Resumos Infernal
Resumos Infernal
Resumos Infernal
REALIZAÇÃO:
Studiolo – Grupo de estudos em História da Arte da Antiguidade à Primeira Época Moderna
Lapehme – Laboratório de Pesquisa e Estudo de História Medieval
Meridianum – Núcleo Interdisciplinar de Estudos Medievais
Virtù – Grupo de História Medieval e Renascentista
APOIO:
ORGANIZAÇÃO:
Coordenação e Organização Geral:
Dra. Aline Dias da Silveira (UFSC)
Dr. Edison Bisso Cruxen (UNIPAMPA)
Dr. Francisco de Paula Souza de Mendonça Junior (UFSM)
Dra. Tamara Quírico (UERJ)
CONFERÊNCIAS .............................................................................................................. 11
COMUNICAÇÕES ............................................................................................................ 13
V SEMANA INFERNAL
PROGRAMAÇÃO COMPLETA
18/10
CONFERÊNCIA DE ABERTURA – 9:30h
Mediação: Francisco Mendonça Jr.
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=_9hOc8dRs4Q&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=2
1. CÉUS, INFERNOS E OUTRAS UTOPIAS NOS ANDES COLONIAIS – Bruna Maria Freitas de Sousa
5. BRUXARIA E FEITIÇARIA NOS TRIBUNAIS REAIS CASTELHANOS – Lucas Vieira de Melo Santos
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=9nURPpeYHgw&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=3
3
MESA 2: Representações visuais do Mal – 16:30 às 18:30h
Mediação: Tamara Quírico
4. O PACTO DIABÓLICO NAS IMAGENS DO COMPENDIUM MALEFICARUM – Amanda Gudin Paiva Maia
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=KxIL2EkHJOI&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=4
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=SpTzvR0_2o0&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=5
4
19/10
MESA 4: Medievo I – 8 às 10h
Mediação: Edison Cruxen
1. NOTAS SOBRE A EFETIVIDADE DOS MALEFICIAE NA IDADE Média – Arthur Klik de Lima
3. QUE SEUS MEMBROS DERRETAM COMO ESTE CHUMBO: RITUAL E RELAÇÕES SOCIAIS NAS
DEFIXIONUM TABELLAE MOGONTIACENSES – Jessica Brustolim
5. CHAMA O TEU VULGO MALVADÃO: BRUXAS E HEREGES COMO CÚMPLICES DE SATÃ – Juliana
A. Pereira e Adrienne P. Cardoso
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=SSuoOEjBPdA&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=6
1. “HEI DE DESCER AOS INFERNOS DA ARTE PARA DE LÁ TRAZER A VIDA”: FRENHOFER VISITA
PLÍNIO – Antônio Barros
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=_wiKBLy8Iu4&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=7
5
MESA 6: Brasil I – 14 às 16h
Mediação: Richard Gomes
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=oogUlPbC5n0&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=8
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=41nTw2fKmSA&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=9
CONFERÊNCIA – 19h
Mediação: Tamara Quírico
ARTE SACRA AFRO-BRASILEIRA FRENTE À ICONOCLASTIA CRISTÃ – Prof. Dr. Arthur Valle
(Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=14ku-7fygx4&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=10
6
20/10
MESA 8: Medievo II – 8 às 10h
Mediação: Éderson Vasconcelos
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=biqYWIPbbwM&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=11
5. O PODER DOS DEMÔNIOS: UMA COMPARAÇÃO DOS DISCURSOS DE JEAN BODIN E JEAN DE NYNAULD
ACERCA DA ATUAÇÃO DEMONÍACA NA METAMORFOSE EM LOBO – Gabriela Pereira da Silva
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=TGgw6T5VLAU&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=12
7
MESA 10: O feminino – 14 às 16h
Mediação: Aline Dias da Silveira
2. A MALDIÇÃO DE SER MULHER: O ARQUÉTIPO DA BRUXA NO ROMANCE HEX – Ana Laura Arnhold
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=C6LLg3-UkhQ&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=13
1. SOMOS AS NETAS DAS BRUXAS: REFLEXÕES SOBRE A CAÇA ÀS BRUXAS NA MEMÓRIA CULTURAL
A PARTIR DE MANIFESTAÇÕES POLÍTICAS E DA BRUXARIA CONTEMPORÂNEA – Raisa Sagredo
5. QUANDO A TERRA E O FOGO SEM FUMAÇA SE AMAM: SOBRE O CASAMENTO ENTRE JINNS E
HUMANOS – Felipe Freitas de Souza
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=RH3g5NkA7vk&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=14
CONFERÊNCIA – 19h
Mediação: Aline Dias da Silveira
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=1F_2Co0ODo4&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=15
8
21/10
CONFERÊNCIA – 10h
Mediação: Edison Cruxen
ASSASSINATOS MÁGICOS E PACTOS DIABÓLICOS NO SÉCULO XIV – Prof. Dr. Carlos Roberto
Figueiredo Nogueira (Universidade de São Paulo)
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=LS3gXP1mQbw&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=16
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=pzqBZRdjsJU&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=17
9
MESA 13: Literaturas – 16:30 às 18:30h
Mediação: Amanda Maia
4. AS REINTERPRETAÇÕES DOS MITOS: UMA RESENHA SOBRE CAIM – Débora Zai Potulski
5. O(S) DIABO(S) NOS CONTOS DE GRIMM: ENTRE O MEDIEVALISMO E O POEMA “PARAÍSO
PERDIDO”, DE JOHN MILTON – Gabriel Dante da Silva Monteiro
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=TvnvEjJ98lc&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=18
O DIABO MORA NOS TRÓPICOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA GRAVURA INFERNAL NA TERCEIRA
PARTE DA AMÉRICA DE THEODOR DE BRY – Prof.ª Dr.ª Maria Berbara (Universidade do Estado
do Rio de Janeiro)
Link de transmissão:
https://www.youtube.com/watch?v=v48wD0CCgQw&list=PLdlzR31cc2ocpZQ_Z9YmoKzLUXSxYiA2E&index=19
10
CONFERÊNCIAS
O DIABO MORA NOS TRÓPICOS: CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA GRAVURA
INFERNAL NA TERCEIRA PARTE DA AMÉRICA DE THEODOR DE BRY
Prof.ª Dr.ª Maria BERBARA (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
No décimo sexto capítulo de sua Viagem à Terra do Brasil, publicada pela primeira vez em
1578, o huguenote Jean de Léry descreve como os habitantes originais da costa do atual Brasil
– os “selvagens da América” – eram afligidos por um “espírito maligno” chamado Kaagerre,
ou Ainham: “E afirmavam que o viam realmente ou sob a forma de um quadrúpede, ou de uma
ave ou de qualquer outra estranha figura. Admiravam-se muito quando lhes dizíamos que não
éramos atormentados pelo espírito maligno e que isso devíamos ao Deus de quem tanto lhes
falávamos, pois, sendo muito mais forte do que Ainhan, lhe proibia fazer-nos mal”. No terceiro
volume de sua série América, o grande editor protestante Theodor de Bry incluiu uma imagem
destinada a ilustrar essa passagem; nela, dois europeus e um Tupi dialogam sobre o que parece
ser uma horda de demônios atacando impiedosamente uma aldeia indígena. Nesta apresentação
serão tecidas algumas considerações sobre a percepção de entidades malignas na intersecção
entre as culturas cristã e Tupi na segunda metade do século XVI. De que maneira essas culturas
projetavam seus próprios demônios uma sobre a outra? Como esses conceitos eram traduzidos,
interpretados e visualizados? Como se operavam negociações transculturais a partir de noções
de malignidade espiritual em um contexto colonial?
11
COMO ESCAPAR DO INFERNO: PACTOS E RITUAIS MESOPOTÂMICOS
Prof.ª Dr.ª Kátia M. P. POZZER (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Essa intervenção discutirá atos recentes de iconoclastia contra a arte sacra ligada a contextos
religiosos afro-brasileiros. Promovida principalmente por denominações cristãs, essa
iconoclastia religiosa contemporânea tem pontos em comum, mas também diferenças
significativas, com relação a outros movimentos iconoclastas verificados no período dito
medieval ou no começo da chamada era moderna. Em particular, ela reforça uma tradição
racista que estrutura a sociedade brasileira desde tempos coloniais e afronta o direito
constitucional à liberdade religiosa, demandando uma análise crítica sobre suas motivações e
consequências.
Conjurar demônios com o objetivo de expulsá-los do corpo de uma pessoa possuída é, dentro
da linha de Salomão e de Cristo, uma prática lícita dentro do mundo cristão medieval e um
ofício exercido depois do século III pelo exorcista da Igreja. De toda forma, o período dos
séculos XII-XV é marcado no Ocidente pela introdução e a circulação de um número cada vez
mais importante de textos (majoritariamente em latim, secundariamente em vernáculo) visando
a conjurar ou invocar os demônios tendo como objetivo não mais lhes fazer fugir, mas lhes
obrigar a satisfazer uma multitude de desejos, do conhecimento do futuro ao feitiço de amor ou
de ódio. Estes textos, por vezes sob a forma de verdadeiros tratados aos quais se deram um
estatuto científico, definiram os rituais que oferecem ao conjurador, frequentemente qualificado
como “mestre” ou “exorcista”, um “poder informal” que é cada vez mais considerado, a partir
do século XIV, como uma ameaça pelas autoridades eclesiásticas, referido como tal na
categoria de heresia e aplicável ante os tribunais, o que fez aparecer os “nigromantes” ou os
“invocadores de demônios” em número cada vez maior nas fontes. Essa conferência consistirá
assim em apresentar em linhas gerais essa tradição mágica específica e, com ajuda de alguns
exemplos tirados dos manuscritos, as práticas que ela funda, tudo para colocar a questão de sua
relação com a norma religiosa (tanto no plano teológico quanto no litúrgico) e com a atualidade
judiciária no fim da Idade Média.
12
COMUNICAÇÕES
PACTOS DIABÓLICOS E RITUAIS INDÍGENAS EM BELÉM
Doutoranda Gilmara Cruz de ARAÚJO (PPGHS-USP)
Orientador: Prof. Dr. Pedro Puntoni
E-mail: [email protected]
Este trabalho objetiva apresentar análises e reflexões sobre dois casos de práticas mágicas indígenas
(em Belém/Grão-Pará no século XVIII) que foram associadas ao pacto diabólico. O primeiro caso é
referente ao índio Alberto Monteyro que, ao comparecer à mesa inquisitorial, confessou fazer pacto
com o Diabo para conseguir realizar um desejo pessoal, que envolvia dormir com uma mulher. O
segundo é sobre os rituais realizados pela Ludovina Ferreira, que aparece nos documentos
inquisitoriais – e na carta do Frei Diogo – como uma mulher que tinha pacto implícito com o Diabo
e realizava bailes com suas discípulas na floresta, cantando em língua estranha, fazendo viagens
noturnas, evocando o bode e coabitando com o Diabo. Os documentos analisados são algumas
confissões e denúncias relativas à Visitação do Santo Ofício à região do Grão-Pará e à carta do Frei
Diogo, enviada aos inquisidores em Lisboa. A análise aqui referida será feita através do método
Paradigma Indiciário do autor historiador Carlos Ginzburg – que sugere uma investigação a partir de
indícios e uma análise minuciosa dos dados – e terá como apoio os estudos – sobre a existência de
diversas historicidades múltiplas que se interconectam – do autor historiador mexicano Federico
Navarrete Linares e seu conceito de Cosmohistória.
Como salientou o historiador da arte Ernst Gombrich, o demônio foi figura mítica comum na
linguagem política à época moderna. Nesta comunicação, trataremos da imagem do demônio em
obras emblemáticas. Para selecionar as imagens aqui estudadas, fizemos uso da Enciclopedia Akal de
Emblemas Españoles Ilustrados, ferramenta publicada em Madrid no ano de 1999, onde estão
compilados 1732 emblemas. Investigamos algumas imagens (entendidas aqui como também
pertencente ao campo lexical, além do visual) acerca da figura mítica demonológica presente em
alegorias de livros de emblemas e empresas referentes à Monarquia Espanhola do final do século XVI
(publicação do livro de Juan Borja, em 1581) até a segunda metade do século seguinte, cobrindo parte
do conhecido “Século de Ouro espanhol”, no que diz respeito as produções letradas e artísticas em
geral. Apresentaremos as formas e a significância do demônio numa pedagogia política que circulou
em larga escala.
