01 45 Processo de Luto e A Humanizao Da Morte 30.06

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Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE

doi.org/10.51891/rease.v7i6.1426

PROCESSO DE LUTO E A HUMANIZAÇÃO DA MORTE: A IMPORTÂNCIA DOS


CUIDADOS PALIATIVOS NO CONTEXTO DA COVID-19

Carlina Lígia Araújo Pedro Ferreira1

RESUMO: a presente pesquisa objetiva fomentar o debate sobre a importância dos cuidados
paliativos no processo de luto e humanização da morte no contexto da COVID-19. A
metodologia da pesquisa está pautada nos princípios epistemológicas da pesquisa Qualitativa e
tem como procedimento bibliográfica/literatura a partir de plataformas digitais de busca:
plataforma Scielo e o Google Acadêmico. Os dados mais relevantes apontam que o luto é um
fator contínuo e importante da pandemia COVID-19 que afeta pacientes, famílias e
profissionais de saúde. Alguns processos de luto são novos, relacionados ao distanciamento e
isolamento social, a incerteza relacionada à infecção e à incapacidade de implementar enterros
e funerais nessa nova realidade. Outros são tipicamente experimentados perto do fim da vida,
mas estão ocorrendo em uma escala sem precedentes que tem o potencial de ter efeitos
devastadores a curto e longo prazo.

Palavras-chave: Luto. Covid-19. Cuidados paliativos.


711
INTRODUÇÃO

A população mundial sofre uma pandemia devido à infecção pelo vírus SARS-CoV-2,
causador da doença denominada COVID-19, a qual tornou-se um inimigo global que vem
ceifando milhões de vidas em todo o planeta. Trata-se de uma doença invisível, altamente
contagiosa e desconhecida. Não existe, ainda, um medicamento comprovado cientificamente.
Igualmente, vacinas estão sendo testadas no mundo inteiro, mas a ciência demanda de tempo,
de seguir certos protocolos e preceitos éticos. Milhões pessoas estão morrendo, enquanto os
amigos e familiares são consumidos pelo luto, pelo sentimento de tristeza coletiva. Nesse

1Graduação em Psicologia hospitalar pela FAVENI e Psicologia Organizacional do Trabalho pela


GRADUARTE. E-mail: [email protected].

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sentido, a pandemia COVID-19 interrompeu experiências usuais de luto, sendo necessárias


modificações nas abordagens para apoiar esse processo (OLIVEIRA, 2008).
O processo de luto é uma experiência demasiadamente dolorosa, independente das
circunstâncias, por isso demanda de estratégias e mecanismos transversais que possibilitem
amenizar o sofrimento daqueles que permanecem entre os vivos. Nesse sentido, a literatura
aponta para a importância dos cuidados paliativos ao paciente em situação de morte, que
consiste, basicamente, em uma assistência integral que considera as necessidades físicas,
emocionais, sociais e espirituais. As intervenções vão no sentido de melhorar a qualidade de
vida, proporcionando conforto, bem-estar físico e espiritual da pessoa do
paciente. Igualmente, o apoio da família está incluído entre o rol das atribuições dos cuidados
paliativos, sendo vital para facilitar o processo de luto, afinal a família também é objeto de
cuidado (FRANCO, 2008).
O luto e os cuidados paliativos estão inter-relacionados e talvez sejam mutuamente
inclusivos. De forma conceitual e prática, o luto está intimamente relacionado aos cuidados
paliativos, pois ambos os domínios dizem respeito aos fenômenos de perda, sofrimento e 712

desejo de redução da carga de dor. Além disso, as noções de cuidados paliativos e luto podem
ser interpretadas como sendo mutuamente inclusivas em termos de uma sugestão para a
outra. Questiona-se, então, em que medida os cuidados paliativos podem contribuir com o
processo de luto e humanização da morte diante do contexto da COVID-19?
A presente pesquisa aposta na aproximação entre o luto e os cuidados paliativos
relacionados às circunstâncias de final de vida, sendo essa uma importante modalidade de
cuidar, “que alivia os sintomas físicos, espirituais e dá apoio psicossocial desde o diagnóstico
até o fim da vida e ao longo do processo de luto do paciente e da família” (FERNANDES,
2016, p.3), e que pode ser deslocado para o trabalho com vítimas da COVID-19.
Com vistas ao exposto, a presente pesquisa objetiva fomentar o debate sobre a
importância dos cuidados paliativos no processo de luto e humanização da morte no contexto
da COVID-19. Os objetivos específicos incluem: discutir o conceito de luto; explorar o

