O Museu Theo Brandao de Antr

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I ENCUENTRO DE MUSEOS UNIVERSITARIOS DE

IBEROAMERICA
II ENCUENTRO DE MUSEOS UNIVERSITARIOS DEL MERCOSUR
23, 24 y 25 de noviembre de 2011

TITULO: Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore: o espetáculo e a excelencia.


EJE: Encuentro de Museos Universitarios
AUTORES: Chaves, Wagner Neves Diniz
REFERENCIA INSTITUCIONAL: Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Adjunto de Antropologia da Universidade
Federal de Alagoas (UFAL). Diretor Geral do Museu Théo Brandão de Antropologia e
Folclore da UFAL.
CONTACTOS: [email protected] \ 82-33260238 (Museu) \ 82-99689062

RESUMEN
Considerado uma das principais instituições culturais do Estado de Alagoas,
localizado na capital Maceió, região Nordeste do Brasil, o Museu Théo Brandão de
Antropologia e Folclore, associado à Pró-Reitoria de extensão da Universidade
Federal de Alagoas foi criado em 1975 pelo médico, etnógrafo, folclorista,
antropólogo e escritor alagoano Theotônio Vilela Brandão (1907-1982). Inicialmente
concebido para abrigar a coleção de arte popular de seu patrono e idealizador, o
Museu, em 1982, diversifica seus acervos quando recebe, da família de Théo
Brandão, um conjunto expressivo de suas fotografias, documentos pessoais,
manuscritos, livros e folhetos de cordel, além de rara documentação sonora.

A despeito de sua relevância para a preservação da memória e patrimônio


cultural alagoano, nordestino e brasileiro, grande parte desse precioso acervo,
especialmente as gravações sonoras (em torno de 400 fonogramas entre discos de
acetado, Lps, fitas de rolo analógicas e fitas cassete), os registros fotográficos (mais
de 2.000 fotografias em diferentes suportes) e a documentação arquivística
(documentos pessoais de Théo Brandão como correspondências, manuscritos,
estudos, textos mimeografados, cadernos de campo, etc), não se encontram em
condições adequadas de conservação e acomodação, o que inevitavelmente vem
colocando em risco sua integridade física e consequentemente o conteúdo de suas
informações. O acervo, ao longo desses mais de 30 anos, não recebeu nenhum
tratamento sistemático de limpeza, higienização e até os dias de hoje nenhum
procedimento de identificação, inventário, classificação e catalogação foi realizado.

1
Partindo de tal constatação e inspirando-me nas reflexões do antropólogo
Luis de Castro Faria (1993) quando vê os Museus Nacionais como espaços onde as
dimensões do espetáculo e da excelência convivem paradoxalmente, neste artigo
pretendo, por um lado, discutir possíveis causas que expliquem o pouco interesse
histórico na recuperação, conservação e disponibilização dos referidos acervos e por
outro, apontar possíveis caminhos no sentido de dinamizá-los, articulando-os com
ações integradas de ensino, pesquisa e extensão. Para operacionalizar tais
reflexões, o trabalho se propõe traçar, em um primeiro momento, a trajetória de
Théo Brandão e do campo de estudos de folclore no Brasil entre as décadas de
1940 e 1960, e em seguida a história do Museu Théo Brandão, desde sua criação
até o contexto atual.

Théo Brandão e os estudos de Folclore em Alagoas


“Jamais pude admitir a existência de tal riqueza de folguedos
tradicionais, numa prodigiosa intuição decorativa na
indumentária, com um mundo de ritmos e melodias e
incalculável efeito e saber que esta mobilização é apenas um
índice dos autos populares existentes em todo Estado,
elementos vivos e perfeitamente integrados na vida social
alagoana” (Câmara Cascudo).

O Estado de Alagoas é um celeiro de festas e manifestações populares


tradicionais - reisados, cheganças, pastoris, guerreiros, quilombos, taieiras,
cabocolinhos e fandangos são apenas alguns exemplos da riqueza da cultura
popular alagoana. Esse vasto manancial de folguedos e danças dramáticas,
representativos da pluralidade de formas e conteúdos assumidos pela cultura
popular em território alagoano, ao longo do tempo, vem chamando a atenção de
pesquisadores, escritores e curiosos. O primeiro relato que se tem notícia sobre o
folclore alagoano data de 1872, quando raros eram os estudos sobre o tema no
Brasil. Trata-se de um artigo de Nicodemos de Souza Jobim no jornal O Liberal,
intitulado “Lenda anadiense e tradição histórica”. Ainda no século 19, autores como
Pedro Paulino da Fonseca (1881) e Francisco de Paula Leite Oiticica (1885)
publicam em jornais, artigos sobre lendas, crenças e festas populares e Júlio
Campina um livro inteiro dedicado ao tema. Subsídios ao folk-lore brasileiro,
publicado em 1897, foi um dos primeiros trabalhos a reunir em um volume um
estudo sobre o folclore brasileiro.

O interesse no registro, descrição e estudo de temas relativos ao folclore


alagoano, iniciado em fins do século XIX, vai se aprofundar na segunda metade do
século XX com o trabalho mais sistemático de determinados intelectuais, em geral,
ligados ao chamado “Movimento Folclórico Brasileiro” (Vilhena 1997) 1. No final da
1
Para Vilhena, o “Movimento Folclórico Brasileiro”, que teve seu apogeu entre 1947 e 1964, foi
resultado de uma ampla mobilização política de folcloristas brasileiros em torno da pesquisa, registro
e defesa do folclore nacional.

2
década de 1940, em Alagoas já se percebe a mobilização de um grupo em torno da
defesa e pesquisa de temas relativos ao folclore no estado. Entre os principais
representantes desse movimento podemos citar nomes como os de Abelardo
Duarte, José Maria de Melo, Manuel Diégues Júnior, Luiz Lavenère, Félix Lima
Júnior, José Aloísio Vilela, entre outros.

Nesse panteão de ilustres um nome certamente aparece em maior destaque.


