1º Ano Fil - Sae Digital
1º Ano Fil - Sae Digital
1º Ano Fil - Sae Digital
Curitiba 2022
FICHA CATALOGRÁFICA
S132
SAE, ensino médio: 1. série: filosofia: livro do professor : SAE DIGITAL S/A. -
1. ed. - Curitiba, PR : SAE DIGITAL S/A, 2022.
ISBN 978-65-5995-068-3
CDD: 109
CDU: 316.7
Pilares pedagógicos..............................................................IV
Ensino Médio..........................................................................VI
Protagonismo
Uma prática pedagógica estruturada no protagonismo considera o estudante como centro do
processo de sua aprendizagem. Tem como ponto de partida os conhecimentos prévios que ele
possui para, a partir deles, promover o fortalecimento de sua identidade, a sua autonomia e o de-
senvolvimento das habilidades necessárias à concretização de seu projeto de vida e sua atuação
na sociedade com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
Transformação da realidade
Com base no entendimento da educação como agente transformador da realidade, o sistema
de ensino do SAE Digital incorpora à sua proposta pedagógica um trabalho sistemático com te-
mas contemporâneos de relevância social que afetam a vida humana em escala local, regional e
global. Ao promover a consciência dos direitos e deveres de todo ser humano, o exercício pleno da
cidadania e a tomada de decisões para iniciativas concretas de impacto socioambiental, visamos
à manutenção do estado democrático de direito e à transformação da realidade.
Mundo da ciência e da
Meu mundo Mundo revisitado Mundo transformado
tecnologia
Conhecimento de
Conhecimento científico Pensamento complexo Saberes ressignificados
mundo
PI_EM21_1_FIL_LU_LP
PI_EM21_1_FIL_LU_LP
Inter e
Conhecimento prévio Currículo escolar Ações transformadoras
transdisciplinaridade
IV FIL
Outras considerações a
respeito de tecnologia
digital relevante
O projeto de Tecnologia Digital Relevante –
SAE Digital também tem como enfoque aproxi-
mar a produção do SAE Digital às metodologias
contemporâneas da aprendizagem:
●● Por desenvolver o conteúdo digital pro-
duzido em consonância com o material
impresso pode ser considerado como
um modelo híbrido de ensino.
●● Por promover a autonomia do aluno em
seu processo de aprendizagem, os ob-
jetos digitais podem ser considerados
como metodologia ativa.
●● Por promover o uso de diversas mídias
digitais, os objetos digitais podem con-
tribuir para o letramento digital.
●● Por ofertar feedbacks do desempe-
nho dos alunos, pode contribuir com
a regulação e a autorregulação da
aprendizagem.
PI_EM21_1_FIL_LU_LP
PI_EM21_1_FIL_LU_LP
FIL V
PI_EM21_1_FIL_LU_LP
PI_EM21_1_FIL_LU_LP
VI FIL
PI_EM21_1_FIL_LU_LP
FIL VII
PI_EM21_1_FIL_LU_LP
VIII FIL
Sofistas e Sócrates
3
Do cosmos ao anthropos • Sofistas • Sócrates
Filosofia de Aristóteles
5
Aristóteles: vida e obra • Divisão das ciências • Lógica aristotélica • Ética aristotélica • Política
Helenismo
6
Contexto histórico
Filosofia medieval
7 Santo Agostinho: a Patrística • Santo Tomás de Aquino: a Escolástica • Franciscanos: a crítica à Escolástica
tradicional
Período Renascentista
8
Contexto histórico
PI_EM21_1_FIL_LU_LP
PI_EM21_1_FIL_LU_LP
FIL IX
PI_EM21_1_FIL_LU_LP
X FIL
Desenvolvimento do conteúdo:
após o momento de sensibilização,
propomos o desenvolvimento do
conteúdo por meio de um texto teórico
construído alinhado aos pilares Rigor
conceitual e conteúdo relevante e
Complexidade e saberes múltiplos.
DIGITAIS
PLATAFORMA ADAPTATIVA
ENTENDEU A AULA DE HOJE?
A plataforma adaptativa permite que você resolva exercícios encaminhados
pelo professor e revise o conteúdo visto na semana. Veja como é fácil:
1 3
Após assistir à videoaula, 3 questões
4 deverão ser respondidas para finalizar
a tarefa e verificar seu aprendizado.
Quando alguma atividade da plataforma adaptativa for agendada, aluno e responsável serão comunicados
por meio de um aplicativo. Além de enviar um lembrete da tarefa ao aluno, essa ferramenta permite ao
responsável o acompanhamento, em tempo real, do desempenho do estudante e o momento em que o
exercício é concluído.
SAE QUESTÕES
O QUE O ENEM ESTÁ AVALIANDO?
Com o aplicativo SAE QUESTÕES você poderá aprimorar seus estudos solucionando as questões
presentes nas edições da avaliação do ENEM.
TEMAS DA ATUALIDADE
Acessando o item “Atualidades” do aplicativo, é possível acompanhar o canal “DOBRADINHA SAE”, que traz,
semanalmente, um professor de redação juntamente com um professor de outra disciplina debatendo
temáticas da atualidade e dando dicas e sugestões de como escrever e estruturar uma boa redação.
No entanto, vale salientar que nessa fase é muito proporcionarão um aproveitamento ideal do seu tempo
bilidades a serem desenvolvidas e os conhecimentos a O local de estudo deve ser tranquilo e silencioso.
serem adquiridos e consolidados serão mais facilmen- Para que a sua concentração e a retenção do que se
te obtidos com uma metodologia de apoio e uma estra- estuda sejam maiores. Evite sons, música, televisão
tégia de estudo, estabelecidas conforme suas caracte- ou quaisquer outras distrações. Embora não pareça,
rísticas de disponibilidade de tempo, preferências por essas interferências podem atrapalhar, e muito, sua
horários, entre outras variáveis. concentração.
Há diferentes formas de organizar seu tempo Para quaisquer áreas do conhecimento, inicie seu
para estudar além daquele em que você está na sala estudo com uma rápida revisão do que foi desenvol-
de aula com seus professores e colegas. Há quem vido em sala de aula, tanto recorrendo ao seu mate-
prefira estudar assim que chega em casa (ou no am- rial do sistema SAE, quanto às anotações feitas em seu
biente destinado ao estudo), enquanto outros prefe- caderno. Dedique alguns minutos a isso. Em seguida,
rem ocupar-se com outras atividades e iniciar o estu- cumpra as atividades passadas pelos professores: as
do individual mais tarde. É uma opção pessoal. pesquisas da seção de fechamento dos capítulos (se
rão ajudá-lo, independente de quaisquer variáveis. Procure fazer todas as questões ou atividades, pois a
Inicialmente, observe sua postura em sala de aula, du- quantidade deles é programada para que haja a fixa-
Ao iniciar as aulas, faça um “aquecimento” do con- O tempo de estudo também é muito importante.
teúdo: enquanto o professor prepara o ambiente de Procure destinar ao menos meia hora de estudo em
trabalho, realize uma rápida leitura daquilo que será casa para cada aula dada em sala de aula. Com isso, os
exposto na aula. Isso o ajudará a entender melhor os conteúdos a serem estudados não se acumulam e você
conteúdos e a sequência de ideias. Além disso, reco- evita trabalhos mais intensos e desgastantes nas datas
apontamentos feitos pelo professor é indispensável Lembre-se de que método de estudo é algo desen-
para seu estudo posterior. volvido individualmente e pode passar por ajustes.
Contudo nada substitui o trabalho feito pelo aluno so-
mado àquele desenvolvido na escola.
Bom estudo!
LIVRO
10
Mitologia e Teatro
Habilidades
24
fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
• H2 – Analisar a produção da memória pelas sociedades
humanas.
Os pré-socráticos:
surge a filosofia • H3 – Associar as manifestações culturais do presente
35
aos seus processos históricos.
• H4 – Comparar pontos de vista expressos em diferentes
fontes sobre determinado aspecto da cultura.
Sofistas e Sócrates
47
Platão: o homem
• H5 – Identificar as manifestações ou representações
da diversidade do patrimônio cultural e artístico em
diferentes sociedades.
• H12 – Analisar o papel da justiça como instituição na
e a cidade ideais organização das sociedades.
61
Filosofia de
• H23 – Analisar a importância dos valores éticos na
estruturação política das sociedades.
• H24 – Relacionar cidadania e democracia na organização
Aristóteles das sociedades.
74
Helenismo
83
Filosofia Medieval
95 Período
Renascentista
EE
EEE
EEE
EEEE
PP
E
PPP
PPPP
na Grécia Antiga
PPPPPPPP
01
Filosofia
grega
clássica: do
mito ao logos
START
Quando dizemos que o pensamento filosófico-científico surge na Grécia Antiga no século VI a.C., caracteri-
zando-o como uma forma específica de o homem tentar entender o mundo que o cerca, isto não quer dizer que
anteriormente não houvesse também outras formas de se entender essa realidade. [...]
O pensamento mítico consiste em uma forma pela qual um povo explica aspectos essenciais da realidade em
que vive: a origem do mundo, o funcionamento da natureza e dos processos naturais e as origens deste povo,
bem como seus valores básicos. [...]
Por ser parte de uma tradição cultural, o mito configura assim a própria visão de mundo dos indivíduos, a
As perguntas da seção start sua maneira mesmo de evidenciar esta realidade. [...] Não há discussão do mito porque ele constitui a própria
têm o objetivo de introduzir visão de mundo dos indivíduos pertencentes a uma determinada sociedade, tendo portanto um caráter global
algumas das questões que
sempre intrigaram a hu- que exclui outras perspectivas a partir dos quais ele poderia ser discutido. Ou o indivíduo é parte dessa cultura e
manidade e foram o objeto aceita o mito como visão de mundo, ou não pertence a ela e, nesse caso, o mito não faz sentido para ele, não lhe
de estudo dos primeiros diz nada. A possibilidade de discussão do mito, de distanciamento em relação à visão de mundo que apresenta,
pensadores. Promover uma
conversa inicial, para diag- supõe já uma transformação da própria sociedade e, portanto, do mito como forma reconhecida de se ver o
nosticar os conhecimentos mundo nessa sociedade.
prévios dos alunos e pre-
pará-los para a abordagem
inicial da disciplina. (MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 19-20.)
às questões.
Mosaico romano originário da Villa de Sentino. Cerca de 200-250 a.C. Gliptoteca de Munique, e fora dele?
Alemanha. Neste mosaico antigo é possível observar Urano (céu) e Gaia (terra) com seus filhos. Resposta pessoal.
Segundo a mitologia grega, a união do céu com a terra deu origem aos primeiros seres a habitar
o planeta: os titãs e as titânides.
10 FIL
FIL 11
Geração de ouro
A primeira geração da mitologia grega é a
de ouro e corresponde aos filhos dos deuses
primordiais. Alguns desses filhos foram gera-
dos espontaneamente por um só deus, outros,
pela união de dois deuses – como Gaia, filha
apenas do Caos, e Éter, filho de Nix (noite) e
Érebo (trevas).
Na extensa lista das divindades da geração
de ouro estão aqueles que correspondem aos
elementos da natureza, como das montanhas
e bosques, das pastagens, dos pomares, do
dia, da noite, assim como as divindades que
BOUGUEREAU, William-Adolphe. A noite. 1883. Museu de Hillwood,
representam estados de espírito, como as da Washington D.C. (EUA). Dos filhos que Nix gerou sozinha, muitos re-
tristeza, da violência, dos vícios etc. presentam ações morais boas (prudência, ética, cuidado etc.) ou más
(inveja, ciúme, fome etc.).
Geração de prata
Glossário A segunda geração da mitologia grega é a de prata, corresponde à criação dos titãs (masculino)
e titânides (feminino) e outros seres monstruosos, como os gigantes e os ciclopes.
Ciclopes: monstros de
um olho só, responsáveis Segundo contam as histórias, Urano (gerado por Gaia) tornou-se marido dela e, juntos, tive-
pela forja dos relâmpagos. ram muitos filhos. Urano, então, tornou-se o primeiro senhor do Cosmos e, também, o primeiro
Foram imortalizados após a grande tirano.
titanomaquia, empreendida
mais tarde por Zeus. Entre os filhos de Urano e Gaia está o titã Cronos (que representa o tempo e que, mais tarde,
destronou seu despótico pai).
Mat/W.Commons
Saiba mais
EM21_1_FIL_01
VASARI, Giorgio. Cronos castrando Urano. 1580. Afresco. Sala di Cosimo, Pallazzo Vechio, Itália.
12 FIL
EM21_1_FIL_01
FIL 13
ChrisO/Shutterstock
guerra, morreria, mas seria
lembrado eternamente
como um herói. Aquiles Homero foi um lendário poeta épico que teria vivido na
enfrenta suas dúvidas e vai Grécia Antiga no século VIII a.C. Escreveu duas das principais
à Guerra de Troia, ou seja, obras da Antiguidade: Ilíada e Odisseia, que mostravam gran-
prefere uma vida breve, mas de preocupação com a formação ética e espiritual do homem,
repleta de heroísmo e feitos descrevendo as mais diversas situações passadas na vida,
extraordinários a uma vida
longa e sem realizações. sempre enfatizando um modo de viver com base nas virtudes
Para os gregos isso simboli- do homem, usando os mitos como forma de educar o povo.
zava duas coisas: A primeira grande obra escrita por Homero foi Ilíada, que
Imortalidade: é muito maior trata de um modelo de vida dentro de um estado de guerra,
que uma ideia de viver
“eternamente” ou “viver mas sempre tendo em vista a busca pela excelência, que os
para sempre”. É imortal o gregos chamavam de Areté.
homem lembrado eterna- Pouco se sabe sobre a vida de Homero, que viveu no sé-
mente por seus feitos em
vida. Ou seja, Aquiles, ainda
culo VIII a.C. O que se sabe é que ele não foi testemunha dos
que morto, eternizou-se por fatos narrados nas suas obras Ilíada e Odisseia, pois estes
Busto de Homero. Século I ou II d.C. Mármore.
suas façanhas na Guerra acontecimentos ocorreram cerca de quatro séculos antes de British Museum, Londres (Inglaterra).
de Troia. sua existência.
Questão do destino: Aquiles
já tinha seu futuro decre-
tado, mas a forma como Ilíada
tudo isso se desenrolaria
dependeria de sua escolha: A história narra a guerra cujo es-
Trest/W.Commons
lutar ou não. Nesse sentido, topim foi o fato de Páris, príncipe troia-
deuses determinavam as no, ter raptado a esposa de Menelau,
condições da existência de monarca grego. Disposto a recuperar
cada um, mas não o final,
não aquilo que eu faço com
sua esposa, Menelau pede a ajuda de
a vida que recebi, nem todas Agamêmnon, seu irmão, e logo os de-
as decisões. mais reinos gregos se juntam em bata-
lha contra os troianos. Nessa obra sur-
Marie-Lan Nguyen/W.Commons
EM21_1_FIL_01
sido assassinado por ele. Aquiles era imortal, mas possuía um ponto vulnerável: o calcanhar, onde
acabou atingido por uma flecha disparada por Páris.
Aquiles na corte do rei Quando novo, recebeu uma profecia: viveria eternamente tendo uma vida comum ou, caso
Licomede.
fosse a uma guerra, iria realizar grandes feitos, mas acabaria morrendo.
14 FIL
lamkterty/W.Commons
a luta diária e incessante do trabalho no campo.
Esta obra de Homero narra o retorno de O trabalho garantia os alimentos para a so-
Odisseu, um grande guerreiro grego, da Guerra brevivência e a possibilidade de aumentar a ri-
de Troia para Ítaca, onde ficava sua casa. queza para ter uma vida confortável.
O que impediu o retorno ao seu lar logo de- Porém, outro fator tornava a situação ainda
pois do fim da guerra foi a arrogância de mais complicada: a luta contra a injustiça. Isso
Odisseu diante de Poseidon. pode ser evidenciado na própria experiência vi-
venciada pelo poeta. Quando o pai de Hesíodo
Martlos/W.Commons
vmert/W.Commons
para os troianos, mas, dentro do cavalo, estava todo o exército de
Odisseu, que acabou invadindo e tomando a cidade.
Odisseu acredita não precisar mais dos deu-
ses para conduzir a sua vida. Por causa disso,
Filmes
Poseidon, o deus do mar, atrasou por 20 anos
a chegada de Odisseu a Ítaca, sua terra natal,
Universal
como punição a este desrespeito. Foi somente
depois de superar a soberba que Odisseu pôde
rever sua esposa e seu filho, agora já adulto.
Perseguidos por Poseidon, Odisseu e sua tri-
pulação passaram por muitas provas para su-
perar a ira do deus dos mares, como enfrentar Helena de Troia – paixão
as Sirenas, desvencilhar-se da ninfa Circe e de e guerra
seus ardis e lutar contra o Ciclope. Por meio da Lousi Kato, ao norte de Kastria, Achaia, Grécia. Esta imagem mostra o Diretor: John Kent Harrison
solo grego, difícil para o cultivo.
astúcia e inteligência, Odisseu enfrentou cada Ano: 2003
Para Hesíodo, em sua época, apenas dois
um dos desafios Mostra as razões do surgi-
bens eram essenciais: trabalho e justiça. Nesse
Ricardo/W.Commons
EM21_1_FIL_01
a.C. Em sua obra, Hesíodo retrata a vivência do máticos e calendários relativos à agricultura cada pessoa para encontrar
camponês naquele período histórico. Em sua o caminho de realização.
e à navegação, incluindo observações morais
região, a terra era difícil de ser cultivada, de com caráter de crítica.
FIL 15
cvat/W.Commons
de obter e cultivar a virtude em meio à existên-
cia sofrida destinada ao ser humano. Para ele, o
trabalho é uma necessidade humana, e a justiça,
um dever.
Dentro desta obra há ainda a história das
cinco idades do mundo, que demonstra cinco
momentos diferentes na história do homem,
conforme foi visto anteriormente.
Hesíodo possui um caráter prático. Não bus-
cou tratar de assuntos que não eram de seu
tempo, ou de falar sobre o belo, o perfeito, o
melhor.
Sabendo dos erros e das injustiças de sua
época, buscou uma maneira de educar o povo
a fazer diferente. Acreditava que os deuses ti-
nham abandonado os homens porque estes ti-
nham se tornado corruptos, e que a única salva-
ção seria o duro e constante trabalho na terra.
Nessa luta com a terra, o homem também
trava uma batalha com suas ideias, pois há mu-
danças de comportamentos e pensamentos,
que são espelhados nos próprios poemas ao
se denunciar a corrupção e a injustiça daquele POLLAIUOLO, Antonio del. Hércules e a Hidra. 1475. Têmpera sobre
madeira. Galeria Uffizi, Florença (Itália). Hesíodo também escreveu uma
tempo. obra chamada Escudo de Hércules.
Os mitos e a Filosofia
Observe Por meio dos mitos buscava-se encontrar explicações para os fenômenos naturais e sociais.
Em outras palavras, os povos primitivos, e também os gregos, acreditavam que os mitos conti-
O mito não é uma coisa do
passado, pois ainda hoje nham verdades sobre o mundo e a vida em suas narrativas influenciadas pelos deuses. No en-
ele é usado para explicar tanto, a partir de certo momento, começou-se a pensar que essa “verdade” das coisas não mais
fenômenos que ainda fogem estaria nos mitos, mas nos próprios fenômenos. Por exemplo, em vez de se tentar explicar o
da possibilidade de uma surgimento do relâmpago a partir de uma narrativa, é necessário estudar o próprio fenômeno do
explicação científica. As len-
das, o folclore regional, os relâmpago. Essa passagem será decisiva para o nascimento da Filosofia como explicação racional
milagres etc., são exemplos das coisas.
disso. Por outro lado, é importante notar que o surgimento da Filosofia não causou a ruptura e o es-
quecimento da mitologia. No decorrer da história da Filosofia, é possível notar que filósofos como
Platão não pouparam esforços em utilizar mitos para explicar suas ideias. Na obra A República, de
Platão, podemos encontrar o mito da caverna e o mito de Er, que compõem as ideias de constru-
ção da cidade existentes na obra.
