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Revista Portuguesa de Educao, 2014, 27(2), pp.

7-31
2014, CIEd - Universidade do Minho

Pedagogia universitria Valorizando o


ensino e a docncia na universidade
Maria Isabel de Almeidai & Selma Garrido Pimentaii
Universidade de So Paulo, Brasil

Resumo
Como e em que circunstncias processos de formao relativos ao saber ser
professor podem ser desenvolvidos em uma universidade complexa? O texto
aponta possveis respostas a essa questo, a partir da anlise da constituio
de uma poltica de formao dos docentes em uma universidade pblica
Universidade de So Paulo, Brasil , cuja tradio das atividades de pesquisa
se sobrepe s de ensino. Para ampliar a compreenso da experincia
empreendida, discute o significado do ensino de graduao no contexto da
crise da universidade contempornea e aponta a relevncia dos docentes para
assegurar o significado social da universidade. Teve como instrumentos que
sustentam a anlise os registros escritos e as pesquisas produzidas pelos
participantes do processo (docentes, gestores, doutorandos). Considerando o
marco terico-conceitual sobre docncia universitria, os resultados da anlise
apontam algumas contribuies para a rea: a importncia do enraizamento
institucional de polticas de formao pedaggica de docentes universitrios; a
insero destas no oramento institucional; a diversidade de aes formativas;
e a valorizao da produo cientfica dos docentes sobre ensino.

Palavras-chave
Docncia e pesquisa na graduao; Universidade; Poltica institucional

Introduo
Em decorrncia da importncia do ensino nos cursos de graduao e
o frequente despreparo dos docentes para essa atividade, a formao de

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professores para o ensino superior vem ganhando relevncia no cenrio


mundial. Pesquisas e experincias institucionais tm sido objeto de anlises
em congressos cientficos. O presente texto traz contribuies ao debate a
partir das interseces de nossas pesquisas e da coordenao de uma
experincia realizada no mbito da Universidade de So Paulo, Brasil. Seus
objetivos so discutir como se forma o professor universitrio para atuar
concomitantemente nas atividades de investigao e produo do
conhecimento e nas atividades de ensino. Para isso, debate as
compreenses conceituais, metodolgicas e organizacionais da formao dos
docentes universitrios. Espera-se, assim, contribuir para o incremento de
polticas institucionais de formao contnua capazes de superar os limites de
aes isoladas como cursos, seminrios, disciplinas de ps-graduao,
palestras e estgios que tm marcado a preparao desses professores.
Entendendo que polticas para essa formao devam se enraizar nos
contextos sociais, econmicos e culturais que envolvem a trajetria da
universidade contempornea, o texto discute tambm aspectos relativos s
transformaes da universidade e s caractersticas e novas demandas que
os diversos perfis de estudantes colocam para a formao do docente do
ensino superior. Trataremos, em sntese, dos aspectos que ajudam a explicar
as razes da crescente importncia da formao dos docentes universitrios,
na perspectiva de se produzir mudanas em suas prticas, e as repercusses
dessa tendncia na implementao de polticas institucionais focadas na
valorizao e qualificao do trabalho docente.
A universidade uma instituio educativa cuja finalidade o
permanente exerccio da crtica, que se sustenta na pesquisa, no ensino e na
extenso, ou seja, a produo do conhecimento a partir da problematizao
dos conhecimentos historicamente produzidos e de seus resultados na
construo da sociedade humana e dos novos desafios e demandas que esta
coloca. Esses desafios so produzidos e identificados inclusive nas anlises
que se realizam no processo de ensinar, na experimentao e na anlise dos
projetos de extenso, por meio das relaes que so estabelecidas entre os
sujeitos e os objetos de conhecimento.
Como afirma Morin (2000),
a universidade conserva, memoriza, integra e ritualiza uma herana cultural de
saberes, ideias e valores que acaba por ter um efeito regenerador, porque a

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universidade se incumbe de reexamin-la, atualiz-la e transmiti-la [ao mesmo


tempo em que] gera saberes, ideias e valores que, posteriormente, faro parte
dessa mesma herana (p. 15).

A universidade tem, portanto, uma funo transecular, que vai do


passado ao futuro por intermdio da crtica ao presente, com vistas a
humanizar a sociedade. Desse modo, o sentido da educao o de
possibilitar que todos os seres humanos tenham as condies de serem
partcipes e desfrutadores dos avanos da civilizao historicamente
construda e responsveis pela formulao de propostas criativas, visando
superao dos danos causados por essa mesma civilizao (Freire, 2011).
Na sociedade contempornea, o ensino de graduao encontra-se
fortemente submetido lgica do mercado e do consumo, configurando o que
alguns autores denominam de processo de fastfoodizao da universidade
(Debry, Leclercq, & Boxus, 1998), configurando-se como uma imensa usina
de produo, em que os estudantes so considerados apenas elos do sistema
no qual a aprendizagem rpida e ligeira, exigindo apenas o suficiente para
se obter crditos e diplomas. Nessa lgica, o percurso formativo como um
supermercado no qual as disciplinas esto dispostas em gndolas, escolha
do estudante, e disponibilizadas conforme a deciso individual dos docentes
ou departamentos. A carreira acadmica destes (publicar muito e o mais
rpido possvel) tem primazia em relao formao dos estudantes, e as
culturas da academia e dos jovens ficam separadas por um fosso
intransponvel.
Concordando com essa crtica, entendemos que preciso criar uma
nova cultura acadmica nos cursos de graduao: que considere o direito do
estudante de desenvolver uma postura frente ao saber que supere a
especializao estreita; que problematize as informaes e garanta sua
formao como cidado e profissional cientista compromissado com a
aplicao do conhecimento em prol da melhoria da qualidade de vida de toda
a sociedade; que possibilite o desenvolvimento do pensamento autnomo,
substituindo a simples transmisso do conhecimento pelo engajamento dos
estudantes num processo que lhes permita interrogar o conhecimento
elaborado, pensar e pensar criticamente; que enseje a resoluo de
problemas, estimule a discusso, desenvolva metodologias de busca e de
construo de conhecimentos (ensinar com pesquisa); que confronte os