Médico, etnógrafo, folclorista, antropólogo, professor e escritor, Theotônio Vilela
Brandão, ou Théo Brandão, foi um dos mais respeitados intelectuais alagoanos de
seu tempo. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL) e da
Academia Alagoana de Letras, fundador da Comissão Nacional de Folclore (CNF) e
da Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia, pioneiro no ensino e pesquisa
da Antropologia em Alagoas, Théo Brandão, nos idos dos anos 40, já era
reconhecido como um dos principais estudiosos do folclore brasileiro, tendo
recebido, entre 1949 e 1950, três importantes distinções pelos seus estudos: o
prêmio Othon Lynch, da Academia Alagoana de Letras e o Prêmio João Ribeiro, da
Academia Brasileira de Letras, pelo livro “Folclore de Alagoas”, e duas vezes o
prestigioso prêmio Mário de Andrade, da Prefeitura
Municipal de São Paulo, pelas obras “O Reisado
Alagoano” e “Os Pastoris de Alagoas”,
respectivamente2.

Com vasta produção etnográfica – entre


textos, registros sonoros e fotográficos - sobre o
folclore em seus diversos aspectos (literatura oral,
medicina popular, música, dança e principalmente
folguedos), Théo Brandão foi importante protagonista
e articulador do “Movimento Folclórico Brasileiro”,
tendo participação decisiva tanto na criação da
Comissão Nacional de Folclore (1947) como na
estruturação da Campanha de Defesa do Folclore
Brasileiro (1958). Muito bem relacionado com
Câmara Cascudo no Rio Grande do Norte e Renato
Almeida, presidente da Comissão Nacional e
principal liderança do “movimento” que tinha sua base no Rio de Janeiro, Théo foi
um dos folcloristas que mais contribuiu na Revista do Aloísio Vilela, Câmara Cascudo e Théo
Brandão Folclore Brasileiro e na série Documentos Sonoros do Folclore
Brasileiro, além de ter sido um dos membros do Conselho Nacional de Folclore 3.
2
No ano de 1969 Théo Brandão é agraciado, mais uma vez, com o prêmio Othon Lynch, da
Academia Alagoana de Letras, dessa vez com a obra intitulada “A Viola e a Pena”
3
A Revista do Folclore Brasileiro, que circulou entre os anos de 1961 e 1976, totalizando 41 volumes,
foi o mais importante meio de circulação e divulgação das pesquisas dos integrantes do “movimento”.
Entre os artigos que Théo Brandão escreveu para a revista podemos destacar: “As Cavalhadas de
Alagoas” (1962) e “As influências africanas no folclore brasileiro” (1968). Digno de nota também é a
valiosa contribuição de Théo para a série “Documentos Sonoros do Folclore Brasileiro”, realização da
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro dedicada à edição em discos de expressões musicais

3
Tendo como propósito central a construção de uma ampla rede nacional em torno da
pesquisa, documentação e fomento das tradições populares das diferentes regiões
do Brasil, os folcloristas usaram como estratégia a organização de Semanas e
Congressos. Dentre tais eventos podemos citar a IV Semana do Folclore Nacional,
no ano de 1952, ocasião em que o termo “Folguedo Popular” é definido como “todo
fato folclórico, dramático, coletivo e com estruturação”, passando, desde então, a ser
o principal objeto de estudo e interesse dos folcloristas 4.

Renato Almeida (de branco à esquerda), o governador de Alagoas Arnonde Melo,


Théo Brandão e Câmara Cascudo (à direita) durante a IV Semana do Folclore Nacional, em 1952.

Como resultado direto da atuação e influência de Théo Brandão, Alagoas se


tornou um dos estados mais atuantes do “movimento”. Além de ter sido, em 1952,
sede da referida Semana, Alagoas foi um dos primeiros estados da federação a
institucionalizar uma Comissão Estadual dedicada ao folclore. Data de 1948 a
criação da Comissão Alagoana de Folclore, braço estadual da Comissão Nacional

tradicionais brasileiras. Dos 24 números da coleção, quatro resultaram de registros sonoros e


pesquisas realizadas por Théo Brandão entre os anos de 1950 e 1970 e tiveram como títulos: Cocos
de Alagoas, de Chã Preta, Viçosa (1955), Fandango, da Pajuçara (1957), Guerreiro, da fazenda
Boa Sorte, Viçosa (1961) e Baianas, de Ipioca (1977), da célebre mestra Terezinha.
4
Edison Carneiro (1962), outra figura de proa do “movimento”, no texto “A Evolução dos Estudos de
Folclore no Brasil”, mostra como os estudos de folclore, no Brasil, passaram ao longo do tempo por
diferentes enfoques temáticos. Primeiramente centrado na poesia, no final do século XIX, com Silvio
Romero, passando pela música, na década de 1930 e 40, com Mario de Andrade, os estudos de
folclore, a partir da atuação da Comissão Nacional de Folclore, passa a valorizar como objeto de
estudo, os chamados “Folguedos Populares”. Isso porque, na ótica dos folcloristas, os folguedos, na
medida em que reúnem em um só evento, crenças e práticas, músicas, danças, poesia, cores e
sabores, aspectos materiais e espirituais, são estratégicos para se visualizar, como propunha Arnold
Van Gennep, importante folclorista e antropólogo francês, a “organicidade” da cultura popular
(Carneiro op. Cit: 56-57).

4
de Folclore. Théo Brandão, além de pesquisador e articulador do “movimento”, foi
também educador, responsável pela criação do Centro de Ciências Humanas, Letras
e Artes, da Universidade Federal de Alagoas, em 1972, assim como pela formação
da primeira geração de antropólogos no estado. Como lembra Vera Calheiros Mata,
que com ele estudou e trabalhou na década de 1960, seus cursos de antropologia,
embora abrangessem temas como palenteologia humana e pré-história, se
concentravam na discussão do conceito de “cultura”:

“O conceito de cultura era a pedra de toque do curso e era estudado através


de clássicos da Antropologia Americana, representantes do Culturalismo”
(Dantas, Lôbo e Mata 2008:72).

Como lembra Ortiz (1985), os folcloristas, embora inspirados no ideal


romântico e na concepção de que as crenças populares seriam o repositório mais
elementar da essência ou “alma” de determinada coletividade, já procuraram
imprimir em seus trabalhos de pesquisa um espírito científico. Metodologicamente
orientados para a coleta científica de material folclórico, através da observação
direta e da documentação mecânica, seguindo os preceitos do trabalho de campo
antropológico, teoricamente os folcloristas desse período, como parece ser o caso
de Théo Brandão, se afinavam à perspectiva “culturalista norte americana” 5.

