Apostila Completa Sociologia Da Educação 6
Apostila Completa Sociologia Da Educação 6
Apostila Completa Sociologia Da Educação 6
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
GUARULHOS – SP
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 4
sociológico… ............................................................................................................. 22
EDUCAÇÃO .............................................................................................................. 47
EDUCAÇÃO .............................................................................................................. 55
9.4 Michael Apple e a nova sociologia da educação nos Estados Unidos ................ 57
FREIRE ..................................................................................................................... 76
13 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 87
1 INTRODUÇÃO
Prezado aluno!
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as
perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão
respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da
nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à
execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da
semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.
Bons estudos!
4
2 FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
5
A constituição da Sociologia como ciência
Os precursores da Sociologia
6
A institucionalização da Sociologia
7
estudo o homem e suas interações sociais. Seus precursores foram Augusto Comte
e Émile Durkheim.
Fonte: www.brasilescola.uol.com.br
3 AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA
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sociais que surgiam, as caças, os perigos vividos, os espaços visitados, as viagens
empreendidas. As representações pictóricas podem datar do período Paleolítico, que
se estendeu da origem do homem até 10.000 a.C. Ou seja, o desejo de expressar,
gravar e compreender a história humana está presente entre indivíduos desde os
primórdios das organizações sociais mais elementares.
É possível que a identificação do indivíduo como parte de um grupo seja um
fator preponderante para a inclinação à reflexão a respeito dos contextos em que o
grupo se insere. A expressão livre dos laços entre humanos deu espaço à reflexão,
elaborada pelos filósofos da Antiguidade Clássica, sobre a pureza, a moral e a
função de cada comportamento. Esse tipo de pensamento norteou as leituras sobre
interações sociais até meados do século XVIII.
O Iluminismo, também chamado de Século das Luzes, trouxe novas
possibilidades de interpretação da natureza do comportamento humano. Nesse
período, passa-se a considerar a complexidade das relações humanas, normalmente
baseadas na estrutura de organização política do Estado. Mas são as rápidas
transformações decorrentes da Revolução Industrial as responsáveis pelo grande
interesse em medir, projetar e identificar formas de relações e comportamentos
sociais. Devido à Revolução, se altera o modo de produção, consumo e organização
social e política. E isso tem um motivo: o caos e os desequilíbrios sociais,
desencadeados por situações nunca antes conhecidas. Por isso, pensadores
passaram a observar os comportamentos sociais em busca de uma resposta para as
transformações que se sucediam. (MARTINS, J. S; ECKERT, C; NOVAES, S. C;
2005).
As dinâmicas sociais passaram a ser foco não apenas de observação, mas de
estudo. Por que essas dinâmicas acontecem da forma como acontecem? Quais são
os elementos que incidem sobre as organizações sociais? Quais elementos as
tornam estáveis, lineares, ou quais incitam o desejo por ruptura, por revoluções? E,
para os pensadores cujos trabalhos deram origem à sociologia, a questão
preponderante era: como reorganizar ou reestabelecer as sociedades após o caos?
Esses são alguns dos questionamentos que nortearam a definição de metodologias
para a observação e a análise de dinâmicas sociais e que culminaram na
delimitação de um campo científico específico, a sociologia. A ciência das relações
10
sociais nasce com o estigma de pousar o olhar sobre um objeto instável, abstrato,
difícil de ser controlado.
Por isso, alguns autores que analisaram brilhantemente seus contextos
sociais e históricos tiveram seus estudos utilizados como base para a construção da
sociologia como campo científico, e seus métodos foram considerados integrantes
do aporte que deu origem a essa área de estudo. Entre eles, destacam-se Auguste
Comte, Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Desses autores, apenas Karl Marx
não define claramente etapas ou métodos de análise e interpretação de interações
sociais com o objetivo de criar uma abordagem científica a ser retomada por futuros
pesquisadores. Mas a forma de organização de sua leitura sobre as estruturas
sociais oferece tantos dados para o fortalecimento da sociologia como ciência que
sua obra se equipara, nesse sentido, às dos outros três estudiosos. (SILVA, 2005).
A seguir, você vai conhecer melhor a contribuição de cada um deles para o
estabelecimento e o fortalecimento da sociologia como campo científico. Tenha em
mente que, com exceção de Durkheim e Weber, os autores mais importantes para a
formação das teorias sociológicas clássicas não faziam parte da mesma geração e
analisavam contextos sociais, políticos e históricos distintos.
Fonte: www.tomlivre/auguste-comte.br
Fonte: www.jornal.usp.br
O francês Émile Durkheim também tinha origem judaica, mas declarava não
praticar nenhuma religião. Assim como Marx, estudou filosofia, porém seus trabalhos
se voltavam inteiramente à definição das metodologias de pesquisas e aportes
técnicos da sociologia. Sua carreira acadêmica se inicia com estudos voltados para
a ciência da educação. Criador da chamada “escola de sociologia francesa”,
Durkheim foi o primeiro acadêmico a ocupar a cátedra de ciências sociais na
Universidade de Sorbonne. Durkheim dialoga em seus trabalhos com Comte e Marx,
mas tem um alinhamento maior com as teorias positivistas. Ele compreende que a
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sociologia tem objetos próprios e diferentes daqueles do direito, da filosofia e da
economia. Mas, diferente de Comte, Durkheim não acreditava em leis sociais, e sim
na determinação de métodos e etapas para a observação, a classificação e a
comparação dos fenômenos sociais, o que constituiria a verdadeira ciência
sociológica. A tipificação de comportamentos é um dos elementos usados pelo
pensador para chegar à observação científica dos fenômenos sociais. (SILVA,
2005).
O alemão Max Weber estudou história, economia e direito. Sua origem foi
intelectualmente privilegiada, já que, como filho de um político do Partido Nacional
Democrata alemão, pôde ter contato com estudiosos e intelectuais de seu tempo.
Weber foi para os Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial. Lá, passou a
analisar aspectos de uma sociedade capitalista, comparando-os às estruturas
tradicionais morais e culturais da Alemanha, cuja corrupção ou enfraquecimento
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durante a República de Weimar o preocupava. Weber transcende o positivismo de
Comte, o materialismo de Marx e o funcionalismo de Durkheim, mas admite as
contribuições de cada um desses aportes, dialogando com seus teóricos em alguns
trabalhos. O pensador alemão criou a chamada sociologia compreensiva, um
método de análise que compreende as construções simbólicas de maneira subjetiva.
Ou seja, é um método que admite que o aparato sistêmico de significação de
fenômenos sociais é o que dá sentido à ação, e ele pode ser diferente em contextos
sociais, políticos e históricos distintos. Por isso, Weber contraria o determinismo do
materialismo histórico de Marx e a impossibilidade de transcendência das estruturas
sociais de Durkheim. Para ele, o espaço que Marx deu aos conflitos entre classes
como motor da história foi dado aos processos de racionalização dos fenômenos
sociais, em associação às dinâmicas de dominação social.
Comte viveu todo o processo de erosão do poder da nobreza e da monarquia
francesa, bem como os impactos resultantes dos movimentos que culminaram na
Revolução Francesa, na ruptura da monarquia e na constituição da república no
país. Revoluções não são transições, não são alterações que ocorrem aos poucos;
não há espaço ou tempo para acomodações de mudanças. Para que eclodam, é
preciso que haja um momento anterior de caos. E os momentos subsequentes à
ruptura e à instalação de um novo modelo de organização política e social costumam
também ser pautados por desorganização e incerteza. (SILVA, 2005).
Para Comte, porém, independentemente dos objetivos de um movimento
político e das alterações que ele poderia trazer às organizações sociais, deveria
haver espaço para se pensar em planejamento social e organização, pilares que
construiriam o bem-estar social. A racionalidade deveria nortear as ações e, assim,
estabeleceriam-se planos e etapas que ordenariam e manteriam seguras e
controladas quaisquer alterações na organização social.
