Filosofiae Leitura de Textos Filosóficos
Filosofiae Leitura de Textos Filosóficos
Filosofiae Leitura de Textos Filosóficos
Unicesumar
FILOSOFIA E
LEITURA DE TEXTOS
FILOSÓFICOS
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APRESENTAÇÃO
SEJA BEM-VINDO(A)!
Caro(a) aluno(a), esta obra Filosofia e leitura de textos filosóficos tem o desejo de ser uma
ferramenta para apropriação de conteúdos, exercícios de leitura, reflexão e criação de
novos conceitos filosóficos. Estes elementos constituem os fundamentos necessários
aos novos amantes da sabedoria, a fim de avançarem nos estudos e na produção de
textos de filosofia.
Na primeira unidade, apresentamos a leitura, de forma ampla, partindo dos primórdios
do entendimento sobre ler o texto e o mundo, ou seja, a leitura ultrapassa as fronteiras
dos textos, da sala de aula em direção ao mundo. Procuramos esclarecer como podemos
superar as dificuldades na compreensão dos textos filosóficos.
Na segunda unidade, nossa atenção volta-se para a compreensão dos elementos que
compõem o cenário dos textos filosóficos. Faz-se necessário identificar no cenário as
polifonias, no sentido criado pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975). Compre-
ender as dificuldades e as funções da primeira e da terceira pessoa nas cenas dos textos
filosóficos, além dos problemas de precisão e rigor dos conceitos na filosofia.
Na terceira unidade, apresentamos a importância do problema fundamental, a tese ou
resolução do problema, a argumentação, a fundamentação e o problema dos exemplos
na compreensão dos textos filosóficos. O problema fundamental é aquele incômodo
que perturba o pensador, que não permite descansar e o impulsiona a criar conceitos
para responder ou buscar solucioná-lo de forma clara e convincente.
Na quarta e quinta unidades, veremos que a dissertação é um exercício acadêmico que será,
necessariamente, realizado com suas especificidades, quer seja com certa frequência, quer
seja de forma esporádica ou no final do curso, como o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso)
ou um artigo científico a ser submetido à avaliação pelas revistas especializadas. Por fim,
concluiremos com a hermenêutica filosófica e os exercícios de leituras de artigos filosóficos.
09
SUMÁRIO
UNIDADE I
15 Introdução
47 Considerações Finais
53 Referências
54 Gabarito
UNIDADE II
57 Introdução
92 Considerações Finais
99 Referências
100 Gabarito
10
SUMÁRIO
UNIDADE III
103 Introdução
140 Referências
UNIDADE IV
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
143 Introdução
183 Referências
184 Gabarito
11
SUMÁRIO
UNIDADE V
187 Introdução
229 Referências
230 Gabarito
231 Conclusão
Professor Dr. Edson Barbosa da Silva
PRESSUPOSTOS DA
I
UNIDADE
LEITURA FILOSÓFICA
Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar os pressupostos elementares para fazer boa leitura de
textos científicos.
■ Demonstrar como a leitura ultrapassa as fronteiras dos textos e da
sala de aula em direção ao mundo.
■ Esclarecer como podemos superar as dificuldades na compreensão
dos textos filosóficos.
■ Explicitar os pressupostos de leituras para a explicação de textos
filosóficos.
■ Demonstrar como podemos avançar das explicações para os
comentários de textos filosóficos.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Como ler um texto científico?
■ Leitura como ato de estudar o mundo
■ Leitura de textos filosóficos e suas dificuldades
■ Ler para explicar os textos
■ Ler para comentar os textos
15
INTRODUÇÃO
Introdução
16 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A leitura é um aprendizado para toda a vida e, uma vez desenvolvida, nunca mais
se esquece. O professor doutor José Carlos Bruni, da USP (Universidade de São
Paulo), preparou um texto para seus alunos, no ano de 2003, ainda muito opor-
tuno para este momento, por isso apresentamos na íntegra. Contudo faremos
algumas intervenções e observações, pequenas pausas na leitura para melhor
compreendê-lo.
Aprende-se a mecânica de ler aos sete anos de idade. No entanto, a lei-
tura, concebida como instrumento de compreensão de uma ideia, é pro-
cesso bem mais complexo. Seu aprendizado não pode ser fixado em uma
idade determinada e o aprimoramento da técnica de leitura é tarefa de
toda uma vida. Vamos tratar, aqui, só de alguns aspectos mais impor-
tantes dessa técnica e de modo extremamente esquemático. A leitura é
exercida sobre um texto, nome genérico para toda e qualquer porção de
linguagem escrita. As dimensões do texto são variáveis. Textos podem
ser: uma obra inteira, com vários volumes; um livro inteiro; uma par-
te de um livro, com vários capítulos; um capítulo de um livro; às vezes,
uma página apenas, mas de conteúdo bastante rico. O texto científico,
caracterizado por um certo rigor de pensamento e expressão, uma certa
ordem na concatenação das ideias e pela demonstração das afirmações,
comporta uma leitura interna e uma análise externa. A leitura interna
atém-se ao que o texto diz explicitamente. A análise externa utiliza dados
que não aparecem no texto, mas que o explicam (BRUNI, [s. d.], p. 1).
A leitura interna deve, sempre, intencionar a busca pela a ideia central do texto,
pois não há texto sem ela. Esta ideia ainda não é o tema do texto, às vezes, o tema
não coincide com a ideia central. A posse desta ideia ajuda a compreender todo
livro, se for o caso, ou toda a obra filosófica.
A Leitura interna. “A ideia básica. Ler é, fundamentalmente, o ato de apro-
priação da ideia central do texto, isto é, da ideia principal, básica, que con-
tém a essência do texto. Esse deve ser o princípio norteador de toda leitura.
Todos os outros princípios estão subordinados a esse e devem contribuir
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para a sua realização. A ideia básica não está localizada em um ponto per-
feitamente identificável do texto. Não se constitui em uma ou duas frases
do texto. Anima o texto inteiro, podendo transparecer mais claramente
em certas frases do que em outras. Há certos trechos mais, em que certas
frases são muito importantes. Mas a leitura desses trechos não é suficiente
para produzir a ideia básica do texto. Tendo em vista essas considerações,
podemos tentar fixar a primeira regra da técnica da leitura: o esquema aqui
proposto aplica-se especialmente a textos de Ciências Humanas, 1º Ler
inicialmente o texto inteiro, para obter uma visão de conjunto, do todo.
Nessa leitura, deve-se procurar prestar atenção apenas no que se destaca,
deixando-se de lado os pormenores, o que não é essencial, como exemplos,
repetições, dados ilustrativos etc. Terminada essa primeira leitura, neces-
sariamente a mais superficial, é interessante tentar fazer, mentalmente ou
por escrito, um apanhado geral de ideias que se revelaram mais salientes,
que mais chamaram a atenção, das que formam um conjunto global, sem
consultar o texto novamente. Essa ideia geral será guia para os passos res-
tantes do trabalho de leitura. 2º As ideias secundárias como vimos, a ideia
básica percorre o texto inteiro, isto é, ela não se apresenta de choque repen-
tino, mas é o desenrolar ordenado do discurso, são parte a sucessivas do
discurso que formam a ideia básica. A ideia básica vai estruturar o texto,
vai comandar a articulação das várias partes do texto. Em geral, todo texto
encontra-se dividido em partes, cada uma contendo ideias, não a central,
mas outras secundárias, acessórias, que servem de apoio para a central. As
partes que se sucedem no texto estão relacionadas entre si de um modo
determinado e é esse modo de relacionamento das diversas partes entre si
que chamamos de estrutura de um texto” (BRUNI, [s. d.], p. 1).
que constitui toda a leitura de um texto, afinal, ler é dialogar com o autor. O
princípio fundamental de um diálogo é a possibilidade da discordância, se não,
é monólogo. Ela possibilita outro olhar sobre o objeto ou problema em questão.
Quanto mais olhares sobre um objeto, melhor a compreensão e, consequente-
mente, melhor a ação no mundo.
Com isso, podemos formular a segunda regra de leitura. Na segunda
leitura, procurar identificar as partes do texto que contêm as ideias se-
cundárias, bem como o modo como estão relacionadas. Nessa leitura, já
mais aprofundada que a anterior, deve-se prestar atenção aos pormeno-
res, aos elementos subordinados à ideia central, como os exemplos, os
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dados ilustrativos e como de uns se passa aos outros. 3º Os conceitos. As
partes de um texto, por sua vez, são compostas por vários elementos que
podemos chamar, de maneira geral, de conceitos, ou seja, as ideias mais
elementares de um texto. São como os tijolos de uma casa, assim como as
partes corresponderiam a seus vários cômodos. A análise do texto deve
chegar aos conceitos que o constituem. Daí a terceira regra leitura. Uma
terceira leitura do texto deve apreender os vários elementos componen-
tes de suas diferentes partes: os conceitos. Trata-se, evidentemente, da
leitura mais cuidadosa, mais minuciosa. Não é necessário ter em men-
te, a cada momento, a ideia básica, mas deve-se tentar compreender as
minúcias das ideias, ou antes, os elementos mínimos de que as ideias
são formadas. Procura-se, então determinar o sentido de cada palavra,
servindo-se das indicações dadas no próprio texto (BRUNI, [s. d.], p. 2).
Neste trecho, merece destaque o fato das ideias secundárias, que percorrem todo o
texto, nos forçar a ter mais atenção na sua relação com a ideia central. Aparecem,
aqui, os conceitos que possuem uma função muito importante, pois garante a
profundidade do tema e a forma como eles dão sustentação à ideia central. Os
conceitos devem ser observados com muito cuidado, buscando os detalhes, as
minúcias da sua escolha. Em um texto, nada está posto por acaso ou é resultado
da falta de atenção, tudo tem uma intenção consciente e objetiva. Segundo Bruni:
A leitura interna de um texto deve, portanto, captar sua ideia básica, sua es-
trutura e seus conceitos. Trata-se de um movimento que parte do mais geral,
do mais global, para terminar no mais particular, no mais elementar. Pode-
mos chamar a ideia básica, a estrutura e os conceitos de níveis de um texto. A
leitura correta é aquela que consegue apreender os vários níveis do texto sem
confundir um com o outro. Há outros níveis menos importante mas que
convém conhecer para não imaginar que todo texto tenha apenas os men-
cionados. Quando em um texto predomina a intenção polêmica, por exem-
plo, devemos tomar cuidado com os recursos de estilo, como a ironia, para
não confundir o que o autor afirma com aquilo que ele próprio critica. Em
suma, deve-se ler um texto científico três vezes. A primeira leitura deve apre-
ender a ideia básica, a segunda deve procurar as partes e sua concatenação e a
terceira deve fixar os conceitos. Obs.: A prática constante da leitura de textos
científicos vai aos poucos dispensando o leitor das três leituras obrigatórias;
com o treino e o tempo, já numa primeira leitura pode-se distinguir, com
bastante segurança, os vários níveis do texto. Para o principiante, porém, es-
tudar um texto significa lê-lo, no mínimo, três vezes” (BRUNI, [s. d.], p. 2).
A parte final da leitura interna chama a nossa atenção quanto ao uso do método
dedutivo (raciocínio do geral para o particular), pois possibilita captar a estrutura
textual na essência, que identifica um objeto ou ideia de uma outra e distingui-
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-la com certa clareza. Outro aspecto são é os vários níveis conceituais presentes
no texto e que precisam ser identificados com clareza. Além dos níveis de com-
preensão, os iniciantes não devem estranhar o fato de receber como orientação
fazer o uso das três leituras obrigatórias de um texto, algo muito comum. Muitos
alunos (as) afirmam que ler três vezes demora muito, um pouco mais adiante,
falaremos das velocidades de leitura: lenta, média e a rápida.
Todo texto possui um contexto que precisa ser compreendido. O contexto é tudo
aquilo que o ser humano tem constituído de múltiplos elementos, tais como social,
político, econômico, educacional, cultural, em determinado período. O texto pro-
duzido está, historicamente, localizado e condicionado por estes fatores, e o autor
não está descontextualizado ou acima das suas circunstâncias. O texto sempre
responde aos desafios e problemas apresentados pela realidade concreta, e o filo-
sófico jamais pode ser compreendido como algo puramente abstrato, sem sujeitos
e destinatários. Continuamos a ver como o professor Bruni nos orienta ver com-
preender a análise externa do texto.
Análise externa. Todo texto está inserido em um contexto. Ao contrário
do texto, o contexto é invisível, isto é, não se apresenta diretamente ao
leitor. O contexto deve ser procurado, pesquisado, reconstruído. Con-
texto é o conjunto de elementos que cercam, de algum modo, o texto.
O contexto lógico é composto pelos elementos de ordem intelectual
que envolvem o texto. Tudo aquilo que antecede logicamente o texto e
de que o texto depende pode ser chamado de os pressupostos do texto.
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forma inerente, como veremos um pouco mais adiante.
O contexto histórico indica o conjunto de acontecimentos - fatos de or-
dem política, econômica e social que determinam o contexto do texto.
Todo o texto tem uma data, a data de sua produção que o marca como
produto de uma história e de uma época. O trabalho do texto exaustivo
ou total deve dar conta da estrutura interna do texto (compreensão das
idéias manifestas no texto), bem com como da situação histórica (com-
preensão dos fatores determinantes do texto, que se situam fora dela)
Só depois de compreendido, um texto pode ser discutido, criticado,
aceito ou rejeitado (BRUNI, 2019, p. 20).
O autor deste texto, o educador Paulo Freire (1921-1997), terceiro mais citado
no mundo, serve de fundamento para a educação nos países classificados com os
melhores índices de desempenho escolar, como a Finlândia, Noruega, Alemanha
e Itália entre outros, que sofreram influências dos filósofos Martin Heidegger,
Jean Paul Sartre, Karl Marx, Sören Kierkegaard, entre outros. Ele entende que
a leitura não é somente de textos, mas de problemas da vida cotidiana a serem
solucionados dentro de uma visão de mundo, a weltanschauung, em alemão.
Tinha chovido muito toda noite. Havia enormes poças de água nas par-
tes mais baixas do terreno. Em certos lugares, a terra, de tão molhada,
tinha virado lama. Às vezes, os pés apenas escorregavam nela. Às vezes,
mais do que escorregar, os pés se atolavam na lama até acima dos torno-
zelos. Era difícil andar. Pedro e Antônio estavam transportando numa
camioneta cestos cheios de cacau para o sítio onde deveriam secar. Em
certa altura, perceberam que a camioneta não atravessaria o atoleiro
que tinham pela frente. Pararam. Desceram da camioneta. Olharam o
atoleiro, que era um problema para eles. Atravessaram os dois metros
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estamos com um texto em mãos. A situação problema enquanto paradigma,
modelo ou padrão exige do leitor reflexão e atitude de resposta para a resolução
da dificuldade, isto é muito prazeroso. O ato de estudar, a partir das leituras que
fazemos de um texto ou do mundo ao nosso redor, faz com que o ser humano
sinta-se útil e dê um sentido à sua existência. Portanto, o ato de ler é uma ativi-
dade extremamente prazerosa e nos ajuda a viver melhor no mundo repleto de
desafios. Viver é bom, porque resolvemos, a todo momento problemas dos mais
simples aos mais complexos.
Merece a nossa atenção, neste fragmento, quando o educador fala da atitude curiosa
e séria. A ciência só avança no desenvolvimento de novos conhecimentos e, conse-
quentemente, novas descobertas se houver curiosidade, que precisa ser alimentada,
segundo Aristóteles, na Metafísica, livro I, “Todos os homens têm por natureza,
desejo de conhecer” (1979, p.11). O conhecimento é inerente ao homem, por isso,
busca-o sempre que motivado e estimulado. Sem o conhecimento e as informa-
ções o ser humano sofre, paga um preço muito alto pela ignorância. Quanto mais
conhecimentos e informações, maior a possibilidade de ser uma pessoa feliz.
Outro aspecto que merece a nossa atenção é a ideia de que um texto, para
ser lido, é também para ser estudado. Um texto a ser estudado é, também, a ser
trabalhado. Ler é, inclusive, um trabalho. Não é possível estudar um texto sem
uma atitude séria. A seriedade exige que o iniciante na leitura de textos filosóficos
encare esta atividade como a coisa mais importante a ser feita neste momento,
como um momento único e imprescindível. A seriedade tem como característica
fundamental a preocupação com a destreza na execução desta tarefa, ou seja, já
que se dispôs a fazer, faça bem feito para não precisar refazer.
As dificuldades que se impõem ao estudo de um texto são inúmeras, desde
a falta de pressupostos para a leitura até a disponibilidade e o interesse pelo
assunto. É comum ouvirmos de estudantes algumas expressões que traduzem a
falta de interesse e sentido para estudar um texto, como: Isto serve para quê? Por
que tenho que estudar isto? Entre outras. O educador destaca o porquê de não
desistir do ato de estudar um texto, pois pode haver consequências desagradá-
veis, ademais, pode evitar, ou diminuir o sofrimento e usufruir dos prazeres do
bem viver nesse mundo. Muitas pessoas desistem porque não refletiram direito,
ou não receberam orientações de como ler.
Estudar exige disciplina, mas preferimos utilizar o termo autodisciplina. A
disciplina vem de fora para dentro, ou seja, alguém diz a você o que deve fazer. A
autodisciplina vem de dentro para fora, ou seja, é você que diz a si mesmo o que
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deve fazer, levando a si mesmo a fazer escolhas, estabelecer prioridades, objetivos,
metas a serem cumpridas. Contudo toda escolha implica renúncia. O problema não
é escolher, mas renunciar as coisas que também queremos ou das quais gostamos.
Isto é muito difícil e exige esforço mental para garantir o foco nas prioridades. A
autodisciplina só ocorre quando você está convicto, quando tem uma ideologia,
quando se convenceu de que o estudo de texto é necessário para atingir os seus
objetivos e, às vezes, de outras pessoas, como os objetivos dos seus pais.
Estudar é uma atividade de criação e recriação diante dos problemas que as
circunstâncias impõem a nós. O educador brasileiro destaca, além disso, que é
um dever revolucionário, entendido em relação a si mesmo no sentido de que o
estudo modifica o ser humano em sua totalidade, no aspecto pessoal, social, eco-
nômico e cultural. Ele também tem a possibilidade de modificar o mundo a nossa
volta, ou seja, provocar alterações sociais em nossa cidade, país e mundo. Este
é um poder que a atividade educativa, por meio da leitura de textos e mudança
de comportamento, não raramente acontece no dia a dia.
Estudar é um trabalho. Para isto, faz-se necessário ter atitude séria e curiosa
diante de um problema. Ler também é um trabalho, que deve ser encarado
com profissionalismo, a fim de criar autodisciplina nos estudos.
Fonte: o autor.
Platão revela bem que a iniciação filosófica pressupõe, portanto, um caminho longo
e difícil. Por que isso ocorre? Devido à ignorância (o não saber). Quando ele afirma
que os homens estão ali desde a infância significa que não nasceram na caverna,
mas estão presos. Quem os levou até a caverna? Quem os acorrentaram pelo pes-
coço e pernas? Veja que Platão não fala em mãos, o que representa o pescoço e as
pernas diante do não saber? São questões que dificultam a compreensão do texto.
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Após percorrer um caminho, a luz adquirida brilha com força, em seguida, diante
de novos questionamentos e informações, ofusca-se, exigindo novas luzes. Assim, a
iniciação filosófica exige novos esforços para a compreensão das coisas e, aos pou-
cos, afasta-se da ignorância.
A leitura de textos filosóficos apresenta dificuldades, além daquelas da própria
língua vernácula, “[…] parece que toda obra filosófica – esta é uma caracte-
rística do gênero – elabora ou pretende elaborar as condições de sua própria
validade e, portanto, enuncia as próprias regras da leitura que se pode fazer dela”
(COSSUTTA, 2001, p. 3). Essa característica desenvolvida pelos textos filosófi-
cos, de forma geral, apresenta-se como se aprisionasse o texto dentro do próprio
sistema filosófico. O filósofo Ludwig Wittgenstein, em sua obra Tratactus Logico-
philosophicus, no aforismo 6.54, afirma:
Minhas proposições são elucidativas para aquele que, compreende-me, as
toma finalmente como contra-sensos, quando, passando por elas – sobre
elas -, delas se afasta. É preciso que ele transponha essas proposições; então
adquire uma justa visão do mundo (WITTGENSTEIN, 1994, p. 281).
Veja que, caso o leitor compreenda o seu enunciado, entende uma impossibilidade,
ou seja, o autor convida-o para uma leitura no mesmo momento em que o torna
impossível. Contudo cada filosofia explicita as condições de sua possibilidade ou
impossibilidade de sua leitura, revelando um fenômeno abrangente para sair das
contradições e nos coloca num confronto filosófico perpétuo. O confronto do leitor
com o filósofo constitui a luta pela compreensão do texto. O iniciante na filosofia
deve ter ciência dessas dificuldades para se tornar um andarilho pelos textos filo-
sóficos, sabendo que as alegrias proporcionadas pelo conhecimento, com muito
Ajuda muito vencer as dificuldades, observar que todas as obras elaboram uma
teoria do conhecimento, do sentido dos termos e dos conceitos da linguagem,
deduzindo uma hermenêutica filosófica. Por exemplo, Marx (1978), na sua obra
Contribuição à crítica da economia política, descreve que as categorias de análise
só podem vir à tona na mente de um pensador na medida que os condiciona-
mentos sociais determinados historicamente, ou seja, em um contexto específico.
