Maternidade Toxica 3
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ARTIGO DE REVISÃO
RESUMO
Este artigo teve como finalidade gerar uma reflexão teórica sobre as mães
narcisistas. O tema é um tabu social pautado na figura imagética da genitora
santificada, e, portanto, que supostamente não fere seus filhos física, psicológica,
emocional e/ou moralmente de forma proposital contínua. Diante dos relatos
colhidos – de entrevistas que geram livros e artigos científicos – nos últimos anos
por profissionais de saúde mental, está sendo possível fornecer dados de que essas
mulheres adoecidas estão produzindo em massa outros indivíduos adoecidos
psiquicamente. Desta maneira, as autoras tiveram como questão norteadora: como
e por que comportamentos materno-narcisistas podem gerar filhos com
adoecimentos psico-comportamentais? Assim, o objetivo geral se fundamentou em
detectar como se constrói e se comportam as mães narcisistas, e quais as
implicações psicológicas e comportamentais em seus filhos enquanto vítimas
diretas dessa relação materna. A hipótese firmou-se no pressuposto de que uma
mãe com transtorno de personalidade narcísica pode ter seu comportamento
potencializado e/ou reforçado diante do não reconhecimento sociofamiliar de sua
demanda. Para tanto, como metodologia a pesquisa se embasou em vários autores
de apoio, sendo maior ênfase em Silvia Zornig (2010) e Ana Paula Marson (2008),
Sigmund Freud (1980; 2004) Melanie Klein (1966; 1991), Donald Winnicott (1983),
Andrea Ferrari, Cesar Picinini e Rita Lopes (2006), Prado (2004), Karyl McBride
(2009; 2011), Fernando González (2015), Liliane Abreu (2021). Ademais, a análise
de duas entrevistas podem ajudar na compreensão prática desses estudos teóricos.
Como resultado e conclusões, compreendeu-se que as mães narcisistas e seus
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1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como finalidade fazer uma reflexão sobre a temática das mães
narcisistas. Para tanto, necessitou-se produzir não apenas uma imersão em
pesquisa de teorização, mas o cruzamento com relatos reais derivados dessa
demanda, isso pois, as sociedades como um todo mantém o tabu da mãe imaculada
e em status de quase santidade, supostamente incapaz de destruir seus próprios
filhos, e daí, qualquer ação de mais rigidez é normatizada e vista apenas como
educativa, embasados até com argumentos como “mãe é mãe e está tudo bem”.
Na realidade, graças aos estudos que vêm surgindo a partir de relatos de indivíduos
adoecidos por essas mães, e pela observação e trabalhos publicados dos
profissionais de Psicologia diante de genitoras com o perfil narcísico patológico, elas
estão sendo mais visíveis e passíveis de terem seus comportamentos mapeados.
Desta maneira, teve-se como questão norteadora: como e por que comportamentos
materno-narcisistas podem gerar filhos com adoecimentos psico-comportamentais?
Assim, o objetivo geral se fundamentou em detectar como se constrói e se
comportam as mães narcisistas, e quais as implicações psicológicas e
comportamentais em seus filhos enquanto vítimas diretas dessa relação materna.
Como consequência, os objetivos específicos se desenvolveram em compreender
a diferenciação de um comportamento materno comum (entendido como normal)
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Ademais, dois relatos reais de vítimas filhas de mães narcisistas serão trazidos para
análise breve de caso para ajudar na compreensão prática dos estudos teóricos e
autores referenciados. Tais casos são conteúdo de um trabalho de dois anos de
pesquisa de uma das autoras deste artigo e fazem parte de relatos integrais que
foram publicados em livro (ABREU, 2021). A brevíssima apresentação e discussão
sobre ambas entrevistas será feita de forma inédita aqui, e dessa forma, conduzir à
compreensão em potencialidade de como o narcisismo materno pode se apresentar
e os resultados em danos aos filhos.
Para alguns autores, como Zornig (2010), o amor entre pais e filhos somente foi
possível graças ao discurso romântico e do Iluminismo no século XVIII. Por meio da
ascensão do sentimentalismo, os arranjos conjugais passaram a ser realizados por
escolhas individuais. Isso permitiu que o casal escolhesse a melhor maneira de criar
seus filhos, e, dessa forma, se responsabilizar pelo seu estado emocional,
intelectual e social. A autora ainda explica que a responsabilidade foi muito além de
garantir a sobrevivência da criança, passando a levar adiante os elementos da
constituição psíquica dos pais aos filhos.