Théo Brandão colecionador

5
A tradição “culturalista norte americana”, constituída em torno do trabalho de Franz Boas na
passagem dos séculos XIX ao XX e de seus seguidores como Kroeber, Ruth Benedict, Edward Sapir,
Meville Herkovists, entre outros, foi fundamental na consolidação da antropologia. Com o foco
direcionado à história, às origens e trajetórias dos elementos culturais, o culturalismo, que ao lado da
“escola sociológica francesa” e do “funcionalismo britânico” constituem os três pilares sustentadores
da moderna antropologia (Oliveira 1988), valorizava também a pesquisa empírica e a especificidade e
particularidade de cada cultura, entendida enquanto realidade sui generis. A confluência dos métodos
histórico-culturais, propostos por essa tradição do pensamento antropológico, aparece, por exemplo,
na Carta do Folclore Brasileiro (1952), que foi o documento norteador dos parâmetros científicos para
os estudos de Folclore no Brasil, como sendo os métodos a serem empregados pelos folcloristas no
exame e análise do Fato Folclórico.

5
Théo Brandão gravando o mestre de guerreiro Alfredo - final da década de 1970.

Théo Brandão, como os folcloristas de seu tempo, se preocupava


sobremaneira com a documentação daquilo que pesquisava. Entusiasta das
possibilidades de gravação que as novas tecnologias proporcionavam, ao longo de
sua vida, gravou e fotografou incessantemente, constituindo um significativo e ainda
pouco conhecido acervo áudio-visual. Como explica Carmem Dantas, ex-diretora do
Museu Théo Brandão, colaboradora e discípula do folclorista,

Seu acervo fotográfico e fitas sonoras também é uma preciosidade. Curioso


é que, morando em Salvador adquiriu ainda estudante, a melhor máquina
fotográfica que apareceu à sua frente e foi dos primeiros a usar gravador em
Alagoas. Fotografava e gravava tudo. Pena que nem tudo tenha ficado até
nós, mas muita coisa permanece desses registros do folclorista que, na
época, já previa a importância das manifestações culturais que
testemunhava (Dantas, Lôbo e Mata op.cit:22).

A importância que os folcloristas atribuíam ao registro mecânico das


manifestações expressivas do folclore, como os folguedos ou danças dramáticas, se
explica, em parte, quando levamos em conta que para eles, o avanço dos processos
de modernização e urbanização observados na sociedade brasileira entre as
décadas de 1950 e 1960, trazia uma ameaça à cultura tradicional, fadada ao
desaparecimento ou “descaracterização”. A partir desse diagnóstico, o registro
mecânico das manifestações folclóricas, já que com ela se produziriam documentos
“autênticos”, cópias fidedignas do real, passou a ser recomendado como forma de
preservação. Nessa direção, para Luiz Heitor Correa de Azevedo, importante
musicólogo e folclorista contemporâneo à Théo Brandão, a coleta de material
folclórico é vista como uma das
“medidas necessárias para remediar a transformação ou desaparecimento
da arte popular tradicional que estamos testemunhando (Azevedo 1943:6).

6
A coleta, todavia, era o primeiro passo na preservação de aspectos do
folclore, no caso musical, pois como o próprio Luiz Heitor explica, ela deve ter como
desdobramento, o

“ arquivamento do que ainda resta para servir de amostra aos pósteros e


fornecer aos pesquisadores elementos para melhor compreender o
processo de formação do homem brasileiro e de sua música” (Idem:6).

Théo Brandão, que compartilhava dessas preocupações, desde cedo se


atentou para a necessidade e importância do registro como forma de preservação
das manifestações populares que pesquisava. Ao se referir ao trabalho de
documentação sonora que realizou ao longo de mais de 30 anos, utilizando distintos
suportes de gravação como discos de acetato, fitas de rolo e posteriormente fitas k7,
ele diz:

"...como eu não tinha a memória privilegiada (...) logo cedo verifiquei que
teria que gravar, teria que registrar... (...) o primeiro gravador que comprei
foi um gravador de acetato... (...) ...depois eu não comprei um gravador de
fio (...) porque era complicado demais...(...) ...mas, quando apareceu um
gravador de fita de papel, eu o adquiri ... (...) ... depois quando chegou o
gravador com duas pistas.... (...) ... quando chegou o de quatro pistas, eu
passei para as quatro... sabia que, gravando um trecho musical, deixava
esse material para quando eu morresse ou quando viesse alguém que
pudesse passar a limpo essas músicas” (Trechos do depoimento que Théo
Brandão deu em 10 de outubro de 1979 à Bráulio do Nascimento ) 6.

Com relação ao acervo fotográfico, além de reunir fotografias de sua autoria,


especialmente sobre a temática dos folguedos populares, ele abrange uma coleção
de fotografias de outros fotógrafos, como R. Stuckert, G. Santos Neves, Laércio Luz,
Jair Mendonça, Aguiar Junior, José Medeiros. Além de perceber a importância da
gravação sonora e registro fotográfico, o folclorista também se dedicou à coletar
objetos e artefatos da cultura material. A coleção de peças de arte popular, reunida
ao longo de sua trajetória, abrange desde cerâmicas e esculturas indígenas dos
xucurú-kariris do agreste alagoano, ex-votos e outros objetos do universo do
catolicismo popular, peças dos cultos afro-brasileiros, bordados e rendas, matizes de
xilogravura, cerâmicas antropomórficas, indumentária de folguedos, brinquedos
populares, cerâmicas do mestre Vitalino, de Caruaru (PE), além de objetos de
cultura popular de outros países, como México, Portugal e Espanha. Tal coleção,
como veremos, foi a base para a criação do Museu Théo Brandão (MTB).

6
Durante pesquisa de levantamento realizada junto aos arquivos do Museu Théo Brandão,
localizamos um conjunto de 414 documentos sonoros originais, gravados por Théo Brandão entre os
anos de 1947-1974, abrangendo registros de Torés, Xangôs, Guerreiros, Reisados, Baianas,
Quilombos, Pastoris, Fandangos, Cheganças, Desafios de Viola, Emboladores, Cocos, das Rodas
Infantis, etc. A despeito de sua relevância para a preservação do patrimônio cultural alagoano,
nordestino e brasileiro, grande parte desse precioso acervo o acervo (composto 33 discos de acetato,
112 fitas de rolo e 269 fitas K7) não se encontra em condições adequadas de conservação e
acomodação, o que inevitavelmente vem colocando em risco sua integridade física e
conseqüentemente o conteúdo de suas informações.