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conceito de cuidados paliativos; analisar a relação entre cuidados paliativos e o processo de


luto; articular aproximações entre cuidados paliativos, processo de luto e COVID-19.
A pesquisa se justifica pela sua relevância social e acadêmica, uma vez que os dados
aqui levantados poderão ser acessados por professores, pesquisadores e pela sociedade em geral
contribuindo com o seu processo de formação e subsidiando um aprendizado vital em tempos
de pandemia onde a população vem experimentando uma espécie de luto coletivo pela perda
de amigos e familiares.
A metodologia da pesquisa está pautada nos princípios epistemológicas da pesquisa
Qualitativa (FONTANELLA, 2008). No que concerne ao objetivo desta pesquisa, a
investigação possui caráter descritivo, tendo como procedimento a pesquisa do tipo revisão
bibliográfica/literatura (NASCIMENTO, 2008) a partir de plataformas de busca: plataforma
Scielo e o Google Acadêmico, tomando as seguintes palavras chaves como condutoras:
processo de luto; humanização da morte; COVID-19 e o processo de luto; cuidados paliativos
e o processo de luto; COVID-19, processo de luto e cuidados paliativos.
713
1 DESENVOLVIMENTO

Luto: algumas questões

O processo de luto pode iniciar muito antes da perda de um ente querido. O


sentimento de perda do paciente e da sua família pode se manifestar antes da perda
iminente. O luto se configura como a resposta emocional a essa perda. Semelhante aos
estágios da morte, os indivíduos passam por um processo para ajudá-los a enfrentar e ser
capazes de viver com essa ausência (CASTRO, 2012).
Na perspectiva de Nascimento (2020) o luto é entendido como o mecanismo de reação
quando o corpo experimentar uma perda. O luto é uma resposta normal, natural e inevitável à
perda e pode afetar todas as partes de nossas vidas. O luto pode parecer um passeio de
montanha-russa com altos e baixos, ou pode parecer que estamos sendo espancados como um

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bote em uma tempestade. Às vezes, pode parecer opressor e assustador o luto permite que o
indivíduo se ajuste gradualmente à perda e encontre uma maneira de continuar a vida.
Diferentes indivíduos respondem a este processo de maneiras diversas. A idade, a
saúde física e emocional, a cultura e a experiência anterior com perdas de uma pessoa podem
afetar a maneira como ela sofre durante esse período de tempo.
De acordo com Santos, Yamamoto e Custódio (2017) o luto pode consistir em reações
físicas, emocionais, cognitivas e comportamentais à perda. A pessoa enlutada pode sentir a dor
de sua perda de uma ou de todas essas maneiras. Algumas das manifestações físicas de luto
podem incluir: sentir-se fisicamente doente por causa da perda, dores de cabeça, peso ou
pressão, tremores, dores musculares, exaustão e insônia. As manifestações cognitivas podem
incluir: incapacidade de concentração, sensação de confusão ou descrença, preocupação com o
falecido e experiências alucinatórias. As respostas emocionais incluem: ansiedade, culpa,
raiva, tristeza, sentimentos de desamparo e alívio. Por fim, as manifestações comportamentais
podem incluir: retraimento, desempenho prejudicado no trabalho ou na escola, evitar qualquer
coisa que faça lembrar o falecido ou possuir lembranças constantes do falecido. 714

Em semelhante esteira, Freitas (2020) salienta que todos experimentam o luto a sua
maneira. Os corpos podem experimentar sentimentos intensos como choque, caos, tristeza,
raiva, ansiedade, descrença, pânico, alívio ou mesmo dormência. Os pensamentos podem ficar
confusos, sendo que a pessoa pode ter dificuldade para se concentrar. Além disso, durante o
luto existem ressonâncias na saúde física, nos relacionamentos e no comportamento social.
Na literatura é possível encontrar três estágios comuns em um processo de luto, sendo:
notificação e choque, vivência da perda e reintegração. O primeiro estágio, diz respeito ao
momento em que, inicialmente o indivíduo descobre ou reconhece a perda. Nessa fase, há um
sentimento de choque e dormência, levando o sujeito enlutado a isolar-se de outras
pessoas. No segundo estágio, vivência da perda, o indivíduo realmente vivencia a perda tanto
emocional quanto cognitivamente. Uma série de sentimentos podem ocorrer durante esta
fase, à guisa de exemplo: raiva, tristeza, vazio, bem como manifestações físicas (insônia, perda
de apetite). No estágio final, reintegração, o indivíduo se reorganiza e se reintegra na