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Ela cita Golse (2002; apud ZORNIG, 2010) para explicar que existem quatro tipos
de fantasias parentais sobre a criança. A primeira seria a fantasmática, que
reacende a história infantil dos pais. A segunda chama-se imaginária e tem ligação
com o físico imaginado para a criança. A terceira é a narcísica, ligada aos ideais
dos pais. A última é chamada de mítica e tem a ver com as representações sociais
que a criança terá que suprir naquela época cultural.
Portanto, assim que um bebê nasce, traz desejos e perspectivas criadas para
reparar falhas na vida infantil de seus pais. Zornig (2010) enfatiza que fantasmas
edípicos também reaparecem com o intuito de reparação, favorecendo a criação de
laços parentais e o desenvolvimento afetivo da criança. Ademais, o comportamento
parental não está linearmente conectado com a história pregressa dos pais, mas
sim, com suas fantasias narrativas. Nem sempre o que é contado ocorreu, já que a
realidade é manchada pela imaginação do sujeito. Isso faz com que os pais
reconheçam o bebê não somente por sua vivência, mas também mediante sua
imaginação.
Quanto ao trabalho psíquico materno, é necessário que a mãe passe por uma
reativação do seu passado, mas faça uma atividade de alteridade com o bebê. Em
outras palavras, olhar para dentro e para a sua infância, mas não esquecer que o
filho é um ser externo que vai além de suas representações internas. Zornig (2010)
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explica que sem esse exercício do olhar de alteridade, muitas mães se perdem,
tentam a todo custo reter o objeto perdido e não conseguem olhar para o bebê como
um ser individual que merece ter sua própria trajetória.
Essa falta materna poderia explicar a maternidade narcísica. Quando a mãe não
consegue dividir suas fantasias internas desse bebê externo, ela reage como se a
criança fosse uma extensão do seu ser e das falhas de sua infância.
O processo gestacional evoca uma série de processos em uma mulher, sejam eles
físicos, emocionais ou psicológicos. Marson (2008) explica que alguns sentimentos
persecutórios podem ser desencadeados durante uma gestação em algumas
mulheres. A genitora pode imaginar que, ao engravidar, está atacando a própria
mãe. Isso se agrava ao imaginar que alguém possa roubar sua criança para a
castigá-la. Diante de uma sequência imaginária como essa, a gestante produz um
sentimento de culpa pela gravidez, e, em paralelo, de ser atacada. A maternidade
é, portanto, algo que a mulher constrói psíquica e socialmente ao longo das
mudanças corporais que vivencia.
Essa autora ainda descreve que somente após o parto, é que esse filho concebido
como objeto fantasioso durante a gestação efetivamente se torna real. Dessa forma,
o encontro com o novo e desconhecido, pode causar ansiedades que geram a
sensação de castração e de esvaziamento. Outro aspecto, é que quando ocorre um
nascimento prematuro ou de risco, a mãe pode ficar frustrada por não vivenciar esse
momento como planejado. Logo, podem surgir sentimentos de fracasso,
incapacidade e inferioridade nessa genitora que se encontra diante de uma dor
fantasiada por supostamente não conseguir gerar o bebê apropriadamente. Porém,
para que esse bebê sobreviva à ressonância materna, faz-se necessário que a
frustração dê lugar ao desejo. Quando o filho real é destoante do filho fantasioso,
ocorre uma ferida narcísica nos genitores que pode comprometer o
desenvolvimento emocional entre pais e filhos. Dependendo de como for a
constituição psíquica dos progenitores, culpar o bebê pode ser visto erroneamente
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como solução, todavia, disparando a rejeição. Com isso, a mãe passa a ter
dificuldade em encontrar no filho sua identidade materna, resultando em uma
relação que precisa ser ressignificada. (MARSON, 2008)
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Mas, para entender todo esse processo sobre o narcisismo, é necessário primeiro
mergulhar na própria lenda de Narciso para desembocar no transtorno psicológico.
