Sobre Lourenço de Almeida Prado
Sobre Lourenço de Almeida Prado
Sobre Lourenço de Almeida Prado
RESUMO- “Ativas” ou não, as metodologias sempre arrancam de um estatuto epistemológico, que assinala
qualquer empenho pedagógico, e de uma fundamentação antropológica que lhe dá sentido. Normalmente, a
prática docente ignora esse pressuposto, o que pode ser reforçado pela gestão muito pragmática dos processos de
ensino-aprendizagem imposta, ora pelas condições econômicas a que as instituições de ensino se submetem, ora
pelos cometimentos ideológicos que assumem o controle das políticas educacionais. A importância de se
esclarecer a fundamentação epistemológica das metodologias em ambiente pedagógico remete-nos ao escopo da
filosofia da educação em diálogo com a história recente da educação no Brasil, especificamente à figura de um
educador que debateu o tema da metodologia enquanto gestor e pensador. Dom Lourenço de Almeida Prado,
OSB, ex-reitor do Colégio São Bento do Rio de Janeiro, é um dos críticos mais consistentes da chamada
“metodomania” que seduziu as propostas pedagógicas brasileiras a partir dos anos 1970, e que parece não contar
nos escassos debates contemporâneos em torno da questão metodológica.
Abstract- "Active" or not, methodologies always start from an epistemological statute, which signals any
pedagogical commitment, and an anthropological foundation that gives it meaning. Normally, the teaching
practice ignores this assumption, which can be reinforced by the very pragmatic management of the teaching-
learning processes imposed, sometimes by the economic conditions to which the educational institutions submit,
or by the ideological commitments that take control of educational policies. Debating the importance of
clarifying the epistemological foundation of methodologies in pedagogical environment refers us to the scope of
the philosophy of education in dialogue with the recent history of education in Brazil, specifically to the figure of
an educator who discussed the theme of methodology as manager and thinker . Dom Lourenço de Almeida
Prado, OSB, former rector of the São Bento College of Rio de Janeiro, is one of the most consistent critics of the
so-called "metodomania" that seduced Brazilian pedagogical proposals from the 1970s onwards, and who seems
not to count amongst the contemporary debates about the methodological question.
1 INTRODUÇÃO
Temas metodológicos pertinentes à esfera educacional vêm sendo tratados, nos últimos seis
anos, dentro do quadro motivacional suscitado pela crise de qualidade da educação brasileira,
que teria como solução as chamadas “metodologias ativas”. Longe de ser apresentado como
um objeto de debate, o tema ganhou a dimensão de uma proposta consolidada, um produto
pedagógico divulgado e vendido sob os auspícios do Consórcio STHEM/Brasil1, de maneira
significativamente disseminada.
1
STHEM (em inglês: Science, Technology, Humanity, Engineering and Mathematics) é o acrônimo designativo
de uma marca comercial que atua no mercado educacional brasileiro e cujo principal produto é um sistema
didático-pedagógico que pretende incidir sobre “o papel da educação superior e a importância da inovação em
relação à qualidade da educação.” Como credencial, seu sítio oficial anuncia que o “Consórcio STHEM Brasil
passa pela parceria com o Programa Acadêmico e Profissional para as Américas – LASPAU, afiliado à
Universidade de Harvard, que tem se dedicado à missão de fortalecer o ensino superior no Hemisfério Ocidental
desde sua fundação em 1964.” Disponível em: < http://sthembrasil.com/o-que-e-sthem/>.
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O Consórcio STHEM Brasil, que é uma Rede, nasceu em 2013, por meio da iniciativa de
11 IES, liderada pelo Centro Universitário Salesiano de Lorena (SP), com o objetivo de
investir na formação de professores, fortalecer o engajamento e melhorar o aprendizado dos
estudantes, através das metodologias ativas.
Em 2016 o Consórcio STHEM Brasil chegou a 44 IES, presentes em 11 Estados do Brasil.
Mais de 4500 professores passaram pelo processo de capacitação. Instituições Consorciadas
criaram Núcleos de Formação Docente, repensaram o processo de ensino e aprendizagem, o
currículo, a infraestrutura e o próprio projeto acadêmico institucional. 2
Para tanto, faremos a análise de dois livros que abordam o tema em sua propositura
teórica, deixando em plano secundário o contexto histórico em que foram publicados, ainda
que esse contexto nos traga algumas diretrizes a serem consideradas no momento conclusivo
do artigo. Trata-se de “Educar: Ensinar a pensar, sim, conscientizar não” (1991) e “Educação
para a democracia” (1997), escritos por Dom Lourenço de Almeida Prado3.
