John Owen - Apostasia Do Evangelho

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SINTETIZADO E TORNADO MAIS FÁCIL DE LER
POR
R. F. K. LAw

1 OS PURITINOS
Publicado originalmente em ingMs sob o titulo:
APOSTASY FROM THE GOSPEL
THE BANNER OF TRUTH TRUST, 3 Murrayfield Road, Edinburgh EH I2 6EL
PO Box 621, Carlísle, Pensylvania I70I3, USA
Copyright © R]K Law I992
First Published I992
ISBN 085I5I6092

Traduzido e Impresso com permissão da THE BANNER OF TRUTH TRUST

APOSTASIA DO EVANGELHO
A Natureza e as Causas
da Apostasia do Evangelho
JOHN ÜWEN
SINTETIZADO E TORNADO MAIS FÁCIL DE LER POR
R. F. K. LAW

1ª Edição em português - Fevereiro de 2002


É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, sem autorização por
escrito dos editores, exceto citações em resenhas.

Edição em Português:
Manoel Sales Canuto
[email protected]
Tradução:
Hope Gordon Silva
Revisão:
David C. Gomes e Claudete Água de
Melo Diagramação, Editoração e Capa:
Heraldo R de Almeida
[email protected]
Editora:
Os Puritanos
Telefax: (11) 6957-8566/(11) 6957-3148
[email protected]
www.puritanos.com.br
Impressão:
Facioli Grdfica e Editora Ltda
Rua Canguaretama, 181 - Vila Esperança
CEP 03651-050- São Paulo - SP
A Natureza e as Causas da Apostasia do Evangelho......................9
M.postasia Parcial do Evangelho............................................47
M.postasia da Verdade do Evangelho.......................................57
As Razões e Causas da Apostasia............................................67
Trevas e Ignorância: Uma Causa de Apostasia...........................81
Orgulho, Negligência, e Amar ao Mundo: Causas de Apostasia......99
A Apostasia das Doutrinas do Evangelho................................113
A Apostasia dos Mandamentos do Evangelho...........................127
A Apostasia e o Ministério Ordenado.....................................145
Mais Causas deApostasia....................................................153
A Apostasia do Culto Evangélico...........................................173
Os Perigos da Apostasia Generalizada....................................179
Defesas Contra a Apostasia.................................................193
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igreja primitiva era cautelosa com respeito a quem ad


mitia à comunhão dos irmãos. Qualquer cristão que
pecava só era readmitido à comunhão se houvesse
ar
rependimento ostensivo.
Mas onde pecados notórios e escandalosos fossem cometidos,
tais como assassinato, adultério ou idolatria, não se permitia ne
.nhuma readmissão à comunhão da igreja. Isso acontecia
especial mente quando um cristão cometia idolatria por medo
de ser mar tirizado por causa de sua fé.
A Igreja de Roma, no entanto, era considerada muito negligente
e branda em sua disciplina. Tertuliano acusa Zeferino, Bispo de
Roma, de receber adúlteras arrependidas e readmiti-las à comunhão da
igreja. Novacio e Novaciano se opuseram a essa frouxidão, indo
ao extremo oposto. Negaram toda esperança de perdão e volta ao
rol da igreja a qualquer pessoa que pecasse depois do batismo. Mas
os seguidores de Novacio e Novaciano, horrorizados com
disciplina tão extremista, preferiam deixar todas as pessoas,
quando arrependidas, à mercê de Deus, e só se recusavam a
readmitir aque
les que haviam cometido crimes notórios e escandalosos.
Eles tentaram estabelecer essa disciplina a partir da própria na
tureza do batismo, que nunca deveria ser repetido. A idéia deles
era que nenhum perdão poderia ser concedido àqueles que caíam
em pecados dos quais haviam sido limpos na ocasião de seu batis
mo. Supunham que isso era o ensino na Epístola aos Hebreus 6.4-
6.
m
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

Portanto, como sempre acontece quando os homens pensam en


xergar algum ensino ou doutrina especial em um texto ou passa
gem da Escritura, e não expõem sua interpretação à totalidade
da luz da Palavra de Deus, esses versículos foram
lamentavelmente mal entendidos e mal usados.
A Igreja de Roma, embora julgasse corretamente, a partir de
outras passagens da Escritura, que os novacianos tivessem
trans gredido tanto a regra da caridade como a da discipli a
evangélica ao recusarem readmitir ao rol da igreja os pecadores
notórios quan do estes se arrependiam, mesmo assim não
souberam como lhes dar resposta segundo esse texto da
Escritura. Então, em vez de se expor a julgamento e crítica
adversos, ela se recusou a confirmar a autoridade dessa epístola.
Ainda bem que mais tarde alguns ho mens doutos, pela sua
interpretação sensata daquelas palavras, mostraram com clareza
que aquele texto não sustentava os erros dos novacianos. Sem
isso, os homens teriam mantido suas própri as interpretações em
lugar de se submeterem à autoridade da Es critura, o que teria
provado ser desastroso para a verdade. Mas essa epístola, dada
por Deus para a edificação da igreja, teria por fim prevalecido
qualquer que fosse a interpretação que os homens em seus
preconceitos e ignorância tivessem dado ao ensino dela.
Toda essa controvérsia foi, no entanto, há muito sepultada, e
às igrejas de hoje readmitem à comunhão aqueles que pecaram
após seu batismo, quando se arrependem abertamente.
O sentido dessas palavras já foi, entretanto, assunto de
debate acirrado em outras ocasiões.
Alguns supõem que aquele texto descreve crentes verdadeiros,
e conseqüentemente ensinam que crentes verdadeiros podem
de cair e finalmente perecer.
Outros, ensinando que os crentes no pacto da graça não po
dem finalmente cair e perecer eternamente, ensinam que o texto
destes versículos não se aplica aos verdadeiros crentes - ou
que, se estão incluídos, essas palavras são apenas um aviso e o
meio pelo qual os crentes verdadeiros são guardados de cair.
A NATURll2.A E AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGELHO m
Alguns, quando lêem ou ouvem essas palavras, consideram que
por terem eles caído no erro e negligenciado seus deveres cristãos
após ter professado sua fé no evangelho, devem ter cometido aque
les pecados aos quais nosso texto se refere, e assim ficam desani
mados, ou crêem que estão irremediavelmente perdidos.
Mas esses versos não desanimam ninguém de arrepender-se de
seus pecados e se lançar sobre as misericórdias de Deus e de en
contrar nele aceitação. Servem, entretanto, como aviso a todos os
crentes descuidados.
6.4-6
Ao estudar as palavras desse texto devemos observar o contexto, as
pessoas a quem o texto se refere, e o que se pretendia com essas

pala vras.

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Uma das primeiras palavras do texto é "pois" ["assim" NTIH;
"por tanto" NVI], a qual nos manda olhar atrás e ver o motivo pelo
qual essas palavras foram escritas. Logo antes temos as palavras: "se
Deus permitir". Mais à frente, no v. 9, os crentes são descritos
como sen do aqueles de quem o autor confiava ver coisas melhores,
coisas que acompanham a salvação, o que sugere que esse texto (v.
4-6) não se refere a crentes. Não obstante, ele os adverte dessa
maneira para que não se tornem assim. Acusa-os de serem
preguiçosos e negligentes. Em vez de crescerem e progredirem no
conhecimento de sua fé e práticas cristãs, eles estavam parados,
quando não retrocedendo. Então ele os avisa do perigo que
enfrentam se não se arrependerem de seu comportamento atual.
Não crescer no conhecimento do evan gelho e na obediência às
obrigações compreendidas é estar em peri go de retroceder àquela
posição de descrença e ignorância da qual haviam sido resgatados e
é rejeitar o evangelho completamente. Para adverti-los, o autor lhes
dá uma descrição do estado infeliz e miserá vel daqueles que
pareciam ter começado bem quando reconhece ram publicamente
sua aceitação do evangelho, e que depois, por
m APOSTASIA Do EVANGEIJIO - JonN OWEN

ociosidade e negligência, escorregaram e recaíram na velha


situação e nas antigas práticas, para então terminarem na apostasia.
Pode mos ver, destarte, como são úteis os avisos sérios e severos
na prega ção do evangelho.
SI

Eram pessoas que tiveram, por meio do evangelho, grandes


privilégios e vantagens. Tendo estes sido menosprezados e negli
genciados, aquelas pessoas encontravam-se em grande perigo de
apostasia da qual nunca se poderiam recuperar (Hb 2.3).
Os privilégios que essas pessoas tinham eram quanto às
obras especiais do Espírito Santo, obras específicas para a época
do evan gelho. Não poderiam ter sido feitas participantes delas
sob a lei, no judaísmo. Então, nesse sentido, o Espírito não era
recebido por "obras da lei, mas pelo ouvir a pregação da fé" (Gl
3.2). Esses privilégios testificavam que essas pessoas haviam
sido libertas da servidão da lei por uma participação naquele
Espírito que era o grande privilégio do evangelho.
Não há referência clara de qualquer pacto da graça ou da mise
ricórdia por sobre elas ou para elas, nem de que tivessem
executado qualquer dever da fé ou obediência. Não são declaradas
justificadas, santificadas nem adotadas como filhos de Deus. Mais
tarde, quan do o escritor dessa epístola declara que espera e está
mesmo persu adido de que seus leitores não faziam parte daquelas
pessoas a res peito de quem ele havia descrito, nem eram dos tais
que cairiam na perdição, ele faz isso com base em três
fundamentos:
(1) Crentes verdadeiros possuem características que sempre
acompanham a salvação. São coisas inseparáveis da salvação. Por
tanto, nenhum dos elementos nesse texto é inseparável da salva
ção; caso contrário, seu argumento de que o estado em que se
encontravam era seguro não poderia ser mantido.
(2) Crentes verdadeiros são conhecidos por sua obediência e
pelos frutos da fé em suas vidas. Este era "seu trabalho e amor
evidenciado para com o nome de Deus" (Hb 6.10). Com isso,
A NATUREZA E AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGELHO m
nosso escritor os declara difereµtes daqueles que já descreveu, que
estavam em perigo de perecer eternamente. Mas ninguém que
tenha estes frutos - fé salvadora e amor sincero - pode
perecer.
(3) Crentes verdadeiros vivem sob os cuidados e a fidelidade
de Deus, que prometeu preservá-los eternamente. "Deus não é
injusto para que se esqueça." Mas Deus só prometeu guardar de
perecer eternamente aqueles que estão no pacto da graça e nada
disso é suposto com respeito às pessoas descritas no texto. Absolu
tamente não são descritas como sendo aquelas que Deus prome
teu fielmente conservar em segurança para a eternidade; antes
muito pelo contrário. Assim, toda essa descrição fala de alguns
privilégios do evangelho dos quais os que afirmam aceitar o
evan gelho foram participantes, quer tenham verdadeiramente
crido ou não.
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Oprimeiro privilégio é "iluminação" (v. 4). Eles