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Esse autor também diferencia a libido narcísica e a objetal. Conhecida como o amor
por si, a libido narcísica é inversamente proporcional à objetal. Enquanto uma
aumenta, a outra decresce, por isso, quanto mais amor objetal (o amor ao outro),
menos amor em si. Quanto mais amor em si, menor será o amor objetal. Logo, o
estado autoerótico consome a libido objetal, e, dessa forma, não sobra libido o
suficiente para ser investida no objeto amado. O contrário também ocorre, pois o
amor objetal consome a libido, fazendo com que a postura narcísica de grande amor
em si seja desconsiderada.
Klein (1966; 1991; SEGAL, 1975) foi uma dessas pesquisadoras que reforçou esse
entendimento de individuação, e foi a psicanalista pioneira a trabalhar
especificamente com a infância, desenvolvendo por meio disso o pensamento de
que o psiquismo se origina com o vínculo da mãe com o bebê. Ela igualmente
identificou que todos os pontos da segunda tópica (Id, Ego e Superego) de Freud
(1980; 2004) estariam presentes no indivíduo desde tenra idade, e seriam
responsáveis pelo desenvolvimento psíquico precoce.
Para a autora, o Superego seria formado desde o início da vida, e, sendo assim,
anterior ao Complexo de Édipo freudiano. Ademais, o Superego não seria apenas
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Dessa forma, e conforme Klein (1966; 1991; SEGAL, 1975), no primeiro momento,
a criança tem a angústia persecutória com relação à mãe, ou seja, ela tem o medo
de ser atacada por aquele seu primeiro objeto de amor e como forma de represália
por ela ter hipoteticamente tentado destruir o corpo dessa mãe. A criança tem que
lidar com a relação do seio bom e do seio mau. Isso estaria ligado aos sistemas de
recompensa: quando ela se alimenta direito, tem o seio para alimentá-la; esse seria
o seio bom. O seio mau é tudo o que causa angústia e sensação de perseguição.
Isso ocorreria, por exemplo, quando a mãe amamenta de forma rápida por algum
compromisso, ou qualquer outro fator. (ABREU, 2021; ABREU e MELO, 2022)
Portanto, para Klein (1991; 1966; SEGAL, 1975), em um primeiro instante, seria a
angústia depressiva em que o Eu sentiria culpa pela pulsão agressiva, ou seja,
aquele fragmento que a criança sente raiva contra o objeto amado (a mãe) tentando
destruí-lo, o que leva ao momento seguinte, de se arrepender e sentir a angústia.
Como segundo fator, haveria um aumento de integração com a mãe nos aspectos
bons e maus, reforçando a questão do seio bom e mau. Isso levaria ao terceiro
pensamento de que através do mecanismo de defesa, ocorreria uma reparação da
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dor das fantasias agressivas com os objetos amados. Haveria aqui a integração
afetiva, em que a criança aceitaria a mãe e ela se tornaria verdadeiramente real.
Winnicott (1983; NEWMAN, 2003) é outro autor que traz a questão do narcisismo,
mas tanto pela ótica da mãe, quanto do filho. Em suas reflexões pelo prisma dos
bebês, ele afirma que ocorre uma traumática ruptura do indivíduo com seu self
diante da quebra de sua confiança durante os cuidados da genitora, o que ele
acorda com Klein (1966; 1991; SEGAL, 1975). A criança ficaria com medo da
aniquilação, e para tanto, criaria um mecanismo de defesa voltando-se para si
mesma, logo, potencializando seu Eu sem reconhecer o outro e si mesmo como
indivíduos independentes, o que dispararia o narcisismo nessa criança.
Quando o narcisismo se apresenta pelo viés maternal, vê-se essa mãe que recebeu
uma atenção muito mais contundente durante o período gestacional e diferenciada
de outros momentos de sua vida. Isso faria com que algumas dessas genitoras
transferissem esse olhar para si, diretamente para a criança, construindo a
percepção de que seriam um único indivíduo, apesar de saber-se que são dois
seres. (WINNICOTT, 1983; NEWMAN, 2003)
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Um sujeito que não foi tomado por investimentos amorosos ao longo do seu
desenvolvimento infantil, não consegue realizar o desmembramento autoerótico, e,
portanto, pode não conseguir investir sua libido de forma objetal. Com isso, somente
é capaz de amar narcisicamente. O Eu torna-se escravo de si como objeto sexual.
