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POR UMA
ANÁLISE DO PERFIL MIGRATÓRIO
BRASILEIRO NOS ÚLTIMOS ANOS
ANA LUIZA BRAVO E PAIVA
ANA PAULA MOREIRA RODRIGUEZ LEITE
Resumo: Desde a década de 80, o país era caracterizado pelo grande número de
emigrantes que se dirigiam, em geral, para os Estados Unidos e para a Europa. Esse
fenômeno trouxe durante muito tempo efeitos negativos para o Brasil, na medida em
que tínhamos uma fuga de cérebros (brain drain), ou seja, nossa mão de obra
qualificada se direcionava a estas regiões, buscando novas oportunidades profissionais.
Contudo, esse panorama vem se alterando na conjuntura mais atual. O Brasil nos
últimos anos, além de uma potência regional, tornou-se um dos países com maiores
índices de desenvolvimento, sendo hoje a 6ª economia mundial.
Sendo assim, esta comunicação tem como escopo analisar o momento de inflexão que o
Brasil atravessa com vistas a verificar se, de fato, o país estaria experimentando uma
transformação em seu perfil migratório, passando a assumir o papel de importador de
mão de obra. Talvez ainda seja muito cedo para falar em inversão dos fluxos, mas já é
possível, a partir da análise empírica, observar indícios de mudanças e, por essa razão,
há a necessidade de investigarmos suas causas.
PALAVRAS-CHAVE: imigração no Brasil, política imigratória brasileira, o Brasil e o
cenário internacional
Abstract: Since the 80s, the country was characterized by the large number of
emigrants who went, in general, to the United States and Europe. This phenomenon has
brought long negative effects for Brazil, in that it had a brain drain ( brain drain ), ie,
our skilled labor is directed to these regions, seeking new career opportunities .
However, this scenario is changing at the present conjuncture. The Brazil in recent
years, as regional power, has become one of the countries with the highest rates of
development, and is currently the 6th world economy.
INTRODUÇÃO
Nos anos mais recentes, a migração assumiu patamares jamais vistos em
toda a história da humanidade. De acordo com dados das Nações Unidas (ONU), houve
um aumento significativo das migrações (stock) nas últimas décadas do século XX, o
número de migrantes saltou de aproximadamente 75 milhões em 1965 para 150 milhões
em 1990 (United Nations, 2004). Os países mais desenvolvidos como Estados Unidos e
Europa Ocidental têm sido recorrentemente alvo de migrações, sejam de trabalhadores
ou de refugiados. De acordo com o estudioso de diásporas Bimal Gosh (2000), estes
países recebem cerca de 1 milhão de migrantes por ano, sendo estes regulares, uma vez
que existe certa dificuldade em contabilizar nas estatísticas as pessoas que entram por
canais irregulares – tráfico e contrabando de pessoas.
Dados da Organização Internacional para a Migração (OIM), apontam
para o crescimento do número total de migrantes no mundo. Atualmente, 214 milhões
de pessoas vivem em território que não o de seu nascimento1 (UNITED NATIONS,
2008). Os cômputos exprimem que de cada 33 habitantes do planeta, um não vive em
seu país de origem. Embora os migrantes representem apenas 3,1% da população
mundial, não se podem desconsiderar os impactos que tais deslocamentos podem
representar para todos os países no mundo – tanto para aqueles que recebem tais fluxos,
quanto para os que exportam mão de obra.
Sabe-se que o fenômeno migratório não é recente, mas que o aumento
das migrações nos dias de hoje são fomentadas em grande medida pelos novos
processos de reestruturação da economia global. Do ponto de vista econômico, a nova
estrutura dos mercados globais criou uma demanda por mão de obra nas sociedades
industriais mais desenvolvidas, além de aprofundar as disparidades entre países ricos e
1
Esse número representa o volume total de migrantes no mundo inteiro, incluindo migrantes econômicos
e refugiados.
pobres, visto que o crescimento dos países se faz de forma desigual. A conjugação
desses dois fatores aumenta o impulso e até mesmo a necessidade de migrar para outros
países.