haviam sido "uma vez iluminados". A tradução siríaca diz "uma
vez batizados". É certo que na igreja primitiva o batismo era
chamado de "ilumi nação", e "iluminar" era empregado com o
sentido "batizar". As sim, as ocasiões de se batizar novos
convertidos eram chamadas de "dias de luz". O intérprete siríaco
deve ter tido isso em mente e a expressão "uma vez" sugere que
tem sentido essa interpretação.
O batismo seria celebrado uma única vez segundo a fé da igreja
de todos os tempos. E chamavam o batismo de "iluminação"
por que, sendo uma ordenança de iniciação, introduzia o novo
con vertido ao privilégio de compartilhar os mistérios da igreja.
Pelo batismo, portanto, os convertidos eram retirados do reino
das tre vas para o reino da luz e graça. Isso parece acrescentar
apoio à visão de que o sentido pretendido no texto é mesmo o
batismo, porque o batismo também é realmente o início e a base
para se tomar parte em todos os outros privilégios espirituais
menciona-
m Al'oSTASIA Do EVANGELHO - JOHN OWEN

dos. Era comum naqueles dias que, ao serem batizadas as


pessoas, caía sobre elas o Espírito Santo, dotando-as com dons
espirituais extraordinários que pertenceram de modo especial
aos dias dos ap6stolos.
Esta interpretação tem tanto para apoiá-la, que eu me sentiria
tentado a aceitá-la de bom grado, não exigisse a palavra
"ilumina do" outra interpretação. Foi bem mais tarde, pelo
menos um ou dois períodos ou mais depois de ter sido redigida
essa epístola e as demais partes do Novo Testamento, que essa
palavra passou a ser usada em sentido místico com a
significação de batismo. Mas em toda a Escritura ela tem um
outro sentido, que denota a obra interior do Espírito e não a
administração exterior de uma orde nança. Aceitar uma palavra
de uma forma especial, diferente de seu uso em todas as outras
partes da Bíblia - a não ser que o texto nos force a isso, o que
esse texto não faz - é presunçoso. E quanto à expressão "uma
vez", ela não se refere apenas a "ilumina do", e sim, igualmente a
todos os outros privilégios nomeados nesse texto. "Uma vez" não
significa senão que as pessoas descritas foram real e
verdadeiramente participantes desses privilégios e bênçãos.
Ser "iluminado" é ser instruído no evangelho. A palavra hebraica
"ensinar" é freqüentemente traduzida pelos gregos como "ilumi
nado" (versículos como Êx 4.12; Sl 119.33; Pv 4.4; Is 21.11).
"Ensinar" em hebraico é traduzido na Septuaginta (o Antigo
Tes tamento grego) como "iluminado" (/z 13.8; 2 Rs 12.2;
17.27). Paulo emprega a mesma palavra grega nesse sentido em
1Co 4.5: "o Senhor... trará à plena luz as coisas ocultas das
trevas"; em 2 Tm 1.10: "o qual... trouxe à luz a vida e a
imortalidade, mediante o evangelho"; também em Jo 1.9: "a
saber, a verdadeira luz; que vinda ao mundo, ilumina a todo
homem". Cristo "iluminà' ensi nando.
Paulo diz: "Porque Deus, que disse: 'Das trevas resplandecerá a
luz', ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação
do conhecimento da gl6ria de Deus, na face de Cristo" (2 Co 4.6).
A NATUREZA E AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGELHO m
''A iluminação do conhecimento" significa ser instruído na dou
trina do evangelho para que se tenha a posse espiritual dela. E
há duas coisas que o evangelho exige que entendamos e
captemos espiritualmente.
O evangelho exige que compreendamos e façamos nossas,
es piritualmente, as coisas que ele nos traz pela sua luz, ou em
ou tras palavras, pelo conhecimento que ele nos dá. O
evangelho nos traz "vida e imortalidade" (2 Tm 1.10). Pelo
evangelho so mos chamados "das trevas para sua maravilhosa
luz" (1 Pe 2.9). O mundo sem o evangelho é o reino de Satanás
(1 ]o 5.19). O mundo inteiro e tudo que nele pertence está sob o
poder do maligno, o príncipe do poder das trevas, e está,
portanto, cheio de trevas. O mundo é um "lugar tenebroso" (2
Pe 1.19). No mundo habitam e reinam a ignorância, a tolice, os
erros e a su perstição. Pelo poder dinâmico dessas trevas, as
pessoas ficam impedidas de achar Deus e não sabem para onde
estão indo. Isso é chamado de "andar nas trevas" (1 ]o 1.6). E o
oposto de "andar nas trevas" el·"andar na luz" (1 ]o 1.7).
Portanto, isso só quer dizer andar o conhecimento de Deus em
Cristo pelo evange lho. Assim, e sa instrução no conhecimento
do evangelho tem o nome de "iluEIinação", porque já é luz
em si.
Ora, para ntender e dominar essas verdades espirituais do evan
gelho, a próp ia mente precisa ser "iluminadà'. O conhecimento
do evangelho expulsa essa escuridão, ignorância e confusão que
enche a mente natural ou carnal. O conhecimento das doutrinas
do evangelho com respeito à pessoa de Cristo, de Deus estar em
Cristo reconciliando consigo o mundo, dos ofícios, da obra e da
mediação de Cristo, juntamente com as outras doutrinas princi
pais da revelação divina, acende uma luz espiritual na mente dos
homens, capacitando-os a captar e compreender o que antes lhes
estava inteiramente oculto, quando estavam alienados da vida de
Deus pela sua ignorância (Ef 4.18). Dessa luz e desse conheci
mento há vários graus, dependendo de como são ensinados, da
capacidade que têm de receber o que é ensinado, e do esforço
com
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

que se dispõem a aprender e lembrar o que lhes foi ensinado. Mas


só pelas doutrinas do evangelho a mente pode ser iluminada e
livrada das trevas e da ignorância (2 Pe 1.19-21).
Esse é o primeiro privilégio que tiveram as pessoas do nosso
tex to em Hebreus 6.4-6. São aquelas que foram iluminadas pela
ins trução que receberam nas doutrinas do evangelho e pelo
resultado dessa instrução, o qual foi impresso na mente delas pelo
Espírito Santo. É uma obra realizada igualmente em crentes e não-
crentes.
Aprendemos assim três grandes verdades:
É uma grande misericórdia, um grande privilégjo ser ilumi
nado com a doutrina do evangelho e ter suas verdades impressas
na nossa mente pela operação interior do Espírito Santo.
Pode-se perder essa grande graça e esse grande privilégio
pelo pecado da negligência, o que servirei apenas para
aumentar a pecaminosidade e condenação daqueles que um dia
foram feitos participantes desse privilégio.
Onde houver uma negligência total desse grande privilégio, sem
nenhuma tentativa de crescer no conhecimento do evangelho, a
condição de tais pessoas é muito perigosa e poderd até levar à
apostasia final, da qual descobrirão ser impossível arrepender-se.
Para que possamos fazer um auto-exame para ver se somos um
daqueles que esse texto descreve, precisamos descobrir quais são
esses privilégios que não acompanham a salvação.
(1) O primeiro privilégjo é a "iluminação espiritual" (Hb 6.4a).
Há um conhecimento de coisas espirituais que é puramente
natural e disciplinar e ao qual se pode chegar sem qualquer
ajuda especial ou operação do Espírito Santo. Com esforço e
estudo, pode-se ter um conhecimento da Escritura assim como
acontece
com qualquer outra arte ou ciência.
A "iluminação" aqui referida, sendo dom do Espírito Santo, é
diferente e é mais exaltada do que o conhecimento natural
porque esta iluminação leva a pessoa que é assim iluminada
para mais perto das coisas espirituais na natureza delas, o que
jamais poderia acontecer com o conhecimento natural. A luz
natural julga loucu-
A NATUREZA E AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EvANGEUIO m
ra as coisas do Espírito (J Co 2.14). Mas a iluminação
espiritual dá à mente alguma satisfação, um deleite e uma
alegria nas bên çãos espirituais que ela lhe revela. Embora o
evangelho possa não ser completamente entendido, essa
iluminação o revela como sen do um "caminho de justiçà' (2 Pe
2.21). Isso estimula a mente a levar a sério o evangelho.
O conhecimento natural tem pouco ou nenhum poder sobre
a alma: não consegue evitar que ela peque nem a torna capaz de
obedecer. Confiados nesse conhecimento natural, muitos peca
dores ficam tranqüilos, crendo que nunca perecerão. Mas a
ilumi nação espiritual opera efetivamente na consciência e na
alma, ca pacitando-a a se abster do pecado e a desempenhar
todas as obri gações reconhecidas. Portanto, as pessoas que
estão sob o poder dessa iluminação e de suas convicções muitas
vezes caminham irrepreensíveis e retas no mundo e assim
evitam que surja despre zo pelo Cristianismo por parte do
mundo. Essa iluminação espiri tual também se faz acompanhar
de alguns dons espirituais (Mt 7.22). Mas a luz e o
conhecimento natural existem desvinculados, sem se fazer
acompanhar de dons espirituais.
A iluminação espiritual não é aquela luz e aquele conheci
mento que leva a alma à salvação e a uma vida de santidade, mas
é o primeiro passo em direção a isso. A iluminação espiritual
pode oferecer à mente um vislumbre da beleza, da glória e da
excelência de coisas espirituais, contudo não proporciona aquele
entendi mento iluminado ao qual é impossível chegar pela
razão, mas que só se obtém pela graça (2 Co 3.18; 4.6).
Também não é que esta iluminação espiritual mude ou
transforme a alma na imagem de Cristo, comunicando à vontade
e ao coração da pessoa algo da natureza de Cristo como
acontece com a luz salvadora, com o conhecimento salvador (2
Co 3.18; Rm 6.17; 12.2).
(2) O segundo privilégio espiritual mencionado éque eles "prova
ram o dom celestial" (Hb 6.4b)
Perguntamos então a que esse dom celestial se refere e o que
significa "provar" esse dom.
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