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se fossem castradas, uma vez que a atenção antes dedicada a elas passa a ser
aplicada somente aos bebês. Quando as mães não são cuidadas com dedicação,
o bebê pode não obter os cuidados objetais necessários por não ser investido
libidinalmente. Isso pode ocorrer por uma frustração materna que não enxerga mais
no bebê uma fonte de satisfação narcísica e objetal. Se essa genitora já possuir
anteriormente o demarcador de Transtorno de Personalidade Narcísica, tudo vai se
agravando.
Essa projeção de si na criança pode ser parcialmente visível em mães que vestem
suas filhas com a exata roupa que estão vestindo, como se fossem dois protótipos
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Esse comportamento dos narcisistas – mulher ou homem, pois sim, esse segundo
também pode comportar-se da mesma forma sendo pai, mas em menor incidência
– usando outros como espelhos para satisfazer suas angústias e frustrações é muito
presente, pois eles têm muitos medos enraizados, inclusive o de envelhecer e/ou
de abandono: a percepção de majestade é de estar (sempre) jovem e com alguém
lhe servindo. Em divisão de grau patológico, Zimerman (2004) os define
diferentemente como “pele grossa” e “pele fina”. Contudo, todo narcisista “pele
grossa”, anteriormente foi um “pele fina”, o que mostra uma evolução de quadro
diante da ausência de cuidados psicoterapêuticos. Cabe ainda reforçar que o
narcisismo alcança as três estruturas de personalidade (neurose, psicose ou
perversão) e variando de níveis, mas quando é especificamente potencializado
como transtorno, é porque o sujeito se encontra especificamente dentro das
perversões.
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Essa percepção utópica de si através do outro é trazida igualmente por Bion (1962;
apud ZIMERMAN, 2004; apud ABREU, 2021) referenciando que o narcisista foge
da verdade, e por isso, ele projeta a si mesmo em seu objeto alvo, para proteger-se
da negação. Assim, é inclusive o perfil agravado que com mais constância se nega
a fazer um tratamento psicológico, e se o faz, simplesmente o interrompe e para de
ir às sessões assim que começa a ser confrontado sobre si.
Uma autora que traz a questão da mãe narcisista de forma muito pontual é McBride
(2009; 2011). Ela dividiu as mães narcisistas em seis perfis bem característicos, e
que como toda morbidade, pode se apresentar única ou unificada aos outros perfis
psicopatológicos existentes no CID-10 (1993/2011):
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ser deixada sozinha, exigindo muita atenção e funciona como sua palavra
sendo lei, mas pode apresentar um discurso contrário afirmando que cria os
filhos para o mundo. Pode mais comumente ser vista nas mães que
interferem em constância descabida e/ou estragam todos os
relacionamentos de seus filhos adolescentes e adultos, independente do
gênero, mas muito mais evidente com os do gênero masculino. (MCBRIDE,
2009; 2011)
Pode-se inclusive apontar para uma tipologia não apresentada por McBride (2099;
2011), mas que pode vir a ser uma mistura e desdobramento destas, pois esse tipo
de agregação é passível de ocorrer, vide outras tipologias como no transtorno de
personalidade antissocial. Há no narcisismo, por exemplo, aquelas mães que usam
do adoecimento, deficiências ou desventuras dos filhos – neste último caso, como
sendo vítimas de violências sexuais – para receber louros de mães dedicadas e
fortes, e fazendo da exposição dessas crianças um foco de atenção para si.
Todavia, distante da vista de terceiros, esse amor supostamente incondicional e
preocupado mostra-se efetivamente somente uma fachada, e às vezes utilizando
práticas de maltrato no dia a dia. Novamente reforça-se que não se está
referenciando aqui mães verdadeiramente preocupadas e ativas nos cuidados com
seus filhos, e que até eventualmente podem se sentir cansadas ou zangadas, mas
está se citando um comportamento falseado em constância e que é precipitado
como demarcador de transtorno narcísico.