13
A MALDIÇÃO DE SER MULHER:
O ARQUÉTIPO DA BRUXA NO ROMANCE HEX
Doutoranda Ana Laura ARNHOLD (UNIJUÍ)
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Simone Vione Schwengber
E-mail: [email protected]
O romance HEX (2018), de Thomas Olde Heuvelt conta a história de Black Spring, uma cidade
amaldiçoada por uma bruxa que fora condenada à fogueira há 300 anos, mas que, de algum modo,
ainda perambula pela cidade. Graças à tecnologia HEXApp, é possível que os moradores
acompanhem o trajeto da bruxa, a fim de evitar contato, ou possibilitar hostilizações planejadas.
Katherine van Wyler vaga sem rumo com os olhos e a boca costurados e, mesmo em uma situação de
aparente fragilidade, ainda desperta medo e repulsa aos moradores. Pretendemos realizar a análise
narratológica pós-genettiana, identificando características de demonização da mulher, das
associações da bruxaria e do feminino, e da hostilização de sujeitos marginalizados que ainda ocorre
na sociedade contemporânea, representada por Black Spring no romance HEX. É possível perceber
já em breve leitura, que Katherine van Wyler, apesar de perigosa, é uma mulher fragilizada. Ter a
boca costurada, para evitar que rogue maldições, simboliza também um silenciamento histórico que
se mantém mesmo após 300 anos. Acreditamos que o romance literário, em especial HEX (2018),
pode contribuir acerca das problematizações sobre a constituição do arquétipo da bruxa, levando em
consideração o comportamento, o contexto sociocultural, e a aparência da mulher.
Palavras-Chave: História e Cinema; História das Religiões; Satanismo Religiosos; Horror Satânico.
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ESPÍRITO DA MALDADE REALIZE MEUS DESEJOS
Doutoranda Andressa Guimarães BARBOSA (UFRRJ)
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Luciana Mendes Gandelman
E-mail: [email protected]
Quando a religiosa professa Joanna Maria de Nazaré se sentou à messa da Inquisição de Lisboa pela
segunda vez no ano de 1719, ela levava consigo um papel escrito com sangue, e nele prometia sua
alma ao demônio em troca da realização de seus desejos. A relação que a religiosa estabeleceu com
o demoníaco, nessa que foi sua terceira tentativa de pacto, teve profundas relações com a maneira
como a ela lidava com a própria sexualidade. Ao longo do processo, Joanna confessa o pacto e as
consequências advindas dele, uma sequência de relações sexuais com o demônio que ela teria mantido
durante alguns meses. Apesar de o imaginário moderno possuir vários relatos que contavam sobre
relações carnais entre demônios e humanos, era incomum que os relatos fossem espontâneos e
trazidos por aqueles que alegavam terem mantido tais relações. Nesse sentido, a presente proposta
pretende analisar a relação entre sexualidade e pactos demoníacos, analisando o caso específico desta
religiosa portuguesa que encontrou no demônio um caminho para realizar os desejos que a Igreja
condenava.
Há trabalhos ficcionais que se tornaram verdadeiros desafios teóricos de compreensão da arte, seu
fazer, sua historiografia. Um desses mais famosos e ainda relevantes é o conto balzaquiano “A Obra-
prima Ignorada”, publicado em 1832. Nele o jovem Poussin busca maiores conhecimentos sobre a
arte da pintura mirando seu lugar no Olimpo dos artistas. E acaba sendo apresentado a uma figura
extraordinária: mestre Frenhofer, um sumo pintor que chegou aos limites da compreensão estética.
Todavia, o primeiro encontro entre eles termina justamente no momento em que Frenhofer afirma,
em delirantes elucubrações, que para ele finalizar sua obra-prima lhe falta é “Tal como Orfeu (…)
descer aos infernos da arte para de lá trazer a vida.” E é neste momento, em que o mestre já não ouve
nem vê ninguém, que o jovem é introduzido à existência de um mistério da arte. Para além do sentido
mitológico da menção a Orfeu, pode-se traçar um sentido histórico de outras produções ficcionais
que também se tornaram paradigmas de teorias artísticas, a partir da sugestão de descida ao inferno –
caracterizando um topos literário. Considerando o tema desta V Semana, propomos então revisar esse
topos questionando: não haveria para além dessas descidas artísticas ao inferno, um inferno
propriamente das obras de arte? Didi-Huberman, em estudo dedicado ao conto de Balzac, não deixou
de notar como parte de seu mistério encontra ressonância na historiografia da arte de Plínio, o Velho.
Partindo desse antecedente, visamos repensar, dialeticamente, a conclusão do conto com a
invisibilidade pliniana infernal e assombrosa.
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A REPRESENTAÇÃO DO DIABO E DO PACTO DEMONÍACO NO “LIVRO DE SÃO
CIPRIANO: O THESOURO DO FEITICEIRO”
Mestra Inês Teixeira BARRETO (PUC-SP)
E-mail: [email protected]
O “Livro de São Cipriano” é uma obra portuguesa sobre magia, publicada no final do século XIX. É
um receituário que compila feitiços, instruções de divinação do futuro, procedimentos de exorcismos
e desencanto de tesouros. Possui influência dos grimórios medievais europeus, mas também absorveu
outros temas do catolicismo português. Um dos aspectos que mais se destaca na obra é a constante
presença dos nomes e das entidades consideradas demoníacas, que seriam subservientes a São
Cipriano, já que antes de se converter ao Cristianismo, o santo teria atuado como um sacerdote pagão
e feiticeiro. O presente trabalho traz a análise da história “Os Prodígios do Diabo: História Verdadeira
Acontecida no Reino da Galiza”, da edição Thesouro do Feiticeiro, publicada por volta de 1890, em
Lisboa. A narrativa conta as aventuras de Victor Siderol, que é instruído pelo Diabo a usar o Livro
de São Cipriano para encontrar tesouros escondidos. Abordaremos a representação do Diabo no Livro
a partir dessa narrativa, e como ela dialoga com as tradições orais portuguesas. Traremos, também,
como as visões da cultura popular sobre as figuras demoníacas diferem das concepções de
demonólogos e da chamada cultura letrada, representando o Demônio como um ser mais próximo
dos humanos e de seus problemas cotidianos.
O presente trabalho faz parte de pesquisa de doutorado em andamento e tem como objetivo apresentar
os rituais relacionados a aplicação da pena de morte natural no Brasil durante o seu período colonial.
As práticas que precediam até três dias antes do momento da execução estavam relacionadas à
determinações estabelecidas pela justiça e prescrições religiosas que tinham como objetivo dar
visibilidade à punição do transgressor – organizando as execuções públicas como um grande
espetáculo –, mas que também cuidavam de preparar o padecente física e espiritualmente para a
morte. Deste modo, apresentarei os rituais desenvolvidos no Brasil ao longo do seu período colonial,
fazendo um paralelo com elementos de práticas de execuções realizadas na Europa durante a Idade
Moderna. Além disso, serão indicados também cuidados e rituais desenvolvidos após a morte do
justiçado.
Palavras-chave: pena de morte; rituais; execuções; condenados; morte natural; Brasil colonial.
16
O MEDO DA MORTE E A “PERCA DA ALMA” NA IDADE MÉDIA
Mestra Luzia Fernanda BIAZOTTO (UEM)
E-mail: [email protected]
O estudo da Idade Média pode ser feito sobre vários aspectos, sejam eles sociais, econômicos ou
religiosos. Permeada por várias visões que foram sendo construídas ao longo dos séculos, sabe-se que
neste período, o medo imperava de diversas formas, envolvendo não apenas fatores reais, como a
fome, pestes e guerras, mas também ligado ao imaginário, principalmente a perspectiva de perca da
alma após a morte bem como do inferno. Neste artigo, pretende-se discorrer sobre a perspectiva do
medo na sociedade medieval, discutindo as formas reais de insegurança que ocorriam no cotidiano e
como medo da morte permeava, como medo real para as pessoas daquele período. Será utilizada para
esta pesquisa a metodologia de revisão bibliográfica, buscando-se fazer uma análise também da
importância da alma e a religiosidade para aquela sociedade.
O processo de expansão do cristianismo na Idade Moderna foi marcado pela presença de interpretações
“etnográficas” das populações autóctones de América, Ásia e África. Os missionários das ordens
dominicana e jesuítica foram os principais responsáveis pelos relatos de como se faziam ritos e quais
seriam os mitos dos indígenas na América, com os primeiros exemplos sendo aqueles de Bartolomé de
Las Casas (1488- 1566) e de Joseph de Acosta (1540-1600). O primeiro, um dominicano que atuou
tanto na América, quanto na Corte espanhola “em defesa dos indígenas” (segundo o próprio), tem
alguns trabalhos reconhecidos como pioneiros no relato das “religiões ameríndias”, principalmente na
Historia de las Indias e na Apologética historia sumaria. O segundo, um jesuíta que é identificado
como um dos principais responsáveis pelas concepções em etapas do progresso religioso da
humanidade, tem na Historia natural y moral de las Indias um dos principais relatos etnográficos dos
indígenas no século XVI, que fica claro em seu subtítulo: “En que se tratan de las cosas notables del
cielo / elementos / metales / plantas y animales delas y los ritos / y cerimonias / leyes y gobienos de los
indios”. Em ambos os autores, várias concepções sobre os ritos, cerimônias e mitos das populações
ameríndias aparecem interpretados numa chave “diabólica”, numa espécie de “diabo intercultural”, que
foi a forma utilizada pelos europeus para interpretar os indígenas no contexto do Humanismo do século
XVI (Gasbarro 2009). Essas interpretações “diabólicas”, ou seja, que encarnam uma “rede lascasiana”
de olhar aos indígenas (Bernand e Gruzinski 1988), movimentaram o processo de justificativa do
“império simbólico” (Gasbarro 2011) cristão no encontro entre indígenas e europeus. O objetivo de
nossa pesquisa é, portanto, entender como esses elementos religiosos – que buscam controlar os
desviantes de outras culturas na norma religiosa europeia (Prosperi 2013) – foram fundamentais para a
expansão política propiciada a partir do conceito de Império, principalmente no contexto espanhol – no
qual Las Casas atuou diretamente, e Acosta atuou indiretamente. Além dos já citados, foram utilizados
nessa pesquisa as referências de Adone Agnolin (2005, 2007, 2013, 2015, 2021), Cristina Pompa (2002,
2003, 2006) e Paula Montero (2006 e 2011).
17
QUE SEUS MEMBROS DERRETAM COMO ESTE CHUMBO:
RITUAL E RELAÇÕES SOCIAIS NAS DEFIXIONUM TABELLAE MOGONTIACENSES
Mestranda Jessica BRUSTOLIM (USP)
Orientador: Prof. Dr. Júlio Cesar Magalhães de Oliveira
E-mail: [email protected]
Defixionum Tabellae, ou tabuletas de maldição, são, de modo geral, pequenos textos inscritos em folhas
de chumbo que buscam obter a intervenção de deuses, demônios ou outros seres sobrenaturais, como
espíritos, em situações de conflito contra um inimigo conhecido ou não. Frequentemente, os principais
estudos sobre essas fontes focam em compreender suas estruturas linguísticas e suas fórmulas mágicas,
ignorando ou tratando os aspectos sociais da produção dessas fontes como secundários. Por natureza,
as tabuletas de maldição podem ser consideradas uma prática popular, uma vez que utilizam um suporte
barato e abundante (o chumbo), não demandam um conhecimento formal do latim e, por serem feitas
em segredo, podem contradizer ou flexionar normas e hierarquias sociais. Assim, por meio de uma
tradução e leitura crítica, além da tabulação dos dados e uma análise onomástica, o objetivo desta
comunicação é analisar o corpo documental proveniente da antiga Mogontiacum romana (a atual cidade
de Mainz, na Alemanha), produzido por volta de 132 EC, para analisar o ritual de deposição dessas
maldições, além de compreender as diferentes relações sociais, os motivos e punições almejados nessas
fontes. A partir desses elementos, defende-se a hipótese de que as maldições são um recurso de
empoderamento para certas pessoas em relações assimétricas de poder.