O "dom de Deus" por vezes significa o ato de doar. "Graças


a Deus pelo seu dom inefável" (1 Co 9.15). Essa dádiva foi Deus
ter dado aos coríntios um espírito liberto, caridoso, generoso no
mi nistrar aos santos carentes. É chamado isso de "dom de
Deus": "segundo a proporção do dom de Cristo" (Ef 4.7) - isto
é, se gundo Deus se agrada conceder os frutos do Espírito aos
homens (Rm 5.15-17; E/3.7; 1 Co 12.11).
Algumas vezes o dom de Deus significa a coisa dada (Tiago
1.17). "Se conheceras o dom de Deus" (]o 4.10), isto é, a coisa
dada por Deus, ou a ser dada por Deus. Há quem julgue que as
palavras se referem a Cristo como sendo essa dádiva, mas o con
texto torna claro que a referência é ao Espírito Santo, porque ele é
aquela "água vivà' que o Senhor Jesus prometeu dar.
E até onde vejo, o "dom", significando "aquilo que Deus dá",
é sempre usado para se referir ao Espírito Santo. Se isso é verdade,
o "dom" de Atos 2.38 ("Recebereis o dom do Espírito Santo")
não significa aquilo que o Espírito Santo dá, e sim o próprio
Espírito Santo. O Espírito Santo é dado no poder de suas obras
miraculosas (Atos 10.45; 11.17). O Espírito Santo, portanto, é a
grande dádi va sob o Novo Testamento.
Diz-se do Espírito Santo que ele é "celestial" porque vem do
céu. Talvez isso se refira apenas à sua obra e ao seu poder
porque são celestes em contraste com o terreno e carnal. Mas
acima de tudo refere-se a ele ser enviado por Cristo depois de
Cristo ter ascendido ao céu e ter sido exaltado à destra de Deus
(At 2.33).
A promessa do Espírito Santo foi que ele seria enviado do céu
ou "do alto", visto que se diz que Deus está "em cimà', o que quer
dizer o mesmo que "no céu" (Dt 4.39; 2 Cr 6.23; ]ó 31.28; Is
32.15; 24.18). Quando o Espírito Santo veio sobre o Senhor Je
sus Cristo para ungi-lo para sua obra, "se lhe abriram os céus" e ele
veio do alto (Mt 3.16). No Pentecostes, o Espírito Santo veio so
bre os apóstolos como "um som vindo do céu". Então se disse que
foi "enviado do céu" (J Pe 1.12). Portanto, embora o Espírito
Santo possa por outros motivos ser chamado de "celeste", razões
A NATUREZA E AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGELIIO m
que absolutamente não estão excluídas do sentido do termo
"dom celestial", o "dom celestial" significa principalmente o fato
do Es pírito Santo ter sido mandado do céu por Cristo após sua
ascen são ao céu e sua exaltação no céu.
Destarte, o Espírito Santo é o "dom celestial" mencionado nesse
texto.
O que milita contra essa interpretação é que o Espírito Santo é
mencionado claramente logo em seguida. Então por que seria ele
mencionado duas vezes no mesmo versículo (Hb 6.4)?
Em resposta, eu diria que é natural mencionar a mesma coisa
duas vezes, com palavras diferentes, para ênfase. E isso se torna
especialmente necessário quando há aspectos diferentes da mes ma
coisa, como acontece aqui.
O privilégio ("se tornaram participantes do Espírito Santo")
pode ser explanatório do "dom celestial". É algo que costuma
acontecer na Bíblia e, portanto, não há motivo para negar uma
interpretação tão adequada a esse ponto e cujo uso constante da
palavra confirma, apenas porque a mesma coisa parece ser
mencionada duas vezes.
No entanto, o Espírito Santo aqui é mencionado como sendo a
grande dádiva dos tempos do evangelho, como descendo do céu,
não para que não esteja mais no céu, mas porque ele tem uma obra
especial para realizar na terra. E esta obra do Espírito Santo era mudar
toda a instituição do culto religioso na igreja de Deus. Assim, no
privilégio seguinte, fala-se dele com respeito a suas obras externas.
Mas ele era o dom celestial prometido para ser dado sob o Novo
Testamento, pelo qual Deus instituiria e ordenaria um novo rumo
com novos ritos de culto. Ao Espírito Santo foi confiada a reforma
da igreja, cuja hora havia agora chegado (Hb 9.10). O Senhor
Jesus Cristo, quando subiu ao céu, deixou o culto
veterotestamentário como tinha sido desde os dias de Moisés, ainda
que o tivesse torna do praticamente supérfluo. E ele mandou que
seus discípulos não tentassem nenhuma alteração até que o Espírito
Santo fosse envia do do céu (At 1.4, .5). Por isso quando ele chega
como grande dádi va de Deus, prometido para os tempos
neotestamentários, ele re-
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN OWEN

move todo o velho culto mosaico. Faz isso ao revelar que havia
che gado tudo que o culto mosaico significava e para o qual
apontava. Agora o Espírito Santo estabelece o novo culto santo do
evangelho, que deveria substituir o antigo culto do templo.
O Espírito de Deus, portanto, dado especificamente para in
troduzir um novo estado de verdade e culto, é o "dom celestial"·
mencionado. Assim os hebreus são avisados de que não devem
"recusar ao que fala... dos céus" (Hb 12.25). Aquele que fala do
céu é Jesus Cristo, falando agora nos tempos evangélicos por meio
do "Espírito Santo enviado do céu".
Chegamos agora à interpretação do que é "provar esse dom
celestial': A expressão "provar" é uma metáfora que não significa
nada mais que testar ou experimentar alguma coisa. É "experi
mentar" algo. É o que acontece quando provamos comida. Prova
mos antes de decidir se vamos ou não comê-la. Provar, portanto,
não inclui engolir e digerir. Quando provamos algo de que não
gostamos, nós o cuspimos e recusamos comer ou beber aquilo. Na
cruz, Cristo provou o vinho amargo, e "provando-o, não o quis
beber" (Mt 27.34).
Em algumas passagens da Escritura, "provar" parece mesmo
incluir o comer. Davi fez um juramento dizendo: ''Assim me
faça Deus... se eu provar pão antes do sol posto" (2 Sm 3.35).
Mas o sentido ali é "Não provarei pão, muito menos o comerei,
antes que o sol se ponhà'. Então, sob seu juramento, era
impossível Davi comer naquela hora. E quando Jônatas disse
que só provou o mel (/ Sm 14.29), ele estava se desculpando e
querendo fazer parecer que não tinha realmente comido o mel e,
portanto, agido contra a ordem de Saul.
Mas esse termo é usado, indiscutivelmente, para descrever
al guém que está experimentando algo. A mulher virtuosa
"prova e vê que sua mercadoria é boà' (Pv 31.18 - versão revista e
corrigida). Em outras palavras, ela testou sua mercadoria e
descobriu que era boa. Então essas pessoas de nosso texto são
as que provaram o trabalho do Espírito Santo e verificaram que
era bom.
A NATUREZA E AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGELIIO m
"Provar" muitas vezes é usado no sentido de "experimentar"
algo: "Oh! Provai e vede que o Senhor é bom" (SI 34.8). Pedro
diz mais ou menos nesse sentido: "se é que já tendes a experiên
cia de que o Senhor é bondoso" (1 Pe 2.3). Portanto, "provar"
significa simplesmente "experimentar" algo de primeira mão.
O privilégio espiritual, portanto, que esses hebreus tiveram
foi experimentar o Espírito Santo como dádiva de Deus
ofertada no evangelho. Eles viveram a experiência dele como
revelador da verdade e como sendo quem introduziu o novo
culto espiri tual evangélico. Eles provaram e experimentaram a
glória e a excelência desse novo estado produzido pelo Espírito
Santo, um privilégio que muitos não tinham tido. E com essa
prova fica ram convencidos de que era muito mais excelente do
que aquele culto ao qual estavam acostumados no passado.
Eles experimentaram a glória do evangelho que o Espírito
Santo enviado do céu lhes trouxera, e ficaram grandemente im
pressionados. Mas agora estavam em perigo de negligenciar e
desprezar esse privilégio. Estavam tentados a abandonar o trigo
mais fino pelas velhas bolotas deles.
Destarte, de nossa compreensão desse grande privilégio espi-
ritual nós tiramos quatro grandes lições:
Aprendemos que todas as dddivas de Deus sob o Novo Testa
mento são presentes celestiais (/o 3.12; Ef 1.3). Cuidado, por
tanto, para não negligenciá-las nem desprezá-las (Hb 2.3).
Aprendemos que o Espírito Santo é a grande dddiva de
Deus sob o Novo Testamento, dado para revelar os mistérios do
evan gelho e introduzir a instituição e as ordenanças do culto
espiri tual.
Aprendemos que hd uma bondade e uma glória nessa
dddiva celestial que podem ser "provadas" ou experimentadas
em certa medida por pessoas que nunca as recebem na vida e no
poder que possuem para a salvação. Eles provam a palavra
em sua verda de, mas não em seu poder vivificador.
Experimentam o culto da igreja em sua forma externa, mas
nada vêem ou sentem de
m APOSTASIA Do EVANGELIIO - JOHN ÜWEN

sua beleza espiritual interior. Experimentam os dons da igre


ja, mas não as suas graças.
Aprendemos que rejeitar o evangelho, tanto em sua verdade como
em seu culto, após ter experimentado algo de sua riqueza e
glória, é menosprezar Deus e sujeitar-se ao grande perigo
espiritual de sofrer a ira de Deus eternamente.
(3) O terceiro privilégio foi que ''se tornaram participantes do Es
pírito Santo" (Hb 6.4c).
Esse privilégio espiritual é colocado no centro de todos os privi
légios espirituais mencionados aqui nesse texto. Dois dons o ante
cedem e dois o seguem. Todos esses privilégios vêm do Espírito
Santo e por isso todos dependem de sermos "participantes do Espí
rito Santo".
Ora, só nos tornamos participantes do Espírito Santo quan do
nós o recebemos, e ele pode ser recebido por nós para vir residir
em nós, ou simplesmente para fazer sua obra em nós ou sobre
nós.
Do primeiro modo, "o mundo não pode recebê-lo" Uoão 14.17).
É por isso que o mundo se opõe aos crentes verdadeiros. Por
isso, aqueles de quem esse texto quis falar não eram de forma
alguma participantes do Espírito Santo nesse sentido. Ele não
tinha vindo habitar neles para sua salvação. Não o haviam
recebido de forma a tê-lo residindo neles para sua salvação.
Mas haviam recebido e experimentado suas dádivas. Neste
sentido, haviam se tornado participantes do Espírito Santo. Fo
ram privilegiados em compartilhar, junto com os crentes verda
deiros, algo de seus dons espirituais (J Co 12.11). Por isso
Pedro disse a Simão o mágico que ele não tinha parte com os
dons espirituais. Ele não era participante do Espírito Santo (At
8.21). Portanto, ser participante do Espírito Santo significa as
pessoas compartilharem dos dons dele e experimentarem algo
de suas ações sobre elas e por elas.
Mas será que não são todos os privilégios mencionados nes
se texto dons e operações do Espírito Santo? Se ser participan-
A NATUREZA B AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGELHO m
te do Espírito Santo significa ser participante de seus dons e
operações, por que esse privilégio é mencionado aqui separa
damente?
Em resposta a isso, quero fazer lembrar que já vimos como a
Escritura diz a mesma coisa de vários modos a fim de deixar
suas declarações firmes em nossa mente. Mas aqui, o escritor da
epís tola deseja que esses apóstatas saibam que terrível
menosprezo e insulto estão infligindo sobre o Espírito Santo que
tão graciosa mente lhes fez participantes desses grandes dotes
espirituais.
Esse privilégio de serem participantes do Espírito Santo
pode rá bem ter sido colocado no centro da lista para mostrar
como todos esses privilégios dependem dele. Foram
participantes do Espírito Santo porque havia sido Ele que "os
havia iluminado", que era "o dom celestial", etc. Em todas essas
coisas, eles haviam sido feitos "participantes do Espírito Santo".
Esse privilégio mostrava que o Espírito tinha realmente feito
com que ingressassem numa experiência dessas coisas, não só por
que tinham ouvido essas coisas serem pregadas e as tinham visto
funcionar na igreja, mas também porque eles próprios tinham sido
levados pessoalmente pelo Espírito a experimentar por si mesmos
essas coisas e assim se envolverem pessoalmente. É uma coisa o
homem ter parte em dons e beneficiar-se do ministério dos dons
da igreja, e coisa bem diferente ser dotado com eles em sua pessoa.
Para fazê-los lembrar, então, do grande privilégio que gozavam
sob o evangelho, privilégio muito acima de qualquer coisa desfru
tada por eles sob o judaísmo, pois naquela época nem haviam
ouvido falar se existia um Espírito Santo (At 19.2), agora tinham
sido feito participantes pessoais dele. Que insulto maior, então,
podiam oferecer ao Espírito Santo do que negligenciar e desprezar
esse tão grande privilégio? Quanto isso acrescentaria à vileza de
sua apostasia!
Disso vemos que o Espírito Sarito está com muitas pessoas ape
nas por meio de seus dotes e poder, mas não veio habitar neles e
assim não são verdadeiramente povo de Cristo (Rm 8.9). Muitos
m APOSTASIA Do EVANGEUIO - Jo11N ÜWEN