Temos por relevante o presente estudo por trazer à consideração do simpósio uma
abordagem tão pouco utilizada para apreciar o tema quanto fundamental para tratá-lo com o
cuidado que suas implicações ético-políticas obviam. De fato, a dimensão estratégica da
educação nacional e sua dependência da formação de gestores capazes de interpretar o
fenômeno da super-valorização das componentes metodológicas dos processos de ensino-
aprendizagem nos parecem evidentes. Esperamos que daí decorra uma inserção do debate,
que à primeira vista parece ser meramente técnico, no horizonte de questões estratégicas,
2
REIS, Fábio Garcia dos. Palavra do Presidente. Disponível em < http://sthembrasil.com/o-que-e-sthem/>.
Acesso em 17/06/2019.
3
Nelson de Almeida Prado (1912-2009), médico de formação, ingressou no Mosteiro de São Bento do Rio de
Janeiro em 1940, tendo assumido o nome religioso de Lourenço, como é conhecido autoralmente. Tornou-se
reitor do Colégio São Bento por 40 anos, e integrou o Conselho Federal de Educação no anos 1980.
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questões essas que possuem, naturalmente, influência na formação das lideranças que tomarão
em conta a dimensão geopolítica dos problemas educacionais.
Metodomania é um neologismo usado por Dom Lourenço de Almeida Prado (1991; 1997),
por muitos anos reitor do Colégio São Bento, do Rio de Janeiro, e um dos responsáveis pelo
êxito do ensino ali ministrado. Esse discípulo de Jacques Maritain produziu uma pequena mas
muito densa obra de reflexão sobre o socratismo educacional, baseada no pensamento
aristotélico-tomista do mestre francês. Aqui encontramos nosso referencial teórico.
Dom Lourenço insere a esfera pedagógica, onde a questão do método tem seu lugar
corrente, no âmbito da definição clássica de educação, na qual o conceito de habitus é central.
A história começa muito longe, mas há uma figura particularmente significativa para
essa destruição do habitus, para a negação real dessas qualidades, desses acréscimos
espirituais que agilizam a inteligência, e lês dão plenitude. É o celebrado Descartes,
no seu conhecido Discurso sobre o Método. Propõe ele uma Ciência Universal, que
permite, “mesmo aos que não estudaram, o entendimento das coisas”. Descartes
concebe o método como um meio infalível e fácil de fazer chegar à verdade os que
não estudaram e a gente do mundo. [...] uma “acefalia espiritual”, isto é, a uma
lógica e a uma linguagem cuja propriedade mais maravilhosa é de dispensar de
pensar (PRADO 1991: 234-5).
Assim, o como passa a prevalecer sobre o quê, deixado cada vez mais na imprecisão o
papel específico do aluno e sobrecarregando o professor, a quem se passou a atribuir a tarefa
de levar o aluno a aprender; portanto, a tarefa de aplicar metodologias inovadoras que
estimulem e valorizem as particularidades do discente. A invenção, nesse contexto, de um
aluno-não-estudante, teve consequências que Prado identifica 20 anos após a lei em causa: o
aluno perde a noção de que é ele quem aprende; o livro didático passa a ser descartável e se
transforma numa espécie de roteiro de aula pronto; os trabalhos em grupo favorecem o acesso
à informação, mas não ao conhecimento (PRADO 1991:237-8).
O autor extrai daí algumas consequências que podem explicar o fracasso escolar.
Começa relacionando a desimportância dos conteúdos ao desprestígio docente do professor.