O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações,
isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento
como o processo de síntese, como resultado, não como ponto de parti-
da, ainda que seja o ponto de partida do efetivo, e, portanto, o ponto de
partida também da intuição e da representação. No primeiro método,
a representação plena volatiliza-se em determinações abstratas, no se-
gundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concre-
to por meio do pensamento. Por isso é que Hegel caiu na ilusão de con-
ceber o real como resultado do pensamento que se sintetiza em si, se
aprofunda em si, e se move por si mesmo; enquanto que o método que
consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de
As suas categorias, como o valor de troca de uma mercadoria, só podem ser con-
cebidas a partir das relações concretas, não abstratas e descoladas da realidade.
O alicerce proposto do seu método depende da legitimidade do alicerce filosó-
fico do qual ele deduz. Nesse caso, Marx apontou que seu alicerce é a filosofia de
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Hegel, apesar de deixar claro as suas divergências com ele. Mesmo assim, Marx
continua a ser fortemente influenciado por Hegel, ou seja, no caminho percor-
rido por ele, Hegel estará presente, ocupando um espaço privilegiado. Todo
filósofo quer escapar do círculo hermenêutico, no entanto todos entram na sua
órbita no exato momento em que querem evitá-lo.
Encontramos na história da Filosofia muitos fenômenos que apresentam as
peculiaridades da reflexão filosófica na sua relação com a retomada de pensa-
mentos consolidados, tornando, assim, difícil a sua compreensão.
Com isso, compreendemos que a aprendizagem da leitura só pode ser filosófica,
não dispensando, de forma alguma, a reflexão. Nem por isso deve dispensar uma
análise metodológica na sua compreensão, diminuindo, assim, as suas dificuldades
inerentes aos textos. Entretanto essa reflexão preliminar das dificuldades leva-nos a
tomar consciência de que a filosofia busca atingir a verdade na universalidade, mas,
a todo momento, busca apagar ou ocultar essa mesma universalidade nos seus textos.
O texto filosófico possui um encadeamento, às vezes, uma linearidade no tempo
e na escrita, mas há textos que fogem a esta estruturação. Tais elementos, devido às
suas referências internas, cruzam-se e colocam-se numa dupla presença (o leitor
e o escritor) ideal dos momentos da sua construção. Um texto ou uma obra, em
Filosofia, deve ser apresentada em forma de um tratado dedutivo ou de aforismos
brilhantes que constituem o todo, aberta ao mundo e ao sentido captado pelo lei-
tor. Por exemplo, no livro Assim falou Zaratustra, no aforismo sobre ler e escrever:
De tudo o que se escreve, aprecio somente o que alguém escreve com seu
próprio sangue. Escreve com sangue; e aprenderás que o sangue é espíri-
to. Não é fácil compreender o sangue alheio; odeio todos os que leem por
desfastio. Aquele que conhece o leitor nada mais faz pelo leitor. Mais um
século de leitores – até o espírito estará fedendo. Que toda a gente tenha
o direito de aprender a ler, estraga, a longo prazo, não somente o escrever,
senão, também, o pensar. […] Aquele que escreve em sangue e máximas
não quer ser lido, mas aprende de cor (NIETZSCHE, 1998, p. 66).
O texto possui mobilidades, tanto interna quanto externa (leitor), que se desen-
volve num mundo de virtualidades provocado pela própria estrutura discursiva,
suscetíveis de serem analisadas e explicitadas. Isto ocorre a partir do momento em
que tomamos o texto em nossas mãos, com acesso ao título, ao índice, prefácio e
que tenhamos uma visão de totalidade, antes de uma leitura detalhada. A curiosi-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dade vence a estranheza, o primeiro contato com o estilo do texto, e, aos poucos,
o leitor apropria-se da conceituação filosófica com mais facilidade, percorrendo
o caminho traçado pelo texto. As informações tornam-se familiares à medida
que é necessário ler e reler sem cessar. É justamente aí que começa a dificuldade:
ao entrar no labirinto das terminologias filosóficas da argumentação, surgem as
questões, como: De que maneira pode-se separar o superficial do fundamental nas
argumentações? Não só em nível conceitual do texto, como das imagens e exem-
plos que parecem desviar das argumentações centrais?
Ler e reler um texto com inteligência, ou seja, com um esforço organizado,
faz-se necessário para que tenhamos domínio dos procedimentos utilizados na
compreensão, é o que chamamos de método. Chamamos a atenção para o fato
de que não há um método que sirva para todos os textos, mas sim regras para
ler um texto e se apropriar dos conteúdos. Cada filosofia apresenta elementos
necessários para as percebermos naquela leitura, mas a atenção aos seus procedi-
mentos no próprio texto constitui um aspecto tão importante quanto o método.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
objetos de uma leitura filosófica. Por exemplo, textos de Freud, Thomas Mann,
Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Lacan, Max Weber, Dürkheim entre outros.
Podemos chamá-los de textos intermediários que os estudantes de filosofia devem
estudá-los de forma sistemática e crítica.
Não esqueça de que a prática da filosofia, que pode submeter a exame
qualquer objeto, ganha em sutileza e pertinência quando acompanhada
de uma verdadeira cultura geral. Conforme os gostos, as competên-
cias ou as lacunas, convém, portanto, se esforçar sempre para ampliar e
aprofundar essa cultura através da leitura regular de livros de literatura,
de história, de psicologia, ou relativos às ciências da natureza, etc. Só
que será preciso distinguir os gêneros e as coisas, evitando misturar o
que tem a ver com a informação, com o conhecimento e com a reflexão
propriamente dita (FOLSCHEID, 2002, p. 15).
samento, iniciando pelos mais simples até chegar aos mais complexos.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
é ser o vencedor na compreensão do texto, como se fosse um concurso público,
mas os progressos pessoais diante de todos os tipos de textos diante de si.
Todo leitor, mesmo com conhecimentos modestos adquiridos no ensino
médio, possuem os elementos necessários que permitem uma iniciação em forma
de espiral para a leitura e compreensão de qualidade. Contudo essas indicações
sobre a apropriação dos conteúdos das teses, conceitos e categorias filosóficas
apresentam resultados se forem colocados em prática efetiva da leitura. Só se
aprende a ler os filósofos, lendo. Só o exercício de leitura é a garantia dos pro-
gressos pessoais, do desenvolvimento da capacidade crítica e outras habilidades
menores, mas necessárias na compreensão da filosofia escolhida.
O exercício da leitura é melhor praticado quando o iniciante nos textos filosó-
ficos procura determinar velocidades de leitura. Há três tipos de leitores: vagarosos,
médios e velozes. Os vagarosos são considerados aqueles que leem até 400 palavras
por minuto; o leitor médio é aquele que lê até 800 palavras por minuto; os velozes
são aqueles que leem acima deste número de palavras por minuto. A leitura tem
como pressuposto que lemos por sentenças, e não por palavras, pois nos comuni-
camos por frases e de forma rápida. O mesmo ocorre com a leitura, quanto maior
a velocidade melhor a compreensão do pensamento a ser apropriado. O bom lei-
tor é aquele que determina a velocidade da leitura de acordo com a necessidade.
Há textos que podem e devem ser lidos vagarosamente, objetivando a com-
preensão detalhada das ideias, e outros que devem ser lidos da forma mais rápida
possível. A leitura rápida ou dinâmica é um instrumento a ser utilizado para o
conhecimento de totalidade do livro ou da obra dos pensadores. Ela é, também,
muito útil para todos os meios escritos: jornais, documentos, e-mails, revistas,
romances, ensaios entre outros. Esta leitura é indispensável em todas as áreas
do conhecimento, contudo o bom leitor é aquele que alterna velocidades dela
de acordo como a necessidade de cada texto. Há textos filosóficos que necessi-
tam de uma leitura vagarosa e atenta, às vezes, desesperadamente lenta, dando
a impressão de que não está saindo do lugar. No entanto devemos tomar cui-
dado, pois, ao esmiuçar o texto, podemos nos perder em detalhes periféricos da
tese central, afastando-nos, assim, do essencial, das discussões fundamentais.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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No treinamento, é importante exercitar-se, alternando velocidades na leitura para não
perder a visão de totalidade dos textos. O tempo de leitura e o resultado obtido deve
ser analisado de forma racional, tendo em vista que, nesse momento, o importante
é o aspecto oral, o escrito será em outro momento. Ter o domínio da leitura é o pri-
meiro pressuposto do estudante de filosofia, o que será, progressivamente, ampliado
dia a dia na sua ocupação intelectual. Este primeiro pressuposto do estudante e ini-
ciador da filosofia, constitui aquilo que denominamos a normalidade da atividade de
leitura e reflexão do futuro filósofo. Os passos seguintes só poderão ser dados com
consistência se houver o domínio da alternância entre a leitura rápida e a aprofun-
dada dos tipos de escritos do autor. Além dos textos com as principais categorias
ou conceitos, é importante fazer leituras de poemas, poesias e romances se houver.
LER E ANOTAR
de leitura de textos determinados por outrem faz com que as atividades acadê-
micas sejam consideradas, por muitos, como desagradáveis, pelo fato de agirmos
por dever, e não por prazer. Contudo são necessárias exigências que servem para
nos ajudar a moldar o nosso caráter (força que vem de dentro para fora) e para
termos uma formação completa enquanto cidadãos, para o mercado de traba-
lho e para a vida intelectual que se iniciou.
As anotações dos textos lidos que visam atender ao estudo estritamente pes-
soal são mais importantes que as primeiras já mencionadas, porque são movidas
pelos seus desejos racionais livres de exigências de outrem. As anotações pesso-
ais resultam de análise objetiva do texto, em que prevalece a transcrição literal
das ideias centrais e periféricas, que devem ser muito precisas em relação às
referências bibliográficas para serem utilizadas em novas produções dissertati-
vas ou explicativas. Elas também resultam de reflexões críticas sobre tais ideias
do pensador em questão. Nestas anotações, devem ficar muito claras a distin-
ção entre citação literal e as reflexões críticas suas, se possível, faz-se necessário
datar o período de tal análise.
A clareza de tais anotações dos textos filosóficos lidos faz-se necessário pelo
fato de o iniciante e os filósofos frequentarem estes escritos com certa frequên-
cia, ora para ampliá-los, ora para corrigi-los, ora para as dissertações, de modo
geral, de artigos, livros, palestras, enfim, são ferramentas de trabalho da ocupação
filosófica. O Padre Antônio Vieira (1608-1697), intelectual de máxima grandeza,
relata como as anotações eram importantes naquele período.
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rização para depois pregar, ora como fonte de consultas para auxiliar na escrita
dos famosos Sermões (a principal obra literária do século XVII). Os professores
deveriam escrever as suas apostilas para ministrar as aulas. Aulas compreendi-
das pelos estudantes desde a Antiguidade, significa que deveriam ser anotadas.
As fichas de anotações são tão pessoais que se tornam quase impossível descre-
ver quais as melhores formas de suas confecções, contudo elas são indispensáveis
no estudo pessoal. A partir delas é que temos uma visão global e minuciosa dos
textos estudados e dos seus autores. Os resultados das fichas de anotações são
imensos, desde a preparação para as avaliações e os trabalhos intelectuais de modo
geral. Apesar de ser impossível fazê-las com rapidez ou às vésperas de avaliações
e demais trabalhos. As suas confecções devem se estender durante todo o ano
ou durante toda a vida intelectual. Contudo as consultas às fichas de anotações
devem ser feitas de forma frequente com as devidas atualizações.
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decer as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), seguindo
sempre a ordem: autor, título do livro, lugar da edição, editor, ano e página.
Para fazer os registros em fichas eletrônicas deve haver as mesmas caracterís-
ticas científicas da ficha de papel, reservando em torno de 10 a 15 fichas para um
livro, por exemplo, a Crítica da razão pura. Cada ficha deve corresponder a uma
página de caderno do tipo universitário. Nas fichas, são necessárias algumas infor-
mações básicas fundamentais, como o título de ficha de leitura (de forma bem
visível e em caixa alta) e numeração em cada uma. A numeração deve ser a pri-
meira coisa a ser feita e ficar sempre visível como meio de controle e identificação,
com suas subdivisões, quando houver. As referências bibliográficas, como o con-
junto de informações que permite identificar o livro, o jornal, a revista, o artigo,
os textos de Internet ou qualquer obra publicada. O autor deve ser identificado
pelo sobrenome e nome, título, volume ou tomo e número da edição, tradutor (se
houver), local, editora, ano e páginas. Estes registros podem ser feitos de várias
maneiras, como o arquivo simples dos redatores de textos e armazenados em HD
(externo) como se fosse uma biblioteca móvel, que é o menos aconselhável, mas
pode servir como um plano B em caso de perda de dados. O mais seguro são as
chamadas nuvens, o Google Drive, Google doc, OneDrive entre outros.
Nas fichas eletrônicas, o iniciante deve anotar, com precisão, para obter sem-
pre mais clareza nas referências e nas ideias centrais do texto lido. Se preferir,
coloque as ideias centrais em itálico, evite as aspas em títulos ou termos, melhor
grifar aquilo que merece destaque para a sua atenção. As observações são sem-
pre oportunas, caso julgue necessárias e pertinentes na compreensão da ideia
central. As reflexões feitas pelo autor das fichas devem ser destacadas ao ponto
de não fazer confusão entre as ideias centrais e argumentos que dão sustentação
a esta, garantindo, assim, o máximo de objetividade no resumo ou fichamento
do livro ou texto em questão.
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Diferentemente dos dicionários, a reflexão filosófica, a partir de um determi-
nado texto ou problema, faz com que os termos e as noções filosóficas ganhem
versatilidade e dinâmica a serviço do exercício, máxima de liberdade, na escrita.
A atividade racional de criação jamais parte do sentido dos termos filosóficos,
ao contrário, todo texto tem como ponto de chegada um novo sentido, ou seja,
jamais se parte do sentido. Portanto, os dicionários são constituídos de termos
filosóficos como uma ferramenta para auxiliar na elaboração de novos signifi-
cados. Consultando os dicionários, exercitando a escrita filosófica, o iniciante,
aos poucos, deixa de lado a visão ingênua de pensar que os dicionários dão sen-
tido aos termos, e passa a vê-los apenas como mais um dado a ser trabalhado,
um dado como ponto de partida para a reflexão filosófica.
O leitor deve ter presente em suas intenções que a explicação é algo inerente à ativi-
dade de leitura e, em um texto, está longe de ser difícil, ela nada mais é do que um
exercício como os outros, podendo ser o melhor caminho para se chegar à reflexão
filosófica. Nas universidades, ela cumpre função secundária, que são as avaliações.
Ao mesmo tempo em que ela é um teste, é um alimento. Antes de explicar ou disser-
tar, é necessário saber o que realmente os filósofos disseram, porque disseram e como
disseram para só depois começar a explicar e dissertar sobre o assunto em questão.
A explicação de um texto está intimamente ligada à leitura rigorosa, a prin-
cipal característica da leitura filosófica por excelência. Há uma distância entre
a dissertação e a explicação. A dissertação trata de um tema, já a explicação é
sobre um texto em específico, em que é necessário apoderar-se do tema do texto
em sua totalidade. Com isto, o texto trabalhado é um de pretexto a ser esquadri-
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A explicação de um texto deve ser cuidadosa com as palavras, com os signos para
não destruir o sentido atribuído aos termos dado pelo pensador, isto serve não
só para o texto filosófico, mas todo e qualquer texto que seja pedido uma expli-
cação. A dissecação de um texto, do início ao fim parece ser algo complicado,
mas se avança aos poucos e quando menos se espera a análise acabou e o texto
foi desmembrado. Explicar um texto é uma tarefa relativamente fácil e prazerosa,
porque é um ato de desdobramento e retirada de informações e conhecimen-
tos daquilo que está posto em um determinado lugar delimitado. Além disto,
a explicação sempre vai em direção ao outro e favorece o autoconhecimento.
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Quais os tipos de leitura?
A leitura racional, a sensorial e a emocional. A leitura racional deve merecer
a nossa atenção? Ela está na base de todas as outras? Sim. Como articular o
sensorial e o emocional nas leituras?
Fonte: o autor.
Para que uma explicação possa atrair a atenção de todos os envolvidos no pro-
cesso é necessário seguir alguns passos, primeiro separar o tema da tese do autor.
O segundo, identificar e destacar os movimentos e articulações da argumentação,
e em terceiro, destacar as noções filosóficos. Estas questões deve estar na mente do
iniciante em filosofia para que faça uma leitura objetiva e foque naquilo que inte-
ressa. Outro aspecto que merece destaque, é buscar as informações e conhecimentos
de forma desarmada, sem preconceitos com o texto, deixando o texto falar por si.
O primeiro aspecto, separar o tema da tese do autor pressupõe que o iniciante
nos textos busca de forma implacável compreender qual o problema apresentado
pelo autor. Não há filosofia que não surge a partir de um problema, a filosofia
nada mais é do que uma atividade intelectual que busca a resolução de problemas.
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recimento de um determinado pensador.
Uma vez compreendido e explicado o texto, o passo seguinte pode ser o comen-
tar o texto. O comentário de um texto não tem um padrão a ser seguido, assim
como a explicação. O objetivo do comentário é muito diferente da explica-
ção. Se a explicação está a serviço do texto, o comentário interroga o seu
autor. O comentário pode fazer uso da erudição e da especulação. Neste sen-
tido, o comentário aparece como um exercício muito mais amplo e ambicioso.
Contudo, tem os seus limites traçados pelo contexto da história da filosofia.
A história da filosofia é a espinha dorsal da filosofia, dos sistemas filosóficos
e das suas reflexões.
A história da filosofia banaliza os comentários, mas com um olhar mais refi-
nado, mais agudo e mais preciso sobre o texto filosófico. O comentário pode ter
um grande alcance, desde de uma avaliação no final de um período letivo até
como introdução de uma grande obra filosófica, além das atividades intelectuais
em artigos e revistas para o público não especializado ou iniciado na filosofia,
para os chamados textos jornalísticos. Além do mais, o iniciante nos textos filo-
sóficos sempre que for convocado a atender as curiosidades do público em geral,
ao terem informações que está diante de alguém que será especialista na filosofia.
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Por fim, a introdução e a conclusão do comentário devem-se ajustar às
necessidades do comentário. A introdução é o trabalho propriamente dito, con-
forme mencionando no início, visto que não é possível introduzir sem entrar
no texto. Na introdução, não pode faltar os elementos para atrair o leitor, e ao
mesmo tempo, apresentar deve o que será encontrado no interior do texto. Já a
conclusão é aconselhável que uma retomada do assunto e faça um fechamento
ou amarração das ideias fundamentais. Na conclusão, deve aparecer os resulta-
dos da atividade que ora está sendo finalizada.
Você sabia que toda explicação de texto é uma atividade extremamente li-
mitada e delimitada? E o comentário de um texto é um complemento de
uma explicação, mas, sempre, deve-se tomar cuidado para não fugir do
tema e nem deformar o assunto.
Fonte: O autor
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro (a) aluno (a), encerramos aqui a primeira fase do nosso trabalho de conhecer
os pressupostos para o aproveitamento de leitura de textos filosóficos. Esperamos
que algumas dificuldades iniciais foram superadas iniciais. Os textos técnicos
exigem uma atitude diferenciada do comportamento, autodisciplina e técnicas
para apropriação dos conteúdos.
O entendimento que a leitura é um aprendizado para toda a vida e uma vez
desenvolvida nunca mais se esquece, fortalece a ideia de uma preparação não
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Considerações Finais
48
3. Sobre as dificuldades dos textos filosóficos, eles, efetivamente, cumprem dois ob-
jetivos, ao mesmo tempo, e não podem se separar de forma nenhuma: primeiro, a
iniciação à filosofia propriamente dita; segundo, que não há conhecimentos filo-
sóficos sem iniciação à leitura de seus textos e com a retomada de pensamentos já
produzidos na sua história. Diante disso, marque alternativa correta:
I. Platão, no livro VII, da República, no mito da caverna, revela que a iniciação
filosófica pressupõe, portanto, um caminho longo e fácil.
II. Após percorrer um caminho em que a luz adquirida brilha com força, em
seguida, diante de novos questionamentos e novas informações, ofusca-se,
exigindo novas luzes. Assim, a iniciação filosófica exige novos esforços para
a compreensão das coisas e, aos poucos, afasta-se da ignorância.
III. Cada filosofia expõe as condições de sua possibilidade ou impossibilidade
de sua leitura, revelando um fenômeno abrangente para sair das contradi-
ções e nos coloca num confronto filosófico perpétuo. O confronto do leitor
com o filósofo constitui a luta pela compreensão do texto.
IV. O iniciante na filosofia deve ter consciência dessas dificuldades para se tor-
nar um andarilho pelos textos filosóficos, sabendo que as alegrias propor-
cionadas pelo conhecimento com muito esforço, mas, desde o início do ca-
minho, deve ser um esforço organizado e crítico.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas II, III e IV estão corretas.
e) Nenhuma das afirmativas está correta.
