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Há uma ideia generalizada, sustentada tanto por estudos teóricos e empíricos, como por
professores, alunos e pais, e fortemente presente no senso comum, que a escola é um lugar de
discriminação social. Desde os primeiros estudos, baseados na discriminação da escola, realizados,
por exemplo, pelos norte-americanos Bowles e Gintis (1976) e pelos franceses Bourdieu e Passeron
(1970), até à elaboração de dissertações e teses, a discriminação é uma realidade escolar inserida na
organização escolar, sobretudo da abordagem do conhecimento. Com efeito, e no olhar crítico de
Goodson (2001), os que detêm o poder tentam definir qual é o conhecimento mais válido na
sociedade, havendo interesses divergentes no modo como os diferentes grupos sociais têm acesso a
esse conhecimento, pelo que não são iguais as relações entre áreas de conhecimento, tal como os
grupos sociais que dela beneficiam. Se a organização do conhecimento escolar começa pelo
processo de transformação curricular (PACHECO, 2016), sendo completado pela transposição
pedagógica (LIBÂNEO, 2012), se a apropriação desse conhecimento ocorre em contextos de
práticas sociais, culturais e institucionais, que aparecem na escola “tanto como contexto social e
cultural quanto como conteúdos, influenciando nas mudanças no desenvolvimento e na
aprendizagem dos alunos” (p. 44), de que modo a inclusão pode ser tratada como princípio central
de desenvolvimento do currículo, em particular, e da educação, em geral, de modo a evitar a
exclusão dos alunos no acesso e no percurso escolar?
(*)
Professor Catedrático do Instituto de Educação da Universidade do Minho. E-mail: [email protected].
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direito, por que razão a escola é cada vez mais um lugar de instrução e cada vez menos um lugar de
educação?
Uma primeira resposta pode ser procurada na função meritocrática da escola, na sua
organização para a transmissão e avaliação de um conhecimento tido como essencial para a
distinção social das pessoas, mesmo que a igualdade e a inclusão sejam termos usados como
definidores de uma escola centrada no desempenho pessoal. Há muitas metáforas utilizadas no
currículo e avaliação para traduzir esta realidade de produção de desigualdade, aliás bem exploradas
pelos teóricos do liberalismo que atribuem a centralidade ao sujeito ou indivíduo que é titular de
direitos, “independentemente da sua função ou do seu lugar na sociedade, e que o tornam igual a
qualquer outro homem”. (MANENT, 2015, p. 9).
Duas dessas metáforas reportam-se, pelo menos, à escola como montanha a ser escalada
individualmente, sabendo-se que nem todos conseguem chegar ao ponto mais alto, como se o ideal
escolar estivesse situado no monte Everest, bem como ao currículo, tal como aparece na definição,
do século XIX (GOODSON, 2001), como pista circular de corrida de cavalos, onde o competir
significa chegar em primeiro e admitir o insucesso dos outros. Esta linguagem de competição,
presente no ofício do aluno (PERRENOUD, 1995), tem eivado as práticas escolares em toda a sua
organização, incluindo o modo como são apresentados o conhecimento e a aprendizagem. Para os
seus defensores, situados nas teorias curriculares do racionalismo académico e da teoria de
instrução, esta, ligada à racionalidade tyleriana, aquela, à noção de inteligência como músculo e à
escola panótica (PACHECO, 2014), a exclusão é uma prática justificada, pois nem todos os
indivíduos, apesar dos seus direitos naturais, se posicionam nos mesmos grupos sociais, têm os
mesmos interesses perante a escola. Assim, o que se torna na base da aprendizagem escolar é o
princípio do universalismo epistémico, afirmando-se, inclusive, que o conhecimento não é
socialmente construído e que o construtivismo é uma deriva psicológica e pedagógica, orientado
para a destruição da imagem clássica do conhecimento baseado em factos, na justificação e na
explicação racional. Tais ideias são defendidas, de entre outros teóricos, por Boghossian (2015, p.
9), que escreve contra a formação do “consenso extraordinário – nas ciências sociais e humana e até
nas ciências naturais – em torno de uma tese de que o conhecimento é socialmente construído”. Se
esta ideia fosse validada, a educação transformar-se-ia num processo mais radical de exclusão,
argumento que de modo algum perfilhamos.
