essa disciplina é sempre difícil...

Como você lida com mudanças de volatilidade dos mercados?

O modelo RiskMetrics assume uma distribuição normal de retornos. Além


disso, esse tipo de modelo estima que se o mercado estiver pouco volátil, irá
continuar assim. E o contrário também. Qual é o problema disso? É que, se
todo mundo usar isso, a estratégia gera um viés no mercado: essas medidas
de controle de risco serão estouradas todas de uma vez! O mercado tem essa
característica peculiar de que, quando se mexe entre 1,6x e 1,9x desvios-
padrão, contra a tendência anterior, você geralmente tem um spike que faz
os preços pularem três ou quatro desvios-padrão. Ou seja, quando o
mercado anda um pouco contra uma tendência, ele tende a dar um salto,
porque todo mundo usa a mesma metodologia. Quando passar daqueles
limiares de risco, todo mundo vai sair ao mesmo tempo. Quando isso
acontecer, teremos mais chances de comprar barato se o gestor souber quais
são os pontos de stop do mercado.

E quanto à correlação futura? Ela também pode mudar...

Sim. O que interessa, na verdade, é a correlação nos momentos de stress ,


não na média. Nos momentos de stress, as correlações mudam muito.
Geralmente, as correlações entre os diversos mercados aumentam.

Um desafio constante é ponderar retorno e volatilidade. Como lidar


com isso?
A ideia é termos fundos all weather , bons para todos os climas. Fundos que
tenham mais chances de sobreviver no longo prazo. É assim que gostamos
de pensar. Temos fundos para vários níveis de risco, com maior ou menor
volatilidade . Em qualquer um dos fundos, o nome do jogo é consistência.
Sabemos que, em algum mês, vai ter um outro fundo no mercado com
rentabilidade melhor. Às vezes, muitos fundos concorrentes estão em
posições grandes numa direção, mas isso não nos faz mudar nosso processo.
Suponhamos que todo o mercado esteja com uma posição gigante no pré.
Não temos problema com isso. Teremos posições no pré, em ações que
gostamos, em Long & Short , em volatilidade. Essa combinação, com o
tempo, gera um resultado para o cliente tão bom quanto o das outras casas,
mas de uma forma que achamos mais sadia. Não vai ter o grifo de uma só
aposta, e naufragar o fundo junto com ela. Gestor precisa ter confiança, mas
não o excesso dela.

Como você define a alocação de risco em cada gestor dentro dos 50%
do fundo que não estão sob a sua gestão?

Levo em conta a confiança que tenho nesse gestor para ganhar dinheiro e os
aspectos qualitativos das conversas do dia a dia. No aspecto qualitativo,
para alocar no gestor, preciso ver que o processo dele está redondo e que ele
de fato tem um bom gerenciamento de risco. No aspecto quantitativo, a
primeira coisa que olhamos é a performance histórica do gestor. Em seguida
olhamos a correlação desse gestor com os demais. Se temos dois gestores
que consideramos igualmente bons, preferimos alocar mais naquele que
está menos correlacionado com os outros. Não adianta termos dois gestores
muito bons que sempre ganham juntos e perdem juntos. É mais interessante
termos dois gestores que ganhem em momentos distintos. Que na hora da
crise, entreguem retorno de formas diferentes. O book Long & Short
geralmente tem baixíssima correlação com o mercado. Mas um cara que faz
bolsa direcional tem mais correlação com o que faz pré. A terceira coisa
que nós olhamos para alocar risco em um gestor é como ele se comporta em
eventos extremos. Clientes se preocupam quando há uma queda grande da
cota. É isso que, no final das contas, preocupa o cliente. É o critério mais
difícil de se ter dados. Calcular o retorno do gestor pela cota diária é fácil.
Já calcular como ele se comporta em cenários de cauda é mais difícil,
porque não há tantos dados. Então, tentamos medir isso, mas o bom senso
prevalece. Não adianta alocarmos muito dinheiro num gestor de ações small
caps , porque a liquidez desse mercado é restrita. Se alocarmos mais, ele vai
parar de ganhar dinheiro. Podemos alocar mais num gestor de pré, porque
esse mercado tem mais liquidez. Isso é importante também. Não podemos
supor que o gestor vai para o mesmo nível de rentabilidade
independentemente do capital alocado nele. Então, o quarto critério é
liquidez. Temos esses quatro critérios que vamos observar para alocar ou
reduzir capital de um gestor. E isso é feito de forma dinâmica ao longo do
tempo.

Como você define o capacity do fundo?

Penso no mínimo de risco que eu poderia ter naquele mercado. Em small


caps , nunca concentro muito. Mas se eu fosse ter small caps eu acredito
que alocaria, por exemplo, 15% do risco do meu fundo. Então, não posso
ter um tamanho de fundo no qual isso fique impossibilitado. Temos uma
conta para cada mercado e vemos qual o tamanho máximo da posição que
poderíamos fazer. Então, é exatamente essa conta. Temos que fazer isso sem
nos basearmos no momento presente, mas sim no que podemos vir a querer
fazer.

E como avaliar a performance do book de cada gestor?

Bom, primeiro a janela de tempo. Ela é a mais ampla possível para


podermos olhar e avaliar um gestor. A dificuldade disso é que nem sempre
os dados estão disponíveis. Geralmente digo aos gestores que é como se
eles trabalhassem aqui na Kinea com o conceito de três anos. Isso significa
que, embora a avaliação seja anual, estou olhando uma janela de três anos
dentro da empresa. Tem de ser uma janela longa, porque no curto prazo há
ruído. Olhamos uma janela longa para avaliar se aquele tipo de estratégia
continuará rendendo daqui para a frente. Porque, às vezes, o mercado muda.
Às vezes um gestor ganhou de um jeito no passado, mas atualmente o
mercado não funciona mais desse jeito. Por exemplo, o mercado de opções
sempre cobrou caro por opções muito fora do dinheiro. Gestores de mesas
de opções ganhavam dinheiro cobrando caríssimo por esse seguro. Ao
longo do tempo, mais gente começou a oferecer esse tipo de seguro que
antes era muito caro. Então esse seguro deixou de ser caro e não deve dar
tanto dinheiro daqui para a frente. Outro exemplo: nos últimos anos,
qualquer gestor macro de G10 teve dificuldade, porque não houve grandes
oportunidades nesses mercados. Já gestores de pré no Brasil, nos últimos
três anos, ganharam à beça. Isso quer dizer que esses são bons? Não, quer
dizer que houve um bull market gigantesco no pré. Então para os gestores
de G10 precisamos olhar como eles rentabilizaram em comparação à classe
de ativos do mandato deles. Mas, continuando, também acompanhamos o
Índice de Sharpe, que todo mundo olha. Olhamos também medidas de
dispersão. É como se tentássemos ajustar a cota do gestor para ver o quão
próximo ele está de uma reta. Ou seja, quão consistente ele está. Observo
ainda as medidas de eventos extremos e há várias que podem ser analisadas.
Podemos calcular o retorno sobre os 5% piores resultados, por exemplo.
Escolhemos métricas de consistência, pois o cliente gosta quando o gestor
tem o perfil de um maratonista.

Me fale mais sobre como você avalia qualitativamente os gestores de


cada book ...

Nunca vi um gestor sem processo ter boa performance. E não existe um


processo único, cada gestor tem um. Não forço ninguém a ter o mesmo
processo, porque algo que funciona para um pode não ser adequado para os
demais. Mas eu quero que cada um tenha um processo definido. O que eu
analiso ao longo do tempo também é a tomada de decisão do gestor, se há
consistência com o processo que ele definiu, seja ele qual for. Nessa
profissão, há uma coisa importante que aprendi: o emocional é
preponderante. As principais decisões são aquelas que o gestor toma em
momentos nos quais o mercado está nervoso. Ele precisa aceitar essa
emoção, saber lidar com ela e ter um processo que o leve a uma decisão
consistente. Gestores que fazem isso tendem a se sair melhor. Ao longo do
tempo o processo individual de cada gestor pode mudar e não há problema
nisso. Mas é um problema se essa mudança ocorrer em momentos de stress.
A melhor ocasião para mudar um processo de investimento não é quando
você está perdendo dinheiro, mas quando está ganhando. O problema é que
o gestor fica pressionado quando está perdendo. Então o ideal é que ele
tenha a confiança de continuar seguindo o processo. Depois, com mais
calma, ele pode olhar para trás e ver o que funcionou na gestão e o que não
funcionou, para então aprender, mudar e evoluir. Mas, no meio do furacão
não é o momento de se fazer isso. Meu patamar de compreensão do gestor
muda depois que ele passa por uma crise. Saber como ele vai reagir é
fundamental, se ele segue o mesmo processo, se ele mantém a calma. Todo
gestor vai passar por dificuldades alguma hora, mas se acreditar no que faz
e seguir o seu processo, ele terá mais chances de ser vitorioso no longo
prazo.

Cada gestor tem um estilo?

Há várias diferenças entre eles. O gestor de volatilidade é aquele que está


tentando precificar se o mercado em outubro vai ser mais nervoso ou mais
calmo, por exemplo. Aqui na Kinea é um profissional que olha para uma
grande matriz de seguros pelo mundo para ver se eles estão baratos ou caros
em relação ao histórico. Ele se importa apenas em saber em que nível desse
seguro está em relação ao histórico e como fazer a combinação com outros
seguros. Ele olha pouco a economia. Já o gestor que faz moedas do G10 é o
contrário. Ele fica a maior parte do tempo tentando ponderar qual vai ser o
cenário. Dedica 70% do tempo a olhar o cenário econômico e ver
assimetrias de preço para o mercado. O foco dele é a economia. Ele não
está precificando seguro, mas está tentando precificar a probabilidade dos
cenários econômicos. O caso do gestor de bolsa é curioso. Há dois perfis no
Brasil: o que faz Long & Short e outro que faz Long Bias . Aquele que faz
Long & Short opera o curto prazo. O que ele quer saber? Qual empresa está
indo bem ou mal agora. É esse o DNA dele. É um gestor de curto prazo
cuja rotina é conversar com todas as empresas e analisar os dados para
projetar quais setores e quais companhias vão surpreender e decepcionar ao
longo dos próximos meses. Mas, no caso do gestor Long Bias, a discussão é
outra. Ele está olhando para o horizonte de dois, três anos e quais são as
empresas que podem ser vitoriosas. Gestores gostam de ganhar dinheiro,
mas têm personalidade. Há os que ganham mais dinheiro sendo otimistas e
outros, mais pessimistas. Todo mundo fala que não, que não existe viés, que
ganha de qualquer forma. Mas na minha experiência, claramente, há
pessoas que são naturalmente otimistas e outras que são pessimistas. Há
gestores que ganham em bear market, outros que ganham em bull market ,
e aqueles que, de fato, conseguem ganhar nos dois. Há também os vieses
dos próprios gestores. E é bom se eu tiver um de cada. O meu gestor de
renda fixa, por exemplo, ganha dinheiro, na média, em bull market . O meu
gestor de cupom cambial ganha, geralmente, em bear market . Se eu tiver
os dois juntos, eles funcionam melhor do que cada um separadamente. E,
talvez, eu não consiga tirar o viés da pessoa, porque é difícil, mas consigo
tirar o viés da casa. Todo mundo fala que consegue tirar o viés de si mesmo,
mas, na minha experiência, isso é raríssimo. A maioria de gestores tem viés.
Se conseguirmos combinar os dois perfis para olhar dois mundos diferentes,
podemos dar informação por meio de dois pontos de vista, e esse portfólio
combinado é mais eficiente. Outro aspecto que gosto de verificar em um
fundo, quando analiso sua carteira total, é o quão independente minha
carteira está de determinados vetores de mercado. Se um só vetor de
mercado explicar muito o retorno da minha carteira, fico um pouco
desconfortável. Nós medimos até estatísticas de componentes principais. Se
poucos componentes independentes explicam mais de 70% do retorno,
alguma coisa não está legal.

Como vocês trabalham os vieses comportamentais de cada gestor?

Os chefes de cada mesa e eu desempenhamos esse papel. Estamos sempre


conversando com os gestores para saber quais são os seus dados, seus
vieses e para tentar melhorar o processo de investimento de cada um.
Internamente temos isso. E temos consultores externos que nos ajudam,
principalmente na parte de mind fitness . Mind fitness é basicamente estar
com a cabeça no lugar para tomar decisões. Já falei para alguns membros da
equipe: “Você está estressado demais e esse estresse está prejudicando o seu
resultado. Você está precisando de um mind fitness ”. Eu já vi o caso de
uma empresa gestora no exterior que contratou um profissional que treinava
atletas de golfe. Era alguém que deixou de treinar os melhores golfistas do
mundo para ser exclusivo na empresa, que buscava melhorar a performance
dos gestores. O mercado é um ambiente competitivo. Treinamentos como o
de mind fitness fazem a diferença. Existem pessoas que acham isso uma
frescura, mas é bem importante.

Como você analisa o estado da economia num dado momento, em


comparação a ciclos econômicos anteriores?

Olhar o histórico é importantíssimo, mas é preciso saber qual histórico. O


melhor é olhar um período diferente do que você viveu recentemente.
História é fundamental. Olhar os dados ajuda a entender o que pode
acontecer e gera objetividade. Com o passar do tempo, vamos passando por
cenários diferentes, ganhando mais experiência por ter vivido coisas
distintas. Nessa profissão, ganhamos experiência com as crises e momentos
que passamos, mas também temos de olhar períodos da história em que não
vivemos. Porque ao olhar apenas para o que o gestor viveu na pele é
limitado, dado que o que ele viveu na sua carreira profissional pode ser que
não se repita.

Para terminarmos, como você vê o futuro dos fundos macro?

No Brasil o mercado de fundos é 90% macro. Nos Estados Unidos


estratégias macro são apenas 10%. A indústria macro aqui no Brasil foi
atipicamente bem nos últimos anos, porque houve oscilações muito grandes
no mercado de juros e bolsa, grandes movimentos direcionais nesses dois
mercados, enquanto a indústria lá fora teve dificuldade, devidos a menores
oscilações em moedas e juros. Lá fora, a última década foi bem difícil, e
acho que a próxima vai ser melhor. Na próxima recessão mundial os fundos
macro globais devem ir bem. No Brasil, teremos que ser um pouco menos
macro, para virar um pouco mais micro, num movimento contrário.

Capítulo 9
LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO E
LUIS GARCIA  | MAUÁ CAPITAL 
L uiz Fernando Figueiredo é CEO da Mauá Capital. Antes de fundar a
Asset, foi sócio de Armínio Fraga na Gávea Investimentos, diretor de
política monetária do Banco Central e executivo em diversas instituições
financeiras. Luis Garcia também ocupou posições de destaque no mercado
financeiro, e lidera o time de gestores responsáveis pela estratégia macro
da Mauá Capital.

Como explicar o que é um fundo multimercado para alguém que está


começando a se interessar por investimentos?

Luis Garcia: É um produto que investe em vários mercados e tenta se


apropriar das melhores oportunidades. Há todo um processo por trás, mas
no final do dia é isso: compramos o que achamos que vai subir e vendemos
o que achamos que vai cair. Obviamente, temos um conjunto de
informações, de vários inputs, que nos levam a tomar a decisão de comprar
ou vender. Há uma série de complexidades por trás disso. Por exemplo:
“Como lidamos quando o preço sobe e esperávamos que caísse? O que
fazemos? Compramos mais ou menos? Como revemos nosso conceito?”.
Aprendi ao longo da vida a olhar para risco da seguinte forma. Por
experiência, sabemos que os ativos que nos propomos a cobrir, no Brasil,
têm três ou quatro grandes movimentos por ano. O que chamamos de
grandes movimentos? São grandes oportunidades ou grandes assimetrias.
Ou seja, quando o preço de um determinado ativo se desloca de forma
significativa em relação ao preço que avaliamos como o valor justo. Então,
se o dólar está muito acima do que achamos que deveria estar, se a bolsa
está muito abaixo, ou se os juros estão muito mais altos. Essas seriam
grandes assimetrias ou oportunidades. Se, em um ano, elas ocorrem
somente três ou quatro vezes, precisamos ter em mente duas coisas: não
podemos correr risco o tempo inteiro e, quando aparecerem essas
oportunidades, não devemos nos posicionar de forma pequena. Precisamos
ir com um tamanho grande o suficiente para ganharmos, pelo menos, um
terço do resultado total previsto para o ano. Idealmente, devemos fazer até
um pouco mais, porque nem sempre acertamos nas três oportunidades. Às
vezes, acertamos bem duas, uma acertamos uma de forma parcial e em
outra perdemos, por exemplo. O importante é que poucas vezes em um ano
o cenário está claro e fica evidente de que o preço, na nossa visão, está
muito deslocado. Então, a pergunta é sempre a seguinte: de que maneira
descobrimos esse momento mágico, que é o que procuramos o tempo
inteiro? É um processo maçante. Temos de manter o cenário
macroeconômico o mais calibrado possível, o tempo todo, para sairmos
com os inputs dos preços dos ativos. Quando temos um cenário
macroeconômico calibrado, conseguimos entender onde a taxa de juros e o
câmbio deveriam estar. Em um fundo multimercado macro, o princípio de
tudo é ter um bom cenário macro. Ter o cenário macro atualizado, preciso e
profundo para entender exatamente como as forças da economia estão
agindo naquele momento. Deveríamos poder dizer: “O ciclo de juros está
em um momento abaixo da taxa neutra, portanto, estimulativo”. Para a taxa
de câmbio, vamos precisar estudar o cenário de pelo menos dois lugares
diferentes. Por exemplo, o cenário do Brasil e dos Estados Unidos. Ou seja,
estudamos os cenários dos dois países e imaginamos onde deveria estar a
taxa de câmbio, qual seria o preço justo. O mercado, sempre dizemos,
nunca está no valor justo. Está sempre para um lado ou para outro.

Luiz Fernando: O Warren Buffet tinha uma frase assim: “O mercado, todos
os dias, diz quanto acha que valem seus investimentos. E ele está sempre
errado. Ele invariavelmente está errado”.

Luis Garcia: Acho que este é o starting point. O mercado de juros, por
exemplo, depende muito do mercado interno, da política monetária, e pouco
do cenário dos outros países. Outros ativos, como a taxa de câmbio, são
mais complexos, como falei, e dependem, no mínimo, de dois cenários
macros bem calibrados, o do seu país e do outro, para fazer o cruzamento.
Quando falamos de bolsa, por exemplo, precisamos do nosso cenário macro
e também de cenário micro. Então, a coisa fica mais complexa. O que nós
acreditamos é no jeito de analisar essas grandes oportunidades ou grandes
assimetrias. Não sabemos o que vai acontecer, obviamente. Mas olhamos
para o preço e avaliamos se há uma chance muito menor de ele ir contra do
que a favor, em relação à direção que acreditamos que o valor desse ativo
seguirá.

Luiz Fernando: Um exemplo legal disso que o Luis falou foi em 2015 ou
2016. Achávamos, se não me engano, que os preços de serviços iriam cair
muito. Então, a inflação, que tinha sido 7,0%, iria cair para 5,0% no ano
seguinte. Acontece que o mercado apostava em 8,0% de inflação para
aquele ano. Então, se estivéssemos errados e o preço de serviços não caísse
e a inflação ficasse em 7,0% ou 8,0%, nós não perderíamos. Quando o Luis
fala em assimetria é o seguinte: achamos que vai acontecer algo diferente
do que o mercado acha, só que o mercado nos dá “colchão” suficiente para
que, mesmo que estejamos errados, não percamos ou percamos pouco.

Luis Garcia: Exatamente. Assim, simplificadamente, acho que esse é o


conceito. Tudo começa com uma pequena assimetria, um pequeno
deslocamento. Começamos a observar uma pequena assimetria, que vira
média, média-alta, até que achamos que já chegou a um preço que, para
perdermos, algo raro teria de acontecer. Seria muito difícil. Por isso é
importante, todo dia, rever o cenário. Todo dia questionamos nosso cenário
macroeconômico. Se ele está certo ou errado, se precisamos calibrar aqui ou
ali. Chegou uma informação nova, como nos reposicionamos, como
reavaliamos o cenário. Enfim, é um trabalho de muita transpiração. E outra
coisa que acho importante dizer é que existe uma falácia popular, até na
mídia, de que gestores gostam de volatilidade.

Luiz Fernando: A gente escuta isso há muito tempo.

Luis Garcia: Isso é uma mentira. Não gostamos de volatilidade. Gostamos


de tendência com baixa volatilidade. Gostamos daquele ativo que
compramos hoje, amanhã sobe um pouco, depois mais, e vai subindo. É
disso o que mais gostamos. Esse negócio de sobe e desce frenético não nos
interessa. Eu não sei quem criou essa ideia, que virou lugar-comum no
mercado, mas isso com certeza não é verdade.

Luiz Fernando: E não é só de tendências que gostamos. É, em geral, de


tendências para cima. Porque para baixo, cai e você compra. Aí cai mais.
Pensamos que “agora está barato demais”, mas sempre pode ficar mais
barato.

Luis Garcia: Quem se dá bem no mercado de volatilidade são os market


makers . Por quê? Se não se sabe bem onde está o preço, quem ganha são os
market makers dos bancos, que eram os antigos “armazéns de risco”, que
conseguiam receber o risco do sistema. Hoje em dia, eles são muito
menores, praticamente inexistentes. Toma muito capital o negócio de
posições proprietárias em bancos. Além disso, quem gosta de volatilidade
são os gestores que usam algoritmos. Agora, o trader direcional, position
trader, não gosta desse tipo de coisa. Gostamos de movimentos direcionais.
Pegando o gancho, outro conceito importante é o seguinte: a volatilidade no
mercado em alta é completamente diferente da volatilidade em um mercado
em baixa. O mercado em alta tende a ter uma volatilidade comportada,
muito mais tranquila do que o mercado em baixa. O mercado em baixa,
sempre falamos, é aquele que poucos traders sabem operar bem. Não é o
meu caso, não sou um cara que faz bem o mercado de baixa.

Luiz Fernando: São poucos.

Luis Garcia: E por que é tão difícil? Porque os Bancos Centrais e políticos
estão sempre procurando um jeito de reverter aquela tendência negativa dos
mercados. Então, você está sempre sujeito a acordar de manhã com uma
notícia de uma autoridade monetária, de um político ou de um grande
player de mercado.

Luiz Fernando: Além disso, o mercado, com toda sua sofisticação, é um


punhado de pessoas tomando decisão. Tenho um jeito divertido de falar que
é o seguinte: 100% do tempo, nossa razão briga com a emoção. Quando a
emoção ganha, perdemos dinheiro. É certo. Quando a razão ganha, temos
50% de chances de ganhar. É difícil! Não é algo simples. Num fundo
multimercado, ficar sem tomar posição custa caro, porque os custos por si
só já irão fazer o fundo render abaixo do CDI. Não ter opinião custa caro.
Então, com o mercado em baixa, é sempre mais difícil. Os governos sempre
respondem. O país está indo bem e, de repente, entra em uma crise. Lá
atrás, quando o real começou a pesar nos mercados, o governo falou na
famosa “marolinha”. Todo governo fala. Que é a fase que nós chamamos de
denial , negação. Ele está negando que haja algum problema. Então o
problema cresce. Porque o ideal, naquela fase, seria reagir. Se o governo
reagisse lá, o problema não cresceria. Às vezes, o governo não torna
público o problema, mas chegou à conclusão de que ele existe. E aí começa
a pensar em que medidas tomar. O mercado fica sem saber o que vai
acontecer até o momento em que o governo toma a decisão, que pode ser
suficiente, menor ou até maior do que o esperado. Vou relembrar vocês.
Quando nós entramos no Banco Central, em 1999, era até engraçado,
porque fazíamos questão de ser mais pessimistas que o FMI. Então, se acho
que a situação está ruim e o governo tem uma ação maior do que o
problema, fico tranquilo. Se a ação é ligeiramente inferior, o mercado fica
morrendo de medo.