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sociedade. Este último estágio caracteriza a cura que deveria ocorrer idealmente no final do
luto (FRANCO, 2009).
Destaca-se que existem vários tipos diferentes de reações de luto que as pessoas podem
apresentar. Alguns deles são considerados normais, enquanto outros significam uma alteração
no modo de lidar com a perda.
Um luto sem complicações é um processo que simboliza a reação mais desejável e
universal à perda e é considerado normal. Nesse tipo de luto o indivíduo apresenta reações
físicas, emocionais, cognitivas e comportamentais após a perda, porém acaba se adaptando a
ela. O período de tempo nesse processo pode variar conforme a natureza do relacionamento,
tipo de perda e fatores individuais relacionados ao enlutado (SANTOS; CUSTÓDIO, 2017).
O luto antecipatório é aquele que ocorre antes da perda de um ente querido e é iniciado
no momento do diagnóstico terminal e pode prosseguir até a morte da pessoa. Tanto os
pacientes quanto os familiares podem sentir uma perda antecipatória, causando muita dor e
ansiedade se não for fornecido o suporte adequado (CASTRO, 2012).
O luto complicado, por sua vez, demanda de assistência profissional dependendo de 715

sua gravidade e pode ser classificado em quatro tipos diferentes, quais sejam: Luto crônico
(Reações normais de luto que continuam por um longo período de tempo); Luto retardado
(Reações normais de luto que são suprimidas ou adiadas porque o sobrevivente evita a dor da
perda consciente ou inconscientemente); Luto Exagerado (Uma reação intensa à perda que
pode incluir pensamentos suicidas, fobias ou pesadelos); Luto mascarado (O sobrevivente não
está ciente de que seus comportamentos são resultado da perda) (SANTOS; YAMAMOTO;
CUSTÓDIO, 2017).
Nessa situação, os indivíduos experimentam perdas repentinas ou traumáticas ou
resultantes de suicídio/homicídio. Se a pessoa já teve perdas recentes ou anteriores das quais
não resolveu seu luto, isso pode contribuir para o desenvolvimento de uma reação de luto
complicada com a nova perda. A falta de uma rede de apoio ou estressores concomitantes,
como problemas de saúde ou relacionamentos, também podem contribuir para esse tipo de
luto (SANTOS; CUSTÓDIO, 2017).

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Há, ainda, o luto desprivilegiado definido como luto que não foi validado ou
reconhecido. Esse tipo de luto geralmente se desenvolve em indivíduos que perderam entes
queridos devido a doenças estigmatizadas, como a AIDS, ou por meios socialmente
inaceitáveis, como o aborto. A perda de um relacionamento previamente rompido, como o
divórcio, também pode contribuir para esse tipo de luto, porque o indivíduo pode não ser
capaz de lamentar abertamente por aquele ente querido devido às circunstâncias que
envolvem seu relacionamento (OLIVEIRA, 2008).
Por fim, temos o luto não resolvido configurado onde o enlutado não conseguiu passar
pelos estágios de luto. Muitos fatores podem contribuir para a manifestação desse tipo de luto
e podem incluir: falta de fechamento formal (o corpo da pessoa amada nunca foi encontrado
ou colocado para descansar), perdas múltiplas ou simultâneas ou isolamento social
(SANTOS; YAMAMOTO; CUSTÓDIO, 2017).
Em relação aos cuidados com o processo de luto é importante frisar que tanto o apoio
formal quanto o informal podem ser utilizados para ajudar os indivíduos enlutados a lidar
com a perda do ente querido. O tipo de apoio que uma pessoa demanda varia, sendo vital que 716

um profissional realize uma avaliação completa do luto. A avaliação do luto ocorre em


intervalos regulares durante o curso da doença e, idealmente, deve começar no diagnóstico
(OLIVEIRA, 2008). O luto deve ser avaliado com frequência no período de luto para que seja
possível desenvolver um plano eficaz para auxiliar o enlutado a lidar com sua perda. O
acompanhamento do luto com as famílias faz parte da maioria dos programas de hospitais e
pode incluir atividades e eventos formais para promover o fechamento e a aceitação
(CASTRO, 2012).
Boa parte das organizações e / ou sistemas de saúde tem vários grupos de apoio para
indivíduos, alguns dos quais são específicos para um determinado tipo de doença (por
exemplo, câncer), com isso o aconselhamento individual ou em grupo ou psicoterapia são
alguns métodos que podem ajudar os enlutados a lidar com sua perda (OLIVEIRA, 2008).
Metodologias informais que podem ajudar os enlutados são: as visitas de familiares e
amigos, a participação em grupos informais de apoio ou o apoio de membros da igreja do