7
Esse vasto acervo, construído ao longo de uma vida dedicada à pesquisa e
documentação de aspectos do folclore alagoano e nordestino, em determinado
momento, como é recorrente na trajetória dos grandes colecionadores, passa a ser
objeto de preocupação por parte de Théo Brandão. Tal inquietação em torno do que
fazer com esse conjunto de documentos, que até então permaneciam acomodados
em sua residência, coincide com o período em que ele se aposenta da Universidade,
no início da década de 1970. É justamente nesse período que ele começa a
vislumbrar a possibilidade de destiná-lo à universidade. A idéia de criar um museu,
todavia, não partiu do próprio Théo. Como esclarece, a reivindicação para criação de
uma instituição de conservação cultural em Alagoas, originalmente havia sido feita
pelo amigo e folclorista potiguar Câmara Cascudo, ainda nos anos de 1950.

“A idéia de um Museu Etnográfico ou Social em Alagoas nem essa me


pertencia. Eu a recebera, há 25 anos passados, através de uma carta por
meu intermédio entregue ao então Governador Arnon de Melo, do querido
companheiro Câmara Cascudo, quando em 1952, voltava de Maceió ao seu
estado natal, deslumbrado com o que aqui vira na IV Semana Nacional do
Folclore. Mesmo a criação de um Museu na UFAL fora uma sugestão ao
então Reitor A. C. Simões, feita pelo Prof. Abelardo Duarte, ao elaborar
aquela planta e locação dos edifícios da Cidade Universitária que hoje
merecidamente leva seu nome, destinando-se na grande praça central um
prédio para um Museu” (Dantas, Lôbo e Mata op.cit: 12).

Apesar de não ter proposto formalmente a criação de um museu para a


Universidade, Théo foi de grande perspicácia no sentido de viabilizar tal projeto.
Como explica Dantas, a inquietude de Théo em encontrar um destino para seu
acervo foi solucionada com a seguinte estratégia: doá-lo à universidade

“Inteligência privilegiada, rápido de raciocínio e visionário no alcance


cultural, reuniu todos os seus objetos de cultura popular e, ainda como
diretor do Centro de Ciências Humanas da UFAL, doou esse acervo à
Universidade Federal de Alagoas, sem prévia consulta, para causar impacto
e criar um problema, cuja solução ele via mais adiante: a criação de um
museu público... uma casa no antigo campus Tamandaré foi disponibilizada
para a instalação do acervo chegado à Universidade. O Prof. Fernando
Antônio Lobo, por escolha do Dr. Théo, foi designado nomeado diretor da
instituição recém criada, que veio logo a se chamar Museu Théo Brandão
de Antropologia e Folclore da UFAL. Dessa forma o ato do Reitor consolidou
o sonho de Dr. Théo e sacramentou seu projeto de memória da cultura
popular alagoana” (Idem: 26-27).

Museu Théo Brandão: notas sobre sua trajetória

8
Entrada da primeira sede do Museu Théo Brandão.
Théo Brandão e Aécio de Oliveira (à esquerda), museólogo da
Fundação Joaquim Nabuco durante visita ao MTB (1976).

Instalado em uma sala do edifício central do Campus Tamandaré, que


abrigava, desde 1972, os cursos da área III – Ciências Sociais e Humanidades, o
acervo original de Théo Brandão, aos poucos vai sendo transferido de sua
residência para esse novo local. Quem se recorda desses momentos iniciais é seu
primeiro diretor, o historiador e ex-aluno de Théo, Fernando Antonio Lôbo:
“(...) E aí de 72 a 75 quando o museu foi criado, o Dr. Théo começou a ir
liberando, passo a passo seu acervo, (...) Inicialmente o Dr. Théo passou a
chamá-lo, quis chamá-lo Fundação Museu Théo Brandão, mas aí depois se
viu execrível esta possibilidade e aí foi denominado Museu de Antropologia
e Folclore Théo Brandão7.”

O museu, provisoriamente instalado em uma sala no campus, com o início do


período letivo e o aumento do número de cursos e turmas, teve que deixar o espaço
recém adquirido. Nesse momento, o próprio Théo Brandão intervém e fala com o
então Reitor Nabuco Lopes, que por sua vez lhe oferece como sede a antiga
residência do comandante da escola de Aprendizes de Marinheiros, na ocasião
utilizada pela prefeitura universitária, localizada também no campus Tamandaré.

Com o propósito de dar visibilidade ao projeto de criação do museu, ou como


preferia chamar, “Fundação Museu de Antropologia e Folclore”, Théo e sua equipe
organizam em 1974 algumas exposições no hall de entrada do Edifício Paulo VI,
sede administrativa do Campus Tamandaré, local de grande circulação de alunos,
professores e funcionários. A estratégia principal desses eventos era chamar a
atenção da comunidade universitária para a relevância do acervo e para a

7
Transcrição de vídeo do registro da mesa redonda “Memórias do Museu Théo Brandão” no âmbito
da X Semana Brasileira de Museus: Museu e memória, realizada entre 14 e 22 de Maio de 2011. Na
ocasião participaram da mesa Radjalma Cavalcante, professor da UFAL; Fernando Lôbo, I° diretor do
MTB e atual coordenador do Sistema Estadual de Museus e Carmén Lúcia Dantas, Museóloga e ex
diretora do MTB.

9
necessidade de se criar, na estrutura da universidade, um espaço definitivo para sua
guarda e exposição. Com essa finalidade, no mês de junho de 1974, duas mostras
são organizadas: a primeira, intitulada “Ex-votos”, reuniu 12 peças da coleção de
Théo Brandão e ficou em cartaz por quatro dias – de três à seis de junho; a
segunda, “Xilogravuras Populares do Nordeste”, com 32 xilogravuras de artistas de
Alagoas, Pernambuco, Bahia e Ceará permaneceu em exposição entre os dias 10 e
14 do mesmo mês8.

A estratégia de Théo Brandão e sua equipe foi eficaz. O museu, agora


batizado Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore (MTB), em homenagem
ao seu patrono e idealizador, é oficialmente criado em 20 de agosto de 1975.

