Alfabetizacao e Letramentos Multiplos Co
Alfabetizacao e Letramentos Multiplos Co
Alfabetizacao e Letramentos Multiplos Co
LíNguA PORtuguESA
VOLuME 19
ENSINO FuNDAMENtAL
COLEÇÃO EXPLORANDO O ENSINO
Vol. 1 – Matemática
Vol. 2 – Matemática
Vol. 3 – Matemática
Vol. 4 – Química
Vol. 5 – Química
Vol. 6 – Biologia
Vol. 7 – Física
Vol. 8 – Geograia
Vol. 9 – Antártica
Vol. 10 – O Brasil e o Meio Ambiente Antártico
Vol. 11 – Astronomia
Vol. 12 – Astronáutica
Vol. 13 – Mudanças Climáticas
Vol. 14 – Filosoia
Vol. 15 – Sociologia
Vol. 16 – Espanhol
Vol. 17 – Matemática
Vol. 18 – Ciências
ISBN 978-85-7783-043-5
LíNguA PORtuguESA
Ensino Fundamental
Brasília
2010
Secretaria de Educação Básica Coordenação da obra
Egon de Oliveira Rangel
Diretoria de Políticas de Roxane Helena Rodrigues Rojo
Formação, Materiais Didáticos
e de Tecnologias para Autores
Educação Básica Anna Christina Bentes da Silva
Ceris Salete Ribas da Silva
Coordenação-Geral de Materiais Delaine Caiero Bicalho
Didáticos Egon de Oliveira Rangel
Elizabeth Marcuschi
Equipe Técnico-pedagógica Jacqueline Peixoto Barbosa
Andréa Kluge Pereira Hércules Toledo Corrêa
Cecília Correia Lima Maria Zélia Versiani Machado
Elizangela Carvalho dos Santos Roxane Helena Rodrigues Rojo
Jane Cristina da Silva
José Ricardo Albernás Lima UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO
Lucineide Bezerra Dantas PAULO – UNIFESP
Lunalva da Conceição Gomes Instituição responsável pelo processo
Maria Marismene Gonzaga de elaboração dos volumes
APRESENTAÇÃO ..................................................................................................
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 9
Capítulo 1
Alfabetização e letramentos múltiplos: como alfabetizar letrando? .................15
ROXANE ROJO
Capítulo 2
O processo de alfabetização no contexto do ensino fundamental de
nove anos ........................................................................................................... 37
CERIS SALETE RIBAS DA SILVA
Capítulo 3
Escrevendo na escola para a vida ...................................................................... 65
BETH MARCUSCHI
Capítulo 4
Letramento e leitura: formando leitores críticos .............................................. 85
DELAINE CAFIERO
Capítulo 5
Literatura no ensino fundamental: uma formação para o estético .................107
MARIA ZÉLIA VERSIANI MACHADO
HÉRCULES TOLEDO CORRêA
Capítulo 6
Linguagem oral no espaço escolar: rediscutindo o lugar das práticas e
dos gêneros orais na escola ..............................................................................129
ANNA CHRISTINA BENTES
Capítulo 7
Análise e relexão sobre a língua e as linguagens: ferramentas para
os letramentos ..................................................................................................155
JACQUELINE PEIXOTO BARBOSA
Capítulo 8
Educação para o convívio republicano: o ensino de Língua Portuguesa pode
colaborar para a construção da cidadania?..................................................... 183
EGON DE OLIVEIRA RANGEL
Apresentação
Ministério da Educação
Coleção Explorando o Ensino
8
Introdução
Os temas abordados
14
Capítulo 1
Alfabetização e
letramentos múltiplos:
como alfabetizar letrando?
Roxane Rojo*
3
Entre outras coisas, eu diria, porque a fonologia das línguas deles é diferen-
te da do português do Brasil, mas também porque muitos dos países citados
apresentam problemas semelhantes em relação ao alfabetismo funcional e aos
letramentos (ver, a respeito, RIBEIRO [1997]. Disponível em: <htp://www.scielo.
br/pdf/es/v18n60/v18n60a8.pdf>. Acesso em: jun. 2009).
17
crítica e competentemente textos mais complexos, inclusive multimo-
dais4. E que leitura e práticas letradas se fazem sobre textos, e não
sobre fonemas. Logo, não bastaria alfabetizar pelo método fônico (ou
por qualquer outro), para alcançar melhores resultados em exames
centrados em leitura, como o Pisa, o Enem5 ou a Prova Brasil6.
Na verdade, o problema está na distinção entre alfabetizar e
letrar. Por isso iniciei este texto retomando esta já velha polêmica
provocada pelo economista: porque estou interessada em retomar a
questão, também já bastante discutida, mas em constante mudança
e efervescência, que é a de como alfabetizar letrando.
4
Por enquanto, estou me referindo a “textos multimodais” simplesmente como
aqueles que envolvem, conjuntamente, mais de um tipo de linguagem além da
verbal, como é o caso dos textos cientíicos que apresentam gráicos e infográ-
icos, dos anúncios publicitários impressos (escrita e imagem) ou das canções
(linguagem verbal e música). Mais adiante, retomarei o conceito de maneira
mais especíica.
5
Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio tem o objetivo de avaliar o
desempenho do estudante ao im da escolaridade básica. Para maiores detalhes,
acesse: <htp://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&
id=13318&Itemid=310>.
6
Para maiores detalhes, acesse: <htp://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
18 content& view=article&id=210&Itemid=324>.
Notamos que, em sete anos, o País reduziu pela metade seu
índice remanescente de analfabetismo. Isso acontece por várias ra-
zões7, mas, principalmente, porque o acesso da população brasileira
à escola ampliou-se, também em tempo recorde, chegando perto do
universal no ensino fundamental, há menos de dez anos.
No entanto, se, ao contrário do airmado pelo articulista, con-
seguimos quase erradicar o analfabetismo, numa outra coisa ele
tem razão: nossos resultados nas avaliações que examinam as com-
petências/capacidades de leitura e escrita deixam muito a desejar,
não somente no Pisa.
Em publicação de 2004 8 em que se analisam os resultados do
Saeb/20019, o Inep10 airma que:
7
Dentre elas, a adoção de políticas de progressão continuada (Ciclos) nas escolas
públicas.
8
BRASIL/INEP. Qualidade da Educação: uma nova leitura do desempenho dos
estudantes da 3ª série do ensino médio. Brasília: Inep, 2004. Disponível em:
<htp://www.publicacoes.inep.gov.br/>. Acesso em: 02 jul. 2009.
9
A Prova Brasil e o Saeb são dois exames complementares que compõem o Siste-
ma de Avaliação da Educação Básica. Maiores detalhes disponíveis em: <htp://
provabrasil.inep.gov.br/>. Acesso em: 03 jul. 2009.
10
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Dispo-
nível em: <htp://www.inep.gov.br/institucional/>. Acesso em: 02 jul. 2009. 19
[…] Os 42% dos estudantes que estão nos estágios crítico
e muito crítico não apresentam desempenho que possa ser
considerado adequado sequer para a 4ª série do ensino fun-
damental. A maioria dos estudantes avaliados (52,54%) está
no estágio intermediário, apresentando desempenho equiva-
lente apenas a um bom aluno de 8ª série. É algo próximo a
concluir onze anos de escolaridade, mas aprender apenas
o correspondente aos primeiros oito anos.