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enlutado. Os profissionais que continuam envolvidos com o enlutado após a morte do


paciente devem fornecer apoio ao sobrevivente para ajudá-lo a sentir a perda, expressar a
perda e completar as tarefas do processo de luto (SANTOS; YAMAMOTO; CUSTÓDIO,
2017).
Profissionais da saúde estão em posição estratégica para auxiliar o paciente a
identificar e expressar seus sentimentos em relação à perda. Um dos maiores facilitadores
desse processo é a escuta ativa. Ouvir ativamente o enlutado ajuda-o a expressar seus
sentimentos e a sentir que está sendo ouvido (CASTRO, 2012).
Luto e a Covid-19
A pandemia DA COVID-19 acabou por interromper as experiências usuais de luto,
sendo vital o estabelecimento de novas abordagens nesse processo. Sabemos que o luto
engloba várias respostas - emocionais, cognitivas, físicas e comportamentais – as quais são
comuns após uma perda (CREPALDI, 2020).
Enquanto indivíduos humanos, dotados de subjetividade, estamos suscetíveis ao
sentimento de perda. Nesse contexto de Pandemia, as pessoas estão sendo expostas a 717

múltiplas perdas, algumas de ordem financeira, de autonomia, da saúde e até mesmo


liberdade, uma vez que estão isolados em suas casas em razão das diretrizes sanitárias que
apontam a importância de limitar o contato físico (CREPALDI, 2020).
Para muitos pacientes hospitalizados, os visitantes são limitados ou proibidos,
independentemente de um diagnóstico de COVID-19. Para os indivíduos enlutados, os
funerais e sepultamentos são adiados ou realizados à distância, muitas vezes sem a presença
da família ou a possibilidade do abraço caloroso de entes queridos, tornando ainda mais
doloroso o processo de luto (NASCIMENTO, 2020).
Os veículos de comunicação estão cheios de histórias devastadoras - famílias sendo
impedidas de se despedir antes da morte, ou entes queridos se despedindo por telefone, com a
incerteza de um contato futuro (FREITAS, 2020).
Ainda, temos uma população aterrorizada, atualizando com urgência as diretrizes e
vontades antecipadas, tomando decisões complexas sobre ventilação e ressuscitação e

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considerando quem cuidará de seus filhos caso eles morram. O luto, dessa forma, se mostra
como um ritual banal nessa miríade de experiências COVID-19 (FREITAS, 2020).
As mudanças complexas e rápidas dos processos de impacto COVID-19 trazem à tona
discussões sobre o luto, especialmente o antecipatório, isto é, aquele que ocorre quando a
morte é esperada (NASCIMENTO, 2020).
Durante o pico das mortes por COVID-19 os sistemas de saúde experimentaram taxas
de morte sem precedentes. Visualizando mapas de disseminação global, os indivíduos
puderam antecipar a aproximação da morte, aumentando o sofrimento. As experiências de
morte tornaram-se mais pessoais à medida que o COVID-19 afeta amplamente as
comunidades (NASCIMENTO, 2020).
O luto antecipatório resulta da incerteza, bem como da tentativa de entender o que está
por vir. Em resposta a esses números projetados, os hospitais tiveram um momento de
aumento repentino de pacientes com limitações nos equipamentos necessários, como
equipamentos de proteção individual, ventiladores e leitos de unidades de terapia
intensiva. Para os pacientes e familiares, pode haver sentimentos incertos de não saber como a 718

doença irá progredir ou como eles serão afetados pelas mudanças nas políticas do hospital e
das instalações (COGO, 2020).
Em resposta à propagação da pandemia COVID-19, as comunidades começaram a
implementar ordens de “ficar em casa” em grande escala, que em muitos casos são ordenadas
por líderes locais ou estaduais. Hospitais e outras instalações estão limitando ou proibindo a
presença física de visitantes. À medida que as mortes ocorrem, as consequências físicas,
mentais e sociais do isolamento do distanciamento social podem impactar o processo de luto
(SANTOS, 2020).
Embora os médicos não devam presumir que todos os pacientes ou familiares estão
experimentando o luto durante o auge da pandemia de COVID-19, é importante entender
como as circunstâncias atuais podem definir o terreno para que ocorra o luto em sua versão
mais gravoso, onde o paciente pode apresentar sintomas como pensamentos intrusivos