Vera Calheiros, Carmem Lúcia, Théo Brandão e o museólogo


Aécio de Oliveira visitando a sala de expoisições do MTB (1976)

Brandão escolhe o ex-aluno Fernando Lôbo como primeiro diretor do Museu


de Antropologia e Folclore, cargo que exerce entre 1975 e 1976. Tendo uma nova
sede, o acervo, constituído fundamentalmente pela coleção de objetos de arte
popular de Théo, é então transferido em alguns dias sob supervisão do novo diretor,
com a participação da monitora Nuzi Mendonça e dos funcionários administrativos
8

10
Poti, Pinheiro, Mercedes e Ferreira. Estes formam a equipe inicial do MTB,
responsáveis pela organização, guarda e exposição das peças. Entre 1975 e 1976,
o Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore funcionou nesse local. O horário
de funcionamento era entre 14:00 horas e 18:00 horas, nas segundas, quartas e
sextas-feiras. A exposição inaugural acontece em 20/08/1975, junto com a criação
oficial do MTB, tendo como tema “Alagoas e as reminiscências Portuguesas”. Após
essa mostra, que teve por objetivo mostrar a contribuição do colonizador para a
formação da cultura brasileira, o museu, ainda em 1975, no período de 17.11. à
10.12, organizou uma “Retrospectiva da arte popular”, com 47 peças, separadas
pelas procedências indígenas, portuguesas, brasileiras, africanas e alagoanas.

Nesse início, as instalações do MTB eram divididas do seguinte modo: sala


principal, para exposição permanente; diretoria e secretaria; laboratório técnico
(restauração, limpeza, catalogação, sistematização e tombamento);
biblioteca/arquivo e um dos quartos do imóvel destinado para a reserva técnica e
coleções. O acervo era constituído de aproximadamente 10 mil peças divididas em:
período neo- antropiano; peças do Museu do Homem, em Paris; escultura africana;
escultura portuguesa; escultura mexicana; escultura popular brasileira; folguedos;
ex-votos; rendas; xilogravura; indumentária; cerâmica; religiosidade popular;
iconografia; cartofilia; áudio e vídeo; literatura de cordel (Dantas, Lôbo e Mata, op.cit:
38).
Em 1977, na gestão do Reitor João Azevedo, com o término das obras de
construção de um novo Campus para a universidade (Campus A. C Simões) o MTB
e todos os cursos que lá funcionavam, tem que deixar o Campus Tamandaré. O
problema que se coloca de imediato é saber para onde vai o Museu nessa nova
configuração espacial da UFAL. Théo Brandão assim se expressa sobre esse
período, que marca a transferência do Museu para sua sede própria:

O tempo passa, mudam as circunstâncias, a UFAL é obrigada a deixar o


“Campus Tamandaré” e, entre outros, impõe-se o problema: como e onde
irão parar as pedrinhas sem a sua panela? O que fazer? Eis senão quando
a alta direção da UFAL é obrigada a encerrar a hospedagem oficial aos
alunos carentes, dando-lhes em compensação bolsas de trabalho em
dinheiro. E o final, a LUA, prédio pertencente à UFAL, fica vago e o museu
consegue um caldeirão digno desse nome para continuar sua sopa”
(idem:16)9.

O Museu é então transferido para um palacete da I° metade do século XX, o


Palacete dos Machados, localizado na Avenida da Paz N° 1.490, centro de Maceió,
que até então era utilizado como residência universitária feminina (LUA).

9
Esse trecho é extraído do discurso pronunciado por Théo Brandão na inauguração da sede própria
do MTB, em 1977, durante a realização da V Festa do Folclore Brasileiro. Nessa ocasião, Théo
procura entender o MTB utilizando como metáfora o conto universal da Sopa de Pedras, daí às
referências às pedrinhas, à panela e à sopa.

11
Fachada da sede própria do MTB.

A mudança, reveladora do prestígio que o Museu vinha assumindo na


estrutura da universidade e da influência de Théo Brandão junto aos altos escalões
da UFAL, especialmente junto ao reitor João Azevedo, principal articulador para sua
criação, acontece em um momento estratégico: a realização da V Festa do Folclore
Brasileiro, promovida pela Comissão Nacional do Folclore, em Maceió no mês de
Agosto de 1977. Nesse período, o MTB passa a ser administrado pela antropóloga e
ex-aluna de Théo, Vera Lúcia Calheiros Mata, que permanece a frente da instituição
até 1978, tendo uma equipe formada por Tereza Braga (ex-aluna), José Carlos da
Silva, Enéias Tavares dos Santos (xilogravurista e cordelista), Cármen Lúcia Dantas
(ex-aluna) e Celso Brandão (documentarista, fotógrafo, sobrinho de Théo).

Após a mudança do Museu para o palacete, o acervo é expandido


significativamente. Duas causas explicam tal ampliação: a primeira se refere ao fato
de que, nesse momento, a equipe do museu começa a realizar pesquisas de campo,
o que conseqüentemente leva tanto à produção de documentação – especialmente
na área da fotografia através do trabalho do fotógrafo Celso Brandão – quanto à
aquisição de peças de arte popular. Como lembra Celso Brandão,

“(...) A coleção de Théo era relativamente pequena, o número de peças;


então eu acompanhei Vera Calheiros e Cármen Dantas nessa verdadeira
caçada aos objetos que hoje compõem aqui o acervo do museu (...) mas
aqui cresceu muito o acervo, porque fizemos muitas viagens para o interior,
para comprar peças (...) principalmente de artesanato”10

A segunda razão que nos faz compreender a ampliação dos acervos do


Museu se deve ao fato de que, em 1982, após a morte de Théo Brandão, sua família
doou à instituição todo acervo documental que havia permanecido na residência do
folclorista e que compreendia: fotografias, registros sonoros, pesquisas inéditas,
10
Entrevista realizada com Celso Brandão no dia 31 de Maio de 2011 por Fernanda Rechemberg e
Kauê Oliveira Maia.

12
correspondências, escritos diversos, folhetos de cordel além de sua biblioteca
particular. Nesse período, o MTB já estava sob a direção da museóloga Cármen
Lúcia Dantas.

Ao mesmo tempo em que o MTB ampliava seus acervos e promovia


pesquisa e documentação, o prédio começa a apresentar sinais de desgaste.

MTB durante o período em que permaneceu fechado (1987-2001).


