Filosofiae Leitura de Textos Filosóficos

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GRADUAÇÃO

Unicesumar

FILOSOFIA E
LEITURA DE TEXTOS
FILOSÓFICOS

Professor Dr. Edson Barbosa da Silva

Acesse o seu livro também disponível na versão digital.


Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor Executivo de EAD
William Victor Kendrick de Matos Silva
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Presidente da Mantenedora
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NEAD - Núcleo de Educação a Distância
Diretoria Executiva
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Coordenador de Conteúdo
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Designer Educacional
C397CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a
Amanda Peçanha Dos Santos
Distância; SILVA, Edson Barbosa da.
Projeto Gráfico
Filosofia e Leitura de Textos Filosóficos. Edson Barbosa da Silva. Jaime de Marchi Junior
Maringá-Pr.: Unicesumar, 2019. José Jhonny Coelho
232 p. Arte Capa
“Graduação - EaD”.
Arthur Cantareli Silva
1. Filosofia. 2. Leitura . 3. Textos Filosóficos 4. EaD. I. Título. Ilustração Capa
Bruno Pardinho
ISBN 978-85-459-1857-8 Editoração
CDD - 22 ed. 101
Robson Yuiti Saito
CIP - NBR 12899 - AACR/2
Qualidade Textual
Meyre Barbosa da Silva

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário


João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828
Impresso por:
Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos
com princípios éticos e profissionalismo, não so-
mente para oferecer uma educação de qualidade,
mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in-
tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos
em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e
espiritual.
Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos
de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de
100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil:
nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba,
Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos
EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e
pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros
e distribuímos mais de 500 mil exemplares por
ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma
instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos
consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos
educacionais do Brasil.
A rapidez do mundo moderno exige dos educa-
dores soluções inteligentes para as necessidades
de todos. Para continuar relevante, a instituição
de educação precisa ter pelo menos três virtudes:
inovação, coragem e compromisso com a quali-
dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de
Engenharia, metodologias ativas, as quais visam
reunir o melhor do ensino presencial e a distância.
Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é
promover a educação de qualidade nas diferentes
áreas do conhecimento, formando profissionais
cidadãos que contribuam para o desenvolvimento
de uma sociedade justa e solidária.
Vamos juntos!
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quan-
do investimos em nossa formação, seja ela pessoal
ou profissional, nos transformamos e, consequente-
mente, transformamos também a sociedade na qual
estamos inseridos. De que forma o fazemos? Crian-
do oportunidades e/ou estabelecendo mudanças
capazes de alcançar um nível de desenvolvimento
compatível com os desafios que surgem no mundo
contemporâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógi-
ca e encontram-se integrados à proposta pedagógica,
contribuindo no processo educacional, complemen-
tando sua formação profissional, desenvolvendo com-
petências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos
em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no
mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm
como principal objetivo “provocar uma aproximação
entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o
desenvolvimento da autonomia em busca dos conhe-
cimentos necessários para a sua formação pessoal e
profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cresci-
mento e construção do conhecimento deve ser apenas
geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos
que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita.
Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu
Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fó-
runs e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe
das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma
equipe de professores e tutores que se encontra dis-
ponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em
seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe
trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória
acadêmica.
CURRÍCULO

Professor Dr. Edson Barbosa da Silva


Doutor em Educação (2018) pela UEM - Universidade Estadual de Maringá.
Mestre em Filosofia das Ciências Humanas (1997) pela PUC-SP. Graduado
em Filosofia pela PUC-PR (1990) e em Pedagogia (2013), pelo Instituto
Superior de Educação do Paraná. Atualmente, é professor na Unicesumar, em
Maringá, e desenvolve pesquisas sobre Filosofia, Representações Educativas
e epistemologia a partir do século XVII, ministrando aulas com os temas:
Filosofia - Educação – Filosofia do Direito e Propaganda.

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4790019D8
APRESENTAÇÃO

FILOSOFIA E LEITURA DE TEXTOS FILOSÓFICOS

SEJA BEM-VINDO(A)!
Caro(a) aluno(a), esta obra Filosofia e leitura de textos filosóficos tem o desejo de ser uma
ferramenta para apropriação de conteúdos, exercícios de leitura, reflexão e criação de
novos conceitos filosóficos. Estes elementos constituem os fundamentos necessários
aos novos amantes da sabedoria, a fim de avançarem nos estudos e na produção de
textos de filosofia.
Na primeira unidade, apresentamos a leitura, de forma ampla, partindo dos primórdios
do entendimento sobre ler o texto e o mundo, ou seja, a leitura ultrapassa as fronteiras
dos textos, da sala de aula em direção ao mundo. Procuramos esclarecer como podemos
superar as dificuldades na compreensão dos textos filosóficos.
Na segunda unidade, nossa atenção volta-se para a compreensão dos elementos que
compõem o cenário dos textos filosóficos. Faz-se necessário identificar no cenário as
polifonias, no sentido criado pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975). Compre-
ender as dificuldades e as funções da primeira e da terceira pessoa nas cenas dos textos
filosóficos, além dos problemas de precisão e rigor dos conceitos na filosofia.
Na terceira unidade, apresentamos a importância do problema fundamental, a tese ou
resolução do problema, a argumentação, a fundamentação e o problema dos exemplos
na compreensão dos textos filosóficos. O problema fundamental é aquele incômodo
que perturba o pensador, que não permite descansar e o impulsiona a criar conceitos
para responder ou buscar solucioná-lo de forma clara e convincente.
Na quarta e quinta unidades, veremos que a dissertação é um exercício acadêmico que será,
necessariamente, realizado com suas especificidades, quer seja com certa frequência, quer
seja de forma esporádica ou no final do curso, como o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso)
ou um artigo científico a ser submetido à avaliação pelas revistas especializadas. Por fim,
concluiremos com a hermenêutica filosófica e os exercícios de leituras de artigos filosóficos.
09
SUMÁRIO

UNIDADE I

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA

15 Introdução

16 Como Ler um Texto Científico?

21 Leitura Como Ato de Estudar o Mundo

25 Leitura de Textos Filosóficos e Suas Dificuldades

33 Ler Para Explicar os Textos

39 Ler Para Comentar os Textos

47 Considerações Finais

53 Referências

54 Gabarito

UNIDADE II

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS

57 Introdução

58 Sujeito nas Cenas dos Textos

64 Variações dos Sujeitos e Destinatários

70 A Terceira Pessoa nas Cenas dos Textos

77 Conceitos no Cenário dos Textos

86 O Sentido no Cenário dos Textos

92 Considerações Finais

99 Referências

100 Gabarito
10
SUMÁRIO

UNIDADE III

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

103 Introdução

104 Filosofia e Seus Problemas

110 Problemas Para Criar Novos Conceitos na Filosofia

116 Há Problemas Filosóficos?

121 Argumentos e Suas Conexões

127 Filosofia Contra Exemplos

134 Considerações Finais

140 Referências

UNIDADE IV

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA

143 Introdução

144 Exercício da Dissertação Filosófica

150 Complexidade do Exercício de Dissertar

156 Imposições do Tema Numa Dissertação

162 Definições Para Dissertar

168 Dissertação Filosófica e Sua Especificidade

175 Considerações Finais

183 Referências

184 Gabarito
11
SUMÁRIO

UNIDADE V

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS

187 Introdução

188 Exercício de Diferenciação de Artigos Científicos e Filosóficos

194 Exercício Sobre Escrever Artigo Filosófico

201 Exercício de Análise do Artigo de Kant Sobre o Esclarecimento

210 Exercícios Sobre Esclarecimento e Liberdade

216 Exercício de Hermenêutica nas Leituras Filosóficas

223 Considerações Finais

229 Referências

230 Gabarito

231 Conclusão
Professor Dr. Edson Barbosa da Silva

PRESSUPOSTOS DA

I
UNIDADE
LEITURA FILOSÓFICA

Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar os pressupostos elementares para fazer boa leitura de
textos científicos.
■ Demonstrar como a leitura ultrapassa as fronteiras dos textos e da
sala de aula em direção ao mundo.
■ Esclarecer como podemos superar as dificuldades na compreensão
dos textos filosóficos.
■ Explicitar os pressupostos de leituras para a explicação de textos
filosóficos.
■ Demonstrar como podemos avançar das explicações para os
comentários de textos filosóficos.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Como ler um texto científico?
■ Leitura como ato de estudar o mundo
■ Leitura de textos filosóficos e suas dificuldades
■ Ler para explicar os textos
■ Ler para comentar os textos
15

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), bem-vindo (a) à Unidade I do livro “Filosofia e leitura de tex-


tos filosóficos”. Esperamos que seja uma jornada muito proveitosa de estudos.
“Todo começo é difícil; isso vale para qualquer ciência” (MARX, 1978, p. 11).
Por isso, partimos do principio da leitura, com o intuito de facilitar o máximo
possível este estudo, e aos poucos, como por degraus, avançar em direção aos
assuntos mais complexos de um texto filosófico.
Nos dois primeiros tópicos, apresentamos a leitura em senstido amplo, desde
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

a mecânica da leitura comum até a leitura do mundo, destacamos as dimensões de


um texto e suas implicações, tanto nos aspectos de sua estrutura interna quanto nos
aspectos externos. Em seguida, apresentamos as ideias do educador Paulo Freire,
demonstrando a possibilidade de aprendizado nos diferentes contextos, inclusive
quando trabalhamos. Além disso, tratamos da para os disciplina e autodisciplina
nos estudos de textos e da importância do esforço pessoal para aprender.
Nos três últimos tópicos, procuramos responder a seguinte questão: Por que
os textos de filosofia são considerados tão difíceis? Há luta do leitor com o texto
para o compreender e fazer a análise necessária. Daremos dicas nas escolhas do
que se deve ler, e uma delas é a escolha dos textos clássicos da história da filo-
sofia. No quarto tópico, discutiremos a problemática do ator de ler, de explicar
um texto filosófico e de fazer o esquadrinhamento das palavras fundamentais
que dão suporte às teses, aos parágrafos e para esclarecer os pressupostos e as
implicações de tais afirmações.
Por fim, no último tópico, “Ler para comentar os textos”, apresentamos os
elementos necessário da leitura para comentar um texto, inclusive, em forma de
carta. Com isto, desejamos a vocês, estudantes ou iniciantes nos textos filosófi-
cos, bons estudos e uma proveitosa leitura desta unidade.

Introdução
16 UNIDADE I

COMO LER UM TEXTO CIENTÍFICO?

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A leitura é um aprendizado para toda a vida e, uma vez desenvolvida, nunca mais
se esquece. O professor doutor José Carlos Bruni, da USP (Universidade de São
Paulo), preparou um texto para seus alunos, no ano de 2003, ainda muito opor-
tuno para este momento, por isso apresentamos na íntegra. Contudo faremos
algumas intervenções e observações, pequenas pausas na leitura para melhor
compreendê-lo.
Aprende-se a mecânica de ler aos sete anos de idade. No entanto, a lei-
tura, concebida como instrumento de compreensão de uma ideia, é pro-
cesso bem mais complexo. Seu aprendizado não pode ser fixado em uma
idade determinada e o aprimoramento da técnica de leitura é tarefa de
toda uma vida. Vamos tratar, aqui, só de alguns aspectos mais impor-
tantes dessa técnica e de modo extremamente esquemático. A leitura é
exercida sobre um texto, nome genérico para toda e qualquer porção de
linguagem escrita. As dimensões do texto são variáveis. Textos podem
ser: uma obra inteira, com vários volumes; um livro inteiro; uma par-
te de um livro, com vários capítulos; um capítulo de um livro; às vezes,
uma página apenas, mas de conteúdo bastante rico. O texto científico,
caracterizado por um certo rigor de pensamento e expressão, uma certa
ordem na concatenação das ideias e pela demonstração das afirmações,
comporta uma leitura interna e uma análise externa. A leitura interna
atém-se ao que o texto diz explicitamente. A análise externa utiliza dados
que não aparecem no texto, mas que o explicam (BRUNI, [s. d.], p. 1).

Destacamos o aspecto, no breve texto apresentado, o trecho em que autor afirma


que aprendemos a ler durante toda a vida. Quando lemos, aperfeiçoamos a mecâ-
nica da leitura. Outro aspecto que destacamos é o fato de o texto possuir duas
estruturas, uma interna e outra externa, o texto e o contexto. Estas estruturas
são os aspectos que podem melhor explicar o texto. Avancemos no conheci-
mento desses aspectos.

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


17

A ESTRUTURA DA LEITURA INTERNA DO TEXTO

A leitura interna deve, sempre, intencionar a busca pela a ideia central do texto,
pois não há texto sem ela. Esta ideia ainda não é o tema do texto, às vezes, o tema
não coincide com a ideia central. A posse desta ideia ajuda a compreender todo
livro, se for o caso, ou toda a obra filosófica.
A Leitura interna. “A ideia básica. Ler é, fundamentalmente, o ato de apro-
priação da ideia central do texto, isto é, da ideia principal, básica, que con-
tém a essência do texto. Esse deve ser o princípio norteador de toda leitura.
Todos os outros princípios estão subordinados a esse e devem contribuir
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

para a sua realização. A ideia básica não está localizada em um ponto per-
feitamente identificável do texto. Não se constitui em uma ou duas frases
do texto. Anima o texto inteiro, podendo transparecer mais claramente
em certas frases do que em outras. Há certos trechos mais, em que certas
frases são muito importantes. Mas a leitura desses trechos não é suficiente
para produzir a ideia básica do texto. Tendo em vista essas considerações,
podemos tentar fixar a primeira regra da técnica da leitura: o esquema aqui
proposto aplica-se especialmente a textos de Ciências Humanas, 1º Ler
inicialmente o texto inteiro, para obter uma visão de conjunto, do todo.
Nessa leitura, deve-se procurar prestar atenção apenas no que se destaca,
deixando-se de lado os pormenores, o que não é essencial, como exemplos,
repetições, dados ilustrativos etc. Terminada essa primeira leitura, neces-
sariamente a mais superficial, é interessante tentar fazer, mentalmente ou
por escrito, um apanhado geral de ideias que se revelaram mais salientes,
que mais chamaram a atenção, das que formam um conjunto global, sem
consultar o texto novamente. Essa ideia geral será guia para os passos res-
tantes do trabalho de leitura. 2º As ideias secundárias como vimos, a ideia
básica percorre o texto inteiro, isto é, ela não se apresenta de choque repen-
tino, mas é o desenrolar ordenado do discurso, são parte a sucessivas do
discurso que formam a ideia básica. A ideia básica vai estruturar o texto,
vai comandar a articulação das várias partes do texto. Em geral, todo texto
encontra-se dividido em partes, cada uma contendo ideias, não a central,
mas outras secundárias, acessórias, que servem de apoio para a central. As
partes que se sucedem no texto estão relacionadas entre si de um modo
determinado e é esse modo de relacionamento das diversas partes entre si
que chamamos de estrutura de um texto” (BRUNI, [s. d.], p. 1).

No trecho apresentado, chamamos a atenção do(a) aluno (a) sobre a importân-


cia da ideia central, das ideias secundárias e acessórias. Na leitura do texto, esses
três elementos devem ser considerados para se estabelecer o diálogo necessário,

Como Ler um Texto Científico?


18 UNIDADE I

que constitui toda a leitura de um texto, afinal, ler é dialogar com o autor. O
princípio fundamental de um diálogo é a possibilidade da discordância, se não,
é monólogo. Ela possibilita outro olhar sobre o objeto ou problema em questão.
Quanto mais olhares sobre um objeto, melhor a compreensão e, consequente-
mente, melhor a ação no mundo.
Com isso, podemos formular a segunda regra de leitura. Na segunda
leitura, procurar identificar as partes do texto que contêm as ideias se-
cundárias, bem como o modo como estão relacionadas. Nessa leitura, já
mais aprofundada que a anterior, deve-se prestar atenção aos pormeno-
res, aos elementos subordinados à ideia central, como os exemplos, os

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dados ilustrativos e como de uns se passa aos outros. 3º Os conceitos. As
partes de um texto, por sua vez, são compostas por vários elementos que
podemos chamar, de maneira geral, de conceitos, ou seja, as ideias mais
elementares de um texto. São como os tijolos de uma casa, assim como as
partes corresponderiam a seus vários cômodos. A análise do texto deve
chegar aos conceitos que o constituem. Daí a terceira regra leitura. Uma
terceira leitura do texto deve apreender os vários elementos componen-
tes de suas diferentes partes: os conceitos. Trata-se, evidentemente, da
leitura mais cuidadosa, mais minuciosa. Não é necessário ter em men-
te, a cada momento, a ideia básica, mas deve-se tentar compreender as
minúcias das ideias, ou antes, os elementos mínimos de que as ideias
são formadas. Procura-se, então determinar o sentido de cada palavra,
servindo-se das indicações dadas no próprio texto (BRUNI, [s. d.], p. 2).

Neste trecho, merece destaque o fato das ideias secundárias, que percorrem todo o
texto, nos forçar a ter mais atenção na sua relação com a ideia central. Aparecem,
aqui, os conceitos que possuem uma função muito importante, pois garante a
profundidade do tema e a forma como eles dão sustentação à ideia central. Os
conceitos devem ser observados com muito cuidado, buscando os detalhes, as
minúcias da sua escolha. Em um texto, nada está posto por acaso ou é resultado
da falta de atenção, tudo tem uma intenção consciente e objetiva. Segundo Bruni:
A leitura interna de um texto deve, portanto, captar sua ideia básica, sua es-
trutura e seus conceitos. Trata-se de um movimento que parte do mais geral,
do mais global, para terminar no mais particular, no mais elementar. Pode-
mos chamar a ideia básica, a estrutura e os conceitos de níveis de um texto. A
leitura correta é aquela que consegue apreender os vários níveis do texto sem
confundir um com o outro. Há outros níveis menos importante mas que
convém conhecer para não imaginar que todo texto tenha apenas os men-
cionados. Quando em um texto predomina a intenção polêmica, por exem-
plo, devemos tomar cuidado com os recursos de estilo, como a ironia, para

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


19

não confundir o que o autor afirma com aquilo que ele próprio critica. Em
suma, deve-se ler um texto científico três vezes. A primeira leitura deve apre-
ender a ideia básica, a segunda deve procurar as partes e sua concatenação e a
terceira deve fixar os conceitos. Obs.: A prática constante da leitura de textos
científicos vai aos poucos dispensando o leitor das três leituras obrigatórias;
com o treino e o tempo, já numa primeira leitura pode-se distinguir, com
bastante segurança, os vários níveis do texto. Para o principiante, porém, es-
tudar um texto significa lê-lo, no mínimo, três vezes” (BRUNI, [s. d.], p. 2).

A parte final da leitura interna chama a nossa atenção quanto ao uso do método
dedutivo (raciocínio do geral para o particular), pois possibilita captar a estrutura
textual na essência, que identifica um objeto ou ideia de uma outra e distingui-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

-la com certa clareza. Outro aspecto são é os vários níveis conceituais presentes
no texto e que precisam ser identificados com clareza. Além dos níveis de com-
preensão, os iniciantes não devem estranhar o fato de receber como orientação
fazer o uso das três leituras obrigatórias de um texto, algo muito comum. Muitos
alunos (as) afirmam que ler três vezes demora muito, um pouco mais adiante,
falaremos das velocidades de leitura: lenta, média e a rápida.

CONTEXTO DO TEXTO E SUA ESTRUTURA

Todo texto possui um contexto que precisa ser compreendido. O contexto é tudo
aquilo que o ser humano tem constituído de múltiplos elementos, tais como social,
político, econômico, educacional, cultural, em determinado período. O texto pro-
duzido está, historicamente, localizado e condicionado por estes fatores, e o autor
não está descontextualizado ou acima das suas circunstâncias. O texto sempre
responde aos desafios e problemas apresentados pela realidade concreta, e o filo-
sófico jamais pode ser compreendido como algo puramente abstrato, sem sujeitos
e destinatários. Continuamos a ver como o professor Bruni nos orienta ver com-
preender a análise externa do texto.
Análise externa. Todo texto está inserido em um contexto. Ao contrário
do texto, o contexto é invisível, isto é, não se apresenta diretamente ao
leitor. O contexto deve ser procurado, pesquisado, reconstruído. Con-
texto é o conjunto de elementos que cercam, de algum modo, o texto.
O contexto lógico é composto pelos elementos de ordem intelectual
que envolvem o texto. Tudo aquilo que antecede logicamente o texto e
de que o texto depende pode ser chamado de os pressupostos do texto.

Como Ler um Texto Científico?


20 UNIDADE I

Todas as consequências que o texto acarreta, tudo aquilo a que o texto


leva, pode ser chamado de as implicações do texto. Os pressupostos do
texto com as suas implicações do contexto (BRUNI, [s. d.], p. 2).

Merece destaque o contexto lógico de ordem intelectual para sempre pesqui-


sarmos sobre a formação educacional, as influências recebidas da história da
filosofia, dos seus mestres e as correntes com as quais simpatiza. Por exemplo,
Sócrates teve Platão como aluno, Platão teve Aristóteles como aluno, Edmund
Husserl teve Martin Heidegger como assistente. Por mais que quase todos se dis-
tanciassem dos seus mestres, sempre os carregam como parte da sua história de

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
forma inerente, como veremos um pouco mais adiante.
O contexto histórico indica o conjunto de acontecimentos - fatos de or-
dem política, econômica e social que determinam o contexto do texto.
Todo o texto tem uma data, a data de sua produção que o marca como
produto de uma história e de uma época. O trabalho do texto exaustivo
ou total deve dar conta da estrutura interna do texto (compreensão das
idéias manifestas no texto), bem com como da situação histórica (com-
preensão dos fatores determinantes do texto, que se situam fora dela)
Só depois de compreendido, um texto pode ser discutido, criticado,
aceito ou rejeitado (BRUNI, 2019, p. 20).

O conjunto de acontecimentos históricos e datados deve ser levado em considera-


ção, mas não é fácil, tanto que professor Bruni classifica o contexto como invisível.
O contexto não é invisível, mas aparece como se fosse, e isto ocorre porque os filó-
sofos raramente fazem menção a eles, mas estão sempre batendo à porta do texto.
Se for negligenciada a análise do texto, seja de explicação seja de comentário, ela
pagará a conta no final, isto é, poderá ser classificado como superficial e incompleta.

A leitura é um aprendizado para toda a vida e, uma vez desenvolvida, nunca


mais se esquece. O texto resultado de uma leitura do mundo e é produzido
por você, que está historicamente localizado e condicionado por diversos
fatores. Lembre-se: você não está descontextualizado ou acima das suas cir-
cunstâncias.
Fonte: o autor.

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


21
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

LEITURA COMO ATO DE ESTUDAR O MUNDO

O ATO DE ESTUDAR - PRIMEIRA PARTE

O autor deste texto, o educador Paulo Freire (1921-1997), terceiro mais citado
no mundo, serve de fundamento para a educação nos países classificados com os
melhores índices de desempenho escolar, como a Finlândia, Noruega, Alemanha
e Itália entre outros, que sofreram influências dos filósofos Martin Heidegger,
Jean Paul Sartre, Karl Marx, Sören Kierkegaard, entre outros. Ele entende que
a leitura não é somente de textos, mas de problemas da vida cotidiana a serem
solucionados dentro de uma visão de mundo, a weltanschauung, em alemão.
Tinha chovido muito toda noite. Havia enormes poças de água nas par-
tes mais baixas do terreno. Em certos lugares, a terra, de tão molhada,
tinha virado lama. Às vezes, os pés apenas escorregavam nela. Às vezes,
mais do que escorregar, os pés se atolavam na lama até acima dos torno-
zelos. Era difícil andar. Pedro e Antônio estavam transportando numa
camioneta cestos cheios de cacau para o sítio onde deveriam secar. Em
certa altura, perceberam que a camioneta não atravessaria o atoleiro
que tinham pela frente. Pararam. Desceram da camioneta. Olharam o
atoleiro, que era um problema para eles. Atravessaram os dois metros

Leitura Como Ato de Estudar o Mundo


22 UNIDADE I

de lama, defendidos por suas botas de cano longo. Sentiram a espessura


do lamaçal. Pensaram. Discutiram como resolver o problema. Depois,
com a ajuda de algumas pedras e galhos secos de árvores, deram ao
terreno a consistência mínima para que as rodas da camioneta passas-
sem sem se atolar. Pedro e Antônio estudaram. Procuraram compre-
ender o problema que tinham a resolver e, em seguida, encontraram
uma resposta precisa. Não se estuda apenas na escola. Pedro e Antônio
estudaram enquanto trabalhavam. Estudar é assumir uma atitude séria
e curiosa diante de um problema (FREIRE, 1986, p. 67).

A descrição da realidade em que estava presente Pedro e Antônio revela que


a leitura da situação em que se encontraram não é diferente daquela quando

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
estamos com um texto em mãos. A situação problema enquanto paradigma,
modelo ou padrão exige do leitor reflexão e atitude de resposta para a resolução
da dificuldade, isto é muito prazeroso. O ato de estudar, a partir das leituras que
fazemos de um texto ou do mundo ao nosso redor, faz com que o ser humano
sinta-se útil e dê um sentido à sua existência. Portanto, o ato de ler é uma ativi-
dade extremamente prazerosa e nos ajuda a viver melhor no mundo repleto de
desafios. Viver é bom, porque resolvemos, a todo momento problemas dos mais
simples aos mais complexos.

ATO DE ESTUDAR - SEGUNDA PARTE

Neste momento, o educador orienta-nos a dar um passo no sentido de alargar


o nosso entendimento em direção a apropriação dos pressupostos necessários
para o estudo dos textos. Esta apropriação constitui o fundamento para o ato
de estudar durante toda a vida. Sem estes pressupostos, o iniciante nos estudos
reunirá todas as condições para desistir do ato de estudar de forma intencio-
nada, sistemática e organizada, uma vez que ele é difícil e exige muito esforço,
caso contrário, as escolas estariam abarrotadas de estudantes por todos os can-
tos do mundo. Muitos iniciantes nos estudos desistem pelas dificuldades sociais,
econômicas, psicológicas, educacionais, culturais e religiosas, mas outros pelas
dificuldades do próprio ato de estudar.

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


23

Esta atitude séria e curiosa na procura de compreender as coisas e os


fatos caracteriza o ato de estudar. Não importa que o estudo seja feito
no momento e no lugar do nosso trabalho, como no caso de Pedro e
Antônio, que acabamos de ver. Não importa que o estudo seja feito nou-
tro local e noutro momento, como o estudo que fazemos no Círculo de
Cultura. Em qualquer caso, o estudo exige sempre esta atitude séria e
curiosa na procura de compreender as coisas e os fatos que observamos.
Um texto para ser lido é um texto para ser estudado. Um texto para ser
estudado é um texto para ser interpretado. Não podemos interpretar um
texto se o lemos sem atenção, sem curiosidade; se desistimos da leitura
quando encontramos a primeira dificuldade. Que seria da produção de
cacau naquela roça se Pedro e Antônio tivessem desistido de prosseguir
o trabalho por causa do lamaçal? Se um texto às vezes é difícil, insiste em
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compreendê-lo. Trabalha sobre ele como Antônio e Pedro trabalharam


em relação ao problema do lamaçal. Estudar exige disciplina. Estudar
não é fácil porque estudar é criar e recriar e não repetir o que os outros
dizem. Estudar é um dever revolucionário (FREIRE, 1986, p. 67).

Merece a nossa atenção, neste fragmento, quando o educador fala da atitude curiosa
e séria. A ciência só avança no desenvolvimento de novos conhecimentos e, conse-
quentemente, novas descobertas se houver curiosidade, que precisa ser alimentada,
segundo Aristóteles, na Metafísica, livro I, “Todos os homens têm por natureza,
desejo de conhecer” (1979, p.11). O conhecimento é inerente ao homem, por isso,
busca-o sempre que motivado e estimulado. Sem o conhecimento e as informa-
ções o ser humano sofre, paga um preço muito alto pela ignorância. Quanto mais
conhecimentos e informações, maior a possibilidade de ser uma pessoa feliz.
Outro aspecto que merece a nossa atenção é a ideia de que um texto, para
ser lido, é também para ser estudado. Um texto a ser estudado é, também, a ser
trabalhado. Ler é, inclusive, um trabalho. Não é possível estudar um texto sem
uma atitude séria. A seriedade exige que o iniciante na leitura de textos filosóficos
encare esta atividade como a coisa mais importante a ser feita neste momento,
como um momento único e imprescindível. A seriedade tem como característica
fundamental a preocupação com a destreza na execução desta tarefa, ou seja, já
que se dispôs a fazer, faça bem feito para não precisar refazer.
As dificuldades que se impõem ao estudo de um texto são inúmeras, desde
a falta de pressupostos para a leitura até a disponibilidade e o interesse pelo
assunto. É comum ouvirmos de estudantes algumas expressões que traduzem a

Leitura Como Ato de Estudar o Mundo


24 UNIDADE I

falta de interesse e sentido para estudar um texto, como: Isto serve para quê? Por
que tenho que estudar isto? Entre outras. O educador destaca o porquê de não
desistir do ato de estudar um texto, pois pode haver consequências desagradá-
veis, ademais, pode evitar, ou diminuir o sofrimento e usufruir dos prazeres do
bem viver nesse mundo. Muitas pessoas desistem porque não refletiram direito,
ou não receberam orientações de como ler.
Estudar exige disciplina, mas preferimos utilizar o termo autodisciplina. A
disciplina vem de fora para dentro, ou seja, alguém diz a você o que deve fazer. A
autodisciplina vem de dentro para fora, ou seja, é você que diz a si mesmo o que

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deve fazer, levando a si mesmo a fazer escolhas, estabelecer prioridades, objetivos,
metas a serem cumpridas. Contudo toda escolha implica renúncia. O problema não
é escolher, mas renunciar as coisas que também queremos ou das quais gostamos.
Isto é muito difícil e exige esforço mental para garantir o foco nas prioridades. A
autodisciplina só ocorre quando você está convicto, quando tem uma ideologia,
quando se convenceu de que o estudo de texto é necessário para atingir os seus
objetivos e, às vezes, de outras pessoas, como os objetivos dos seus pais.
Estudar é uma atividade de criação e recriação diante dos problemas que as
circunstâncias impõem a nós. O educador brasileiro destaca, além disso, que é
um dever revolucionário, entendido em relação a si mesmo no sentido de que o
estudo modifica o ser humano em sua totalidade, no aspecto pessoal, social, eco-
nômico e cultural. Ele também tem a possibilidade de modificar o mundo a nossa
volta, ou seja, provocar alterações sociais em nossa cidade, país e mundo. Este
é um poder que a atividade educativa, por meio da leitura de textos e mudança
de comportamento, não raramente acontece no dia a dia.

Estudar é um trabalho. Para isto, faz-se necessário ter atitude séria e curiosa
diante de um problema. Ler também é um trabalho, que deve ser encarado
com profissionalismo, a fim de criar autodisciplina nos estudos.
Fonte: o autor.

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


25
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LEITURA DE TEXTOS FILOSÓFICOS E SUAS


DIFICULDADES

A leitura dos textos filosóficos, efetivamente, cumpre dois objetivos ao mesmo


tempo, e não podem estar separados de forma alguma: o primeiro, a iniciação à
filosofia propriamente dita, o segundo, que não há conhecimentos filosóficos sem
iniciação à leitura de seus textos e com a retomada de pensamentos já produzi-
dos na sua história. Com isso, surge um problema inerente aos objetivos: Como
iniciar para conhecer? É necessário conhecer-se para iniciar. É caminhando que
se faz o caminho, e o primeiro passo precisa ser dado o quanto antes.
Os primeiros passos nesta trajetória necessitam dos pressupostos de leitura
mencionados nos tópicos anteriores e devem ser dados na busca pela totalidade
da filosofia. Aconselha-se, desse modo, que sejam feitos com conhecimento em
blocos, que possuem vantagens e desvantagens e se multiplicam na aprendizagem
filosófica. Vejamos o itinerário apresentado por Platão, no livro VII da República,
sobre o famoso mito da caverna cuja problemática gira em torno da educação e
da ignorância.
Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com
uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de per-
nas e pescoço acorrentados […]. Assemelham-se a nós. […] Se forem
libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte
um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediata-
mente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao
fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á

Leitura de Textos Filosóficos e Suas Dificuldades


26 UNIDADE I

de distinguir os objetos de que antes via as sombras. […] E, quando tiver


chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir
uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras? Glauco – Não o
conseguirá, pelo menos no início (PLATÃO, 1978, p. 226).

Platão revela bem que a iniciação filosófica pressupõe, portanto, um caminho longo
e difícil. Por que isso ocorre? Devido à ignorância (o não saber). Quando ele afirma
que os homens estão ali desde a infância significa que não nasceram na caverna,
mas estão presos. Quem os levou até a caverna? Quem os acorrentaram pelo pes-
coço e pernas? Veja que Platão não fala em mãos, o que representa o pescoço e as
pernas diante do não saber? São questões que dificultam a compreensão do texto.

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Após percorrer um caminho, a luz adquirida brilha com força, em seguida, diante
de novos questionamentos e informações, ofusca-se, exigindo novas luzes. Assim, a
iniciação filosófica exige novos esforços para a compreensão das coisas e, aos pou-
cos, afasta-se da ignorância.
A leitura de textos filosóficos apresenta dificuldades, além daquelas da própria
língua vernácula, “[…] parece que toda obra filosófica – esta é uma caracte-
rística do gênero – elabora ou pretende elaborar as condições de sua própria
validade e, portanto, enuncia as próprias regras da leitura que se pode fazer dela”
(COSSUTTA, 2001, p. 3). Essa característica desenvolvida pelos textos filosófi-
cos, de forma geral, apresenta-se como se aprisionasse o texto dentro do próprio
sistema filosófico. O filósofo Ludwig Wittgenstein, em sua obra Tratactus Logico-
philosophicus, no aforismo 6.54, afirma:
Minhas proposições são elucidativas para aquele que, compreende-me, as
toma finalmente como contra-sensos, quando, passando por elas – sobre
elas -, delas se afasta. É preciso que ele transponha essas proposições; então
adquire uma justa visão do mundo (WITTGENSTEIN, 1994, p. 281).

Veja que, caso o leitor compreenda o seu enunciado, entende uma impossibilidade,
ou seja, o autor convida-o para uma leitura no mesmo momento em que o torna
impossível. Contudo cada filosofia explicita as condições de sua possibilidade ou
impossibilidade de sua leitura, revelando um fenômeno abrangente para sair das
contradições e nos coloca num confronto filosófico perpétuo. O confronto do leitor
com o filósofo constitui a luta pela compreensão do texto. O iniciante na filosofia
deve ter ciência dessas dificuldades para se tornar um andarilho pelos textos filo-
sóficos, sabendo que as alegrias proporcionadas pelo conhecimento, com muito

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


27

esforço desde o início do caminho, deve ser um esforço organizado e crítico. Ao


menos, perceberá que, ao apoiando-se nas dificuldades, elas mesmas constituirão
pedras e galhos para dar sustentação à caminhada filosófica.
É fácil ler e-mails com mensagens de texto, um site com curiosidades engra-
çadas, um artigo de jornais e revistas não científicas, porém é difícil compreender
um texto filosófico. Nada mais normal. Portanto, faz-se necessário não misturar
os gêneros literários. Na filosofia não se pode, nem se deve, esperar entendimento
imediato. Se assim fosse, poderia ser um sinal de superficialidade, ou seja, não
se atingiu o essencial. Diante disso, não devemos nos assustar e nem nos sur-
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preendermos com as dificuldades. Os textos filosóficos podem ser enfrentados


como mediações do pensamento, a luta pela sua compreensão caracteriza com
frequência aquilo que denominamos trabalho intelectual. Assim como todo tra-
balho, o trabalho intelectual tem suas regras que devem ser seguidas e criadas
de acordo com as exigências estabelecidas pelos filósofos.

COMO SUPERAR AS DIFICULDADES NOS TEXTOS?

Ajuda muito vencer as dificuldades, observar que todas as obras elaboram uma
teoria do conhecimento, do sentido dos termos e dos conceitos da linguagem,
deduzindo uma hermenêutica filosófica. Por exemplo, Marx (1978), na sua obra
Contribuição à crítica da economia política, descreve que as categorias de análise
só podem vir à tona na mente de um pensador na medida que os condiciona-
mentos sociais determinados historicamente, ou seja, em um contexto específico.
O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações,
isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento
como o processo de síntese, como resultado, não como ponto de parti-
da, ainda que seja o ponto de partida do efetivo, e, portanto, o ponto de
partida também da intuição e da representação. No primeiro método,
a representação plena volatiliza-se em determinações abstratas, no se-
gundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concre-
to por meio do pensamento. Por isso é que Hegel caiu na ilusão de con-
ceber o real como resultado do pensamento que se sintetiza em si, se
aprofunda em si, e se move por si mesmo; enquanto que o método que
consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de

Leitura de Textos Filosóficos e Suas Dificuldades


28 UNIDADE I

proceder do pensamento para apropriar do concreto, para reproduzi-lo


como concreto pensado. Mas este não é de modo nenhum o processo da
gênese do próprio concreto. A mais simples categoria econômica, su-
ponhamos, por exemplo, o valor de troca, pressupõe a população, uma
população produzindo em determinadas condições e também certos
tipos de famílias, de comunidades ou Estados (MARX, 1978, p. 117).

As suas categorias, como o valor de troca de uma mercadoria, só podem ser con-
cebidas a partir das relações concretas, não abstratas e descoladas da realidade.
O alicerce proposto do seu método depende da legitimidade do alicerce filosó-
fico do qual ele deduz. Nesse caso, Marx apontou que seu alicerce é a filosofia de

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Hegel, apesar de deixar claro as suas divergências com ele. Mesmo assim, Marx
continua a ser fortemente influenciado por Hegel, ou seja, no caminho percor-
rido por ele, Hegel estará presente, ocupando um espaço privilegiado. Todo
filósofo quer escapar do círculo hermenêutico, no entanto todos entram na sua
órbita no exato momento em que querem evitá-lo.
Encontramos na história da Filosofia muitos fenômenos que apresentam as
peculiaridades da reflexão filosófica na sua relação com a retomada de pensa-
mentos consolidados, tornando, assim, difícil a sua compreensão.
Com isso, compreendemos que a aprendizagem da leitura só pode ser filosófica,
não dispensando, de forma alguma, a reflexão. Nem por isso deve dispensar uma
análise metodológica na sua compreensão, diminuindo, assim, as suas dificuldades
inerentes aos textos. Entretanto essa reflexão preliminar das dificuldades leva-nos a
tomar consciência de que a filosofia busca atingir a verdade na universalidade, mas,
a todo momento, busca apagar ou ocultar essa mesma universalidade nos seus textos.
O texto filosófico possui um encadeamento, às vezes, uma linearidade no tempo
e na escrita, mas há textos que fogem a esta estruturação. Tais elementos, devido às
suas referências internas, cruzam-se e colocam-se numa dupla presença (o leitor
e o escritor) ideal dos momentos da sua construção. Um texto ou uma obra, em
Filosofia, deve ser apresentada em forma de um tratado dedutivo ou de aforismos
brilhantes que constituem o todo, aberta ao mundo e ao sentido captado pelo lei-
tor. Por exemplo, no livro Assim falou Zaratustra, no aforismo sobre ler e escrever:
De tudo o que se escreve, aprecio somente o que alguém escreve com seu
próprio sangue. Escreve com sangue; e aprenderás que o sangue é espíri-
to. Não é fácil compreender o sangue alheio; odeio todos os que leem por

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


29

desfastio. Aquele que conhece o leitor nada mais faz pelo leitor. Mais um
século de leitores – até o espírito estará fedendo. Que toda a gente tenha
o direito de aprender a ler, estraga, a longo prazo, não somente o escrever,
senão, também, o pensar. […] Aquele que escreve em sangue e máximas
não quer ser lido, mas aprende de cor (NIETZSCHE, 1998, p. 66).

O texto possui mobilidades, tanto interna quanto externa (leitor), que se desen-
volve num mundo de virtualidades provocado pela própria estrutura discursiva,
suscetíveis de serem analisadas e explicitadas. Isto ocorre a partir do momento em
que tomamos o texto em nossas mãos, com acesso ao título, ao índice, prefácio e
que tenhamos uma visão de totalidade, antes de uma leitura detalhada. A curiosi-
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dade vence a estranheza, o primeiro contato com o estilo do texto, e, aos poucos,
o leitor apropria-se da conceituação filosófica com mais facilidade, percorrendo
o caminho traçado pelo texto. As informações tornam-se familiares à medida
que é necessário ler e reler sem cessar. É justamente aí que começa a dificuldade:
ao entrar no labirinto das terminologias filosóficas da argumentação, surgem as
questões, como: De que maneira pode-se separar o superficial do fundamental nas
argumentações? Não só em nível conceitual do texto, como das imagens e exem-
plos que parecem desviar das argumentações centrais?
Ler e reler um texto com inteligência, ou seja, com um esforço organizado,
faz-se necessário para que tenhamos domínio dos procedimentos utilizados na
compreensão, é o que chamamos de método. Chamamos a atenção para o fato
de que não há um método que sirva para todos os textos, mas sim regras para
ler um texto e se apropriar dos conteúdos. Cada filosofia apresenta elementos
necessários para as percebermos naquela leitura, mas a atenção aos seus procedi-
mentos no próprio texto constitui um aspecto tão importante quanto o método.

ESCOLHAS DOS TEXTOS A SEREM LIDOS

Os textos filosóficos consagrados, os chamados clássicos da história da filoso-


fia, devem fazer parte da nossa prioridade de escolha. A principal justificativa é
que eles foram submetidos à crítica de grandes filósofos e resistiram ao ponto de
se tornaremm uma referência de reflexão na resolução de problemas, tanto no
período em que foi construído quanto na atualidade. Os outros textos ainda não

Leitura de Textos Filosóficos e Suas Dificuldades


30 UNIDADE I

submetidos ao crivo da crítica na história, devemos submetê-los aos seguintes


questionamentos: Este texto é, ou não, redutível à inteligência filosófica? Quais
os fundamentos conceituais deste conhecimento e a forma como os problemas
são postos e respondidos por tal reflexão?
A filosofia não pode ser vista como a “ciência humana”, contrariamente, o
que sugerem as classificações fixadas por algumas Universidades ou diplomas
emitidos por elas e governos constituídos, assim como a psicologia, a sociologia
entre outras, mas sim a reflexão crítica das chamadas “ciências humanas”. Com
isto, numerosos textos das chamadas “ciências humanas” e literatura podem ser

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objetos de uma leitura filosófica. Por exemplo, textos de Freud, Thomas Mann,
Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Lacan, Max Weber, Dürkheim entre outros.
Podemos chamá-los de textos intermediários que os estudantes de filosofia devem
estudá-los de forma sistemática e crítica.
Não esqueça de que a prática da filosofia, que pode submeter a exame
qualquer objeto, ganha em sutileza e pertinência quando acompanhada
de uma verdadeira cultura geral. Conforme os gostos, as competên-
cias ou as lacunas, convém, portanto, se esforçar sempre para ampliar e
aprofundar essa cultura através da leitura regular de livros de literatura,
de história, de psicologia, ou relativos às ciências da natureza, etc. Só
que será preciso distinguir os gêneros e as coisas, evitando misturar o
que tem a ver com a informação, com o conhecimento e com a reflexão
propriamente dita (FOLSCHEID, 2002, p. 15).

No caso dos estudantes de filosofia, os professores apresentam os textos a serem


rigorosamente lidos, portanto, não há nenhum problema na escolha. Durante
o curso de filosofia, muitas serão as abordagens, mas o iniciante nos estudos se
familiarizará e se identificará com o tipo pensamento ou com o pensamento de
determinada época: filosofia antiga, medieval, moderna, contemporânea (atuali-
dade) diante de si. Em cada período da história da filosofia, os textos apresentam
dificuldades específicas daquele momento histórico, além do estilo e da forma
de reflexão exteriorizada pelos dos pensadores.
O processo de escolha dos textos filosóficos para os iniciantes deve ser feito em
forma espiral, não podemos começar com um livro extremamente difícil, como
Crítica da razão pura de Kant ou Enciclopédia das ciências filosóficas de Hegel, mas
é possível, no primeiro momento, a leitura dos livros de entendimento medianos,

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


31

como os Fundamentos da metafísica dos costumes de Kant e, no segundo momento,


Lições sobre a estética de Hegel. Na filosofia antiga, é aconselhável começar com o
livro República de Platão, do que com livro Parmênides do mesmo autor. Contudo
isto não significa que devemos demorar muito nos textos considerados de menor
dificuldade, os textos mais difíceis devem ser enfrentados o quanto antes, nem
que seja pelos prefácios e pelas introduções. Os prefácios e as introduções cons-
tituem a filosofia propriamente dita, visto que não é possível introduzir e ficar de
fora do texto. A forma de leitura em espiral é uma estratégia que significa avançar
e retomar, reler e reler de forma progressiva, avançando na compreensão do pen-
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samento, iniciando pelos mais simples até chegar aos mais complexos.

LEITURA COM REGULARIDADE

As dificuldades na leitura dos textos filosóficos podem ser amenizadas com a


regularidade nos exercícios de ler e reler algumas vezes por dia, ou por semana,
se possível. Porém não convém postergar os momentos de aprendizagem para
enfrentar os textos filosóficos de difícil compreensão, esperando estar melhor
preparado para tal. Esta forma de pensar pode aumentar as dificuldades, em vez
de superá-las. Este tipo de dificuldade só é superado com esforço organizado
e paciência, aos poucos e com o tempo a compreensão conceitual ganha mais
repertório intelectual na aprendizagem.
O período de iniciação na filosofia não tem um tempo definido em anos.
Diferente do esporte ou de outras ocupações, o estudante percebe aos poucos o
seu progresso, que pode dar os primeiros sinais em poucos meses, e isto se veri-
fica ao fazer uma retrospectiva desde o início, voltando-se para o seu passado
próximo. Ao destacar a necessidade do esforço organizado e a paciência diante
dos textos filosóficos, significa que falamos em mudança de atitude para ser
mais racional, não dramatizando as dificuldades e criando ilusões por um lado,
nem as simplificar como se elas não estivessem a todo momento batendo à sua
porta. Por exemplo, os pensamentos de Platão, Descartes, Hegel entre outros,
em que alguns textos são considerados, por muitos, como de fácil compreensão
e outros herméticos e difíceis.

Leitura de Textos Filosóficos e Suas Dificuldades


32 UNIDADE I

Um texto passa a ser tecnicamente fácil na medida em que você possui os


recursos, as chaves de leitura, fazendo as identificações das problemáticas, dos
conceitos e das categorias que fundamentam a tese central daquela filosofia. Diante
disso, podemos afirmar que o texto não é, objetivamente, difícil, mas é o leitor
que ainda não se encontra com as suas capacidades desenvolvidas ao ponto de
decodificar o texto diante de si. Portanto, os chamados textos difíceis são ques-
tões mal colocadas que se voltam contra o leitor, desarmando-o dos recursos
necessários para ler o texto. Em vez de encorajar o leitor, esta forma de pensa-
mento tira a coragem e impede a pessoa de dar o melhor de si. O essencial não

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é ser o vencedor na compreensão do texto, como se fosse um concurso público,
mas os progressos pessoais diante de todos os tipos de textos diante de si.
Todo leitor, mesmo com conhecimentos modestos adquiridos no ensino
médio, possuem os elementos necessários que permitem uma iniciação em forma
de espiral para a leitura e compreensão de qualidade. Contudo essas indicações
sobre a apropriação dos conteúdos das teses, conceitos e categorias filosóficas
apresentam resultados se forem colocados em prática efetiva da leitura. Só se
aprende a ler os filósofos, lendo. Só o exercício de leitura é a garantia dos pro-
gressos pessoais, do desenvolvimento da capacidade crítica e outras habilidades
menores, mas necessárias na compreensão da filosofia escolhida.
O exercício da leitura é melhor praticado quando o iniciante nos textos filosó-
ficos procura determinar velocidades de leitura. Há três tipos de leitores: vagarosos,
médios e velozes. Os vagarosos são considerados aqueles que leem até 400 palavras
por minuto; o leitor médio é aquele que lê até 800 palavras por minuto; os velozes
são aqueles que leem acima deste número de palavras por minuto. A leitura tem
como pressuposto que lemos por sentenças, e não por palavras, pois nos comuni-
camos por frases e de forma rápida. O mesmo ocorre com a leitura, quanto maior
a velocidade melhor a compreensão do pensamento a ser apropriado. O bom lei-
tor é aquele que determina a velocidade da leitura de acordo com a necessidade.
Há textos que podem e devem ser lidos vagarosamente, objetivando a com-
preensão detalhada das ideias, e outros que devem ser lidos da forma mais rápida
possível. A leitura rápida ou dinâmica é um instrumento a ser utilizado para o
conhecimento de totalidade do livro ou da obra dos pensadores. Ela é, também,

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


33

muito útil para todos os meios escritos: jornais, documentos, e-mails, revistas,
romances, ensaios entre outros. Esta leitura é indispensável em todas as áreas
do conhecimento, contudo o bom leitor é aquele que alterna velocidades dela
de acordo como a necessidade de cada texto. Há textos filosóficos que necessi-
tam de uma leitura vagarosa e atenta, às vezes, desesperadamente lenta, dando
a impressão de que não está saindo do lugar. No entanto devemos tomar cui-
dado, pois, ao esmiuçar o texto, podemos nos perder em detalhes periféricos da
tese central, afastando-nos, assim, do essencial, das discussões fundamentais.
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Você sabia que há velocidades de leituras? O bom leitor determina as ve-


locidades de acordo com os textos: leitura devagar (até 400 palavras por
minutos), leitura média (de 400 a 800 palavras) e leitura rápida (800 a 1200
palavras por minutos). Esta deve ser feita com jornais e revistas. Um texto
filosófico, como, por exemplo, a Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant
(1787), a leitura deve ser feita devagar e com muita atenção.
Fonte: o autor

LER PARA EXPLICAR OS TEXTOS

A leitura atenta do texto deve ser o foco, buscando um esquadrinhamento das


palavras fundamentais que dão suporte às teses, dos parágrafos para esclarecer
os pressupostos e as implicações de tais afirmações. Estes aspectos são os sinais
de uma leitura genuinamente filosófica que, posteriormente, sera explicada. O
tempo gasto numa página não é fundamental, o que interessa é a compreensão
para provocar as fissuras e, assim, chegar na medula central do texto ou da tese.
Um exercício importante é escolher uma parte do texto e explicá-la como se fosse
uma questão de prova a ser respondida com detalhes. Com isto, encurtará a dis-
tância entre leitura e explicação das reflexões filosóficas nos textos.

Ler Para Explicar os Textos


34 UNIDADE I

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No treinamento, é importante exercitar-se, alternando velocidades na leitura para não
perder a visão de totalidade dos textos. O tempo de leitura e o resultado obtido deve
ser analisado de forma racional, tendo em vista que, nesse momento, o importante
é o aspecto oral, o escrito será em outro momento. Ter o domínio da leitura é o pri-
meiro pressuposto do estudante de filosofia, o que será, progressivamente, ampliado
dia a dia na sua ocupação intelectual. Este primeiro pressuposto do estudante e ini-
ciador da filosofia, constitui aquilo que denominamos a normalidade da atividade de
leitura e reflexão do futuro filósofo. Os passos seguintes só poderão ser dados com
consistência se houver o domínio da alternância entre a leitura rápida e a aprofun-
dada dos tipos de escritos do autor. Além dos textos com as principais categorias
ou conceitos, é importante fazer leituras de poemas, poesias e romances se houver.

LER E ANOTAR

O segundo passo fundamental após a leitura, para


os iniciantes, são as anotações das ideias funda-
mentais do textos, indispensáveis para registar o
esforço de compreensão naquele momento. Aos
poucos aumentará a sua cultura filosófica. Um
princípio básico é que aquilo que não anotamos
podemos esquecer. O esquecimento do que foi
lido força, a todo momento, retomar um caminho

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


35

já percorrido, tornando a leitura enfadonha. As anotações são os primeiros pas-


sos para que um texto seja estudado, e não apenas lido. Podemos classificar, de
modo geral, dois tipos de anotações, a primeira destinada a atender uma exigên-
cia acadêmica: avaliações, dissertações e teses; a outra é destinada ao uso pessoal,
aos esboços, esquemas, resumos, fichamentos entre outros.
As anotações com objetivo de atender às exigências acadêmicas são aquelas
que realizamos sob pressão, devido ao fato de ser um estudo direcionado, com
tempo determinado, orientado para a disciplina em específico e para atender aos
critérios determinados pelos professores ou orientadores. Atender às exigências
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de leitura de textos determinados por outrem faz com que as atividades acadê-
micas sejam consideradas, por muitos, como desagradáveis, pelo fato de agirmos
por dever, e não por prazer. Contudo são necessárias exigências que servem para
nos ajudar a moldar o nosso caráter (força que vem de dentro para fora) e para
termos uma formação completa enquanto cidadãos, para o mercado de traba-
lho e para a vida intelectual que se iniciou.
As anotações dos textos lidos que visam atender ao estudo estritamente pes-
soal são mais importantes que as primeiras já mencionadas, porque são movidas
pelos seus desejos racionais livres de exigências de outrem. As anotações pesso-
ais resultam de análise objetiva do texto, em que prevalece a transcrição literal
das ideias centrais e periféricas, que devem ser muito precisas em relação às
referências bibliográficas para serem utilizadas em novas produções dissertati-
vas ou explicativas. Elas também resultam de reflexões críticas sobre tais ideias
do pensador em questão. Nestas anotações, devem ficar muito claras a distin-
ção entre citação literal e as reflexões críticas suas, se possível, faz-se necessário
datar o período de tal análise.
A clareza de tais anotações dos textos filosóficos lidos faz-se necessário pelo
fato de o iniciante e os filósofos frequentarem estes escritos com certa frequên-
cia, ora para ampliá-los, ora para corrigi-los, ora para as dissertações, de modo
geral, de artigos, livros, palestras, enfim, são ferramentas de trabalho da ocupação
filosófica. O Padre Antônio Vieira (1608-1697), intelectual de máxima grandeza,
relata como as anotações eram importantes naquele período.