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recorrentes sobre a pessoa que morreu, preocupação com a tristeza, incluindo pensamentos
ruminativos, amargura excessiva (SKABA, 2020).
Em circunstâncias usuais os familiares de pacientes que morreram no hospital ou
unidade de terapia intensiva estavam em maior risco de luto prolongado. Destaca-se que o
tipo e o volume de perdas que uma pessoa experimenta também afetam o processo de luto e a
probabilidade de torná-lo mais gravoso.
No contexto da COVID-19, não é incomum que famílias e comunidades sofram perdas
múltiplas devido aos métodos pelos quais a doença se espalha. Estudos revelam que quase
metade da população vítima da COVID 19 experimentou alta ansiedade e/ou depressão
durante a última semana de vida (NASCIMENTO, 2020).
Os indivíduos também podem sentir que estão experimentando um luto privado de
direitos, quando o luto não é lamentado publicamente ou socialmente sancionado pela
comunidade em geral. Por exemplo, quando um indivíduo não seguiu as regras sociais ou
obrigatórias para limitar a exposição e se infectou ou espalhou a doença para outros,
sentimento de culpa, raiva e tristeza, entre outros, estarão ligados à sua experiência de perda 719

de saúde (CREPALDI, 2020).


Essa experiência é intensificada à medida que a linguagem usada na sociedade e na
mídia apresenta uma distância emocional de quem vai contrair ou morrer por causa da
infecção por COVID-19. Os pacientes podem sentir intensa culpa e autocensura, pois alguns
percebem que apenas adultos mais velhos e os imunocomprometidos estão em risco de
infecção ou resultados graves. Indivíduos enlutados podem lidar com o fato de que a pessoa
que perderam era muito mais do que uma estatística e têm dificuldade em encaixar seu luto
nesses códigos sociais (FREITAS, 2020).
O luto privado também pode ocorrer quando as famílias são incapazes de sofrer nas
práticas tradicionais de serviços funerários ou de comparecer ao enterro de um ente
querido. Muitos provedores de funeral e enterro interromperam os serviços durante a
pandemia ou limitaram muito o número de participantes junto com outras restrições,

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minimizando as opções que as famílias têm para lamentar a perda de um ente querido
(CREPALDI, 2020).
Embora grande parte do luto descrito anteriormente se concentre nos pacientes e
familiares, as experiências dos profissionais de saúde também devem ser
consideradas. Durante os períodos de crise, muitos provedores contam com estratégias de
mitigação para continuar tratando os pacientes, o que pode levar ao luto não resolvido
(ALENCAR, 2020).
Dentro do contexto adicional de desafiar decisões éticas e impactos de novas decisões
de política, sofrimento moral pode ser outra experiência comum para profissionais. Angústia
moral é entendida como o sofrimento físico ou emocional que é experimentado quando
restrições (internas ou externas) impedem a pessoa de seguir o curso de ação que acredita ser
correto. (MELLO, 2020).

Algumas reflexões práticas para o cuidado paliativo no processo de luto vivenciando durante a
pandemia do covid-19
720
Com o COVID-19 contribuindo para circunstâncias cada vez mais difíceis e o
potencial de luto prolongado, os profissionais da saúde demandam de ferramentas e recursos
para reduzir os efeitos do processo de luto para pacientes e famílias, bem como melhorar o
modo de lidar e processar o luto.
Comunicação de qualidade, planejamento de cuidado antecipado e autocuidado do
provedor são três práticas recomendadas na literatura que podem ajudar a abordar esse cenário
transformado pelas circunstâncias adversas (ALENCAR, 2020).
Diante do fato da família não possuir permissão para visitar e acompanhar seus entes
queridos, os médicos devem estar abertos para diálogos honestos enquanto exploram maneiras
de oferecer conexão. Ajudar a se preparar para uma provável morte é uma parte crítica do
trabalho de luto antecipatório (CREPALDI, 2020).
O trabalho antecipatório do luto com as famílias é um componente crucial no
planejamento de cuidado antecipado, pois a participação pode melhorar os resultados para as