Como você viu, Marx, Weber e Durkheim buscavam compreender as causas
e consequências das interações sociais. Eles verificavam o modo como tais
interações se conectavam com um contexto histórico comum e avassalador para as
estruturas tradicionais de organização social: a modernidade. Por isso, alguns
elementos estão presentes nas abordagens desses autores. Entre eles, você pode
considerar: as características estruturais e a expansão do capitalismo, o processo de
urbanização, a expansão da produção, a saturação do consumo doméstico e as
15
expansões territoriais. Essas transformações deram novas formas e sentidos às
interações sociais. Os mesmos elementos também tiveram impacto na organização,
na estrutura e na função do Estado, de modo que a democracia e o liberalismo são
pautas para as análises sociológicas. (SILVA, 2005).
Fonte: www.todamateria.com.br
16
3.2 A realidade e a perspectiva sociológica
17
desafio girava em torno do caráter teórico-metodológico da pesquisa. Como
interpretar narrativas orais, interpretar silêncios, identificar esquecimentos ou
resistências? Como transformar falas em dados a serem analisados, constituintes de
uma trajetória?
Como afirma Benjamin (1994):
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É apenas nas estruturas de um campo que se define o sentido dessas
posições sucessivas: as atitudes, o trabalho e tudo aquilo que torna o campo
interessante o suficiente para ser objeto de uma pesquisa. A coerência teórica dessa
metodologia se dá pelo fato de que o tempo do devir social dos indivíduos e dos
grupos já está estruturado por normas, definições sociais, representações ou
oportunidades típicas socialmente condicionadas de desenvolvimento ou de
orientação biográfica. Apesar de muito elucidativas, é preciso estar atento ao fato de
que as biografias, autobiografias e histórias de vida não revelam toda a vida de um
indivíduo, mas apenas uma versão selecionada de como ele deseja se apresentar.
Naturalmente, esse não é um processo descartável, já que também é importante
conhecer e verificar as interpretações que as pessoas fazem de sua própria
experiência para explicar parte do comportamento social. (CANDIDO, 2006).
Uma das maiores dificuldades das ciências humanas ao se estabelecerem
como disciplinas foi a criação e a adequação de ferramentas metodológicas para
tratar de seus objetos de pesquisa. A ideia era que, ao mesmo tempo em que
normatizassem a produção científica e acadêmica, as ferramentas também
legitimassem tais disciplinas, mostrando normatização e controle da pesquisa. Havia
grande dificuldade em mostrar que, embora afastadas das ciências naturais,
necessitando de abordagens diferentes, as ciências cujos objetos eram os homens e
seus pensamentos, suas construções e interações sociais, podiam ser confiáveis; a
volatilidade do objeto consistia mais em uma oportunidade do que em um problema.
Foi preciso construir modelos de certa forma rígidos, que conferissem legitimidade
às pesquisas das novas disciplinas que se formavam — por muitas vezes, a quebra
desses modelos mostrava certos vieses nas pesquisas. Depois da criação da
sociologia como disciplina, ocorreu o processo de distinção entre ela e as demais
ciências, a partir da formulação de metodologias próprias ainda no século XIX. A
interdisciplinaridade é retomada a partir de fins do século XX, tornando as análises
mais ricas e aprofundadas.
Mas qual é a trajetória da sociologia como disciplina? De acordo com Candido
(2006), pode-se dividir o processo de constituição da sociologia brasileira como
ciência em dois períodos. No primeiro, entre 1880 e 1930, a sociologia seria “[...]
praticada por intelectuais não especializados, interessados principalmente em
formular princípios teóricos ou interpretar de modo global a sociedade brasileira”
19
(CANDIDO, 2006, documento online). Nesse período, não haveria ensino nem
pesquisa empírica acerca de aspectos delimitados da realidade contemporânea. O
segundo período se construiria após a década de 1940, e nesses 10 anos entre uma
fase e outra é que a sociologia se incorpora ao ensino superior e passa a ser tratada
como instrumento de análise social.
Nessa fase, surgem os primeiros sociólogos de formação brasileira, que
fomentam o segundo período da sociologia no País. Ainda segundo Candido (2006),
a sociologia como campo científico sofre duas influências tão decisivas que a
marcam permanentemente: a do direito e a do evolucionismo. No século XIX, o
esforço de compreender o Estado, o universo econômico e as estruturas políticas do
País foi, essencialmente, do jurista, que o autor determina como “[...] o intérprete por
excelência da sociedade, que o requeria a cada passo e sobre a qual estendeu o
seu prestígio e maneira de ver as coisas” (CANDIDO, 2006, p. 273). Contudo,
20
mesma variável geral: a sociologia. Mas a sociologia é uma ciência? Esse
questionamento sobre a legitimidade da sociologia como ciência é para onde o olhar
de Romero (2001) se direciona, criticando os opositores da “ciência da sociedade”.
O maior crítico da sociologia brasileira é o poeta e jurista Tobias Barreto. A crítica do
jurista sergipano estaria especialmente desenvolvida em “estudos alemães” e é
apresentada no ensaio Variações antissociológicas. Seus argumentos contrários à
“ciência da sociedade” eram os seguintes:
21
“[...] não há dúvida de que o jurista de Estudos de Direito tem em grande
parte razão. Mas não se deve concluir do abuso para a condenação geral
da coisa. Porque alguns fantasistas andam por aí a inventar engraçadas e
insustentáveis leis sociológicas”.
1. Matemática
2. Astronomia
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3. Física
4. Biologia
5. Sociologia
1. ciências abstratas
2. ciências abstrato-concretas
3. ciências concretas
1. observação
2. observação artificial
3. experimentação
4. comparação
5. classificação
6. indução
7. dedução
Fonte: www.mundociencia.com.br
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4 A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA
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É óbvio que a reflexão sobre os fenômenos sociais não começou com a
sociologia, no século XIX. Antes que Auguste Comte inventasse, na primeira
metade daquele século, a palavra sociologia para denominar a nova ciência
e proclamasse a necessidade, a conveniência e a possibilidade de
aplicação dos princípios da ciência – até então aplicados apenas ao estudo
dos fenômenos da natureza – ao conhecimento da sociedade, os filósofos
se ocuparam da explicação dos fenômenos sociais. As reflexões de Platão,
de Aristóteles, por exemplo, na Antiguidade, ou mesmo de Maquiavel, já no
século XVI, apesar de toda a revisão, no Renascimento, das ideias
tradicionais até então predominantes, são muito diversas das teorias
sociológicas. A reflexão filosófica a respeito da sociedade difere da
sociologia tanto nos resultados quanto, principalmente, na maneira de
alcançá-los.
26
que ocorrem na sociedade nos aspectos políticos e econômicos. Claro que, antes
disso, devemos apontar grandes acontecimentos históricos que antecedem o
surgimento da ciência como um todo e que modificam a forma como a sociedade irá
pensar e agir. Entre eles, temos, no século XV, os esforços em busca de expansão
territorial das nações europeias, conhecido como o período das Grandes
Navegações, e o estabelecimento de colônias nas Américas, na Ásia e na África, o
que acelera o desenvolvimento da economia monetária e fortalece a burguesia
destes países.
No século XVI, temos a Reforma Protestante, que marca um rompimento
entre o pensamento ou conhecimento teológico (explicações divinas) e o
conhecimento racional (explicações pela razão do homem). A Reforma Protestante
vai muito além da simples ruptura do modo de pensar da Igreja da época e da
contestação dos poderes papais, pois representa a busca do próprio homem para as
explicações dos fenômenos que ocorrem ao seu redor.
Segundo Tomazi (2000), essa nova forma de conhecimento da natureza e da
sociedade, na qual a experimentação e a observação são fundamentais, aparece
neste momento, representada pelas ideias e pelas obras de diversos pensadores,
entre os quais Nicolau Maquiavel (1469-1527), Galileu Galilei (1564-1642), Thomas
Hobbes (1588-1679), Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650).
Junto com esses, há outros dois pensadores que farão a ponte entre esses novos
conhecimentos e os que se desenvolverão no século seguinte: John Locke (1632-
1704) e Isaac Newton (1642-1727). Já no século XVII, percebemos a ascensão da
burguesia comercial nos países europeus, que se estendia a todo o restante do
mundo. Nesta época, irão surgir novos formatos de organização da produção das
manufaturas, criando novos inventos que pudessem aprimorar os processos e
diminuíssem o número de pessoas envolvidas neles.