4. Sobre os textos filosóficos para iniciantes, em cada período da história da filo-
sofia, os textos apresentam dificuldades específicas daquele momento históri-
co, além do estilo e da forma de reflexão exteriorizada do pensamento dos pen-
sadores. O processo de escolha dos textos filosóficos para os iniciantes deve
ser feita em forma espiral, não podemos começar com um livro extremamente
difícil. Diante disto, marque a alternativa correta:
a) A Crítica da razão pura, de Kant, ou Enciclopédia das ciências filosóficas, de Hegel
são considerados textos super fáceis, indicados para iniciantes na filosofia.
b) Já o textos considerados extremamente complexos são: Fundamentos da
metafísica dos costumes, de Kant, e as Lições sobre a estética, de Hegel.
c) Quanto à filosofia antiga, é mais aconselhável começar com o livro Repúbli-
ca, de Platão, do que com livro de Parmênides, do mesmo autor.
d) Devemos demorar muito nos textos considerados de menor dificuldade, os
textos mais difíceis não devem ser enfrentados, somente no último ano.
50
1. E
2. B
3. D
4. C
5. C
Professor Dr. Edson Barbosa da Silva
II
OS CENÁRIOS E OS
UNIDADE
CONCEITOS NOS TEXTOS
FILOSÓFICOS
Objetivos de Aprendizagem
■ Explicitar os elementos que compõem o cenário dos textos
filosóficos.
■ Possibilitar ao leitor perceber os vários cenários para sujeitos e
destinatários nos textos filosóficos.
■ Compreender as dificuldades e as funções da terceira pessoa nas
cenas dos textos filosóficos.
■ Compreender os problemas de precisão e rigor dos conceitos na
Filosofia.
■ Demonstrar como acontece a construção dos conceitos, dos sentidos
e das definições nos textos e suas implicações.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Sujeito nas cenas dos textos
■ Variações dos sujeitos e destinatários
■ A terceira pessoa nas cenas dos textos
■ Conceitos no cenário dos textos
■ O sentido no cenário dos textos
57
INTRODUÇÃO
Introdução
58 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
SUJEITO NAS CENAS DOS TEXTOS
A leitura de um texto tem como base a compreensão intuitiva das relações estabe-
lecidas pelas pessoas, e os modos de determinação do locutor ou dos destinatários
são apresentados de várias formas. Elas se modificam na medida em que o texto se
desenvolve ou a análise avança. Por exemplo, um leitor determinado, como uma
espécie de representante de opinião, mesmo que, aparentemente, distante, pode
ser aquele em que o discurso é dirigido como um adversário ou um discípulo.
Estas variantes, às vezes, confunde o iniciante na leitura dos textos filosóficos,
apresentando a reflexão do pensador como algo difícil de se acompanhar.
As reviravoltas no texto, geralmente, são intencionadas. Em um texto de filoso-
fia nada ocorre por acaso ou por falta de atenção, principalmente quando se refere
aos interlocutores na reflexão filosófica. Os textos filosóficos têm como uma das
suas características, nos enunciados, buscar a impessoalidade e a universalidade nas
suas vozes. Por outro lado, numerosos textos colocam como um dos integrantes do
seu cenário a primeira pessoa, mas esta função permanece com muita frequência
ausente. Contudo o centro do cenário principal está na fala em busca da verdade, o
discurso, aparentemente, sem sujeito, e um enunciador universal passa ser frequente.
O autor, neste cenário, produz uma reflexão sobre a dependência de um
sujeito que assume a responsabilidade, mas o fato de ele estar sob uma aparência
de ausência, o anonimato, as incertezas da autoria fazem com que as correla-
ções entre o leitor e a voz pareçam estranhas, gerando uma aparente confusão.
A posição de referência dos enunciados apresentam determinadas marcas pelas
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alcançar o ponto de fuga.
As afirmações de Hegel, acima, revelam-nos que por mais que as reflexões bus-
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quem uma unidade e tentem apagar marcas do sujeito na primeira pessoa, sempre
haverá pistas que o intérprete pode encontrar no próprio texto. Quando ele afirma
que o singular é universal e, na universalidade, há conexão com a particularidade,
o sujeito está relacionado ao concreto, e o predicado contém a universalidade e
a determinidade do sujeito e vice-versa. Portanto, todas as marcas são impossí-
veis de serem apagadas, somente o leitor iniciante tem dificuldades em detectar.
A luta para tentar apagar o sujeito é possível porque podemos separar o enun-
ciado do seu contexto histórico, político, social, cultural entre outros. A força
assertiva de um enunciado veiculado a uma tese ou argumento, relacionando um
questionamento implícito (O que é sujeito/objeto? Ou uma afirmação etique-
tada, que pode não fazer sentido retirado de um outro contexto, por exemplo, a
eternidade temporal aumentaria o prazer que nos proporciona o tempo da eter-
nidade?) para comunicar uma certeza, confirma, de fato, a presença ou ausência
do locutor no enunciado.
Mas, mesmo que imaginássemos os enunciados flutuando livremente
fora de qualquer contexto e de qualquer referência, ainda seria possível
reconstituir indiretamente o rastro de um processo enunciativo, graças
a certos elementos do conteúdo proposicional: o estilo impessoal da
frase de Epicuro significa o homem em geral, e eu, enquanto leitor, per-
tenço à extensão dessa classe, assim como o locutor que está na origem
do enunciado; do mesmo modo, o “em si” de Hegel supõe o movimento
correlativo do “para nós”. Portanto, é a referência universal veiculada
pelos conteúdos ou colocada por um quantificador que introduz obli-
quamente aquele que deveríamos chamar de enunciador universal,
uma vez que ele não designa somente aquele a quem remete o nome
próprio, mas todo leitor singular, e portanto todo leitor em geral (COS-
SUTTA, 2001, p. 16).
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Nos textos filosóficos, em sua maior parte,
a tentativa de apagar o sujeito de primeira
pessoa não é total, mesmo naqueles textos
que buscam objetividade e rigor em suas
análises. É comum encontrarmos regimes
mistos que conjugam o sujeito com enun-
ciador universal e o sujeito de referência
com a função comum designada pelo autor.
A forma segura de acompanharmos a cons-
trução da reflexão é o texto. Seguindo os
enunciados do texto, percebemos a ima-
gem de uma presença que garante o controle
do discurso. O sujeito, com a sua função
Figura 2 - Filósofo Aristóteles
universalizante, aparece, num primeiro
momento, como numa espécie de antecena, como se fosse a primeira, em seguida,
de forma mais articulada a uma segunda cena. Tudo isso construído como se
fosse um pano de fundo, a coesão e o desenvolvimento do texto passam a garan-
tir o jogo desejado.
Vejamos isto com o exemplo de Aristóteles, nascido em 384 a.C., filho de
Nicômaco, médico do rei Felipe da Macedônia. Nas primeiras linhas do livro
Metafísica, os leitores são conduzidos à problemática a ser enfrentada no decorrer
da sua análise sobre o ser enquanto ser. O sujeito em questão aparece claramente
no começo, mas, no decorrer do texto, a clareza diminui.
A clareza do sujeito, por exemplo, como o “nós”, “preferimos”, “elas nos dão pra-
zer”, aos poucos, no uso em terceira pessoa constrói referências no sentido de
fazer com que a reflexão se desenrole, tendo como pano de fundo os conteú-
dos e os argumentos. Com isso, a função do sujeito começa a sofrer variações
na presença do intérprete. A terceira pessoa passa a ser uma espécie de sujeito
que enuncia as proposições como se fosse universal. Aristóteles é considerado
o primeiro historiador da filosofia, ou seja, é uma referência importante para os
seus seguidores, seus adversários e os demais filósofos que surgiram depois dele.
As variações do sujeito, nos textos de muitos filósofos, é algo que ocorre
com muita frequência. Por exemplo, René Descartes, nascido em Haia em 1596,
logo no início de Meditações, destinado a leitores cultos e doutores de sua época,
começa na primeira pessoa e varia para a terceira.
Na primeira, adianto as razões pelas quais podemos duvidar geral-
mente de todas as coisas, e particularmente das coisas materiais, pelo
menos enquanto não tivermos outros fundamentos nas ciências além
dos que tivemos até o presente. Ora, se bem que a utilidade de uma
dúvida tão geral não se revele desde o início, ela é, todavia, nisso muito
grande, porque nos liberta de toda sorte de prejuízos e nos prepara
um caminho muito fácil para acostumar nosso espírito a desligar-se
dos sentidos, e, enfim, naquilo que torna impossível que possamos ser
qualquer dúvida quanto ao que descobriremos, depois, ser verdadeiro
(DESCARTES,1980, p. 79)
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O texto pode ser considerado, por muitos, como confuso ou complexo por-
que o leitor não identifica o papel que cada voz desempenha no cenário.
Existe uma luta do autor para esconder o sujeito no texto, e há variações no
uso do sujeito no interior de muitos textos filosóficos.
Fonte: o autor.
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como um ator interpreta Hamlet, fazendo mecanicamente gestos típicos
de meu estado e vendo-me como garçom imaginário através desse ges-
tual tomado como “analogon”. Tendo realizar o ser-Em-si do garçom,
como se não tivesse justamente em meu poder conferir a meus deveres e
direitos de estado seu valor e urgência, nem fosse de minha livre escolha
levantar toda manhã às cinco ou continuar deitado, com risco de ser des-
pedido do emprego (SARTRE, 1997. p. 106).
A narrativa de Sartre (1997) faz com que o leitor veja o cenário com algumas
variações. No primeiro momento, acontece uma descrição normal e impessoal
do personagem garçom e, no segundo, se coloca como autor, no cenário, como se
fosse o garçom, ao mesmo tempo, envolvendo-se com as situações ali narradas. E
num terceiro momento, aparece a representação como um nada, como uma repre-
sentação, como se fosse um personagem que não é real, mas somente como fosse
um papel a representar por ser separado por um nada, ou seja, algo que não é.
O destinatário não é somente um objetivo em si da mensagem emitida
pelo autor do texto ou um mediador, mas sim aquele que oferece resistência no
processo de convencimento. A resistência vai desde a incompreensão dos precon-
ceitos até a oposição à tese defendida pelo autor. Diante disto, faz-se necessário
que, na escrita, seja introduzido um ponto de vista com uma estratégia discur-
siva que, não só serve de meio para explicação, mas para transformar, de modo
geral, em argumentos filosóficos. O papel atribuído ao destinatário é fundamen-
tal na recepção do texto pela cena social em que se inscreve.
Na primeira pessoa, mesmo com ausência de marcas explícitas, fica assegu-
rada, diante do destinatário, a sua função na reflexão, buscando os fundamentos na
verdadeira razão. Quando a destinação não está explícita, busca-se um destinatário
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e os avisos finais. O desenrolar do pensamento, no texto, acontece com a liber-
dade em que o ato de escrever realiza de forma plena e, como em uma conversa,
faz com que o leitor apoie-se com familiaridade nos conceitos. Na carta, a per-
sonalidade do autor fica explícita, diferente de um livro em que os cenários
possibilitam se esconder ou se revelar menos, contudo a polêmica passa a ser
evidenciada com mais facilidade.
Ao optar pelas cartas, o autor revela uma cena filosófica que ele tem em mente e
se apoia no destinatário como outra forma de argumentação. A argumentação,
na carta, acontece em um cenário diferente, pode ser combinado um pensa-
mento mais denso e argumentativo, e as digressões ou o tom da confidência.
Contudo a presença do outro ou o destinatário passa a ser anexado, há a perda
da autonomia do sujeito, enquanto, em outras formas, os argumentos desenro-
lam-se de forma mais discursiva em que a unidade do espaço é mais controlado.
O diálogo é estabelecido entre um eu e o outro, mas, em determinados textos,
o autor abre mão do seu eu ou do seu ponto de vista em prol de um persona-
gem fictício que o representa (como Sócrates, na maioria dos textos de Platão).
Platão, no livro I de a República cujo tema central é a questão da justiça, dá-nos
uma noção do diálogo clássico nos textos filosóficos.
Sócrates – Como vês, justiça não significa ser sincero e devolver o se
tomou.
Polemarco – Que é justo devolver aquilo que devemos. Julgo ser esta
asserção correta.
tituir a uma pessoa algo do qual nos foi confiada a guarda, sendo que
essa pessoa veio a perder a razão. Contudo, devemos ou não restituir
um objeto do qual foi-nos confiada a guarda?
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O destinatário funciona como mediador entre o pensador e ele mesmo. Os
cenários mudam de posição e, com ele, os destinatários, favorecendo nova
configuração. A dialética como diálogo faz com que os interlocutores se sin-
tam presentes em cada cenário. Por isso, escrever sobre filosofia, filosofica-
mente, é a arte de cuidar da nossa alma.
Fonte: O autor
Quando utilizamos do amplo conceito texto, ele traz sempre consigo inúmeros
elementos, um deles é o jogo múltiplo de referências, outro é as redes de inter-
textualidades sobre o qual é possível verificar o uso de várias funções. Além das
funções para poder assegurar as interações textuais, ela assegura o domínio filo-
sófico com as rupturas para a construção de novos sentidos e significados em
relação às fontes históricas das reflexões. Cabe ao leitor o trabalho de levantar
todas as formas possíveis destas funções, de acordo com a sua compreensão, efe-
tivadas nas referências, podendo ser as formas explícitas (que podem chegar às
alusões) e implícitas (o subentendido).
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O leitor deve acompanhar no texto os enunciados distribuídos a quem está
endereçado e sobretudo quem são. E assim, analisar as possíveis aberturas a
multiplicidade das posições filosóficas, ou o fechamento a outras posições filo-
sóficas no movimento dos sujeitos que estão como ponto de partida no centro
de uma perspectiva, para que sejam integrados gradualmente, quer seja de pri-
meira, quer seja de segunda ou terceira pessoa. Inclusive quando se trata de
refutar uma tese adversária de forma detalhada ou quando se aproveita de um
modelo como um todo ou apenas parte dele. Estes são aspectos importantes
para o fechamento de um texto filosófico, por mais complexo que aparenta ser
antes de ser compreendido.
No texto a pluralidade se apresenta num cenário de várias maneiras: ora
de forma neutra, mas sabemos que a neutralidade é um mito, ora de forma dis-
tanciada, ora mais objetivamente, ora fica subentendida a uma dramaticidade
intencional pelo autor. Contudo, a melhor maneira sempre dependerá de como a
filosofia será elaborada, com os conteúdos (reflexão e argumentos), assim como faz
Platão e Aristóteles quando se referem aos seus predecessores ou aos adversários.
Quanto ao número e à natureza destes princípios, nem todos pensam
da mesma maneira. Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser a água (é
por isso que ele declarou também que a terra assenta sobre a água),
levado sem dúvida a esta concepção por observar que o alimento de
todas as coisas é úmido e que o próprio quente dele procede e dele
vive (ora aquilo donde as coisas vêm é, para todas, o seu princípio).
[…] Anaxímenes e Diógenes consideram o ar como anterior à água,
e, entre os corpos simples, como o princípio por excelência, enquanto
para Hípaso Metapontino e Heráclito é o fogo, e para Empédocles são
os quatro elementos, visto ele acrescentar um quarto aos que acabamos
Neste texto, a terceira pessoa está inserida dentro do sistema aristotélico, na plu-
ralidade textual que faz parte de todo o cenário filosófico construído pelo autor.
Ele apresenta, claramente, o seu entendimento de princípios, diferenciando aquilo
que é fundamental no seu sistema e aquilo que os seus antecessores apresentaram
sobre os problemas etiológicos. Outro aspecto importante neste fragmento é a
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usada nos diversos contextos e formas é o ponto de partida, e sempre será per-
cebida pelo pensamento que estabelece as regras de seu uso, e não o contrário,
como afirma o autor.
4003 A maioria das proposições e questões que se formularam sobre
temas filosóficos não são falsas, mas contra-sensos. Por isso, não po-
demos de modo algum responder a questões dessa espécie, mas apenas
estabelecer seu caráter de contra-senso. A maioria das questões e pro-
posições dos filósofos provém de não entendermos a lógica de nossa
linguagem. (São da mesma espécie que a questão de saber se o bem é
mais ou menos idêntico ao belo.) E não é de admirar que os problemas
mais profundos não sejam propriamente problemas. (WITTGENS-
TEIN, 1994, p. 165).
problemas profundos, no final do aforismo. Não está claro o que ele entende
por problema filosófico mais ou menos profundo. Sabemos que o grau de pro-
fundidade de um problema é determinado pelos contextos: histórico, social e
filosófico, em que surgiu. Um problema filosófico pode ser muito profundo em
período histórico, e em outro não, principalmente, se ele foi respondido, satis-
fatoriamente, porque há problemas que, até agora, não foram respondidos de
forma cabal, quer seja da linguagem, quer seja em outras áreas da filosofia, por
exemplo o problema fundamental na obra de Platão, apresentado em Fédon: “Por
que as coisas nascem, por que se corrompem, por que são?”. Platão não conse-
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A apropriação e reprodução de forma idêntica da doutrina do mestre pode aconte-
cer quando o iniciante ou epígono não toma o distanciamento necessário do texto.
Neste caso, ocorre uma confusão entre objetividade de análise e a simples repro-
dução idêntica do texto. Esta reprodução idêntica somente se justifica para fins
didático-pedagógicos, como uma aula sobre o texto, não fins de análise reflexiva.
No terceiro momento, pode acontecer a reprodução ampliada do texto filo-
sófico. De posse do material sobre o sistema ou a doutrina de um pensador,
busca-se, em outros escritos, os elementos necessários para ampliar o entendi-
mento sobre a reflexão filosófica. Estes elementos possibilitam, além de melhor
entendimento e de ser o mais fiel possível ao pensamento, buscar o domínio
sobre os argumentos utilizados, a profundidade e a originalidade das reflexões.
A reprodução ampliada demonstra que o iniciante na leitura dos textos avan-
çou um pouco mais, não só na pesquisa e no diálogo com os textos, mas com a
totalidade do que foi produzido pelo pensador.
Com isto, o processo de demarcação teórica e histórico da abordagem ao
problema a ser resolvido ou o chamado recorte epistemológico na abordagem,
realizado pelo iniciante, demonstra que o exercício da capacidade da compre-
ensão teórica foi colocado em prática, ou seja, está apresentando sinais de que
está em um nível de compreensão bem avançado no aspecto da pesquisa ou
didático-pedagógico.
Temos, então, que:
■ A terceira pessoa é apresentada como se ocupasse um lugar vazio, podendo
incorporar qualquer referência no domínio de um texto.
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Há quem diga que filosofia é luta contra as ilusões apresentadas aos seres humanos
para fugir da realidade nua e crua da vida social. As ilusões se fazem presentes
de diversas maneiras, mas todas atingem os seres humanos naquilo que o distin-
gue de todos os outros seres, o entendimento racional. Entre estes está o filósofo
Wittgenstein, em seu livro Investigações filosóficas (1979), escrito em 1945, que
veio para se opor à sua obra primeira, o Tratactatus logico-philosophicus (1998),
escrito no fronte da Primeira Guerra Mundial em 1918.
No primeiro livro, Wittgenstein (1979) afirma que o seu trabalho era expli-
car a natureza das sentenças e acredita, juntamente com o Círculo de Viena, cujo
principal representante é Rudolph Carnap, que a linguagem poderia ser unificada
segundo uma única estrutura lógica e formal. No segundo livro, das Investigações
Filosóficas (1979), defende a tese de que este entendimento sobre linguagem é
uma ilusão. Uma proposição não pode expressar o todo de uma linguagem. A
proposição simplesmente faz parte de um jogo, assim como as palavras e con-
ceitos, denominada por ele jogos de linguagem, e muitos deles os seres humanos
utilizam para se comunicar. A todo momento surgem novos jogos de linguagem,
e outros desaparecem. O que há de comum entre os diversos jogos de lingua-
gem? O elemento comum são as semelhanças de famílias, segundo Wittgenstein
(1979). Por meio de semelhanças, parentescos, analogias, comparações estabe-
lecemos as conexões entre um jogo de linguagem e outro, entre um conceito ou
palavra, ou imagem e outro.
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funções que ocupam em um
determinado sistema, dou-
trina, categorias filosóficas.
Os conceitos como interme-
diários ajudam exteriorizar
as ideias por meio da elucida-
ção. Contudo as elucidações,
em geral, podem ser mal com-
preendidas. Vejamos como
isso acontece por meio de Figura 3 - Filósofo Wittgenstein
conceitos.
Deve-se dizer que eu uso uma palavra cuja significação não conheço,
e que digo, um absurdo? - Diga o que quiser dizer, contanto que isto
não o impeça de ver o que ocorre. (E quando você ver isto, deixará de
dizer muitas coisas). (A flutuação de definições científicas: o que vale
hoje, por experiência, como fenômeno concomitante do fenômeno A
será utilizado amanhã na definição de “A”). […] A lógica é uma “ciência
normativa”. […] Comparamos frequentemente o uso das palavras com
jogos, com cálculos segundo regras fixas, mas não podemos dizer que
quem usa a linguagem deva jogar tal jogo. - Se se diz, porém, que nossa
expressão linguística apenas se aproxima de tais cálculos, encontramo-
-nos à beira de um mal-entendido (WITTGENSTEIN, 1979, p. 54).