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conhecimentos elaborados e as pesquisas com a realidade; que mobilize


vises inter e transdisciplinares sobre os fenmenos; que aponte solues
aos problemas sociais (ensinar com extenso); e que crie uma nova cultura
acadmica que valorize o trabalho dos docentes na graduao.
Ensinar na universidade de modo a formar alunos com essas
caractersticas aponta para uma ao docente diferenciada da
tradicionalmente praticada. Como um profissional que realiza um servio
sociedade, o professor universitrio atua de forma reflexiva, crtica e
competente no mbito de sua disciplina, explicitando seu sentido, seu
significado e sua contribuio no percurso formativo dos estudantes, inserida
no projeto poltico-pedaggico dos cursos, vivenciado no cotidiano do ensino
e da pesquisa. Os cursos, por sua vez, inserem-se no projeto polticopedaggico-institucional com suas identidades prprias, considerando as
demandas da sociedade contempornea em geral e no contexto do campo de
ao prprio das reas de saber envolvidas. Nesse sentido, oportuna a
contribuio do Frum Nacional de Pr-Reitores de Graduao das
Universidades Brasileiras (Dias, 2007):
Como todo saber e todo exerccio profissional ocorrem em situaes sciohumanas concretas que requerem mudanas profundas, todo Projeto
Pedaggico deve pautar-se em uma viso de mundo cultivada com
racionalidade tica. Esta viso de mundo constitui-se em horizonte daquilo que
se "pro-jeta" e ponto de referncia de todas as aes e decises do curso (p.
12).

Considerando as proposies aqui ensejadas, o estudo em questo


busca apontar possibilidades de formao pedaggica de docentes como
meio de valorizar o ensino de graduao a partir da experincia realizada na
Universidade de So Paulo (USP)1, ressaltando os modos organizacionais
que possibilitaram o seu enraizamento na cultura institucional acerca da
importncia da formao para a docncia.

Marco terico-conceitual da formao docente


Como fazer frente aos novos desafios, trazidos pelas mudanas
sociais, ao trabalho de formao dos estudantes universitrios, considerando
o equilbrio e a convergncia entre a pesquisa nas reas especficas e na rea
pedaggica na atuao dos docentes? Considerando essa questo,

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discutiremos os pressupostos conceituais e metodolgicos que tm


embasado a proposio de polticas institucionais para a formao de
docentes no ensino superior.
A literatura sobre o tema (Almeida, 1999, 2006, 2012; Arajo, 2005;
Benedito et al., 1995; Cunha, 1998; Leite, 1999; Nvoa, 2013; Pimenta &
Anastasiou, 2002; Veiga & Castanho, 2000; Zabalza, 2004) discute a
caracterstica que identifica o professor do ensino superior como aquele que
domina o conhecimento especfico de sua rea ou disciplina, mas que no
necessariamente sabe ensinar, o que, em geral, no lhe foi exigido nas
instituies nem mesmo no mbito das polticas educacionais. Estas, quando
muito, apontam tmida e genericamente que devem ser preparados para
ensinar. Ao contrrio, do professor da escola bsica, exige-se a formao de
nvel superior com a comprovao de inmeras horas dedicadas a
aprendizados didticos, avaliativos e organizacionais do ensino.
Paradoxalmente, aos docentes dos cursos superiores que formam
professores para a escola bsica no exigida a competncia acadmica
para ensinar. E paradoxal ainda a exigncia de uma prova didtica na
maioria dos concursos para ingresso na carreira docente do ensino superior,
que raramente examina devidamente a competncia didtica para o ensino
nos cursos de graduao.
Estudos na rea (Pimenta & Anastasiou, 2002; Zabalza, 2004; Biggs,
2006; Flores, 2007; Ru, 2007; Cunha, 2009; Rios, 2009; Leite & Ramos,
2012; Almeida, 2012, dentre outros) mostram que a preparao de docentes
para a vida acadmica, como especialistas em um campo especfico do
conhecimento, ocorre em geral em programas de ps-graduao stricto
sensu, nos quais o futuro docente desenvolve os conhecimentos tericos e
instrumentais da atividade de pesquisa e consolida as apropriaes referentes
ao seu campo cientfico de atuao. Desenvolve-se, nesses programas, a
preparao profissional voltada para as atividades de pesquisa e de produo
do conhecimento, que se complementam com a etapa da divulgao dos
resultados em eventos e em publicaes e conferem visibilidade e status ao
pesquisador. Outras atividades, tambm de grande relevncia acadmica,
como a orientao de outros pesquisadores ou aquelas voltadas para a
aferio da qualidade das pesquisas realizadas pelos pares, como bancas ou
pareceres, so entendidas como decorrentes das competncias do

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pesquisador. Entretanto, sua formao para a docncia praticamente inexiste


nos cursos de ps-graduao. Cunha (2006) mostra que "a formao do
professor universitrio tem sido entendida, por fora da tradio e ratificada
pela legislao, como atinente quase que exclusivamente aos saberes do
contedo de ensino" (p. 258), colocando o ensino como uma decorrncia das
demais atividades. O que se constata ento que o professor universitrio
no tem uma formao voltada para os processos de ensino e aprendizagem
pelos quais responsvel quando inicia sua vida acadmica. Os elementos
constitutivos de sua atuao docente, como relao da disciplina com o
projeto do curso, planejamento, organizao da aula, metodologias e
estratgias didticas, avaliao, peculiaridades da interao professor-aluno,
lhe so desconhecidos, bem como a compreenso do sentido e do significado
de sua rea especfica na formao dos estudantes como sujeitos e cidados,
questes essas determinantes do que se ensina, do para que se ensina e dos
modos como se ensina e que so prprias da atividade educativa de ensinar.
Pesquisas em diferentes pases (DiPietro & Buddie, 2013; Kato, 2013;
Creten & Huyghe, 2013; Ru et al., 2013) mostram que predomina, dentre os
docentes do ensino superior, um despreparo e at um desconhecimento
cientfico do que seja o processo de ensino e de aprendizagem pelo qual
sero responsveis a partir do instante em que ingressam no departamento e
na sala de aula. Considerando os problemas que esse desconhecimento
acarreta na formao dos estudantes de graduao, observa-se nesse campo
de pesquisa um crescimento da preocupao com a formao e o
desenvolvimento profissional de professores universitrios e com as
inovaes no campo da atuao didtica.
O conjunto de aes que caracteriza a docncia universitria
pressupe elementos de vrias naturezas, o que coloca aos sujeitos por ela
responsveis um rol de demandas, contribuindo para configur-la como um
campo complexo de ao. Cunha (2009) e Almeida (2012) apontam, o que
podemos sintetizar, trs dimenses da formao docente: a dimenso
profissional, na qual se aninham os elementos definidores da atuao como a
incessante construo da identidade profissional, as bases da formao
(inicial ou contnua) e as exigncias profissionais; a dimenso pessoal, na
qual h que se desenvolver as relaes de envolvimento e compromisso com
a docncia, bem como a compreenso das circunstncias de realizao do