Ler Para Explicar os Textos


36 UNIDADE I

[...] Indo estudar Filosofia de idade de vinte anos, no mesmo tempo


compus uma filosofia própria; e passando à Teologia, me consentiram
os meus prelados que não tomasse apostila, e que eu compusesse por
mim as matérias, como com efeito compus, que estão na mesma Pro-
víncia, onde de idade de trinta anos fui eleito mestre de Teologia, o que
não prossegui por ser mandado a este Reino na ocasião da restauração
dele (VIEIRA, 2015, t. III, v. IV, p. 439)

Desde os primórdios da filosofia, os estudantes eram orientados a fazerem as pró-


prias anotações e a escreverem os seus textos. O próprio Vieira relata que sempre
andavam com os chamados “papelinhos” ou “borrões” em mãos, ora para memo-

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rização para depois pregar, ora como fonte de consultas para auxiliar na escrita
dos famosos Sermões (a principal obra literária do século XVII). Os professores
deveriam escrever as suas apostilas para ministrar as aulas. Aulas compreendi-
das pelos estudantes desde a Antiguidade, significa que deveriam ser anotadas.

ANOTAÇÕES PARA LER

As anotações, num passado próximo, eram feitas, exclusivamente, em papéis,


fichas de leituras e cadernos. Com o advento da rede mundial de computado-
res, a chamada Internet, a partir de necessidades bélicas, no início dos anos de
1980, nos Estados Unidos, e a sua liberação no Brasil, no final do ano de 1997,
surgiram novas formas de anotações não mais, exclusivamente, em papéis. Estes
passaram a dividir os espaços das anotações dos textos com as formas eletrônicas.
A Internet com as novas mídias, os computadores em rede, os celulares smar-
tfones, os livros eletrônicos e as novas formas de armazenamento de dados em
nuvens. Ou seja, a própria Internet fez com que os papéis e os livros escritos em
papéis começassem a perder a preferência dos leitores e escritores. A Internet
passou a ser uma poderosa ferramenta de consulta e armazenamento de dados
para os filósofos e os seus iniciantes nos estudos de textos filosóficos.
As anotações em fichas de leituras bibliográficas, descritivas, analíticas, per-
manentes, transitórias entre outras, constituem uma forma de estudos e registro.
Os resultados das leituras dos textos em resumos, os conceitos fundamentais, os
esquemas de estudos, os livros mais importantes daquele assunto em específico, as

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


37

referências de textos a serem usadas numa dissertação, tese ou avaliações, constitu-


íram a principal e mais eficaz forma de anotações para a atividade intelectual diária
conhecida até então. Todo o trabalho duro e penoso do estudo do filósofo e dos ini-
ciantes não caía no esquecimento, ou não eram confiados, unicamente, à memória.
Com efeito, os pensamentos dos outros não podem se tornar para nós
“lembranças” no sentido estrito. Existe aí como que uma distorção de nos-
sas funções. A memória está de uma certa maneira envolvida, mas ela não
predomina – e não deve predominar, sob pena de transvestir o pensamen-
to de saberes exteriores. Independente da integração dos pensamentos dos
outros em nosso pensar, o verdadeiro lugar onde se depositam os pensa-
mentos é o papel. Isso vale tanto para o filósofo experiente quanto para o
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aprendiz. O tempo passado sobre os textos, mas que não se concretiza em


fichas, é praticamente tempo perdido (FOLSCHEID, 2002, p. 24)

As fichas de anotações são tão pessoais que se tornam quase impossível descre-
ver quais as melhores formas de suas confecções, contudo elas são indispensáveis
no estudo pessoal. A partir delas é que temos uma visão global e minuciosa dos
textos estudados e dos seus autores. Os resultados das fichas de anotações são
imensos, desde a preparação para as avaliações e os trabalhos intelectuais de modo
geral. Apesar de ser impossível fazê-las com rapidez ou às vésperas de avaliações
e demais trabalhos. As suas confecções devem se estender durante todo o ano
ou durante toda a vida intelectual. Contudo as consultas às fichas de anotações
devem ser feitas de forma frequente com as devidas atualizações.

ANOTAÇÕES DE LEITURAS ELETRÔNICAS

Na contemporaneidade, a Internet ocupa um tempo enorme na vida das pessoas,


e, de modo geral, passa a ocupar também um enorme espaço de armazenamento
de livros eletrônicos, imagens, sons e artigos científicos. A Internet passou a ser
a principal fonte de acesso à pesquisa de informações, conhecimentos científicos
e filosóficos como nunca se viu na história da humanidade. A questão que surge,
agora, é: Como fazer o registro das nossas anotações de forma eletrônica? Quais os
principais desafios e riscos das anotações eletrônicas? Estas questões são importan-
tes pelo fato de constituir uma novidade e, portanto, não termos resultados claros
para fazermos afirmações das vantagens ou desvantagens das anotações de papéis.

Ler Para Explicar os Textos


38 UNIDADE I

Antes de responder às questões apresentadas, faz-se necessário destacar que tanto


o filósofo quanto o iniciante nos textos filosóficos devem estabelecer um padrão ou
um sistema de anotações e como fazê-las. Por exemplo, é necessário estabelecer o
significado das abreviações, os esquemas e mantê-los durante o processo. O sistema
de abreviações próprias ajuda a agilizar as anotações, como se fosse um telégrafo
(mas inteligível), economizando espaço, ganha-se tempo para poder ter mais den-
sidade filosófica na ficha eletrônica a ser confeccionada. Quanto maior a densidade
filosófica, melhor será a ficha, e as consultas serão mais frequentes. A precisão nas
referências constitui um aspecto fundamental a ser observado. Outro aspecto é obe-

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decer as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), seguindo
sempre a ordem: autor, título do livro, lugar da edição, editor, ano e página.
Para fazer os registros em fichas eletrônicas deve haver as mesmas caracterís-
ticas científicas da ficha de papel, reservando em torno de 10 a 15 fichas para um
livro, por exemplo, a Crítica da razão pura. Cada ficha deve corresponder a uma
página de caderno do tipo universitário. Nas fichas, são necessárias algumas infor-
mações básicas fundamentais, como o título de ficha de leitura (de forma bem
visível e em caixa alta) e numeração em cada uma. A numeração deve ser a pri-
meira coisa a ser feita e ficar sempre visível como meio de controle e identificação,
com suas subdivisões, quando houver. As referências bibliográficas, como o con-
junto de informações que permite identificar o livro, o jornal, a revista, o artigo,
os textos de Internet ou qualquer obra publicada. O autor deve ser identificado
pelo sobrenome e nome, título, volume ou tomo e número da edição, tradutor (se
houver), local, editora, ano e páginas. Estes registros podem ser feitos de várias
maneiras, como o arquivo simples dos redatores de textos e armazenados em HD
(externo) como se fosse uma biblioteca móvel, que é o menos aconselhável, mas
pode servir como um plano B em caso de perda de dados. O mais seguro são as
chamadas nuvens, o Google Drive, Google doc, OneDrive entre outros.
Nas fichas eletrônicas, o iniciante deve anotar, com precisão, para obter sem-
pre mais clareza nas referências e nas ideias centrais do texto lido. Se preferir,
coloque as ideias centrais em itálico, evite as aspas em títulos ou termos, melhor
grifar aquilo que merece destaque para a sua atenção. As observações são sem-
pre oportunas, caso julgue necessárias e pertinentes na compreensão da ideia
central. As reflexões feitas pelo autor das fichas devem ser destacadas ao ponto

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


39

de não fazer confusão entre as ideias centrais e argumentos que dão sustentação
a esta, garantindo, assim, o máximo de objetividade no resumo ou fichamento
do livro ou texto em questão.

LER PARA COMENTAR OS TEXTOS


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O bom leitor procura sempre uma leitura enriquecedora, e o caminho a per-


correr passa, necessariamente, pela classificação dos conceitos encontrados e
identificados com o contexto da produção da filosofia naquele livro ou naquela
obra. Este trabalho é indispensável para aumentar a cultura filosófica e poderá
recorrer a todos os tipos de exercícios e trabalhos intelectuais. A organização
deste trabalho deve seguir as preferências do autor, mas alguns aspectos meto-
dológicos merecem ser observados, primeiro que há termos não filosóficos que
podem se tornar; segundo, termos filosóficos universalmente consagrados, por
exemplo: substâncias, essência, ideia, razão entre outras adquirem significações
diferentes conforme o contexto e o autor. E, por fim, há termos absolutamente
específicos, impossível de se retirar do seu contexto, caso ocorra, pode levar ao
erro, como o termo “transcendental” no sentido kantiano.
No processo de estudo para a compreensão dos textos filosóficos, faz-se
necessária a utilização de dicionários especializados dos filósofos e de filosofia
geral. Há muitos dicionários de filosofia geral e específicos dos principais sis-
temas filosóficos, além dos clássicos de termos em grego e latim, disponíveis,
eletronicamente. Os termos que estão nos dicionários ajudam-nos a compre-
ender o sentido no sistema filosófico, mas as conceituações apresentam-se de
forma engessada, não possibilitando alterações, obrigam-nos a aceitar do jeito
que estão. Contudo os dicionários constituem uma base fundamental para refle-
xão filosófica.

Ler Para Comentar os Textos


40 UNIDADE I

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Diferentemente dos dicionários, a reflexão filosófica, a partir de um determi-
nado texto ou problema, faz com que os termos e as noções filosóficas ganhem
versatilidade e dinâmica a serviço do exercício, máxima de liberdade, na escrita.
A atividade racional de criação jamais parte do sentido dos termos filosóficos,
ao contrário, todo texto tem como ponto de chegada um novo sentido, ou seja,
jamais se parte do sentido. Portanto, os dicionários são constituídos de termos
filosóficos como uma ferramenta para auxiliar na elaboração de novos signifi-
cados. Consultando os dicionários, exercitando a escrita filosófica, o iniciante,
aos poucos, deixa de lado a visão ingênua de pensar que os dicionários dão sen-
tido aos termos, e passa a vê-los apenas como mais um dado a ser trabalhado,
um dado como ponto de partida para a reflexão filosófica.

DA LEITURA EXPLICATIVA PARA A LEITURA COMENTADA DO TEXTO

O leitor deve ter presente em suas intenções que a explicação é algo inerente à ativi-
dade de leitura e, em um texto, está longe de ser difícil, ela nada mais é do que um
exercício como os outros, podendo ser o melhor caminho para se chegar à reflexão

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


41

filosófica. Nas universidades, ela cumpre função secundária, que são as avaliações.
Ao mesmo tempo em que ela é um teste, é um alimento. Antes de explicar ou disser-
tar, é necessário saber o que realmente os filósofos disseram, porque disseram e como
disseram para só depois começar a explicar e dissertar sobre o assunto em questão.
A explicação de um texto está intimamente ligada à leitura rigorosa, a prin-
cipal característica da leitura filosófica por excelência. Há uma distância entre
a dissertação e a explicação. A dissertação trata de um tema, já a explicação é
sobre um texto em específico, em que é necessário apoderar-se do tema do texto
em sua totalidade. Com isto, o texto trabalhado é um de pretexto a ser esquadri-
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nhado, dissecado pelo filósofo ou iniciante da explicação, e, no final, o texto fica


de lado diante do objetivo alcançado. Tudo isso para que seja dito exatamente o
que o autor expôs no texto.
Toda explicação de texto é uma atividade extremamente limitada e delimitada.
Há dois elementos que devem levar em consideração numa explicação. O primeiro
elemento refere-se à erudição relacionada ao contexto analisado. A erudição deve
ser deixada de lado para traduzir o pensamento numa linguagem clara e precisa,
com o objetivo da compreensão do texto dito. O segundo elemento trata de situar
o texto na obra do autor e fazê-los dialogar. Além disso, o pensador deve estar
contextualizado nos aspectos históricos, sociais, econômicos e culturais, para não
ser visto como um ser descolado da realidade. Os seres humanos são eles e suas
circunstâncias e respondem aos seus problemas situados no seu tempo historica-
mente delimitado, quer sejam problemas filosóficos, quer sejam sociais entre outros.
Um aspecto importante é procurar atender objetivamente ao que foi solici-
tado. Alguns cuidados devem ser tomados na explicação do texto, o primeiro é
fugir da paráfrase, considerado o maior pecado dos iniciantes.
Parafrasear, como a palavra indica, consiste em fraser ao lado do texto,
a propósito do texto. Por que recusar a paráfrase? Porque ela é a arte de
repetir de outro modo o que é enunciado, simplesmente juntando-lhe um
coeficiente multiplicador de quantidade. Falando claro: substitui-se um
texto bom e breve por outro, longo e ruim – a obra de um mestre pela
imitação de um aluno. A paráfrase é antifilosófica porque oculta o texto
em vez de manifestá-lo, aplaina suas asperezas em vez de realçá-las, ig-
nora o que ele pressupõe, subentende, cala ou implica em vez de mostrar,
apaga as articulações em vez de exibi-las. A paráfrase dilui, aborrece, en-
fraquece, torna cego, surdo e mudo (FOLSCHEID, 2002, p. 31)

Ler Para Comentar os Textos


42 UNIDADE I

A explicação de um texto deve ser cuidadosa com as palavras, com os signos para
não destruir o sentido atribuído aos termos dado pelo pensador, isto serve não
só para o texto filosófico, mas todo e qualquer texto que seja pedido uma expli-
cação. A dissecação de um texto, do início ao fim parece ser algo complicado,
mas se avança aos poucos e quando menos se espera a análise acabou e o texto
foi desmembrado. Explicar um texto é uma tarefa relativamente fácil e prazerosa,
porque é um ato de desdobramento e retirada de informações e conhecimen-
tos daquilo que está posto em um determinado lugar delimitado. Além disto,
a explicação sempre vai em direção ao outro e favorece o autoconhecimento.

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Quais os tipos de leitura?
A leitura racional, a sensorial e a emocional. A leitura racional deve merecer
a nossa atenção? Ela está na base de todas as outras? Sim. Como articular o
sensorial e o emocional nas leituras?
Fonte: o autor.

FOCO NA COMPREENSÃO DO TEXTO

Para que uma explicação possa atrair a atenção de todos os envolvidos no pro-
cesso é necessário seguir alguns passos, primeiro separar o tema da tese do autor.
O segundo, identificar e destacar os movimentos e articulações da argumentação,
e em terceiro, destacar as noções filosóficos. Estas questões deve estar na mente do
iniciante em filosofia para que faça uma leitura objetiva e foque naquilo que inte-
ressa. Outro aspecto que merece destaque, é buscar as informações e conhecimentos
de forma desarmada, sem preconceitos com o texto, deixando o texto falar por si.
O primeiro aspecto, separar o tema da tese do autor pressupõe que o iniciante
nos textos busca de forma implacável compreender qual o problema apresentado
pelo autor. Não há filosofia que não surge a partir de um problema, a filosofia
nada mais é do que uma atividade intelectual que busca a resolução de problemas.

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


43

Ao encontrar o problema central a ser resolvido, o passo seguinte é separar o


tema da tese defendida pelo autor, o comum deveria ser os dois coincidirem ou
se complementar, mas nem sempre isso ocorre. A tese a ser desenvolvida cons-
titui a medula central do texto, o elemento que serve de comparação com outros
olhares e entendimento do mesmo problema.
O segundo aspecto é destacar os movimentos e as articulações que dão o
suporte argumentativo necessário para o desenvolvimento e explicitação da tese
central. Todo o edifício argumentativo gira em torno da tentativa de provar a tese
central. O argumento é constituído por ideias que são logicamente organizadas e
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relacionadas entre si com a finalidade de esclarecer para a resolução de um deter-


minado problema ou sustentar uma tese. Nos argumentos as ideias são organizadas
em forma de premissa, proposições ou frases para dar um sentido lógico, cujo o
resultado final pode ser um raciocínio verdadeiro ou falso, válido ou inválido. O
raciocínio parte sempre do conhecido para chegar ao não conhecido ou partir do
que se sabe para chegar ao que não se sabe. Nos argumentos são incluídos, além
de ideias, fatos ou acontecimentos, provas em forma de relatos com imagens, figu-
ras de linguagens entre outros, para convencer o leitor da sua tese em questão.
O terceiro e último aspecto em destaque, é destacar as noções filosóficas
utilizadas no texto. As noções são ideias aplicadas na aplicação a uma situação
em específicos e com peculiaridades ou particularidades extremamente especí-
ficas. A noção é o esclarecimento do uso de uma ideia num determinado caso.
Um exemplo disto, é a noção como uso em Voltaire (1694-1778) nas Cartas
Filosóficas e Tratado de Metafísica, apresentada por uma iniciante em filosofia.
Nas Cartas Filosóficas, a razão é estreitamente ligada ao uso que se faz
dela – de modo que não é tanto saber o que ela seja que interessa, mas
saber como se deve usá-la. Este conhecimento é crucial, pois interfere
diretamente na vida humana: uma vez que os homens são esclarecidos
pela razão, são mais felizes. Portanto, quando se pensa em “razão” não
se pode perder de vista o fim a que ela se propõe. No entanto, para
entendermos o uso que os homens devem fazer da razão segundo Vol-
taire, é preciso entender primeiro a maneira como ele pensa esses dois
termos: “homem” e “razão”. Se no caso desta última não chegaremos
a uma definição completamente esclarecedora, poderemos ao menos
entender como nosso filósofo estrutura essa noção e como ela se rela-
ciona com a ideia de “homem”, e para tanto recorreremos ao Tratado de
Metafísica (MACHADO, 2015, p. 116).

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44 UNIDADE I

A noção de razão em Voltaire ajuda a compreender como o emprego de


uma ideia difere dos outros, a chave de leitura para uma interpretação próxima
daquilo que o pensador procurou explicitar é decisiva quando buscamos expli-
car um texto. A chave de leitura interpretativa, neste caso sobre a noção de razão,
possibilita um olhar correto e diferente apresentado na solução de um problema
ou na explicitação da tese em questão.
Com esta explicação, o texto passa a ser explicado de forma clara o seu tema,
a tese, os objetos em discussão e o uso das noções. A explicação de um texto que
é parte mais fácil de o estudo, compre a sua missão da compreensão e do escla-

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recimento de um determinado pensador.

SOBRE COMENTAR UM TEXTO

Uma vez compreendido e explicado o texto, o passo seguinte pode ser o comen-
tar o texto. O comentário de um texto não tem um padrão a ser seguido, assim
como a explicação. O objetivo do comentário é muito diferente da explica-
ção. Se a explicação está a serviço do texto, o comentário interroga o seu
autor. O comentário pode fazer uso da erudição e da especulação. Neste sen-
tido, o comentário aparece como um exercício muito mais amplo e ambicioso.
Contudo, tem os seus limites traçados pelo contexto da história da filosofia.
A história da filosofia é a espinha dorsal da filosofia, dos sistemas filosóficos
e das suas reflexões.
A história da filosofia banaliza os comentários, mas com um olhar mais refi-
nado, mais agudo e mais preciso sobre o texto filosófico. O comentário pode ter
um grande alcance, desde de uma avaliação no final de um período letivo até
como introdução de uma grande obra filosófica, além das atividades intelectuais
em artigos e revistas para o público não especializado ou iniciado na filosofia,
para os chamados textos jornalísticos. Além do mais, o iniciante nos textos filo-
sóficos sempre que for convocado a atender as curiosidades do público em geral,
ao terem informações que está diante de alguém que será especialista na filosofia.

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


45

O comentário é uma forma de dialogar com o autor do texto. A visão do lei-


tor sobre o texto é resultado da sua reflexão pessoal sobre a tese e os problemas
enfrentados com o autor e ao confrontá-lo com outros autores avança no aper-
feiçoamento da análise crítica. A análise leva necessariamente a questionar o que
o autor disse de verdadeiro, a cultura filosófica do iniciador nos textos filosóficos
como comentador é exposta, denunciando o grau de sua profundidade nas leitu-
ras. Com isso, o exercício da especulação a partir de um texto base possibilita fazer
uso da liberdade diante dos autores. Esta liberdade do iniciante constitui em sua
essência o bom uso da razão no desenvolvimento do seu entendimento.
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O exercício especulativo desenvolvido nos comentários refina o olhar crí-


tico e avança em direção ao uso de uma metodologia própria com um cunho
sistemático. Essa metodologia possibilita ao iniciante criar uma forma de aper-
feiçoar os comentários na análise. Alguns aspectos podem corroborar para isso,
primeiro, porque não é possível comentar algo sem ter feito uma leitura capaz
de explicar o texto, e segundo, além de sair, aos poucos, da ingenuidade, adquire
uma boa postura crítica, capaz de identificar uma tese, um problema, as argu-
mentações e as noções de conceitos fundamentais. E, aos poucos, livra-se do
risco de comentar somente uma ideia, frase ou uma impressão superficial do
texto e, assim, agir inadequadamente.
A construção de um comentário faz com que seja ampliado as modifica-
ções de compreensão do texto. Diante disso, há no mínimo dois problemas a
serem enfrentados, o primeiro é manter a ordem das operações no que se refere
às noções conceituais e aos argumentos fundamentais. O segundo é evitar uma
justaposição entre as explicações e o comentário sobre o texto. Isto pode ser faci-
litado se trabalhar com várias folhas ou colunas, ao mesmo tempo, do início até
o final do texto em questão. Na primeira coluna, coloque somente o que se refere
a tese, tema e noções conceituais fundamentais, e na outra, as referências à obra,
às doutrinas e à história da filosofia. Uma terceira coluna reserve somente aos
comentários para discussões e reflexões pessoais. Um exemplo disso na história
da filosofia é a obra de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), a Suma Teológica.

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46 UNIDADE I

No comentário de texto, deve-se, sempre, cuidar para não fugir do tema


e nem deformar o assunto. Para evitar este risco, um plano deve ser criado e
seguido tanto pelo autor quanto pelo leitor para que ambos não se percam. Para
o sucesso do plano é importante preparar um esquema por colunas, prevendo
mais ou menos a quantidade de espaços, de acordo com a finalidade do trabalho,
desde uma dissertação até uma preparação para uma avaliação bimestral. Outro
aspecto, para fazer um bom comentário, é procurar os temas ou os motivos em
forma de problemas ou questões que possam ser transformados em títulos e, por
fim, seguir a ordem e ajudar o plano ao conjunto do texto.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Por fim, a introdução e a conclusão do comentário devem-se ajustar às
necessidades do comentário. A introdução é o trabalho propriamente dito, con-
forme mencionando no início, visto que não é possível introduzir sem entrar
no texto. Na introdução, não pode faltar os elementos para atrair o leitor, e ao
mesmo tempo, apresentar deve o que será encontrado no interior do texto. Já a
conclusão é aconselhável que uma retomada do assunto e faça um fechamento
ou amarração das ideias fundamentais. Na conclusão, deve aparecer os resulta-
dos da atividade que ora está sendo finalizada.

Você sabia que toda explicação de texto é uma atividade extremamente li-
mitada e delimitada? E o comentário de um texto é um complemento de
uma explicação, mas, sempre, deve-se tomar cuidado para não fugir do
tema e nem deformar o assunto.
Fonte: O autor

PRESSUPOSTOS DA LEITURA FILOSÓFICA


47

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro (a) aluno (a), encerramos aqui a primeira fase do nosso trabalho de conhecer
os pressupostos para o aproveitamento de leitura de textos filosóficos. Esperamos
que algumas dificuldades iniciais foram superadas iniciais. Os textos técnicos
exigem uma atitude diferenciada do comportamento, autodisciplina e técnicas
para apropriação dos conteúdos.
O entendimento que a leitura é um aprendizado para toda a vida e uma vez
desenvolvida nunca mais se esquece, fortalece a ideia de uma preparação não
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somente para o estudo de filosofia, mas como formação completa e integral em


todas as dimensões da nossa existência. Por isso que estudar é um dever revo-
lucionário, não somente em relação a si mesmo, mas no sentido que o estudo
modifica o mundo a nossa volta.
Destacamos a importância das anotações com o objetivo de atender as exi-
gências acadêmicas, que, geralmente, fazemos sob pressão do tempo, devido ao
fato de ser um estudo direcionado, orientado para uma disciplina em especí-
fico e para atender aos critérios determinados pelos professores ou orientadores.
Estes registros podem ser feitos de várias maneiras, como o arquivo simples, nos
redatores de textos, e armazenados em HD (externo) como se fosse uma biblio-
teca móvel, os meios mais seguros de armazenamento são: as chamadas nuvens,
o Google Drive, Google doc, OneDrive entre outros.
Por fim, vimos as explicações e os comentários como algo inerente à ati-
vidade filosófica. A explicação de um texto está intimamente ligada à leitura
rigorosa, a principal característica da leitura filosófica por excelência. Em seguida
a construção de comentários que fazem as explicações ampliarems modificando
a compreensão de um texto ou sistema filosófico.
Caro (a) aluno (a), nesta unidade, adquirimos muitos conhecimentos, mas
os quais aprofundaremos ao longo deste livro. Ainda há muito que acrescentar,
longe de pretender esgotar o assunto.

Considerações Finais
48

1. A respeito de Leitura de textos filosóficos, entendemos que o ato de ler é uma


atividade que nos acompanha durante toda a vida. O professor doutor José
Carlos Bruni da USP (Universidade de São Paulo), preparou um texto para os
seus alunos, no ano de 2003, intitulado Como ler. A partir desse texto, analise
as afirmativas seguintes:
I. Aprende-se a mecânica de ler aos sete anos de idade. No entanto a leitura,
concebida como instrumento de compreensão de uma ideia, é um processo
bem mais complexo. Seu aprendizado pode ser fixado em uma idade deter-
minada, e o aprimoramento da técnica de leitura é tarefa para uma idade
especificamente determinada.
II. A leitura é exercida sobre um texto que pode ser: uma obra inteira com vá-
rios volumes; um livro inteiro; uma parte de um livro com vários capítulos; um
capítulo de um livro; às vezes, uma página apenas, de conteúdo pouco rico.
III. O texto científico, caracterizado por certo rigor de pensamento e expressão,
certa ordem na concatenação das ideias e pela demonstração das afirma-
ções, não comporta uma leitura interna e uma análise externa.
IV. A leitura externa atém-se ao que o texto diz, explicitamente. A análise inter-
na utiliza dados que não aparecem no texto, mas que o explicam.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas II, III e IV estão corretas.
e) Nenhuma das afirmativas está correta.
2. O educador Paulo Freire (1921-1997), o terceiro mais citado no mundo, em seu
texto A importância do ato de ler, afirma que as dimensões do estudo vão além
da leitura de um texto. Diante disso, assinale a única alternativa correta:
a) Procuraram compreender o problema que tinham para resolver e, em segui-
da, encontraram uma resposta precisa. Estuda-se apenas na escola. Estudar
é assumir uma atitude séria e curiosa diante de um problema.
b) A atitude séria e curiosa na procura de compreender as coisas e os fatos ca-
racteriza o ato de estudar. Não importa que o estudo seja feito no momento
e no lugar do nosso trabalho.
c) Em qualquer caso, o estudo nem sempre exige atitude séria e curiosa na
procura de compreender as coisas e os fatos que observamos.
d) Um texto para ser lido é um texto a ser estudado. Um texto para ser estu-
dado é um texto para ser interpretado. Podemos interpretar um texto se o
lemos sem atenção, sem curiosidade.
e) O que seria da produção de cacau naquela roça se Pedro e Antônio tivessem de-
sistido de prosseguir no trabalho por causa do lamaçal? Se um texto, às vezes, é
difícil, não insista em compreendê-lo, deixe-o de lado e procure outro mais fácil.
49

3. Sobre as dificuldades dos textos filosóficos, eles, efetivamente, cumprem dois ob-
jetivos, ao mesmo tempo, e não podem se separar de forma nenhuma: primeiro, a
iniciação à filosofia propriamente dita; segundo, que não há conhecimentos filo-
sóficos sem iniciação à leitura de seus textos e com a retomada de pensamentos já
produzidos na sua história. Diante disso, marque alternativa correta:
I. Platão, no livro VII, da República, no mito da caverna, revela que a iniciação
filosófica pressupõe, portanto, um caminho longo e fácil.
II. Após percorrer um caminho em que a luz adquirida brilha com força, em
seguida, diante de novos questionamentos e novas informações, ofusca-se,
exigindo novas luzes. Assim, a iniciação filosófica exige novos esforços para
a compreensão das coisas e, aos poucos, afasta-se da ignorância.
III. Cada filosofia expõe as condições de sua possibilidade ou impossibilidade
de sua leitura, revelando um fenômeno abrangente para sair das contradi-
ções e nos coloca num confronto filosófico perpétuo. O confronto do leitor
com o filósofo constitui a luta pela compreensão do texto.
IV. O iniciante na filosofia deve ter consciência dessas dificuldades para se tor-
nar um andarilho pelos textos filosóficos, sabendo que as alegrias propor-
cionadas pelo conhecimento com muito esforço, mas, desde o início do ca-
minho, deve ser um esforço organizado e crítico.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas II, III e IV estão corretas.
e) Nenhuma das afirmativas está correta.
4. Sobre os textos filosóficos para iniciantes, em cada período da história da filo-
sofia, os textos apresentam dificuldades específicas daquele momento históri-
co, além do estilo e da forma de reflexão exteriorizada do pensamento dos pen-
sadores. O processo de escolha dos textos filosóficos para os iniciantes deve
ser feita em forma espiral, não podemos começar com um livro extremamente
difícil. Diante disto, marque a alternativa correta:
a) A Crítica da razão pura, de Kant, ou Enciclopédia das ciências filosóficas, de Hegel
são considerados textos super fáceis, indicados para iniciantes na filosofia.
b) Já o textos considerados extremamente complexos são: Fundamentos da
metafísica dos costumes, de Kant, e as Lições sobre a estética, de Hegel.
c) Quanto à filosofia antiga, é mais aconselhável começar com o livro Repúbli-
ca, de Platão, do que com livro de Parmênides, do mesmo autor.
d) Devemos demorar muito nos textos considerados de menor dificuldade, os
textos mais difíceis não devem ser enfrentados, somente no último ano.
50

e) Os prefácios e as introduções não constituem em filosofia propriamente


dita, visto que é possível introduzir e ficar de fora do texto. A forma de leitura
em espiral é uma estratégia que significa avançar e retomar, reler e reler de
forma progressiva, avançando na compreensão do pensamento como por
degraus dos mais simples aos mais complexos.
5. Sobre a leitura explicativa de textos filosóficos, o leitor deve ter presente em
suas intenções que a explicação é inerente à atividade de leitura. A explicação
de um texto está longe de ser difícil, ela nada mais é do que um exercício en-
tre os outros, podendo ser o melhor caminho para chegar à reflexão filosófica.
Analise as afirmativas e marque a alternativa correta.
I. A explicação nas universidades cumpre uma função secundária que são as
avaliações. Ao mesmo tempo em que ela é um teste, é um alimento. Antes
de explicar ou dissertar é necessário saber o que realmente os filósofos dis-
seram, porque disseram e como disseram.
II. Não há distância entre a dissertação e a explicação. A dissertação trata-se de
um tema, já a explicação é sobre um texto em específico. Para a explicação é
necessário se apoderar do tema do texto em sua totalidade.
III. Toda explicação de texto é uma atividade extremamente ilimitada e não
delimitada. Há dois elementos que se devem levar em consideração numa
explicação. O primeiro elemento se refere a erudição relacionada ao contex-
to analisado. O segundo elemento trata de situar o texto na obra do autor e
fazê-los dialogar.
IV. Um aspecto importante é procurar atender somente subjetivamente ao que
foi solicitado. Alguns cuidados devem ser tomados na explicação do texto, o
primeiro é fugir da paráfrase, considerado o maior pecado dos iniciantes.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas II, III e IV estão corretas.
e) Nenhuma das afirmativas está correta.
51

Sobre a Leitura e os Livros


Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: apenas repetimos seu processo mental, do
mesmo modo que um estudante, ao aprender a escrever, refaz com a pena os traços
que seu professor fizera a lápis. Quando lemos, somos dispensados em grande parte do
trabalho de pensar. É por isso que sentimos um alívio ao passarmos da ocupação com
nossos próprios pensamentos para a leitura. No entanto, a nossa cabeça é, durante a
leitura, apenas uma arena de pensamentos alheios. Quando eles se retiram, o que resta?
Em consequência disso, quem lê muito e quase o dia todo, mas nos intervalos passa o
tempo sem pensar nada, perde gradativamente a capacidade de pensar por si mesmo
– como alguém que, de tanto cavalgar, acabasse desaprendendo a andar. Mas é este o
caso de muitos eruditos: leram até ficarem burros. Pois a leitura contínua, retomada de
imediato a cada momento livre, imobiliza o espírito mais do que o trabalho manual con-
tínuo, já que é possível entregar-se a seus próprios pensamentos durante esse trabalho.
Assim como uma mola acaba perdendo sua elasticidade pela pressão incessante de
outro corpo, o espírito perde a sua pela imposição constante de pensamentos alheios.
E, assim como o excesso de alimentação faz mal ao estômago e dessa maneira acaba
afetando o corpo todo, também é possível, com excesso de alimento espiritual, sobre-
carregar e sufocar o espírito. Pois, quanto mais se lê, menor a quantidade de marcas
deixadas no espírito pelo que foi lido: ele se torna como um quadro com muitas coisas
escritas sobre as outras. Com isso não se chega à ruminação: mas é só por meio dela
que nos apropriamos do que foi lido, assim como as refeições não nos alimentam quan-
do comemos, e sim quando digerimos. Em contrapartida, se alguém lê continuamente,
sem parar para pensar, o que foi lido não cria raízes e se perde em grande parte. Em todo
caso, com o alimento espiritual ocorre a mesma coisa que com o corporal: só a quinqua-
gésima parte do que alguém absorve é assimilada, o resto se perde pela transpiração,
respiração e, assim por diante.
Além de tudo, os pensamentos postos em papel não passam, em geral, de um vestígio
deixado na areia por um passante: vê-se bem o caminho que ele tomou, mas para saber
o que ele viu durante o caminho é preciso usar os próprios olhos.
Fonte: Schopenhauer (1788-1860).
MATERIAL COMPLEMENTAR

A importância do ato de ler


Paulo Freire
Editora: Cortez Editora
Sinopse: o livro A Importância do Ato de Ler, de Paulo Freire, relata os
aspectos da biblioteca popular e a relação com a alfabetização de adultos
desenvolvida na República Democrática de São Tomé e Príncipe.
Ao mesmo tempo, nos esclarece que a leitura da palavra é precedida da
leitura do mundo e também enfatiza a importância crítica da leitura na
alfabetização, colocando o papel do educador educação, em que o seu
fazer deve ser vivenciado, dentro de uma prática concreta de libertação e
construção da história, inserindo o alfabetizando num processo criador,
de que ele é também um sujeito.

Sociedade dos Poetas Mortos (1989)


Sinopse: “O que quer que digam, palavras e ideias mudam o mundo”.
Abrimos a nossa lista com um clássico. A Sociedade dos Poetas Mortos é
um dos filmes sobre a importância da leitura mais conhecidos e imperdível
para os alunos. O professor Keating, interpretado pelo ator Robin Willians,
é contratado para dar aulas de literatura inglesa e norte-americana em
uma escola bem tradicional.
Com métodos inovadores e questionadores, opostos aos padrões da escola,
Keating passa a inspirar seus alunos a não só olharem a literatura e as
palavras de forma diferente, mas principalmente a vida. O filme traz a
literatura como tema principal e nos faz refletir sobre as coisas que fazemos
por paixão e que de fato move as nossas vidas. Ajuda, ainda, a desenvolver
estratégias para incentivar e melhorar o desempenho dos alunos.

20 Textos de Filosofia que podem ser lidos em 1 dia


Neste link, há um texto de orientações sobre como fazer leituras filosóficas, com uma breve
introdução de cada um dos textos. Os comentários são gerais, mas oportunos para os, iniciantes
dos textos filosóficos.
web: https://www.youtube.com/watch?v=f2TNqT8_r38.
53
REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Metafísica: livro I e II. São Paulo: Abril Cultural, 1979.


BRUNI, J. C. Como ler. Sugestões para uma prática produtiva da leitura. São Pau-
lo: USP. Texto para discussão. [S. d.]. 2p. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.
php/109243/mod_resource/content/2/Como%20ler.pdf. Acesso em: 10 abr. 2019.
COSSUTTA, F. Elementos para a leitura dos textos filosóficos. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
FOLSCHEID, D. Metodologia filosófica. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Pau-
lo: Autores Associados: Cortez, 1986.
MACHADO, L. A noção de razão nas Cartas Filosóficas de Voltaire. Revista Filogenese,
Marília, v. 8, p. 105-116, 2015. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Re-
vistasEletronicas/FILOGENESE/9_laismachado.pdf. Acesso em: 17 abr. 2019.
MARX, K. Para a crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
PLATÃO, A República. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
SCHOPENHAUER, A. (1788-1860). A arte de escrever. Tradução, organização, prefá-
cio e notas de Pedro Süssekind. Porto Alegre: L&PM, 2011.
VIEIRA, P. A. Obra completa: tomos - I epistolografia, II parenética, III profética, IV
vária. Direção de José Eduardo Franco; Pedro Calafate. São Paulo: Loyola, 2015. 30 v.
WITTGENSTEIN, L. Tratactus Logico-philosophicuso. São Paulo: Editora da Univer-
sidade de São Paulo, 1994.
GABARITO

1. E
2. B
3. D
4. C
5. C
Professor Dr. Edson Barbosa da Silva

II
OS CENÁRIOS E OS

UNIDADE
CONCEITOS NOS TEXTOS
FILOSÓFICOS

Objetivos de Aprendizagem
■ Explicitar os elementos que compõem o cenário dos textos
filosóficos.
■ Possibilitar ao leitor perceber os vários cenários para sujeitos e
destinatários nos textos filosóficos.
■ Compreender as dificuldades e as funções da terceira pessoa nas
cenas dos textos filosóficos.
■ Compreender os problemas de precisão e rigor dos conceitos na
Filosofia.
■ Demonstrar como acontece a construção dos conceitos, dos sentidos
e das definições nos textos e suas implicações.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Sujeito nas cenas dos textos
■ Variações dos sujeitos e destinatários
■ A terceira pessoa nas cenas dos textos
■ Conceitos no cenário dos textos
■ O sentido no cenário dos textos
57

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), bem-vindo (a) à Unidade II do livro, em que apresentamos


os cenários dos textos filosóficos e, ao mesmo tempo, oportunizamos algumas
ferramentas que podem auxiliar na interpretação dos os textos. Para compreen-
dermos um texto filosófico, é necessário identificar no cenário as polifonias, no
sentido criado pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975). O termo poli-
fonia representa a multiplicidade de vozes presentes nos textos.
A constituição do mesmo acontece, via de regra, pelo pronome pessoal
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

em primeira, segunda e terceira pessoas ou pelas determinações conceituais


(primeira e terceira pessoas de forma universal, mas disfarçada) de escolas filo-
sóficas. Estas vozes não se anulam, pelo contrário, complementam-se no texto,
mas o texto fica com aparência de confuso ou complexo. O texto pode ser con-
siderado por muitos como confuso ou complexo, porque o leitor, ou o iniciante
na leitura filosófica não identifica o papel que cada uma das vozes desempenha
naquele cenário.
Outro aspecto é os conceitos que integram os cenários nos textos. Os sub-
sídios apresentados ajudam o leitor a identificar não só os problemas, mas as
diversas respostas às suas formas designadas e instauradas entre os interlocutores.
A forma como o autor escolhe para articular o texto na sua doutrina é decisivo
na constituição para o bem compreender. Na história da filosofia, muitos filóso-
fos consideram que a filosofia nada mais é do que uma atividade de precisão e
rigor conceitual. Para outros, como Platão, Karl Popper entre outros, a filosofia
nada mais é do que uma atividade para resolução de os problemas postos diante
dos seres humanos. Para alguns, a filosofia é uma atividade racional de reflexão
sobre a existência na vida em sociedade.
Por fim, a construção de argumentos filosóficos numa determinada doutrina
começa com uma redefinição conceitual como base fundamental, inclusive, com
nova noção de conceitos a serem utilizados.

Introdução
58 UNIDADE II

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
SUJEITO NAS CENAS DOS TEXTOS

Em qualquer texto, inclusive nos filosóficos, aparecem os cenários em que os


sujeitos desempenham determinados papéis, quer seja na primeira, na segunda,
quer seja na terceira pessoa, quer seja de forma oculta. O nosso objetivo aqui é
explicitar tais papéis para melhor compreender os textos filosóficos.

PRIMEIRA MODIFICAÇÃO DO SUJEITO

A leitura de um texto tem como base a compreensão intuitiva das relações estabe-
lecidas pelas pessoas, e os modos de determinação do locutor ou dos destinatários
são apresentados de várias formas. Elas se modificam na medida em que o texto se
desenvolve ou a análise avança. Por exemplo, um leitor determinado, como uma
espécie de representante de opinião, mesmo que, aparentemente, distante, pode
ser aquele em que o discurso é dirigido como um adversário ou um discípulo.
Estas variantes, às vezes, confunde o iniciante na leitura dos textos filosóficos,
apresentando a reflexão do pensador como algo difícil de se acompanhar.
As reviravoltas no texto, geralmente, são intencionadas. Em um texto de filoso-
fia nada ocorre por acaso ou por falta de atenção, principalmente quando se refere
aos interlocutores na reflexão filosófica. Os textos filosóficos têm como uma das
suas características, nos enunciados, buscar a impessoalidade e a universalidade nas

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


59

suas vozes. Por outro lado, numerosos textos colocam como um dos integrantes do
seu cenário a primeira pessoa, mas esta função permanece com muita frequência
ausente. Contudo o centro do cenário principal está na fala em busca da verdade, o
discurso, aparentemente, sem sujeito, e um enunciador universal passa ser frequente.
O autor, neste cenário, produz uma reflexão sobre a dependência de um
sujeito que assume a responsabilidade, mas o fato de ele estar sob uma aparência
de ausência, o anonimato, as incertezas da autoria fazem com que as correla-
ções entre o leitor e a voz pareçam estranhas, gerando uma aparente confusão.
A posição de referência dos enunciados apresentam determinadas marcas pelas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

quais o processo da leitura e o papel desempenhado pelo leitor são definidos na


reflexão filosófica pelo pensador. Estas marcas, necessárias na compreensão do
texto, passam despercebidas pelo leitor. As marcas são pontos de associações da
reflexão que possibilitam ao leitor dar forma ao seu entendimento, seja ele o des-
tinatário, seja o adversário a ser convencido.
O sujeito na primeira pessoa e a subjetividade em uma língua sempre defi-
nirão o enunciado como um funcionamento na medida de sua utilização. A
linguagem coloca cada locutor como sujeito de primeira pessoa, que, por sua
vez, remete a si próprio com o eu do discurso.
A relação entre pronomes pessoais é caracterizada por uma dissime-
tria interna entre primeira e segunda pessoa chamada “correlação de
subjetividade”. “Nas duas primeiras pessoas há, ao mesmo tempo, uma
pessoa implicada e um discurso sobre essa pessoa […] em segunda pes-
soa; “tu” é necessariamente designado por “e” e não pode ser pensado
fora da relação colocada a partir do “eu”. - Mas as duas primeiras estão
unidas por uma “uma correlação de personalidade”, visto que elas se
opõem à terceira: “a forma dita de terceira pessoa comporta uma indi-
cação de enunciado sobre alguém ou alguma coisa, mas não dirigida a
uma pessoa específica (COSSUTTA, 2001, p. 13).

Compreendem-se as simetrias ou assimetrias dispostas na organização do texto


a partir de um outro ponto de vista, quando fazemos uma unificação das par-
tes. E, também, ao delimitar os espaços ocupados no interior da interlocução
e conferir à sequência textual com os advérbios, adjetivos, pronomes etc. Para
ler e explicar um texto pressupõe-se uma compreensão intuitiva das relações
desempenhadas pelas pessoas e as suas funções, de acordo com as regras da lin-
guagem e das intencionalidades do autor identificadas na descrição do cenário.

Sujeito nas Cenas dos Textos


60 UNIDADE II

Em toda a unidade de um texto, em especial dos textos filosóficos, devem


estar presentes, e de modo explícito, a coerência textual interna e a possibilidade
de se construir um sentido na produção textual, uma referência a um sujeito
de um lado, e, do outro lado, a possibilidade de um ponto de fuga do mesmo
sujeito. Cabe ao leitor fazer a interpretação do texto, seguindo as linhas diretivas
no mesmo. O autor, às vezes, tenta apagar os rastros da construção do sentido,
da reflexão, como se este sentido fosse uma criação absolutamente autônoma,
algo que surgiu de uma espécie de impossibilidade. Por isso, o autor trava uma
verdadeira luta textual com os chamados “conteúdos/argumentos” para tentar

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
alcançar o ponto de fuga.

PRIMEIRA PESSOA QUASE INVISÍVEL

Esta luta textual para “esconder” o sujeito


é possível, devido ao significado e às
dimensões de um sujeito e um predicado.
A natureza do conceito de sujeito e do
predicado possuem elementos da univer-
salidade, particularidade e singularidade.
O filósofo Georg Friedrich Wilhelm
Hegel, nascido 1770, em Stuttgart, na
Alemanha, em sua obra Enciclopédia das
ciências filosóficas, desenvolve um capí-
tulo somente sobre este aspecto. Figura 1- Filósofo Hegel

O conceito como tal contém os momentos da universalidade, enquanto


livre igualdade consigo mesma em sua determinidade; da particula-
ridade, da determinidade em que permanece o universal inalterada-
mente igual a si mesmo; e da singularidade, enquanto reflexão-sobre-si
das determinidades da universalidade e da particularidade; a qual a
unidade negativa consigo e o determinado em si e para si, e ao mesmo
tempo o idêntico consigo ou o universal. […] No juízo abstrato: “o sin-
gular é o universal”, o sujeito, enquanto é o que consigo se relaciona
negativamente, é o imediatamente concreto; ao contrário, o predicado
e o abstrato, o indeterminado, o universal. Mas, já que estão ligados

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


61

por “é”, deve também o predicado do conter, em sua universalidade, a


determinidade do sujeito; e desse modo ela é particularidade, a qual é
a identidade posta do sujeito e do predicado; enquanto, pois ela é algo
indiferente a essa diferença de forma, é o conteúdo. Só no predicado o
sujeito tem determinidade expressa e conteúdo; por esse motivo, é para
si uma simples representação ou um nome vazio. Nos juízos: “Deus é o
mais real [dos seres]“ etc., “O absoluto é idêntico consigo mesmo” etc.,
Deus, o absoluto são um mero nome; o que o sujeito é, diz-se no predi-
cado somente. Não interessa esse juízo o que além disso possa ser algo
concreto (HEGEL, 1995, p. 304).

As afirmações de Hegel, acima, revelam-nos que por mais que as reflexões bus-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

quem uma unidade e tentem apagar marcas do sujeito na primeira pessoa, sempre
haverá pistas que o intérprete pode encontrar no próprio texto. Quando ele afirma
que o singular é universal e, na universalidade, há conexão com a particularidade,
o sujeito está relacionado ao concreto, e o predicado contém a universalidade e
a determinidade do sujeito e vice-versa. Portanto, todas as marcas são impossí-
veis de serem apagadas, somente o leitor iniciante tem dificuldades em detectar.
A luta para tentar apagar o sujeito é possível porque podemos separar o enun-
ciado do seu contexto histórico, político, social, cultural entre outros. A força
assertiva de um enunciado veiculado a uma tese ou argumento, relacionando um
questionamento implícito (O que é sujeito/objeto? Ou uma afirmação etique-
tada, que pode não fazer sentido retirado de um outro contexto, por exemplo, a
eternidade temporal aumentaria o prazer que nos proporciona o tempo da eter-
nidade?) para comunicar uma certeza, confirma, de fato, a presença ou ausência
do locutor no enunciado.
Mas, mesmo que imaginássemos os enunciados flutuando livremente
fora de qualquer contexto e de qualquer referência, ainda seria possível
reconstituir indiretamente o rastro de um processo enunciativo, graças
a certos elementos do conteúdo proposicional: o estilo impessoal da
frase de Epicuro significa o homem em geral, e eu, enquanto leitor, per-
tenço à extensão dessa classe, assim como o locutor que está na origem
do enunciado; do mesmo modo, o “em si” de Hegel supõe o movimento
correlativo do “para nós”. Portanto, é a referência universal veiculada
pelos conteúdos ou colocada por um quantificador que introduz obli-
quamente aquele que deveríamos chamar de enunciador universal,
uma vez que ele não designa somente aquele a quem remete o nome
próprio, mas todo leitor singular, e portanto todo leitor em geral (COS-
SUTTA, 2001, p. 16).

Sujeito nas Cenas dos Textos


62 UNIDADE II

Diante disso, percebemos que tornar o sujeito de primeira pessoa visível


ou invisível é facultativo do pensador. A tentativa de tornar o sujeito visível ou
não passa a ser um jogo curioso na cena filosófica para forçar o leitor a acompa-
nhar, atentamente, a reflexão produzida pelo autor do texto. Contudo este jogo
de esconder/mostrar não é gratuito, é um ato intencional no desejo de fazer com
que o interlocutor seja convencido de sua tese ou para excluir posições contrárias.

SUJEITO DE PRIMEIRA PESSOA COMO UNIVERSAL

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Nos textos filosóficos, em sua maior parte,
a tentativa de apagar o sujeito de primeira
pessoa não é total, mesmo naqueles textos
que buscam objetividade e rigor em suas
análises. É comum encontrarmos regimes
mistos que conjugam o sujeito com enun-
ciador universal e o sujeito de referência
com a função comum designada pelo autor.
A forma segura de acompanharmos a cons-
trução da reflexão é o texto. Seguindo os
enunciados do texto, percebemos a ima-
gem de uma presença que garante o controle
do discurso. O sujeito, com a sua função
Figura 2 - Filósofo Aristóteles
universalizante, aparece, num primeiro
momento, como numa espécie de antecena, como se fosse a primeira, em seguida,
de forma mais articulada a uma segunda cena. Tudo isso construído como se
fosse um pano de fundo, a coesão e o desenvolvimento do texto passam a garan-
tir o jogo desejado.
Vejamos isto com o exemplo de Aristóteles, nascido em 384 a.C., filho de
Nicômaco, médico do rei Felipe da Macedônia. Nas primeiras linhas do livro
Metafísica, os leitores são conduzidos à problemática a ser enfrentada no decorrer
da sua análise sobre o ser enquanto ser. O sujeito em questão aparece claramente
no começo, mas, no decorrer do texto, a clareza diminui.

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


63

Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: uma prova


disso é o prazer das sensações, pois, fora até da sua utilidade, elas nos
agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as visuais. Com
efeito, não só para agir, mas até quando não nos propomos operar coisa
alguma, preferimos, por assim dizer, a vista aos demais. A razão é que
ela é, de todos os sentidos, o que melhor nos faz conhecer as coisas e
mais diferenças nos descobre. Por natureza, seguramente, os animais
são dotados de sensação, mas, uns, da sensação não gera a memória, e
noutros, gera-se. Por isso, estes são mais inteligentes e mais aptos para
aprender do que os que são incapazes de recordar. Inteligentes, pois,
mas sem possibilidade de aprender, são todos os que não podem captar
os sons, como as abelhas, e qualquer outra espécie parecida de ani-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

mais. Pelo contrário, têm faculdade de aprender todos os seres que,


além da memória, são providos também deste sentido. Os outros [ani-
mais] vivem portanto de imagens e recordações, e de experiência pou-
co possuem. Mas a espécie humana [vive] também de arte e raciocínios
(ARISTÓTELES, 1979, § 1, p. 11)

A clareza do sujeito, por exemplo, como o “nós”, “preferimos”, “elas nos dão pra-
zer”, aos poucos, no uso em terceira pessoa constrói referências no sentido de
fazer com que a reflexão se desenrole, tendo como pano de fundo os conteú-
dos e os argumentos. Com isso, a função do sujeito começa a sofrer variações
na presença do intérprete. A terceira pessoa passa a ser uma espécie de sujeito
que enuncia as proposições como se fosse universal. Aristóteles é considerado
o primeiro historiador da filosofia, ou seja, é uma referência importante para os
seus seguidores, seus adversários e os demais filósofos que surgiram depois dele.
As variações do sujeito, nos textos de muitos filósofos, é algo que ocorre
com muita frequência. Por exemplo, René Descartes, nascido em Haia em 1596,
logo no início de Meditações, destinado a leitores cultos e doutores de sua época,
começa na primeira pessoa e varia para a terceira.
Na primeira, adianto as razões pelas quais podemos duvidar geral-
mente de todas as coisas, e particularmente das coisas materiais, pelo
menos enquanto não tivermos outros fundamentos nas ciências além
dos que tivemos até o presente. Ora, se bem que a utilidade de uma
dúvida tão geral não se revele desde o início, ela é, todavia, nisso muito
grande, porque nos liberta de toda sorte de prejuízos e nos prepara
um caminho muito fácil para acostumar nosso espírito a desligar-se
dos sentidos, e, enfim, naquilo que torna impossível que possamos ser
qualquer dúvida quanto ao que descobriremos, depois, ser verdadeiro
(DESCARTES,1980, p. 79)

Sujeito nas Cenas dos Textos


64 UNIDADE II

Ao utilizar, no texto, o sujeito enunciador com função autor (eu) e o sujeito


enunciador universal (nós), Descartes (1980) apresenta, no primeiro sujeito, uma
circunstância especial de Meditações, ferindo-se a ele mesmo, e no segundo, o
sujeito enunciador universal para que o leitor possa se apropriar do percurso
realizado por ele nas suas reflexões, no interior do texto. Com isso, fazendo a pas-
sagem de um sujeito para o outro, Descartes (1980) faz o leitor transpor-se para
o campo de análise, ou seja, para os conteúdos apresentados de forma lógica. O
leitor passa a ser um participante nas reflexões produzidas por ele.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O texto pode ser considerado, por muitos, como confuso ou complexo por-
que o leitor não identifica o papel que cada voz desempenha no cenário.
Existe uma luta do autor para esconder o sujeito no texto, e há variações no
uso do sujeito no interior de muitos textos filosóficos.
Fonte: o autor.