Estágio População %
Muito crítico 101.654 4,92
Crítico 768.903 37,20
Intermediário 1.086.109 52,54
Adequado 110.482 5,34
Total 2.067.147 100,00
Fonte: MEC/Inep/Saeb
20
Muito crítico Não são bons leitores. Não desenvolveram
habilidades de leitura compatíveis com a
4ª e a 8ª séries. Os alunos, neste estágio, não
alcançaram o nível 1 ou desenvolveram as
habilidades dos níveis
1 ou 2 da escala do Saeb.
11
A maioria dos alunos da rede privada (58,64%) concentra-se nos níveis 8 a 10,
mais próximos do nível de excelência (11).
12
Note-se que esses dados dialogam com os resultados apontados pelo Inaf – In-
dicador Nacional de Alfabetismo Funcional, cujas escalas para o período que
vai de 2001 a 2005 apontam que, da população brasileira entre 15 e 60 anos,
apenas 26,2% atinge o nível considerado pleno de letramento, sendo que 35,7%
da população permanecem num nível básico e 25,7%, em níveis rudimentares.
Maiores detalhes em: <htp://www.ipm.org.br/ ipmb_pagina.php?mpg=4.01.00.
22 00.00&ver=por>.
atualidade. Temos, isso sim, indicadores da insuficiência dos letra-
mentos escolares, em especial na escola pública, para a inserção da
população em práticas letradas exigidas na contemporaneidade.
Em boa parte, isso ocorre porque, nos últimos vinte anos, a
população escolar mudou: as camadas populares inalmente tiveram
acesso à educação pública e trouxeram para as salas de aula práticas
de letramento que nem sempre a escola valoriza e que dialogam com
diiculdades com os letramentos dominantes das esferas literária,
jornalística, da divulgação cientíica e da própria escola. Por outro
lado, os letramentos na sociedade atual urbana soisticaram-se muito
nos últimos vinte anos, exigindo novas competências e capacidades
de tratamento dos textos e da informação. Os letramentos escolares,
no entanto, não acompanharam essas mudanças e permanecem ar-
raigados em práticas cristalizadas, criando insuiciências. Há, pois,
13
A deinição de alfabetização de Paulo Freire, muito mais ampla, é singular e se
aproxima hoje muito mais do conceito de letramento que do de alfabetização
ou alfabetismo.
14
Ver o capítulo 2 deste volume sobre o estabelecimento dessas relações no pro-
cesso de alfabetização de apropriação da ortograia do português do Brasil. Ver
também, a respeito, Rojo (2009). 23
Na primeira metade do século passado, para ser considerado
alfabetizado e viver na cidade, bastava saber assinar o próprio nome.
De fato, excetuando as elites que tinham acesso a variados bens
culturais e à escolaridade mais longa, até 1950 a maior parte da
população brasileira (57,2%) vivia em situação de analfabetismo e
boa parte dos 42,8% restantes sabia apenas assinar o nome e escrever
umas poucas palavras. Acontece que, com a complexidade relativa-
mente maior do mundo do trabalho industrial e com a intensiicação
de práticas letradas na cidade, após os anos 1950, isso passou a ser
insuiciente. Como airma Soares (1998, p. 45-46),
15
Programa Nacional do Livro Didático. Para maiores detalhes, acesse <htp://
www.fnde.gov.br/index.php/programas-livro-didatico>.
16
Os capítulos 3 a 7 deste volume dedicam-se a detalhar essas capacidades e com-
petências de leitura (inclusive literária), escrita, análise linguística e fala letrada
envolvidas na vida contemporânea e também a discutir como trabalhá-las na
escola. Ver também, a respeito, Rojo (2009).
17
Uma publicação fundante desta reflexão foi o livro de 1984 de Brian Street:
Letramento em teoria e prática. Uma visão geral da relexão de Street pode ser
encontrada em Kleiman (1995).
18
Em inglês, “literacy/literate” recobre os dois signiicados em português: “letra-
mento/letrado” e “alfabetização/alfabetizado”. Por extensão, também “alfabetis-
mo”. Em parte, isso acontece justamente pelas sucessivas deinições propostas
pela Unesco para alfabetizado (funcional), que foram levando ao reconhecimento
dos letramentos. 25
escrita, o termo “letramento” busca recobrir os usos e práticas sociais
de linguagem que envolvem a escrita de uma ou de outra maneira,
sejam eles valorizados ou não valorizados socialmente, locais (pró-
prios de uma comunidade especíica) ou globais, recobrindo con-
textos sociais diversos (família, igreja, trabalho, mídias, escola etc.),
em grupos sociais e comunidades diversiicadas culturalmente.
Numa sociedade urbana moderna, as práticas diversificadas
de letramento são legião. Podemos dizer que praticamente tudo o
que se faz na cidade envolve hoje, de uma ou de outra maneira, a
escrita, sejamos alfabetizados ou não. Logo, é possível participar de
atividades e práticas letradas sendo analfabeto: analfabetos tomam
ônibus, olham os jornais afixados em bancas e retiram dinheiro
com cartão magnético. No entanto, para participar de práticas letra-
das de certas esferas valorizadas, como a escolar, a da informação
Coleção Explorando o Ensino
19
New London Group, Grupo de Nova Londres. 27
celulares, televisores etc., mantendo-nos permanente e globalmente
conectados, num mundo de informação e comunicação rápidos que
alteram as barreiras de espaço e de tempo. Mais que isso, essas
tecnologias tornaram-se as ferramentas e as formas principais do
trabalho em nossas sociedades urbanas contemporâneas.
Por força da linguagem e da mídia (digitais) que as consti-
tuem, essas tecnologias puderam muito rapidamente misturar a
linguagem escrita com outras formas de linguagem (semioses) 20,
tais como a imagem estática (desenhos, grafismos, fotografias), os
sons (da linguagem falada, da música) e a imagem em movimento
(os vídeos). E o fizeram de maneira hipertextual e hipermidiática21.
Por força dessa possibilidade e dessa forma de misturar linguagens,
também muito rapidamente os textos – mesmo os textos impressos
– que circulam em nossa sociedade se transformaram: passaram
Coleção Explorando o Ensino
20
O que alguns autores chamam de “multimodalidade”.
21
De maneira simples, podemos deinir um hipertexto como aquele texto que se
estrutura em rede, remetendo certos trechos a outros, por meio de links (remissões
a trechos/textos que se encontram em outro endereço de rede). Um texto hiper-
midiático faz remissões, da mesma maneira, não somente a outros textos escritos,
28 mas também a textos em outras mídias e linguagens (vídeo, fotograia, música).
de leitura e produção de textos requeridas22: hoje, é preciso tratar
da hipertextualidade e das relações entre as diversas linguagens
misturadas nos textos.
Além disso, a globalização concentrou planetariamente nas mãos
de poucos o capital e o poder, mas isso implicou a mobilidade e a
dispersão das populações e o abalo a fronteiras nacionais, regionais
e locais, aumentando a diversidade cultural e linguística nas salas
de aula. O que propor como práticas letradas escolares relevantes,
ante estas mudanças?