Cada casa tem um DNA e estilo. Como vocês estão estruturados?

Luis Garcia: Quando eu trabalhava no BBA, havia oito mesas diferentes


tomando risco, cada uma com seu mandato específico de VaR , stress , stop .
O livro central tinha, mais ou menos, 40% dos limites totais. Então 60% do
risco estava nas mesas e 40% no livro central. Por quê? Porque um banco
tem várias áreas. Então ele consegue amortecer o resultado com o lucro de
várias áreas juntas. O maior desafio de um gestor de fundos é que temos
uma profissão na qual todos os nossos erros e acertos são públicos. Então,
toda vez que erramos ou acertamos está lá na cota. Todo mundo pode olhar
e dizer: “Ih, esse cara acertou ontem, errou ontem”. Nesse sentido, é
desgastante. Quando acertamos, somos os reis do universo. Quando
erramos, somos o pior ser humano na Terra. Quando temos sequência de
erros grandes, então... Isso faz parte, mas é a coisa que considero mais
desafiadora nessa profissão. Na nossa Asset temos as diversas mesas, com
seus respectivos mandatos e seus respectivos limites, mas o livro central é
mais importante. Por quê? Porque no meu passado de banco, se o livro
central não desse dinheiro, conseguíamos puxar resultado de outras áreas.
Aqui não adianta o gestor arrebentar na mesa dele, se o livro central não
ganhar dinheiro. Então temos um combo onde os livros individuais têm
valor, mas todo mundo precisa prestar atenção no livro central. Quando um
fundo chega a um certo tamanho, onde a taxa de administração é grande, se
recebe uma receita tão grande que permite migrar para o sistema
multiportfólio puro. Como se o fundo fosse a soma de todos os portfólios
individuais. A taxa de administração é como se fosse, dentro de um banco,
o dinheiro que é garantido, vamos dizer assim. Se você ainda não tem o
dinheiro garantido para todo mundo, é bom todo mundo prestar atenção ao
todo. Não há gabarito na hora de montar a estrutura de um fundo. Eu
sempre falo que o mais difícil, como em qualquer profissão, é achar
talentos. Em tese não deveria haver limites diferentes para três mesas
diferentes, mas se chega aqui um cara muito talentoso, vou ter que dar mais
limite para ele. O ideal é um gestor que opere bem um horizonte de
investimento de médio prazo. Mas, se chega aqui um cara super talentoso e
bom de gestão de curto prazo, vou mudar um pouco. Existe aquela regra de
administração de negócios: strategy, structure and people. Você pensa na
sua estratégia, com a estrutura adequada para a sua estratégia e quais são as
pessoas naquela estrutura que vão fazer tudo funcionar. Pensa como um
time de futebol. Eu vou jogar no 4-3-3. Daqui a pouco, falam que
arrumaram um centro avante espetacular, mas ele precisa de dois pontas-
direitas. Nesse caso, vou mudar o meu time. Agora, eu vou jogar com 4-2-
4. O talento, aquele cara que faz a diferença, muitas vezes nos obriga a
refletir sobre a estrutura. Precisamos ter um pouco de flexibilização porque
o mais difícil no dia a dia é justamente encontrar talentos.

Como encontrar esses talentos?


Luis Garcia: Excelente pergunta. Eu gosto muito do conceito de escola de
trading. O que é escola de trading? Aqui no Brasil, nós tivemos algumas. A
mais antiga e razoavelmente conhecida é a escola do Garantia. O Garantia
formou uma enorme quantidade de traders . Não sei bem a origem do
sucesso deles. Talvez fosse o jeito deles estarem organizados, o processo de
admissão ou a identificação das qualidades de cada profissional para as
determinadas funções. Mas era uma grande escola de trading . O BTG é
outra grande escola de trading. O Bahia, hoje, é a escola de trading mais
famosa. Formou não só a tesouraria do Bahia/BBM, mas formou vários
gestores de fundos extremamente bem-sucedidos. Todos vindos da escola
Bahia de trading, de caras que aprenderam a operar lá dentro. Isso é um
negócio que nos bancos acabou. Não existe mais dentro dos bancos escolas
de trading . Agora as escolas estão nos fundos. A próxima geração de
fundos vai começar na escola do Bahia. A Kapitalo, o próprio Bahia Asset,
a SPX. São gestores que foram formados na escola Bahia e já estão
formando os seus sucessores. Para mim, são esses os lugares mais óbvios
para você procurar um gestor. A primeira coisa que penso é pegar alguém
que já tenha passado por uma escola dessas. Não significa que quem não
passou por essas escolas não seja bom. Mas, se o cara passou por uma
escola dessas, dou muito valor para o aprendizado que ele teve com essas
pessoas, que são extremamente bem-sucedidas nessa profissão. O BBA,
onde eu e o Luiz Fernando trabalhamos, talvez não seja uma escola tão AAA
quanto foi o Bahia, BTG e o Garantia, mas acho que é uma escola de
trading muito boa também. Formou uma equipe de traders boa. Mas há
outras. Sempre que eu entrevisto algum profissional em trading pergunto
com quem o candidato aprendeu, quem o ensinou, quem admirou ou
admira, o porquê, e como ele faz a gestão de riscos. Não é fácil. O talento
por natureza é sempre o sujeito mais disputado. Mas, se o cara passou cinco
anos no Garantia, com certeza sabe alguma coisa. Se passou cinco anos no
Bahia, com certeza aprendeu muito. Se passou cinco anos no BTG ou na
SPX também. Em casas de estilo one man show é mais difícil haver essa
transferência de conhecimento. Obviamente, nós tentamos formar gestores
também. É difícil ter a paciência para formar alguém do zero, então ter uma
segunda linha boa ajuda. É difícil achar talentos. Na nova geração, todo
mundo só quer trabalhar em startup, então fica mais difícil ainda. Houve
um período dourado do trading, que nós vivemos um tempo atrás. Todo
mundo queria ser trader, todo mundo tinha um amigo que ficou rico com 22
anos, aquela história toda. Essa fantasia, esse canto da sereia, agora está
todo na tecnologia, em startups . Todo mundo tem um amigo que abriu uma
empresa, um negócio. Então, nós estamos em um período de baixa atração
de talentos.

Luiz Fernando, como foi a experiência de ter trabalhado como Diretor


de Política Monetária do Banco Central?

Luiz Fernando: Foi muito interessante. É uma ilusão achar que o Banco
Central sabe mais que a gente. E que ele é onipotente ou onipresente.
Onipotente, às vezes, até é. Mas, onipresente, é uma bobagem. Muitas
vezes, no Banco Central, você tem menos informação até do que o
mercado. Ele está entendendo menos do que o mercado sobre o que está
acontecendo. Então, isso era uma preocupação muito grande. Eu tinha que
me informar muito bem sobre o que estava acontecendo. É um jogo. Os
agentes de mercado diziam ao Banco Central o que era melhor para eles, e
não o que realmente estava acontecendo. Eu tinha a vantagem de lidar com
estas pessoas todos os dias até ir para o Banco Central. Eu vinha de um
banco de investimentos sofisticado. Então, sabia de todos os meandros.
Quando nós entramos, fizemos uma lista, se não me engano, de 10 ou 12
coisas que tínhamos de fazer. O mercado havia criado um mecanismo para
enviar dinheiro para fora e nós descaracterizamos direitinho esse
mecanismo. Eu lembro bem de um cara, de um banco grandão, que veio me
visitar. Ele me disse: “Essa regra aqui é muito séria. Muito pesada”. Eu
respondi: “Gosto mais dela agora. Você está achando que é pesada? Então
ela é boa. Se você achasse que era tranquila, é que seria ruim”. Enfim,
tínhamos as informações de todo mundo. Criei um mapa que me fornecia a
posição em juros e câmbio de todos os bancos, consolidada com os fundos,
aqui e lá fora. Eu sabia qual era a posição do cara quando ele vinha
conversar comigo. Tínhamos uma diferença de mindset . O objetivo era
fazer o menos possível, porque quanto mais se interfere no mercado, mais
ele fica viciado em uma muleta. Por outro lado, o objetivo era manter a
funcionalidade. Eu tinha a vantagem de conhecer tudo o que é “trique-
trique” e fomos fechando todos. Isso ajudou muito o mercado a ganhar
corpo naquela época. Foi esse olhar de mercado que me ajudou a ver, do
ponto de vista do regulador, como agir e como seria a reação. O acadêmico
não entende isso. Nunca fez isso. É como ter estudado medicina a vida toda
e nunca ter feito uma cirurgia. Não estou fazendo juízo de valor, mas é uma
questão de característica. Outra coisa é que as decisões são colegiadas e
cada um tem um background diferente. Havia muito respeito dentro do
colegiado. Se uma decisão exigisse conhecimento de mercado, tínhamos
liberdade para tomar a decisão. Foi uma experiência muito rica, inclusive
para ver erros que cometemos. Vou dar um exemplo: acho que foi em 2001,
quando tivemos de intervir no mercado de câmbio. Alguns disseram: “Só a
intervenção não adianta, precisa impor um monte de medidas”. Então,
viemos com um conjunto de medidas, junto com o Ministério da Fazenda.
O mercado não deu a menor bola. Daí chegou uma quinta ou sexta-feira e
nós vendemos muito dólar, 5 ou 7 bilhões em dois dias. Naquela época,
cada bilhão era um mundo pra gente. Então, a gente viu que errou. Quando
foi na segunda-feira, nos reunimos e inventamos a ração diária no câmbio.
O Banco Central tem uma perspectiva e um objetivo diferente do mercado.
Quanto mais calmo estiver, melhor. Depois veio o ano de 2002, que foi
aquela confusão. Terminava um dia e pensávamos: “Como será o
próximo?”. Todo dia tinha uma encrenca. Num determinado fim de semana,
o assessor de imprensa me ligou: “Oi Luizinho! Está muito esquisito, não
tem nenhuma crise!”. Eu respondi: “Aproveita, porque daqui a pouco vem
outra!”.

Ter passado pelo Banco Central te ajudou depois a gerir fundos de


investimentos?

Luiz Fernando: Tem um valor enorme passar por lá. Você passa a entender
como uma decisão é tomada. Eu não sei qual decisão vai ser tomada, mas o
processo eu entendi como é. Sei qual é o ponto de vista de quem está
tomando a decisão. Não quer dizer que nós sempre acertemos, já erramos
várias vezes. Porque uma decisão do Banco Central tem um grau de
aleatoriedade muito grande. Várias vezes, eu pedi opinião na reunião do
Copom. Várias vezes diretores pedem opinião. O sujeito pode ir com uma
cabeça e sair com outra, numa boa. No Brasil, o governo é uma coisa muito
grande. Se você ficou lá e entende a lógica desse agente, tão influente e
importante na economia, fica mais fácil compreender o todo. Por exemplo,
uma visão que nós temos aqui é que, invariavelmente, os analistas erram
porque não levam em consideração as respostas de governos. Todo governo
responde. Pode ser atrasado, menos que deveria, mas sempre responde.
Então, é muito difícil que um país vá, definitivamente, para o buraco. Pode
acontecer, mas entender qual é o mais certo para aquele governo fazer é
muito importante. Tem governo que deixa ir pro buraco. Por exemplo, a
Argentina não fez nada. Foi pro buraco primeiro. Outros países também. Se
jogam para depois tentar ressuscitar. É preciso entender a lógica e a cultura.
É possível dizer que grande parte dos brasileiros gosta de samba. Então, não
gosta de ir pro buraco.

Luis, você passou por vários bancos. Como foi essa experiência?

Luis Garcia: Eu comecei no J.P. Morgan, muito tempo atrás. Eu acho que lá
havia bons traders. Os traders de mercado brasileiro eram bons, mas os
traders de mercado emergente eram excelentes. E conseguíamos trocar
ideias com eles. Então, em um banco estrangeiro, você tem essa vantagem
de ser exposto a um grupo de pessoas que vão além do seu grupo. Claro, era
uma interação muito menor, mas você consegue ter uma exposição. Acho
que ali já estiveram bons professores. Depois eu passei um tempo no
Bankers Trust que, pra mim, era um sonho de consumo. Porque o Bankers
Trust era um banco de traders . Era um banco de trading mais agressivo até
que a Goldman Sachs. Por serem um banco puramente de traders, se
valorizava demais isso. Acho que aqui no Brasil eu tive a honra e a
felicidade de trabalhar com o Oscar Camargo, da GAP, que é um cara que
eu admiro e respeito demais como trader . Aprendi muito com ele.
Conversávamos com uns caras faixa-preta, muito bons mesmo. Depois
quando eu fui para o BBA tive contato com outros traders que eu respeito
demais, como Pedro Cerize, e o Leonardo Callou. Era um grupo de traders
muito bom. Não tive a felicidade de passar pelas escolas tradicionais como
Garantia, BTG e Bahia, mas tive o benefício de ter acesso a traders
internacionais que me ajudaram bastante.

Vocês operam muito nos mercados internacionais?

Luis Garcia: Operamos mais no Brasil, que é o nosso carro-chefe, mas


operamos bastante no mercado americano. Porque para fazermos um bom
trading local, precisamos entender bem o que está acontecendo no mercado
americano. O Brasil já é globalizado há algum tempo. Isso nos obriga a
entender o que está acontecendo lá fora. Precisamos ter um cenário macro
de Estados Unidos apurado e atualizado. Então, já faz 18 anos que nos
posicionamos na curva de juros americana. É um mercado bom de operar
porque tem liquidez em tudo o que você pensar. Seja nos instrumentos
derivativos ou nos futuros. Sempre tentamos capturar algum ganho lá.

É mais difícil ter um edge lá fora?

Luis Garcia: Sim, é mais difícil. Não se trata apenas de falar com a
autoridade monetária, mas, principalmente, estar inserido em um network
de operadores que estão lá o tempo inteiro, para trocar ideias. Isso é mais do
que falar ou não com a autoridade. Você não está no clube dos caras que
operam aquilo lá para viver. Mas, aqui no Brasil, há muitos traders que
operam juros nos Estados Unidos e você pode entrar em um clubinho. Esse,
pra mim, é o grande diferencial. No mercado americano, não vamos ganhar
mais que os caras da Goldman Sachs. Eu só preciso saber se eu consigo ter
um conjunto de informações sobre oportunidades onde eu consiga ganhar.

No final dos anos 90 e início dos anos 2000, o mercado, em vários


momentos, pareceu testar o Banco Central brasileiro. Como você viu
isso?

Luiz Fernando: Tinha uma máxima que dizia o seguinte: no curto prazo,
ninguém vence a autoridade monetária. No médio prazo, se ela estiver
fazendo uma bobagem, todo mundo ganha. Essa era a máxima que eu
lembro como tesoureiro. Quando o Banco Central entrar na frente, não
fique na frente dele. O nosso sistema de câmbio, lá por 1996 ou 1997, já
estava fora do lugar. Só que o governo foi tocando. Aprendeu a operar nos
contratos futuros, esticou muito a corda. Até que veio o estopim.

Vocês precisam adaptar a análise quando a diretoria do Banco Central


muda?

Luiz Fernando: Os dilemas são sempre os mesmos. É uma questão de estilo,


mas os dilemas são sempre os mesmos. Também tem uma coisa que é a
seguinte: da minha época pra cá, o Brasil evoluiu muito. Se eu tivesse a
cabeça de quando eu saí do Banco Central, eu ia errar 100% das vezes.
Como qualquer um. Você vai evoluindo de acordo com a evolução do
próprio país. Por exemplo, em 2008, foi a primeira vez na história que o
Brasil reagiu como um país de primeiro mundo a uma crise. A reação do
mercado à crise foi uma pancada monstra na curva de juros, porque essa
sempre foi a reação natural. Mas o Banco Central cortou juros. Isso foi uma
reação de país de primeiro mundo. Isso foi um processo evolutivo.

Como vocês enxergam a relação entre eficiência dos mercados e Bancos


Centrais?

Luiz Fernando: Eu acho que os mercados são ineficientes e os Bancos


Centrais, em geral, aumentam a ineficiência do mercado. Às vezes, não,
mas, em muitos casos, sim. Tudo depende das circunstâncias. O que nós
tivemos de 2008 pra cá? O que os Bancos Centrais fizeram foram coisas
que nunca se pensou antes. Se algum diretor de um Banco Central dissesse
que ia fazer algo semelhante no passado, ia ser demitido em qualquer país
do mundo. E todos eles fizeram e depois foram ovacionados por terem
feito. Mas por quê? Porque as circunstâncias foram essas. Assim como, do
ponto de vista de expansão fiscal, as circunstâncias também não têm
precedentes. No final das contas, sempre fica a discussão de moral hazard .
O que é mais importante: dar uma lição de moral hazard ou deixar o país
quebrar?

Vocês acham que essa nova maneira dos Bancos Centrais atuarem é
algo preocupante?

Luis Garcia: O sistema brasileiro e o americano são diametralmente opostos


no sentido da concepção do que é liberdade. Então, no sistema americano,
você é livre para fazer tudo. De vez em quando, alguém entra para proibir
alguma coisa. No mercado brasileiro, você é proibido de fazer qualquer
coisa e, de vez em quando, liberam alguma coisa. O que isso quer dizer?
Quer dizer que, no sistema brasileiro, o mercado fica sempre pedindo.
“Libera mais um pouquinho”. No mercado brasileiro, exageros de mercado
não acontecem porque ele está sempre contido. O que acontece são erros de
políticos, como segurar a taxa de câmbio artificialmente. São erros de
concepção, de conceitos, vamos dizer assim. Não são erros de instrumentos.
Então, aqui no mercado brasileiro, é difícil ter uma bolha. Porque, como a
autoridade, não só a monetária, a autoridade em geral, dá pouco espaço para
se tentar fazer alguma coisa, é muito difícil acontecer um exagero. O que os
Bancos Centrais estão fazendo agora é uma questão curiosa. Teoricamente,
deveria haver um equilíbrio entre política fiscal e monetária. Só que em
muitos lugares, a política fiscal está congelada. Seja por regras internas,
como é o caso da Alemanha, seja porque já se usou demais. Então, nesses
países, só sobrou a política monetária. Nós sabemos que, nesse ambiente de
dificuldades em que estamos, como as trade wars , ninguém vai fazer um
grande investimento. É dificílimo. Então, quem deveria tomar a decisão de
investimento sério, se tivesse espaço, seriam os governos. Com uma política
fiscal melhor, deveriam investir em infraestrutura, por exemplo. Só que
vários governos estão nesse xadrez fiscal, então só sobrou a política
monetária. Acho que eles estão fazendo o que dá. Vai ser o suficiente?
Enquanto não houver maior clareza sobre as trade wars será sempre um
paliativo. O mundo gozou de um crescimento fantástico com a
globalização. Estava todo mundo de mãos dadas. De repente, os Estados
Unidos lavaram as mãos e disseram: “agora não quero mais”. Ninguém
sabe quem é parceiro de quem. Isso não é uma coisa trivial e nem uma coisa
que vai ser resolvida de uma hora para outra. Acho que nem com um
democrata ganhando as eleições nos Estados Unidos. A meu ver, a política
monetária, globalmente, vai ser esgarçada de uma maneira nunca antes
vista. Nós vamos ver a política monetária no chão em grande parte do
mundo. Está cada vez mais nessa direção. Mas é the only game in town
nesse momento.

Luiz Fernando: A atuação dos Bancos Centrais me preocupa, sem dúvida.


Acho que 2008 foi o resultado do maior “pileque” que o mundo viveu. Já
2012 foi a ressaca do “pileque”, com uma regulação horrorosa ou falta de
regulação. Com uma boa regulação, talvez tivesse ocorrido uma crise, mas
talvez não fosse um décimo do que foi. Para resolver o desastre foram os
tax payers que pagaram a conta. Fizeram uma regulação em que os bancos
precisavam ter mais capital, uma série de coisas. Isso, ao invés de ajudar o
sistema, piorou. Então, antes, havia um sistema profundo, com buffers . Isso
não existe mais. A mudança na regulação foi para o outro lado do pêndulo e
provocou o oposto do que os Bancos Centrais gostariam. Concentrou muito
mais o sistema, tornou muito mais cara a vida de muitos bancos e
atrapalhou muito o desenvolvimento dos mercados. Simplificando, depois
da crise, aconteceram três coisas: atitudes dramáticas de Bancos Centrais
com juros negativos, expansões fiscais gigantescas e compra de papéis. E
isso tudo desembocou numa regulação horrorosa que, se fosse
integralmente implementada, iria ruir o sistema financeiro.
Os fundos multimercado ganharam muita relevância no volume dos
mercados de risco, não?

Luis Garcia: Se ajustarmos por volatilidade, não tenho a menor dúvida que
o multimercado será maior tomador de risco do que os fundos de renda fixa
tradicionais. Claro que o volume de recursos dos fundos de renda fixa será
muito maior. 100, 200 ou 500 bilhões. Há uma parte dos tomadores de risco
que pensa: “Vou ficar aqui na renda fixa e está tudo bem”. Mas o fundo
multimercado é o produto do futuro, cujo interesse está crescendo. Eu não
vejo isso sendo revertido, no curto prazo, nem por tesouraria de banco e
nem por fundo papai e mamãe. Este último, na minha opinião, é o próximo
da cadeia a perder tamanho e participação na indústria. E tem um agente
novo que ainda é bem pequeno na indústria, que é o pessoal dos fundos
quantitativos, que usa algoritmos. Essa turma está entrando no mercado e,
lá fora, já está bem mais desenvolvida. Aqui há alguma coisa, com
investidores estrangeiros quantitativos. Eles estão na fronteira, além dos
multimercados. Antigamente, se fôssemos falar em fronteira, tínhamos
fundos papai e mamãe, e tesouraria de banco. Aí, os caras da tesouraria de
banco foram encolhendo, e quem fazia risco passou para multimercado. O
fundo de renda fixa tradicional continua sem correr risco. Os bancos estão
fora do jogo, não correm mais risco. Você tem um agente correndo muito
risco, que são os fundos multimercado. Acho que o volume dos fundos sem
risco vai cair e passar um pouco para o multimercado, que vai continuar
tomando muito risco. Na ponta da inovação, os fundos quantitativos estão
chegando.

Vocês planejam investir nessas estratégias quantitativas?

Luis Garcia: Sim, estamos avaliando a sistematização de algumas


estratégias.

Os modelos quantitativos acabam gerando trades de mais alta


frequência. Ou não necessariamente?

Luis Garcia: Tem modelo para tudo que é gosto. Tem modelos que dão 20
sinais por dia e outros que dão um sinal a cada 20 dias. Há modelos com
janelas de tempo maiores, que usam componentes econométricos, da
economia real, que são os de tendências mais longas. É difícil dizer, hoje, se
aumentou ou diminuiu a frequência com que cada um desses sistemas entra
no mercado. Mas os modelos sistemáticos, em geral, amplificam as
tendências. Quando o mercado está em uma tendência ruim, eles
amplificam a queda. Quando o mercado está em uma tendência boa, eles
amplificam a alta. Eu sempre digo, seja no computador, seja no humano, o
trade mais difícil de se fazer é o da inflexão. O momento em que o mercado
vai virar. É reconhecer que já subiu demais e agora vai mudar a tendência
ou que já caiu demais e vai começar a se valorizar. É difícil o ser humano
passar essa percepção para o computador, um conjunto de regras que
determinam essa inflexão. O normal é o trend following, no qual se
aproveita para surfar a tendência. Agora, identificar a reversão da
tendência… Há modelos que predizem quando é a hora da tendência acabar,
mas o success ratio deles é muito menor. O payoff é diferente. É aquilo que
sempre falamos. Se alguém consegue surfar em uma tendência boa não
precisa ficar preocupado com a virada da tendência. Se já surfou bem a
tendência, na hora em que ela virar só perderá um pedaço do resultado. O
bom identificador de tendências no início é muito mais valioso do que
aquele que identifica o fim da onda.