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González (2015) traz uma reflexão sobre os indivíduos que carregam a tríade do
narcisismo, maquiavelismo (ou personalidade manipuladora) e da psicopatia (juntas
ou isoladas), também chamadas por ele de “personalidades sombrias”, e que cabe
aqui, até como paralelo de melhor entendimento. Seu artigo é uma análise geral e
se distancia dos quadros patológicos (em níveis primário e secundário, que seriam
mais graves), mantendo-se na esfera subclínica. Segundo o autor, esses quadros
mais acentuados ajudam na compreensão dos mais brandos e das personalidades
por elas mesmas em nível comparativo. Ele usa como exemplo a própria psicopatia
sobre esses níveis de gravidade: “O primário representa os aspectos insensíveis
das atitudes dos psicopatas, enquanto o secundário constitui os aspectos criminais
e antissociais da psicopatia”. (JONASON, LYONS e BETHEL, 2014; apud
GONZÁLEZ, 2015, p. 255)
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artigo –, até porque, entra diretamente em congruência com seus anseios de ter um
súdito perpétuo: maridos nem sempre são para sempre; filhos são. Para o autor, no
caso das mulheres narcisistas que se tornam mães, o genitor escolhido e a
procriação abrangem um nível de cálculo de distinção social específico, pois um
filho específico pode ser também compreendido como um troféu de atenção
direcionada para essa mulher. Há uma sutil dicotomia perceptiva, pois se algumas
desejam esse bebê como objeto de recompensa, outras não desejam efetivamente
nenhum filho, mas, mesmo assim, vão acolher essa postura de ostentação filial por
alguma razão que lhes faz sentido além daquelas que já foram descritas neste
artigo. A pequena sutileza das motivações de desejo pode, em hipótese, igualmente
podem gerar a diferença de postura na potencialização de condutas destrutivas ao
filho.
Acordando com os outros autores já citados neste artigo, González (2015) afirma
que diante dos vários estudos e pesquisas, é sabido que indivíduos que acolhem
uma dessas três personalidades são providos de inibição moral, ou seja, minimizam
ou não se importam com nenhum senso moral. Ademais, seu senso de justiça é
distorcido.
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pesquisadores, dos três, aquele que tem o maior poder de atração é o narcisista, e
por apresentar o perfil psicológico de necessidade de um súdito por mais tempo que
o maquiavélico e o psicopata (que descartam com mais facilidade suas conquistas
sexuais). Ademais, a tríade usa a constância de eliminação de concorrentes e rivais
(sobretudo os sexuais), seja por um meio descortês (maquiavélicos e psicopatas)
ou ofuscando por superioridade (narcisistas), e são cercados comumente pelo
hábito de mentir. São sujeitos que vão sugar ao máximo o que puderem de terceiros
(indivíduos ou até empresas), mas darão nenhum ou pouco retorno.
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Por todos esses fatores, González (2015) traz sua preocupação com a formação da
personalidade desde a infância, e que sim, recai inevitavelmente nessa figura
feminina com transtorno narcísico como genitora ao qual esse artigo se debruça.
Ele explana especificamente alguns pontos levantados em pesquisas sobre a
origem dessas personalidades:
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Diante da narrativa exposta neste artigo, cabe trazer dois desses fortes relatos para
um entendimento mais concreto dos impactos devastadores que uma mãe
narcisista pode causar na vida de seu filho(a), e em casos mais danosos como esse
das práticas de violência sexual.
Abreu (2021) traz no relato um de sua obra, a história de uma mulher (que será
identificada aqui como entrevistada A) que estava com 31 anos e possui cinco filhos.
Sua mãe (com mais de 71 anos) vem de uma família de quatorze irmãos, sendo ela
a mais velha. Seu genitor é onze anos mais novo do que a mãe. A entrevistada A
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possui quatro irmãos em nascimento sequencial muito próximo, sendo dois irmãos
gêmeos, e ela e outro irmão também gêmeos. Ela é a única mulher.
Sua genitora era vista com muito medo pelas crianças em casa, mas na rua a viam
como uma mulher respeitada, ativa profissionalmente e solícita. O pai era visto
como um homem muito “bonzinho” dentro e fora de casa, sendo o responsável pelos
afazeres domésticos, inclusive cuidados com os filhos. (ABREU, 2021)
A entrevistada A tem bloqueio de memória antes dos 9 anos, mas lembra de tomar
muitos banhos com os irmãos nessa época, e dados pelo genitor. O pai começou a
violentá-la efetivamente nesse período (com introdução peniana) e ela foi coagida
a não reclamar na escola e nem com a mãe, de que sentia dores com o hipotético
carinho do pai, pois o lembrete era de que a genitora bateria na menina porque “não
gostava de criança com frescura” (ABREU, 2021). Aos 10 anos, ela foi levada ao
médico após uma prisão de ventre muito forte, e ali foi descoberta e confirmada sua
gestação.