O Grupo de Nova Londres concentrou a resposta a essa ques-
tão complexa num conceito – multiletramentos –, em que o preixo
“multi” aponta para duas direções: multiplicidade de linguagens e
mídias nos textos contemporâneos e multiculturalidade e diversidade
cultural. Para eles, a pedagogia dos multiletramentos23 está centrada
22
Ver a respeito Rojo (2009), dentre outros.
23
O resultado desta reunião em Nova Londres foi um manifesto, publicado em
1996 na Harvard Educational Review, intitulado “Uma pedagogia dos multile-
tramentos: projetando futuros sociais”. 29
da pedagogia do letramento, ou o que é que os estudantes
precisam aprender; e o “como” da pedagogia do letramento,
ou o encaminhamento das relações de aprendizagem ade-
quadas. (GRUPO DE NOVA LONDRES, 2000, p. 9, 19).
24
Esta interpretação não está disponível na rede, mas se encontra um videoclipe
deste poema com música eletrônica de Bbandone (<htp://www.youtube.com/
32 watch?v=ocGPnzIMl7A>. Acesso em: 06 jul. 2009).
Epílogos
(Gregório de Matos)
para fazer isso, era preciso primeiro alfabetizar, pois os alunos não
conseguiriam fazê-lo sem isso, concordou, no início da(o) primeira(o)
série/ano seguinte, em desenvolver um projeto deste tipo. Escolheu
um contexto cotidiano e doméstico de uso da escrita e elaborou um
planejamento de troca de receitas entre os alunos e suas famílias e
de elaboração de um caderno de receitas da turma, que incluía o
cultivo da horta e a preparação de pratos na cozinha da escola. Ao
longo do projeto, liam-se, analisavam-se e escreviam-se receitas,
mas também rótulos, instruções de plantio, listas de compras e de
ingredientes, faziam-se cálculos de tempo do plantio e crescimento
das ervas e verduras, de quantidades, de gastos e preços, como
fazemos na vida cotidiana (multiletramentos).
A aula de Célia que comento é uma onde ela lê, discute, reor-
ganiza e reescreve coletivamente uma receita de “Bolo de Fubá”
que um dos alunos trouxera para compor o livro e que era a sua
preferida dentre as que sua mãe fazia. Os alunos, embora analfa-
betos, tinham, para surpresa de Célia, muitos conhecimentos sobre
como se faz bolo e sobre receitas, que viabilizaram a análise e a
reconstrução coletiva do texto. Foi uma aula/evento de letramento
escolar bem planejada, participativa e rica. O tempo passou num
piscar de olhos.
Tudo transcorria muito bem, a professora como “escriba”, até
que um aluno perguntou: “Podemos então escrever, professora?”.
Neste momento da aula, Célia interrompe tudo o que estavam fa-
34 zendo, afasta-se da lousa e diz:
Pr.: Sabe o que nós vamos fazer agora? O que acontece?
Tem algumas palavras aí na nossa receita que é meio com-
plicadinho/ Eu até sei que é mesmo. Então agora nós vamos
passar essa receita pro caderno só que desenhando porque
aí todo mundo que olhar/ vai saber fazer/ não vai?
resses dos alunos. Esperemos que este volume nos ajude a fazê-lo.
Referências
que precisam ser ensinados aos alunos para que aprendam a ler e
escrever. É necessário, por exemplo, que logo no início do processo
de alfabetização a criança compreenda as diferenças entre a escrita
alfabética e outras formas gráficas1. Esse conhecimento precisa ser
trabalhado em sala de aula, em situações que levem as crianças a
distinguir as diferenças gráficas entre: letras e desenhos; letras e
rabiscos; letras e números; letras e outros símbolos gráficos, como
as setas, asteriscos etc. O critério da progressão de complexidade
significa a adoção de uma determinada sequência na introdução
e desenvolvimento das atividades que são elaboradas a partir do
nível de conhecimentos dos alunos (sua familiaridade com aquele
assunto, experiências escolares) e da natureza conceitual do con-
teúdo a ser ensinado. Para a exploração dos espaços em branco
entre as palavras: iniciar com a exploração de palavras em frases
e avançar para textos.
1
Ver volume 1 “Capacidades Lingüísticas: Alfabetização” da coleção do Pró-
letramento Alfabetização e Linguagem (MEC, 2007) para aprofundar essas in-
44 formações.
ProcEdimENtoS didáticoS
ProcEdimENtoS didáticoS
47
ProcEdimENtoS didáticoS
O planejamento do trabalho com o alfabeto envolve di-
versas decisões: o que ensinar; o momento de introdução
desse conhecimento; o tipo de atividades apropriadas; a
duração do trabalho diário; e a progressão da complexi-
dade desse conhecimento. Por exemplo: é mais fácil re-
conhecer as letras do alfabeto que compõem as palavras
quando são escritas em letras de forma do que em cursiva.
Por isso, o desenvolvimento dessa habilidade motora não
precisa ser uma meta inicial do trabalho do professor.
Vejamos algumas sugestões:
• a partir do início do ano letivo, devem ser introduzidas
atividades para reconhecimento gráico das letras e memo-
Coleção Explorando o Ensino
49
ProcEdimENtoS didáticoS
51
ProcEdimENtoS didáticoS
52
- Para explorar as palavras com sílabas CCV pode-se, por
exemplo, apresentar palavras que devem ser pronuncia-
das do jeito que o personagem Cebolinha, da turma da
Monica, fala: “prova”, “prato”, “contra”, “frevo”, “cabra,
“cravo”, “orquestra”, “sombra”, “problema”. Apresentar
outros desafios: qual é o som que o Cebolinha troca? Por
qual outro som ele troca?
- Explorar atividades mais complexas: Para a exploração
das sílabas não canônicas, em turmas mais avançadas,
com crianças que já dominam o princípio alfabético, pode-
se propor atividades que já exploram, ao contrário das
anteriores, as relações entre letra e som, e não apenas
rio que a escola decida como distribuí-los ao longo dos dois ou três
primeiros anos de escolarização, determinando com quais deles os
proissionais irão organizar as práticas cotidianas de alfabetização.
Trata-se, portanto, de estabelecer os objetivos e as metas da alfabe-
tização para o trabalho de cada ano letivo, para que se possa então
deinir as estratégias didáticas necessárias para alcançá-los.
2
Para saber mais como organizar o trabalho com ortograia leia: CAGLIARI, Luiz
Carlos. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1999; MORAIS,
Artur Gomes de. Ortograia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática, 2000; SCLIAR-
54 CABRAL, Leonor. Guia prático de alfabetização. São Paulo: Contexto, 2003.
significativas de uso da leitura e da escrita. Além disso, sabemos
que o processo de alfabetização se desenvolve mais facilmente
quando as crianças chegam à escola tendo uma maior familiaridade
com a escrita, obtida em contextos nos quais ela circula com usos
e funções sociais. Assim, tal como na vida cotidiana, a escola pode
apresentar situações, contextos e materiais capazes de estimular o
interesse e a atenção dos alunos.
Por essa razão, outro aspecto importante do planejamento do
trabalho de alfabetização refere-se à qualidade e à diversidade do
material escrito que é disponibilizado no contexto escolar.
A organização de diversos materiais impressos pode estar rela-
cionada, por exemplo, à disponibilidade e acesso livre a um conjunto
signiicativo de portadores e suportes de textos escritos. Apesar
Livro didático
Qual o papel do livro didático no trabalho de alfabetização?