Qual o impacto que vocês viram do trading quantitativo nos Estados


Unidos, em termos de volatilidade e volume?

Luis Garcia: O mercado americano é muito mais automatizável do que o


brasileiro. Programam um robozinho para detectar toda vez que aparecer a
palavra Trump e China. Aí, montam uma série de regrinhas e o mercado
fica com 500 mil robôs para 500 mil combinações de palavras, de padrões
de mercado, de liquidez. O mercado americano tem essa facilidade. Esses
caras aumentam a liquidez do sistema, mas amplificam a volatilidade. Todo
mundo está sempre engatilhado para operar. Por exemplo, se a liquidez
subiu 50% em relação ao período anterior ou se saiu algo no noticiário, o
robô vai executar. É um ambiente completamente diferente do que tínhamos
antes. O gestor compete com uma máquina que vai tomar decisões muito
mais rápidas. Dependendo da combinação de palavras de uma notícia, o
robô vende as posições em 30 segundos, não importa o preço. Ninguém
precisa ser mais rápido que aquilo para vender. O que precisamos entender
é se isso é realmente uma oportunidade e qual o próximo movimento do
mercado. Então, é um ambiente mais difícil, sem dúvida alguma. Temos de
nos preparar. Só que essa nova realidade funciona melhor no mercado
americano. No brasileiro, essas novas ferramentas são muito mais
complexas de se implementar. Tem um leque maior de possibilidades de
notícias e outros fatores que podem influenciar o mercado. São
complicações que precisamos entender para ficarmos menos atrasados no
mercado global e nos posicionarmos em função disso. Pode chegar uma
hora na qual o headline risk esteja tão alto que é melhor não termos risco.
Ou, em outro momento, podemos analisar que o fundamento
macroeconômico está tão bom que ele vai prevalecer sobre o headline risk .
Nesse caso, vamos entrar.

Com tanta informação disponível, inclusive no Twitter, como vocês


filtram os ruídos?

Luiz Fernando: Acho que é difícil dar uma resposta objetiva. Lógico que
nós prestamos atenção a essa quantidade imensa de informação, mas o que
isso significa na nossa função de reação? Se estivermos em um período
onde a formação de preço dos ativos seja feita no fundamento
macroeconômico, essa profusão de informações influencia menos. É o que
chamamos de melhor quadro de risco. À medida em que entramos em um
período de maior headline risk , com maior risco político, risco de eleição, a
qualidade do risco piora muito. Então, nesse admirável mundo novo, temos
de prestar atenção a isso. Temos de fazer o dever de casa, a fundamentação.
Precisamos estar super convictos de que o fundamento está apontando para
aquela direção. Mas, se estivermos em uma época de muito headline risk,
teremos de fazer uma posição menor, porque a qualidade do risco é pior.
Isso não conseguimos controlar ou prever. Podemos ter quatro, 40 ou 400
economistas e ninguém vai conseguir dizer qual a próxima coisa que o
Trump vai “twittar”. Esse conceito de qualidade do risco veio para ficar e
respeitamos muito. Aliás, sempre foi verdade. Sempre em época de
eleições, montávamos um cenário macro que estava uma beleza, mas aí
vinha uma pesquisa eleitoral de surpresa que complicava o cenário. Agora,
temos esses extremos frequentemente. Acho que depois da eleição do
Trump a piora da qualidade do risco é um novo paradigma de mercado.

Em 2015/2016 o Brasil flertou com o risco de insolvência da dívida


pública. Como é para vocês, fazendo a gestão de recursos para
terceiros, conviver com esse risco?

Luiz Fernando: Nós dependemos de um mandato. Quando temos um fundo


com dinheiro local, em CDI, por exemplo, tudo bem. Outra coisa é o
investidor lá de fora que investe no Brasil. Este risco cross border tem que
ser considerado. Não só o cambial, mas o cross border também. Ficar
preocupado com a insolvência da dívida pública é um papel mais do gestor
de wealth management , que é quem gere o dinheiro global do investidor.

Luis Garcia: Não há como fazer gestão de recursos sem ter uma parte
considerável em dívida pública. Quando se faz operações de futuros, é
necessário depositar margem em títulos públicos. Então, precisamos ter
títulos públicos anyway . Num cenário ruim, tentaríamos reduzir ao máximo
a posição em dívida pública, mas mesmo assim não íriamos conseguir
reduzir muito, por causa das exigências de demanda de margem. E mesmo
quando você faz uma troca de duration , colocando em vencimentos mais
curtos, isso pode ser um tiro no pé. Quando acontece um default , todos os
preços vão para o preço nominal. Em um título com duration mais longa,
você comprou um título a 70% do valor de face antes do default , agora ele
cai para 40%. Na ordem do default, todos os títulos negociam no preço
nominal. Então esse encurtamento muitas vezes pode ser um tiro no pé.

Como foi para vocês passar por várias crises importantes, não só locais,
como lá de fora?

Luis Garcia: É curioso você falar isso, porque temos, seja no mercado
brasileiro, mas sobretudo no exterior, uma geração inteira que ficou
desacostumada à volatilidade. Depois da crise de 2008, a interferência na
política monetária e um crescimento muito anêmico no começo da
retomada produziu uma janela de baixa volatilidade em dez anos. Quase
dez anos. Então, você teve uma geração de traders que nunca viu grandes
volatilidades. E, sem dúvida nenhuma, ter passado por todos estes eventos,
para quem tem mais cabelo branco ou pouco cabelo, foi muito importante.
Um gestor acostumado a um ambiente de baixa vol, fica perdido quando a
vol sobe. É como falar de um capitão de embarcação de rio contra um de
embarcação de mar. O cara do rio, se colocar no mar, afunda o barco. Não
tem jeito, ele não sabe como lidar com as ondas. Então é muito importante
ter quem já passou por isso para ter aquela função de reação super ágil.
Mas, ao mesmo tempo, é importante também entender quanto o local, o
ativo ou o mercado em que se está inserido mudou.

Luiz Fernando: Aqui no Brasil, o câmbio tem subido, mas em uma


dimensão completamente diferente do que era antes. Antigamente, o país
não tinha reserva cambial e tinha que fazer toda a resposta a uma crise na
taxa de juros. Agora temos reservas internacionais grandes, então a resposta
nos juros pode ser menor. Em outro momento, tivemos um Banco Central
que perseguiu uma meta de inflação que não era a do target, com uma
credibilidade de política monetária muito menor do que recentemente.
Então, você precisa ter esse mix de ter vivido a experiência e entender o que
é diferente agora. Não há mais uma resposta automática: os juros sobem, o
câmbio sobe. Acho importante ter experiência, mas com a cabeça ajustada
para a nova realidade, para a nova condição de mercado.

Capítulo 10
JOSÉ TOVAR E BRUNO GARCIA  |
TRUXT INVESTIMENTOS

J osé Tovar e Bruno Garcia são, respectivamente, CEO e CIO da TRUXT


Investimentos, e lideram uma equipe de 40 profissionais voltados para a
gestão de fundos de ações e macro.

Tovar, como está estruturada a equipe de gestão do fundo macro da


TRUXT?

Tovar: O nosso fundo multimercado macro é livre para fazer qualquer coisa.
Operamos tanto no Brasil quanto no exterior. Obviamente, a nossa
vantagem competitiva é Brasil, porque podemos falar com a autoridade
monetária, com os reguladores, com os CEOs e com os grandes
economistas. Então, nossa vantagem é Brasil. Mas queremos também
aproveitar movimentos globais. A gente é menos profundo em casos
internacionais do que locais, mas queremos ter os dois. Para isso, temos um
time de gestão de macro razoavelmente grande. Temos dois portfolio
managers focados em Brasil e dois portfolio managers de mercados
offshore . Um deles é responsável pelo risco para mercados emergentes e
outro para mercados G10. Mas o risco dessa caixinha de offshore é menor
do que a caixinha de Brasil. Na verdade, temos aumentado gradualmente o
risco de offshore a partir do momento em que começamos a ficar mais
confortáveis nessas operações. Mas eu ainda acho que o investidor é um
pouco mais tolerante se eu errar alguma coisa no Brasil do que lá fora. Não
usamos ações no fundo macro, só índice futuro. Mas o fundo macro compra
15% do fundo Long & Short. Temos, além dos quatro portfolio managers ,
três economistas apoiando a análise macro de Brasil e três apoiando a
equipe de offshore. De manhã, os analistas e os portfolio managers
conversam sobre todos os temas. Todas as observações do dia anterior, do
overnight , da abertura na Ásia, da Europa são discutidas. Os temas de
interesse são discutidos secundariamente em reuniões menores depois. Mas
tudo o que a casa sabe é discutido nessa reunião. Não se discute posição
exatamente, não se discute detalhes da posição, mas o que se pretende fazer.
Além disso, eu convido a turma de vendas, risco e compliance para se
atualizarem. Eles ficam por dentro do que a gestão está pensando, e os
comerciais passam para os cliente. Outro ponto que dedicamos muito tempo
é com seleção e treinamento. A gente gosta muito de treinar estagiários high
potential para formar gente na casa.

Cada gestor tem um pedacinho do risco alocado ou é um book


consensual?

Tovar: O book de Brasil é consensual entre dois gestores bastante


experientes. Eles debatem posições no Brasil junto com os economistas. Eu
me dedico a contatos com analistas políticos, com gente mais sênior por aí
afora. Eu trago essas informações e repasso para os gestores. Como o book
offshore é menor, se existir uma grande ideia offshore que não cabe no
limite, analisamos. Se a área de Brasil quiser se apropriar dessa ideia e
expandir a exposição, dado que tem um limite muito maior, pode. Tudo
coordenado com a área de risco, que fica full time olhando isso. 

Bruno, os diversos mercados funcionam de forma muito diferente?

Bruno: Conforme você vai trabalhando e pegando experiência, vê que o


mercado se comporta de forma muito parecida. Há determinados vieses e
formas comuns, tanto em ações, quanto em moedas, juros ou títulos
privados. A forma como as pessoas operam, como reagem, como zeram
posições, como gerenciam emoções e ganância, como capturam os
movimentos, como reagem ao medo quando as coisas acontecem ou frente
a crises… Talvez, isso seja comum a todos os ativos, embora cada ativo
tenha especificidades.

Como vocês analisam o cenário macroeconômico e como traduzem isso


em estratégias?

Bruno: O primeiro passo é construir um cenário. Os mercados estão cada


vez mais interligados. No passado, não era assim. Gestores macro
brasileiros se preocupavam com o Brasil, com inflação no Brasil e PIB. A
parte externa não era tão importante. Uma boa construção do portfólio
passa por uma boa construção do cenário, que passa por algum
entendimento do que está acontecendo no mundo, em especial com as
economias desenvolvidas. Se colocarmos em perspectiva, o Brasil tem
cerca de 0,5% de representatividade no mercado acionário global. Por mais
que a gente vá bem ou mal, o que acontece com esses 99,5% lá fora acaba
nos arrastando. Tem que acontecer algo muito forte no Brasil para que a
gente consiga se descolar do resto do mundo. Independentemente do
cenário inicial, temos que olhar para fora. O ideal é tentar entender em que
parte do ciclo estamos, lembrando que o mundo é feito de ciclos
econômicos, aquecimento e desaquecimento. Tem a ver com inflação, com
atividade e outros indicadores. Estamos passando por um momento de final
de ciclo, no qual o mundo está desaquecendo, e as perguntas que ficam é se
vamos parar numa recessão ou em um crescimento mais lento. Por trás
dessa percepção, você faz as condições de contorno. O mundo tem um
excesso de dívida muito grande. Por outro lado, tem uma taxa de juros
muito baixa, até negativa, em quase 20% dos títulos mundiais, em especial
nos países desenvolvidos. Ou seja, estamos tentando ver o momento do
ciclo, quais são as situações de contorno, taxa de juros, inflação,
crescimento e como isso impacta os ativos brasileiros, que é um país
emergente, exportador de commodities, com uma conta-corrente pequena.
Ou seja, um país muito fechado. Tudo isso é levado em consideração na
hora de construirmos o cenário dos ativos brasileiros. Claramente o que
mais impacta o dólar/real é a aversão de risco lá de fora, o movimento de
fortalecimento ou enfraquecimento do dólar global e das moedas de
emergentes. A ideia é ver se existe alguma assimetria, algum ativo que se
possa operar, seja comprado ou vendido, e que tenha expectativa de ganho
maior do que de perda. Ou seja, uma probabilidade maior de ganhar do que
de perder. A vantagem de um gestor macro é que ele pode buscar essas
assimetrias nos mais variados mercados. Você pode operar renda variável,
moedas, juros, commodities, títulos privados e por aí vai. A ideia é: “Dada
minha visão do cenário, dado o que eu acho que vai acontecer com o
mundo, como os ativos estão precificados? Vejo algo muito diferente do
que o mercado está vendo? Tenho alguma percepção de valor de algum
ativo muito diferente do que o mercado está vendo?”. O grande ganho é
quando você tem uma opinião muito diferente do mercado, é quando o
mercado acha que o cenário é um e você acha que o cenário é outro. Ou
quando você acha que as coisas não são daquela forma que o mercado
espera. Você consegue apostar nisso com convicção através de algum ativo
líquido que expresse isso. Se, eventualmente, você estiver certo e o
mercado estiver com a leitura errada, você ganha muito dinheiro. Isso é o
que todo gestor busca pegar. É mais ou menos o que a gente tenta fazer.
Determinadas estratégias ou estilos de gestão são interessantes. Em alguns
momentos tenta-se descobrir a tendência e montam-se as posições. À
medida em que as coisas vão evoluindo, aumentamos as posições. Vamos
como se fosse ao sabor da onda. Geralmente é isso que a maioria dos
gestores macro faz. Pegam grandes temas globais. Por exemplo, um tema
global é o aumento da internet, o aumento da Inteligência Artificial, novas
tecnologias, disrupção... Com isso, as ações ligadas à internet,
especialmente da área de tecnologia, têm ido bem. Então você compra
aquele determinado tipo de ativo apostando que aquela tese estará certa. Vai
capturando essa tese até o momento em que ela deixar de funcionar ou até o
momento no qual os ativos já estejam 100% precificados. Quando a tese
está 100% precificada, todo mundo já sabe dela, e as coisas podem ir
contra. Acho que a maioria dos gestores macro costuma ter esse tipo de
posicionamento. E tem os contrarians , que vão contra a maré. Eles tentam
pegar a faca caindo. Ou seja, ir um pouco contra a manada. O gestor pode
dizer: “O preço do ativo está tão descontado que vale a pena eu ir contra a
maré, vale a pena eu apostar que o cenário não vai ser tão ruim assim.
Porque, caso eu esteja certo, de repente os ativos vão dobrar ou triplicar de
preço e, caso eu esteja errado, eu já tenho muita coisa no preço”. Esses são
os dois grandes estilos e o gestor pode fazer um pouco das duas coisas.
Então vocês não se consideram nem contrarians , nem trend-followers ...

Bruno: Exatamente. O melhor gestor, tanto para macro quanto para renda
variável, é aquele que não tem preconceito e se adapta às situações.
Moramos no Brasil e o cenário muda tão rápido que ser fiel a um
determinado estilo e operar da mesma forma a vida toda não tem a mesma
eficiência nos diversos ciclos. Você tem que se adaptar em função do ponto
do ciclo em que estiver. Vou puxar o gancho agora para ações.
Determinados gestores dizem: “Só compro ações de empresas de qualidade,
empresas privadas, que têm um management excelente”. Em 2014 e 2015
isso foi muito bom, porque o cenário estava muito ruim. As empresas que
eram vistas como premium se desvalorizaram muito pouco com o mercado
caindo. Esses mesmos gestores, depois do impeachment, não compraram
ações de empresas estatais, por exemplo, que tiveram desempenho
fantástico em comparação com outras conhecidas por ter melhor gestão.
Eles também não compraram empresas ligadas à internet, porque, talvez, o
valuation fosse mais etéreo, mais difícil de precificar. O bom gestor é
aquele que tem capacidade de se adaptar e de fazer as operações adequadas
ao cenário, e não aquele que fica escravo de uma estratégia só e de uma
forma de operar.

Tovar: A gente já ficou comprado em juros, tomado em juros, comprado em


dólar, vendido em dólar, pessimista, otimista... Tem de tudo. Não temos um
viés para lá ou para cá. Essa é a beleza do multimercado. Você pode ganhar
em qualquer direção. Mas, para se olhar o desempenho, é preciso analisar o
longo prazo. Pelo menos 5 anos. O cliente local, porém, é muito imediatista.

E como saber se a estratégia adotada foi adequada ao cenário?

Bruno: Nunca sabemos. Temos que tomar decisões sempre com base na
incerteza. São dois os grandes segredos de operar: saber dimensionar as
posições corretamente e não ser teimoso. Se você quer pegar uma faca
caindo, e coloca todas as fichas neste movimento, não vai ter estômago para
aguentar até o fim. E lembre-se que não é o seu dinheiro. O fundo é de
cotistas que olham o valor da cota todo dia. Dependendo da percepção deles
sobre o seu trabalho, eles podem sacar o dinheiro. Então, se o gestor pensa
que está certo e que todo o mercado está errado e começa a aumentar
posições que estão caindo, ele será parado pelo limite de risco do fundo ou
pelos cotistas que vão sacar o dinheiro. Neste caso, o gestor pode até estar
certo, mas não vai conseguir ganhar. A pior coisa é estar certo e não ganhar.
A teimosia é outro fator que atrapalha muito. O gestor bom é aquele que
não tem amor às posições e que consegue reavaliar os cenários. Caso a tese
dele não esteja mais válida diante das novas circunstâncias, não há o menor
problema em desfazer as posições e mudar a carteira. Quando olho alguns
gestores macro mostrando a opinião em Twitter, Instagram e palestra, com
uma exposição muito grande, vejo uma armadilha. Já é super difícil mudar
de ideia e zerar posições. Se você torna pública sua avaliação e, depois, ela
está errada, a resistência a mudar o rumo será muito maior. Então, o
dimensionamento correto de posições e a flexibilidade para mudar de ideia
em função de um cenário novo são elementos importantes para um gestor,
especialmente os que estão apostando contra a manada.

Como vocês monitoram a performance do fundo?

Tovar: A gente se compara a tudo. A gente olha a indústria, todos os nomes


que a gente respeita, todo dia. Olhamos a nossa volatilidade ajustada à
volatilidade dos concorrentes, nosso resultado, nosso Sharpe. Tudo é
comparado o tempo todo. Finalmente estamos vivendo um período de juros
mais civilizados, que podem ser sustentáveis pelos próximos anos. Isso
expõe um investidor acostumado a deixar dinheiro no CDI e receber 1% ao
mês a um cenário novo. Hoje o investidor está sendo obrigado a estender o
horizonte de investimento, a tolerar a volatilidade, a entender o perfil de
risco. Muitos clientes dizem topar correr risco, mas no primeiro drawdown
resgatam o dinheiro. Uma coisa interessante é o que o investidor deixa na
mesa de linha d’água. O fundo anda, aí ele investe. O fundo tropeça em
alguma coisa, o que é normal, aí ele saca. Só que ele saca deixando a linha
d’água. Aí o fundo anda e ele investe de novo. Consequentemente, ele tira
toda a linha d’água que o protegia. Muito mais inteligente, para o
investidor, é ver o perfil de risco, escolher um bom fundo e investir com um
horizonte de prazo maior. Faz mais sentido do que ficar escolhendo o
melhor fundo dos últimos seis meses. O fundo tem cota todo dia. Todo dia a
gente é julgado. O nosso negócio é de uma dedicação extrema. Do lado do
cliente, ele precisa entender que nem em todos os dias as cotas são boas.
Você tem que analisar esse gestor ao longo de um período. O gestor tem que
ter experiência, tem que ter anos de track record , tem que ter passado por
muitas crises e muitas experiências.

Vocês têm privilegiado algum tipo de passivo específico?

Tovar: Procuramos diversificar o passivo. Os grandes distribuidores e


private banks são um passivo qualificado. Eles entendem do assunto, mas
há um banker por trás. A gente gosta também do passivo dos grandes family
offices . O terceiro passivo que a gente gosta é o passivo institucional, que
requer uma atenção diferente. A outra diversificação, obviamente, são as
plataformas digitais e agentes autônomos que pulverizaram o mercado e
estão tirando um pouco dos clientes dos grandes bancos. Por último, o
passivo internacional. Uma coisa muito importante para nós é ter um ROA,
return on assets , adequado. Capacity é uma preocupação. Não queremos
ser uma gestora muito grande, porque dificulta a movimentação de entradas
e saídas nos ativos e cai a performance. Aí você vira um coletor de taxa de
administração e sabemos como isso termina. Reduz a performance. O
gestor pode até ficar rico, mas o negócio vai embora. Não é um projeto
vencedor no longo prazo.

O fundo macro tem maior capacity que os outros fundos da casa?

Tovar: Apesar de no fundo macro você poder investir lá fora, o negócio


ainda fica muito preso aos juros do Brasil, que têm movimentos gigantes, e
ao câmbio. Estamos investindo no offshore para aumentar a capacidade,
mas primeiro a gente tem de aumentar a confiança na gestão. Primeiro
comprovo isso e depois aumento o capacity . Acho que a gente vai sempre
ser um gestor de Brasil, que tem muita oportunidade. É um país emergente,
tem volatilidade e muito potencial de crescimento.

A flexibilidade do fundo macro faz com que a TRUXT tenha um giro


maior de posições?

Bruno: Não. Enquanto as teses estiverem válidas, não tem por que ficar
alterando as posições. Você movimenta quando acha que está errado ou
quando a assimetria já não é mais positiva, quando o que tem a ganhar é
próximo do que tem a perder. Salvo essas duas situações, não tem motivo
para ficar girando posição.
Para montar uma posição, além da tese, o timing faz diferença?

Bruno: Por incrível que pareça, começar a operação ganhando dá um


conforto maior de aumentar. Se começar perdendo, você vai ter de testar a
sua convicção logo na largada. A grande beleza de fazer gestão é saber lidar
com isso. E quanto mais vezes você repete esse processo, mais experiente
fica e menos sujeito a cair nessas armadilhas. Então, ganhar dinheiro logo
na primeira boleta é super importante. Dá mais confiança. Minha convicção
para apostar contra hoje será menor se eu tiver perdido dinheiro ontem em
outra aposta contrária ao mercado. Isso é natural, mas não deveria ocorrer.
É importante saber que o que aconteceu ontem já está na cota. Temos que
tomar as decisões de hoje em função dos cenários e preços de hoje. É
lamber as feridas e olhar para a frente. E essa capacidade vem com o tempo,
com a experiência. Você repete esse jogo inúmeras vezes e, na medida do
possível, vai ficando bom.

Horas de vôo fazem diferença... Para acertar o timing , vocês usam


análise técnica, além da fundamentalista?

Bruno: Eu não uso. Não conheço e não gosto. Não é que a análise técnica
não funcione. Na verdade, funciona se as pessoas acreditarem que funciona.
Algumas pessoas convencionaram determinadas regras de comportamento
do mercado. Toda vez que acontecer isso, a consequência é aquela, e aí elas
passam a operar dessa forma. E acaba que muitas vezes dá certo. Apesar de
saber que muita gente boa opera dessa forma, nunca fiz e não uso.

Vocês também monitoram como outros fundos estão posicionados?