VARIAÇÕES DOS SUJEITOS E DESTINATÁRIOS

As mudanças de posição do destinatário no enunciado filosófico acontecem


com certa frequência, muda-se, também, a cena e, ao mesmo tempo, favorece
uma nova configuração. Com a mudança de cena no texto, devido à variação
dos destinatários, aparece a dualidade tanto da primeira quanto da segunda pes-
soa. Observemos isto de forma atenta para fazer as identificações necessárias no
texto filosófico.

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


65
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

CENA 1 - VARIAÇÕES DOS SUJEITOS

O filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), no livro O Ser e o Nada, no capí-


tulo sobre a má-fé, faz uso das variações dos sujeitos e destinatários como um
elemento importante na estruturação do seu pensamento em quase todos os seus
textos se observa essa ocorrência, sejam cartas, artigos ou livros. O destinatário,
por um lado, funciona como um mediador entre o pensador e ele mesmo, e, por
outro, entre o pensador e uma espécie de comunidade ampla. Portanto, o desti-
natário não constitui um agente passivo das reflexões construídas pelo pensador.
Isto se torna explícito num diálogo, forma clássica da constituição dos textos filo-
sóficos, desde os seus primórdios na Grécia Antiga.
Na cena a seguir, observe as variações dos sujeitos na narrativa, em que
apresenta, num primeiro momento, um relato de forma impessoal, em seguida,
passa ter uma identificação do autor com o objeto descrito e o cenário como
pano de fundo. No terceiro momento, Sartre coloca-se e nos coloca como um
sujeito universal, como se fosse o garçom. As variantes, neste caso, ganha confi-
gurações de modo que o leitor iniciante acompanha com certa clareza, mas, ao
mesmo tempo, a reflexão apresenta-nos situações com extrema complexidade,
por causa das mudanças dos sujeitos na narrativa. Em O Ser e o Nada, Sartre
apresenta-nos a famosa cena do garçom, que nos ajuda a compreender melhor.

Variações dos Sujeitos e Destinatários


66 UNIDADE II

Vejamos esse garçom. Tem gestos vivos e marcados, um tanto preciso


demais, um pouco rápidos demais, e se inclina com presteza algo exces-
siva. Sua voz e seus olhos exprimem interesse talvez demasiado solícito
pelo pedido do freguês. Afinal volta-se, tentando imitar o rigor inflexível
de sabe-se lá que autômato, segurando a bandeja com uma espécie de
temeridade de funâmbulo, mantendo-a em equilíbrio perpetuamente
instável, perpetuamente interrompido e da mão. Contudo parece uma
brincadeira. […] Porém, precisamente, se represento, já que não sou:
acho-me separado da condição tal como o objeto do sujeito – separado
por nada, mas um nada dela me isola, me impede de sê-la, me permite
apenas julgar sê-la, ou seja, imaginar que a sou. […] Por mais que cum-
pra as funções de garçom, só posso ser garçom de forma neutralizada,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
como um ator interpreta Hamlet, fazendo mecanicamente gestos típicos
de meu estado e vendo-me como garçom imaginário através desse ges-
tual tomado como “analogon”. Tendo realizar o ser-Em-si do garçom,
como se não tivesse justamente em meu poder conferir a meus deveres e
direitos de estado seu valor e urgência, nem fosse de minha livre escolha
levantar toda manhã às cinco ou continuar deitado, com risco de ser des-
pedido do emprego (SARTRE, 1997. p. 106).

A narrativa de Sartre (1997) faz com que o leitor veja o cenário com algumas
variações. No primeiro momento, acontece uma descrição normal e impessoal
do personagem garçom e, no segundo, se coloca como autor, no cenário, como se
fosse o garçom, ao mesmo tempo, envolvendo-se com as situações ali narradas. E
num terceiro momento, aparece a representação como um nada, como uma repre-
sentação, como se fosse um personagem que não é real, mas somente como fosse
um papel a representar por ser separado por um nada, ou seja, algo que não é.
O destinatário não é somente um objetivo em si da mensagem emitida
pelo autor do texto ou um mediador, mas sim aquele que oferece resistência no
processo de convencimento. A resistência vai desde a incompreensão dos precon-
ceitos até a oposição à tese defendida pelo autor. Diante disto, faz-se necessário
que, na escrita, seja introduzido um ponto de vista com uma estratégia discur-
siva que, não só serve de meio para explicação, mas para transformar, de modo
geral, em argumentos filosóficos. O papel atribuído ao destinatário é fundamen-
tal na recepção do texto pela cena social em que se inscreve.
Na primeira pessoa, mesmo com ausência de marcas explícitas, fica assegu-
rada, diante do destinatário, a sua função na reflexão, buscando os fundamentos na
verdadeira razão. Quando a destinação não está explícita, busca-se um destinatário

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


67

universal. Às vezes, o destinador universal confunde-se com o enunciador uni-


versal e o leitor, mas as pistas deixadas pelo autor possibilita que o leitor perceba
de forma indireta ou no cenário.

CENA 2 - VARIAÇÕES DOS DESTINATÁRIOS

Individualmente, os textos gerenciam, de maneira original e rigorosa, as posi-


ções dos destinatários, mas, ao observarmos a trajetória e os esquemas utilizados
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pelos autores, formam uma espécie de cânones na enunciação filosófica. Com


isto, as doutrinas filosóficas, em forma de exposição objetiva, que privilegiam os
enunciados universais, interferem, de certa maneira, na pontuação e na orien-
tação do leitor para a validação dos destinatários no processo de comunicação.
Os textos fazem uma transformação na sua estruturação e, consequentemente,
no seu sentido.
Quando acontece a mudança de posição do destinatário no enunciado filosó-
fico, muda-se também a cena e, ao mesmo tempo, favorece uma nova configuração.
Com a mudança de cena no texto, devido à variação dos destinatários, aparece a
dualidade, tanto da primeira quanto da segunda pessoa. Isto fica visível em car-
tas e diálogos filosóficos nos textos. Vejamos mais um exemplo da filosofia de
Descartes, numa carta endereçada A Chanut, em primeiro de fevereiro de 1647.
Senhor, a amável carta que acabo de receber de vossa parte não me permi-
te repousar enquanto não lhe houver dado resposta; e, embora proponha
nela questões que outros mais eruditos do que teriam muito trabalho para
examinar em pouco tempo, todavia, porque sei que, mesmo se eu empre-
gasse muito tempo nisso, não poderia resolvê-las inteiramente, prefiro pôr
prontamente sobre o papel aquilo que o zelo, que me incita, me ditará do
que pensar com mais vagar e não escrever em seguida nada melhor. Que-
reis saber minha opinião no tocante a três coisas: 1 – que é o amor?; 2 – se
só a luz natural nos ensina a amar a Deus?; 3 – qual dos dois desregramentos
e maus usos é pior, o do amor ou o do ódio? Para responder ao primeiro
ponto, distingo entre o amor que é puramente intelectual ou racional e o
que é uma paixão. O primeiro consiste, parece-me, apenas em que, quando
nossa alma percebe algum bem, seja presente, seja ausente, que julga lhe
ser conveniente, ela se lhe junta voluntariamente, isto é, considera-se a si
própria, com este bem, qual um todo, de que ele é uma parte e ela a outra
(DESCARTES, 1979, p. 317).

Variações dos Sujeitos e Destinatários


68 UNIDADE II

Neste pequeno fragmento da carta, aparecem as variações de destinatários,


como o “eu”, “lhes”, “alma”, e, assim, muda-se, aos poucos, o cenário, aparecem a
dualidade enunciativa verdadeira e o interesse na correspondência se concreti-
zam na carta. A resposta segue a mesma lógica interna na estrutura da filosofia na
obra produzida por Descartes (1979), em outros escritos. Identificando as cenas
a partir dos destinatários, o leitor encontra a resposta que desejava, podendo
concordar, ou não, com os argumentos no texto.
Após a identificação do cenário, o leitor começa a fazer as conexões a par-
tir das reflexões do autor em forma de implicações nas cartas, como exortação

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e os avisos finais. O desenrolar do pensamento, no texto, acontece com a liber-
dade em que o ato de escrever realiza de forma plena e, como em uma conversa,
faz com que o leitor apoie-se com familiaridade nos conceitos. Na carta, a per-
sonalidade do autor fica explícita, diferente de um livro em que os cenários
possibilitam se esconder ou se revelar menos, contudo a polêmica passa a ser
evidenciada com mais facilidade.

CENA 3 - VARIAÇÕES DE CENÁRIOS

Ao optar pelas cartas, o autor revela uma cena filosófica que ele tem em mente e
se apoia no destinatário como outra forma de argumentação. A argumentação,
na carta, acontece em um cenário diferente, pode ser combinado um pensa-
mento mais denso e argumentativo, e as digressões ou o tom da confidência.
Contudo a presença do outro ou o destinatário passa a ser anexado, há a perda
da autonomia do sujeito, enquanto, em outras formas, os argumentos desenro-
lam-se de forma mais discursiva em que a unidade do espaço é mais controlado.
O diálogo é estabelecido entre um eu e o outro, mas, em determinados textos,
o autor abre mão do seu eu ou do seu ponto de vista em prol de um persona-
gem fictício que o representa (como Sócrates, na maioria dos textos de Platão).
Platão, no livro I de a República cujo tema central é a questão da justiça, dá-nos
uma noção do diálogo clássico nos textos filosóficos.
Sócrates – Como vês, justiça não significa ser sincero e devolver o se
tomou.

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


69

Polemarco – Eu digo que sim, Sócrates, pelo menos se acreditarmos


em Simônides.

Céfalo – Deixo-vos com este assunto, visto que preciso ir terminar o


sacrifício. […]

Polemarco – Que é justo devolver aquilo que devemos. Julgo ser esta
asserção correta.

Sócrates – Evidentemente, é impossível não dar razão a Simônides, ho-


mem sábio e divino. Não obstante tu, Polemarco, deves saber o signifi-
cado do que ele diz, ao que ele diz, ao passo que eu o ignoro. Está claro
que Simônides não se expressou a respeito do que falávamos, sobre res-
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tituir a uma pessoa algo do qual nos foi confiada a guarda, sendo que
essa pessoa veio a perder a razão. Contudo, devemos ou não restituir
um objeto do qual foi-nos confiada a guarda?

Polemarco – Claro que devemos.

Sócrates – Mas de forma alguma deve ser restituído se quem o reclamar


tiver perdido a razão?

Polemarco – Com certeza.


Sócrates – Então, parece-me que Simônides quer dizer outra coisa
quando afirma ser justo que restituímos o que devemos.

Polemarco – Certamente que se trata de outra coisa, por Zeus! Na opi-


nião dele, deve-se fazer sempre o bem aos amigos, nunca mal (PLA-
TÃO, 1997, p. 11).

Apesar de no fragmento apresentado todos os personagens fictícios estarem no


diálogo, o autor cria um cenário em que eles, mesmo sendo pessoas que, histori-
camente, foram uma referência na sociedade, o alcance filosófico, ao abordar um
tem a como a justiça, é significativo. O exercício do diálogo é próprio do método
dialético de perguntas e respostas, aperfeiçoado por Platão. Nele, o movimento
ascensional para superar a tese adversária em direção à verdade faz com que o
cenário sofra variações, e a segunda pessoa, ou os interlocutores sejam conven-
cidos aos poucos. Esta forma de argumentação dá liberdade para que o autor
possa conduzir à sua maneira e de acordo com a sua conveniência o jogo de per-
guntas e respostas para o convencimento de todos, inclusive, do leitor.

Variações dos Sujeitos e Destinatários


70 UNIDADE II

A escolha pela forma dialética do diálogo faz com que os interlocutores se


sintam presentes no cenário, e o esforço constante da escrita, no texto, demonstra
a multiplicidade dos pontos de vistas das figuras discursivas na reflexão filosó-
fica. Ao fazer a escolha por esta forma de convencimento, Platão constitui, na
sua doutrina, um ponto de vista por intermédio dos personagens e, ao mesmo
tempo, ele ultrapassa esse mesmo ponto de vista, por meio de uma reflexão cui-
dadosa e muito rigorosa. O leitor, a todo momento, no texto, identifica-se e, ao
mesmo tempo, discorda e concorda na medida em que compreende a reflexão
apresentada pelos personagens.

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O destinatário funciona como mediador entre o pensador e ele mesmo. Os
cenários mudam de posição e, com ele, os destinatários, favorecendo nova
configuração. A dialética como diálogo faz com que os interlocutores se sin-
tam presentes em cada cenário. Por isso, escrever sobre filosofia, filosofica-
mente, é a arte de cuidar da nossa alma.
Fonte: O autor

A TERCEIRA PESSOA NAS CENAS DOS TEXTOS

Há inúmeras funções para poder assegurar as interações textuais, ela assegura


o domínio filosófico com as rupturas para a construção de novos sentidos e
significados em relação às fontes históricas das reflexões. Cabe ao leitor o tra-
balho de levantar todas as formas possíveis destas funções, de acordo com a sua
compreensão, efetivadas nas referências, podendo ser as formas explícitas (que
podem chegar às alusões) e implícitas (o subentendido). Além disso, o leitor
deve acompanhar, no texto, os enunciados distribuídos a quem está endereçado
e sobretudo quem são.

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


71
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

CENA 1 A FUNÇÃO NO TEXTO DA TERCEIRA PESSOA

A compreensão de um texto passa a ser satisfatória, quando os modos de sua


apresentação e as suas finalidades são claros diante do leitor. Nos modos de apre-
sentação do texto, a primeira pessoa deve ser observada com atenção pelo fato
de que é necessário para que a verdade seja evidenciada, e a segunda pessoa para
que a destinação do texto possa ser identificada e ampliada no seu sentido ou
referência. Já a terceira pessoa é apresentada como se ocupasse um lugar vazio,
podendo incorporar qualquer referência no domínio de um texto.
A filosofia tem como objeto, desde Platão a Karl Popper, a resolução de
problemas diante uma determinada realidade, que é constituída também com
diversos saberes, diversas práticas e com filosofia consolidadas. Com isto, o leitor
deve ficar atento para identificar não só os problemas, mas as diversas respostas,
às suas formas designadas e instauradas entre os interlocutores. A forma como
o autor escolhe para articular o texto na sua doutrina é decisivo na constituição
para bem compreender. Só este aspecto, já poderia constituir um estudo, visto
que está em jogo o processo de criação e a novidade, em se tratando de filoso-
fia. Ao apresentar o seu ponto de vista filosófico no meio de uma multiplicidade
que não é harmônica, o pensamento conquista ou reconquista a sua autonomia.

A Terceira Pessoa nas Cenas dos Textos


72 UNIDADE II

Quando utilizamos do amplo conceito texto, ele traz sempre consigo inúmeros
elementos, um deles é o jogo múltiplo de referências, outro é as redes de inter-
textualidades sobre o qual é possível verificar o uso de várias funções. Além das
funções para poder assegurar as interações textuais, ela assegura o domínio filo-
sófico com as rupturas para a construção de novos sentidos e significados em
relação às fontes históricas das reflexões. Cabe ao leitor o trabalho de levantar
todas as formas possíveis destas funções, de acordo com a sua compreensão, efe-
tivadas nas referências, podendo ser as formas explícitas (que podem chegar às
alusões) e implícitas (o subentendido).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O leitor deve acompanhar no texto os enunciados distribuídos a quem está
endereçado e sobretudo quem são. E assim, analisar as possíveis aberturas a
multiplicidade das posições filosóficas, ou o fechamento a outras posições filo-
sóficas no movimento dos sujeitos que estão como ponto de partida no centro
de uma perspectiva, para que sejam integrados gradualmente, quer seja de pri-
meira, quer seja de segunda ou terceira pessoa. Inclusive quando se trata de
refutar uma tese adversária de forma detalhada ou quando se aproveita de um
modelo como um todo ou apenas parte dele. Estes são aspectos importantes
para o fechamento de um texto filosófico, por mais complexo que aparenta ser
antes de ser compreendido.
No texto a pluralidade se apresenta num cenário de várias maneiras: ora
de forma neutra, mas sabemos que a neutralidade é um mito, ora de forma dis-
tanciada, ora mais objetivamente, ora fica subentendida a uma dramaticidade
intencional pelo autor. Contudo, a melhor maneira sempre dependerá de como a
filosofia será elaborada, com os conteúdos (reflexão e argumentos), assim como faz
Platão e Aristóteles quando se referem aos seus predecessores ou aos adversários.
Quanto ao número e à natureza destes princípios, nem todos pensam
da mesma maneira. Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser a água (é
por isso que ele declarou também que a terra assenta sobre a água),
levado sem dúvida a esta concepção por observar que o alimento de
todas as coisas é úmido e que o próprio quente dele procede e dele
vive (ora aquilo donde as coisas vêm é, para todas, o seu princípio).
[…] Anaxímenes e Diógenes consideram o ar como anterior à água,
e, entre os corpos simples, como o princípio por excelência, enquanto
para Hípaso Metapontino e Heráclito é o fogo, e para Empédocles são
os quatro elementos, visto ele acrescentar um quarto aos que acabamos

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


73

de referir: a terra. Estes elementos subsistem sempre e não são gerados,


salvo no que toca ao aumento ou diminuição, quer se unam numa uni-
dade, que se dividam a partir dela. Anaxágoras de Clazômenes, ante-
rior a Empédocles pela idade, mas posterior pelas obras, afirma que os
princípios são infinitos (ARISTÓTELES, 1979, p. 17)

Neste texto, a terceira pessoa está inserida dentro do sistema aristotélico, na plu-
ralidade textual que faz parte de todo o cenário filosófico construído pelo autor.
Ele apresenta, claramente, o seu entendimento de princípios, diferenciando aquilo
que é fundamental no seu sistema e aquilo que os seus antecessores apresentaram
sobre os problemas etiológicos. Outro aspecto importante neste fragmento é a
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preocupação com a ordem cronológica histórica em que são apresentados os filó-


sofos denominados pré-socráticos e as suas reflexões sobre as causas primeiras.

CENA 2 - TERCEIRA PESSOA E A LINGUAGEM

Há inúmeras formas de construções textuais na terceira pessoa, modificam as rela-


ções no interior da totalidade filosófica. Destacaremos, aqui, uma que nos coloca na
presença de formas enigmáticas e polêmicas, que causam um impacto muito grande
no mundo filosófico. Por exemplo, Ludwig Wittgenstein, em seu livro Tractatus
logico-philosophicus, que veio à luz em 1918. As reflexões nele provocaram grande
impacto, inclusive, no próprio autor, que se recolheu após o lançamento do livro,
afastando-se do mundo acadêmico e social, acreditando que não havia mais nada
a ser dito em filosofia. Destacamos dois aforismos do Tractatus, o 4002 e 4003.
4002 O homem possui a capacidade de construir linguagens com as
quais se pode exprimir todo sentido, sem fazer ideia de como e do que
cada palavra significa – como também falamos sem saber como se pro-
duzem os sons particulares. A linguagem corrente é parte do organismo
humano, e não menos complicada que ele. É humanamente impossível
extrair dela, de modo imediato, a lógica da linguagem. A linguagem é
um traje que disfarça o pensamento. E, na verdade, de um modo tal que
não se pode inferir, da forma exterior do traje, a forma do pensamento
trajado; isso porque a forma exterior do traje foi constituída segundo
fins inteiramente diferentes de tornar reconhecível a forma do corpo.
Os acordos tácitos que permitem o entendimento da linguagem cor-
rente são enormemente complicados (WITTGENSTEIN, 1994, p. 165).

A Terceira Pessoa nas Cenas dos Textos


74 UNIDADE II

Analisemos o primeiro aforismo sob o nosso ponto de vista, primeiro no


sentido de ampliarmos e esclarecermos as afirmações nele contidas. Ele afirma
que o homem constrói as linguagens, e o fato mais importante não é a constru-
ção, mas os usos que eles fazem dela. Isto não constitui um problema, mas há a
necessidade de esclarecimento dos usos. O ser humano só busca o significado
quando o uso está confuso, quando ele não cumpriu a finalidade que lhe inte-
ressa. Outro aspecto, Wittgenstein (1994) fala que a linguagem é um traje que
disfarça o pensamento. Veja que não há pensamento sem linguagem, o traje ao
qual se refere é a própria linguagem em uso, pensada. A lógica da linguagem

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usada nos diversos contextos e formas é o ponto de partida, e sempre será per-
cebida pelo pensamento que estabelece as regras de seu uso, e não o contrário,
como afirma o autor.
4003 A maioria das proposições e questões que se formularam sobre
temas filosóficos não são falsas, mas contra-sensos. Por isso, não po-
demos de modo algum responder a questões dessa espécie, mas apenas
estabelecer seu caráter de contra-senso. A maioria das questões e pro-
posições dos filósofos provém de não entendermos a lógica de nossa
linguagem. (São da mesma espécie que a questão de saber se o bem é
mais ou menos idêntico ao belo.) E não é de admirar que os problemas
mais profundos não sejam propriamente problemas. (WITTGENS-
TEIN, 1994, p. 165).

A primeira afirmação apresentada está expressa claramente na terceira pessoa


em “formularam” e “dos filósofos”. As afirmações criticadas apresentadas por
Wittgenstein tratam dos temas filosóficos com o termo sondern unsinnig (no
original em alemão). Algumas traduções aparecem como contra-senso, e outras
como desprovidas de sentido. As duas traduções, tanto uma quanto a outra, neces-
sitam ser melhor esclarecidas, ou mesmo, explicar melhor o que é estabelecer
o seu caráter? Porque o autor não está de acordo com todas as proposições dos
filósofos, mas com a maioria delas. Outro aspecto que merece a nossa atenção é
a discussão que faz sobre a lógica da nossa linguagem. No aforismo anterior, o
autor fala em linguagens, portanto não há uma lógica única, mas algumas lógi-
cas de linguagens, com a dos gestos, dos signos, da língua, entre outras. A qual
lógica das linguagens está se referindo?
Por fim, Wittgenstein (1994) fala sobre os problemas filosóficos que não são

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


75

problemas profundos, no final do aforismo. Não está claro o que ele entende
por problema filosófico mais ou menos profundo. Sabemos que o grau de pro-
fundidade de um problema é determinado pelos contextos: histórico, social e
filosófico, em que surgiu. Um problema filosófico pode ser muito profundo em
período histórico, e em outro não, principalmente, se ele foi respondido, satis-
fatoriamente, porque há problemas que, até agora, não foram respondidos de
forma cabal, quer seja da linguagem, quer seja em outras áreas da filosofia, por
exemplo o problema fundamental na obra de Platão, apresentado em Fédon: “Por
que as coisas nascem, por que se corrompem, por que são?”. Platão não conse-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

guiu dar uma resposta final, a discussão, ainda, permanece aberta..

CENA 3 - RECORTE EPISTEMOLÓGICO OU A DEMARCAÇÃO DO


CENÁRIO

Ao fazer uma abordagem a partir de um problema filosófico, que é o elemento


comum de toda a produção, faz-se necessário delimitar um período a ser pesqui-
sado, caso contrário a pesquisa corre o risco de não ser concluída, ou seja, tem
um começo, um meio, mas não tem um fim. A conclusão não significa, necessa-
riamente, o fim, é apenas uma etapa que necessita ser finalizada e que pode ser
recomeçada a qualquer momento. É comum, na filosofia, haver começos e reco-
meços na abordagem de um problema filosófico, que necessita de uma resposta
em cada momento histórico, por exemplo, os problemas da filosofia existencial,
filosofia da linguagem, filosofia da ciência, filosofia política entre outras.
Neste processo de delimitação, faz-se necessário estabelecer estratégias utiliza-
das pelo autor para construir a sua filosofia. Algumas vezes, a filosofia construída
utiliza-se de partes de outras doutrinas ou sistemas filosóficos. Isto se constitui algo
comum, visto que do nada, nada vem. Para construir ou criar alguma coisa neces-
sita-se de referenciais, de base ou suporte sobre o qual se reerguerá a nova criação.
A identificação dessas bases faz-se necessário para identificar o grau de originali-
dade da filosofia produzida. Neste processo, há momentos ou aspectos que podem
acontecer de forma sucessiva ou alternativa. Analisaremos somente três aspectos
ou momentos que são importantes no processo de delimitação na reflexão.

A Terceira Pessoa nas Cenas dos Textos


76 UNIDADE II

No primeiro momento, pode acontecer uma reprodução cuja base está na


imitação. O iniciante ou epígono nos textos filosóficos esforçará-se para com-
preender, porém, se não tomar cuidado com a postura crítica, ou se esta postura
ainda não está suficientemente refinada, a imitação pode se fazer presente. A
imitação e reprodução podem ser também resultado de um convencimento por
parte do epílogo, que passa a defender o ponto de vista do seu mestre, julgando,
estar de posse dos elementos para ser feliz no aspecto intelectual.
No segundo momento, a busca pela apropriação do texto filosófico na tenta-
tiva de ser o mais fiel possível pode resultar em simples reprodução idêntica deste.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A apropriação e reprodução de forma idêntica da doutrina do mestre pode aconte-
cer quando o iniciante ou epígono não toma o distanciamento necessário do texto.
Neste caso, ocorre uma confusão entre objetividade de análise e a simples repro-
dução idêntica do texto. Esta reprodução idêntica somente se justifica para fins
didático-pedagógicos, como uma aula sobre o texto, não fins de análise reflexiva.
No terceiro momento, pode acontecer a reprodução ampliada do texto filo-
sófico. De posse do material sobre o sistema ou a doutrina de um pensador,
busca-se, em outros escritos, os elementos necessários para ampliar o entendi-
mento sobre a reflexão filosófica. Estes elementos possibilitam, além de melhor
entendimento e de ser o mais fiel possível ao pensamento, buscar o domínio
sobre os argumentos utilizados, a profundidade e a originalidade das reflexões.
A reprodução ampliada demonstra que o iniciante na leitura dos textos avan-
çou um pouco mais, não só na pesquisa e no diálogo com os textos, mas com a
totalidade do que foi produzido pelo pensador.
Com isto, o processo de demarcação teórica e histórico da abordagem ao
problema a ser resolvido ou o chamado recorte epistemológico na abordagem,
realizado pelo iniciante, demonstra que o exercício da capacidade da compre-
ensão teórica foi colocado em prática, ou seja, está apresentando sinais de que
está em um nível de compreensão bem avançado no aspecto da pesquisa ou
didático-pedagógico.
Temos, então, que:
■ A terceira pessoa é apresentada como se ocupasse um lugar vazio, podendo
incorporar qualquer referência no domínio de um texto.

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


77

■ O leitor deve acompanhar, no texto, os enunciados distribuídos a quem


está endereçado e, sobretudo, quem são.
■ Faz-se necessário delimitar um período a ser pesquisado.

CONCEITOS NO CENÁRIO DOS TEXTOS


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O conceito é uma forma de exteriorização do pensamento. A exteriorização fun-


ciona como um veículo pelo qual as visões da realidade que nos cerca e aquilo
que imaginamos faz a intermediação entre as imagens e as formas, entre con-
creto e o abstrato. A Filosofia faz usos de muitos conceitos e, ao mesmo tempo,
em um ou outro momento, faz referência a eles. Observemos, atentamente, como
isto acontece de forma intencional nos textos abordados a seguir, com o intuito
de compreender melhor o texto.

CONCEITOS PRECISOS E SUAS (IM)POSSIBILIDADES

Na história da Filosofia, muitos filósofos consideram que a filosofia nada mais é


do que uma atividade de precisão e rigor conceitual. Para outros, como: Platão,
Karl Popper, a Filosofia nada mais é do que uma atividade para resolução de
problemas que são postos diante dos seres humanos e que, para estes, necessi-
tam de uma resposta urgente. Para alguns, ela é atividade racional de reflexão
sobre a existência na vida em sociedade. Contudo há um consenso mínimo entre
todos os filósofos que se identificam com os entendimentos apresentados sobre
a atividade filosófica, qualquer uma das atividades necessita dos conceitos, da
linguagem para veicular os seus pensamentos e reflexões. Neste momento, ana-
lisaremos somente o primeiro entendimento do que seja filosofia. Os outros
ficarão para um outro momento desse livro.

Conceitos no Cenário dos Textos


78 UNIDADE II

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Há quem diga que filosofia é luta contra as ilusões apresentadas aos seres humanos
para fugir da realidade nua e crua da vida social. As ilusões se fazem presentes
de diversas maneiras, mas todas atingem os seres humanos naquilo que o distin-
gue de todos os outros seres, o entendimento racional. Entre estes está o filósofo
Wittgenstein, em seu livro Investigações filosóficas (1979), escrito em 1945, que
veio para se opor à sua obra primeira, o Tratactatus logico-philosophicus (1998),
escrito no fronte da Primeira Guerra Mundial em 1918.
No primeiro livro, Wittgenstein (1979) afirma que o seu trabalho era expli-
car a natureza das sentenças e acredita, juntamente com o Círculo de Viena, cujo
principal representante é Rudolph Carnap, que a linguagem poderia ser unificada
segundo uma única estrutura lógica e formal. No segundo livro, das Investigações
Filosóficas (1979), defende a tese de que este entendimento sobre linguagem é
uma ilusão. Uma proposição não pode expressar o todo de uma linguagem. A
proposição simplesmente faz parte de um jogo, assim como as palavras e con-
ceitos, denominada por ele jogos de linguagem, e muitos deles os seres humanos
utilizam para se comunicar. A todo momento surgem novos jogos de linguagem,
e outros desaparecem. O que há de comum entre os diversos jogos de lingua-
gem? O elemento comum são as semelhanças de famílias, segundo Wittgenstein
(1979). Por meio de semelhanças, parentescos, analogias, comparações estabe-
lecemos as conexões entre um jogo de linguagem e outro, entre um conceito ou
palavra, ou imagem e outro.

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


79

A Filosofia, no seu entendimento, passa ser uma luta contra as ilusões da


linguagem. Vejamos, no aforismo 68 de Investigações, o seu entendimento sobre
os conceitos, que há uma possibilidade de estabelecermos precisão, parâmetros,
delimitações seguras de um conceito.
68. “Bem; então o conceito de número explica-se para você como a
soma lógica daqueles conceitos isolados aparentados entre si: número
cardinal, número racional, número real, etc., e igualmente o conceito
jogo como soma lógica de conceitos parciais correspondentes”. Isto não
precisa ser assim. Por isso posso dar ao conceito ‘número’ limites fir-
mes, isto é, usar a palavra “número” para a designação de um conceito
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

firmemente delimitado, mas posso usá-lo também de tal modo que a


extensão do conceito não seja fechada por um limite. E assim empre-
gamos a palavra “jogo”. Como o conceito de jogo está fechado? O que
é ainda um jogo e o que o é mais? Você pode indicar os limites? Não
(WITTGENSTEIN, 1979, p. 40).

A resposta categórica negativa sobre a impossibilidade de estabelecermos pre-


cisão, delimitação dos conceitos não impede o seu uso. “Mas, um conceito
impreciso é realmente um conceito? - Uma fotografia pouco nítida é realmente
a imagem de uma pessoa? Sim, pode-se substituir com vantagem uma imagem
pouco nítida por uma nítida?” (WITTGENSTEIN, 1979, p. 41). Ao fazer uso
de conceitos imprecisos, os filósofos colocam em xeque as pretensões filosóficas
conceber a filosofia exclusivamente como questão de análise conceitual. Porém
o uso de tal imprecisão é possível porque está na própria natureza dos concei-
tos, isto não constitui empecilho para o filosofar, ou seja, a reflexão filosófica vai
de problemas conceituais.
Diante disto, o primeiro entendimento do que seja filosofia recebeu um duro
golpe. Isto não significa que podemos descartar este entendimento como algo
inútil, sem valor algum. É próprio da filosofia olhar para os argumentos, para a
arquitetura conceitual construída em torno de uma tese, mesmo que esta seja
mal posta ou falsa. Mesmo que tal tese não se sustente, a lógica empregada nela
pode servir de subsídios para outras teses, reflexões e criações com potenciais
de serem consideradas originais.

Conceitos no Cenário dos Textos


80 UNIDADE II

LINGUAGEM CONCEITUAL E SEUS ENFEITIÇAMENTOS

O conceito tem o papel de ser


intermediário entre a imagem
e a forma, entre o concreto e o
abstrato. A maioria dos filó-
sofos faz menção a ele, quer
seja para apontar os seus limi-
tes, quer seja para destacar as

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funções que ocupam em um
determinado sistema, dou-
trina, categorias filosóficas.
Os conceitos como interme-
diários ajudam exteriorizar
as ideias por meio da elucida-
ção. Contudo as elucidações,
em geral, podem ser mal com-
preendidas. Vejamos como
isso acontece por meio de Figura 3 - Filósofo Wittgenstein
conceitos.
Deve-se dizer que eu uso uma palavra cuja significação não conheço,
e que digo, um absurdo? - Diga o que quiser dizer, contanto que isto
não o impeça de ver o que ocorre. (E quando você ver isto, deixará de
dizer muitas coisas). (A flutuação de definições científicas: o que vale
hoje, por experiência, como fenômeno concomitante do fenômeno A
será utilizado amanhã na definição de “A”). […] A lógica é uma “ciência
normativa”. […] Comparamos frequentemente o uso das palavras com
jogos, com cálculos segundo regras fixas, mas não podemos dizer que
quem usa a linguagem deva jogar tal jogo. - Se se diz, porém, que nossa
expressão linguística apenas se aproxima de tais cálculos, encontramo-
-nos à beira de um mal-entendido (WITTGENSTEIN, 1979, p. 54).

Há diversas situações em que vemos autores usarem termos sem ter o real conhe-
cimento do seu significado e, em contextos dos quais necessitam precisar do
seu entendimento ou a sua intenção. Outras vezes, acontece de fazer o uso de

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


81

determinado conceito resultante de uma experiência do passado, e não se aplica


este momento, devido à mudança social, econômica e cultural, isto é anacro-
nismo. Além disso, merece a atenção o fato de os autores usarem termos em que
desconhece as regras do jogo daquele, por exemplo, pessoas que não conhecem
as “regras do discurso filosófico”, mas querem explicar filosofias, citando filó-
sofos clássicos, como Platão, Aristóteles, Nietzsche entre outros, mas nunca os
estudaram. Tudo isso é consequência dos mal-entendidos, levando, necessaria-
mente, à superficialidade.
Isso faz com que o nosso pensamento esteja rodeado por aguaceiro, criando,
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assim, inúmeros mal-entendidos e ilusões. O discurso filosófico de busca pela


precisão e o rigor conceitual estão presentes na história da filosofia, como o filó-
sofo Edmund Husserl (1859-1938), em sua obra A filosofia como ciência de rigor.
Uma das teses é que a filosofia devia se pautar como ciência do rigor, ou seja,
o rigor conceitual. A crítica de Wittgenstein atinge a todos os partidários deste
princípio. Contudo o problema não é o princípio do rigor, que é algo a ser bus-
cado, mas as ilusões gramaticais que pode provocar.
Estamos na ilusão de que o especial, o profundo, o essencial (para nós) de
nossa investigação residiria no fato de que ela tenta compreender a essên-
cia incomparável da linguagem. Isto é, a ordem que existe entre os con-
ceitos de frase, palavra, conclusão, verdade, experiência, etc. Esta ordem é
uma superordem entre – por assim dizer – superconceitos. Enquanto que
as palavras “linguagem”, “experiência”, “mundo”, se têm um emprego, de-
vem ter um tão humilde quanto as “palavras”, “mesa”, “lâmpada”, “porta”.
98. Por um lado, é claro que cada frase de nossa linguagem ‘está’. Isto é,
que nós não aspiramos a um ideal: como se nossas frases habituais e vagas
não tivessem ainda um sentido totalmente irrepreensível e como se tivésse-
mos primeiramente de construir uma linguagem perfeita. - Por outro lado,
parece claro que onde há sentido, deve existir ordem perfeita. - Portanto,
a ordem perfeita deve estar presente também na frase mais vaga. […] A
filosofia é uma luta contra o enfeitiçamento do nosso entendimento pelos
meios da nossa linguagem (WITTGENSTEIN, 1979, p. 54).’

O Wittgenstein (1979) confessa que esteve preso nessa concepção de linguagem,


nesse princípio no do Tratactus, juntamente com os seus seguidores. Mas o que
faltava para se livrar deste problema? Uma representação panorâmica da lingua-
gem pelo qual vemos as coisas na realidade, ou seja, uma visão de mundo. A

Conceitos no Cenário dos Textos


82 UNIDADE II

elucidação desses problemas são insuficientes para resolver os mal entendidos,


pelo fato dela cair na mesma armadilha. A forma de resolver é por meio da des-
crição. A descrição possibilita fazer com a filosofia lute contra o enfeitiçamento
conceitual que a linguagem pode provocar nos pensadores. “O que chamamos
de “descrições” são instrumentos para empregos especiais” (WITTGENSTEIN,
1979, p.104). Estas descrições constituem as formas de demonstrar como as coi-
sas são quando as vemos na realidade concreta.
O que designam, pois, as palavras dessa linguagem? - o que elas designam,
como posso mostrar isso, a não ser na maneira do seu uso? E este uso já

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descrevemos. A expressão “esta palavra designa isso” deveria, portanto,
ser uma parte dessa descrição. Ou: a descrição deve levar à forma: “pala-
vra … designa”. Ora, pode-se resumir a descrição do uso da palavra “la-
jota”, dizendo que essa palavra designa esse objeto. Isso será feito quando
se tratar apenas de afastar o mal-entendido seguinte: pensar que a palavra
“lajota” se relacione com a forma da pedra de construção que nós de fato
nomeamos “cubo”, mas o modo dessa ‘relação’, isto é o uso dessas pala-
vras, no restante, é conhecido (WITTGENSTEIN, 1979, p. 13).

A uniformidade da aparência das palavras ou conceitos, quando estas nos são ditas,
ou quando nos defrontamos com a escrita, é que nos confunde. O uso ou o emprego
destes conceitos quando filosofamos não é claro. A descrição na denominação de
algo, segundo Wittgenstein, deveria ser como colocar etiquetas nos objetos. “[…]
O que é um jogo? Creio que lhe descreveríamos jogos, e poderíamos acrescentar à
descrição: isto e outras coisas semelhantes chamamos de ‘jogos’” (WITTGENSTEIN,
1979, p. 40). Na descrição, além do elemento direto na explicação do objeto ou
conceito, é importante fazer uso de coisas ou conceitos semelhantes. O raciocínio
por semelhanças ou analogias ajuda as pessoas a associar determinados concei-
tos com os já conhecidos anteriormente. Além de sempre terem mente, que o mal
uso dos conceitos possibilitam os mal-entendidos da linguagem.

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


83

CONCEITOS ESTÍMULOS NERVOSOS EM SONS

O conceito é uma forma de exteriorização


do pensamento. A exteriorização funciona
como um veículo pelo qual as visões da rea-
lidade nos cerca de daquilo que imaginamos.
Este veículo funciona como uma interme-
diação entre as imagens e as formas, entre
concreto e o abstrato. A filosofia faz uso de
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muitos conceitos e, ao mesmo tempo, em ou


outro momento, faz referência a eles. Às vezes
em forma de análise crítica, denunciando a
sua superficialidade, os seus equívocos, favo-
recendo o entendimento da verdade ou da
mentira. Os conceitos não têm compromisso
nem com a verdade, nem com a mentira. Os
conceitos são estímulos nervosos em forma
de sons simplesmente. Vejamos a seguir a
crítica de Friedrich Nietzsche (1844-1900)
sobre os conceitos, como intermediação em
Figura 4 - Filósofo Nietzsche
seu texto Sobre a Verdade e a mentira.
O que é uma palavra? A figuração de um estímulo nervoso em sons.
Mas concluir do estímulo nervoso uma causa fora de nós já é o resul-
tado de uma aplicação falsa e ilegítima do princípio da razão. Como
poderíamos nós, se somente a verdade fosse decisiva na gênese da lin-
guagem, se somente o ponto de vista da certeza fosse decisivo nas de-
signações, como poderíamos no entanto dizer: a pedra é dura: como
se para nós esse “dura” fosse conhecido ainda de outro modo, e não

Conceitos no Cenário dos Textos


84 UNIDADE II

somente como uma estimulação inteiramente subjetiva! Dividimos


as coisas por gêneros, designamos a árvore como feminina, o vegetal
como masculino: que transposições arbitrárias! A que distância voa-
mos além do cânone da certeza! Falamos de uma schlange (cobra): a
designação não se refere a nada mais do que o enrodilhar-se, e, por-
tanto, poderia também caber ao verme. Que delimitações arbitrárias,
que preferências unilaterais, ora por esta, ora por aquela propriedade
das coisas! As diferentes línguas, colocadas lado a lado, mostram que
nas palavras nunca importa a verdade, nunca uma expressão adequada:
pois senão não haveria tantas línguas. A “coisa em si” (*tal seria justa-
mente a verdade pura sem conseqüências) é, também para o formador
da linguagem, inteiramente incaptável e nem sequer algo que vale a
pena. Ele designa apenas as relações das coisas aos homens e toma em

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auxílio para exprimi-las as mais audaciosas metáforas. Um estímulo
nervoso, primeiramente transposto em uma imagem! Primeira metáfo-
ra. A imagem, por sua vez, modelada em um som! Segunda metáfora. E
a cada vez mais completa mudança de esfera, passagem para uma esfera
inteiramente outra e nova. Pode-se pensar em um homem, que seja to-
talmente surdo e nunca tenha tido uma sensação do som e da música:
do mesmo modo que este, porventura, vê com espanto as figuras sono-
ras de Chladni desenhadas na areia, encontra suas causas na vibração
das cordas e jurará agora que há de saber o que os homens denominam
“som”, assim também acontece a todos nós com a linguagem. Acredi-
tamos saber algo das coisas mesmas, se falamos de árvores, cores, neve
e flores, e no entanto não possuímos nada mais do que metáforas das
coisas, que de nenhum modo correspondem às entidades de origem.
Assim como o som convertido em figura na areia, assim se comporta
o enigmático X da coisa em si, uma vez como estímulo nervoso, em
seguida como imagem, enfim como som. Em todo caso, portanto, não é
logicamente que ocorre a gênese da linguagem, e o material inteiro, no
qual e com o qual mais tarde o homem da verdade, o pesquisador, o fi-
lósofo, trabalha e constrói, provém, se não der Cucolândia das Nuvens,
em todo caso não da essência das coisas (NIETZSCHE, 1978, p. 48).

O ponto de partida de Nietzsche é muito interessante e já denuncia o fato de os con-


ceitos serem sons, simplesmente um som como outros tantos. Isto já tira autonomia
dos mesmos, tira responsabilidade quanto a verdade dos fatos, ou das mentiras que
se fazem uso dos conceitos. Com isto, coloca toda a responsabilidade em quem faz
o seu uso, no caso, os seres humanos. Afirmações categóricas de que a linguagem,
os signos, os conceitos são arbitrários caem por terra. A arbitrariedade dos con-
ceitos está nos seres humanos, sujeitos da língua e criadores de inúmeras línguas
e linguagens. O autor isenta de responsabilidade a linguagem, inclusive, do prin-
cípio da razão, ao mesmo tempo, ele esclarece que se o ser humano quisesse fazer
uso dos conceitos para dizer somente a verdade, isso não seria possível.

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


85

Por que não é possível dizer somente a verdade, evitando a mentira? Primeiramente,
a língua não tem compromisso com a verdade ou mentira, ela é apenas uma relação,
simplesmente estabelece as relações entre as coisas, o pensamento e a realidade que
nomeia, significa e ajuda a descrever. Por meio dos conceitos, podemos nos apro-
ximar ou distanciar da realidade concreta. Ao fazer uso dos conceitos, acreditamos
que temos os dominamos, mas isto não é verdade. Fazer uso não significa, necessa-
riamente, ter conhecimento, apenas usamos metáforas sobre os conceitos das coisas.
Ao fazer uso dos conceitos, muitos realizam apenas um voo distante da realidade,
ou seja, o pesquisador, o filósofo não só acredita, mas constrói lógicas argumentati-
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vas para demonstrar a desejada verdade.


Pensemos ainda, em particular, na formação dos conceitos. Toda pa-
lavra torna-se logo conceito justamente quando não deve servir, como
recordação, para a vivência primitiva, completamente individualizada
e única, à qual deve seu surgimento, mas ao mesmo tempo tem de con-
vir a um sem-número de casos, mais ou menos semelhantes, isso é,
tomados rigorosamente, nunca iguais, portanto, a casos claramente de-
siguais. Todo conceito nasce por igualação do não-igual. Assim como
é certo que nunca uma folha é inteiramente igual a uma outra, é certo
que o conceito de folha é formado por arbitrário abandono dessas dife-
renças individuais, por um esquecer-se do que é distintivo, e desperta
então a representação, como se na natureza além das folhas houvesse
algo, que fosse “folha”, uma espécie de folha primordial, segundo a qual
todas as folhas fossem ser tecidas, desenhadas, recortadas, coloridas,
frisadas, pintadas, mas por inábeis, de tal modo que nenhum exemplar
tivesse saído correto e fidedigno como cópia fiel da forma primordial.
[…] A desconsideração do individual e efetivo nos dá o conceito, por-
tanto, também a forma, enquanto que a natureza não conhece formas
nem conceitos, portanto também não conhece espécies, mas somente
um X X para nós inacessível e indefinível. Pois mesmo nossa oposição
entre indivíduo e espécie é antropomórfica e não provém da essência
das coisas, mesmo se não ousamos dizer que não lhe corresponde: isto
seria, com efeito, uma afirmação dogmática e como tal tão indemons-
trável quando seu contrário (NIETZSCHE, 1978, p. 48).

A unificação que um conceito realiza, que vem desde Platão até Nietzsche, faz
com que isso se transforme numa igualdade. A igualdade é uma abstração,
nada no mundo real é absolutamente igual. Os conceitos, ao serem usados, aca-
bam igualam os desiguais, e Nietzsche (1978, p. 4) destaca que a “natureza não
conhece formas nem conceitos”. A igualdade é uma criação humana, social e,

Conceitos no Cenário dos Textos


86 UNIDADE II

especificamente, jurídica, assim como as formas e os conceitos. Ao fazer uso


com a unificação conceitual de espécies e gêneros que são opostos, fazemos um
antropomorfismo. Portanto, os seres humanos forçam a razão a compreender,
de forma ilusória, a realidade em que vivem.
A crítica à superficialidade dos usos dos conceitos, realizada por Nietzsche,
passa a ser um referencial teórico crítico para análise da filosofia da linguagem,
a filosofia das lógicas, filosofia das essências, filosofia da matemática, semiótica,
linguística e demais áreas da filosofia. Além disso, ele lança um novo olhar aos
conceitos e à linguagem de modo geral, no sentido de atribuir a responsabili-

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dade única e exclusivamente a quem faz o uso da mesma.

Jamais dos traços intensivos [conceito] são a consequência dos traços dia-
gramáticos [plano de imanência], nem as ordenadas e intensivas se dedu-
zem dos movimentos ou direções. A correspondência entre os dois excede
mesmo as simples ressonâncias e faz intervir instâncias adjuntas à criação
dos conceitos, a saber, os personagens conceituais.
Fonte: Deleuze e Guattari, (1992, p. 51).

O SENTIDO NO CENÁRIO DOS TEXTOS

Não há a possibilidade de Filosofia sem conceitos. Os conceitos constituem uma


mediação necessária. A questão está em compreender a importância e as fun-
ções que os conceitos desempenham nas doutrinas e teses filosóficas, por mais
que os conceitos sejam por alguns supervalorizados e por outros criticados e,
de certa forma, injustamente. Os conceitos contribuem de forma significativa
com a construção de sentidos na produção filosófica. Os sentidos estão sempre
inseridos em um cenário, e compreendê-lo é importante para compreender os
sentidos dos conceitos criados ou empregados para a resolução de determinado
problema fundamental.

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


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CONCEITOS CONSTRUÍDOS

A reflexão filosófica acontece com conceitos, por meio de conceitos, e analisa


os usos dos conceitos e faz uma redefinição dos conceitos nos textos filosóficos.
Toda esta atividade reflexiva dos conceitos acontece por meio dos textos filosófi-
cos. A construção de argumentos filosóficos numa determinada doutrina começa
com uma redefinição conceitual como base fundamental, inclusive, com nova
noção de conceitos a serem utilizados.
Este dado é importante para reafirmar que os conceitos não são dados como
uma espécie de preexistência, mas incessantemente construídos e reconstruídos para
determinar a atividade filosófica. Com isto, é preciso o iniciante atentar-se para per-
ceber o movimento que a racionalidade intelectual faz para instalar determinados
conceitos que usarão em uma teoria. Este movimento pode ser a desconstrução dos
edifícios filosóficos anteriores, inclusive da própria noção de conceitos. A justifica-
tiva deste movimento se fundamenta numa resposta a um determinado problema
ou um novo olhar sobre aquilo que a realidade impõe ao filósofo.
A construção argumentativa com a mediação dos conceitos realizados pela
filosofia oferece um caminho para seguir na leitura. A apropriação da filosofia
das categorias oferecidas pela estrutura da língua, pela produção das doutrinas na
história como unidades de sentidos conceituais fixadas constituem um universo
autônomo de significados que precisamos sempre levar em consideração. Por mais

O Sentido no Cenário dos Textos


88 UNIDADE II

que seja um universo, aparentemente, fechado à medida que estabelecem regras


próprias de coerência interna rigorosas, que garantem as ligações com as noções,
devemos, com muita análise crítica, reaproveitá-las na construção filosófica.
A função de mediação dos conceitos é organizar, internamente, a lógica do
discurso para designar a si mesma e para designar a construção daquilo que
deseja nomear ou demonstrar, detalhadamente. Essas orientações para seguir na
leitura permitem identificar a forma como os conceitos são instaurados no texto,
e as funções que desempenham na argumentação e na discursividade filosófica
como um todo. Esta forma de identificação possibilita, além da identificação das

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funções, as operações, aparentemente, complexas e específicas chamadas de pro-
cesso de construção dos sentidos e significados.

CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS

Seria possível uma filosofia sem conceitos? Não. Os conceitos constituem uma
mediação necessária. Então, a mediação é mais importante que a reflexão filo-
sófica que apresenta a solução para um determinado problemas ou um conjunto
de problemas? Não. A questão não trata de estabelecer quem é mais ou menos
importante, mas sim de compreender a importância e as funções que os con-
ceitos desempenham nas doutrinas e teses filosóficas, por mais que os conceitos
sejam, por alguns, supervalorizados e, por outros, criticados, e de certa forma
injustamente. Os conceitos contribuem de forma significativa na construção de
sentidos na produção filosófica.
No processo de construção dos sentidos e da significação atribuídos às teses
e às respostas aos problemas, não basta somente fixar os sentidos de determi-
nadas expressões e criar um vocabulário próprio com termos específicos para
um universo autônomo de uma doutrina. Faz-se necessário integrá-los em um
contexto explicativo ou demonstrativo para que a construção da sua significação
possa ser percebida na sua totalidade. Não se pode dissociar os usos dos con-
ceitos fora do seu contexto visto que isto pode mudar o sentido dos mesmos.
Retirar uma proposição do seu contexto, quer seja explicativo, demonstrativo,
quer seja histórico-social pode criar anacronismos.

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


89

O anacronismo é algo muito comum em reflexões, explicações e comentários


filosóficos no meio acadêmico. Ele faz com que a reflexão filosófica seja entendida
como algo solto, descolado da realidade, sem nenhuma conexão entre o mundo
vivido e o mundo concebido. A reflexão filosófica, uma doutrina ou uma tese
deve deixar claro o seu destinatário, evitando, assim, parecer uma reflexão a-his-
tórica, pura abstração ou divagação. O símbolo clássico do filósofo na torre de
marfim deve ser posto de lado para não confundir o pensamento refinado e crí-
tico com uma reflexão alienada e solta. Uma espécie de raciocínio do nada para
lugar nenhum, ou o jargão repetido por muitos estudantes do Ensino Médio, “a
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filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual”!
Os conceitos não são dados previamente em um sistema filosófico ou dou-
trina, mesmo quando acontece o reaproveitamento de categorias já consagradas
pela história da filosofia e construído no coração da atividade filosófica. A rear-
ticulação dos conceitos no texto desloca os sentidos ora anteriormente fixados
nas proposições, inventando, assim, novas expressões como resultado de um tra-
balho de engenhosidade intelectual de muita reflexão cuidadosa, dando, assim,
às novas definições um outro sentido. As novas definições destes conceitos e
observações neste novo sentido passam a fazer parte de investigações filosófi-
cas e podem até constituir um método para filosofar ou um método da filosofia
(por exemplo: a filosofia aristotélica com suas definições, como a Metafísica; a
filosofia analítica anglo-saxônica entre outras).

Filosofia como criação de conceitos


Tratar o pensamento como criação é uma forma de conceber a vida como
processo de criação, uma “obra de arte” constantemente vinculada à produ-
ção de singularidades e diferenças. A filosofia deleuze-guattariana é uma
experimentação na ordem dos conceitos, o que caracteriza o chamado
construtivismo filosófico baseado na criação de conceitos e no implante do
plano de imanência.
Fonte: (Feixe Hertziano)1.