56 Muitos professores decidem elaborar e desenvolver o planejamento
de sua prática de alfabetização utilizando materiais didáticos pre-
parados a partir de sua experiência de longos anos e da seleção de
atividades retiradas de vários livros didáticos, organizados com
diferentes propostas pedagógicas. Alguns chegam a socializar esses
materiais entre seus colegas, fazendo-os ver como conseguem bons
resultados com a aprendizagem de seus alunos. Outros decidem
não adotar nenhum tipo de livro didático, utilizando, em substi-
tuição, diversos tipos de impressos e textos de diferentes gêneros
textuais. Nesse último caso, esses professores geralmente contam
com melhores condições materiais para seu trabalho, sejam elas
disponibilizadas pela instituição em que trabalham ou pelas fa-
mílias de seus alunos.
A decisão pelo uso ou não dos livros didáticos para apoiar
Materiais complementares
As escolas públicas do País também podem contar com outro
Dicionários
Assim como os livros didáticos e os materiais complementares,
os dicionários distribuídos às escolas são avaliados previamente
por equipes de especialistas.
60
O uso dos dicionários dentro e fora da escola pode oferecer
oportunidades significativas para a inserção da criança na cultura
escrita. Além de seu uso específico como apoio à compreensão
de vocabulário, associado ao trabalho com a leitura e o desen-
volvimento do letramento, o dicionário pode ser um importante
instrumento para tirar dúvidas sobre a escrita de uma palavra
(ortografia) e esclarecer os significados de termos desconhecidos
(definições, acepções), entre outros aspectos. Além dessa finalidade,
o dicionário também pode ser um suporte importante para muitas
atividades voltadas à aquisição do sistema de escrita. Nesse último
caso, os professores também poderão utilizá-lo com as classes de
alfabetização inicial.
Esses dicionários destinam-se aos alunos dos dois ou três
Referências bibliográficas
64
Capítulo 3
Escrevendo na
escola para a vida
Beth Marcuschi*
2
O currículo do Colégio Pedro II inluenciou signiicativamente e por um longo
tempo outras propostas curriculares do País, daí a relevância de conhecê-lo. 67
Assim, a partir de um parco conjunto de informações, o aluno
era convidado a escrever um texto que atendesse às regularidades
gramaticais, a “usar a imaginação” e a desenvolver seu texto de
“modo original”, sem que professor e aluno soubessem exatamente
o que isso signiicava.
Tomemos como exemplo ilustrativo do encaminhamento dispen-
sado à escritura nesse período a obra didática intitulada Crestomatia:
excertos escolhidos em prosa e verso, de Radagasio Taborda (1931). A
obra, de 415 páginas, dedica 388 delas à apresentação de trechos de
textos literários clássicos, escolhidos em função de um
68 3
Nas citações foi mantida a ortograia da edição consultada.
em quatro partes: narrações, cartas, descrições e dissertações (TA-
BORDA, 1931, p. 389-397). Consideremos quatro exemplos:
produção de significação.
Em consonância com este enfoque, entendemos que os gêneros
textuais se fundam na recorrência, mas não na rigidez, de ações
vivenciadas pelos usuários em determinado contexto sócio-histórico
e cultural. Assim, os discursos enquanto gêneros consolidados vão
se firmando em convenções sociais recorrentes. Diante de situações
análogas, nossos conhecimentos enciclopédicos4 armazenados são
convocados para orientar (mas não para determinar) as ações de
linguagem aí relevantes ou desinteressantes, necessárias ou desne-
cessárias, num diálogo ativo entre os interlocutores. É nesse sentido
que os gêneros textuais são entendidos como ações interlocutivas
que organizam a vida das pessoas no âmbito das práticas sociais
(MILLER, 2009).
Dizer que o gênero textual vai se irmando em convenções so-
ciais recorrentes não implica, como procuramos deixar claro, airmar
que ele seja estático e imutável. Ao contrário, o gênero textual é de
natureza maleável e, por isso mesmo, em seu processo de produção
e de circulação, no luxo interacional entre leitor-texto-autor, está
sujeito a incompreensões e transgressões.
O caso da incompreensão pode dar origem ao mal-entendido
ou à ambiguidade, se, na gestão de produção do gênero textual num
4
Conhecimentos enciclopédicos são aqueles que construímos com base em nossas
76 experiências de vida de naturezas diversas.
determinado contexto, faltarem aos interlocutores similaridades de
ancoragem de cunho social e temático, ou, mesmo, se lhes faltarem
os componentes pragmáticos para gerir o gênero no contexto social
em que se realiza. Como alertam Dolz et al, “não escrevemos da
mesma maneira quando redigimos uma carta de solicitação ou um
conto; não falamos da mesma maneira quando fazemos uma ex-
posição diante de uma classe ou quando conversamos à mesa com
amigos. Os textos escritos ou orais que produzimos diferenciam-se
uns dos outros e isso porque são produzidos em condições diferen-
tes” (2004, p. 97). A não observância dessas condições é que pode
conduzir ao mal-entendido.
No caso da transgressão, o gênero produzido pode ser rejeita-
do pelos envolvidos na prática social ou ser percebido exatamente
5
“Juiz escreve sentença em forma de poesia”, por Carolina Farias, 03 fev. 2009.
Disponível em: <htp://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u498244.
shtml> Acesso em: 13 set. 2009. 77
mentir, ironizar e assim por diante. De acordo com a autora, a apren-
dizagem de um gênero textual nos possibilita entendermos melhor
as situações em que nos encontramos. Nesse sentido, o ensino da
produção textual com base em gêneros disponibiliza as condições
pedagógicas que podem levar o aluno a compreender como parti-
cipar de modo ativo e crítico das ações de uma comunidade. Essas
questões são relevantes quando se trata de propor uma abordagem
para o encaminhamento da produção escrita na escola, aspecto ao
qual nos dedicamos a seguir.
4. Palavras inais
Coleção Explorando o Ensino
82
Referências
JUNQUEIRA, Sônia. Português em sala de aula. São Paulo: Ática, 1988. (v. da 5ª
série do primeiro grau).
MESQUITA, Antonio M.; LIMA, Caetano José de. criatividade em Língua Portu-
guesa. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1978. (v. da 5ª série do primeiro grau).
TABORDA, Radagasio. crestomatia: excertos escolhidos em prosa e verso. Porto
Alegre: Globo, 1931. (Destinado ao ensino secundário.)
84
Capítulo 4
Letramento e leitura:
formando leitores críticos
Delaine Caiero*
90 2
Tal como propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa.
QUADRO 13
distribuição de gêneros de leitura no ensino fundamental
Gêneros 1º. Ano 2º. Ano 3º. Ano 4º. Ano 5º. Ano 6º. Ano 7º. Ano 8º. Ano 9º. Ano
Anúncio x x x
Artigo de opinião x x x x x
Aviso x x x
Bilhete x x x
Biograia x x
Carta pessoal x x
Carta apresentação x
Carta do leitor x x
Conto x x x x
Diário x x
Divulgação x x x
cientíica
Fábula x x x
Lenda x x
Lista x x
Notícia x x x
Parlendas/ x x
quadrinhas
Poema x x x x x
Quadrinhos/charge x x x
Relato de pesquisa x x x x
Reportagem x x x x
Resenha x x x x
Resumo/esquema x x x x
Romance x x x
Texto Instrucional x x
3
Esse quadro é apenas uma simulação para exempliicar como cada escola pode
organizar o ensino de leitura. Não signiica que todas as escolas tenham de
selecionar os mesmos textos que aqui estão indicados para cada série. 91
Uma vantagem de se incluir no planejamento um quadro como
esse é que ele permite aos professores dos vários segmentos visua-
lizar quais gêneros serão enfatizados em cada série/ano.