Uma outra resposta – e não é possível enumerar muitas mais neste artigo – que é a
continuidade da primeira, está na utilização dos termos qualidade, eficácia e eficiência, no contexto
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Neste caso, a escola como negócio1 surge na realidade educacional, quase indistintamente
em todos os países ligados por uma globalização económica, com a entrega ao setor privado de
serviços que são públicos, em nome da eficiência do mercado, tendendo a “ser tutelada de acordo
com o modelo da linha de montagem fabril” (PINAR, 2007, p. 53) e originando no professor uma
identidade de gestor empresarial, assim definido por Hargreaves e Fullan (2012, p. XIII): “limita o
currículo, volta-se para a tecnologia, prescreve e segmenta a instrução, ensina para os testes, reduz a
literacia a pequenos trechos de compreensão em vez de envolvimentos mais significativos através
de textos absorventes”.
Quer dizer, assim, que o professor será alguém mais preocupado com a implementação das
políticas governamentais do que com as respostas que se torna necessário dar às necessidades dos
alunos, apesar de as políticas nacionais, como é o caso português (SEABRA, 2015, p. 76), imporem
a racionalização do currículo, retirando-lhe, entre outras áreas, a educação cívica, e “a criação de
agrupamentos escolares, sem pôr em causa o acesso à educação” como método de reduzir as
despesas em educação. Assim, reconhecer-se-á, que “foram objetivamente reduzidas as margens de
participação das escolas e dos professores na concepção e na gestão do currículo” (ESTEVES,
2015, p. 327).
Neste sentido, Santos (2015, p. 237) escreve que “é importante considerar que as matrizes de
referência dos testes terminam reduzindo o currículo escolar àquilo que é mensurável, enquanto
outros aspetos fundamentais do processo educacional são secundarizados ou até descartados”. A
mensuração pressupõe, assim, a generalização de padrões de aprendizagem e o estímulo à
1
O negócio na escola consagra a lógica de mercado, declarando a gestão privada como a mais eficiente e eficaz, sendo
exemplo disso as vouchers schools, nos Estados Unidos, o cheque-ensino, em muitos países, e os organismos sociais, no
Brasil.
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competição que veicula uma ideologia do mérito, ou seja, uma pedagogia dos resultados e dos
testes.
Tais efeitos, pela análise de Esteves (2015, p. 324), resultam das “políticas de mundialização
que têm incluído, de forma flagrante e crescentemente visível, a educação”, na medida em que se
afirma o seu valor enquanto “mercadoria que se vende e compra no mercado global e em que se
presume que os seus resultados, os seus produtos, são essenciais para o crescimento da economia,
para o triunfo sobre a concorrência e para a competitividade” (p. 324).
Esta situação está presente na forma de fazer a gestão do currículo em função das políticas
educativas transnacionais orientadas para a prestação de contas. Assim, a abordagem centrada nos
testes é essencialmente definida pela abordagem centrada em resultados e pela abordagem centrada
em standards, ou seja, “duas governamentalidades curriculares expressas nas práticas quotidianas
curriculares, cada vez mais inseridas numa lógica empresarial para a educação, em normas
concretas para a privatização das escolas, em dispositivos de avaliação externa e em práticas de
mercadorização curricular” (PACHECO; MARQUES, 2014, p. 108).
Tais formas de governação curricular, que destacam, entre outros aspetos, o desempenho ao
nível dos resultados, os testes à larga escala, com incidência nos testes transnacionais, de que o
PISA é o padrão, o ranking de escolas e a linguagem das competências, uma outra forma de
apresentar objetivos de aprendizagem e metas curriculares, originam não só uma escolarização
restrita, que inclui o core curriculum e provoca o mimetismo curricular,2 como também a coerção
avaliativa, em que a avaliação é marcada pela resultados entendidos como scores numa prática de
competição, na base da qual estão processos explícitos e implícitos de exclusão.
2
Por mimetismo curricular entende-se a tendência para que as disciplinas nucleares do currículo, por exemplo,
Matemática e Português, com formas predominantes de avaliação externa, sirvam de exemplo às restantes disciplinas.
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meros executantes das orientações gerais das políticas educativas”, com incidência no modo como
cada professor perspetiva a inclusão, ou seja, uma inclusão de resultados.
De mão dada com a globalização caminha a cultura de prestação de contas, que não para de
crescer e que parece não ter fim, situando-se os professores “num movimento de pinça entre os pais
e os burocratas” (HARGREAVES; FULLAN, 2012, p. 35), pois as políticas são cada vez mais
“iniciativas administrativas fragmentadas, incoerentes e modistas” (p. 36).