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trabalho e dos fenmenos que afetam os envolvidos com a profisso e os


mecanismos para se lidar com eles ao longo da carreira; e a dimenso
organizacional, na qual so estabelecidas as condies de viabilizao do
trabalho e os padres a serem atingidos na atuao profissional. Esse
movimento configura o que se pode denominar de uma concepo ecolgica
da formao docente, que sustenta a necessidade de se formar um professor
capaz de desenvolver uma cultura profissional que lhe assegure a
possibilidade de ser, individual e coletivamente, um agente de mudana que
consiga enfrentar situaes problemticas contextualizadas, em meio s
quais ele saiba no s o que fazer e como fazer, mas tambm porque e para
que faz-lo.
Compreende-se ainda que a formao do professor necessita ser
aninhada numa perspectiva de desenvolvimento profissional (Almeida, 2012),
que tem na formao inicial o princpio de um processo contnuo no qual a
profisso se desenvolve por meio de descobertas individuais e coletivas, que
se sedimentam e se reconstroem apoiadas em rigorosa reflexo sobre a
prtica, mediada pela teoria, o que permite a reconstruo da experincia na
perspectiva do aprimoramento da atuao futura. Portanto, a interao com o
contexto de atuao constitui elemento essencial ao processo de formao ao
longo da carreira docente.
Como a qualidade da formao propiciada aos estudantes elemento
que confere reconhecimento institucional, entendemos que, para viabiliz-la
como fruto da ao coletiva de seus docentes, a formao se constitui em
elemento de valorizao do trabalho docente e pressupe que os professores
sejam capazes de considerar, numa perspectiva crtica, os contextos histrico,
social, cultural e organizacional onde realizam suas prticas.
Assim, com base em estudos da rea (Brezinski, 2002; Alarco, 2003;
Benedito et al., 1995; Masetto, 2004; Zabalza, 2004; Fiorentini & Souza e
Melo, 1998), entendemos que o ensino uma atividade que requer
conhecimentos especficos, consolidados por meio de formao voltada
especialmente para esse fim, bem como atualizao constante das
abordagens dos contedos e das novas maneiras de ensin-los. A mediao
da prtica coloca-se como indispensvel; porm, em estreita articulao com
a teoria e ancorada na reflexo, como processo que busca atribuir sentido
quilo que se pratica.

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As novas demandas sociais, postas para a formao de futuros


profissionais, trazem como decorrncia a necessidade de se processar
profunda renovao no contexto da sala de aula e nas metodologias de
ensino universitrio, o que coloca implicaes novas para os docentes em seu
trabalho formativo. Considerando que os enfoques didticos clssicos,
centrados na aula e na atuao do professor, vm cedendo espao a modos
de ensino centrados em atividades a serem exercidas pelos estudantes de
maneira autnoma, configurar novos modos de planejar e executar o
processo de ensino-aprendizagem constitui uma demanda central da
formao nesse novo contexto. Trata-se, portanto, de propiciar condies
formativas para que se desenvolva uma mudana de paradigma orientador
desse processo, o que requer a definio de organizaes curriculares
baseadas em lgicas interdisciplinares, reorientao nos objetivos, na
metodologia docente, nas estratgias de ensino-aprendizagem, nos sistemas
de avaliao, na organizao dos recursos e nos espaos de trabalho. Nesse
redesenho nos planos de estudos, a literatura na rea aponta novas novas
capacidades para os docentes, de modo a favorecer o desenvolvimento de
outras dimenses na formao dos alunos. Trata-se, portanto, da
necessidade de constituio de um novo paradigma de docncia universitria.
Feixas (2004) considera que o apoio departamental, a colaborao
entre os pares e as atividades de formao so essenciais para que os
docentes possam mudar suas concepes, de modo a compreender o ensino
como possibilidade de o estudante desenvolver e transformar suas prprias
ideias a respeito da disciplina e sua relao com o conhecimento, o campo
profissional e a sociedade. Ainda Feixas (2004), analisando universidades
espanholas, afirma que a formao dos docentes est presente hoje em todas
estas e que a adeso voluntria dos docentes s atividades de formao
constitui um fator que favorece o aperfeioamento da ao docente. No Brasil,
os programas existentes confirmam essa evidncia no que se refere adeso
voluntria, especialmente nas universidades pblicas, onde as condies de
vnculo empregatcio propiciam estabilidade e permanncia no quadro
docente. J nas particulares, em geral, a permanncia no quadro docente
vinculada s avaliaes que os estudantes fazem sobre o trabalho dos
professores em sala se aula e, muitas vezes, so as mesmas utilizadas para
dispensar professores. Assim, os programas de formao docente tendem a

Pedagogia universitria 15

ser de participao obrigatria, o que nem sempre resulta em qualidade


formativa.
A formao dos docentes do ensino superior um campo das polticas
institucionais que requer ateno especial. Nogueira (cit. por Feixas, 2004)
pontua sua enorme importncia:
Tanto a formao pedaggica inicial como o desenvolvimento profissional do
professorado universitrio requer uma poltica global da universidade que
dignifique e valorize as funes docentes como fundamentais para se alcanar
a "excelncia". S quando se gera um clima no qual a alta qualificao na
docncia seja um indicador mais valorizado que os resultados de uma pesquisa
ou o custo, s vezes desproporcional, de aparatos de infraestrutura, ser
possvel estimular a autorreflexo sobre o fazer docente e a implicao dos
professores da educao superior em programas de formao pedaggica (p.
41).