O mito segue como uma forma de compreensão e interpretação do mundo, e sempre que o
estudamos podemos identificar uma representação da realidade muito profunda em suas histó-
rias que, por mais fantásticas que pareçam, guardam ensinamentos que nos colocam em contato
com a origem, a essência e o movimento do universo do qual fazemos parte.
Glossário
Os mitos no século XX
Nacionalismo: é uma exalta-
ção do sentimento nacional, Hoje em dia, ainda é comum buscar explicações fictícias para fenômenos que não consegui-
a ponto de se criar uma mos compreender. Pensemos na figura do boitatá, por exemplo, representado na maioria das
preferência significativa por vezes como uma cobra de fogo que queima todos aqueles que tentam incendiar as matas e flores-
tudo aquilo que é da nação
tas. A existência desse mito pode ser explicada pela ciência por meio do fogo-fátuo, que é forma-
a qual se pertence. A política
interna de um Estado nacio- do pelos gases inflamáveis que emanam dos pântanos e dos restos mortais de grandes animais.
nalista se volta totalmente Esses gases, vistos de longe, se assemelham ao fogo em movimento.
para o desenvolvimento de
Além de explicação das coisas, existem ainda hoje mitos que nascem da busca por uma ori-
seu poderio. Ocorre uma
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EM21_1_FIL_01
nacionalização de todas as gem, um passado remoto em que tudo era perfeito. Essa busca pelas origens fez com que, no fim
atividades do país, seja a do século XIX, surgissem os nacionalismos. O despertar do nacionalismo que buscava as raízes
indústria seja o comércio. de sua nação foi transformado em propaganda política. A figura do arianismo, da raça pura, é um
exemplo, que foi representado pelos alemães e depois difundido pelo regime nazista. O ariano
era ao mesmo tempo o herói e o ancestral, seria um ser puro, que precisava ser resgatado para
que houvesse a reestruturação da sociedade.
16 FIL
Observe
Foi observada anteriormente a importância dos mitos na educação do homem grego. Primeiro
eles eram transmitidos oralmente de geração em geração. Depois, passaram a ser registrados e O teatro grego era repre-
cantados pelos poetas. Posteriormente, os gregos seguiram adiante. sentado por atores, todos
homens, e o coro.
O período do século VI a.C. ao século IV a.C. é caracterizado pela difusão das grandes peças
Os atores usavam máscaras,
de teatro, a atividade cultural favorita dos gregos antigos. Mas esses espaços não eram apenas de feitas de diversos materiais
diversão, eram sobretudo espaços de educação, pois ajudavam o indivíduo a praticar as virtudes e indicavam as caracterís-
e exercer a cidadania plena. Werner Jaeger, um autor alemão importantíssimo por apresentar ticas do personagem – se
o processo histórico e cultural de formação do homem grego desde as poesias de Homero e era trágico ou cômico ou
mulher. O coro era um grupo
Hesíodo, descreve o teatro da Grécia Antiga como um espaço de pedagogia para os indivíduos.
de atores, sem individuação,
Segundo Jaeger, o teatro possui várias dimensões da existência. Destacam-se: que comentava coletiva-
mente as ações representa-
●● Dimensão psicológica: retratada nos di-
tmnco/W.Commons
das na peça.
lemas existenciais vividos pelos perso-
O coro era um grupo de
nagens e que, inclusive, serão motivo de pessoas localizado em lugar
estudo de autores consagrados muitos à parte do cenário, não
séculos depois. Exemplos de tragédias intervindo diretamente na
gregas desse tipo são: Édipo Rei, de Sófo- história, mas sempre dialo-
gava com os personagens,
cles, e Medeia, de Eurípedes. estimulando-os, criticando-
●● Dimensão religiosa: seu objetivo era -os, enaltecendo-os, entre
demonstrar que o ser humano é ape- outras ações.
nas parte do cosmos, e por isso não
portta/W.Commons
era completamente livre, pois precisava
aprender a conhecer a força do destino,
influenciado pelos deuses. Exemplo: a
obra Prometeu acorrentado, de Ésquilo. JALABERT, Charles. Édipo e Antígona. 1842. Óleo sobre tela. Museu de
Belas-Artes da Marselha (França). Antígona conduz seu pai Édipo Rei, que
●● Dimensão social: as obras mesclam ele- cegou a si mesmo depois de descobrir que era o assassino de seu pai.
mentos políticos e jurídicos. O teatro gre-
go servia também para promoção de valores democráticos e do bem comum. A comédia de
Aristófanes enquadra-se aqui, uma vez que realiza várias críticas sociais, bem como obras de Representação de máscara
Eurípedes, como As suplicantes, na qual a decisão democrática do povo sobre determinado pro- teatral grega do deus Dionísio,
de II a.C.
blema que envolvia a cidade é uma das primeiras obras com teor preponderantemente político.
Glossário
A origem da palavra “teatro” é alvo de grandes discussões até hoje. Para alguns estudiosos,
ela significaria “como deus se manifesta diante do povo”. Era como se todos os espectadores dos Catarse: do termo grego
teatros gregos assistissem a uma aula de psicologia e filosofia dos próprios deuses. Por isso di- kathársis, significa purifica-
ção da alma provocada na
ziam que os teatros gregos eram tão emocionantes, pois mexiam com emoções internas que todo plateia pelo sofrimento vi-
cidadão experimentava, promovendo na plateia o que se chama catarse. O teatro grego divide-se venciado pelos personagens
em dois gêneros: a tragédia e a comédia. teatrais. Era uma espécie
de estado de êxtase para
Tragédias
expurgar os sofrimentos
da vida e renovar as forças
para enfrentar obstáculos
As tragédias situam-se na constante relação entre o homem e o divino. Sempre há um herói futuros.
trágico que recebe indicações dos deuses de como deve agir em sua vida (pode ser por meio de
chupdbal/W.Commons
uma profecia ou mesmo de uma conversa direta com um deus). Mas esse herói, por algum motivo
pessoal, decide não seguir a orientação divina, e por isso comete crimes ou erros trágicos que
trazem sofrimento para ele, sua família e sua cidade.
As grandes tragédias gregas originaram-se das festas em homenagem ao deus do vinho,
Dionísio. Inclusive os eventos eram acompanhados por procissões e sacrifícios. Com o tempo, os
festivais foram crescendo tanto em popularidade que se tornaram por si só eventos de grande
importância cultural para o povo grego.
EM21_1_FIL_01
EM21_1_FIL_01
FIL 17
Ricardo/W.Commons
Filmes
na mesma cidade, no ano 406 a.C. Escreveu várias peças, porém ape-
Cult Classic
nas sete chegaram aos dias atuais: Ajax, Antígona, As Traquíneas, Édipo
Rei, Electra, Filoctetes e Édipo em Colono. Sófocles aprofunda os dilemas
humanos do cotidiano abordados por seu antecessor Ésquilo. Na obra
de Sófocles, os deuses já não são personagens tão presentes, manifes-
tam-se com mensagens ocultas transmitidas por meio de profecias.
Édipo Rei A mensagem divina aparece na forma do destino, isto é, cada pes-
soa possui um caminho antes determinado pelos deuses e é preciso
Diretor: Pier Paolo Pasolini
conhecê-lo para não cair em sofrimento. As principais obras sobre
Ano: 1967
Édipo compõem a Trilogia Tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono e
Apresenta a história de
Antígona.
Édipo partindo de uma
relação com a atualidade. Eurípedes, considerado o autor que es-
Carlios/W.Commons
Busto de Sófocles.
É excelente para demons- creveu o maior número de obras trágicas
trar como a história das
da Grécia, viveu entre 480 e 406 a.C. Em suas obras predomina a dis-
tragédias gregas pode ser
utilizada para evidenciar cussão sobre os dilemas humanos, sociais e políticos dentro da cida-
experiências do cotidiano de de. Este é o grande fato que o diferencia dos demais autores de tragé-
qualquer pessoa. dias. Eurípedes reduz a importância das questões divinas, trazidas por
Ésquilo, e das questões sobre o destino, por Sófocles, para adentrar em
Warner Brothers
Comédias
Este filme demonstra como
as tragédias gregas influen-
ciaram a cultura, a literatura
Lorde/W.Commons
e a filosofia depois tantos As comédias são conhecidas até hoje como aquelas peças que con-
séculos. seguem levar o indivíduo ao humor, ao riso. Na Grécia Antiga, a co-
média tinha grande importância, pois possibilitava fazer uma crítica a
Glossário todas as esferas: política, econômica e social. Ninguém estava livre das
Pólis: é o termo que críticas da comédia: nobres, governantes, filósofos e até mesmo deu-
designava as cidades-Estado ses, todos eram alvos das comédias.
gregas, pois naquela época, O maior representante das comédias na Grécia Antiga foi Aristófanes
diferente de hoje, não
existiam cidades agrupadas (450-385 a.C.), que conseguia total atenção do povo com suas cenas ex-
que formavam um Estado, travagantes e suas sátiras bem elaboradas. Seu objetivo era chamar a
mas cada cidade em si era atenção do público para aquilo que estava acontecendo na política e na
autônoma em relação às cultura da cidade, como problemas de corrupção. Permitindo ao povo
outras, com seu exército,
sair da indiferença e começar a questionar a administração pública, as
política e costumes.
guerras e até mesmo os próprios hábitos. Uma de suas grandes comé-
Busto de Aristófanes.
dias chama-se Lisístrata. Essa obra foi escrita na época da Guerra do
Pesquise
Peloponeso, com intenção de promover de forma humorística a paz entre Atenas e Esparta. Uma
Atualmente a comédia é curiosidade quanto ao nome da personagem principal, que deu o nome à obra, é que no grego
usada por diversos seg- Lisístrata quer dizer “aquela que dissolve” ou “aquela que separa exércitos”.
RODKARV/Shutterstock
transmitida. Apresente
essa pesquisa em um breve
texto, trazendo para sala o
material pesquisado e, sob
orientação do professor,
compartilhe com os colegas.
18 FIL
Porque as histórias fantásticas despertam o interesse e facilitam a compreensão sobre temas gerais.
3. Releia o último parágrafo do texto e responda, com suas palavras, à pergunta final presente nele.
Resposta pessoal. O aluno deve apresentar sua opinião sobre a diferença entre uma conversa sobre temas como poder e
justiça e um filme ou história em quadrinhos que apresente a mesma temática de forma fabulosa. É importante que o aluno
4. Qual é o seu super-herói favorito? Preencha a ficha a seguir e apresente sua resposta para a turma.
FIL 19
20 FIL
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GABARITO ONLINE
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L LL
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surge a filosofia
LLLLLLLL
Passagem do mythos ao logos: o surgimento da filosofia • Pré-socráticos: explicando a natureza e seus fenômenos
Filosofia
mód. 02/08
02 Os filósofos
pré-socráticos
START
populares características do
local em que vivem (uma
lenda, uma crença, um mito)
como forma de relacionar as
questões ao contexto atual.
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o surgimento da filosofia
com base em alegorias e
testemunhos religiosos
ou mitológicos. Para esses
filósofos, se o ser humano
A filosofia surgiu na Grécia Antiga por volta
do século VI a.C. devido à transição do pensa-
Contexto histórico é dotado de razão, deve uti-
lizá-la para descobrir por si
próprio a verdade que, neste
mento mitológico para o cosmológico, iniciada A Grécia Antiga passava por um período contexto, está no mundo, na
pelos pré-socráticos. de transição de uma sociedade rural para ur- natureza.
bana. Vários fatores contribuíram para isso: na Glossário
Remzi/Shutterstock
política, a instituição de governos democráti-
cos, concedendo mais direitos e voz ao povo; Cosmológico: período em
que a explicação das coisas
no direito, o início do registro das leis por es- passa a ser buscada no
crito, garantindo que cada indivíduo pudesse próprio mundo, mais espe-
debater publicamente sobre estas; na econo- cificamente na natureza, e
mia, a criação da moeda, acelerando o desen- não mais em algo divino,
sobrenatural. Em grego,
volvimento do comércio; e, por fim, a própria
cosmos quer dizer ordem e
religião grega, por ser uma “religião pública” e logos significa razão, estudo.
naturalista. Pré-socrático: é o termo
empregado para se referir
propriedade individual e
ele esse é o ponto fundamental que define a do emprego do vocábulo
filosofia como criação grega. “pessoa” para designar o
indivíduo só se dará com
o surgimento do Império
Romano.
A filosofia grega, ao invés, é pesquisa. Esta
nasce de um ato fundamental de liberdade
frente à tradição, ao costume e a toda a cren-
ça aceita como tal. O seu fundamento é que
o homem não possui a sabedoria, mas deve
procurá-la: não é sofia mas filosofia, amor da Reconstituição computadorizada de uma trirreme grega. A trirreme era
uma embarcação da antiguidade que possuía três compartimentos para
sabedoria, perseguição direta no encalço da remos e remadores. Considerada um grande avanço tecnológico, ela
verdade para lá dos costumes, das tradições e possibilitou aos gregos conhecerem povos e culturas distantes, fato que
contribuiu para o surgimento da Filosofia.
das aparências.
Sintetizando o período grego do século
VI a.C.: era um novo momento, que permitia
(ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. 4. ed. certa liberdade ao cidadão grego. Havia gran-
Tradução de: JARDIM, Conceição; LUCIO, Eduardo;
VALADAS, Nuno. Lisboa: Presença, 2001.)
de identificação entre o Estado e os cidadãos,
os indivíduos realmente sentiam-se parte da
A transição do pensamento mítico ao fi-
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mantém sempre idêntica, independente das lógico para o filosófico pode ser sintetizada na
mudanças das coisas. passagem do mythos ao logos. O primeiro é um
discurso narrativo e alegórico; o segundo é um
discurso racional que busca no próprio mundo
a explicação de como este mundo existe.
26 FIL
Multimages
cia antiga era fragmentado
geográfica e culturalmente,
devido ao processo de
povoamento pelo qual
passou. Nos aspectos geo-
gráficos, enfatize o território
recortado por muitas ilhas
e arquipélagos e, também,
por um relevo igualmente
irregular, composto por
montanhas e solo mais
árido. Quanto aos aspectos
culturais, enfatize a diver-
sidade de povos presentes
na formação da Grécia, bem
como a autonomia política
das cidades-Estado, que,
não raro, vivam guerreando
entre si. Ou seja, não havia
uma unidade econômica,
política, cultural e geográfica
de “país” ou nação como
entendemos hoje. Os filóso-
fos antigos eram chamados
pelo primeiro nome, seguido
do nome da cidade em
que ele nasceu, como Tales
de Mileto, que nasceu em
Mileto, e assim por diante.
Outros pré-socráticos que
não se enquadram nas
escolas mencionadas são
Empédocles de Agrigento e
Anaxágoras de Clazômena.
Biografia
cida como Jônica, pois foi fundada pelo povo tudo se sustenta na água e tudo termi-
jônio. Por esse motivo, Tales é considerado o na na água, por isso todos os alimen-
fundador da Escola Jônica. Depois, outros tos são úmidos, até mesmo o calor é
pensadores surgiram na região da atual Itália úmido. Um dos caminhos que utilizou
(no sul e na Sicília), fundando as Escolas Eleata para chegar a essa conclusão foi ob-
e Pitagórica e em Abdera, na Trácia (onde servar um rio inundando a terra nas
hoje estão a Grécia, a Bulgária e a Turquia), a encostas. Notou a partir desse acon-
Escola Atomista. tecimento que a terra ficava mais fér-
Alguns filósofos pré-socráticos são estuda- til, permitindo que nascesse mais vida.
dos isolados das escolas, por possuírem carac- Outro dado relevante foi a obser-
terísticas muito específicas. Esse é o caso de vação de que todas as sementes pos-
Heráclito de Éfeso. suíam natureza úmida.
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Tales de Mileto
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chapho/Shutterstock
não tentaram identificar o princípio de todas
Saiba mais
as coisas em elementos como a água ou o ar,
A escola pitagórica origi- mas fizeram algo realmente surpreendente:
na-se como um tipo de tentar traduzir a realidade (phýsis) inteira em
ordem religiosa, organizada números!
sob regras precisas de
comportamento e convivên- Veja o que Aristóteles pensou sobre os
cia. Ela tinha por objetivo pitagóricos:
concretizar um modo de
vida por meio do qual a A água, que para Tales era o princípio de todas as coisas.
filosofia e a matemática Para Tales, a água era o princípio da vida e Os pitagóricos foram os primeiros que se
eram consideradas um meio do movimento, por isso estava ligada à ideia dedicaram às matemáticas e as fizeram progre-
de purificar a alma.
de alma. dir. Nutridos pelas mesmas, acreditaram que
As doutrinas pitagóricas
Para os gregos, portanto, a alma é aquilo os princípios delas fossem os mesmos prin-
eram consideradas secretas,
de modo que somente seus que “anima” a coisa, anima-a a mover-se por si cípios de todas as coisas que existem. E, uma
adeptos poderiam conhe- própria. Tales percebeu que a água estava pre- vez que na matemática os números são, por
cê-las. Entre as concepções sua natureza, os princípios primeiros, precisa-
abrangidas por Pitágoras
sente em tudo que se movia, então concluiu
que a água é o que movimenta a vida. mente nos números eles acreditaram ver, mais
encontram-se as de imor-
talidade e transmigração que no fogo, na terra e na água, muitas seme-
Depois de Tales, a Escola Jônica continuaria
(metempsicose) da alma. lhanças com as coisas que existem e se geram
com o seu discípulo Anaximandro de Mileto,
[...] e, além disso, como viam que as notas e os
e depois com Anaxímenes de Mileto. Para
4t/W.Commons
Demonstre a presença da
matemática no mundo.
As dimensões de uma
construção civil podem ser
traduzidas em números, o
tamanho de nossas roupas
é um conjunto de medida
e proporções matemáticas. Os números, para Pitágoras, eram a origem de todas as coisas.
A página que o aluno olha Pitágoras em detalhe no quadro Escola de Atenas.
O universo para os pitagóricos é um cos-
neste momento é regida por A Escola Pitagórica é a escola fundada por
regras matemáticas a fim de mos perfeito, harmônico como uma música
causar um efeito estético Pitágoras de Samos, uma ilustre figura que se perfeita, a tal ponto que para eles o universo
e que facilite o estudo. As tornou quase mística. Como Pitágoras não es- é ritmo, é proporção rítmica. Essa ideia retrata
células de nosso corpo
mudam e se regeneram creveu nada ou pelo menos nenhum de seus es- a intensidade de veneração que os pitagóricos
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de tempos em tempos de critos chegou até nós, muitas histórias fantásti- possuíam pela música. Para eles, a música era
acordo com uma lógica que cas passaram a ser registradas em torno dele,
pode ser traduzida em nú- uma forma de purificação da alma, pois sendo
meros. O professor poderá transformando-o em filósofo, líder religioso e ela a manifestação da harmonia do universo,
também utilizar exemplo da grande sábio. O filósofo sempre esteve rodea- levaria as pessoas a entrar em contato com a
Proporção Áurea ou Número do de vários discípulos, chamados pitagóricos.
de Ouro. natureza das coisas.
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CHUpts/W.Commons
Acredita-se que Parmênides tenha vivido
entre a segunda metade do século VI a.C. e a
metade do século V a.C., em Eleia, na Grécia.