Além disso, do ponto de vista social, o advento de novas tecnologias de
comunicação e transporte levou a criação de uma “sociedade em rede” (CASTELLS,
1999). Em um mundo cada vez mais interconectado, a relativa facilidade de
deslocamento entre as fronteiras - pelo menos do ponto de vista das viagens - e as
informações propagadas com maior amplitude pelos meios de comunicações - televisão,
cinema, internet – geram sonhos e criam expectativas de que a vida pode ser melhor nos
países mais ricos.
Sendo assim, ao estudar as migrações internacionais contemporâneas é
importante considerar os fatores estruturais que determinam o direcionamento dos
fluxos. Para o trabalho em questão, considera-se que “a ascensão dos países emergentes
está revolucionando a imigração global, tendência intensificada pela crise econômica na
Europa, Japão e EUA.” (MARGOLIS, 2008 apud PATARRA, 2012). Seguindo esta
premissa, pode-se afirmar que haveria uma tendência de inversão no padrão migratório
em escala mundial. Até então, os fluxos concentravam-se predominantemente no eixo
Sul-Norte. Entretanto, no contexto de crise econômica, países em desenvolvimento –
como o Brasil - começam a despontar como polos de imigração.
Ainda que seja cedo para falar em uma alteração no perfil migratório
brasileiro, já é possível identificar o aumento da imigração e do retorno de emigrantes
ao país. Podemos destacar como as causas principais dessa inversão: a crise econômica
vivenciada no continente europeu, a elevação do status brasileiro no cenário
internacional e a demanda por mão de obra especializada. Estes dois últimos fatores se
inserem, conforme veremos adiante, em um projeto nacional que visa à consolidação da
estabilidade macroeconômica e da redução da vulnerabilidade externa, sendo a política
externa um dos principais veículos para lograr tais fins.
Considerando as causas acima mencionadas, optou-se por utilizar como
aporte teórico as teorias conhecidas como push and pull. O termo é geralmente
traduzido para o português como modelo de atração e repulsão. Esse aparato teórico
considera que as causas da migração devem ser atribuídas às diferenças econômicas
entres os países. Nesse sentido, a pobreza e salários baixos nos países menos
desenvolvidos seriam os responsáveis pela repulsão/atração de mão de obra. Enquanto,
nas sociedades de destino, a demanda por empregos e melhores salários atrairiam os
trabalhadores (MÁRMORA, 1997; FUSCO, 2007). Em geral, os adeptos dessa corrente
arrolam como causas da migração: o diferencial de renda; a estagnação econômica; o
crescimento demográfico dos países em desenvolvimento que gera mão de obra
excedente; violações de direitos humanos (SOARES, 2002).
Embora estejamos adotando a teoria econômica de atração e repulsão para
a compreensão da nova dinâmica migratória que o Brasil começa a se inserir, não
desconsideramos os fatores políticos e sociais que também contribuem para alavancar as
migrações internacionais. No entanto, por se tratar de um movimento migratório novo,
acredita-se que as novas levas de imigrantes estariam sendo motivadas essencialmente
por questões econômicas, sendo atraídas pelas vagas disponíveis no mercado de trabalho
brasileiro, uma consequência da redução da vulnerabilidade externa brasileira. Ademais,
ao analisar processos migratórios, é preciso considerar que tais fenômenos engendram a
formação de redes sociais - que serão fundamentais para a manutenção de fluxos de
pessoas entre países que experimentam alterações significativas no perfil
socioeconômico.
Não obstante, a migração é um fenômeno complexo cuja análise não deve
ser engessada em conceitos rígidos, sendo, portanto, necessário considerar todas as
diversas instâncias que envolvem o projeto migratório. De acordo com Sayad, os estudos
acadêmicos não devem tratar da imigração como fenômeno isolado em sua totalidade.