Nas experincias espanhola e brasileira, conforme Almeida (2012),


encontramos aproximaes no que se refere ao desafio para as instituies
de formar o conjunto de seus docentes, envolvendo aqueles professores que
no sentem necessidade de se aperfeioar profissionalmente na ao de
ensinar. Em suas polticas de qualidade para o desenvolvimento profissional
docente, tm sido consideradas: as necessidades pessoais e coletivas que
so focadas em coletivos com caractersticas similares, como, por exemplo,
docentes jovens ou que esto em incio de carreira, docentes em etapas
avanadas, coordenadores de cursos, responsveis pelo ensino de
graduao, chefes ou dirigentes; e a definio de diretrizes polticas que
articulam a promoo na carreira com os esforos empreendidos para a
melhoria da docncia, desenvolvimento de inovaes no ensino e valorizao
da produo de conhecimento sobre o ensino (pesquisas sobre o ensino). As
concluses das anlises sobre essas experincias recomendam que as
polticas de avaliao do professorado sejam definidas em estreita articulao
com a poltica de formao docente, voltadas para a valorizao e a
estabilidade profissional.
Para finalizar essas consideraes, valemo-nos das recomendaes
de Fernndez (1999) ao propor alguns indicadores para a organizao de
uma poltica de formao docente institucional: compromisso das instituies
universitrias para criar as condies que tornem possvel esse processo;
determinao em caminhar rumo a uma cultura de colaborao; concepo

16 Maria Isabel de Almeida & Selma Garrido Pimenta

de formao ligada prtica docente e que compreenda a inovao e a


formao como elementos complementares da organizao da poltica
formativa; apostar em aes que tenham relao com a qualidade da
docncia, potencializando e gerando interesses pela melhora do ensino; gerar
os elementos condicionantes capazes de integrar em uma mesma poltica as
atuaes sobre avaliao, desenvolvimento profissional e inovao. Com
isso, argumentamos em favor de uma real valorizao do empenho na
formulao de polticas institucionais de formao, estveis e permanentes,
voltadas para o aprimoramento da atividade de ensinar, compreendida como
um dos componentes essenciais para assegurar a qualidade do trabalho na
universidade contempornea.

Uma experincia de valorizao da docncia no ensino


superior: Desafios e contribuies
Como e em quais circunstncias os processos de formao relativos
ao ser e ao saber ser professor universitrio podem ser desenvolvidos e
potencializados? Na busca de respostas a essa questo, apresentamos, a
seguir, a anlise da poltica de valorizao e formao de docentes que
desenvolvemos na Universidade de So Paulo (USP), cuja tradio das
atividades de pesquisa se sobrepe s de ensino. Sua implementao foi uma
iniciativa da Pr-Reitoria de Graduao, na qual ocupamos os cargos de prreitora e de assessora especializada.
Nessa condio, definimos como principais trs grandes diretrizes:
valorizar o ensino de graduao no que se refere qualidade formativa dos
discentes e s condies da docncia; a incluso social de estudantes
egressos de escolas pblicas; e a ampliao de vagas. Constitui objeto deste
texto a anlise da primeira delas valorizar o ensino de graduao , que foi
traduzida nos seguintes eixos programticos: a) apoiar propostas e
programas para experimentao de novas formas de organizao curricular e
de novos modos de ensinar na universidade; de organizao departamental e
no departamental; de novos modelos pedaggicos para o ensino noturno e
para o ensino presencial, com apoio s relaes miditicas
professor/aluno/turmas; b) apoiar o desenvolvimento profissional e acadmico
de docentes; c) apoiar a implementao dos Grupos de Apoio Pedaggico
(GAPs). Esses eixos expressam o compromisso da gesto da Universidade

Pedagogia universitria 17

com a necessidade de encontrar estratgias capazes de promover mudanas


e melhoras na qualidade da docncia e do ensino de graduao.
As linhas de ao foram formuladas com vistas aos objetivos
anteriormente explicitados e de modo a oferecer condies para que se
superasse a fragmentao das mltiplas atividades da vida profissional dos
docentes, intensificada nos ltimos anos de modo exacerbado, com
predomnio daquelas voltadas para a pesquisa em detrimento das centradas
no ensino, o que estimula a desvalorizao do empenho e do tempo docente
a ele dedicado. Tambm se buscou criar, dentre os docentes em formao,
uma base poltico-pedaggica capaz de permitir redirecionamentos no trato
com os conhecimentos cientficos, nos modos organizativos do currculo e das
abordagens de ensino, nas relaes interativas com os estudantes e nas
formulaes das aes institucionais. Para tanto, partimos do estudo crtico
dos problemas acadmicos e dos referenciais tericos e metodolgicos que
permitissem a elaborao de respostas centradas no desenvolvimento dos
professores, com vistas a uma educao e a um ensino emancipatrios. As
aes visavam no apenas um domnio de conhecimentos bsicos para o
trabalho em sala de aula, expectativa primeira dos docentes, mas que
compreendessem a docncia de cada um como expresso de compromissos
cientficos, ticos e polticos do ensino de graduao em uma universidade
pblica.
Diversos caminhos institucionais foram explorados com vistas a
avanar na valorizao do ensino de graduao e das condies da docncia.
Um primeiro refere-se formulao de indicadores para a avaliao do
trabalho docente encaminhados Comisso Especial de Regime de Trabalho
(CERT), rgo responsvel pela avaliao institucional docente na
Universidade nos mbitos do ensino, da pesquisa e da extenso. Diante da
evidncia de que critrios externos de avaliao utilizados mundialmente e
impetrados pelas agncias de fomento foram sendo incorporados
gradativamente na universidade em estudo, observou-se que as atividades de
ensino na graduao foram perdendo importncia frente s ligadas
pesquisa, configurando uma quase total desvalorizao da docncia. Esse
fenmeno apontado por Gibbs (2004), que diagnostica as consequncias
desse movimento:

18 Maria Isabel de Almeida & Selma Garrido Pimenta

Cada hora adicional de esforo que um professor dedica docncia


provavelmente reduz uma hora de esforo que dedicaria pesquisa e isso
prejudica suas expectativas de carreira e sua remunerao, a longo prazo. H
uma quase perfeita correlao negativa entre as horas de docncia e o salrio.
Os sistemas de reconhecimento e recompensa habitualmente desanimam os
professores de levarem a srio a docncia (p. 16).