Bruno: Sim. É interessante para validar suas teses. De repente, você acha
que descobriu a pólvora, olha para o lado e está todo mundo usando a
pólvora há muito tempo. Então, não tem motivo para fazer uma aposta
grande porque está todo mundo apostando na mesma coisa. Por outro lado,
quando você tem uma posição diferente dos outros, vale a pena ouvir
pontos de vista de terceiros, que fazem você repensar. Sou a favor de
conversar com os outros, sim.

Tovar: Testar o conceito, a gente faz internamente. Por exemplo, você tem
reuniões sobre as posições e todo mundo dá sua opinião. Você já testa
internamente. Eu acho que é mais para formar a opinião. Falo com os
parceiros próximos, que fazem a mesma coisa que a gente. Você troca
opinião com todo mundo. O networking é importante. Quando você não dá
nada, ninguém mais quer dar nada a você. Então, tem que trocar.
Obviamente, mantidas as confidencialidades, mas você pede opinião e dá
opinião. Incorpora algumas coisas que não estavam no seu raciocínio,
corrige outras que acha que estava fazendo errado, mas as teses mesmo são
discutidas internamente. Se discute o assunto e se forma esse consenso. Se
você consegue antecipar o consenso, você ganha dinheiro. Você não
consegue ganhar dinheiro apostando após ler o caderno de economia dos
jornais. O que foi para o jornal é passado. O ideal é acertar a manchete do
jornal de amanhã. Essa é a dificuldade.

Hoje em dia, muitos gestores, não só pensadores de mercado, estão no


Twitter compartilhando ideias. Vocês acompanham pensadores
econômicos ou grandes gestores nas redes sociais?

Bruno: Com certeza. Acompanhamos o que muitos profissionais de renome


falam. Só não gosto de me posicionar tanto, pois acho que coloca o gestor
numa situação em que ele fica atrelado ao que falou, ficando muito difícil
mudar de ideia. É interessante saber o que está acontecendo e o que o
mercado está achando. Dificilmente teríamos acesso a essas pessoas para
saber qual a opinião delas a respeito do mercado. É interessante ler o que
eles escrevem, mas não é o nosso norte.

Tovar: A gente é influenciado o dia inteiro. Eu filtro essas informações,


tanto falando com consultores, com concorrentes ou lendo na mídia social.
O que atrapalha é que tem informação demais. Eu leio mil tweets por dia.
Ao final do dia, o jogo é esse: filtrar tudo o que você lê e chegar a uma
conclusão. Só acerta quem antecipa.

Como filtrar o que é ruído e o que é sinal?

Bruno: Discutindo, conversando. Acho que é da experiência também. É


saber interagir dentro de uma equipe e relativizar o que é importante a cada
momento. É óbvio que existem variáveis muito importantes. Níveis de
liquidez mundial, níveis de crescimento do PIB mundial… Esses dados são
importantes em qualquer cenário. Mas há determinados momentos em que
uma notícia política do outro lado do mundo é muito importante e, em
outros, essa notícia não é tão importante assim. Depende da experiência do
gestor.

Com mais informação fica fácil ou difícil acertar e obter bons


resultados?

Bruno: Fica cada vez mais difícil, porque o mercado está mais eficiente.
Cada vez mais há pessoas capacitadas cobrindo os mesmos eventos, com
acesso a mais dados e a informação em tempo real. A Inteligência Artificial
está sendo usada também, especialmente lá fora. Está cada vez mais difícil
ganhar dinheiro.

Tovar: Depende de quais serão as oportunidades daqui para frente. Se tiver


volatilidade com uma tendência mais definida, o mercado ganha. Quando o
mercado fica oscilando sem direção por muito tempo, a indústria não vai
bem. É difícil acertar. Outro ponto é que se o Brasil tiver uma trajetória
positiva na sua economia, os multimercados vão perder importância para os
fundos de ações, para private equity , pois mais empresas vão se capitalizar
no mercado. O governo vai deixar de tomar toda poupança privada para si
com juros altíssimos.

Além de conversar com outros gestores, vocês monitoram outros


fundos quantitativamente?

Bruno: Sim. A gente verifica determinados fluxos, regressões de cotas nos


principais fundos, com os principais ativos. Mas isso não é determinante
para fazermos ou não uma aposta. É mais um dado auxiliar que vai nos
ajudar a entender a posição técnica do mercado, o quão posicionado o
mercado está para aquela tese.

Como seria a melhor maneira de o cotista avaliar os fundos da


TRUXT?

Tovar: O cotista tem que avaliar que tipo de risco eu corri para ter aquela
rentabilidade. Em geral o cotista não vê isso, ele vê quem acertou. Acho
muito importante ver como o fundo acertou. Se acertou correndo um risco
alto e deu sorte. Um gestor não vai dar sorte sempre na vida. Tem que ver se
o risco foi calculado, planejado e se o fundo acertou mais do que errou.
Esse deveria ser o grande teste. Como o gestor passou essa ou aquela crise?
Se ele quase quebrou, não é o cara que o cotista deveria querer. Quanto ele
ganhou, obviamente, é importante, mas como ele ganhou é muito relevante
no processo de avaliação.

Como funciona a cabeça de vocês quando o fundo toma um drawdown


maior? Vocês pisam no freio ou tentam mentalizar que nada
aconteceu?

Bruno: O que acontece, e é natural que aconteça dessa forma, é esmiuçar


mais e mais as suas teses. Você deve tentar olhar do zero e não ficar preso
ao que aconteceu. Na TRUXT, não temos stops automáticos, o que
determinados gestores têm. Quando a posição cai mais de X por cento, eles
zeram a posição sem nem pensar. Aqui, sentamos, discutimos e podemos
até zerar a posição se for o caso, mas não é um processo automático. O que
fazemos é dialogar ao extremo. Avaliamos todos os pontos de vista.
Tentamos entender por que perdemos e quem está apostando contra a gente.
Levamos em consideração os dados e cenários para validar a nossa posição.
Se soubermos que estamos certos, a gente mantém e adequa o tamanho das
posições ao risco. Parametrizamos uma posição em função de quanto ela
pode oscilar. Analisamos cenários de stress, o quanto uma posição pode
perder ou ganhar. Depois de uma crise, esses parâmetros mudam. É
razoável que você parametrize novamente as posições para tentar se manter
no jogo em função daquele novo patamar de volatilidade. Mas não temos
um stop automático.

Existe subjetividade na análise macro? Como equilibrar subjetividade


e objetividade?

Bruno: Entender o cenário corrente é importante, mas o que todo mundo


quer fazer aqui é descobrir o que vai acontecer para a frente. É um pouco de
previsão com relação ao futuro. Ninguém tem bola de cristal. A gente usa a
experiência para prever o que deve acontecer no futuro. Antecipar como as
pessoas devem reagir a um fato. O que queremos antecipar, na verdade, não
é o cenário, mas o preço que os ativos financeiros terão no futuro. Isso,
óbvio, depende do cenário e de como as pessoas vão reagir. É um jogo de
antecipação. Eu quero antecipar o que as pessoas vão achar daqui a uma
semana sobre o estado da economia. É óbvio que, se eu souber como vai
estar a economia, é fácil antecipar o que os outros vão achar sobre a
economia. Essa definição é importante. Mas, às vezes, você acerta o cenário
e acaba errando a estratégia ou a forma como achou que o mercado iria
reagir. Por exemplo, se sai um número de PIB com crescimento espetacular,
digamos 3,0%, você pensa que a bolsa deve subir. Mas, se todo mundo
achava que o PIB fosse subir 4,0% e ele veio 3,0%, por mais que os 3,0%
sejam bons, estão aquém do que o mercado esperava e a bolsa vai cair.

Como vocês veem o futuro dos fundos macro?

Tovar: O fato é que fundos macro, como um todo no mundo, vêm perdendo
tamanho e relevância. Eu vejo isso cada vez mais lá fora. Cada vez menos
gestores de hedge funds macro estão conseguindo ganhar dinheiro, se
diferenciar e entregar um bom retorno para os cotistas ao longo do tempo.
Vem sendo um desafio grande no exterior. Aqui no Brasil ainda estamos um
passo atrás, muito macro e pouca renda variável. Um percentual grande dos
recursos no mundo estão sendo investidos em ações de forma passiva.
Simplesmente você vai lá e compra uma cota de um fundo atrelado a um
índice. Não tem gestão, não tem conhecimento algum ali. Mas as pessoas
acham que aquela economia de custo compensa porque o gestor, na média,
não consegue justificar a taxa que ele ganha. Esse fenômeno aconteceu
muito em fundos macro no exterior. Aconteceu em fundos de renda
variável. Pela curva de captação de fundo ativo e de fundo passivo, estima-
se que em 2021 e 2022 vá existir mais fundo passivo do que fundo ativo no
mercado mundial. Pode também ser um processo cíclico, no qual o mercado
ficou eficiente, os fundos macro desapareceram. Os fundos de gestão ativa
de ações tenderiam a diminuir. Sobraria pouca gente e o trabalho dos
gestores ficaria mais fácil, por haver menos competição, abrindo
oportunidade para se gerar alpha de novo. Aí, ocorreria a tendência
contrária, de aumentar os fundos ativos. Seriam ciclos ao longo do tempo.

Em geral, vocês acham que quando os mercados estão em alta, a gestão


ativa fica mais em voga do que quando os mercados estão em baixa?

Bruno: Eu não tenho essa certeza. Para o gestor de ações costuma ser mais
difícil bater um índice que está subindo do que caindo. Existem
determinados papéis que são representativos no índice, mas os negócios
dessas empresas não são tão bons assim. Gestores de ativos estão
comprados na maior parte das vezes em empresas de qualidade, que têm um
diferencial de gestão. Aí, esses gestores podem não pegar a alta com a
mesma intensidade do índice.

As Assets independentes podem ter equipes bem menores que bancos, e


às vezes menos acesso, por exemplo, a reuniões com o Banco Central e
com o Ministério da Fazenda. Como vocês veem isso?

Tovar: Em compensação, temos a capacidade de nos movimentar de forma


mais ágil, e um pool de recursos atrativo para reconhecer e trazer os
talentos para dentro de casa, diferentemente de um banco grande. Como os
bancos têm grande acesso ao fluxo de clientes, eles conseguem de alguma
forma ter um sentimento maior do curtíssimo prazo no mercado. Mas isso
vale pouco para montagem de cenário e de posições. Hoje a informação está
extremamente disseminada, o difícil é filtrar tanta informação.

Mudando de assunto, quais foram as crises e momentos de mercado


mais difíceis e o que vocês aprenderam com cada um deles?

Bruno: Crises te deixam experiente, calejado. Você sabe que o mundo não
vai acabar e que pode manter a calma, porque essas coisas acontecem. Vão
e voltam muito rapidamente. Duas crises me chamaram atenção. A pré-
eleição do ex-presidente Lula, quando o dólar disparou de forma absurda. O
cupom cambial de um mês no Brasil era 10%. O mercado tinha um grande
medo do risco de fronteira. As pessoas não queriam ter dólar futuro na B3
para receber o ajuste em reais. As pessoas queriam ter dólar físico lá fora
porque tinham medo que as fronteiras fechassem. Foi uma crise aguda e
impressionante. O Banco Central, se não me engano, subiu juros entre o
primeiro e o segundo turno das eleições de uma maneira importante. Alguns
bancos quebraram. Foi um aprendizado. Foi a primeira crise importante que
eu vivi de forma intensa como gestor. Lembrando que eu comecei lá em
1998, 1999. Peguei aquela crise, mas ainda era inexperiente para entender o
que estava acontecendo. Não tomava risco que doesse na pele com as
decisões que tomava. Uma segunda crise incrível foi a de 2008, com a
quebra do Lehman Brothers. Também era um sentimento de que o mundo ia
acabar, uma falta de liquidez absurda, uma avalanche. Basicamente as
pessoas vendiam os ativos que tinham para pagar resgates e aqueles que
estavam comprando tinham preocupação grande porque iam comprar os
ativos que os outros estavam vendendo para pagar resgates. Mas, no dia
seguinte, eles podiam ter que vender aqueles mesmos ativos para pagar os
resgates deles próprios. Não era um jogo de quanto valiam os ativos. Era
um jogo de qual era a minha capacidade de carregar esses ativos. Era um
jogo de: “Será que a economia mundial vai permanecer solvente? Será que
é um castelo de cartas? Qual o meu risco de contraparte?”. Eram coisas
absurdas. Você se preocupava não só com o seu derivativo estar na ponta
certa, mas qual era a contraparte do seu derivativo para ter certeza que ia
receber de volta o ajuste positivo do ganho do derivativo. Foi uma crise
intensa. O lado bom foi que essas duas crises foram rápidas. Não
demoraram tanto tempo assim e geraram oportunidades interessantes
depois. Foram as duas piores crises que eu já vi no mercado: a pré-eleição
do ex-presidente Lula e a crise de 2008.

Com essa experiência, você tem um viés otimista de que os problemas


econômicos, em algum momento, serão resolvidos pelos policy makers ?

Bruno: No passado, esse foi o caso na maior parte das vezes. Se existe a
crise, se existe o pânico, naquele momento não se sabe se vai continuar
sendo o caso. A crise vem com a percepção de que, naquele momento, as
coisas não terão solução. É estudar o cenário e manter a frieza, tentar não se
influenciar pelo quanto a sua cota está caindo ou por quanto as suas
posições estão perdendo. Manter a capacidade de tomar decisões na crise é
importante.

Você consegue visualizar se o mercado está esticado, se está em um


cenário de pré-bolha?

Bruno: É superdifícil, e é até por conta disso que as bolhas se formam.


Geralmente, elas estouram quando todo mundo reconhece que não era uma
bolha. Quando todo mundo joga a toalha e fala: “De fato, deve ser isso
mesmo, não tem nada de errado. Quer saber? Está todo mundo ganhando
com essa tendência, eu não posso mais ficar de fora dessa tese”. Seu
vizinho está ganhando operando ação de internet, seu primo está tirando
onda e você é o único que está achando que aquilo não está certo, que o
preço está muito alto, que não é sustentável. Chega uma hora que você não
aguenta mais deixar de ganhar dinheiro, entra naquela tendência e as coisas
explodem. O aspecto psicológico e o posicionamento são muito
importantes. Normalmente, as bolhas acontecem quando está todo mundo
na mesma posição e quando as pessoas param de questionar o risco.
Geralmente é o período mais perigoso possível.

Você acha que isso tem mais a ver com o investidor individual ou
também acaba afetando um gestor de fundos?

Bruno: Afeta todo mundo. O que queremos como gestores é dar boa
rentabilidade para o cliente. Se virmos uma tendência positiva acontecer
com determinado ativo e acharmos que vai continuar, vamos tentar capturar
e nos posicionar para isso. Eventualmente, podemos estar comprados no
ativo que julgamos, naquele momento, estar caro, porque achamos que
alguém irá comprá-lo de nós no dia seguinte mais caro ainda. Podemos. É
um jogo superperigoso e temos que fazer com parcimônia, mas é feito pelos
gestores, sim.

Nesse caso, existe algum tipo de trade que te anima mais?

Bruno: É mais fácil errar junto com a manada do que errar contra a manada.
Apesar de os trades mais lucrativos serem aqueles que você faz contrário ao
mercado, eles são os mais difíceis de serem feitos. Psicologicamente eles
doem, porque você vai perdendo dinheiro e confiança à medida que as
coisas vão contra você. É o aspecto psicológico do investimento. Apostar
contra é mais difícil do que apostar a favor. Vai contra tudo aquilo que a
gente faz como ser humano desde que o mundo é mundo. Todo mundo
corre do fogo, você vai ficar para ver o fogo? Não, então aqui é parecido. É
difícil. É cada vez mais psicológico. É óbvio que a economia tem um papel
importante, é óbvio que desenhar o cenário tem um papel importante, mas
mais importante é se antecipar ao que os outros vão fazer. E, para isso, você
vai ter que entender como, na média, as pessoas agem. Ânsia, medo,
comportamento de manada, ancoragem. A bolsa bateu 100 mil pontos.
Quantas matérias vocês leram sobre 100 mil pontos? Por que 100 mil
pontos é mais importante do que 101 ou 99? Não tem importância
nenhuma, mas essas ancoragens psicológicas influenciam o mercado. À
medida que você reconhece que existe esse viés psicológico nas pessoas,
você consegue se posicionar de forma mais efetiva.
Você chega a perder o sono ou dorme tranquilo?

Bruno: É um jogo de repetição. Você faz isso há tanto tempo que vai se
acostumando com esse sentimento. É óbvio que tem momentos em que
você fica mais nervoso, mais ansioso. As coisas dando errado te deixam
mais tenso, mas faz parte da profissão.

Olhando para essa questão de montar uma posição, como vocês


trabalham os cenários de ganho e de perda?

Bruno: Você tenta quantificar quanto tem a ganhar e quanto tem a perder.
Isso se faz meio que mentalmente: “Quanto eu tenho a ganhar no cenário
bom e quanto eu tenho a perder no cenário ruim? Será que está simétrica
essa relação? O ativo é líquido o suficiente para apostar? Qual o tamanho da
posição que eu vou fazer? Como vou reagir se o mercado vier contra? Vou
aumentar?”. Então você tende a fazer um plano de voo assim.

Quando os prêmios de mercado caem, vocês ficam esperando o


próximo stress de mercado?

Bruno: O mercado é cíclico. É quase certo que vai haver alguma crise nos
próximos 12 meses e que naquele momento as pessoas vão ficar
desesperadas e que o mercado vai atribuir um prêmio grande àquele
momento. O grande segredo é você capturar as tendências de uma forma
saudável, com posições normais e conseguir estar leve em momentos de
pânico para poder aproveitar o pânico dos outros para se posicionar. Isso
seria o que todo mundo gostaria de fazer. Pegar os momentos bons com
maiores posições e estar leve nos momentos de crise. Seria o mundo
perfeito. Mas é óbvio que haverá crises. Se olharmos os movimentos do
mercado nos últimos 20 anos... Não sei quantos foram, mas serão muitos.
Se olharmos para a indústria de fundos no Brasil, o que me chama a atenção
é a quantidade de fundos que têm tempo de mercado, que tem 10 anos ou
mais de histórico. Isso diz um pouquinho sobre como os gestores fazem
gestão de fundos. Essa cabeça de saber se posicionar corretamente, com
tamanhos adequados, ser parcimonioso, não ser teimoso, saber mudar a
posição, zerar posições. Ao longo do tempo, isso dá retorno positivo,
porque você está vivo e consegue apostar nos momentos de crise. A última
vez que eu vi havia mais de mil gestoras independentes abertas. Dessas mil,
quantas estão com tamanho suficiente para manter uma equipe bem
remunerada, adequada e ganhando? De repente 100? Quantas dessas
existem há mais de cinco anos? Talvez 20 ou 30. É interessante ver como
esses gestores macro que estão no mercado há 10, 15 anos fizeram para
sobreviver a esses ciclos todos e o que aprenderam com isso. Os erros mais
frequentes que eu vi na minha vida de mercado foram gestores que se
empolgaram, fizeram posições muito grandes, subestimaram o risco, foram
teimosos e obrigados a zerar posições no pior momento possível. Se
olharmos para trás, na maior parte das vezes as casas estavam certas. Elas
não erraram na tese. Erraram no tamanho das posições e na gestão do risco.

Como vocês lidam com a gestão de riscos?

Tovar: O que fazemos quando pensamos o produto é que tipo de risco eu


aceito. “Para correr esse risco, que tipo de contratempo eu preciso
mensurar? Para que tipo de contratempo eu preciso estar dimensionado?”.
Vez ou outra, o fundo terá um contratempo. É impossível garantir que não
vou ter nenhum problema. Quando você lança o produto, ele precisa estar
dimensionado para, caso aconteça uma situação adversa de mercado, tenha
o seu mandato cumprido e respeitado. Não tem como eu falar que o meu
fundo é para render CDI mais um percentual se eu não correr risco. E,
quando eu corro risco, estou sujeito a ter uma cota negativa se houver uma
situação adversa do mercado ou um momento de ruptura. Na verdade, o
dimensionamento é feito pensando nisso. Quando o mercado não está muito
volátil, a área de riscos sabe que está muito abaixo do risco dado para o
fundo. Mas quando nos aproximamos do limite, ficamos em cima e todo
mundo é obrigado a reduzir as posições. Como ninguém quer zerar
posições, porque isso é ser forçado a desistir, a tendência é que a gente
diminua antes de atingir o limite. A gente desiste da posição
voluntariamente quando está errado, e não compulsoriamente com o gerente
de risco em cima.

Hoje vocês têm algum hard limit ?

Tovar: Temos. Desde o início, o nosso limite mandatório de risco para o


fundo macro é o limite de stress . Temos um acompanhamento de VaR , que
é mais um limite gerencial. Ele, na verdade, aciona uma conversa, mas não
é balizador para a tomada de decisão. O stress test é calculado com duas
metodologias. É o pior histórico de quatro anos, majorado em 25%. Então,
é uma janela móvel de quatro anos em que você pega o pior retorno do
ativo e o potencializa em mais 25%. E tem um stress test que fazemos no
qual damos um choque de volatilidade. Pegamos a vol dos últimos 30 dias
para todos os ativos e damos um choque de oito vezes. A gente reprecifica o
portfólio para esses dois cenários e vê qual deles é o que consome mais
limite. Aquele é o número que você usa. No stress , a gente não tem
correlação. Se eu tenho uma posição que é hedge , essa posição não diminui
o limite que eu estou usando. E ela não aumenta também.

Qual é a característica principal que faz com que o time consiga dar os
retornos acima da média, pagar a taxa de administração e ainda dar
retorno para o investidor?

Tovar: É uma combinação de fatores. Tem a formação, a dedicação e a


vontade de acertar. O prazer, a vontade de entregar um bom resultado. A
equipe aqui precisa estar dedicada full time . Nosso negócio é “barriga no
fogão”. A informação está cada vez mais abundante. Então, é importante
filtrar o que não serve e pegar o que serve. Mas, para filtrar o que não serve,
tem que se ler o que não serve. Os fins de semana também são assim. Todo
mundo aqui lê fim de semana, estuda fim de semana e está ligado no
WhatsApp, se falando. A empresa funciona 24/7. A empresa está aberta
24/7 para quem tem autorização para entrar e trabalhar aqui. Se quiser, pode
fazer reunião aqui num sábado, num domingo. Tem que haver vontade de
fazer o negócio dar certo. Não estou dizendo que isso traga felicidade.
Felicidade é outra conversa. Aqui é a vontade de fazer com que o negócio
dê certo. Eu quero um grupo assim. Ao longo do tempo, eu acho que
desenvolvemos a capacidade de achar esses talentos. Temos um time
experiente mesclado com gente nova, porque eles trazem ideias novas
também, uma maneira diferente de ver as coisas. Eu gosto de trabalhar com
gente melhor do que eu. O Bruno é 100 vezes mais inteligente do que eu.
Não quero gente pegando feudos, que não quer riscos, não quer ameaça. Eu
quero trazer gente para desafiar o e stablishment da casa. Sem hierarquias,
que prevaleça a melhor ideia.
Capítulo 11
RICARDO DE PAULO, GUILHERME AMARAL

E RODRIGO CARVALHO  |

VINTAGE INVESTIMENTOS

R icardo de Paulo, Guilherme Amaral e Rodrigo Carvalho fazem parte de


uma geração notável de traders que trabalharam juntos no banco de
investimentos CSFB Garantia. No final da década de 90, sob a liderança de
Jorge Paulo Lemann, o Banco Garantia foi considerado uma espécie de
Goldman Sachs brasileira. Após a venda do banco para o Credit Suisse
First Boston em 1998, Ricardo e Amaral permaneceram na instituição até
2002, e Rodrigo até 2005. Em 2014, se juntaram novamente para montar a
Vintage Investimentos.

Quando conversamos com alguém que tem um background de


tesouraria, um dos assuntos recorrentes é a diferença entre gerir
dinheiro dentro de uma tesouraria e de um fundo. Como foi essa
transição para vocês?