Essa situação se mantém até que, em 1986, o MTB é fechado e o acervo
transferido para o prédio do Espaço Cultural da UFAL 11. Nesse novo local, e já sob a
direção da museóloga Eliana Moura Soares, o museu ocupa uma sala do I° andar e
em 1987 passa para as salas do térreo. Esses foram os anos mais difíceis da
história do MTB. Sem local suficiente para acomodar seus acervos, dada a
precariedade das novas instalações, esse período não traz boas lembranças para
José Carlos Silva. O funcionário mais antigo do MTB se lembra, com tristeza, do dia
em que parte da coleção de cerâmicas de Théo Brandão foi destruída como
conseqüência do desabamento de um teto da sala, ocasionado por infiltração. Além
das perdas de objetos do acervo, os acervos fotográficos, sonoros e documentais
também sofreram com as novas condições. Sem espaço suficiente para acomodá-
los e armazená-los, eles permaneceram fechados em caixas de papelão, o que
acelerou o processo de deteriorização dos mesmos. Apesar das dificuldades, o
Museu permaneceu, na medida do possível, prestando serviço ao público através de
sua biblioteca e da montagem de exposições em espaços alternativos.

11
O Espaço Cultural da UFAL, localizado nas proximidades do MTB, é onde funcionam os cursos de
Artes (música, teatro e dança) e a Pinacoteca Universitária.

13
Exposição Índios do Brasil no Espaço Cultural (1999). Exposição do acervo do MTB no Espaço
Cultural (1998).

Ao longo desse período, após a gestão de Eliane Soares, o museu passa a


ser dirigido pela antropóloga Sílvia Aguiar Martins, entre 1996 e 1997. Na breve
passagem da antropóloga à frente da instituição, nota-se o esforço no sentido de se
elaborar um regimento interno para o MTB. Este regimento, embora tenha sido
redigido, não chegou à apreciação pelo Conselho Universitário, instância última de
deliberação no âmbito da UFAL. Analisando o teor do documento, fica evidente a
tentativa da antropóloga de propor uma nova identidade ao Museu, promovendo às
atividades de pesquisa maior espaço no âmbito da estrutura do Museu. Segundo o
documento, o Museu, que seria coordenado por um comitê científico com a
presença significativa de profissionais da antropologia, passaria também a abrigar
dois laboratórios científicos: um de Antropologia Visual e outro de Arqueologia. Esse
projeto de transformar o MTB em um centro de pesquisa, antigo sonho de Théo
Brandão, nunca saiu do papel e a breve passagem de Silvia Martins pela direção
não permitiu que tal mudança fosse concretizada.

Em 1997, quando a antropóloga deixa a direção do Museu, todas as energias


estão direcionadas para se criar as condições políticas necessárias à restauração de
sua antiga sede. Após dois anos de administração de José Carlos da Silva (1997-
1999), a museóloga Carmem Dantas re-assume o Museu com o firme propósito de
novamente conduzi-lo à sua sede original. Nesse período se Inicia, então, uma
grande campanha em prol da restauração da sede MTB.

14
O senador Theotônio Vilela (à direita), a diretora do MTB Carmem Dantas e o
reitor da UFAL Rogério Pinheiro, tendo ao fundo o grupo folclórico da UFAL durante à campanha pela
restauração do MTB.

Em 1999, no bojo das comemorações aos 500 anos do Brasil, por intermédio
do senador e sobrinho de Théo Brandão, Theotônio Vilela, o Museu Théo Brandão
tem seu projeto de restauração aprovado e financiado pela Caixa Econômica
Federal. Neste ano ainda é iniciada a reforma na sede da Avenida da Paz, no
Palacete dos Machados. Paralelamente à restauração do prédio, o mesmo senador
consegue junto à empresa estatal Petrobrás, o patrocínio para o projeto de
reinstalação do Museu, compreendendo a higienização e ampliação do acervo,
exposição das peças e adequação do circuito (iluminação e climatização).

15
Restauração do prédio do MTB.

Após dois anos, a restauração é finalizada em 2001.

Evento de reinauguração do Museu Théo Brandão (2001).

Estando o prédio restaurado, o museu é transferido novamente para sua sede


em junho de 2002, com uma nova e moderna exposição permanente, montada sob a
curadoria do museólogo e antropólogo Raul Lody.

Uma visita à exposição permanente do Museu Théo Brandão

16
As salas de exposição permanentes valorizam as peças com os recursos
utilizados de uma instalação cenográfica, cujos efeitos de luz e cor dão uma
visibilidade que dá relevo aos objetos, ainda que sejam simples a sua
concepção. (Almeida, Leda s\d: 32)

Para visualizarmos melhor o modo como a exposição está estruturada e


conseqüentemente os sentidos e concepções que lhes são subjacentes, convido
você leitor, agora, a visitá-la. Essa visita terá como guias, além da descrição de Leda
Almeida, historiadora e ex-diretora do Museu Théo Brandão entre 2005-2010, um
conjunto de fotografias selecionadas para este fim.

Vamos então à visita:

Ao entrar na
primeira sala, a
sala Brava
Gente
Alagoana, você
vai se deparar
com um imenso
painel
fotográfico de
autoria do
fotógrafo Celso
Brandão. O
painel exibe
personagens
regionais
circunscritos em
seus ambientes. Aqui, Alagoas é mostrada através da forma como está
organizada social e economicamente, com seus trabalhos, suas
contradições de classe, suas festas e brincadeiras.

17
No centro da sala, em lugar de especial destaque, há uma vitrine que expõe
objetos pessoais de seu patrono, Théo Brandão.

Mais dos passos,


você entra na sala
Fazer Alagoano, na
qual está exposto
objetos do
artesanato
tradicional do
Estado, desde as
rendas, aos objetos
de cerâmica ou
papel. Também
nessa sala, grandes
painéis fotográficos
ilustram os artesãos,
no exercício de suas
práticas cotidianas,
pertinentes aos
objetos expostos.

Duas salas
conjugadas
abordam a FÉ
do alagoano,
sendo a
primeira
dedicada ao
catolicismo
popular e a
seguinte aos
cultos
afrobrasileiros.
Ambas têm

18
ambientação, cujas cores, música e a recursos de montagem criam um
ambiente místico e favorável a uma leitura religiosa.