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No relato dois, a autora traz a história de uma mulher de 32 anos que será chamada
aqui de entrevistada B. Sua mãe encontrava-se no momento da entrevista com 53
anos e o pai com 55, possuindo ainda um irmão seis anos mais novo. A família
possuía uma casa em um grande terreno dividido com o restante dos familiares.
Primos, tios e avós residiam, portanto, em várias casas independentes, mas no
mesmo local. (ABREU, 2021)
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O trauma colossal imposto à menina não ficou apenas nisso. Menos de um ano
depois – já com 6 anos –, ela começou a ser violada à força por um outro primo de
15 anos no dia de Natal, o que durou até seus 8 anos. Ela manteve o silêncio e não
pediu socorro por medo do que a mãe pudesse fazer com ela, o que igualmente foi
reforçado por este primo em ameaça, além da afirmação de que não acreditariam
em seu relato. (ABREU, 2021)
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Juntamente em coro com a família, a mãe passou a reforçar que tudo aconteceu
com entrevistada B, assim como seu estado psicológico depressivo, foi resultado
da falta de Deus (mesmo com a jovem seguindo as condutas religiosas que lhe
foram ensinadas desde sempre). Paralelamente, a mãe continuou seu
comportamento de ser prestativa, atenciosa e proativa para toda a família e
congregação, e com o violador da filha. (ABREU, 2021)
Abreu (2021) registra que entrevistada A entendeu com o passar dos anos a
violência que sofreu e tenta se manter longe da mãe e da família que ainda a agride
e acusa. A entrevistada B mantém-se próxima da mãe, pois ainda sofre com a
manipulação emocional materna com o respaldo dos preceitos e dogmas religiosos,
apesar de já estar fazendo alguns avanços diante da terapia. Infelizmente ambas
carregam traumas de todos os tipos que são irreparáveis dessa relação altamente
tóxica maternal, assim como processos depressivos, alta ansiedade e outros
agravantes, mas acreditam em um futuro conseguirem reelaborar todas as questões
envolvidas, e, após muito entendimento, edificarem a tomada de autoconhecimento.
Esses dois casos mais dramáticos e trazidos de forma sucinta do livro de Abreu
(2021) refletem brevemente o perfil dessa mãe narcisista e da maternidade tóxica
que não é nada incomum, e está longe de ser um mito. Cabe ressaltar que os danos
psicológicos aos filhos são contundentes, mas variados e apresentando-se em
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níveis, mesmo que as ações da mãe narcisista não extrapolem em tortura física. A
displicência social com a temática é tão gritante, que existem pouquíssimos
materiais focados na questão. O provérbio popular “Deus no céu e mãe na terra”
define muito bem o lugar da mãe santificada, intransponível e irrepreensível, mas
que só existe realmente como crença.
Não basta profissionais buscarem pela excelência se a população não tiver acesso
às ferramentas que podem promover o encaminhamento ao acolhimento e à
reeducação. As políticas públicas igualmente precisam ser reestruturadas,
aplicadas e incentivadas para que mais pessoas possam ser atendidas, e esse ciclo
contínuo de doenças psíquicas possa ser interrompido, e até, acompanhado mais
de perto.
O narcisismo, mesmo sendo um processo natural ao qual todo ser humano passa
em seu desenvolvimento, pode ser extremamente danoso ao sujeito sem os devidos
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Aqui, a matriarca pôde ser encaixada nas tipologias de McBride (2009; 2011) com
o perfil de malvada secreta e psicossomática. Inclusive, nesse último tipo, mantendo
a filha em constante processo de sentimento de culpa para não a confrontar, pois,
se isso ocorrer, a entrevistada B entende que pode ser responsável por um mal
súbito da mãe que a conduza ao óbito. A entrevistada na época da interlocução,
mesmo estando em terapia, igualmente alegava não entender o porquê de a
matriarca ainda agir de forma tão ambígua, mas afirmou que amava a mãe e para
não a adoecer, preferiria não tentar entender. Tal postura poderia levar a
entrevistada a não resolver suas profundas feridas com a genitora, e conduzindo-a
a outros sofrimentos por não fechar tais questões, mesmo tendo possibilidades para
tal.