são feitos participantes dele em seus dons espirituais que nunca são
feitos participantes dele em suas graças salvadoras (Mt 7.22, 23).
(4) O quarto privilégio que havia sido dado a esses apóstatas foi o
privilégi,o de "provar a boa palavra de Deus" (Hb 6.5a).
A palavra grega empregada aqui significando "palavra" tem o
sentido de uma palavra falada. É usada em outro sentido, somente
nessa epístola, para denotar o poder ativo de Deus (Hb 1.3; 11.3).
Mas o principal uso dessa palavra na Bíblia é no sentido de "pala
vra falada''. Quando aplicada a Deus, significa sua palavra confor
me pregada e declarada (Rm 10.17; ]o 6.68). Então, o que esses
apóstatas haviam provado foi o evangelho conforme pregado.
Mas será que eles não apreciavam a Palavra de Deus no seu
estado de judaísmo? Sim, realmente, porque a eles "foram confia
dos os oráculos de Deus" (Rm 3.2). Mas aqui o sentido é a Palavra
de Deus conforme pregada nos tempos do evangelho e com res
peito à qual tão excelentes coisas são ditas (Rm 1.16; At 20.32;
Tg 1.21).
É dito que esta Palavra é "boa'', mais desejável do que mel ou o
favo de mel (SI 19.1O). A promessa de Deus em particular é cha
mada de sua "boa palavra'' (Ir 29.10). Ela é a "boa coisa'' que foi
prometida (Ir33.14). E o evangelho, a própria declaração do cum
primento da promessa de Deus de remir seu povo de seus pecados
por Jesus Cristo, é a "boa-nova" de paz e salvação por Jesus Cristo
(Is 52.7).
É dito que "provaram" a Palavra, do mesmo modo como "pro
varam" o dom celestial. O escritor dessa epístola insiste nessa pa
lavra de propósito para mostrar que esses apóstatas não eram da
queles que realmente recebem, se alimentam e vivem de Jesus
Cristo conforme ele lhes é oferecido no evangelho (lo 6.35, 49-
51, 54- 56). É como se tivesse dito: "Não falo daqueles que
receberam e digeriram o alimento espiritual de suas almas, e assim
o tornaram
em nutrimento espiritual, mas falo daqueles que provaram a Pala
vra de Deus de tal modo que deveriam tê-la desejado como leite
sincero para seu crescimento e saúde espiritual. Mas em vez disso
A NATUREZA B AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGELIIO m
eles negligenciaram aquela boa Palavra e recusaram-na como cri
anças que desprezam o alimento que lhes é oferecido".
Aprendemos, então, que hd uma bondade e glória na Palavra
de Deus que é capaz de atrair e afetar a mente de pessoas
que ainda assim nunca chegam a se submeter a ela
obedientemente.
Aprendemos também que hd um bem especial na Palavra
da promessa a respeito de Jesus Cristo e na pregação do
cumprimento dela.
A bondade e glória da Palavra de Deus se acha em sua
verdade espiritual, celestial. Toda verdade é desejável e bela.
Quando a mente do homem recebe a verdade, essa verdade leva
sua mente à perfeição, conformando-a a sua própria imagem.
O que é verdadeiro é também bom. Assim Paulo coloca
juntas a verdade e a bondade (Fp 4.8). E assim como a verdade
em si é boa, assim também é bom o efeito dela sobre a mente.
Dá paz à mente, dá satisfação e contentamento. Trevas, erros,
mentira são males em si e enchem a mente dos homens com a
soberba, a in
certeza, a superstição, o medo e a servidão. É a verdade que liberta
a alma Uo 8.32). Ora, a Palavra de Deus é a única verdade pura,
sem mistura e sólida Uo 17.17). Sem a Palavra de Deus, a mente
do homem vagueia em conjecturas infindas. Somente a verdade
da Palavra de Deus é estável, firme, infalível. Isso oferece descanso
à alma. Por ser verdade infalível, que dá luz aos olhos e descanso à
alma, ela é a "boa palavra de Deus".
A Palavra de Deus é boa por causa das boas doutrinas que estão
nela. A natureza e as características de Deus são declaradas nesta
Palavra. Deus sendo o único bem, a única fonte e causa de tudo
que é bom, e no gozo de quem estão toda a paz e bem-aventurança,
a revelação que é feita dele, de sua natureza e atributos, tqrnam
a Palavra de Deus boa de fato Uo 17.3). Se é
incomparavelmente melhor conhecer Deus do que gozar o
mundo inteiro e tudo que
nele há, a Palavra que o revela a nós com certeza será boa Ur 9.23,
24). A Palavra de Deus é muitíssimo boa também na revelação
do mistério glorioso da Trindade. É o mistério que é preciso
conhe-
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWllN

cer, por ser ele o único meio de se entender corretamente todas


as outras verdades sagradas - e sem conhecê-lo nem uma delas
pode ser compreendida corretamente, nenhuma delas pode
levar-nos àquela verdadeira bondade que Deus deseja ver em
nós. Só isso dará à alma verdadeiro descanso e paz. E o crente,
por menos verdadeiro que seja, pela fé e obediência,
experimenta o poder dessa verdade mesmo que não seja capaz
de explicar a Trindade claramente a outras pessoas. Toda graça
e verdade são edificadas sobre a doutrina da Trindade, e do
Deus Triúno toda graça e ver dade derivam seu poder de levar
salvação aos pecadores. Então é uma boa Palavra o lugar onde
esse mistério é revelado.
A Palavra de Deus é boa também porque nela está revelado o
mis tério inteiro da encarnação do Filho de Deus, revelando a
sabedoria, a bondade e a graça infinita de Deus ao enviá-lo para ser
nosso Salva dor.
É a Palavra boa de Deus porque revela a misericórdia, a graça,
o perdão, a justificação, a adoção e todas as outras maravilhosas
bênçãos que se tornam nossas quando recebemos Cristo e coloca
mos nele nossa fé.
Também é a boa Palavra de Deus por causa de seus efeitos
benditos (SI 19.7-9; At 20.32; Tg 1.21). Nada há que se
compare com a excelência, o valor e a bondade que está na Palavra
de Deus. Portanto é, realmente, a boa Palavra de Deus.
Os apóstatas provam essa Palavra de Deus quando sabem que é
verdade e quando a reconhecem como sendo verdade. Isso dá
cer ta paz à mente deles, embora ela continue não renovada.
Aqueles que ouviram João Batista pregar a verdade se
regozijaram na sua luz porque encontraram muita coisa que os
satisfizeram (]o 5.35). Foi o mesmo com outros que ouviram
Cristo pregar (Lc 4.22; ]o 7.46). Quando os homens, por meio
do conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo,
fogem das contaminações que há no mundo por causa da
concupiscência e abandonam a compa nhia daqueles que vivem
no erro, eles provam uma bondade e uma doçura na Palavra de
Deus que dão descanso e satisfação a
A NATUREZA B AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGELHO m
mente deles. Eles supõem então que já chegaram à salvação,
não reconhecendo que por enquanto só "provaram a boa palavra
do Senhor".
Quanto às doutrinas e aos ensinos que estão na Palavra, têm
um gostinho da bondade deles porque esses ensinos lhes dão espe
rança de um gozo futuro. Misericórdia, perdão, vida,
imortalida de e glória são proclamadas na "boa palavra de
Deus". Essas ver dades eles provam com muita alegria e
satisfação e acham que porque eles as provaram, já as receberam
verdadeiramente e estão vivendo em submissão a elas. Mas não
as tendo recebido verda deiramente e não estando arraigadas
nelas, quando surge o calor da perseguição, desistem logo (Mt
13.20).
Com esse provar, poderão sentir muitos efeitos da Palavra so
bre a mente e a consciência, e experimentar algo de seu poder
sobre eles. A prova pode se fazer acompanhar de deleite, prazer e
satisfação quando ouvem a Palavra sendo pregada (Ez 33.30-33).
Gostam de ouvir, mas não recebem no coração o que ouvem.
Herodes ouviu João Batista alegremente e fez muitas coisas, mas
só provou amostras e nenhuma recepção da Palavra. Multidões
também se acotovelavam atrás de Cristo para ouvir a Palavra, mas
poucos a receberam de fato. Assim acontece também com muitas
pessoas hoje.
Esse provar não só dá deleite no ouvir como também alguma
alegria nas coisas ouvidas. Tais são os ouvintes da Palavra que nos
so Salvador comparou com o terreno pedregoso. Recebem-na com
alegria (Mt 13.20), como fizeram os ouvintes de João Batista (lo
5.35). A Palavra, só provada, tem esse efeito sobre a mente, ele
vando-a à alegria nessas coisas que ouvem. Mas essa alegria não é
sólida, duradoura. Não é aquela alegria indizível e cheia de glória
que só os verdadeiros crentes têm (1 Pe 1.8). A alegria deles é
como a névoa ao amanhecer que logo desvanece. Alegram-se com
a idéia de misericórdia, perdão, graça, imortalidade e glória, mas
não fazem nenhum esforço para assegurar que tenham recebido
essas coisas para sua própria salvação.
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