Ainda no primeiro andar, um espaço é


dedicado ao Sabor Alagoano, com
expressiva quantidade de objetos de barro
da cozinha tradicional e uma receita da
típica tapioca. Esse ambiente prepara você
para o acesso a chamada Sala Tapioca,
espaço de degustação de guloseimas
regionais e lanches rápidos.

No
andar superior, a sala mais nobre e ampla do Museu
é dedicada aos Festejos da cultura popular, com
um destaque especial para os folguedos
populares. Lá, o Guerreiro tem lugar de
destaque, haja vista ser ele o folguedo
genuinamente alagoano. Ainda nessa sala você
encontra filmes de diversos grupos folclóricos
tradicionais que são projetados
simultaneamente em quatro televisores,
colocados ao lado das principais
indumentárias dos folguedos populares.

A sala seguinte é a última do andar superior e


tem o carnaval e os blocos carnavalescos
mais populares de Alagoas seu espaço de
destaque. Também aqui, você verá

19
expressivas máscaras que simbolizam o disfarçar comum nas tradicionais brincadeiras de carnaval”
(op.cit: 32-40).

A exposição termina nos festejos populares, mas as questões que ela suscita
não se encerram na folia momesca. Vejamos, pois, o que ela pode nos revelar
acerca dos modelos conceituais em jogo na construção da identidade do Museu
Théo Brandão.

Museu Théo Brandão: entre o espetáculo e a excelência

“De modo que o que realmente deixava na Ufal, ao tentar a criação de um


Museu de Antropologia e Folclore era antes a idéia de que esse museu não
fosse apenas um depósito de materiais e peças raras ou comuns, mas fosse
um organismo vivo, um centro de estudos, de documentação e pesquisa, ao
qual viesse dar sua ajuda não apenas a pequena, mas preciosa equipe de
antropólogos e folcloristas que logrei deixar na universidade, ao dela me
afastar por aposentadoria, mas todas aquelas pessoas de boa vontade,
cientistas sociais ou museólogos, ou simples amadores e colecionadores de
arte popular que quisessem ver concretizada a idéia que partira do espírito
sempre deslumbrante e da prosa sempre pitoresca e encantadora de Mestre
Câmara Cascudo” .

Batizado de Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore, em


homenagem ao seu patrono e às disciplinas (antropologia e folclore) que ele se
dedicou ao longo da vida, a vocação para pesquisa e investigação é evidenciada
pelo próprio Théo Brandão nesse discurso, ao qual já nos referimos algumas vezes
ao longo deste trabalho, que marca a inauguração da sede própria do Museu. Pela
fala de Théo, percebe-se que a concepção que orienta a criação do Museu situa a
instituição como um Museu Etnográfico, já que sua missão fundamental é se tornar
um centro de pesquisa e não “apenas um depósito de materiais e peças raras ou
comuns”.

Lilia Schwarcz (1993), ao analisar o papel da investigação científica no


surgimento dos Museus Científicos e Etnográficos no século XIX, assim os
diferencia dos antigos “gabinetes de curiosidades” aos quais Théo diretamente se
refere na passagem acima. Nas palavras da autora,
O mesmo contexto marca ainda o nascimento de uma série de museus que
possuíam, nesse momento, um caráter exclusivamente comemorativo,
sendo o Louvre (1773) e o Museu do Prado (1783) apenas alguns exemplos
do início dessa “era dos museus públicos e nacionais”. Essas primeiras
instituições, mais conhecidas como “cabinets de curiosité”, eram, como o
termo parece indicar, formadas antes para expor objetos à admiração
pública do que pensadas enquanto espaços para o ensino e a pesquisa
científicos. É só a partir do século XIX que são criados museus etnográficos,
instituições dedicadas à coleção, preservação e exibição, estudo e
interpretação de objetos materiais. A curiosidade renascentista que havia
marcado a exploração do Novo Mundo e do Oriente, encontrava aconchego
nesses estabelecimentos, que se firmavam enquanto lares institucionais de
uma antropologia nascente (Schwarcz 1993:68).

20
Essa discussão nos remete ao que outro autor, José Reginaldo Gonçalves
(2003) aponta como sendo os dois modelos conceituais para pensarmos os Museus:
o primeiro, associado ao que chama “museu-narrativa”, e que mantém similaridades
com o “museu comemorativo” de que nos fala Schwarcz, vai enfatizar o poder
evocativo dos objetos, em geral dispostos como coleção de curiosidades, sem
preocupação com sua identificação, explicação ou classificação. Ao modo dos
“gabinetes de curiosidades”, esse tipo de museu faz dos objetos algo a ser
contemplado e admirado; o segundo tipo, chamado de “museu-informação”,
equivalente ao “museu etnográfico”, ao contrário, vai valorizar, não o objeto em si,
mas a legenda que o identifica e o texto que o contextualiza. Nesse modelo,
diferentemente do primeiro a reflexão é mais forte do que a impressão.

Podemos visualizar melhor esses dois tipos ideais quando observamos como
cada um determina a configuração do espaço e a disposição dos objetos expostos.
Para o primeiro caso, como a ênfase é posta nos aspectos performativos e
evocativos dos objetos (que falam por si próprios), o espaço expositivo configura um
interior, separado do exterior, que é o espaço da rua. Nesse tipo, o museu aparece
como um local sacralizado, como um templo a ser reverenciado, admirado e que por
isso se mantém distanciado. A experiência do espectador, sempre valorizada nesse
modelo, é mediatizada por efeitos de iluminação, pela grande quantidade de objetos
dispostos em vitrines (ao modo dos “gabinetes de curiosidades”) e pela ausência de
textos, legendas, etiquetas ou demais elementos que desloquem o olhar do objeto
em si para aquilo que ele possa significar.

No modelo “museu-informação”, o estatuto dos objetos se modifica


sensivelmente. De pura forma, evocativa e eficaz enquanto materialidade, passam a
símbolos, já que apontam para aquilo que representam. Nesse caso, valorizam-se
as dimensões abstratas e transcendentes dos objetos enquanto símbolos de ideais e
valores sociais. Do ponto de vista da configuração do espaço e disposição dos
objetos, diferentemente do “museu-narrativa”, nesses casos a aura de sacralidade e
distanciamento cede lugar a maior integração do espaço interno ao museu com
espaço externo e já se observa a presença de textos que conduzem o espectador
para além do objeto.