Quer dizer, assim, que o currículo, pela sua vincada estandardização, tende para uma
similaridade construída globalmente que configura a inclusão de resultados.
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
É inegável que, apesar dos contornos negativos que têm no modo como contribuem para a
estandardização das práticas sociais, nas quais se incluem as das escolas relativamente à inclusão,
os organismos transnacionais, com destaque para Unesco, têm desempenhado um papel positivo na
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Quando são declarados princípios globais de orientação política, com efeitos no modo como
é organizada a educação, olha-se mais para macro-aspetos do que propriamente para as questões
educacionais concretas, nas quais participam TODOS os alunos. De facto, a escola inclusiva acolhe
e educa uma enorme diversidade de alunos, nomeadamente: alunos oriundos de espaços culturais
diversos; alunos com necessidades efetivas (cognitivas e físicas); alunos com diferentes contextos
socioeconómicos; alunos com diferentes níveis de habilidades; alunos com dificulades de
aprendizagem; alunos com diferentes destrezas sociais; alunos com diferentes valores e crenças;
alunos com diferentes estilos de aprendizagem; alunos com diferentes níveis de desenvolvimento
(comportamental, mental e físico); alunos dotados; alunos sexualmente diferentes; alunos com
necessidades emocionais (MERGLER; CARRINGTON; KIMBER; BLAND, 2016; ALONSO;
CASTEDO; JUSTE; VARELA, 2015).
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Deste modo, e perante a diversidade com que a escola é confrontada na organização dos
percursos escolares, que respondem a necessidades de públicos diferentes, o grande desafio é o de
organizar o processo de desenvolvimento do currículo que seja democrático e inclusivo, sabendo-
se, no entanto, que toda e qualquer forma escolar contém em si um potencial de discriminação, mais
ainda se a escola usar a linguagem da instrução em detrimento da linguagem da educação. Pode-se
dizer, por isso, que a discriminação é uma categoria criada a partir do interior da própria escola, ou
seja, a escola, na forma como está organizada curricularmente, produz a desigualdade, não tanto no
ponto de partida, mas essencialmente no ponto de chegada ou na conclusão de ciclos e níveis
escolares, pelo que a democratização através da educação é um ideal que estará sempre confrontado
com políticas e práticas de discriminação curricular.
Uma política curricular homogénea e desigual. Todos os alunos, in nomine, devem ter as
mesmas condições de igualdade. Na prática, são confrontados com formas particulares de
diversificação, que, pela sua natureza de remediação escolar e de medidas de combate à exclusão
escolar, são o prolongamento de desigualdade criada pela prescrição do currículo.
Tais possibilidades, algumas das quais inconcretizáveis, conduzem a inclusão educativa para
o campo da integração curricular, sendo necessário perspetivar o currículo como um jogo social,
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com regras próprias, construído nos seus aspetos formais e informais, com a meta do conhecimento.
E sobre esta questão, coloca-se, de novo, a questão nuclear: Qual é o conhecimento mais valioso?
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currículo como plano que contém as normas para a sua implementação. O fechamento do currículo,
como dispositivo que veicula um conhecimento poderoso (YOUNG, 2013), origina formas claras
de controlo na escola, onde o vigiar e o punir foucaultianos das mentes e dos corpos são apenas um
dos lados mais visíveis, já que a escola é um iceberg cognitivo que discrimina pelo modo como se
organiza e impõe standards de aprendizagem.
Identidade/diferença/sujeito. Por mais sistema centralizado que exista para a escola, com
normas a serem decididas e implementadas a partir de uma lógica top-down, a educação é sempre o
espaço de afirmação e desconstrução da identidade e diferença do sujeito, cuja relação com o
processo de aprendizagem se verifica numa dimensão subjetiva (PINAR, 2015) e num contexto
social (WIEVIORKA, 2002).
Tais invariantes coexistem de uma forma muito variada nos sistemas educativos e projetam-
se na organização do currículo e no seu processo de desenvolvimento, tornando-se referencias para
a discussão da inclusão nas práticas escolares. Partindo de uma análise focada na filosofia moral, e
numa crítica às ideias perfilhadas sobre a desigualdade económica, por Piketty, em O Capital no
Séc. XXI, Frankfurt (2016, p. 12) contesta a igualdade económica como ideal moral, uma vez que
“eliminar a desigualdade de rendimentos não pode ser, em si, o nosso objetivo fundamental” e que
o que é “moralmente importante é que cada um tenha o suficiente” (p. 15). O autor advoga, ainda,
para não se cair na arbitrariedade: “temos de tratar os semelhantes de forma semelhante e os
dissemelhantes de forma diferente” (p. 65).