Identificado esse problema, abriu-se um processo de discusso nas


unidades da Universidade que resultou na proposio de 19 novos itens de
valorizao do trabalho dos docentes no ensino de graduao, o que
possibilitou requalificar os critrios de avaliao das atividades de ensino no
mbito da vida acadmica, dando-se maior destaque s aes destinadas
docncia no contexto da carreira docente.
Um segundo caminho bastante significativo para a valorizao do
ensino de graduao foi a criao do Programa Ensinar com Pesquisa, que
disponibilizou 800 bolsas de estudos a estudantes interessados em
desenvolver pesquisas relativas aos processos de ensino do seu curso com
orientao de um docente responsvel. Constitudo com recursos
oramentrios da Universidade, o Programa teve como inteno primeira
fomentar a aproximao entre as prticas de ensinar e a pesquisa no e sobre
o ensino. O pressuposto terico que o sustenta o de que o ensino e a
aprendizagem que consideram a pesquisa como parte de seus elementos
constitutivos resultam em uma formao de qualidade cientfica e social dos
estudantes de graduao. No perodo da gesto (2006-2009), foram apoiados
2600 projetos.
Um terceiro caminho foi a criao do Curso de Pedagogia Universitria
e dos Seminrios de Pedagogia Universitria, ambos tendo por caracterstica
a adeso espontnea dos docentes. Os cursos contaram com a participao
de 10% (600) do total de docentes no perodo da gesto. Voltado para a
formao pedaggica, o Curso de Pedagogia Universitria teve durao anual
e carga de 240 horas e se configurou como de especializao. Os Seminrios
de Pedagogia Universitria, realizados mensalmente com a participao de
pesquisadores renomados do Brasil, Espanha, Argentina e Portugal,
abordaram temas relativos anlise do contexto sociocultural no qual a
universidade est envolvida, aos conhecimentos pedaggicos pertinentes ao
ensino, s condies institucionais e de trabalho que permeiam o fazer
docente, alm de oferecerem uma viso de como a questo da docncia
universitria tem merecido destaque nesses pases.

Pedagogia universitria 19

Com essas iniciativas configurando uma poltica articulada de


valorizao da docncia, a Pr-Reitoria de Graduao teve por meta superar
as aes pontuais do tipo simpsios, seminrios, palestras ou oficinas,
presentes na cultura institucional, e que, embora sejam iniciativas para
melhorar a qualidade da docncia, so, em geral, aes fragmentadas e
descontnuas e com foco nos docentes e seu ensino de modo individual.
Conforme aponta Gibbs (2004), com as presses e demandas postas s
universidades, decorrentes das transformaes socioeconmicas das ltimas
dcadas, foi-se tornando evidente que preciso ir alm de aes pontuais,
que promovem mudanas modestas e localizadas, para que as possveis
respostas ou propostas pedaggicas possuam profundidade e abrangncia
compatveis com o novo quadro instalado nos mais diferentes cursos.
A poltica que empreendemos (Pimenta, Almeida, & Oliveira, 2010)
possibilitou a abertura de caminhos institucionais de formao docente com
carter mais duradouro e contnuo no mbito da Universidade de So Paulo.
Essa experincia foi desenvolvida com a preocupao de se produzir dados e
referenciais que possibilitassem sua anlise posterior. Assim, os registros
escritos e as avaliaes geradas no cotidiano das aes formativas foram os
instrumentos utilizados no presente estudo, dentre os quais destacamos: a
produo escrita dos docentes participantes dos cursos; a sistematizao e
anlise do processo realizada pelos coordenadores dos GAPs (Corra, 2011);
a sistematizao e anlise da experincia elaborada pela docente
responsvel pelos cursos (Anastasiou, 2011); as pesquisas produzidas por
doutorandas que acompanharam o processo (Belletati, 2011; Faria, 2011); e o
estudo comparativo da experincia uspiana com algumas espanholas,
realizado em pesquisa de ps-doutoramento (Almeida, 2012).

Alguns resultados da experincia da USP


Destacaremos neste texto os principais resultados gerados no mbito
macroinstitucional. As mudanas no mbito dos cursos e das prticas
docentes esto sendo objeto de pesquisas em desenvolvimento.
As mudanas nas culturas institucionais e, em especial, em culturas
tradicionais e fortemente arraigadas, como no caso, em geral, no so
percebidas a curto prazo. Entretanto, para que as alteraes se consolidem