Esta planilha vai variar por escola, porque nem todas têm as
mesmas necessidades, a mesma organização. Ao fazer um levanta-
mento de que gêneros selecionar para leitura, não se pode perder
de vista alguns critérios:
Conto
Fábula
Lenda
Notícia
Quadrinhos
Resumo/esquema
Texto instrucional
5
Para os eixos de produção de textos escritos e de oralidade podem ser montados
94 quadros semelhantes.
3.2 Seleção de suportes materiais
Uma prática antiga e muito comum na escola tem sido a de
usar fotocópias ou mimeógrafo nas aulas de leitura para que todos
os alunos tenham em mãos o mesmo texto. Essa prática pode fazer
o aluno perder o contato desejável e salutar com os textos conigu-
rados como eles circulam socialmente, se não for tomado o devido
cuidado de pelo menos mostrar ao aluno o suporte onde original-
mente os textos circulam. Trabalhar com a leitura na sala de aula,
visando contribuir para aumentar o grau de letramento do aluno,
exige uma atenção cuidadosa à seleção e indicação de suportes de
leitura. Isso porque, devido às condições sociais de grande parte
das famílias do País, será na escola e pela escola que muitos alunos
poderão ter acesso aos diferentes textos da cultura letrada em seus
compreensão global.
106
Capítulo 5
Literatura no ensino
fundamental: uma
formação para o estético
Maria Zélia Versiani Machado*
Hércules Toledo Corrêa**
3. Dentro da loresta
LetrA mágICA
113
Esta é uma página do livro O menino, o cachorro, de uma autora
pouco conhecida (SIMONE BIBIAN, 2006) e ilustrado por uma artista
já conhecida no circuito de livros para crianças, Mariana Masarani.
Além do diálogo entre texto verbal e texto visual, a leitura considera
ainda o projeto gráico da publicação, que participa da história nar-
rada. Qual a porta de entrada desse livro? A indeinição entre o que
é o im e o começo instaura uma relação com o livro bem diferente
das habituais. Nessa procura, ligada a outras experiências de leitura,
o leitor vê o título, o nome que em letras maiores encabeça a capa
(ou as capas?): de um lado salta O menino; de outro, O Cachorro, não
necessariamente nesta ordem. E na vertical, que o olho vê depois,
de um lado O cachorro, de outro O menino.
Coleção Explorando o Ensino
SegredO
Andorinha no io
escutou um segredo.
Foi à torre da igreja,
cochichou com o sino.
Toda a cidade
icou sabendo.
(LISBOA, 1998, s/p) 115
A poesia endereçada às crianças não se restringe ao diálo-
go com os textos da tradição oral. Além da exploração lúdica da
cadeia sonora das palavras, encontramos poemas que exploram
outros recursos, como, no caso do poema de Henriqueta Lisboa,
o da imitação por onomatopeias.
Os versos ritmados do poema conduzem ao devaneio e à ima-
ginação. A força imagética iniciada com o voo da andorinha se
amplia, quando o segredo a um só tempo se manifesta e não se de-
clara. O lúdico, na leitura desse poema, realiza-se no cruzamento
da esfera semântica (o significado do segredo que o leitor quer
conhecer) com a esfera sonora (as onomatopeias que imitam o som
dos sinos). Desse cruzamento, a descoberta que provoca o riso: o
segredo é revelado em língua de sino.
No que diz respeito a narrativas, deve-se considerar, ainda, nos
Coleção Explorando o Ensino
Desencanto
Eu era apaixonada pelo meu professor de educação física
até o dia em que ele entrou no vestiário feminino quando eu
estava sozinha lá e me pegou com o dedo no nariz tirando
o maior tatu. (p. 60)
Pindaíba
Ricardinho vivia reclamando da pindaíba dos pais até que
cresceu, começou a trabalhar e teve a sua própria.
124
A edição brasileira foi traduzida pelo poeta Ferreira Gullar, que
procurou “abrasileirar” as perguntas do chileno Pablo Neruda, como
ressalta Angela Lago na quarta capa. O comentador Herín Hidalgo, no
posfácio, conta um pouco a história de edições chilenas, em que crian-
ças foram convidadas a responder às perguntas-versos do poeta.
Trata-se de um livro instigante e estimulante, seja pelas per-
guntas-poemas, pelas ilustrações ou pelo projeto gráico-editorial
arrojado. Um interessante trabalho de natureza intersemiótica pode
ser feito com o ilme O carteiro e o poeta (título original: Il Postino),
de Michael Radford, lançado em 1994.
livros que esperam para serem lidos nas bibliotecas e que as práti-
cas escolares de leitura literária favoreçam a formação de um leitor
autônomo, capaz de seguir seu caminho quando sair da escola.
A leitura literária, diferentemente da leitura de textos de
outras dimensões discursivas, caracteriza-se por uma forma de
envolvimento com o texto, que produz conhecimento e prazer,
por ser ela uma experiência artística. Não se produz pela leitura
literária um conhecimento pragmático, descartável, que possa ser
aplicado de imediato. O tipo de conhecimento que ela produz
não se esgota numa única leitura, e esse interesse renovado pelo
texto literário pode ser explicado por ser ele capaz de nos fazer
compreender quem somos e por que vivemos, mesmo que sob a
forma de indagações.
Não se pode perder de vista a ideia já apontada anteriormente
neste texto, da formação de uma comunidade de leitores. Formam-
se nas escolas pessoas que leem textos espontaneamente, que, por
diferentes vias, se interessam pelo mundo dos livros, mas que so-
bretudo desejam trocar ideias sobre as leituras.
É muito importante lembrar, também, que a literatura é o espaço
da diversidade cultural. O texto literário traz representada a cultura
local, mas também as culturas longínquas; a cultura contemporâ-
nea, mas também a remota, já quase perdida no tempo. Mundo de
126 seres muito próximos de nós e de seres completamente diferentes,
monstruosos, malvados, demonizados ou altamente benevolentes,
até mesmo santiicados. A literatura trata de todo e qualquer tema:
amor, guerra, conlitos, sexo, opressão, maldade, ciúme etc. As res-
trições escolares quanto aos conteúdos da literatura devem, por isso,
ser discutidas pelos professores, sem colocar em risco a liberdade
que a caracteriza e a constitui. A literatura, muitas vezes, mais do
que apresentar uma situação controversa, problematiza uma forma
de conduta, ao representá-la literariamente, podendo fazer render
muitas discussões que nos levem a sermos homens e mulheres me-
lhores do que somos.
Referências
NERUDA, Pablo. o livro das perguntas. Ilustr. Isidro Ferrer. Trad. Ferreira Gular.
São Paulo: Cosac Naif, 2008.
PAES, José Paulo. Poemas para brincar. São Paulo: Ática, 1991.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. o olho de vidro do meu avô. São Paulo: Mo-
derna, 2004.