O presente trabalho tem como objetivo analisar o modelo de comportamento que a Igreja Católica
medieval transmitia através da representação de Lúcifer no Inferno, a partir do documento titulado
Visão de Túndalo. Este cavaleiro medieval que vivia nos pecados da carne, chega a um banquete,
mas passa mal e fica três dias em suspensão, nesse momento, sua alma é conduzida por um Anjo da
Guarda para uma viagem imaginária, onde ele visita três espaços do Além-Túmulo: o Inferno,
Purgatório e Paraíso. No Inferno ele vê as paisagens terríveis e prova alguns sofrimentos
momentâneos em seu corpo, devido aos seus pecados cometidos na terra. Ao chegar diante de Lúcifer,
principal tema de nossa análise, ele vê lugares e sente sensações que afetam seus sentidos mais que
qualquer outro espaço infernal. A figura demoníaca do Príncipe das Trevas e senhor do Inferno lhe
causa profundo impacto, já que ele é um ser híbrido unindo partes de animais e partes de homens
tinha aparência assustadora, além de ser atormentado pelos demônios ele era o responsável pelos
piores tormentos na Visio. Já que sua conduta terrena era pecaminosa, Túndalo, tem uma reação única
não antes vista até esta parte do manuscrito. Em seguida, vai ao Paraíso e toma conhecimento dos
espaços que podem ser considerados como Pré-Paraíso. Nesse lugar vê belezas e os sofrimentos
consideravelmente aliviados em comparação ao Inferno e Purgatório. Em seguida, Túndalo é
conduzido pelo ser celestial aos Muros do Paraíso (Prata, Ouro e Pedras Preciosas) onde vislumbra
as almas eleitas. O objetivo destacado na própria fonte primária é de exemplificar a mudança de vida
por meio do personagem principal, para que este seja usado como meio de doutrinação a todos aqueles
que tivessem contato com este manuscrito, com o objetivo de transmitir os ideais da Igreja Católica
Romana. Os autores que darão base teórica com o objetivo de se compreender a lógica do Além
Medieval e o que a Igreja queria transmitir, especificamente e o contexto de produção da Visão de
18
Túndalo são: Le Goff (2002), Schmitt (2006), Baschet (2006, 2002). A metodologia utilizada foi um
estudo bibliográfico sobre os conceitos de Além, Inferno e salvação, estudos sobre a figura de Lúcifer
e o que intentou-se transmitir através desta construção e a análise documental da tradução portuguesa
do manuscrito Visão de Túndalo (244).
Monstros nos assustam, amedrontam, espantam, mas, acima de tudo, nos fascinam. Olhamos com
curiosidade para esses seres com corpos amorfos, incongruentes, inquietantes. Assim como eles
habitam a literatura contemporânea, sobretudo a de horror, os monstros também povoam inúmeras
literaturas medievais, habitando as terras longínquas, a noite sombria, as margens dos manuscritos,
ou seja, lugares marginais, não canônicos. Percebemos a “monstrificação” como recurso para
expurgar o que é indesejável nas sociedades medievais. Partindo das ideias do medievalista Jeffrey
Cohen, poderíamos conhecer uma cultura por meio dos monstros que ela cria, pois, ao mesmo tempo
que o monstro é odiado e ostracizado, ele é desejado. Seguindo essa linha, no presente trabalho, nos
propomos a refletir sobre o lugar dessa monstruosidade na Idade Média, não necessariamente
oferecendo uma resposta estrita, mas fornecendo ponderações sobre como pensar o Medievo pelo
viés da monstruosidade, nos valendo das considerações de Cohen, Bettina Bildhauer, Robert Mills,
entre outros, e de algumas narrativas e imagens medievais.
Esta apresentação pretende fazer uma espécie de “estudo de caso”, a partir da leitura de um texto da
coleção dos Papiros Gregos Mágicos. Tal coleção reúne rituais e operações mágico-religiosas que
foram registradas em papiros entre os séculos II a.C. e V d.C. em diversas regiões do Egito. Neles,
encontramos feitiços para várias finalidades, tais como amarrações para o amor, divinações de vários
tipos e formas de obter um daimon assistente. Dentre os rituais do último tipo, um deles se destaca:
PGM I. 42 – 195, intitulado “O feitiço de Pnouthis, o escriba sagrado, para obter um assistente”.
Trata-se de um feitiço com enormes vantagens para o praticante, que estabelecerá uma relação com
um daimon capaz de atrair pessoas, fornecer prata e ouro, matar e até mesmo congelar rios e mares
para o mortal atravessar. Porém, há um pequeno detalhe no texto: o praticante, ao morrer, terá sua
alma levada pelo daimon. Analisaremos o feitiço considerando sua forma, seu contexto e sua relação
com outros rituais semelhantes da coleção.
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A CATEGORIA DE SERES HÍBRIDOS: UMA POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA
INTERAÇÃO E DA FUSÃO DE TEMPORALIDADES E CULTURAS
Prof. Dr. Daniel Lula COSTA (UFSC)
E-mail: [email protected]
O objetivo desta comunicação é apresentar o conceito de seres híbridos enquanto uma ferramenta
analítica que possibilita o estudo do entrelaçamento de temporalidades e de culturas antigas e
medievais em relação à experiência com a natureza e o mito. Diante disso, analiso os elementos da
Commedia de Dante Alighieri, obra escrita no século XIV, especificamente sua primeira parte,
Inferno, que apresenta seres que podem ser pensados e analisados por meio do conceito de seres
híbridos. Entendo esses seres como detentores de hibridez de temporalidades que anunciam a
confluência entre mundos passados, presentes e expectativas de futuros, que pode ser acessada por
meio de sua alegoria, tal qual o conceito de Walter Benjamin. Além disso, penso os híbridos para
além de uma conexão de variadas espécies em um mesmo corpo, mas também a manifestação de
pluralidades culturais e de temporalidades diante de uma cultura de presença (GUMBRECHT, 2010).
Por isso, compreender o hibridismo sob esta ótica permite que entendamos os movimentos e as
experiências de interconexões culturais, espaciais e temporais manifestadas nos vestígios da interação
de saberes de uma Idade Média conectada.
Ao longo da história da humanidade, diversos foram os conceitos e definições do que seriam deuses
e demônios, e de quais seriam suas influências sobre a humanidade. Tais definições variam de forma
importante dependendo da época, do local e de quais são os autores que estão definindo estes termos.
Com o advento do monoteísmo como modelo religioso dominante, observou-se também que diversos
deuses de povos panteístas foram transmutados em demônios, sob a roupagem de adversários que
desafiavam o poder do “deus verdadeiro” ou ludibriavam as pessoas fazendo se passar por deuses.
Este artigo de revisão bibliográfica tem como objetivo traçar uma breve linha do tempo acerca das
definições de demônios ao longo da história da humanidade, bem como analisar quais seriam as
definições mais utilizadas em cada época e cultura, por exemplo como adversários que desafiam o
status quo religioso e/ou político. Também são analisadas as demonizações modernas e
contemporâneas que vêm sendo realizadas por grupos opositores a temas como o comunismo, as
vacinas, a eletricidade, e até mesmo a internet, inclusive adotando modelos similares aos que foram
observados nos processos de demonização do passado.
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A ORIGEM DO PACTO DEMONÍACO EM “GRANDE SERTÃO: VEREDAS”
E EM “O RETRATO DE DORIAN GRAY”:
UM PARALELO ENTRE DUAS VARIAÇÕES DO MITO FÁUSTICO
Graduanda Selena Sales DIAS (UFF)
Orientador: Prof. Dr. Pedro Süssekind
E-mail: [email protected]
O tema do pacto demoníaco fáustico é recorrente na literatura mundial desde o século XVI como uma
possibilidade de representar a falta de limite da insaciabilidade do homem moderno. Sua origem, não
provada de fato, vem de uma crença popular desenvolvida durante a vida de Johann Georg Faust, um
alquimista e astrólogo alemão que exerceu a arte da magia durante o Renascimento alemão. Faust
empenhou os seus esforços na conquista de um saber universal – a Pansofia – fazendo vários cursos
universitários. Frustrado com os resultados dos esforços humanos e cada vez mais obcecado com o desejo
de conhecer e descobrir novas coisas, ele teria feito um pacto de sangue com o diabo. Além de seus
estudos em magia, sua fama de charlatão e suas várias perseguições por autoridades locais, Faust teve
uma morte violenta e não natural, considerada pelo reformador Philipp Melanchthon como causada por
forças sobrenaturais, o que só aumentou as especulações mitológicas em seu entorno. O pacto fáustico,
apesar de suas muitas variações, quase sempre segue a mesma lógica: o personagem principal, em algum
momento de sua vida, passa por alguma experiência que o faz perceber o mundo de uma forma diferente;
com a percepção mudada, um questionamento se instala em seu ser. Esse questionamento é justamente o
que o colocará no caminho indelével que mudará definitivamente sua vida: o da encruzilhada com o diabo.
Como parte do acordo, há uma série de autorrealizações, conquistas nunca antes possíveis, experiências
inimagináveis e até a prolongação da vida. O personagem principal, após entregar sua alma para alcançar
– com sucesso – aquilo que o motivou a buscar o pacto, termina sua vida de uma forma trágica – doente,
afastado de sua grandeza, ou morto. O objetivo deste trabalho é, então, discutir a origem do pacto
demoníaco em “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, e “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar
Wilde, e a representação do diabo como o mal humano. Os dois romances são bons para pensar por que
suas narrativas apresentam aspectos fáusticos claros, como a construção de personagens irreverentes e
ambiciosos, a realização de pactos demoníacos, e trágicos e inevitáveis finais. O trabalho explorará mais
a fundo os aspectos fáusticos que perpassam a construção das duas narrativas, e realizará um paralelo
entre ambas as obras e variações do mito.
Palavras-chave: Dorian Gray; literatura; Grande Sertão Veredas; mito fáustico; pacto demoníaco.
O trabalho objetiva investigar os usos do passado na obra “A bruxaria hoje” (1954) de Gerald
Gardner, fundador da religiosidade Wicca. No livro em questão, o medievalismo é marcante como
via de legitimação, na finalidade de estabelecer a Wicca não somente como herdeira dos antigos ritos
pagãos ingleses, mas sim, uma continuidade direta destes. Gardner foi um estudioso de misticismo,
ocultismo e bruxaria, tendo participado ativamente de diversas ordens de mistérios, como também foi
funcionário aposentado da administração britânica no oriente, onde se apropriou de correntes
filosóficas e místicas orientais. Anteriormente à obra analisada, Garner lança o romance High magic’s
aid (1949), utilizando um pseudônimo sob o contexto das leis de proibição da bruxaria em vigor até
1951. Em 1951, entra em vigor o Ato Contra os Médiuns Fraudulentos (FILHO, 2012, p. 31), nesse
ínterim, levanta-se a hipótese de que Gardner escreve “A bruxaria Hoje” (1954) no intuito de
estabelecer sua religiosidade perante um cenário em que a Wicca era vista como outsider. Nesse
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processo de estabelecimento, a obra supracitada se propõe a ser um tratado antropológico sobre a
bruxaria moderna e sua trajetória de resistência ante às investidas da Igreja contra a Arte. Ainda que
existam contradições, o autor coloca o medievo como uma temporalidade de alta perseguição das
práticas de bruxaria pela Igreja, no qual, os praticantes de bruxaria precisavam ocultar-se para resistir
e manter suas tradições vivas. Ainda dentro desse processo, Margaret Murray empresta sua autoridade
ao fazer a introdução da obra, servindo como via de legitimação acadêmica para o tratado de um
antropólogo amador. Sendo assim, lanço a hipótese de que “A Bruxaria Hoje” (1954) é uma obra de
militância que apologeticamente busca higienizar a imagem da bruxaria como algo não somente
palatável para a população inglesa, como também uma retomada à Antiga Religião, conjuntamente
dissociando elementos satânicos com a bruxaria.