Para este autor, imigrar é apenas uma ponta do processo, o deslocamento se dá nos atos
de emigrar e imigrar; há uma origem e um destino. Sendo assim, destaca-se a
importância de buscar na origem as causas endógenas da emigração e os efeitos
exógenos da imigração. Resumindo, todo imigrante, é antes um emigrante e, dessa
forma, os fatores de atração e repulsão encontram-se imbricados. Por essa razão, ao
analisar o novo fenômeno migratório brasileiro, buscou-se avaliar de que maneira as
mudanças no cenário internacional criaram uma condição favorável à migração
transnacional nas duas pontas do fluxo, ou seja, nos países de origem e nos países de
destino.
A discussão atual gira em torno da real contribuição das migrações no
fomento ao desenvolvimento dos países, tanto nos países receptores quanto nos países
exportadores de mão de obra (MARTINE, 2005; PEREIRA, 2008). As remessas
enviadas pelos migrantes para seus países de origem é o exemplo clássico da migração
como facilitador do desenvolvimento. Não obstante, existem outras iniciativas que
podem contribuir para tal finalidade. No caso dos países receptores, o ganho pode
acorrer através do brain gain2, uma vez que a maioria dos países privilegia a imigração
de profissionais qualificados. Por outro lado, esse mesmo processo pode representar a
perda de recursos humanos para os países exportadores de trabalhadores, fenômeno
conhecido com brain drain3 ou fuga de cérebros.
Evidentemente, a falta de governabilidade4 dos fluxos leva a
consequências sérias para os países envolvidos em uma dinâmica migratória. Para
aqueles que sofrem com a evasão populacional, a perda de capital humano pode
representar sérias consequências. Enquanto isso, nos países receptores dos fluxos
populacionais, os governos argumentam que o grande volume de imigrantes,
principalmente ilegais, pode representar um alto custo econômico-social e político. Não
obstante, acadêmicos e representantes de ONGs em todo o mundo defendem que
aspectos ditos negativos da migração podem ser reduzidos com a adoção de políticas
mais coerentes que levem em conta todos os fatores – políticos, econômicos e sociais –
que imbricam os fluxos migratórios. Fica, portanto, patente que, diante da inevitabilidade
da migração internacional, a única opção viável para os governos é a adoção de políticas
menos seletivas e que visem à interação social entre nacionais e migrantes.
Nas linhas que se seguem, como forma de orientar a análise, procurou-se
avaliar as novas dinâmicas do cenário internacional, estabelecendo um nexo entre o
aumento da projeção internacional brasileira, a crise econômica internacional e o recente
aumento da imigração no país. Para, então, em um segundo momento, a partir da análise
de dados quantitativos, identificar o padrão migratório do Brasil.
2
Atualmente, as políticas migratórias de países desenvolvidos privilegiam a imigração de profissionais
qualificados. O brain gain pode ser definido como o ganho obtido pelos países que importam mão de
obra qualificada, não sendo necessário o investimento em recursos humanos.
3
O fenômeno do brain drain significa a perda de cidadãos que poderiam colaborar para o
desenvolvimento do país exportador de mão de obra. A evasão dos melhores recursos humanos dos países
mais pobres é vista como um inibidor do desenvolvimento. Cf.: PEREIRA, 2008.
4
A governabilidade dos fluxos migratórios pressupõe o respeito aos acordos internacionais no que diz
respeito às migrações e aos direitos humanos de todos os migrantes.
Situação que se manteve até o deflagrar da Primeira Guerra Mundial quando, envolvida
no conflito mais notadamente contra a Alemanha que buscava desestabilizar o poder
inglês, perdeu sua imponência.
A transferência de poder deu-se da Inglaterra para os Estados Unidos que
despontou como grande líder no cenário internacional mantendo-se desta forma
hegemônico até o fim da Segunda Guerra Mundial. A partir de então, o poder passou a
ser competido entre Estados Unidos e União Soviética e o mundo passara a ser regido
pela égide bipolar. No entanto, com a criação da ONU em 1948, deixava claro que
outros países tinham um poder de interferência partilhando com as duas potências os
poderes de se fazer a guerra ou promover a paz no mundo ao serem detentores do poder
de veto no que tange aos assuntos internacionais.