Foi fundador da escola chamada eleata, res-
ponsável por ter uma grande influência em
Glossário
todo o pensamento grego, pois, para muitos,
ele é um dos precursores da ontologia. Ontologia: do grego onto,
que significa ser, e logos,
Parmênides dizia que toda a sua men- estudo. É o estudo do ser,
sagem filosófica lhe era passada por meio daquilo que é essencial em
de uma deusa, da qual ele era um profeta e cada fenômeno.
mensageiro. Essa mensagem consistia em uma É a parte da filosofia que
reveladora filosofia que distinguia três vias do estuda a natureza dos seres,
conhecimento: a da verdade pura, a da falsida- o ser enquanto ser.
de absoluta e a da opinião plausível. Ou seja,
quando o ser humano tenta conhecer a verda-
de, ele pode encontrar a verdade pura, pode
cair na completa falsidade ou pode situar-se
na opinião plausível. O objetivo é distinguir o
conhecimento, a falsidade e a opinião. E essa
distinção ocorre diante do grande princípio
parmenidiano: “o ser é e o não-ser não é”.
Everett - Art/Shutterstock
Algumas conclusões importantes: se o ser Atualmente, o conceito de
é, ele deve ser eterno e incriado, pois, se não átomo é diferente daquele pos-
for assim, significa que um dia ele não foi, logo tulado por Demócrito, principal-
o não-ser existiria, o que não faria sentido para mente no que diz respeito à sua
Parmênides. Também significa que o ser é imóvel, indivisibilidade. Hoje já sabe-se
pois caso se movimentasse teria que sair do seu que existem partículas menores
ser para outro, logo aquele ser se tornaria não- que os átomos (elétrons e nêu-
-ser, o que também é contraditório. Diante disto, trons) e também que os átomos
Parmênides afirma que a natureza é imóvel (tese podem ser quebrados, dividi-
imobilista). dos. Mesmo assim, a hipótese
de Demócrito merece reconhe-
Parmênides certamente ofereceu uma contri-
cimento, uma vez que ela foi
buição enorme à racionalidade ocidental, pois
postulada apenas teoricamente,
por meio do uso da razão ele demonstrou que é
sem os procedimentos de ob-
possível encontrar a verdade. A nossa própria es-
servação e experiências, nem
trutura de pensamento nos permite distinguir o
com uso de ferramentas, como
real do falso, o ser do não-ser.
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é o caso das Ciências atuais. BRUEGGHEN, Hendrick. Demócrito. 1628. Óleo sobre tela.
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Btg/W.Commons
Saiba mais
Johannes_Moreelse/W.Commons
à discussão, à reformulação,
a correções. O que pode
ser ilustrado pelo fato de
que, na escola de Mileto, os
dois principais seguidores
de Tales, Anaxímenes e Heráclito, detalhe do quadro Escola de Atenas.
Anaximandro, não aceitaram assim pelo fato de o fogo ser o exemplo claro
a ideia do mestre de que a do constante movimento. O fogo para ele não
água seria o elemento pri- é apenas o fogo em seu sentido físico, mas a
mordial, postulando outros
elementos, respectivamente própria ideia que o fogo representa: a do vir a
o ar e o apeiron, como ten- ser constante.
do essa função. Isso pode Observe as diferenças fundamentais entre
ser tomado como sinal de
que nessa escola filosófica
Parmênides e Heráclito.
o debate, a divergência e a
formulação de novas hipóte- PARMÊNIDES X HERÁCLITO
ses eram estimulados.” O princípio das coisas Simbolizava no fogo o
(MARCONDES, Danilo. Iniciação à his-
Heráclito, de Johannes Moreelse (1602-1634).
tória da filosofia: dos pré-socráticos era o ser. princípio das coisas.
a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, Esse constante movimento é marcado pelo
2007. p. 27.)
conflito dos contrários. As coisas frias se aque- O ser está em
O ser é imutável.
constante mudança.
cem, as coisas quentes se esfriam, as coisas
úmidas secam, as coisas secas umedecem, o A verdade está no
A verdade está no vir a
jovem envelhece, o vivo morre, e assim por ser, para além dos
ser, no movimento.
Observe diante. É na luta dos contrários, no vir a ser, que fenômenos.
Heráclito utiliza o fogo Heráclito busca explicar o princípio de toda a A linguagem jamais
A linguagem exprime
porque este está sempre realidade. Tudo muda, tudo flui, tudo está em pode captar o que é
o ser. Dessa forma o
mudando de posição – não constante movimento. a coisa, de forma que
logos pode captar a
podemos capturá-lo com o logos não exprime
as mãos ou lhe conferir A vida é constante mudança, é um eterno verdade.
o ser.
uma forma estática. O ser devir (vir a ser). A síntese perfeita dessa ideia
humano também é assim: está em sua célebre frase: “é impossível que O ser é e não é ao
O ser não pode ser
se viajarmos para um país, uma pessoa entre no mesmo rio duas vezes, mesmo tempo, pois
e não-ser ao mesmo
e anos depois quisermos tudo flui conforme a
repetir a viagem, por mais
porque da segunda vez, nem o rio nem a pes- tempo.
luta dos contrários.
que façamos as mesmas soa serão mais os mesmos”.
coisas, a viagem não será a Eis o vir a ser: eu sou e não sou ao mes-
mesma, pois nós mudamos Neste capítulo, vimos alguns dos principais
mo tempo. Para ser agora, preciso deixar de
como pessoa (temos mais filósofos pré-socráticos, aqueles pensadores
memórias, conhecimentos, ser o que era antes, ou
que realizaram a essencial passagem do pe-
hideto999/Shutterstodck
capítulo quisermos lê-lo de em não-ser para ser no- água, ora o fogo, ora os números, a filosofia vai
novo, ainda assim não será vamente. E é nesse senti-
a mesma coisa, pois já não passar a perguntar-se se não seria mais pru-
somos a mesma pessoa que do que Heráclito chega à dente, antes de investigar o mundo externo,
leu a primeira vez. conclusão de que o fogo conhecer a si mesmo: eis o período antropológi-
O fogo, princípio de todas as
é o princípio de todas as co, iniciado pela sofística e depois aprofundado
coisas, segundo Heráclito. coisas. E ele compreende por Sócrates.
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1. O surgimento da Filosofia na Grécia antiga foi um dos frutos de um contexto histórico específico. Cite três Filme
fatores que contribuíram para o nascimento da Filosofia.
Linson Film
O aluno deve citar três dos seguintes fatores: revisão dos códigos de lei, surgimento da moeda, retomada da escrita alfabética,
florescimento urbano.
2. Os filósofos pré-socráticos buscaram o princípio originário de tudo o que existe e, cada um ao seu modo,
encontrou um elemento da natureza que teria dado origem à diversidade de seres. Pesquise a importância
dos seguintes elementos para a existência de vida no planeta Terra.
a) Água:
Esta atividade pode ser feita de forma interdisciplinar com as disciplinas de Biologia (água, ar e terra) e de História (fogo, Na natureza selvagem
Ano: 2007
especialmente no que concerne ao desenvolvimento das sociedades humanas). É imprescindível que os alunos percebam que
Diretor: Sean Penn
os quatro elementos são essenciais à vida na Terra. Um jovem estudante tem
um futuro promissor nos
b) Ar:
Estados Unidos. Mas decide
abandonar tudo que tem
para realizar uma grande
aventura rumo à liberdade.
Com apenas uma mochila
nas costas, esse jovem rapaz
irá buscar na natureza a
c) Terra:
explicação das coisas. O
espírito do protagonista
desse filme pode ser compa-
rado ao dos pré-socráticos:
não busca a verdade nas
instituições ou nas pessoas,
mas na própria natureza.
d) Fogo:
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EEE
Do cosmos ao anthropós • Sofistas • Sócrates
Filosofia
mód. 03/08
03
Filosofia
grega
clássica:
Sócrates e
os sofistas
START
Bennet
A atividade pode ser feita
em casa ou em sala de aula,
a) O personagem da tirinha fica frente a frente consigo mesmo, mas uma parte dele não reconhece a conforme a necessida-
outra. Você acha que uma situação como essa pode acontecer no processo de autoconhecimento? de. Você pode solicitar
que alguns voluntários
Justifique sua resposta. apresentem suas respostas
e promover uma troca de
Resposta pessoal. O aluno deve considerar a possibilidade de haver um estranhamento de si no processo de ideias sobre o processo de
autoconhecimento como
autoconhecimento. Sócrates defendia.
Para o desenvolvimento
dos itens 2 e 3 organize um
debate em sala, questio-
nando o que é importante
e quais aspectos devem ser
abordados em um debate.
b) Na sua opinião, o que é necessário para iniciar o processo de autoconhecimento? Além de discutir quais téc-
nicas podem ser utilizadas
Resposta pessoal. O aluno pode mencionar alguns critérios necessários para o autoconhecimento, como buscar enten- para que seja realizado um
bom debate.
der os próprios sentimentos e pensamentos, desenvolver autoestima, estar ciente de seus desejos e das possibilida-
FIL 35
Frescts/W.Commons
surgiu com a busca in-
cessante por respostas
sobre a origem do mun-
do e os pré-socráticos,
os primeiros filósofos da
Antiguidade, propuse-
ram que essas respostas
poderiam ser encontra-
das na própria natureza.
Observe
Assim, eles inauguraram
Um dos fatores que in- o período que ficou co-
fluenciou essa mudança do nhecido como período
objeto de estudo da filosofia cosmológico.
foi justamente o crescimen-
to das cidades-Estado. Com Com o desenvolvi-
o aumento populacional, mento urbano crescente
começam a surgir mais e o aumento da complexi-
problemas referentes à
organização social, política e
dade das relações sociais,
econômica, e assim a filoso- outras questões passa-
fia passa a ser uma maneira ram a interessar os filó-
de resolver tais conflitos. sofos: como viver bem?
Qual o papel do cidadão
Glossário Deuses reunidos no Olimpo. A existência de conselhos entre os deuses demonstra como a questão dos
na pólis? Qual a melhor debates e das discussões públicas é um elemento importante para a cultura grega.
Retórica: é a arte do forma de governo? Como
discurso convincente, em elaborar um discurso apaixonado para convencer os outros sobre a importância de determinado
que o interlocutor deve assunto? Onde está a verdade? Quais as virtudes do bom cidadão e do bom governante?
convencer a plateia de suas
ideias, mesmo que elas Com estas e outras questões, inaugurou-se um novo período na Filosofia Antiga: o período
sejam falsas. O importante é antropológico, em que o foco de estudo não é apenas a natureza, mas o próprio ser humano em
usar bons argumentos para suas complexas formas de ser e existir; assim, nesse período, prevaleceram as discussões sobre
provocar a persuasão. ética, política, direito etc.
Os principais representantes deste período são os sofistas e Sócrates.
Observe
Os sofistas eram um grupo heterogêneo de pensadores que viajam de cidade em cidade en-
Os fundamentos da Sofística sinando aos cidadãos a arte da retórica. Foram muito criticados por toda a tradição filosófica,
podem ser assim resumidos: mas, atualmente, são vistos como parte importante no processo educativo da Grécia antiga e,
1. O interesse filosófico também, para a Filosofia, por meio dos inúmeros embates de ideias que travaram.
concentra-se no homem
e em seus problemas, o Sócrates, cidadão ateniense, figura enigmática, amado e odiado na Atenas de seu tempo, nun-
que os sofistas tiveram em ca deixou nada escrito. Tudo o que sabemos sobre ele, atualmente, se deve aos registros de seus
comum com Sócrates. alunos Platão e Xenofonte e, também, de alguns de seus críticos, como o comediante Aristófanes.
2. O conhecimento reduz-se Sócrates ficou conhecido por seu método dialógico, em que levava seus interlocutores a descobri-
à opinião e o bem, à rem-se na ignorância e a ansiarem pelo saber.
utilidade. Consequente-
Sofistas
mente, reconhece-se da
relatividade da verdade e
dos valores morais, que
mudariam segundo o lugar
e o tempo. Com a sofística, o essencial não é investigar os princípios que explicam a origem de todas as
3. Erística: habilidade em coisas, mas as dimensões que envolvem a vida humana em sociedade, como a retórica, a ética,
refutar e sustentar ao a política, o direito, a religião, a educação, a oratória, entre outras. Mas como se operou essa mu-
mesmo tempo teses
dança? Quem foram os sofistas?
contraditórias.
4. Oposição entre natureza e O termo sofista deriva de sophos, que significa sábio, ou ainda especialista do saber. Os sofistas
lei; na natureza, prevalece tornaram-se célebres por percorrerem as cidades educando membros da aristocracia e cobrando
o direito do mais forte. por seus ensinamentos, que em geral abordavam questões técnicas e práticas, úteis para a vida
(ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de
Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, em sociedade, abordando temas como artes, retórica e política.
2003. p. 918.)
A sofística surge em um período de conflitos sociais que tem como origem a crise da aristocra-
cia, a inserção de novos valores e costumes decorrentes do crescimento das cidades e do comér-
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Mtresk/W.Commons
esse algo? A resposta é difícil, porque nem os principais so-
fistas entraram em consenso sobre isso. Os sofistas mais
importantes foram:
●● Protágoras de Abdera (490 a.C. - 415 a.C.), cuja con-
tribuição para o conhecimento foi a relativização da
verdade.
●● Górgias (485 a.C. - 380 a.C.), proveniente de Leonti-
nos (atual Sicília, na Itália), contribuiu para inovações
na arte da retórica.
Protágoras de Abdera
Protágoras é considerado o maior dos sofistas pelos
estudiosos, e ele dedicou-se a enfrentar o problema que
se instalara na filosofia. Enquanto Parmênides defendeu
que o logos, o pensar, é a própria verdade; Heráclito negou Reprodução em alto relevo dos sofistas.
a possibilidade de o logos poder captar o ser, pois a lingua-
Ora, se não há verdade absoluta, e tudo é relativo ao
gem jamais conseguiria dizer o que uma coisa é. Criou-se,
ser humano, o cidadão grego entenderá que é mais impor-
assim, um dilema: afinal, é possível conhecer a verdade?
tante buscar a utilidade das coisas do que suas essências.
Qamnjk/W.Commons
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Sócrates
criação de um vocabulário
filosófico em latim.
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Dertmond/W.Commons
O Sócrates dos primeiros diálogos é “real”,
pois tratam-se de relatos verdadeiros de episó-
dios envolvendo Sócrates que o jovem Platão
anotou e transformou em livro, para difundir
a filosofia do seu mestre. Contudo, posterior-
mente, Platão amadureceu intelectualmente,
passando a conceber suas próprias ideias.
Nesses diálogos não está o Sócrates “real”, mas
o “personagem” Sócrates, que Platão utiliza
para apresentar sua própria filosofia.
Sócrates era conhecido por participar de
discussões em praça pública, abordando ques-
tões morais, políticas e epistemológicas. Seu
gosto pelos questionamentos tinha por obje-
tivo não só chegar à verdade, mas também au-
xiliar o interlocutor a mudar sua forma de pen-
sar e ver o mundo com outros olhos. Para isto
utilizava-se do método dialético, que por sua A Morte de Sócrates, de Hernandéz (1872). Sócrates foi condenado à morte por ingestão de cicuta, uma planta muito
venenosa. Um de seus discípulos armou um plano para que o mestre pudesse escapar, mas este recusou a proposta.
vez consistia na utilização de duas técnicas: a Sócrates acreditava que se fugisse e desrespeitasse a lei, estaria indo contra tudo o que havia defendido na sua
ironia e a maiêutica. filosofia, e sua vida teria sido em vão.
Pedro Americo/W.Commons
de um jogo de perguntas pelo qual ele leva o
do ao ser registrado numa sequência de qua-
interlocutor a se contradizer, a compreender
tro diálogos escritos por Platão: Eutífron, que
que na verdade ignora aquilo que pensa saber
traz uma discussão sobre o valor da religião
e, desse modo, aceitar que não possui o co-
e o sentido da religiosidade, pois Sócrates era
nhecimento sobre o assunto. Sócrates sempre
acusado de não acreditar nos deuses gregos
inicia o diálogo fingindo não conhecer profun-
e introduzir divindades novas; Apologia de
damente o tema que quer analisar e engrande-
Sócrates, que apresenta a sua defesa perante
cendo a capacidade do interlocutor (por isso a
o Tribunal Ateniense diante das acusações que
ironia). Ao fingir não saber, Sócrates exige que
lhe foram feitas; Críton, que se desenrola entre
o interlocutor exponha sua opinião sobre de-
o julgamento e sua condenação, quando um
terminado tema.
amigo lhe procura dizendo que possui meios
O reconhecimento de não saber profunda- para tirá-lo clandestinamente de lá e assim sal-
mente o assunto tratado é o primeiro passo vá-lo da morte (proposta veementemente re-
iniciar a busca pelo conhecimento. Daí surge a Sócrates afasta Alcebíades do vício, de
cusada pelo filósofo); e Fédon, que traz o último Américo (1861).
célebre expressão socrática “só sei que nada diálogo antes de sua morte.
sei”, pois saber que não conhece é a primeira
Alma e autoconhecimento
coisa que se deve compreender.
em Sócrates
A maiêutica é o processo de questionamen-
tos pelo qual Sócrates conduz o interlocutor a
extrair de si mesmo o conhecimento, e encon-
Com Sócrates, surge uma nova visão e um
trar a verdade. Por meio da maiêutica, Sócrates
novo conceito para uma palavra que já era uti-
procura levar as pessoas a descobrirem os co-
lizada por vários poetas e escritores, a psyché,
nhecimentos que já possuem dentro de si, os Glossário
termo grego que traduzimos por “alma”. Desde
quais precisam apenas ser “despertos”, trazi-
Homero, passando pelos órficos, pelos físicos Órfico: relativo a Orfeu.
dos a luz. A maiêutica também ficou conhecida
e poetas, tem-se um significado para a palavra
como “parto das ideias”, visto que esse método
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FIL 39
Sócrates está muito mais ligada à da família. Ambos são atos injustos e que de-
consciência, do que a uma concep- vem ser punidos.
ção religiosa, como a que usamos
Eutífron complementa que ser piedoso é
para “espírito”.
aquilo que agrada aos deuses e aos homens, e
A ideia de Sócrates é de que ímpio é o contrário.
a alma é a parte divina no ser hu-
Sócrates discorda, utilizando como exem-
mano, devendo ser cultivada a par-
plo a Ilíada, em que uma mesma ação pode
tir do conhecimento e da verdade.
agradar a um deus e desagradar a outro. Prova
Segundo o autor Werner Jaeger,
disso é que alguns deuses apoiavam os gregos
corpo e alma devem ser entendi-
e outros os troianos. Logo, como podemos di-
dos “como dois aspectos distin-
zer que podemos agradar aos deuses se nem
tos da mesma natureza humana”.
eles são unânimes naquilo que lhes agrada?
Nesses “aspectos distintos” surge a
234889/W.Commons
Mosaico romano que retrata animais ouvindo o ordem de valores apresentada por
personagem mitológico Orfeu. Existe a lenda de que Sócrates, na qual a alma aparece no
Orfeu retornou do Hades e depois teria fundado um
movimento chamado orfismo. É do orfismo que vem grau mais elevado e esta deve domi-
uma das principais concepções gregas sobre a alma,
o que influenciaria o pensamento filosófico posterior, nar o corpo. Portanto, a alma liga-se
sobretudo em Sócrates. ao corpo, mas é superior a ele.
A filosofia de Sócrates é a filosofia do au-
toconhecimento, que é o mesmo que dizer
“conhecimento da alma”. Por isso, afirma-se
que Sócrates trouxe definitivamente a filoso-
fia para dentro do ser humano. Ainda que os
sofistas tenham inaugurado o período antro-
pológico na filosofia, não buscaram entender o
ser humano individual, a alma, mas apenas os
seres humanos em geral, em suas relações so-
ciais, políticas etc. Para Sócrates, não há como
discutir justiça, virtude, política, sem antes co-
nhecer a si mesmo.