É quando surgem as primeiras máquinas de tecer, descascar algodão, as
máquinas a vapor, etc. O trabalho mecânico começa a ser utilizado paralelamente
ao trabalho artesanal. O século XVIII começa em meio a toda essa ebulição de
novas descobertas focadas na produção e numa sociedade em modificação,
proposta pelos eventos anteriores. Da mesma forma, a Revolução Inglesa ocorrida
no século anterior irá inspirar as Revoluções Americanas e Francesas e irá trazer
novos formatos de organização política para as nações.
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As transformações nas esferas da produção, a emergência de novas formas
de organização política e a exigência de representação popular dão características
muito específicas a esse século, em que pensadores como Montesquieu (1689-
1755), David Hume (1711-1776), Jean-Jaques Rousseau (1712-1778), Adam Smith
(1723-1790) e Immanuel Kant (1724-1804), entre outros, procurarão, por caminhos
às vezes divergentes, refletir sobre a realidade, na tentativa de explicá-la (TOMAZI,
2000). Estas tentativas de busca por explicações das novas realidades no século
XVIII citadas pelo autor irão servir de base para o surgimento da sociologia como
uma ciência; ciência esta que nasce em meio à consolidação do sistema capitalista.
No início do século XIX, pensadores como Saint-Simon, Hegel e David Ricardo irão
fazer com que Auguste Comte (1798-1857) e Karl Marx (1818-1883) venham a
refletir sobre a sociedade, porém de maneiras muito divergentes.
Comte irá focar seus pensamentos em busca de uma filosofia positiva, que
busca a explicação dos fenômenos e a modificação da maneira de pensar do
homem utilizando as ciências existentes na época e propondo uma reforma prática
das instituições. Outro expoente da sociologia que irá se inspirar nas ideias
propostas por Comte nesta época é Emile Durkheim.
Karl Marx e Friederich Engels, por sua vez, irão analisar os aspectos sociais,
econômicos, políticos, ideológicos, religiosos, entre outros, sem a preocupação de
definição de uma ciência específica para tal, como a sociologia representava para
Auguste Comte. Suas análises procuraram focar as mudanças nos processos
produtivos, o surgimento da sociedade capitalista, visando fornecer aos
trabalhadores condições de melhor analisar o contexto em que se encontram
vivendo e as relações entre as classes trabalhadoras e capitalistas.
Podemos dizer que a sociologia como ciência, acadêmica, irá afirmar-se nas
obras de Émile Durkheim, na França, e de Max Weber, na Alemanha; ambos
preocupados em integrar a sociologia aos aspectos científicos necessários para
garantir os métodos e teorias necessárias para tal afirmação.
28
4.3 Características da sociologia como ciência
É fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o
indivíduo uma coerção exterior, que é geral na extensão de uma sociedade
dada, apresentando uma existência própria, independente das
manifestações individuais que possa ter.
Partindo da conceituação dos fatos sociais feita pelo autor, percebemos que o
mesmo pensa a organização da sociedade realizada pelos efeitos de normalização e
padronização sociais estabelecidos nas regras de conduta, nas ideias e
pensamentos que compõem tais fatos. Estes fatos serão sempre exteriores ao
indivíduo, ou seja, não dependem dos aspectos internos destes, e sim do esforço
coletivo e social no estabelecimento destas normas de convivência criadas e
impostas desde o nosso nascimento.
Os fatos sociais irão apresentar três características: exterioridade,
generalidade e coercitividade. A generalidade diz respeito ao que comentamos
anteriormente, o caráter coletivo que se faz presente e determina, para todos, como
agir neste grupo social. A exterioridade traduz a condição desse ser exercido sendo
o mesmo estabelecido fora da consciência individual, externo às questões pessoais
intrínsecas ao sujeito. A coercitividade, por fim, remete ao dever, à obrigação em
acatar e seguir as determinações que foram estabelecidas na sociedade em que
vivemos. Lakatos e Marconi (1990, p. 65) comentam que:
32
5.1 Os pensadores da Sociologia e suas ideias
33
social “[...] significa uma ação que, quanto ao sentido visado pelo agente ou os
agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu
curso [...]”. Um exemplo bem simples e frequentemente adotado na escola que
ilustra uma ação social, segundo as ideias de Weber, seria a fila.
Os alunos vão posicionando-se em coluna, um após o outro, seguindo uma
ordem naturalizada de agir socialmente que já faz parte do sujeito, ou seja, sua
subjetividade já internalizou a fila como algo a ser feito. Esta é a principal diferença
entre Weber e Durkheim, pois Weber entendia que internamente o indivíduo ia
significando, dando sentido às coisas e, assim, ia mudando e condicionando seu
comportamento. Outro conceito muito utilizado por Weber diz respeito à noção de
poder, porém um poder não localizado num lugar específico, como o Estado, por
exemplo, mas que perpassa todos os aspectos sociais e que não se relaciona
somente com a questão econômica. Entendia a sociedade como um sistema de
poder que se manifesta em todas as esferas:
O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de fio
condutor aos meus estudos pode ser formulado em poucas palavras: na
produção social da própria vida, os homens contraem relações
determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de
produção estas que correspondem a uma etapa determinada de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. [...] não é a
consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o
seu ser social que determina sua consciência.
35
Sociologia trabalham com significados, motivações, valores e crenças e estes não
podem ser simplesmente reduzidos às questões quantitativas, já que respondem a
noções muito particulares.
Entretanto, os dados quantitativos e os qualitativos acabam se
complementando dentro de uma pesquisa. A escolha do objeto a ser pesquisado
pelo sociólogo estará relacionada ao rol de questões possíveis dentro do grande
universo das interações humanas que ocorrem na sociedade. Sobre este objeto a
ser analisado, será aplicada, num primeiro momento, uma pesquisa bibliográfica
minuciosa, seguida, então, da aplicação dos instrumentos de coleta de dados e das
metodologias típicas da ciência, como os questionários, as entrevistas, observações
e pesquisas de campo. Segundo Becker (1994), por mais ingênuo ou simples nas
suas pretensões, qualquer estudo objetivo da realidade social, além de ser norteado
por um arcabouço teórico, conforme mencionamos, deverá informar a escolha do
objeto pelo pesquisador e também todos os passos e resultados teóricos e práticos
obtidos com a pesquisa. Acompanhe o esquema na Figura 1 com os passos mais
utilizados numa pesquisa sociológica:
Fonte: www.jornaldosudoeste.com.br
6 REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
37
O capitalismo se fortaleceu, quem produzisse mais, estava acima dos outros.
Fonte: www.cinevest.com.br
Fonte: kdfrases.com
Fonte: pt.slideshare.net
39
Fonte: kdfrases.com
44
não mais por semelhança (mecânica), em que os indivíduos desempenham funções
diferentes umas das outras. Esse processo aumentou com o capitalismo, que levou
a uma superespecialização das tarefas. Durkheim aponta que, quando há pouca
divisão do trabalho (solidariedade mecânica), a consciência coletiva é mais forte e
extensiva a um número maior de pessoas, pois desempenhando funções sociais
muito semelhantes, os indivíduos pensam de modo similar. Quando, ao contrário, há
uma divisão do trabalho (solidariedade orgânica) cada pessoa tem uma margem
maior de liberdade para pensar e agir por conta própria. Isso gera um
enfraquecimento relativo da consciência coletiva, há diminuição das reações da
coletividade contra a quebra das regras estabelecidas e uma margem maior para a
interpretação pessoal ou grupal dessas regras. Os meios morais nas sociedades
com poucas e muitas divisões de trabalho são distintas. (SILVA, 2005).
Os valores, crenças e normas, numa sociedade pouco diferenciada,
aparecem como imperativos obrigatórios e transmitidos homogeneamente de uma
geração para outra; enquanto que, numa sociedade diferenciada, sofrem
interferência de grupo. Quando, cada indivíduo, em função da divisão do trabalho e
da especialização, assume valores, crenças e normas diferenciadas, conforme o
grupo ao qual se vincula na vida profissional, as regras gerais ficam relativizadas,
ficam mais fracas.