20 Maria Isabel de Almeida & Selma Garrido Pimenta

no mdio e longo prazo, as aes precisam ser enraizadas no solo revolvido


do presente. Assim, uma de nossas preocupaes centrais foi a de situar a
poltica de valorizao docente no contexto das aes que j existiam, ainda
que fragmentadas e esparsas, com vistas a potencializar os caminhos j
trilhados, alm de instituir os novos programas. No primeiro caso, destacamse as aes dos GAPs, criados em 2004 por docentes interessados e
voluntariamente organizados nas faculdades e institutos, com o objetivo de
oferecer apoio pedaggico s atividades docentes. A partir desses GAPs
locais, foi constitudo o GAP Central no mbito da Pr-Reitoria de Graduao,
composto por um representante de cada GAP local, tendo por funo
organizar aes mais amplas e suportadas institucionalmente. As aes em
curso desses grupos ofereceram, quando do incio de nossa gesto, as
referncias para a proposio de um plano de atuao nos marcos da
pedagogia universitria. Redirecionmos a estrutura, destinando ao GAP
Central a coordenao dos Cursos de Pedagogia Universitria,
disponibilizando recursos e pessoal de apoio e para a contratao de
professora especializada em processos formativos de docente do ensino
superior e com experincia reconhecida e valorizada nacionalmente.
Em meio s mudanas de grande porte na Universidade, expressas na
poltica da gesto que se iniciava2, o que se pretendeu foi fortalecer uma
concepo mais dinmica de desenvolvimento acadmico, cujas respostas
para elevar o patamar qualitativo da formao dos estudantes passassem a
ser discutidas e propostas no mbito das unidades de ensino e de pesquisa.
Investiu-se, ento, na constituio e no fortalecimento das bases pedaggicas
dos docentes participantes para que fossem ampliadas suas possibilidades de
anlise dos problemas acadmicos, bem como para que pudessem propor
respostas capazes de reconfigurar o quadro institucional no ensino de
graduao.
As turmas de 2007 foram constitudas por docentes do campus da
capital de modo interdisciplinar com a inteno de se promover a interao,
as trocas de experincias, os cruzamentos dos distintos olhares a respeito de
como ensinar e como aprender na universidade e tambm de como organizar
os espaos para tanto. Os participantes foram agrupados em duas turmas:
uma constituda por docentes que exerciam atividades de coordenao
pedaggica dos cursos de graduao e a outra por docentes que promoviam

Pedagogia universitria 21

aes de formao para outros docentes em suas unidades e participavam


dos GAPs locais.
Em 2008, outras trs turmas foram constitudas com os mesmos
objetivos, sendo duas no campus da capital, com os coordenadores e
organizadores dos cursos de graduao, e outra aberta a docentes sem
qualquer distino de responsabilidade ou insero na Universidade. Uma
terceira foi constituda em um campus do interior para atender aos docentes
de vrios outros campi, considerando as dificuldades de locomoo, distantes
entre 250 a 400 km da capital. Em 2009, foram novamente constitudas trs
turmas, sendo duas na capital e uma no interior.
Os cursos tiveram como foco central estimular o desenvolvimento de
intervenes no cotidiano, visando efetivar o papel da pedagogia no ensino
superior e compreender, renovar e valorizar o seu lugar nas prticas de
coordenao pedaggica e de atuao docente nos contextos institucionais,
a partir de diagnstico efetivado com os grupos de trabalho.
As anlises tericas que vm sendo construdas no campo da
docncia no ensino superior apontam que raramente se exigiu dos docentes
que aprendessem a ensinar e, menos ainda, que obtivessem referncias para
aprender a lidar com os processos pedaggicos e organizacionais mais
amplos do ensino superior. Apesar de contar em sua estrutura acadmica com
um sistema de coordenao de cursos, a universidade em estudo nunca
exigiu de seus coordenadores uma formao que resultasse em
compromissos e competncias para promoverem aes formativas com seus
pares.
Os temas e as abordagens que ento adotamos no Programa foram
escolhidos com a expectativa de superar esse quadro crnico de ausncia de
formao para o ensino na universidade. De modo geral, foram os seguintes:
conhecer a constituio histrica da universidade com vistas a compreender
seus determinantes nas formas de organizao curricular e de atuao
docente; os fundamentos legais da educao no pas; os fundamentos
tericos de Projeto Poltico-Pedaggico e a anlise dos projetos em curso na
universidade; concepes de ensino e aprendizagem e anlise das praticadas
na instituio; trabalho coletivo e construo de novos modelos de
organizao curricular com perspectivas interdisciplinares, superando a
concepo fragmentria de grade de disciplinas; identidade e

22 Maria Isabel de Almeida & Selma Garrido Pimenta

profissionalizao docente; concepes de cincia, de saber, de didtica e de


saber escolar; contedo-forma (mtodo) nos processos de ensino; ensino
com pesquisa e pesquisa no ensino; critrios para seleo e organizao dos
conhecimentos a serem desenvolvidos; gesto do conhecimento e da
informao na relao teoria-prtica; finalidades do curso e do ensino;
avaliao; construo de ambientes de aprendizagem nos cursos; efetivao
do contrato didtico entre docentes e discentes; ensino e autonomia discente;
atuao profissional; perfil dos estudantes na atualidade; dentre outros.
Embora os contedos propostos para as turmas fossem os mesmos,
as abordagens tiveram enfoques distintos. Com as turmas de coordenadores
de curso, os aspectos relativos dimenso coletiva do trabalho de ensino na
universidade foram tratados com maior nfase, pois a inteno era
desenvolver as capacidades de descrever, analisar e compreender as
realidades dos diferentes cursos que lhes cabe coordenarem, de modo a
desenvolver competncias para tratar da elaborao e/ou reviso do projeto
pedaggico de curso, da articulao disciplinar das aes integradoras, da
avaliao do curso como construo coletiva. Com as turmas dos integrantes
dos GAPs e nas compostas por docentes interessados nas questes de
ensino, as abordagens centraram-se mais na atuao pedaggica conjunta e
coletiva, na identificao dos elementos constitutivos dos processos de ensino
e de aprendizagem, na contextualizao das prticas, nas abordagens
favorecedoras do desenvolvimento da autonomia dos estudantes, da
construo da identidade docente e dos processos de profissionalizao.
Do ponto de vista metodolgico, buscou-se trabalhar a partir das
concepes prvias dos participantes, por se entender que, com os embates
coletivos e com as anlises das prticas a partir de novas teorias, pode-se
chegar superao das crenas anteriormente estabelecidas e construo
de novos referenciais terico-prticos. Estratgias de estudo e discusso de
textos, vdeos, relatos e anlise de experincias no ensino de graduao,
construo de novas propostas, atividades individuais e grupais de snteses,
resumos, resenhas, organizao de quadros comparativos, esquemas,
mapas conceituais, entre outras, compuseram as atividades dos participantes.
Um dos resultados dessa poltica de formao foi o apoio financeiro
participao dos docentes que tiveram artigos e papers aprovados para
serem apresentados em eventos nacionais e internacionais classificados