Se “a função da escola é mais promover a socialização da criança e do adolescente, para a
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qual o ensino é mera oportunidade”, surgem as críticas de que a escola “não tem ressonâncias
na vida”, e que o professor “é uma figura ridícula que leva a sério coisas inúteis” (PRADO
1991:238). Assim, sobre os ombros do professor passou a pesar o ônus de aprovar a todos, de
“recuperar” a todos, uma vez que os objetivos sócio-econômicos da escola – hoje, a 20 anos
da época em que se escreveram essas páginas, diríamos “inclusivos” – seriam mais relevantes
do que os objetivos instrucionais. Mais: seriam quase hegemônicos, se levarmos em conta que
o terreno da educação escolar é suscetível de manipulações ideológicas diversas. Entre elas, o
autor percebe a desconstrução dos papeis instrucionais do adulto e do professor, eu passaram
a ser identificados como “opressores” interferindo com sua suspeita autoridade nas
“liberdades” discentes que foram associadas à “classe oprimida” (PRADO 1991:242).
concepção de ser humano e dos fins da educação que lhe convêm. O igualitarismo e o “horror
ao habitus” inerentes às metodologias ativas, portanto, inviabilizam de saída o objetivo
primordial da educação que é aperfeiçoar, tornar o aluno melhor, diferenciado, qualificado.
É preciso ressaltar que essa questão, colocada a uma século XX que viu a
industrialização e a urbanização se globalizarem, demandando escolarização de massa, essa
questão foi colocada no interior do debate entre escola tradicional e escola progressista, sim,
como quer Prado. Com seu ideal de espontaneidade da criança, espécie de otimismo
antropológico que preconiza “respeito” (!) ao seu ritmo, suas preferências, e validando a
didática lúdica e “interessante”, que dá toda a liberdade à criança na construção do seu saber,
nada deve impôr, sob pena de ser tachada de “autoritária”. Ora, autores contemporâneos como
francês Gilles Lipovetsky (2019) reconhecem que estas pedagogias estão na origem do
fracasso na aquisição de conhecimentos. Seu estudo sobre a sociedade da sedução seria um
caminho para passarmos do “horror ao habitus” de Prado à compreensão do fracasso escolar.
Diz Lipovetsky:
O fracasso das pedagogias modernas [...] é flagrante, pois não permitem nem a
aquisição de competências escolares elementares nem a redução das desigualdades
sociais e da influência do meio de origem sobre os alunos. [...]
Para ele, “isto não significa os apelos ao regresso da escola de outrora”. Mas é
inegável que o sucesso educacional das gerações passadas se deveu ao paradigma clássico,
argumenta ele, que de acordo com Prado se baseava na psicologia do habitus. Prossegue:
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Como se pode ver, a oferta maciça de informações atinge antes de tudo a curiosidade,
mas não forma o estudante. É fácil de se entender que a multiplicação de apelos visuais etc.
num ambiente de pouca seletividade, sem a prévia edição feita pelos tradicionais meios de
censura e seus critérios de qualidade, favorece a ruptura com toda disciplina discente. De fato,
observa Tomás que “a estudiosidade não recai diretamente sobre o conhecimento intelectual,
mas, sobre o desejo do conhecimento e o esforço [...] por alcançar a verdade.” Assim sendo o
fracasso escolar não será superado por metodologias que reforcem a indisciplina discente
favorecendo a curiosidade, “vício que consiste na desordenação mesma do apetite e do estudo,
na aprendizagem da verdade” (Loc. cit).
Em terceiro lugar, é necessário possuir um perfil do aluno ingressante, que seja capaz
de configurar o que se poderia preliminarmente chamar de potencial de estudiosidade. Os
fatores sócio-culturais e a escolarização anterior certamente interferem no aproveitamento
escolar, concebido como aquisição do habitus. Em decorrência disso, considerando o fracasso
escolar como a incapacidade total ou parcial do aluno tornar-se estudante, urge proceder a
estudos sistemáticos sobre as causas que estiverem ao alcance de uma análise preliminar.
Como pistas para maturação de uma hipótese de trabalho, o exposto até aqui pode
sugerir: 1) Estabelecer indicadores capazes de esboçar o potencial discente do aluno mediante
a identificação de uma “vocação básica”, entendida como predisposição dominante para
aquisição de competências teóricas, práticas ou técnicas; 2) Testar as hipóteses da
proveniência, valorização do estudo sistemático e cultura superior familiar; 3) Avaliar a
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Bibliografia
ALMEIDA PRADO, Lourenço, Dom. Educar – Ensinar a pensar, sim, conscientizar não.
Rio de Janeiro: Agir, 1991.
LIPOVETSKY, Gilles. Agradar e tocar – Ensaio sobre a sociedade da sedução. Lisboa: Ed.
70, 2019.
TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Tradução de Alexandre Corrêa. 2ª ed. Porto Alegre:
Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Livraria Sulina Editora; Caxias do
Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1980.