O Sentido no Cenário dos Textos


90 UNIDADE II

DEFINIÇÃO DE CONCEITOS

Os sentidos das palavras, atribuídos pelos


filósofos, são de inteira responsabilidade
deles que o fazem porque não encontram
na língua o significado desejado para expri-
mir o seu pensamento. Diante disso, os
autores são forçados a escolher um termo
significante para a fixação com traços defi-

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nicionais, elementos que são diferenciadores
em relação a determinados conceitos. Um
exemplo é o filósofo David Hume (1711-
1776), ao afirmar claramente o que entende
Figura 5 - Filósofo Hume
por impressões. Vejamos a seguir:
A outra espécie não possui um nome em nosso idioma e na maioria
dos outros, porque, suponho, somente com fins filosóficos era necessá-
rio compreendê-las sob um termo ou nomenclatura geral. Deixe-nos,
portanto, usar um pouco de liberdade e denominá-las impressões, em-
pregando esta palavra num sentido de algum modo diferente do usual.
Pelo termo impressão, entendo, pois, todas as percepções mais vivas,
quando ouvimos, vemos, sentimos, amamos, odiamos, desejamos ou
queremos (HUME, 1992, p. 70).

O filósofo deixou claro o seu entendimento sobre o termo impressão ao esta-


belecer uma descrição detalhada dos traços definicionais e a relação entre os
conceitos. Outro aspecto a destacar é a atenção ao sentido que formula e as
observações sobre a língua em geral. Esta atenção faz com que o estatuto filo-
sófico da significação seja seguido na tentativa de elucidação dos termos no seu
uso na linguagem. O estabelecimento do sentido dos termos é crucial no início
da apresentação ou na elaboração da reflexão filosófica sobre o problema a ser
respondido e, em seguida, faz uso dos mesmos como argumentação para fun-
damentar a sua tese central.
Não há ideias mais obscuras e incertas em metafísica do que as de poder,
força, energia ou conexão necessária, às quais necessitamos reportar-nos
constantemente em todas as nossas inquirições. Tentaremos, portanto,
nesta seção, estabelecer e, por este meio remover parte da obscuridade

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


91

tão lamentada neste gênero de filosofia. Parece que esta proposição não
admitia muita controvérsia: todas as nossas ideias são cópias de impres-
sões ou, em outras palavras, é-nos impossível pensar em algo que antes
não tivéramos sentido, quer pelos nossos sentidos externos, quer pelos
internos. Tenho tentado explicar e provar esta proposição, e tenho tam-
bém manifestado minhas expectativas de que, mediante sua adequada
aplicação, se possa alcançar mais clareza e exatidão nos raciocínios filo-
sóficos do que até agora se tem podido obter (HUME, 1992, p. 96).

No fragmento apresentado, fica clara a luta travada pelo autor para precisar, con-
ceitualmente, o significado desejado dos termos que necessita usar para explicitar
o seu raciocínio em sua língua. Esta busca de estabelecer o sentido na proposição
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não é somente de David Hume, mas é comum em toda tradição filosófica, pois o
sentido das proposições que afirmam as teses precisa ser construído para que possa
alcançar mais clareza e exatidão nos raciocínios. E somente a crítica refinada dos
seus adversários e estudiosos da filosofia, no decorrer da história, dirão se o filósofo
conseguiu ser feliz na construção de proposições com o sentido que tanto desejava.
A busca pela definição precisa e clara dos conceitos é realizada por meio da
argumentação racional fundamentada nas regras da língua e de acordo com a
semântica, com isso, o filósofo se depara a todo momento com a “fronteira” da
linguagem e acaba fazendo verdadeiro “contorcionismo conceitual” até realizar o
desejo de construir as proposições com sentido esperado. Ocorre algumas vezes
em que a definição desejada está fundamentada, exclusivamente, numa espécie
de autoevidência e autoexplicativa. Contudo a construção da definição desejada
requer muita criatividade, muito trabalho intelectual e investigação até encon-
trar a clareza e o rigor na significação dos conceitos.

Diante da construção conceitual e dos termos utilizados em um sistema fi-


losófico, você tem a impressão de que cada sistema ou doutrina cria nova
terminologia ou linguagem própria, tamanha a dificuldade em decifrar es-
sas engenhosidades intelectuais. Diante disso, você não pode esquecer que
os conceitos são construções sociais, não algo dado aos filósofos.
Fonte: o autor.

O Sentido no Cenário dos Textos


92 UNIDADE II

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), chegamos ao final desta unidade, na qual tivemos acesso aos
problemas de identificação dos sujeitos nos textos, com as suas variações de
cenários. Todas as variações de sujeitos, cenários e a luta para esconder os per-
sonagens são recursos que a própria linguagem possibilita, frutos das criações
dos filósofos.
Analisamos, na primeira e segunda aulas, as causas das dificuldades em com-
preender os textos filosóficos. A luta textual para “esconder” o sujeito é possível,

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devido ao significado e às dimensões que estão contidas no próprio sujeito e no
predicado. A tentativa de apagar o sujeito das proposições não é perfeita, sem-
pre haverá pistas em que o intérprete pode encontrar as marcas no próprio texto.
Outra dificuldade analisada e descrita para sua superação foi a identificação das
variações dos sujeitos nas narrativas e das diversas configurações em situações,
aparentemente, de extrema complexidade. Após a identificação do cenário, o
leitor começa a fazer as conexões a partir das reflexões do autor em forma de
implicações nas cartas, como a exortação e os avisos finais.
Ao final, analisamos o discurso filosófico de busca pela precisão, o rigor con-
ceitual que está presente na história da Filosofia e a crítica de Wittgenstein que
atinge a todos os partidários deste princípio. Contudo o problema não é o prin-
cípio do rigor, que é algo a ser buscado, mas as ilusões gramaticais que podem
provocar. Além de analisar as origens das ilusões provocadas pela não compre-
ensão dos fundamentos da linguagem, entramos nos problemas de construção
argumentativa com a mediação dos conceitos, realizados pela filosofia.
Por fim, destacamos a importância da apropriação da Filosofia das catego-
rias oferecidas pela estrutura da língua e pela produção teórica das doutrinas, na
história da Filosofia, e os fragmentos das obras clássicas da filosofia que foram ins-
trumentos que podem ser aproveitados em outros estudos no decorrer do curso.

OS CENÁRIOS E OS CONCEITOS NOS TEXTOS FILOSÓFICOS


93

1. Sobre a leitura dos textos, sabemos que ela tem como base a compreensão in-
tuitiva das relações assim estabelecidas pelas pessoas, e os modos de determi-
nação do locutor ou dos destinatários são apresentados de várias formas. Elas
se modificam na medida em que o texto se desenvolve, ou a análise avança.
Diante disto, marque a alternativa correta, a seguir:
a) Um leitor, inicialmente determinado como uma espécie de representante de
uma opinião mantida à distância, pode, num determinado momento, ser aquele
a que o discurso é dirigido como um adversário ou um discípulo. Estas variantes
não atrapalham, de modo algum, o iniciante nos textos filosóficos, nem apresen-
tam a reflexão do pensador como algo difícil de ser acompanhado.
b) As reviravoltas no texto, geralmente, são intencionadas. Em um texto de filo-
sofia, alguns conceitos ocorrem por acaso ou por falta de atenção, principal-
mente, quando se referem aos interlocutores na reflexão filosófica. Os textos
filosóficos têm como uma das suas características nos enunciados buscar a
impessoalidade e a universalidade nas suas vozes.
c) Numerosos textos colocam como um dos integrantes do seu cenário a pri-
meira pessoa, mas esta função permanece com muita frequência ausente.
Contudo o centro do cenário principal está na fala em busca da verdade, o
discurso, aparentemente, sem sujeito e um enunciador universal.
d) O autor, neste cenário, produz reflexão sobre a dependência de um sujeito
que assume a responsabilidade, mas o fato de o sujeito estar sob uma apa-
rência de ausência, o anonimato, as incertezas da autoria fazem com que
as correlações entre o leitor e voz pareçam estranhas, mas isto não gera, de
modo algum, confusão.
e) A posição de referência dos enunciados não apresenta determinadas mar-
cas pelas quais o processo da leitura e o papel desempenhado pelo leitor
sejam definidos na reflexão filosófica pelo pensador. Estas marcas não são
necessárias na compreensão do texto, passam despercebidas pelo leitor.
2. Sobre a natureza do conceito em Hegel (1995), temos que a natureza do con-
ceito de sujeito e do predicado possuem elementos da universalidade, parti-
cularidade e singularidade, tornando impossível apagar suas marcas. Diante
disso, marque a alternativa correta:
I. O conceito como tal contém os momentos da universalidade, enquanto li-
vre igualdade consigo mesma em sua determinidade; da particularidade,
da determinidade em que permanece o universal inalteradamente igual a si
mesmo; e da singularidade, enquanto reflexão-sobre-si das determinidades
da universalidade e da particularidade; em que a unidade negativa consigo
e o determinado em si e para si é, ao mesmo tempo, o idêntico consigo ou
o universal.
94

II. No juízo abstrato: “o singular é o universal”, o sujeito, enquanto é o que con-


sigo se relaciona negativamente, é o imediatamente concreto; ao contrário,
o predicado e o abstrato, o indeterminado, o universal.
III. Pelo fato de estarem ligados pelo “é”, deve o predicado do conter, em sua
universalidade, a determinidade do sujeito; e, desse modo, ela é particulari-
dade, a qual é a identidade posta do sujeito e do predicado; enquanto, pois,
ela é algo indiferente a essa diferença de forma, é o conteúdo.
IV. Só no predicado o sujeito tem determinidade expressa e conteúdo, por esse
motivo, é para si uma simples representação ou um nome vazio. Nos juízos:
“Deus é o mais real [dos seres]” etc., “O absoluto é idêntico consigo mesmo”
etc., Deus e absoluto são meros nomes; o que o sujeito é, diz-se no predicado
somente. Não interessa esse juízo, o que além disso possa ser algo concreto.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas II, III e IV estão corretas.
d) Todas as afirmativas estão corretas.
e) Nenhuma das afirmativas está correta.
3. Sobre a dialética em Platão, em diálogo estabelecido entre um eu e o outro em
determinados textos, o autor abre mão do seu eu ou do seu ponto de vista em
prol de um personagem fictício que o representa (como Sócrates, na maioria
dos textos de Platão). Diante disso, assinale com F o que for Falso e com V o que
for verdadeiro:
I. ( ) Nos diálogos, Platão cria um cenário em que os personagens, por mais
que sejam pessoas, historicamente, foram uma referência na sociedade, o
alcance filosófico ao abordar um tema como a justiça é significativo. O exer-
cício do diálogo, próprio do método dialético não ocorre por meio de per-
guntas e respostas, aperfeiçoado por Platão.
II. ( )No diálogo, o movimento ascensional para superar a tese adversária em
direção à verdade faz com que o cenário sofra variações, e a segunda pes-
soa ou os interlocutores sejam convencidos aos poucos. Esta forma de argu-
mentação dá liberdade ao autor para conduzir, à sua maneira e de acordo
com a sua conveniência, o jogo de perguntas e respostas a fim de convencer
todos, inclusive, o leitor.
III. ( ) A escolha pela forma dialética do diálogo faz com que os interlocutores
sintam-se presentes no cenário, e o esforço constante da escrita no texto
demonstra a multiplicidade dos pontos de vistas das figuras discursivas na
reflexão filosófica.
95

IV. ( ) Ao fazer a escolha por esta forma de convencimento, Platão constitui na


sua doutrina um ponto de vista por meio dos personagens e, ao mesmo
tempo, ele ultrapassa esse mesmo ponto de vista, por meio de uma reflexão
cuidadosa e muito rigorosa.
Assinale a alternativa correta:
a) V, V, V e F.
b) V, V, F e V.
c) V, V, V e V.
d) F, F, F e F.
e) F, V, V e V.
4. Sobre o texto na Filosofia, a forma como o autor escolhe para articular o texto
na sua doutrina é decisivo na constituição de sua compreensão. Só este aspec-
to já poderia constituir um estudo visto que está em jogo o processo de criação
e a novidade quando se trata de filosofia. Ao apresentar o seu ponto de vista
filosófico no meio de uma multiplicidade que não é harmônica, o pensamento
conquista ou reconquista a sua autonomia. Diante disto, analise as afirmativas:
I. Podemos destacar, no texto filosófico, a imposição e a luta pelo rigor do seu
trabalho na validação da sua tese, contudo isto nem sempre é relevante no
convencimento.
II. Quando utilizamos o amplo conceito texto, ele traz sempre consigo inúme-
ros elementos, um deles é o jogo múltiplo de referências, outro são as redes
de intertextualidades sobre o qual é possível verificar o uso de várias fun-
ções.
III. Além das funções para assegurar as interações textuais, a tese assegura o
domínio filosófico com as rupturas para a construção de novos sentidos e
significados em relação às fontes históricas das reflexões.
IV. Não cabe ao leitor o trabalho de levantar todas as formas possíveis destas
funções textuais, de acordo com a sua compreensão, efetivadas nas refe-
rências, podendo ser as formas explícitas (que podem chegar às alusões) e
implícitas (o subentendido).
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas II, III e IV estão corretas.
d) Todas as afirmativas estão corretas.
e) Nenhuma das afirmativas está correta.
96

5. Sobre a construção de conceitos na Filosofia, a reflexão filosófica acontece


com conceitos, por meio de conceitos, analisa os usos dos conceitos e faz uma
redefinição dos conceitos nos textos filosóficos. Toda esta atividade reflexiva
dos conceitos acontece por intermédio dos textos filosóficos. A construção de
argumentos filosóficos numa determinada doutrina começa com uma redefi-
nição conceitual como base fundamental, inclusive, com nova noção de con-
ceitos a serem utilizados. Diante disto, marque a alternativa correta:
a) Seria possível uma filosofia sem conceitos? Não. Os conceitos constituem
uma mediação necessária. Então, a mediação é mais importante que a re-
flexão filosófica que apresenta a solução para determinado problema ou
para um conjunto de problemas? Sim. A questão não trata de estabelecer
quem é mais ou menos importante, mas sim compreender a importância e
as funções que os conceitos desempenham nas doutrinas e teses filosóficas,
por mais que os conceitos sejam por alguns supervalorizados e por outros
criticados, de certa forma, injustamente.
b) Os conceitos contribuem de forma significativa na construção de sentidos na
produção filosófica. No processo de construção dos sentidos e da significação
atribuídos às teses e às respostas aos problemas. Não basta somente fixar os
sentidos de determinadas expressões e criar um vocabulário próprio com ter-
mos específicos para um universo autônomo de uma doutrina. Não se faz ne-
cessário integrá-los em um contexto explicativo ou demonstrativo para que a
construção da sua significação possa ser percebida na sua totalidade.
c) Não se pode dissociar os usos dos conceitos fora do seu contexto, visto que
isto pode mudar o sentido dos mesmos. Retirar uma proposição do seu con-
texto, seja explicativo, demonstrativo, seja histórico-social não cria anacro-
nismos.
d) O anacronismo é algo muito comum em reflexões, explicações e comentá-
rios filosóficos no meio acadêmico. Os anacronismos fazem com que a refle-
xão filosófica seja entendida como algo solto, descolado da realidade.
97

Introdução à filosofia como ciência de rigor de Husserl.


As Ideologias podem entrar em disputas, só a Ciência é que pode trazer decisões, e essas
são eternas
(HUSSERL, Filosofia como ciência de rigor).
O objetivo nuclear da inquirição de Edmund Husserl, aplicada “em decênios de medita-
ção dirigida exclusivamente para esta meta”, consistiu, como ele próprio declarou, em
“converter em realidade o começo radical de uma filosofia” que “possa apresentar-se
como ciência”, para repetir as palavras kantianas.
O objetivo e o propósito significava, dentre outras muitas coisas, a constituição de uma
filosofia diversa das filosofias construídas “sob o ponto de vista de” ou derivadas dedu-
tivamente de dado ponto de partida, por forma que a filosofia assim constituída viesse
a ser a “mais rigorosa de todas as ciências, a representante imperecível da Humanidade
para o conhecimento puro e absoluto”.
Na linha dos poucos filósofos verdadeiramente instauradores de novas bases e de novos
rumos, Husserl sentiu, como nenhuma outra mente sua contemporânea, que esta era a
tarefa urgente e necessária. Como ele próprio diz, a situação da Filosofia no princípio do
nosso século faz lembrar a situação da “turva filosofia renascentista da Natureza perante
a vigorosa Mecânica exata de um Galileu”. Então, não faltaram, os construtores de siste-
mas da Natureza, como hoje não faltam na Filosofia os construtores de teorias e de con-
cepções mais ou menos sistemáticas. O impulso que deu vida a tais sistemas da Nature-
za, hoje só lembrados pelos historiadores, estancou-se quando Galileu fundou as bases
da Física, tornando possível a continuidade da investigação científica e os progressos
da ciência moderna. Era obra idêntica no domínio da Filosofia que a juízo de Husserl se
impunha, por forma que se removesse definitivamente o ceticismo e o relativismo, pela
constituição de “um fundo de ciência filosófica” universal e absolutamente válido, sobre
o qual viriam a estabelecer-se “futuros sistemas doutrinais de rigor científico”. Olhos pos-
tos no desenvolvimento das ciências exatas, cujos conhecimentos acerca dos objetos de
que se ocupam aumentam e se aprofundam por adições sucessivas, constituídas pelos
resultados do trabalho de sábios diversos, Husserl pretendeu que o desenvolvimento
futuro da Filosofia fosse também o de uma “ciência rigorosa”, e em vez de tentar mais
um “sistema”, cujo destino seria “o silêncio do museu da História”, procurou estabelecer
“fundamentos seguros” a que viessem juntar-se futuros acrescentamentos seguros, “pe-
dra por pedra”.
O intento implicava “uma viragem da Filosofia”. O primeiro passo, instante e decisivo,
consistia em firmar a filosofia sobre uma base absolutamente radical e última e em ado-
tar com o método apropriado e fecundo. Husserl assim o compreendeu, sendo sobre
este objeto que, quase exclusivamente, consagrou a sua genial capacidade reflexiva e se
relaciona quase tudo o que deu a público.
Fonte: Carvalho (2019, on-line)2.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Brilho Eterno de uma mente sem Lembranças (2004)


Sinopse: Jim Carrey interpreta Joel, um homem magoado por sua
namorada tê-lo deletado (literalmente) de sua memória. Inconformado,
resolve retribuir na mesma moeda e procura o Doutor Howard Mierzwiak
para passar pela mesma experiência. No decorrer da operação, Joel
percebe que, na verdade, ele não quer excluir Clementine de sua vida, e
sim manter bem viva em sua memória os momentos em que estiveram
felizes. A partir de então, ele enfrenta uma incrível luta dentro de sua
própria cabeça para que essas memórias continuem vivas dentro de si, em
mais uma loucura sensível de Charlie Kaufman

Nietzsche: a fábula ocidental e os cenários filosóficos, uma


conversa com a Profa. Yolanda Gloria
Gamboa Muñoz
Autor: Yolanda Gloria Gamboa Munhoz
Editora: Editora Paulus
Sinopse: A Profa. Yolanda Gloria Gamboa Munhoz lançou pela Editora
Paulus: “NIETZSCHE a fábula ocidental e os cenários filosóficos”. A conversa
com a Profa. Glória ocorreu no dia 19 de novembro de 2014 sobre o seu
livro e a sua produção intelectual.
99
REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Metafísica: livro I e 2; Ética a Nicômaco; Poética. São Paulo: Abril Cul-
tural, 1979.
COSSUTTA, F. Elementos para a leitura dos textos filosóficos. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
DESCARTES, R. Discurso do método. Meditações. Objeções e respostas. Paixões da
alma. Cartas. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que É a Filosofia? São Paulo: Editora 34, 1992.
HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêncidio. São Paulo,
Loyola, v. I, II e III, 1995.
HUME, D. Investigação acerca do entendimento humano. São Paulo, Nova Cultu-
ral, 1992.
NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
NIETZSCHE, F. Sobre a verdade e a mentira. In: Obras incompletas; seleção de tex-
tos de Gerard Lebrun. Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho. 2. ed. São
Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores)
PLATÃO, G. Trad. de Manuel de Oliveira Pulquério. Lisboa: Edições 70, 1997.
SARTRE, J. P. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis:
Vozes, 1997.
WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
WITTGENSTEIN, L. Tratactus Logico-philosophicus. São Paulo: Editora da Universi-
dade de São Paulo, 1994

REFERÊNCIA ON-LINE

1
Em: https://feixe-hertziano.blogspot.com/2005/10/filosofia-como-criao-de-con-
ceitos.html. Acesso em: 23 abr. 2019.
2
Em: http://www.joaquimdecarvalho.org/artigos/artigo/87-Introducao-a-filosofia-
-como-ciencia-de-rigor-de-Husserl- . Acesso em: 24 abr. 2019
GABARITO

1. C
2. D
3. E
4. B
5. D
Professor Dr. Edson Barbosa da Silva

FILOSOFIA COMO

III
UNIDADE
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar a importância do problema fundamental, a tese ou a
resolução do problema, a argumentação, a fundamentação e os
exemplos na compreensão dos textos filosóficos.
■ Procurar identificar, nos textos filosóficos, os problemas
fundamentais e suas teses.
■ Demonstrar as causas da falta de exemplos ou de ilustrações em
muitas doutrinas ou sistemas filosóficos.
■ Apresentar a importância dos argumentos e dos fundamentos para
uma filosofia rigorosa.
■ Demonstrar o porquê de a filosofia utilizar poucos exemplos na
produção filosófica.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Filosofia e seus problemas
■ Problemas para criar novos conceitos na filosofia
■ Há Problemas Filosóficos
■ Argumentos e suas conexões
■ Filosofia contra exemplos
103

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), bem-vindo (a) à Unidade III do livro, em que apresentamos os


elementos necessários para compreender os problemas filosóficos. Começamos
da Filosofia como resolução de problemas e, ainda no primeiro tópico, apresen-
tamos as dificuldades em compreendê-la. Para muitos filósofos, os problemas
são os motores do pensamento na Filosofia.
O problema fundamental deve ser subjetivo, e pensar é agir subjetivamente,
o que equivale a assumir o problema enquanto seu, pelo fato de ser atingido por
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ele. O pensar deve ser realizado com o intuito de criar as condições por meio de
raciocínios para que surjam as soluções que ainda não foram pensadas. Pensar
é criar algo que não existe. Mas pensar o quê? Pensar o pensamento para chegar
a uma solução verdadeira para o problema.
Na segunda aula, demonstraremos que a criação de conceitos é resultado de
uma necessidade que se impõe, quer o filósofo deseja quer não. O que o impul-
siona o filósofo é o problema fundamental, o problema mobiliza as faculdades
criativas, se não fosse assim, seria criação de falsos conceitos ou conceitos mal
postos. Todo conceito criado está relacionado diretamente a um problema, sem
os quais jamais surgiriam.
Nas terceira e quarta aulas, veremos que tentar decifrar aquilo que, aparen-
temente, parece indecifrável nos textos de filosofia começa a ser um exercício
de criação e recriação de problemas e de novos conceitos filosóficos. Com isto,
a ocupação com os textos passa a ser uma experiência de vida, algo muito além
de apenas encontrar problemas, inventar novos problemas e ver os resultados
efetivados no mundo vivido.
Por fim, na última aula, enfrentaremos o problema dos exemplos ou do caso
concreto nos textos filosóficos. Os exemplos, as ilustrações tão solicitadas pelos
estudantes em todas as áreas do conhecimento, na Filosofia, recebe outro olhar.

Introdução
104 UNIDADE III

FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS

Para muitos filósofos, os problemas são os motores do pensamento na filoso-


fia. Para que o filósofo seja movido por um problema, é necessário sentir, ser

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tocado, profundamente, por ele. Demonstraremos como isso acontece ao pen-
sador e os resultados na medida em que são influenciados pelos problemas do
mundo vivido, que resulta na produção filosófica.

COMO SURGE UM PROBLEMA?

Desde a Grécia Antiga, por exemplo, desde Platão (428-347 a. C) até os dias
atuais, muitos filósofos têm entendido a filosofia como resolução de problemas,
com isso, os filósofos têm exercido uma atividade educativa. A educação é enten-
dida como orientação no sentido platônico, ou seja, o filósofo deve descer várias
vezes ao interior da caverna (Mito da caverna, livro VII da República de Platão)
para influenciar aqueles que estavam presos pela ignorância. Libertar aqueles
que estão presos pela ignorância passa a ser problema que precisa de uma res-
posta. Contudo nem todos sentem que este problema precisa ser solucionado,
nem todos veem a ignorância como um problema.
Para muitos filósofos, os problemas são os motores do pensamento na filoso-
fia, mais que as soluções. Os problemas são obstáculos, dificuldades, incômodos de
todos os tipos e espécies que precisam ser removidos. Caso não sejam removidos,
podem gerar outros problemas, por vezes, ainda maiores. Para removê-los, a filoso-
fia precisa superar o sentimento de ignorância. A superação da ignorância começa
a ser resolvida na medida em que a filosofia tem a experiência do problema. O filó-
sofo tem que sentir o problema subjetivamente, e isso é motor impulsionador para

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


105

o pesquisador sair de si mesmo, ser forçado a pensar em como resolvê-lo. O filósofo


francês Gilles Deleuze (1925-1995), em dois livros: Lógica do sentido e Diferença e
repetição cujos temas centrais são os problemas na Filosofia. O filosofo apresenta
alguns elementos sobre sentir o problema, entre outros que merecem a nossa atenção.
Há no mundo alguma coisa que força a pensar. Este algo é objeto de um
encontro fundamental e não de uma recognição. O que é encontrado
pode ser Sócrates, o tempo ou o demônio. Pode ser apreendido sob
tonalidades afetivas diversas, admiração, amor, ódio, dor. Mas, em sua
primeira característica, e sob qualquer tonalidade, ele só pode ser senti-
do. É assim que ele se opõe à recognição, pois o sensível, na recognição,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

nunca é o que só pode ser sentido, mas o que relaciona diretamente


com os sentidos num objeto que pode ser lembrado, imaginado, con-
cebido […]. Aquilo que só pode ser sentido (o sentiendum ou o ser do
sensível) sensibiliza a alma, torna-a “perplexa”, isto é, força-a a colocar
um problema, como se o objeto do encontro, o signo, fosse portador de
problema – como se ele suscitasse (DELEUZE, 2006a, p. 203).

O ser humano é um ser eminentemente ativo, mas necessita de algo que o mova.
Para que o filósofo seja movido por um problema, é necessário sentir, ser tocado
profundamente por ele. No primeiro momento, são as questões sentimentais que
entram em cena quando um problema é imposto pela realidade ao filósofo. Só
em um segundo momento, é que entram os aspectos racionais para que aconteça
o equacionamento do problema. Deleuze, no fragmento apresentado, fala de um
“encontro fundamental” entre o sentido e o objeto. O sentido é a força que faz com
que o encontro seja o problema suscitado, um incômodo desconhecido ao filó-
sofo, despertando, assim, a sua curiosidade, o seu interesse para compreendê-lo.
Assumir um problema como seu faz com que a experiência sensível do filó-
sofo e os conhecimentos acumulados nas leituras de filosofia sejam importantes
no enfrentamento do mesmo. O acúmulo de conhecimentos é resultado de toda
ocupação do filósofo com os textos filosóficos, que possibilitará tratamento dife-
rente do problema, algo muito diferente no caso de um iniciante nos seus estudos.
Quando um problema se impõe ao iniciante ou a um filósofo, não há fórmulas
determinadas, prontas para resolvê-los, faz-se necessário criá-las, inventá-las e,
para isto, é necessário pensar. Pensar é agir subjetivamente para apresentar alter-
nativas para resolvê-lo. O problema é aquilo que move o pensamento.

FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS


106 UNIDADE III

PROBLEMA COMO UM ACONTECIMENTO

O problema se impõe a nós como se fosse um acontecimento imprevisível,


segundo Deleuze, possui uma singularidade composta por agrupamentos de
outras singularidades e sem um fio condutor para guiar, sem uma descrição, ou
seja, tudo está por ser construído pelo pensamento. É possível resolvê-lo porque
podemos compreendê-lo desde o início, por isso, é um desafio a ser enfrentado.
Na Lógica do sentido, ele apresenta o problema como um acontecimento entre
outros que acontecem todos os dias para as pessoas comuns, que não se ocu-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pam com a filosofia.
O acontecimento por si mesmo é problemático e problematizante. Um
problema, com efeito, não é determinado senão por seus pontos sin-
gulares que exprimem suas condições. Não dizemos que, por isso, o
problema é resolvido: ao contrário, ele é determinado como problema
[…]. Parece, pois, que um problema tem sempre a solução que merece
segundo as condições que o determinam enquanto problema; e, com
efeito, as singularidades presidem à gênese das soluções da equação
(DELEUZE, 1998, p. 57).

Entender os problemas filosóficos como acontecimento problemático e proble-


matizante demonstra um olhar muito interessante que nos força a não simplificar
os mesmos. Todo problema tem pontos singulares que revelam as suas condi-
ções enquanto manifestação para aqueles que foram tocados por ele. Estes pontos
são as condições para constituir e determinar o problema e, de uma forma ou de
outra, dão pistas, indicativos para uma das inúmeras soluções. Raramente temos
um problema com uma única solução, se só vemos uma não significa que não
tenha outros. Por isso, faz-se necessário pensar para escolher a melhor forma ou
melhor caminho para resolvê-lo. Nem sempre aquele que parece ser o mais fácil
é o melhor, por causa das suas singularidades presentes no problema.
No primeiro momento, o problema é sempre subjetivo, e pensar é agir sub-
jetivamente, o que significa assumir o problema enquanto seu, pelo fato estar

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


107

atingindo você, incomodando, perturbando a você, e não aos outros. No segundo


momento, o problema pode ser objetivo, se outras pessoas assumirem como se
fossem deles, ou seja, assumir coletivamente. Para que uma coletividade assuma
o problema como se fosse dela, é necessário que sejam mobilizados, tocados,
convencidos para que sejam também movidos por ele. Portanto, um problema
subjetivamente pode se tornar objetivamente, desde que aconteçam ações de con-
vencimento, argumentação racional ou emocional para que sejam sensibilizados.
Para Deleuze(1998), contudo, o problema é objetivo na medida em que é
uma experiência sensível, ou seja, outras pessoas podem ter a mesma sensação
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

que o filósofo. Vejamos um fragmento do livro Lógica do sentido, em que isto


fica mais claro e apresenta outros elementos interessantes.
Devemos, assim, romper com um longo hábito de pensamento que nos
faz considerar o problemático como uma categoria subjetiva de nosso
conhecimento, um momento empírico que marcaria somente a imper-
feição de nossa conduta, a triste necessidade em que nos encontramos
de não saber de antemão e que desapareceria com o saber adquirido. O
problema pode muito bem ser recoberto pelas soluções, nem por isto
ele deixa de subsistir na Ideia que o refere às suas condições e organiza
a gênese das próprias soluções. Sem esta Ideia as soluções não teriam
sentido. O problemático é ao mesmo tempo uma categoria objetiva do
conhecimento é um gênero de ser perfeitamente objetivo (DELEUZE,
1998, p. 57).

Neste sentido, o problemático como categoria objetiva, contendo as singulari-


dades, já mencionadas, faz com que seja sentido ou não pelo filósofo, elas estão
sempre agregadas ao problema. Caso contrário, o problema pode ser tomado
como um “falso” problema, ou seja, de ser percebido de forma superficial. Ao
passo que uma vez percebido com todas as suas implicações, o problema pode
ser descrito ou explicado independentemente uma ou uma coletividade de pes-
soas. Além do mais, o problema é fruto da experiência como ponto de partida.
Neste sentido, Deleuze pode ser classificado aparentemente como empirista.

FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS


108 UNIDADE III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
PENSAR O PROBLEMA

O problema a ser resolvido não pode ser a orientação da investigação ou do pen-


samento, mas deve pensar algo a partir dele. O pensar deve ser realizado com o
intuito de criar as condições por meio de raciocínios para que surjam as soluções
que ainda não foram pensadas. Pensar é criar algo que não existe. Mas pensar
o quê? Pensar o pensamento para chegar a uma solução verdadeira para o pro-
blema. A engenhosidade do pensar faz com que o diferencial do problema seja
enfrentado com racionalidade na construção de soluções.
Estranho marcar passo e círculo vicioso pelos quais o filósofo pretende
levar a verdade das soluções aos problemas, mas, ainda permanecendo
prisioneiro da imagem dogmática, remete a verdade dos problemas à
possibilidade de suas soluções. O que se perde é a característica interna
do problema como tal, o elemento imperativo interior que decide, an-
tes de tudo, de sua verdade e de sua falsidade e que mede seu poder de
gênese intrínseca: o próprio objeto da dialética ou da combinatória, o
“diferencial”. Os problemas são provas e seleções. O essencial é que, no
seio dos problemas, faz-se uma gênese da verdade, uma produção do
verdadeiro no pensamento. O problema é o elemento diferencial no pen-
samento, o elemento genético no verdadeiro (DELEUZE, 2006a, p. 232).

O diferencial do pensamento é tratar os problemas a partir das características inter-


nas, fazendo a seleção daquilo que é essencial, ou seja, tratá-los com objetividade.
Sabe-se que há uma multiplicidade de singularidades e distintos arranjos em um
problema. Contudo as soluções devem sair de dentro do problema, mas não se pode
deixar de lado os elementos que se avizinham dele e, em determinado momento,

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


109

podem ser invertidos. Os elementos que avizinham ao problema poderão ser aque-
les que integraram a solução possível. É falsa a afirmação de que há uma solução
para cada problema visto que pode haver várias soluções para um único problema.
Fazem-nos acreditar que a atividade de pensar, assim como o verda-
deiro e falso em relação a esta atividade, só começa com a procura de
soluções, só concerne às soluções. É provável que esta crença tenha
a mesma origem que a dos outros postulados da imagem dogmática:
exemplos pueris separados de seu contexto, arbitrariamente erigi-
dos em modelos. É um preconceito infantil, segundo o qual o mestre
apresenta um problema, sendo nossa a tarefa de resolvê-lo e sendo o
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

resultado desta tarefa qualificado como verdadeiro ou falso por uma


autoridade poderosa. E é um preconceito social, no visível interesse de
nos manter as crianças, que sempre nos convida a resolver problemas
vindos de outro lugar e que nos consola, ou nos distrai, dizendo-nos
que venceremos se soubermos responder: o problema como obstáculo
e o respondente como Hércules. [….] Como se não continuássemos
escravos enquanto não dispusermos dos próprios problemas, de uma
participação nos problemas, de um direito aos problemas, de uma ges-
tão dos problemas (DELEUZE, 2006a, p. 228).

Colocar problemas para os alunos resolverem e depois classificá-los como falso


ou verdadeiro, segundo Deleuze, não contribui para exercício do pensamento.
Além disso, tira-lhes o direito de pensamento próprio. Os estudantes devem
sentir, experiencias o problemas como se fossem seus e assumi-los como algo
necessário e urgente para encontrar as soluções. Com isto, o professor ou mes-
tre contribuirá para que aconteça a emancipação intelectual. Os estudantes
podem exercer o direito de ter os próprios problemas e experimentá-los sin-
gularmente. Esta experiência de sentir os problemas que necessitam de uma
solução faz com que o ato de pensar dos estudantes contribua para o exercício
da autonomia filosófica.
Fazer um percurso já pensado por outros, praticar somente a observação
de raciocínios motivados por “falsos” problemas descontextualizados, segundo
Deleuze, é ter uma imagem dogmática (não submetido à crítica) do pensamento
e das suas potencialidades, faz com que os estudantes fiquem somente na doxa
(opinião). Isto faz com que os estudantes não experienciem um pensamento
novo, nem criem respostas para os seus problemas do seu dia a dia.

FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS


110 UNIDADE III

Você sabia que o problema fundamental funciona como motor para pensar
a tese ou a sua solução? O primeiro passo para que isso aconteça é identifi-
cá-lo no texto filosófico; o segundo é ter postura filosófica diante do proble-
ma fundamental.
Fonte: o autor.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
PROBLEMAS PARA CRIAR NOVOS CONCEITOS NA
FILOSOFIA

As pessoas do público possuem algumas dificuldades em compreender a filoso-


fia, e uma delas está no fato de não entender o que os filósofos fazem, e acreditam
que cada um fala do que quer, do jeito que quer. Como entender os filósofos e
a filosofia produzida por eles? Devemos compreender a razão de tanta dedica-
ção na produção dos seus escritos. O motivo que os leva à produção filosófica
está na tentativa de resolver os problemas na filosofia. Todo filósofo tem um
problema a ser resolvido. Enquanto as pessoas não entendem quais são os seus
problemas, não entendem os seus argumentos, por isso a filosofia passa a ser
algo estranho, confuso ou complicada demais. Sem problemas não há produ-
ção alguma de filosofia.
O primeiro passo para compreender uma produção filosófica é encontrar, ou
estabelecer, o problema fundamental do filósofo. Veja que a lista de problemas
não é pequena nem está pronta, acabada, e não há um catálogo de problemas
dos filósofos enfrentados por cada um deles. Encontrar este problema é uma
tarefa essencial do todo pesquisador ou estudante de filosofia, faz parte do tra-
balho filosófico. Portanto, devemos começar fazendo a seguinte questão: qual ou
quais são os problemas elaborados por este filósofo? Por que ele elaborou este
problema? Por que ele o formulou desta maneira? Entender uma filosofia é ver
como o filósofo elaborou as respostas para o problema proposto por ele. Isto vale
para qualquer filosofia em toda a sua história, sem exceção.

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


111
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Devemos alertar para o fato de que muitos filósofos colocam diferentes problemas
em diferentes obras, mas isto não retira as afirmações anteriores, pelo contrário,
reforçam-nas. O grau de entendimento de uma filosofia é medido pela identifica-
ção dos seus problemas e das conexões estabelecidas por eles. Às vezes, aparecem
aspectos desconexos, mas fazem parte de um grande problema ou problema funda-
mental em questão. Compreender um problema não significa ter muitas informações
a respeito da filosofia em questão, por exemplo, biografias, argumentos famosos,
conceitos que chamam atenção e são comentados por muitas pessoas, entre outros,
mas ser capaz de fixar e explicar claramente o problema fundamental.
O problema fundamental é aquele incômodo que perturba o pensador, que
não lhe permite descansar e o impulsiona a criar conceitos para responder, ou
buscar solucioná-lo de forma clara e convincente. Para Deleuze, em seu livro O
que é filosofia?, ele afirma que filosofia é a fabricação de conceitos. Vejamos em
outro texto dele o que diz sobre a criação de conceitos a partir dos problemas
fundamentais dos filósofos.
É simples: a filosofia também é uma disciplina criadora, tão inventiva
quanto qualquer outra disciplina, e ela consiste em criar ou bem inven-
tar conceitos. E os conceitos não existem desde já feitos, numa espécie
de céu em que eles esperassem que um filósofo os agarrasse. É necessá-
rio fabricar os conceitos. Certamente, não se os fabrica assim, do nada.
Não se diz, um dia, “bem, vou inventar tal conceito”, como um pintor
não diz um dia, “bem, vou fazer um quadro assim”, ou um cineasta
“bem, vou fazer tal filme”! É necessário que se tenha uma necessidade,
em filosofia ou nos outros casos, senão não haveria nada. Um criador
não é um padre que trabalha pelo prazer. Um criador não faz nada além
do que aquilo que absolutamente necessita. Resta que esta necessidade

Problemas Para Criar Novos Conceitos na Filosofia


112 UNIDADE III

– que é uma coisa bastante complexa, se ela existe – faz com que um
filósofo (aqui, pelo menos eu sei do que ele se ocupa) se proponha a
inventar, a criar os conceitos e não se ocupar de refletir, ainda que seja
sobre o cinema (DELEUZE, 2016, p. 292).

A criação de conceitos é resultado de uma necessidade que se impõe, quer o filó-


sofo deseja quer não. O que impulsiona o filósofo é o problema fundamental,
ele mobiliza as faculdades criativas, e se não fosse assim, seria criação de fal-
sos conceitos ou conceitos mal postos. Todo conceito criado está relacionado
diretamente a um problema, sem os quais jamais surgiriam. Portanto, a base da
compreensão de uma filosofia está no problema fundamental para, depois, com-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
preender os conceitos, as categorias utilizadas no sistema filosófico elaborado.

PROBLEMAS E DESCRIÇÃO

Para entender uma filosofia, precisamos estar atentos para o que é dito como
solução (argumentação) para problemas bem claros e precisos. Uma filosofia
puramente descritiva do problema pode ser vista como uma contradição de
termos. Deleuze, conforme já mencionamos, afirma que um problema deve ser
experienciado para mover o filósofo, mas isto não significa que a filosofia seja
apenas uma descrição de problemas. Existem filosofias que se apresentam como
descrições, como a fenomenologia, um campo da filosofia que faz a descrição da
estrutura específica dos fenômenos (aquilo que aparece ao sujeito, à sua cons-
ciência). Esta descrição é condição, a priori, de possibilidades para a Teoria do
Conhecimento.
Descrever um problema ou uma solução já seria suficiente para a dissolução
do problema fundamental. Este entendimento dos problemas pode contribuir de
forma significativa em vários sentidos, mas não poderá, efetiva e objetivamente,
eliminar o problema enquanto tal. Neste sentido, as teses filosóficas poderiam ser
reduzidas a uma simples descrição. Entender um problema é etapa para, poste-
riormente, resolvê-lo, ou seja, entender não significa encontrar a causa e resolver.
Podemos, perfeitamente, compreender os problemas e nos omitir diante da sua
necessidade ou urgência de uma solução, simplesmente não agimos. A filosofia
passa a ser apenas um discurso descritivo.

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


113

Se a filosofia não privilegiar a solução de problemas no seu ensino ou estudo,


pode se reduzir a uma contação de episódios da história. Isto significa que ela
passa a ser totalmente descompromissada com a realidade, a ser histórias com
bons argumentos e aspectos muito curiosos, ou seja, no final de tudo, não passa
de simples divagações. Como consequência, ganham força os famosos jargões de
estudantes e pessoas comuns não familiarizados com a filosofia e a veem como
desnecessária, ou como atividade de professor maluco desconectado da reali-
dade (como um filósofo simbolizado na torre de marfim).
A filosofia e o seu ensino não podem mais, precisamente, serem considera-
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dos contação de histórias, tendo em vista que existe uma diferença categórica
entre a Cinderela dos irmãos Grimm e o Discurso do método de René Descartes,
ou entre a Megera madrasta e o Gênio maligno. Há uma grande diferença entre
o problema de uma teoria filosófica tanto no seu tema quanto em sua questão.
O tema é aquilo do que ou sobre o que o autor fala. O autor fala sobre algo ou
diz respeito a uma tese. Diferente de uma narrativa cujo objetivo é encontrar a
moral da mensagem, ou atrair a atenção para alimentar o imaginário e despertar
a curiosidade dos ouvintes.
O tema e a questão são informações que não determinam, necessariamente,
o problema fundamental, somente trazem informações que podem ser perti-
nentes. É comum, nos debates e discursos acadêmicos em Língua Portuguesa,
presenciarmos uma confusão entre conceito e questão. Vejamos alguns exemplos:
“Quero falar sobre a questão da moral em Kant”, ou “Vamos à questão da aliena-
ção em Marx”. O conceito e a questão são tratados como sinônimos, mas não são.
A questão, aqui, está se referindo ao conceito de Kant, ou seja, o seu entendi-
mento da moral ou da questão da alienação é sobre o entendimento de alienação
em Marx. Na linguagem usual, uma questão significa questionamento, pergunta.
A questão da moral, em Kant, deveria ser posta da seguinte forma: “Quero saber
o que Kant entende sobre moral?” ou: “Vamos tratar do entendimento de Marx
sobre alienação?” Vejam que são aspectos diferentes do que receber informações
sobre a moral ou alienação destes pensadores. Os verdadeiros problemas quanto
à moral ou alienação desaparecem como num nevoeiro, ou seja, o desejo dessas
pessoas é apenas ouvir informações sobre uma descrição.

Problemas Para Criar Novos Conceitos na Filosofia


114 UNIDADE III

PROBLEMAS E APRENDIZADO

A compreensão, no estudo da filosofia, deve partir sempre do problema para


o conceito, não o inverso. Compreender os conceitos tendo o problema como
base do conhecimento, de modo geral, pode fazer com que o estudo seja consi-
derado interessante pelos alunos. Ademais, sob o ponto de vista pedagógico, faz
com que o raciocínio tenha uma ordem lógica: problema > conceitos > solução.
Colocar o problema e resolvê-lo implica, pois, um estranho cálculo que
procura menos aprender soluções do que abrir infinitamente o cam-

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po dos problemas virtuais contidos no corpo problemático dado […].
Cada singularidade desenrola novas multiplicidades. O cálculo procu-
ra desenvolver o campo das diferenças em redor de um dado ponto
singular, a fim de determinar o melhor possível a superfície mais vasta
das séries diferenciais; só assim conseguiremos abordar o pensamento
do singular, isto é, da diferença (DELEUZE, 2006a, p. 22).

A mobilização dos alunos, a partir da experiência de problemas para pensar e


produzir os conceitos, faz com que o ensinar seja um proferir palavras para se
colocar com mediação entre a emancipação dos alunos e a igualdade (profes-
sor) diante daquele que aprende pelo pensar. A aprendizagem acontece diante
da mobilização provocada pela problematização. Cabe ao educador fazer inves-
timento na problematização, na forma de colocação do problema para que os
alunos possam sentir o mesmo. Para que isto ocorra, faz-se necessário que o
educador não apresente as conclusões a fim de que os educandos construam os
próprios conceitos.
Para pensar o ensino de filosofia nesta perspectiva, é importante dar opor-
tunidade para cada um dos educandos, desde a experimentação de problemas
até os registros de sistematização dos mesmos. Os atos subjetivos de pensamento
devem ser percebidos pelos iniciantes diante dos problemas e, assim, possam se
sentir como criadores de soluções e conceitos.

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


115

Com efeito, de um lado, o aprendiz é aquele que constitui e enfren-


ta problemas práticos ou especulativos como tais. Aprender é o nome
que convém aos atos subjetivos operados em face da objetividade do
problema (Ideia), ao passo que saber designa apenas a generalidade
do conceito ou a calma posse de uma regra das soluções (DELEUZE,
2006a, p. 236).

Se um aprendiz de jogos online aprende a jogar jogando, superando cada um


dos obstáculos até vencer o jogo, assim ocorre com os iniciantes de filosofia,
que enfrentam o problema fundamental com os conceitos e pensam conceitual-
mente. Este é o único caminho possível para aprender a solucionar os problemas,
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ou seja, conhecer o movimento dos conceitos, pensando por meio deles desde
início. Com isto, o iniciante faz o percurso de aprendizagem, adentrando nos
campos problemáticos, primeiro por meio da experimentação dos problemas,
e, depois, criando os conceitos por meio do ato de pensar em seu próprio pen-
samento. A experiência singular dos problemas e do ato de criação conceitual
impedirá a repetição dos mesmos, e a atividade filosófica passa a ser muito pra-
zerosa e interessante.

Você sabia que todo filósofo tem um problema fundamental a ser resolvido?
E que sem problemas não há produção filosófica alguma? Se a filosofia não
privilegiar a solução de problemas no ensino ou no estudo, ela pode redu-
zir-se à simples contação de episódios da história.
Fonte: o autor.

Problemas Para Criar Novos Conceitos na Filosofia


116 UNIDADE III

HÁ PROBLEMAS FILOSÓFICOS

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Tudo tem início, para muitos pensadores, com um problema fundamental. A
partir da elaboração do problema fundamental, surge uma hipótese de como
resolver tal problema. Ela se apresenta, no início, como um palpite, uma con-
jectura de como resolver o problema, algo que se candidata a ser uma tese, ou é
muito próximo dela. Estas são as questões que enfrentaremos a seguir, que pode
ser o início, ou não, de uma produção filosófica. O nosso intuito é deixar estes
elementos claros para melhor entendimento dos textos.

A CONSTRUÇÃO DA TESE

Tentar decifrar aquilo que, aparentemente, parece indecifrável nos textos de filo-
sofia começa a ser um exercício de criação e recriação de problemas e de novos
conceitos filosóficos. Com isto, a ocupação com os textos passa a ser uma expe-
riência de vida, algo muito além de apenas encontrar problemas, inventar novos
problemas e ver os resultados efetivos no mundo vivido. Viver passa a ser um
forçar a pensar, produzir por meio da violência benéfica do encontro entre o ato
de pensar e o ato de criar. A filosofia, para o iniciante, pode ser apaixonante do
começo ao fim, experimentando a mesma emoção filosófica desde os primeiros
filósofos na Grécia Antiga até os que estão vivos e se divertindo com esta atividade.
Outro momento desta atividade é a questão da identificação de um problema
filosófico. O primeiro passo é a insatisfação com aquilo que está diante do filósofo
(fenômeno ou aspectos de um fenômeno), podendo ser um tema, um argumento,
uma questão, uma visão sobre um assunto que não corresponde ao mundo vivido,

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


117

entre outras coisas ou outros aspectos. Esta insatisfação é o fato preponderante de


que o entendimento comum se contenta com tal insatisfação (pois acredita que ela
é uma forma de resistência, é o pensamento de um problema); já o filósofo elabora
uma pergunta clara e definida, possível de obter uma resposta.
Para que tenhamos uma pergunta que expresse um problema filosófico, faz-
-se necessário que se obedeça a critérios mínimos, como estar de acordo com a
gramática de forma completa, fixar, claramente, o problema enquanto tal, fixar
o problema de forma suficiente, ao ponto de qualquer leitor (iniciante ou não)
poder identificá-lo. Veja que a fixação do problema constitui um momento
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essencial para que o trabalho filosófico seja, efetivamente, demonstrado como


tal. Mesmo com este critério, está muito longe de ser algo de fácil identificação.
Muitos pensadores dizem que a tarefa da filosofia é dissolver os problemas em
vez de tentar solucioná-los.
À dissolução de um problema deve ocorrer na medida em que é evidenciado
e que, em última caso, carecem de sentido, ou seja, eles não possuem causas. Os
aspectos da falta de sentido não estariam nas teses filosóficas, mas nos próprios
problemas. Se o problema for mal formulação, o resultado direto resultará numa
questão mal posta, tornando, assim, algo sem sentido. Neste caso, a filosofia por
meio da crítica contundente provocará um redimensionamento das questões em
pauta. Ela não seria uma atividade para solucionar problemas, mas sim uma ati-
vidade esclarecedora. Evidentemente, ambas as posições não são, genuinamente,
excludentes, mas sim complementares.

PROBLEMAS E A TESE

Logo após a elaboração do problema fundamental, surge uma hipótese de como


resolver tal problema. A hipótese pode, posteriormente, se transformar em tese
expressa em uma proposição de afirmação ou de negação, em um enunciado
capaz de explicitar uma ideia de como algo pode ser feito, ou se foi feito desta
ou daquela maneira. É importante destacar que nem toda tese é resultado de
uma proposição afirmativa, assim como temos proposição negativa, o mesmo
acontece com uma tese.

Há Problemas Filosóficos
118 UNIDADE III

A proposição é uma frase, um enunciado capaz de fazer uma declaração des-


critiva ou explicativa como verdadeira ou falsa. Há conjuntos de proposições que
podemos separá-las em dois grupos distintos: as afirmativas e não-afirmativas. A
tese é, geralmente, afirmativa e deve ser diferenciada de uma definição. A defi-
nição é uma proposição meramente nominal, podendo não ser verdadeira nem
falsa. Não faz sentido, aqui, discutir se concordamos, ou não, com elas. Ser uma
tese, hipótese ou definição é uma função que o pensador pode, ou não, assumir,
dependendo do contexto. Às vezes, o pensador dedica-se mais tempo em negar
os argumentos dos adversários do que na demonstração da sua tese.

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Há situações em que a tese não é situada em um lugar privilegiado no saber
filosófico, e querer entendê-la sem compreender o problema que a gerou é difícil,
ou seja, é complicado entender a resposta sem a pergunta. A tese é a resposta a
uma pergunta e só pode ser entendida em correlação à pergunta à qual responde.
O ser-resposta não é parte de seu entorno pragmático contingente, mas de
sua natureza lógica intrínseca; não é um acidente, algo que casualmente
lhe acontece, senão que lhe é hermeneuticamente constitutivo. A atividade
filosófica primária não é a afirmação ou negação de “teses em si”, mas sem-
pre em seu vínculo com o problema. A aparência de que o afirmar proposi-
ções é a atividade básica em filosofia é muito forte e se deve a que, inclusive
para o próprio filósofo, o problema é dado como parte do legado histórico
do qual ele nem sempre é plenamente consciente ou que, por ser-lhe óbvio,
não considera necessário explicitar (PORTA, 2004, p. 33).

O problema é tão importante quanto a tese, ambos estão dentro da esfera da


criatividade. Daí a importância deles dentro da atividade filosófica, pois a corre-
lação é intrínseca, ou seja, uma faz parte da natureza do outro. Tanto o problema
quanto a tese foram conduzidos pela história da filosofia até o presente momento
e são postos para serem pensados e construídos, conceitualmente, pelo filósofo.
O fragmento apresentado afirma que o legado histórico nem sempre é perce-
bido pelo filósofo e pelo leitor que está acompanhando o percurso realizado.
Quando o filósofo tem ciência de que responde a um problema dentro da histó-
ria da filosofia ou de outra área em específico, julga desnecessário explicitá-lo de
forma pedagógica, tornando a compreensão um pouco mais complicada, con-
tudo sempre deixará as pistas para que o leitor possa identificá-lo. Ademais, é
impossível discutir um problema fixado com clareza e uma tese correlacionada
sem deixar nenhum vestígio.