Podem-se dar interpretações diferentes a elas, conforme o lugar de onde são
vistas, a tendência, portanto, será o conflito, decorrente da competição imposta pela
diferenciação: os indivíduos passam a guiar-se pela busca da satisfação de
interesses que são cada vez mais pessoais e cada vez menos coletivos. É assim
que Durkheim vê um fenômeno extremamente disseminado nos dias de hoje: o
individualismo. Quanto mais individualista em termos de crenças e valores é uma
sociedade, mais a sua consciência coletiva diminui, o que determinará a perda de
uma moral coletiva, que se faz fundamental para a sobrevivência da sociedade. A
solidariedade é um cimento que dá liga à sociedade. Se fosse deixada para seguir
seu rumo sem controle, a solidariedade orgânica (baseada na diferença) provocaria
a desintegração da sociedade, provocaria o que Durkheim chamou de anomia, isto
é, a ausência de regras, o caos. Se isso não ocorre por completo é porque a
consciência coletiva ainda se mantém de alguma forma. (RODRIGUES, 2004).
45
Num meio moral em que o individualismo possibilitado pela diferenciação
social compete com a consciência coletiva, a educação assume o significado de
educação moral, assume o papel fundamental de preservação e promoção da
coesão social. Sendo um dos principais expoentes na Sociologia da Educação
Positivista, Durkheim considerava a educação como imagem e reflexo da sociedade.
A educação para Durkheim é o processo pelo qual aprendemos a ser membros da
sociedade. Educação é socialização, e a cada momento histórico, existe um tipo
adequado de educação a ser transmitida. Para Durkheim, socializar-se é aprender a
ser membro da sociedade, é aprender o seu devido lugar nela. Só assim é possível
preservar a sociedade. Preservá-la inclusive de sua própria diferenciação. O
pensamento de Durkheim foi usado muitas vezes para justificar atitudes e ideologias
conservadoras, interessadas em manter a ordem social vigente. O pensamento
liberal conservador justifica a desigualdade social como fenômeno natural, afirmando
que os homens são dotados de capacidades diferentes. A desigualdade é tomada
como questão individual e não social.
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7.4 O homem é determinado pela sociedade ou o homem determina a
sociedade?
Fonte: www.brasilescola.uol.com.br
47
Universidade de Berlim, para prosseguir nos seus estudos, lá entrou em contato com
a Filosofia de Hegel, de quem herdou a concepção dialética e a Filosofia da História,
as quais serão abordadas ao longo do texto. Doutorou-se em Filosofia pela
Universidade de Iena. Dentre suas principais obras podemos citar O Manifesto
Comunista e A Ideologia Alemã, ambas escritas juntamente com seu grande amigo
Engels, e a obra de maior destaque O Capital. Marx deixou muitas marcas no
pensamento da sociedade ocidental do século XIX com suas pesquisas da
sociedade capitalista. (SILVA, 2005).
Ao perceber a miséria e o sofrimento pelos quais passavam os trabalhadores
daquela época, Marx compreendeu que havia um processo histórico em andamento,
pois, a burguesia não estava apenas ascendendo na sociedade, utilizando-se de
mão-de-obra barata dos operários, mas também, utilizando-se dos conhecimentos
que estes possuíam a respeito da produção dos objetos, conhecimentos que
aprenderam de seus antepassados, dos quais a burguesia aos poucos se apossava.
Marx procurou, de um lado, perceber a realidade como ela é, analisá-la e reconstruí-
la para compreendê-la em sua totalidade. Por outro lado, para compreender como a
sociedade realmente se mostrava, ele buscava uma forma de transformá-la, em
busca de uma vida melhor. Com a intenção de promover a transformação da
sociedade, Marx lançou uma crítica ao materialismo teórico dos filósofos que havia
estudado, principalmente ao idealismo de Hegel, reivindicando uma Filosofia que, ao
invés de só interpretar o mundo, também tentasse modificá-lo, transformá-lo.
Formula então, sua dialética materialista, em que postula que as leis do pensamento
correspondem às leis da realidade.
Para Marx, não são as relações sociais que determinam a vida, mas a vida
que é determinada pelas relações sociais, esta seria a base de seu materialismo
histórico. A dialética não é só pensamento. A dialética é pensamento e realidade
unidos. Segundo Rodrigues (2004, p. 36) “Para Marx não havia contradição entre
teoria e prática [...]”. Então, para compreender a sociedade, Marx se utilizou do
materialismo histórico, o qual pretende explicar a história das sociedades humanas,
em todas as épocas, através dos fatos materiais, essencialmente econômicos. Ao
buscarem a história humana, ele e seu amigo Friedrich Engels escreveram apud
Rodrigues (2004, p. 37), que “[...] a história humana é a história da relação dos
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homens com a natureza e dos homens entre si (...). Aparecendo como elemento
intermediário o trabalho humano”.
A mudança da natureza se dá através do trabalho do homem. Para que as
tarefas de produção se tornassem mais eficazes, o homem passou a desenvolver
técnicas, por exemplo, inventou a machadinha de pedra, domesticou animais para
estes realizarem os trabalhos mais pesados, para aumentar a produção e melhorar
sua qualidade de vida e reduzir esforços. Com a capacidade reflexiva que o homem
possui, tornou-se capaz de melhorar suas condições de vida e de domínio da
natureza. Esse domínio sobre a natureza, o desenvolvimento de técnicas para tornar
o trabalho mais fácil, Marx denominou de “Forças Produtivas”, e que atualmente são
representadas pelas altas tecnologias.
Como afirma Rodrigues (2004, p. 39): “Ao mesmo tempo em que o trabalho é
o intermediário da relação do homem com a natureza, ele é, também, o intermediário
da relação dos homens uns com os outros”. O homem para ter maior produtividade
alia-se a seus pares, distribuem tarefas e benefícios entre si. Essa distribuição de
tarefas também determina diferentes formas de propriedade, as quais, determinam
as relações sociais de uma sociedade, que seriam as relações de propriedade.
Segundo Marx, estas implicam em dois pontos: os meios para a realização do
trabalho e o trabalho em si.
Logo, “as relações de propriedade são a base das desigualdades sociais [...]”
(RODRIGUES, 2004, p. 39). Pois, há os homens que possuem os meios para a
realização do trabalho, e há os homens que não possuem os meios, porém possuem
vontade e força para desempenhar o trabalho e a oferecem para quem possui os
meios, que também caracterizam as “relações sociais de produção”, um oferece os
meios e não trabalha e o outro não possui os meios, mas trabalha. No transcorrer da
história humana, percebem-se conjuntos diferenciados de forças produtivas, bem
como, de relações sociais de produção. Segundo Rodrigues:
49
Em cada um desses modos de produção, houve uma classe superior, que
mandava, e uma classe inferior, que obedecia, havendo sempre uma luta de
classes. É o que Marx afirmava: o que move a História é a luta entre as classes.
O trabalho que sempre foi o meio pelo qual o homem relacionou-se com a
natureza e com os outros homens, é individualmente percebido como algo
sobre o qual o trabalhador não tem controle. O trabalhador foi separado,
pelo capitalismo, do controle autônomo que exercia sobre seu trabalho e
também do fruto deste trabalho. O trabalho é então percebido pelo
trabalhador como algo fora de si, que pertence a outros. A isso, Marx dá o
nome de alienação. Por causa do trabalho alienado a que estão submetidos,
os homens adquirem uma consciência falsa do mundo em que vivem, vêem
o trabalho alienado e a dominação de uma classe social sobre outra como
fatos naturais e passam, portanto, a compartilhar uma concepção de mundo
dentro da qual só têm acesso às aparências, sem ser capazes de
compreender o processo histórico real. A isso Marx dá o nome de ideologia
portanto, é aquele sistema ordenado de ideias, de concepções, de normas e
de regras que obriga os homens a comportarem-se segundo a vontade do
“sistema”, mas como se estivessem se comportando segundo sua própria
vontade. Esta coerção do “sistema” sobre os indivíduos, revela Marx, na
verdade é a coerção da classe dominante sobre as classes dominadas. Por
isso Marx afirma que a ideologia dominante numa dada época histórica é a
ideologia da classe dominante nessa época. (RODRIGUES, 2004, p. 46).