Rodrigo: As tesourarias de banco são “departamentalizadas”, dividas em


mesas de juros, câmbio, dívida externa e bolsa. O profissional que trabalhou
grande parte da vida em mesas de banco geralmente transitou entre mais de
um desses departamentos da tesouraria. Então, acumulou experiência em
alguns mercados. Isso é diferente da gestão de um fundo, onde é necessário
gerir diversas classes de ativos com um portfólio só. No meu caso, essa foi
uma mudança muito clara, não só pelos ativos que comecei a cobrir, que
aumentaram muito, mas pela composição da carteira. Quanto deve ser
colocado em uma posição vis-à-vis outra, quanto de hedge etc.

Ricardo: Essa questão de ver outros mercados foi interessante. Quando saí
do (Credit Suisse) Garantia, montamos um family office só para operar o
nosso dinheiro. E ali me aprofundei mais na área de mercados
internacionais e comecei a aprender a lidar com os diferentes mercados. Em
2006 fui viver no exterior e me desenvolvi ainda mais.
Rodrigo: Outro aspecto é a cota diária. Numa instituição financeira, o
cliente é o chefe, o dono do limite de risco. Em banco os chefes ligados à
administração da tesouraria vinham da mesa também. Eram chefes que
entendiam muito bem o que estava sendo feito. Num fundo, o chefe é o
cotista, que está na ponta final. Normalmente, há um intermediário, um
profissional que entende do produto e faz a mediação com o cliente final.
Mas na gestão de fundos a questão de drawdown é mais sensível, então a
preocupação em acertar esse timing de montar uma posição, mesmo que
seja estrutural, é maior do que em uma tesouraria. Em tesouraria havia mais
flexibilidade para errar o timing de montar a posição porque o sócio, o
cliente, entendia daquele business .

Amaral: Concordo. Nas tesourarias havia basicamente ativos divididos em


clusters , cada um com seu limite e risco. Não havia tanta interação,
tampouco as ferramentas para análise de risco que existem hoje. A gestão
de risco era feita por fluxo de caixa e, eventualmente, por alavancagem
simples de balanço, sem tanta preocupação com volatilidade. As
ferramentas foram sendo desenvolvidas junto com a evolução das
tesourarias. E quando as gestoras de fundo chegaram em meio a essa
evolução, já havia muito mais sistemas disponíveis para análise de risco.
Foi bastante interessante acompanhar esse movimento. Nas crises da década
de 90 era mais uma questão de quando surgiriam as supervariações de
preços, de como estavam os fluxos, as linhas de financiamento. Não havia
efetivamente muita preocupação com o VaR , ou um potencial drawdown .
Claro que isso contava, mas é uma diferença interessante. Hoje em dia são
poucos os bancos que têm as tesourarias clássicas, que tomam risco efetivo.
Elas se tornaram um departamento de apoio às operações de clientes. Nos
bancos estrangeiros o risco proprietário virou exceção, principalmente
depois da crise de 2008, com a aplicação de novas regulamentações. Quem
entrou na gestão a partir do final da década de 90 ou começo de 2000
acabou por herdar todo aquele ambiente de tesouraria e tomada de risco
proprietário.

Da época que vocês operavam no Garantia, os mercados mudaram


muito?
Ricardo: O Garantia foi um lugar bastante inovador em várias áreas.
Contávamos com o Jorge Paulo Lemann e sua mente visionária, que já tinha
um viés de se tornar internacional. Entre 1987 e 1988 abrimos um broker-
dealer em Nova York já vislumbrando, naquela época, o começo das
privatizações e o aumento de fluxo de capitais para o Brasil. As ações de
Telebrás dispunham de um volume muito grande no Brasil e depois
alcançaram patamar igual no exterior. Chegaram a estar entre as mais
negociadas em Nova York e isso abriu o mercado do Brasil para o mundo
de maneira ampla e com alcance a vários clientes. Lembro que, na época,
tínhamos clientes na Ásia, Europa e Estados Unidos. Como resultado, o
mercado foi ficando mais sofisticado. Eu operava muito derivativos, então
me esforcei para entender como era operar derivativos no mercado
internacional. Fiz alguns cursos em Nova York pelo banco em 1990. O
objetivo era entender melhor as ferramentas dos nossos parceiros, que
dispunham de uma tecnologia totalmente diferenciada, como por exemplo o
Morgan Stanley e o Société Générale . A globalização mudou o mercado,
mudou tudo o que sabíamos e entendíamos. Coisas que aconteciam do outro
lado do mundo passaram a afetar muito o mercado local. Não ter acesso a
esse conhecimento significava ficar ignorante no assunto e órfão de
informações. Isso ficou claro na crise da Ásia em 1997 e na crise da Rússia
em 1998. Foram dois eventos externos que nos afetaram diretamente. E
para jogar este jogo era preciso estar preparado e organizado.

Amaral: Daquele período para hoje houve uma evolução interessante. A


partir da venda do Garantia para o Credit Suisse em 1998, gradativamente,
passamos a acompanhar mais de perto o que acontecia no exterior. No meio
da década de 90 nem todo mundo acompanhava em tempo real, no terminal
da Bloomberg, a decisão sobre taxa de juros do FED. Às vezes havia um
movimento forte, mas era preciso alguns minutos para aquela notícia se
espalhar. Agora acontece no segundo da divulgação. Naquela época nossa
exposição a riscos era basicamente em risco Brasil. Quando saí do banco
em 2002 comecei realmente a observar mercados externos e instrumentos
internacionais. Na década de 2000 isso ainda não era difundido como é
hoje, era uma fase de experimentação. Então surgiram os fundos que
possibilitam aplicar fora. Quando criamos a Vintage, em 2014, isso já era
algo que estava em nosso DNA. Operar no exterior há muito tempo foi bem
aceito pelos alocadores, que enxergavam isso como um diferencial nosso.
Dizem que o Garantia foi uma escola de traders . O que vocês mais
aprenderam lá?

Ricardo: Entrei no Garantia com 18 anos, em 1984. Construí minha carreira


ao longo de experiências em várias áreas lá dentro. O grande aprendizado
no banco veio das oportunidades que ele oferecia. O banco cumpriu com
todas as expectativas da maioria das pessoas que trabalharam lá. No final
das contas, com um pouco de paciência, não existia nenhuma limitação para
se chegar ao lugar desejado. Só dependia do seu resultado. Era realmente
um lugar de meritocracia. Ninguém precisou me mostrar o quão melhores
eram as pessoas que estavam acima de mim, eu sabia que eles eram
melhores. E era possível melhorar, aprender com eles. Mas foi necessário
entender que sempre existe alguém melhor que você. Essa é uma coisa que
levei para o resto da vida, saber exatamente minha limitação, capacidade e
tempo das coisas.

Amaral: Uma das principais coisas que eu me lembro de sentir ao longo do


trabalho para o banco, e que serve para a vida inteira, é estar efetivamente
envolvido com o que eu estava fazendo. Dado o meu estilo e interesses,
acabei me encaminhando para a área de trading na tesouraria. A estrutura
era pequena. A exposição era rápida e isso era justamente o que fazia
diferença. Lá não simplesmente sugeríamos uma ideia. Se eu levasse
alguma ideia, a pergunta era se eu seria o dono do assunto, se iria cuidar
daquilo desde o começo. Montar, acompanhar e desmontar, sem pedir para
ninguém fazer. Os riscos e as posições precisam de um ou mais donos. É
importante aprender desde o começo a assumir a responsabilidade daquilo
que se está fazendo. Dentro do banco, sempre ouvia: “Quem é o dono disso
aqui agora?”. Alguns sustos em crises vieram de posições ou riscos que
estavam, por assim dizer, sem dono. Havia uma dúvida sobre quem estava
olhando aquela operação no detalhe. Esse aprendizado rápido de estar
envolvido, ser o dono, assumir a responsabilidade, tocar e acompanhar do
início ao fim, me ajudou na gestão e na vida inteira. Fazer gestão e assumir
risco é para quem gosta e tem aptidão. Economista é importante, analista
também, e é possível obter uma fusão dessas duas funções. São os
chamados estrategistas, que conseguem juntar o perfil analítico e de gestão.
Mas os gestores têm a responsabilidade final. Se o mercado estiver ruim ou
agitado, durmo mal. Sou o dono do risco que tomei, e não há o que delegar.
Rodrigo: O que mais lembro da época do banco é a questão da meritocracia.
Embora façamos parte de uma sociedade um pouco diferente do padrão das
Assets americanas, com uma operação um pouco mais enxuta, tentamos
pagar muito bem aos profissionais que forem bem. Então, o profissional se
sente sócio mesmo sem ser. Ele apresenta um beta com relação ao resultado
da empresa e um alpha em relação ao seu desempenho específico naquele
período que está sendo avaliado. Essa abordagem de responsabilidade com
exercício meritocrático é algo que vem do banco e que tentamos utilizar
aqui na empresa. Outro ponto é a aptidão ao risco, que foi uma escola muito
importante, no meu caso. É comum existirem pessoas boas em análise, e
com uma formação brilhante, mas eventualmente falta essa característica.
Não faço julgamento de valor, se é positivo ou negativo, é só uma
característica, que é a aptidão para tomar risco. Alguns profissionais
conseguem conectar os pontos , tem a análise, o diagnóstico do todo, mas
falta alguma característica pessoal para conseguir colocar o resultado em
uma posição efetiva. Quem viveu em tesouraria de banco por algum tempo
desenvolveu isso. Esse é um aprendizado que eu trouxe para a gestão de
fundos.

Como é o processo de investimento de vocês no fundo?

Rodrigo: Pelo fato de querermos ser um hedge fund enxuto, decidimos não
ter muitos produtos, não ter muitos funcionários e nem ter um patrimônio
gigante. Em função dessa escolha empresarial, adequamos nosso processo
de investimento. Ele é Top-Down . Esse é o nosso approach , algo também
visto em vários hedge funds globais. Contamos, claro, com profissionais
que operam também com um processo de investimento mais detalhado,
mais Bottom-Up . Mas temos três heads generalistas globais com posições
que, na média, são maiores em Brasil. Esse é o estilo do nosso processo de
investimento.

Ricardo: No macro é realmente onde consigo me destacar. Aprendi que


pertenço a uma velha-guarda generalista. É nesse ambiente que navego
melhor.

Rodrigo: Temos nos esforçado para fazer um outsourcing de pesquisa para


tentar identificar com maior precisão em que ponto do ciclo econômico
estamos. Temos inclusive procurado um processo mais sistemático para a
área de pesquisa. Ou seja, em vez de lermos inúmeros relatórios de research
, uma empresa pode sistematizar isso. Em resumo, o nosso trabalho numa
gestora macro é tentar identificar esse ponto do ciclo econômico, é o ponto
inicial de qualquer análise.

Amaral: Se identificarmos a fase do ciclo global no qual estamos, podemos


ver se esses ciclos são coincidentes em diversos países ou não. O Brasil está
numa fase do ciclo um pouco diferente dos demais, e estamos tentando
verificar se o cenário externo contamina o Brasil. Tudo isso identificado,
podemos analisar, precificar, ponderar os cenários e medir o que está
precificado ou não nos preços de mercado. É uma busca incessante para
saber o que está mais assimétrico em termos de risco e retorno. E para
avaliarmos onde estão as melhores oportunidades. Podemos adicionar
determinados hedges na posição para tornar a assimetria ainda mais
interessante. Mesmo que seja identificada uma oportunidade direcional
muito atrativa em determinado ativo ou país, buscamos outras posições que
possam nos defender. Se for uma tese precoce, adicionamos algumas
proteções, para potencializar a assimetria que possa existir naquela
estratégia. Como minimizar o risco de algo inesperado? Se houver posições
que não se provarem certas, as proteções limitam as perdas. Os erros
sempre vão acontecer, mas podemos minimizar de um lado e potencializar
de outro.

Mudando de assunto, como um profissional se torna um bom gestor?

Amaral: Acho que é preciso um pouco de dom. Existem algumas coisas que
não se aprende em lugar nenhum. Há duas ou três coisas que levo em
consideração. Uma delas é a lógica de raciocínio. Se o profissional possui
uma boa lógica de raciocínio, a chance dele alcançar o sucesso em várias
áreas é gigante. Outro aspecto que levo em consideração é saber ler a
psicologia do mercado e do ambiente macro. Se o profissional consegue
fazer bem a leitura do psicológico das ruas, do mercado, do Banco Central,
dos políticos, ele sai na frente. Gestão é um desafio, mas o trabalho também
precisa ser divertido. É óbvio que o trabalho não vai ser diversão 100% do
tempo, mas é preciso rir até mesmo dos erros, senão o sucesso não vem.

Rodrigo: O exercício de conectar os pontos é um desafio enorme. Com a


globalização, a velocidade da informação gera nós. Então um bom gestor
descarta informação inútil ao longo do caminho da maturação da tese de
investimento, desatando nós. Um analista júnior que não pesar bem as
fontes de informação vai se perder entre os nós. A experiência conta muito
nesse sentido. Então, é um desafio e um exercício intenso separar, de fato,
os nós no mundo atual.

Ricardo: É impossível entender tudo. Isso evolui com o tempo. É


importante essa flexibilidade de observar dez fatores que influenciam a
minha posição e saber que daqui a seis meses serão outros dez fatores
diferentes. Então, precisa estar claro na mente o entendimento de quais os
fatores que te levam a colocar tudo isso no bolo, e chegar a um
denominador comum para uma posição final. Até hoje continuo cometendo
os mesmos erros. Tento diminuir, mas continuo. Por outro lado, continuo
fazendo outras coisas muito bem. Essa leitura diária de mercado, olhar na
tela e ver se está todo mundo querendo comprar ou puxar preços. Essa
leitura eu faço bem, mas preciso estar no dia a dia para fazê-la. Se me
afasto, perco informação importante. A leitura dessas informações me
fazem tomar uma decisão. Se eu não tenho essa leitura pessoal,
provavelmente não vou conseguir tomar uma boa decisão. É uma história
que está sendo contada todos os dias e é preciso ler essa história. Se eu
faltei ontem, perdi um capítulo.

Quais são os skills necessários para tomar risco com sucesso?

Rodrigo: Há pessoas que simplesmente não suportam dormir mal, mas nós
conseguimos. É inerente à profissão. Normalmente alguém com uma
formação cartesiana só assume risco quando tem a convicção matemática
de que aquele negócio vai dar certo. E isso raramente acontece em gestão.
Então, é um misto de pragmatismo com característica pessoal, de entender
que faz parte do negócio assumir posições arriscadas onde não há 100% de
convicção. Claro que se houver menos convicção, um tomador de risco
deveria assumir uma posição menor com um stop mais rigoroso. Em
compensação, quando houver mais convicção, ele deveria montar uma
posição maior.

Amaral: Não é que o profissional com estômago para gestão seja melhor ou
pior que um analista. Eles são complementares. O gestor em geral não tem a
profundidade de um analista. Até porque se tiver, não vai conseguir
exercitar as outras características de gestão. É provável que ele seja um bom
leitor de cenários. Existem pessoas que possuem uma aptidão enorme para
resolver um problema, juntar as peças, buscam dicas, conseguem desenhar
um cenário e explorá-lo. Já outras se desesperam diante de um quebra-
cabeça. Uma coisa é implementar algo, outra é fazer. Amanhã pode ser
outro cenário. É necessária uma constante análise do cenário e testar a
convicção como um todo. O importante é testar. Às vezes, uma posição que
começa pequena e direcional pode se tornar um Long & Short , e depois
uma posição de três pernas. O processo é dinâmico. É preciso ter jogo de
cintura para não ficar preso na primeira página da análise. Conseguir fazer a
migração para algo complexo, com mais pontas, combinar diversos riscos e
ter uma visão de portfólio. Faz diferença vivenciar várias situações. Se
desenvolve um equilíbrio para lidar com a situação estressante e agir no
timing certo.

Quais são os erros mais comuns de gestores e traders, que vocês já


viram e que, atualmente, evitam cometer?

Rodrigo: Um erro que eu evitei, e que pode ser praticamente fatal em uma
indústria como a nossa, é o oversizing em uma determinada tese, ou seja, a
concentração grande de risco . O gestor se sujeita à dependência absoluta de
sua tese estar correta. Não faz sentido manter uma posição mega-
alavancada para ganhar 3% ou 4% e correr o risco de perder 25%. Então
esse erro de dimensionamento, com excesso de confiança, é o que procuro
evitar. Preferimos esse estilo de preservação de capital. Muitos gestores
focam em volatilidade do fundo , talvez isso seja um erro também. Existe
uma confusão conceitual entre volatilidade e risco. Algumas pessoas são
normalmente induzidas a assumir mais risco quando a vol dos ativos está
baixa. Temos uma percepção diferente. Historicamente, corremos mais
risco quando a vol está alta, porque são nesses momentos que a assimetria
melhora. Uma coisa é aplicar pré a 4,50% e esperar que chegue a 4,30%.
Outra coisa é aplicar a 13,00% porque houve um Joesley Day, e está todo
mundo “stopando” posições. Qual é a chance de perda permanente de
capital se você continuar a 13,00%? Vai oscilar para 14,00% ou para
12,00%, mas o risco de perda permanente é muito menor do que aplicar a
4,50%.
Amaral: Concordo com essa questão de concentração e ter uma convicção
extrema. Chega a ser arrogante não enxergar determinados riscos e acreditar
que está 100% convicto. Vivenciei um tipo de erro que muitos também
devem vivenciar. É o famoso amor à posição, a dificuldade de se desfazer
dela. No banco, eu era de renda fixa e só depois comecei a prestar mais
atenção em equities, e a gostar muito. Em equity é possível identificar a
questão do amor à posição. Há uma lista com 20 papéis. De repente o gestor
escolhe um, coloca na posição e pronto, se torna uma tese. Nesse caso,
infelizmente, é comum ignorar os sinais de que aquilo não é exatamente
como o esperado. Esse viés é difícil tirar, mas há mecanismos para controlar
isso melhor. Uma das coisas que ajuda é não concentrar. Não gosto de usar
a palavra diversificação, porque ela está gasta. Também, se diversificar
demais, não se faz nada. Em vez de falar diversificação, o importante é a
não concentração. É uma arte montar a posição do tamanho certo para que
ela não seja algo que use energia e recursos da empresa e, quando a tese
estiver certa, gere um movimento pequeno para o investidor ou cota. É
natural olhar com mais carinho para algo que você tem na carteira, mas
existem mecanismos para testar isso constantemente . Outra coisa que ajuda
é que, ao trabalhar com seus pares, é possível colocar mais em jogo as suas
teses. Temos essa confiança e liberdade entre nós para fazermos isso.
Apesar de todo mundo saber da responsabilidade própria em seus books ,
compartilhamos muito. Isso é positivo para a gestão como um todo. Fomos
unânimes no desejo de montar algo com três sócios, porque pode chegar um
momento no qual alguém vai falar uma coisa, o outro vai falar outra e não
haverá solução. Com um terceiro sócio, é possível desempatar e resolver
melhor. Essa divisão entre sócios de igual para igual é o cenário ideal para
montar sociedade. É o nosso caso. Criamos afinidade e confiança mútua ao
longo do tempo. Mesmo que você admire certos profissionais, que os
conheça há muitos anos, se nunca trabalhou e conviveu com eles, a chance
da sociedade não dar certo é grande.

Ricardo: Um exemplo de erro clássico é quando um gestor está perdendo


10, então tenta operar 20 para recuperar os 10. É como dizia um piloto: o
avião não cai só por um motivo. E isso também se aplica à gestão. O gestor
não chega a uma situação difícil por um motivo só. Se verificar a história,
os outros dias, o que ele fez ou deixou de fazer, é possível observar que
foram vários motivos, houve vários sinais de que ele realmente estava
perdendo a mão. Na maioria das situações é falta de controle emocional.
Ele não está preparado para aquela pressão. Outro erro é operar coisas que
você não acompanha de perto. Você pode acompanhar dois, três ou quatro
mercados no dia a dia, mas não dez. Você tem que evitar mercados que não
entende a fundo.

Faz sentido. Como vocês fazem para gerenciar a questão emocional de


gerir dinheiro de verdade, o de vocês e de terceiros?

Rodrigo: Experiência e idade trazem benefícios para entender melhor como


funciona todo o processo. A tendência, ao ficar mais velho, é sofrer menos,
porque a adaptação aos momentos ruins é mais rápida, embora esse não seja
o meu caso. Nos momentos ruins, eu sofro como no início da minha
carreira. A diferença é que hoje eu sei que faz parte e tenho que saber lidar
com aquele negócio, que não depende da idade ou de quanto dinheiro
alguém já tenha acumulado. É um negócio maligno. O sofrimento, para
mim, é igual. O que muda é o entendimento de que faz parte.

Ricardo: Sempre achei que o importante é montar posições que transmitam


segurança. Quando tenho muitas posições com as quais não estou tranquilo,
que não me deixam dormir bem, alguma coisa está errada. Então, dormir
bem, tranquilo, é sinal de que a posição condiz com o que foi pensado. Algo
errado na posição preocupa, e deixa o profissional fora do jogo. Se isso
acontece, no dia seguinte o operador já estará correndo atrás do rabo. Aí na
hora que precisa aumentar, não aumenta, na hora que precisa diminuir, não
diminui. Isso acontece porque o pensamento não está fluido e tranquilo para
tomar as decisões. Em resumo, se o operador dorme bem com o trabalho
que fez, no dia seguinte tem grandes chances de operar da forma correta. Se
dorme mal, vai operar mal no dia seguinte.

Amaral: O que fazemos na Vintage, e provavelmente é feito em todos os


lugares, é expor um potencial gestor aos poucos para confirmar a vocação.
Já houve um caso de chegarmos à conclusão de que o profissional queria
ajudar mais em análise. Realmente, a exposição de um gestor é total em
situações estressantes. Em escala macro e micro, quanto mais você souber
os seus limites, melhor. Pessoas mais experientes são um poço de sabedoria.
Isso se deve ao tempo vivido, experimentado, lido. É interessante quando já
é possível perceber as situações. Em certos momentos eu julgava acreditar
muito em um risco, mas estava além do meu limite físico suportar tantos
detalhes ao mesmo tempo. Eu precisava cortar o tamanho da posição para
raciocinar melhor. Fazia um downsizing e tudo ficava mais claro. É
importante cada um saber o seu limite. Mas esse limite é dinâmico. Há fases
em que o profissional está mais seguro, acreditando mais, e está fazendo
uma leitura melhor do cenário. Eventualmente está com menos questões
fora do trabalho competindo por sua atenção. Então, é saber esses limites
macros e micros, de épocas e situações diferentes. Outro aspecto vital é a
humildade, que se desenvolve com o tempo. É necessário humildade para
saber que não é possível estar sempre certo. Pelo contrário, muitas vezes
estaremos errados. Não é aconselhável ficar inebriado demais quando está
certo. Mas ter calma, isto é, aproveitar com o pé do chão. Quanto do seu
acerto veio de habilidade e quanto de sorte? Não há nada de errado em estar
numa onda positiva, é para surfar mesmo. Mas a humildade é a alma do
negócio. Em 30 anos de tesouraria, por muitas vezes experimentamos
situações completamente atípicas. Algumas situações não serão claras e vão
surpreender. É aconselhável não descolar o pé do chão.

Rodrigo: Uma coisa que percebo em várias profissões é uma dificuldade


grande de reconhecer erros. Reconhecimento de erro, para um advogado,
médico ou engenheiro, é mais difícil do que para nós. Em gestão,
basicamente todos os dias se comete um erro. E isso nos prepara para
encarar algumas coisas da vida. Essa é a principal característica positiva
que carrego dessa profissão para a vida, lidar melhor com questões não
esperadas ou frustrações. Ao mesmo tempo em que esta é uma profissão
estressante, também prepara melhor para os diversos desafios da vida.