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no plano da moral, mas focada socialmente é outra, porque a desigualdade está associada à pobreza.
Uma outra questão é a ligação das tecnologias à produção da desigualdade (LUNARDI, 2015).
Mais do que respostas, há muitas perguntas a fazer sobre a inclusão educativa, perspetivada
a partir da diversidade curricular, sobretudo quando há invariantes que promovem a inclusão e a
exclusão:
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princípios éticos de igualdade, mesmo reconhecendo-se que a diversidade curricular não significa a
defesa de um igualitarismo educacional; v) a diversidade curricular conjuga o que é comum com o
que é singular, na observação de situações específicas ligadas a contextos e pessoas.
Contudo, quando se afirma que a diversidade implica a diferença não é possível concordar
com uma escola orientada para a discriminação e injustiça social. Embora, nas suas dimensões
organizacional, curricular e pedagógica, a diversidade seja um a matriz desejada para a
escolarização, a desigualdade não pode ser um princípio educacional, nem moral nem
pedagogicamente. Como escreve Rios (2011),
justiça é igualdade na diferença. Somos diferentes, homens e mulheres brancos e negros,
adultos e crianças. Mas somos iguais em direitos, iguais no direito de ter direitos, de criar
direitos. Somos, portanto, diferentes e iguais. O contrário de igual não é diferente. É desigual, e
tem uma conotação social e política. A afirmação da identidade se dá na possibilidade da
existência da diferença e na luta pela superação da desigualdade.” (p. 238-239).
CONCLUINDO
A inclusão educativa é, pela sua natureza de percursos, uma questão curricular que necessita
de ser repensada a partir de invariantes educacionais e curriculares que existem nas práticas
escolares, e que têm legitimado a discriminação social a partir de lógicas orientadas para uma
inclusão de resultados, bem como na como na base de uma discussão que reconhece a diversidade
como principio fundamental do desenvolvimento do currículo. Se o igualitarismo curricular é algo
de impensável, o que significaria tratar o dissemelhante como semelhante, reconhecendo-se que a
escola o faz pelas suas práticas de estandardização e homogeneização, dizer que a diversidade é a
matriz curricular da escola, na busca de um permanente ideal de justiça social, significa reconhecer
que a educação é um projeto amplo e diferente, que não pode tornar-se num pêndulo que oscila,
invariavelmente, entre os lados da discriminação pessoal e da discriminação social, como se o lados
da justiça e igualdade não existissem.
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RESUMO
Neste artigo aborda-se a inclusão partir de (in)variantes educacionais e curriculares tendo como objeto de
problematização não só a discussão de termos, que são usados de forma geral na escola e em documentos
internacionais e nacionais, as políticas curriculares, os processos com influência na organização, bem como a
tipologia de alunos no contexto escolar. Argumenta-se que o currículo é profundamente desigual, sobretudo
devido à sua organização, com tendência para a uniformização e estandardização, pelo que a discriminação é
intrínseca às escolas, não podendo ser afastados os fatores socioeconómicos. A inclusão educativa é, pela sua
natureza de percursos, uma questão curricular que tem de ser repensada a partir de invariantes educacionais,
existentes nas práticas escolares, com o reconhecimento de que a diversidade é um dos princípios
fundamentais do desenvolvimento do currículo.
Palavras-chave: Inclusão, Currículo, Diversidade, Desigualdade.
ABSTRACT
In this article we discuss the inclusion from (in) educational and curricular variants having as problematic
object the discussion of terms, that are used in general at school and at national and international documents,
the curriculum policies, the processes with influence on the organization, as well as the type of students in the
school context. It is argued that the curriculum is profoundly unequal, mainly due to its organization, with a
trend towards homogenization and standardization, so that discrimination is intrinsic to schools and cannot be
removed socio-economic factors. The educational inclusion is by its nature paths, a curricular issue that has to
be rethought from educational invariants, presents in school practices, recognizing that diversity is one of the
fundamental principles of curriculum development.
Keywords: Inclusion, Curriculum, Diversity, Inequality.
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