SKÁRMETA, Antonio. o carteiro de Neruda. Trad. Beatriz Sidon. 19. ed. Rio de
Janeiro: Record, 2002.
STRAUSZ, Rosa Amanda. Uólace e João Victor. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003.
ZATZ, Lia. tô com fome. Ilustr. Inácio Zatz. São Paulo: Biruta, 2004.
127
Produções audiovisuais
128
Capítulo 6
Linguagem oral no espaço
escolar: rediscutindo o
lugar das práticas e dos
gêneros orais na escola*
Anna Christina Bentes*
* Agradeço a Roxane Rojo, que muito contribuiu para que esse texto pudesse ter
um formato mais claro e objetivo. Todos os problemas que ainda persistirem
são de minha inteira responsabilidade.
** Doutora em Linguística pela UNICAMP. Professora do departamento de Lin-
guística da UNICAMP.
1
A esse respeito, ver os trabalhos citados na bibliograia deste capítulo sobre os
temas: as relações entre oralidade e escrita; linguagem e interação; e interação
em sala de aula. 129
a) quais princípios teórico-metodológicos devem ser assumi-
dos, ao se trabalhar a oralidade na sala de aula de Língua
Portuguesa, de forma a se apresentar, perceber e discutir as
relações de constituição conjunta entre fala/oralidade e escrita/
letramento;2
base nos PCNs e com base nas propostas desenvolvidas por diver-
sos pesquisadores; na seção seguinte, apresentamos sugestões de
práticas e/ou gêneros orais a serem trabalhados em sala de aula e
algumas justiicativas para a execução desse tipo de trabalho.
2
Para Marcuschi (2001, p. 25-26) a oralidade seria “uma prática social para ins co-
municativos que se apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados
na realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal à mais formal,
nos mais variados contextos. O letramento, por sua vez, envolve as mais diver-
sas práticas de escrita (nas suas variadas formas) na sociedade e pode ir desde
uma apropriação mínima da escrita, tal como o indivíduo que é analfabeto, mas
letrado na medida em que identiica o valor do dinheiro, identiica o ônibus que
deve tomar, consegue fazer cálculos complexos, sabe distinguir as mercadorias
pelas marcas etc., mas não escreve cartas nem lê jornal regularmente, até uma
apropriação profunda, como no caso do indivíduo que desenvolve tratados de
Filosoia ou Matemática ou escreve romances. Letrado é o indivíduo que participa
de forma signiicativa de eventos de letramento e não apenas aquele que faz uso
formal da escrita. A fala seria uma forma de produção textual-discursiva para
ins comunicativos na modalidade oral, sem a necessidade de uma tecnologia
além do aparato disponível pelo próprio ser humano. Caracteriza-se pelo uso
da língua em sua forma de sons sistematicamente articulados e signiicativos,
bem como os aspectos prosódicos, envolvendo ainda uma série de recursos
expressivos de outra ordem, tal como a gestualidade, os movimentos do corpo,
a mímica. A escrita seria um modo de produção textual-discursiva para ins
comunicativos com certas especiicidades materiais e se caracterizaria por sua
constituição gráica, embora envolva recursos de ordem pictórica e outros. […]
130 Trata-se de uma modalidade de uso da língua complementar à fala”.
1.1. Os modos de fala como recursos fundamentais para o desen-
volvimento de competências comunicativas orais
Gostaríamos que você, professor, ao se propor a trabalhar a
oralidade em sala de aula, considerasse o fato de que toda a pro-
dução discursiva é constituída por várias camadas de significação,
que se mostram por meio de diversos outros recursos semióticos,
para além dos recursos propriamente linguísticos. Ou seja, os pro-
cessos de produção e de recepção dos discursos e textos (orais ou
escritos) envolvem necessariamente a mobilização, por parte do
produtor e/ou do receptor, sonoridades, visualidades, movimentos,
texturas etc. Nesta seção, vamos tentar apresentar alguns desses
aspectos que constituem a oralidade e que mostram que sua natu-
reza é amplamente simbólica (porque significa em muitos planos)
(1)
Ex. 1. Converse com seus colegas sobre o texto (c. 01, v. 8:
48).
Ex. 2. Converse com seus colegas e professores sobre esses
versos (c. 01, v. 7:87).
Ex.3. Diga o que achou do texto (c. 01, v. 7: 31). (MENDES,
140 2005, p. 145).
Já o exemplo abaixo, apesar de, conforme airma Mendes (2005),
procurar levar o aluno a se posicionar em relação a um determina-
do tema, revela uma espécie de banalização da tomada da palavra,
como se seu mero exercício pudesse levar alguém a se pronunciar
oralmente de forma signiicativa e adequada ao contexto (público
ou privado, formal ou informal).
(2)
Ex. 5. Converse com o professor e colegas sobre a conclusão
do texto de Diogo Mainard (lido anteriormente). Você con-
corda com a afirmação de que o Brasil nunca vai conseguir
criar uma cultura? O fato de novelas brasileiras estarem
sendo veiculadas em outros países destruiria a cultura
(4)
Ex. 8. Vocês irão assistir a um ilme e, no dia seguinte, dis-
cutir oralmente com os colegas. Depois do debate em grupo,
cada um vai fazer uma resenha sobre o ilme (c. 03, v. 6: 61).
Ex. 9. Debatam a seguinte questão entre todos: Por que a
telenovela é um gênero tão popular? Registrem algumas opi-
niões em seus cadernos e guardem-nas para confrontá-las
mais tarde com o que vocês vão estudar (c. 06, v. 8: 106).
Por isso, ela diz que os professores não podem considerar que
estão “perdendo tempo” quando impõem às crianças alguma disci-
plina em sala de aula, já que, para ela, “criar a ambiência positiva
para o ensino é parte integrante da aula, ainal”.
Chamamos a atenção para esta matéria jornalística porque pa-
rece que a própria sala de aula, como lócus, e a própria aula (e as
atividades que se desenvolvem nela), como evento comunicativo,
podem e devem constituir-se, em muitos momentos, como objetos
de ensino privilegiados. Para tanto, é preciso considerar que há
uma diferença grande entre a interação professor-alunos nas séries
iniciais e aquela que ocorre nas séries mais avançadas.
Parece que, na maioria dos contextos das séries iniciais, a in-
teração professor-aluno, pela própria estrutura interdisciplinar do
ensino nessas séries, permite um tipo de interação mais próxima e
significativa (para ambas as partes) entre os pares e entre professor
e alunos. Nessas séries, os professores acabam por adotar uma
atitude de maior atenção em relação ao que a criança fala. Isso
acaba por levar ao desenvolvimento nos alunos de um conjunto
grande de habilidades fundamentais e que levam a um bom termo
as interações entre esses sujeitos nesses contextos. 145
De acordo com estudos como o de Diedrich (2001), em contex-
tos de solicitação de tarefas à criança e de estabelecimento de uma
interação altamente monitorada de sua fala por parte do adulto
(como acontece na escola), nota-se o desenvolvimento da competên-
cia comunicativa das crianças, já que, nesses contextos específicos,
elas exibem o domínio progressivo de estratégias textuais caracte-
rísticas da produção discursiva oral, como a repetição, a paráfrase
e a correção. Estas são usadas para diversos fins: o de garantir a
compreensão por parte do interlocutor, o de se fazer mais claro, o
de enfatizar um determinado sentido, o de impor suas ideias etc.