Provar a Palavra de Deus poderá bem efetuar uma mudança


e reforma na vida das pessoas de forma que estejam dispostas a
de sempenhar muitos deveres (2 Pe 2.18, 20; Me 6.20).
A palavra do evangelho e Cristo pregado no evangelho são o
alimento de nossa alma. A fé verdadeira não fica só em provar,
mas se alimenta dessa palavra, transformando-a em graça e
nutri mento espiritual no coração. Para realmente alimentar-nos
da Pa lavra de Deus, então, precisamos primeiro guardá-la ou
entesourá la no coração (Lc 1.66; 2.19). Nenhum nutrimento
será obtido do alimento a não ser que seja recebido no
estômago, onde é dige rido e passado adiante para nutrir todo o
corpo. Da mesma for ma, se a Palavra de Deus não é recebida
no coração pela medita ção e pelo deleite, poderá agradar por
um tempo, mas não nutrirá a alma.
O alimento deve ser misturado com os sucos gástricos, caso con
trário não nutrirá. Por mais comida que se dê ao homem. Se ele
sofrer de falta de sucos gástricos, aquele alimento não poderá ser
ingerido pelo corpo para seu nutrimento. Assim é que enquanto a
Palavra recebida no coração não for digerida pela fé, ela não
poderá nutrir nossa alma (Hb 4.2). Como é diferente tudo isso de
só provar.
Quando os homens se alimentam da Palavra, ela é
transfor mada em princípio de vida, força espiritual que resulta
em cres cimento espiritual- coisa que só provar não faz.
Assim como o alimento, quando digerido, se torna carne, ossos
e sangue, assim Cristo e sua Palavra trazem vida a nossa
alma. Cristo se torna "nossa vidà' e "vive em nós" como causa
dinâmica de nosso cres cimento espiritual (Gl 2.20; Cl 3.3).
Crescemos espiritualmente pela Palavra (1 Pe 2.2). Uma mera
provinha, embora possa re frescar naquele momento, não
comunica força duradoura. As sim muitos podem apreciar a
Palavra quando é pregada, mas se nunca a recebem pela fé no
coração, eles nunca chegam à vida, à força ou ao crescimento
espiritual.
A Palavra recebida de fato irá transformar a alma na
semelhan ça de Deus, que nos manda este alimento para mudar-
nos e fazer-
A NATUREZA E AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGELHO m
nos semelhantes a ele em "justiça e verdadeira santidade" (Ef 4.21-
24; 2 Co 3.18). O mero provar não fará nada disso, nem nos dará
um amor tão grande pela verdade a ponto de permanecermos fiéis
a ela em todas as provações e tentações (2 Ts 2.10). Provar tam
bém não produzirá os frutos de obediência à Palavra.
(5) O último privilégio mencionado é 'e os poderes do mundo vin
douro': (Hb 6.5b). Esses também eles tinham provado por experi
ência pessoal. Esses poderes do mundo vindouro são as operações
poderosas, grandes, miraculosas do Espírito Santo. Esses sinais,
maravilhas e obras potentes operados pelo Espírito Santo, foram
preditos pelos profetas (fl 2.28-32; At 2.16-21). É possível que
esses apóstatas fossem participantes desses poderes, no dom de lín
guas e outras obras miraculosas. Portanto, negligenciar o Espírito
Santo que lhes tinha concedido tais poderes tornava muito grave
seu pecado, redundando em blasfêmia contra ele, o que tornaria
impossível sua recuperação. Estavam rejeitando a verdade que ti
nha sido confirmada por Deus com sinais e maravilhas e com vári
os milagres e dons do Espírito Santo (Hb 2.4). Como, então, po
deriam escapar quando negligenciavam e desprezavam tão grande
salvação que havia sido confirmada por esses dons sobrenaturais
do Espírito Santo? (Hb 2.3, 4.).
Dons ordinários do Espírito Santo também são "poderes do
mundo vindouro". Então trata-se de tudo o que pertence ao
reino de Cristo. Quando um reino é primeiro estabelecido, é
impres cindível que haja grande e forte poder. Mas quando já
está institu ído, poderes comuns irão preservá-lo. Assim é com
o reino de Cristo. Os extraordinários dons miraculosos do
Espírito foram empregados para estabelecer o reino de Cristo,
mas esse reino é mantido por dons comuns. Portanto, esses dons
também perten- cem aos "poderes do mundo v·mdouro".
De todos esses privilégios espirituais, podemos agora entender clara
mente quem são as pessoas que o escritor dessa epístola tinha em
mente. É claro que não se tratava de crentes verdadeiros e sinceros.
Não há nenhuma menção de fé ou crença. Não há nada aqui que
nos faça
m APOSTASIA Do EVANGELIIO - }OIJN ÜWllN

pensar que tinham qualquer relacionamento especial com Deus em


Cristo. Não são descritos como "sendo chamados segundo o pro
pósito de Deus". Não são descritos como tendo nascido de novo.
Não são descritos como sendo justificados, nem santificados, nem
unidos a Cristo, nem filhos de Deus por adoção.
Por outro lado, são descritos como terra na qual chove fre
qüentemente, mas onde só crescem espinhos e abrolhos (v. 7).
Mas isso não é verdade com respeito a crentes verdadeiros, porque
a fé em si já é uma erva cultivada com esmero na horta cercada de
Cristo. O escritor dessa epístola, descrevendo crentes verdadeiros,
distingue-os bem dos apóstatas. Nos crentes ele está confiante que
vai achar coisas melhores, as coisas que acompanham a salvação
(v. 9). Os crentes são conhecidos pelo seu "trabalho e amor
operante", porque é só a verdadeira fé que trabalha pelo amor (v.
10). Mas nenhuma dessas coisas é dita dos apóstatas.
Quanto aos crentes, o escritor dessa epístola afirma sua
preserva ção eterna por causa da justiça e fidelidade de Deus,
e pela imutabilidade de seus desígnios a respeito deles (vv. 1O, 17,
18). Des ses modos e de muitos outros, os crentes são distinguidos dos
apóstatas. Fica claro que as pessoas do texto são aquelas que tiveram
privilé
gios espirituais especiais.
Tinham recebido dons extraordinários do Espírito Santo, tais
como falar em línguas ou operar milagres.
Tinham encontrado, em si e em outros, provas convincentes de
que o reino de Deus e o Messias - o que chamavam de "o mundo
vindouro" - lhes havia chegado, experimentaram algo de suas
glóri as e ficaram satisfeitos. Tais pessoas, com a mente iluminada e o
cora ção tocado, com certeza gozavam de alta estima entre os
crentes.
Então deverá existir alguma inimizade maliciosa contra a
ver dade e a santidade de Cristo e do evangelho, algum amor
violento ao pecado e ao mundo, que poderá desviar da fé
pessoas como essas, e obliterar toda aquela luz e convicção da
verdade que já tinham recebido. Assim aprendemos que a menor
graça é segu rança melhor do céu do que os maiores dons ou
privilégios.
A NATUREZA E AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGELHO m
''Se esses caíram" (Hb 6.6a). O escritor da epístola supõe que esses
apóstatas bem poderão cair. Pelo exemplo de Pedro que negou
Cris to e ainda assim foi renovado para o arrependimento, nós
dizemos que não há nenhum pecado em particular em que algum
homem possa cair ocasionalmente, pela força da tentação, que
possa levar o pecador àquele estado do qual seria impossível
renová-lo para arre pendimento.
Este "cair", portanto, deve referir-se à rebelião e desobediência
persistente contra Deus e sua Palavra. Um homem pode cair no
pecado de tal maneira que ainda retenha em sua mente uma nor
ma de luz e convicção tal que o leve de volta ao arrependimento
e à aceitação de Deus. Excluir os tais de toda esperança de
arrepen dimento vai contra todo o conteúdo da verdade bíblica
(Ez 18.21,· Is 55.7). Pois os homens, após alguma convicção e
reforma de
vida, poderão até cair em hábitos corruptos e maus e continuar
nesses caminhos por muito tempo. Um grande exemplo é o mau
rei Manassés, que no final se arrependeu e foi restaurado e aceito
por Deus. Então, enquanto houver em tais pessoas qualquer se
mente de luz ou convicção da verdade que possa ser reavivada,
para novamente operar poderosamente na alma, elas não podem
ser vistas como apóstatas que seja impossível restaurar ao arrepen
dimento, embora com toda certeza estejam vivendo perigosamente.
Paulo faz distinção entre "tropeçar" e "cair" (Rm 11.11). Paulo
nunca disse que os judeus tinham chegado ao estágio em que ha
viam caído absoluta e irrevogavelmente. A mesma palavra usada
para "tropeçar" é empregada aqui, mas com uma preposição acres
centada para aumentar a força do tropeço deles, ou pelo modo
terrível pelo qual vieram a tropeçar, ou então para sugerir que seu
tropeçar resultou em queda violenta.
Do que já foi dito, fica claro o que não significa "cair":
(1) Não é cair neste ou naquele pecado verdadeiro, seja de
que natureza for.
(2) Não é cair em alguma tentação, pois temos muitos exem
plos daqueles que caíram em várias tentações e depois foram res-
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

taurados ao arrependimento. Este cair em tentação não é preme


ditado e não acontece por escolha proposital.
(3) Não se trata de uma queda que signifique renunciar a al
gum princípio importante e essencial da religião cristã. Os coríntios
caíram negando a ressurreição dos mortos, e os gálatas negando a
justificação pela fé em Cristo unicamente.
Esse cair, então, deve se achar numa renúncia plena de todos os
princípios e doutrinas importantes do Cristianismo. Esse foi o
pecado daqueles que renunciaram ao evangelho para voltar ao ju
daísmo. Esse é o cair ao qual se refere essa passagem da Escritura.
Para ser completo e final este cair, a renúncia deve ser declara
da abertamente de forma que a pessoa seja vista abandonando o
Cristianismo completamente a favor do judaísmo ou alguma ou tra
religião ou para voltar ao paganismo. Alguns, em seu coração e
mente, renunciam ao evangelho inteiro, mas por medo de interes
ses seculares de uma ou outra natureza, conservam as aparências
de ainda serem crentes. Assim, buscam encobrir dos olhos dos
homens sua apostasia. Mas de Deus não se zomba, e essa total
desonestidade aumenta a seriedade de seu pecado e traz sobre eles
ainda maiores condenações.
Portanto podemos definir esse "cair" como uma renúncia vo
luntária e resoluta à fé, ao governo e à obediência ao evangelho, o
que não pode ser feito sem infligir a maior censura e desprezo
sobre a própria pessoa de Cristo.

e@, e,.s&! t®fu;dw rk ÚUS;

É impossível renová-los para arrependimento. Ser renovados


ao arrependimento lhes é negado; de fato é"impossfvel"renová-
los para arrependimento.
Alguns pensam que isso seja uma impossibilidade absoluta, en
quanto outros julgam que só quer dizer que é uma
impossibilida de moral. Para decidir o verdadeiro sentido desta
"impossibilida de", os seguintes princípios precisam ser levados
em conta:
A NATUREZA E AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGELHO m
(1) Todos os eventos futuros dependem de Deus, que é o único que
necessariamente existe.
Nada jamais existe ou acontece exceto pela vontade de Deus.
Então as coisas que são futuras podem ser ditas impossíveis
porque Deus decretou que não existissem ou que aquele evento
não se realizasse. Assim era impossível que Saul e sua posteridade
fossem preservados no reino de Israel. Não que fosse contrário à
natureza de Deus, mas Deus havia decretado que não
aconteceria (I Sm 15.28, 29). Mas o decreto de Deus com
respeito à salvação daque les que ele já escolheu salvar sem levar
em conta seu merecimento não pode ser o sentido nesse texto. O
decreto de Deus a respeito das pessoas distingue uma diferença
entre pessoas que em qual quer outro aspecto estão na mesma
condição ou estado (Rm 9.11, 12). Os decretos de Deus são
secretos nele, trancados em sua pró pria mente, e não podem,
portanto, ser conhecidos pelo homem até que se manifestem em
acontecimentos na História (Is 40.13, 14; Rm 11.34).
(2) Coisas são impossíveis por causa do que Deus é em si próprio.
É impossível Deus mentir. É impossível que Deus perdoe
pe cado sem que sua justiça e lei sejam satisfeitas porque ele
mante rá a honra de sua lei. Nesse sentido, pode ser que o
arrependi mento desses apóstatas não seja impossível. Digo,
pode ser. Po derá ser que nada haja contrário à natureza de
Deus em levar apóstatas ao arrependimento. Mas eu não vou ser
totalmente positivo sobre isso porque a razão dada para a
impossibilidade de renová-los para arrependimento é que eles
"de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e
expondo-o à ig nomínia" (Hb 6.6). Poderá ser que a justiça,
santidade e glória de Deus como supremo governador do mundo
torne impossível
ter mais misericórdia deles do que dos próprios demônios ou
daqueles que estão no inferno. Mas eu não afirmo que seja este
o sentido dessa passagem.
(3) Coisas são posslveis ou imposslveis com respeito ao governo e
ordem de todas as coisas que Deus designou.
m APOSTASIA Do EVANGELIIO - JOHN ÜWEN