Amaral: A questão é saber lidar emocionalmente com isso, admitir que está
errado e “stopar” a posição. É um exercício constante para aprender a lidar
com o erro. O profissional desenvolve uma resistência às situações. Além
dos erros ativos, ainda é preciso lidar com o que eu chamaria de erros
passivos, que são as oportunidades que deixamos passar. Não há
necessariamente perdas, mas também se deixa de ganhar dinheiro. Até para
esse tipo de situação é preciso desenvolver resistência.

Tendo tido sucesso pessoal ao longo de muitos anos, o que motiva vocês
a continuarem gerindo recursos após tanto tempo?
Rodrigo: Somos intelectualmente desafiados todos os dias. E esse é o
grande chamariz da profissão. Existe o desafio intelectual diário de tentar
entender o que está acontecendo no mundo e como isso vai se traduzir em
preço. No final das contas, é um desafio atrativo. Não é à toa que fazemos
isso a vida inteira. É uma atração e um desafio intelectual que encanta.

Amaral: É claro que há a consequência de ganhar dinheiro. Mas, ao mesmo


tempo, isso deixa de ser o fator primordial. Uma coisa importante é a
realização pessoal e profissional. A responsabilidade de gerir o dinheiro de
terceiros é motivante. E o gestor é constantemente desafiado e,
naturalmente, uma pessoa atualizada. Ainda mais em um cenário mais
amplo do que era a gestão há 20 ou 30 anos. Ao conversar com qualquer
gestor, é comum começar a discutir filosofia e outros assuntos, porque está
todo mundo lendo. O gestor se torna uma pessoa com vários interesses. E
isso torna a vivência intelectual estimulante. E nas grandes crises, é
importante um approach no qual se observa pragmaticamente o que está
acontecendo para conseguir atravessar o processo raciocinando e
controlando o emocional. Ao longo do tempo, tenho admirado profissionais
de TI e a capacidade deles para resolver problemas que podem demandar
cinco minutos de esforço ou até algumas horas. Desde o período no banco,
tenho notado como esse pessoal atende os usuários e sempre identifico os
melhores profissionais. Se há um nó tecnológico na máquina, por exemplo,
os melhores mantém a calma e a estabilidade enquanto testam as soluções.
Eles só param quando o problema está resolvido. Gosto de observar os
profissionais que mais deram certo nessas situações. Eles não se
desesperam com o problema que encontraram pela frente.

Ricardo: São duas coisas. Saber que você é capaz, mas querer novos
desafios. O segundo ponto vai além do desafio de mostrar que é capaz, é
trabalhar com pessoas mais novas que você. Isso gera entusiasmo. Se você
trabalha só com gente mais velha, acaba envelhecendo. Não tem ideias
novas. Se você trabalha com gente mais nova, alguém sempre te oferece
algo diferente. E isso motiva para a vida. Não interessa se vai dar resultado
ou não. Você ouve pessoas mais velhas, mas onde você aprende de verdade
sobre a vida atual é ao lado de pessoas mais novas.

Capítulo 12
JÚLIO FERNANDES E BRUNO MARQUES  |

XP ASSET

J úlio Fernandes e Bruno Marques lideram a equipe de gestão macro da


XP Asset Management, que define, de forma consensual, a alocação dos
fundos multimercado macro da casa.

Qual o approach de vocês para a gestão do fundo e para análise do


mercado?

Bruno: A indústria de fundo multimercado tem vários modelos de gestão.


Não gosto da ideia do especialista. O especialista é quem olha só para um
mercado e tenta extrair alpha daquele mercado. Existe valor em fazer isso,
porque quando você é bom o suficiente naquele mercado, você consegue
ver coisas que outras pessoas não estão vendo. Mas, fica aquela questão de
você ver floresta ou você ver as árvores. O inverso disso, é que também
quem vê tudo, não vê nada. Por que, se você vê tudo, você não vê nada
direito, não consegue olhar tudo ao mesmo tempo. Existe um equilíbrio
nisso, que é o universo que você consegue acompanhar. Para a gente isso se
restringe bastante a Brasil e uma gama de países desenvolvidos. Quanto aos
países desenvolvidos, é mais no sentido de acompanhar o cenário e menos
no sentido de alocação de risco. Partindo dessas premissas, conseguimos
fazer bem macro Brasil. Para isso, obviamente, você precisa saber fazer
bem um cenário internacional, porque isso nos afeta de alguma forma. O
Brasil não é um país dos mais abertos do mundo. Então, o efeito disso é
muito mais via ativos financeiros do que efetivamente análise macro.
Gostamos de fazer análise macro, é isso que conseguimos fazer. Leia-se
nível de atividade, inflação, política monetária. Política monetária é muito
relevante. Fazemos isso há muito tempo. Para isso precisamos de um estudo
profundo. Para compreender a política monetária você precisa entender os
dados econômicos, ver o que está acontecendo e a inter-relação entre o
Banco Central e os dados econômicos. Porque, não necessariamente, o que
você acha que os dados indicam como atividade de política monetária é o
que o Banco Central vai fazer. A gente não está no business de acertar o que
acha certo, e sim acertar o que o Banco Central vai fazer. Isso, obviamente,
pode ter impactos em outras coisas. Então, se trata de fazer cenário
macroeconômico e, dali, tentar extrair um alpha , tentar extrair uma
rentabilidade extra. Eu volto para a questão do especialista: o especialista
vê o cenário macro e como este cenário afeta o mercado que ele
acompanha. Para nós é o contrário: dado o cenário macro, quais são as
melhores oportunidades? Como os ativos deveriam se comportar? E, aí,
sem o menor preconceito: existe algum hedge bom para aquele cenário? Na
nossa visão o cenário vem primeiro e a alocação vem depois. Por outro
lado, vemos um cenário de médio prazo. Para você conseguir monetizar um
cenário de médio prazo é preciso conseguir carregar os ativos por um bom
período de tempo, com gestão de risco. Essa gestão de risco não envolve
apenas VaR e Stress Test . Mas sim otimizar o seu portfólio de forma a fugir
de grandes drawdowns . Avaliar se há algum ativo melhor do que outro e
ver se existem hedges a serem feitos. No geral, a gente não ama fazer hedge
. Por quê? Quando você faz hedge de um ativo em um outro ativo, você está
correndo um risco de correlação. Às vezes simplesmente diminuir a posição
é o melhor hedge .

Júlio: Nosso modelo é de gestão consensual. Trabalhamos juntos o melhor


portfólio possível, independente do mercado que a gente escolher e dos
hedges . No final das contas, avaliamos se o portfólio como um todo está
subindo. E não qual caixinha: se é juros, câmbio ou bolsa que está
ganhando. Temos esse alinhamento com o cliente. O que importa é a cota.
Analisamos o cenário de cima para baixo e depois quais os melhores
mercados. Isso é o que acreditamos que irá trazer os melhores retornos no
longo prazo. Estamos alocando o risco da melhor maneira possível.
Algumas casas têm um terço do risco em câmbio. Mas o câmbio já tem um
ano e pouco que não tem apresentado grandes oportunidades. Mas vemos
retornos no mercado de juros. O grande consenso nos últimos tempos é de
que o crescimento global, de maneira geral, está desacelerando. O cenário é
de crescimento um pouquinho para baixo e juros para baixo. Então, qual é a
melhor alocação de risco nesse cenário? Montar posições que se beneficiam
dessa queda de juros. Bolsas vão subir em alguns países, especificamente,
ali ou cá, nos países em que a economia também está ciclicamente se
recuperando. Nosso modelo tem uma predeterminação de remuneração,
baseado no modelo de gestão de uma carteira de consenso. Estamos
alinhados até na remuneração. Valorizamos a crítica, que é importante na
co-gestão do fundo. Mas modelo de consenso, com muita gente não
funciona. Com cinco, seis, sete pessoas dando opinião, você não tem
agilidade, não tem um consenso e não consegue montar o portfólio. Quando
há algo no cenário que está ficando nebuloso, quando tem muita gente
dando opinião, você não tem agilidade necessária para reduzir o risco da
maneira como deveria. Num modelo de dois, um complementa o outro. Há
momentos nos quais precisamos aceitar a ceder. Mas com dois é mais fácil
do que com cinco. Então, conseguimos um modelo com a agilidade
necessária, cada um cedendo no momento em que achar necessário, e, uma
vez que a gente toma uma decisão, o portfólio é dos dois. Todo mundo
aceitou, é nosso. Se acertar, acertou, se errar, errou junto. Dessa forma se
aloca o risco da melhor maneira possível, no nosso entender. Eu dei o
exemplo do câmbio: se tivesse um terço do risco para um gestor de câmbio,
a pessoa só vai ganhar dinheiro se gerar resultado naquele mercado. Ela,
com certeza, vai ficar tentando arrumar uma operação. Quando você tenta
inventar algo, a probabilidade de perder é muito elevada. Então, um terço
do risco estaria sendo subutilizado ou mal utilizado.

Bruno: O cenário vem sempre em primeiro lugar. A derivação daquilo é a


posição que você vai fazer e a terceira derivação é uma gestão ativa de
risco. Acho que cenário é 50% e risk management são os outros 50%. Se o
cenário vem sempre em primeiro lugar, você tem que ter espaço para
estudar e ter uma discussão ativa, em que as pessoas estejam sempre
tentando melhorar a confecção do cenário. E o cenário não é estanque. Você
precisa estar o tempo todo se questionando se aconteceu alguma coisa que
refutou o seu cenário ou se o confirmou. A analogia que eu faço é a de um
grande quebra-cabeças infinito, em que você recebe, todo dia, umas duas ou
três pecinhas novas. Você acha que está montando uma casa, mas, às vezes,
você pode começar a mudar e falar “casa não tem uma chaminé... ou não
tem uma vela de barco”. Você vai, aos poucos, moldando o cenário. Mas há
dois lados nisso. Se, toda hora em que acontece alguma coisa, você se
questiona demais, você fica igual a uma biruta. Então, você tem que tentar
separar o que é ruído e o que é sinal.

Com certeza. Em quais mercados vocês atuam?

Bruno: 90% do risco do nosso fundo vem de juros, câmbio e bolsa local. E
todos os instrumentos que envolvam esses três mercados. No mercado de
juros, você tem juros nominais e juros reais, você tem opções. No mercado
de câmbio você tem câmbio futuro e opções. Na bolsa você tem índice
futuro, opções, ações especificas. A gente não opera nada com modelo
quantitativo, somos zero quantitativo. Teve um modelo de câmbio que
funcionou durante muito tempo no Brasil, embora tivesse baixa capacidade
de previsão. Quando o spread do preço com o valor do modelo abria muito,
o modelo conseguia identificar isso bem. Só que, de março do ano passado
para cá, esse modelo parou de funcionar. Porque mudou o modus operandi,
o câmbio passou a sentir mais os juros baixos.

Júlio: No mercado de juros não tem modelo, mas naturalmente a gente olha
a curva de juros para trás. Olhamos como se comportou a curva de um ano,
de dois anos, de três anos, de cinco anos, para trás. Então, usamos dados
históricos, para avaliar como que o mercado se comportou em cada
oportunidade. Num ciclo de easing , e em um de aperto. Mas também olhar
as especificidades de cada momento. Então, num ciclo de easing , 2008,
lembra da Lehman Brothers? Ali, o Banco Central teve que cair juros de
emergência. Então, olhar os dados para trás faz parte da nossa função aqui,
para tentar comparar com o momento e ver se tem alguma informação, se
está muito fora de preço ou não. Mas, aí, nesse caso, tem toda a
subjetividade e a nossa capacidade de analisar os dados.

Falando em analisar dados, como vocês gerenciam o excesso de dados


econômicos que saem todo dia?

Bruno: Eu acho que tem a experiência de fazer isso há muito tempo. A


verdade é que o Brasil não tem excesso de dados, mas um excesso de
informação e notícias para tudo que é lado. Cabe à gente ter um pouco de
frieza, bom senso, para tentar separar o que é ruído do que é sinal. Então,
por exemplo, numa tendência de números de inflação mais fracos há muito
tempo, não é um número ou outro mais forte que vai fazer você mudar o
seu view desesperadamente. Vislumbramos uma perspectiva de atividade
mais negativa no Brasil já há uns dois anos. Montamos um quebra-cabeças
na nossa cabeça de porque a atividade está mais fraca e de porque vai
continuar assim durante um tempo. Quando sai um dado mais forte,
ponderamos: “Mudou alguma coisa? Tem alguma coisa que faça com que a
narrativa que prevaleceu até agora mude? Não”. Então pode ser apenas um
ruído. Usamos bom senso, comparando os dados que vão saindo com o
nosso cenário base.

Júlio: A nossa experiência aqui já nos faz filtrar quais dados, tanto no
Brasil, quanto no exterior, são importantes. Lá fora é divulgada uma bateria
de dados quase todos os dias, mas a gente sabe exatamente o que olhar. Se
no atual momento o que importar for a atividade econômica, então vamos
olhar dados de geração de emprego. Tem momentos que o foco está em
inflação e aí sabemos que um dado de payroll forte não vai afetar o
mercado. O CPI vai ser o foco de atenção. Há períodos nos quais o mercado
está todo focado no payroll , porque está olhando a atividade. Você sabe que
um payroll forte e um dado de average hourly earnings forte pode fazer o
FED subir mais os juros. Isso foi a narrativa de 2018. Em 2019 o medo é o
contrário: já é de desaceleração, então o foco começa a ser a inflação. Se a
inflação não sobe como ele imaginava, o FED vai cortar ainda mais os
juros. Tem momentos em que a atividade é protagonista, em outros a
inflação é importante.

O processo de vocês é puramente fundamentalista ou incorpora


elementos técnicos?

Júlio: Somos fundamentalistas, no sentido de olhar os dados macro e


transportá-los para o nosso cenário. A parte técnica, a gente não deixa de
olhar. Por exemplo: “Está todo mundo comprado em bolsa? Está todo
mundo aplicado em pré?”. A gente consegue saber isso, vendo dados de
mercados futuros e investimento estrangeiro em bolsa no Brasil. Também
analisamos, via regressão, a cota de outros fundos. Dessa forma sabemos se
o mercado está muito aplicado em juros, se está muito comprado em bolsa.
Isso é uma informação auxiliar, que temos para tomar uma decisão. Assim,
o core , 90% da análise é fundamentalista e as informações técnicas ficam à
nossa disposição. Se o mercado está muito comprado, e estamos começando
a ficar menos otimista com bolsa, podemos reduzir um pouco a posição.
Faz parte da nossa gestão ativa de risco.

Bruno: Essa parte quantitativa de ver a regressão dos fundos entra no risk
management. Usamos para compor o cenário, tentando buscar uma
otimização de posição . Mas sempre olhando um cenário de médio e longo
prazo. Temos de ter uma vantagem comparativa. Ponto. O resumo é esse.
Então, por que a gente não opera o mercado externo? Porque não temos
vantagem comparativa. Se o cliente quer investir em multimercado com
40% de risco offshore , recomendo: “Investe 60% com a gente e investe
40% em um fundo bom lá fora”. A nossa vantagem comparativa,
certamente, não é prever o movimento das próximas duas semanas.
Certamente não é essa. Não quer dizer que a gente não consiga tentar
otimizar a gestão do fundo por conta disso. Mas, para quê? Para conseguir
estar vivo e monetizar o cenário de médio e longo prazo. Quantitativo como
trigger de gestão, a gente não usa. Tipo: “Toda vez que acontece isso, a
gente faz aquilo”. Não é muito a nossa praia. Acho bem complexo fazer
isso em macro. Tem pouca gente no mundo que faz isso bem em gestão
macro.

Vocês conseguiriam dar um exemplo de como traduzem o cenário


macro em posições efetivas?

Bruno: A gente começou o fundo em março de 2016. Boa parte da


precificação do impeachment já tinha acontecido. O mercado estava
começando a discutir o novo cenário de ajustes etc. Logo depois entrou o
Ilan como presidente do Banco Central, a inflação era muito alta no Brasil e
a atividade era muito fraca. Mas vínhamos de anos terríveis. A nossa
primeira opinião concreta foi: o Brasil vai precisar cortar juros em algum
momento, mas não é agora. O Ilan é muito qualificado e já esteve nas duas
funções, em mercado e na academia. Sabe melhor do que qualquer um
como aquilo funciona. Pensávamos que ele ia tentar reconquistar a
credibilidade perdida nos anos anteriores. Então, achamos que, num
primeiro momento, o Banco Central não ia entregar um corte de juros como
o mercado estava pedindo. Naquela época, os mercados achavam que o Ilan
ia revisar a meta de inflação, ia fazer uma meta ajustada para o ano de 2016,
para conseguir cair juros mais rápido. Então montamos uma posição
aplicada em juros mais longos. Prevíamos que o Banco Central seria um
pouco mais hawkish , para conseguir ganhar a credibilidade, fazendo que a
curva cedesse um pouco. Montamos uma posição vendida em volatilidade
de juros de curto prazo. Entendíamos que o Banco Central não iria fazer
algo relevante nos juros. Por outro lado, a gente achou também que existia
uma reprecificação a ser feita no mercado de câmbio. Em junho de 2016 o
Banco Central começou a intervir mais forte no mercado de câmbio
comprando dólar. Tínhamos uma posição vendida, então zeramos a posição
vendida. Estávamos otimistas com o cenário de Brasil, mas não queríamos
mais ter risco em câmbio. Queríamos ter risco no mercado de juros. A
bolsa, à época, parecia ser uma boa oportunidade. O Ibovespa estava a 55
mil pontos, e começamos a comprar a bolsa, posição que mantivemos
durante um bom tempo. Chegou em dezembro de 2016, novembro para
dezembro, o Banco Central decepcionou o mercado duas vezes. O mercado
queria que ele tivesse cortados juros lá atrás e ele demorou a cair. Quando
os juros caíram, foi de forma bem mais módica do que o mercado
imaginava. Começamos a achar que a inflação já estava convergindo muito
rápido, era um cenário de inflação muito melhor. Tivemos vários discursos
de Bancos Centrais começando a abrir as portas para cortes mais ousados.
Em novembro e dezembro começamos a aumentar substancialmente as
nossas posições aplicadas em juros mais curtos, que são os juros mais
sensíveis à movimentação do Banco Central. Os vértices mais longos são
menos sensíveis ao que o Banco Central está fazendo no curto prazo, e mais
sensíveis à precificação de prêmio de risco. Então, encurtamos bem as
posições. Havia aumentado bastante o espaço para o Banco Central ser mais
ousado, dado que ele tinha reconquistado a credibilidade. Não achávamos
que o Banco Central era hawkish à toa. Ele estava reconquistando a
credibilidade. Com a credibilidade reconquistada, havia espaço para uma
queda violenta de juros. Em 2017, o Copom fez cortes fortes nos juros e a
gente conseguiu monetizar isso bem.

Júlio: Nesse período que o Bruno citou, tivemos dois períodos que damos
como exemplo de gestão de risco. Na votação do Brexit a probabilidade de
a Inglaterra ficar era elevada. E a saída era improvável. Então, tínhamos
pouco para ganhar e poderíamos ter muito a perder se o Brexit acontecesse,
o que acabou acontecendo. Então antes do Brexit reduzimos 50% do risco
das nossas posições, mesmo estando com uma visão de médio prazo
otimista, apenas para passar pelo evento. Acabou acontecendo o
imponderável. Tivemos volatilidade, e o mercado voltou mais rápido do que
a gente imaginava. Quando vimos que normalizou tudo, voltamos à
alocação anterior. Então, o nosso fundo acabou voltando à posição original
sem ter passado por aquele período de volatilidade que houve durante um,
dois, três dias ali. E em novembro de 2016 tínhamos a eleição americana.
Então, mesmo estando otimista com bolsa e com a curva de juros, uma
semana ou duas antes a gente já foi reduzindo grande parte do nosso risco
para o dia da eleição. Em juros trocamos temporariamente a posição em DI
Futuro por NTN-Bs, reduzindo o risco de maneira consolidada. E até
montamos um put spread de bolsa para proteger o nosso portfólio. Por quê?
Porque achávamos que a probabilidade da Hillary ganhar era muito alta.
Isso estava precificado, teríamos pouco a ganhar. E se desse o
imponderável, no caso a eleição do Trump, poderíamos ter muito a perder.
Então, o nosso cenário de longo prazo não estava sendo alterado, mas, no
caso da eleição, reduzimos 75% do risco no portfólio como um todo, só
para passar por aquele evento. Acabou dando o imponderável de novo. É
claro que o mercado se recuperou, de novo, mais rápido do que
imaginávamos. Mas são exemplos de que ex post , o nosso fundo passou
pelos eventos e não caímos do cavalo. Se não nos preocuparmos com os
eventos, podemos ser “stopados”. Entre aspas, poderíamos não aguentar um
eventual drawdown . Eventualmente reduzimos as posições para nos
proteger dos eventos perigosos e assimétricos. Em seguida, se acharmos
que nada mudou, montamos a posição de novo, para conseguir monetizar
isso no longo prazo. Nosso cotista, no final das contas, acaba sofrendo um
pouco menos. Nosso fundo tem um bom índice de Sharpe, em função de
uma gestão bem ativa de risco, minimizando a volatilidade nesses
momentos nos quais achamos que há mais riscos iminentes.

Falando de drawdown , quando vocês sofrem um drawdown


significativo isso muda a maneira de tomarem risco?

Bruno: Tem duas coisas: o teórico e o prático. Na teoria, abrimos o fundo


todo dia, com o gerencial zerado. Você ganhou ou perdeu, está lá. Não tem
diferença, você não consegue mudar o passado. O seu gerencial sobre
aquela posição deveria ser irrelevante, ele não dá nenhuma informação
sobre se aquela posição vai ser vencedora ou não. No Joesley Day, a gente
estava com a posição grande e tomou um resultado bem negativo no dia. 24
horas depois do evento a gente estava 100% zerado no fundo. Por quê?
Olhávamos para o cenário e não tínhamos a menor ideia do que iria sair nas
fitas. Não sabíamos como seria um possível processo sucessório. Se seria
uma eleição direta, indireta etc., se o Lula poderia ser candidato, se o
Rodrigo Maia assumiria. Como a economia iria reagir? Qual seria a reação
do Banco Central? Era impossível traçar um cenário e atribuir
probabilidades aos cenários. Você pode não conseguir traçar um cenário,
mas pode atribuir probabilidade a cenários distintos. Mas, naquela época,
não conseguíamos fazer nenhum dos dois. O que fizemos? Zeramos todas
as posições. Foi um mês ruim, mas não bizarro. Passaram-se duas, três
semanas, saíram as divulgações das fitas, eram fitas bem mais tranquilas,
não tinha nada comprometedor. A oposição não se organizou para ir para
cima do governo Temer, e o Rodrigo Maia não parecia estar disposto a ir
para cima também. O Banco Central deu liquidez para o mercado, o
Tesouro Nacional entrou comprando títulos e, por aí vai. Ficamos
progressivamente mais otimistas. Era irrelevante o quanto a gente estava
perdendo à época. O cenário estava positivo dali para frente e era isso que
importava. Nós tornamos a alocar grande. Só que, para isso, voltamos
àquela questão original, temos de estar vivos. Os resultados negativos vão
acontecer, mas eles não podem ser um resultado incapacitante. Se o prejuízo
for grande você fala: “Não posso arriscar, se eu perder mais capital, eu
acabo com o meu produto”. Nesses casos você teria que alocar bem
pouquinho. Você não pode ter resultados tão negativos que te incapacitem.
Então, é por isso que temos essa questão de gerenciamento de risco.

Ainda em termos de gerenciamento de risco, como vocês lidam com


stops ?