Pedagogia universitria 23

como de referncia pelas agncias de fomento, com foco nos aspectos


relativos aos processos de organizao e desenvolvimento do ensino e da
aprendizagem.
Alm dessa valorizao pessoal/profissional dos docentes
participantes, outro importante resultado foi a contribuio institucional dos
docentes coordenadores e dos membros dos GAPs ao novo Regimento da
Graduao, que poca encontrava-se em elaborao. Os coordenadores de
cursos que participaram das atividades do Programa em 2007 redigiram as
partes referentes s competncias das Comisses Coordenadoras de Curso
e concepo de currculo que constam do novo regimento do ensino de
graduao. Essas elaboraes evidenciam a contribuio das teorias
pedaggicas crticas ao novo regimento. No que se refere s competncias
das Comisses, por exemplo, destacam-se como contribuies inovadoras
em relao ao que se praticava: coordenar a implementao e a avaliao do
projeto poltico-pedaggico dos cursos, considerando a Lei de Diretrizes e
Bases da Educao Nacional e as Diretrizes Curriculares para os Cursos de
Graduao vigentes no pas; encaminhar propostas de reestruturao do
projeto poltico-pedaggico e da respectiva estrutura curricular (disciplinas,
mdulos ou eixos temticos) aos rgos deliberativos; analisar a pertinncia
do contedo programtico e da carga horria de disciplinas, mdulos ou eixos
temticos, de acordo com o projeto poltico-pedaggico, propondo alteraes;
promover a articulao entre os docentes envolvidos no curso ou habilitao,
com vistas integrao interdisciplinar ou interdepartamental na
implementao das propostas curriculares; e acompanhar a progresso dos
alunos durante o curso ou habilitao, propondo aes voltadas prtica
docente ou implementao curricular.
No que se refere concepo de currculo, a redao do coletivo dos
coordenadores evidencia mais fortemente as transformaes decorrentes dos
Cursos de Pedagogia Universitria neles provocadas. No Regimento antigo,
praticado desde a criao da USP, em 1934, sequer se mencionava currculo
e a organizao do ensino se dava por disciplinas. No novo Regimento, a
organizao do ensino pode ocorrer na forma de disciplinas, mdulos ou eixos
temticos, conforme a estrutura curricular adotada, em consonncia com o
projeto poltico-pedaggico do curso. Disciplina passa a ser entendida como
uma unidade curricular que organiza um conjunto de conhecimentos de uma

24 Maria Isabel de Almeida & Selma Garrido Pimenta

rea especfica, definida de acordo com o projeto poltico-pedaggico do


curso. Mdulo uma unidade curricular que articula diferentes conjuntos de
conhecimentos de reas afins, numa perspectiva interdisciplinar, definido de
acordo com o projeto poltico-pedaggico do curso. Eixo temtico uma
unidade curricular que corresponde a um ou mais mdulos e abrange um
bloco organizado de reas especficas afins; compreende as atividades
tericas e prticas relativas a um assunto ou tema, permitindo a integrao
em diversos nveis. relevante destacar que o novo no necessariamente
invalida o antigo. Ao manter disciplina, estabelece-se um dilogo com o
existente, mas se introduz definida conforme o projeto poltico-pedaggico
(antes ausente) e se abre para novas formas de organizao curricular
interdisciplinares e mesmo transdisciplinares com a organizao dos cursos
em Mdulos e/ou Eixos Temticos. importante ressaltar ainda que essas
modalidades curriculares j vinham sendo experimentadas por alguns cursos,
que enfrentavam fortes resistncias institucionais, especialmente para
conseguir ampliar seu quadro docente, fortemente vinculado disciplina.
Outro resultado importante da poltica desenvolvida foi a
institucionalizao, em 2009, dos GAPs, que tinham at ento um estatuto
frgil assentado na boa vontade e no interesse de alguns professores de
algumas (poucas) unidades da Universidade. O GAP Central passou a ter o
estatuto de uma dentre as Comisses Assessoras do Conselho de Graduao
(CoG), com a nova sigla CAP - Comisso de Apoio Pedaggico, tendo por
competncias: assessorar o CoG, suas Cmaras e a Pr-Reitoria de
Graduao na elaborao e implementao da poltica de aperfeioamento
pedaggico do corpo docente da Universidade e em assuntos relativos ao
aperfeioamento pedaggico dos docentes e dos cursos; favorecer a troca de
experincias pedaggicas entre os docentes; e incentivar e desenvolver
pesquisas sobre temticas relativas Pedagogia Universitria.

Demandas e contribuies ao campo terico da docncia


universitria
Anlise preliminar da implantao dessa poltica nos permite
evidenciar alguns pontos a serem considerados com vistas ao
desenvolvimento e enraizamento de polticas institucionais de formao
pedaggica de docentes universitrios. Um primeiro ponto que merece

Pedagogia universitria 25

destaque a importncia atribuda formao. Para que a mobilizao


institucional surta efeito, coloca-se como fundamental que se priorize essa
formao nas definies oramentrias e organizacionais, de modo a
assegurar a estabilidade dessa poltica. No caso estudado, so evidentes as
condies institucionais favorveis para essa formao docente: a criao de
uma estrutura que foi especialmente reorientada para cuidar da formao
pedaggica dos docentes e exercer a coordenao especfica das aes em
curso (a CAP); a presena de assessor acadmico especializado na rea e de
funcionrios; e a disponibilidade de recursos financeiros suficientes para
implementar a formao aos docentes interessados. Essas so condies
indispensveis para a implementao dessa formao, evidenciando a
disposio poltica das instituies.
Um segundo ponto refere-se diversidade de linhas de formao. As
aes desenvolvidas foram aglutinadas em trs grandes eixos: as voltadas
para o atendimento de demandas ou necessidades dos professores a serem
contempladas por aqueles que se dispem a favorecer situaes formativas
com os pares nas unidades acadmicas (os integrantes dos GAPs, no caso);
as que se desenvolvem a partir das demandas postas pelas aes de
coordenao dos cursos; e as vividas pelos docentes em sala de aula. A partir
dessas trs linhas de trabalho, foram se produzindo distintos tipos de
conhecimentos a respeito das aes institucionais dos participantes.
O terceiro ponto refere-se s aes formativas que buscam constituir
as bases para um novo modelo de formao universitria. Os esforos nesse
sentido foram as aes voltadas para possibilitar uma mudana nos objetivos
do trabalho docente, medida que os subsdios foram orientados para que a
organizao da prtica do ensino no mais estivesse assentada na
transmisso de conhecimentos, mas na interao entre professor/aluno/
conhecimento, fazendo da pesquisa uma referncia para a formao dos
estudantes universitrios, futuros profissionais. Outro exemplo foram os
esforos para entender a organizao dos cursos como resultado da
articulao pedaggica entre os campos disciplinares, expressa num projeto
poltico-pedaggico institucional, fruto de decises colegiadas (as Comisses
de Graduao e/ou Coordenaes de Cursos, no caso). Assim, as temticas
e os mtodos de trabalho integrativo com docentes de vrias unidades e
reas do conhecimento possibilitaram que os cursos desenvolvessem