E nem Deus ordenou que tentássemos renovar esses


apóstatas para arrependimento. Ele não nos deu os meios de
renová-los para o arrependimento, nem prometeu ajudar-nos
se tentarmos renová-los para o arrependimento. Portanto
devemos olhar qual quer tentativa de renovar esses apóstatas
para arrependimento como coisa impossível. "Sem fé é
impossível agradar a Deus" (Hb 11.6). Visto Deus não nos
ter dado uma ordem, ou quais quer meios, nem prometido
qualquer auxílio, não podemos ten tar renovar os apóstatas
para arrependimento como ato de fé em Deus. Portanto, se
tentássemos renovar apóstatas para arre pendimento,
estaríamos fazendo-o por vontade própria sem mandado ou
promessa de ajuda por parte de Deus. Então nun ca teríamos
êxito nem poderíamos agradar a Deus com a tenta tiva, pois
estaríamos fazendo algo não motivado por fé, e qual quer ato
não motivado por fé na vontade revelada e promessa de ajuda
de Deus é pecado (Rm 14.23).
Devemos ver, pois, qualquer tentativa de levar apóstatas ao
ar rependimento como sendo coisa impossível para nós. Até
onde sabemos, o que é impossível para nós ainda é possível para
Deus. Mas nosso dever é fazer apenas aquelas obras que Deus já
prepa rou para que andássemos nelas, e tentar renovar apóstatas
para arrependimento não é uma dessas obras. O que ele fará é
uma coisa. O que ele espera que nós façamos, ou que nem
tentemos fazer, é bem outra.
Aquilo que é dito ser impossível é "renovar esses apóstatas para
arrependimento". A palavra grega usada no Novo Testamento para
"arrependimento" significa "um gracioso mudar de idéia", efetua
do segundo princípios e promessas bíblicas, levando a alma toda a
se converter a Deus.
E,1.mposs1'vl"e renovar".N o grego, as paIavras sa«o
novamen-
te renovar para arrependimento". Ora, será o sentido: "é impos
sível os apóstatas renovarem a si mesmos para arrependimento"
ou será: "é impossível alguém renovar esses apóstatas para arre
pendimento"? Julgo que seja este último, porque a impossibili-
A NATUREZA B AS CAUSAS DA Af>OSTASIA DO EVANGELHO m
dade se refere à obrigação e esforços de outros. Alguém tentar
renovar esses apóstatas para arrependimento seria algo inútil e
uma perda de tempo porque é impossível eles serem renovados
para arrependimento.
Agora: a palavra "renovar" se refere à renovação da imagem de
Deus em nossa natureza e nossa nova dedicação a ele.
Tínhamos perdido a imagem de Deus pelo pecado e estávamos
portanto se parados dele. Então, essa renovação tanto é
concernente à restau ração de nossa natureza como à dedicação de
nossa pessoa a Deus. Essa renovação ou é interior e verdadeira,
ou é meramente uma confissão de fé externa, selada por um sinal
exterior e a declaração
dessa confissão.
Somos renovados interiormente pela obra regeneradora e
santificadora do Espírito Santo (Tt 3.5; 1 Ts 5.23). Mas não é isso
que é tencionado aqui, pois esses apóstatas nunca tinham sido
regenerados e santificados, portanto não seria possível falar em
serem renovados novamente a isso.
Nessa passagem, a renovação só pode ter referência à confissão
de fé externa, selada pelo sinal e afirmação dessa confissão. A
re novação, nesse sentido, trata da profissão de seu
arrependimento para com Deus e fé em nosso Senhor Jesus
Cristo, selada pela ordenança exterior do batismo. Isso era
exigido de todos os que eram convertidos ao evangelho. Mas
esses apóstatas, embora ti vessem feito uma profissão ostensiva
de arrependimento e fé e tivessem sido batizados, não tinham
sido regenerados e santifica dos. Então foi da renovação externa
que esses apóstatas decaíram, renunciando totalmente à fé cristã
e ao seu batismo.
Renová-los novamente, então, seria levá-los novamente a pro
fessar arrependimento para com Deus e fé para com nosso Senhor
Jesus Cristo, e a receber novamente o sinal exterior e penhor do
batismo. É isso que é dito ser impossível alguém fazer acontecer
com esses apóstatas.
Portanto, em nenhum lugar desse texto é dito algo sobre a acei
tação e a recusa de quaisquer pessoas que se arrependam de verda-
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

de. Nem esse texto impede qualquer pessoa - que depois de ter
caído em algum grande pecado ou retornado a práticas pecami
nosas e continuado nelas, esteja agora convencido em sua consci
ência, desejando arrepender-se em toda sinceridade - de ser aceita
de volta à comunhão da igreja.
Portanto, esse texto encoraja muito tais pecadores e lhes asse
gura que eles não são aqueles que o texto descreve. Mas também
proclama uma advertência a todos os que possam ser tentados a
voltar ao judaísmo ou à velha situação em que viviam antes de
serem batizados na fé cristã.
Na pregação do evangelho, então, é necessdrio esclarecer às pessoas
e insistir na severidade de Deus no trato com os pecadores
apóstatas. Nós devemos apresentar ante os homens não só a
bondade de Deus, como também sua severidade (Rm 11:22),
pois o escritor dessa Epístola aos Hebreus nos ensina que Deus "é
fogo consumi dor" (Hb 12.28-29). Ele quer que saibamos que
Deus é infinita mente puro, santo e justo e que pode, portanto,
repentina e ines peradamente, tratar-nos com a maior severidade
se negligenciar mos buscar "graça, para servir a Deus de modo
agradável, com
reverência e santo temor".
Essa severidade de Deus em seu tratamento de apóstatas rebel
des, segundo sua santidade e sabedoria, nos é dada como exemplo
de como ele bem pode tratar de nós se o provocarmos da mesma
forma. Existem alguns pecados, ou graus de pecado, que nem a
santidade, nem a majestade, nem a sabedoria de Deus pode deixar
passar sem punição, como exemplo a outros que são tentados a ir
pelo mesmo caminho. Em tais casos, é dito que Deus exercita sua
severidade.
A severidade de Deus é vista em condenações exteriores sobre
pecadores temerários, notórios, especialmente os inimigos de sua
igreja e glória (Na 1.2).
Para fazer o mundo acordar e prestar atenção a sua severidade,
as condenações de Deus precisam ser incomuns (Nm 16.29, 30).
Seus juízos também precisam ser evidentes e claros para todos:
"Dá o pago diretamente aos que o odeiam" (Dt 7.10). Quando
A NATUREZA E AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGELHO m
Deus diz que dará o pago diretamente, quer dizer que ele o fará
abertamente e à vista de todos. Então: "Quando andarem dizen
do 'Paz e segurança!', eis que lhes sobrevirá repentina
destruição" (I Ts5.3). Isso é o que acontecerá um dia com a
Babilônia romanista e todos os que a apóiam (Ap 18.7-10). Mas
não são esses os juízos visados primordialmente nessa
passagem da Escritura.
A severidade de Deus é vista também em condenações
espiri tuais, pelas quais ele deixa os apóstatas sob a sentença de
nunca poderem ser renovados ao arrependimento. Nesse
julgamento há uma sentença da condenação eterna (1 Tm 5.24).
Deus dá a sen tença sobre eles de tal modo neste mundo que
nunca poderão escapar de sua ira eterna no vindouro.
Deus deixa de ter qualquer interesse neles e não espera qual
quer fruto espiritual deles. Quando Deus providencia graciosa
mente os meios de conversão e arrependimento, ele é descrito
como procurando fruto, assim como acontece quando uma pessoa
planta um vinhedo e espera obter fruto dele (Is 5.2, 4). Assim,
quando Deus não mais dá os meios para que uma pessoa possa
arrepen der-se, ele não mais espera os frutos do arrependimento,
e assim como ninguém trata e cuida de um deserto, assim Deus
deixa de tratar e cuidar deles da maneira que trata de seu
próprio povo.
Deus aflige os apóstatas com dureza de coração e cegueira de men
te de modo que eles nunca irão se arrepender nem crer (Jo 12.39,
40). Deus poderá, em sua severidade, entregá-los a paixões
infames (Rm 1.26, 28, 29). Nessas paixões carnais eles são
amarrados como se fosse com· cordas e correntes, o que torna
completamente im
possível eles se erguerem e se arrependerem.
Deus envia sobre eles uma ilusão forte para que acreditem
numa mentira, para que aqueles que não creram na verdade sejam
con denados (2 Ts 2.10-12). A verdade do evangelho foi-lhes
pregada, e por algum tempo foi por eles professa. Receberam a
verdade, mas não amaram a verdade para que se submetessem e
obedeces sem a ela. Portanto, eram estéreis e infrutíferos. Mas isso
não foi tudo. Tiveram prazer em seus pecados, deleites
pecaminosos e in-
m Af>()l,'TASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