Júlio: Não temos stop formal para cada posição. O cenário é o primordial
para cada posição. É natural que, ao montar uma posição, você tenha um
objetivo de retorno. Você fala: “Eu acho que uma posição tem potencial de
ganhar 50 basis points e, no pior cenário, perdemos 30 basis” . Claro que,
chegando lá na frente, a gente pode reavaliar, caso ganhemos 50 basis .
Você reavalia o cenário e pode achar que tem mais 50 para ganhar. Lá na
frente. Mas, em um primeiro momento, você fala: “Eu tenho 50 para ganhar
e eu acredito que, se nada mudar muito, eu tenho 30 para perder”. Se
estivermos perdendo os tais 30 basis , não tem um stop que fala “vamos
‘stopar’ no 30”. “Mas será que tem alguma coisa que não estamos vendo ou
entendendo? Será que é o cenário lá fora que está pior? Ou, será que aqui
dentro o Banco Central pode estar tendo reuniões com os agentes e falando
outra coisa?”. Reavaliamos, novamente, em termos de cenário. Se aquela
posição é válida ou se deveríamos reduzir um pouco ou “stopar” a posição.
Se a perda de 30 basis veio muito rápido, poderíamos chegar à conclusão
que foi um agente do mercado específico, alguém que distorceu o mercado
e pode ser que a gente aproveite para aumentar a posição. Por isso que é
muito importante ter essa reavaliação.

Bruno: O modus operandi faz muita diferença. Modus operandi, para mim,
entra no combo risk management. É difícil comerçarmos uma posição full .
Digamos que uma posição devesse ser de 100. É muito difícil começar com
100. Porque você parte do pressuposto de que já está entrando no melhor
momento e que não tem nenhum risco sobre aquilo ali. Então, o ideal é
você entrar com uma posição entre 40 e 60 e, aí, ir aumentando.

Vocês tentam otimizar o timing da montagem dessa posição?

Bruno: Não. Timing é muito difícil. Prever o que vai acontecer no mercado
no curto prazo é a forma mais errada, ou a mais fácil, de perder dinheiro.

Crowded trades preocupam vocês? Vocês tentam fugir deles?

Bruno: Não. A gente não tenta mapear o quão crowded um trade está. Eu
não tenho a menor restrição com crowded trades . O quão crowded um
mercado está, às vezes, restringe e deixa o risco-retorno pior. Aí, é uma
questão tática. De como otimizar a alocação. Mas o fato de o trade estar
crowded não é um impeditivo.

Júlio: Grandes tendências sempre aparentam que são um consenso, né? A


bolsa americana sobe há dez anos. Parece crowded há dez anos.

Bruno: Deve estar crowded há, pelo menos, uns quatro anos!

Júlio: Nesse caso, você fica suscetível aos drawdowns . Você tem que estar
atento para isso.

Bruno: Ser contrarian é muito fashion . É muito bonito você falar:


“Ninguém está vendo isso, só eu estou vendo esse negócio”. 99% das vezes
aquele cara está errado.

Júlio: Esse contrarian precisa de timing , porque, se ele não tiver timing ,
ele vai quebrar. Ele pode estar certo daqui a 20 anos, mas ele quebra antes.
Então, esse cara tem que esperar 20 anos e entrar para acertar a virada.

Bruno: Esse negócio de ser contrarian é muito chato.

Isso faz com que vocês tenham um viés otimista nas posições ou vocês
são completamente desapegados disso?

Bruno: Somos, por definição, agnósticos. Por definição. Não acreditamos,


nem desacreditamos. Nosso único compromisso é com a cota. O pessoal de
bolsa é sempre otimista. Por quê? Porque as empresas estão contratando
gente boa o tempo todo, focada em fazer a empresa ganhar mais dinheiro. A
economia, no geral, é parecida. Não é exatamente igual. Mas, geralmente,
as pessoas estão se organizando para que dê certo. Às vezes, as pessoas são
bem desorganizadas e fazem coisas que claramente dão errado. Vivemos
isso recentemente. Nos últimos três anos foi muito bom estar otimista no
Brasil. E se tudo der certo, nos próximos anos, será a mesma coisa. Somos
agnósticos, tentamos traçar o cenário e a posição. Para qualquer lado. Para
cima, para baixo, para um lado, para o outro...

Vocês têm um book consensual e não usam muitos hedges . Mesmo


assim conciliam posições em diferentes mercados?

Bruno: Pode acontecer. Já aconteceu uma vez ou outra, mas não é a coisa
mais recorrente do mundo. Por quê? Para fazer hedge de qualquer um dos
três mercados, preciso estar na posição contrária em outro. Se a correlação
for perfeita, é, simplesmente, igual a estar menor. Não tem a menor
diferença. O hedge funciona se existe uma assimetria na distribuição de
retorno esperado dos ativos. Se um ativo, na melhora, andar mais do que o
outro, e, na piora, eles andarem igual. Nesse caso você pararia para fazer o
hedge . Mas você tem de ter um assumption muito forte para ter essa
percepção dos resultados. De probabilidades etc. É um negócio difícil, não
é trivial. É um skill de traçar cenários cross-asset . Propomos algo diferente.

Júlio: Só fizemos isso duas vezes, quando conseguimos identificar


eventualmente uma restrição à melhora do câmbio. Por exemplo, o Banco
Central, em 2016, começou a comprar dólar muito forte, quando o dólar
batia lá R$3,10 - R$3,15. Aí a gente identificou ali um potencial limite à
apreciação do real. Achamos que, de repente, poderíamos ganhar nas três
posições: bolsa sobe, os juros caem e o dólar não cai ou até sobe. Mas isso
tem que estar muito claro...

Para vocês, os mercados são eficientes? Como ganhar consistentemente


e bater o CDI?

Bruno: Eficiência de mercado não é um assumption forte para mercados


desenvolvidos. Para um mercado como o Brasil é mais fraco ainda. Você
consegue provar com alguma tranquilidade que mercados no Brasil não são
eficientes. Mas para você ganhar dinheiro, você tem que ter um diferencial.
Ponto. Qual é o nosso diferencial? O cenário macro e a análise de política
monetária. Isso demanda algumas coisas, como ter uma equipe muito boa.
Para você ter uma equipe boa, ela tem que ser bem remunerada e tem que
ter os interesses e incentivos alinhados. A maioria das pessoas tem como
base os incentivos. A remuneração de toda a equipe é alinhada ao bottom
line do fundo. Quanto mais o fundo ganhar, mais dinheiro você vai ganhar e
mais meritocrático é o negócio. Então, o rapaz de 24 anos pode virar sócio e
ganhar muito mais dinheiro do que uma pessoa de 30. Não tem a menor
restrição a isso. “Mas será que tem alguma coisa que não estamos vendo ou
entendendo? Será que é o cenário lá fora que está pior? Ou, será que aqui
dentro o Banco Central pode estar tendo reuniões com os agentes e falando
outra coisa?”. Você tem de ter as pessoas certas, com os incentivos
alinhados. A outra coisa é você ter um ambiente propício à discussão. Aqui,
todo mundo pode dizer alguma coisa. O processo de cenário é um processo
dialético. Temos de ter pessoas falando coisas diferentes do que nós
estamos pensando. Precisamos de gente boa, focada, discutindo, até se
chegar ao melhor cenário, e esse é o nosso diferencial. Sabemos o que
fazemos bem e estamos sempre trabalhando para melhorar isso.

Júlio: E só complementando, o modus operandi...

Bruno: Faz diferença.

Júlio: Você pode estar com o cenário correto, colocar muito risco, muito
beta e, no final, vão te perguntar: “Você ganhou dinheiro? Você acertou o
cenário?”. Alguém pode dizer: “Putz, acabei que eu exagerei, coloquei logo
100% da posição na largada. Aí veio o Joesley Day ou um vento lá de fora,
acabei me 'stopando' e esqueci de voltar para a posição. Mas eu estava com
a posição correta e não ganhei dinheiro”. Então, nesse nosso business , o
estar vivo, a nossa filosofia de gestão, é muito importante. E isso é um
diferencial no longo prazo. Tem Assets que acertaram, mas tropeçaram no
meio do caminho. Se enrolaram no modus operandi e quando chegou no
final do ano, no período, não conseguiram entregar o que gostariam. Todo
esse alinhamento, pessoas boas, somado ao modus operandi, é o que faz
com que a gente consiga entregar o que a gente se propõe.

Vocês gerem o fundo perseguindo um objetivo de volatilidade ou de


retorno?

Bruno: Acho que objetivos de retorno e de vol se falam muito. Eu acho que
a vol é mais clara. Na média, vamos estar com 5% de vol. Se estivermos
com posições muito confiantes, ela vai estar mais perto de 7%. E, quando
não tiver nada de bom, estaremos com uma vol perto de 3%. E por aí vai.
Achamos que a vol é uma boa forma de padronizar, porque se consegue
fazer um link razoável entre volatilidade e retorno. No Brasil, bons fundos
tiveram Sharpe perto de 1. No médio prazo, um Sharpe muito maior do que
1 é difícil para caramba. Então, se tivermos um Sharpe de 1, vamos ter um
retorno médio, líquido, de taxas de CDI + 5%. Imagine que a gente tenha
uma posição comprada em bolsa. Digamos que a bolsa tenha volatilidade de
25%. Tudo mais constante, se eu tiver 20% comprado em bolsa, eu vou
trazer uma vol de 5% para o fundo. Isso baliza o tamanho das posições que
a gente pode ter. Só que a vol de curto prazo nem sempre é o melhor
previsor da vol do ativo. Às vezes, o mercado mostra uma vol muito baixa,
mas sabemos que aquilo ali não é a vol de longo prazo daquele ativo. Sabe-
se que, na média, a vol é maior. O mercado de juros, por exemplo, é um
mercado que tem uma vol muito baixa, mas uma vez por ano, pelo menos,
tem um movimento de estilingada de stop que é descontrolado. Então a vol
média é alta, mas no curto prazo, às vezes, ela é baixíssima. Você tem que
tentar fazer uma projeção do que você acha ser a vol esperada e as
correlações entre os ativos, para tentar fazer uma vol projetada do futuro.
Temos um modelo desenvolvido nosso, para tentar projetar a vol do fundo e
aí fazer um balizamento das posições em função disso.

Vocês conversam com outros players para entender como está a cabeça
do mercado?
Júlio: É natural, dado o tempo que temos de mercado. Tenho uma rede de
contatos, o Bruno tem uma rede de contatos. Eu conheço os contatos dele,
ele conhece os meus, mas tenho mais proximidade com alguns, ele tem
mais com outros. E é natural uma troca de opiniões recorrente entre pessoas
de mercado que você confia. Então, é mais uma segunda maneira de
conversar. Você conversa com pessoas da sua equipe, que é de onde vem a
informação primária, o fundamento, atividade, inflação, as nossas
projeções... Vamos criando o nosso cenário, mas você usa os seus parceiros
de mercado e amigos para ficarem te questionando: “Tem algo que eu não
estou vendo? Será que tem algo que alguém aqui possa estar falando de
diferente do que os meus economistas estão falando?”. Então, é importante
sim, a gente faz almoço de mercado, com o pessoal de mercado. A gente vai
a eventos, vai a Brasília, a eventos políticos aqui na XP. Aí, você fica
refinando a sua análise. Eu acho que o primário vem da casa. E a gente usa
inputs de fora, para ficar se questionando o tempo todo.

Bruno: Eu concordo. Tentamos minimizar o ruído. Existe muita gente


achando muita coisa o tempo todo. Mas as pessoas não têm o mesmo peso
na confecção do cenário. Tem pessoas que não têm a menor capacidade de
dar opinião, mas todo mundo tem opinião sobre alguma coisa. Então, você
tem que filtrar bem as pessoas que você acha que têm uma opinião válida,
que têm capacidade de dar uma informação sobre aquilo. O mais relevante é
você ter gente contra-argumentando o tempo todo.

Quais foram os piores momentos de mercado de vocês?

Júlio: A gente até brinca aqui que é maio... Maio tem sido um mês não
muito bom para o nosso fundo. Especificamente, maio de 2017 e maio de
2018. Basicamente, todo mundo sabe da história, do Joesley Day, não
preciso nem entrar no mérito do black swan . Do imprevisível do
imprevisível. Nunca poderíamos imaginar que ocorreria aquilo, num
momento em que a inflação e a atividade estavam fracas. A inflação
brasileira estava afundando. O Banco Central estava num ciclo forte,
agressivo de queda de juros. E estava aumentando a confiança. Se não me
engano, ele iria até acelerar. Naquele momento, tinha risco de ele acelerar a
queda de juros. Então, era um momento de muita convicção dos players ,
por isso que houve aquele movimento exagerado no DI. Então o Joesley
Day foi um dos nossos piores momentos, foi o maior drawdown que a gente
teve na cota. Mas, como a gente é todo centrado em fundamento, cenário, a
nossa reação foi: como o cenário mudou, a gente achou que, do dia para a
noite, o cenário passou a inexistir, não saberíamos nem o que sairia no
áudio. O Joesley disse que tinha um áudio, mas não disse o que tinha no
áudio. Foi um dia às escuras. Então, na ausência de cenário, zeramos as
posições para esperar que o cenário clareasse novamente. Esse foi maio de
2017. Maio de 2018 foi uma agonia um pouco mais lenta, uma greve de
caminhoneiros que parecia inicialmente inofensiva. Eu nunca tinha visto
uma naquela proporção. Estava já ocorrendo um movimento de dólar forte
no mundo, com moedas de emergentes começando a desvalorizar. A greve
dos caminhoneiros virou um evento até meio político e antecipou uma
discussão eleitoral. O Brasil tem um risco de populismo maior do que
imaginávamos. Aí que o mercado lembrou do risco das eleições. O real, que
já estava depreciando por motivos externos, ampliou o movimento. A gente
foi se questionando: “Será que estamos corretos? Será que há risco dos
juros pararem de cair?”. Chegou uma hora que a gente falou: “Tem mais
risco do que a gente imagina”. Fomos reduzindo, reduzindo, reduzindo as
posições e não tivemos um drawdown do tamanho que poderíamos ter tido
se não reavaliássemos o tempo todo. Acabou que, mesmo em menores steps
, um dos piores meses que tivemos foi maio de 2018.

Bruno: Na história recente do fundo foram esses meses os mais difíceis. Na


época do Joesley, o pior foi não conseguir olhar para frente e ver um
cenário. Como tudo vem do cenário, não ter um cenário e ser incapaz de
atribuir probabilidades a cenários distintos foi horroroso. Sempre que
envolve muita política, pra gente, é difícil. Porque é difícil ter um edge
político, é difícil ter uma vantagem comparativa em política. Olhando mais
para trás, na minha vida particular, 2014 foi um ano muito difícil. Em 2013
eu estava bastante pessimista e foi um ano bom. Mas, em 2014 o cenário
externo era muito otimista, só que houve a piora do fundamento local.
Antes disso, 2002 foi muito difícil também. Foi meu primeiro ano de
mercado, mais ativamente na gestão. 2002 começou com o impacto da crise
argentina. Junto com uma “barbeiragem” do Banco Central, que fez a
marcação a mercado de títulos. Depois, teve uma piora forte lá fora, tiveram
as eleições aqui...
O que vocês aprenderam com momentos marcantes nos quais estavam
na ponta errada do mercado? O que vocês aprenderam com aquela
situação?

Júlio: Na minha vida profissional antes da XP, uma coisa que eu aprendi é
respeitar o mercado, principalmente o mercado de juros. Em alguns
momentos que você começa a olhar e fala: “Não pode ser verdade o que
está ocorrendo”. O mercado de juros começa abrindo 50 basis e você fala:
“Não é verdade, cara! Eu achava que o mercado tinha que fechar e o
negócio está abrindo”. Por isso os limites também de VaR e Stress são
importantes. Porque eles te obrigam a ter uma disciplina. Mas o ideal é que
você tenha essa disciplina antes de bater nos limites. O meu maior momento
de aprendizado e que mostrou que a disciplina é muito importante foi 2006.
O Brasil vinha de um momento de melhora muito forte. Tínhamos iniciado
um ciclo de queda de juros em setembro de 2005. De 19,75% ele caiu para
11,5%. Foi o maior tempo caindo juros no Brasil. Nesse momento de
euforia o Brasil estava abrindo o mercado para investidor estrangeiro. Ele
estava começando a aplicar em NTN-Bs 2045. Mas só que, no meio desse
período, em abril e maio de 2006, teve um soluço forte lá fora, de medo de
inflação americana. Foi tão forte que jogou as Treasuries para cima. Os
juros da B45 tinham caído de níveis de 8,0% de juros para 6,0%. E de
repente tivemos um soluço, uma volta de 200 basis points. A taxa da B45
voltou de 6,0% para 8,0% de novo. Em um mês. O vento estava vindo lá de
fora, não era daqui. Nessas horas é preciso ter um respeito e atentar para a
questão da posição técnica. Você tem que fazer esses grandes movimentos
logo nos primeiros 25% - 30% do movimento, para você não morrer. Então,
a gente “stopou” toda a posição. Não tem problema em realizar uma perda.
Tivemos uma disciplina adequada de tentar avaliar o que estava
acontecendo e o que não estava se encaixando no quebra-cabeças. Se eu não
tivesse tido essa disciplina à época, eu teria tido um drawdown muito,
muito forte, que poderia atrapalhar muito o business . Depois que ocorreu o
movimento, em maio de 2006, impressionantemente, o cenário foi ficando
cada vez mais claro, lá fora acalmou. Daí em diante, até o final de 2006,
foram alguns dos melhores momentos que já tive na carreira. O mercado foi
fechando continuamente até meados de 2007. Fui gradualmente voltando a
ter confiança, aumentando as posições e esperando, além de analisar para
ver se tinha algo que pudesse sair do script . Mas foi um aprendizado em
termos de respeito e disciplina, e de visualizar de onde pudesse vir algo que
não estava mapeado. Foi respeitar o mercado. Para poder sobreviver e, no
final, monetizar o que eu tinha originalmente na cabeça.

Bruno: O meu primeiro grande trade foi horroroso. Foi um trade de valor
relativo entre papeis de dívida externa brasileira. O mercado estava achando
que ia ter swap, eu achava que não ia ter. E se tivesse ia ser um fracasso.
Acabou tendo o swap e foi um fracasso. Só que quando anunciaram o swap
o meu trade andou para trás e depois voltou. O que fica desse evento é de
que o grande disciplinador do mercado é o mercado de juros. Ele vai
mexendo devagarzinho e, de repente, ele abre igual a um alucinado. Ele
fecha 2, 3 basis por dia, todo dia, durante cinco meses. E, de repente, ele
abre 200 basis em duas semanas. Os outros mercados têm menos diferença
de volatilidade na melhora e na piora. O mercado de juros é um mercado
unidirecional, só tem um tomador, que é o Tesouro Nacional. E o resto, a
economia inteira, é doador, não tem a outra ponta. Então, as volatilidades
são extremas. O aprendizado que ficou é: nunca se coloque numa posição
na qual você pode ficar em corner . Isso vale para vários ativos. Toda
posição é uma teoria. E aquela teoria é testada consistentemente. Como em
ciência, tudo tem que ser refutado. Você não consegue provar um positivo,
não prova um negativo. Se jogar uma maçã para cima e a maçã não cair de
volta, a gravidade foi para o caramba! Toda teoria tem que estar sendo
constantemente refutada para continuar valendo. Mas você não pode se
colocar em uma situação em que se você for refutado, você quebra, não
consegue sair ou não consegue gerenciar. Você acaba com um risco de
business muito grande. Então, trata-se de tentar ter posições adequadas para
estar vivo. Quando o mercado está num high e você está ganhando, você
não é o único que está posicionado. Na hora que o negócio vai mal, é
melhor estar melhor que os outros, do que estar melhor que os outros
quando o negócio vai bem.

Que conselho vocês dariam para alguém que está começando nesse
business ?

Bruno: Eu acho que a pessoa tem que gostar bem de estudar. Tem que
gostar bem do que faz. Meu primeiro chefe me falou algo que eu nunca vou
esquecer: “A sua profissão tem que virar o seu hobby. Você tem que
imaginar que, se você ganhar na loteria, vai continuar fazendo o que você
está fazendo”. Você tem que ter prazer em fazer aquilo. Se você tem prazer,
você vai fazer cada vez melhor. E eu acho que o negócio que fazemos é
sedutor, porque nosso negócio é ficar estudando o dia inteiro, ficar
estudando o tempo todo e ficar pensando em teorias e por aí vai. Então você
tem de ser uma pessoa que goste de estudar, mas que seja aberta a se
questionar o tempo todo. Para a gente, tudo é resultado, então, você tem que
estar aberto a escutar as teses contra você. Você também tem que ter uma
humildade intelectual grande. Tem algo que acho curioso na vida do gestor:
você tem que ter arrogância para tomar uma posição, para dizer que aquele
preço está errado e, no limite, você está dizendo que aquele preço está
errado o tempo todo. Mas tem que ter humildade para quando o negócio ir
contra. Porque isso significa que você está errado. Acho bem legal isso.

Júlio: Aqui entra um pouco da diferença entre uma tesouraria e asset


management . Em asset management você lida com o dinheiro dos clientes
e, numa tesouraria, você lida com o dinheiro do dono do banco. Você pode
ser maluco e se, no final, você ganhar dinheiro, o dono do banco vai gostar
de você. Você pode perder dois anos seguidos, mas se, no terceiro, você dá
um pancadão, o dono do banco pode gostar de você e te manter lá como
diretor de tesouraria. No asset management você precisa que os clientes
gostem de você todo santo dia, todo mês, todo ano e confiem dinheiro a
você. Então são negócios diferentes, tesouraria e asset management , e você
tem que lidar com aquele dinheiro assim como você lida com o seu, como o
nosso dinheiro. É por isso que a gente aqui tem o compromisso no XP
Macro, e em toda a XP Asset, de reinvestir praticamente todo o nosso
patrimônio. Reinvestimos nos nossos próprios fundos. E, então, pensar
dessa maneira como Asset e não como uma tesouraria faz com que você
encare o business como de longo prazo. O nosso objetivo não é ficar rico,
pegar o capital e tentar dar um pancadão de hoje para amanhã, de hoje para
um mês. A gente está aqui para rentabilizar o nosso investimento e o dos
nossos clientes para o longo prazo. E quanto mais você pensar lá na frente,
mais cuidado, carinho e zelo na gestão você vai ter. Você vai acordar todo
dia querendo ganhar, mas, tendo uma preocupação muito grande em, antes
de tudo, não ter uma grande perda. Então, a mensagem é: o business de
asset management é uma maratona, não é uma corrida de 100 metros. Se
você pensar dessa maneira, você vai trabalhar para tentar, devagar e sempre,
rentabilizar. No final, se o cliente estiver feliz daqui a dez anos, você, com
certeza, sendo um gestor de Asset, vai estar bem. Não precisa ser de hoje
para amanhã. Acho que essa é a mensagem.

Capítulo Bônus
ANA LAURA MAGALHÃES E

MATHIAS FULDA

A na Laura Magalhães é mestre em Economia Política Internacional e


apaixonada por ajudar pessoas a investirem e planejarem melhor seu
futuro financeiro. Em 2018 criou a página @explicaana, que se tornou um
dos maiores canais de finanças do Brasil.

Mathias Fulda começou a trabalhar no mercado de capitais alguns meses


após a maxidesvalorização do real em 1999, em um período delicado da
economia brasileira, repleto de reuniões extraordinárias do Copom e Taxa
Selic a 45% ao ano. Além de gerir recursos de terceiros, analisou e
selecionou fundos como investidor institucional.

S elecionando e acompanhando Fundos Multimercado


Mathias: Ana Laura, na sua visão, por que vale a pena investir em fundos
multimercado?