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


119
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TESE E DEVIR (VIR A SER) FILOSÓFICO

Acompanhando, atentamente, a correlação entre o problema, a tese e a elaboração


de novos conceitos, o iniciante nos textos deve perceber a presença do movi-
mento histórico da filosofia ao longo desta produção. Visto que do nada nada
vem, logo, só pode ser criado a partir de elementos anteriores, portanto, a filoso-
fia está muito longe de fruto de divagações descoladas da realidade e da história.
Este movimento é o devir ou vir-a-ser do filósofo, do pré-socrático Heráclito de
Éfeso (535-475 a. C.), a espinha dorsal de toda produção filosófica a que sempre
recorremos como fonte de inspiração e fundamento. Se focarmos apenas no pro-
blema e na tese, o movimento histórico passa a ser mera sucessão de opiniões.
Outro aspecto que devemos destacar é o fato de que não se pode enten-
der filosofia se a reduzimos ao conjunto de pontos de vistas, os mais diversos
possíveis. O elemento que rompe com isso é o fato de colocar um problema fun-
damental para que a tese seja correlacionada de forma inerente e com sentido a
ele. Com isto, a filosofia de modo algum se contrapõe simplesmente uma tese a
outra. As teses que, aparentemente, se contrapõem umas às outras, podem jun-
tas responder a um mesmo problema. Isto ocorre com frequência na história da
filosofia, e o devir traduzido no movimento pode fazer as teses contrárias e os
problemas, de alguma maneira, complementarem-se, formando uma unidade.
Por exemplo, os movimentos classificados como empirismo, racionalismo, ana-
líticos, existencialistas entre outros.

Há Problemas Filosóficos
120 UNIDADE III

O devir filosófico contém uma certa continuidade, um certo sentido,


algo assim como uma sedimentação conceitual. O pensamento anterior
nunca é simplesmente negado ou esquecido; ele é sempre “superado” e
“integrado” no posterior. O devir não suprime, mas supõe o anterior, e
constrói sobre sua base de formas diversas (em tal sentido, a história da
filosofia está sempre contida na filosofia contemporânea). É certo que
muitos grandes filósofos pretenderam apagar tudo e começar do zero,
mas sempre se tratou de pura ilusão. Caso tal fato prove alguma coisa, é
só que grandes filósofos podem ser pequenos homens. A consideração
da unidade que tese e problema compõem permite ver naquilo que, a
princípio, parecia puramente descontínuo uma dinâmica interna e, in-
clusive, uma certa direção constitutiva daquilo que a filosofia é (PORTA,

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2004, p. 34).

Os movimentos ou correntes filosóficas são classificados como elementos comuns


e diferentes, ao mesmo tempo, contudo se conservam as suas particularidades
dentro da mesma classificação. Não é porque foi superado ou integrado, como
afirma o fragmento apresentado, que pode ser desconsiderado, ou não, o estudo,
detalhadamente. Ao contrário, passam a ser fonte de investigação e suporte
para fundamentar as novas teses. Portanto, a superação ou integração nunca é
completa ou total, sempre ficarão elementos fora das sínteses que precisam ser
investigados e observados. A investigação filosófica na história da filosofia faz-
-se necessária a partir dos novos problemas. O pensamento anterior jamais pode
ser descartado, precisa ser constantemente visitado ou revisitado para ajudar a
construir as novas teses.
O movimento do devir filosófico só possui o sentido que nós atribuímos a
ele, e isso também ocorre com a continuidade” e sedimentação conceitual. Se
não atribuímos estes significados a ele, simplesmente não tem existência alguma.
Isso ocorre com a ideia de direção, que aparece no final do fragmento, a filosofia
simplesmente acontece, e não há nenhum desejo de querer controlar ou admi-
nistrar um rumo para a história da filosofia por parte de nenhum filósofo pelo
simples fato de ela procurar resolver problemas, só isso e nada mais. Qualquer
intenção de algum filósofo fora disso pode levar a uma ilusão, visto que não
houve nada parecido em sua história. Isso não impede que muitos investigado-
res de filosofia atribuam sentidos e significados, estabeleçam classificações ou
referências aos mais diversos aspectos, teses e correntes na filosofia em alguns
momentos de sua longa história.

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


121

Resolver problemas faz parte da atividade cotidiana de todos, porém, os pro-


blemas científicos são nitidamente diferentes dos problemas enfrentados
pelo cidadão comum. Uma das principais razões para esta diferença reside
no fato de que as formas de raciocínio (heurísticas) necessárias para a solução
destes diferem muito das comumente evocadas para a solução daqueles. Em
outras palavras, o raciocínio científico difere substancialmente do raciocínio
de “senso comum” e é justamente esse contato com a maneira científica de
pensar, um dos objetivos mais procurados no ensino de Ciências.
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Fonte: Karam e Pietrocola (2009).

ARGUMENTOS E SUAS CONEXÕES

A tese é constituída como solução para um problema fundamental, e isto implica


fazer escolhas entre as alternativas a serem descartadas. Toda escolha implica
renúncia, e isso é algo difícil. Seria muito bom se não tivéssemos que fazer renún-
cias. Em muitos casos, temos muitas respostas pertinentes para uma mesma
pergunta e, no processo de produção, o pensador vai ter de escolher uma. Aqui
entram em cena os argumentos que desempenham um papel essencial para toda
a produção intelectual nos argumentos, além de demonstrar a capacidade inven-
tiva do pensador na elaboração, na criação de novos conceitos, na sistematização
do material pesquisado e ordem lógica do raciocínio.
Os argumentos são aquilo que passa a justificar a escolha por uma determinada
tese em relação a outras tantas possíveis. Na filosofia, o discurso argumentativo
pressupõe a resolução de um problema, ele é a base que determinará se aceitará,
ou rechaçará uma ideia. O argumento é preciso, uma definição que, às vezes,
pode ser resultado de uma inferência (dedução) com valor de verdade ou apro-
ximação de uma verdade. Uma vez aceito, pode se caracterizar, suficientemente,
como um raciocínio descritivo ou explicativo sobre uma ideia ou um dado a ser
utilizado no processo de construção e fundamentação.

Argumentos e Suas Conexões


122 UNIDADE III

Os argumentos têm a finalidade de legitimar a tese em questão para que ela tenha

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adesão daqueles que entram em contato com ela. Na filosofia, não há uma hierarquia
de objetos, como acontece em outras áreas do saber, mas somente uma hierarquia
de sentidos que explicam determinada ordem racional. Esta ordem é do processo de
argumentação relacionada aos temas, e não algo isolado, como se fosse autônomo,
ou seja, a ordem está subordinada a uma lógica para que tenha semelhança nos
argumentos. As justificativas que formam os argumentos não podem ser separados
ou retirados de acordo com o interesse do leitor, visto que a atividade filosófica está
justamente nas ligações entre as proposições que sustentam a tese. A força dos argu-
mentos está, exatamente, nas suas conexões de ideias e sua ordem lógica conceitual.
As interligações ou conexões de ideias de forma inovadora constituem os ele-
mentos mínimos para que os argumentos se apresentem como originais. A forma
inovadora de conexões acontece à medida que os hábitos e os usos de determina-
dos conceitos são alargados. Com isto, o texto começa a ganhar forma e sentido
necessário para dar conta do conjunto de proposições que forma o conteúdo. O
conteúdo, por sua vez, apresenta os argumentos e explicam os usos conceituais
e os modos dos seus desdobramentos que estão intimamente ligados entre si.
Desta maneira, a explicação do texto com as conexões e as demonstrações dos
argumentos podem ser esboçadas com certa clareza.
O alargamento habitual e das conexões conceituais precisam ser validados
(legitimados) em todos os seus momentos para que sejam conferidos ou cons-
tituídos pelo estatuto de veracidade. O processo de validação envolve, de forma
total, desde uma simples proposição até a demonstração complexa, assim como a
argumentação, as explicações, as descrições ou os exemplos, em que o pensador
explica as razões de suas escolhas.

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


123

ARGUMENTAÇÃO VÁLIDA

O processo de validação de uma tese e seus argumentos compreende tudo o que


reforça e estabelece, ao mesmo tempo, as proposições, das mais simples às mais
complexas. Para tanto, é imprescindível a organização lógica, os objetos de aná-
lise, a trama de reflexão elaborada, os referenciais factuais, um raciocínio, um
exemplo, enfim, todos os elementos que necessitam ser legitimados para que a
verdade apareça de forma robusta e consistente. Podemos considerar como ver-
dadeira toda uma reflexão utilizada no desenvolvimento da tese e o seu objetivo.
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O discurso filosófico articula formas de expressões diversas, que podem ser


unidas na própria dinâmica do texto, para ser apresentada como válida. Contudo,
faz-se necessário construir os mecanismos que permitam contemplar todas as
diversidades utilizadas pelo pensador. O primeiro mecanismo é a identifica-
ção da funcionalidade dos meios de legitimação por meio das leituras. A leitura
deve separar as partes a partir do núcleo, os meios empregados para convencer,
as sequências das partes às suas funções e analisar os espaços ocupados. A tese
deve ser colocada no início e, em seguida à sua demonstração, as outras partes
podem ser colocadas no final da apresentação.
O segundo mecanismo funcional é a distinção entre o que deve ser legitimado
(validação) e o processo a ser justificado. A legitimação pode ser de um aspecto
da demonstração (uma proposição que pode servir como uma prova de outra)
ou de um raciocínio ou um aspecto da argumentação pode precisar de justifica-
tiva. Já o processo de justificação aponta na direção de que todos os aspectos da
prática textual criada pelo pensador estão sujeitos à justificativa. Nem sempre
as justificativas das partes do texto são explícitas, de fácil localização. Às vezes,
o texto traz os temas com suas regras de construção da própria legitimidade.
Vejamos um exemplo: Baruch Espinosa (1632-1677), filósofo holandês, filho de
pais portugueses, no livro Tratado da correção do intelecto, aborda a dificuldade
de método de investigação da verdade, mas aponta uma direção e a justifica.
[30] Depois de sabermos que conhecimento nos é necessário, cum-
pre-nos versar sobre o caminho e o método pelo qual conhecemos as
coisas a conhecer dessa forma. Para isso, deve-se primeiramente con-
siderar que não haverá aqui uma investigação sem fim; a saber, para se
descobrir qual o melhor método de investigar a verdade, não é neces-

Argumentos e Suas Conexões


124 UNIDADE III

sário outro método para investigar qual o método de investigar a ver-


dade; e para que se investigue este segundo método, não é necessário
um terceiro, e assim ao infinito: por esse modo nunca se chegaria ao
conhecimento da verdade, ou, antes, a conhecimento algum. O mesmo
se diria dos instrumentos materiais, onde se argumenta de igual for-
ma, pois para forjar o ferro precisar-se-ia de um martelo e, para se ter
martelo, é preciso fazê-lo, para o que se necessita de outro martelo e de
outros instrumentos, os quais também supõem outros instrumentos, e
assim ao infinito; e desse modo em vão tentaria alguém provar que os
homens nenhum poder tem de forjar o ferro (ESPINOSA, 1979, p. 51).

Espinosa (1979), ao constatar a necessidade do conhecimento, sente a obrigação de

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falar do método do conhecimento cujo objetivo é a verdade. Falar sobre o método
não pode cair na regressão ao infinito ao falar do método de investigação da ver-
dade, pelo simples fato que não chegaria ao objetivo. Chamamos a atenção para a
forma de demonstração argumentativa por meio do raciocínio lógico para enfren-
tar as objeções dos seus oponentes. O próprio raciocínio lógico o legitimou, mas
foi construído, e não dado, como algo que fosse natural ou evidente por si mesmo.
O esforço de justificação dos pensadores demonstra que, na filosofia, os enun-
ciados de uma tese ou doutrina carecem sempre de uma legitimação. A luta pela
legitimação é parte integrante da argumentação cujo objetivo é explicar a tese a
partir da pergunta que ela responde. A fundamentação da legitimidade da tese
deve estar no próprio processo da argumentação construída nela mesma, caso
contrário, as condições de validade estariam fragilizadas. A exposição sistemati-
zada de forma lógica diminui o risco na medida em que a tese ou doutrina, na sua
totalidade, constitui o seu próprio fundamento a ser demonstrado com clareza.

“O que é um filósofo? É um conceito em potência, diz Deleuze. E a filosofia? É a


disciplina que consiste em criar conceitos. Esta é, em suma, a resposta deleuzia-
na: ‘a questão da filosofia é o ponto singular onde o conceito e a criação se reme-
tem um ao outro’. Esta conclusão não é nada mais que um princípio, uma faísca
que faz acender uma série de outras questões. Que é um conceito? O que ele
supõe? De que tipo de criação falamos aqui? Qual é o seu lugar?”
Fonte: (Razão Inadequada)1.

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


125

FUNDAMENTAÇÃO DA TESE

Toda tese necessita de uma argumentação pre-


cisa e com inferências (deduções) de valores de
verdade para que lhe dê o suporte necessário, e
o leitor perceba que está diante de algo bem fun-
damentado. Há diversos modos de fundamentar
uma tese, e destacamos aqueles que buscam a radi-
calidade, que vão às raízes, às causas do problema
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

fundamental. A forma de demonstrar esta radica-


lidade está explicitada para clarificar os termos e as
categorias utilizados, desde a análise linguística ou
semântica até os aspectos filológicos empregados
para construir os novos conceitos ou terminolo-
gia. Ser radical é proceder como a raiz de uma
árvore que penetra o solo para se fixar à terra,
mas que não abandona suas ramificações, pois
estas são parte e complemento daquela.
O filósofo, sociólogo e economista Karl Marx (1818-1883) ajuda-nos a enten-
der melhor a questão da radicalidade ao estabelecer relações entre a teoria e o
ser radical rigoroso.
A teoria é capaz de prender os homens desde que demonstre sua ver-
dade face ao homem, desde que se torne radical. Ser radical é atacar
o problema em suas raízes. Para o homem, porém, a raiz é o próprio
homem (MARX, 1991, p. 117).

Os fundamentos devem ser buscados com muito rigor. E onde devemos procu-
ra-los? Marx aponta que devemos buscar no próprio o homem. Ele entende o
homem como gênero humano e espécie na particularidade, no caso, o pensador.
O homem como gênero refere-se ao conhecimento acumulado pela humanidade
no decorrer da história, no caso mais específico, a história da filosofia, ou seja,
deve-se submeter todo conhecimento ao crivo da crítica radical. E o homem, em
particular, é o próprio pensador, que não pode aceitar a superficialidade e inge-
nuidade, ou seja, a todo instante deve fazer a autocrítica do que está produzindo.

Argumentos e Suas Conexões


126 UNIDADE III

O processo de fundamentação das teses nem sempre segue um raciocínio ou


linha de pensamento linear, e não é fácil para um iniciante fazer uma reconstituição
das bases utilizadas. Às vezes, as formas dos argumentos são extremamente refinadas,
rigorosas e usadas de derivações de consequências pouca perceptível num primeiro
momento. Algumas vezes, determinadas teses são descartadas não por si mesmas,
mas pelas consequências que podem acarretar. E outras são incorporadas por motivos
nem sempre explicados claramente. Além disso, pode ocorrer que o principal argu-
mento utilizado seja resultado de uma explicitação dos pressupostos de uma tese rival.
Esta busca pelos fundamentos da tese é da natureza da filosofia desde os

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seus primórdios na Grécia Antiga na luta contra os mitos, as crenças religiosas
e as visões de senso comum daquela época. As teses filosóficas sempre buscam
a visão de totalidade, de conjunto dos elementos que podem estar relacionados
à pergunta fundamental e à sua tese. A filosofia sempre foi uma ciência de rigor
em todos os períodos de sua história, e os graus deste rigor não são contínuos,
modificam-se de tempos em tempos.
Há períodos da história em que o rigor aparece mais, ao ponto de obscu-
recer toda a genialidade da criação dos argumentos e conceitos, e, em outros,
não se destaca tanto, prevalecendo os impactos, a objetividade e a clareza dos
argumentos da tese. Contudo o iniciante, aos poucos, identifica estes aspectos
e, com muito esforço, com a sistematização, organização e autodisciplina supe-
rar os preconceitos e as próprias dificuldades para a leitura dos textos filosóficos.

Muitos confundem tema e tese quando elaboram parágrafos dissertativos,


principalmente na introdução, quando esses elementos devem estar bem
esboçados para poder desenvolvê-los em seguida. O tema será sempre o as-
sunto do texto, o tópico frasal ou ainda a ideia núcleo dada no enunciado da
prova. Já a tese é o ponto de vista do autor sobre o tema. O que o autor pensa,
defende e acredita sobre o assunto. A tese será positiva (favorável) ou negati-
va (desfavorável) à ideia núcleo. Para fundamentar teoricamente a sua tese, o
redator fará uso de argumentos, de fatos, de exemplos, de dados, de citações
etc., na tentativa de convencer o interlocutor a concordar com o seu pensa-
mento crítico.
Fonte: adaptado de Blog de Redação (2012, on-line)¹.

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


127
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FILOSOFIA CONTRA EXEMPLOS

Chegamos à teoria dos exemplos na filosofia, e não há consenso na utilização


deles nos textos filosóficos. Os exemplos e, as ilustrações tão solicitados pelos
estudantes em todas as áreas do conhecimento, na filosofia recebe outro olhar.
Analisaremos exatamente esse olhar de forma crítica para que possamos com-
preender a sua importância na compreensão dos textos.

EXEMPLO COMO REFERÊNCIA

O problema fundamental, a tese ou a solução, os argumentos e as fundamentações


podem ganhar, ou não, um reforço solicitado por muitos alunos numa sala de aula,
o exemplo. Ele é importante e está dentro dos chamados fenômenos referenciais.
A dimensão referencial é fundamental para fazer a aproximação ou conexão do
mundo concebido (abstrações/entendimento) e o mundo vivido (real/concreto),
para que se torne compreensível. A referência une o conceito ou o termo signifi-
cante com o sentido à coisa, ao objeto material, o acontecimento faz com que o
discurso filosófico o encontre no mundo vivido, ou seja, o ser no sentido ontológico.
Os elementos ou entidades identificadas pela função referencial constrói o deno-
tado, o objeto concreto, que pode ser comprovado pelos sentidos, pela experiência.

Filosofia Contra Exemplos


128 UNIDADE III

O denotado é o exemplo, o paradigma, o modelo, a ilustração, o padrão, a


matriz, a norma que está ligada aos conceitos, que, por sua vez, conecta, nomeia
os objetos concretos no mundo vivido. Pensar sobre as referências é complexo,
devido à multiplicidade de aspectos para construir o sentido. Aquilo que se apre-
senta por meio de um enunciado como concreto pela restituição de um conteúdo
argumentativo aplica-se, também, ao elemento conceitual. Ao mesmo tempo,
criar é criar o real, o possível.
Fazer tal separação, ou identificar as suas conexões estabelecidas por um
pensador passa a ser a tarefa essencial do iniciador à leitura dos textos. Contudo

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esta identificação de palavras e coisas como objeto referencial pressupõe tarefas
que, de certa forma, podem ser caracterizadas como difíceis para um iniciante
pelo fato de ser uma reconstrução do mundo visto pelo pensador. Seguir esta
visão do pensador em meio aos seus registros, com as suas múltiplas variações,
exige atenção para perceber a essência do denotado.
O conceito, portanto, faz ao mesmo tempo referência direta a um “obje-
to de pensamento” e indireta a um objeto do mundo; mas esses objetos
particulares, eles próprios, são sempre visados através da linguagem e
das categorias da doutrina. Distinguiremos então o universo denotati-
vo ideal de uma doutrina de seu universo denotativo concreto ou subs-
trato ontológico. O primeiro é constituído na sua mais ampla genera-
lidade pela construção do conceito. O segundo é produzido através dos
casos particulares, exemplos ou passagens descritivas, e compreende o
conjunto dos elementos verificados no campo perceptivo, na ordem da
experiência comum que participa do que se convencionou chamar “o
real” (COSSUTTA, 2001, p. 76).

O conceito, ao fazer esta dupla referência, possibilita dificultar o entendimento


de um lado, mas, ao mesmo tempo, facilita na análise ao fazer o desdobramento
do substrato ontológico por meio do discurso filosófico. O discurso filosófico,
por meio de raciocínio, faz uma descrição da significação virtual, aparentemente
fechado, sem fazer menção direta, concreta ao particular, ou seja, não usando
exemplos ou o mínimo possível. Podemos ver isto com frequência na filosofia
de Kant, Hegel entre outros pensadores. Os conceitos possibilitam fazer recortes
no discurso denotativo ideal que é sempre possível vislumbrar uma totalidade
no mundo vivido.

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


129

A construção do discurso possibilita ao pensador desejar a transformação


de várias compreensões e ações diversas dos seres humanos no mundo vivido.
Com isso, o pensador pode trabalhar com os conceitos ou as categorias sem a
preocupação de demonstrar ações concretas ou a efetividade conceitual na rea-
lidade. Os casos concretos, os exemplos e as metáforas podem ser utilizados não
de forma necessária, mas inserindo, raramente, situações concretas, casos par-
ticulares. O pensador faz desta distância do mundo concebido com o mundo
real uma condição para estabelecer nova relação com a sua construção abstrata.
Ademais, ele sabe que o substrato ontológico produz, no seu interior, consequ-
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ências na realidade, o que faz com que a filosofia, de alguma maneira, saia da
esfera abstrata e vá para a realidade concreta.

GILLES DELEUZE - O conceito é questão de articulação; é um complexo de


componentes representados por um nome. Todo conceito remete a um pro-
blema e só se criam conceitos em função de problemas. Saber colocar-se
problemas, eis um sinal de maturidade. Ser filósofo é também trabalho de
papel, cola e tesoura: é preciso saber cortar, ligar, desconectar ideias nos
conceitos para fazê-los responder aos problemas. Conceituar é “conectar
componentes interiores até a saturação ou o fechamento“, de tal modo que
mudar suas conexões, mudaria sua natureza.
Fonte: Razão Inadequada (2019, on-line)2.

EXEMPLOS POUCO VALORIZADOS

Os exemplos, as ilustrações tão solicitadas pelos estudantes em todas as áreas


do conhecimento, na filosofia recebe outro olhar. Mesmo sabendo que a descri-
ção consegue reconstruir fatos, um cenário pressupõe a utilização de narrativas,
experiências no mundo que podem ser compartilhadas pelo leitor. A descrição
filosófica faz com que um caso em específico seja o modelo. Contudo o sujeito
é único e possui singularidades e particularidades, além de estar localizado em

Filosofia Contra Exemplos


130 UNIDADE III

determinado período da
história, em uma sociedade
e em uma cultura. Ao fazer
uso dele como exemplo,
acontece a generalização
das regras, ou seja, o exem-
plo se torna contraexemplo.
Isso ocorre com os estereó-
tipos em uma obra filosófica

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como um todo, e o exemplo
passa a ser uma espécie de
pseudorreferência.
Os exemplos desempenham uma função didática, ontológica e de valida-
ção nos textos filosóficos. A função didática é fazer com que o pensador seja
entendido pelo leitor, fazer-se claro, esta é a razão de ser dela. É uma função extre-
mamente importante porque o texto ganha modificações sob o olhar inicial do
leitor. O fato de a didática tratar de um caso particular faz com que a mensagem
tenha uma direção clara. A função ontológica dos casos particulares é distribu-
ída ao longo do texto, desempenha várias funções referenciais, dá suporte ao
substrato ontológico, colocando uma presença do mundo no discurso. O ser,
no mundo, faz-se presente no discurso, a função ontológica conecta o ser con-
creto ao discurso concebido. A função de validade desempenha não somente a
conexão da tese com a busca da verdade, mas coloca o caso particular na pre-
sença do pensador e do leitor, além do papel na argumentação para fundamentar
a tese. Portanto, a função do caso particular vai além da função didática, con-
tribui para a fundamentação ontológica e oferece as evidências factuais sem se
opor à construção conceitual.
O uso de casos particulares faz com que os pensadores enfrentem o pro-
blema chamado “problema do exemplo”. Este enfrentamento acontece por causa
da função metatextual, ou seja, a própria linguagem passa a ser o foco de refle-
xão do pensador quanto ao uso nos seus textos, além dos conceitos na passagem

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


131

do particular para o geral. Vejamos o entendimento de Immanuel Kant (1724-


1804), no seu livro Crítica da razão pura.
Aguçar a faculdade de julgar, tal é grande e única utilidade dos exem-
plos. Pois, no tocante ao rigor e precisão dos conhecimentos do enten-
dimento, os exemplos são, geralmente, mais prejudiciais que vantajosos,
porque é raro cumprirem adequadamente a condição da regra (como
casus in terminis) enfraquecem, além disso, muitas vezes, o esforço do
entendimento para apreender, em toda a suficiência, as regras em geral
e independentemente das condições particulares da experiência, de tal
modo que, por fim, nos habituamos a usá-las mais como fórmulas do
que como princípios. Assim, os exemplos são as muletas da faculdade
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de julgar de que nunca poderá prescindir quem careça desse dom natu-
ral (KANT, 1994, p. 178).

A crítica dura na “teoria do exemplo” não é exclusividade de Kant. Outros pensa-


dores não aconselham ninguém a fazer uso deles, como Hegel. No entendimento
de Kant, a única utilidade dos exemplos é afiar a faculdade de julgar, quanto à aqui-
sição do conhecimento são enfraquecidos. O uso dos exemplos com frequência
cria um mau hábito de usar como fórmulas, e não como princípio, assim como
os professores de cursinhos pré-vestibulares que passam anos contando as mes-
mas histórias, as mesmas piadas, cantam os mesmos jingles, os mesmos exemplos.
Estes professores deixam o conhecimento (com seus princípios) de lado e somente
repetem os conteúdos decorados, e não assimilados, submetidos ao crivo da razão.
O hábito dos exemplos transforma-se em muletas e nunca as deixa, acreditando
que são naturais as usarem. Os exemplos tiram dos seres humanos a autonomia
de pensamento e de criação de novos conceitos.
Na história da filosofia, muitos pensadores partilham desta mesma forma de
pensar, acreditando que os exemplos atrapalham a reflexão, e os evitam o máximo
que podem. Outros pensadores acreditam que é desnecessário se preocupar com
os exemplos ou com casos particulares, visto que nas próprias proposições ou
nos conceitos já estão contemplados no mundo vivido. Cabe ao leitor fazer as
conexões necessárias das proposições universais para os casos particulares. Com
isso, a leitura dos textos filosóficos fica, aparentemente, difícil, e a sua compre-
ensão comprometida.

Filosofia Contra Exemplos


132 UNIDADE III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
EXEMPLOS E A SUA IMPORTÂNCIA

Há muitos pensadores que se contrapõem ao pensamento de Kant e Hegel sobre


as funções dos exemplos ou do caso particular. Na filosofia, é muito difícil encon-
trar unanimidade de pensamento. As filosofias críticas são formas diferentes de
olhar as particularidades e singularidades, como de Henri Bergson (1859-1941),
Sören Kierkegaard (1813-1855) entre outros. Vejamos como Kierkegaard, no seu
livro O conceito de angústia, analisa o fato de uma ciência aproveitar dos casos
particulares para avançar em direção ao conhecimento e à verdade:
Além disso, segue do que foi dito, como por si mesmo, que a Psicologia
não tem a ver com os detalhes da realidade empírica, a não ser na me-
dida em que esta permanece exterior ao pecado. É verdade que, como
ciência, Psicologia nunca pode ocupar-se empiricamente com o detalhe
que lhe serve de base, embora este detalhe possa receber sua represen-
tação científica, quanto mais concreta a Psicologia se tornar. Em nosso
tempo, essa ciência, posto que tenha mais do que qualquer outra o di-
reito de se embriagar com a multiplicidade borbulhante da vida, entre-
gou-se ao jejum e ao ascetismo como um autoflagelante. Não é culpa da
ciência, mas dos que a cultivam (KIERKEGAARD, 2017, p. 25).

O caso particular, em muitos sistemas filosóficos, é entendido como o auxílio


da categoria da imediatidade, que pertence ao mundo sensível e faz parte de um
momento do seu contrário na dialética do real. O entendimento da angústia faz
uso do movimento dialético, por isso, Kierkegaard usa a expressão “multiplicidade
borbulhante da vida” o que possibilita uma apreensão intuitiva dos conceitos e
problemas. E ao mesmo tempo, força, incomoda, provoca o filósofo a respon-
der a esta realidade borbulhante da vida, de forma objetiva.

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


133

O entendimento dos exemplos ou casos particulares, como modelos, ajuda a


interrogar sobre o que caracteriza a atividade filosófica, além de estabelecer que
cada uma das grandes funções textuais, as referências podem confirmar o dis-
curso e o substrato ontológico de um sistema ou doutrina numa filosofia. Isso
faz com que o objetivo do filósofo, além da conceituação ou criação de novos
conceitos, a partir do já apresentados pela língua, quer seja materna quer não,
faça-o deslocar e organizar antigas formas de expressões e termos na confirmação
de uma tese. Às vezes, algumas formas antigas precisam ser destruídas, e a rea-
tribuição de sentidos, a reconstrução ontológica devem ser utilizadas em novas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

teses ou sistemas filosóficos. Tudo isto é o processo de construção de filosófica.


Por fim, a fundamentação e a argumentação também necessitam de uma rees-
truturação conceitual e, em muitos casos, os usos de exemplos para a ilustração de
uma ideia ou nova ideia se faz compreensível. Os exemplos sempre serão pedidos
pelos iniciantes nos textos filosóficos pelo simples fato de eles não terem obriga-
ção nenhuma de saber sobre aqueles conceitos e categorias que são utilizados pelos
filósofos. A compreensão é uma construção que o iniciante precisa fazer, mas ela
não ocorre de forma imediata, é preciso dar tempo ao tempo. Cabe àqueles que
produziram as argumentações e os fundamentos filosóficos procurar ser o mais
claro possível na sua descrição e explicação para que os pedidos de ilustração sejam
minimizados o máximo possível. Diante disso, fica claro que o exemplo pode ser
uma ferramenta importante na compreensão da filosofia, cabe ao pensador sem-
pre relativizar ou alertar as suas limitações e fragilidades, que lhes são próprias.

Você sabia que os exemplos desempenham função didática, ontológica e


de validação nos textos filosóficos? A função didática é fazer com que o pen-
sador seja entendido pelo leitor, fazer-se claro, esta é a razão dela. Contudo,
o exemplo pode criar maus hábitos, como usar como fórmula, não como
princípio. Este hábito se transforma em muleta e nunca se esvai, tornando
natural o seu uso. Os exemplos tiram dos seres humanos a autonomia de
pensamento e de criação de novos conceitos.
Fonte: o autor.

Filosofia Contra Exemplos


134 UNIDADE III

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), chegamos ao final de mais uma unidade e acreditamos que


os elementos desenvolvidos foram úteis e importantes para a compreensão e a
identificação dos problemas filosóficos fundamentais, a tese, os argumentos, a
fundamentação e a problemática do exemplo nos textos filosóficos. Vimos, tam-
bém, que estes problemas são os motores da produção racional filosófica que
chegam até nós e que precisamos compreender.
Destacamos também a importância de entender o agir subjetivamente diante

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
do problema fundamental para assumi-lo com todo empenho e dedicação na sua
solução. O pensar foi explicitado com o intuito de criar as condições por meio de
raciocínios para que encontre as soluções ainda não pensadas. A engenhosidade
do pensar faz com que o diferencial do problema seja enfrentado com raciona-
lidade na construção de soluções e, muitas vezes, com a criação de conceitos.
Vimos, também, que o impulsionador do filósofo é o problema fundamental.
Oportunizamos os elementos para entender que a atividade de tentar decifrar
aquilo que, aparentemente, parece indecifrável nos textos de filosofia, começa a
ser um exercício de criação e recriação de problemas e de novos conceitos filo-
sóficos. Com isso, a ocupação com os textos passa a ser uma experiência de vida,
algo muito além de apenas encontrar problemas, inventar novos problemas e ver
os resultados efetivos no mundo vivido.
Por fim, compreendemos que a “teoria dos exemplos”, nos textos filosóficos,
faz parte das controvérsias na história da filosofia. As justificativas como sem-
pre, na filosofia, faz sentido, e o desejo de não criar maus hábitos, muletas para
o leitor, gera dificuldades que, com o tempo, podem ser superadas. Este foi o
nosso objetivo com esta unidade, e esperamos que os subsídios oportunizados
sejam suficientes para que as leituras dos textos possam ser mais claras. Contudo
não há consenso quanto aos usos dos exemplos, muitos pensadores fazem uso
frequente deles e acreditam que não tiram dos seres humanos a autonomia do
pensamento e da criação de novos conceitos originais.

FILOSOFIA COMO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS


135

1. Todo problema tem pontos singulares que revelam as suas condições, enquanto
manifestação, para aqueles que foram tocados por ele. Estes pontos são as con-
dições que podem constituir e determinar o problema e, de uma forma ou de
outra, adisto, analise as afirmativas a seguir:
I. O problema se impõe a nós como se fosse um acontecimento imprevisível e
possui uma singularidade composta por agrupamentos de outras singulari-
dades e sem um fio condutor para guiar.
II. É possível resolver e compreender desde o início o problema, por isso, é um
desafio enfrentá-lo como um acontecimento entre os outros que acontecem
todos os dias para as pessoas comuns que não se ocupam com a filosofia.
III. O acontecimento por si mesmo é problemático e problematizante. Um pro-
blema não é determinado por seus pontos singulares que exprimem suas
condições.
IV. Parece que um problema tem sempre a solução que merece, segundo as con-
dições que o determinam enquanto problema.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I, II e IV estão corretas.
d) Todas as afirmativas estão corretas.
e) Nenhuma das afirmativas anteriores está correta.
2. O problema fundamental, a tese ou solução, os argumentos e as fundamenta-
ções podem ganhar, ou não, um reforço solicitado por muitos alunos numa sala
de aula, o exemplo. Os exemplos são importantes e estão dentro dos chamados
fenômenos referenciais. Diante disto, marque a alternativa correta sobre a im-
portância do exemplo:
a) Cabe àqueles que produziram as argumentações e os fundamentos filosófi-
cos procurar ser o mais claro possível na sua descrição e explicação, para que
os pedidos de ilustração não sejam minimizados o máximo possível.
b) O denotado é o exemplo, o paradigma, o modelo, a ilustração, o padrão, a ma-
triz, a norma que não está ligada aos conceitos, que, por sua vez, não conecta,
não nomeia os objetos concretos no mundo vivido. Pensar sobre as referências
é complexo, devido à multiplicidade de aspectos para construir o sentido.
c) Os exemplos desempenham uma função didática, ontológica e de validação
nos textos filosóficos. A função didática é fazer com que o pensador seja en-
tendido pelo leitor, fazer-se claro é a razão de ser dela. É uma função não muito
importante porque o texto ganha modificações sob o olhar inicial do leitor.
d) No entendimento de Kant, a única utilidade dos exemplos é afiar a faculda-
de de julgar, quanto à aquisição do conhecimento é enfraquecida. O uso dos
exemplos, com frequência, cria um mau hábito de usar como fórmulas, e não
como princípio.
136

e) Outros pensadores acreditam que é desnecessário se preocupar com os


exemplos ou casos particulares visto que, nas próprias proposições ou nos
conceitos, já está contemplado o mundo vivido. Cabe ao leitor fazer as cone-
xões necessárias das proposições universais para os casos particulares. Com
isto, a leitura dos textos filosóficos não fica, aparentemente, difíceis, e a sua
compreensão comprometida.
3. O problema é tão importante quanto a tese, ambos estão dentro da esfera da
criatividade. Daí a importância deles dentro da atividade filosófica, pois a cor-
relação é intrínseca, ou seja, um faz parte da natureza do outro. Diante disso,
analise as afirmativas:
I. Tanto o problema quanto a tese foram conduzidos pela história da filosofia
até o presente momento e são postos para serem pensados e construídos,
conceitualmente, pelo filósofo.
II. O legado histórico sempre é percebido facilmente, sem nenhum problema
tanto pelo filósofo quanto pelo leitor que está acompanhando o percurso
realizado. Quando o filósofo tem ciência de que está respondendo a um pro-
blema dentro da história da filosofia ou de outra área em específico, julga
desnecessário ter que explicitá-lo de forma pedagógica, tornando a compre-
ensão um pouco mais complicada, contudo sempre deixará as pistas para que
o leitor possa identificá-lo.
III. Ademais, é impossível abordar um problema fixado com clareza e uma tese
correlacionada sem deixar nenhum vestígio.
Assinale a única alternativa correta:
a) F, V e V.
b) V, V e V.
c) F, V e F.
d) V, F e V.
e) F, F e F.
4. O problema fundamental é aquele incômodo que perturba o pensador, que não
lhe permite descansar e o impulsiona a criar conceitos para responder ou buscar
solucioná-lo de forma clara e convincente. Deleuze, em seu livro, O que é filoso-
fia? afirma que filosofia é a fabricação de conceitos. Analise as afirmativas:
I. É simples: a filosofia também é uma disciplina criadora tão inventiva quanto
qualquer outra disciplina, e ela consiste em criar ou bem inventar conceitos.
E os conceitos não existem desde já feitos, numa espécie de céu em que eles
esperassem que um filósofo os agarrasse. É necessário fabricar os conceitos.
II. Certamente, não se os fabrica assim, do nada. Não se diz, um dia: “bem, vou
inventar tal conceito”, como um pintor não diz um dia: “bem, vou fazer um
quadro assim”, ou um cineasta “bem, vou fazer tal filme”! É desnecessário que
se tenha uma necessidade, em filosofia ou nos outros casos.
137

III. Um criador não faz nada além daquilo que absolutamente necessita. Resta
que esta necessidade – que é uma coisa bastante complexa, se ela existe –
faça com que um filósofo (aqui, pelo menos eu sei do que ele se ocupa) pro-
ponha-se a inventar, a criar os conceitos e não se ocupar em refletir, ainda que
seja sobre o cinema.
IV. Todo conceito criado está relacionado diretamente a um problema, sem os
quais jamais surgiriam. Portanto, a base da compreensão de uma filosofia está
no problema fundamental para depois compreender os conceitos, as catego-
rias utilizadas no sistema filosófico elaborado.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas I, III e IV estão corretas.
c) Apenas I, II e IV estão corretas.
d) Todas as afirmativas estão corretas.
e) Nenhuma das afirmativas anteriores está correta.
5. Toda tese necessita de argumentação precisa e com inferências (deduções) de va-
lores de verdade para que lhe dê o suporte necessário, e o leitor perceba que está
diante de algo bem fundamentado. Diante disso, assinale a alternativa correta:
a) Não há diversos modos de fundamentar uma tese, mas destacamos aque-
les que buscam a radicalidade, que vão às raízes, às causas do problema fun-
damental. A forma de demonstrar esta radicalidade está na explicitação, em
clarificar os termos e as categorias utilizados, desde a análise linguística ou
semântica até os aspectos filológicos empregados para construir os novos
conceitos ou a terminologia.
b) Ser radical não é proceder como a raiz de uma árvore que penetra o solo para
se fixar à terra e não abandona suas ramificações, pois estas são parte e com-
plemento daquela.
c) O filósofo, sociólogo e economista Karl Marx (1818-1883) ajuda-nos a enten-
der melhor a questão da radicalidade ao estabelecer relações entre a teoria e
o ser radical, rigoroso. A teoria é capaz de prender os homens desde que de-
monstre sua verdade face ao homem, desde que se torne radical. Ser radical
é atacar o problema em suas raízes. Para o homem, porém, a raiz é o próprio
homem.
d) O processo de fundamentação das teses sempre segue um raciocínio ou linha
de pensamento linear e fácil para um iniciante fazer uma reconstituição das
bases utilizadas.
e) Às vezes, as formas dos argumentos não são extremamente refinadas nem ri-
gorosas, e não são usadas de derivações de consequências pouco perceptível
num primeiro momento.
138

O problema do Método em Filosofia


A dificuldade de estabelecer um método para a Filosofia que tenha a eficácia de resolu-
ção de problemas que tem o método praticado pelas ciências se deve a que a comuni-
dade filosófica não é unânime em relação ao sucesso da resolução dos problemas filo-
sóficos, ao contrário do que ocorre na comunidade científica. Componentes subjetivos e
componentes objetivos do método em Filosofia e peculiaridades do método filosófico.
Aspectos subjetivos do método filosófico:
O filósofo (e também psicólogo) William James (1842-1910), americano, fundador do
pragmatismo, afirma que a história da filosofia é, numa grande medida, a história de um
conflito de temperamentos humanos. Ora, o temperamento não é reconhecido como
uma razão, a qual tem de ser relativamente impessoal, para poder sustentar adequa-
damente as conclusões. O temperamento do filósofo é algo muito pessoal, e segundo
James atua muito mais fortemente do que as premissas apresentadas como mais obje-
tivas e impessoais.
Componentes objetivos:
[...] a filosofia deve ser fruto de um intelecto comprometido com procedimentos que
não dependam da subjetividade de cada um. Uma concepção deste último tipo é defen-
dida, por exemplo, por Bertrand Russell (1872-1970). O método é problema em filosofia
para o metódico. Uma vista rápida sobre a história da filosofia mostra que o método não
é questão essencial para o filósofo. De fato, a filosofia não deve se prender ao método,
nem o discurso filosófico à busca de problemas. Então, a vista rápida pela história da
filosofia mostra que há muitas filosofias e todas são filosofia. E é isso mesmo que todas
as filosofias têm em comum, talvez, como diz Aristóteles, um dos que estão na raiz da
questão, seja a ansiedade, essa perplexidade, já apontada, a curiosidade, afeitas à alma
humana, ao espírito humano, à inventividade humana, o ócio, o tédio. Não há uma fina-
lidade científica metódica no trabalho filosófico, senão não é filosofia, embora não haja
ciência sem filosofia, mas a filosofia é distinta da ciência na forma e no conteúdo, com
ela não se confunde, nem se rebaixa, vez que pode a ciência estar presa a muitas razões
e algumas filosofias também, mas nunca a filosofia [...].
Fonte: Professor Mac (2011, on-line)².
MATERIAL COMPLEMENTAR

A Filosofia a partir de seus problemas


Mario Ariel González Porta
Editora: Loyola
Sinopse: a filosofia tem fama de difícil, obscura e, inclusive, arbitrária. Mas
grande parte das dificuldades usuais para sua compreensão deve-se ao não
entendimento do ´problema´ do qual a filosofia trata. Neste livro, Mario Ariel
González Porta oferece uma opção didática e metodológica para o estudo
filosófico com base no seguinte princípio: a compreensão do problema
deve constituir o núcleo essencial, o eixo, do ensino da filosofia. Este é
um livro básico, mas não uma introdução, porque pressupõe um contato
prévio com a filosofia. O que aqui se propõe é uma perspectiva de acesso à
filosofia, centrada em explicitar como podem ser melhorados o estudo e o
ensino dessa disciplina, com base na experiência de sala e na dedicação do
autor à compreensão da filosofia, empenho de uma vida. Aqui também se
publica o já muito divulgado artigo: ´Uma aula sobre Kant´.

Material Complementar
140
REFERÊNCIAS

COSSUTTA, F. Elementos para a leitura dos textos filosóficos. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
DELEUZE, G. Lógica do sentido, 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1998.
______. Diferença e repetição. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006a.
______. Dois regimes de loucos: textos e entrevistas (1975-1995). São Paulo: 7766t
Editora 34, 2016.
ESPINOSA, B. Pensamentos metafísicos. Tratado da correção do intelecto; Ética;
Tratado político; Correspondência. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
KANT, I. Crítica da razão pura. Lisboa: Edição Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
KARAM, R.; PIETROCOLA, M. Habilidades Técnicas Versus Habilidades Estruturantes:
Resolução de Problemas e o Papel da Matemática como Estruturante do Pensamen-
to Físico. ALEXANDRIA Revista de Educação em Ciência e Tecnologia, São Paulo,
v. 2, n. 2, p.181-205, jul. 2009. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.
php/3489405/mod_resource/content/1 /art_Karam.pdf . Acesso em: 10 maio 2019.
KIERKEGAARD, S. O conceito de angústia: um simples relato psicológico-demons-
trativa direcionada ao problema dogmático do pecado hereditário. Petrópolis: Vo-
zes, 2017.
MARX, K. Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Editora
Moraes, 1991.
PORTA, M. A. G. A filosofia a partir dos seus problemas. São Paulo: Edições Loyola,
2004.

REFERÊNCIA ON-LINE

¹ Em: http://oblogderedacao.blogspot.com/2012/10/tema-x-tese.html. Acesso em


10 maio 2019.
² Em: https://professormac.blogspot.com/2011/10/o-problema-do-metodo-em-fi-
losofia.html . Acesso em: 10 maio 2019.
Professor Dr. Edson Barbosa da Silva

IV
UNIDADE
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA

Objetivos de Aprendizagem
■ Demonstrar o porquê da dissertação ser exercício filosófico por
natureza.
■ Identificar, nos textos filosóficos, os problemas fundamentais e suas
teses.
■ Explicar as causas da falta de exemplos ou ilustrações em muitas
doutrinas ou sistemas filosóficos.
■ Explicitar a importância dos argumentos e fundamentos para uma
filosofia rigorosa.
■ Demonstrar as especificidades do problema filosófico numa
dissertação filosófica.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Exercício da Dissertação Filosófica
■ Complexidade do Exercício de Dissertar
■ Imposições do Tema numa Dissertação
■ Definições para Dissertar
■ Dissertação Filosófica e sua Especificidade
143

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), bem-vindo (a) à Unidade IV do livro, na qual apresentamos


os elementos necessários para compreender a dissertação filosófica. A disser-
tação é entendida como um exercício do pensar e da escrita, que possui regras
próprias da língua corrente e do filosofar que se pode aprender.
No primeiro e segundo momento, veremos que a dissertação é um exercí-
cio acadêmico que será, necessariamente, realizado quer seja com uma certa
frequência, quer seja de forma esporádica, quer no final do curso como o TCC
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

(Trabalho de Conclusão de Curso) ou um artigo científico a ser submetido à


avaliação pelas revistas especializadas. Fazem parte da atividade filosófica em
forma de dissertação os ensaios, as teses, as comunicações, os livros, as tradu-
ções e os artigos científicos entre outros. Uma dissertação filosófica não possui
uma receita pronta a ser seguida evidenciada. Querer encontrar ou tentar apre-
sentar revela, de certa forma, uma ingenuidade com o pensamento filosófico.
Em seguida, veremos que a dissertação filosófica toma por empréstimo um
tema da cultura filosófica, ou seja, da história da própria filosofia. Os questiona-
mentos gerados do problema fundamental vem da realidade vivida. O tema deve
ser sempre delimitado, preciso, organizado de forma rigorosa em que a razão seja
visível na dialética do pensamento, girando em torno de um problema filosófico.
Para enfrentar um tema, temos que mobilizar toda a filosofia, e a experi-
ência mostra que podemos tratá-lo de algumas maneiras, como um conceito,
vários conceitos, um questionamento, uma referência. Contudo devemos tomar
alguns cuidados porque as definições dadas pelos dicionários, geralmente, são
genéricas, e não se adaptam ao tema particular em sua presença. Por fim, fala-
remos sobre o perguntar. Uma pergunta bem elaborada faz com que o caminho
seja seguro e firme. Uma conferência de Heidegger será utilizada como referên-
cia para melhor compreendermos o tema.

Introdução
144 UNIDADE IV

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EXERCÍCIO DA DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA

A dissertação filosófica é considerada, por muitos, como exercício difícil, por razões
da natureza da filosofia. A primeira dificuldade aparece pelo simples fato de ser ativi-
dade racional. O raciocínio é uma atividade que parte do sabido para o não sabido,
do conhecido para o não conhecido. Portanto, a dissertação filosófica apresenta
alguma novidade diante das coisas conhecidas, daí a diferença da dissertação filosó-
fica de outras áreas do conhecimento, classificadas como ciências humanas. Vejamos
como entende Claudinei Chitolina, em seu livro Para ler e escrever textos filosóficos:
Diferentemente do projeto de pesquisa (que é elaborado sem compre-
ensão aprofundada do objeto a ser investigado), a elaboração de um
plano redacional (do sumário) requer uma compreensão prévia do
objeto a ser investigado. Embora necessário, o plano redacional tem,
entretanto, um caráter provisório (serve de guia ou de diretriz), pode
sofrer mudanças ou alterações no decorrer da investigação. É sua fun-
ção descrever a estrutura redacional do texto – uma ordem a seguir. A
dissertação filosófica não é um exercício aleatório de pensamento, mas
um trabalho orientado por um objetivo – visa propor, sustentar ou de-
fender uma tese. É o plano redacional, isto é, a ação estratégica que per-
mite conduzir o pensamento de forma ordenada e progressiva. Traçar
um plano significa possuir, de antemão, conhecimento do problema, de
seus pressupostos (conceitos/argumentos) e implicações. Ou seja, antes

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
145

pôr-se a escrever, é necessário traçar um percurso que permite saber de


onde partir e para aonde ir (CHITOLINA, 2015, p. 132).

O plano redacional pode ser feito com a ajuda de um orientador que, via de regra,
tem conhecimento sobre o tema em questão e experiência em dissertações anterio-
res, possuindo compreensão aprofundada sobre o assunto para, juntos, construir um
trajeto a ser percorrido durante a dissertação. O orientador será a primeira pessoa a
corrigir a dissertação e pode propor os ajustes necessários para que a avaliação, que é
um outro passo na parte técnica e na parte filosófica, possa ocorrer de forma normal.
A dissertação é um exercício de escrita com regras próprias, que se aprende
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

a seguir. Tudo nela deve ser inteligível, compreendido claramente, como um


exercício filosófico por excelência. Muitas pessoas classificam a dissertação
filosófica como muito difícil para o estudante ou iniciante, pois, nos textos filo-
sóficos, deparam-se com a racionalidade exigida por aqueles que vão corrigi-la.
Às vezes, o curso de filosofia é visto como algo estimulante, instigante e animado,
mas quanto à dissertação, alguns alunos de filosofia começam a perceber que as
exigências filosóficas da escrita desanima-os.
Basta considerar um maço de trabalhos de aula para perceber isso:
ideias, exemplos, referências apresentadas em desordem, frases sol-
tas inacabadas, derrapagens diversas, leituras errônea ou mutilada do
tema, lacunas inquietantes na cultura (filosófica, em particular), pouco
domínio de manipulação dos conceitos, ausência total de problemati-
zação, ignorância da língua corrente e, obviamente, da língua técnica,
etc. Isso os estudantes sabem, e os que não sabem têm o direito de sa-
ber. Desde o final do secundário, eles já conhecem, de qualquer modo,
essa desoladora experiência (notas baixas, pouco progresso e a impres-
são de que os professores são às vezes, severo demais). Resultado: de-
cepção, cansaço, incompreensão (FOLSCHEID, 2002, p. 158).

Os vários pressupostos da língua corrente e suas estruturas entre outros para uma
dissertação filosófica, e que muitos alunos(as) não têm, desencorajam alguns e os
leva a fazerem, erroneamente, comparações com outros problemas de conhecimento,
como a Matemática, a Física entre outras. As dificuldades encontradas pelos alu-
nos devem ser superadas com o próprio exercício da dissertação, que é o exercício
por excelência para o pensar, o criar conceitos no interior de um discurso racio-
nal em torno de uma problemática para solucionar um problema com uma tese.

Exercício da Dissertação Filosófica


146 UNIDADE IV

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA SEM MODELOS

Ao pensar sobre a dissertação filosófica, a primeira coisa que vem à mente de


uma pessoa que inicia é procurar um modelo como espelho ou referência para
se ter uma direção. Este tipo de dissertação tem as suas especificidades e, difi-
cilmente, encontraremos um modelo em si, em que os trabalhos dos estudantes
poderiam ser corrigidos pelos professores ou orientadores. Com isto, não há
uma resposta única para as dissertações, e sim múltiplas respostas possíveis.
Então, a princípio, todas estariam corretas? De certa forma sim, desde que siga

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algumas exigências, como fixação de problema, tese, argumentos e fundamen-
tações, entre outros. Pode-se dar a nota máxima, contudo, tendo por referência
o negativo, sempre o avaliador encontrará alguns elementos ou aspectos a serem
melhorados visto que não há dissertação perfeita.
A dissertação é um exercício acadêmico que será, necessariamente, realizado
ou com certa frequência, ou de forma esporádica ou no final do curso, como o
TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) ou um artigo científico a ser subme-
tido à avaliação pelas revistas especializadas. Faz parte da atividade filosófica em
forma de dissertação os ensaios, as teses, as comunicações, os livros, as tradu-
ções e os artigos científicos entre outros. Todas estas atividades filosóficas são
produções intelectuais fechadas, conceitualmente completas e acabadas em si,
mesmo sendo finalizadas deixam as questões em aberto para serem desdobra-
das pelas reflexões dos seus leitores ou avaliadores técnicos.