Há diversas situações em que vemos autores usarem termos sem ter o real conhe-
cimento do seu significado e, em contextos dos quais necessitam precisar do
seu entendimento ou a sua intenção. Outras vezes, acontece de fazer o uso de
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descrevemos. A expressão “esta palavra designa isso” deveria, portanto,
ser uma parte dessa descrição. Ou: a descrição deve levar à forma: “pala-
vra … designa”. Ora, pode-se resumir a descrição do uso da palavra “la-
jota”, dizendo que essa palavra designa esse objeto. Isso será feito quando
se tratar apenas de afastar o mal-entendido seguinte: pensar que a palavra
“lajota” se relacione com a forma da pedra de construção que nós de fato
nomeamos “cubo”, mas o modo dessa ‘relação’, isto é o uso dessas pala-
vras, no restante, é conhecido (WITTGENSTEIN, 1979, p. 13).
A uniformidade da aparência das palavras ou conceitos, quando estas nos são ditas,
ou quando nos defrontamos com a escrita, é que nos confunde. O uso ou o emprego
destes conceitos quando filosofamos não é claro. A descrição na denominação de
algo, segundo Wittgenstein, deveria ser como colocar etiquetas nos objetos. “[…]
O que é um jogo? Creio que lhe descreveríamos jogos, e poderíamos acrescentar à
descrição: isto e outras coisas semelhantes chamamos de ‘jogos’” (WITTGENSTEIN,
1979, p. 40). Na descrição, além do elemento direto na explicação do objeto ou
conceito, é importante fazer uso de coisas ou conceitos semelhantes. O raciocínio
por semelhanças ou analogias ajuda as pessoas a associar determinados concei-
tos com os já conhecidos anteriormente. Além de sempre terem mente, que o mal
uso dos conceitos possibilitam os mal-entendidos da linguagem.
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auxílio para exprimi-las as mais audaciosas metáforas. Um estímulo
nervoso, primeiramente transposto em uma imagem! Primeira metáfo-
ra. A imagem, por sua vez, modelada em um som! Segunda metáfora. E
a cada vez mais completa mudança de esfera, passagem para uma esfera
inteiramente outra e nova. Pode-se pensar em um homem, que seja to-
talmente surdo e nunca tenha tido uma sensação do som e da música:
do mesmo modo que este, porventura, vê com espanto as figuras sono-
ras de Chladni desenhadas na areia, encontra suas causas na vibração
das cordas e jurará agora que há de saber o que os homens denominam
“som”, assim também acontece a todos nós com a linguagem. Acredi-
tamos saber algo das coisas mesmas, se falamos de árvores, cores, neve
e flores, e no entanto não possuímos nada mais do que metáforas das
coisas, que de nenhum modo correspondem às entidades de origem.
Assim como o som convertido em figura na areia, assim se comporta
o enigmático X da coisa em si, uma vez como estímulo nervoso, em
seguida como imagem, enfim como som. Em todo caso, portanto, não é
logicamente que ocorre a gênese da linguagem, e o material inteiro, no
qual e com o qual mais tarde o homem da verdade, o pesquisador, o fi-
lósofo, trabalha e constrói, provém, se não der Cucolândia das Nuvens,
em todo caso não da essência das coisas (NIETZSCHE, 1978, p. 48).
Por que não é possível dizer somente a verdade, evitando a mentira? Primeiramente,
a língua não tem compromisso com a verdade ou mentira, ela é apenas uma relação,
simplesmente estabelece as relações entre as coisas, o pensamento e a realidade que
nomeia, significa e ajuda a descrever. Por meio dos conceitos, podemos nos apro-
ximar ou distanciar da realidade concreta. Ao fazer uso dos conceitos, acreditamos
que temos os dominamos, mas isto não é verdade. Fazer uso não significa, necessa-
riamente, ter conhecimento, apenas usamos metáforas sobre os conceitos das coisas.
Ao fazer uso dos conceitos, muitos realizam apenas um voo distante da realidade,
ou seja, o pesquisador, o filósofo não só acredita, mas constrói lógicas argumentati-
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A unificação que um conceito realiza, que vem desde Platão até Nietzsche, faz
com que isso se transforme numa igualdade. A igualdade é uma abstração,
nada no mundo real é absolutamente igual. Os conceitos, ao serem usados, aca-
bam igualam os desiguais, e Nietzsche (1978, p. 4) destaca que a “natureza não
conhece formas nem conceitos”. A igualdade é uma criação humana, social e,
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dade única e exclusivamente a quem faz o uso da mesma.
Jamais dos traços intensivos [conceito] são a consequência dos traços dia-
gramáticos [plano de imanência], nem as ordenadas e intensivas se dedu-
zem dos movimentos ou direções. A correspondência entre os dois excede
mesmo as simples ressonâncias e faz intervir instâncias adjuntas à criação
dos conceitos, a saber, os personagens conceituais.
Fonte: Deleuze e Guattari, (1992, p. 51).
CONCEITOS CONSTRUÍDOS
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funções, as operações, aparentemente, complexas e específicas chamadas de pro-
cesso de construção dos sentidos e significados.
CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS
Seria possível uma filosofia sem conceitos? Não. Os conceitos constituem uma
mediação necessária. Então, a mediação é mais importante que a reflexão filo-
sófica que apresenta a solução para um determinado problemas ou um conjunto
de problemas? Não. A questão não trata de estabelecer quem é mais ou menos
importante, mas sim de compreender a importância e as funções que os con-
ceitos desempenham nas doutrinas e teses filosóficas, por mais que os conceitos
sejam, por alguns, supervalorizados e, por outros, criticados, e de certa forma
injustamente. Os conceitos contribuem de forma significativa na construção de
sentidos na produção filosófica.
No processo de construção dos sentidos e da significação atribuídos às teses
e às respostas aos problemas, não basta somente fixar os sentidos de determi-
nadas expressões e criar um vocabulário próprio com termos específicos para
um universo autônomo de uma doutrina. Faz-se necessário integrá-los em um
contexto explicativo ou demonstrativo para que a construção da sua significação
possa ser percebida na sua totalidade. Não se pode dissociar os usos dos con-
ceitos fora do seu contexto visto que isto pode mudar o sentido dos mesmos.
Retirar uma proposição do seu contexto, quer seja explicativo, demonstrativo,
quer seja histórico-social pode criar anacronismos.
filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual”!
Os conceitos não são dados previamente em um sistema filosófico ou dou-
trina, mesmo quando acontece o reaproveitamento de categorias já consagradas
pela história da filosofia e construído no coração da atividade filosófica. A rear-
ticulação dos conceitos no texto desloca os sentidos ora anteriormente fixados
nas proposições, inventando, assim, novas expressões como resultado de um tra-
balho de engenhosidade intelectual de muita reflexão cuidadosa, dando, assim,
às novas definições um outro sentido. As novas definições destes conceitos e
observações neste novo sentido passam a fazer parte de investigações filosófi-
cas e podem até constituir um método para filosofar ou um método da filosofia
(por exemplo: a filosofia aristotélica com suas definições, como a Metafísica; a
filosofia analítica anglo-saxônica entre outras).
DEFINIÇÃO DE CONCEITOS
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nicionais, elementos que são diferenciadores
em relação a determinados conceitos. Um
exemplo é o filósofo David Hume (1711-
1776), ao afirmar claramente o que entende
Figura 5 - Filósofo Hume
por impressões. Vejamos a seguir:
A outra espécie não possui um nome em nosso idioma e na maioria
dos outros, porque, suponho, somente com fins filosóficos era necessá-
rio compreendê-las sob um termo ou nomenclatura geral. Deixe-nos,
portanto, usar um pouco de liberdade e denominá-las impressões, em-
pregando esta palavra num sentido de algum modo diferente do usual.
Pelo termo impressão, entendo, pois, todas as percepções mais vivas,
quando ouvimos, vemos, sentimos, amamos, odiamos, desejamos ou
queremos (HUME, 1992, p. 70).
tão lamentada neste gênero de filosofia. Parece que esta proposição não
admitia muita controvérsia: todas as nossas ideias são cópias de impres-
sões ou, em outras palavras, é-nos impossível pensar em algo que antes
não tivéramos sentido, quer pelos nossos sentidos externos, quer pelos
internos. Tenho tentado explicar e provar esta proposição, e tenho tam-
bém manifestado minhas expectativas de que, mediante sua adequada
aplicação, se possa alcançar mais clareza e exatidão nos raciocínios filo-
sóficos do que até agora se tem podido obter (HUME, 1992, p. 96).
No fragmento apresentado, fica clara a luta travada pelo autor para precisar, con-
ceitualmente, o significado desejado dos termos que necessita usar para explicitar
o seu raciocínio em sua língua. Esta busca de estabelecer o sentido na proposição
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não é somente de David Hume, mas é comum em toda tradição filosófica, pois o
sentido das proposições que afirmam as teses precisa ser construído para que possa
alcançar mais clareza e exatidão nos raciocínios. E somente a crítica refinada dos
seus adversários e estudiosos da filosofia, no decorrer da história, dirão se o filósofo
conseguiu ser feliz na construção de proposições com o sentido que tanto desejava.
A busca pela definição precisa e clara dos conceitos é realizada por meio da
argumentação racional fundamentada nas regras da língua e de acordo com a
semântica, com isso, o filósofo se depara a todo momento com a “fronteira” da
linguagem e acaba fazendo verdadeiro “contorcionismo conceitual” até realizar o
desejo de construir as proposições com sentido esperado. Ocorre algumas vezes
em que a definição desejada está fundamentada, exclusivamente, numa espécie
de autoevidência e autoexplicativa. Contudo a construção da definição desejada
requer muita criatividade, muito trabalho intelectual e investigação até encon-
trar a clareza e o rigor na significação dos conceitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), chegamos ao final desta unidade, na qual tivemos acesso aos
problemas de identificação dos sujeitos nos textos, com as suas variações de
cenários. Todas as variações de sujeitos, cenários e a luta para esconder os per-
sonagens são recursos que a própria linguagem possibilita, frutos das criações
dos filósofos.
Analisamos, na primeira e segunda aulas, as causas das dificuldades em com-
preender os textos filosóficos. A luta textual para “esconder” o sujeito é possível,
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devido ao significado e às dimensões que estão contidas no próprio sujeito e no
predicado. A tentativa de apagar o sujeito das proposições não é perfeita, sem-
pre haverá pistas em que o intérprete pode encontrar as marcas no próprio texto.
Outra dificuldade analisada e descrita para sua superação foi a identificação das
variações dos sujeitos nas narrativas e das diversas configurações em situações,
aparentemente, de extrema complexidade. Após a identificação do cenário, o
leitor começa a fazer as conexões a partir das reflexões do autor em forma de
implicações nas cartas, como a exortação e os avisos finais.
Ao final, analisamos o discurso filosófico de busca pela precisão, o rigor con-
ceitual que está presente na história da Filosofia e a crítica de Wittgenstein que
atinge a todos os partidários deste princípio. Contudo o problema não é o prin-
cípio do rigor, que é algo a ser buscado, mas as ilusões gramaticais que podem
provocar. Além de analisar as origens das ilusões provocadas pela não compre-
ensão dos fundamentos da linguagem, entramos nos problemas de construção
argumentativa com a mediação dos conceitos, realizados pela filosofia.
Por fim, destacamos a importância da apropriação da Filosofia das catego-
rias oferecidas pela estrutura da língua e pela produção teórica das doutrinas, na
história da Filosofia, e os fragmentos das obras clássicas da filosofia que foram ins-
trumentos que podem ser aproveitados em outros estudos no decorrer do curso.
1. Sobre a leitura dos textos, sabemos que ela tem como base a compreensão in-
tuitiva das relações assim estabelecidas pelas pessoas, e os modos de determi-
nação do locutor ou dos destinatários são apresentados de várias formas. Elas
se modificam na medida em que o texto se desenvolve, ou a análise avança.
Diante disto, marque a alternativa correta, a seguir:
a) Um leitor, inicialmente determinado como uma espécie de representante de
uma opinião mantida à distância, pode, num determinado momento, ser aquele
a que o discurso é dirigido como um adversário ou um discípulo. Estas variantes
não atrapalham, de modo algum, o iniciante nos textos filosóficos, nem apresen-
tam a reflexão do pensador como algo difícil de ser acompanhado.
b) As reviravoltas no texto, geralmente, são intencionadas. Em um texto de filo-
sofia, alguns conceitos ocorrem por acaso ou por falta de atenção, principal-
mente, quando se referem aos interlocutores na reflexão filosófica. Os textos
filosóficos têm como uma das suas características nos enunciados buscar a
impessoalidade e a universalidade nas suas vozes.
c) Numerosos textos colocam como um dos integrantes do seu cenário a pri-
meira pessoa, mas esta função permanece com muita frequência ausente.
Contudo o centro do cenário principal está na fala em busca da verdade, o
discurso, aparentemente, sem sujeito e um enunciador universal.
d) O autor, neste cenário, produz reflexão sobre a dependência de um sujeito
que assume a responsabilidade, mas o fato de o sujeito estar sob uma apa-
rência de ausência, o anonimato, as incertezas da autoria fazem com que
as correlações entre o leitor e voz pareçam estranhas, mas isto não gera, de
modo algum, confusão.
e) A posição de referência dos enunciados não apresenta determinadas mar-
cas pelas quais o processo da leitura e o papel desempenhado pelo leitor
sejam definidos na reflexão filosófica pelo pensador. Estas marcas não são
necessárias na compreensão do texto, passam despercebidas pelo leitor.
2. Sobre a natureza do conceito em Hegel (1995), temos que a natureza do con-
ceito de sujeito e do predicado possuem elementos da universalidade, parti-
cularidade e singularidade, tornando impossível apagar suas marcas. Diante
disso, marque a alternativa correta:
I. O conceito como tal contém os momentos da universalidade, enquanto li-
vre igualdade consigo mesma em sua determinidade; da particularidade,
da determinidade em que permanece o universal inalteradamente igual a si
mesmo; e da singularidade, enquanto reflexão-sobre-si das determinidades
da universalidade e da particularidade; em que a unidade negativa consigo
e o determinado em si e para si é, ao mesmo tempo, o idêntico consigo ou
o universal.
94
ARISTÓTELES. Metafísica: livro I e 2; Ética a Nicômaco; Poética. São Paulo: Abril Cul-
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REFERÊNCIA ON-LINE
1
Em: https://feixe-hertziano.blogspot.com/2005/10/filosofia-como-criao-de-con-
ceitos.html. Acesso em: 23 abr. 2019.
2
Em: http://www.joaquimdecarvalho.org/artigos/artigo/87-Introducao-a-filosofia-
-como-ciencia-de-rigor-de-Husserl- . Acesso em: 24 abr. 2019
GABARITO
1. C
2. D
3. E
4. B
5. D
Professor Dr. Edson Barbosa da Silva
FILOSOFIA COMO
III
UNIDADE
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar a importância do problema fundamental, a tese ou a
resolução do problema, a argumentação, a fundamentação e os
exemplos na compreensão dos textos filosóficos.
■ Procurar identificar, nos textos filosóficos, os problemas
fundamentais e suas teses.
■ Demonstrar as causas da falta de exemplos ou de ilustrações em
muitas doutrinas ou sistemas filosóficos.
■ Apresentar a importância dos argumentos e dos fundamentos para
uma filosofia rigorosa.
■ Demonstrar o porquê de a filosofia utilizar poucos exemplos na
produção filosófica.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Filosofia e seus problemas
■ Problemas para criar novos conceitos na filosofia
■ Há Problemas Filosóficos
■ Argumentos e suas conexões
■ Filosofia contra exemplos
103
INTRODUÇÃO
ele. O pensar deve ser realizado com o intuito de criar as condições por meio de
raciocínios para que surjam as soluções que ainda não foram pensadas. Pensar
é criar algo que não existe. Mas pensar o quê? Pensar o pensamento para chegar
a uma solução verdadeira para o problema.
Na segunda aula, demonstraremos que a criação de conceitos é resultado de
uma necessidade que se impõe, quer o filósofo deseja quer não. O que o impul-
siona o filósofo é o problema fundamental, o problema mobiliza as faculdades
criativas, se não fosse assim, seria criação de falsos conceitos ou conceitos mal
postos. Todo conceito criado está relacionado diretamente a um problema, sem
os quais jamais surgiriam.
Nas terceira e quarta aulas, veremos que tentar decifrar aquilo que, aparen-
temente, parece indecifrável nos textos de filosofia começa a ser um exercício
de criação e recriação de problemas e de novos conceitos filosóficos. Com isto,
a ocupação com os textos passa a ser uma experiência de vida, algo muito além
de apenas encontrar problemas, inventar novos problemas e ver os resultados
efetivados no mundo vivido.
Por fim, na última aula, enfrentaremos o problema dos exemplos ou do caso
concreto nos textos filosóficos. Os exemplos, as ilustrações tão solicitadas pelos
estudantes em todas as áreas do conhecimento, na Filosofia, recebe outro olhar.
Introdução
104 UNIDADE III
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tocado, profundamente, por ele. Demonstraremos como isso acontece ao pen-
sador e os resultados na medida em que são influenciados pelos problemas do
mundo vivido, que resulta na produção filosófica.
Desde a Grécia Antiga, por exemplo, desde Platão (428-347 a. C) até os dias
atuais, muitos filósofos têm entendido a filosofia como resolução de problemas,
com isso, os filósofos têm exercido uma atividade educativa. A educação é enten-
dida como orientação no sentido platônico, ou seja, o filósofo deve descer várias
vezes ao interior da caverna (Mito da caverna, livro VII da República de Platão)
para influenciar aqueles que estavam presos pela ignorância. Libertar aqueles
que estão presos pela ignorância passa a ser problema que precisa de uma res-
posta. Contudo nem todos sentem que este problema precisa ser solucionado,
nem todos veem a ignorância como um problema.
Para muitos filósofos, os problemas são os motores do pensamento na filoso-
fia, mais que as soluções. Os problemas são obstáculos, dificuldades, incômodos de
todos os tipos e espécies que precisam ser removidos. Caso não sejam removidos,
podem gerar outros problemas, por vezes, ainda maiores. Para removê-los, a filoso-
fia precisa superar o sentimento de ignorância. A superação da ignorância começa
a ser resolvida na medida em que a filosofia tem a experiência do problema. O filó-
sofo tem que sentir o problema subjetivamente, e isso é motor impulsionador para
O ser humano é um ser eminentemente ativo, mas necessita de algo que o mova.
Para que o filósofo seja movido por um problema, é necessário sentir, ser tocado
profundamente por ele. No primeiro momento, são as questões sentimentais que
entram em cena quando um problema é imposto pela realidade ao filósofo. Só
em um segundo momento, é que entram os aspectos racionais para que aconteça
o equacionamento do problema. Deleuze, no fragmento apresentado, fala de um
“encontro fundamental” entre o sentido e o objeto. O sentido é a força que faz com
que o encontro seja o problema suscitado, um incômodo desconhecido ao filó-
sofo, despertando, assim, a sua curiosidade, o seu interesse para compreendê-lo.
Assumir um problema como seu faz com que a experiência sensível do filó-
sofo e os conhecimentos acumulados nas leituras de filosofia sejam importantes
no enfrentamento do mesmo. O acúmulo de conhecimentos é resultado de toda
ocupação do filósofo com os textos filosóficos, que possibilitará tratamento dife-
rente do problema, algo muito diferente no caso de um iniciante nos seus estudos.
Quando um problema se impõe ao iniciante ou a um filósofo, não há fórmulas
determinadas, prontas para resolvê-los, faz-se necessário criá-las, inventá-las e,
para isto, é necessário pensar. Pensar é agir subjetivamente para apresentar alter-
nativas para resolvê-lo. O problema é aquilo que move o pensamento.
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pam com a filosofia.
O acontecimento por si mesmo é problemático e problematizante. Um
problema, com efeito, não é determinado senão por seus pontos sin-
gulares que exprimem suas condições. Não dizemos que, por isso, o
problema é resolvido: ao contrário, ele é determinado como problema
[…]. Parece, pois, que um problema tem sempre a solução que merece
segundo as condições que o determinam enquanto problema; e, com
efeito, as singularidades presidem à gênese das soluções da equação
(DELEUZE, 1998, p. 57).
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PENSAR O PROBLEMA
podem ser invertidos. Os elementos que avizinham ao problema poderão ser aque-
les que integraram a solução possível. É falsa a afirmação de que há uma solução
para cada problema visto que pode haver várias soluções para um único problema.
Fazem-nos acreditar que a atividade de pensar, assim como o verda-
deiro e falso em relação a esta atividade, só começa com a procura de
soluções, só concerne às soluções. É provável que esta crença tenha
a mesma origem que a dos outros postulados da imagem dogmática:
exemplos pueris separados de seu contexto, arbitrariamente erigi-
dos em modelos. É um preconceito infantil, segundo o qual o mestre
apresenta um problema, sendo nossa a tarefa de resolvê-lo e sendo o
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Você sabia que o problema fundamental funciona como motor para pensar
a tese ou a sua solução? O primeiro passo para que isso aconteça é identifi-
cá-lo no texto filosófico; o segundo é ter postura filosófica diante do proble-
ma fundamental.