A outra mudança de paradigma deu-se no fim da Guerra Fria
legando aos Estados Unidos a condição de única superpotência que reunia,
simultaneamente, força militar e hegemonia estratégica global, o que
provocou um debate sobre a configuração de poder que se sucederia à
dissolução da União Soviética. (VILLA; REIS, 2006)
Assim sendo, podemos inferir que a recente alteração nos fluxos migratórios
internacionais e o consequente interesse pelo Brasil como destino da imigração seria
resultados não somente de fatores estruturais, como o crescimento econômico do país e
de uma melhor inserção internacional, mas também de fatores subjetivos, qual seja: a
leitura que os agentes migratórios fazem da imagem do país no cenário internacional.
Além disso, o desenvolvimento dos laços sociais entre os países de origem e destino faz
com que o fluxo migratório se torne cada vez mais estruturado.
Vale ressaltar, que o governo brasileiro vem mostrando-se cada vez mais
favorável à chegada de imigrantes, sobretudo no momento em que o país prepara-se
para os grandes eventos. Busca-se a mão de obra qualificada conforme afirmou o
ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República,
Moreira Franco, em reportagem à Agência Brasil. Segundo o ministro, falta ao Brasil
uma expertise no tratamento das políticas que visam atender esses imigrantes
qualificados, “mas também precisamos ter uma sociedade mentalmente aberta e o
debate sobre política migratória deve passar pelo plano político” (AGÊNCIA BRASIL,
29/01/2013).
5
Embora seja cada vez mais difícil estabelecer uma diferenciação entre refugiados e migrantes
econômicos, é importante apresentar o conceito clássico. Tradicionalmente, por migrante econômico
entende-se o indivíduo que deixou seu lugar de residência habitual para se reassentar em outro lugar
diferente de seu país de origem com o intuito de melhorar sua condição de vida. Em geral, essa
classificação é usada para distingui-los dos refugiados. Estes, por sua vez, são definidos como indivíduos
que tiveram de deixar seus países de origem forçadamente em função de perseguição política, étnica e/ou
religiosa, sendo, portanto, passíveis de proteção jurídica internacional. Ao adotar o termo migrante
econômico, não se pretende assumir que as causas dos fluxos migratórios sejam estritamente econômicas,
pois a migração internacional é um fenômeno de múltiplos matizes e dimensões.
Historicamente, o Brasil é reconhecido como país de imigração. Desde a
descoberta do país ao final do século XV, como parte do próprio processo de
colonização, levas e levas de imigrantes europeus africanos aportavam em terras
tupiniquins com o objetivo de ocupar o território. Com o passar do tempo, escravos
africanos foram trazidos contribuindo fortemente para a formação demográfica e
cultural da recém-nascida colônia. Para alguns estudiosos, entretanto, não podemos
considerar os europeus chegados anteriormente a 1822, data em que o país se torna
independente de sua antiga metrópole, como imigrantes, mas sim como colonizadores,
visto que o país ainda não tinha consolidado o seu projeto nacional, sendo apenas uma
colônia.
Seguindo esta perspectiva, é somente, a partir de 1870 que o Brasil, ao
receber milhares de portugueses, italianos, espanhóis, alemães e japoneses, consolida
seu caráter imigrantista de compromisso. Entre o final do século XIX e o início do XX,
estima-se que o país tenha recebido um contingente de imigrantes em torno de 4,4
milhões, provenientes de Portugal, Espanha, Itália, Japão e Alemanha. Neste período, a
imigração fora fomentada, necessidade de substituição da mão de obra escrava que
trabalhava nas lavouras, logo após a proibição do tráfico negreiro e, por fim, com a
abolição da escravidão. Com o passar do tempo, os trabalhadores estrangeiros passaram
a ser utilizados como força de trabalho na incipiente indústria que surgia nos centros
urbanos.