51
apesar de Marx e Engels não terem deixado muitos escritos a respeito da educação,
em alguns textos é perceptível a compreensão de que a educação está vinculada
com as relações econômicas e sociais da época. Desse modo, é possível apontar
que eles compreendiam a educação da mesma forma que compreendiam a
sociedade. A educação era uma das mais importantes formas de perpetuação da
exploração de uma classe sobre a outra. Desde criança, os operários tomariam a
ideologia burguesa como sendo a sua, compreendendo que deveriam apenas servir
à classe dominante. No livro O Capital, Marx analisou as condições em que os
operários viviam e como era a educação dos filhos desses operários, segundo
interpretações de Rodrigues (2004):
Nesse caso, a educação que essas crianças operárias recebiam não passava
de uma perpetuação da ideologia de que existem apenas duas classes, a dos
dominantes e a dos dominados. Os últimos, com a crença que possuem o dever de
servir aos primeiros, deixam-se levar por essa falsa realidade. O proletariado,
vivendo nessa falsa ideologia, acabava por educar também seus filhos com tais
concepções.
As crianças também cresciam alienadas e sujeitas a trabalharem o resto de
suas vidas em uma fábrica, recebendo um salário mísero. Porém, Marx não via a
educação apenas como alienação do sujeito, mas acreditava numa educação
voltada para a libertação e emancipação do ser, o qual poderia se libertar das
explorações e da visão sistêmica capitalista.
Segundo Santos, a essência do homem é o conjunto das relações sociais que
ele estabelece, é um ser que não encontra-se acabado, que está em um processo
de construção de si mesmo, o homem é um ser em transformação (2005, p. 1).
Ainda segundo Santos, para compreender o processo educativo, deve-se
compreender o processo de produção da existência do homem, ou seja, o trabalho e
as relações que o homem mantém.
52
[...] o ensino aparece como instrumento para o conhecimento e também
para a transformação da sociedade e do mundo. Este é o potencial e o
caráter revolucionário da educação. O proletariado, por si só, não conquista
sua consciência de classe, sua consciência política, justamente pelo fato de
ter sido privado desde o início dos meios que lhe permitiriam consegui-lo.
Por isso, há a necessidade de um processo educativo pautado em um
projeto político e pedagógico definido e voltado aos interesses da grande
maioria excluída. Aí é que surge o papel estratégico da escola, dos
educadores e intelectuais, os quais, em nosso entender, são decisivos para
a construção da consciência de classe do trabalhador (SANTOS, op. cit).
Assim, Marx acreditava que esse seria o ponto inicial para que o operário
aprendesse que não é uma mera vítima de exploração da burguesia, isto é um
processo educacional que o tornasse capaz de compreender todo o processo
produtivo das fábricas burguesas. Segundo Rodrigues, para Marx, esse novo saber
seria de fundamental importância para romper a alienação do trabalho, e iniciar o
processo emancipatório. Utilizamos aqui o exemplo dado por Rodrigues:
Fonte: www.tribunadaimprensalivre.com.br
54
9 A NOVA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO E SUA IMPLICAÇÃO PARA A
EDUCAÇÃO
Na virada dos anos 1960 para os anos 1970, ocorre uma crise na educação
de países considerados “centrais”: Estados Unidos, França e Inglaterra – países
estes em que os governos seguiram bastante à risca as prescrições da Sociologia
da Educação então hegemônica. Na França, as revoltas de maio de 1968 são
relacionadas com a promessa não cumprida de suposta ascensão social
correspondente ao maior acesso à educação básica e superior. Nos EUA e no Reino
Unido, colapsa todo o sistema de Bem-Estar Social e, em particular, a escola
pública, que tampouco cumpriu sua promessa de equiparação de oportunidades
após ser, em ambas as noções, reformada de forma a garantir acesso praticamente
universal. (NOGUEIRA, 1990). Com efeito, o viés de Sociologia da Educação que
predominava nas universidades e nas políticas públicas sustentava boa parte das
reformas que, neste momento histórico, caíram por terra.
A Sociologia da Educação se preocupava centralmente, até o fim dos anos
1960, com o aspecto macrossocial da educação. Neste sentido, a hipótese do
acesso era imperativa: era preciso entender o que bloqueava o acesso dos grupos
mais populares e como interromper esses problemas. Apesar do sucesso desta
55
empreitada, no entanto, as desigualdades permaneceram. Desta forma, havia um
cruzamento de amplo alcance entre classe social e escolarização. As pesquisas
raramente se debruçavam especificamente na escola, sendo mais comum
investigações quantitativas que consideravam cada escola como mais um número
nas estatísticas.
Quanto ao conhecimento escolar, havia também pouco debate, comum
consenso de que deveria ser garantido a todos. Isto sustentou, talvez, o único
aspecto mais “cultural” do pensamento sociológico da educação então prevalecente:
a ideia de que as supostas “deficiências” culturais das camadas populares fossem
supridas com atividades “compensatórias” em contraturnos e escolas públicas
populares. (MITRULIS, 1983). O fracasso dessa prescrição sociológica baseada na
hipótese de que a igualdade de oportunidades seria alcançada com apenas essas
poucas medidas macrossociais gerou revolta e descrença popular, o que também se
verificou no campo da Sociologia da Educação, especialmente nos três países
citados. (SILVA, 1999). Quase que simultaneamente, com algumas diferenças
contextuais, surge na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França, na virada para os
anos 1970, um movimento não intencionalmente programado, que ficou conhecido
como a nova sociologia da educação. O que este movimento passou a analisar, com
um olhar mais apurado sobre o que ocorre dentro da escola, na política educacional
e com o currículo escolar, foi, afinal, o que diferenciava os alunos, apesar de a
escola ser pretensamente indiferenciada. (MITRULIS, 1983).
Michael Apple possivelmente seja o nome mais relevante nos Estados Unidos
vinculado à NSE. Seu trabalho inaugural, Ideologia e currículo (1979), representa o
seu diferenciado olhar sobre as desigualdades educacionais. Apple traz para a
discussão a economia e a cultura para pensar o currículo, a partir de uma
abordagem neomarxista (muito influenciado por pensadores como Raymond
Williams e Antonio Gramsci). Apple não vê uma correspondência direta entre a
57
economia e a educação, como se a escola refletisse automaticamente as relações
de produção (SILVA, 1999); vê uma relação complexa, em que o currículo escolar se
encontra envolvido. Para Apple, por mais que as relações de poder da economia
influenciem decisivamente a forma como os grupos sociais vivem a educação, elas
não garantem em última instância como a educação se estrutura ou como a
desigualdade se mantém. (WEIS; MCCARTHY; DIMITRIADIS, 2013). Para Apple
(2006), a educação e o currículo são lugares de disputa política, em que não há
garantia de que as consciências serão estabelecidas a priori. Há espaço, segundo
Apple (2006), para que se conteste, na escola, de quem são os conhecimentos
estudados, a quem eles beneficiam e quem eles silenciam, por exemplo. Apple
(2006) vê complexidade e movimento na escola e na disputa pelo que é entendido
como conhecimento escolar, sem ignorar as fortes influências que as relações
econômicas continuamente impõem sobre a forma como a escola é vivida.
Avanços percebidos
60
Fonte: www.pesquisaescolar.com.br
61
reflexão sobre o mundo, sobre a vida, sobre si mesma, enquanto parte constitutiva
indispensável da humanidade do homem.
É pela mediação realizada pela consciência que o homem percebe e entende
a natureza, os outros homens e a sociedade. É pela incorporação de uma teoria das
relações sociais que os homens se relacionam, se reproduzem e produzem e
reproduzem o mundo em torno de si.
Toda atividade educacional, que se concretiza em relações pedagógicas é,
portanto, uma prática social que apresenta características históricas, implicações
teóricas e compromissos políticos.
Como afirma Pellegrino (1986), “Acontece que nós, humanos, somos fratura,
ruptura, salto qualitativo da natureza para o processo cultural. Somos exilados de
nossa condição biológica e da Lei Cósmica que a preside. Perdemos os instintos, no
bom e honrado sentido animal da palavra. Somos, sim, animais, mas animais
políticos – zoon politikon –, tendo que criar as leis da polis por termos rompido – este
é o pecado original – com a Lei que rege o sol, as estrelas, as plantas e os bichos.”