justiça, e estavam resolvidos a não se arrependerem deles. Como


esses pecados eram condenados e julgados pelo evangelho, come
çaram a detestar e a odiar secretamente a própria verdade. Mas
descobrindo que precisavam conservar as aparências, estavam dis
postos a receber qualquer coisa que lhes fosse oferecida que não
exigisse deles a renúncia a esses pecados. Nesse estado, Deus lhes
entrega ao poder de Satanás, que os cega, os ilude e os engana com
suas mentiras; e eles, por estarem sob a condenação de Deus, pron
tamente acreditam nelas e as aceitam. E é por isso que tantos que
querem conservar a aparência exterior de cristãos, mas não que rem
abandonar seus pecados e paixões carnais, aceitam pronta mente a
idolatria romanista.
Então que esperança tem os pecadores apóstatas, abandona
dos por Deus, de um dia serem renovados novamente para arre
pendimento?
Há uma tendência na natureza humana corrupta para
"despre zar a riqueza da bondade, e tolerância, e longanimidade
de Deus, ignorando que a bondade de Deus é que os conduz ao
arrependi mento" (Rm 2.4, 5). Assim, em sua dureza espiritual
e seus cora ções impenitentes, eles entesouram para si ira no dia
da ira e da revelação do julgamento justo de Deus.
Então vemos de que grande importância é pregar não
somente a bondade de Deus, mas também sua severidade. É
nossa a obri gação de advertir todos os homens do perigo da
apostasia, pois em tal situação nenhum arrependimento lhes será
concedido.
Nós devemos avisar a todos os que estão em perigo de tais
apostasias que "se alguém retroceder, a alma de Deus não terá nele
prazer" (Hb 10.38). Devemos avisá-los de que "horrível coisa é
cair nas mãos do Deus vivo" (Hb 10.31). Devemos.adverti-los de
que Deus endurecerá tais pecadores e "os entregará a grandes en
ganos, para que possam ser condenados". Devemos avisá-los de
que ele não prometeu renová-los para arrependimento, mas ao
contrário já pronunciou muitas ameaças severas. Eles são como
árvores "duplamente mortas, desarraigadas" (]d v.12), para as quais
A NATUREZA E AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGELHO m
não há esperança. Negaram "o Senhor que os comprou", e assim
trouxeram sobre si repentina destruição.
É verdade que essa passagem se refere primeiramente
àqueles que, nos dias dos apóstolos, tinham recebido dons
extraordinári os ou miraculosos do Espírito Santo. Mas por uma
analogia justa, esse aviso pode ser estendido a outros, agora que
esses dons de milagres têm cessado na igreja. Os dons e
privilégios comuns que o Espírito Santo concede hoje obrigam-
nos igualmente a conti nuar fiéis ao evangelho, e portanto essa
advertência ainda é tão relevante hoje como quando primeiro foi
escrita. "Não sejamos, portanto, altivos, mas tenhamos temor".
Não é seguro que nos aproximemos demais da beira de um
precipício.
A razã.o pela qual é impossf vel os apóstatas serem renovados para
arrependimento
Alguns manuscritos gregos não têm a expressão grega "para
si mesmos" (Hb 6.6). Então, a interpretação seguinte dessa
frase, embora não seja a que é comumente dada, é possível.
É impossível que alguém possa renovar esses apóstatas para ar
rependimento, porque isso não pode ser feito sem crucificar de
novo o Filho de Deus. Esses apóstatas haviam rejeitado Cristo
sumariamente quanto a ter sido crucificado por eles, e haviam
renunciado abertamente a todos os benefícios que receberam
com sua morte. Então renová-los para arrependimento
significaria ter de crucificar Cristo outra vez, o que não pode ser
feito. "Porque, se vivermos deliberadamente em pecado, depois de
termos recebi do o pleno conhecimento da verdade, já não resta
sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa expectação
horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os
adversários (Hb 10.26, 27). Cristo não pode ser oferecido outra
vez e assim ser crucificado de novo. Então os pecados deles não
podem ser expiados. O sacrifício de Cristo, sem sangue, todos
os dias na missa, não havia sido in ventado ainda. Mas o
escritor de Hebreus estava se referindo aos sacrifícios do Antigo
Testamento pelo pecado sob a lei. Visto que só podiam
legalmente expiar pecados que já tivessem sido
m APOSTASIA Do EVANGELIIO - JOHN ÜWEN

cometidos no passado, a oferta deles precisava ser repetida fre


qüentemente por pecados adicionais que se cometia. Então, de
tempos em tempos, quando pecavam, um novo sacrifício tinha
de ser oferecido por esses pecados. Isso não poderia mais
aconte cer agora.
Cristo já foi uma vez ofertado pelo pecado; quem rejeita essa
oferta, e não crê que ela o redime de seus pecados, não tem outro
sacrifício para o qual apelar. "Cristo não morre mais."
O sacrifício único de Cristo trata de todos os pecados, passa
dos, presentes e futuros, e daqueles pecados pelos quais não existi
am sacrifícios sob a lei. "Por meio dele, todo o que crê é
justifica do de todas as coisas das quais vós não pudestes ser
justificados pela lei de Moisés" (At 13.39). Havia alguns
pecados sob a lei pelos quais nenhum sacrifício fora
providenciado. Aquele que era culpado deles deveria morrer
sem misericórdia. Exemplos de tais pecados são o assassínio e o
adultério. Por isso Davi, tendo come tido ambos esses pecados,
diz: "Pois não te comprazes em sacrifí cios; do contrário eu tos
daria'' (Sl 51.1Ô). Mas o sacrifício de Cristo fez o acerto por
esses pecados também.
No caso da apostasia, não havia sacrifício nem no Antigo
nem no Novo Pacto. Sob o Antigo Testamento não havia
sacrifício de terminado para alguém que tivesse apostatado
totalmente dos prin cípios fundamentais da lei ou pecado
"presunçosamente". Essa
era aquela "lei da rejeição de Moisés", pela qual os que fossem
culpados deviam "morrer sem misericórdia'' (Hb 10.28). E assim
é também sob o evangelho.
Os apóstatas voluntários, que desistem de todo direito de usu
fruir do sacrifício de Cristo, não encontram nenhum outro sacri
fício designado para eles. Em vez disso, descobrem que Deus vai
romper com eles e destruí-los.
Deus restringiu todas as esperanças de misericórdia, graça e
salvação àquela única oferta, àquele único sacrifício de Jesus Cris
to (Hb 9.25-28; 10.12, 14). A sabedoria infinita e a vontade sobe
rana puseram toda a graça, misericórdia e bem-aventurança so-
A NATUREV. B AS CAUSAS DA Af>OSTASIA DO EVANGELHO m
mente em Cristo (]o 1.14, 16, 17; At4.12; Cl 1.19). E esta "oferta
única'' dele é suficiente a tal ponto e tão poderosamente eficaz a
todos que chegam à fé em Cristo que nenhum pecador que já foi
a esse sacrifício único jamais reclamou de ter havido apenas um
sacrifício por pecados e nenhum outro. Se alguém rejeita e des
preza esse sacrifício único, só tem a si mesmo para culpar. E
não é recorrendo a outros sacrifícios que os homens inventaram, tal
como a missa, que ele encontrará qualquer das bênçãos que esse
único sacrifício de Cristo proporciona.
Mas o contexto torna esse "crucificar de novo" obra dos
próprios apóstatas. "Eles o crucificam de novo para si mesmos."
Eles não podem crucificar Cristo de novo fisicamente, mas o
fazem moral mente. Pela sua apostasia, crucificam para si o
Filho de Deus mais uma vez.
Crucificaram Cristo novamente ao aprovarem e justificarem aque le
ato dos judeus que haviam crucificado Cristo como malfeitor.
O Senhor Jesus Cristo deve ser aceito e recebido como Filho
de Deus, e seu evangelho deve ser obedecido, ou caso contrário
ele precisa ser visto como crucificado com justiça como engana
dor, blasfemo e malfeitor.
Jesus Cristo reivindicava ser o Filho de Deus e defendeu essa
afirmação mesmo até a morte na cruz. Portanto, ou ele tem de
ser aceito como sendo o Filho de Deus ou deve ser rejeitado
como malfeitor. Esses apóstatas rejeitaram Cristo como Filho de
Deus e declararam que ele era um malfeitor, e assim renunciaram
ao Cris tianismo e voltaram ao judaísmo.
Também crucificaram Cristo de novo declarando que tendo
julgado sua pessoa, seu evangelho e seu proceder, nenhuma verda
de ou nenhum bem encontraram nele. O lema de Juliano o apóstata
era: "Eu li, conheci e condenei" seu evangelho.
Ora, ninguém no mundo pode apresentar maior desonra con
tra Jesus Cristo, em sua pessoa ou em qualquer de seus procede
res, do que a de declarar abertamente que tendo julgado sua pes
soa e seu evangelho, nada encontraram neles que fosse
desejável.
m Al'oSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

Com essas palavras declaram que se Cristo voltasse à terra em


carne novamente, eles o crucificariam de novo.
Esse pecado já era bastante infame. Mas tornou-se pior
porque foi o "Filho de Deus" que eles crucificaram nova
mente para si.
Os judeus crucificaram Cristo quando ele ainda estava em seu
estado de humilhação, quando se havia "esvaziado, e se feito de
nenhuma reputação", de forma que não era fácil penetrar os véus
de sua fraqueza e condição humilde exterior no mundo, para ver
"sua glória, a glória como do unigênito do Pai" (]o 1.14).
Mas esses apóstatas estavam crucificando mais uma vez aquele
que fora "declarado o Filho de Deus com poder, segundo o Espí
rito de santidade, pela ressurreição dos mortos". A enormidade
desse pecado de apostasia foi estar direcionado contra aquele que
fora·declarado "Filho de Deus".
O pecado deles foi vil num grau maior, também, porque pela
sua apostasia "expuseram-no à ignomínià' (Hb 6.6). Expuseram o
Filho de Deus ao escárnio público. A palavra grega usada para se
dizer "ignomínia" ou "desonra públicà' significa levar quaisquer
supostos ofensores a uma punição pública vergonhosa aos olhos
dos homens, a ponto de todos que os vissem os olharem com
aversão. A mesma palavra é usada a respeito de José quando des
cobriu que Maria estava grávida (Mt 1.19). Ele "não quis torná-la
um exemplo público": isto é, não desejou expô-la a uma punição
vergonhosa como exemplo para outras que também fossem tenta
das ao adultério.
Assim o escritor dessa epístola diz de Cristo: "Ele suportou a
cruz, não fazendo caso da ignomínià' (Hb 12.2). Na cruz sofreu
dor terrível e foi envergonhado. A morte na cruz era
especialmen te indecente naquele tempo. Então o pecado desses
apóstatas faz o mesmo. Eles "de novo crucificam o Filho de
Deus, expondo-o à ignomínia".
"Mas se aqueles que de fato crucificaram o Filho de Deus na
terra e o expuseram à vergonha obtiveram misericórdia e perdão,
A NATUREZA E AS CAUSAS DA APOSTASIA DO EVANGEUIO m
por que esses apóstatas não podem também obter misericórdia e
perdão?", pergunto eu.
A resposta é que o pecado daqueles que abandonam Cristo e
o evangelho, depois de terem sido convencidos de sua verdade,
é imensamente maior do que o pecado daqueles que o
crucificaram fisicamente.
O pecado é maior porque não ignoravam o que estavam fazen
do. Aqueles que crucificaram Cristo na carne ignoravam o que
esta vam fazendo (At 3.17; 1 Co 2.8; 1 Tm 1.13).
Esses apóstatas haviam experimentado a verdade, a bondade e a
glória do evangelho que aqueles que o crucificaram de fato não
experimentaram, nem poderiam. Esses apóstatas tinham "provado
a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro" (Hb 6.5).
A crucificação real de Cristo abriu o caminho para a misericór
dia e graça ser comunicada aos homens pelo Espírito. Mas esses
apóstatas, tendo rejeitado até mesmo a obra e a graça do
Espírito,
não tinham outra porta de misericórdia e graça aberta a eles.
Houve no pecado desses apóstatas a blasfêmia contra o
Espíri to Santo. Experimentaram o Espírito, experimentaram
seus po deres pelos quais ele vindicava Cristo e seu evangelho.
Portanto não podiam renunciar ao Senhor Jesus Cristo sem
atribuir essas obras do Espírito Santo ao diabo.
Paulo diz: "Ninguém que fala pelo Espírito de Deus afirma
Aná tema, Jesus!" ou "maldito!" (J Co 12.3). Chamar Jesus de
anátema é declarar que foi justo ele ter sido crucificado como
pessoa maldita, como inimigo público. Era isso o que faziam os
apóstatas. Mas nin guém que esteja cheio do Espírito Santo e sendo
dirigido por ele, pode fazer isso. Portanto, assim como esses
apóstatas tiveram o tes temunho do Espírito atestando a verdade e a
bondade de Cristo e seu evangelho, eles agora, pela sua apostasia,
crucificaram o Filho de Deus outra vez e expuseram-no à
vergonha, apesar do que ti nham aprendido por intermédio e
diretamente do Espírito Santo.
2