Esse novo sentido dado por Cena de Ilíada, em que Aquiles carrega o corpo de Heitor. Sócrates
Julgamento e condenação
Sócrates para o vocábulo utiliza essa obra homérica para demonstrar que os deuses não têm a
“alma” fará com que o mesma opinião sobre o valor das coisas. Desse modo, o que é piedade
termo seja amplamente para um pode não ser para outro.
usado pelas religiões e se
popularize. de Sócrates Disso decorre uma crítica importantíssima
de Sócrates à religião grega, que era retratar os
Platão escreveu diálogos que abordavam deuses como antropomorfos, ou seja, em for-
o julgamento, a condenação e a morte de mas humanas. Para Sócrates, isso significava
Sócrates, três deles serão abordados a seguir. rebaixar uma divindade à imperfeição huma-
na. Por esse motivo, ele recebeu a acusação de
Eutífron impiedade, conforme ele mesmo apresenta:
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conhecer que não sabe, enquanto os outros pessoas estavam resolvidas a condená-lo, as-
pensam que sabem alguma coisa. Ora, pen- sim poderia calar as verdades que vinha tra-
sam, mas na verdade nada sabem acerca do zendo ao público.
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Sócrates
Ano: 1971
Diretor: Roberto Rossellini
Retrata os grandes momen-
tos da vida de Sócrates,
desde os seus ensinamentos
nas ruas de Atenas até a
sua condenação à morte
por ingestão da cicuta. O
consagrado diretor Roberto
Rossellini capta de maneira
envolvente o cenário de
Atenas da época e reproduz
Morte de Sócrates, ilustração publicada na Revista Pittoresque em 1840, Paris.
com maestria a maiêutica
e a ironia de Sócrates. Ex-
celente para se familiarizar
com o autor.
Críton
Críton é um amigo de Sócrates que o visitou na prisão para explicar que elaborou um plano
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Leia o texto e realize a atividade.
Os sofistas surgem exatamente nesse momento de passagem da tirania e da oligarquia para a democracia.
São mestres da retórica e da oratória, muitas vezes mestres itinerantes, que percorrem as cidades-Estado
fornecendo seus ensinamentos, sua técnica, suas habilidades aos governantes e aos políticos em geral. Em- Essa atividade deve ser
realizada em casa, com um
bora sem formar uma escola ou grupo homogêneo, o que os caracteriza é muito mais uma prática ou uma prazo estabelecido para a
atitude comuns do que uma doutrina única. Há portanto uma paideia, um ensinamento, uma formação pela entrega. Orientar os alunos
a escolherem as propagan-
qual os sofistas foram responsáveis, consistindo basicamente numa determinada forma de preparação do das que sejam do interesse
cidadão para a participação na vida política. Sua função nesse contexto foi importantíssima e sua influência deles para realizar a análise.
muito grande, o que se reflete na forte oposição que sofreram por parte de Sócrates, Platão e Aristóteles. Os As questões propostas no
item b servem para orientar
sofistas foram portanto filósofos e educadores, além de mestres de retórica e oratória, embora esse papel a análise do aluno, podendo
lhes seja negado, p.ex. por Platão. ser ampliada a seu critério.
O importante é que os alu-
nos observem os recursos
gráficos, visuais e textuais
(MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 42.) em busca dos argumentos
utilizados na propaganda. Às
1. Os sofistas foram muito criticados pelos filósofos porque cobravam pagamento em troca de suas aulas e, vezes, o texto não é explíci-
também, porque eles não se preocupavam em buscar a verdade e o conhecimento, mas sim em estabelecer to, mas elementos gráficos,
como imagens, desenhos
um discurso convincente e persuasivo, conhecido como arte retórica. Na retórica, não havia o compromisso e efeitos visuais deixam
com a verdade do que é dito, mas com a validade do argumento. implícitos vários elemen-
Na atualidade, temos contato com diversos discursos persuasivos, cuja finalidade é convencer o interlocutor tos persuasivos. Havendo
de uma ideia. Um grande exemplo disso é a propaganda, cuja finalidade é convencer o consumidor de que possibilidade, essa atividade
pode ser complementada
o produto anunciado é o melhor do mercado, oferecendo várias razões interessantes para comprovar essa com uma segunda parte
ideia. Siga o roteiro para realizar uma pesquisa. voltada ao consumo e con-
a) Escolha, em revistas, jornais ou internet, uma propaganda de um produto que você tem interesse em sumismo, trazendo questões
sobre o modo de vida da
adquirir. Recorte ou imprima o anúncio e cole-o no caderno. atualidade. O texto argu-
b) Responda às questões a seguir. mentativo não precisa ter
compromisso com a verdade
•• Qual produto anunciado na propaganda você escolheu? (mas deve ser verossímil),
mas com a validade do
argumento, como na arte
retórica. Os alunos devem
•• Quais argumentos utilizados tornam a propaganda atraente? oferecer outras razões para
aquele ser o melhor produto
do mercado. A produção
escrita deve ser entregue na
data estipulada e pode fazer
•• O que mais chamou sua atenção na propaganda? parte da avaliação do aluno.
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c) Escreva um texto argumentativo de 10 linhas complementando a propaganda com outros atributos
interessantes do produto anunciado e por que ele é o melhor do mercado em sua categoria. Lem-
bre-se: utilize-se das estratégias da retórica para construir seus argumentos.
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1. C5:H24 (PUC-Campinas) Na Grécia Antiga, um dos mais importantes Sócrates: — Mas dize-nos [se] preferes desenvolver toda a tese
representantes dos sofistas foi Protágoras de Abdera, que afirmava que queres demonstrar, numa longa exposição ou empregar o
que “o homem é a medida de todas as coisas”. No contexto histórico método interrogativo?
que marcou o século V a.C., os sofistas: Estrangeiro: — Com um parceiro assim agradável e dócil, Sócra-
tes, o método mais fácil é esse mesmo; com um interlocutor. Do
a) forneceram elementos fundamentais para o desenvolvimento
contrário, valeria mais a pena argumentar apenas para si mesmo.
da democracia, por terem valorizado sobretudo o espírito
crítico, a palavra e as técnicas de argumentação. (Platão. O sofista, 1970. Adaptado.)
b) desempenharam um papel importante na difusão das obras
de Homero, ao reforçarem a importância da mitologia e dos
deuses como elementos unificadores do povo grego.
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e a cidade ideais
Platão • Diálogos platônicos • Dimensões da justiça social em Platão Papel da educação na construção da cidade ideal •
Justiça e bem: o rei filósofo de Platão
Filosofia
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04
Filosofia
grega
clássica:
a filosofia
de Platão
START
Platão distingue quatro formas ou graus de conhecimento, que vão do grau inferior ao superior: crença, opi-
nião, raciocínio e intuição intelectual. Os dois primeiros formam o que ele chama conhecimento sensível; os dois
últimos, conhecimento inteligível.
A crença é nossa confiança no conhecimento sensorial: cremos que as coisas são tal como as percebemos. A
opinião é nossa aceitação do que nos ensinaram sobre as coisas ou o que delas pensamos conforme nossas sensa-
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ções e lembranças. Esses dois primeiros graus nos oferecem apenas a aparência das coisas ou suas imagens e cor-
respondem à situação dos prisioneiros do Mito da Caverna. Por serem ilusórios, devem ser afastados por quem
busca o conhecimento verdadeiro; portanto, somente os dois últimos graus devem ser considerados válidos.
O raciocínio exercita nosso pensamento, purifica-o das sensações e opiniões e o prepara para a intuição in-
telectual, que conhece a essência das coisas, o que Platão denomina ideia. As ideias são a realidade verdadeira e
conhece-las é ter o conhecimento verdadeiro.
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Diálogos platônicos
Observe
Conhecer a si mesmo
para Platão, tal como para
Sócrates, era conhecer a Há várias propostas de classificações das O filósofo analisa novamente as principais te-
própria alma. A alma é obras de Platão, e entre elas uma que as divide máticas abordadas em obras anteriores e, por
o instrumento capaz de em quatro fases, conforme os períodos da vida vezes, inclusive, muda de concepção sobre al-
acessar a Ideia, a verdade.
Por isso, em vez de se lançar do filósofo. Segundo essa classificação, há os guns assuntos.
a investigar desordenada- diálogos da juventude, de transição, da maturi-
mente as coisas externas,
e aí encontrar apenas
dade e da velhice.
Os diálogos da juventude, ou socráticos,
Teoria das ideias
cópias imperfeitas captadas
pelos sentidos, o homem são conhecidos por narrarem acontecimentos Desde o surgimento da Filosofia, no pe-
deve primeiro conhecer a reais da vida de Sócrates. Os diálogos desse ríodo arcaico, com os pré-socráticos, havia a
sua parte perfeita; depois período se caracterizam por não apresenta- preocupação em compreender a realidade,
será capaz de investigar a rem conclusões a respeito dos temas aborda- considerando as constantes mudanças pelas
essência das outras coisas.
dos. Em geral, encerram-se com o protagonis- quais ela passava, surgindo a questão, pos-
A argumentação socrática é
esta: se o homem é ignoran- ta Sócrates refutando os argumentos de seus ta pelo embate de ideias entre Heráclito e
te em relação a si mesmo, interlocutores, mas confessando que ele tam- Parmênides: o que muda e o que permanece
como poderia conhecer bém não consegue oferecer uma explicação na realidade que permite aos seres humanos
outras coisas? Isso pode ser construir um conhecimento seguro acerca de
exemplificado na expressão
para o tema estudado. A confissão de ignorân-
que se tornou célebre: “só cia por parte de Sócrates, nesses diálogos, pre- tudo?
sei que nada sei”. tende indicar que, antes de se partir em busca
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pelas ideias de justiça e a desenvolver sua própria filosofia. É nesse uma resposta à essa questão.
organização que essa cidade
deveria ter, até as formas de período que são apresentadas obras como A
Dessa reflexão, surgiram novas perguntas
governo adequadas. República.
que levaram os pensadores, especialmente
Os diálogos da velhice caracterizam-se Platão, a considerarem que existe uma realida-
por uma revisão crítica de seu pensamento. de sensível, captada pelos cinco sentidos, que
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Do sensível ao inteligível
Se no mundo sensível existe uma multiplicidade de seres particulares, então como seria pos-
sível conhecer as ideias puras ou essências de todos esses seres?
Platão, então, propõe duas respostas a essa questão: na primeira, ele estabelece um cami-
nho, um método, para essa ascensão do sensível ao inteligível: a dialética; na segunda, as ideias
puras residem na alma de cada pessoa e são relembradas no processo de conhecimento, fato que
ele chamou de reminiscência.
Dialética
Como visto anteriormente, Sócrates praticava a dialética nos diálogos que travava com seus
interlocutores, levando-os ao conhecimento de algo por meio da ironia e da maiêutica. Platão
trouxe a dialética socrática para a sua teoria das ideias, propondo que, para ascender ao conhe-
cimento inteligível seria necessário o diálogo, em que os interlocutores apresentam suas ideias,
em geral contrárias, para se formar um novo conhecimento. Assim, a cada par de ideias opostas,
surgia um novo conhecimento em direção ascendente às ideias puras.
Explique o processo dialé- O esquema a seguir apresenta as etapas da ascensão dialética do sensível ao inteligível, por
tico ascendente do sensível meio da análise de um triângulo. Ele deve ser lido de baixo para cima.
ao inteligível, representado
no esquema, mostrando
aos alunos que da imagem
de algo triangular – pois,
no mundo sensível, nunca alma Intuição Ideia: junção de todos
vemos um triângulo em intelectual os critérios anteriores
si, apenas seres triangu- ou ideia em forma de intuição.
lares – chega-se ao nome
Mundo inteligível
que pertence à esfera das
crenças e opiniões. Portanto,
pode variar de acordo com
a língua, por exemplo, até
o conceito, que, apesar de Conceito:
A
Mundo sensível
Imagem:
Imagem das coisas
sensíveis, cópias
visão das ideias
Reminiscência
Ao contrário do corpo, a alma é eterna e imutável para Platão. Isso significa que ela
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não foi criada e nem será destruída. Sendo eterna, ela viverá para sempre, encarnando
em diferentes corpos materiais, mas permanecendo sempre idêntica a si mesma. Nela,
estão contidas as ideias puras, que deverão ser relembradas (anamnesis) a cada reen-
carnação. Assim, Platão, na obra A República, recorreu a outra alegoria para explicar
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A cidade se forma com os cidadãos e sua O Livro I de A República traz Sócrates, o para a reprodução de seus
prosperidade depende da ação destes, sendo personagem principal, dialogando com alguns pensamentos. Em A Repúbli-
necessário para seu progresso que as pessoas ca, os estudiosos entendem
sofistas, Céfalo, Polemarco e Trasímaco, acerca
que Sócrates é o persona-
se guiem por suas almas, ou seja, pela faculda- daquilo que estes entendiam por justiça. gem e não o Sócrates real.
de intelectiva que possibilita o acesso às ideias
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futado por Sócrates, ao afirmar que em ne-
nhum caso é justo fazer mal a alguém, pois,
não é possível saber realmente quem é amigo
e quem é inimigo. Os amigos são aqueles que
nos ajudam, e os inimigos aqueles que nos pre-
judicam? Conhecemos realmente as pessoas a
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ponto de podermos fazer essa divisão?
Já Trasímaco afirma que a justiça “é sim-
plesmente o interesse do mais forte”, concep-
ção que possibilita a identificação de alguém
ser considerado justo apenas pelo fato de es-
tar no poder, como é o caso dos governantes.
Nas imagens, podemos observar o trabalho de um ferreiro, um ce-
O problema desse argumento é que ele jus- ramista e uma artesão. Todos têm sua importância, pois vivendo em
tifica a violência de um tirano contra o povo. comunidade cada um pode se beneficiar do produto dos outros.
Sócrates contesta demonstrando que toda É preciso pensar a cidade como um corpo
ciência é produzida para servir a quem está só, onde cada cidadão é parte desse corpo.
em posição inferior, como é o exemplo da me- Logo, o sucesso desse corpo único depende
dicina, que serve ao doente e não ao médico. do sucesso daqueles que a compõem. Se uma
Assim, a política deve servir aos governados e parte não está bem, o corpo nunca estará, em
não aos governantes. sua totalidade, bem. Platão comparou a ciência
Após refutar os conceitos propostos, os in- política com a medicina, pois para ele há mui-
terlocutores interpelam Sócrates, exigindo-lhe tas semelhanças entre a saúde social e a saúde
que dê, então, um conceito apropriado para biológica. O corpo nunca estará completamen-
justiça. É aqui que o filósofo afirma que, para te saudável se um órgão estiver doente.
descobrir o que é a justiça, seria necessário Essa relação da totalidade com as partes
primeiro entender o que é a cidade, o Estado, que a compõem é de tal forma importante
bem como seus cidadãos, pois a justiça certa- para Platão que nos leva à discussão sobre a
mente serve a eles. Sem limitar-se a estudar Alma, pois, para o filósofo, os cidadãos podem
esta ou aquela cidade, pois elas não necessa- muito bem ser identificados como a “alma” da
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riamente são justas! É preciso, então, desco- cidade. Agora é importante relacionar essa
brir o que é a verdadeira justiça, a qual só será questão com a construção do Estado ideal.
encontrada em uma cidade perfeita, pois esta
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Peito
Platão idealizava a cidade perfeita, com os comerciantes e artesãos
agindo com temperança, os soldados com coragem e os governantes Corresponde à alma irascível
com sabedoria. Classe social: guerreiros
Função: proteger a cidade
Em A República, Platão afirma que a alma
Virtude: coragem
é dividida em três partes: racional, irascível e
apetitiva. Cada uma corresponde a uma das
classes de pessoas que compõem a comunida-
de. Veja, no esquema a seguir, a relação entre
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as virtudes da alma e a divisão de classes da Baixo ventre
cidade ideal de Platão. Corresponde à alma apetitiva
Classe social: artesãos e
A parte racional da alma, por ser a par- comerciantes
te que representa as atividades intelectuais Função: suprir as necessidades
da cidade e dos cidadãos
puras, situa-se na parte superior do corpo, a
Virtude: temperança
cabeça. Essa parte corresponde à primeira
das classes: aos governantes (ou guardiões).
O governante é o indivíduo que cultiva uma Temperança, coragem e sabedoria são três
formação diferenciada, tornando-se apto a ad- das quatro virtudes que, juntas, possibilitam a
ministrar a cidade. Por isso, a virtude da alma construção do Estado ideal. A quarta virtude
racional é a sabedoria. é a justiça. Cada uma das três corresponde a
A parte irascível situa-se na parte mediana uma classe (uma parte do corpo que é a cida-
do corpo humano (peito) e, por isso, se rela- de). A justiça corresponde ao exercício correto
ciona às paixões e emoções. A parte irascível da virtude da classe à qual a pessoa pertence,
corresponde à classe dos guerreiros, os “guar- ou seja, se for artesão ou comerciante, deverá
diões da cidade”. A virtude da parte irascível é ser temperante; se for guerreiro, corajoso; se
a coragem. Os militares, por serem responsá- for governante, sábio.
veis pela proteção da cidade, precisam superar O corpo humano só está em perfeita con- De nada adiantaria o
seus medos e agir sempre com coragem. dição quando todas as partes estão saudáveis. governante ser sábio se
A parte apetitiva vincula-se à parte inferior Da mesma forma, para a cidade ser justa, cada os guerreiros não fossem
corajosos ou os comercian-
(baixo-ventre), e está ligada aos apetites (tais classe deve realizar aquilo que lhe cabe. Com tes e artesãos temperantes,
como os instintos), correspondendo aos co- isso, entende-se a justiça como a mais impor- pois em algum momento
merciantes, artesãos e ao povo em geral. A vir- tante das quatro virtudes. a cidade seria derrotada
militarmente por outro
tude dessa parte é a temperança, pois, para se A justiça representa o domínio da parte povo, ou haveria problemas
utilizar adequadamente os instintos, é preciso na economia (citando um
racional da alma perante as partes irascível exemplo para o caso dos
dominá-los interiormente. e apetitiva. Por isso, uma cidade justa repre- comerciantes). A parte racio-
Dessa forma, se os artesãos e comercian- sentaria também uma cidade em que a alma nal da alma é a mais nobre
entre as três, bem como o
tes dominarem seus apetites, a cidade será racional prevalece sobre as demais. Isso não governante ocupa a função
temperante; se os guerreiros enfrentarem os significa que as outras partes não sejam im- de maior responsabilidade
perigos e medos, a cidade será corajosa; e se portantes, mas que, para serem utilizadas ade- perante o bem comum entre
todas as classes. Por isso,
o governante administrar tendo em vista a ra- quadamente, precisam estar ordenadas pela é necessário que a alma
zão, a verdade e o bem, a cidade será sábia. alma racional. racional e o governante
dominem as demais.
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Alunos em uma competição esportiva e na biblioteca. Por meio do ensino, o cidadão grego poderia aprender as quatro virtudes para a construção
da cidade perfeita.
Chegamos, afinal, através de inúmeros obstáculos penosamente superados, a estabelecer que existem,
na cidade e na alma do indivíduo, princípios correspondentes e iguais em número. [...] E que a cidade seja
corajosa pelo mesmo princípio e do mesmo modo que o indivíduo? [...] Enfim, que tudo o que diz respeito
à virtude se encontre igualmente numa e noutro? [...]. Então, amigo Glauco, afirmaremos que a justiça tem
no indivíduo o mesmo caráter que na cidade.
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(PLATÃO. A República. Tradução de: PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.)
A alma deve ser bem-educada, pois o corpo (irascível e apetitivo) é insaciável, e sobressai-se
diante da parte racional. Com uma educação disciplinada com base no estudo da música e da
ginástica, a alma conseguiria desviar dos desejos e prazeres do corpo.
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Formas de governo
Depois de estruturar em classes e apresentar a formação necessária para a cidade ideal, é
importante apresentar a crítica platônica às formas de governo. O intuito é evidenciar a distinção
entre a cidade ideal e as cidades existentes.
Platão não se limita a dar conselhos ao Estado a partir da premissa de uma determinada forma de governo
ou, como os sofistas, a estabelecer polêmica sobre o valor das diferentes formas de Estado, mas aborda o
assunto de forma radical, tomando como ponto de partida o problema genérico da justiça.
(JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2001.)