Fonte: o autor.
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PROBLEMAS PARA CRIAR NOVOS CONCEITOS NA
FILOSOFIA
Devemos alertar para o fato de que muitos filósofos colocam diferentes problemas
em diferentes obras, mas isto não retira as afirmações anteriores, pelo contrário,
reforçam-nas. O grau de entendimento de uma filosofia é medido pela identifica-
ção dos seus problemas e das conexões estabelecidas por eles. Às vezes, aparecem
aspectos desconexos, mas fazem parte de um grande problema ou problema funda-
mental em questão. Compreender um problema não significa ter muitas informações
a respeito da filosofia em questão, por exemplo, biografias, argumentos famosos,
conceitos que chamam atenção e são comentados por muitas pessoas, entre outros,
mas ser capaz de fixar e explicar claramente o problema fundamental.
O problema fundamental é aquele incômodo que perturba o pensador, que
não lhe permite descansar e o impulsiona a criar conceitos para responder, ou
buscar solucioná-lo de forma clara e convincente. Para Deleuze, em seu livro O
que é filosofia?, ele afirma que filosofia é a fabricação de conceitos. Vejamos em
outro texto dele o que diz sobre a criação de conceitos a partir dos problemas
fundamentais dos filósofos.
É simples: a filosofia também é uma disciplina criadora, tão inventiva
quanto qualquer outra disciplina, e ela consiste em criar ou bem inven-
tar conceitos. E os conceitos não existem desde já feitos, numa espécie
de céu em que eles esperassem que um filósofo os agarrasse. É necessá-
rio fabricar os conceitos. Certamente, não se os fabrica assim, do nada.
Não se diz, um dia, “bem, vou inventar tal conceito”, como um pintor
não diz um dia, “bem, vou fazer um quadro assim”, ou um cineasta
“bem, vou fazer tal filme”! É necessário que se tenha uma necessidade,
em filosofia ou nos outros casos, senão não haveria nada. Um criador
não é um padre que trabalha pelo prazer. Um criador não faz nada além
do que aquilo que absolutamente necessita. Resta que esta necessidade
– que é uma coisa bastante complexa, se ela existe – faz com que um
filósofo (aqui, pelo menos eu sei do que ele se ocupa) se proponha a
inventar, a criar os conceitos e não se ocupar de refletir, ainda que seja
sobre o cinema (DELEUZE, 2016, p. 292).
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preender os conceitos, as categorias utilizadas no sistema filosófico elaborado.
PROBLEMAS E DESCRIÇÃO
Para entender uma filosofia, precisamos estar atentos para o que é dito como
solução (argumentação) para problemas bem claros e precisos. Uma filosofia
puramente descritiva do problema pode ser vista como uma contradição de
termos. Deleuze, conforme já mencionamos, afirma que um problema deve ser
experienciado para mover o filósofo, mas isto não significa que a filosofia seja
apenas uma descrição de problemas. Existem filosofias que se apresentam como
descrições, como a fenomenologia, um campo da filosofia que faz a descrição da
estrutura específica dos fenômenos (aquilo que aparece ao sujeito, à sua cons-
ciência). Esta descrição é condição, a priori, de possibilidades para a Teoria do
Conhecimento.
Descrever um problema ou uma solução já seria suficiente para a dissolução
do problema fundamental. Este entendimento dos problemas pode contribuir de
forma significativa em vários sentidos, mas não poderá, efetiva e objetivamente,
eliminar o problema enquanto tal. Neste sentido, as teses filosóficas poderiam ser
reduzidas a uma simples descrição. Entender um problema é etapa para, poste-
riormente, resolvê-lo, ou seja, entender não significa encontrar a causa e resolver.
Podemos, perfeitamente, compreender os problemas e nos omitir diante da sua
necessidade ou urgência de uma solução, simplesmente não agimos. A filosofia
passa a ser apenas um discurso descritivo.
dos contação de histórias, tendo em vista que existe uma diferença categórica
entre a Cinderela dos irmãos Grimm e o Discurso do método de René Descartes,
ou entre a Megera madrasta e o Gênio maligno. Há uma grande diferença entre
o problema de uma teoria filosófica tanto no seu tema quanto em sua questão.
O tema é aquilo do que ou sobre o que o autor fala. O autor fala sobre algo ou
diz respeito a uma tese. Diferente de uma narrativa cujo objetivo é encontrar a
moral da mensagem, ou atrair a atenção para alimentar o imaginário e despertar
a curiosidade dos ouvintes.
O tema e a questão são informações que não determinam, necessariamente,
o problema fundamental, somente trazem informações que podem ser perti-
nentes. É comum, nos debates e discursos acadêmicos em Língua Portuguesa,
presenciarmos uma confusão entre conceito e questão. Vejamos alguns exemplos:
“Quero falar sobre a questão da moral em Kant”, ou “Vamos à questão da aliena-
ção em Marx”. O conceito e a questão são tratados como sinônimos, mas não são.
A questão, aqui, está se referindo ao conceito de Kant, ou seja, o seu entendi-
mento da moral ou da questão da alienação é sobre o entendimento de alienação
em Marx. Na linguagem usual, uma questão significa questionamento, pergunta.
A questão da moral, em Kant, deveria ser posta da seguinte forma: “Quero saber
o que Kant entende sobre moral?” ou: “Vamos tratar do entendimento de Marx
sobre alienação?” Vejam que são aspectos diferentes do que receber informações
sobre a moral ou alienação destes pensadores. Os verdadeiros problemas quanto
à moral ou alienação desaparecem como num nevoeiro, ou seja, o desejo dessas
pessoas é apenas ouvir informações sobre uma descrição.
PROBLEMAS E APRENDIZADO
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po dos problemas virtuais contidos no corpo problemático dado […].
Cada singularidade desenrola novas multiplicidades. O cálculo procu-
ra desenvolver o campo das diferenças em redor de um dado ponto
singular, a fim de determinar o melhor possível a superfície mais vasta
das séries diferenciais; só assim conseguiremos abordar o pensamento
do singular, isto é, da diferença (DELEUZE, 2006a, p. 22).
ou seja, conhecer o movimento dos conceitos, pensando por meio deles desde
início. Com isto, o iniciante faz o percurso de aprendizagem, adentrando nos
campos problemáticos, primeiro por meio da experimentação dos problemas,
e, depois, criando os conceitos por meio do ato de pensar em seu próprio pen-
samento. A experiência singular dos problemas e do ato de criação conceitual
impedirá a repetição dos mesmos, e a atividade filosófica passa a ser muito pra-
zerosa e interessante.
Você sabia que todo filósofo tem um problema fundamental a ser resolvido?
E que sem problemas não há produção filosófica alguma? Se a filosofia não
privilegiar a solução de problemas no ensino ou no estudo, ela pode redu-
zir-se à simples contação de episódios da história.
Fonte: o autor.
HÁ PROBLEMAS FILOSÓFICOS
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Tudo tem início, para muitos pensadores, com um problema fundamental. A
partir da elaboração do problema fundamental, surge uma hipótese de como
resolver tal problema. Ela se apresenta, no início, como um palpite, uma con-
jectura de como resolver o problema, algo que se candidata a ser uma tese, ou é
muito próximo dela. Estas são as questões que enfrentaremos a seguir, que pode
ser o início, ou não, de uma produção filosófica. O nosso intuito é deixar estes
elementos claros para melhor entendimento dos textos.
A CONSTRUÇÃO DA TESE
Tentar decifrar aquilo que, aparentemente, parece indecifrável nos textos de filo-
sofia começa a ser um exercício de criação e recriação de problemas e de novos
conceitos filosóficos. Com isto, a ocupação com os textos passa a ser uma expe-
riência de vida, algo muito além de apenas encontrar problemas, inventar novos
problemas e ver os resultados efetivos no mundo vivido. Viver passa a ser um
forçar a pensar, produzir por meio da violência benéfica do encontro entre o ato
de pensar e o ato de criar. A filosofia, para o iniciante, pode ser apaixonante do
começo ao fim, experimentando a mesma emoção filosófica desde os primeiros
filósofos na Grécia Antiga até os que estão vivos e se divertindo com esta atividade.
Outro momento desta atividade é a questão da identificação de um problema
filosófico. O primeiro passo é a insatisfação com aquilo que está diante do filósofo
(fenômeno ou aspectos de um fenômeno), podendo ser um tema, um argumento,
uma questão, uma visão sobre um assunto que não corresponde ao mundo vivido,
PROBLEMAS E A TESE
Há Problemas Filosóficos
118 UNIDADE III
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Há situações em que a tese não é situada em um lugar privilegiado no saber
filosófico, e querer entendê-la sem compreender o problema que a gerou é difícil,
ou seja, é complicado entender a resposta sem a pergunta. A tese é a resposta a
uma pergunta e só pode ser entendida em correlação à pergunta à qual responde.
O ser-resposta não é parte de seu entorno pragmático contingente, mas de
sua natureza lógica intrínseca; não é um acidente, algo que casualmente
lhe acontece, senão que lhe é hermeneuticamente constitutivo. A atividade
filosófica primária não é a afirmação ou negação de “teses em si”, mas sem-
pre em seu vínculo com o problema. A aparência de que o afirmar proposi-
ções é a atividade básica em filosofia é muito forte e se deve a que, inclusive
para o próprio filósofo, o problema é dado como parte do legado histórico
do qual ele nem sempre é plenamente consciente ou que, por ser-lhe óbvio,
não considera necessário explicitar (PORTA, 2004, p. 33).
Há Problemas Filosóficos
120 UNIDADE III
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2004, p. 34).
Os argumentos têm a finalidade de legitimar a tese em questão para que ela tenha
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adesão daqueles que entram em contato com ela. Na filosofia, não há uma hierarquia
de objetos, como acontece em outras áreas do saber, mas somente uma hierarquia
de sentidos que explicam determinada ordem racional. Esta ordem é do processo de
argumentação relacionada aos temas, e não algo isolado, como se fosse autônomo,
ou seja, a ordem está subordinada a uma lógica para que tenha semelhança nos
argumentos. As justificativas que formam os argumentos não podem ser separados
ou retirados de acordo com o interesse do leitor, visto que a atividade filosófica está
justamente nas ligações entre as proposições que sustentam a tese. A força dos argu-
mentos está, exatamente, nas suas conexões de ideias e sua ordem lógica conceitual.
As interligações ou conexões de ideias de forma inovadora constituem os ele-
mentos mínimos para que os argumentos se apresentem como originais. A forma
inovadora de conexões acontece à medida que os hábitos e os usos de determina-
dos conceitos são alargados. Com isto, o texto começa a ganhar forma e sentido
necessário para dar conta do conjunto de proposições que forma o conteúdo. O
conteúdo, por sua vez, apresenta os argumentos e explicam os usos conceituais
e os modos dos seus desdobramentos que estão intimamente ligados entre si.
Desta maneira, a explicação do texto com as conexões e as demonstrações dos
argumentos podem ser esboçadas com certa clareza.
O alargamento habitual e das conexões conceituais precisam ser validados
(legitimados) em todos os seus momentos para que sejam conferidos ou cons-
tituídos pelo estatuto de veracidade. O processo de validação envolve, de forma
total, desde uma simples proposição até a demonstração complexa, assim como a
argumentação, as explicações, as descrições ou os exemplos, em que o pensador
explica as razões de suas escolhas.
ARGUMENTAÇÃO VÁLIDA
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falar do método do conhecimento cujo objetivo é a verdade. Falar sobre o método
não pode cair na regressão ao infinito ao falar do método de investigação da ver-
dade, pelo simples fato que não chegaria ao objetivo. Chamamos a atenção para a
forma de demonstração argumentativa por meio do raciocínio lógico para enfren-
tar as objeções dos seus oponentes. O próprio raciocínio lógico o legitimou, mas
foi construído, e não dado, como algo que fosse natural ou evidente por si mesmo.
O esforço de justificação dos pensadores demonstra que, na filosofia, os enun-
ciados de uma tese ou doutrina carecem sempre de uma legitimação. A luta pela
legitimação é parte integrante da argumentação cujo objetivo é explicar a tese a
partir da pergunta que ela responde. A fundamentação da legitimidade da tese
deve estar no próprio processo da argumentação construída nela mesma, caso
contrário, as condições de validade estariam fragilizadas. A exposição sistemati-
zada de forma lógica diminui o risco na medida em que a tese ou doutrina, na sua
totalidade, constitui o seu próprio fundamento a ser demonstrado com clareza.
FUNDAMENTAÇÃO DA TESE
Os fundamentos devem ser buscados com muito rigor. E onde devemos procu-
ra-los? Marx aponta que devemos buscar no próprio o homem. Ele entende o
homem como gênero humano e espécie na particularidade, no caso, o pensador.
O homem como gênero refere-se ao conhecimento acumulado pela humanidade
no decorrer da história, no caso mais específico, a história da filosofia, ou seja,
deve-se submeter todo conhecimento ao crivo da crítica radical. E o homem, em
particular, é o próprio pensador, que não pode aceitar a superficialidade e inge-
nuidade, ou seja, a todo instante deve fazer a autocrítica do que está produzindo.
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seus primórdios na Grécia Antiga na luta contra os mitos, as crenças religiosas
e as visões de senso comum daquela época. As teses filosóficas sempre buscam
a visão de totalidade, de conjunto dos elementos que podem estar relacionados
à pergunta fundamental e à sua tese. A filosofia sempre foi uma ciência de rigor
em todos os períodos de sua história, e os graus deste rigor não são contínuos,
modificam-se de tempos em tempos.
Há períodos da história em que o rigor aparece mais, ao ponto de obscu-
recer toda a genialidade da criação dos argumentos e conceitos, e, em outros,
não se destaca tanto, prevalecendo os impactos, a objetividade e a clareza dos
argumentos da tese. Contudo o iniciante, aos poucos, identifica estes aspectos
e, com muito esforço, com a sistematização, organização e autodisciplina supe-
rar os preconceitos e as próprias dificuldades para a leitura dos textos filosóficos.
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esta identificação de palavras e coisas como objeto referencial pressupõe tarefas
que, de certa forma, podem ser caracterizadas como difíceis para um iniciante
pelo fato de ser uma reconstrução do mundo visto pelo pensador. Seguir esta
visão do pensador em meio aos seus registros, com as suas múltiplas variações,
exige atenção para perceber a essência do denotado.
O conceito, portanto, faz ao mesmo tempo referência direta a um “obje-
to de pensamento” e indireta a um objeto do mundo; mas esses objetos
particulares, eles próprios, são sempre visados através da linguagem e
das categorias da doutrina. Distinguiremos então o universo denotati-
vo ideal de uma doutrina de seu universo denotativo concreto ou subs-
trato ontológico. O primeiro é constituído na sua mais ampla genera-
lidade pela construção do conceito. O segundo é produzido através dos
casos particulares, exemplos ou passagens descritivas, e compreende o
conjunto dos elementos verificados no campo perceptivo, na ordem da
experiência comum que participa do que se convencionou chamar “o
real” (COSSUTTA, 2001, p. 76).
ências na realidade, o que faz com que a filosofia, de alguma maneira, saia da
esfera abstrata e vá para a realidade concreta.
determinado período da
história, em uma sociedade
e em uma cultura. Ao fazer
uso dele como exemplo,
acontece a generalização
das regras, ou seja, o exem-
plo se torna contraexemplo.
Isso ocorre com os estereó-
tipos em uma obra filosófica
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como um todo, e o exemplo
passa a ser uma espécie de
pseudorreferência.
Os exemplos desempenham uma função didática, ontológica e de valida-
ção nos textos filosóficos. A função didática é fazer com que o pensador seja
entendido pelo leitor, fazer-se claro, esta é a razão de ser dela. É uma função extre-
mamente importante porque o texto ganha modificações sob o olhar inicial do
leitor. O fato de a didática tratar de um caso particular faz com que a mensagem
tenha uma direção clara. A função ontológica dos casos particulares é distribu-
ída ao longo do texto, desempenha várias funções referenciais, dá suporte ao
substrato ontológico, colocando uma presença do mundo no discurso. O ser,
no mundo, faz-se presente no discurso, a função ontológica conecta o ser con-
creto ao discurso concebido. A função de validade desempenha não somente a
conexão da tese com a busca da verdade, mas coloca o caso particular na pre-
sença do pensador e do leitor, além do papel na argumentação para fundamentar
a tese. Portanto, a função do caso particular vai além da função didática, con-
tribui para a fundamentação ontológica e oferece as evidências factuais sem se
opor à construção conceitual.
O uso de casos particulares faz com que os pensadores enfrentem o pro-
blema chamado “problema do exemplo”. Este enfrentamento acontece por causa
da função metatextual, ou seja, a própria linguagem passa a ser o foco de refle-
xão do pensador quanto ao uso nos seus textos, além dos conceitos na passagem
de julgar de que nunca poderá prescindir quem careça desse dom natu-
ral (KANT, 1994, p. 178).
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EXEMPLOS E A SUA IMPORTÂNCIA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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do problema fundamental para assumi-lo com todo empenho e dedicação na sua
solução. O pensar foi explicitado com o intuito de criar as condições por meio de
raciocínios para que encontre as soluções ainda não pensadas. A engenhosidade
do pensar faz com que o diferencial do problema seja enfrentado com raciona-
lidade na construção de soluções e, muitas vezes, com a criação de conceitos.
Vimos, também, que o impulsionador do filósofo é o problema fundamental.
Oportunizamos os elementos para entender que a atividade de tentar decifrar
aquilo que, aparentemente, parece indecifrável nos textos de filosofia, começa a
ser um exercício de criação e recriação de problemas e de novos conceitos filo-
sóficos. Com isso, a ocupação com os textos passa a ser uma experiência de vida,
algo muito além de apenas encontrar problemas, inventar novos problemas e ver
os resultados efetivos no mundo vivido.
Por fim, compreendemos que a “teoria dos exemplos”, nos textos filosóficos,
faz parte das controvérsias na história da filosofia. As justificativas como sem-
pre, na filosofia, faz sentido, e o desejo de não criar maus hábitos, muletas para
o leitor, gera dificuldades que, com o tempo, podem ser superadas. Este foi o
nosso objetivo com esta unidade, e esperamos que os subsídios oportunizados
sejam suficientes para que as leituras dos textos possam ser mais claras. Contudo
não há consenso quanto aos usos dos exemplos, muitos pensadores fazem uso
frequente deles e acreditam que não tiram dos seres humanos a autonomia do
pensamento e da criação de novos conceitos originais.
1. Todo problema tem pontos singulares que revelam as suas condições, enquanto
manifestação, para aqueles que foram tocados por ele. Estes pontos são as con-
dições que podem constituir e determinar o problema e, de uma forma ou de
outra, adisto, analise as afirmativas a seguir:
I. O problema se impõe a nós como se fosse um acontecimento imprevisível e
possui uma singularidade composta por agrupamentos de outras singulari-
dades e sem um fio condutor para guiar.
II. É possível resolver e compreender desde o início o problema, por isso, é um
desafio enfrentá-lo como um acontecimento entre os outros que acontecem
todos os dias para as pessoas comuns que não se ocupam com a filosofia.
III. O acontecimento por si mesmo é problemático e problematizante. Um pro-
blema não é determinado por seus pontos singulares que exprimem suas
condições.
IV. Parece que um problema tem sempre a solução que merece, segundo as con-
dições que o determinam enquanto problema.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I, II e IV estão corretas.
d) Todas as afirmativas estão corretas.
e) Nenhuma das afirmativas anteriores está correta.
2. O problema fundamental, a tese ou solução, os argumentos e as fundamenta-
ções podem ganhar, ou não, um reforço solicitado por muitos alunos numa sala
de aula, o exemplo. Os exemplos são importantes e estão dentro dos chamados
fenômenos referenciais. Diante disto, marque a alternativa correta sobre a im-
portância do exemplo:
a) Cabe àqueles que produziram as argumentações e os fundamentos filosófi-
cos procurar ser o mais claro possível na sua descrição e explicação, para que
os pedidos de ilustração não sejam minimizados o máximo possível.
b) O denotado é o exemplo, o paradigma, o modelo, a ilustração, o padrão, a ma-
triz, a norma que não está ligada aos conceitos, que, por sua vez, não conecta,
não nomeia os objetos concretos no mundo vivido. Pensar sobre as referências
é complexo, devido à multiplicidade de aspectos para construir o sentido.
c) Os exemplos desempenham uma função didática, ontológica e de validação
nos textos filosóficos. A função didática é fazer com que o pensador seja en-
tendido pelo leitor, fazer-se claro é a razão de ser dela. É uma função não muito
importante porque o texto ganha modificações sob o olhar inicial do leitor.
d) No entendimento de Kant, a única utilidade dos exemplos é afiar a faculda-
de de julgar, quanto à aquisição do conhecimento é enfraquecida. O uso dos
exemplos, com frequência, cria um mau hábito de usar como fórmulas, e não
como princípio.