Além disso, observa-se, nesses contextos, a ocorrência frequente
de negociações pela linguagem, propostas principalmente pelas
crianças, em relação às tarefas que lhes são solicitadas.
À medida que os alunos avançam na escolaridade e a sala de
Coleção Explorando o Ensino
3
A esse respeito, ver os trabalhos de Marcuschi (2005), Silva (2002; 2005) e Rojo
146 (2007) sobre as interações entre professor e aluno na sala de aula.
acesso a novas informações, necessárias tanto para sua progressão
no processo de escolarização como também para sua inserção no
mundo social como cidadão de uma sociedade democrática.
Uma primeira sugestão seria a própria eleição de novos objetos
de ensino. Por exemplo, o estudo de Azanha (2008) mostrou que
a exploração dos gêneros midiáticos como notícias, comentários e
entrevistas televisivas, com o objetivo principal de fazer com que os
alunos construam de forma colaborativa e conjunta os conhecimentos
sobre os sentidos veiculados nesses e por esses gêneros, contribui
para que, em primeiro lugar, os alunos aprendam a ouvir o outro.
Trabalhar com o campo da oralidade pressupõe necessariamente a
contínua “apuração do ouvido”.
Além disso, o referido estudo também mostra que, quando colo-
Exemplo 1
Referências
6
Esse trecho foi retirado da matéria escrita por Bruna Buzzo sobre Patativa do
Assaré, publicada pela revista Caros Amigos, em julho de 2009. 153
G. S. (Orgs. Trads.). Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de
Letras, 2004. p. 95-127.
DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. & HALLER, S. (1998). O oral como texto: como construir
um objeto de ensino. In: ROJO, R. H. R.; CORDEIRO, G. S. (Orgs. Trads.). Gêneros
orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004. p. 149-185.
GOULART, C. As práticas orais na escola: o seminário como objeto de ensino. 2005.
Dissertação (Mestrado) – Instituto de Estudos de Linguagem, Campinas.
GUMPERZ, J. A sociolingüística interacional no estudo da escolarização. In:
COOK-_____. (Org.). A construção social da alfabetização. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1991. p. 58-82.
MARCUSCHI, L. A. da fala para a escrita: atividades de retextualização. São
Paulo: Cortez, 2001.
MARCUSCHI, L. A.; DIONÍSIO, A. P. (Orgs.). Fala e escrita. Belo Horizonte: Au-
têntica, 2005.
Coleção Explorando o Ensino
154
Análise e relexão sobre
Capítulo 7
a língua e as linguagens:
ferramentas para
os letramentos
Jacqueline Peixoto Barbosa*
3
Ver, a esse respeito, o Capítulo 1, neste volume.
4
Diversos são os trabalhos de pesquisadores brasileiros que, a partir da década
de 1980, apontam para essa necessária mudança de foco, contrapondo a tradição
gramatical a um ensino de língua voltado para o uso. Dentre esses, destacam-se
Geraldi (1984, 1991, 1996) e, para uma abordagem mais recente, Antunes (2003).
5
Ver, por exemplo, os seguintes documentos curriculares escritos em três décadas
diferentes: Diretrizes para o aperfeiçoamento do ensino/aprendizagem da língua portu-
guesa (Brasil, MEC, 1986, disponível em <htp://www.cipedya.com/web/FileDetails.
aspx?IDFile=152904>, acesso em 10 fev. 2010); Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Portuguesa (Brasil, MEC/SEF, 1998, disponível em <htp://portal.mec.gov.
br/>, acesso em 10 fev. 2010) e Orientações curriculares e proposição de expectativas
de aprendizagem (São Paulo, PMSP/SME/DOT, 2007, disponível em <htp://arqs.por-
taleducacao.prefeitura.sp.gov.br/exp/ port.pdf>, acesso em 10 fev. 2010).
6
Os Parâmetros curriculares nacionais de língua portuguesa, ao enfatizarem a importância
do trabalho com a linguagem oral, sobretudo dos gêneros orais públicos, acrescentam
mais uma (ou duas) prática(s): compreensão e produção de textos orais. 157
Tais práticas devem basear-se na unidade textual, de maneira
articulada, seja nas atividades de compreensão ou nas atividades de
produção de textos. Dessa forma, a proposição é que os conteúdos
gramaticais passem a ser focados no interior das práticas de análise
linguística (que contemplariam também outros conteúdos) que, por
sua vez, devem estar intrinsecamente relacionadas às práticas de
uso da linguagem – compreensão e produção de textos. Trata-se de
selecionar conteúdos a partir das necessidades apresentadas pelos
alunos nas atividades de produção e compreensão de textos.
Visto dessa forma, o trabalho com a gramática deixa de se base-
ar em classiicações descontextualizadas e volta-se para a exploração
de recursos linguísticos colocados à disposição dos sujeitos para a
construção de sentidos, seja em atividades de compreensão ou de
produção de textos orais e escritos.
Coleção Explorando o Ensino
159
Como se pode observar, as diferenças presentes em todos os
itens elencados derivam da mudança na concepção de linguagem: de
uma visão centrada na estrutura passa-se a uma visão enunciativo-
discursiva, centrada no texto e no discurso.
Consonante com essa perspectiva, o Guia de livros didáticos de
língua portuguesa, PNLD 2008, postula o seguinte princípio orientador
dos critérios de avaliação dos livros didáticos (LDs):
b) variação linguística;
c) vocabulário/léxico;
d) relação fala/escrita;
8
Basta ver sua presença nos critérios de avaliação das práticas de leitura e produ-
ção do Guia de Livro Didático PNLD 2008. Nos critérios de seleção de textos: “Os
gêneros discursivos são o mais diversos e variados possível?”; nos critérios relativos
ao trabalho com produção de texto “As propostas exploram a produção dos mais
162 diversos gêneros e tipos de texto, contemplando suas especiicidades?”.
Ao insistir no vínculo dos gêneros do discurso com as esferas
de atividade humana (que também se constituem como esfera de
comunicação), Bakhtin (2003) acentua uma perspectiva contextua-
lizada de abordagem dos gêneros, compatível com as perspectivas
enunciativo-discursivas, anteriormente apontadas, que vêm pautando
as propostas curriculares de Língua Portuguesa. Dominar os gêneros
é então ampliar as possibilidades de participação nas práticas sociais
que envolvem a leitura, a escrita, a produção e escuta de textos;
daí a diversidade dos gêneros ser um dos eixos organizadores do
próprio currículo.
Por outro lado, os gêneros se colocam como um dos objetos
de ensino-aprendizagem, relacionados à prática de análise linguís-
tica. Aspectos relativos à sua forma composicional, seu estilo, seu
Exemplo 1:
Um professor de 8º ano trabalha a leitura de duas notícias
de jornal sobre o mesmo fato. As manchetes das notícias
são as seguintes:
Coleção Explorando o Ensino
Exemplo 2
Um professor de uma turma de 2ª série (atual 3º ano do
ensino fundamental de 9 anos) trabalha contos de fadas
com seus alunos. Durante e após a leitura de vários contos
de fadas e um trabalho com a compreensão das histórias
− atividades de uso −, o professor explora com os alunos al-
gumas características do gênero – sócio-história do gênero,
cenários e problemas típicos, marcadores de tempo e lugar
etc. – atividades de relexão que envolvem conhecimentos
linguísticos. Propõe, então, outra atividade de uso: a escrita
de um conto de fadas. A partir de problemas apresentados
na produção da maioria dos alunos, o professor seleciona
itens para um trabalho com análise linguística – construção
do cenário, uso dos adjetivos, paragrafação, uso de marca-
dores de tempo e lugar etc. A interação que se segue é parte
166 dessas atividades. Trata-se de um trecho de uma aula em
que o professor está procedendo a uma reescrita coletiva
de um conto produzido por um aluno de outra classe.