Platão, ao analisar as cidades de sua época, apresenta quatro formas de governo: a timocra-
cia, a oligarquia, a democracia e a tirania. Cada uma representa um estágio da imperfeição do
Estado ideal; sendo assim, a timocracia é a mais próxima da cidade perfeita, enquanto a tirania é
a mais distante. Cada passagem para uma forma de governo inferior se dá em um tipo de pertur-
bação na harmonia entre as partes da alma (racional, irascível e apetitiva). A crítica platônica re-
velará o ponto fraco de cada uma dessas formas de governo, demonstrando que o seu Estado
ideal as superaria.
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●● Timocracia (do grego timés, que significa
honra, e kratos, poder) é inspirada no mo-
delo da cidade de Esparta, voltada prin-
cipalmente à formação do cidadão guer-
reiro, que cultiva a virtude da coragem
e anseio por honra e glória. O governo
timocrático possui traços importantes,
como o respeito à autoridade, o cuidado
com a virtude guerreira por meio da gi- Ilustração da Guerra do Peloponeso, que envolveu Atenas e Esparta na
nástica e a abstenção de toda atividade disputa pela hegemonia do poder grego. Antes da guerra, Atenas era
uma sólida democracia. Durante a guerra, tornou-se uma Oligarquia por
lucrativa por parte da classe dominante. meio da tomada de poder do governo dos Trinta Tiranos (muitos dos
O que abala a timocracia é a avareza, in- quais eram parentes e amigos de Platão). A alternância de formas de
governo evidenciada por Platão pode ser percebida na história de várias
citando os indivíduos a fingirem se preo- cidades e Estados, como é o caso da Grécia.
cupar com o bem comum, quando na
verdade apenas guardam o luxo de forma privada. Além disso, a ausência de uma formação
pela música também não contribui com a harmonia da alma;
●● Oligarquia é a forma de governo em que há pessoas com grande número de riquezas (as
quais controlam o poder), porém outras na completa miséria. A separação entre ricos e
pobres facilita a prática de crimes, como o roubo, pois na ânsia pela riqueza pode-se recor-
rer a delitos. Na oligarquia, o vício, induzido pelas más ações, é a cobiça. Sem harmonia na
alma, a parte apetitiva não será controlada, abrindo espaço à busca desenfreada por tentar
satisfazer os mais variados impulsos. Além disso, o acúmulo de dinheiro facilita a satisfação
dos instintos; Quanto maior a riqueza, mais fácil é satisfazer os prazeres do corpo.
●● Democracia é o governo do povo, em que os cidadãos participavam das decisões políticas.
Como Platão se decepcionou com a democracia ateniense depois da condenação de Sócra-
tes, tornou-se o maior crítico desse sistema de governo. Para ele, a liberdade extremada e
desregrada levará o homem democrático a ora dedicar-se à política, ora ao esporte, ora às
artes, e assim por diante. Não há ordem e benefício nessas decisões, apenas uma vida apa-
rentemente livre, mas que no fundo não traz realização;
●● Tirania decorrente da democracia, pois, para Platão, em algum momento, o povo colocará
no poder um representante seu, que, por ser despreparado em relação às virtudes, fingirá
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governar para o povo, quando na verdade pensa apenas em si próprio. Com o tempo, virá
resistência contra ele, que então se verá forçado a recorrer ao uso da violência física, dando
início ao governo tirano. O tirano nasce dos apetites contrários à lei, que não são dominados
pela parte racional da alma.
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Filmes
No Livro VII da obra A República, Platão narra a famosa alegoria da caverna, em que descreve a
ascensão do mundo sensível para o inteligível. É possível estabelecer uma relação entre a alegoria
Warner Brothers
da caverna e o filme Matrix de 1999.
A alegoria da caverna pode ser relacionada com o filme Matrix (1999). Em Matrix, temos as pes-
soas que vivem em um ambiente virtual, acreditando que este é o verdadeiro mundo. Na realida-
de, essas pessoas estão dormindo e a energia de seus corpos serve para alimentar as máquinas,
que dominam o mundo real e projetam esse ambiente virtual na mente das pessoas. O mundo
virtual pode ser comparado ao mundo das sombras. O que se vê no mundo virtual são apenas
Matrix
projeções das verdadeiras pessoas, mesma ideia das sombras na parede da caverna de Platão.
Ano: 1999
O personagem principal, Neo, encontra dificuldades em se adaptar ao mundo real quando seu
corpo é “acordado”. É a mesma relação na alegoria da caverna quando o homem se depara com a Diretor: Irmãs Wachowski
luz solar. Outro personagem, Morpheus, alerta Neo de que muitas pessoas não estão preparadas Sinopse: no mundo de
Matrix, todas as pessoas
para sair do mundo virtual, e que a maioria delas inclusive defende aquele mundo. É a mesma
permanecem adormecidas
relação entre o prisioneiro liberto, mas que encontrou o mundo real e tenta convencer os outros e servem de bateria para
aprisionados de que eles veem apenas uma ilusão. dar energia ao mundo das
máquinas, que escravizou
a raça humana. Para se
assegurar que ninguém
Alegoria da caverna acorde, as máquinas criaram
um mundo virtual, a matrix,
Tanto a alegoria de Platão como [o filme] Matrix levantam a questão da felicidade, com a estrutura mais em que as pessoas vivem
ampla da relação entre nossa experiência ou estado de espírito subjetivo e a realidade. É uma tese platônica normalmente, acreditando
que a verdadeira liberdade e a felicidade dependem do conhecimento do que é real; segundo essa visão, uma estarem na realidade,
pessoa pode ter a ilusão de ser livre e feliz, mas ser de fato um escravo e infeliz. Essa mesma pessoa pode quando na verdade sua
consciência permanece em
estar completamente enganada ao atribuir a si própria a felicidade, usando a frase: “Sou feliz”. A felicidade estado de sono profundo.
deve ser semelhante ao conceito de saudável; também pode estar enganado quem diz “sou saudável”, ainda Alguns homens descobriram
que se sinta, pelo menos no momento, extremamente saudável, e não tem consciência [...] de um câncer essa situação, e lutam para
detectado. A tese é que a felicidade, a reflexão sobre o “eu” próprio e o mundo objetivo são inseparáveis. De se livrar da hegemonia das
modo semelhante, Matrix obviamente tem muito a ver com a questão do relacionamento entre nosso senso máquinas. Esse filme serve
para ilustrar a situação des-
subjetivo do “eu” (eu sou livre, sou feliz) e a “realidade” das experiências que estamos vivendo. crita por Platão no mito da
caverna, em que o homem
vive um estado de profunda
(GRISWOLD JR., Charles L. Felicidade e escolha de Cypher: a ignorância é felicidade? In: IRWIN, William ignorância sobre si mesmo.
(Org.). Matrix: bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras, 2002. p. 158-159.)
Warner Bros.
1. Assista ao filme Matrix e estabeleça relações com os seguintes elementos da alegoria da caverna:
•• interior da caverna:
mundo sensível
•• prisioneiros acorrentados:
pessoas ignorantes, sem conhecimento
A origem
•• sombras dos objetos na parede da caverna: Ano: 2010
objetos do mundo sensível Diretor: Christopher Nolan
•• prisioneiro liberto: Sinopse: Don Cobb, o prota-
gonista do filme, tem uma
filósofo profissão inusitada: rouba
informações de outras pes-
•• subida da caverna para o mundo exterior: soas invadindo seus sonhos.
educação e aprendizado pela dialética É possível sonhar dentro
do sonho inúmeras vezes, e
•• Sol: quanto mais isso se repete,
mais a pessoa fica vulnerá-
verdade vel a não mais distinguir a
•• O mundo fora da caverna: realidade do sonho. O filme
nos provoca a pensar: o que
mundo inteligível é verdade e o que é ilusão?
O que é o verdadeiro e como
2. Na atualidade, o que significa “viver na caverna”? Escreva um texto explicando essa situação aplicada a um o classificamos? Assim como
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IV. O raciocínio a respeito das impressões constitui a base para se (PLATÃO. A República. Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira.
7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p.190.)
chegar ao conhecimento verdadeiro.
Assinale a alternativa correta. Com base no texto e nos conhecimentos sobre a justiça em Platão
a) Somente as afirmativas I e II são corretas. é correto afirmar:
b) Somente as afirmativas II e IV são corretas. a) As pessoas justas agem movidas por interesses ou por bene-
fícios pessoais, havendo a possibilidade de ficarem invisíveis
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
aos olhos dos outros.
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
b) A justiça consiste em dar a cada indivíduo aquilo que lhe é de
e) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas. direito, conforme o princípio universal de igualdade entre todos
99 Anotações os seres humanos, homens e mulheres.
c) A verdadeira justiça corresponde ao poder do mais forte, o qual,
Para Platão, o conhecimento verdadeiro está posto no mundo das ideias. quando ocupa cargos políticos, faz as leis de acordo com seus
Porém, para alcançá-lo é preciso pensar racionalmente sobre as impressões
e o mundo. interesses e pune aquele que lhe desobedece.
d) A justiça deve ser vista como uma virtude que tem sua origem
na alma, isto é, deve habitar o interior do homem, sendo inde-
Desenvolvendo Habilidades
pendente das circunstâncias externas.
1. C1:H1 (UEM) Sócrates: Imaginemos que existam pessoas morando e) Ser justo equivale a pagar dívidas contraídas e restituir aos de-
numa caverna. Pela entrada dessa caverna entra a luz vinda de mais aquilo que se tomou emprestado, atitudes que garantem
uma fogueira situada sobre uma pequena elevação que existe na uma velhice feliz.
frente dela. Os seus habitantes estão lá dentro desde a infância,
algemados por correntes nas pernas e no pescoço, de modo que 3. C1:H1 (Enem) Suponha homens numa morada subterrânea, em
não conseguem mover-se nem olhar para trás, e só podem ver forma de caverna, cuja entrada, aberta à luz, se estende sobre
o que ocorre à sua frente. [...] Naquela situação, você acha que todo o comprimento da fachada; eles estão lá desde a infância,
os habitantes da caverna, a respeito de si mesmos e dos outros, as pernas e o pescoço presos por correntes, de tal sorte que não
consigam ver outra coisa além das sombras que o fogo projeta na podem trocar de lugar e só podem olhar para frente, pois os gri-
parede ao fundo da caverna? lhões os impedem de voltar a cabeça; a luz de uma fogueira acesa
(PLATÃO. A República [adaptação de Marcelo ao longe, numa elevada do terreno, brilha por detrás deles; entre
Perine]. São Paulo: Scipione, 2002. p. 83.) a fogueira e os prisioneiros, há um caminho ascendente; ao longo
do caminho, imagine um pequeno muro, semelhante aos tapumes
Em relação ao célebre mito da caverna e às doutrinas que ele que os manipuladores de marionetes armam entre eles e o público
representa, assinale o que for correto. e sobre os quais exibem seus prestígios.
(1) No mito da caverna, Platão pretende descrever os primór-
(PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.)
dios da existência humana, relatando como eram a vida e a
organização social dos homens no princípio de seu proces- Essa narrativa de Platão é uma importante manifestação cultural
so evolutivo, quando habitavam em cavernas. do pensamento grego antigo, cuja ideia central, do ponto de vista
(2) O mito da caverna faz referência ao contraste ser e parecer, filosófico, evidendia o(a)
isto é, realidade e aparência, que marca o pensamento filo- a) caráter antropológico, descrevendo as origens do homem
sófico desde sua origem, e que é assumido por Platão em primitivo.
sua famosa teoria das Ideias. b) sistema penal da época, criticando o sistema carcerário da
(3) O mito da caverna simboliza o processo de emancipação sociedade ateniense.
espiritual que o exercício da filosofia é capaz de promover,
c) vida cultural e artística, expressa por dramaturgos trágicos e
libertando o indivíduo das sombras da ignorância e dos
cômicos gregos.
preconceitos.
d) sistema político elitista, provindo do surgimento da pólis e da
(4) É uma característica essencial da filosofia de Platão a distin-
democracia ateniense.
ção entre mundo inteligível e mundo sensível; o primeiro
ocupado pelas Ideias perfeitas, o segundo pelos objetos e) teoria do conhecimento, expondo a passagem do mundo
físicos, que participam daquelas Ideias ou são suas cópias ilusório para o mundo das ideias.
imperfeitas. 4. C1:H1 (Enem) Trasímaco estava impaciente porque Sócrates e os
(5) No mito da caverna, o prisioneiro que se liberta e contempla seus amigos presumiam que a justiça era algo real e importante.
a realidade fora da caverna, devendo voltar à caverna para Trasímaco negava isso. Em seu entender, as pessoas acreditavam
libertar seus companheiros, representa o filósofo que, na no certo e no errado apenas por terem sido ensinadas a obedecer
concepção platônica, conhecedor do Bem e da Verdade, é o às regras da sua sociedade. No entanto, essas regras não passavam
mais apto a governar a cidade. de invenções humanas.
Soma ( ) (RACHELS, J. O problema da filosofia. Lisboa: Gradiva, 2009.)
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Aristóteles
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Aristóteles: vida e obra • Divisão das ciências • Lógica aristotélica • Ética aristotélica • Política
Filosofia
mód. 05/08
05
Filosofia de
Aristóteles
START
Todos os homens por natureza desejam saber. O prazer causado pelas sensações é a prova disto, pois, mesmo
fora de qualquer utilidade, elas nos agradam por elas mesmas, e, mais do que todas as outras, as sensações vi-
suais. De fato, não só para agir, mas mesmo quando não nos propomos nenhuma ação, a vista é, por assim dizer,
o que preferimos a todo o resto. A causa disto é que a vista é, de todos os sentidos, o que nos faz adquirir mais
conhecimentos e nos mostra o maior número de diferenças.
FIL 61
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retornou ao cenário do ral. São elas: a metafísica, a física e a matemática. Elas são consideradas ciências superiores,
conhecimento, mas, ainda por não estarem limitadas a um escopo específico, sendo a metafísica a mais importante de
assim, “cristianizado” pela todas as ciências, pois é a investigação das causas e dos princípios primeiros;
Escolástica.
●● Ciências práticas: investigam as ações humanas, consideradas individual e coletivamente.
São elas: a ética (na esfera individual) e a política (na esfera coletiva);
62 FIL
Metafísica
●● Princípio ontológico: é a partir da subs- to teórico das coisas por
tância que se pode ser alguma coisa; meio do raciocínio. Para
Aristóteles, ciência é o co-
A obra Metafísica é formada por 14 livros, ●● Princípio lógico: a substância é a condi- nhecimento pelo raciocínio,
ção lógica para se falar sobre o ser; investigação científica. A
escritos em diferentes períodos da vida de
palavra grega usada nessa
Aristóteles. Pelo fato de não ser pensada como ●● Princípio epistemológico: a substância acepção é epistéme.
um bloco de textos encadeados, pode apre- é fundamento da realidade e do conhe-
sentar dificuldades de compreensão. A reu- cimento.
nião desses escritos em uma mesma obra não
foi realizada por Aristóteles, mas por estudio-
sos posteriores de sua obra. Eles perceberam
Causas primeiras (aitíta)
que os 14 livros possuíam em comum o estudo Como a metafísica é a ciência que investiga
da realidade que “está para além da física”, da as causas primeiras, Aristóteles concluiu que
matéria, ou seja, a realidade metafísica. existem quatro causas necessárias que dão Observe
origem à realidade e à possibilidade de conhe-
Pode-se sintetizar a investigação metafísi- A palavra “metafísica” foi
cê-la. São elas:
ca com as seguintes perguntas: quais são as empregada pela primeira
causas e os princípios primeiros que geraram vez por Andrônico de
Causa Rodes. “Metafísica” vem
toda a multiplicidade de seres que existem? O Definição Exemplo
aristotélica do grego metà tà physiká,
que é e como estudar o “ser enquanto ser”? que significa “aquilo que
Qual a substância primeira do ser? É a forma, isto
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está para além da física”. A
é, a essência ciência metafísica estuda
A obra Metafísica inicia-se com a frase: Causa do objeto. aquilo que está para além
formal Resposta à do mundo material.
Todos os homens por natureza desejam pergunta “o
conhecer. que é?”. Cadeira.
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É o material do
Mas Aristóteles afirma que não basta dese-
qual o objeto é
jar o conhecimento; é necessário delimitá-lo, Causa
feito. Resposta
discriminá-lo, diferenciá-lo e reuni-lo. Ou seja, material
à pergunta “do
é necessário adotar uma atitude filosófica ca- que é feito?”. Madeira.
paz de ordenar os objetos do conhecimento
É o que
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segundo critérios determinados. O ponto de
deu origem
partida desta investigação é a definição do es-
Causa ao objeto.
copo da metafísica: “o estudo do ser enquan-
eficiente Resposta
to ser”, ou, em outras palavras, a investigação à pergunta
daquilo que torna um ser aquilo que ele é. “quem?”. Marceneiro.
Aristóteles afirmou que esse estudo é o estudo
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sonolento) ou modos verbais (indicativo,
subjuntivo etc.);
●● relação: comparação (maior que, mais
perto de);
●● lugar: onde (na praça, em casa, no mer-
cado); A substância “vela” é o resultado da junção entre matéria (cera) e
●● tempo: quando (ontem, pela manhã, forma (formato de vela). A matéria não sofre mudança, pois continua
sendo cera, mesmo que derretida, mas a forma é mutável (a cera
agora); derretida não é mais uma vela).
●● estado: situação (sentado, correndo,
Observe
doente, saudável); Potência e ato
●● hábito: características que costuma
O sentido de “paixão” Até agora, Aristóteles definiu a causa mate-
apresentar (usa sapatos, penteado, rou-
para os filósofos gregos é rial dos seres (matéria) e a causa formal deles
diferente do sentido atual: pas coloridas);
(forma). Ainda falta definir a causa eficiente
não se trata de amor como ●● ação: ato do sujeito (amar, cortar, criar);
é entendido hoje, mas (como a forma se imprime na matéria?) e a cau-
trata-se daquele que sofre ●● paixão: o que sofre a ação (amado, cor- sa final (para que serve cada coisa que existe?).
uma ação, que é passivo, tado, criado). Sabe-se que a forma muda com o tempo,
paciente.
ou seja, se transforma: a semente vira árvore,
Essência (ousía) a árvore vira madeira, a madeira vira casa, o
botão vira flor, a noite vira dia. Ou seja, tudo
Nesse estudo, Aristóteles afasta-se da teo-
está em constante movimento (devir) e, segun-
Curiosidade ria das ideias de seu mestre, Platão, afirmando
do Aristóteles, os seres compostos de matéria
que a essência de cada coisa reside na própria
Ao afirmar que todos os e forma estão sujeitos a esse ciclo constante
seres tendem a realizar sua coisa, e não em um mundo separado, imaterial
de mudanças, que podem ser de dois tipos:
causa final, ou seja, tendem e perfeito, como o mundo das ideias platôni-
a atingir sua plenitude e co. Logo, Aristóteles propõe a investigação das ●● Mudança radical: quando a matéria per-
perfeição, Aristóteles está coisas como elas são, enquanto substância, ou de a forma ou recebe outra diferente.
afirmando que os seres Exemplo: quando a vela derrete, deixa
seja, compostas de matéria e forma.
possuem uma finalidade de ser vela e passa a ser cera derretida;
(thélos) específica. Esse pen-
samento é chamado, pelos Exemplo: a substância “escultura” é ●● Mudança de desenvolvimento: quando
estudiosos, de teleologia composta de matéria (mármore, madei- ocorre um desdobramento da forma
(thélos – fim, finalidade; ra, barro etc.) e de forma (projeto do es- contida na matéria. Exemplo: uma se-
logos – estudo do fim ou da
cultor – que pode ser um corpo humano, mente que vira árvore, um embrião que
finalidade, ou seja, estudo
da finalidade dos seres). um animal, um objeto etc.). vira uma pessoa.