136
III. Um criador não faz nada além daquilo que absolutamente necessita. Resta
que esta necessidade – que é uma coisa bastante complexa, se ela existe –
faça com que um filósofo (aqui, pelo menos eu sei do que ele se ocupa) pro-
ponha-se a inventar, a criar os conceitos e não se ocupar em refletir, ainda que
seja sobre o cinema.
IV. Todo conceito criado está relacionado diretamente a um problema, sem os
quais jamais surgiriam. Portanto, a base da compreensão de uma filosofia está
no problema fundamental para depois compreender os conceitos, as catego-
rias utilizadas no sistema filosófico elaborado.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas I, III e IV estão corretas.
c) Apenas I, II e IV estão corretas.
d) Todas as afirmativas estão corretas.
e) Nenhuma das afirmativas anteriores está correta.
5. Toda tese necessita de argumentação precisa e com inferências (deduções) de va-
lores de verdade para que lhe dê o suporte necessário, e o leitor perceba que está
diante de algo bem fundamentado. Diante disso, assinale a alternativa correta:
a) Não há diversos modos de fundamentar uma tese, mas destacamos aque-
les que buscam a radicalidade, que vão às raízes, às causas do problema fun-
damental. A forma de demonstrar esta radicalidade está na explicitação, em
clarificar os termos e as categorias utilizados, desde a análise linguística ou
semântica até os aspectos filológicos empregados para construir os novos
conceitos ou a terminologia.
b) Ser radical não é proceder como a raiz de uma árvore que penetra o solo para
se fixar à terra e não abandona suas ramificações, pois estas são parte e com-
plemento daquela.
c) O filósofo, sociólogo e economista Karl Marx (1818-1883) ajuda-nos a enten-
der melhor a questão da radicalidade ao estabelecer relações entre a teoria e
o ser radical, rigoroso. A teoria é capaz de prender os homens desde que de-
monstre sua verdade face ao homem, desde que se torne radical. Ser radical
é atacar o problema em suas raízes. Para o homem, porém, a raiz é o próprio
homem.
d) O processo de fundamentação das teses sempre segue um raciocínio ou linha
de pensamento linear e fácil para um iniciante fazer uma reconstituição das
bases utilizadas.
e) Às vezes, as formas dos argumentos não são extremamente refinadas nem ri-
gorosas, e não são usadas de derivações de consequências pouco perceptível
num primeiro momento.
138
Material Complementar
140
REFERÊNCIAS
COSSUTTA, F. Elementos para a leitura dos textos filosóficos. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
DELEUZE, G. Lógica do sentido, 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1998.
______. Diferença e repetição. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006a.
______. Dois regimes de loucos: textos e entrevistas (1975-1995). São Paulo: 7766t
Editora 34, 2016.
ESPINOSA, B. Pensamentos metafísicos. Tratado da correção do intelecto; Ética;
Tratado político; Correspondência. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
KANT, I. Crítica da razão pura. Lisboa: Edição Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
KARAM, R.; PIETROCOLA, M. Habilidades Técnicas Versus Habilidades Estruturantes:
Resolução de Problemas e o Papel da Matemática como Estruturante do Pensamen-
to Físico. ALEXANDRIA Revista de Educação em Ciência e Tecnologia, São Paulo,
v. 2, n. 2, p.181-205, jul. 2009. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.
php/3489405/mod_resource/content/1 /art_Karam.pdf . Acesso em: 10 maio 2019.
KIERKEGAARD, S. O conceito de angústia: um simples relato psicológico-demons-
trativa direcionada ao problema dogmático do pecado hereditário. Petrópolis: Vo-
zes, 2017.
MARX, K. Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Editora
Moraes, 1991.
PORTA, M. A. G. A filosofia a partir dos seus problemas. São Paulo: Edições Loyola,
2004.
REFERÊNCIA ON-LINE
IV
UNIDADE
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
Objetivos de Aprendizagem
■ Demonstrar o porquê da dissertação ser exercício filosófico por
natureza.
■ Identificar, nos textos filosóficos, os problemas fundamentais e suas
teses.
■ Explicar as causas da falta de exemplos ou ilustrações em muitas
doutrinas ou sistemas filosóficos.
■ Explicitar a importância dos argumentos e fundamentos para uma
filosofia rigorosa.
■ Demonstrar as especificidades do problema filosófico numa
dissertação filosófica.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Exercício da Dissertação Filosófica
■ Complexidade do Exercício de Dissertar
■ Imposições do Tema numa Dissertação
■ Definições para Dissertar
■ Dissertação Filosófica e sua Especificidade
143
INTRODUÇÃO
Introdução
144 UNIDADE IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
EXERCÍCIO DA DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
A dissertação filosófica é considerada, por muitos, como exercício difícil, por razões
da natureza da filosofia. A primeira dificuldade aparece pelo simples fato de ser ativi-
dade racional. O raciocínio é uma atividade que parte do sabido para o não sabido,
do conhecido para o não conhecido. Portanto, a dissertação filosófica apresenta
alguma novidade diante das coisas conhecidas, daí a diferença da dissertação filosó-
fica de outras áreas do conhecimento, classificadas como ciências humanas. Vejamos
como entende Claudinei Chitolina, em seu livro Para ler e escrever textos filosóficos:
Diferentemente do projeto de pesquisa (que é elaborado sem compre-
ensão aprofundada do objeto a ser investigado), a elaboração de um
plano redacional (do sumário) requer uma compreensão prévia do
objeto a ser investigado. Embora necessário, o plano redacional tem,
entretanto, um caráter provisório (serve de guia ou de diretriz), pode
sofrer mudanças ou alterações no decorrer da investigação. É sua fun-
ção descrever a estrutura redacional do texto – uma ordem a seguir. A
dissertação filosófica não é um exercício aleatório de pensamento, mas
um trabalho orientado por um objetivo – visa propor, sustentar ou de-
fender uma tese. É o plano redacional, isto é, a ação estratégica que per-
mite conduzir o pensamento de forma ordenada e progressiva. Traçar
um plano significa possuir, de antemão, conhecimento do problema, de
seus pressupostos (conceitos/argumentos) e implicações. Ou seja, antes
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
145
O plano redacional pode ser feito com a ajuda de um orientador que, via de regra,
tem conhecimento sobre o tema em questão e experiência em dissertações anterio-
res, possuindo compreensão aprofundada sobre o assunto para, juntos, construir um
trajeto a ser percorrido durante a dissertação. O orientador será a primeira pessoa a
corrigir a dissertação e pode propor os ajustes necessários para que a avaliação, que é
um outro passo na parte técnica e na parte filosófica, possa ocorrer de forma normal.
A dissertação é um exercício de escrita com regras próprias, que se aprende
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Os vários pressupostos da língua corrente e suas estruturas entre outros para uma
dissertação filosófica, e que muitos alunos(as) não têm, desencorajam alguns e os
leva a fazerem, erroneamente, comparações com outros problemas de conhecimento,
como a Matemática, a Física entre outras. As dificuldades encontradas pelos alu-
nos devem ser superadas com o próprio exercício da dissertação, que é o exercício
por excelência para o pensar, o criar conceitos no interior de um discurso racio-
nal em torno de uma problemática para solucionar um problema com uma tese.
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algumas exigências, como fixação de problema, tese, argumentos e fundamen-
tações, entre outros. Pode-se dar a nota máxima, contudo, tendo por referência
o negativo, sempre o avaliador encontrará alguns elementos ou aspectos a serem
melhorados visto que não há dissertação perfeita.
A dissertação é um exercício acadêmico que será, necessariamente, realizado
ou com certa frequência, ou de forma esporádica ou no final do curso, como o
TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) ou um artigo científico a ser subme-
tido à avaliação pelas revistas especializadas. Faz parte da atividade filosófica em
forma de dissertação os ensaios, as teses, as comunicações, os livros, as tradu-
ções e os artigos científicos entre outros. Todas estas atividades filosóficas são
produções intelectuais fechadas, conceitualmente completas e acabadas em si,
mesmo sendo finalizadas deixam as questões em aberto para serem desdobra-
das pelas reflexões dos seus leitores ou avaliadores técnicos.
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
147
A filosofia não segue um método visto que ela própria constitui o método como
processo filosófico, ou o pensador faz com que o método não seja visível. O
pensador pode, arquitetonicamente, esconder o método utilizado, conforme
descrevemos na unidade dois deste livro em relação aos sujeitos nos textos filo-
sóficos. Visto não ser possível chegar a um ponto sem seguir nenhum caminho,
método é, entre outros significados, um caminho, um meio para se chegar a um
objetivo previamente determinado. Portanto, há um método sempre, só não
percebemos no primeiro momento. Contudo não deixa de ser verdade que a
filosofia use o “processo” reflexivo como o seu caminho, o seu próprio método.
Além disto, não deixa de ser verdade, também, que o modus operandi de um
pensador, a sua estrutura textual permanece a mesma em outros escritos, como
livros, cartas, ensaios entre outros.
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ASPECTOS PEDAGÓGICOS DA DISSERTAÇÃO
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
149
ção não for corrigida, não pode ser chamada de dissertação filosófica, é só um
caminho de ida sem volta e que pode se perder nas areias de um deserto informe.
Passando por estes três momentos fundamentais, o exercício pedagógico da
dissertação passa a ter melhor compreensão tanto para o orientando quanto para
os leitores. Por isso, os professores e orientadores insistem para que seus orien-
tandos ou alunos sigam algumas regras da língua corrente, tenham um plano de
redação e procure determinar os métodos ou o método que usará na dissertação,
para ser compreensível e cumpri os seus objetivos pedagógicos. Com isto, a dis-
sertação filosófica faz com que o aluno seja transformado em autor.
A dissertação, no entanto, realizada pelo aluno, não pode transformá-lo em
um autor original de início, dispondo de autonomia que se conquista, como
em muitos exercícios de escrita, para se tornar uma autoridade no assunto. A
sua dissertação deve ser objeto de comentários, como referência e análise crí-
tica. No entanto a realização de tal exercício já demonstra que o estudante ou
iniciante já se insere como sujeito de uma reflexão filosófica e que demonstra
senso e inteligibilidade que deva ser considerado com as devidas ressalvas. A
dissertação demonstra que o estudante é uma pessoa que faz uso de sua razão
na escrita filosófica, seguindo um plano e com regras claras, sujeitas à avaliação
de seu emprego por terceiros. A redação filosófica consolida, de forma incon-
testável, a formação teórica educacional do estudante.
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COMPLEXIDADE DO EXERCÍCIO DE DISSERTAR
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
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Para seguir as regras sem ingenuidade, faz-se necessário perceber as suas nuances
na aplicação das mesmas, caso contrário, elas não serão aplicáveis, ou cometem
erros que podem comprometer o texto. Visto que regras não valem em si mes-
mas, elas devem ser analisadas com cuidado para a sua efetividade na situação
concreta. As regras cartesianas são amplamente seguidas nas pesquisas, são con-
sagradas no decorrer das atividades de pesquisas durantes séculos, mesmo assim,
devem ser vistas com cuidado para que se atinja o objetivo proposto. Descartes
revelou as suas regras depois da pesquisa realizada, como forma de demonstrar
o caminho realizado. Portanto, fez uso das suas regras, e é claro que para identi-
ficá-las necessita de um aprofundamento em seu pensamento para perceber os
detalhes na sua efetividade.
Merece, aqui, um destaque especial as segunda, terceira e quarta regras, prin-
cipalmente para o aspecto didático e a clareza ao explicá-las. A segunda regra, da
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DA LÍNGUA CORRENTE PARA A DISSERTAÇÃO
O processo da escrita na língua corrente não é uma aquisição fácil, quanto mais
se tratando da linguagem filosófica. Antes de mais nada, é importante lembrar
que o pensamento é um exercício e, assim como acontece com outras ativida-
des físicas desenvolvidas pelo ser humano, por exemplo, só aprendemos nadar
na água, exercitando-nos. O mesmo acontece com a escrita filosófica para que a
dissertação apresente resultado, ou seja, ela será resultado de um treinamento.
Na dedicação a esta atividade de aprendizagem, deve-se deixar de lado a pre-
guiça, a falta de esforço organizado e o desânimo, ou seja, só ocorrerá com muita
dedicação e insistência.
É importante saber que as dificuldades da escrita
começam a ser superadas, ao mesmo tempo, com as
da língua corrente e filosófica. Com o exercício do pen-
samento, ao dissertar vão-se aplainando as dúvidas,
contornando os obstáculos de concordância verbal e
nominal, pronomes e advérbios, sintaxe entre outros
aspectos. De outro lado, as terminologias da filo-
sofia vão, aos poucos, incorporando-se, fazendo
parte de um domínio conceitual e abstrato
maior nos usos diversos do dia a dia do
filosofar. O pensar e o escrever começam
a entrar no objetivo pessoal do estudante
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
153
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que seja bem escrita, com o domínio da língua para dar o suporte ao pensa-
mento, saber o que as palavras significam, compreender e usar o sentido de certas
expressões consagradas na filosofia entre outros elementos. O pensar na filoso-
fia sempre buscou uma perfeição de unidade possível dentro da língua corrente.
Portanto, a língua e o pensamento sempre possuíram relação íntima e profunda-
mente dependente uma da outra, ao ponto de uma não conseguir existir na sua
plenitude sem a outra, e, juntas, podem exprimir claramente uma ideia ou um
pensamento por mais agudo e perspicaz que se possa imaginar.
Na dissertação filosófica, o esforço para exteriorizar um pensamento que só é
possível por meio da linguagem, com o uso de termos técnicos precisos, ou seja, a
linguagem e o pensamento devem sempre estar alinhados como duas engrenagens
ligadas e funcionando, simultaneamente, mas são dependentes. Estas engrena-
gens devem estar sempre sob atenção e supervisão, pois é um texto escrito que
tem por objeto expor uma problemática, uma tese como solução, os argumen-
tos e fundamentos, todos em condições de serem inteligíveis e compreensíveis
para os avaliadores, no caso os professores ou orientadores e os seus leitores.
O texto escrito deve ter autonomia, suficiência (argumentos e fundamentos)
para falar por si mesmo, com sentido bem definido, com objetivos claros. Como
bem lembrou Platão, no século IV a. C., no seu livro Fedro, 276a.
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
155
Mais: uma vez escrito, um discurso chega a toda a parte, tanto aos que
o entendem como aos que não podem compreendê-lo e, assim, nunca
se chega a saber a quem serve e a quem não serve. Quando é menos
acabado, ou justamente censurado, tem sempre necessidade da ajuda
do seu autor, pois não é capaz de se defender nem de se proteger a si
mesmo. […] Refiro-me ao discurso conscienciosamente escrito, com
a sabedoria da alma, ao discurso capaz de se defender a si mesmo, e
que sabe quando convém ficar calado e quando convém intervir. Fe-
dro – Por acaso estás a referir ao discurso vivo e animado do sábio, do
qual todo o discurso poderia ser tomado como um simples simulacro?
Sócrates – Exatamente a esse! (PLATÃO, 2000, p. 123).
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IMPOSIÇÕES DO TEMA NUMA DISSERTAÇÃO
Em uma dissertação, o que primeiro salta aos olhos do leitor é o tema. Ele impõe
exigências próprias, vontades e razões numa ordem lógica interna para que as inter-
rogações, as problematizações sejam seguidas naquela direção. Isto significa que se
deve respeitar o tema na dissertação e se colocar a seu serviço nos enunciados. Jamais
podemos violentá-lo, ou seja, desviar, sair daquilo que está proposto, do que está é
solicitado. Neste momento, daremos um destaque especial a toda essa problemá-
tica para que possamos compreender o alcance filosófico de uma boa dissertação.
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
157
disposição a segui-lo e a servir-se dele. O tema (em francês sujet) passa a ser o
sujeito que direciona o nosso pensamento em determinada situação ou trajeto a
ser seguido, mesmo que provisoriamente. O tema filosófico que será dissertado
é o mestre a ser seguido, a ser submetido, necessariamente, pelo pensamento,
será regido para possibilidades apresentadas pela razão. O tema impõe exigências
próprias, vontades e razões numa ordem lógica interna para que as interroga-
ções, problematizações sejam seguidas naquela direção.
O tema proposto na dissertação deve ser compreendido, claramente, logo de
início, a ponto de ser facilmente memorizado, ser inteligível. Ao seguir ou desen-
volvê-lo, deve-se tomar alguns cuidados importantes, o primeiro é não confiar na
memória visto que não está pedindo para recitar tudo sobre o tema; o segundo é
permanecer no tema o máximo possível, para isto faz-se necessário sempre tê-lo
à vista e voltar o mais rapidamente possível. Deve sempre pensar nele, dizer a si
mesmo se está dentro do tema, considerando cada palavra, cada imagem, para
que a pesquisa esteja focada e seja realmente uma descoberta.
Durante a leitura de textos filosóficos na investigação do tempo proposto, é
importante estar atentos aos aspectos, aos detalhes nos livros filosóficos, como
os questionamentos semelhantes a estes: “O que é um ente?”, “Que é o ente?”.
Veja que parece a mesma coisa, mas não é. Outro aspecto se refere aos verbos,
“ser e parecer honesto”. Atenção com os plurais, singulares, artigos e os advérbios
para perceber aquilo que está subentendido, pense sobre o explícito e o implícito
nas afirmações e nos questionamentos. Para que o tema seja factível, é preciso
ter conhecimentos sobre os elementos para compreender o tema a ser disser-
tado e estar atento aos possíveis elementos surpresas na compreensão do tema.
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feitamente compreensível. Ademais, sempre haverá necessidade de mobilizar,
em torno da fonte, a história da filosofia e toda a experiência em escritos e estu-
dos sobre o tema ou problema. Por isso, o espantar-se e a admiração sempre
entrarão em cena para que o texto possa apresentar os elementos de uma pos-
sível originalidade.
No processo de mobilizar toda a filosofia diante de um tema, a experiência
mostra que podemos tratá-lo de algumas maneiras, como um conceito, vários
conceitos, um questionamento ou uma referência. Vejamos como conceito, que é
o título mais simples, “A desigualdade”, “A tolerância” entre outros. No primeiro
momento, acontece uma desorientação, visto que não temos um indicativo do
que fazer com ele.
Na filosofia, logo de início, devemos começar a investigação, estabelecendo
algumas conceituações, algumas diferenças e alguns conceitos que avizinham
e que nos obrigam a fazer distinções nos jogos de contrários sobre ele. É o pri-
meiro empréstimo da história da filosofia, por exemplo, igualdade x desigualdade,
tolerância x intolerância. Não nos esqueçamos da precisão ao sentido semân-
tico, etimológico do tema, ou seja, apresentar os elementos para que daí surja
uma problematização.
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
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dante ou iniciante deve ter em mente a
publicidade de tal trabalho intelectual,
mesmo sendo incipiente em matéria
de cultura filosófica. No mundo con-
temporâneo, em que a conectividade é
palavra de ordem, os textos filosóficos,
as dissertações entre outros chegam à
rede mundial de computadores e smar-
tphones acessíveis a todos os que estão
interessados nestas questões, sendo eles
estudantes, iniciantes e especializados,
quer queiramos, ou não.
Devemos destacar que a dissertação filosófica passou pelos processos de
avaliação e correção por um professor ou orientador especialista em filosofia.
Trata-se de um trabalho racional que seguiu determinados procedimentos de
ordem lógica, regras gramaticais da língua corrente, um plano redacional, pos-
sui certo rigor e certa precisão conceituais exigidos pela tradição filosófica. Isto
chancela o fato de que a dissertação está em condições de ser consultada como
fonte de pesquisa em diversos níveis de entendimento, com as devidas propor-
ções e considerações.
A devolução do empréstimo, depois de ter sido delimitado de forma rigorosa
e crítica, girou em torno do problema fundamental posto pelo pesquisador e
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
161
pode ser a inauguração de um novo estilo filosófico, que não se pode confundir
com um texto literário, uma nova maneira de pensar e estruturar o texto ou uma
nova concepção a partir do problema fundamental expressado pela tese. Toda
leitura de um texto é uma nova leitura visto que pode estabelecer novas relações
entre o que o pensador diz, e o leitor tem a dizer. Uma dissertação ou texto filo-
sófico é obra inacabada, incompleta pela sua própria natureza como tal, ou seja,
o autor nunca completará a sua criação, ou encerrá sua reflexão. A dissertação
nunca contemplará o todo da filosofia nem do filosofar.
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aspectos para que a conceituação seja construída de forma clara e precisa. Com
isso, o texto apresenta os elementos necessários para uma compreensão satisfatória.
DEFINIÇÕES CONSTRUÍDAS
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
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análises e a descrição lógica, a estrutura interna, os traços fundamentais de um
conceito. Ademais, às vezes, os conceitos numa função intermediária no discurso
filosófico, com pouco de atenção e experiência intelectual podem ser descobertos
sem muita dificuldade, serem úteis e interessantes. Visto que um conceito jamais
está sozinho ou isolado dos demais, cabe ao pesquisador estar atento para fazer,
sempre que necessário, tal uso. Há uma espécie de solidariedade conceitual nos
textos filosóficos no decorrer da história da filosofia.