P: Vamos reescrever juntos o conto que a gente leu que uma
criança de outra classe escreveu. […] Como a gente poderia
melhorar essa parte que “tá” na lousa (o início da história),
para que ela fique mais clara e tenha mais a cara de um
conto de fadas?
J: Falta falar do lugar onde a princesa morava, assim, “ó”:
“Era uma vez, num reino muito distante”…
[…]
M: Podia “trocá” “andava” por “caminhava”.
P: Cê acha? Por quê?
C: Ou “passeava”.
Exemplo 3:
Imagine a seguinte sequência de aulas ou atividades:
Aula/Atividade 1: Iniciando ou retomando um trabalho com
gênero notícia, um professor das séries finais do ensino
fundamental foca com seus alunos um quadro (disponí-
vel no livro didático ou copiado na lousa) com a descrição
de características da esfera jornalística (atores: repórteres,
editores, leitores, anunciantes, empresários [donos das em-
presas jornalísticas]; inalidades: informar, formar opinião,
obter lucro etc.) e do gênero notícia (presença de manchete,
lide, verbo no presente na manchete, palavras que indicam
Coleção Explorando o Ensino
Exemplo 49
Após trabalhar as notícias com os alunos de 4ª série/5º ano
durante um mês, uma professora propõe em uma prova a
9
Esse exemplo nos foi contado por uma formadora que realizava ações de for-
168 mação junto a uma escola de São Paulo.
leitura de uma notícia, extraída de uma publicação infantil
e uma série de questões.
172
ATIVIDADE 1
ATIVIDADE 2
ATIVIDADE 3
ATIVIDADE 4
contexto da Atividade
Relato da atividade
10
Preferencialmente, quando os alunos já tiverem dominado o sistema de escrita e o
180 mínimo de convenções ortográicas, a partir do 4º ano do ensino fundamental.
não signiica, como já destacado, que isso tenha de ocorrer sempre
de maneira concomitante.
Concebido e concretizado na perspectiva aqui apresentada, o
ensino-aprendizagem de gramática adquire também uma dimen-
são política: é preciso garantir que todos possam usufruir do pa-
trimônio cultural e possam compreender os textos que circulam
socialmente nas mais variadas esferas, produzir textos adequa-
dos, enfim, participar mais plenamente das práticas sociais que
se utilizam da linguagem verbal. É nesse sentido que a análise
e reflexão sobre a língua e as linguagens podem ser ferramentas
para os letramentos.
Em outras perspectivas de ensino-aprendizagem de língua, os
conhecimentos linguísticos podem funcionar como um instrumento
Aula de Português
A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Referências
Parábola, 2003.
BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: _____. Estética da criação verbal.
São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 261-306.
BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, SECRETARIA DE ENSINO FUNDAMEN-
TAL. Parâmetros curriculares nacionais: 3º e 4º ciclos – Língua Portuguesa. Brasília:
MEC/SEF, 1998.
_____. Guia de livros didáticos PNLd 2008 – Língua Portuguesa. Brasília: MEC/
SEB/FNDE, 2007.
GERALDI, J. W. Unidades básicas do ensino de português. In: _____. (Org.) o texto
na sala de aula. Cascavel: Assoeste, 1984.
_____. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
_____. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas: Mer-
cado de Letras, 1996.
MENDONÇA, M. Análise lingüística no ensino médio: um novo olhar, um outro
objeto. In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (Orgs.). Português no ensino médio e
formação de professores. São Paulo: Parábola, 2006.
182
Capítulo 8
Educação para
o convívio republicano:
o ensino de Língua Portuguesa pode
colaborar para a construção da cidadania?
186 1
Para essa discussão, Marcos Bagno (2008) oferece excelentes subsídios.
Nesse sentido, levar o aluno a compreender a diversidade e
a heterogeneidade como parte significativa desse nosso patrimô-
nio cultural comum é um dos principais objetivos da educação
linguística. E será essa compreensão que, no plano das políticas
públicas, poderá garantir ao cidadão o direito, estabelecido desde
1996 pela Declaração Universal dos Direitos Linguísticos2, de empregar
plena e livremente a sua língua materna. O que certamente inclui,
acrescentamos, o direito tanto de usar a variedade linguística de
origem quanto o de aprender e dominar as normas urbanas de
prestígio3, nas quais foram registradas muitas de nossas heranças
culturais mais significativas. Trata-se, portanto, de combater e su-
perar o ensino tradicional da gramática, dotando-o de uma postu-
ra ao mesmo tempo reflexiva e descritiva, como a defendida por
2
Elaborada sob os auspícios da Unesco, a Declaração universal dos direitos linguísti-
cos (cf. Oliveira, 2003) é uma tentativa de estabelecer, em escala planetária, bases
éticas e cientíicas para o desenvolvimento de políticas linguísticas adequadas,
por parte dos países membros da ONU. Em 2006, o Brasil tornou-se signatário
da Declaração.
3
Normas urbanas de prestígio é um termo técnico relativamente recente. Tem sido
utilizado, entre os sociolinguistas, para designar os falares urbanos que, numa
comunidade linguística como a dos falantes do português do Brasil, estão mais
associados à escrita, à tradição literária e a instituições como o Estado, a Esco-
la, as Igrejas e a Imprensa, desfrutando, em consequência, de maior prestígio
político, social e cultural.
187
volume, considerando-se o tratamento que deram, respectivamente,
à produção de textos (Capítulo 3) e à oralidade (Capítulo 6).
Em segundo lugar, o domínio da leitura e da escrita − nos
níveis esperados para cada um dos patamares de ensino-apren-
dizagem compreendidos numa educação básica − aparece como
igualmente imprescindível ao pleno exercício da cidadania. Como
todos sabemos, direitos e deveres do cidadão, como o do voto,
estão associados, em maior ou menor grau, ao domínio da leitura
e da escrita, ainda que a alfabetização não seja, mais, uma exigên-
cia legal para tanto. Já em alguns outros casos, como a adequada
compreensão de matérias jornalísticas e da legislação que regula
o funcionamento da sociedade, o nível de proficiência em leitura
implicado é dos mais altos. Daí a relevância escolar do conceito e
das práticas de letramento múltiplo de que Roxane Rojo nos fala,
Coleção Explorando o Ensino
Entre outras coisas, isso quer dizer que nossa escola não tem
garantido aos alunos a formação básica necessária. Não tem cum-
prido adequadamente, portanto, o seu papel de promover a plena
cidadania. Razão pela qual convém tomarmos o desenvolvimento
da compreensão leitora como um dos principais pontos da agenda
de nossas políticas públicas em educação.
Referências
200