Aristóteles se preocupou em compreender
a relação entre o ser e o movimento – o devir
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Lógica aristotélica
eficiente da semente são as
condições propícias para ela
germinar; a causa eficiente
da madeira é o lenhador ou
Quais são as regras que definem a forma quanto nas afirmações universais não carpinteiro ou marceneiro
correta de se elaborar um raciocínio? A disci- há como dizer que existem pássaros que que vai beneficiar a matéria-
plina que trabalha com essa e outras questões não sejam animais. -prima “madeira”.
referentes à maneira correta de raciocinar é a Outra importante parte da lógica aristoté-
lógica, e Aristóteles foi seu fundador. O objeti- lica é o estudo dos silogismos, que seriam in-
vo é oferecer uma base sólida para a própria ferências dedutivas, que depois pressupõem
possibilidade do conhecimento. Como pensar outras inferências. Exemplo:
corretamente?
Nos Analíticos Primeiros, o filósofo aborda Todos os homens
o que ele entende por proposição, os enun- ← Primeira premissa
são mortais.
ciados compostos de sujeito e predicado, que
Sócrates é
afirmam ou negam algo, ou seja, dizem se algo ← Segunda premissa
homem.
é verdadeiro ou falso. Aristóteles lança as ba-
ses da lógica ocidental, criando inclusive o uso Logo, Sócrates é
← Conclusão
de letras nas formulações de enunciados. mortal.
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Ética aristotélica
A influência da filosofia aristotélica no pen- ●● vida prazerosa: quando a felicidade é
samento ocidental não se resume às investi- entendida como a satisfação de praze-
gações sobre a teoria do conhecimento, mas res. No entanto, para Aristóteles, viver
também sobre a filosofia prática, que não bus- em busca da realização dos prazeres
ca postular como o ser humano pode conhecer iguala a existência humana à existência
ou pensar, mas como deve agir, como alcançar animal, pois estes também vivem para
a própria realização na existência. satisfazer os prazeres do corpo. Sendo
A filosofia prática aristotélica divide-se em o ser humano um animal racional, mais
ética e política, sendo que cada uma é trabalha- elevado que os demais, não pode redu-
da em obra própria, diferentemente do mestre zir a felicidade a uma vida prazerosa;
Platão, que articulava ambas simultaneamente ●● vida política: felicidade está na vida po-
em várias obras. Assim, A República abordava lítica e consiste na conquista da honra e
tanto questões éticas (o conceito de justiça e a do reconhecimento. O problema é que a
formação pelas virtudes) como assuntos polí- honra é algo sempre conferido por ou-
ticos, tais como a crítica às formas de governo tros, tratando-se, portanto, de um bem
existentes. A ética de Aristóteles é desenvolvi- externo;
da em três obras: Ética Eudêmia, Grande Ética e ●● vida contemplativa: seria viver confor-
Ética a Nicômaco. A mais importante é a última, me o que é característico do ser huma-
ficando célebre como a ética aristotélica. no: a razão e a atividade da alma confor-
me a razão. Para ser feliz, o ser humano
Ética a Nicômaco deve realizar a obra à qual tende, qual
seja, viver a vida conforme a virtude.
A ética aristotélica busca compreender
como o ser humano pode viver melhor e isso Descartando as duas primeiras opiniões
significa, para Aristóteles, realizar a causa final sobre o que é a felicidade, Aristóteles defen-
da existência humana. Mas qual é a causa final, de a terceira, que afirma que a realização da
ou a finalidade, da existência humana? A reali- vida feliz está na prática habitual das virtudes
zação do máximo bem, ou seja, alcançar a coi- racionais. O ser humano que vive pelas virtu-
sa mais importante da vida humana. E qual é des obtém o prazer em si mesmo, pela própria
esse máximo bem? Ou, ainda, o que é um bem? construção da vida, e não prazeres específicos
ligados a determinadas atividades. E também
O bem é aquilo para o qual tendem as o ser humano virtuoso se sente feliz por aquilo
ações humanas. Toda ação humana é realizada que ele mesmo faz, e não por uma gratificação
tendo em vista vários bens que, em última ins- externa, como seria na vida política. Contudo,
tância, resultam na felicidade, pois tudo que Aristóteles afirma que as virtudes apenas não
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se faça é para buscar aquilo que se imagina ser são suficientes para uma vida feliz, mas tam-
uma vida melhor. Surge, então, a necessidade bém os bens exteriores, pois parece difícil rea-
de definir o que é a felicidade. Aristóteles parte lizar grandes ações sem a ajuda de riqueza,
de opiniões gerais de seu tempo sobre o que amigos, objetos, poder político etc.
seria a felicidade e encontra três sentidos dife-
rentes para defini-la:
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racionais. Também chamadas de “dia-
noéticas”, são ligadas à parte mais eleva-
da da alma, a alma racional. Porém esta,
por sua vez, possui duas partes, a razão
prática e a razão teorética. A virtude da
primeira é a sabedoria (phrónesis) e a da
segunda é a sapiência (sophia). A sabe-
doria é a correta condução da vida pelo As virtudes, para Aristóteles, são a justa medida, a exata
proporção ou o meio-termo entre os impulsos da paixão
ser humano, que aprende a distinguir o e a atividade racional do ser humano.
bem do mal, o certo do errado, e assim
descobre os melhores caminhos para al-
Observe a classificação das virtudes na ta-
cançar os escopos pretendidos.
bela a seguir.
MEIO-TERMO
Por meio da virtude ética, o ser humano o cume esteja na vida contemplativa, é ne-
sabe o que é correto fazer, e por meio da sabe- cessário passar pela vida ativa. Esta, porém,
doria, sabe como alcançar esse fim. A outra vir- apresenta outras dificuldades, pois está con-
tude intelectual é a sapiência, que consiste não dicionada ao agir. A ação moral começa com a
em deliberar sobre ações do cotidiano, mas em distinção entre dois tipos de ação:
conhecer as coisas mais elevadas do universo, ●● ações voluntárias: são aquelas em que
que estão acima do ser humano. A máxima o princípio da ação está no próprio agen-
felicidade situa-se justamente no exercício da te e este conhece as circunstâncias em
sapiência que, por conhecer verdades maiores que a ação se desenvolve. Em outras pa-
que o ser humano, o aproxima de Deus e das lavras, as ações voluntárias são aquelas
verdades eternas. A forma de vida mais eleva- que estão condicionadas a uma escolha,
da, para Aristóteles, é a vida contemplativa. a uma decisão no momento de agir;
Contudo, para alcançar essa máxima felici- ●● ações involuntárias: são aquelas em
dade, a vida dedicada apenas à contemplação que o indivíduo é coagido a agir de de-
não é suficiente. É preciso realizar também os terminada forma ou age ignorando as
atos virtuosos conforme a perfeição. Embora circunstâncias que envolvem a ação.
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é imutável, pois vem desde sempre. A justiça
natural consistiria em um conjunto de princí-
pios ditados pelos deuses, pela própria nature-
za e pela razão humana, e por isso devem ser
obedecidos por todos os povos.
●● pela utilidade: quando as pessoas se
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Política
A obra Política é um dos primeiros tratados família, na qual alguns indivíduos se unem para
sistemáticos sobre as relações políticas, de po- facilitar as atividades básicas de sobrevivên-
der etc. Se a ética aristotélica visa a levar o indi- cia. Quando várias famílias se unem, forma-se
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víduo à felicidade individual, a política tem por uma aldeia e a união de várias aldeias conduz à
finalidade alcançar o bem comum, isto é, gerar criação do Estado. Com isso, Aristóteles afirma
felicidade e desenvolvimento a todos. que é errado entender o Estado como criação
A origem do Estado está na necessidade na- artificial do ser humano, mas sim como uma
tural do ser humano em se associar com seus necessidade natural, pois somente no Estado o
semelhantes. A comunidade mais primitiva é a ser humano pode ser realmente feliz, somente
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FIL 69
Observe Leia o texto a seguir, sobre a relação entre o pensamento de Aristóteles e a Neurociência.
Pensamento de Aristóteles
segue influente no mundo
contemporâneo [...]
Filósofo grego pensou da Vivemos numa época que requer abertura de horizontes. A ideia não é nova. Aristóteles começa a Metafí-
biologia à lógica, passando sica falando a respeito de sensações e memórias, e sua teoria da ciência tem isso por base. Como ele também
pela metafísica diz, filosofa-se a partir da admiração surgida quando se presta atenção no modo de ser das coisas. Hoje, é
Estética, ética, metafísica, espantoso pensar que uma porção de matéria cinzenta sinta e pense, imagine e ame, e então produza filoso-
astronomia, biologia e
fias e obras de arte, por exemplo, ou ainda seja capaz de pensar a respeito de si própria.
filosofia foram alguns dos
temas e dos campos de O homem se surpreende com a incomensurabilidade da diagonal, mas, se é preciso, como Aristóteles diz,
interesse do pensador terminar no estado oposto e melhor, para o homem que sabe Geometria nada poderia causar mais espanto
grego Aristóteles, ainda
do que a diagonal tornar-se comensurável. Disso, surgiam novas questões e impasses, e assim a Geometria
no século IV a.C. Muitas
de suas reflexões foram grega foi levada adiante. Agora, diante de um órgão excepcionalmente complexo como o cérebro, certas
pioneiras e serviram como questões não mais surpreendem, mas o caminho a percorrer é tão vasto que fará a surpresa do geômetra
ponto de partida para os parecer pequena, embora ela esteja na origem da Filosofia.
conhecimentos atuais.
Outras, porém, permanecem
relevantes, seja porque são (KICKHÖFEL, Eduardo. As neurociências: questões filosóficas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 51-52.)
obras clássicas e merecem
a leitura, seja porque ainda 1. O texto inicia-se com uma menção à obra Metafísica, de Aristóteles, comentando que a “ideia não é nova”.
permanecem atuais.
Que ideia é essa e como ela influencia a Neurociência, na atualidade?
“A influência do pensamen-
to de Aristóteles nos dias A ideia refere-se à abertura de novos horizontes, necessária para a construção do conhecimento. Essa ideia de Aristóteles
de hoje é muito maior do
que imaginamos. A nossa continua válida na atualidade, pois, para conhecer, é preciso estar aberto a novas ideias.
forma de compreender o
mundo é influenciada pelo
pensamento de Aristóteles.
A própria forma como estru-
turamos o nosso raciocínio é 2. Segundo o texto, como a Geometria grega foi levada à diante?
profundamente influenciada
por Aristóteles, inclusive Diante de novas questões e impasses. O objetivo dessa questão é mostrar como o conhecimento é construído ao longo do tem-
quando consideramos que
estamos tirando uma con- po, sempre dialogando com pensamentos anteriores e atuais, criando ideias e impasses que impulsionam outras descobertas.
clusão. Isso que chamamos
hoje de raciocínio lógico tem Esse é o processo dialético.
uma forte influência de Aris-
tóteles”, diz a doutora em
Filosofia pela Universidade 3. Por que, diante das descobertas sobre o cérebro humano, “a surpresa do geômetra” parecerá pequena?
Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) Cíntia Martins Dias. Porque o estudo do cérebro revelará muitas descobertas que ainda nem podemos imaginar, ou seja, promoverá uma verdadeira
O raciocínio lógico a que
Cíntia se refere está relacio- abertura de novos horizontes.
nado ao que ficou conhecido
como lógica aristotélica, por
meio da qual é possível se
tirar conclusões a partir de
premissas verdadeiras, den-
tre outras leis que permiti-
riam a dedução. Aristóteles
não foi apenas o pioneiro
no estudo da lógica, como
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c) a substância, enquanto aquilo que é em si mesmo e enquanto A partir do texto citado, assinale o que for correto.
é suporte dos atributos. (1) Para Aristóteles, a verdade deve ser eterna e imutável.
d) o Ato Puro ou Primeiro Motor Imóvel, causa incausada e causa (2) Segundo Aristóteles, a filosofia é a única ciência verdadeira.
primeira e necessária de todas as coisas.
(3) Conhecer a causa de uma ação é conhecer a sua verdade.
99 Resposta: C
(4) Para Aristóteles, a verdade de algo se conhece por meio das
O item A está incorreto, pois a forma, para Platão, era a ideia. O item causas desse algo.
B está incorreto, pois a matéria é um princípio determinável. O item
C está correto, pois a substância, como substrato (Hypokheimenón) (5) Para Aristóteles, a ciência prática volta suas atenções para
é o suporte dos atributos, pois ela é o composto de matéria e forma. como as coisas estão dispostas e não para as causas destas.
O item D está incorreto, porque a teoria do Primeiro Motor Imóvel foi Soma (25 ) (01 + 08 + 16)
elaborada por Aristóteles. 99 Anotações
2. (UEL) A busca da ética é a busca de um “fim”, a saber, o do homem. Aristóteles concluiu que existem quatro causas necessárias que dão origem à
E o empreendimento humano como um todo envolve a busca
de um “fim”: “Toda arte e todo método, assim como toda ação e realidade e à possibilidade de conhecê-la.
escolha, parece tender para um certo bem; por isto se tem dito,
2. (UFU) No livro V da Metafísica, Aristóteles serviu-se das seguintes
com acerto, que o bem é aquilo para que todas as coisas tendem”.
palavras para definir acidente:
Nesse passo inicial de a Ética a Nicômaco está delineado o pensa-
mento fundamental da Ética. Toda atividade possui seu fim, ou em Acidente significa: (1) o que adere a uma coisa e dela pode ser
si mesma, ou em outra coisa, e o valor de cada atividade deriva afirmado com verdade, porém não necessariamente, nem habitual-
da sua proximidade ou distância em relação ao seu próprio fim. mente; por exemplo, se alguém ao cavar um buraco para plantar
uma árvore, encontra um tesouro. Esse fato – o encontro do tesou-
(PAIXÃO, Márcio Petrocelli. O problema da felicidade em Aristóteles: ro – é um acidente para o homem que cavou o buraco, pois nem
a passagem da ética à dianoética aristotélica no problema da
uma coisa provém necessariamente da outra ou vem depois dela,
felicidade. Rio de Janeiro: Pós-Moderno, 2002. p. 33-34.)
nem é habitual descobrir tesouros quando se planta uma árvore.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a ética em Aristó- (ARISTÓTELES. Metafísica [livro V, 30, 1025a 1-25] Trad. de
teles, considere as afirmativas a seguir. Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1969, p. 140.)
I. O “fim” último da ação humana consiste na felicidade alcançada
Com base na descrição de Aristóteles apresentada, explique qual
mediante a aquisição de honrarias oriundas da vida política.
é a causa responsável pelo acidente.
II. A ética é o estudo relativo à excelência ou à virtude própria do
homem, isto é, do “fim” da vida humana. O estudante deverá argumentar sobre o que é efêmero e transitório, sobre o
III. Todas as coisas têm uma tendência para realizar algo, e nessa inesperado que é o acidente. Mas que, em si, não afeta a essência do que se
tendência encontramos seu valor, sua virtude, que é o “fim”
de cada coisa. quer. O acidente é o que transcorre em um percurso e que não é esperado,
IV. Uma ação virtuosa é aquela que está em acordo com o dever, mas que, ainda assim, não altera a essência da ação que se quereria praticar.
independentemente dos seus “fins”.
Estão corretas apenas as afirmativas:
a) I e IV. 3. (UEM-2012) Na Metafísica, Aristóteles afirma: “O ser se diz de muitos
b) II e III. modos, mas se diz em relação a um termo único e única natureza
e não de modo equívoco. [...] uns são ditos ser porque são subs-
c) III e IV.
tâncias, outros porque são afecções de substâncias, outros porque
d) I, II e III. são um caminho para a substância, ou destruições, privações,
e) I, II e IV. qualidades, causas produtivas ou geradoras para a substância ou
99 Resposta: B
do que é dito relativamente da substância, ou são negações de
uma delas ou da substância; por esta razão dizemos inclusive que
O item I está incorreto, pois as honras dependem sempre da aprovação o não ser é não ser”.
dos outros. O item II está correto, pois a ética aristotélica estabelece a
causa final da existência humana, ou seja, a felicidade. O item III está (ARISTÓTELES. Metafísica, livro IV, cap. 2. In: FIGUEIREDO, V. Filósofos na
sala de aula. Volume 3. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2008. p. 33-34.)
correto, pois as virtudes são o fim último das ações humanas. O item IV
está incorreto, pois, para Aristóteles, a virtude não deve ser imposta de A partir do trecho citado, assinale a(s) alternativa(s) correta(s).
fora, mas deve partir da consciência de cada um em praticar o bem.
(1) Um ser pode ser a negação de uma substância.
(2) Do ser pode-se gerar uma substância, sem que isso que a
gerou seja necessariamente uma substância.
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EEE
DDD
EEE
DD
EEEE
Helenismo
DD
DD
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DDD
DDD
DDDDDDDD
Contexto histórico
Filosofia
mód. 06/08
06 Helenismo
START
“Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões
em que evitamos muitos prazeres, quando deles advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que
consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos
essas dores por muito tempo.
Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhi-
dos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser evitadas. Convém, portanto, avaliar todos
os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos
um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem”.
1. Na sua vida, há prazeres dos quais você abre mão por entender que este sacrifício
vale a pena? Quais?
Resposta pessoal.
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74 FIL
período, as colônias gre- mentos da cultura orien- Tirania dos Trinta: governo
oligárquico que substituiu a
gas da Ásia menor foram tal. Morreu em batalha, democracia de Atenas, após
entregues aos persas por invicto, na Babilônia, em a perda da Guerra do Pelo-
Esparta, em troca de ouro 323 a.C. Após a sua morte, poneso. Alguns dos tiranos
para financiar a guerra. seu reino passou por inú- eram parentes e amigos de
meras guerras civis até ser Platão, que pertencia à mais
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FIL 75
helenística, que consiste na mescla do pensamento grego com o oriental. O território que com-
preendia a Grécia antiga era chamado Hélade e, consequentemente, os gregos se autodenomina-
vam helenos, por isso se fala em helenismo ou cultura helenística.
Diferentemente do período clássico, que era influenciado pela vida pública e política, o pe-
ríodo helenístico passou, gradativamente, a se preocupar com a vida privada e individual. Novas
questões surgiram e modificaram o pensamento filosófico, que passou a investigar como ter
uma vida plena e feliz, apesar das intempéries e disputas políticas. Surgiram diversas escolas,
cada qual com suas próprias características, como o ceticismo, o estoicismo e o epicurismo. Em
geral, as escolas helenísticas dialogavam com os clássicos da Filosofia, especialmente Platão e
Aristóteles, ainda que os criticando e propondo novas ideias a partir das deles.
A escultura Grupo de Laocoonte De maneira geral, o Helenismo possui as seguintes características:
dos escultores Agesandro,
Atenodoro e Polidoro, data ●● Áreas de estudo – a filosofia helenística dividiu seus estudos de acordo com a proposta de
aproximadamente de 40 a.C. e
está localizada no Museu do Xenócrates, dirigente da Academia de Platão, em: lógica (estudo do raciocínio e do discurso
Vaticano. É um grande exemplo racional), física (estudo da natureza e da ontologia) e ética (estudo da natureza humana, da
da arte helenística.
vida plena e feliz).
●● Naturalismo ético – ao contrário de Platão e Aristóteles, os helenistas entendiam a lógica, a
física e a ética como áreas correlacionadas. Isso significa dizer que não é possível haver uma
ética sem uma física nem uma física sem a lógica. Assim, surgiu o que ficou conhecido como
naturalismo ético, ou seja, a ideia de que os princípios fundamentais da ação humana são
determinados pela natureza. Nesse sentido, a ética era a mais importante das três áreas de
estudo, pois ela conduziria à sophía (sabedoria).
●● Materialismo – diferentemente do platonismo e aristotelismo, a filosofia helenística recusa
a existência de entidades imateriais, como as Ideias de Platão ou o Intelecto de Aristóteles,
consideradas desnecessárias para compreender as estruturas e os fenômenos da natureza.
Nesse sentido, preocupavam-se muito mais com a vida prática do que com a vida contem-
plativa.
●● Sistemas ou doutrinas – como as três áreas de estudo dos filósofos helenísticos são corre-
lacionadas, o conteúdo da sua filosofia passa a ser organizado em sistemas ou doutrinas de
acordo com a orientação teórica que possuíam.