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
147

Na busca por um padrão de dissertação, há uma tentativa de construí-lo


como se fosse um objeto técnico que, aqui, deve ser entendido como algo objetivo
que segue determinadas regras, determinados métodos, conforme menciona-
mos anteriormente. O técnico também pode ser entendido no sentido de grego,
techné, como “modo” ou “jeito de fazer” algo, ou seja, um conjunto de recomen-
dações para fazer uma dissertação, e não precisamente tenha um método a seguir.
A natureza do método filosófico só poderá ser esclarecida se examinar-
mos criticamente as propriedades fundamentais da linguagem e dos
juízos sintéticos ou analíticos. O método especulativo não resulta de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

algumas regras fundamentais (“Regulae ad directionem ingenii”, se-


gundo a receita cartesiana), nem alguns princípios ou diretrizes que
informem o desenvolvimento do raciocínio e do inquérito filosófico. O
método, em última análise, é a própria filosofia que se reduz ao “proces-
sus” da busca e da investigação reflexiva. Se examinarmos a obra de um
Descartes ou de um Kant, será difícil verificar que nenhum desses filó-
sofos seguiu, na exposição de suas ideias, as normas por eles mesmos
traçadas como princípios reguladores de todo pensamento que procura
atingir um fim previamente definido. A maioria dos pensadores se jul-
ga dispensada de manter-se fiel a uma técnica que lhes parecia o único
meio de atingir o objetivo proposto pela reflexão desinteressada. Essa
infidelidade ao método parte dos seus criadores mais entusiastas cons-
titui capítulo muito sugestivo de história da filosofia (CANNABRAVA,
1956, p. 33).

A filosofia não segue um método visto que ela própria constitui o método como
processo filosófico, ou o pensador faz com que o método não seja visível. O
pensador pode, arquitetonicamente, esconder o método utilizado, conforme
descrevemos na unidade dois deste livro em relação aos sujeitos nos textos filo-
sóficos. Visto não ser possível chegar a um ponto sem seguir nenhum caminho,
método é, entre outros significados, um caminho, um meio para se chegar a um
objetivo previamente determinado. Portanto, há um método sempre, só não
percebemos no primeiro momento. Contudo não deixa de ser verdade que a
filosofia use o “processo” reflexivo como o seu caminho, o seu próprio método.
Além disto, não deixa de ser verdade, também, que o modus operandi de um
pensador, a sua estrutura textual permanece a mesma em outros escritos, como
livros, cartas, ensaios entre outros.

Exercício da Dissertação Filosófica


148 UNIDADE IV

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ASPECTOS PEDAGÓGICOS DA DISSERTAÇÃO

A dissertação filosófica atende, necessariamente, a um plano redacional quer


seja explícito demonstrado num sumário, quer seja “escondido” por meio da
engenhosidade intelectual do seu autor. Contudo o iniciante na produção da
dissertação deve ter em mente que esta produção deve passar pelos seguintes
processos: redação, avaliação e correção. Ela constitui uma atividade pedagó-
gica que pertence à formação educativa do estudante ou filósofo iniciante na
ocupação com a filosofia.
O exercício pedagógico de dissertar sobre um tema em específico de filoso-
fia, que deve ser demonstrado por meio da redação é inseparável de outros dois
momentos, a avaliação e a correção. A avaliação está dentro de um sistema peda-
gógico determinado em que os parâmetros devem ser seguidos como parte de
um todo, determinado, geralmente, nas reuniões pedagógicas dos cursos e, como
a redação, seguiu as regras de introdução, desenvolvimento e conclusão entre
outras. Não se pode introduzir um tema sem problematização e delimitação do
assunto a ser dissertado. O desenvolvimento deve aparecer em toda a argumen-
tação e fundamentação do problema e da tese do qual disserta. A conclusão é o
momento do apontar as alternativas ou os resultados das atividades anteriores.

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
149

A avaliação da dissertação filosófica está contemplada no sistema peda-


gógico do curso, que estabelece os parâmetros da avaliação definidos no PPC
(Projeto Pedagógico de Curso). Isto garante que as avaliações sejam realizadas
com referenciais objetivos sujeitos à análise e verificação com conceitos claros e
definidos, para que a avaliação seja justa, correta e pedagógica. Por fim, as corre-
ções permitem a confrontação de um texto com outro, possibilitando um melhor
desenvolvimento do tema, da problemática da dissertação. As correções são fun-
damentais, pois recebem as contribuições da experiência teórica filosófica do
professor ou orientador para o enriquecimento da dissertação. Se uma disserta-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ção não for corrigida, não pode ser chamada de dissertação filosófica, é só um
caminho de ida sem volta e que pode se perder nas areias de um deserto informe.
Passando por estes três momentos fundamentais, o exercício pedagógico da
dissertação passa a ter melhor compreensão tanto para o orientando quanto para
os leitores. Por isso, os professores e orientadores insistem para que seus orien-
tandos ou alunos sigam algumas regras da língua corrente, tenham um plano de
redação e procure determinar os métodos ou o método que usará na dissertação,
para ser compreensível e cumpri os seus objetivos pedagógicos. Com isto, a dis-
sertação filosófica faz com que o aluno seja transformado em autor.
A dissertação, no entanto, realizada pelo aluno, não pode transformá-lo em
um autor original de início, dispondo de autonomia que se conquista, como
em muitos exercícios de escrita, para se tornar uma autoridade no assunto. A
sua dissertação deve ser objeto de comentários, como referência e análise crí-
tica. No entanto a realização de tal exercício já demonstra que o estudante ou
iniciante já se insere como sujeito de uma reflexão filosófica e que demonstra
senso e inteligibilidade que deva ser considerado com as devidas ressalvas. A
dissertação demonstra que o estudante é uma pessoa que faz uso de sua razão
na escrita filosófica, seguindo um plano e com regras claras, sujeitas à avaliação
de seu emprego por terceiros. A redação filosófica consolida, de forma incon-
testável, a formação teórica educacional do estudante.

Exercício da Dissertação Filosófica


150 UNIDADE IV

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
COMPLEXIDADE DO EXERCÍCIO DE DISSERTAR

O processo da escrita na língua corrente não é uma aquisição fácil, principal-


mente, quando se trata da linguagem filosófica. A dissertação filosófica não
possui uma receita pronta a ser seguida, ademais, é importante lembrar que o
pensamento é um exercício, assim como acontece com outras atividades físicas
desenvolvidas pelo ser humano. Neste momento, trataremos exatamente desta
atividade, este exercício sobre a dissertação filosófica tão caro para a filosofia.

ENTRE O FILOSÓFICO E O PEDAGÓGICO

O exercício da dissertação filosófica envolve os aspectos pedagógicos, o pen-


samento e a escrita, a adequação das regras da língua corrente, a organização
didática da mesma entre outros aspectos. Parece, em um primeiro momento, se
tratar de um gênero misto, mas a dissertação filosófica é filosófica, não se pode
reduzir a um exercício pedagógico simplesmente, ainda que ela seja objetiva-
mente uma. Para tanto, devemos fazer a distinção entre dissertação filosófica
de dissertação de filosofia. A dissertação de filosofia é discorrer, expor, relatar
sobre a filosofia sem ater-se a um problema fundamental, à tese ou resolução, os

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
151

confrontos entre os argumentos e a fundamentação entre outros aspectos. Já a dis-


sertação filosófica apresenta exigência mais profunda de busca pela unidade entre
os aspectos da forma e do conteúdo, entre o problema e a tese, harmonia e coe-
são dos elementos conceituais e a busca pela originalidade da reflexão realizada.
A dissertação filosófica não possui uma receita pronta a ser seguida, e que-
rer encontrá-la ou tentar apresentar revela, de certa forma, uma ingenuidade
com o pensamento filosófico. Os estudantes ou iniciantes na ocupação filosó-
fica devem concentrar seus pensamentos em construir um caminho próprio,
mesmo diante de algumas pistas, como fez o filósofo e matemático Descartes,
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no século XVII, em seu livro o Discurso do Método, ao apresentar as regras para


bem da razão. Vejamos:
O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que
eu não conhecesse como evidentemente como tal […]. O segundo, o de
dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas
quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las.
O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando
pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco
a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos
e supondo mesmo uma ordem entre os que não procede naturalmente
uns aos outros. E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão
completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir
(DESCARTES, 1979, p. 38).

Para seguir as regras sem ingenuidade, faz-se necessário perceber as suas nuances
na aplicação das mesmas, caso contrário, elas não serão aplicáveis, ou cometem
erros que podem comprometer o texto. Visto que regras não valem em si mes-
mas, elas devem ser analisadas com cuidado para a sua efetividade na situação
concreta. As regras cartesianas são amplamente seguidas nas pesquisas, são con-
sagradas no decorrer das atividades de pesquisas durantes séculos, mesmo assim,
devem ser vistas com cuidado para que se atinja o objetivo proposto. Descartes
revelou as suas regras depois da pesquisa realizada, como forma de demonstrar
o caminho realizado. Portanto, fez uso das suas regras, e é claro que para identi-
ficá-las necessita de um aprofundamento em seu pensamento para perceber os
detalhes na sua efetividade.
Merece, aqui, um destaque especial as segunda, terceira e quarta regras, prin-
cipalmente para o aspecto didático e a clareza ao explicá-las. A segunda regra, da

Complexidade do Exercício de Dissertar


152 UNIDADE IV

análise, indica como superar a dificuldades diante de um problema e realmente


funciona enquanto procedimento. A segunda regra, da síntese, é fundamental no
momento da dissertação filosófica, visto que na escrita há necessidade ter sinte-
tizado as leituras e fichamentos pertinentes ao problema fundamental e ao tema.
Por fim, a última regra, da enumeração, ajuda muito os pesquisadores na sua
organização, classificação, revisão e complementação das informações pesqui-
sadas. A enumeração faz-se necessária em todos os momentos de uma pesquisa,
quer seja em um laboratório, quer seja em obras filosóficas.

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DA LÍNGUA CORRENTE PARA A DISSERTAÇÃO

O processo da escrita na língua corrente não é uma aquisição fácil, quanto mais
se tratando da linguagem filosófica. Antes de mais nada, é importante lembrar
que o pensamento é um exercício e, assim como acontece com outras ativida-
des físicas desenvolvidas pelo ser humano, por exemplo, só aprendemos nadar
na água, exercitando-nos. O mesmo acontece com a escrita filosófica para que a
dissertação apresente resultado, ou seja, ela será resultado de um treinamento.
Na dedicação a esta atividade de aprendizagem, deve-se deixar de lado a pre-
guiça, a falta de esforço organizado e o desânimo, ou seja, só ocorrerá com muita
dedicação e insistência.
É importante saber que as dificuldades da escrita
começam a ser superadas, ao mesmo tempo, com as
da língua corrente e filosófica. Com o exercício do pen-
samento, ao dissertar vão-se aplainando as dúvidas,
contornando os obstáculos de concordância verbal e
nominal, pronomes e advérbios, sintaxe entre outros
aspectos. De outro lado, as terminologias da filo-
sofia vão, aos poucos, incorporando-se, fazendo
parte de um domínio conceitual e abstrato
maior nos usos diversos do dia a dia do
filosofar. O pensar e o escrever começam
a entrar no objetivo pessoal do estudante

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
153

ou iniciante na dissertação filosófica de fazer da melhor maneira possível. Aos


poucos, o estudante percebe os defeitos na escrita, aprende pouco a pouco a corri-
gi-los ou contorná-los, superá-los, como acontece nas outras atividades humanas.
Os maiores obstáculos da dissertação filosófica encontram-se na língua
corrente. Já o domínio da linguagem técnica da filosofia é superado com mais
velocidade se a língua corrente começa a fazer parte integrante do dia a dia do
estudante de filosofia. O sofrimento maior não está no domínio da linguagem
filosófica, e sim na língua corrente. Há, na história do pensamento, uma infi-
nidade de filósofos que foram excepcionais escritores, por exemplo, o Padre
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Antônio Vieira (1608-1697), considerado por Fernando Pessoa, o príncipe da


Língua Portuguesa. Jean-Paul Sartre (1905-1980), que recusou o prêmio Nobel
de literatura, em 1964, mandando sua cachorra recebê-lo. A preocupação em
superar os problemas da língua corrente é fundamental para uma boa disserta-
ção filosófica. E o escrever bem começa a ser uma consequência do exercício de
dissertar, como Vieira e Sartre.

DISSERTAÇÃO FALA POR SI MESMA

Muitos estudantes ou iniciantes no discurso filosófico passam por uma dolorosa


dificuldade, julgam que sabem, querem dizer aquilo que não sabem claramente
e, é óbvio, não conseguem falar nem escrever sobre o assunto. A falta de conhe-
cimento associado à falta de domínio da língua corrente indica um caminho a
avançar. Não há justificativa para separar as duas dificuldades, o domínio da lín-
gua e a falta de conhecimento.
Na história da filosofia, em alguns momentos, privilegiou-se a retórica.
Para o uso da retórica, era necessário dissertar sobre o assunto, ter uma tese
a ser defendida, preparar e decorar os argumentos para só depois convencer
o oponente e os ouvintes. Neste processo todo, muitas dissertações ficavam
muito boas, a escrita era o foco em muitos casos, a justificativa era a sustenta-
ção oral e o convencimento. Evidentemente que alguns se destacavam, como
Padre Antônio Vieira, professor de retórica na Bahia, no século XVII, e o maior
orador do seu tempo.

Complexidade do Exercício de Dissertar


154 UNIDADE IV

Em outros momentos, houve inversões, ou simplesmente a moda passou a


ser outra, a retórica ficou de lado e o foco era o esforço pessoal. A dissertação
podia ser ilegível e, de certa forma, incoerente, mesmo assim era aceitável, o
espontaneísmo era valorizado nos meios acadêmicos. Toda dissertação deveria
ser valorizada por princípio, era resultado de um esforço pessoal, o subjetivismo
em exprimir-se, pessoalmente, as boas intenções em enfrentar um problema
eram aceitas sem grandes dificuldades, o rigor com pensar crítico e o domínio
da língua corrente foram deixados de lado em muitas situações.
Para que uma dissertação seja considera bem construída, faz-se necessário

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
que seja bem escrita, com o domínio da língua para dar o suporte ao pensa-
mento, saber o que as palavras significam, compreender e usar o sentido de certas
expressões consagradas na filosofia entre outros elementos. O pensar na filoso-
fia sempre buscou uma perfeição de unidade possível dentro da língua corrente.
Portanto, a língua e o pensamento sempre possuíram relação íntima e profunda-
mente dependente uma da outra, ao ponto de uma não conseguir existir na sua
plenitude sem a outra, e, juntas, podem exprimir claramente uma ideia ou um
pensamento por mais agudo e perspicaz que se possa imaginar.
Na dissertação filosófica, o esforço para exteriorizar um pensamento que só é
possível por meio da linguagem, com o uso de termos técnicos precisos, ou seja, a
linguagem e o pensamento devem sempre estar alinhados como duas engrenagens
ligadas e funcionando, simultaneamente, mas são dependentes. Estas engrena-
gens devem estar sempre sob atenção e supervisão, pois é um texto escrito que
tem por objeto expor uma problemática, uma tese como solução, os argumen-
tos e fundamentos, todos em condições de serem inteligíveis e compreensíveis
para os avaliadores, no caso os professores ou orientadores e os seus leitores.
O texto escrito deve ter autonomia, suficiência (argumentos e fundamentos)
para falar por si mesmo, com sentido bem definido, com objetivos claros. Como
bem lembrou Platão, no século IV a. C., no seu livro Fedro, 276a.

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
155

Mais: uma vez escrito, um discurso chega a toda a parte, tanto aos que
o entendem como aos que não podem compreendê-lo e, assim, nunca
se chega a saber a quem serve e a quem não serve. Quando é menos
acabado, ou justamente censurado, tem sempre necessidade da ajuda
do seu autor, pois não é capaz de se defender nem de se proteger a si
mesmo. […] Refiro-me ao discurso conscienciosamente escrito, com
a sabedoria da alma, ao discurso capaz de se defender a si mesmo, e
que sabe quando convém ficar calado e quando convém intervir. Fe-
dro – Por acaso estás a referir ao discurso vivo e animado do sábio, do
qual todo o discurso poderia ser tomado como um simples simulacro?
Sócrates – Exatamente a esse! (PLATÃO, 2000, p. 123).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Além do texto, deve se defender, apresentar-se e responder sozinho às questões


e às críticas dos seus leitores, na ausência do seu criador. O criador deve calar-se
quando for interrogado para que o seu texto possa responder aos questionamen-
tos. A autonomia da dissertação, do texto deve sempre estar na intenção do seu
autor, desde o seu início, ainda como plano redacional até a versão final.

As características obrigatórias da redação dissertativa são: (1) expor uma


ideia, um problema ou um questionamento, no qual se desenvolve um ra-
ciocínio com base em argumentos que levarão à conclusão; (2) o estudante
deve ser capaz de expor argumentos válidos para fundamentar suas afir-
mações, evitando clichês e generalizações; (3) a intenção é convencer o lei-
tor a respeito da opinião defendida no texto – a conclusão não precisa dar
solução definitiva para a questão, até porque os temas, muitas vezes, são
tão complexos que não permitem isso; (4) o texto deve ser construído com
linguagem culta, com clareza e objetividade. Espera-se um texto impessoal,
mas não é proibido usar a primeira pessoa (eu ou nós).
Fonte: adaptado de Guia do Estudante (2012, on-line)¹.

Complexidade do Exercício de Dissertar


156 UNIDADE IV

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
IMPOSIÇÕES DO TEMA NUMA DISSERTAÇÃO

Em uma dissertação, o que primeiro salta aos olhos do leitor é o tema. Ele impõe
exigências próprias, vontades e razões numa ordem lógica interna para que as inter-
rogações, as problematizações sejam seguidas naquela direção. Isto significa que se
deve respeitar o tema na dissertação e se colocar a seu serviço nos enunciados. Jamais
podemos violentá-lo, ou seja, desviar, sair daquilo que está proposto, do que está é
solicitado. Neste momento, daremos um destaque especial a toda essa problemá-
tica para que possamos compreender o alcance filosófico de uma boa dissertação.

TEMA EMPRESTADO PARA SER SUJEITO

A dissertação filosófica toma por empréstimo um tema da cultura filosófica, ou


seja, da história da própria filosofia. Os questionamentos gerados pelo problema
fundamental vêm da realidade vivida. O tema deve ser sempre delimitado, preciso,
organizado de forma rigorosa em que a razão seja visível na dialética do pensamento
enquanto tal, girando em torno de um problema filosófico. O problema filosófico
deve ser resultado dos questionamentos traduzidos e a partir de uma proposição
sobre o tema retirado da filosofia. O tema é o objeto em questão, colocado diante de
um sujeito para que seja submetido ao exercício do pensar. Contudo, não é possível
você fazer dele o que quiser, há procedimentos a serem cuidadosamente seguidos.

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
157

[…] O pensamento filosófico se desenvolve em confronto com a história


da própria filosofia. A interrogação filosófica volta-se não só sobre a reali-
dade presente, mas sobre o passado da filosofia, a história do próprio pen-
samento filosófico. Em cada uma das filosofias, é a própria filosofia (sua
essência e sentido) que está em questão. Escrever textos filosóficos implica
ler textos filosóficos, visto que o ato de escrever é um procedimento que
está subordinado ao ato de ler. Ou seja, a capacidade de escrever pressupõe
a leitura, na medida em que o domínio da gramática (sintaxe e da semânti-
ca) é condição necessária para bem escrever. Porém, se pretendemos escre-
ver filosoficamente, não basta seguir as normas da gramática, é necessário
pensar filosoficamente (CHITOLINA, 2015, p. 110).

Ao tomar de empréstimo o tema história da filosofia, a leitura do mesmo exige


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

disposição a segui-lo e a servir-se dele. O tema (em francês sujet) passa a ser o
sujeito que direciona o nosso pensamento em determinada situação ou trajeto a
ser seguido, mesmo que provisoriamente. O tema filosófico que será dissertado
é o mestre a ser seguido, a ser submetido, necessariamente, pelo pensamento,
será regido para possibilidades apresentadas pela razão. O tema impõe exigências
próprias, vontades e razões numa ordem lógica interna para que as interroga-
ções, problematizações sejam seguidas naquela direção.
O tema proposto na dissertação deve ser compreendido, claramente, logo de
início, a ponto de ser facilmente memorizado, ser inteligível. Ao seguir ou desen-
volvê-lo, deve-se tomar alguns cuidados importantes, o primeiro é não confiar na
memória visto que não está pedindo para recitar tudo sobre o tema; o segundo é
permanecer no tema o máximo possível, para isto faz-se necessário sempre tê-lo
à vista e voltar o mais rapidamente possível. Deve sempre pensar nele, dizer a si
mesmo se está dentro do tema, considerando cada palavra, cada imagem, para
que a pesquisa esteja focada e seja realmente uma descoberta.
Durante a leitura de textos filosóficos na investigação do tempo proposto, é
importante estar atentos aos aspectos, aos detalhes nos livros filosóficos, como
os questionamentos semelhantes a estes: “O que é um ente?”, “Que é o ente?”.
Veja que parece a mesma coisa, mas não é. Outro aspecto se refere aos verbos,
“ser e parecer honesto”. Atenção com os plurais, singulares, artigos e os advérbios
para perceber aquilo que está subentendido, pense sobre o explícito e o implícito
nas afirmações e nos questionamentos. Para que o tema seja factível, é preciso
ter conhecimentos sobre os elementos para compreender o tema a ser disser-
tado e estar atento aos possíveis elementos surpresas na compreensão do tema.

Imposições do Tema Numa Dissertação


158 UNIDADE IV

FONTE DA PESQUISA DO TEMA

A filosofia, desde a Antiguidade, com Platão e Aristóteles, é entendida como


ponto de partida, o espanto, a admiração, o extraordinário, e a surpresa é parte
integrante da produção filosófica. O espanto leva o pensador a pensar, no caso
em específico, e a escrever, como atividade produtiva e criativa na filosofia. O
pensador ou estudante iniciante deve ter ciência de que, em filosofia, sempre se
inicia, sempre há um eterno recomeço numa dissertação ou num problema, o
tema é sempre uma estreia, sempre dá frio na barriga e insegurança, algo per-

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feitamente compreensível. Ademais, sempre haverá necessidade de mobilizar,
em torno da fonte, a história da filosofia e toda a experiência em escritos e estu-
dos sobre o tema ou problema. Por isso, o espantar-se e a admiração sempre
entrarão em cena para que o texto possa apresentar os elementos de uma pos-
sível originalidade.
No processo de mobilizar toda a filosofia diante de um tema, a experiência
mostra que podemos tratá-lo de algumas maneiras, como um conceito, vários
conceitos, um questionamento ou uma referência. Vejamos como conceito, que é
o título mais simples, “A desigualdade”, “A tolerância” entre outros. No primeiro
momento, acontece uma desorientação, visto que não temos um indicativo do
que fazer com ele.
Na filosofia, logo de início, devemos começar a investigação, estabelecendo
algumas conceituações, algumas diferenças e alguns conceitos que avizinham
e que nos obrigam a fazer distinções nos jogos de contrários sobre ele. É o pri-
meiro empréstimo da história da filosofia, por exemplo, igualdade x desigualdade,
tolerância x intolerância. Não nos esqueçamos da precisão ao sentido semân-
tico, etimológico do tema, ou seja, apresentar os elementos para que daí surja
uma problematização.

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
159

O segundo são os vários conceitos que estão em um tema, e a maneira como


será tratado é semelhante à primeira. Por exemplo, “essência e existência”, “ser
e ente” etc. Podemos colocar a cópula para problematizar ou transformar em
pergunta, e ficaria assim: “Essência é existência?”, “Ser é ente?”, “Essência ou exis-
tência?”, “Ser ou ente?”. Podemos fazer acréscimos a partir de vírgulas, e ficaria
assim: “essência, existência…”, “Ser, ente…” etc. Faremos as mesmas observações
que fizemos no precedente, não se pode esquecer de buscar a precisão ao sen-
tido semântico, etimológico dos termos, ou seja, apresentar os elementos para
que daí surja a problematização como sequência normal.
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O terceiro é a pergunta ou o questionamento sobre um tema, e aqui entra a


formulação clássica da dissertação filosófica, a demonstração da capacidade crí-
tica do estudante ou iniciante na dissertação filosófica e na filosofia propriamente
dita. Considera-se todo tema como uma pergunta quer esteja de forma explícita
ou implícita. A pergunta pode ser comparada a uma flecha atirada em direção
a um alvo. A direção da flecha, no caso da pergunta, direciona o olhar do pes-
quisador e a toda sua atenção e capacidade de investigação. Por exemplo, “Em
que sentido podemos considerar a relação entre essência e existência?”, “Em que
condições o ser se manifesta nos entes?”. Chamemos a atenção para o fato de que
estamos diante de uma interrogação. Se temos uma pergunta, temos, necessaria-
mente, que apresentar uma resposta, nem que seja na conclusão da dissertação.
Por fim, as referências ou citações na dissertação. Ao fazer a pesquisa por
meio das leituras dos textos, na história da filosofia, faz-se necessário atenção
para explicitar a frase, ou seja, o que ela realmente diz e por que razões? Depois
de fazer apologia (defesa) a uma ideia ou posição do pensador na filosofia, colocar
entre aspas, fazer a indicação como referência bibliográfica, pois dá autoridade,
credibilidade à pesquisa. Fazer referências acrescenta muito à investigação do
tema, quanto a citações, mais credibilidade, mas demonstra capacidade de pes-
quisa e diálogo com os pensadores. Em seguida, comentar e fazer a análise crítica
para que o distanciamento teórico seja efetivado na dissertação. Cabe ressaltar
que não se pode fazer uma citação ou referência sem análise, a referência fica
solta, sem conexões, e isto é imperdoável numa dissertação, visto que o estu-
dante ou iniciante dialogo com as mesmas no texto.

Imposições do Tema Numa Dissertação


160 UNIDADE IV

TEMA DEVOLVIDO DO EMPRÉSTIMO

Feito o diálogo com as fontes, as refe-


rências na história da filosofia e o
problema fundamental, agora está
na hora de devolver o empréstimo. A
dissertação passa a fazer parte da cul-
tura filosófica. No desenvolvimento do
tema filosófico a ser dissertado, o estu-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dante ou iniciante deve ter em mente a
publicidade de tal trabalho intelectual,
mesmo sendo incipiente em matéria
de cultura filosófica. No mundo con-
temporâneo, em que a conectividade é
palavra de ordem, os textos filosóficos,
as dissertações entre outros chegam à
rede mundial de computadores e smar-
tphones acessíveis a todos os que estão
interessados nestas questões, sendo eles
estudantes, iniciantes e especializados,
quer queiramos, ou não.
Devemos destacar que a dissertação filosófica passou pelos processos de
avaliação e correção por um professor ou orientador especialista em filosofia.
Trata-se de um trabalho racional que seguiu determinados procedimentos de
ordem lógica, regras gramaticais da língua corrente, um plano redacional, pos-
sui certo rigor e certa precisão conceituais exigidos pela tradição filosófica. Isto
chancela o fato de que a dissertação está em condições de ser consultada como
fonte de pesquisa em diversos níveis de entendimento, com as devidas propor-
ções e considerações.
A devolução do empréstimo, depois de ter sido delimitado de forma rigorosa
e crítica, girou em torno do problema fundamental posto pelo pesquisador e

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
161

recebeu resposta com argumentos fundamentados, construídos de forma criativa.


O exercício do pensar aconteceu a partir do confronto com as ideias da histó-
ria da filosofia, da interrogação filosófica que voltou o seu olhar para a realidade
concreta, para o mundo vivido a partir de leitura de textos filosóficos submeti-
dos à crítica e resistiram aos ataques da razão na história, pelos pesquisadores e
resistiram, tornando-se consagrados pela tradição.
Por fim, esta devolução que a dissertação realiza traz uma espécie de marca
registrada, aquilo que caracteriza e diferencia das outras reflexões filosóficas, ou
seja, o texto traz uma assinatura do seu produtor ou autor. Ainda, neste texto,
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pode ser a inauguração de um novo estilo filosófico, que não se pode confundir
com um texto literário, uma nova maneira de pensar e estruturar o texto ou uma
nova concepção a partir do problema fundamental expressado pela tese. Toda
leitura de um texto é uma nova leitura visto que pode estabelecer novas relações
entre o que o pensador diz, e o leitor tem a dizer. Uma dissertação ou texto filo-
sófico é obra inacabada, incompleta pela sua própria natureza como tal, ou seja,
o autor nunca completará a sua criação, ou encerrá sua reflexão. A dissertação
nunca contemplará o todo da filosofia nem do filosofar.

O texto argumentativo pode utilizar-se do método dialético. Seus elemen-


tos básicos são a tese, a antítese e a síntese. A tese é a afirmação que se faz
no início do texto. A antítese é a oposição que se faz à tese, criando um con-
flito. A síntese é a situação nova originada desse embate entre tese e antíte-
se. Portanto, a síntese se torna uma nova tese, que aceita uma nova antítese
e, consequentemente, originam uma nova síntese, num processo infinito.
Esta é a estrutura de um texto filosófico, uma vez que, antes de propor qual-
quer interpretação definitiva, busca refletir acerca dos problemas. Escrever
um texto sobre algum tema abstrato não é tão fácil. Por isso, quanto mais
lemos, mais desenvolvemos nossa capacidade de abstrair e de argumentar.
Fonte: adaptado de Sílvio Gallo (2013, apud FILOSOFIA DIÁRIA, 2016, on-line)².

Imposições do Tema Numa Dissertação


162 UNIDADE IV

DEFINIÇÕES PARA DISSERTAR

As definições constituem um parâmetro para que as reflexões atendam aos pro-


pósitos estabelecidos. Ao pensarmos em um conceito, devemos fazê-lo em um
espaço de relações, estabelecer vínculos, ser claros ou ocultos, o que, de certa
forma, é secundário comparado com a definição direta. Ao reunir os dados todos
para atribuir os sentidos de um conceito, deve-se fazer a análise crítica e eliminar
aquilo que está fora das intenções, visto que nem tudo o que foi recolhido pode ser
aproveitado integralmente. O presente momento tem como objetivo analisar estes

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aspectos para que a conceituação seja construída de forma clara e precisa. Com
isso, o texto apresenta os elementos necessários para uma compreensão satisfatória.

DEFINIÇÕES CONSTRUÍDAS

Para o exercício do pensamento, por meio da dis-


sertação, é necessário retirar o tema da cultura
filosófica e desenvolver uma série de ações
interligadas para que as análises, os raciocí-
nios, os argumentos e a fundamentação nos
pensadores sejam reconhecidos na história
da filosofia como suporte para a produção, a
resolução de um problema em forma de texto.
O ponto de partida da dissertação é um enun-
ciado que denuncia um tema, o objeto para o
exercício. Ao fazer a leitura do enunciado, exi-
ge-se que o estudante ou iniciante sirva o tema
e, para isto, começa a definir os conceitos ou
noções diante de si. Faz-se necessário tomar
cuidado com definições prontas apresentadas
pelos dicionários. Deve-se evitá-las o máximo
possível, caso não seja possível, é necessário pro-
curar várias definições sobre aquele conceito.

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
163

A definição dada pelos dicionários, geralmente, é genérica e não se adapta


ao tema particular em sua presença. Uma definição dada pelos dicionários nada
mais é do que uma tese camuflada, disfarçada, é uma delimitação apertada, há
um velho ditado que diz “Quem abarca pouco, aperta muito”, inclusive, pode ser
não verdadeira, ou ser extremamente parcial e deformada. Para começar bem a
dissertação, deve começar com uma definição provisória ou preliminar a partir
da língua corrente, da etimologia dos conceitos ou de exemplos. Contudo pro-
cure elaborar você mesmo o mais rápido possível e definir um ou vários conceitos
para servir como referência na pesquisa, para adaptá-los da melhor maneira pos-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

sível ao contexto e explicitar, racionalmente, as suas condições de entendimento.


As definições são como resultados a serem apresentados de forma sintética
para avançar aos poucos, como diz Descartes, em Discurso do método, do mais
simples para o mais complexo, por meio de correções até chegar a uma definição
adequada aos seus propósitos. A definição ou definições devem ser produzidas
por você, contudo evite ideias preconcebidas sobre os conceitos ou para agra-
dar a sua subjetividade. Trata-se de invenções, de criações, mas elas devem ser
resultados de descobertas que ampliem seu horizonte de significações, ou que
corrija alguns entendimentos já concebidos de forma acrítica.
Na filosofia, as definições dificilmente são simples acordos arbitrários, mas
são resultados de procedimentos de reflexão para chegar à determinada objeti-
vidade e alcançar a universalidade. Não há definições perfeitas ou definitivas, as
produções intelectuais nos conceitos são provisórias, porém decisivas para que
o trabalho tenha um grau de inteligibilidade no discurso para o leitor. As defi-
nições podem ser consideradas válidas quando estão no interior do discurso,
para funcionar dentro de um limite que os circunscrevem no conjunto dos ele-
mentos para tornar o tema compreensível.
Para um pesquisador não iniciante, como um professor, percebe-se logo de
cara quando uma definição apresenta sintoma claro de que alguma coisa não
está bem. Isso ocorre quando a definição não responde de forma nenhuma à
problemática no contexto, tornando-se vazia e inoperante. Mas sempre é possí-
vel produzir definições desejadas que correspondam à finalidade da significação
necessária para aquele tema em questão. É possível que não consigamos as defi-
nições desejadas, às vezes, por razões de oportunidades e por razões filosóficas.

Definições Para Dissertar


164 UNIDADE IV

Não por incapacidade intelectual ou falta de criatividade, mas porque exigiria


outras pesquisas diante daquele tema ou problema fundamental posto.

DEFINIÇÕES DE CONCEITOS QUE SE CRUZAM

Caso faltem as definições fundamentais dos conceitos para a significação, uma


alternativa é a exposição dos conteúdos dos significados, que podem prestar ines-
timáveis serviços para a clareza do tema, tendo em vista que aprendemos com

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análises e a descrição lógica, a estrutura interna, os traços fundamentais de um
conceito. Ademais, às vezes, os conceitos numa função intermediária no discurso
filosófico, com pouco de atenção e experiência intelectual podem ser descobertos
sem muita dificuldade, serem úteis e interessantes. Visto que um conceito jamais
está sozinho ou isolado dos demais, cabe ao pesquisador estar atento para fazer,
sempre que necessário, tal uso. Há uma espécie de solidariedade conceitual nos
textos filosóficos no decorrer da história da filosofia.
Ao pensarmos sobre um conceito, devemos fazê-lo em um espaço de rela-
ções, estabelecer vínculos, claros ou ocultos, o que, de certa forma, é secundário
comparado com a definição direta. Para estabelecer as relações, é importante sen-
tir-se livre para fazer os rabiscos, os esquemas a fim de encontrar os primeiros
resultados provisórios. Ao reunir os dados todos para atribuir os sentidos de um
conceito, deve-se fazer a análise crítica e eliminar aquilo que está fora das inten-
ções, visto que nem tudo o que foi recolhido pode ser aproveitado integralmente.
Para que o trabalho tenha o sucesso esperado, é necessário trabalhar com ele-
mentos-chave no processo de criação: a imaginação e a memória, de um lado, e,
do outro, entendimento e o juízo (2ª operação da nossa mente em um processo
lógico. As outras duas são a simples apreensão e o raciocínio).
A imaginação começa a partir da seguinte questão: “Isso me faz pensar em
quê?”. Em seguida, deve-se anotar tudo o que vem à cabeça, até coisas esdrúxu-
las, sem sentido no primeiro momento, entre outras coisas. As ideias que surgem
pela memória e imaginação de forma espontânea, mas intencionada. É a chamada

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
165

tempestade de ideias. Este método possibilita ampliar as ideias com sinônimos,


antônimos, termos vizinhos etc. Tudo isso, deve ser ordenado e analisado com
cuidado, de forma crítica. O entendimento deve entrar em cena para discipli-
nar e ordenar aquilo que a memória e a imaginação conseguiram exteriorizar,
desordenadamente.
As ideias, os conceitos, as imagens, as fórmulas, os verbos, os adjetivos etc.,
que surgem na mente, aleatoriamente, devem ser vistos com muita atenção. Este
método permite a descoberta de conceitos intermediários, mas é importante não
abandonar em momento algum o objeto conceitual com que se está trabalha, ou
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

seja, aquilo que precisa ser definido. Na determinação do conceito, não se pode
deixar de lado a diferenciação que incomoda a nossa compreensão e nos força a
atribuir um sentido particular no primeiro momento para depois chegar ao uni-
versal. Também é importante fazer o cruzamento para expor a diversidade dos
sentidos, que são independentes uns dos outros, mas que se cruzam em deter-
minado momento. Este cruzamento é tão necessário quanto o da análise crítica,
visto que os sentidos se cruzam e podem adquirir as características da verdade.

Como fazer um texto dissertativo argumentativo?


Já parou para pensar que argumentamos todos os dias seja para escolher
qual carro, seja comprar seja para decidir entre almoçar ou lanchar? Estando
duas pessoas com opiniões divergentes, inicia-se a argumentação. O pro-
blema aparece na hora de formalizar na escrita o que tão naturalmente faze-
mos na comunicação oral. Como a escrita tem a característica de organizar
um discurso em determinada estrutura, entenderemos como se constrói
este gênero textual […].
Para saber mais, acesse: https://projetoacademico.com.br/dissertacao-ar-
gumentativa/.
Fonte: o autor.

Definições Para Dissertar


166 UNIDADE IV

DEFINIÇÃO COM SUPORTE EM EXEMPLOS

Por mais que muitos filósofos não sejam favoráveis aos exemplos, faz-se neces-
sário utilizá-los para dar forma, tocar na sensibilidade do leitor, pois a própria
filosofia não se contenta somente com o uso de abstrações. Os exemplos pos-
sibilitam a demonstração de uma experiência real, do mundo vivido, com um
cenário cheio de representações variadas conjugadas com elementos abstratos na
definição. A definição entra na dissertação filosófica com o fundamento do con-
creto-abstrato, possibilitando a sua efetividade de forma particular e empírica,

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consolidando, assim, as provas de verificabilidade para estar de vez conectado
ao mundo vivido.
Os exemplos podem contribuir no esclarecimento do sentido naquela defini-
ção conceitual, mas nem todo exemplo é, necessariamente, bom tendo em vista
que se refere a experiências possíveis, e não de fato apenas um caso em particu-
lar que não seja possível generalizá-lo com facilidade, por exemplo, uma vivência
puramente pessoal. As vivências pessoais podem ocorrer numa especificidade
que não é possível generalizá-la. Em muitos casos, são ridículas e patéticas, jamais
serão generalizadas. Escolhas de exemplos no campo da Ciência, História da
Filosofia, da Arte, da Literatura, dos costumes entre outros, têm possibilidade de
serem mais úteis do que a vivência particular. Cabe ao estudante ou iniciante nas
dissertações filosóficas proibir-se de utilizar exemplos de sua vida, da sua subjeti-
vidade, ou seja, o seu eu deve ser deixado de lado em uma dissertação filosófica.
Isso não quer dizer que o eu está proibido numa dissertação filosófica. Pode
ser usado nos exemplos com cuidado, com os estados de espírito e das expe-
riências a partir de determinados temas sobre a angústia, os sofrimentos entre
outros, mas esse “eu” deve ser utilizado como um eu teórico e intelectual no sen-
tido de uma subjetividade universal. Esse eu na subjetividade universal pode
ser tratado em qualquer aspecto da subjetividade, de experiências comuns que

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
167

podem ser partilhadas por um grande número de pessoas. Os textos da fenome-


nologia (Edmund Husserl, Martin Heidegger, Merleau-Ponty, Jean-Paul Sartre
etc.) podem servir de exemplos nesse caso.
Por fim, o exemplo por si só não basta e não pode se sobrepor à definição
conceitual. Por mais que um exemplo corresponda àquela camada que atinge a
sensibilidade, deve levar à reflexão e à compreensão do leitor de uma definição.
O exemplo deve trazer à tona o seu poder explicativo e de mostrar a sua raciona-
lidade, mas a finalidade do exemplo é suscitar ou impulsionar para a necessidade
de uma definição. É melhor trabalhar com um único exemplo com qualidade na
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

definição do que fazer uso de uma quantidade desconectada do elemento cen-


tral da definição. O exercício do julgamento para escolher os exemplos não é
uma tarefa fácil, mas é necessário fazer com todo cuidado e reflexão para que
erre o menos possível.

Temas de Dissertação
Em que sentido pode-se falar de autor em filosofia? Com que direito um
filósofo pode dizer “eu”? A filosofia pode prescindir da polêmica? A reflexão
filosófica é uma forma de monólogo ou de diálogo? É verdade que a filoso-
fia procede por conceitos? É verdade que o que se concebe claramente se
enuncia claramente? Qual a relação do ser com o dizer? Podemos pensar
sem recorrer a imagens? A oposição entre conceito e metáfora é filosofica-
mente justificada? Em que sentido pode-se dizer que um filósofo tem razão?
Convencer e demonstrar é a mesma coisa? O que provam as provas em filo-
sofia? É possível não ser cético em filosofia? O que é um problema filosófico?
Pensar e exprimir o que é pensado é a mesma coisa?
Fonte: adaptado de Cossutta (2001, apud GREGÓRIO, 2009, on-line)³.

Definições Para Dissertar


168 UNIDADE IV

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DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA E SUA ESPECIFICIDADE

Este quadro dos filósofos criado por Rafael Sanzio (1483-1520) cujo centro é ocu-
pado por Platão e Aristóteles apresenta os primeiros sinais da especificidade da
filosofia, que tem como uma das suas características o perguntar. As perguntas
direcionam o trabalho investigativo e serão incorporados no momento oportuno
ao conjunto da pesquisa ou estudo, visto que cada pergunta deve ser respondida
de forma satisfatória para que a exteriorização dos argumentos seja clara, ou seja,
três ou quatro perguntas são suficientes para desenvolver uma argumentação
fundamentada e clara numa análise filosófica. Nosso intuito, neste momento, é
apresentar os elementos necessários para fazer bom uso dos questionamentos
durante os estudos e as pesquisas em filosofia.

DISSERTAR É DIALOGAR COM O TEMA

A filosofia surge do espanto, da admiração que são os geradores das perguntas.


A pergunta é um momento em que o pesquisador volta para si mesmo a fim de
aprofundar o tema. Ao voltar-se ao tema, começa a transformação dele em forma
de objeto para que o pensamento possa tratá-lo, cercá-lo com procedimentos

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
169

metodológico de investigação, ou seja, com indagações que começam a abrir


espaços novos até então não vistos. A atitude de desprendimento e desarmado de
noções anteriores facilita elaborar perguntas simples e diretas sobre o tema, que
passam a ter vantagens diante de outras preocupações ainda não muito claras.
As perguntas claras e diretas possibilitam fazer o isolamento do tema de
outras questões que, no primeiro momento, devem ser deixadas de lado, a partir
da necessidade que se impõe para chegar na questão fundamental a ser respon-
dida. Para isto, é fundamental evitar perguntas ruins, mal formuladas, deslocadas,
demasiado vagas e formais, sem relação direta com o tema, ou seja, sem a obje-
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tividade necessária que o assunto exige visto que a pergunta bem elaborada já
demonstra um nível de compreensão e certo entendimento sobre o tema. Deve-se
perguntar aquilo que é necessário, que é razoável e esteja dentro de uma lógica
racional para a compreensão do assunto.
As perguntas são fundamentais para que a abordagem sobre um tema tenha
o alcance necessário para que a resposta atenda aquilo a que foi posta. O filósofo
Martin Heidegger (1889-1976), que desenvolveu textos sobre a ontologia e fenome-
nologia, fez uma conferência sobre o tema Qu’est-ce que la philosophie? cujo título é
em francês, mas a conferência em alemão, e pode ser traduzido em “Que é isto - a
filosofia?” E no texto, ele dá a justificativa de tal escolha e responde à questão. Contudo
analisaremos somente o fragmento a seguir, no momento em que trata da pergunta.
Por isso devemos tentar determinar mais exatamente a questão. Desta
maneira, levaremos o diálogo para uma direção segura. Procedendo as-
sim, o diálogo é conduzido a um caminho. Digo: a um caminho. Assim
concedemos que este não é o único caminho. Deve ficar mesmo em aber-
to se o caminho para o qual desejaria chamar a atenção, no que segue, é
na verdade em caminho que nos permite levantar a questão e respondê-
-la. Suponhamos que seríamos capazes de encontrar um caminho para
responder mais exatamente à questão; então se levanta imediatamente
uma grave objeção contra o tema de nosso encontro. Quando pergunta-
mos: Que é isto - a filosofia?, falamos sobre a filosofia. Perguntando desta
maneira, permanecemos, num ponto acima da filosofia e isto quer dizer
fora dela. Porém, a meta de nossa questão é penetrar na filosofia, demo-
rarmo-nos nela, submeter nosso comportamento às suas leis, quer dizer,
“filosofar”. O caminho de nossa discussão deve ter por isso não apenas
uma direção bem clara, mas esta direção deve, ao mesmo tempo, ofere-
cer-nos também a garantia de que nos movemos no âmbito da filosofia, e
não fora e em torno dela (HEIDEGGER, 1979, p. 13)

Dissertação Filosófica e Sua Especificidade


170 UNIDADE IV

Neste fragmento, Heidegger coloca claramente “a questão” para que ela nos leve
pelo diálogo, e o caminho a ser seguido é a pergunta. Uma pergunta bem elabo-
rada faz com que o caminho seja seguro e firme. Veja que o tema da conferência
é em forma de pergunta, ou seja, pergunta e tema podem ser sinônimos. A per-
gunta deixa o pesquisador sempre numa condição privilegiada em relação ao
perguntado. O perguntar é um ato de fora para dentro e acima do tema, e isto,
de certa forma, é cômodo e uma atitude de superioridade do pesquisador em
relação ao objeto em questão. Contudo, ao começar a responder, o pesquisador
penetra nele e passa a estar no mesmo nível de entendimento e deve seguir as suas

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
regras, no caso em específico, “o filosofar”. Neste momento, a questão começa a
ser respondida devido ao diálogo estabelecido com o objeto pesquisado.

PERGUNTAR PARA DIRECIONAR A DISSERTAÇÃO

Vimos que o ato de perguntar vai além


do querer saber simplesmente. O pes-
quisador passa a ser tocado, sentimental
e racionalmente, pelo diálogo, ele é
incomodado pelo tema a partir do diá-
logo estabelecido em torno do tema.
Há diversas formas de perguntar num
diálogo com o tema sobre definições,
distinções, princípios, condições de pos-
sibilidades, origens, poder entre outros.
Por exemplo, sobre definição: “Como
definir…?”; sobre distinção: “Em que A
e B se diferem” etc. Todos estes modelos
possibilitam dialogar de forma direta,
objetiva, com uma finalidade clara de
compreensão e demonstração sobre o
tema em questão.

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
171

As perguntas direcionam o trabalho investigativo e serão incorporadas no


momento oportuno do mesmo. Às vezes, são colocados questionamentos na intro-
dução ou na primeira seção da dissertação, dependendo do plano de redação,
que é, essencialmente, prático. Contudo se faz necessário controlar a quantidade
de perguntas, pois podem confundir o leitor e desviar da objetividade do tema
da dissertação. Cada pergunta deve ser respondida de forma satisfatória para
que a exteriorização dos argumentos seja clara, ou seja, três ou quatro pergun-
tas são suficientes para desenvolver uma argumentação fundamentada e clara
numa análise filosófica. Deve-se evitar um questionamento para um único filó-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

sofo, visto que o diálogo pode ser demasiado estreito e pode distanciar de uma
possível visão de totalidade sobre o tema.
Para que um tema seja suficientemente desenvolvido e explicitado, deve-se
buscar, criticamente, uma visão de totalidade em diversos autores. Veja que o
estudante ou iniciante em filosofia dialoga com o tema. O tema de diálogo com
a filosofia e os filósofos são como que andaimes para que o assunto possa ser
alçado no mais alto nível possível de argumentos. Os andaimes, os filósofos e
as suas produções consagradas pelo tempo e pela crítica são as referências para
que o pensar sobre o tema seja livre e autônomo com argumentos, fundamentos
sólidos e claros para convencer o leitor que tal tese apresenta alternativas para a
compreensão do tema no mundo vivido.
A pergunta deve explicitar a necessidade do entendimento para justificar
a relação, a conexão entre o problema fundamental e a tese, ou seja, o questio-
namento não é um simples questionar por questionar, possui uma razão de ser
clara. As perguntas são consequências da identificação da problemática que
envolve, necessariamente, o tema a ser desenvolvido. Esta é uma dificuldade a
ser superada na dissertação filosófica e que determina o valor deste exercício
para a formação do estudante ou iniciante nos textos filosóficos. Caso contrá-
rio, a dissertação não ficará clara e não atingirá os objetivos estabelecidos para
o tratamento do tema em questão.

Dissertação Filosófica e Sua Especificidade


172 UNIDADE IV

A dissertação filosófica com exposição clara e bem construída sob o aspecto


da argumentação e da harmonia das suas partes, possibilitará ao leitor, em con-
tato com o título e a problemática fundamental, entrar também com o núcleo
do tema e a comunicação, e o convencimento acontecerá de forma quase direta.
Diante disto, jamais ouviremos análise da dissertação filosófica com os seguintes
juízos de valores: “A dissertação está fora do tema”, “O texto não apresenta uma
argumentação clara”, “O que o autor queria demonstrar com este texto?” entre
outros. Os cuidados com as perguntas e as respostas são fundamentais para que
a consistência textual e filosófica seja clara, não pairando dúvidas fundamentais

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
sobre a abordagem do tema e a sua problemática no texto.

PROBLEMAS FALSOS NA DISSERTAÇÃO

Para que a dissertação filosófica possa exteriorizar os resultados das pesqui-


sas sobre o tema e o problema fundamental, faz-se necessário que as perguntas
expressem os problemas verdadeiros, e não falso ou mal posto. Às vezes, os estu-
dantes ou iniciantes se perdem num falso problema, isto pode ocorrer quando
não se compreendeu o problema, consequentemente, tudo o que deve derivar
por dedução (retirar) dele pode estar comprometido. Ocorre, frequentemente,
em dois momentos: o primeiro quando o estudante estabelece relações entre ele-
mentos, ideias, objetos que não têm relação alguma uma com outra; e o segundo,
quando ele tem dificuldades de fazer um juízo de valor sobre o objeto em questão.
Os falsos problemas aparecem quando não há relação ou possui relação indi-
reta com o tema, fruto às vezes da imaginação fértil dos estudantes dificuldade
de catalogar as várias situações em que podemos colocar o problema funda-
mental. No processo de elaboração de uma dissertação, há diversas maneiras de
enganar-se com um tema. Portanto, há inúmeras maneiras de colocar um falso
problema numa dissertação filosófica e perder muito tempo e esforço intelectual
em algo que não tem valor algum para o objetivo estabelecido. Podemos pegar
como exemplo o tema da ignorância na filosofia para demostrar como é fácil
colocar um falso problema.

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
173

Tema: “A ignorância pode ser entendida como um argumento?”. Ao colo-


car a ignorância como condição de possibilidade de conhecimento (já que para
conhecer é necessário não conhecer, ou ignorar, o que é uma falácia), acabamos
de perguntar se a ignorância é uma condição que permite o conhecimento, se é
um argumento importante. Por que esta é uma questão mal posta, mal formu-
lada? Pelo fato de que a ignorância é a maior dificuldade do conhecimento. Há
uma luta contra a ignorância, pois ela se opõe ao conhecimento, ele é o seu maior
obstáculo. Por isso, ela não pode ser a condição que permite o conhecimento.
Quando adquirimos o conhecimento vencemos a ignorância. A ignorância não é
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

meio para o conhecimento, mas a separação, um distanciamento dela. Portanto,


a ignorância não pode ser colocada como um argumento para o conhecimento.
O problema, as perguntas devem ser tirados do tema. Um falso problema
pode ser usado de forma argumentativa retórica, intencionalmente organizada
para evitar os riscos de desvios do tema da dissertação. Pode-se produzir um
falso problema para fins didáticos e pedagógicos para demonstrar como não
fazer, ou seja, usar do negativo para compreender o positivo numa investigação
ou na própria redação. Na retórica, é o chamado de aporia (criar intencional-
mente um impasse ou um beco-sem-saída, na verdade, é, aparentemente, sem
saída), para expor as hipóteses de pesquisa, para demonstrar que são inválidas
ou sem sentido para, em seguida, demonstrar como se deve fazer corretamente
para que o argumento seja considerado válido (nem tudo que é válido é verda-
deiro, segundo a lógica) e verdadeiro.
Para desenvolver um tema, responder um problema e criar conceitos novos
em uma dissertação filosófica, deve-se fazer uso de temas que exijam uma defi-
nição. Por exemplo: “O que é ética?”, “O que é estudar?”. Nestes casos, iniciam-se
as abordagens demonstrando as falsas pistas, os falsos entendimentos sobre as
questões postas e, em seguida, demonstram as aproximações, até formular um
problema verdadeiramente filosófico. Pegamos somente a primeira pergunta. A
ética é, verdadeiramente, definível? Se sim, em que condições podemos definir
o termo ética? Se não, qual a razão de não podermos definir claramente o termo
ética? Há alguma coisa na sua natureza, na sua essência que constitui um obstá-
culo para a definição do termo ética?

Dissertação Filosófica e Sua Especificidade


174 UNIDADE IV

A objetividade de uma dissertação filosófica só é cumprida se compreender-


mos claramente o que é um problema filosófico, esta é uma das especificidades da
filosofia hoje e sempre. Isto difere a filosofia de todas as áreas do conhecimento,
consequentemente, a sua dissertação. O estudante ou iniciante de filosofia deve,
desde o início do curso, aprender a extrair fórmulas dos temas a serem desen-
volvidos ou postos pelos professores. Os enunciados postos pelos professores
ou orientadores são uma oportunidade, ou seja, um problema a ser tratado pela
razão de forma diferente a fim de descobrir aquilo que está oculto, explicitá-lo
por meio de pressupostos, hipóteses, definições e argumentos entre outros. As

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
respostas, as definições produzidas numa dissertação filosófica serão sempre pro-
visórias, jamais definitivas e sujeitas a modificações e interpretações diversas. Esta
é uma condição de uma dissertação que se pretende ser filosófica hoje e sempre.