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famílias durante o período de luto. O manejo baseado na comunicação, incluindo o


reconhecimento, resposta e validação de respostas emocionais, é uma estratégia chave para o
trabalho com o luto antecipatório entre pacientes em estado crítico e suas famílias. Pacientes e
famílias que têm oportunidades de aceitação cognitiva e emocional da morte apresentam
melhores resultados na qualidade de vida dos familiares enlutados após a perda (FREITAS,
2020).
Além disso, as decisões de fim de vida têm um impacto inerente na experiência de luto
para todos os envolvidos e decisões críticas estão sendo feitas diariamente para indivíduos que
enfrentam o diagnóstico de infecção por COVID-19. Os médicos devem estar prontos para
abordar essas conversas difíceis e incertas diretamente e não devem se esquivar de discutir
emoções, pesar e angústia geral do paciente e da família durante o diálogo (FREITAS, 2020).
Idealmente, as conversas do planejamento de cuidado antecipado devem ocorrer
precocemente com o objetivo de evitar hospitalizações indesejadas. No entanto, o rápido
declínio clínico da infecção moderada ou grave por COVID-19 apresenta uma urgência sem
precedentes na discussão dos objetivos do cuidado, especialmente com pacientes mais velhos 721

com doença crônica.


O planejamento de cuidado antecipado com pacientes dentro de semanas de
expectativa de vida também deve incluir discussões de práticas espirituais desejadas e funeral
e memorial. Para os cuidadores, a trajetória imprevisível da doença, a preparação prática e
emocional para a morte e o enfrentamento do medo de fatores desconhecidos e de um futuro
sem o destinatário dos cuidados contribuem para a tensão entre o presente e um futuro incerto
(NASCIMENTO, 2020).
Conectar pacientes e famílias a recursos para ajudá-los a considerar as necessidades de
planejamento pós-morte e fornecer apoio adicional ao luto é importante. Embora tenham sido
forçados a abandonar os serviços tradicionais de funeral e sepultamento durante o surto do
COVID-19, muitos estão optando por alternativas baseadas em telecomunicações, que podem
ser um meio eficaz de estender os serviços. Além disso, muitos conselhos de licenciamento

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têm suspendido temporariamente as restrições sobre como os profissionais licenciados podem


facilitar a telessaúde e os serviços remotos (FREITAS, 2020).
Os médicos são frequentemente treinados para colocar de lado seus próprios
sentimentos e emoções em prol do bem-estar e o cuidado do paciente em primeiro
lugar. Durante um momento de crise, esse foco pode ser ampliado e o conceito de autocuidado
pode parecer contra-intuitivo. No entanto, lidar com os pensamentos e emoções pessoais que
surgem durante o cuidado é pertinente para fornecer cuidado ético contínuo para pacientes e
familiares (NASCIMENTO, 2020).
Essa autoconsciência, ou a capacidade de atender às necessidades do paciente, ao
ambiente geral de trabalho e à própria experiência subjetiva, pode potencializar o papel do
autocuidado na superação do estresse e luto acumulados nos profissionais de saúde. Na
verdade, a consciência pessoal, junto com o autocuidado interior e social, está positivamente
associada à capacidade do profissional de saúde de enfrentar a morte em seu ambiente
profissional (CREPALDI, 2020).
O autocuidado é de extrema importância para minimizar o potencial de efeitos de 722

resultados em longo prazo, de modo que os profissionais possam continuar cuidando dos
pacientes durante essa pressão sem precedentes no sistema de saúde. Algumas estratégias de
autocuidado para ajudar os indivíduos a lidar com o estresse durante um evento incluem o
seguinte: ser capaz de fazer pausas e se desconectar do evento de desastre, sentir-se preparado
e informado para facilitar seu papel de resposta, estar ciente dos recursos e serviços locais para
encaminhar os pacientes para obter assistência adicional de recuperação e ter supervisão
adequada e apoio de pares, facilitando a resposta (ALENCAR, 2020).

CONCLUSÃO

O luto é um fator contínuo e importante da pandemia COVID-19 que afeta pacientes,


famílias e profissionais de saúde. Alguns processos de luto são novos, relacionados ao
distanciamento e isolamento social, a incerteza relacionada à infecção e à incapacidade de
implementar enterros e funerais nessa nova realidade. Outros são tipicamente

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experimentados perto do fim da vida, mas estão ocorrendo em uma escala sem precedentes
que tem o potencial de ter efeitos devastadores a curto e longo prazo. Com base na literatura,
verificou-se que os cuidados paliativos podem oferecer um recurso para o trabalho diante das
complexidades do luto no contexto da pandemia do COVID-19, além de acessar e
compartilhar recursos para melhorar a comunicação, telessaúde, O planejamento de cuidado
antecipado e autocuidado, é um componente profícuo no enfrentamento dessa realidade

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