●● Fundação de escolas – os pensadores helenísticos se caracterizaram pela fundação de
escolas onde suas doutrinas seriam ensinadas. As escolas helenísticas se identificavam de
acordo com a posição teórica que defendiam, pois entendiam esse posicionamento como
uma questão de preferência por uma maneira específica de viver, ou seja, por uma questão
de escolha sobre o bem viver.
Sendo assim, a Filosofia Helenística se ocupou basicamente em definir regras racionais e uni-
versais para a conduta humana, cujo exemplo máximo seria a figura do filósofo como sábio ou
homem virtuoso, que está acima dos infortúnios da vida e em constante busca pela felicidade.
Para esses filósofos, a felicidade é uma espécie de sabedoria de vida. A Filosofia, nesse contex-
to, passa a ser medicina da alma, uma terapia para o bem viver.
A seguir, veremos as principais escolas helenísticas e suas características, a saber: ceticismo,
epicurismo e estoicismo.
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Thomas Stanley/Shutterstock
ceticismo defendia a ideia de que não havia contemplativo, completa-
mente nus, sobrevivendo
possibilidade de se formar um conhecimento
com o que a natureza lhes
seguro sobre a realidade. Pirro de Élida (365- oferecesse. Desprezavam
275 a.C.), fundador da escola cética, participou os bens materiais porque
da campanha de Alexandre, o Grande, na Ásia, acreditavam que eles
onde teve contato com os gimnosofistas, com prejudicavam a pureza do
pensamento.
os quais aprendeu a praticar ativamente a in-
diferença (adiaphoría) perante os tumultos da
Saiba mais
vida humana. Por isso, o ceticismo também é
conhecido como pirronismo. Para Epicuro, o sentido da
Assim como Sócrates, Pirro não deixou vida é o prazer e a finalida-
de do ser humano é atingir
nada escrito, sendo que o que se conhece a felicidade (eudaimonia).
sobre ele provém dos registros de seu aluno, Para isto, a Filosofia surge
Tímon de Flionte (320-230 a.C.). como instrumento prático
cujo papel é assegurar
O ceticismo rejeitava o pensamento de a tranquilidade de alma
Platão sobre o mundo inteligível em vez disso, (ataraxia) e a ausência da
concebia os objetos captados pela percepção dor corporal (aponía), além
sensível como fenômenos, ou seja, como aqui- de libertar o homem de
seus maiores medos. Dessa
lo que aparece aos sentidos sem uma essência
forma, no epicurismo, a fe-
anterior que os definam. Rejeitou, também, a licidade encontra-se dentro
distinção que Parmênides fez entre o ser e o do próprio homem, e sua
não-ser, deixando essa questão afastada de aquisição depende apenas
suas investigações (no processo conhecido dele. Esse estado de alma
Pirro de Élida, inaugurador da escola cética, defendia a impossibili- pode ser alcançado através
como epoché, como será visto a seguir). dade do conhecimento.
de condutas específicas que
Veja como Pirro e os céticos abordaram as áreas de estudo do helenismo: Epicuro postulou e transmi-
tiu aos seus alunos.
●● Física: definir a natureza das coisas. Para os céticos, as coisas não possuíam uma origem es-
O prazer é visto como um
tável, como as ideias platônicas; ao contrário, essa origem é instável, incerta e indeterminada bem supremo e último
e, por isso mesmo, não é possível distinguir o verdadeiro do falso a respeito dela. para o qual devem estar
●● Lógica: neutralização do juízo e indiferença. Devido à instabilidade e incerteza da origem das direcionadas todas as ações
de um indivíduo. Assim, este
coisas, o melhor a fazer é abster-se do julgamento (epoché, que, em grego, significa suspen- fim consiste numa forma
são do juízo), ou seja, manter-se sem opinião (indiferente). de livrar a alma humana da
●● Ética: silêncio, ausência de paixão e tranquilidade da alma. A aphasía (silêncio) é a recusa de dor e dos sofrimentos, por
isso, deve ser mediado, e
definições sobre o que é ou não é, é a suspensão do juízo afirmativo e negativo. A apatheia jamais descontrolado ou em
(ausência de paixão) é o estado imperturbável, em que se abstém de classificar os aconteci- excesso. Conforme Botelho
mentos como bons ou maus. Por fim, a ataraxia (tranquilidade da alma) é o estado em que menciona (2015, p. 128):
se vive o momento presente, sem se preocupar com o passado ou com o futuro, alcançando “Epicuro, de fato, afirmava
que o prazer é a fonte de
o silêncio interior. Esse estado de tranquilidade da alma é a felicidade do sábio.
todo bem; mas acrescentava
que a busca de prazeres
Epicurismo excessivos geralmente leva
ao sofrimento. Sua doutrina
pregava o autodomínio
Linha de pensamento fundada por Epicuro (341-270 a.C.), pensador ateniense que elevou o humano e a apreciação má-
prazer ao nível da sabedoria – o que gerou muita polêmica ao redor dessa escola. xima das pequenas alegrias
Epicuro, assim como Pirro, dizia ser necessário buscar da vida”.
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mas aqueles prazeres que afastam a insatisfação e a insta- XX, pelos fenomenologistas
bilidade constantes. Ele dizia, ainda, que era necessário fugir (especialmente Edmund
Husserl).
dos prazeres desnecessários, como beber uma taça de vinho.
Busto de Epicuro
FIL 77
Estoicismo
Desse modo, tudo está
ligado e não há nenhum
evento no mundo do qual
não se siga outro, como sua Fundada por Zenão de Cítio (336-264 a.C.), a Escola Estoica perdurou por quase cinco séculos,
consequência; e um evento até o século II d.C., com pensadores romanos, como Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio. O nome es-
posterior não pode estar toicismo provém de stoá, que em grego significa pórtico; como Zenão era estrangeiro em Atenas,
desassociado de eventos
anteriores, a ponto de não não podia adquirir imóveis na cidade e, portanto, ele ensinava sob um pórtico que havia na ágora,
ser uma consequência de em que qualquer pessoa podia passar.
um deles. Mas de tudo que Em linhas gerais, o estoicismo buscava a sabedoria pela harmonia do
acontece se segue alguma
outra coisa, que dela neces- homem com o divino. Zenão de Cítio, no campo da física, acredita-
sariamente depende como va que o mundo é um Todo uno, pleno e totalmente determinado,
Paolo Monti/W.Commons
de uma causa, e tudo que como um grande organismo animado – o que corresponderia ao
acontece tem algo anterior divino. Por isso, o estoicismo é determinista. O cosmo, para ele,
de que depende, como de
é um logos universal ou alma de deus. Tudo para ele é corpo,
uma causa.
exceto os quatro incorpóreos: o vazio, o tempo, o lugar e o
Pois nada no mundo existe
e acontece sem uma causa, discurso, que seriam espécies de pseudorrealidades que
porque nada nele está afetam apenas a superfície dos corpos, mas não sua pro-
desvinculado e separado de fundidade. Em outras palavras, os quatro incorpóreos são
tudo o que aconteceu antes. passageiros, enquanto o mundo é eternamente o mesmo.
Pois o mundo, eles dizem,
seria desarticulado e dividi- Outra ideia importante do estoicismo é o pensamento
do, e não mais permanece- chamado de inatismo, ou seja, não existe conhecimento
ria uma unidade, governado antes da experiência sensível, ou seja, os conceitos deri-
sempre conforme uma única
vam da experiência vivida – conceito que seria retomado
ordem e organização, se
nele fosse introduzida uma com os empiristas, no início da Idade Moderna. Na lógica
mudança sem causa [...] estoica, o juízo de fato toma lugar de proposições formais,
Eles dizem, com efeito, que pois ela é consequencialista, ou seja, as implicações são
ocorrer algo sem uma causa a manifestação dos acontecimentos (se é dia, há claridade
é tão impossível quanto algo por exemplo).
ocorrer a partir do que não
existe. Sendo de tal forma, Por fim, no campo da ética, os estoicos defendiam
o governo da totalidade dos uma vida o mais próxima possível da natureza, por isso
seres ocorre infinitamente, ficou conhecida como ética naturalista. Como o ser hu-
de modo evidente e sem
mano é dotado de razão e de paixão, é necessário de-
cessar [...]
senvolver o autocontrole para expurgar as emoções
Eles dizem que o próprio
destino, a natureza e a razão destrutivas e, assim, compreender o logos universal
de acordo com o qual o todo ou a alma divina. Para isso, é necessário atingir a ata-
é governado, é deus, e que raxia, ou seja, a tranquilidade da alma, aceitando os
está em todos os seres e infortúnios da vida como inevitáveis e se conforman-
acontecimentos, assim uti-
do com o destino para alcançar a liberdade. É na von-
lizando a natureza própria
de todos os seres para o tade de fazer o bem que cada um se torna coerente
governo do todo. consigo mesmo.
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Leia um trecho da música Get up, Stand Up, de Bob Marley, um dos maiores expoentes do
Reggae jamaicano.
Get up, stand up: stand up for your rights! Levante, resista: lute pelos seus direitos!
Get up, stand up: stand up for your rights! Levante, resista: lute pelos seus direitos!
[...] [...]
You can fool some people sometimes Vocês podem enganar algumas pessoas algumas
But you can’t fool all the people all the time vezes
So now we see the light Mas não podem enganar a todos o tempo todo
We’re gonna stand up for our rights! Então agora nós vemos a luz
E vamos lutar por nossos direitos!
1. A música de Bob Marley sugere que as pessoas adotem uma determinada postura de vida com relação ao
mundo e ao seu entorno. A concepção contida na música se assemelha ou se distancia da concepção da
filosofia cética sobre o mundo?
Apesar de a resposta ser relativamente pessoal em virtude do caráter interpretativo, espera-se que o aluno consiga captar
a grande diferença que há entre a concepção contida na música e o Ceticismo. Este está pautado na indiferença e na
neutralidade frente ao caos do mundo, ao passo que há na música um chamado à ação, isto é, ao posicionamento crítico
frente ao mundo.
2. Ao analisar os pensamentos contidos na música e aqueles propostos pelo Ceticismo, qual você acha que
contribui mais para a vida em sociedade? Por quê?
Resposta pessoal.
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EEE
Santo Agostinho: a Patrística • Santo Tomás de Aquino: a Escolástica • Franciscanos: a crítica à Escolástica tradicional
Filosofia
mód. 07/08
Filosofia
07
Medieval:
Santo
Agostinho e
Santo Tomás
de Aquino
START
O período medieval é marcado pela oposição entre fé e razão. Leia a frase de Santo Agostinho
e responda às questões.
“Aqueles que chegam a descobrir as verdades divinas não as conseguem senão após diuturna investigação.
Tal acontece devido às profundezas das mesmas, pois somente um longo trabalho torna o intelecto apto a
compreendê-las por via da razão natural.”
Santo Agostinho
1. Fé e razão podem contribuir para o conhecimento? A filosofia medieval surge da
necessidade da fundamen-
tação do cristianismo para
seu fortalecimento diante
das doutrinas pagãs. Com a
Patrística e, posteriormente,
com Santo Agostinho, tem-
-se o início da absorção de
2. O conhecimento é uma construção humana ou iluminação divina? conceitos da filosofia para o
campo da teologia.
FIL 83
Teologia
Agostinho buscou apresentar a prova da
existência de Deus na obra O Livre-Arbítrio.
O ser humano conhece pela razão, que por
ser intelectiva é capaz de investigar, pensar,
GOZZOLI. Batismo de Santo Agostinho por Santo
Ambrósio de Milão, século XV. analisar e refletir. Enfim, ele observa o mundo
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Conhecimento
da por Deus aos homens, livrando-os do peca-
note_yn/Shutterstock
do pela iluminação. Bastante célebre é a frase
de Agostinho: “Senhor, livrai-me dos desejos da
carne, mas não ainda!”. O homem é pecador e A teoria do conhecimento de Santo
por isso precisa da graça divina para se salvar. Agostinho é elaborada numa forma de condu-
Na frase, notamos a ideia de que mesmo a sal- ção do homem a Deus. O conhecimento sensível
vação possui um tempo para ser concretizada. consiste na sensação provocada pelo contato
de um dos sentidos com um objeto corporal.
O homem pecador em Agostinho também Assim a visão conhece cores, o olfato conhece
pode ser representado na frase: “fallor, ergo odores, o tato conhece a textura de um objeto, O café tem um odor bastante
sum”, que traduzida ficaria: “engano-me, logo e assim por diante.
particular que podemos per-
ceber pelo nosso olfato. Reco-
existo”. Se o homem se engana, é porque dese- nhecer algo com esse sentido
ja conhecer, e se deseja conhecer, precisa estar O conhecimento se faz pelos sentidos cor- é o que podemos chamar de
póreos, mas a sensação provocada é operada conhecimento sensível.
vivo. É importante perceber que essa frase an-
tecipa-se em muitos séculos à famosa frase do pela alma. Ou seja, a impressão que temos do
filósofo francês René Descartes: “cogito, ergo odor, do contato, da visão, e que se processa
sum” (Penso, logo existo). em nossa mente é uma atividade da alma. O Biografia
estímulo ao conhecimento vem de fora, mas o
René Descartes (1596-1650)
Antropologia
verdadeiro conhecimento se faz dentro.
foi um filósofo francês
O verdadeiro conhecimento é aquele no que inaugurou a filosofia
qual sentimos em nosso interior a evidência da moderna.
Para Agostinho o ser humano é uma uni-
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dade substancial de corpo e alma, tal como verdade. Ou seja, não é que alguém externo ou
os animais. Mas como então diferenciar o alguma coisa nos ensina algo, o externo ape-
ser humano do animal? A diferença está na nas nos estimula a descobrir a verdade. Essa é
a ideia do mestre interior.
FIL 85
Homens e a Cidade de
a Deus, a alma não pode com justiça imperar
com o corpo, nem a razão sobre as paixões. E,
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Média.
no fato de um ente ser causado pela ação de
Para Tomás de Aquino, a teologia não outro. Verifica-se que é impossível compreen-
substitui a filosofia, ambas são modos de se der completamente este mundo, sem admitir,
alcançar uma realidade única. A razão apa- acima dele, um princípio realmente existente
rece como uma natureza criada por Deus e a e atuante, que lhe fundamente a existência:
fé como a revelação de Deus. A teologia é de Deus.
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Paramount Pictures
sua defesa da separação e da distinção entre filosofia e teologia. Para ele, a filosofia estuda o ente
e os conceitos especulativos, enquanto a teologia limita-se aos objetos da fé e aprofunda aquilo
que Deus nos revelou.
E as críticas de Scott não param por aí. O franciscano acusa a filosofia escolástica de ir contra
Deus ao postular a existência de uma ordem natural no Universo, e que esta ordem é racional.
Afirmar que Deus precisa criar uma ordem racional significa que Deus está submisso à raciona-
Irmão Sol, Irmã Lua lidade intelectualista do homem. Para Scott, Deus pode criar qualquer ordem. E isso se revela
Ano: 1972 inclusive nos Mandamentos do Antigo Testamento da Bíblia, como: “Não matarás”. Dizer que “Não
matarás” seria uma lei natural também significaria ir contra Deus, pois este poderia ter criado
Diretor: Franco Zeffirelli
qualquer outro mandamento. É incrível, portanto, como Duns Scott consegue abalar inclusive a
Sinopse: Retrata a vida
de São Francisco de Assis, moral cristã tradicional.
desde o momento em que Mas então ficaria a dúvida: Duns Scott autoriza os cristãos a desobedecerem às leis bíblicas? A
é tocado pela guerra e pela resposta é não. O objetivo de Duns Scott é que os cristãos aprendam a praticar a moral cristã não
doença que passam a asso-
lar o lugar onde ele vive, in- por racionalidade, mas porque são leis criadas por Deus, e por isso devem ser obedecidas. Não se
fluenciando sua decisão em discute o porquê do mandamento, apenas se pratica, por amor a Deus, e não por racionalidade.
levar uma vida espiritual, Em relação ao amor a Deus, aqui surge outra contribuição importantíssima de Scott: o con-
até a difusão de suas ideias
que culminam em uma ida a ceito de haecceitas, ou ecceidade. Para os escolásticos a natureza divina está na humanidade em
Roma para um diálogo com geral. Para Scott ela está na singularidade, ou seja, a essência divina se constitui de modo distinto
o Papa Inocêncio III. em cada pessoa.
Outro importante filósofo franciscano foi Guilherme de Ockham, que introduziu o nominalis-
Warner Bros
mo na filosofia. O nominalismo critica a filosofia por estudar apenas nomes, signos, símbolos. Isto
é, a filosofia não estuda o homem, mas o conceito de homem, a ideia de homem, não o homem
real.
O estudo desses signos, aliás, estaria tão repleto de símbolos e conceitos intermediários, que
grande parte deles torna-se desnecessária. Daí surge a célebre Navalha de Ockham, que podemos
sintetizar como um princípio de economia, isto é, para definirmos algo devemos utilizar apenas
O Nome da Rosa
aqueles requisitos essenciais, retirando, ou seja, cortando com a navalha todos os excedentes.
Ano: 1986 Quanto menos atributos precisarmos para explicar algo, melhor.
Diretor: Jean-Jaques Annaud
Mas como já afirmamos, a natureza de algo somente poderia ser alcançada pela fé. Esta é a
Sinopse: Em um mosteiro
famosa separação brusca entre filosofia e teologia, razão e fé, já iniciada por Duns Scott. A filoso-
no norte da Itália, no ano de
1327, uma série de assassina- fia estuda os signos, os conceitos universais, mas somente a fé acessa a verdade criada por Deus.
tos faz nascer o questiona- O efeito incrível que decorre dessa separação é que ela abre portas para as origens da ciência
mento: foram esses crimes
moderna. Se a filosofia e a razão possuem caminhos e objetos próprios para conhecer, totalmen-
praticados por um homem
ou foi obra do demônio? te separados da fé, significa também que a razão pode operar livremente sem se submeter às re-
Essa discussão fará levantar gras da teologia, como foi comum acontecer em toda a Idade Média. Sem essa separação é difícil
a questão sobre razão e fé, afirmar até que ponto seria possível toda a revolução científica e filosófica que apresentaremos
em que o monge franciscano no próximo capítulo.
William de Bakersville sai
em busca do autor desses
Guilherme de Ockham/W.Commons
Santo Agostinho
Ano: 1972 Guilherme de Ockham (1285-1347), inglês, ingressou ainda
Diretor: Roberto Rosselini jovem na Ordem Franciscana, onde dedicou seus estudos à
filosofia. Lecionou na Universidade de Oxford, onde conhe-
Sinopse: Filme do respei- ceu Duns Scott, tornando-se seu discípulo. Sua doutrina
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90 FIL
1. Leia as letras das canções a seguir para responder ao que se pede. Levar o áudio das duas
canções para ouvi-las com a
turma e tematizar cada uma
delas, separadamente, le-
Texto 1 Ô-ô vantando as interpretações
No calor do verão dos alunos. Em seguida,
Andar com fé solicitar a resolução dos
A fé tá viva e sã exercícios propostos.
Gilberto Gil A fé também tá pra morrer
Andar com fé eu vou, [...]
que a fé não costuma “faiá” Texto 2
Que a fé tá na mulher Fé cega, faca amolada
Aline Macedo
A fé tá na cobra coral Milton Nascimento
Ô-ô Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada
Num pedaço de pão Agora não espero mais aquela madrugada
Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser faca amolada
Raymond Asseo
A fé tá na maré
Na lâmina de um punhal O brilho cego de paixão e fé, faca amolada
Deixar a sua luz brilhar e ser muito tranquilo
Ô-ô Deixar o seu amor crescer e ser muito tranquilo
Na luz, na escuridão Brilhar, brilhar, acontecer, brilhar, faca amolada
Andar com fé eu vou, Irmão, irmã, irmã, irmão de fé, faca amolada
que a fé não costuma “faiá” Plantar o trigo e refazer o pão de cada dia Gilberto Gil e Milton Nascimento
Andar com fé eu vou, são dois grandes nomes da
Beber o vinho e renascer na luz de todo dia Música Popular Brasileira (MPB).
que a fé não costuma “faiá” A fé, a fé, paixão e fé, a fé, faca amolada Esses músicos tiveram um papel
Andar com fé eu vou, relevante no cenário político e
O chão, o chão, o sal da terra, o chão, cultural do Brasil, sendo referên-
que a fé não costuma “faiá” faca amolada cias até hoje.