“A introdução é aquilo que não pede nada antes, mas que exige algo de-
pois”, esta afirmação de Aristóteles continua válida. A introdução inicia o lei-
tor no assunto. Diz o que o texto vai dizer. Então, já deu para perceber que,
nas primeiras linhas, o leitor deve ser informado sobre o tema da redação;
e mais: como esse tema será apresentado. Comece com uma frase atrativa,
que chame a atenção de quem está lendo – pode ser uma pergunta, uma
declaração, uma exclamação. O importante é que esteja dentro do tema.
Fonte: adaptado de Coelho ([2019], on-line)4.

DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
175

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), chegamos ao final de mais uma unidade. Acreditamos que os


elementos desenvolvidos foram úteis para a compreensão da dissertação filo-
sófica de forma geral. Queremos destacar que o entendimento da dissertação
filosófica como um exercício do pensar e da escrita constituem a essência por
excelência da filosofia.
Vimos que a dissertação filosófica não possui uma receita pronta, os estu-
dantes e iniciantes na atividade filosófica devem criar os seus próprios modelos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

por meio do exercício do pensamento. Com isto, a dissertação ganha autonomia


e suficiência para falar por si mesma, ou seja, o texto deve se defender sem ajuda
do seu autor. Outro aspecto desenvolvido foi o fato da dissertação tomar o seu
tema de empréstimo da história da filosofia. Para que uma dissertação obtenha o
êxito esperado é necessario mobilizar toda história da filosofia em torno do tema.
Chamamos a atenção sobre a investigação, que estabelece algumas concei-
tuações, diferenças e alguns conceitos que se avizinham na filosofia e que nos
obrigam a fazer distinções no jogo de contrários sobre um tema. Este é o pri-
meiro empréstimo da história da filosofia para que tenham certo rigor e precisão
conceitual exigidos pela tradição filosófica. Na dissertação, as definições dos dicio-
nários são insuficientes para atender ao tema, e devemos considerar os conceitos
intermediários visto que há uma solidariedade conceitual nos textos de filosofia.
Por fim, demonstramos que os exemplos devem trazer à tona o seu poder
explicativo e o poder de uma pergunta bem elaborada para trilhar caminho o
mais seguro e certo possível. As perguntas direcionam o pensar e devem ser res-
pondidas para que haja coesão na dissertação. Acreditamos que oportunizamos
subsídios para que os estudantes e os iniciantes na ocupação filosófica possam
avançar um pouco mais na própria atividade do filosofar, do qual todos nós.

Considerações Finais
176

1. Para que a dissertação filosófica possa exteriorizar os resultados das pesquisas


sobre o tema e o problema fundamental, faz-se necessário que as perguntas
expressem os problemas como verdadeiros, e não falsos ou mal postos. Assina-
le a alternativa correta a seguir:
a) Os falsos problemas aparecem quando não há relação, ou quando possui
relação indireta com o tema.
b) No processo de elaboração de uma dissertação, não há diversas maneiras de
enganar-se com um tema.
c) Para desenvolver um tema, responder um problema e criar conceitos novos
em uma dissertação filosófica, não se deve fazer uso de temas que exijam
uma definição.
d) A objetividade de uma dissertação filosófica só é cumprida se compreen-
dermos, claramente, o que é um problema filosófico, esta é uma das especi-
ficidades da filosofia, hoje e sempre. Isto não difere a filosofia de outras áreas
do conhecimento.
e) Os enunciados postos pelos professores ou orientadores não são uma opor-
tunidade, ou seja, um problema a ser tratado pela razão de forma diferente,
a descobrir aquilo que está oculto, explicitá-lo por meio de pressupostos,
hipóteses, definições e argumentos entre outros.
2. Muitos estudantes ou iniciantes no discurso filosófico passam por uma dolorosa
dificuldade, julgam que sabem, querem dizer aquilo que não sabem claramente e,
óbvio, não conseguem falar nem escrever sobre o assunto. A falta de conhecimen-
to associado à falta de domínio da língua corrente indica um caminho a avançar.
Diante disso, analise as afirmações a seguir para marcar a alternativa correta:
I. Para que uma dissertação seja considerada bem construída, faz-se neces-
sário que seja bem escrita, com o domínio da língua para dar o suporte ao
pensamento, saber o que as palavras significam, compreender e usar o sen-
tido de certas expressões consagradas na filosofia entre outros elementos.
II. A língua e o pensamento sempre tiveram uma relação íntima e profunda-
mente dependente uma da outra, ao ponto de uma não conseguir existir na
sua plenitude sem a outra e, juntas, poderem exprimir claramente uma ideia
ou pensamento, por mais agudo e perspicaz que se possa imaginar.
III. Na dissertação filosófica, o esforço para exteriorizar um pensamento que
se busca e em que não há necessidade de ocultar esta busca, só é possível
por meio da linguagem para concretizar termos técnicos precisos. Ou seja,
a linguagem e o pensamento devem sempre estar alinhados como duas
engrenagens que estão ligadas e funcionam, simultaneamente, e são inde-
pendentes.
177

IV. O texto escrito deve ter autonomia e suficiência (argumentos e fundamen-


tos) para falar por si mesmo, com sentido bem definido, com objetivos cla-
ros. Além disso, o texto deve defender-se, apresentar-se e responder sozi-
nho às questões e às críticas dos seus leitores na presença do seu criador.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I, II e IV estão corretas.
d) Todas as afirmativas estão corretas.
e) Nenhuma das afirmativas está correta.
3. Ao pensar sobre a dissertação filosófica, a primeira coisa que vem à mente de
uma pessoa que inicia é procurar um modelo como espelho ou referência para
ter uma direção. Diante disto, marque (F) no que for falso ou (V) no que for
verdadeiro:
I. ( ) Esse tipo de dissertação tem as suas especificidades e, facilmente encon-
traremos um modelo em si, em que os trabalhos dos estudantes poderiam
ser corrigidos pelos professores ou orientadores.
II. ( ) O método, em última análise, é a própria filosofia que se reduz ao “pro-
cessus” da busca e da investigação reflexiva. Se examinarmos a obra de um
Descartes ou de um Kant, será difícil verificar que nenhum desses filósofos
seguiu, na exposição de suas ideias, as normas por eles mesmos traçadas
como princípios reguladores de todo pensamento que procura atingir um
fim previamente definido.
III. ( ) A filosofia não segue um método, visto que ela própria constitui o método
como processo filosófico, ou o pensador faz com que o método não seja
visível. O pensador pode, arquitetonicamente, esconder o método utilizado,
conforme descrevemos na Unidade 2 deste livro, em relação aos sujeitos
nos textos filosóficos.
Assinale a única alternativa correta:
a) F, V e V.
b) V, V e V.
c) F, V e F.
d) V, F e V.
e) F, F e F.
178

4. A dissertação filosófica atende, necessariamente, a um plano redacional, seja


explícito, demonstrado num sumário, ou oculto por meio da engenhosidade
intelectual do seu autor. Contudo o iniciante na produção da dissertação deve
ter em mente que esta deve seguir os processos de redação, de avaliação e de
correção. A partir disso, marque a alternativa correta:
I. O exercício pedagógico de dissertar sobre tema específico de filosofia, que
deve ser demonstrado por meio da redação, é inseparável de outros dois
momentos: da avaliação e da correção.
II. A avaliação da dissertação filosófica está dentro do sistema pedagógico do
curso. O sistema estabelece os parâmetros de avaliação definidos no PPC
(Projeto Pedagógico de Curso). Isso garante que as avaliações sejam realiza-
das com referenciais objetivos, sujeitos à análise e à verificação com concei-
tos claros e definidos, para que seja justa, correta e pedagógica.
III. As correções são fundamentais, pois recebem as contribuições da experiên-
cia teórica filosófica do professor ou orientador para o enriquecimento da
dissertação. Se esta não for corrigida, não pode ser chamada de dissertação
filosófica, pois representará um caminho sem volta e que pode se perder
nas areias de um deserto informe.
IV. Os professores e orientadores não insistem para que seus orientandos ou
alunos sigam regras da língua corrente, tenham plano de redação e procu-
rem determinar o(s) método(s) que usarão na dissertação, para que esta seja
compreensível e cumpra seus objetivos pedagógicos.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas I, II e III estão corretas.
c) Apenas I, II e IV estão corretas.
d) Todas as afirmativas estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas está correta.
179

5. Desde a antiguidade, com Platão e Aristóteles, a filosofia é entendida como


ponto de partida. O espanto, a admiração, o extraordinário e a surpresa fazem
parte da produção filosófica. Sendo assim, analise as afirmações abaixo e assi-
nale com V, as verdadeiras, e com F, as falsas:
I. ( ) O espanto leva o estudioso a pensar e a escrever como atividade produti-
va e criativa na filosofia.
II. ( ) O pensador ou o estudante iniciante deve ter ciência que, em filosofia,
sempre se chega ao ponto final. Há eterno recomeço na dissertação ou no
problema; o tema é uma estreia, sempre há o “frio na barriga” e as inseguran-
ças – o que é perfeitamente incompreensível.
III. ( ) Não há necessidade de mobilizar-se em torno da fonte, da história da filoso-
fia e de toda a experiência em escritos e em estudos sobre o tema ou o proble-
ma. Por isso, o espantar-se – a admiração – sempre entrará em cena, para que
o texto possa apresentar os elementos de uma possível originalidade.
a) F, V, V
b) V, V, V
c) F, V, F
d) V, F, F
e) F, F, F
180

Dissertação filosófica: o que é e como elaborar?


A dissertação filosófica corresponde ao discurso específico da filosofia, articulado por
meio de conceitos e desenvolvido por meio de argumentos. A elaboração de disserta-
ções filosóficas é essencial para a prática da filosofia e do pensamento crítico e autôno-
mo. Deve conter os seguintes componentes:
1. Introdução: parágrafo no qual o autor anuncia as ideias que serão desenvolvi-
das no texto.
2. Desenvolvimento: texto central, em que as ideias apresentadas na introdução
serão trabalhadas por meio de argumentação consistente, baseada em conhe-
cimentos sobre o assunto, sobre dados publicados por instituições reconheci-
das, sobre citações de outros autores etc.
3. Conclusão: encerramento da dissertação. É a etapa em que há o retorno das
ideias anunciadas na introdução de forma conclusiva, considerando toda a ar-
gumentação desenvolvida no texto central.
O principal elemento do texto dissertativo é a argumentação, pois sustentará as ideias
propostas na introdução. Para que seja consistente, além de ler constantemente e man-
ter-se sempre bem informado, você deverá ter em mente alguns critérios:
a) Utilize argumentos baseados em fatos noticiados por jornais, revistas, internet,
televisão etc., ou em estudos e publicações reconhecidas.
b) Desenvolva raciocínio claro, organizado e coerente durante a argumentação.
c) Forneça exemplos que justifiquem seus argumentos.
d) Não utilize exemplos pessoais.
e) Não recorra a generalizações, a gírias, a ditados populares e a provérbios.
Na introdução, além de deixar claro o seu posicionamento em relação ao tema que será
desenvolvido, é importante conquistar a atenção do leitor. Para isso, você pode começar
seu texto, por exemplo, com uma declaração sucinta, uma pergunta, um fato histórico,
uma citação ou até mesmo um ponto de vista que será contra-argumentado. Aproveite
este momento do texto para problematizar o tema.
A introdução não deve ser longa, mas também não deverá ter apenas uma frase. O ideal
é que tenha número de frases suficiente para anunciar ao leitor as ideias que serão de-
181

senvolvidas, o que corresponde à média de três a cinco frases. A argumentação faz parte
do nosso dia a dia. Você já pensou em como defendemos um ponto de vista? Ao escre-
ver um texto, praticamos o mesmo processo.
Num texto dissertativo, é importante estabelecer o ponto de vista que se quer defender
e estruturar o discurso argumentativo de forma convincente. Afinal, em última instância,
o que pretendemos com esse tipo de texto é convencer alguém de alguma coisa ou
apresentar nossa análise de um problema ou de um conceito sob determinado ponto
de vista.
Outra forma de articular o texto argumentativo é utilizando-se do método dialético.
Seus elementos básicos são a tese, a antítese e a síntese. A tese é a afirmação que se faz
no início do texto. A antítese é a oposição que se faz à tese, criando um conflito. A síntese
é a nova situação originada desse embate. Portanto, a síntese torna-se uma nova tese,
que aceita uma nova antítese e, consequentemente, originam uma nova síntese, num
processo infinito.
Essa é a estrutura do texto filosófico, uma vez que, antes de propor qualquer interpre-
tação definitiva, busca refletir acerca dos problemas. Escrever um texto sobre algum
tema abstrato não é tão fácil, por isso, quanto mais lemos, mais desenvolvemos nossa
capacidade de abstrair e de argumentar. Antes de começar a escrever uma dissertação,
pare e pense sobre o que pretende dizer e aonde pretende chegar. É muito importante
organizar as ideias em um rascunho para, depois, estruturá-las definitivamente.
Antes de iniciar a escrita de uma dissertação filosófica, é muito importante fazer uma lei-
tura meticulosa e atenta dos trechos ou textos que lhe servem de base. Para isso deve-se
adotar alguns procedimentos básicos:
a) Primeiro, procure saber qual é o estilo do texto por meio do qual o autor se ex-
pressa. Há diversas formas de escrita filosófica: diálogo, poesia, aforismo, ensaio
etc.
b) Depois, faça a primeira leitura do texto, observando o significado de cada pa-
rágrafo com atenção redobrada, consultando um dicionário da língua portu-
guesa e, se possível, um dicionário de filosofia. O primeiro fornece o significado
e a etimologia das palavras; o segundo traz as diferentes acepções que alguns
conceitos ganharam ao longo da história da filosofia por diferentes pensadores.
Fonte: adaptado de Gallo (2013).
MATERIAL COMPLEMENTAR

Para Ler e Escrever Textos Filosóficos (2015)


Claudinei Luiz Chitolina
Editora: Ideias & Letras
Sinopse: esse é um ensaio de metodologia filosófica. Traz uma análise
acerca dos elementos fundamentais do método filosófico, que se
encontram diretamente ligados ao ensino e ao aprendizado da filosofia.
Contém valiosa contribuição teórica sobre o problema da comunicação
(transmissão) filosófica, e serve de contraponto àqueles que querem
ensinar e aprender filosofia, assim como àqueles que desejam aprender
a ler e a escrever textos filosóficos.

Esse vídeo apresenta boa problematização para temas e para assuntos em uma dissertação filosófica,
a partir daquilo que é posto e exige interpretação. Além de ajudar a interpretar um enunciado,
possibilita refletir diante de um enunciado filosófico.
Web: https://www.youtube.com/watch?v=pyM_cP6AGfM. Acesso em: 29 març 2019.
183
REFERÊNCIAS

CANNABRAVA, E. Elementos de metodologia filosófica. São Paulo: Companhia


Editora Nacional, 1956.
CHITOLINA, C. L. Para ler e escrever textos filosóficos. São Paulo: Ideias & Letras,
2015.
DESCARTES, R. Discurso do método: meditações; objeções e respostas; as paixões
da alma; cartas. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
FOLSCHEID, D. Metodologia filosófica. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
GALLO, Sílvio. Filosofia: experiência do pensamento. São Paulo: Scipione, 2013.
HEIDEGGER, M. Que é isto – a filosofia? In: HEIDEGGER, M. Conferências e escritos
filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
PLATÃO. Fedro ou da beleza. 6. ed. Lisboa: Guimarães Editora, 2000.

REFERÊNCIAS ON-LINE

¹ Em: https://guiadoestudante.abril.com.br/blog/redacao -para-o-enem-e-vestibu-


lar/o-que-e-uma-dissertacao/. Acesso em: 14 maio 2019.
² Em: https://profemorais.blogspot.com/2016/03/dissertacao-filosofica-o-que-e-e-
-como.html. Acesso em: 14 maio 2019.
³ Em: https://sbgfilosofia.blogspot.com/2009/07/temas-de-dissertacao.html. Aces-
so em: 14 maio 2019.
4
Em: https://www.algosobre.com.br/redacao/como-fazer-a-introducao-da-disser-
tacao.html#menu2. Acesso em: 14 maio 2019.
GABARITO

1. A
2. A
3. A
4. B
5. D
Professor Dr. Edson Barbosa da Silva

EXERCÍCIOS DE LEITURAS

V
UNIDADE
FILOSÓFICAS

Objetivos de Aprendizagem
■ Entender os primeiros passos para produzir um artigo filosófico com
as especificidades da filosofia.
■ Compreender os exercícios de escrita de um artigo filosófico,
objetivando a originalidade na filosofia.
■ Demonstrar como analisar um artigo clássico de filosofia, tanto no
aspecto da explicação quanto do comentário para a compreensão do
texto.
■ Apresentar os passos na construção de argumentos para sustentação
da ideia central no texto filosófico.
■ Demonstrar como exercitar a hermenêutica filosófica como ponto de
partida para a leitura de textos.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Exercício de Diferenciação de Artigos Científicos e Filosóficos
■ Exercício sobre Escrever Artigo Filosófico
■ Exercício de Análise do Artigo de Kant sobre o Esclarecimento
■ Exercícios sobre Esclarecimento e Liberdade
■ Exercício de Hermenêutica nas Leituras Filosóficas
187

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) à Unidade V deste livro, na qual veremos


exercícios de leituras filosóficas. Partiremos da leitura e da escrita de artigos, da
análise de um artigo clássico na história da filosofia – sobre esclarecimento e
liberdade –, até o exercício de hermenêutica dos textos filosóficos.
De início, apresentaremos os elementos para identificar o artigo científico e
filosófico. Ao tratarmos deste com mais detalhes, daremos atenção às suas espe-
cificidades filosóficas. Demonstraremos as características e as diferenças do paper
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

e do artigo filosófico, além disso, explicaremos como realizar a leitura passo a


passo de um artigo.
No segundo e no terceiro momento, explicaremos os passos para exercitar a
escrita do artigo para alcançar a originalidade na abordagem filosófica – desta-
que para os elementos do artigo filosófico, que diferenciam dos demais. Assim, o
estudante ou o iniciante nestas leituras poderá ser capaz de defender suas razões e
de demonstrar que acredita nelas. Também analisaremos um artigo como exem-
plo, para deixá-lo(a) mais confortável para lê-los.
Apresentaremos, no quarto e no último momento, o exercício sobre o escla-
recimento e a liberdade fundamentada em Immanuel Kant, em continuidade com
o momento anterior. Começaremos com a resposta, em via de esclarecimento,
acompanhando passo a passo a trajetória realizada pelo autor. Além disso, trata-
remos dos pressupostos, a fim de realizar o exercício da hermenêutica filosófica
fundamentado em Gadamer. Partiremos da hermenêutica tradicional – que
trata das teorias de interpretação, da arte de interpretação por meio do exercí-
cio da leitura de textos escritos – para a hermenêutica moderna, como tudo o
que envolve o processo interpretativo de modo geral.
Acreditamos, assim, que lhe apresentaremos subsídios necessários para exer-
citar sua escrita e leitura de textos filosóficos.

Introdução
188 UNIDADE V

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
EXERCÍCIO DE DIFERENCIAÇÃO DE ARTIGOS
CIENTÍFICOS E FILOSÓFICOS

De acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) (NBR 6022,


p.2), um artigo científico pode ser definido como a “publicação com autoria decla-
rada, que apresenta e discute ideias, métodos, técnicas, processos e resultados nas
diversas áreas do conhecimento”. Tem como veículo as revistas científicas com
publicações periódicas ou permanentes, ou seja, podem receber artigos a qual-
quer momento do ano. Nas revistas científicas, ocorrem publicações de dossiês
sobre tema ou cientista em específico. Além do mais, as publicações científi-
cas têm como objetivo publicar novas descobertas no campo da ciência, novos
resultados a respeito de determinado assunto, contestar resultados anteriores
ou apresentar respostas para problemas controversos. Todas as características
mencionadas estão contidas nas revistas filosóficas, contudo são acrescentados
os aspectos próprios do conhecimento filosófico.
O artigo científico tem como uma de suas particularidades a concisão do
tema, o que o difere da monografia. Nesta há a possibilidade de melhor detalhar
o assunto delimitado, desenvolvendo-o em vários capítulos. No artigo, por sua
vez, isso não é permitido. A monografia tem como uma das características ser
uma pesquisa bibliográfica, com a finalidade de verificar a capacidade de síntese

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


189

e de análise de dados por parte do estudante; não tem a exigência de origina-


lidade sobre o tema ou o problema, mas de revelar a capacidade pesquisa, seja
de campo ou bibliográfica. Apesar das diferenças, muitas instituições de ensino
substituem a exigência da monografia pelo artigo científico ao final do curso.
Essas características e exigências de monografia e de artigos estão presentes na
pesquisa filosófica, além de outros requisitos específicos da filosofia.
Outro aspecto do artigo científico, além da concisão de dados e de ideias apre-
sentadas, é a passagem por processo rigoroso de correção, não apenas da língua
corrente, na verificação da obediência às regras da linguagem, mas do conteúdo
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

em questão. As revistas científicas repassam os artigos para três avaliações ad hoc


(para o caso em específico), para analisar e apresentar parecer justificado ou soli-
citar correções e alterações antes do aceite definitivo. Os pareceristas, além das
correções, devem ser convencidos da relevância científica atribuída ao texto em
questão, isto é, se acrescenta conhecimentos e informações para a comunidade
científica da qual o cientista faz parte. Essas características das revistas científi-
cas estão presentes no mesmo formato para as revistas filosóficas.
De acordo com os livros de metodologias científicas, como, por exemplo,
Marconi e Lakatos (2005), os artigos científicos, no que diz respeito aos con-
teúdos, devem apresentar estudo pessoal, descoberta ou enfoque diferente, ou
contrário ao conhecido até então. Outra característica é a apresentação de solu-
ções e de questões em que há controversas sobre determinado assunto, ou seja,
tornar público o conhecimento intelectual ou especializado de ideias originais,
para verificação de opiniões ou atualização de alguns informes. Por fim, expor
aspectos secundários, que surgiram nas pesquisas e que poderiam não ser uti-
lizados nela.
No caso do artigo filosófico, além de conter todas as características do artigo
científico, há os aspectos da especificidade da filosofia, conforme exposto nas
unidades anteriores. Sua particularidade está na defesa racional de uma tese,
com argumentos e problematização dos problemas ou temas filosóficos. Difere
claramente do artigo de pesquisa ou literário, visto que não é uma narrativa ou
um relato de vários filósofos que discorreram sobre determinado tema. Ele tam-
bém não descreve as últimas descobertas da filosofia nem as percepções sobre
um assunto.

Exercício de Diferenciação de Artigos Científicos e Filosóficos


190 UNIDADE V

ASPECTOS DE UM PAPER

Muitos alunos já ouviram falar sobre


artigo filosófico e paper. Há dúvidas sobre
as diferenças entre eles, tanto na escrita
quanto na leitura. Antes de mais nada,
vamos diferenciá-los. Os papers podem
ser caracterizados como o posicionamento
pessoal em um “mini artigo” filosófico ou

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
científico, a respeito de tema posto por ter-
ceiros (professor, congresso, seminários
sobre aspectos de bibliografia, documen-
tos, pesquisa experimental, debates, entre
outros) sobre temas de uma área da filoso-
fia, cuja finalidade é a discussão de ideias
clássicas sob enfoques contemporâneos e
o aprofundamento da análise dos aconte-
cimentos, dos métodos, das técnicas e dos
resultados das pesquisas.
O foco na construção dos papers é a objetividade, a clareza e a observância
dos termos técnicos e o culto à linguagem. As expressões coloquiais, as gírias, os
juízos de valor e os adjetivos desnecessários devem ser deixados de lado, para que
o paper não seja demasiado resumido e não dificulte a compreensão. É preciso
ter cuidado na elaboração do título, para que corresponda ao conteúdo proposto.
Um bom paper deve ter entre 10 (dez) e 15 (quinze) páginas bem fundamen-
tadas em, no mínimo, três pensadores. Deve estar organizado ou seguir roteiro
com: esquema geral das ideias; apresentação inicial e seus objetivos; subdivisões,
para facilitar a compreensão do tema e os aspectos a serem destacados; e, claro,
introdução, desenvolvimento e conclusão.
A introdução é o primeiro contato que o leitor tem com o texto. É exi-
gido que seja direto em relação ao contexto da pesquisa, de forma didática,
com, em média, duas páginas – contendo o assunto e os seus objetivos, além

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


191

da justificativa e da importância teórica ou prática, a metodologia de forma


resumida, as limitações quanto à extensão e à profundidade e a sua forma
de organização. O desenvolvimento é o corpo do paper, com 80% das pági-
nas do trabalho, contendo os elementos essenciais para o convencimento.
Deve-se organizá-lo também didaticamente, com subdivisões para motivar
a leitura, apesar de não garantirem a qualidade e a consistência argumenta-
tiva. Contudo, a articulação lógica das estruturas ajuda na compreensão do
trabalho, no que se refere à unidade em à coerência textual. Por fim, a conclu-
são ou as considerações finais deve apresentar as informações para finalizar
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

o trabalho, mas não o assunto, devendo integrar as partes desenvolvidas na


discussão. É necessário destacar os resultados finais de forma breve e sinté-
tica, e retomar aspectos da introdução, para que o leitor compreenda todo o
trabalho e as suas implicações.
Com tais características, fica claro que o paper é diferente da monografia, da
dissertação, da tese e do artigo filosófico. Ao produzi-lo, o estudante ou iniciante
na filosofia inicia uma aproximação aos conceitos, às teorias ou às hipóteses de
trabalho para discuti-las detalhadamente. Deve-se reunir o máximo de informa-
ções – de livros, de revistas científicas e de outros documentos de valor científico
– antes de começar a escrever.

LEITURA DE ARTIGO FILOSÓFICO

Para identificar e ler um artigo filosófico, é importante verificar no texto algumas


características, além das particularidades já mencionadas do artigo científico e
do paper. É preciso estar atento à sua especificidade: a defesa racional de uma
tese. Este é o elemento central, a identidade do texto acompanhada das argu-
mentações filosóficas. O estudante de filosofia ou iniciante dos textos filosóficos
deve realizar uma leitura atenta, buscando localizar a ideia central, já denun-
ciada pelo tema, expressa no título do artigo. No primeiro momento, deve-se
fazer a leitura descritiva para buscar o que o autor acredita que estamos estu-
dando. A discussão das ideias postas faz parte do segundo momento.

Exercício de Diferenciação de Artigos Científicos e Filosóficos


192 UNIDADE V

A leitura descritiva da tese central – dos argumentos filosóficos utilizados


pelo autor – deve ser benfeita e com objetividade, isto é, o pensamento do autor
deve ser descrito de forma rigorosa. Este momento não pode ser confundido
com o segundo, o da discussão. Não raro, encontrarmos estudantes ou iniciantes
nos estudos filosóficos que confundem os dois momentos e, com isto, a leitura
se torna extremamente malfeita, gerando preconceitos, incompreensões e injus-
tiças com o autor. A objetividade é exercício que exige muita disciplina e atitude
ética para com o artigo estudado ou investigado.
O segundo momento é a discussão das ideias do pensador como etapa de

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
finalização do primeiro. Não é suficiente compreender um texto rigorosamente
sob o ponto de vista do autor, mas é preciso aprender a discuti-lo. Nesta etapa,
deve-se levantar objeções à ideia central, apresentar contraexemplos, demons-
trando que determinada visão não corresponde totalmente à realidade. Se o texto
foi compreendido, as objeções sempre serão pertinentes a ponto de poder esta-
belecer diálogos com os professores e os colegas sobre o assunto em questão;
caso contrário, aparecem as chamadas objeções “tolas”, desconexas e impreci-
sas, demonstrando claramente que o texto não foi compreendido. Diante disso,
os estudantes ou iniciantes nas leituras não têm liberdade para errar na compre-
ensão e na interpretação das ideias centrais e secundárias do texto, o que pode
comprometer todo o trabalho realizada até então.
Os dois momentos devem ser complementados, a fim de que os estudantes
e os iniciantes realizem leitura atenta e objeções inteligentes das ideias estuda-
das, demonstrando, assim, a compreensão correta e completa do pensamento
do autor. A leitura atenta é ativa na compreensão e no questionar de cada passo
do texto e, ao mesmo tempo, pode indicar as razões que temos para aceitar ou

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


193

para rejeitar as ideias analisadas. A combinação das duas formas de análise do


texto constitui o núcleo do que é estudar corretamente a filosofia. As ideias
secundárias, que alimentam as ideias centrais, representam as razões do autor
em relação ao tema.
Só a leitura atenta do artigo pode distinguir suas diferentes partes e como
elas estão relacionadas entre si. Temos partes de ideias defendidas, ideias usa-
das para defendê-las, ideias secundárias, ideia central e aquelas distribuídas nas
seções, nos capítulos ou em outras partes. A leitura correta pode abordar essas
diversas ideias distribuídas ao longo do texto, que apresentam funções em dife-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

rentes papéis. Outra função é desempenhada pela lógica, na compreensão do


texto, além, claro, do bom uso da língua corrente.
Para Murcho ([s.d]), há indicadores que possibilitam identificar os elementos
necessários para a compreensão do texto – indicadores lógicos e da língua por-
tuguesa como premissa de introdução e de conclusão em um texto. O primeiro
instrumento da língua portuguesa são os indicadores de premissas, apresentados
na introdução como: porque…; pois…; dado que…; visto que…; devido a…; a
razão é que…; admitindo que…; sabendo-se que…; supondo que…”. Já os indi-
cadores de premissas de conclusão lógica podem ser: “logo…; portanto…; por
isso…; por conseguinte...; implica que…; daí que…; segue-se que...; infere-se
que…; consequentemente...”. O segundo instrumento da lógica aparece em forma
de palavras importantes, como: “não”, “se”, “ou”, “e”, “todos”, “alguns”, “nenhum”,
“possível”, “necessário”, “contingente”. Fazer uso das regras da lógica nos permite
deduzir as afirmações e as conclusões.

Exercício de Diferenciação de Artigos Científicos e Filosóficos


194 UNIDADE V

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
EXERCÍCIO SOBRE ESCREVER ARTIGO FILOSÓFICO

Este é o momento de tratarmos das origens da filosofia, esta que colabora com o
entendimento de que pensar um problema filosófico é difícil, visto que é neces-
sário ter domínio do pensamento dos filósofos que servem como suporte para
a nova produção filosófica. Contudo, demonstraremos que o ato da escrita não
deveria ser visto como uma tarefa penosa, mas se o estudante ou o iniciante dos
textos quer uma produção de excelência, de início, pode tornar-se muito difícil.
A filosofia é atividade intelectual de investigação que prima pela precisão con-
ceitual. A posição de um pensador deve ser apresentada de forma certeira, sem
margem para erro ou para dúvida e com indicação da fonte.

ESCRITA E ORIGINALIDADE NA FILOSOFIA

Os elementos para escrever artigo ou texto filosófico são diferentes dos demais,
pois esses tipos de textos têm identidade própria, que consiste na defesa racional
de uma tese baseada em argumentos filosóficos, ou seja, não pode ser um simples
relato ou uma exposição de opiniões dos pensadores. O aluno ou iniciante na lei-
tura filosófica deve ser capaz de defender suas razões e demonstrar que acredita
nelas. Há inúmeras possibilidades diante de uma tese a ser desenvolvida critica-
mente, por exemplo, apresentar um tema e criticá-lo, colocá-lo em cheque por

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


195

meio de perguntas, apresentar contraexemplos à tese, defendê-la contra a crítica


de outra pessoa, apresentar razões para acreditar nela, fazer uso de exemplos para
contribuir com a explicação da tese, a fim de torná-la compreensível, entre outros.
A revisão crítica de uma tese se faz necessária diante de alguma objeção, para
poder aceitar ou recusar, ou para verificar se as informações são suficientes para
tomá-la como verdadeira ou falsa. É importante definir para si mesmo os con-
ceitos e os argumentos para construir o seu convencimento sobre o assunto, e,
só depois, tentar convencer a outrem. Um artigo de filosofia começa a ser clas-
sificado como bom a partir do momento que procura ser modesto. Isto significa
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procurar um pequeno ponto, clara e diretamente, para oferecer as razões para


apoiá-lo e desenvolvê-lo de forma mais ampla, enquanto reflexão. O contrário
faz com que muitas pessoas queiram escrever um artigo longo ou com muitas
informações, o que resulta em um texto cheio de afirmações difíceis de serem
defendidas e mal explicadas, isto é, excessivamente ambicioso.
A filosofia sempre se moveu lentamente, mas com argumentos consistentes e
pensamentos profundos, a partir de questões que, no primeiro momento, apresentam-
-se como algo de interesse para alguns, somente. Contudo, aos poucos, ampliou-se e
surgiram afirmações originais. A busca da originalidade é a finalidade de todo e qual-
quer trabalho de pesquisa em filosofia, inclusive os artigos. O original é constituído
da apresentação de uma visão, uma abordagem que, até o presente momento, nin-
guém apresentou e deve estar fundamentada nas origens do pensamento filosófico
no decorrer da história da filosofia. Entendemos por origens toda filosofia consa-
grada pela história, os chamados clássicos do pensamento filosófico.
O vínculo às origens da filosofia torna o pensar um problema filosófico difí-
cil, visto que é necessário ter o domínio do pensamento dos filósofos que servem
como suporte para a nova produção. Para uma produção modesta, deve-se,
primeiro, realizar um esboço, ao qual deve conter questões como: ordem das
explicações dos termos, posições teóricas dos oponentes, ordem das críticas aos
oponentes, ordem dos argumentos, entre outros elementos. Essa estrutura contri-
buirá para a clareza do trabalho de forma geral. Dê muita atenção à estruturação
dos seus argumentos, dos pontos que você deseja criar e dizer qual é o seu argu-
mento principal. Todos estes e outros aspectos detalhados o ajudarão na hora
da escrita do artigo. O esboço corresponde a quase 80% do trabalho filosófico.

Exercício Sobre Escrever Artigo Filosófico


196 UNIDADE V

O leitor deve perceber claramente que seu trabalho tem estrutura clara e de
fácil percepção. Faz-se necessário que o leitor possa acompanhar cada movi-
mento dos pontos pensados por você, autor, ou seja, o caminho percorrido por
ele deve ser determinado, direcionado.
Acabamos de ver como X diz que P. Agora vou apresentar dois argu-
mentos que não-P. Meu primeiro argumento é… Meu segundo argu-
mento de que não-P é... X pode responder aos meus argumentos de
várias maneiras. Por exemplo, ele poderia dizer isso… Outra maneira
que X pode responder aos meus argumentos é alegando que... Então,
vimos que nenhuma das respostas de X ao meu argumento de que não-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
-P é bem-sucedida. Portanto, devemos rejeitar a afirmação de X de que
P. (PRYOR. 2019, p. 5)

Veja que, no fragmento apresentado, o autor direciona o olhar do leitor para o


objetivo traçado por ele. Isto possibilita a concisão do texto, ou seja, sem divaga-
ções com elementos não fundamentais, tendo em vista o tema ou o problema a
ser perseguido desde o início. O problema central ou a pergunta filosófica deve
estar presente, direta ou indiretamente, de forma clara a todo momento no artigo.

EXPLICAR-SE NO ARTIGO

No artigo, o aluno ou o iniciante deve


explicar-se de forma completa, devido à
facilidade de confundir a si mesmo ou ao lei-
tor no momento da escrita de um problema
filosófico. Faz-se necessário ter cuidado
especial para buscar a todo momento a cla-
reza de ideias filosóficas nas afirmações.
Assim, utilize linguagem simples e direta,
esforçando-se para construir parágrafos
curtos, com termos conhecidos na filoso-
fia, para expressar os seus pensamentos de
forma detalhada e sem rodeios. Por exem-
plo: imagine que o seu texto será lido por

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


197

alunos dos anos finais do ensino médio. Sua escrita deverá ser direta, sem o
rebuscamento de termos técnicos da filosofia ou expressões longas e confusas
para exprimir uma ideia simples ou complexa.
Às vezes, é necessário ler o texto em voz alta para verificar se é facilmente
compreendido. Tente responder algumas perguntas, como “esta afirmação real-
mente faz sentido?”, “o que isto significa?” e “há conexão entre isto e aquilo?”.
Esses questionamentos são fundamentais na busca por clareza, coerência e har-
monia na estruturação da escrita em questão. Orientações como essa representam
preocupação e responsabilidade com o texto produzido e, principalmente, com
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o seu leitor ou avaliador.


A filosofia é atividade intelectual de investigação que prima pela precisão
conceitual. A posição do pensador deve ser apresentada de forma certeira, sem
margem para erro ou para dúvida e com indicação da fonte. A filosofia é con-
siderada a mãe de todas as ciências, portanto, deve ser mais criteriosa e precisa
do que qualquer outra que conhecemos. Para a discussão, deve-se explicar pre-
cisamente ao leitor o que o texto busca dizer. O leitor não deve analisar a crítica
que você faz, sem antes saber o que o pensador diz realmente. Ao discutir os
elementos da filosofia de determinado estudioso, comece por separar seus argu-
mentos ou suas suposições importantes. Na separação, pergunte a si mesmo:
“esses argumentos são plausíveis?”, “são bons, realmente?” etc. Só depois deverá
tratá-los separadamente e utilizá-los no momento da escrita.
Ao tratar de um tópico ou de uma ideia, você deve explorá-lo ao máximo,
jamais jogá-lo em apenas uma frase e esperar que o leitor adivinhe o que quer dizer.
Em um texto, não é possível “querer dizer…”, diga diretamente o que pretende,
com clareza. Se possível, mas com muito cuidado, pode fazer uso de exemplos,
para deixar sua ideia mais clara e auxiliá-lo na argumentação. O exemplo deve
ser contextualizado, para dar suporte à ideia, visto que, em filosofia, o uso da
abstração é comum. Os exemplos são úteis para a compreensão de termos que
ocupam papel importante numa tese. Se houver apenas abstrações, a exposição
pode parecer descolada do mundo real, dificultando o entendimento no dia a dia.
Utilizando um exemplo para tratar do tema “respeito”, você pode aplicar o
seguinte raciocínio dedutivo (da premissa geral para o caso particular):

Exercício Sobre Escrever Artigo Filosófico


198 UNIDADE V

■ Toda pessoa deve ser respeitada.


■ Ora, o morador de rua é pessoa.
■ Logo, deve-se respeitar o morador de rua.

O exemplo nos ajuda a compreender o conceito sobre respeito às pessoas e demons-


tra a posição do autor do artigo, por mais que não esteja explícita. O valor sobre o
conceito de respeito ou de pessoa não está desenvolvido, contudo, na filosofia, ao
explicar o conceito, é possível apresentar uma visão diferente da usual, mas isto
deve ficar claro para o leitor. O estudante ou iniciante na escrita filosófica deve

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
responder questões como “o que é respeito?” e “o que é pessoa?” para história da
filosofia, e em que sentido quer fazer uso dos termos. A busca por explicações faz
com que a novidade se aproxime do escritor. Um artigo filosófico pode ser a aber-
tura da porta para que novos sentidos adentrem e se apresentem a todos.

CRÍTICA E OBJETIVIDADE NA ESCRITA

Em filosofia, para o uso de conceitos precisos,


os filósofos, frequentemente, buscam dar sen-
tidos técnicos exatos, transformando-os em
categorias (atributos e predicados). As primei-
ras categorias foram utilizadas por Aristóteles,
que as denominou “categorias do ser” e as clas-
sificou em dez atributos do “ser enquanto ser”.
São elas: substância, quantidade, qualidade, rela-
ção ou relativo, lugar, tempo ou data, situação
ou posição, posse ou estado ou condição, ação e
paixão. Ao utilizar qualquer uma delas, é neces-
sário explicar detalhadamente seus significados.

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


199

Mesmo quando os filósofos profissionais escrevem para outros filóso-


fos profissionais têm de explicar o vocabulário técnico especial que es-
tão a usar. Pessoas diferentes às vezes usam o vocabulário especial de
diferentes formas, por isso é importante ter certeza de que os nossos
leitores dão a estas palavras o mesmo significado. Faça de conta que
seus leitores nunca as ouviram antes. […] Se temos em mente discutir
as opiniões do filósofo X, temos de começar por descobrir quais são os
seus argumentos ou pressupostos centrais (PRYOR, 2019, p. 7).

Para discutir os argumentos com os pressupostos dos filósofos, faz-se necessário


ter capacidade crítica refinada, algo em construção em estudantes ou em ini-
ciantes na escrita. Esse aspecto só é alcançado a partir do exercício, assim como
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

a escrita e a leitura de textos filosóficos, ou seja, acontece de forma gradual na


vida intelectual. A crítica é sinônimo de análise, de capacidade de colocar um
argumento ou tese em crise. Criticar é dizer não, mostrar algo que não foi visto.
Observe a tese partilhada por Roberto Gomes em seu livro Crítica da razão
Tupiniquim (1983), no capítulo sobre filosofia e negação, ao afirmar que
Qualquer conhecimento inicia sendo negação, ou seja: como essencial-
mente crítico. O que não é, está visto, exclusividade da filosofia. Filoso-
far é deslocar a questão, tornar incomum a abordagem ao objeto, é ver
onde ninguém está enxergando (GOMES, 1983, p.32).

O aluno e o iniciante na escrita devem fazer uso da crítica, mesmo sendo ainda
incipiente, por isso, todo cuidado é pouco. A crítica cuidadosa é sinônimo de
entendimento dessa ferramenta essencial para que a filosofia aconteça com pre-
cisão e objetividade. Esta é a capacidade que o leitor tem de olhar com os olhos
do filósofo, que construiu os argumentos filosóficos para defender sua tese.
Os filósofos às vezes dizem coisas perturbadoras, mas se a opinião que
você está atribuindo a um filósofo parece obviamente louca, então deve
reflectir melhor e descobrir se ele realmente diz o que você acha que
diz. Use a imaginação. Tente descobrir que opinião razoável o filósofo
poderia ter tido em mente, e dirija seus argumentos contra ela. Nos
nossos ensaios temos sempre de explicar qual é a perspectiva X que
queremos criticar, antes de fazê-lo. Se não o fizermos, o leitor não po-
derá julgar se a crítica que oferecemos a X é boa, ou se apenas se baseia
em uma má interpretação ou má compreensão do ponto de vista de
X. Assim, diga ao leitor o que acha que X afirma (PRYOR, 2019, p. 7).

Exercício Sobre Escrever Artigo Filosófico


200 UNIDADE V

A objetividade é uma capacidade que se adquire com o exercício de leitura e


de escrita de textos, mas o estudante ou iniciante tem a liberdade para contri-
buir na produção filosófica. O resumo dos fragmentos dos textos clássicos dos
pensadores deve ser feito somente do trecho que precisa, de fato, ser interpre-
tado e criticado, ou das partes que devem ser citadas para confirmar que é fiel
e justo com o pensador em questão. Quando tiver que posicionar-se diante da
tese analisada, o estudante ou iniciante deve deixar claro o seu posicionamento,
para que o leitor possa acompanhar o trajeto percorrido. Ao mesmo tempo, ele
poderá separar o que é análise e o que é a descrição do objeto analisado, o que

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
valoriza o trabalho realizado.

A atitude filosófica é crítica porque o ser humano tomado por tal atitude
duvida das verdades estabelecidas pela sociedade, como, por exemplo, as
regras estabelecidas, que são postas em dúvida e, dessa maneira, o homem
e a mulher, tomados pela crítica, fundamentam as suas crenças e não ficam
alienados frente às verdades que o meio lhes impõem, procurando pelo au-
toconhecimento. Outra característica da atitude filosófica é a criação, pois,
ao tomar consciência dos problemas que cercam a vida, o homem e a mu-
lher, perplexos com tais questões, reinventam-na. Desse modo, criam novas
saídas para resolver as inquietações que o mundo lhes apresenta.
Fonte: adaptado de Luis Santos (2010, on-line)¹.

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


201
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

EXERCÍCIO DE ANÁLISE DO ARTIGO DE KANT SOBRE


O ESCLARECIMENTO

Neste momento, faremos o exercício de análise de um artigo clássico como forma


de demonstrar um olhar entre outros sobre um dos temas ali presentes, no caso,
a liberdade, no sentido kantiano. Liberdade é fazer uso da razão e não como sim-
ples capricho – liberdade sem consequências ou responsabilidades. Esse olhar
deve apresentar, via de regra, novos elementos aos já vistos, o que possibilita ali-
mentar a curiosidade, elemento tão caro para a filosofia.

ARTIGO “O QUE É ESCLARECIMENTO?”

Em 05 de outubro de 1783, um jornal na Alemanha lançou um convite para


que os intelectuais participassem de um concurso. Eles deveriam escrever um
artigo que respondesse a pergunta: o que é esclarecimento? O artigo que ficou
em segundo lugar foi apresentado por Immanuel Kant (1724-1804).

Exercício de Análise do Artigo de Kant Sobre o Esclarecimento


202 UNIDADE V

Kant foi um dos maiores sistematizadores da história da filosofia. Escreveu o


artigo supracitado, seguindo os procedimentos, exatamente conforme as orienta-
ções já mencionadas, com um tema em forma de pergunta, que foi respondida.
Os argumentos utilizados no desenvolvimento são filosóficos e o estudioso fez
a defesa racional de sua tese como resposta à pergunta. Na defesa, contestou os
argumentos dos adversários e do senso comum sobre a tese defendida.
Esclarecimento (Aufklärung) significa a saída do homem de sua menori-
dade, pela qual ele próprio é responsável. A menoridade é a incapacidade
de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de um outro. É a si

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
próprio que se deve atribuir essa minoridade, uma vez que ela não resulta
da falta de entendimento, mas da falta de resolução e de coragem neces-
sárias para utilizar seu entendimento sem a tutela de outro. Sapere aude!
(ousa saber). Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento,
tal é o lema do Esclarecimento (KANT, [s. d.], p. 1).

No referido artigo, Kant responde a pergunta logo no início, ou seja, de forma


direta, como mencionamos, e, em seguida, aponta as causas da falta de esclareci-
mento, o não uso da razão. Nas primeiras linhas, é comum elaborar a introdução
sobre o tema, todavia o autor pode optar por ser direto e claro, não só respondendo
a questão, mas apontando as causas e as soluções para resolver o problema fun-
damental. Organizar o artigo dessa maneira pode assustar no primeiro momento,
mas o leitor, ao entrar em contato com o texto, sentirá um impacto importante
diante de uma tese para seguir a leitura até o final. Veja que a introdução cum-
priu adequadamente a sua finalidade sobre o tema proposto:
A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma parte tão grande
dos homens, libertos há muito pela natureza de toda tutela alheia (natu-
raliter majorennes), continuam a permanecer por toda sua vida menor; e
é por isso que é tão fácil a outros instituírem-se seus tutores. É tão cômo-
do ser menor. Se possuo um livro que possui entendimento por mim, um
diretor espiritual que possui consciência em meu lugar, um médico que
decida acerca de meu regime etc., não preciso eu mesmo esforçar-me.
Não sou obrigado a refletir, se é suficiente pagar; outros se encarregarão
por mim da aborrecida tarefa. Que a maior parte da humanidade (e es-
pecialmente todo o belo sexo) considere o passo a dar para ter acesso à
maioridade como sendo não só penoso, como ainda perigoso, é ao que se
aplicam esses tutores que tiveram a extrema bondade de encarregar-se de
sua direção. Após ter começado a emburrecer seus animais domésticos e

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


203

cuidadosamente impedir que essas criaturas tranquilas sejam autorizadas


a arriscar o menor passo sem o andador que as sustenta, mostram-lhes
em seguida o perigo que as ameaça se tentam andar sozinhas. Ora, esse
perigo não é tão grande assim, pois após algumas quedas elas acabam
aprendendo a andar; mas um exemplo desse tipo intimida e dissuade
usualmente toda tentativa ulterior (KANT, [s. d.], p. 2).

No segundo parágrafo do artigo, o autor inicia a apresentação dos seus argu-


mentos ao demonstrar as causas das dificuldades que fazem com que as pessoas
não saiam da condição da menoridade. Ele aponta como motivos a preguiça e
a covardia. Contudo, não detalha sobre estas razões de forma direta, mas induz
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

o leitor pensar. Sobre a preguiça, afirma que as pessoas não querem esforçar-se,
porque é cômodo ter alguém que faça por elas. O preguiçoso quer ser tratado
como menor, não quer caminhar com as próprias pernas. Fica evidente que a pre-
guiça é uma condição desejada desde a origem do homem na história. Portanto,
o preguiçoso não acabará, pois detém um atributo que faz parte da condição
humana, mas pode ser que o número de preguiçosos aumente ou diminua em
determinado momento da história de uma sociedade.
A covardia se apresenta em ter medo de andar com as próprias pernas, isto
é, de chegar à maioridade. Esta tem como uma das características a ousadia para
realizar os enfrentamentos, vencer os obstáculos apresentados pela existência.
A chegada da maioridade é um processo de evolução “natural”, o crescimento é
inevitável, mas a posição cômoda faz com que o sujeito veja perigos inexistentes,
que desaparecem depois de sofrer algumas quedas, fazendo-o aprender a cami-
nhar. A maioridade é algo parecido com os primeiros passos de uma criança antes
dos dois anos de idade. O covarde vê perigos e riscos em tudo que o tira da zona
de comodismo, de conforto. A covardia e a preguiça, segundo Kant, atingem a
maioria dos seres humanos em nossa sociedade e quanto mais a ciência e a tec-
nologia avançam, mais conforto possibilita. Com isto, muitas pessoas encontram
meios para serem acomodadas, dependentes, escravas de si mesmas e buscam
viver sob a proteção de outrem, com toda as suas manhas, seus caprichos e suas
vitimizações de si. Entretanto, a conta se aproxima mais cedo ou mais tarde –
como na velhice – e alguém terá de pagar. Esta é a condição da existência.

Exercício de Análise do Artigo de Kant Sobre o Esclarecimento


204 UNIDADE V

USO PÚBLICO E PRIVADO DA RAZÃO

No terceiro e no quarto parágrafos do


artigo, Kant analisa as dificuldades em
superar as causas descritas nos fragmen-
tos apresentados. No primeiro momento,
trata homem no sentido particular e, em
seguida, no sentido público. Ele contraria
o argumento de senso comum ao demons-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
trar que o meio social e a família, por não
saberem orientar seus pares, criam indiví-
duos preguiçosos e covardes, ou seja, não
são absolutamente culpados de estarem
nessa situação. A culpa deve ser partilhada
por aqueles que estão se relacionam dire-
tamente com os covardes e os preguiçosos.
É difícil, portanto, para
um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para
ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela,
sendo por ora realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento,
porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder. Preceitos
e fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso racional, ou, antes,
do abuso de seus dons naturais, são os grilhões de uma perpétua me-
noridade. Quem deles se livrasse só seria capaz de dar um salto inse-
guro mesmo sobre o mais estreito fosso, porque não está habituado a
este movimento livre. Por isso são muito poucos aqueles que conse-
guiram, pela transformação do próprio espírito, emergir da menorida-
de e empreender então uma marcha segura. Que, porém, um público
se esclareça a si mesmo é perfeitamente possível; mais que isso, se lhe
for dada a liberdade, é quase inevitável. Pois, encontrar-se-ão sempre
alguns indivíduos capazes de pensamento próprio, até entre os tutores
estabelecidos da grande massa, que, depois de terem sacudido de si
mesmos o jugo da menoridade, espalharão em redor de si o espírito de
uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem
em pensar por si mesmo (KANT, [s. d.], p. 3).

Uma vez formados o preguiçoso e o vagabundo, é difícil reverter o quadro, pois a


menoridade se transforma em “segunda natureza” (hábito). O indivíduo passa a
pensar que é assim e gosta de ser desse modo, não se imaginando de outra maneira.

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


205

Esse tipo de pensamento compromete o entendimento da pessoa, que acredita


ser incapaz de ter maturidade. Poucos conseguem sair dessa condição por si mes-
mos, sem intervenção coletiva, uma vez que o público tem mais possibilidades de
oferecer esclarecimentos, pois pode haver sujeitos que fazem uso do pensamento
próprio e influenciarão os outros, para que também façam uso da razão. Contudo,
esse processo acontece de forma muito lenta. Há casos em que apenas uma revo-
lução do coletivo pode fazer com o despotismo individual seja derrubado, isto é,
influenciar para que as pessoas deixem de lado a preguiça e a covardia.
No quinto parágrafo, Kant introduz a categoria fundamental do iluminismo
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na Alemanha e, em outros países da Europa, a liberdade. Muitas vezes, esta é


interpretada pelo senso comum como fazer o que quer ou o que tem vontade,
sem regras, sem limitações e sem obediência – não é, portanto, o entendimento
do autor do artigo. Vejamos os elementos a seguir para compreendermos o seu
posicionamento sobre a liberdade:
Para este esclarecimento, porém, nada mais se exige senão liberdade. E
a mais inofensiva entre tudo aquilo que se possa chamar liberdade, a sa-
ber: a de fazer um uso público de sua razão em todas as questões. Ouço,
agora, porém, exclamar de todos os lados: não raciocineis! O oficial diz:
não raciocineis, mas exercitai-vos! O financista exclama: não raciocineis,
mas pagai! O sacerdote proclama: não raciocineis, mas crede! (Um único
senhor no mundo diz: raciocinai, tanto quanto quiserdes, e sobre o que
quiserdes, mas obedecei!). Eis aqui por toda a parte a limitação da liber-
dade. Que limitação, porém, impede o esclarecimento? Qual não o im-
pede, e até mesmo favorece? Respondo: o uso público de sua razão deve
ser sempre livre e só ele pode realizar o esclarecimento entre os homens.
O uso privado da razão pode, porém, muitas vezes, ser muito estreita-
mente limitado, sem contudo por isso impedir notavelmente o progresso
do esclarecimento. Entendo, contudo, sob o nome de uso público de sua
própria razão aquele que qualquer homem, enquanto faz dela diante do
grande público do mundo letrado. Denomino uso privado aquele que
o sábio pode fazer de sua razão em um certo cargo público ou função
a ele confiado. Ora, para muitas profissões que se exercem no interesse
da comunidade, é necessário um certo mecanismo, em virtude do qual
alguns membros da comunidade devem comportar-se de modo exclu-
sivamente passivo para serem conduzidos pelo governo, mediante uma
unanimidade artificial, para finalidades públicas, ou pelo menos devem
ser contidos para não destruir essa finalidade. Em casos tais, não é sem
dúvida permitido raciocinar, mas deve-se obedecer (KANT, [s. d.], p. 4).