Justamente por ser a educação uma prática social que se concretiza através
da relação pedagógica entre os sujeitos que a realizam, o comprometimento político
lhe é inerente.
Uma das lições mais preciosas de Karl Marx (1818-1883) foi a de nos chamar
a atenção para a “omnilateralidade”, ou seja, para a categoria de totalidade na
análise de qualquer fenômeno.
Neste sentido, nosso grande desafio está em não nos deixar levar por
reducionismos na análise da prática educativa, limitando-nos a apenas um aspecto
(ou, mesmo considerando vários aspectos, deles tratar isoladamente), o que
caracterizaria uma unilateralidade.
Por exemplo, considerar como única função educativa, em um curso de
formação de técnicos, a socialização apenas dos saberes relacionados com a
prática profissional admitida para os profissionais da saúde deste nível é,
provavelmente, correr o risco de sonegar elementos fundamentais de compreensão
profunda daquelas práticas. Além disso, é um desprezar da totalidade e da
complexidade da educação e do próprio exercício profissional, que têm como
critério, menos hierarquização dentro de um campo profissional e mais entendimento
da realidade (princípios, processos e procedimentos) para o desenvolvimento de
62
competências humanas. Tal maneira de proceder estaria, possivelmente, ignorando
outras formas de saber, contribuições de diferentes culturas e de diversas
experiências que têm importante contribuição a dar na constituição do profissional
como sujeito, pessoa humana e cidadão. Seria, em última análise, não considerar
que a prática pedagógica é uma prática social.
Dentro desta visão omnilateral da ação pedagógica, certamente mais do que
o objeto, o conteúdo ou a forma, é importante o sujeito visto em sua totalidade e em
sua relação com o outro, formando coletivos, grupos sociais, que – por sua vez – se
relacionam na formação de uma sociedade. (PELLEGRINO, 1986).
Esse sujeito – em suas dimensões individual e coletiva – ocupa o lugar de
protagonista no cenário pedagógico, pois é nele, por ele e para ele que a ação
educativa acontece. A partir desse pressuposto, é primordial conhecer muito bem
esse sujeito. O que pretendemos agora, na afirmação desta totalidade, é ver, na
prática social educativa, esse processo de relação específica entre sujeitos humanos
que se apresentam e recebem denominações também específicas de educador-
educando e professor-aluno.
Mas, certamente, isso que dissemos nada tem de surpreendente para você.
Na sua experiência de todos os dias, sua prática de enfermagem é uma prática
social que envolve uma relação entre sujeitos, seres humanos que se constituem
socialmente como pessoas. Nem se nega que um seja o profissional da enfermagem
numa relação com um outro que se está valendo de seus serviços como atendido ou
cuidado no campo da saúde. Entretanto, esta relação concreta, que faz com que se
denomine a um como enfermeiro e ao outro como paciente, continua a ser e em
nada pode obscurecer a relação interpessoal de sujeitos sociais.
Da mesma forma, para além da condição daquele que ensina e daquele que
aprende, é preciso compreender o professor e o aluno como sujeitos que se
constroem na história. A relação educativa, em que se envolvem como educador –
educando, só pode ter significado concreto quando é entendida como prática social,
sempre implicando uma visão de mundo. (PELLEGRINO, 1986).
A prática pedagógica precisa ser vista a partir de uma perspectiva que dê
conta de pensar o homem na sua totalidade e na sua singularidade. Isto significa
conceber o homem e suas práticas – dentre elas a educativa – sem dicotomizá-lo.
Implica, portanto, em entender que a subjetividade, para existir, supõe a coletividade
63
e o social; em buscar subsídios para ter uma visão histórica que, sem excluir o
particular e específico, seja entendida como a totalidade do momento; em construir
uma abordagem interdisciplinar que não seja apenas a justaposição de perspectivas
teóricas diversas, mas um compromisso com a já mencionada omnilateralidade
humana.
Os fatos concretos da educação de cada um e o conjunto do “fazer
pedagógico” é, portanto, prática coletiva. Nela, necessariamente, os aspectos
cognitivos, afetivos, sócio-econômicos, políticos e culturais interagem em função de
resultados também concretos. Assim, a prática social pedagógica, tal como acontece
em cada “aqui e agora”, se faz pela linguagem, fazendo (produzindo) linguagem. Por
isso mesmo a didática, que, sem dúvida alguma, é uma questão de meios, só pode
dar conta deles quando se assume, primordialmente, como uma questão
epistemológica e, mais ainda, uma questão cultural.
Fonte: www.queconceito.com.br
64
11 EDUCAÇÃO, CULTURA E CIDADANIA
70
pode ser vista de modo unidimensional, isto é, deve ser vista em todas as suas
direções e dimensões.
O verdadeiro avanço humano projeta a vida em suas diferentes dimensões.
Assim, a vida humana é mais do que simples objeto químico. A questão crucial que
se levanta é se há possibilidade de estabelecer uma via crítica em busca de uma
dimensão da vida humana que ultrapasse as concepções naturalistas que hoje são
desenvolvidas pelas biociências, uma vez que a ciência tem hoje condições de
decifrar completamente o mapa genético de cada ser humano. (AUGUSTINHO,
2018).
A decifração do mapa genético que levou ao estabelecimento do genoma
humano foi chamado de “descoberta do alfabeto da vida humana”. Como cientistas
podemos dizer que esse é um estágio interessante na descrição do objeto
bioquímico que possui uma tal complexidade que é capaz de ter características tais
que podemos chamar vida humana. Para o filósofo, essa objetivação do código
genético leva em consideração apenas a estrutura e o fluxo que mantém o
organismo vivo. O modo filosófico de pensar, contudo, leva-nos a perguntar se a
vida humana se reduz a essa estrutura e a esse movimento. Parece fora de dúvida
que a vida humana é mais que esses elementos próprios do objeto da bioquímica.
Em terceiro lugar, temos o desafio da globalização. Especialmente com a
queda do muro de Berlim, em 1989, houve uma aceleração da globalização da
economia. O mundo mudou radicalmente. Vive-se uma transformação social,
econômica e política que se faz acompanhada, sustentada e articulada por uma
grande transformação ético cultural. Essa mudança interveio como sinal de ruptura
com o mundo da assim denominada era industrial. Da Era Industrial passa-se à Era
do Acesso, sendo que, nesta, máquinas inteligentes, na forma de programas de
computador, da robótica, da biotecnologia, substituíram rapidamente a mão-de-obra
humana na agricultura, nas manufaturas e nos setores de serviços. Segundo a
lógica reinante do mundo globalizado, comandado pelas linhas mestras da
tecnologia, uma multidão de seres humanos encontra-se sem razão razoável para
viver neste mundo.
A ideologia de sustentação da economia do mercado é excludente e busca
eliminar quem não entra e consegue seguir seus parâmetros. Deve-se executar o
ofício de separar e eliminar o refugo, o que não presta e o que não conta. Tudo se
71
estrutura a partir do privilégio e do padrão de vida e consumo. Dessa lógica um dos
efeitos perversos da globalização pela via do mercado total é o mundo dos
excluídos. O mundo dos pobres, por sua vez, não é formado apenas por
empobrecidos, mas, também, e, sobretudo, por prescindíveis, isto é, por aqueles que
não contam. Com a concepção do consumo, uma economia de rapinagem está
destruindo a natureza, atentando contra a biodiversidade e ameaçando a vida, e as
novas tecnologias, cada vez mais, por sua vez, dispensam mão-de-obra, formando
um exército de mão-de-obra de reserva. Os perigos que ameaçam a humanidade
estão cada vez mais evidentes. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002).
A extinção completa do gênero humano é uma possibilidade. Ninguém
desconhece que o problema da viabilidade do planeta apresenta-se dramática. A
diminuição da camada de ozônio, o aquecimento pelo efeito estufa, o
empobrecimento dos solos e do meio ambiente, o problema da água e dos resíduos
industriais, o desmatamento, o esgotamento dos recursos naturais, a
superpopulação, o fosso econômico entre o hemisfério norte e o hemisfério sul, o
abismo entre pobres e ricos, a discriminação racial, o fundamentalismo, o terrorismo
e a instabilidade do mundo são fatores presentes à mente de todos. São aspectos
preocupantes. Não é possível ignorar tais problemas.