Andar com fé eu vou, Deixar a sua luz brilhar no pão de todo dia
que a fé não costuma “faiá” Deixar o seu amor crescer na luz de cada dia
Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser
A fé tá na manhã
muito tranquilo
A fé tá no anoitecer
O brilho cego de paixão e fé, faca amolada
a) A questão da fé é debatida intensamente pela humanidade de vários modos. A filosofia e a música são
duas maneiras de explicitar reflexões e posicionamentos. Qual é a importância dada à fé pela Patrística,
pela Escolástica e pelos autores das músicas?
Em todos os casos há a centralidade da fé na condução da vida. No caso das correntes filosóficas, a fé é elemento
fundamental na busca pelo conhecimento do mundo e da verdade, ao passo que nas músicas, a fé se apresenta como
elemento do cotidiano.
b) Assinale as afirmativas verdadeiras.
(1) Enquanto no texto 1 a fé está em todos os lugares, no texto 2 ela está no pão de cada dia.
(2) Ambos os textos defendem a fé como fundamental para se acreditar na vida.
(3) Enquanto o texto 1 aborda a fé como essencial à vida, o texto 2 a aponta como perigosa, pois pode
gerar paixões cegas.
(4) No texto 1, a fé é infalível e no texto 2, é perigosa.
(5) Enquanto o texto 1 aponta a escolha do autor a viver em conformidade com a fé, o texto 2 aponta
as decisões humanas como fundamentais para a vida.
Soma (28 ) 04+08+16
c) Com qual dos textos anteriores você concorda? Justifique sua resposta.
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FIL 91
92 FIL
FIL 93
GABARITO ONLINE
1. Faça o download do aplicativo SAE Questões ou qualquer aplicativo
de leitura QR Code.
2. Abra o aplicativo e aponte para o QR Code ao lado.
3. O gabarito deste módulo será exibido em sua tela.
94 FIL
EE
Período
M MM
MMM
EE
MMM
EEE
MMMM M
EEE
M
EEE
MMM
MMM M
MMMM M
MMMM
Renascentista
MMMMMMM
M
Contexto histórico
Filosofia
mód. 08/08
08
Filosofia
Moderna: o
humanismo
de Maquiavel
START
Nicolau Copérnico
Monumento em homenagem a
Copérnico, na Polônia.
FIL 95
Humanismo Renascentista
O que foi o humanismo renascentista? Seria
um tipo de filosofia? Um movimento artís-
tico? Seria toda a produção intelectual do
Renascimento? Pois bem, para responder a
essa dúvida, primeiro temos que entender o
que cada uma destas palavras (humanismo
e renascentista) representa individualmente. GIOTTO, Bondone di. N º 36 Cenas da Vida de Cristo 20.
Comecemos por humanismo. Lamentação, 1304-09. Afresco. 200 x 185 cm.
Giotto, artista considerado o precursor da pintura renascen-
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A expressão humanista remonta ao sécu- tista, inovou ao introduzir a ideia de perspectiva na pintura
lo XV e era utilizada para referir-se a todo pro- desse período.
fessor ou cultor da gramática, retórica, poesia, O homem renascentista, portanto, sentia-
história e filosofia moral. Estas disciplinas -se como um verdadeiro renovador do espírito
humano. Cultivar o espírito greco-romano não
96 FIL
Percurso histórico
Quadro que ilustra Pico della M
irandolla,
Petrarca séc. XVI. Autor desconhecido.
Giovanni Pico della Mirandolla (1463-1494)
enalteceu o homem como poucas vezes se viu
na história do pensamento ocidental. É dele
que surge a doutrina da dignidade do homem:
“magnum miraculum est homo”, ou “o homem é
um grande milagre”.
Pico della Mirandolla viu que todas as ou-
tras criaturas são determinadas a serem ape-
nas aquilo que são, já possuem uma essência
fixa que as impossibilita de se guiarem para
qualquer outra coisa. Assim, uma árvore, um
peixe ou um pássaro nunca sairão do ciclo de
vida do qual nasceram. Já o homem recebeu
uma natureza não predeterminada, que o pos-
sibilita construir-se, que o permite tanto rebai-
xar-se ao nível das feras como elevar-se acima
CASTAGNO, Andrea del. Francesco dos anjos. Pico della Mirandolla afirma, como
Petrarca, c. 1450. Afresco transferido
para a madeira. 247 x 153 cm. se fosse Deus falando:
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Tito/W.Commons
sua obra após o período
de exílio e prisão causado ter ao interpretar Maquiavel é que o italiano
sob acusação de traição à não era defensor do autoritarismo, do despo-
família Médici. O Príncipe tismo ou do uso da crueldade, esses meios só
é escrito em homenagem a seriam lícitos quando surgissem como as úni-
Lorenzo de Médici, para que
sirva de manual de como cas ou melhores vias. Nicolau Maquiavel pos-
governar. Uma maneira de, suía uma visão bastante peculiar dos homens.
assim, mostrar que as acu- Ele escreve:
sações feitas a ele no passa-
do poderiam ser falsas.
Leonardo da Vinci
um problema: como afirmar e conservar o po-
der no Estado.
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98 FIL
Leonardo Da Vinci/W.Commons
que anima os corpos, tornando-os vivos. conhecimento, aquilo que Leonardo definia
Porém, Leonardo da Vinci não faz qualquer como cogitatione mentale (cogitação mental).
análise metafísica. O indivíduo que faz experiência e aprende a
construir determinado objeto não necessaria-
Para ele, é pela experiência e pela mate-
mente compreende o que fez. Para aquela ex-
mática que se pode conhecer a natureza, e
periência funcionar significa que há uma razão
não mais pela fé, pois a natureza possui uma
para isto, ou seja, uma explicação que diga por
ordem perfeitamente matemática. Leonardo
que funcionou. E esta explicação é matemática.
se definia como um “homem sem letras”, para
dizer que sua formação era prática, nas ofi- A elevação da experiência como fator fun-
cinas com grandes mestres artesãos, e não damental para o conhecimento é uma das mar-
trancafiado em bibliotecas como era de cos- cas da ciência moderna. Porém, isto se fez com
Estudos de Leonardo acerca da
tume entre os grandes pensadores da época. outro grande diferencial, este sim ausente em anatomia humana.
Foi nesse mundo prático que Leonardo desco- Leonardo: o método científico. Leonardo anali-
briu que a observação pelos sentidos ensinava sava a experiência com a matemática, mas a
muito ao homem. Era isso que ele chamava de matemática ainda não era o método científico,
esperientia, o saber prático, conectado ao mun- embora ela seja um elemento essencial para a
do. Não basta só discursar, é preciso produzir comprovação de experimentos.
o conhecimento por meio da aplicação prática
das teorias.
Leonardo Da Vinci/W.Commons
Biografia
Loius/W.Commons
VINCI, Leonardo da. A Última Ceia, 1495-1498. Têmpera sobre mural. 460 x 880 cm.
Giordano Bruno foi um frade
Acima, da esquerda para a direita: esboço feito em carvão de A Última Ceia; estudos de Leonardo sobre os apóstolos para o quadro. Abaixo, a
obra original, que demorou dois anos para ser concluída. dominicano e estudioso
de filosofia que acabou
morrendo na fogueira
Giordano Bruno condenado pela Inquisição
devido a várias de suas
A obra de Giordano Bruno (1548-1600) foi altamente polêmica, pois partia da aceitação da teo- ideias, contrárias aos
preceitos da Igreja Católica.
ria heliocêntrica de Copérnico e da infinitude do Universo. Para Bruno, o Universo é uno e origina-
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FIL 99
A Revolução Científica
Por Revolução Científica entende-se geralmente o período que vai da publicação de De re-
volutionibus orbium coelestium, de Copérnico, em 1543 até a publicação de Philosophiae naturalis
principia mathematica de Newton, em 1687. Neste período o mundo modifica-se por completo,
não é apenas a antiga cosmologia de Aristóteles e Ptolomeu, corroborada pela tradição cristã,
que desaba, mas a própria imagem do mundo se renova.
Carlos/W.Commons
Astrhu/W.Commons
Ilustração da Teoria do Heliocentrismo proposta por Desenho que ilustra o Geocentrismo de Ptolomeu.
Copérnico, que marca o início da Revolução Científica.
Giovanni Reale oferece uma ideia desse impacto:
Biografia
Ptolomeu (90-168) foi um Durante os 150 anos que decorrem entre Copérnico e Newton, não é apenas a imagem do mundo que se
cientista grego que estudou transforma. Vinculada a essa transformação, dá-se também a mudança – que também foi lenta e tortuosa,
Matemática, Astrologia, mas decisiva – das ideias sobre o homem, sobre a ciência, sobre o homem de ciência, sobre o trabalho cien-
Astronomia, Geografia e
Cartografia. Sua teoria sobre tífico e as instituições científicas, sobre as relações entre ciência e sociedade, entre ciência e filosofia e entre
os astros foi amplamente saber científico e fé religiosa.
utilizada até o surgimento
do heliocentrismo de Nico-
lau Copérnico, no século XVI. (REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. 2.ed. São Paulo: Paulus, 1990. v. 2. p. 186.)
É notável, por exemplo, que de Ptolomeu (século I a.C.) até Copérnico (século XVI) o modelo as-
Biografia tronômico manteve-se o mesmo, mas apenas 60 anos depois da publicação da obra de Copérnico
nada mais além do fato de o Sol ser o centro restava de sua teoria, todo o restante havia sido
Werds/W.Commons
superado por pensadores posteriores. Porém, será que todo esse progresso seria possível sem
Copérnico, tendo em vista que antes dele tudo estava intacto por 15 séculos?
Nicolau Copérnico
Nicolau Copérnico (1473-1543) pode ser A cosmologia antiga, construída com bases
considerado o ponto de chegada da velha na física aristotélica e na matemática ptolomai-
cosmologia científica e o ponto de partida da ca, de um Universo estático e com a Terra ao
nova. Isto porque, embora sua obra conserve centro, não convencia Copérnico. Além disso,
Nicolau Copérnico foi um ainda vários princípios defendidos pelos ma- sendo um matemático, seus cálculos e ob-
astrônomo e matemático temáticos e astrônomos antigos, ela também servações dos movimentos dos planetas, por
polonês que desenvolveu
apresenta uma quebra de paradigma funda- exemplo, o conduziam a conclusões bastante
a teoria do heliocentrismo,
que coloca o Sol como mental: a Terra está em movimento e não é o diferentes daquelas que por séculos foram
centro do Universo. Estudou centro do Universo, o que constitui a necessi- difundidas.
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100 FIL
Galileu Galilei
cas, meios sem os quais é impossível entender feitos. Por suas invenções e
humanamente suas palavras: sem tais meios, descobertas foi condenado à
vagamos inutilmente por um escuro labirinto. prisão perpétua e retratação
A vida de Galileu Galilei (1564-1642) é o dra- pública pela Igreja Católica,
ma do nascimento da ciência moderna. Galileu além de ter todos os seus
transformou a si próprio em instrumento de livros listados no Index, a
luta contra a tradição dogmática que estabe- lista dos livros proibidos.
(REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da
filosofia. 2.ed. São Paulo: Paulus, 1990. v. 2. p. 186.)
Mesmo assim, conseguiu
lecia uma verdade absoluta, inquestionável. converter sua pena em
Galileu defendeu com todas as suas forças a O conhecimento deriva da matemática, confinamento, o que pos-
teoria copernicana, provando com demons- porque o mundo está escrito em linguagem sibilitou a continuidade de
trações concretas a sua verdade frente à seus estudos.
matemática. Assim, Galileu inaugura um novo
Física aristotélica-ptolomaica e as palavras das
Hgbter/W.Commons
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FIL 101
Andreas Cellarius/W.Commons
vações empíricas dos fatos e por outro temos
uma análise lógica e rigorosa destes fatos. Eis
o nascimento da ciência moderna.
Isaac Newton
KNELLER/W.Commons
O significado filosófico da
Revolução Científica
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102 FIL
Fordkiu/W.Commons
conceituais definitivos, tal como defendia a metafísica de
Aristóteles. Era a busca pela substância, aquela parte que
define o que é o ser. No entanto, Galileu demonstrará que
esta procura muito provavelmente é infrutífera, pois no
máximo conseguimos descrever os fenômenos. A partir de
Galileu tornou-se mais importante descobrir aqueles ele-
mentos que podem ser observados e quantificados do que
Giordano Bruno
verdades absolutas. Como sintetiza Giovanni Reale: “não é
Ano: 1973
mais o que, mas o como; não é mais a substância, mas sim a
Diretor: Giuliano Montaldo
função, que as ciências galileana e pós-galileana passariam
a indagar”. As duas maiores correntes filosóficas da Idade Sinopse: Retrata o processo
contra Giordano Bruno, até
Moderna, o Racionalismo e o Empirismo, são amplamen- sua morte na fogueira em
René Descartes, filósofo racionalista. te influenciadas pela Revolução Científica e o advento do 1600. O filme traz várias
HALS, Frans. René Descartes, 1649. Óleo sobre tela. método. ideias de Giordano Bruno e
69 × 78 cm.
o espírito renascentista que
Como resumo, poderíamos dizer que a Revolução Científica foi a passagem do conhecimento com ele já eclodia, acaban-
das essências para o conhecimento dos fenômenos, buscando descrevê-los. É ainda a passagem do por afrontar as ideias
do discurso apenas filosófico e teológico para a experimentação, para a necessidade de se aplicar seculares da Igreja Católica.
no mundo as teorias e comprová-las com rigor e técnica, utilizando instrumentos sempre mais
Columbia Pictures.
precisos.
Carlos/W.Commons
Charles Singer/W.Commons
O Código Da Vinci
Ano: 2006
Diretor: Ron Howard
Sinopse: Apesar de ser um
romance policial, que se uti-
liza do Renascimento para o
enredo, é aconselhado para
se familiarizar com algumas
ideias desse período e de
Leonardo da Vinci.
Paramount Pictures.
Bússola de Galileu Reprodução do telescópio de Isaac Newton
Na Idade Média os grandes sábios eram os intelectuais teóricos das universidades e das igre-
jas. Na Idade Moderna passam a ser os homens técnicos e práticos no mundo externo, inventan-
do, testando e aplicando teorias na prática.
O método científico é a possibilidade de testar uma hipótese, que sempre parte da imagi-
Lutero
nação, da teoria, portanto, da intelectualidade, obedecendo sempre a etapas e procedimentos
Ano: 2003
rigorosos. Os testes podem ser aplicados e comprovados ou rejeitados, e os resultados descritos
Diretor: Eric Till
nos mínimos detalhes. O método garante um caminho, uma ordem de se fazer ciência e que in-
clusive permite que outros entendam o que o cientista fez, para depois contestá-lo ou aprofundar Sinopse: O filme traz a
história de Lutero, desde o
o trabalho iniciado. momento em que é quase
atingido por um raio e,
Representação de Galileu Galilei utilizan- acreditando este ser um
do um telescópio, em 1620, aproximada- chamado divino, dirige-se
mente. Artista desconhecido.
ao mosteiro onde passa
a praticar a religiosidade.
Porém, descontente com
algumas ideias da Igreja
Católica, passa a contestá-
-las, gerando as 95 teses de
contestação de preceitos
New York Public Library Picture Coll/Getty Images
da Igreja e divulgando-as à
população alemã.
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FIL 103
O texto a seguir apresenta dois conceitos fundamentais da política inaugurada por Nicolau
Maquiavel, com a obra O príncipe, comparadas ao esporte favorito dos brasileiros: o futebol. Mas
a análise é feita com base na derrota da seleção brasileira por 7 x 1 contra a Alemanha, na Copa
de 2014.
Virtù e fortuna
Muitos viram na goleada a vitória da técnica sobre o
instinto, mas do futebol nunca se exclui a sorte
Renato Janine Ribeiro, O Estado de S. Paulo
1. De acordo com o texto lido e com seus conhecimentos sobre o pensamento de Maquiavel, assinale V para
as afirmativas verdadeiras e F para as falsas.
( V ) Na obra O príncipe, Maquiavel fala sobre como o governante deve conquistar e manter-se no poder.
( V ) O bom governo do príncipe depende da fortuna e da virtú.
( V ) Comparando o futebol com o pensamento de Maquiavel, o autor do texto afirma que to kick (chutar)
equivale a virtú e quicar, a fortuna.
( F ) No futebol, to kick é a sorte ou o azar do time, enquanto quicar é uma virtude de cada jogador.
( V ) Virtú é uma ação deliberada e fortuna é a obra do acaso.
104 FIL
FIL 105
Que ela não sai de nosso mundo louco. O texto, extraído da carta escrita por Galileu (1564-1642) há cerca
Mostrou-se-lhe também o que era seu, de 30 anos antes de sua condenação pelo Tribunal do Santo Ofício,
O tempo e as muitas obras que perdia, discute a relação entre ciência e fé, problemática cara no século
(...) Viu mais o que ninguém suplica ao céu, XVII. A declaração de Galileu defende que
Pois todos cremos tê-lo em demasia: a) a Bíblia, por registrar literalmente a palavra divina, apresenta
Digo o siso, montanha ali mais alta a verdade dos fatos naturais, tornando-se guia para a ciência.
Que as erguidas do mais que aqui nos falta. b) o significado aparente daquilo que é lido acerca da natureza
na Bíblia constitui uma referência primeira.
(ARIOSTO, Ludovico. Orlando Furioso. São Paulo: Atelier, 2002. p. 261.)
c) as diferentes exposições quanto ao significado das palavras
O trecho acima, de um livro de 1516, narra parte de uma viagem bíblicas devem evitar confrontos com os dogmas da Igreja.
imaginária à Lua. Lá, o personagem encontra o que não há na Terra d) a Bíblia deve receber uma interpretação literal porque, desse
e não encontra o que aqui há em excesso. Pode-se identificar o modo, não será desviada a verdade natural.
caráter humanista do texto na
e) os intérpretes precisam propor, para as passagens bíblicas,
a) certeza, de origem cristã, de que a reza (suplicar ao céu) é a
sentidos que ultrapassem o significado imediato das palavras.
única forma de se obter o que se busca.
b) constatação da pouca razão (siso) e da grande loucura existente 3. C1:H4 (Enem) O texto foi extraído da peça Tróilo e Créssida de
entre os homens. illiam Shakespeare, escrita, provavelmente, em 1601.
W
“Os próprios céus, os planetas, e este centro reconhecem graus,
c) aceitação da limitada capacidade humana de fazer poesia (o
prioridade, classe, constância, marcha, distância, estação, forma,
verso meu não dura).
função e regularidade, sempre iguais; eis porque o glorioso astro
d) percepção do desleixo e da indiferença humanos (o tempo e Sol está em nobre eminência entronizado e centralizado no meio
as muitas obras que perdia). dos outros, e o seu olhar benfazejo corrige os maus aspectos dos
e) ambição dos homens em sua busca de bens (Mil coisas de que planetas malfazejos, e, qual rei que comanda, ordena sem entraves
andamos à procura). aos bons e aos maus.” (personagem Ulysses, Ato I, cena III).
99 Anotações: SHAKESPEARE, W. Tróilo e Créssida. Porto: Lello & Irmão, 1948. A
descrição feita pelo dramaturgo renascentista inglês se aproxima
O texto demonstra que existe mais razão na lua do que na Terra. da teoria a) geocêntrica do grego Claudius Ptolomeu.
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