Como se dá a relação entre o ideal de beleza e as questões de gênero a partir do livro I secreti de la
signora Isabella Cortese? Com base nessa problemática, procuramos compreender como a fonte
indicada produz, ao mesmo tempo, um discurso e uma representação acerca de um ideal de beleza
feminino durante a Itália do século XVI. Como ferramentas de para uma análise qualitativa e interna,
utilizaremos de conceitos da história cultural, do esoterismo e de gênero. Tendo isso em vista, esse
trabalho se propõe a ser um primeiro contato com a fonte e uma amostragem do que podemos
encontrar nela. Assim sendo, apresentamos como recorte uma receita dentro do primeiro livro, a qual
tem como objetivo tratar de estrias. Logo, lidaremos especificamente com um ideal de beleza
relacionado à aparência da pele. Nossa hipótese preliminar é de que a fonte cria um discurso e uma
representação acerca de um ideal de beleza feminino que compreende um modelo de pele perfeita.
Essa seria uma derme lisa e livre até mesmo do que a fonte chama de “cristas causadas pelo parto ou
outros motivos”, nesse caso as estrias que naturalmente aparecem no corpo feminino.
Partindo da revisão crítica do imaginário cristão acerca do continente americano, a presente pesquisa
visa analisar as concepções imagéticas da figura do Diabo no período colonial e o uso da sua imagem
como mecanismo de colonização e conversão dos povos indígenas sob o viés do mito de Jurupari. No
qual, o termo Jurupari, originário da língua Tupí, designava um espírito da floresta dos povos Tupí,
maléfico para os homens e identificado, pelos missionários, como o Diabo da religião cristã. Logo, a
ontogênese do estudo parte da análise das crônicas coloniais: “História da Missão dos Padres
Capuchinhos na Ilha do Maranhão e suas circunvizinhanças” e “Continuação da História das Coisas
Mais Memoráveis Acontecidas no Maranhão nos Anos 1613 e 1614” dos padres capuchinhos Claude
D’Abbeville e Yves D’Evreux, bem como também da cartografia e relato dos viajantes acerca do
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Maranhão entre os séculos XVII e XVIII. Desse modo, a pesquisa bibliográfica tem como base teórica
os estudos empreendidos por Laura de Mello e Souza, Mary Del Priore, Jacques Le Goff, Jean-Claude
Schmitt e Hilário Franco Júnior. Dessa forma, o presente estudo constitui-se de 3 etapas: na primeira
parte será apresentado reflexões acerca da dicotomia no processo de transição entre o período
medieval e o moderno, na busca e deslocação pelo paraíso terrestre; na segunda, discutimos acerca
da ocupação e colonização francesa e a presença de mitos e reminiscências medievais; na terceira, o
uso do Mito de Jurupari como ferramenta de conversão e propagação da fé
Tomando como premissa que a quinta edição da Semana Infernal pretende discutir os modos com
que a humanidade pode se relacionar com realidades ultraterrenas, a presente comunicação propõe
apresentar correspondências e distinções nos usos e funções das imagens nos ritos cristãos no
medievo e após a realização do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). Para esse fim, enseja-
se destacar especialmente seu papel didático na doutrinação do fiel, em particular o de suscitar o
temor do seu julgamento e condenação ao inferno durante o período medieval, bem como o número
reduzido – ou mesmo a ausência – dessas imagens nos espaços de culto da contemporaneidade. Como
objetos de investigação, o presente ensaio tensiona pôr em evidência a figura do Diabo no afresco do
Juízo Final da Capela Scrovegni, pintado por Giotto no início do século XIV, e a única imagem
diabólica presente entre os 34 ciclos narrativos azulejares que compõem o projeto de ambientação
interna no Santuário Nacional de Aparecida (2000-2017), produzidas pelo artista sacro brasileiro
Cláudio Pastro (1948-2016). De modo complementar, serão também analisadas as Capelas Vaticanas
apresentadas pela Santa Sé, durante a XVI Bienal de Arquitetura de Veneza ocorrida em 2018.
A presente comunicação busca destacar aspectos da pesquisa realizada para o Trabalho de Conclusão
de Curso. Utilizando-se da metodologia analítica proposta pela micro-história italiana, em especial
pelos trabalhos de Carlo Ginzburg, o objetivo desta apresentação é discutir a trajetória e as práticas
religiosas do índio tupinambá Miguel Ferreira Pestana, um dos poucos indígenas brasileiros a ser
investigado, preso e condenado pelo Tribunal do Santo Ofício. Nascido no aldeamento de Reritiba,
fundado pelo padre José de Anchieta, Miguel fugiu, ainda jovem, fixando morada em Inhomirim, nos
recôncavos da Guanabara. Lá, foi aceito pela sociedade, conseguindo alcançar o posto de capitão do
mato. Também em sua nova vila alcançou a fama de ser um poderoso mandingueiro, que possuía
“cartas de tocar”, “bolsas com mandingas” e “patuás mágicos”. Por essa razão, o bispado do Rio de
Janeiro mandou que se realizasse uma devassa sobre o índio, que culminou em sua ida para Lisboa e
condenação para ao degredo das galés. Mais do que analisar o processo em si, o interesse da pesquisa
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se concentra em desvendar como um índio proveniente de um dos maiores e principais aldeamentos
jesuítas do Sudeste brasileiro acabou por se tornar um dos mais afamados feiticeiros de seu tempo.
Durante a vil Idade das Trevas, o poder da Igreja Católica era tal que sua palavra era lei, e seus
preconceitos eram impostos a ferro fogo. Foi neste nefasto período que o Papa Inocêncio II decidiu
declarar todos os gatos hereges, através de da bula conhecida por nós como Vox in Rama, isto, somado
ao já natural preconceito do homem medieval contra os pobres bichanos, resultou na perseguição e
dizimação de milhões de felinos pela Inquisição. Mas o karma era devido e, assim que os últimos gatos
estavam sendo dizimados na Europa, a população de ratos aumentou, espalhando-se incontrolavelmente
e causando uma das pandemias mais mortais conhecidas pelo homem: a Peste Negra. Quase, se não
tudo o que está escrito anteriormente, é falso. Uma coleção de teorias da conspiração, rumores de
internet e Bad History, que quando confrontada com uma análise historiográfica cuidadosa não se
sustentam. No entanto, por mais ridículo que isso possa parecer para nós, medievalistas, essa é uma das
histórias mais famosas e difundidas sobre a Idade Média, estando presente em blogs, vídeos no
YouTube, livros didáticos e até filmes. Neste trabalho pretendemos primeiro esquadrinhar algumas das
versões dessa história que são populares no Brasil, tentando distinguir fato de delírio, e também verificar
suas alegações por meio de fontes medievais primárias e secundárias. E segundo, fazer uma genealogia
dessa narrativa, tentando traçar suas origens e influências.
A figura do diabo é amplamente retratada na literatura e na cultura popular brasileira. Sendo um dos
principais antagonistas advindos da tradição cristã europeia, ele é, enquanto personagem, um elo direto
ao misticismo medieval que o forjou. Dessa forma, podemos perceber sua presença na coletânea de
contos populares de Luís da Câmara Cascudo, um dos principais folcloristas brasileiros e notoriamente
reconhecido por focar seus estudos, justamente, nas influências europeias dentro da nossa cultura oral.
Assim, esta pesquisa tem por objetivo analisar a figuração do diabo no livro “Contos Tradicionais do
Brasil”, de Câmara Cascudo. A principal questão de pesquisa que nos norteia é: como o diabo é
representado em contos da tradição oral brasileira? Em termos metodológicos, utilizaremos as noções
narratológicas de figuração da personagem ficcional, conforme apresentado por Carlos Reis (2018),
além de nos alicerçarmos nos estudos do próprio Câmara Cascudo e de Mikhail Bakhtin (2018), que
resgata, em “A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento”, aspectos da tradição oral medieval
e a presença do grotesco nela. Como corpus específico de análise usaremos os contos “O Filho da
Burra” e “O Afilhado do Diabo”, nos quais o diabo aparece como personagem propriamente dito, não
sendo apenas uma menção ou citação. Por fim, o que já podemos tomar como hipótese é que a forma
como o diabo aparece nos contos está bastante alinhada com o pensamento bakhtiniano da tradição
medieval carnavalizada, no qual a figura não possui apenas uma faceta monstruosa, mas de um “senhor
das mentiras”, um condutor de ações que por vezes direcionam à sátira e ao riso popular.
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Palavras-Chave: Bakhtin; Câmara Cascudo; Cultura Popular; diabo; tradição oral.
Com base nas obras do historiador Marc Ferro, objetivamos utilizar o cinema como fonte para
pesquisa histórica, elaborando uma análise que permita observar que o audiovisual pode apresentar
informações complementares sobre culturas e refazer a imaginação social de uma época ou de um
acontecimento. Em se tratando de audiovisual, deve-se levar em conta seu contexto social, econômico
e político. Neste sentido, analisaremos as figuras apresentadas no filme Errementari: O Ferreiro e o
Diabo (Errementari: El Herrero y el Diablo), dirigido por Paul Urkijo (2017). A produção
cinematográfica é baseada em uma lenda do folclore basco, Patxi el herrero, recuperada pelo
antropólogo José Miguel de Barandiarán. No presente trabalho, observamos como se apresenta a
representação do Inferno e as características do demônio Sartael, que encarna a tradição teatral
(medieval e moderna) do diabo cômico e burlesco. A análise fílmica aqui proposta utiliza como base
obras de Sérgio Rizo (2014), Jérôme Bashet (2006), Marcos Renato Holtz Almeida (2010), Tamara
Quírico (2011) e Jeffrey B. Russel (2003), dentre outros, para a compreensão da constituição histórica
do diabo na cultura ocidental e sua apropriação pelas telas do cinema.
A bula Summis Desiderantes Affectibus de Inocêncio VIII seria responsável por apresentar o
diagnóstico de que a Europa estaria tomada por grupos voltados à prática do mal sob a forma de culto
diabólico, e tem grande influência na redação do Malleus maleficarum, o mais famoso dos manuais
inquisitoriais, provavelmente, o mais cruel e misógino. O diagnóstico manifesto na bula e o Malleus,
parecem estar pautados em um mesmo ponto, que se orienta pelo estabelecimento de um objeto
investigativo que pode até soar um pouco irônico, visto que o método para conduzir ao reconhecimento,
à perseguição e ao julgamento dos maleficia, seria precedido por um exame indicando a prova de sua
realidade. Tal exame, considerado a partir de sua pretensão de validade, seria constituído a partir de
uma ciência que dê conta da realidade que envolve os demônios, as bruxas, e as relações que se
estabelecem entre eles. Em outras palavras, será necessário que primeiro se fortaleça um legítimo
adversário, para, então, combatê-lo. Tais eventos se utilizam de elementos conceituais oriundos da
constituição progressiva de uma “ciência sobre os demônios”, ou ainda, na contribuição para a formação
de uma cosmologia focada na presença do mal no mundo dos homens, centralizada nas ações de entes
sobrenaturais, anjos caídos. Notadamente, a obra de Tomás de Aquino será utilizada como uma das
fontes primeiras para que estes, os caídos, ao tornarem-se efetivos participantes da natureza, tenham
sua atuação no mundo configurada de um modo que também parece legitimar as condições necessárias
aos maleficiae, representando uma ameaça real ao mundo dos seres humanos, dos quais se valem tanto
como vítimas, quanto como algozes. Neste sentido, o pacto entre demônios e humanos, principalmente
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mulheres, passa a constituir uma possibilidade contida na própria natureza dos entes racionais, o que
também legitima a existência e atuação dos maleficiae como fenômenos reais, supostamente
fundamentados a partir de autorictates, e, portanto, também passíveis de investigação.
As religiões da África chegaram ao Brasil, a partir do século XVI, trazidas pelos milhões de africanos
escravizados, cujo trabalho foi explorado na colônia. A ocupação das terras brasileiras pelos europeus
se deu contemporaneamente ao movimento que se convencionou chamar de Reforma Católica ou
Contrarreforma, cuja marca mais significativa foi o Concílio de Trento, reunido entre 1545 e 1563.