26 Maria Isabel de Almeida & Selma Garrido Pimenta

perspectivas interdisciplinares na produo de conhecimentos sobre a prpria


universidade e sobre o ensinar e o aprender. Em sntese, buscou-se efetivar
o papel da pedagogia nas prticas de coordenao pedaggica e na atuao
docente.
Um quarto ponto refere-se aposta na dimenso coletiva da formao
docente. O modo como o trabalho formativo nos cursos foi sendo
desenvolvido priorizou a produo, a contextualizao e a anlise de
experincias dos docentes de modo a que pudessem ser compreendidas e
trabalhadas por todos. Com isso, tambm foi possvel: valorizar a tolerncia
no trabalho coletivo, a capacidade de escuta e de interao, a sensibilidade
para questionar os outros e a si prprio; estabelecer relaes de confiana
profissional e parceria; e instalar um clima que pudesse favorecer as trocas e
o dilogo entre os participantes. Desenvolveu-se, ento, com maior facilidade,
a compreenso de que os percursos formativos e de desenvolvimento
profissional so processos vividos coletivamente e esto associados a
situaes de intercmbio frequente.
De modo geral, percebe-se, semelhana do que ocorreu no caso,
que os docentes participantes, ao vivenciarem um processo formativo que se
soma s bases da docncia anteriormente constitudas, tornam-se mais
preparados para considerarem, numa perspectiva crtica, os contextos
histrico, social, cultural e organizacional onde realizam suas prticas.
Contribui tambm, para isso, o trabalho sustentado em estratgias capazes
de promover a permanente construo da identidade de professor e para a
consolidao das bases conceituais que sustentam as atividades inerentes ao
ensino.

Notas
1

A USP, fundada em 1934, uma universidade pblica e gratuita situada no estado


de So Paulo, regio Sudeste do Brasil. Conta com cerca de 60 mil estudantes de
graduao, em seus 242 cursos de todas as reas do conhecimento, e cerca de 30
mil em ps-graduao (mestrado e doutorado), e com 6 mil docentes e 20 mil
funcionrios, aproximadamente. Seu campus principal est situado na capital do
estado de So Paulo e os demais campi (7) esto situados em municpios do
interior desse mesmo estado.

Pedagogia universitria 27

De ampliao de vagas e de incluso social para ampliar o acesso dos segmentos


menos favorecidos da sociedade em seus cursos, o que colocaria desafios at
ento desconhecidos aos docentes, em suas atividades de ensino na graduao,
com a presena de estudantes com perfil diferente do que estavam habituados.

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30 Maria Isabel de Almeida & Selma Garrido Pimenta

UNIVERSITY PEDAGOGY VALUING EDUCATION AND TEACHING AT


UNIVERSITY

Abstract
How and under what circumstances training processes regarding how to be a
teacher can be developed at a complex university? The paper suggests
possible answers to this question, from analysis of the establishment of a
teacher education policy at a public university University of So Paulo, Brazil
whose tradition of research activities overlaps with teaching. To broaden
understanding of the undertaken experience, it discusses the meaning of
higher education in the context of contemporary university crisis and analyses
experiences in institutions that point the importance of teachers to ensure the
social significance of university. The analysis is supported by written records
and research produced by participants of the process (teachers, managers,
doctoral students) as instruments. Considering a conceptual framework of
university teaching, the results show some contributions to the field:
importance of institutional rooting of policies for pedagogical education of
university teachers; inclusion of these policies in the institutional budget;
diversity of these educational activities; and enhancement of research findings
of teachers about teaching.

Keywords
Teaching and research; University; Institutional policy

Pedagogia universitria 31

PDAGOGIE UNIVERSITAIRE VALORISANT LENSEIGNEMENT ET LACTE


DENSEIGNER LUNIVERSIT

Rsum
Comment et dans quelles circonstances les processus de formation
concernant le "savoir tre" enseignant peuvent tre dvelopps au sein dune
universit complexe? Ce texte propose quelques rponses possibles cette
question, partir de lanalyse de la constitution dune politique de formation
denseignants au sein dune universit publique lUniversit de So Paulo,
Brsil dont la tradition privilgie la recherche en dpit de lenseignement.
Pour mieux comprendre lexprience ralise, nous discutons le sens des
cursus de licence dans le cadre de la crise de luniversit contemporaine et
analysons plusieurs expriences institutionnelles qui indiquent limportance
des enseignants pour assurer le rle social de luniversit. Les notes prises et
les recherches ralises par les participants du processus (professeurs,
gestionnaires, doctorants) sont la base de cette tude. Considrant le cadre
thorique et conceptuel de lenseignement luniversit, les rsultats de
lanalyse apportent quelques contributions ce domaine: lenracinement
institutionnel des politiques de formation pdagogique des enseignants
universitaires; linclusion de cette formation dans le budget de luniversit; la
diversit des actions formatives; et la valorisation de la production scientifique
des professeurs sur lenseignement.

Mots-cl
Enseignement et recherche; cursus de licence; Universit; Politique
institutionnelle

Recebido em maio/2014
Aceite para publicao em outubro/2014

i
ii

Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, Brasil


Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, Brasil

Toda a correspondncia relativa a este artigo deve ser enviada para: Selma Garrido Pimenta, Rua
Maranho, 107 apto. 202, 01240 001 So Paulo SP, Brasil. E-mail: [email protected]

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