Ao pensarmos sobre um conceito, devemos fazê-lo em um espaço de rela-
ções, estabelecer vínculos, claros ou ocultos, o que, de certa forma, é secundário
comparado com a definição direta. Para estabelecer as relações, é importante sen-
tir-se livre para fazer os rabiscos, os esquemas a fim de encontrar os primeiros
resultados provisórios. Ao reunir os dados todos para atribuir os sentidos de um
conceito, deve-se fazer a análise crítica e eliminar aquilo que está fora das inten-
ções, visto que nem tudo o que foi recolhido pode ser aproveitado integralmente.
Para que o trabalho tenha o sucesso esperado, é necessário trabalhar com ele-
mentos-chave no processo de criação: a imaginação e a memória, de um lado, e,
do outro, entendimento e o juízo (2ª operação da nossa mente em um processo
lógico. As outras duas são a simples apreensão e o raciocínio).
A imaginação começa a partir da seguinte questão: “Isso me faz pensar em
quê?”. Em seguida, deve-se anotar tudo o que vem à cabeça, até coisas esdrúxu-
las, sem sentido no primeiro momento, entre outras coisas. As ideias que surgem
pela memória e imaginação de forma espontânea, mas intencionada. É a chamada
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
165
seja, aquilo que precisa ser definido. Na determinação do conceito, não se pode
deixar de lado a diferenciação que incomoda a nossa compreensão e nos força a
atribuir um sentido particular no primeiro momento para depois chegar ao uni-
versal. Também é importante fazer o cruzamento para expor a diversidade dos
sentidos, que são independentes uns dos outros, mas que se cruzam em deter-
minado momento. Este cruzamento é tão necessário quanto o da análise crítica,
visto que os sentidos se cruzam e podem adquirir as características da verdade.
Por mais que muitos filósofos não sejam favoráveis aos exemplos, faz-se neces-
sário utilizá-los para dar forma, tocar na sensibilidade do leitor, pois a própria
filosofia não se contenta somente com o uso de abstrações. Os exemplos pos-
sibilitam a demonstração de uma experiência real, do mundo vivido, com um
cenário cheio de representações variadas conjugadas com elementos abstratos na
definição. A definição entra na dissertação filosófica com o fundamento do con-
creto-abstrato, possibilitando a sua efetividade de forma particular e empírica,
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consolidando, assim, as provas de verificabilidade para estar de vez conectado
ao mundo vivido.
Os exemplos podem contribuir no esclarecimento do sentido naquela defini-
ção conceitual, mas nem todo exemplo é, necessariamente, bom tendo em vista
que se refere a experiências possíveis, e não de fato apenas um caso em particu-
lar que não seja possível generalizá-lo com facilidade, por exemplo, uma vivência
puramente pessoal. As vivências pessoais podem ocorrer numa especificidade
que não é possível generalizá-la. Em muitos casos, são ridículas e patéticas, jamais
serão generalizadas. Escolhas de exemplos no campo da Ciência, História da
Filosofia, da Arte, da Literatura, dos costumes entre outros, têm possibilidade de
serem mais úteis do que a vivência particular. Cabe ao estudante ou iniciante nas
dissertações filosóficas proibir-se de utilizar exemplos de sua vida, da sua subjeti-
vidade, ou seja, o seu eu deve ser deixado de lado em uma dissertação filosófica.
Isso não quer dizer que o eu está proibido numa dissertação filosófica. Pode
ser usado nos exemplos com cuidado, com os estados de espírito e das expe-
riências a partir de determinados temas sobre a angústia, os sofrimentos entre
outros, mas esse “eu” deve ser utilizado como um eu teórico e intelectual no sen-
tido de uma subjetividade universal. Esse eu na subjetividade universal pode
ser tratado em qualquer aspecto da subjetividade, de experiências comuns que
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
167
Temas de Dissertação
Em que sentido pode-se falar de autor em filosofia? Com que direito um
filósofo pode dizer “eu”? A filosofia pode prescindir da polêmica? A reflexão
filosófica é uma forma de monólogo ou de diálogo? É verdade que a filoso-
fia procede por conceitos? É verdade que o que se concebe claramente se
enuncia claramente? Qual a relação do ser com o dizer? Podemos pensar
sem recorrer a imagens? A oposição entre conceito e metáfora é filosofica-
mente justificada? Em que sentido pode-se dizer que um filósofo tem razão?
Convencer e demonstrar é a mesma coisa? O que provam as provas em filo-
sofia? É possível não ser cético em filosofia? O que é um problema filosófico?
Pensar e exprimir o que é pensado é a mesma coisa?
Fonte: adaptado de Cossutta (2001, apud GREGÓRIO, 2009, on-line)³.
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DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA E SUA ESPECIFICIDADE
Este quadro dos filósofos criado por Rafael Sanzio (1483-1520) cujo centro é ocu-
pado por Platão e Aristóteles apresenta os primeiros sinais da especificidade da
filosofia, que tem como uma das suas características o perguntar. As perguntas
direcionam o trabalho investigativo e serão incorporados no momento oportuno
ao conjunto da pesquisa ou estudo, visto que cada pergunta deve ser respondida
de forma satisfatória para que a exteriorização dos argumentos seja clara, ou seja,
três ou quatro perguntas são suficientes para desenvolver uma argumentação
fundamentada e clara numa análise filosófica. Nosso intuito, neste momento, é
apresentar os elementos necessários para fazer bom uso dos questionamentos
durante os estudos e as pesquisas em filosofia.
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
169
tividade necessária que o assunto exige visto que a pergunta bem elaborada já
demonstra um nível de compreensão e certo entendimento sobre o tema. Deve-se
perguntar aquilo que é necessário, que é razoável e esteja dentro de uma lógica
racional para a compreensão do assunto.
As perguntas são fundamentais para que a abordagem sobre um tema tenha
o alcance necessário para que a resposta atenda aquilo a que foi posta. O filósofo
Martin Heidegger (1889-1976), que desenvolveu textos sobre a ontologia e fenome-
nologia, fez uma conferência sobre o tema Qu’est-ce que la philosophie? cujo título é
em francês, mas a conferência em alemão, e pode ser traduzido em “Que é isto - a
filosofia?” E no texto, ele dá a justificativa de tal escolha e responde à questão. Contudo
analisaremos somente o fragmento a seguir, no momento em que trata da pergunta.
Por isso devemos tentar determinar mais exatamente a questão. Desta
maneira, levaremos o diálogo para uma direção segura. Procedendo as-
sim, o diálogo é conduzido a um caminho. Digo: a um caminho. Assim
concedemos que este não é o único caminho. Deve ficar mesmo em aber-
to se o caminho para o qual desejaria chamar a atenção, no que segue, é
na verdade em caminho que nos permite levantar a questão e respondê-
-la. Suponhamos que seríamos capazes de encontrar um caminho para
responder mais exatamente à questão; então se levanta imediatamente
uma grave objeção contra o tema de nosso encontro. Quando pergunta-
mos: Que é isto - a filosofia?, falamos sobre a filosofia. Perguntando desta
maneira, permanecemos, num ponto acima da filosofia e isto quer dizer
fora dela. Porém, a meta de nossa questão é penetrar na filosofia, demo-
rarmo-nos nela, submeter nosso comportamento às suas leis, quer dizer,
“filosofar”. O caminho de nossa discussão deve ter por isso não apenas
uma direção bem clara, mas esta direção deve, ao mesmo tempo, ofere-
cer-nos também a garantia de que nos movemos no âmbito da filosofia, e
não fora e em torno dela (HEIDEGGER, 1979, p. 13)
Neste fragmento, Heidegger coloca claramente “a questão” para que ela nos leve
pelo diálogo, e o caminho a ser seguido é a pergunta. Uma pergunta bem elabo-
rada faz com que o caminho seja seguro e firme. Veja que o tema da conferência
é em forma de pergunta, ou seja, pergunta e tema podem ser sinônimos. A per-
gunta deixa o pesquisador sempre numa condição privilegiada em relação ao
perguntado. O perguntar é um ato de fora para dentro e acima do tema, e isto,
de certa forma, é cômodo e uma atitude de superioridade do pesquisador em
relação ao objeto em questão. Contudo, ao começar a responder, o pesquisador
penetra nele e passa a estar no mesmo nível de entendimento e deve seguir as suas
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regras, no caso em específico, “o filosofar”. Neste momento, a questão começa a
ser respondida devido ao diálogo estabelecido com o objeto pesquisado.
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
171
sofo, visto que o diálogo pode ser demasiado estreito e pode distanciar de uma
possível visão de totalidade sobre o tema.
Para que um tema seja suficientemente desenvolvido e explicitado, deve-se
buscar, criticamente, uma visão de totalidade em diversos autores. Veja que o
estudante ou iniciante em filosofia dialoga com o tema. O tema de diálogo com
a filosofia e os filósofos são como que andaimes para que o assunto possa ser
alçado no mais alto nível possível de argumentos. Os andaimes, os filósofos e
as suas produções consagradas pelo tempo e pela crítica são as referências para
que o pensar sobre o tema seja livre e autônomo com argumentos, fundamentos
sólidos e claros para convencer o leitor que tal tese apresenta alternativas para a
compreensão do tema no mundo vivido.
A pergunta deve explicitar a necessidade do entendimento para justificar
a relação, a conexão entre o problema fundamental e a tese, ou seja, o questio-
namento não é um simples questionar por questionar, possui uma razão de ser
clara. As perguntas são consequências da identificação da problemática que
envolve, necessariamente, o tema a ser desenvolvido. Esta é uma dificuldade a
ser superada na dissertação filosófica e que determina o valor deste exercício
para a formação do estudante ou iniciante nos textos filosóficos. Caso contrá-
rio, a dissertação não ficará clara e não atingirá os objetivos estabelecidos para
o tratamento do tema em questão.
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sobre a abordagem do tema e a sua problemática no texto.
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
respostas, as definições produzidas numa dissertação filosófica serão sempre pro-
visórias, jamais definitivas e sujeitas a modificações e interpretações diversas. Esta
é uma condição de uma dissertação que se pretende ser filosófica hoje e sempre.
“A introdução é aquilo que não pede nada antes, mas que exige algo de-
pois”, esta afirmação de Aristóteles continua válida. A introdução inicia o lei-
tor no assunto. Diz o que o texto vai dizer. Então, já deu para perceber que,
nas primeiras linhas, o leitor deve ser informado sobre o tema da redação;
e mais: como esse tema será apresentado. Comece com uma frase atrativa,
que chame a atenção de quem está lendo – pode ser uma pergunta, uma
declaração, uma exclamação. O importante é que esteja dentro do tema.
Fonte: adaptado de Coelho ([2019], on-line)4.
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
175
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
176
senvolvidas, o que corresponde à média de três a cinco frases. A argumentação faz parte
do nosso dia a dia. Você já pensou em como defendemos um ponto de vista? Ao escre-
ver um texto, praticamos o mesmo processo.
Num texto dissertativo, é importante estabelecer o ponto de vista que se quer defender
e estruturar o discurso argumentativo de forma convincente. Afinal, em última instância,
o que pretendemos com esse tipo de texto é convencer alguém de alguma coisa ou
apresentar nossa análise de um problema ou de um conceito sob determinado ponto
de vista.
Outra forma de articular o texto argumentativo é utilizando-se do método dialético.
Seus elementos básicos são a tese, a antítese e a síntese. A tese é a afirmação que se faz
no início do texto. A antítese é a oposição que se faz à tese, criando um conflito. A síntese
é a nova situação originada desse embate. Portanto, a síntese torna-se uma nova tese,
que aceita uma nova antítese e, consequentemente, originam uma nova síntese, num
processo infinito.
Essa é a estrutura do texto filosófico, uma vez que, antes de propor qualquer interpre-
tação definitiva, busca refletir acerca dos problemas. Escrever um texto sobre algum
tema abstrato não é tão fácil, por isso, quanto mais lemos, mais desenvolvemos nossa
capacidade de abstrair e de argumentar. Antes de começar a escrever uma dissertação,
pare e pense sobre o que pretende dizer e aonde pretende chegar. É muito importante
organizar as ideias em um rascunho para, depois, estruturá-las definitivamente.
Antes de iniciar a escrita de uma dissertação filosófica, é muito importante fazer uma lei-
tura meticulosa e atenta dos trechos ou textos que lhe servem de base. Para isso deve-se
adotar alguns procedimentos básicos:
a) Primeiro, procure saber qual é o estilo do texto por meio do qual o autor se ex-
pressa. Há diversas formas de escrita filosófica: diálogo, poesia, aforismo, ensaio
etc.
b) Depois, faça a primeira leitura do texto, observando o significado de cada pa-
rágrafo com atenção redobrada, consultando um dicionário da língua portu-
guesa e, se possível, um dicionário de filosofia. O primeiro fornece o significado
e a etimologia das palavras; o segundo traz as diferentes acepções que alguns
conceitos ganharam ao longo da história da filosofia por diferentes pensadores.
Fonte: adaptado de Gallo (2013).
MATERIAL COMPLEMENTAR
Esse vídeo apresenta boa problematização para temas e para assuntos em uma dissertação filosófica,
a partir daquilo que é posto e exige interpretação. Além de ajudar a interpretar um enunciado,
possibilita refletir diante de um enunciado filosófico.
Web: https://www.youtube.com/watch?v=pyM_cP6AGfM. Acesso em: 29 març 2019.
183
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS ON-LINE
1. A
2. A
3. A
4. B
5. D
Professor Dr. Edson Barbosa da Silva
EXERCÍCIOS DE LEITURAS
V
UNIDADE
FILOSÓFICAS
Objetivos de Aprendizagem
■ Entender os primeiros passos para produzir um artigo filosófico com
as especificidades da filosofia.
■ Compreender os exercícios de escrita de um artigo filosófico,
objetivando a originalidade na filosofia.
■ Demonstrar como analisar um artigo clássico de filosofia, tanto no
aspecto da explicação quanto do comentário para a compreensão do
texto.
■ Apresentar os passos na construção de argumentos para sustentação
da ideia central no texto filosófico.
■ Demonstrar como exercitar a hermenêutica filosófica como ponto de
partida para a leitura de textos.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Exercício de Diferenciação de Artigos Científicos e Filosóficos
■ Exercício sobre Escrever Artigo Filosófico
■ Exercício de Análise do Artigo de Kant sobre o Esclarecimento
■ Exercícios sobre Esclarecimento e Liberdade
■ Exercício de Hermenêutica nas Leituras Filosóficas
187
INTRODUÇÃO
Introdução
188 UNIDADE V
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EXERCÍCIO DE DIFERENCIAÇÃO DE ARTIGOS
CIENTÍFICOS E FILOSÓFICOS
ASPECTOS DE UM PAPER
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científico, a respeito de tema posto por ter-
ceiros (professor, congresso, seminários
sobre aspectos de bibliografia, documen-
tos, pesquisa experimental, debates, entre
outros) sobre temas de uma área da filoso-
fia, cuja finalidade é a discussão de ideias
clássicas sob enfoques contemporâneos e
o aprofundamento da análise dos aconte-
cimentos, dos métodos, das técnicas e dos
resultados das pesquisas.
O foco na construção dos papers é a objetividade, a clareza e a observância
dos termos técnicos e o culto à linguagem. As expressões coloquiais, as gírias, os
juízos de valor e os adjetivos desnecessários devem ser deixados de lado, para que
o paper não seja demasiado resumido e não dificulte a compreensão. É preciso
ter cuidado na elaboração do título, para que corresponda ao conteúdo proposto.
Um bom paper deve ter entre 10 (dez) e 15 (quinze) páginas bem fundamen-
tadas em, no mínimo, três pensadores. Deve estar organizado ou seguir roteiro
com: esquema geral das ideias; apresentação inicial e seus objetivos; subdivisões,
para facilitar a compreensão do tema e os aspectos a serem destacados; e, claro,
introdução, desenvolvimento e conclusão.
A introdução é o primeiro contato que o leitor tem com o texto. É exi-
gido que seja direto em relação ao contexto da pesquisa, de forma didática,
com, em média, duas páginas – contendo o assunto e os seus objetivos, além
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finalização do primeiro. Não é suficiente compreender um texto rigorosamente
sob o ponto de vista do autor, mas é preciso aprender a discuti-lo. Nesta etapa,
deve-se levantar objeções à ideia central, apresentar contraexemplos, demons-
trando que determinada visão não corresponde totalmente à realidade. Se o texto
foi compreendido, as objeções sempre serão pertinentes a ponto de poder esta-
belecer diálogos com os professores e os colegas sobre o assunto em questão;
caso contrário, aparecem as chamadas objeções “tolas”, desconexas e impreci-
sas, demonstrando claramente que o texto não foi compreendido. Diante disso,
os estudantes ou iniciantes nas leituras não têm liberdade para errar na compre-
ensão e na interpretação das ideias centrais e secundárias do texto, o que pode
comprometer todo o trabalho realizada até então.
Os dois momentos devem ser complementados, a fim de que os estudantes
e os iniciantes realizem leitura atenta e objeções inteligentes das ideias estuda-
das, demonstrando, assim, a compreensão correta e completa do pensamento
do autor. A leitura atenta é ativa na compreensão e no questionar de cada passo
do texto e, ao mesmo tempo, pode indicar as razões que temos para aceitar ou
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EXERCÍCIO SOBRE ESCREVER ARTIGO FILOSÓFICO
Este é o momento de tratarmos das origens da filosofia, esta que colabora com o
entendimento de que pensar um problema filosófico é difícil, visto que é neces-
sário ter domínio do pensamento dos filósofos que servem como suporte para
a nova produção filosófica. Contudo, demonstraremos que o ato da escrita não
deveria ser visto como uma tarefa penosa, mas se o estudante ou o iniciante dos
textos quer uma produção de excelência, de início, pode tornar-se muito difícil.
A filosofia é atividade intelectual de investigação que prima pela precisão con-
ceitual. A posição de um pensador deve ser apresentada de forma certeira, sem
margem para erro ou para dúvida e com indicação da fonte.
Os elementos para escrever artigo ou texto filosófico são diferentes dos demais,
pois esses tipos de textos têm identidade própria, que consiste na defesa racional
de uma tese baseada em argumentos filosóficos, ou seja, não pode ser um simples
relato ou uma exposição de opiniões dos pensadores. O aluno ou iniciante na lei-
tura filosófica deve ser capaz de defender suas razões e demonstrar que acredita
nelas. Há inúmeras possibilidades diante de uma tese a ser desenvolvida critica-
mente, por exemplo, apresentar um tema e criticá-lo, colocá-lo em cheque por
O leitor deve perceber claramente que seu trabalho tem estrutura clara e de
fácil percepção. Faz-se necessário que o leitor possa acompanhar cada movi-
mento dos pontos pensados por você, autor, ou seja, o caminho percorrido por
ele deve ser determinado, direcionado.
Acabamos de ver como X diz que P. Agora vou apresentar dois argu-
mentos que não-P. Meu primeiro argumento é… Meu segundo argu-
mento de que não-P é... X pode responder aos meus argumentos de
várias maneiras. Por exemplo, ele poderia dizer isso… Outra maneira
que X pode responder aos meus argumentos é alegando que... Então,
vimos que nenhuma das respostas de X ao meu argumento de que não-
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-P é bem-sucedida. Portanto, devemos rejeitar a afirmação de X de que
P. (PRYOR. 2019, p. 5)
EXPLICAR-SE NO ARTIGO
alunos dos anos finais do ensino médio. Sua escrita deverá ser direta, sem o
rebuscamento de termos técnicos da filosofia ou expressões longas e confusas
para exprimir uma ideia simples ou complexa.
Às vezes, é necessário ler o texto em voz alta para verificar se é facilmente
compreendido. Tente responder algumas perguntas, como “esta afirmação real-
mente faz sentido?”, “o que isto significa?” e “há conexão entre isto e aquilo?”.
Esses questionamentos são fundamentais na busca por clareza, coerência e har-
monia na estruturação da escrita em questão. Orientações como essa representam
preocupação e responsabilidade com o texto produzido e, principalmente, com
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responder questões como “o que é respeito?” e “o que é pessoa?” para história da
filosofia, e em que sentido quer fazer uso dos termos. A busca por explicações faz
com que a novidade se aproxime do escritor. Um artigo filosófico pode ser a aber-
tura da porta para que novos sentidos adentrem e se apresentem a todos.
O aluno e o iniciante na escrita devem fazer uso da crítica, mesmo sendo ainda
incipiente, por isso, todo cuidado é pouco. A crítica cuidadosa é sinônimo de
entendimento dessa ferramenta essencial para que a filosofia aconteça com pre-
cisão e objetividade. Esta é a capacidade que o leitor tem de olhar com os olhos
do filósofo, que construiu os argumentos filosóficos para defender sua tese.
Os filósofos às vezes dizem coisas perturbadoras, mas se a opinião que
você está atribuindo a um filósofo parece obviamente louca, então deve
reflectir melhor e descobrir se ele realmente diz o que você acha que
diz. Use a imaginação. Tente descobrir que opinião razoável o filósofo
poderia ter tido em mente, e dirija seus argumentos contra ela. Nos
nossos ensaios temos sempre de explicar qual é a perspectiva X que
queremos criticar, antes de fazê-lo. Se não o fizermos, o leitor não po-
derá julgar se a crítica que oferecemos a X é boa, ou se apenas se baseia
em uma má interpretação ou má compreensão do ponto de vista de
X. Assim, diga ao leitor o que acha que X afirma (PRYOR, 2019, p. 7).
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valoriza o trabalho realizado.