O Tribunal do Santo Ofício, em seu contexto moderno, constituiu um dos mais importantes
instrumentos para promover a reforma da cristandade nos moldes tridentinos, o que implicava na
homogeneização das crenças e práticas religiosas. O Brasil colonial já nasceu sob a jurisdição dos
inquisidores, que, mesmo sem a instalação de um tribunal próprio em terras brasileiras, estavam
presentes por meio da realização de visitações esporádicas e de uma rede permanente de funcionários
e colaboradores, que encaminhavam os acusados ao Tribunal de Lisboa, encarregado de julgar os
delitos cometidos na colônia. Por outro lado, o episcopado também atuou no sentido de identificar e
classificar as múltiplas religiosidades que se confrontavam com a ortodoxia católica, tendo como
referência um saber que a própria Igreja construíra sobre a bruxaria europeia e que estava diretamente
imbricado com a demonologia, ou o conhecimento sobre o diabo e suas manifestações. Foi esse o
crivo pelo qual foram olhadas as crenças e práticas religiosas africanas e indígenas, que na colônia se
misturaram àquelas vindas da Europa.
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Palavras-chave: Coração Satânico; Racismo religioso; História e Cinema; História e Ficção;
demonização.
O manual demonológico Compendium Maleficarum, publicado em 1608, foi escrito por Francesco
Maria Guazzo, um frade da Ordem de Santo Ambrósio de Milão, durante seus serviços prestados ao
Duque John Williams de Cleves. A obra trata de questões relativas aos malefícios causados pelo
Diabo na Terra, desde possessões à bruxaria, e conta com um expressivo conjunto de ilustrações
originais. Dividido em três livros, o primeiro deles se destaca por narrar os passos necessários para
se firmar um pacto com o Diabo. Segundo Guazzo, o ritual se concretizaria após a execução de 11
passos, descritos no texto e acompanhados de sete imagens. Nelas, podemos ver o protagonismo de
uma figura masculina que aparece em destaque – em contraste com o protagonismo de figuras
femininas nas imagens que demonstram práticas de bruxaria, por exemplo. A partir destas
considerações, delineamos o tema desta comunicação, definido a partir de um recorte temático
extraído da nossa dissertação de Mestrado.
A pesquisa se propõe analisar a série de quadros intitulada Asuntos de Brujas (1797-1798), do pintor
espanhol Francisco Goya, artista do movimento neoclássico e romântico do final do século XVIII e
início do século XIX. O tema das bruxas e sabás (akelarres) sempre fascinaram Goya, estando
constantemente presente em sua longa e riquíssima produção artística. Este pintor e gravador
inspirou-se no imaginário popular da época, condenado pela Igreja como superstição obscurantista.
Destaca-se também o grande interesse da aristocracia espanhola, do final do século XVIII e início do
XIX, pelos temas relacionados à bruxaria, ao ocultismo e mistérios paranormais. A obra de Goya traz
para o século das luzes e racionalidade um fantástico mundo de sombras, através do qual critica os
poderes instituídos, sejam eles religiosos ou laicos.
Palavras-chave: Asuntos de Brujas; representação da bruxa e do sabá; Francisco Goya; Igreja Católica.
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MONSTROS, DEMÔNIOS E POESIA: O PAPEL DAS CRIATURAS SOBRENATURAIS
NO INFERNO DE DANTE ALIGHIERI
Graduanda Giovanna de Campos MAURO (Università degli Studi di Padova)
Orientador: Prof. Dr. Giacomo Comiati
E-mail: [email protected]
A Divina Comédia, composta entre os anos de 1306/07 e 1321, é uma das maiores obras de toda a
literatura ocidental. Cada uma das três partes (cantiche), três lugares diferentes que serão percorridos
por Dante, ao longo de sua viagem pelo mundo extraterreno, é formada por 33 cantos. No Inferno,
primeira cantica de toda a obra, o poeta-personagem descreve a sua viagem alegórica entre as almas
dos condenados, observando os terríveis castigos a eles impostos de acordo com a lei do contrapasso.
Ao longo dos primeiros cantos, Dante Alighieri confere um papel primordial às criaturas sobrenaturais
e aos monstros, interagindo com cada um dos seres de uma determinada forma e com o auxílio de seu
guia, o poeta romano Virgílio. De fato, um grande grupo de figuras demoníacas monstruosas, que
desempenham a função de guardiões e carrascos dos condenados, caracteriza o Inferno dantesco. O
poeta é influenciado pela mitologia pagã e utiliza a sua própria criatividade para caracterizá-los com
aspectos humanos grotescos. Caronte, Minos, Gerião, Cérbero, Flegias, Plutão e o Minotauro são
demônios pagãos transportados para o inferno cristão de Dante e colocados como guardiões e
“colaboradores” a serviço da estrutura do poema. O presente trabalho possui o objetivo de analisar a
assimilação do aspecto sobrenatural às criaturas monstruosas pagãs pelo poeta cristão e a relação de
interação entre os demônios, suas características e seus papéis na criação infernal de Dante Alighieri.
O presente trabalho abordará a construção do imaginário acerca dos judeus no medievo, bem como seu
processo de perpetuação na mentalidade coletiva após esse período por meio da longa duração. Os
objetivos serão analisar as práticas de demonização desde sua gênese e como se desenvolveram;
identificar como ocorria a deturpação imagética antissemita provocada principalmente pelos cristãos; e
verificar como que os estereótipos culpabilizatórios em relação à comunidade judia se difundiram em
altas proporções e temporalidades. Destarte, a partir desse panorama, como podemos verificar o porquê
de as práticas judias serem tão diabolizadas? Quais as visões dessa perspectiva dentro da historiografia?
Quais foram as rupturas e continuidades dessa mentalidade com o fim da Idade Média? Para
compreender essas questões, a metodologia utilizada será uma abordagem qualitativa, utilizando os
procedimentos da pesquisa bibliográfica a fim de que haja toda uma construção com relação ao viés
judaico e sua imagem forjada, bem como sua continuidade através dos séculos seguintes pós Idade
Média. Com isso, fora possível observar uma visão pejorativa imposta a esse grupo, onde tratados a
margem da sociedade estes foram perseguidos, vistos como disseminadores de doenças e por vezes
expulsos do meio social devido as ideias dos grupos dominantes da época, causando um preconceito
que se instalou no pensamento coletivo e que, em alguns âmbitos, vigora até os dias de hoje.
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CRIANDO UM NOBRE ANTEPASSADO: REPRESENTAÇÕES DO RITO FUNERÁRIO DE
UM LIBERTO IMPERIAL NA SILVA 3.3 DE ESTÁCIO (SÉCULO I EC)
Mestrando Murilo Tavares MODESTO (PPGH/UFSM)
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Semíramis Corsi Silva
E-mail: [email protected]
No poema 3.3 das Siluae de Públio Papínio Estácio (c. 45 – 96 EC), o equestre Cláudio Etrusco foi
consolado pela morte de seu pai, Tibério Júlio Augusto liberto, um liberto imperial que chegou a
ascender à ordem equestre. Sobre o evento fúnebre do finado, o poeta descreveu a presença de ilustres
participantes no funeral, citou os ricos produtos utilizados na pira funerária e reproduziu um discurso
atribuído à voz do enlutado Etrusco, no qual o filho afirmava que faria oferendas para o espírito do
pai continuar entre os familiares e que promoveria suas imagines para consultar como uma autoridade.
Nessa comunicação, nosso objetivo é discutir como as representações desta cerimônia buscavam
honrar o falecido liberto imperial como um digno antepassado, capaz de enobrecer a família de
Etrusco, de origem servil. Para tanto, abordaremos o contexto de mobilidade social dos libertos
imperiais na sociedade romana e discorreremos sobre a preocupação dessa camada social em torno
da morte, principalmente em relação à manutenção da memória dos antepassados. Acerca do conceito
de representação, entendemos que se trata de categorias de compreensão do mundo que eram
produzidas dentro de determinado grupo social e que visavam ser apropriadas por parte do mesmo
grupo, de modo que precisamos analisar o poema de Estácio como um produto que circulava entre
grupos aristocráticos interessados em literatura. Dessa forma, avaliaremos como as representações de
Estácio poderiam elevar a imagem de seus homenageados com a circulação dos poemas entre as
comunidades de leitores das Siluae.
Este trabalho corresponde a uma proposição teórico-crítica quanto à representação literária do Diabo
nos contos dos Irmãos Grimm, contrastando com a figura medieval e com a caracterização de Lúcifer
no poema “Paraíso Perdido”, de John Milton. Inicialmente, é necessário destacar que, a partir do
século XVII, Milton (1667) impulsiona no Ocidente uma acepção satânica em moldes de decadência
celestial, simbolizando o Anjo caído como um guerreiro indômito, amargurado e belo. Essa
construção literária, fomentada também por Charles Baudelaire (1857), “higieniza” a acepção do
período medieval, em que se tem um Diabo grotesco e monstruoso. Todavia, uma terceira noção
satânica pode ser constatada nos contos coletados pelos Irmãos Grimm (1812) no século XIX. Nesta
pesquisa, serão analisados, para fins metodológicos, os enredos de três contos nos quais há a presença
de pactos contratuais, quais sejam: “A moça sem mãos”, “O ferreiro e o diabo” e “O diabo e seus três
fios de cabelo dourado”. Outro conto a ser analisado é “Pé de zimbro”, no qual a atuação do Diabo é
invisível. Nessas narrativas, figura satânica assume perspectivas diferentes, como criaturas distintas,
podendo incorporar caracteres humanos ou sobrenaturais, indicando poder maligno ou impotência
jocosa. O principal referencial teórico desta pesquisa foi Jeffrey B. Russel & Brooks Alexander
(2019), Marcelo Cândido da Silva (2021), Marcelo Cid (2016), Mario Praz (1996), Nelly Novaes
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Coelho (2012) e Segismundo Spina (2007). O objetivo deste estudo é potencializar a análise da figura
satânica nos contos de Grimm em diálogo com o medievalismo e o poema “Paraíso Perdido”.
Pesquisa em fase inicial que busca reconstruir um imaginário demoníaco sobrenatural, a fim de tentar
mostrar como se articulam os pactos histórico-sociais de dominação masculina. Estes que usam o
Diabo para definir o “mal” que existe neles mesmos, assim, tendo “autorização moral” para agir
contra os corpos de seres ditos “menores, mais fracos e mais sugestionáveis a possessões”. Onde
vemos que através do pânico satânico, humanos, no geral homens cis brancos, criaram a garantia
impune de cometer crimes contra a integridade física, emocional e patrimonial de outros seres
humanos, normalmente mulheres. Aproveitando a ideia de pânico satânico, este trabalho tem como
objetivo delinear uma discussão sobre a demonização feminina referente à caça às bruxas, onde o
gatilho é a existência de um pacto do imaginário coletivo macho-sexista doentio. Além de trazer uma
definição da Goëtia e assim, propor uma atualização dela, a qual chamaremos, a princípio, de “Nova
Goëtia”, uma versão humanizada dela; tomando um sentido perverso e depravado que só a mente
humana pode produzir. Tendo como principais fontes Jacques LeGoff e Allan Boureau, faremos um
levantamento conceitual sobre a invenção do demoníaco, fazendo uso da denominação da Goëtia, no
sentido cristão da palavra, com o intuito de construirmos uma redefinição onde os demônios farão
referência aos próprios seres humanos. Nossa hipótese tange a ideia de que o diabo não é o mal.