Exercício de Análise do Artigo de Kant Sobre o Esclarecimento


206 UNIDADE V

Liberdade é tida, no texto, como o fazer uso da razão, do entendimento, pri-


vada ou publicamente. Por um lado, o uso privado significa obedecer às regras
ou às ordens determinadas pelo seu superior ou chefe. Obedecer é fazer uso da
liberdade, visto que não é possível não obedecer. Portanto, ao obedecer exerço
a minha liberdade e cumpro as obrigações que me foram confiadas pela coleti-
vidade ou por instância superior. Por exemplo, uma pessoa ferida chega a um
pronto socorro; os enfermeiros e médicos dizem “hoje não quero atender nin-
guém, não estou a fim”. Isto não é liberdade, mas capricho. Mesmo contra a
vontade pessoal, os funcionários devem exercer sua liberdade e fazer o que têm

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de fazer. Isto é ser livre, pois podem não fazer.
Por outro lado, o uso público significa expressar os seus pensamentos diante
de um público, mas que deve, primeiro, realizar a tarefa que lhe foi confiada,
ou pagar o que é apresentado como se fosse devido, por exemplo, um imposto
– depois de obedecer à ordem ou pagar um imposto, é possível manifestar opi-
niões publicamente, oral ou por escrito.
Primeiro, é preciso obedecer, para que a vida em sociedade não se transforme
em caos, visto que muitos não fazem uso da razão de forma sábia. Sem seguir as
regras, querem protestar ou manifestar, atitude que os superiores classificarão
como incoerente ou irresponsável, acreditarão que o não obedecer é uma des-
culpa para manter a condição de preguiçoso ou covarde. Obedecer é sinônimo
de liberdade. Assim, após obedecer às regras da convivência social, deve-se fazer
uso da razão traduzida em liberdade. Esta, quando exercida por meio da razão,
demonstra, por meio do indivíduo, que possui conhecimentos sobre tal atividade
prática ou teórica e, como cidadão, deve manifestar publicamente suas ideias e
opiniões sobre os assuntos que lhe forem convenientes.

ESCLARECIDOS SEGUEM REGRAS

O uso público da razão deve ocorrer, inclusive, em instituições cuja obediência


deve ser seguida com todo rigor, por exemplo, a religião. O religioso, o sacer-
dote ou o pastor, mesmo não concordando com os preceitos de seus líderes, deve
segui-los, obedecê-los, para só depois manifestar a sua opinião publicamente, por

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


207

escrito ou por ações. Assim, a liberdade se manifesta carregada de responsabilida-


des, não somente em relação ao outro, seu superior, mas a toda coletividade social.
Portanto, no sentido kantiano, a liberdade significa fazer uso da razão e não um
simples capricho, como a liberdade sem consequências (como se isto fosse possível):
Do mesmo modo também o sacerdote está obrigado a fazer seu sermão
aos discípulos do catecismo ou à comunidade, de conformidade com o
credo da Igreja a que serve, pois foi admitido com esta condição. Mas,
enquanto sábio, tem completa liberdade, e até mesmo o dever, de dar
conhecimento ao público de todas as suas ideias, cuidadosamente exa-
minadas e bem-intencionadas, sobre o que há de errôneo naquele cre-
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do, e expor suas propostas no sentido da melhor instituição da essência


da religião e da Igreja. Nada existe aqui que possa constituir um peso na
consciência. Pois aquilo que ensina em decorrência de seu cargo como
funcionário da Igreja, expõe-no como algo em relação ao qual não tem
o livre poder de ensinar como melhor lhe pareça, mas está obrigado
a expor segundo a prescrição de um outro e em nome deste. Poderá
dizer: nossa igreja ensina isto ou aquilo; estes são os fundamentos com-
probatórios de que ela se serve (KANT, [s. d.], p. 6).

Caso discorde das orientações ou das regras da instituição religiosa ou civil, o indi-
víduo tem a liberdade de renunciar o cargo que lhe foi confiado, mas só depois de
ter cumprido os seus deveres como membro, cidadão ou integrante da instituição.
Portanto, ao obedecer, o indivíduo é livre; seguir regras é sinônimo de liberdade,
fazendo ou não uso da razão, de forma pública ou privada. Essa é a essência do
conceito de liberdade a partir do iluminismo, inclusive, no sentido kantiano.

Exercício de Análise do Artigo de Kant Sobre o Esclarecimento


208 UNIDADE V

No sexto parágrafo do artigo, Kant afirma que não há contradições no uso


privado da razão, visto que a liberdade sempre faz parte desta faculdade, de
poder escolher entre seguir ou não uma regra, obedecer ou não obedecer, mesmo
estando em instituições extremamente fechadas. Contudo, o uso da razão pos-
sibilita ao indivíduo exercer uma liberdade ilimitada, no sentido do seu poder
de escolha, mas, sempre, assumindo as consequências.
Em todo caso, porém, pelo menos nada deve ser encontrado aí que seja
contraditório com a religião interior. Pois se acreditasse encontrar esta
contradição não poderia em sã consciência desempenhar sua função,

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teria de renunciar. Por conseguinte, o uso que um professor empregado
faz de sua razão diante de sua comunidade é unicamente um uso priva-
do, porque é sempre um uso doméstico, por grande que seja a assem-
bleia. Com relação a esse uso ele, enquanto padre, não é livre nem tem
o direito de sê-lo, porque executa uma incumbência estranha. Já como
sábio, ao contrário, que por meio de suas obras fala para o verdadeiro
público, isto é, o mundo, o sacerdote, no uso público de sua razão, goza
de ilimitada liberdade de fazer uso de sua própria razão e de falar em
seu próprio nome. Pois o fato de os tutores do povo (nas coisas espi-
rituais) devem ser eles próprios menores constitui um absurdo que dá
em resultado a perpetuação dos absurdos (KANT, [s. d.], p. 4).

O uso público da razão tem alcance universal, por isso pode ser ilimitada enquanto
ação livre. Outro aspecto que merece destaque na argumentação é sobre o com-
portamento do sábio diante de pessoas livres. Ele tem a clareza do seu poder no
uso da razão para influenciar e intervir na razão alheia, conhece a força do conhe-
cimento para modificar os comportamentos. Assim, surge uma questão: há forma
determinada de uma classe (por exemplo, a dos religiosos) impor seu credo e suas
regras em forma de contrato para impedir o esclarecimento de todo um povo? Veja
a resposta de Kant para uma hipótese lançada a uma sociedade fechada à crítica:

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


209

Isto é inteiramente impossível, digo eu. Tal contrato, que decide afastar
para sempre todo ulterior esclarecimento do gênero humano, é sim-
plesmente nulo e sem validade, mesmo que fosse confirmado pelo po-
der supremo, pelos parlamentos e pelos mais solenes tratados de paz.
Uma época não pode se aliar e conjurar para colocar a seguinte em um
estado em que se torne impossível para esta ampliar seus conhecimen-
tos (particularmente os mais imediatos), purificar-se dos erros e avan-
çar mais no caminho do esclarecimento. Isto seria um crime contra
a natureza humana, cuja determinação original consiste precisamente
neste avanço (KANT, [s. d.], p. 5).

Os crimes que ocorrem em relação à natureza humana decorrem pela falta de


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esclarecimento. Os chamados sábios (no caso, os religiosos) não podem ser


impedidos de duvidar, de questionar sobre os princípios, sobre as regras insti-
tucionais que contribuem para o aperfeiçoamento da humanidade. Este é um
dever da atual geração para com as futuras gerações, que têm o direito de rece-
ber um mundo melhor, mais esclarecido, desenvolvido e humano do que o atual.

A Dialética do Esclarecimento é um diagnóstico potente do pós-guerra, é a


afirmação de que o projeto do iluminismo saiu pela culatra. A grande ques-
tão é, se o esclarecimento (o iluminismo e toda sua tentativa de universalizar
o conhecimento) deveria levar a espécie humana para sua maioridade, en-
tão, por que o nazi-fascismo cresceu de maneira tão forte? Por que as massas
apoiavam Hitler, Mussolini, Salazar e seus companheiros? Os regimes fascistas
deixavam a exploração e a dominação claros. Eram regimes que não tinham a
preocupação de utilizar aparelhos estatais para disfarçar a dominação.
Fonte: adaptado de Siqueira (2014, on-line)².

Exercício de Análise do Artigo de Kant Sobre o Esclarecimento


210 UNIDADE V

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EXERCÍCIOS SOBRE ESCLARECIMENTO E LIBERDADE

Neste momento, daremos continuidade à análise anterior sobre o artigo de Kant,


mas abordaremos elementos diferentes que se complementam na totalidade do
exposto. Dentre eles está a liberdade, que possibilita a autodisciplina, seja de um
civil ou de um soldado. A liberdade garante também o cumprimento de regras
estabelecidas para o bem da coletividade, de forma geral. Como vimos, obedecer
é sinônimo de liberdade, então, as pessoas devem ser livres para exercitar o pen-
sar e o obedecer.

EM VIA DE ESCLARECIMENTO

Avançamos na análise do artigo de Immanuel Kant sobre a resposta à pergunta “o


que é esclarecimento?” e, diferente do momento anterior, em que apresentamos
as causas da ausência do esclarecimento ou de estar em via de esclarecimento,
trataremos objetivamente sobre a resposta apresentada pelo autor. Quando uma
pergunta fundamental é exteriorizada, o filósofo necessariamente deve respondê-
-la de forma direta, para que o leitor possa refletir sobre ela. Vejamos a resposta
de Kant e seus argumentos:
Se for feita então a pergunta: “vivemos agora uma época esclarecida”?, a
resposta será: não, vivemos em uma época de esclarecimento. Falta ainda
muito para que os homens, nas condições atuais, tomados em conjunto,
estejam já numa situação, ou possam ser colocados nela, na qual em ma-
téria religiosa sejam capazes de fazer uso seguro e bom de seu próprio

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


211

entendimento sem serem dirigidos por outrem. Somente temos claros


indícios de que agora lhes foi aberto o campo no qual podem lançar-se
livremente a trabalhar e tornarem progressivamente menores os obstá-
culos ao esclarecimento geral ou à saída deles, homens, de sua menori-
dade, da qual são culpados. Considerada sob este aspecto, esta época é a
época do esclarecimento ou o século de Frederico (KANT, [s. d.], p. 7).

A resposta é negativa sobre se vivemos em uma época esclarecida. Vivemos em


uma época em via de esclarecimento, na qual temos aspectos de despotismo –
de forma espiritual, no sentido pessoal e de forma coletiva, enquanto povo ou
nação –, visto que os obstáculos ainda não foram superados, não somente em
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

relação às causas, mas também à preguiça e à covardia. Além disso, muitos não
fazem uso de seu entendimento e vivem sob a tutela de alguém. Há, inclusive,
aqueles que, por seguirem uma religião, não fazem uso seguro e bom sobre o
entendimento e seguem a outrem.
Mesmo a resposta sendo negativa, o pensador apresenta elementos positivos
para que vejamos os sinais de um possível avanço em relação ao esclarecimento
das pessoas. Os claros indícios de que temos avançado no que se refere ao aumento
do uso que as pessoas fazem de seu entendimento, mas ele alerta que ainda falta
muito para que sejamos, de fato, esclarecidos. O exemplo citado foi o governo
de Frederico I, na Prússia (1688-1740) – a Alemanha ainda não havia feito a
unificação. O monarca foi considerado por muitos um esclarecido, pois criou
escolas, garantiu a liberdade religiosa, acabou com a servidão dos camponeses
e deixou, para o seu sucessor, um país próspero. Os avanços podem tornar os
obstáculos mais fáceis para o esclarecimento geral das pessoas, em um cenário
em que elas mesmas são as culpadas por viverem como menores, como crianças.
Um príncipe que não acha indigno de si dizer que considera um dever
não prescrever nada aos homens em matéria religiosa, mas deixar-lhes
em tal assunto plena liberdade, que, portanto, afasta de si o arrogante
nome de tolerância, é realmente esclarecido e merece ser louvado pelo
mundo agradecido e pela posteridade como aquele que pela primeira vez
libertou o gênero humano da menoridade, pelo menos por parte do go-
verno, e deu a cada homem a liberdade de utilizar sua própria razão em
todas as questões da consciência moral. Sob seu governo os sacerdotes
dignos de respeito podem, sem prejuízo de seu dever funcional expor li-
vre e publicamente, na qualidade de súditos, ao mundo, para que os exa-
minasse, seus juízos e opiniões num ou noutro ponto discordante do cre-
do admitido. Com mais forte razão isso se dá com os outros, que não são

Exercícios Sobre Esclarecimento e Liberdade


212 UNIDADE V

limitados por nenhum dever oficial. Este espírito de liberdade espalha-se


também no exterior, mesmo nos lugares em que tem de lutar contra obs-
táculos externos estabelecidos por um governo que não se compreende a
si mesmo. Serve de exemplo para isto o fato de num regime de liberdade
a tranquilidade pública e a unidade da comunidade não constituírem em
nada motivo de inquietação. Os homens se desprendem por si mesmos
progressivamente do estado de selvageria, quando intencionalmente não
se requinta em conservá-los nesse estado (KANT, [s. d.], p. 08).

No fragmento acima, o argumento utilizado para exemplificar o seu entendi-


mento sobre o que significa uma pessoa ser esclarecida – no caso, um monarca
tolerante –, faz com que o seu conceito de esclarecimento seja melhor compre-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
endido pelo leitor. Veja que o exemplo escolhido cumpriu exatamente o papel de
modelo, padrão ou paradigma a ser utilizado para que uma ideia seja explicada
com clareza. A exploração do exemplo na filosofia tem desenvolvimento preciso
e objetivo, a ponto de tornar-se algo parecido com um subtema, demonstrando
que ocupa espaço privilegiado na argumentação para dar sustentação à tese.

TOLERÂNCIA: SINAL DE ESCLARECIMENTO

A tolerância religiosa, citada como exemplo, pode ser sinal de esclarecimento pelo
fato de permitir que as pessoas exerçam sua liberdade plenamente. A religião, com
suas vantagens e desvantagens em uma
sociedade, deve ser vista como um desejo,
em que somente a pessoa pode decidir se
agrega ou não a esta comunidade. É um
direito que deve ser respeitado por todos,
inclusive pelos governantes. É dever de
todo indivíduo tolerar o querer do outro,
desde que não prejudique qualquer mem-
bro da sociedade. Cabe ao Estado aplicar
as normas para garantir a convivência
pacífica e responsável na sociedade, que
é composta por todos os tipos de pessoas,

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


213

exercendo suas liberdades de forma plena. Tolerar quer dizer ser capaz de aceitar
o outro em seu exercício de liberdade como ser humano, mesmo sem concordar.
Segundo Kant ([s. d.]), quando as pessoas começam a aceitar o exercício da
liberdade de forma plena, servem de referência para outras pessoas, a ponto de
espalhar-se pelo mundo como um remédio para enfrentar a doença da ignorân-
cia e servir de estímulo para superar os obstáculos estabelecidos por governos.
As próprias pessoas que vivem em sociedade serão beneficiadas, caso os obstá-
culos postos sejam derrubados ou superados no exercício da liberdade plena. Em
sua argumentação, o pensador apresenta o outro lado de uma sociedade esclare-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

cida, ao dizer que, em um regime de liberdade, a tranquilidade pública não está


isenta de desafios, ou seja, está longe de ser algo sem inquietação.
Kant afirma que o viver em determinados lugares (sociedades) cria condições
para que as pessoas possam desejar sair do estado de selvageria e, consequen-
temente, buscar um viver melhor. Para isto, faz-se necessário o exercício da
liberdade. “Os homens se desprendem por si mesmos progressivamente do estado
de selvageria, quando intencionalmente não se requinta em conservá-los nesse
estado” (KANT, [s. d.], p. 6). O desprender de si acontece à medida que se con-
fronta com o outro, isto é, a relação de alteridade provoca o sair de si mesmo.
Acentuei preferentemente em matéria religiosa o ponto principal do es-
clarecimento, a saída do homem de sua menoridade, da qual tem a culpa.
Porque no que se refere às artes e ciências nossos senhores não têm ne-
nhum interesse em exercer a tutela sobre seus súditos, além de que tam-
bém aquela menoridade é de todas a mais prejudicial e mais desonrosa.
Mas o modo de pensar de um chefe de Estado que favorece a primeira vai
ainda além e compreende que, mesmo no que se refere à sua legislação,
não há perigo em permitir a seus súditos fazer uso público de sua pró-
pria razão e expor publicamente ao mundo suas ideias sobre uma melhor
compreensão dela, mesmo por meio de uma corajosa crítica do estado
de coisas existentes. Um brilhante exemplo disso é que nenhum monarca
superou aquele que reverenciamos (KANT, [s. d.], p. 6).

Neste momento do artigo, a preocupação da argumentação do pensador está


centrada em justificar as suas escolhas. Ao mesmo tempo, ele revela a visão dos
senhores de sua época, que querem os indivíduos sob suas tutelas para controlar
as ações, tentando, a todo momento, privá-los do exercício da liberdade. A reli-
gião, em muitos momentos da história, serviu de controle ideológico dos poderes
constituídos. Nos tempos de Kant, quem fugiu desse roteiro do poder foi Frederico
I, da Prússia. Mesmo assim, os únicos culpados pela falta de esclarecimento são

Exercícios Sobre Esclarecimento e Liberdade


214 UNIDADE V

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as próprias pessoas, que deixam ser contaminadas pela preguiça e pela covardia,
ou seja, abrem mão do uso da razão de forma pública ou privada.

LIBERDADE COMO EXPRESSÃO MÁXIMA DOS ESCLARECIDOS

Para os filósofos iluministas, como Kant, a liberdade é a expressão máxima daquilo


que o ser humano é. Na introdução do artigo, o pensador destaca o “ousa saber”
(sapere aude), que traduz bem as características de uma pessoa que goza do exercí-
cio da liberdade plena, fazendo uso de seu entendimento para sair da menoridade
e tornar-se uma pessoa esclarecida, autônoma e independente, ou seja, senhor(a)
de si, de suas ações e pensamentos para ser feliz. Ser autônomo é ter a capacidade
de criar, por meio da razão, as regras morais de como viver em sociedade para si
mesmo, apesar dos condicionamentos sociais – é sinônimo de liberdade.
Mas também somente aquele que, embora seja ele próprio esclarecido,
não tem medo de sombras e ao mesmo tempo tem à mão um numeroso
e bem disciplinado exército para garantir a tranquilidade pública, pode
dizer aquilo que não é lícito a um Estado livre ousar: raciocinais tanto
quanto quiserdes e sobre qualquer coisa que quiserdes; apenas obe-
decei! Revela-se aqui uma estranha e não esperada marcha das coisas
humanas; como, aliás, quando se considera esta marcha em conjunto,
quase tudo nela é um paradoxo. Um grau maior de liberdade civil pare-
ce vantajoso para a liberdade de espírito do povo e, no entanto, estabe-
lece para ela limites intransponíveis; um grau menor daquela dá a esse
espaço o ensejo de expandir-se tanto quanto possa (KANT, [s. d.], p. 7).

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


215

Veja que é muito comum, nos artigos de filosofia, os argumentos da tese central
aparecerem no final, conforme mencionamos anteriormente. Kant afirma que
os esclarecidos, fazendo uso de seus entendimentos, não têm mais medo. Este
representa a ignorância, cuja essência é a falta de conhecimento sobre aquilo
que a faz temer. Uma vez compreendido e explicado, perde-se o medo, – eis o
primeiro resultado do entendimento. Por isso, a liberdade garante e sustenta a
ousadia para superar os obstáculos que tentam impedi-la de seu pleno exercício.
As pessoas devem ser livres para pensar e para obedecer. Segundo o autor,
isso aparenta ser um paradoxo, mas apenas aparenta. A liberdade em obedecer
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

faz com que as ações sejam mais objetivas e com melhor qualidade. A liberdade
civil de um povo deve prevalecer sobre as liberdades menores ou individuais,
que não podem ser confundidas com caprichos, ou seja, fazer o que quiser sem
assumir as responsabilidades civis e pessoais de seus atos.
Se, portanto, a natureza por baixo desse duro envoltório desenvolveu o ger-
me de que cuida delicadamente, a saber, a tendência e a vocação ao pensa-
mento livre, este atua em retorno progressivamente sobre o modo de sentir
do povo (com o que este se torna capaz cada vez mais de agir de acordo
com a liberdade), e finalmente até mesmo sobre os princípios do governo,
que acha conveniente para si próprio tratar o homem, que agora é mais do
que simples máquina, de acordo com a sua dignidade (KANT, [s. d.], p. 7).

Para finalizar o artigo, Kant utiliza como argumento a ideia de que a natureza do ser
humano é ser livre, por mais que esteja envolto em aparências diversas. Essa vocação
(à liberdade) pertence a todo ser humano, mesmo aqueles que estão na menori-
dade, que podem senti-la à medida que o espírito de um povo progressivamente se
manifesta e os provoca a observar os comportamentos dos seus concidadãos, fun-
damentados nos usos do entendimento no dia a dia da práxis social. A vocação ao
pensamento livre possibilita ao indivíduo o agir livre, inclusive sobre os princípios
de um governo que os trata como meio e não como fim, ferindo, assim, sua digni-
dade. Esta e a liberdade caminham juntas e se complementam, visto que a pessoa
não pode ser aprisionada por seus medos, crenças e mitos, e não possui preço, como
uma mercadoria ou um objeto para usufruto de outrem.

Exercícios Sobre Esclarecimento e Liberdade


216 UNIDADE V

Na chamada Escola de Frankfurt, Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert


Marcuse, Erich Fromm, Friedrich Pollock, Walter Benjamin, entre outros fo-
ram responsáveis pela criação de um corpo teórico vasto e heterogêneo em
ciências humanas, conhecido tradicionalmente como Teoria Crítica da So-
ciedade. A partir da década de 20, passaram a pesquisar e a publicar ensaios,
artigos e livros nas áreas de sociologia, de filosofia da história, de estética, de
economia e de filosofia da ciência, objetivando realizar uma crítica ampla e
profunda das estruturas epistemológicas contemporâneas e da organização
da sociedade ocidental – incluindo análises sobre o capitalismo no século
XX, a situação dos trabalhadores, a estrutura familiar na sociedade, os estu-

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dos sobre música contemporânea, literatura ocidental e indústria cultural e,
enfim, a toda herança do iluminismo dos séculos XVIII e XIX.
Fonte: o autor.

EXERCÍCIO DE HERMENÊUTICA NAS LEITURAS


FILOSÓFICAS

Neste momento, veremos como o exercício da leitura tem relação com a dialética,
entre o texto e o intérprete, fundamentada sobre o princípio da hermenêutica
da pergunta, visto que não há experiência de conhecimento realizado pelo ser
humano que não tenha passado pelos atos de perguntar e de responder. Perguntas
e respostas fazem com que o processo de interpretação seja de apropriação dos
sentidos dos textos para compreensão. Com isso, o texto passa a ser fonte de sen-
tidos, isto é, de orientação inesgotável, tal qual sua compreensão.

HERMENÊUTICA DO PRECONCEITO AO CONCEITO

O filósofo contemporâneo Hans-Georg Gadamer (1900-2002), em seu livro


Verdade e método, publicado em 1960, põe em pauta, novamente, o problema
da hermenêutica filosófica na busca da compreensão sob novas bases conceitu-
ais. O termo hermenêutica tem origem no mito grego de Hermes, o mensageiro
dos deuses, do verbo hermēneuein, que significa declarar, anunciar, interpretar,
traduzir e esclarecer, ou seja, tornar a mensagem compreensível.

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


217
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A hermenêutica tradicional trata das teorias de interpretação, da arte de interpre-


tar por meio do exercício da leitura de textos escritos. A hermenêutica moderna,
por sua vez, tem o acréscimo de tudo o que envolve o processo interpretativo,
de modo geral. Segundo Gadamer, durante o romantismo na Alemanha e na
Inglaterra, a hermenêutica se dividia em compreensão, em interpretação e em
aplicação, para a realização do entendimento de um texto. Contudo, a aplicação
merece atenção, visto que muitos valorizam a compreensão e a interpretação.
A interpretação não é um ato posterior e oportunamente complementar
à compreensão, porém, compreender é sempre interpretar e, por conse-
guinte, a interpretação é a forma explícita da compreensão. […] A aplica-
ção é um momento do processo hermenêutico, tão essencial e integrante
como a compreensão e a interpretação (GADAMER, 1999, p. 459).

Compreender também envolve a aplicação a uma situação concreta. A aplicação


exige techné, o modo de fazer, a habilidade, ou seja, o saber técnico para produzir.
A hermenêutica de Gadamer não é entendida como técnica, no sentido de modo
de fazer, mas como modo de ser do intérprete. Por isso, ele não propõe uma meto-
dologia, mas uma ontologia hermenêutica. Por seguir a linha socrático-platônica,
Gadamer aponta uma estrutura circular (dialógica) localizada entre a compreen-
são (todo) e a interpretação (parte) para determinar o processo hermenêutico.
Para compreender a hermenêutica, o pensador faz uso do chamado círculo
hermenêutico, que se move em forma de espiral – não correndo o risco de cair
em um círculo vicioso – e faz com que a interação entre a interpretação e a com-
preensão do passado (que é o texto) e do presente (que é o intérprete, leitor) do

Exercício de Hermenêutica nas Leituras Filosóficas


218 UNIDADE V

texto mostra que o sentido atribuído ao interpretado ultrapassa as intenções do


autor, ou seja, aquilo que o autor quis dizer com o seu texto. Assim, a interpre-
tação não é uma simples repetição daquilo foi compreendido.
Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia
um sentido do todo. Naturalmente que o sentido somente se manifesta
porque quem lê o texto lê a partir de determinadas expectativas e na
perspectiva de um sentido determinado. A compreensão do que está
posto no texto consiste precisamente na elaboração desse projeto pré-
vio, que obviamente, tem que ir sendo constantemente revisado com
base no que se dá conforme se á avança na penetração do sentido. Essa
descrição é, naturalmente, uma abreviação rudimentar: o fato de que

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toda revisão do projeto prévio está na possibilidade de antecipar um
novo projeto de sentido; que projetos rivais possam se colocar lado a
lado na elaboração, até que se estabeleça univocamente a unidade do
sentido; que a interpretação comece com conceitos prévios que serão
substituídos por outros mais adequados (GADAMER, 1999, p. 402).

A leitura de um texto tem como ponto de partida o início do círculo hermenêu-


tico, com determinadas expectativas e perspectivas de sentidos do intérprete, ou
seja, com conceitos prévios ou preconceitos submetidos ao ato de perguntar. Os
preconceitos se constituem como um problema à medida que a arbitrariedade pre-
valece: “A compreensão somente alcança sua verdadeira possibilidade, quando as
opiniões prévias, com as quais ela inicia, não são arbitrárias” (GADAMER, 1999,
p.403). Os preconceitos, depois de passarem pelo crivo das perguntas, iniciam
o processo do círculo hermenêutico e, na etapa seguinte, têm a possibilidade de
serem transformados em conceitos novos. Todavia, se o intérprete (leitor) tiver
ciência de seus preconceitos e buscar saber de suas origens, submeter-se à crítica
com perguntas e colocá-las de lado, sua compreensão do texto será facilitada.
Uma análise da história do conceito mostra que é somente na Aufklärung
(Esclarecimento) que o conceito do preconceito recebeu o matiz negativo
que agora possui. Em si mesmo, “preconceito” (Vorurteit) quer dizer um
juízo (Urteil) que se forma antes da prova definitiva de todos os momen-
tos determinantes segundo a coisa. [….] “Preconceito” não significa pois,
de modo algum, falso juízo. Pois está em seu conceito que ele possa ser
valorizado positivamente ou negativamente (GADAMER, 1999, p.407).

Como vimos, a relação dialética entre o texto e o intérprete se fundamenta sobre


o princípio da hermenêutica da pergunta, pois o ato de perguntar e de responder
possibilita que o processo de interpretação seja de apropriação dos sentidos dos

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


219

textos, para compreensão. Portanto, a interpretação e a compreensão de sentidos


dos textos são infinitas. Esse ponto de partida da hermenêutica em Gadamer é
denominado horizonte hermenêutico.

O que a hermenêutica de Gadamer pretende, com o conceito de aplicação, é


questionar a ligação da compreensão do mundo do texto com os modelos da
imagem pontual e da percepção objetivante. A Hermenêutica não tem como
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objetivo a posse de conhecimentos e de coisas, mas pretende simplesmente


trazer à consideração dos filósofos algo que foi esquecido: a necessidade de
pensar a forma de mediação que efetuam os ideários comuns transmitidos
pela tradição histórica e literária.
(Maria Luísa Portocarrero Silva)

HORIZONTE HERMENÊUTICO DO INTÉRPRETE

A interpretação é um exercício de fazer-se e


refazer-se continuamente diante dos textos
ou do processo de interpretar aquilo que se
apresenta ao sujeito, visto que novas ques-
tões serão sempre apresentadas e lançadas
do texto para o autor e do autor ao texto. A
situação histórica concreta na qual o leitor
se encontra é o primeiro lugar da consciên-
cia em dada situação hermenêutica.
Compreender um texto significa partir de uma situação hermenêutica (de
um horizonte histórico) em busca de novas possibilidades de sentido. Tex-
to e intérprete encontram-se situados em horizontes históricos diferentes,
isto é, possuem interesses, perspectivas e motivações diversas. É no proces-
so hermenêutico da interpretação textual que o leitor se torna contempo-
râneo, dado que a leitura é essencialmente encontro e confronto de pers-
pectivas. Por isso, a leitura constitui uma experiência hermenêutica (de
interpretação e aprendizado) para o pensamento. O intérprete é instado
a modificar sua forma de ser, pensar e agir (CHITOLINA, 2015, p.88-89).

Exercício de Hermenêutica nas Leituras Filosóficas


220 UNIDADE V

Os indivíduos (nós) estão inseridos diretamente em determinada situação histórica, de


forma concreta, o que os possibilita fazer as conexões necessárias para a compreensão
do texto. Ao mesmo tempo, estão na chamada situação hermenêutica, diante da tra-
dição que se busca compreender. O intérprete é um ser histórico que procede de um
dado histórico determinado, para compreender uma tradição como alteridade histórica.
Ele constitui um horizonte, tal qual o texto, e ambos se encontram na hermenêutica,
provocando a fusão de horizontes. A chamada distância temporal do texto não é um
impedimento para o leitor, mas são possibilidades de interpretações e de compreen-
sões. A interpretação pode fazer o retroceder histórico para entrar em contato com as

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linguagens, os costumes e o ambiente da época do autor para melhor compreendê-lo.
Tal como cada indivíduo não é nunca indivíduo solitário, pois está sem-
pre entendendo-se como os outros, da mesma maneira o horizonte fe-
chado que cercaria uma cultura é uma abstração. A mobilidade histórica
da existência humana apoia-se precisamente em que não há uma vin-
culação absoluta a uma determinada posição, e nesse sentido tampouco
existe um horizonte fechado. O horizonte é, antes, algo no qual trilhamos
nosso caminho e que conosco faz o caminho. Os horizontes se deslocam
ao passo de quem se move. Também o horizonte do passado, do qual vive
toda vida humana e que está aí sob a forma da tradição, põe em movi-
mento o horizonte abrangente. Na consciência histórica este movimento
tão somente se torna consciente de si mesmo (GADAMER, 1999, p.455).

A mobilidade histórica dos seres humanos não é uma esfera fechada no passado, uma
vez que possibilita diversas interpretações, inclusive, alterando sentidos já consagra-
dos. Os horizontes históricos não constituem um mundo estranho do qual nada se
vincula ao atual, pelo contrário, pois a totalidade dos horizontes se move de dentro
para fora em direção à autoconsciência dos indivíduos para além das fronteiras do
presente. A fusão dos horizontes forma um horizonte só, contendo a consciência
histórica capturada pela tradição. Para compreendê-la, o horizonte histórico é fun-
damental e precisa ser deslocado pela interpretação, com olhares diferentes.
A concepção de horizonte expressa uma visão superior, mais ampla. Olhar para
além do próximo para vê-lo e, assim, integrá-lo em um todo ou estabelecer novos
padrões, mais precisos e corretos. A consciência verdadeiramente histórica tem
em vista o seu presente e percebe a si mesma como o outro e como as suas rela-
ções, historicamente. Isto só é possível por meio do esforço pessoal para impedir
conclusões precipitadas do passado, com as expectativas do presente; atribuir ao

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


221

passado os seus sentidos, “Só então se chega a ouvir a tradição tal como ela pode
fazer-se ouvir em seu sentido próprio e diferente” (GADAMER, 1999, p. 456).

PERGUNTAR PARA INTERPRETAR

Ler é atribuir significados direcionados pelas perguntas que um texto traz ou


suscita de forma permanente, sempre que um novo leitor tem acesso. Assim, tem
fundamento a afirmação clássica de que um texto está incompleto ou destituído
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de sentido até que alguém entre em contato com ele, o que significa permitir-se
ser provocado, interpelado pelo texto, para que possa reconstruir o seu sentido
a partir de novas perguntas que surgem desse acesso.
Tem a estrutura da pergunta. E tal como a negatividade dialética da
experiência encontrava sua perfeição na ideia de uma experiência con-
sumada, na qual nos fazíamos inteiramente conscientes de nossa fini-
tude e limitação, também a forma lógica da pergunta e a negatividade
que lhe é inerente encontram sua consumação numa negatividade que
lhe é inerente encontram sua consumação numa negatividade radical:
no saber que não se sabe. É a famosa docta ignorantia socrática que
abre a verdadeira superioridade da pergunta na negatividade extrema
da aporia. Teremos, pois, que nos aprofundar na essência da pergunta,
se quisermos esclarecer em que consiste o modo peculiar de realização
da experiência hermenêutica (GADAMER, 1999, p.534).

O perguntar, em sua essência, está relacionado à negação, que significa olhar


para uma direção e fazer com que os questionados se voltem ao aspecto em
questão. Perguntar é negar pelo fato que delimita, fazer um recorte naquilo que
não se sabe. O não saber força a pergunta para buscar o saber, parte do menos
para o mais, do não sabido; por isso, é mais difícil do que a resposta, superior a
ela. Gadamer utiliza a expressão emblemática “consumação numa negatividade
extrema”, pois a pergunta encerra em si, formal e criticamente, a negação, tão
necessária para o conhecimento e a compreensão de algo.

Exercício de Hermenêutica nas Leituras Filosóficas


222 UNIDADE V

É essencial a toda pergunta que tenha um sentido. Sentido quer dizer,


todavia, sentido de orientação. O sentido da pergunta é simultaneamente
a única direção que a resposta pode adotar se quiser ser adequada, com
sentido. Com a pergunta, o interrogado é colocado sob uma determi-
nada perspectiva. O fato de que surja uma pergunta rompe igualmente
o ser do interrogado. O logos que desenvolve este ser rupturado é, nes-
sa medida, sempre já resposta, e só tem sentido no sentido da pergunta
(GADAMER, 1999, p. 534).

O ato de perguntar sempre deverá estar acompanhado de um sentido, que tem de


indicar uma direção a ser seguida àqueles que perguntando e os que responderão.
A orientação apresentada pela pergunta faz com que os envolvidos sigam em uma

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mesma direção de pesquisa, dada pela crítica. Criticar é sinônimo de perguntar para
produzir os resultados desejados. Toda pesquisa, seja filosófica ou científica, começa
com uma pergunta fundamental ou uma hipótese (traduzida em forma de pergunta),
para produzir um novo sentido, segundo a finalidade das investigações.
Por meio de perguntas, o leitor pode fazer o acompanhamento do trajeto ela-
borado pelo autor, para compreender o que foi escrito. A pergunta faz com haja
a mobilização de todos (autor e leitor) na compreensão do processo de criação
conceitual do novo sentido. Para perguntar, faz-se necessário ter o mínimo de
informações sobre o assunto – caso contrário, não será possível sequer formular
uma questão –, ou seja, envolve o pouco saber para alcançar o máximo daquilo
que não se sabe. O interpretar faz com que o texto tenha voz ativa diante do leitor.

Como pessoas interpretam os eventos segundo suas vivências e estas nem


sempre correspondem às de outras gerações ou culturas, levando aos erros
de interpretação. O problema está, portanto, em estabelecer parâmetros
para saber quais interpretações são válidas e quais não são. Sem tais parâ-
metros, poderíamos achar que qualquer interpretação sobre um fato social
ou histórico seria igualmente válida. Um parâmetro sugerido pelo filósofo
Jürgen Habermas (1929) para garantir a objetividade de uma interpretação
seria por meio do uso de métodos reconhecidos pela comunidade de histo-
riadores, de cientistas sociais, entre outros.
Fonte: adaptado de Josué Cândido da Silva ([2019], on-line)³.

EXERCÍCIOS DE LEITURAS FILOSÓFICAS


223

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), chegamos ao final desta unidade. Acreditamos que os elemen-


tos desenvolvidos foram úteis para aperfeiçoar o seu conhecimento por meio de
exercícios de leituras, de interpretação e de escrita de textos filosóficos.
Destacamos a importância dos artigos filosóficos para a atividade da filoso-
fia, o acesso aos novos conhecimentos e a divulgação de resultados das pesquisas
na atualidade. Diferenciamos um artigo de um paper, para que o estudante ou
iniciante nas leituras filosóficas possa exercitar suas reflexões na busca pela ori-
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ginalidade de sua produção intelectual.


Chamamos a atenção para o aspecto da argumentação da tese central dos
textos e dos usos dos exemplos sob o ponto de vista de alguns filósofos, e para
a necessidade de revisão crítica dos textos produzidos antes de submetê-los à
avaliação. Outro destaque foi a análise do artigo clássico de Kant sobre o esclare-
cimento, em que pudemos acompanhar passo a passo sua organização e utilização
dos argumentos que deram suporte à tese fundamental. Além disso, destacamos
as características de uma pessoa esclarecidas – apesar de ainda estarmos em via
de esclarecimento, mas o uso do nosso entendimento pode acelerar a maiori-
dade a partir do exercício da liberdade
Apresentamos as contribuições da hermenêutica de Gadamer para as leituras
filosóficas e vimos que a relação dialética entre o texto e o intérprete se funda-
menta no princípio da hermenêutica da pergunta, visto que não há experiência
de conhecimento que não tenha passado pelo ato de perguntar e de responder.
Acreditamos que pudemos oportunizar subsídios de leitura, de escrita e de inter-
pretação de textos, para que estudantes e iniciantes em filosofia possam avançar
um pouco mais na atividade de filosofar, a qual todos nós reiniciamos e avança-
mos constantemente para compreender o mundo vivido.

Considerações Finais
224

1. O filósofo contemporâneo Hans-Georg Gadamer (1900-2002), em seu livro Ver-


dade e método, publicado em 1960, colocou em pauta, novamente, o problema
da hermenêutica filosófica na busca da compreensão sob novas bases concei-
tuais. O termo hermenêutica tem origem na mitologia grega de Hermes (men-
sageiro dos deuses), do verbo hermēneuein, que significa declarar, anunciar,
interpretar, traduzir e esclarecer, ou seja, tornar a mensagem compreensível.
Assim, assinale a alternativa correta a seguir:
a) A hermenêutica tradicional trata das teorias de interpretação, da arte de in-
terpretação por meio da tecnologia.
b) A hermenêutica moderna não tem acréscimo ao processo interpretativo.
c) Segundo Gadamer, durante o romantismo na Alemanha e na Inglaterra, a
hermenêutica se dividia em compreensão, técnica e aplicação para a reali-
zação do entendimento de um texto.
d) A aplicação não deve merecer atenção, visto que muitos valorizam a com-
preensão e a interpretação
e) A hermenêutica de Gadamer não é entendida como técnica, no sentido de
modo de fazer, mas como modo de ser do intérprete.
2. O artigo filosófico, além de conter todas as características do artigo científico,
acrescenta aspectos da especificidade filosófica. Diante disso, analise as afir-
mações abaixo e assinale a alternativa correta:
I. A especificidade do artigo filosófico está nas revistas científicas com publi-
cações periódicas ou permanentes, ou seja, podem receber artigos a qual-
quer momento do ano.
II. A especificidade do artigo filosófico está nas revistas científicas, em que
ocorrem publicações de dossiês sobre tema ou cientista em particular.
III. A especificidade da filosofia está na defesa racional de uma tese, com argu-
mentos e problematizações de temas filosóficos.
IV. A especificidade da filosofia difere claramente do artigo de pesquisa ou li-
terário, visto que não é uma narrativa ou um relato de vários filósofos que
discorreram sobre determinado tema.
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas III e IV estão corretas.
d) Todas as alternativas estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas está correta.
225

3. Os elementos para escrever um artigo ou um texto filosófico são diferentes dos


demais. Há identidade própria, que consiste na defesa racional de uma tese ba-
seada em argumentos filosóficos. Diante disso, analise as afirmações a seguir e
assinale com V, as verdadeiras, e com F, as falsas:
I. ( ) A revisão crítica de uma tese não se faz necessária, mesmo diante de al-
guma objeção para poder aceitar, recusar ou verificar se as informações são
suficientes para tomá-la como verdadeira ou falsa.
II. ( ) O estudante ou iniciante na leitura filosófica deve ser capaz de defender
suas razões e demonstrar que acredita nelas.
III. ( ) Sempre é importante definir para si mesmo os conceitos e os argumentos
a fim de construir o seu convencimento sobre o assunto e, só depois, tentar
convencer a outrem.
a) F, V, V.
b) V, V, V.
c) F, V, F.
d) V, F, V.
e) F, F, F.
4. Sobre a pergunta “o que é esclarecimento?”, Kant começa a respondê-la logo
no início do artigo, ou seja, de forma direta, e, em seguida, aponta as causas da
falta de esclarecimento – o não uso da razão. A partir disso, analise as afirma-
ções abaixo:
I. A preguiça e a covardia são as causas pelas quais grande parte dos homens
se encontra na menoridade.
II. Sobre a preguiça, Kant afirma que as pessoas não querem esforçar-se, por-
que é cômodo ter alguém que faça por elas.
III. O preguiçoso quer ser tratado como menor, não quer caminhar com as pró-
prias pernas ou pensar por si e realizar as tarefas e as obrigações que lhes
dizem respeito.
IV. A preguiça e a covardia são as causas pelas quais grande parte dos homens
se encontra na maioridade.
226

Assinale a alternativa correta:


a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas I, II e III estão corretas.
c) Apenas I, II e IV estão corretas.
d) Todas as alternativas estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas está corretas.
5. Sobre o uso público e privado da razão em Kant, vimos que, para um indivíduo
que sair da menoridade, somente poucos conseguem por si mesmos, sem in-
tervenção coletiva, ao passo que o público tem mais possibilidades de escla-
recer-se, se lhe for dada ou conquistada sua liberdade. Em um público, sempre
há pessoas que fazem uso do próprio pensamento e influenciarão nos outros,
para que também façam uso da razão. Diante disso, analise as afirmações a
seguir e assinale com V, as verdadeiras, e com F, as falsas:
I. ( ) O uso privado da razão pode ser estreitamente limitado, sem, contudo,
impedir notavelmente o progresso do esclarecimento.
II. ( ) O nome de uso público de sua própria razão corresponde a qualquer ser
humano que faz uso dela diante do grande público do mundo letrado.
III. ( ) É denominado uso privado aquele que o sábio pode fazer de sua razão
em certo cargo público ou em certa função a ele confiado. Ora, para muitas
profissões exercidas pelo interesse da comunidade, é necessário certo me-
canismo, em virtude do qual alguns membros da comunidade devem com-
portar-se de modo exclusivamente passivo para, então, serem conduzidos
pelo governo mediante unanimidade artificial para finalidades públicas ou,
pelo menos, esses membros devem ser contidos para não destruírem essa
finalidade.
Assinale a única alternativa correta.
a) F, V, V.
b) V, V, V.
c) F, V, F.
d) V, F, F.
e) F, F, F.
227

Hermenêutica filosófica e o debate Gadamer-Habermas


Na introdução de Verdade e Método (2005), Hans-Georg Gadamer nos fala de uma verdade que
não pode ser verificada por meio da metodologia científica. É aquela verdade que surge com
a experiência, seja da filosofia, da arte ou da própria história. A partir disso, o autor critica “a
pretensão de universalidade da metodologia científica” e busca um conceito de conhecimen-
to e de verdade que esteja relacionado ao todo da experiência do ser humano no mundo,
que é a experiência hermenêutica. Nesse universo “verdadeiramente hermenêutico”, entram
ingredientes como “o modo como experimentamos uns aos outros, como experienciamos as
tradições históricas, as ocorrências naturais de nossa existência e de nosso mundo”. E nele não
estamos fechados, separados do outro e do mundo. Estamos sempre abertos, a eles ligados
pela linguagem e pelo pensamento, [...] Da hermenêutica clássica à hermenêutica filosófica.
Para entendermos a hermenêutica filosófica de Gadamer e o debate que se estabeleceu entre
ele e Habermas, uma pergunta se faz necessária: o que é a hermenêutica? […] O termo se
refere tanto à arte quanto à teoria de compreender e de interpretar expressões linguísticas e
não linguísticas. Enquanto teoria da interpretação, a hermenêutica remonta à antiga filosofia
grega. O próprio termo hermenêutica é uma versão latinizada do grego hermeneutice, muito
utilizado por Platão em seus diálogos e também por Aristóteles. Na Idade Média e na Renas-
cença, a hermenêutica emerge como um ramo dos estudos bíblicos. De acordo com os autores,
Santo Agostinho – de quem Heidegger iria se inspirar em sua noção de Ser – é quem primeiro
reivindica a universalidade da hermenêutica, ao estabelecer uma conexão entre linguagem e
interpretação nos seus estudos das sagradas escrituras. Para ele, a interpretação envolve um
nível profundo e existencial de autoentendimento. Já Tomás de Aquino e Martinho Lutero são
lembrados por terem questionado a autoridade dos textos sagrados. Para Lutero, por exemplo,
o significado e a verdade de um texto da Bíblia dependem, sempre, de uma leitura que é, antes
de tudo, individual. Para compreender o todo, precisamos antes compreender o individual, o
contexto de quem lê. Gadamer (2005) coloca que Lutero e seus seguidores “desenvolveram um
princípio geral de interpretação de texto segundo o qual todos os aspectos individuais de um
texto devem ser compreendidos a partir do contextus, do conjunto, e a partir do sentido unitá-
rio para o qual o todo está orientado, o scopus”. Mais adiante, a diferença entre a interpretação
de textos sagrados e textos profanos se dissolveria, restando apenas uma hermenêutica.
Outra importante contribuição para o desenvolvimento da moderna hermenêutica veio de
Giambatista Vico. Ele argumentava, indo de encontro às ideias cartesianas do seu tempo,
que o pensamento está sempre enraizado em um dado contexto cultural, intrinsecamente
relacionado à linguagem comum. Vico não rejeitava o conhecimento matemático, mas teria
impugnado [...], o critério da verdade é subjetivo ou psicológico e “a convicção não é mais
que a vivacidade das nossas percepções”. Vico acreditava que o nosso pensamento é feito de
ficções ou de hipóteses, ou, talvez possamos dizer, é feito de alegorias. A natureza alegórica
das interpretações dos textos sagrados tal como se verificava na filosofia medieval seria, in-
clusive, reabilitada posteriormente por Gadamer.
A diferença fundamental entre a hermenêutica tradicional e a moderna, […] consiste no fato
de que a hermenêutica moderna toma para si a defesa da integridade das ciências humanas,
num patamar distinto das ciências naturais, ao mesmo tempo em que se preocupa com o pro-
blema do sentido dos textos do passado. […] No centro das reações dos historiadores e dos
sociólogos alemães neokantistas ao positivismo e ao positivismo lógico, entre o fim do século
XIX e o início do século XX, estava a defesa de uma diferença entre as ciências humanas e as ci-
ências naturais. A ação (social) humana se diferencia do movimento dos objetos físicos porque
é essencialmente significativa, necessitando, portanto, que seja interpretada individualmente,
de forma singular. Os defensores do interpretativismo afirmavam que o objetivo das ciências
humanas era compreender a ação humana.
Fonte: adaptado de Batista (2012).
MATERIAL COMPLEMENTAR

O Mundo de Sofia (2013)


Sinopse: às vésperas de seu aniversário de quinze anos, Sofia Amundsen
começa a receber bilhetes e cartões postais bastante estranhos. Os
bilhetes são anônimos e perguntam a Sofia quem é ela e de onde vem o
mundo em que vivemos. Os postais foram mandados do Líbano, por um
major desconhecido, para alguém chamada Hilde Knag, jovem que Sofia
igualmente desconhece. O mistério dos bilhetes e dos postais é o ponto
de partida deste fascinante romance, que conquista milhões de leitores
em todos os países em que foi lançado. De capítulo em capítulo, de lição
em lição, o leitor é convidado a trilhar toda a história da filosofia ocidental
– dos pré-socráticos aos pós-modernos -, ao mesmo tempo em que se vê
envolvido por um intrigante Thriller que toma um rumo surpreendente.
229
REFERÊNCIAS

ABNT. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 6022 - Informação e docu-


mentação - Artigo em publicação periódica científica impressa - Apresentação. Rio
de Janeiro: ABNT, 2002.
BATISTA, M. Hermenêutica filosófica e o debate Gadamer-Habermas. Revista Crítica
e Sociedade, [s. l.], v. 2, n. 1, jan./jun. p. 101-118. 2012. Disponível em: https://www.
researchgate.net/publication/258028596_Hermeneutica_filosofica_e_o_debate_
Gadamer-Habermas. Acesso em: 09 maio 2019.
CHITOLINA, C. L. Para ler e escrever textos filosóficos. São Paulo: Ideias & Letras,
2015.
GADAMER, H. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filo-
sófica. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.
GOMES, R. Crítica da razão Tupiniquim. São Paulo: Cortez, 1983.
KANT. I. Resposta à Pergunta: Que é esclarecimento [<Aufklärung>]? [S. l.], [s. d.].
Disponível em: http://coral.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/b47.pdf. Acesso em: 03
maio 2019.
LAKATOS, E.; MARCONI, M. Metodologia da pesquisa. São Paulo: Atlas, 2005.
MURCHO, D. Como se estuda filosofia. [S. l.], [s. d.]. Disponível em: http://filosofia.
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PRYOR, J. Diretrizes sobre como escrever um ensaio de filosofia. Florianópolis:
UFSC, 2013. Disponível em: http://filosofia.ufsc.br/files/2013/04/JamesPryor.pdf.
Acesso em: 03 maio 2019.
SILVA, M. L. P. Conceitos Fundamentais de Hermenêutica Filosófica. Coimbra: [s.
n.], 2010. Disponível em: http://www.uc.pt/fluc/lif/conceitos_herm. Acesso em: 09
maio 2019.

REFERÊNCIAS ON-LINE

¹ Em: https://www.recantodasletras.com.br/resenhas/1689131. Acesso em: 14 maio


2019.
² Em: https://colunastortas.com.br/a-dialetica-do-esclarecimento-adorno-e-
-horkheimer-uma-resenha/. Acesso em: 14 maio 2019.
³ Em: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/hermeneutica-a-arte-de-in-
terpretar-o-sentido-da-palavra-do-autor.htm. Acesso em: 14 maio 2019.
GABARITO

1. E
2. C
3. A
4. B
5. B
231
CONCLUSÃO

Caro (a) aluno (a), encerramos, aqui, o livro base Filosofia e a Leitura de Textos Filo-
sóficos. Acreditamos que conseguimos apresentar os pressupostos para o aprovei-
tamento da leitura de textos filosóficos. Algumas dificuldades de filosofia recebe-
ram tratamento atento para superá-las, destacamos a autodisciplina e as técnicas
para apropriação dos conteúdos. Conhecemos, também, algumas características do
bom leitor e algumas orientações para aperfeiçoar as técnicas de estudo.
Oportunizamos elementos para a identificação dos sujeitos nos textos, com as suas
variações de cenários. Vimos que a luta para esconder os personagens são recursos
que a própria linguagem possibilita e são frutos das criações dos filósofos. Além dis-
to, entramos num tema caro à filosofia, que são os problemas do rigor e da precisão
conceitual, ou seja, as questões terminológicas da filosofia. Destacamos a importân-
cia da apropriação da filosofia das categorias oferecidas pela estrutura da língua e
pela produção teórica das doutrinas na história da filosofia.
Acreditamos que os elementos para identificar os problemas filosóficos fundamen-
tais, a tese, os argumentos, a fundamentação e a problemática do exemplo nos tex-
tos filosóficos são os motores da produção racional filosófica que chegam até nós e
que precisamos compreender. Apresentamos, também, a importância de entender
o agir subjetivamente diante do problema fundamental para assumi-lo com todo
empenho e dedicação na sua solução.
Destacamos que o entendimento da dissertação filosófica como um exercício do
pensar e da escrita constitui a essência por excelência da filosofia, e que as dificul-
dades da dissertação devem ser superadas com o próprio exercício do pensar e dis-
sertar. Por fim, demonstramos a importância dos artigos filosóficos para a atividade
da filosofia, o acesso aos novos conhecimentos e a divulgação de resultados das
pesquisas na atualidade.

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