Tal situação exige de todos uma radical revisão dos quadros intelectuais, dos
posicionamentos e ações. O surgimento de tais problemas planetários leva a uma
reestruturação da compreensão do homem no mundo. Deve-se aprender a pensar
além dos nivelamentos regionais e nacionais. Vive-se num mundo, que, agora
sabemos, é complexo. As diversas partes do mundo estão ligadas por uma
interdependência radical. Por sua vez, a crise tem como característica principal ser
em nível planetário. Por isso, a virada para a qual queremos nos preparar, sabemos
não se restringirá à história local, e a um período da história determinado, mas, pelo
contrário, abarcará a civilização humana em seu conjunto.
Assim sendo, os quadros mentais habituais, os raciocínios corriqueiros devem
ser desestruturados. Eles devem passar por uma análise de revisão crítica. É um
processo, por assim dizer, de desconstrução e reconstrução. Para pensar o mundo,
em sua globalidade e complexidade, para tornar inteligível a problemática mundial,
precisamos abater as barreiras restritivas e fechadas, e tomar uma posição firme na
encruzilhada da nossa reflexão e ação. Uma grandiosa aventura do espírito humano
72
está não apenas começando, mas faz-se urgente. Urge, portanto, repensar a
sociedade que temos, e, sobretudo, a sociedade que somos e formamos, a fim de
promover a sociedade da vida. “Temos de promover a sociedade da vida, não da
morte. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002).
É tempo de cidadania efetiva. E cidadania é coparticipação social. É preciso
articular pessoas, congregar energias, reunir grupos, integrar vozes, somar
participantes para defender a vida”. À luz desse cenário que vislumbramos acima,
cabe-nos, agora, traçar alguns elementos imprescindíveis à educação no processo
da educação à cidadania. De início, gostaríamos de chamar a atenção para o
aspecto de que a educação não se dá de uma vez por todas. É um processo. É o
processo fascinante, sedutor e provocador de ensinar e aprender a pensar, a
pesquisar, a dialogar, a viver, a conviver e a responsabilizar-se. “A educação tem,
portanto, um fim determinado como conteúdo: a autonomia do indivíduo, que
abrange essencialmente a capacidade de responsabilizar-se”. A educação, por
conseguinte, quando vista como processo permanente de formação, coloca o
homem em processo contínuo de gênese para a humanidade livre e responsável. É
a educação, segundo Kant, que faz o homem tornar-se um verdadeiro homem. É a
capacidade de tornar-se adulto. Nessa perspectiva, a educação é uma arte, pois não
é uma disposição natural que se desenvolve por si mesma. Exige esforço e
dedicação permanente e contínua. “A educação, portanto, é o maior e o mais árduo
problema que pode ser proposto aos homens”. Em segundo lugar, gostaríamos de
chamar a atenção para o aspecto de que a educação não é tarefa exclusiva da
família. Não é, também, tarefa e período temporal e espacial correspondente à
frequência à escola ou à universidade.
E, tampouco, é tarefa única e exclusiva do Estado. É, outrossim, um
processo permanente e complementar. Superando a tendência, inclusive, na
educação da separação entre o âmbito privado e o âmbito público, ou seja, entre a
função da família e a função do Estado, devemos, talvez, ter em mente e olhar uma
vez mais para aquilo que Aristóteles chamava atenção aos atenienses. Cada um
deve sentir-se parte do todo. Devemos superar a tendência de uma sociedade
atomizada, ou seja, uma sociedade em que cada um é considerado como que uma
mônada autossuficiente imune aos problemas e desafios emergentes no mundo da
73
vida (Lebenswelt). Em outras palavras, cada um de nós deve sentir-se cidadão do
mundo.
Para Aristóteles: “o que é comum a todos deve ser aprendido em comum.
Não devemos pensar tampouco que qualquer cidadão pertence a si mesmo, mas
que todos pertencem à cidade, pois cada um é parte da cidade, e é natural que a
superintendência de cada parte deve ser exercida em harmonia com o todo”. Sentir-
se parte inerente e atuante na transformação do todo, isto é cidadão, é muito
importante para compreender o processo dialético da educação, envolvendo o nível
individual, o nível familiar e nível social e nível político, porque educar bem os
cidadãos, talvez, seja uma das únicas formas de aperfeiçoar e modificar o Estado.
(AUGUSTINHO, 2018).
A educação da criança inclui a introdução no mundo dos homens, começando
com a linguagem e seguindo com a transmissão de todo o código de crenças e
normas sociais, cuja apropriação permite que o indivíduo se torne membro da
sociedade mais ampla. O privado se abre para o público e incorpora-o como parte
integral do Ser da pessoa. Em outras palavras, o “cidadão” é um objetivo imanente
da educação, e assim parte da responsabilidade dos pais, não só por causa de uma
imposição do Estado. Por outro lado, assim como os pais educam os filhos “para o
Estado” (e para muitas outras coisas), o Estado assume para si a educação das
crianças. Na maioria das sociedades, a primeira fase da educação é confiada à
família, mas todas as demais são submetidas a supervisão, regulamentação e
assistência do Estado, de modo que pode haver algo como uma “política
educacional”. Ou seja, o Estado não quer apenas receber os cidadãos já formados,
quer participar da sua formação.
Por fim, queremos acenar, ainda que brevemente, para a importância e para o
papel fundamental da educação para a formação cidadã. Em outras palavras,
chamamos a atenção para a responsabilidade e para o compromisso inadiável de
cada um com o esclarecimento, a formação e a prática da cidadania. Esta nós a
entendemos como o conjunto de direitos e obrigações que cada cidadão tem,
enquanto presença no mundo, presença com os outros e presença para si, com a
sociedade na qual vive e com o Estado, e com a sobrevivência e com a continuidade
da vida de todo Planeta. Nesse sentido, devemos assumir com responsabilidade o
compromisso de uma educação para a cidadania que não seja só local, mas
74
universal, capaz de vencer as barreiras do “localismo provinciano”. Devemos
aprender que nada do que acontece pode nos ser alheio e indiferente.
(AUGUSTINHO, 2018).
Essa tarefa é responsabilidade de cada um, e, portanto, de todos, porque
ninguém pode realizar essa tarefa no lugar de outrem, tendo, por conseguinte, a
Escola, por sua vez, nessa perspectiva, uma função imprescindível. Cabe-lhe, entre
outras funções, ser formadora da inteligência, dispensadora da cultura, dar a cada
pessoa os saberes e os conceitos que lhe permitam chegar a uma palavra
responsável, a um discurso coerente, e a uma reflexão livre e aberta. Concluindo,
afirmamos que essa tarefa é inadiável e imprescindível a cada cidadão em particular,
mas também de todos em conjunto e das diversas instituições existentes,
especialmente, as educacionais, uma vez que, segundo Jonas: “Guardar intacto tal
patrimônio contra os perigos do tempo e contra a própria ação dos homens não é um
fim utópico, mas tampouco se trata de um fim tão humilde. Trata-se de assumir a
responsabilidade pelo futuro do homem”.
Fonte: www.visaooeste.com.br
75
12 RELAÇÕES ENTRE DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO NA OBRA DE PAULO
FREIRE
77
governo desvie a sua atenção dos objetivos gerais para se concentrar nos objetivos
particulares, pois nada pode ser mais perigoso que a influência nos negócios
públicos pelos interesses privados.
A democracia a que ele se referia era a direta, em que não se instauram
instituições sociais e o desenvolvimento da ação responsável, individual, social e
política é resultado de um processo participativo, em que os cidadãos são
executores de leis que eles mesmos fazem. Um governo perfeito, aplicável somente
a deuses, se houvesse um povo de deuses, pois, entre os homens, apenas em
poucas e raras sociedades esse modelo político se faz possível, o que
evidentemente não é o caso da sociedade brasileira. Na versão contemporânea da
democracia participativa, em que se insere o Estado brasileiro, a democracia
compreende uma “[...] série de arranjos institucionais a nível nacional”, concretizada
unicamente pela competição pelos votos e as eleições livres e periódicas. Pelo
menos em tese, pelo sufrágio universal (única garantia de igualdade de oportunidade
e acesso aos mecanismos de controle sobre os líderes), através do voto, as pessoas
controlam os líderes e influenciam nas decisões destes (PATERMAN, 1992, p. 25).