No horror, o feminino costuma ser protagonista. Nas grandes telas, percebem-se mulheres que se
aproximam do sobrenatural – e particularmente – do maligno. Pensando nisso, escolheu-se enquanto
objeto de pesquisa o filme “A Bruxa” (2015), cuja trama se centra em uma família puritana da Nova
Inglaterra no século XVII, que é exilada e se estabelece em um local isolado, nas proximidades de uma
floresta habitada por uma bruxa. A presente investigação aborda as personagens Katherine, Mercy,
Thomasin e a misteriosa figura da bruxa, que não é nomeada no enredo. No decorrer da película,
verifica-se que as personagens femininas vivenciam jornadas entrelaçadas à corrupção e ao mal,
considerando uma perspectiva religiosa ocidental, de cunho cristão. Posto isto, o objetivo se direciona
a pensar o cotidiano e processos de corrupção das mulheres do filme, refletindo acerca das experiências
e caminhos que as levam a adentrar um âmbito de perversidade e monstruosidade, mediante aos pactos
feitos com o Mal representado na narrativa. Na construção da argumentação, tem-se autores como
Barbara Creed (2007) e Jean Léon Delumeau (1989) em uma articulação com o “Martelo das
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Feiticeiras”, de Heinrich Kraemer e James Sprenger. Por meio da investigação, constatou-se que
personagens femininas perpassam vivências ambíguas que, entre todos os sujeitos, as posicionam como
aquelas irresistivelmente encadeadas ao mal incompreensível e misterioso. Nisso, elas são imersas em
corrupção, que enuncia significados especiais para cada uma – elas podem ser punidas e destruídas,
bem como, podem ressignificar tal corrupção, no que encontram no pecado um caminho de libertação.
O amor vivenciado através da caridade era uma exigência de uma sociedade em transformação e uma
das premissas da religiosidade das beguinas. Analisar tais atitudes de amor a Cristo e ao próximo nos
ajuda a compreender a pluralidade de práticas religiosas dentro da ortodoxia católica e os elementos
que levaram aceitação de mulheres que tinham atitudes que escapavam às normas de conduta
estabelecida pela Igreja, na medida em que não estavam subordinadas a uma Ordem masculina.
Assim, nesta comunicação nos debruçaremos sobre a importância da caridade na religiosidade das
beguinas, enfatizando o amor como forma de se aproximar de Deus e de retomar os ideais apostólicos.
Para tanto analisaremos os textos da beguina Mechthild de Magdeburg, que viveu na segunda metade
do século XIII. Nos voltaremos para a caridade em relação às almas que sofriam no Purgatório, posto
que tal qual Cristo, as beguinas desejavam uma vida de amor para com os necessitados de ajuda
material e espiritual.
O cuidado para com os cadáveres é uma prática comum a todas as sociedades. O velório, o enterro,
ou a cremação, dentre outros mecanismos utilizados para a conservação da memória do defunto,
refletem características culturais e religiosas de cada sociedade ou mesmo de comunidades. O tema
até os dias atuais é visto como um tabu. No entanto, com a pandemia causada pelo coronavírus (SAR-
Cov-2), a sociedade tem vivenciado dias de pânico com o número excessivo de óbitos causados pelo
vírus. Visando evitar uma maior contaminação pelo vírus, um dos rituais funerários (velório) foi
suspenso por tempo indeterminado. Analisando essa ação, a referida investigação tem como objetivo
identificar que consequências surgem na sociedade brasileira atual com a não realização dos velórios.
Para isso, foi realizado uma pesquisa bibliográfica sobre os estudos voltados aos ritos, conceituando-
os, diferenciando-os e analisando os impactos da sua suspensão no país. O estudo socioantropológico
e histórico sobre morte e ritos fúnebres somaram-se como fundamental para o debate teórico desta
pesquisa, e, com isso, podemos identificar as diversos rupturas e traumas causados pelo documento
“Manejo de corpos no contexto da doença causada pelo coronavírus Sars-CoV-2 – Covid-19” que
norteia o manejo dos corpos em tempos de pandemia, em velórios ou “além-velórios”.
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A PEDAGOGIA DO MEDO E A MÁ MORTE EM MANUAIS CATÓLICOS QUE
ENSINAVAM A BEM MORRER
Doutorando Felipe Tito Cesar NETO (UNIRIO)
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Claudia Rodrigues
E-mail: [email protected]
Temos como intuito estudar a Má Morte no discurso eclesiástico católico, ao longo dos séculos XVII e
XVIII, no Mundo Luso-Brasileiro, a partir da análise de manuais de bem morrer. De acordo com a
historiografia da morte, as atitudes católicas diante da morte, da Idade Média até meados do século
XIX, foram marcadas pela proximidade entre vivos e mortos, pela familiaridade com o tema da morte
e pela adoção de uma série de práticas funerárias com vistas a alcançar a salvação da alma após a morte.
Levando em conta o Cristianismo como religião salvífica, o destino escatológico do fiel após a morte
teria três possibilidades de destino, levando em conta o duplo julgamento que seria submetido, o Juízo
Individual e o Juízo Final, a saber: o Paraíso, o Purgatório e o Inferno. A base dessa concepção era a
busca da chamada “Boa Morte”. Todavia, seguiremos o caminho oposto dessas pesquisas, propondo o
estudo da chamada Má Morte ou Mal Morrer. Trata-se de uma temática que ainda não mereceu
investigação específica no Brasil. Os manuais de bem morrer tinham a finalidade de instruir os fiéis
acerca das doutrinas católicas e davam corpo à chamada “pedagogia do medo”, difundida desde a Baixa
Idade Média, que embasava a prática pastoral cristã-católica sustentada na ameaça de punição da alma
após a morte aos pecadores. Buscaremos apontar os indícios do discurso sobre a Má Morte por meio
dos ensinamentos aos cristãos, que buscavam se “aparelhar” para o momento da morte.
Palavras-Chave: Má Morte; pedagogia do medo; manuais de bem morrer; punição; purgatório; inferno.
O estudo analisa um recorte, detalhe contido especificamente no Inferno (painel lateral) do tríptico
“Juízo Final” (1500-1505) de Hieronymus Bosch, em que observamos uma alma condenada sofrendo
suas penas eternas, que representam uma performance musical vocal, em caráter de tortura. A
pesquisa se inicia em sucinta contextualização do artista e da obra citada, para mais especificamente
nos situarmos no Inferno criado por Bosch. Em artigo anterior empenhamos a análise musical ao
escrito partiturado contido no painel e ao estudo dos instrumentos musicais em função tortura musical,
compondo o Concerto Infernal. Nosso escopo investigativo agora consiste na questão de por que
Bosch representa a penalização da alma feminina, deste recorte do painel, com o canto? Seria a música
um catalizador do pecado, quando em execução na voz da mulher? Propomos também a
contextualização da performance vocal feminina do período e qual sua função naquela sociedade. As
fontes de pesquisa abordadas neste estudo contam também com obras especializadas na iconografia
musical na arte do tardo medievo e renascença, além da contextualização da imagética infernal.
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PURIFICAR E APLACAR: OS RITOS FUNERÁRIOS NA ROMA MEDITERRÂNEA
Mestre Yuri Augusto de OLIVEIRA (UFBA)
E-mail: [email protected]
A prática funerária romana entre a república tardia e o início do império foi influenciada por duas
questões centrais: em primeiro lugar, cabe ressaltar que a morte trazia poluição e a existência de um
cadáver era um elemento poluente, o que acarretava na prática do isolamento temporário dos
sobreviventes, na separação do cadáver e da família funesta da sociedade, a fim de que ela realizasse
os atos de purificação que constituem os ritos funerários; em segundo lugar, o sepultamento era
igualmente fundamental para integrar o espírito da pessoa falecida à comunidade dos Manes, a
coletividade dos espíritos dos mortos, de modo a encaminhar ao mundo dos mortos o que pertencia a
ele e a reintegrar ao mundo dos vivos os elementos que foram temporariamente isolados da sociedade,
a família contaminada. Desse modo, a sociedade romana estaria livre de transtornos que pudessem
ser causados pela poluição, seja ela metafísica ou uma moléstia contagiosa, e por desventuras que
supostamente pudessem derivar de espíritos malignos.
O presente estudo visa tencionar aqui algumas considerações acerca do suposto vínculo relacional entre
grupos intitulados como hereges pela Igreja Católica Romana, bem como mulheres associadas à
bruxaria e à figura bíblica do Diabo que circunda ambos os grupos. Neste sentido, através do olhar
histórico, percebemos como um discurso promovido pela instituição católica, perante muitas crises e
servindo para suprir suas necessidades em diferentes momentos, foi utilizado para demonizar e subjugar
grupos e pessoas que não correspondiam aos dogmas católicos, incutindo a estes uma personalidade
diabólica e transgressora, os culpando por múltiplas catástrofes sociais e também naturais. A figura do
Diabo articula-se de distintos modos com os grupos aqui escolhidos para este trabalho. Para as heresias,
a proximidade com Satã se dava por encontros noturnos e orgias, eram chamados de “membros do
corpo do Anticristo”, como descritas em fontes cristãs. É uma forma de satanização com os grupos
heréticos pela principal razão de difamação. Por sua vez, através da obra Malleus Maleficarum, a
relação entre a bruxas e o Diabo é de estreita proximidade, sendo esta figura descrita enquanto uma
figura masculina cuja as bruxas, sedentas por poder, são subalternas. Portanto, utilizamos como fontes
os documentos De nugis Curialium, escrito por Walter Map, e o Malleus Maleficarum, de autoria de
Heinrich Kramer e James Sprenger, enquanto metodologia utilizamos a análise de discurso em conjunto
com os Estudos de Gênero, bem como a categoria de Poder pensada por Bourdieu.
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O PACTO DIABÓLICO NO MALLEUS MALEFICARUM
Mestranda Rhayana Antunes PIMENTEL (UFRRJ)
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carolina Gual da Silva
E-mail: [email protected]
Durante a Idade Média muito se especulou sobre a relação das pessoas com o diabo. Depois do ano mil,
os movimentos heréticos que proliferaram pela Europa ganharam o status de cúmplices do diabo. Até
mesmo alguns membros da Igreja foram acusados de terem parte com o diabólico, como os papas
Bonifácio VIII e João XXII, nos séculos XIII e XVI. Mas quando surgiu a ideia de pacto? E o que era
um pacto diabólico? A história de “O milagre de Teófilo” escrita pelo clérigo Eutiquiano de
Constantinopla, sem dúvida é um dos casos mais conhecidos envolvendo o pacto diabólico. O Malleus
Malleficarum, escrito por Henrich Kramer e James Spremger, no século XV, também abordou o pacto
diabólico. Dessa forma, através de uma análise comparativa busca-se mostrar o que o pacto das bruxas
descrito no Malleus Maleficarum tinha de continuidades em relação a história de Teófilo no século VI,
e quais são os principais elementos de diferenciação, sobretudo os pautados na sexualidade feminina.
Este trabalho possui a intenção de balizar os contornos da prédica cristã acerca do outro, aquele que
é composto como afiançado com o Diabo, avaliando alguns momentos históricos de sua constituição,
como o papado de João XII e o alargamento do conceito de heresia, assim como a elevação do Diabo
à figura de príncipe do Inferno no final do Medievo e início da Modernidade, isto para traçar
considerações sobre a relação de alteridade do cristão para com o outro, aquele tomado como pagão,
seja ele grego, romano ou afro-brasileiro. Para este trabalho, buscam-se referências na antropologia
e sociologia, como os binômios de ordem/desordem, pureza e perigo, assim como sagrado/profano.
Não obstante, buscar-se-á trazer considerações sobre retórica e alteridade, isto para que possamos
perspectivar a relação do cristão em sua construção da realidade, sua concepção de sujeito em sua
ralação para com o outrem, aquele que é demonizado. Para que isso ganhe corpo, o intento é trazer
considerações acerca de personagens históricos da cristandade, como a bruxa, o judeu e o praticante
de religiões afro-brasileiras, personagens esses e momentos vários para que seja possível traçar uma
crítica conceitual sobre a demonização enquanto prática discursiva do cristianismo. Reflexão essa
necessária para uma análise da sociedade ocidental e brasileira no tocante ao seu dinamismo
psicossocial do eu e do outro e suas implicâncias em relações sociais, culturais e políticas.