A atitude filosófica é crítica porque o ser humano tomado por tal atitude
duvida das verdades estabelecidas pela sociedade, como, por exemplo, as
regras estabelecidas, que são postas em dúvida e, dessa maneira, o homem
e a mulher, tomados pela crítica, fundamentam as suas crenças e não ficam
alienados frente às verdades que o meio lhes impõem, procurando pelo au-
toconhecimento. Outra característica da atitude filosófica é a criação, pois,
ao tomar consciência dos problemas que cercam a vida, o homem e a mu-
lher, perplexos com tais questões, reinventam-na. Desse modo, criam novas
saídas para resolver as inquietações que o mundo lhes apresenta.
Fonte: adaptado de Luis Santos (2010, on-line)¹.
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próprio que se deve atribuir essa minoridade, uma vez que ela não resulta
da falta de entendimento, mas da falta de resolução e de coragem neces-
sárias para utilizar seu entendimento sem a tutela de outro. Sapere aude!
(ousa saber). Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento,
tal é o lema do Esclarecimento (KANT, [s. d.], p. 1).
o leitor pensar. Sobre a preguiça, afirma que as pessoas não querem esforçar-se,
porque é cômodo ter alguém que faça por elas. O preguiçoso quer ser tratado
como menor, não quer caminhar com as próprias pernas. Fica evidente que a pre-
guiça é uma condição desejada desde a origem do homem na história. Portanto,
o preguiçoso não acabará, pois detém um atributo que faz parte da condição
humana, mas pode ser que o número de preguiçosos aumente ou diminua em
determinado momento da história de uma sociedade.
A covardia se apresenta em ter medo de andar com as próprias pernas, isto
é, de chegar à maioridade. Esta tem como uma das características a ousadia para
realizar os enfrentamentos, vencer os obstáculos apresentados pela existência.
A chegada da maioridade é um processo de evolução “natural”, o crescimento é
inevitável, mas a posição cômoda faz com que o sujeito veja perigos inexistentes,
que desaparecem depois de sofrer algumas quedas, fazendo-o aprender a cami-
nhar. A maioridade é algo parecido com os primeiros passos de uma criança antes
dos dois anos de idade. O covarde vê perigos e riscos em tudo que o tira da zona
de comodismo, de conforto. A covardia e a preguiça, segundo Kant, atingem a
maioria dos seres humanos em nossa sociedade e quanto mais a ciência e a tec-
nologia avançam, mais conforto possibilita. Com isto, muitas pessoas encontram
meios para serem acomodadas, dependentes, escravas de si mesmas e buscam
viver sob a proteção de outrem, com toda as suas manhas, seus caprichos e suas
vitimizações de si. Entretanto, a conta se aproxima mais cedo ou mais tarde –
como na velhice – e alguém terá de pagar. Esta é a condição da existência.
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trar que o meio social e a família, por não
saberem orientar seus pares, criam indiví-
duos preguiçosos e covardes, ou seja, não
são absolutamente culpados de estarem
nessa situação. A culpa deve ser partilhada
por aqueles que estão se relacionam dire-
tamente com os covardes e os preguiçosos.
É difícil, portanto, para
um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para
ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela,
sendo por ora realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento,
porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder. Preceitos
e fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso racional, ou, antes,
do abuso de seus dons naturais, são os grilhões de uma perpétua me-
noridade. Quem deles se livrasse só seria capaz de dar um salto inse-
guro mesmo sobre o mais estreito fosso, porque não está habituado a
este movimento livre. Por isso são muito poucos aqueles que conse-
guiram, pela transformação do próprio espírito, emergir da menorida-
de e empreender então uma marcha segura. Que, porém, um público
se esclareça a si mesmo é perfeitamente possível; mais que isso, se lhe
for dada a liberdade, é quase inevitável. Pois, encontrar-se-ão sempre
alguns indivíduos capazes de pensamento próprio, até entre os tutores
estabelecidos da grande massa, que, depois de terem sacudido de si
mesmos o jugo da menoridade, espalharão em redor de si o espírito de
uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem
em pensar por si mesmo (KANT, [s. d.], p. 3).
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de fazer. Isto é ser livre, pois podem não fazer.
Por outro lado, o uso público significa expressar os seus pensamentos diante
de um público, mas que deve, primeiro, realizar a tarefa que lhe foi confiada,
ou pagar o que é apresentado como se fosse devido, por exemplo, um imposto
– depois de obedecer à ordem ou pagar um imposto, é possível manifestar opi-
niões publicamente, oral ou por escrito.
Primeiro, é preciso obedecer, para que a vida em sociedade não se transforme
em caos, visto que muitos não fazem uso da razão de forma sábia. Sem seguir as
regras, querem protestar ou manifestar, atitude que os superiores classificarão
como incoerente ou irresponsável, acreditarão que o não obedecer é uma des-
culpa para manter a condição de preguiçoso ou covarde. Obedecer é sinônimo
de liberdade. Assim, após obedecer às regras da convivência social, deve-se fazer
uso da razão traduzida em liberdade. Esta, quando exercida por meio da razão,
demonstra, por meio do indivíduo, que possui conhecimentos sobre tal atividade
prática ou teórica e, como cidadão, deve manifestar publicamente suas ideias e
opiniões sobre os assuntos que lhe forem convenientes.
Caso discorde das orientações ou das regras da instituição religiosa ou civil, o indi-
víduo tem a liberdade de renunciar o cargo que lhe foi confiado, mas só depois de
ter cumprido os seus deveres como membro, cidadão ou integrante da instituição.
Portanto, ao obedecer, o indivíduo é livre; seguir regras é sinônimo de liberdade,
fazendo ou não uso da razão, de forma pública ou privada. Essa é a essência do
conceito de liberdade a partir do iluminismo, inclusive, no sentido kantiano.
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teria de renunciar. Por conseguinte, o uso que um professor empregado
faz de sua razão diante de sua comunidade é unicamente um uso priva-
do, porque é sempre um uso doméstico, por grande que seja a assem-
bleia. Com relação a esse uso ele, enquanto padre, não é livre nem tem
o direito de sê-lo, porque executa uma incumbência estranha. Já como
sábio, ao contrário, que por meio de suas obras fala para o verdadeiro
público, isto é, o mundo, o sacerdote, no uso público de sua razão, goza
de ilimitada liberdade de fazer uso de sua própria razão e de falar em
seu próprio nome. Pois o fato de os tutores do povo (nas coisas espi-
rituais) devem ser eles próprios menores constitui um absurdo que dá
em resultado a perpetuação dos absurdos (KANT, [s. d.], p. 4).
O uso público da razão tem alcance universal, por isso pode ser ilimitada enquanto
ação livre. Outro aspecto que merece destaque na argumentação é sobre o com-
portamento do sábio diante de pessoas livres. Ele tem a clareza do seu poder no
uso da razão para influenciar e intervir na razão alheia, conhece a força do conhe-
cimento para modificar os comportamentos. Assim, surge uma questão: há forma
determinada de uma classe (por exemplo, a dos religiosos) impor seu credo e suas
regras em forma de contrato para impedir o esclarecimento de todo um povo? Veja
a resposta de Kant para uma hipótese lançada a uma sociedade fechada à crítica:
Isto é inteiramente impossível, digo eu. Tal contrato, que decide afastar
para sempre todo ulterior esclarecimento do gênero humano, é sim-
plesmente nulo e sem validade, mesmo que fosse confirmado pelo po-
der supremo, pelos parlamentos e pelos mais solenes tratados de paz.
Uma época não pode se aliar e conjurar para colocar a seguinte em um
estado em que se torne impossível para esta ampliar seus conhecimen-
tos (particularmente os mais imediatos), purificar-se dos erros e avan-
çar mais no caminho do esclarecimento. Isto seria um crime contra
a natureza humana, cuja determinação original consiste precisamente
neste avanço (KANT, [s. d.], p. 5).
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EXERCÍCIOS SOBRE ESCLARECIMENTO E LIBERDADE
EM VIA DE ESCLARECIMENTO
relação às causas, mas também à preguiça e à covardia. Além disso, muitos não
fazem uso de seu entendimento e vivem sob a tutela de alguém. Há, inclusive,
aqueles que, por seguirem uma religião, não fazem uso seguro e bom sobre o
entendimento e seguem a outrem.
Mesmo a resposta sendo negativa, o pensador apresenta elementos positivos
para que vejamos os sinais de um possível avanço em relação ao esclarecimento
das pessoas. Os claros indícios de que temos avançado no que se refere ao aumento
do uso que as pessoas fazem de seu entendimento, mas ele alerta que ainda falta
muito para que sejamos, de fato, esclarecidos. O exemplo citado foi o governo
de Frederico I, na Prússia (1688-1740) – a Alemanha ainda não havia feito a
unificação. O monarca foi considerado por muitos um esclarecido, pois criou
escolas, garantiu a liberdade religiosa, acabou com a servidão dos camponeses
e deixou, para o seu sucessor, um país próspero. Os avanços podem tornar os
obstáculos mais fáceis para o esclarecimento geral das pessoas, em um cenário
em que elas mesmas são as culpadas por viverem como menores, como crianças.
Um príncipe que não acha indigno de si dizer que considera um dever
não prescrever nada aos homens em matéria religiosa, mas deixar-lhes
em tal assunto plena liberdade, que, portanto, afasta de si o arrogante
nome de tolerância, é realmente esclarecido e merece ser louvado pelo
mundo agradecido e pela posteridade como aquele que pela primeira vez
libertou o gênero humano da menoridade, pelo menos por parte do go-
verno, e deu a cada homem a liberdade de utilizar sua própria razão em
todas as questões da consciência moral. Sob seu governo os sacerdotes
dignos de respeito podem, sem prejuízo de seu dever funcional expor li-
vre e publicamente, na qualidade de súditos, ao mundo, para que os exa-
minasse, seus juízos e opiniões num ou noutro ponto discordante do cre-
do admitido. Com mais forte razão isso se dá com os outros, que não são
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endido pelo leitor. Veja que o exemplo escolhido cumpriu exatamente o papel de
modelo, padrão ou paradigma a ser utilizado para que uma ideia seja explicada
com clareza. A exploração do exemplo na filosofia tem desenvolvimento preciso
e objetivo, a ponto de tornar-se algo parecido com um subtema, demonstrando
que ocupa espaço privilegiado na argumentação para dar sustentação à tese.
A tolerância religiosa, citada como exemplo, pode ser sinal de esclarecimento pelo
fato de permitir que as pessoas exerçam sua liberdade plenamente. A religião, com
suas vantagens e desvantagens em uma
sociedade, deve ser vista como um desejo,
em que somente a pessoa pode decidir se
agrega ou não a esta comunidade. É um
direito que deve ser respeitado por todos,
inclusive pelos governantes. É dever de
todo indivíduo tolerar o querer do outro,
desde que não prejudique qualquer mem-
bro da sociedade. Cabe ao Estado aplicar
as normas para garantir a convivência
pacífica e responsável na sociedade, que
é composta por todos os tipos de pessoas,
exercendo suas liberdades de forma plena. Tolerar quer dizer ser capaz de aceitar
o outro em seu exercício de liberdade como ser humano, mesmo sem concordar.
Segundo Kant ([s. d.]), quando as pessoas começam a aceitar o exercício da
liberdade de forma plena, servem de referência para outras pessoas, a ponto de
espalhar-se pelo mundo como um remédio para enfrentar a doença da ignorân-
cia e servir de estímulo para superar os obstáculos estabelecidos por governos.
As próprias pessoas que vivem em sociedade serão beneficiadas, caso os obstá-
culos postos sejam derrubados ou superados no exercício da liberdade plena. Em
sua argumentação, o pensador apresenta o outro lado de uma sociedade esclare-
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as próprias pessoas, que deixam ser contaminadas pela preguiça e pela covardia,
ou seja, abrem mão do uso da razão de forma pública ou privada.
Veja que é muito comum, nos artigos de filosofia, os argumentos da tese central
aparecerem no final, conforme mencionamos anteriormente. Kant afirma que
os esclarecidos, fazendo uso de seus entendimentos, não têm mais medo. Este
representa a ignorância, cuja essência é a falta de conhecimento sobre aquilo
que a faz temer. Uma vez compreendido e explicado, perde-se o medo, – eis o
primeiro resultado do entendimento. Por isso, a liberdade garante e sustenta a
ousadia para superar os obstáculos que tentam impedi-la de seu pleno exercício.
As pessoas devem ser livres para pensar e para obedecer. Segundo o autor,
isso aparenta ser um paradoxo, mas apenas aparenta. A liberdade em obedecer
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faz com que as ações sejam mais objetivas e com melhor qualidade. A liberdade
civil de um povo deve prevalecer sobre as liberdades menores ou individuais,
que não podem ser confundidas com caprichos, ou seja, fazer o que quiser sem
assumir as responsabilidades civis e pessoais de seus atos.
Se, portanto, a natureza por baixo desse duro envoltório desenvolveu o ger-
me de que cuida delicadamente, a saber, a tendência e a vocação ao pensa-
mento livre, este atua em retorno progressivamente sobre o modo de sentir
do povo (com o que este se torna capaz cada vez mais de agir de acordo
com a liberdade), e finalmente até mesmo sobre os princípios do governo,
que acha conveniente para si próprio tratar o homem, que agora é mais do
que simples máquina, de acordo com a sua dignidade (KANT, [s. d.], p. 7).
Para finalizar o artigo, Kant utiliza como argumento a ideia de que a natureza do ser
humano é ser livre, por mais que esteja envolto em aparências diversas. Essa vocação
(à liberdade) pertence a todo ser humano, mesmo aqueles que estão na menori-
dade, que podem senti-la à medida que o espírito de um povo progressivamente se
manifesta e os provoca a observar os comportamentos dos seus concidadãos, fun-
damentados nos usos do entendimento no dia a dia da práxis social. A vocação ao
pensamento livre possibilita ao indivíduo o agir livre, inclusive sobre os princípios
de um governo que os trata como meio e não como fim, ferindo, assim, sua digni-
dade. Esta e a liberdade caminham juntas e se complementam, visto que a pessoa
não pode ser aprisionada por seus medos, crenças e mitos, e não possui preço, como
uma mercadoria ou um objeto para usufruto de outrem.
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dos sobre música contemporânea, literatura ocidental e indústria cultural e,
enfim, a toda herança do iluminismo dos séculos XVIII e XIX.
Fonte: o autor.
Neste momento, veremos como o exercício da leitura tem relação com a dialética,
entre o texto e o intérprete, fundamentada sobre o princípio da hermenêutica
da pergunta, visto que não há experiência de conhecimento realizado pelo ser
humano que não tenha passado pelos atos de perguntar e de responder. Perguntas
e respostas fazem com que o processo de interpretação seja de apropriação dos
sentidos dos textos para compreensão. Com isso, o texto passa a ser fonte de sen-
tidos, isto é, de orientação inesgotável, tal qual sua compreensão.
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toda revisão do projeto prévio está na possibilidade de antecipar um
novo projeto de sentido; que projetos rivais possam se colocar lado a
lado na elaboração, até que se estabeleça univocamente a unidade do
sentido; que a interpretação comece com conceitos prévios que serão
substituídos por outros mais adequados (GADAMER, 1999, p. 402).
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linguagens, os costumes e o ambiente da época do autor para melhor compreendê-lo.
Tal como cada indivíduo não é nunca indivíduo solitário, pois está sem-
pre entendendo-se como os outros, da mesma maneira o horizonte fe-
chado que cercaria uma cultura é uma abstração. A mobilidade histórica
da existência humana apoia-se precisamente em que não há uma vin-
culação absoluta a uma determinada posição, e nesse sentido tampouco
existe um horizonte fechado. O horizonte é, antes, algo no qual trilhamos
nosso caminho e que conosco faz o caminho. Os horizontes se deslocam
ao passo de quem se move. Também o horizonte do passado, do qual vive
toda vida humana e que está aí sob a forma da tradição, põe em movi-
mento o horizonte abrangente. Na consciência histórica este movimento
tão somente se torna consciente de si mesmo (GADAMER, 1999, p.455).
A mobilidade histórica dos seres humanos não é uma esfera fechada no passado, uma
vez que possibilita diversas interpretações, inclusive, alterando sentidos já consagra-
dos. Os horizontes históricos não constituem um mundo estranho do qual nada se
vincula ao atual, pelo contrário, pois a totalidade dos horizontes se move de dentro
para fora em direção à autoconsciência dos indivíduos para além das fronteiras do
presente. A fusão dos horizontes forma um horizonte só, contendo a consciência
histórica capturada pela tradição. Para compreendê-la, o horizonte histórico é fun-
damental e precisa ser deslocado pela interpretação, com olhares diferentes.
A concepção de horizonte expressa uma visão superior, mais ampla. Olhar para
além do próximo para vê-lo e, assim, integrá-lo em um todo ou estabelecer novos
padrões, mais precisos e corretos. A consciência verdadeiramente histórica tem
em vista o seu presente e percebe a si mesma como o outro e como as suas rela-
ções, historicamente. Isto só é possível por meio do esforço pessoal para impedir
conclusões precipitadas do passado, com as expectativas do presente; atribuir ao
passado os seus sentidos, “Só então se chega a ouvir a tradição tal como ela pode
fazer-se ouvir em seu sentido próprio e diferente” (GADAMER, 1999, p. 456).
de sentido até que alguém entre em contato com ele, o que significa permitir-se
ser provocado, interpelado pelo texto, para que possa reconstruir o seu sentido
a partir de novas perguntas que surgem desse acesso.
Tem a estrutura da pergunta. E tal como a negatividade dialética da
experiência encontrava sua perfeição na ideia de uma experiência con-
sumada, na qual nos fazíamos inteiramente conscientes de nossa fini-
tude e limitação, também a forma lógica da pergunta e a negatividade
que lhe é inerente encontram sua consumação numa negatividade que
lhe é inerente encontram sua consumação numa negatividade radical:
no saber que não se sabe. É a famosa docta ignorantia socrática que
abre a verdadeira superioridade da pergunta na negatividade extrema
da aporia. Teremos, pois, que nos aprofundar na essência da pergunta,
se quisermos esclarecer em que consiste o modo peculiar de realização
da experiência hermenêutica (GADAMER, 1999, p.534).
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mesma direção de pesquisa, dada pela crítica. Criticar é sinônimo de perguntar para
produzir os resultados desejados. Toda pesquisa, seja filosófica ou científica, começa
com uma pergunta fundamental ou uma hipótese (traduzida em forma de pergunta),
para produzir um novo sentido, segundo a finalidade das investigações.
Por meio de perguntas, o leitor pode fazer o acompanhamento do trajeto ela-
borado pelo autor, para compreender o que foi escrito. A pergunta faz com haja
a mobilização de todos (autor e leitor) na compreensão do processo de criação
conceitual do novo sentido. Para perguntar, faz-se necessário ter o mínimo de
informações sobre o assunto – caso contrário, não será possível sequer formular
uma questão –, ou seja, envolve o pouco saber para alcançar o máximo daquilo
que não se sabe. O interpretar faz com que o texto tenha voz ativa diante do leitor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
224
REFERÊNCIAS ON-LINE
1. E
2. C
3. A
4. B
5. B
231
CONCLUSÃO
Caro (a) aluno (a), encerramos, aqui, o livro base Filosofia e a Leitura de Textos Filo-
sóficos. Acreditamos que conseguimos apresentar os pressupostos para o aprovei-
tamento da leitura de textos filosóficos. Algumas dificuldades de filosofia recebe-
ram tratamento atento para superá-las, destacamos a autodisciplina e as técnicas
para apropriação dos conteúdos. Conhecemos, também, algumas características do
bom leitor e algumas orientações para aperfeiçoar as técnicas de estudo.
Oportunizamos elementos para a identificação dos sujeitos nos textos, com as suas
variações de cenários. Vimos que a luta para esconder os personagens são recursos
que a própria linguagem possibilita e são frutos das criações dos filósofos. Além dis-
to, entramos num tema caro à filosofia, que são os problemas do rigor e da precisão
conceitual, ou seja, as questões terminológicas da filosofia. Destacamos a importân-
cia da apropriação da filosofia das categorias oferecidas pela estrutura da língua e
pela produção teórica das doutrinas na história da filosofia.
Acreditamos que os elementos para identificar os problemas filosóficos fundamen-
tais, a tese, os argumentos, a fundamentação e a problemática do exemplo nos tex-
tos filosóficos são os motores da produção racional filosófica que chegam até nós e
que precisamos compreender. Apresentamos, também, a importância de entender
o agir subjetivamente diante do problema fundamental para assumi-lo com todo
empenho e dedicação na sua solução.
Destacamos que o entendimento da dissertação filosófica como um exercício do
pensar e da escrita constitui a essência por excelência da filosofia, e que as dificul-
dades da dissertação devem ser superadas com o próprio exercício do pensar e dis-
sertar. Por fim, demonstramos a importância dos artigos filosóficos para a atividade
da filosofia, o acesso aos novos conhecimentos e a divulgação de resultados das
pesquisas na atualidade.