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emocionais muito fortes que os ligam. Entretanto, mesmo que os filhos busquem a
devida ajuda psicológica, essas mães se esquivam de tal apoio, e não apenas por
sua resistência já preexistente que faz parte de seu transtorno de personalidade,
mas devido também ao reforço e desconhecimento social fomentado em tabu
equivocado da mãe imaculada e que supostamente não erra, e muito menos pode
ser recriminada por isso. Todavia, mães também adoecem e ferem, e precisam de
acolhimento e tratamento.
É possível distinguir essas mães narcisistas das mães sem esse transtorno. Isto é
trazido nos aspectos listados por McBride (2009; 2011) e outros autores que
apontam a estrutura de como essas genitoras se apresentam e os prejuízos
generalizados aos filhos. Os agravantes serão apenas uma questão situacional de
todos os atores envolvidos. Mães narcisistas existem e seus filhos também, e
ambos necessitam de atenção psicológica para a quebra e descontinuidade de
paradigmas de destruição e manipulação.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Cabe ponderar também, sobre a conduta social e histórica de forçar mulheres que
não querem ser mães, a o serem, e gerando assim, genitoras sem nenhuma
intimidade com a construção do processo maternal – e efetivamente não
conseguem ou possuem grande dificuldade em desenvolvê-la, mesmo elas não
sofrendo de transtorno narcísico –, e daí, entender que elas também podem gerar
potencialmente os narcisistas, ou qualquer outro tipo de adoecimento tão danoso
ao sujeito e à terceiros.
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Amparar se faz necessário, pois essas relações materno-filiais são tão poderosas,
que mesmo diante da compreensão do dano, os filhos dessas mulheres tendem a
manter a proximidade e os vínculos com suas genitoras tóxicas, por pior que tenha
sido a situação. A cobrança social mostra-se imensurável para que tais filhos
continuem a apoiar e dar suporte à essas mães, independentemente do que lhes
ocorra, mantendo-os em constante processo de manipulação e adoecimento por
parte dessa matriarca não tratada.
REFERÊNCIAS
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____. Medo Líquido. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar,
2008a.
FREUD, Sigmund. Projeto para uma psicologia científica. In: Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. (J. Salomão,
Trans.) (Vol. 1, pp. 381-520). Rio de Janeiro: Imago, 1980. (Trabalho original
publicado em 1950)
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MARSON, Ana Paula. Narcisismo Materno: quando meu bebê não vai para casa.
Rev. SBPH, v.11, n.1, Rio de Janeiro. jun. 2008. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
08582008000100012>. Acesso em: 30 jun. 2021
____. The six faces of maternal narcissism. Psychology Today, 2011. Disponível
em: <https://www.psychologytoday.com/intl/blog/the-legacy-distorted-
love/201103/the-six-faces-maternal-narcissism>. Acesso em: 09 jun. 2019.
SEGAL, Hanna. Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro, Imago, 1975.
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4. Black, Woodworth & Porter (2014) plantean que las personalidades oscuras son
más propensas a percibir a sus víctimas como desagradables, con baja autoestima,
muy neuróticas, deprimidas y ansiosas. Los psicópatas generalmente perciben sus
objetivos como menos afables, muy neuróticos, deprimidos y ansiosos. Los
maquiavélicos perciben sus objetivos más neuróticos, ansiosos y deprimidos. Por
último, los narcisistas perciben sus objetivos como bajos en la apertura a nuevas
experiencias, conscientes, extrovertidos y altos en depresión. (GONZÁLEZ, 2015,
p. 259)
6. En relación con los cuidados en la infancia y la Tríada (Jonason, Lyons & Bethell,
2014), se ha encontrado que la baja calidad de los cuidados maternales lleva al
maquiavelismo y aspectos del narcisismo, como pretensión/exploración y
liderazgo/autoridad cuando el apego seguro no se produce. El cuidado paternal de
baja calidad lleva a la psicopatía secundaria, y el cuidado paterno de alta calidad se
ha asociado con la dimensión de pretensión/explotación del narcisismo. Por otra
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