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AS REINTERPRETAÇÕES DOS MITOS:
UMA RESENHA SOBRE CAIM, DE JOSÉ SARAMAGO
Mestranda Débora Zai POTULSKI (UNICENTRO)
E-mail: [email protected]
Esta resenha tem como objetivo discorrer sobre o romance Caim, de José Saramago, e suas
reinterpretações sobre alguns dos mitos bíblicos do Antigo Testamento. Aqui, entende-se enquanto
“mitos” os discursos criados sobre o início dos tempos e usados como modelo de conduta e de
exemplo, sendo também estes um meio de sacralizar ensinamentos (ELIADE, 2018). O romance em
questão usa da figura de Caim, personagem bíblico muito conhecido e colocado à margem do Antigo
Testamento e apenas citado no Novo Testamento, geralmente usado como um modelo anti-heroico
pelo cristianismo. A partir de sua breve história, o autor irá seguir uma linha de desconstrução, e de
desmistificação, tanto da imagem de Caim, quanto da imagem de Deus trazida pelas escrituras. Para
isso, Saramago utiliza de alguns dos mitos bíblicos mais impactantes do Antigo Testamento, criando
uma linha temporal própria e uma narrativa que dialoga a todo o momento com o leitor, trazendo-o
para dentro do enredo, e o fazendo questionar os mitos bíblicos junto com Caim. Uma das principais
possibilidades propostas pelo autor é enxergar um Caim mais próximo da realidade humana, com
sentimentos, emoções e questionamentos – características inerentes aos seres humanos –,
principalmente no que diz respeito a personagem de deus e os embates eternos entre ambos. Por fim,
para Caim, a morte da humanidade é um ato simbólico do extermínio de deus, pois sem ela, sem a
sua mentalidade e seu subjetivo, deus não existe.
Este trabalho tem o objetivo de analisar como Hades é representado no mangá Cavaleiros do Zodíaco,
de Masami Kurumada. Para tanto, a análise empreendida vale-se do método comparativo, buscando
contrastar o personagem da referida obra com sua representação helenística e considerando, também,
as representações modernas de Hades em diferentes esferas artísticas. Por ser um produto da cultura
pop japonesa inicialmente pensado para o público infantojuvenil, a estética utilizada por Kurumada
para retratar o deus do mundo dos mortos foge das representações clássicas atribuídas ao mito, cuja
face, por exemplo, é a mesma de Zeus e Poseidon, diferenciando-se, apenas, por algumas linhas de
expressão. De modo geral, Hades é o maior antagonista da série e o principal inimigo da deusa Atena
e de seus cavaleiros. O personagem apresenta um visual sóbrio e delicado; é alto, com cabelos escuros
compridos e olhos amarelos; sua pele é muito branca, com um tom pálido; e seu corpo é coberto por
uma surplice, um traje semelhante a uma armadura, o qual reverbera sua personalidade altiva e severa.
Aparentemente sereno e avesso à violência, sua verdadeira natureza acaba por se revelar quando
Atena surge em seu caminho, ameaçando os seus planos maquiavélicos de acabar com toda a
humanidade e transformar a Terra em um deserto hostil e congelado.
Palavras-Chave: Hades; Cavaleiros do Zodíaco; mitologia grega; mangá; cultura pop japonesa.
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ANÁLISE DE ANTEU E LÚCIFER COMO ENTRELAÇAMENTOS CULTURAIS DA
MITOLOGIA GRECO-ROMANA E JUDAICO-CRISTÃ, PRESENTES NOS CÂNTICOS
XXXI E XXXIV, DO INFERNO DA DIVINA COMÉDIA
Graduando Matheus Henrique Batista Lopes RIBEIRO (Unespar)
Orientador: Prof. Dr. Astor Weber
E-mail: [email protected]
Nesta comunicação serão apresentadas as relações alegóricas entre os personagens do Gigante Anteu,
da mitologia greco-romana e o Serafim, Lúcifer, da mitologia judaico-cristã, que possui sua imagem
construída pelo cristianismo durante a Idade Média. A análise proposta será feita por meio de
metodologia comparativa dos Cantos XXXI e XXXIV da Divina Comédia de Dante Alighieri. Dante
que fora um poeta influenciado pela cultura greco-romana e cristã, lera os Pais da Igreja, dita
patrística, construindo sua espiritualidade e concepções do pós-morte — Inferno, Purgatório e Paraíso
— assim possibilitando a criação simbólica e alegórica desses gigantes humanoides, banhados pela
condenação infernal em decorrência dos pecados da soberba e da traição contra os seus deuses, este
que é justamente, o maior pecado do ambiente infernal dantesco. A finalidade desta comunicação é
apresentar alguns dos entrelaçamentos culturais que permeiam a Idade Média, e afirmando assim, os
vários cristianismos praticados no medievo, deste modo, estes entrelaçamentos serão demonstrados
a partir dos cantos citados na Divina Comédia de Dante, e que elencam presenças mitológicas da
Antiguidade, juntamente, com o Cristianismo medieval.
A arqueologia no Brasil vem ganhando a cada ano um maior espaço, contudo, para alguns
pesquisadores, umas áreas de estudo dentro deste área devem permanecer com algo “irrelevante” ou
“esquecível”, evitando que pesquisadores que já não possuam um renome que impedem de ser
criticados diretamente, dentre neste estudos. Um exemplo disso é a arqueologia da magia, área que
surgiu entre a década de 70 e 80 do século passado, demonstrou que para a ritualística dentro de
diversos grupos, a presença de artefatos é essencial, apesar de haver um crescimento de estudos, tanto
na Europa como na América do Norte, o Brasil ainda encontra-se engatinhando com relação a esse
tema, porém temos um potência ainda não explorado. O presente trabalho traz de forma resumida,
porém sucinta uma breve introdução acerca da arqueologia da magia, alguns objetos de estudo fora
do país e alguns estudos feitos no Brasil, seja de forma direta ou indireta. Demonstrando que a
presença de artefatos como os jarros belarminos ou até mesmo objetos posicionados abaixo de uma
soleira podem indicar uma forma de ritualística com uma finalidade benéfica ou não, ou até mesmo
em algum caso pactos com seres sobrenaturais.
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“SOMOS AS NETAS DAS BRUXAS?”: REFLEXÕES SOBRE A CAÇA ÀS BRUXAS NA
MEMÓRIA CULTURAL A PARTIR DE MANIFESTAÇÕES POLÍTICAS E DA
BRUXARIA CONTEMPORÂNEA
Doutoranda Raisa SAGREDO (UFSC)
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Aline Dias da Silveira
E-mail: [email protected]
Em 18 de março de 1528, era emitida pela Real Audiência e Chancelaria de Valladolid a carta
ejecutoria de Martín de Organchona, morador de Mundaca (Vizcaya), que foi acusado de “brujería y
apostasia” por Iñigo Ortiz de Ibarguen, morador da vila de Guernica (Vizcaya). Quase 30 anos depois,
era emitida uma outra carta ejecutoria referente ao processo sofrido pela parteira María García,
moradora da vila de Getafe (Madrid), acusada pelo doutor Tobar, fiscal da própria chancelaria, de
fazer “otras echicerias y uso de ervas”. No final do século XV e ao longo do século XVI, encontramos
algumas dezenas de casos de mulheres e homens que foram acusadas de praticar feitiçarias e bruxarias
ao norte do reino de Castela, com seus processos iniciados em tribunais locais e recorridos, em última
instância, no tribunal real de Valladolid. O que motivou as acusações? Como se defenderam os réus
e as rés? Quais as penas recebidas? Como a justiça foi aplicada? Houve descompassos na atuação das
autoridades jurídicas? Há distinções nos julgamentos entre homens e mulheres? Esta comunicação,
fruto da pesquisa de mestrado defendida em 2021 e do projeto de doutorado desenvolvido na UFBA
desde março de 2022, tem o objetivo de analisar em que medida as diretrizes de gênero foram
relevantes ou não no desenrolar dos processos e na promoção da justiça para Martín de Organchona
e María García, acusados de bruxaria e feitiçaria que recorreram em última instância no tribunal da
Real Chancelaria de Valladolid.
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Palavras-Chave: feitiçaria; bruxaria; Cartas ejecutorias; Real Chancelaria de Valladolid; Estudos
de Gênero; Direito.
O presente trabalho tem como objetivo promover uma análise comparativa entre o vampiro do gênero
do Horror e o vampiro que, aqui, chamaremos de contemporâneo, a fim de depreender quais são as
suas diferenças e caracterização de um e de outro frente a elementos mundanos e os meios
comunicacionais, como as indústrias literária e cinematográfica. Para tanto, este trabalho partirá das
obras audiovisuais “Drácula de Bram Stoker” (1992), de Francis Ford Coppola; “Entrevista com um
Vampiro” (1994), de Neil Jordan; e “Crepúsculo” (2008), de Catherine Hardwicke. A escolha desse
tema está condicionada na própria figura do vampiro que apresenta uma reflexão sobre vida e morte,
sedução e medo; porém não encontramos uma única forma de definir o vampirismo ou de representá-
lo, por isso a necessidade de compreender suas diversas formas de manifestação. A retratação do
vampiro passou por alterações ao longo do tempo. Na era gótica, o vampirismo foi apontado como
uma representação do horror e o vampiro está mais distante da conhecida humanidade, evento
demonstrado no filme “Drácula” (1992). Em “Entrevista com o vampiro” (1994), Louis, o vampiro
transformado, não possui uma representação tão sanguinária, apresentando alguns traços de
humanidade, já que ele possui questionamentos e princípios humanos que o fazem repensar o seu
modo de vida. Por fim, “Crepúsculo” (2008), em sua representação mais contemporânea, mostra o
vampirismo ainda não explorado, o vampiro “do bem”. Edward Cullen é um vampiro apaixonado por
uma humana e rejeita sua existência, se intitulando vegetariano, pois não bebe sangue humano.
O MONSTRUMANO FEMININO:
O PROCESSO DE DESUMANIZAÇÃO DE SYLVIA SERAFIM
Doutorando Sergio SCHARGEL (UERJ)
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Denise Siqueira da Costa
E-mail: [email protected]
Sylvia Serafim, poetisa e jornalista, entrou na redação do jornal dos Rodrigues, A Crítica, e assassinou
Roberto Rodrigues com um tiro na barriga. Um jovem Nelson Rodrigues estava na redação e
presenciou o assassinato de seu irmão, um trauma que o marcaria por toda a sua vida. Sylvia foi presa
em flagrante e julgada em um grande espetáculo midiático, o primeiro julgamento a ser transmitido
pelo rádio. No processo, sua produção jornalística e poética foi esquecida e apagada pela História e
Sylvia sofreu um processo de desumanização, tratada como uma assassina monstruosa, reencarnando
imagens clássicas de desviantes femininos, como a mulher histérica. O problema de pesquisa pode
ser sintetizado ante a seguinte pergunta: como e por que ocorreu um processo de desumanização sobre
a personagem? O principal propósito é promover uma discussão teórica sobre processos de
desumanização feminina, sobre como são deslocadas imagens de loucas e histéricas para a mulher
desviante, utilizando, para isso, o caso de Sylvia Serafim como objeto. Por meio de uma dialética
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entre trabalhos teóricos como “Os anormais”, de Michel Foucault, e Madwoman in the attic, de Susan
Gubar e Sandra Gilbert, com os jornais de 1930 e seu tratamento sobre Sylvia, será possível pensar,
em escopo ampliado, na forma com que mulheres são desumanizadas por se desviarem do padrão
estabelecido pelo poder hegemônico.
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infernais, até mesmo a de Satã. Para tal análise, utilizaremos metodologicamente a Análise de
Discurso, principalmente as teorizações de Michel Pêcheux e Eni Orlandi, autores que frisam a
importância de uma análise atenta das postulações, intencionalidades e ideologias que se fazem
presentes nas fontes. Na parte teórica, nos valemos da História Cultural para notar as representações
e práticas formuladas por Bodin e Nynauld acerca da licantropia e da atuação demoníaca na
transformação de homens e mulheres em lobo. A partir disso, buscamos analisar as diferenças entre
os discursos e os principais motores dessas divergências, levando em consideração as influências,
profissões e argumentação dos autores.