No entanto, Schumpeter (apud PATERMAN, 1992) assevera que, na democracia
participativa, a participação do cidadão só ocorre para eleger o líder. O único
controle que o cidadão, geralmente, tem sobre os seus líderes é o de substituí-los
por líderes alternativos nas eleições. A participação não possui papel especial ou
central. Basta um número suficiente de cidadãos para manter a máquina eleitoral, os
arranjos institucionais funcionando satisfatoriamente, e um número reduzido de
líderes, ativos e decididos, para conter efetivas tentativas de controle do poder por
parte do povo.
A competição, de fato, é só entre os líderes pelos votos. Sendo assim, a
participação limitada e a apatia são positivas: amortecem o choque das
discordâncias, dos ajustes e das mudanças. A democracia para o povo se resume
ao direito de figurar como meros peões, manipuláveis e manipulados, no grande
tabuleiro da disputa do poder pelas classes dominantes. A garantia de igualdade e a
liberdade não passam de engodo. Quanto menos o povo se tornar crítico, mais fácil
é a aplicação de táticas e práticas alienantes. Nesses termos, é possível inferir que,
no caso brasileiro, a democracia participativa, na realidade fomenta o processo
ideológico alienante e intencional, arraigado desde os primórdios da nossa história.
78
Nesse contexto, a escola e a educação, sobretudo a pública, cada vez mais
universalizada, como se encontra formalmente estruturada, mantida e controlada
pela classe dominante, pelo e a serviço do capitalismo, atuam eficazmente na
manutenção e intensificação do status quo que divide a sociedade entre explorador-
explorado, opressor-oprimido. Daí podermos argumentar que a política e a educação
são esferas inextrincáveis, tanto que separá-las de forma ingênua astuta, não é
somente um ato irreal, mas perigoso (FREIRE, 2001a).
Isso se concretiza porque a classe dominante sabe que é na escola que mora
“[...] o segredo da força mantenedora dos preconceitos patrióticos, das convenções
sociais, das superstições e dos dogmas religiosos". Por isso, o Estado e a Igreja
disputaram ferrenhamente, e ainda disputam, o controle da instrução do povo, tendo
ambos por objetivo a formação de mentalidades adaptadas aos seus interesses de
classe, pois é nas escolas, sobretudo nas mantidas pelo Estado “[...] que se
amoldam e se mutilam as consciências das classes populares”. Nelas, cultiva-se e
cultua-se a atrofia da razão e são incutidas nas “[...] crianças das classes
subalternas às mentiras patrióticas e religiosas” (PENTEADO apud CARRÃO, 1997,
p. 2).
Assim se cria a subordinação intelectual, conceito utilizado por Antônio
Gramsci (1891-1937), para mostrar sua visão da dimensão ideológica da dominação
de classe na sociedade capitalista, a dominação econômica, em que os Estados
usam seus aparelhos para manter as classes subalternas alienadas quanto aos
pensamentos ideológicos, crenças sedimentadas historicamente que compõem a
base de todos os atos, ações e condutas humanas, cuja ideia que se faz verdadeira
pelos eventos, mas que, não obstante, camufla e perpetua a ação autoritária,
desrespeitosa, injusta e solidifica, sobretudo, a desigualdade (CARRÃO, 1997).
Cabe registrar que o Estado brasileiro, pautado nos paradigmas da democracia e
tendo por base as teorias modernas da educação praticadas no exterior, divulgadas
a partir da década de 1980, reestruturou as suas políticas educacionais, implantando
o conceito de escola democrática, fundamentada no diálogo como reflexão para a
ação. A Lei n. 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases, traz em seu artigo 27, Inciso I, que
a educação básica se incumbirá da “[...] difusão de valores fundamentais ao
interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à
ordem democrática”; e, no artigo 35, Inciso III, prevê que o ensino médio deve se
incumbir do “[...] aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
crítico”. (BRASIL, 1996). Não se pode negar que legalmente a educação brasileira
verdadeiramente atingiu conotação democrática.
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Entretanto, ingênuo seria imaginar que somente porque a lei preconiza,
determina e impõe as coisas se efetivam. Não é bem assim que, de fato, as coisas
ocorrem em qualquer área, muito menos na educação. Não se arranca de uma hora
para outra, como passe de mágica, o que se arraigou ao longo de séculos. Freire
(1989) explica com muita clareza os precedentes históricos, sociais e econômicos
que culminaram no que ele denominou de “inexperiência democrática” e caracterizou
como mutismo, submissão, intransitividade, alienação. O Brasil nasceu e cresceu
sob forças fortemente predatórias: exploração econômica do dominador, que não
somente era senhor das terras, mas também das gentes. Ao colonizador interessava
apenas a extração das riquezas da nova colônia e nenhuma forma de criação de
uma civilização. Os poucos colonos que aqui fixaram residência não se interessaram
em integração.
A constituição de grandes propriedades separadas por muitas léguas
favoreceu o fechamento das comunidades em si próprias, sob a proteção dos todo
poderosos senhores e o desenvolvimento da cultura do mandonismo-dependência,
das soluções paternalistas da dominação e do mutismo nacional. Nessas
circunstâncias, a autoridade externa e dominadora encontrou abrigo. Sem condições
favoráveis não surgiram centros urbanos com classe média, lastro econômico
razoável, criados pelo povo e por ele governados. Não floresceu em nossa cultura o
senso de participação nos problemas comuns, a consciência criadora e livre, o
autogoverno e as “[...] disposições mentais flexíveis capazes de levar o homem”
(FREIRE, 2003, p. 68), a sobrepor os interesses privados pelos públicos e
desenvolver o senso de solidariedade social e política. A sabedoria democrática que
se forma quando uma sociedade se faz com as próprias mãos não se formou. Ao
contrário, cristalizaram-se o poder exacerbado e a submissão, que negou ao povo
brasileiro o experimento da criticidade, a participação na vida econômica e política
da colônia, as trocas de experiências. O homem pobre brasileiro desenvolveu um
“quase gosto masoquista” de se permanecer ajustado, acomodado e não integrado
(FREIRE, 1989, p. 74).
Daí a nossa falta de aspirações democráticas. Cristalizamo-nos como uma
sociedade escravocrata, sem povo, antidemocrática, dividida social e
economicamente entre uma minoria escandalosamente rica, autoritária e
exploradora, e uma maioria esmagadoramente miserável, submissa, ajustada e
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acomodada ao assistencialismo e ao paternalismo, imperando o “carneirismo”: os
lobos que se acostumaram aos privilégios e carneiros se ajustaram/acomodaram por
falta de opção ou por estratégia de sobrevivência.
No contexto educacional as condições foram mais que propícias para a
atuação da escola tradicional, que “[...] mata o poder criador não só dos educandos,
mas também do educador” (FREIRE, 1983, p. 69), e ao matá-los, destrói toda e
qualquer possibilidade de desenvolvimento de democracia humanizadora, porque
deixa resquícios em professores e alunos por ela formados, os quais podem transitar
em todos os contextos sociais. Sobretudo nos cursos de pedagogia e de
licenciaturas, a atuação tradicional influencia fortemente a formação voltada para o
autoritarismo, para a mera transmissão do conhecimento, para o antidiálogo, para a
garantia de resultados, dificultando a fomentação da criticidade democrática. Assim,
a educação tradicional frutificou entre nós, porque a nossa sociedade não conseguiu
fomentar a sua própria democracia, a democracia que:
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agir educativo quase inteiramente ‘florido’ e sem consonância com a
realidade (FREIRE, 2003, p. 47, grifos nossos).
13 REFERÊNCIAS
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BONI, V.;QUARESMA, S. J. Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas em
ciências sociais. Em Tese, Florianópolis, v. 2, n. 1, p. 68-80, jan. 2005. Disponível
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SOARES, R. M. F. Sociologia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2012.
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