Ana Laura: Não devemos estar 100% alocados apenas em juros ou ações.
Fundos multimercado permitem ao investidor se posicionar em vários
ativos simultaneamente, trazendo uma amplitude de estratégias e uma
gestão ativa que balanceia posições em juros, inflação implícita, ações,
moedas e commodities, entre outras. Essa é a beleza das diferentes posições
simultâneas, que permitem aos gestores explorarem as assimetrias de preços
em vários mercados, maximizando o retorno com risco adequado. O
aumento da quantidade de alocações tende a reduzir o risco. Ou seja, essas
multiestratégias combinadas trazem diversificação, redução de riscos e
maximização de retornos. Ter fundos multimercado no portfólio de
investimentos é esse ncial.
Mathias: É uma classe de ativos diferenciada mesmo. É interessante reparar
a forma como cada fundo implementa essas estratégias por meio de
diferentes abordagens. Alguns gestores, junto à equipe de analistas, se
especializam em avaliar o cenário econômico e estimar onde os preços de
mercado deveriam estar. Frente a preços fora do equilíbrio, se posicionam
em função da premissa de que os preços irão convergir para o cenário deles.
Já outros têm um approach levemente diferente. Avaliam como os vários
agentes do mercado irão perceber o cenário econômico no futuro, daqui a
uma semana, um mês ou mais à frente. Estão mais interessados em entender
o que outros investidores comprarão no futuro por um preço maior do que o
atual. Isso me faz lembrar o conceito do Beauty Contest, popularizado pelo
economista John Maynard Keynes em 1936 para descrever o
comportamento dos participantes do mercado acionário. Keynes comparava
a arte de selecionar ações à atividade de prever corretamente o vencedor de
um concurso de beleza imaginário. Nesse concurso, os jornais publicariam
fotos de 100 mulheres, e cada leitor deveria escolher as cinco fotos que
achava que os outros leitores escolheriam. Quem acertasse o consenso de
todos os outros leitores, ganharia o jogo. Keynes dizia que o sucesso nesse
jogo não estaria relacionado ao ato de escolher os rostos que, no julgamento
pessoal do leitor, seriam os mais bonitos, nem mesmo aqueles que a média
das pessoas consideraria serem os mais bonitos. Seria a terceira derivada:
antecipar o que a opinião média dos leitores esperaria ser a opinião média
dos outros. E ele acreditava que alguns leitores chegariam a praticar,
inclusive, a quarta, quinta e outras derivadas. Em outras palavras, Keynes
acreditava que, no caso do mercado acionário, selecionar ações seria um
jogo psicológico de prever quais ações outras pessoas escolheriam no
futuro.

Ana Laura: Esse é um conceito muito interessante.

Mathias: Sem dúvida! Quais dicas você dá para investidores selecionarem


fundos multimercado?

Ana Laura: Acho muito bom falarmos desse assunto, porque não é difícil
encontrar pessoas que investem em produtos que não são aderentes ao seu
perfil de investidor. Alguns investidores escolhem fundos de um gestor
mais conhecido ou fundos que investem em uma classe de ativos mais
popular. Então, para começar, eu gosto de analisar algumas informações.
Por mais que rentabilidade passada não seja previsão de rentabilidade
futura, ela nos mostra, minimamente, as estratégias de controle de risco dos
gestores. E o passado me ajuda a entender o que esperar no futuro. Acho
importante olharmos para o desempenho de cada fundo em momentos de
estresse nos mercados. Ver se usaram estratégias de proteção e como cada
gestor controlou a volatilidade. Se olharmos um panorama dos últimos
cinco anos, por exemplo, é importante ver quais fundos se saíram melhor no
época do impeachment do governo Dilma, durante o governo provisório, no
Joesley Day, no período eleitoral de 2018 e agora, nesse cenário de
pandemia. É interessante ver quais fundos conseguiram lidar melhor com as
incertezas do mercado e trazer rentabilidade mais equilibrada ao longo do
tempo. Eu gosto, também, de entender quem são as pessoas que compõem o
time e saber se elas estão alinhadas. O dinheiro delas está lá dentro?
Quando o fundo vai mal, ele também perde o próprio dinheiro? Me deixa
mais satisfeita investir em fundos onde sei que todo ou grande parte do
patrimônio dos gestores também está lá. E, por fim, gosto de Assets que são
comprometidas com o conceito de partnership . Quanto mais elas fidelizam
seu time, em uma estratégia de longo prazo, maior é o compromisso da casa
com os cotistas do fundo.

Mathias: Falando de pessoas, podemos traçar um paralelo interessante.


Gestores de ações do estilo value investing conhecem profundamente as
pessoas à frente da empresa na qual pensam em investir. Em muitos casos,
compram mais o management e o potencial da empresa no futuro do que
necessariamente os números recentes. Números são importantes, mas esses
investidores dão maior importância às pessoas que administram o negócio.
No caso de gestão de fundos multimercado, conhecer os gestores e seus
estilos é importantíssimo.

Ana Laura: Exato. Em alguns casos, quando novos gestores vêm de


tesourarias de bancos, ficamos sem um histórico de cotas para analisar, mas
eles trazem uma experiência prévia. Então, conhecer essa experiência é
fundamental. Você falou de números. Como você analisa a parte numérica?

Mathias: Considero a análise quantitativa a base para começar a selecionar


fundos. O ideal é partir de uma lista dos fundos disponíveis em cada
categoria de fundos multimercado em que se esteja considerando investir. O
segundo passo seria comparar a performance histórica com o CDI e,
eventualmente, com os índices IHFA, IFMM e IMA-B5. Em seguida, eu
excluiria os fundos com volatilidade acima do perfil de risco do investidor.
O objetivo desses três primeiros passos é filtrar a enorme lista de fundos.
Facilita a análise. Existem boas ferramentas para avaliar dados históricos de
fundos, mas as melhores são pagas. Quem sabe, no futuro, as próprias
plataformas de investimentos possam vir a disponibilizar sistemas
dedicados a isso para seus clientes. Isso ajudaria alocadores e investidores a
realizarem seu próprio research de fundos. Vale a pena citar que escolher o
período de análise de rentabilidade de fundos é uma arte, porque você
precisa combinar o histórico de gestoras que estão há menos tempo no
mercado com outras que têm um histórico maior. Em tese, quanto maior
puder ser a análise histórica de cotas, melhor. O prazo mais longo permite
considerar, por exemplo, um fundo que não foi bem no curto prazo, mas
possui um histórico excelente. E vice-versa... No quarto passo, é importante
avaliar se a rentabilidade de cada fundo na nossa lista foi gerada pela equipe
atual do fundo. Em alguns casos, quando um bom gestor ou uma boa equipe
sai de uma Asset e vai para outra, podemos unir o histórico de cotas de cada
fundo que geriam em cada instituição. Assim temos uma análise mais fiel
da performance entregue por esses profissionais. Por fim, precisamos
chegar em uma forma de ranquear os fundos com os dados de rentabilidade,
idealmente combinando indicadores de retorno bruto, retorno ajustado ao
risco e o retorno ajustado a drawdown . Esse seria o básico. Mas uma outra
medida interessante seria avaliar, em janelas móveis de 12, 24, 36 ou mais
meses, o percentual das vezes que a rentabilidade do fundo esteve acima do
CDI. Esses cinco passos da análise quantitativa fornecem uma lista menor
de fundos, uma short list , para realizarmos a parte qualitativa da análise.

Ana Laura: Pois é, a parte qualitativa é fundamental. Especialmente


conhecer o processo de tomada de decisão de cada Asset. Nesse aspecto, as
cartas dos gestores me ajudam a entender o que está acontecendo com o
fundo naquele mês. Eu valorizo muito a estratégia de comunicação das
Assets com o cliente final. Existem diversas ferramentas de comunicação
que trazem a possibilidade de transparência com o cliente. Gestor de difícil
acesso não existe mais. Acho que com a própria democratização do
investimento e do acesso aos fundos, a informação interna também precisa
ser democratizada. Se as empresas negociadas em bolsa têm o compromisso
de abrir, trimestralmente, seus demonstrativos financeiros, por que não as
Assets deixarem mais claro como estão enxergando o mercado e quais as
principais posições dos fundos? Por exemplo: a posição do fundo está 10%
em juros, 20% em commodities, 5% em Long & Short etc. Os materiais de
divulgação poderiam evoluir nesse sentido. Ter transparência do que se
passa na cabeça do gestor ajuda a avaliar se o fundo é descorrelacionado
com os outros. Assim, podemos entender se aquele fundo agrega e
complementa o portfólio.

Mathias: Verdade. Quando selecionam fundos, grandes alocadores e


investidores institucionais costumam enviar à Asset um questionário com
uma série de informações que gostariam de obter. São informações sobre a
empresa, a equipe, os fundos e os processos internos de investimento,
compliance e risco. Um bom ponto de partida é o Questionário de Due
Dilligence da Anbima. Costumo dizer que um dos principais objetivos da
análise qualitativa é inferir se o resultado histórico pode ser repetido.
Geralmente se faz isso entendendo o processo de investimento da casa,
como o risco é dividido entre os gestores, como pensa a equipe de gestão e
de onde veio a rentabilidade do fundo, que chamamos de atribuição de
performance. O ideal é entender o racional por trás das estratégias
vencedoras e das que trouxeram perdas. Isso permite, com exemplos
práticos, entender como o gestor elaborou suas posições. Uma outra dica é
unir risco e performance. Caso o gestor possa enviar essa informação, é
interessante avaliar o VaR e o Stress Test ao longo do tempo. Porque a
rentabilidade pura não mostra o quanto de risco potencial foi tomado ao
longo do tempo para entregar a performance. Então, dois fundos com um
mesmo Índice de Sharpe podem ter corrido níveis de risco completamente
diferentes para entregar aqueles resultados. Às vezes, o fundo teve baixa
volatilidade na cota, mas correu um risco, em termos de Stress Test ,
consideravelmente alto. Juntando todos os pontos da análise qualitativa,
temos mais dados para avaliar se os elementos que trouxeram performance
histórica continuam válidos. Além de acompanhar as informações
compartilhadas pelos gestores em diversos formatos, que outras dicas você
daria, Ana Laura?
Ana Laura: Após investir em um fundo, é importante acompanhar o
desempenho dele. Mas a minha dica pessoal é: o acompanhamento não
deve envolver uma verificação diária da cota. Ele deveria ser de médio-
longo prazo, em conjunto com uma avaliação das decisões tomadas pelos
gestores. Olhar a rentabilidade mensal é um bom parâmetro, mas não é
suficiente. Eu recomendaria olhar no final da primeira semana do mês
subsequente. Ver se aquela Asset já divulgou a carta para explicar o mês
passado, buscando entender o que aconteceu com o fundo. Lembrando que
cada investidor possui uma rentabilidade diferente, que depende da data em
que ele entrou no fundo. A partir do nível de abertura da atribuição de
performance e das tomadas de decisão dos gestores disponibilizadas nas
cartas e em outras ferramentas, podemos avaliar a transparência de
comunicação dos gestores com os investidores.

Mathias: É, acompanhar fundos requer dedicação. Inclusive, estamos vendo


uma tendência que surgiu com o desenvolvimento da indústria de fundos:
profissionais dedicados à seleção, alocação e acompanhamento de fundos.
Parece ser, cada vez mais, uma profissão dentro do mundo da gestão de
investimentos. Lembrando que o processo de acompanhamento é uma
continuidade do processo de seleção. Acho que todos os pontos
considerados na seleção dos fundos deveriam ser revisitados, de tempos em
tempos, no acompanhamento. Algo que também pode agregar valor é
conversar com outros alocadores, trocar ideias sobre a percepção deles de
uma determinada Asset ou determinado gestor, por exemplo. Isso pode
ajudar no caso de um fundo passar por um momento de rentabilidade
abaixo do esperado. Para Assets renomadas, o resgate de um fundo deveria
estar mais relacionado com uma mudança de percepção do investidor sobre
a estrutura da casa, a filosofia de gestão ou a equipe, e menos com a
performance de curto prazo. Mudando de assunto, como você vê a questão
de dividir a alocação entre vários fundos?

Ana Laura: Eu acho muito importante ter todas as estratégias de fundos


multimercados. Fundos macro complementam fundos multiestratégia, que
complementam fundos quant , que complementam fundos Long & Short .
Mas como alguns fundos podem ser parecidos, é bom entender o estilo dos
gestores e suas estratégias, para não estarmos over posicionados na mesma
classe de ativos. É importante ter pelo menos um fundo de cada tipo. Se
você ainda fizer um ranking de fundos, olhando para essas premissas que
mencionamos e criar esses filtros ao longo do processo, à medida que o seu
patrimônio permita, você também pode ir somando novos fundos ao seu
portfólio ao longo do tempo.

Mathias: Sem dúvida existem fundos de um mesmo tipo que têm alta
correlação entre si, resultando em baixa diversificação. Mas dentro de um
mesmo estilo de fundos, acontece de um fundo ir mal enquanto outros estão
indo muito bem, especialmente em momentos de alta volatilidade ou de
crise. Então, sempre que possível, gosto de diversificar em um número
maior de fundos. E, na hora de pensar quanto alocar em cada fundo, vejo
basicamente três abordagens igualmente válidas: alocar igualmente entre os
fundos, alocar com auxilio de um ranking ou otimizar uma carteira de
fundos. A alocação por ranking supõe alocar mais nos fundos com melhor
posicionamento na sua lista de indicadores de performance. A otimização
também pode ser uma ferramenta útil, permitindo associar risco, retorno e
correlação histórica entre os fundos. De todos esses anos visitando diversas
Assets, que experiências você vivenciou no contato com os gestores?

Ana Laura: Gostei de aprender com certas vivências pessoais de alguns


gestores. Passar pelo Banco Central ou pelo Governo traz uma bagagem
diferente de ter trabalhado em tesourarias de bancos. Não que seja melhor
ou pior, é apenas diferente. Um outro ponto foi perceber, conhecendo
alguns gestores pessoalmente, um pouco desse aspecto humano,
complementar à capacidade de tomar decisões financeiras com o dinheiro
do outro. Nem sempre vemos os erros que o gestor comete, mas ele sabe.
Alguns gestores são humildes para reconhecê-los. Gosto dos que
identificam os próprios erros e compartilham ideias para não repeti-los.
Alguns gestores têm mais dificuldades nesse processo, seja porque têm um
histórico bom ou porque têm muita experiência. Me parece importante
perceber que o cenário se modifica e algumas estratégias precisam ser
alteradas no longo prazo. Os fundos multimercado têm uma tarefa difícil na
busca por assimetria de preços. Acho bom quando o gestor reconhece que
não tem o poder de prever o futuro, mas pode tomar as melhores decisões
com as informações disponíveis no presente. E que, em algum momento,
ele vai errar. Olhar para esse lado humano é algo que também deve ser
considerado.
Mathias: Estamos no início da crise do coronavírus, uma pandemia. Mesmo
considerando as singularidades dessa crise, notamos que, de tempos em
tempos, há algum evento que traz incerteza. Não necessariamente uma
crise, mas algo que traz volatilidade ao mercado. Em 2018 houve a greve
dos caminhoneiros e a volatilidade pré-eleitoral. Em 2017, o Joesley Day.
Em 2015 e 2016, a crise do governo Dilma. Em 2014, eleições novamente.
Em 2013, alta das curvas de juros e as manifestações de rua aqui e em
outros países emergentes. Em 2012, a crise europeia. Em 2011, uma
expectativa de shutdown do governo americano. Em 2008, a Crise
Financeira Global, que, na verdade, começou com uma sacudida dos
mercados já no final de 2007. Em 2004, no Brasil, houve a crise política
relacionada ao Waldomiro Diniz. Em 2002, um low nos mercados
acionários globais, combinado com a eleição do ex-presidente Lula. Já em
2001, três eventos: o racionamento de energia, o 11 de setembro e a crise
argentina. Em 2000, o estouro da bolha da Nasdaq. Em 1999, a
maxidesvalorização do real brasileiro. Em 1998, a crise da Rússia e quebra
do hedge fund americano LTCM. Em 1997, a crise asiática e, dois anos
antes, a crise do México. Um histórico e tanto! Na sua visão, o que
podemos aprender com as crises?

Ana Laura: A principal lição é que os mercados são cíclicos. Num mundo
integrado, podemos sentir mais impactos que em crises passadas. Então, de
fato, uma crise importante em um ponto do mundo vira também uma crise
em outro lugar como consequência. Eu gosto de ver, por exemplo, a
vivência dos gestores que passaram por outras crises e o aprendizado que
trazem para a crise atual. É impressionante perceber como todos eles
concordam que não existem muitas similaridades, e que hoje nós passamos
por um processo em que a crise vem da economia real e impacta, a
posteriori, o mercado financeiro. Isso é superinteressante. Porque se
olharmos para a crise europeia ou para a crise de 2008, vemos que foram
crises financeiras que, a posteriori, impactaram a economia real. É curioso
ver o quanto os gestores também passam por um processo de aprendizado,
tendo que lidar com novos fatos, notícias e expectativas do mercado.
Quando o investidor escolhe um fundo para investir seu capital, ele confia
que o gestor tenha expertise suficiente para absorver as novas informações e
tomar uma decisão melhor do que o investidor individual poderia fazer
sozinho. Também aprendi que cada momento da economia é diferente.
Momentos de crise nos mostram quem consegue olhar para o menos óbvio.
Enquanto muitos gestores renomados estão fazendo posições idênticas em
momentos de grande otimismo, outros percebem que é hora de começar a se
posicionar de forma conservadora ou até mesmo contrária. Não tem
ninguém comprando ouro? Compra ouro. Todo mundo comprado em bolsa?
Vende S&P Futuro. Um exemplo que gosto de citar é o do Howard Marks,
gestor americano que escreveu o livro The Most Important Thing . Ter esses
gestores na carteira pode fazer sentido no longo prazo, já que traz um
equilíbrio, reduzindo a volatilidade da carteira de fundos do investidor. Por
isso vale a pena escolher fundos complementares. É um filtro interessante
na hora de escolher um bom produto.

Bibliografia
Os livros para ler sobre o mercado financeiro evoluem com o tempo.
Encontrei nas páginas abaixo uma curadoria incrível com os melhores
títulos para quem já trabalha no mercado ou para quem está começando a
ler sobre investimentos.

@bibliotecadomercado
www.bibliotecadomercado.com.br
Vale a pena!

ANTES DE TERMINARMOS...  

Que bom que você leu até a última página do livro!

Se você gostou dele, eu ficaria muito feliz se você escrevesse um review lá


no site da Amazon. Um feedback ajuda a dar mais visibilidade ao livro e faz
uma grande diferença para mim.

Ficarei feliz em ler o seu comentário lá!


Para adicionar a sua avaliação do livro, se logue no site ou app da Amazon,
procure pelo livro "assimetria gestores de fundos multimercado", role a tela
para baixo e, abaixo do gráfico de Avaliação de Clientes, clique no botão
"Escreva uma avaliação". É isso!

Obrigado e um abraço,

Mathias Fulda

Glossário
As definições desse glossário levam em conta o contexto da gestão de
investimentos. As respostas são breves ( short answer ) e sem tecnicismo,
de forma a facilitar o entendimento prático.

Alpha: valor agregado sobre um índice de referência.

Back-test: teste de um modelo matemático a partir de dados históricos.

Basis ou basis points: o equivalente a 0,01%.

Bear market: termo genérico para mercados de baixa.

Bearish: estar com uma visão negativa para um mercado ou preço de ativo.

Beta: razão de quanto se espera que a carteira de investimentos se valorize


ou desvalorize com relação a um índice de referência.

Book: sinônimo de carteira de investimentos ou portfólio.

Bullish: estar com uma visão positiva para um mercado ou preço de ativo.

Capacity: tamanho máximo de um fundo para que o gestor consiga manter


o nível de rentabilidade esperado.

Carry: quanto uma posição ganha ( carry positivo) ou custa ( carry


negativo) em função da passagem do tempo.
Compound: retorno acumulado por juros compostos ou rentabilidade
composta.

Contrarian: investidor que tenta pegar viradas de preços de ativos


financeiros, contra a opinião da maioria.

COT (Commitment of Traders): dados divulgados no mercado americano


para medir o posicionamento comprado e vendido dos agentes.

Downside: potencial de queda do preço de um ativo.

Drawdown e maximum drawdown: maior queda percentual de um ativo ou


cota de fundo, de um topo a um fundo.

Driver: fator econômico que afeta o preço de um ativo.

Duration: prazo médio de uma carteira de ativos de renda fixa.

Edge: de forma estatística, quanto uma estratégia consegue ganhar acima da


média ao longo do tempo.

Equities: termo em inglês para ações de empresas negociadas em bolsa.

ETF: abreviação de Exchange Traded Fund , fundo de investimento


negociado em bolsa.

Follow-on: emissão secundária de ações por parte de uma empresa.

Growth: geralmente relacionado a ações de empresas com maior potencial


de crescimento ao longo do tempo.

Hard limit ou soft limit: limite de risco mandatório ( hard ) ou flexível (


soft ).

Hedge: estratégia para proteger a carteira de investimentos de quedas de


preços.

Large caps: empresas grandes listadas em bolsa.


Long & Short: estratégia de estar comprado em um ativo e,
simultâneamente, vendido em outro, estimando que o primeiro deva subir
mais que o segundo em caso de alta dos dois ativos, ou cair menos em caso
de baixa de ambos.

M & A: abreviação de Mergers and Aquisitions , fusões e aquisições.

Momentum: fator que impulsiona os ativos a seguirem na tendência recente


de alta ou de queda.

PnL: contabilização do ganho ou perda no investimento.

Pricing: apreçamento de um ativo financeiro.

Risk on e Risk off: momento de apetite ou aversão a risco.

Risk parity: estratégia de gestão que balanceia uma carteira de


investimentos, em função da contribuição do risco de diversas classes de
ativos para o risco total da carteira ou fundo.

Sell side: análise econômica e de empresas fornecida por bancos e


corretoras a seus clientes.

Sharing economy: economia compartilhada, como, por exemplo, Uber,


AirBnB e coworking.

Sharpe ou Índice de Sharpe: relação entre o retorno e o risco de um


investimento.

Small caps: empresas pequenas listadas em bolsa.

Smile: curva ou superfície de volatilidade implícita nas opções de ativos.

Soft landing: desaquecimento suave da economia.

Spot: preço à vista de um ativo como, por exemplo, uma moeda ou


commodity.
Stop, stop loss e stop gain: limite de perda, com relação ao preço de
compra ( stop loss ) ou ganho recente ( stop gain ), levando um gestor a
liquidar suas posições.

Stress testing: medição da perda financeira possível de uma carteira de


investimentos em um cenário de grande variação de preços.

Survival bias: fenômeno pelo qual apenas negócios de sucesso permanecem


ativos, trazendo a falsa sensação de que aquele tipo de negócio sempre dá
certo.

Timing: geralmente se relaciona com o tempo ideal para comprar e vender


um ativo financeiro.

Top down: análise de ações partindo-se de um visão geral de setores


econômicos e, a partir daí, descendo para o nível de empresas específicas.

Trading system: sistema computadorizado que indica momento de compra


e venda de ativos financeiros segundo regras predefinidas.

Treasuries: títulos públicos americanos.

Trend following: estratégia de comprar ou vender ativos seguindo uma


tendência.

Upside: potencial de ganho de uma estratégia.

Valuation: apreçamento do valor justo de uma empresa ou ativo financeiro.

VaR ou Value at Risk: Valor em Risco em português, medida estatística que


mede a perda máxima de uma carteira de investimentos, em um
determinado intervalo futuro de tempo, com um dado nível de confiança.

Yield: taxa de retorno esperado de um ativo financeiro que gere renda


contínua, como, por exemplo, renda fixa, imóveis e empresas que são boas
pagadoras de dividendos.

Você também pode gostar