Este projeto busca estudar o filme Tetsuo (1989), do diretor japonês Shinya Tsukamoto, à luz da
industrialização japonesa dos anos 80 e o crescimento de Tóquio. Buscamos compreender qual a
relação do conteúdo da obra com seu contexto de produção e as demais realizações cinematográficas
do período, relacionando-o com demais filmes de horror e ficção científica, que lidam com a temática
do body horror e com o universo cyberpunk, a fim de compreender como tais transformações ilustram
e sedimentam o imaginário social japonês e a filmografia de Tsukamoto. A partir da análise da obra,
buscamos explorar de que maneira o cineasta apresenta a temática da transmutação corpórea como
metáfora das mazelas trazidas pela industrialização do Japão em meados dos anos 80. Assim, visamos
compreender de que maneira a vida nas cidades e a transformação da mentalidade urbana e social se
notam no filme e agregam ao debate da retomada da fisicalidade humana no ambiente estéril dos
grandes centros urbanos. Se faz necessário inserir o principal filme estudado dentro de seu contexto
histórico e de produção. Relacioná-lo, desta forma, com as diferentes obras do diretor, examinando
sua trajetória no campo do cinema. Primordialmente desejamos compreender os reflexos da mudança
na mentalidade de uma sociedade pós-industrial, em especial, no contexto japonês. De que forma as
narrativas a respeito de cenários distópicos, de evolução da tecnologia e de criação do pós-humano
manifestam os anseios da população e as inquietações sociais do período. As principais referências
utilizadas na pesquisa são Tom Mes (2005), Steven Brown (2010), Georg Simmel (1973), Richard
Sennett (1994) e Lotte Eisner (2002).
Pensar o destino post mortem sob a ótica cristã é, invariavelmente, também pensar em um mundo
bipartido entre bem e mal. A concepção de retribuição ou punição após a morte é elemento central
do cristianismo ao demarcar o momento final da história cristã, separando os bem-aventurados e os
pecadores, estes, condenados ad aeternum ao Inferno. Tal ambiente de punição foi frequentemente
reproduzido na iconografia das catedrais góticas ao longo da Baixa Idade Média, refletindo os
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sentimentos, anseios e imaginários que permearam a sociedade medieval frente ao tema. À vista disso,
a presente comunicação pretende tecer algumas reflexões sobre as representações visuais sobre o
Inferno, com ênfase aos elementos que caracterizam pecadores e condenados, tomando como fonte a
iconografia de duas catedrais góticas durante o Caminho de Santiago de Compostela: a Catedral de
Léon e a Catedral de Burgos. Considerando a proveniência de nossas fontes, subsidiaremos nossas
análises a partir de discussões vindas da História Cultural e da História das Mentalidades, a fim de
traçar as relações entre cultura e os sistemas de valores circulantes no período.
O projeto de evangelização levado a cabo na América Colonial contou, dentre outros, com a constante
reprodução de imagens que interpelaram as sociedades indígenas e que foram capazes de simbolizar
algumas das principais crenças e dogmas do Cristianismo. Elementos fulcrais à colonização do
imaginário (Gruzinski, 2003), visões de anjos e demônios, do Paraíso, do Juízo Final ou das penas e
tormentas do Inferno, foram amplamente difundidas nas Igrejas coloniais e funcionaram como
ferramentas essenciais à difusão e à solidificação da cristianização entre os séculos XVI e XIX. Isto
posto, nesta comunicação analisaremos um conjunto de materialidades (majoritariamente gravados e
pinturas) provenientes da arte sacra elaboradas ao longo do Período Colonial Latino-americano e que
figuram em algumas das principais Igrejas andinas. Metodologicamente, atentaremos à constituição
dos registros, aos elementos que neles são dispostos bem como ao efeito de tais representações junto
ao marco de evangelização das sociedades andinas. Para tanto, ao longo dos nossos gestos de análise
nos debruçaremos sobre os materiais elencados e estabeleceremos diálogos com pesquisas advindas
de distintas vertentes da História que nos permitirão compreender, dentre outros, os antecedentes
sociais e as circunstâncias político-ideológicas sob as quais ergueu-se o projeto de evangelização dos
Andes bem como o papel da arte enquanto ferramenta de cristianização da América Colonial.
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entre ambas as representações. O corpo teórico da presente pesquisa considera os apontamentos de
Laura de Mello e Souza, Silvia Federici, Isabelle Anchieta, Stuart Clark e Jacques Le Goff.
O presente trabalho objetiva trazer considerações acerca de um pacto em específico possível entre
muçulmanos e jinns (“gênios”): o casamento. Para tanto, procurará trazer considerações acerca da
condição humana de acordo com o Islam, as características dos jinns no Alcorão e na tradição islâmica
consultada e, por fim, discutir a possibilidade do pacto de casamento entre aqueles criados da terra, os
humanos, e os criados do fogo sem fumaça, os jinns. No Islam, atribui-se ao casamento um papel decisivo
no desenvolvimento individual, comunitário e social; entretanto, a questão do casamento entre humanos
e entidades não-humanas que possuem livre arbítrio oferece outras possibilidades de reflexão para além
do casamento inter-humano. Para esta pesquisa, foram consultadas obras relativas à sexualidade no Islam,
tafsir (“exegese”) corânico em relação aos versículos que abordam o casamento e seus objetivos, bem
como sites e fóruns voltados para pessoas muçulmanas que buscam sobre a permissibilidade do casamento
entre gênios e humanos – o que indica que tal questão ainda hoje mobiliza interessadas(os). Este trabalho
objetiva comunicar elementos próprios do Islam, como a concepção de jinns como parte da Criação de
Allah, e realizar apontamentos sobre o casamento interespécie humana e “jínnica”. Enquanto conclusão
interessa-nos apontar que a maioria das fontes consultadas não atesta a impossibilidade, mas sim a
proibição desse tipo de casamento, oferecendo uma apreensão outra da própria condição humana e do
afeto amoroso que, no Islam, pode ter um desenvolvimento insuspeito, bem como das disputas sobre o
entendimento do Islam que a internet possibilita.
Neste artigo em específico, objetivo relatar as experiências ritualísticas do Clã Ixanaki, que é um
grupo de bruxaria da cidade de Manaus, buscando identificar quais foram os elementos formadores
da identidade mágica e ritualística do grupo, tendo como base as vivências e experiências dos
membros que fazem ou fizeram parte do Clã. Por meio do método da autoetnografia Reed-Danahay
(1997) que reforça o vigor e a reflexividade de um conhecimento que advoga o relevo dos
microprocessos (individuais) para o entendimento dos processos macrossociais (coletivos), esse
método se torna assim “uma forma de narrativa que localiza o ‘self’ num contexto social.” Dessa
forma, ao refletir sobre a identidade mágica e ritualística do Ixanaki, que é o meu Clã de trabalho, os
elementos que se sobressaem, são a criatividade, a autoexpressão, muito influenciados principalmente
pela identidade de gênero e a ideia de espíritos locais, que serão marcadores importantes para o
entendimento das dinâmicas do grupo. Em meio ao retrocesso e a intolerância religiosa, se torna
42
urgente refletir sobre práticas e experiências dissidentes que apontam caminhos para pensar outras e
novas narrativas de visões de mundo.
Os estudos da bruxaria moderna gravitam em torno do que Stuart Clark denomina como a própria
“natureza da realidade”. A irracionalidade atribuída às crenças em bruxaria afastou, por muito tempo,
a historiografia do problema epistemológico; algo que se torna central em estudos recentes, que
procuram entender os mecanismos intelectuais que permitiram que a caça às bruxas fizesse sentido
para as sociedades da primeira modernidade. A tese de Clark, que embasa esta pesquisa, é de que
para compreender qualquer sistema de crenças, é necessário se voltar para a linguagem na qual ela
foi escrita, extrapolando os limites meramente linguísticos. Com objetivo de estudar a linguagem
demonológica e situar a bruxaria como um conjunto de crenças baseado em sua própria mentalidade
e lógica, será analisado a retórica empregada em sua construção, em especial o conceito de topoi
(lugares-comuns, ou tópicas) construído por Ernst Curtius. O estudo se volta a duas fontes: o panfleto
Newes from Scotland (1591) e o tratado Daemonologie (1597), escrito pelo Rei James VI. Ao analisar
ambas as fontes, que se conectam pelo Rei e o julgamento de North Berwick, se busca encontrar
possíveis tópicas da teoria da bruxaria, entendendo essa produção como parte integrante da
intelectualidade e cultura tanto daqueles que a escrevem, quanto dos que a leem. A retórica vai além
de uma estratégia de convencimento, e a familiaridade da tópica demonstra a presença efetiva dessas
crenças na mentalidade escocesa da época.
A presente pesquisa procura analisar iconologicamente as relações simbólicas e contextuais entre imagens
que retratam a oralidade demoníaca, compreendida como atos maléficos expressados através da boca.
Investiga-se alterações iconográficas e iconológicas encontradas entre os séculos XI-XXI e quais
sobrevivências simbólicas se apresentam na cultura visual contemporânea. São utilizados dois conceitos
criados por Aby Warburg: Nachleben, o poder de sobrevivência da imagem através dos tempos; e
Phatosformel, a afetação da imagem com o espectador. Como exercício de análise iconológica é utilizado
um painel mnemônico, baseado no projeto inacabado de Warburg, intitulado de Atlas Mnemosyne.
Formula-se uma hipótese acerca das representações da oralidade demoníaca medieval separadas em duas
simbologias principais: a partir da “Boca do Inferno” e de um “Satã devorador”. As reproduções da
oralidade demoníaca possuem fortes ligações com o ambiente sociocultural e religioso de uma Europa
medieval repleta de temores. Suas variações estão relacionadas com os sintomas que permeiam a
sociedade. A publicação do livro “A Divina Comédia” contribui intensamente para a mudança
iconográfica medieval com sua descrição do Diabo. A partir da Boca do Inferno encontra-se novas
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concepções de tal oralidade por imagens do Diabo, demônios, feras e, após o século XIX, alcança a figura
humana, com o vampirismo e o canibalismo. A realização do mal através da agressividade oral se institui
no imaginário coletivo e nas heranças artísticas ocidentalizadas, a compreensão do valor mnemônico de
tais imagens se torna relevante ao possibilitar a captação de vínculos entre conceitos e comportamentos
humanos que ultrapassam as barreiras temporais.
Palavras-Chave: Boca do Inferno; Divina Comédia; oralidade demoníaca; Idade Média; Inferno;
Aby Warburg.
Diante dos altos índices de mortalidade e tragédias, a sociedade medieval encontrou nas imagens e
textos das Danças Macabras uma forma de expiar os medos e curiosidades que envolviam o fim da
vida e os seus processos físicos. Essas obras passaram a ilustrar lugares que faziam parte do centro
da vida urbana, compondo afrescos em igrejas, cemitérios ou iluminuras em livros de horas. Ao
mesmo tempo em que se encontravam tão próximas e tão intrinsecamente inseridas na sociedade,
mostravam a face daqueles que não estavam. Os seus autores retratavam personagens que eram
afastadas para as margens da comunidade, como prostitutas e ladrões, e ilustravam as suas obras com
figuras como as gárgulas. Assim, ocupavam o mesmo espaço e tinham o mesmo desfecho que aqueles
de grande poder e prestígio. O trabalho, então, almeja analisar como a margem – do manuscrito,
igrejas ou sociedade – é explorada dentro das Danças. Como ferramentas para a análise das obras
serão utilizados o método iconológico de Panofsky, aliado às colocações de Louis Marin sobre o
conceito de representação dentro do universo artístico e o estudo da semiótica.
Menipo de Gadara foi um escritor e filósofo cínico do século III a.C., cuja obra reverberou em Varro
e em Luciano de Samósata. Tendo cunhado um gênero satírico que depois usou-se chamar de sátira
menipeia, é considerado por Mikhail Bakhtin (2010) como uma das duas fontes da carnavalização na
literatura, juntamente com o diálogo socrático. Sua obra foi completamente perdida, mas a tradição
por ele iniciada perdura por séculos, manifestando-se toda vez em que a derrisão é usada como
ferramenta de questionamento do cânone oficial estabelecido. A reflexão acerca de como seria a
entrada deste patrono dos carnavalizados no inferno é a proposta da poesia Menipo, de Manuel
Bandeira (2019), que no Modernismo brasileiro fala da negação do rito das moedas de Caronte e, em
última análise, o menoscabo a própria morte. O triunfo de Menipo enseja a presente proposta de
comunicação, que objetiva analisar sob o enfoque bakhtiniano, como Bandeira traduz a inversão do
rito de entrada no inferno pelo riso. Socorre-se ainda na teoria do escárnio de George Minois (2003)
e nas representações infernais de Dante (2020).
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