A análise desses dois tipos ideais nos permite observar modos distintos de
simbolização presentes nos Museus: enquanto no primeiro caso a ênfase está na
forma, no significante, naquilo que o objeto apresenta, no segundo o foco se desloca
do objeto em sí para aquilo que ele representa, para seu conteúdo, contexto ou
significado. Vernant (1992), em seu estudo “figuração e imagem”, ao discutir as
categorias “ídolo” e “ícone”, gregas de origem, nos ajuda a compreender esses dois
tipos distintos de relação entre a imagem e aquilo que ela representa.

“Se o ícone pôde aparecer, no final, como uma porta aberta sobre o além,
e se o ídolo pôde ser condenado porque aprisiona o homem na sua
aparência e no seu mundo, é porque, já no começo, o eidôlon quer se

21
fazer passar por seu modelo e procura se confundir com ele, enquanto o
eikôn se reconhece distinto deste e só reivindica um parentesco de
relação. Ou ainda: o ídolo faz do visível, que é todo o seu ser, um fim em sí
mesmo. Ele pára o olhar que se debruça sobre ele e o impede de ir mais
longe. O ícone, ao contrário, traz de imediato em si a sua própria
superação” (Vernant 1992:117-118. Grifos meus).

Aproximando as observações de Vernant com os processos de simbolização


presentes nos dois tipos de Museus de que nos fala Gonçalves, podemos dizer que
enquanto o “museu narrativa” valoriza os objetos ao modo do “ídolo”, o “museu
informação” enfatiza o objeto como “ícone”. Esses dois pólos, que Gonçalves trata
como tipos ideais, separados do ponto de vista analítico, todavia, na dinâmica dos
Museus específicos, se interpenetram de modo complexo. Como mostra Luis de
Castro Faria (1993), as dimensões de espetáculo e excelência, que seriam próprias
ao “museu narrativa” e ao “museu informação”, respectivamente, vêm convivendo de
modo paradoxal ao longo da história dos museus, como é o caso do Museu
Nacional. Criado em 1808 por D João VI, para ser um “Museu Científico Nacional”, o
Museu Nacional (ou Museu Real), foi, ao longo de sua trajetória, a um só tempo
locus de excelência na produção científica e também promotor de grandes
exposições-espetáculos, como a Exposição Antropológica Brasileira (1882) que,
através e meios visuais, exibia narrativas evocativas ao império e seu lugar no
concerto das nações.

Tal paradoxo, que faz dos museus um espaço-palco onde simultaneamente


se percebe, por um lado, a promoção de espetáculos, com narrativas coerentes
acerca das identidades (nacionais, regionais ou locais) e por outro, a produção de
pesquisas, reflexões e problematizações, parece ser intrínseco e estruturante de
toda e qualquer instituição museal, especialmente aquelas qualificadas como
Museus Universitários, como é o caso do Museu Théo Brandão.

Considerações finais

Os museus, em sua definição básica, são espaços cuja missão é preservar,


interpretar e exibir seus acervos. Constituídos a partir de diferentes suportes e
materiais, os acervos dos museus se caracterizam, antes de tudo, pela sua
materialidade. Cerâmicas, esculturas em madeira, ex-votos, rendas e bordados,
objetos de fibra vegetal, assim como livros, fotografias, documentos, filmes e
gravações sonoras só existem na medida em que se materializam em determinadas
formas. Tais objetos é que se tornam, em um Museu, a matéria prima, tanto para
exibição quanto para a preservação e interpretação. E o que são objetos? Símbolos
cuja eficácia reside em seus aspectos formais e evocativos ou ícones cujo
significado deve ser encontrado para além da materialidade? O objeto fala por si ou
através de si fala de alguma outra coisa? Essas questões e inquietações ao longo
do tempo vêem chamando a atenção não somente de pesquisadores, mas também
dos que fazem e pensam os museus.

22
Neste artigo, acompanhado a trajetória do Museu Théo Brandão em seus
trinta e seis anos de existência, tivemos a oportunidade de observar como esses
paradoxos vêem se atualizando nesse caso particular. Nessa direção, entre outras
coisas, constatamos que, apesar das intenções inicias de Théo Brandão quando
recomendava que o propósito do Museu era ser um centro de estudos,
documentação e pesquisa, o que observamos é que esse aspecto investigativo vem
assumindo lugar secundário na história dessa instituição quando comparados com
as dimensões comemorativas e espetaculares. Tal fato pôde ser observado com
clareza quando analisamos a concepção que orientou a montagem da exposição
permanente, inaugurada em 2002 e que permanece até os dias de hoje. Entre
outras coisas, percebemos como o foco de atenção do espectador é direcionado
para os objetos, valorizado em si e para si, através de efeitos como os de iluminação
e disposição. Com relação à montagem cenográfica, percebe-se que a opção de
separar o espaço interno da exposição em relação ao exterior, cria uma ambiência
fechada característica dos “museus narrativas”. Além disso, a pouca presença de
textos explicativos, etiquetas e demais sinais de identificação e contextualização dos
objetos, conduzem à valorização dos aspectos estéticos dos objetos em relação ao
seu conteúdo, do significante frente ao significado, da impressão sob a reflexão.
Enfim, do espetáculo frente à excelência.

Antes de terminar esta reflexão, gostaria de mencionar a recente mudança de


orientação que o Museu Théo Brandão vem vivenciando desde o início do ano de
2010, quando assumi a direção com o forte propósito de, sem desvalorizar as
dimensões comemorativas ou espetaculares, chamar a atenção para o lugar central
que a pesquisa e a produção de conhecimentos devem ter no âmbito de um Museu
universitário como o Museu Théo Brandão, dedicado à antropologia e ao folclore. Tal
movimento, de certo modo, se materializará com a realização do projeto de extensão
“Folguedos Populares em Alagoas: recuperação, disponibilização e pesquisa nos
acervos sonoro, fotográfico e documental do Museu Théo Brandão de Antropologia
e Folclore”, por nós recentemente elaborado e aprovado e que tem como objetivo
atuar tanto na preservação e conservação dos documentos originais, como na
pesquisa, disponibilização e conseqüente democratização do acesso aos seus
conteúdos.

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23
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Anexo 1 – Folhetos de divulgação das primeiras exposições do Museu Théo Brandão

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