O último grande pico de imigração para o Brasil ocorreu na década de
50. No contexto pós-guerra, as dificuldades de reconstrução na Europa e Japão fizeram
com que português, espanhóis, italianos e japoneses deixassem seus países de origem
em busca de melhores condições de vida. O Brasil passou a atrair esses imigrantes em
função do crescimento econômico, fomentado por um amplo projeto
desenvolvimentista.
Cumpre destacar que, até meados do século XX, a imigração fazia parte
de uma política governamental que visava não somente ao suprimento das demandas do
mercado de trabalho, mas que também focalizava o branqueamento da população
brasileira. Amplamente difundido no imaginário social e político da época, o
pensamento eugenista de autores como Oliveira Vianna e Sílvio Romero argumentava
em favor da imigração de europeus como uma das formas de se promover um processo
de redução étnica cuja finalidade última era a extinção do elemento negro da sociedade
brasileira.
Na década de 60, a ascensão dos militares ao poder, trouxe um novo
elemento para o debate acerca da imigração: a questão da segurança nacional.
Paulatinamente, as políticas de atração de imigrantes converteram-se em “políticas de
controle, que acabaram culminando em leis profundamente autoritárias e restritivas”
(PERFIL MIGRATÓRIO BRASILEIRO, 2010: 11). Com a consolidação do regime
autoritário, que perdurou por 21 anos, a imigração para o país passou a ser praticamente
imperceptível, levando a uma reorientação do fluxo migratório.
A emigração brasileira para países estrangeiros é fato recente. É somente
nos anos 80 que o país passa a exportar significativa parcela de sua força de trabalho,
assumindo, em termos de movimento populacional um perfil emigrantista. Para os
primeiros analistas que tentavam compreender a emigração brasileira, esta estaria
relacionada com a crise econômica que assolava o país desde o esgotamento do milagre
econômico no final década de 70 (ASSIS, 2000). No entanto, também podemos
relacionar este fenômeno com processo de globalização.
As ondas de migração contemporânea – diferentemente dos fluxos
migratórios do século XIX e início do XX – foram potencializadas pelos processos de
reestruturação da economia global. Em primeiro lugar, o desenvolvimento de novas
tecnologias de transporte e comunicação atuou como facilitador do fenômeno
migratório. De outro lado, percebe-se que as disparidades econômicas entre países
desenvolvidos e menos desenvolvidos são potencializadas, fazendo com que cada vez
mais um número maior de pessoas opte por migrar em busca de melhores condições de
vida. Conforme nos demonstra George Martine (2005):
Nos dias de hoje, o horizonte do migrante não se restringe à cidade mais
próxima, nem à capital do estado ou do país. Seu horizonte é o mundo –
vislumbrado no cinema, na televisão, na comunicação entre parentes e
amigos. O migrante vive num mundo onde a globalização dispensa fronteiras,
muda parâmetros diariamente, ostenta luxos, esbanja informações, estimula
consumos, gera sonhos e, finalmente, cria expectativas de uma vida melhor.
(MARTINE, 2005: 3)
6
Cabe ressaltar que O MRE produz suas estimativas a partir dos dados disponíveis nos Consulados e
Embaixadas brasileiras no exterior. Deve-se, contudo, esclarecer que existe certa dificuldade em se
produzir dados exatos sobre a migração, uma vez que é extremamente problemática a mensuração dos
fluxos migratórios irregulares. Nesse estudo, os dados do MRE serão utilizados apenas exemplificar a
tendência da emigração brasileira.
Encontramo-nos, portanto, em um momento de inflexão, no qual a
discussão entre a sociedade civil e as esferas governamentais será de suma importância
para a construção de uma política imigratória mais inclusiva. Recentemente, é possível
identificar o aumento da pressão de grupos sociais organizados e de ONGs pela abertura
da imigração aos imigrantes mais pobres e vítimas de catástrofes climáticas ou sociais.
Essa nova tendência pró-imigração manifestada pelo governo brasileiro
aparentemente caminha na contramão das propostas restritivas dos países
desenvolvidos. No entanto, cumpre registrar que, assim como os Estados Unidos e
alguns países europeus, a iniciativa brasileira tem uma finalidade muito específica: a
atração de mão de obra qualificada, sobretudo aquela vinda da Europa. Enquanto isso,
trabalhadores pouco qualificados oriundos de regiões mais pobres ingressam no
território brasileiro, geralmente de forma irregular, passando a ser motivo de constante
preocupação das autoridades governamentais.
Recentemente, o Brasil foi confrontando pelo aumento crescente de
ondas migratórias. Desde 2010, em função da crise climática e do agravamento das
condições de vida no Haiti, muitos haitianos passaram a considerar a realização de um
empreendimento migratório. A primeira leva que se dirigiu ao Brasil, ao chegar ao país,
valendo-se da prerrogativa de estarem sofrendo uma grave violação dos direitos
humanos no país de origem. Após análise das solicitações de asilo, o governo decidiu
pela aprovação de vistos de trabalho temporário. Até aquele momento, por se tratar de
um contingente reduzido, a chegada dos haitianos ainda não figurava uma grande
preocupação para as autoridades brasileiras.
A escolha do Brasil como país de destino pode ser entendido como
resultado de uma maior projeção internacional, em consequência da nova realidade
econômica brasileira. Soma-se a isso a presença brasileira, desde 2004, em território
haitiano na qualidade de líder da Missão das Nações Unidas para a estabilização no
Haiti (MINUSTAH). Desde então, pode-se verificar o estabelecimento de laços sociais
entre a população haitiana e os militares brasileiros. Por essa razão, ao invés de
diminuir, com o passar do tempo, o fluxo de haitianos para o Brasil tomou uma
proporção muito maior. Em janeiro de 2011, um ano após o terremoto, milhares de
haitianos tentaram ingressar no Brasil através das fronteiras com o Peru e a Bolívia. Ao
invés de recebê-los, em resposta ao aumento do fluxo de haitianos, o governo brasileiro,
optou por fechar as fronteiras e proibir a entrada destes imigrantes. Na ocasião, mais de
300 haitianos se encontravam em território peruano, sob condições precárias, esperando
a autorização do governo brasileiro para atravessar a fronteira.
O governo brasileiro argumenta que a legislação brasileira não prevê a
concessão de refúgio para casos que estejam relacionados a desastres naturais e, por
esse motivo, os haitianos não poderiam ser considerados refugiados. Com efeito, o
conceito que define refugiado como o indivíduo que esteja em situação de violação de
direitos humanos é deveras amplo, sendo, portanto, passível de contestação.
Diante das pressões internas e internacionais, a saída encontrada pelo
governo brasileiro foi disposta pela Resolução Normativa n° 97, de 12 de janeiro de
2012, segundo a qual seriam concedidos vistos temporários – com validade de cinco
anos - e de caráter humanitário. Além disso, a partir da data de implementação da
resolução, foram estabelecidas cotas anuais para a concessão de vistos para haitianos e
os solicitantes deverão dar entrada ao processo ainda no país de origem - no Consulado
Brasileiro no Haiti. Com a adoção deste dispositivo, cerca de dois mil e quinhentos dos
quatro mil haitianos que se encontravam em situação irregular puderam permanecer no
Brasil. Contudo, apesar das autoridades brasileiras terem se mostrado propensas a
solucionar este litígio, a situação ainda pode ser considerada preocupante. Por
conseguinte, tais limitações têm provocado inquietações entre os defensores dos direitos
humanos. De acordo com a reportagem de 10/09/2012, a diretora do Conectas Direitos
Humanos afirma:
Estamos preocupados com o funcionamento efetivo do 'visto humanitário' e
também com a situação daqueles que têm sua entrada negada no Brasil. Há
relatos de famílias desabrigadas em zonas de fronteira, confrontadas pela
Polícia Federal e sem ter como nem para onde regressar. Isso não é
condizente com uma política que se autodenomina humanitária.
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