m
,,,,,,
unicamente em seu evangelho e em sua igreja que
Cristo pode sofrer agora nas mãos dos homens. Quando
qual quer princípio importante da verdade evangélica é
aban
donado e rejeitado; quando a obediência à Escritura é persistente
mente negligenciada; quando os homens começam a crer em
ou tra coisa que não aquilo que ela ensina, e não vivem como
ela requer, é então que temos uma apostasia parcial.
Os homens têm a tendência de agradar a si e a terem boa opi
nião de si. As igrejas ficam felizes se suas cerimônias exteriores e
ordens de culto são mantidas, especialmente se isso lhes traz van
tagens seculares. A avaliação dos cristãos de sua igreja é freqüente
mente bem diferente da avaliação de Cristo.
A igreja de Laodicéia era julgada "rica, abastada, em nada
necessitada". Mas Cristo declarou que eles ignoravam a con
dição verdadeira em que ela se achava. Aos olhos dele ela era
"infeliz, miserável, pobre, cega e nua". Era esse o julgamento
daquele que era "o Amém, a Testemunha Fiel e Verdadeira"
(Ap 3.14-17).
Cristo bem poderá dizer das igrejas de hoje, como Deus
disse da igreja sob o Antigo Testamento: "Eu mesmo te plan
tei como vide excelente, da semente mais pura. Como, pois,
te tornaste para mim uma planta degenerada, como de vide
brava?" (Jr 2.21). "Como se fez prostituta a cidade fiel! Ela,
que estava cheia de justiça! Nela habitava a retidão, mas ago-

m
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

ra, homicidas. A tua prata se tornou em escórias, o teu licor


se misturou com águà' (Is 1.21, 22).
Assim hoje em muitas igrejas a prata do evangelho se tornou
escória, seu vinho puro aguado com tradições e racionalizações.
Os homens se cansam tão depressa das verdades bíblicas e estão
dispostos demais a trocá-las pelas idéias e invenções próprias:
"Houve alguma nação que trocasse os seus deuses, posto que não
eram deuses? Todavia o meu povo trocou a sua Glória por aquilo
que é de nenhum proveito" (Jr 2.11).

cSA, 9Zomtv
Mas a Igreja de Roma afirma para si um privilégio especial.
Não reivindica o privilégio interior de ter a graça operando na
mente e na vontade de todos aqueles que pertencem a sua comu
nhão, guardando-os de cair no erro e de abandonar a verdadeira
fé salvadora; mas reivindica o privilégio externo da
índefectibílidade. Esse dom da indefectibilidade que Roma
reclama para si con serva-a infalivelmente naquela condição que
o evangelho requer. Ela não sabe como funciona o dom da
indefectibilidade, mas fun
ciona, quer ela goste disso ou não, quer ela o queira ou não!
Essa reivindicação ao dom da indefectibilidade foi feita
pelos judeus sob o Antigo Testamento: "Templo do Senhor,
templo do Senhor, templo do Senhor é este!" (Jr 7.4).
Confiavam que porque tinham o templo do Senhor, Deus in
falivelmente os guardaria da apostasia, por maiores que fossem
seus pecados. Mas Jeremias declara que estavam confiando em
palavras falsas: "Eis que vós confiais em palavras falsas, que para
nada vos aproveitam. Que é isso? Furtais e matais, cometeis adul
tério e jurais falsamente, queimais incenso a Baal e andais após
outros deuses que não conheceis, e depois vindes, e vos pondes
diante de mim nesta casa que se chama pelo meu nome e dizeis:
'Estamos salvos; sim, só para continuardes a praticar estas abomi
nações?"' (Jr 7.8-10).
A APOSTASIA PARCIAL DO EVANGELHO m
Pedro, sozinho dentre todos os apóstolos, afirmava inde
fectibilidade. Só ele não negaria Cristo quando a situação
apertasse. Mas veja até que ponto ele foi indefectível! Embora
todos os após tolos abandonassem a Cristo, só Pedro o abandonou
e também o negou!
Mas essa asseveração de indefectibilidade feita por Roma se faz
acompanhar de uma apostasia especial que supera a todas as ou
tras igrejas do mundo..
Nada pode ser mais espúrio em si mesmo, nem mais
pernicio so para a alma dos homens, do que essa alegação,
quando não há provas que a sustentem, mas muitas que a
negam.
Em quantas guerras sangrentas e infundadas as nações católi cas
já se empenharam. Isso prova que foram dirigidas pelo Prínci pe da
paz? Que enormes maldades foram perpetradas pela Igreja
romana, como a História mostra claramente.
Roma nunca, em toda sua história, foi exemplo de amor e
paz, mas sim de guerras e terríveis perseguições. De que forma
seu comportamento concorda com Isaías 2.2-4? Como seu
modo de agir combina com os ensinos de Cristo sobre a
unidade, o amor e a paz?
Mas se Roma é verdadeiramente indefectível, então devería
mos esperar algo melhor do que as desolações que ela trouxe ao
mundo por inten édio da avidez e ira daqueles que afirmam ser
guiados pelo Espírito Santo de Deus e dirigidos por Cristo, o
Prín cipe da paz e do amor.
Roma de forma nenhuma representa o reino da justiça, do amor
e da paz que Cristo veio estabelecer na terra.
Em lugar de ser um reino de luz, verdade e santidade; um
exem plo de separação do mundo, nos princípios, desejos e
comporta mento; um exemplo de comunhão com Deus e de
amor compas sivo entre os homens; um exemplo de retidão,
alegria e paz no Espírito Santo, a História tem mostrado que é
um reino de trevas, orgulho, ignorância, ambição, perseguição,
sangue, superstição e idolatria.
m APosTASIA Do EVANGELHO - ]OIIN ÜWEN

Ela alega unidade, porque todos os católicos se unem sob um


cabeça, o papa. Essa é a unidade que Roma crê ser a única unidade
exigida de todos os cristãos. Mas a unidade do evangelho é a uni
dade em Cristo e a submissão ao seu governo.
Roma reivindica santidade de culto por causa dos santos que
já houve entre eles e a caridade de muitos, comprovada por
obras magníficas de piedade e generosidade. Mas o evangelho
requer santificação, santidade e amor. Exige conformidade com
Cristo numa ótica celestial e obediência. Portanto, Roma tem
uma "for ma de piedade", mas "nega-lhe o poder" (2 Tm 3.5).
A graça de Deus no evangelho ensina os cristãos a "negar
toda a impiedade e as paixões mundanas, e viver, no presente
século, sensata, justa e piedosamente" (Tt2.11, 12). Mas os
homens aban donam isso, preferindo ser "néscios, desobedientes,
desgarrados, escravos de toda sorte de paixões e prazeres, vivendo
em malícia e inveja, odiosos e odiando uns aos outros" (Tt 3.3).
Tais pessoas nada conhecem a respeito de ser salvo "mediante o
lavar regenerador e renovador do Espírito Santo" (Tt 3.5).
Quando o poder da vida de piedade se perde, os homens
recor rem à aparência exterior, numa tentativa vã de dar crédito
à exis tência deles. Quando Sisaque, Rei do Egito, atacou
Jerusalém e tomou os escudos de ouro que Salomão tinha feito,
o Rei Roboão fez escudos de bronze para substituí-los (J Re
14.25-27).
Do mesmo modo, quando a maioria dos membros da Igreja
de Roma perdeu e negou o poder dos escudos de ouro da fé, do
amor, da paz, da santidade, da conformidade a Cristo, da
abnegação e de todos os princípios do comportamento celeste,
tendo perdido e desprezado toda a glória verdadeira do
Cristianismo, ela colo cou no lugar deles escudos de bronze que
são apenas uma forma ou imagem dessa glória. Com essa forma
ou imagem, Roma está satisfeita, e com essa forma e imagem
ela tenta enganar outros para crerem que só ela é a verdadeira
igreja de Cristo na terra.
Em lugar do escudo de ouro daquela união mística, espiritual
com Cristo, que realmente une os cristãos, e pela qual Cristo orou,
AAPosTASIA PARCIAL DO EVANGELIIO m
comprando-o com seu sangue, Roma colocou o escudo de
bronze da sujeição confessa ao papa como sendo a única
unidade verda deira na igreja.
Em lugar do escudo de ouro daquele amor celestial de uns pelos
outros em Cristo e por amor dele, graça pela qual Cristo renova a
alma dos crentes, Roma estabeleceu o escudo de bronze de uma
profissão de obras exteriores de caridade e generosidade, medidas e
valorizadas pelas recompensas que a igreja de Roma oferta em
troca dessas obras feitas em seu benefício e para seu
enriquecimento e progresso.
Em lugar do escudo de ouro das obras eficazes da graça na
alma produzidas pelo Espírito Santo, Roma levantou o escudo de
bronze das ordenanças exteriores estabelecidas pelo homem.
O escudo de ouro da regeneração torna-se o escudo de bronze
do batismo. O escudo de ouro do crescimento na graça torna-se o
escudo de bronze da confirmação bispal. O escudo de ouro da apli
cação pela fé do sangue de Cristo uma vez oferecido naquele sacri
fício santo por nós é substituído pelo inútil escudo de bronze do
sacrifício diário da missa oferecido pelos pecados dos vivos e dos
mortos. O escudo de ouro da mortificação do pecado é substituído
pelos escudos de bronze das penitências e de severas punições cor
porais dolorosas. Em vez de o culto ser regido pelo escudo de ouro
do Espírito de graça e súplica, são levantados escudos de bronze de
liturgias criadas pelo homem, inventadas e compostas não se sabe
por quem.
Mas o pior de tudo - rejeitando os esforços humildes, santos,
mansos e diligentes para manter em obediência, amor, unidade e
comportamento frutífero todos os verdadeiros crentes, pela apli
cação dos mandamentos de Cristo à alma e à consciência deles
pelo Espírito e com a autoridade dele - Roma estabeleceu uma
dominação mundana sobre a herança de Deus, empregando mais
força, fraude, extorsão, opressão, violência e derramamento de
sangue, talvez, do que qualquer governo secular de qualquer esta
do despótico do mundo.
A APOSTASIA PARCIAL DO EVANGELHO m
da com seus dons, quer extraordinários ou ordinários, então sua
reivindicação de ser a única igreja verdadeira de Cristo fica prova
da, e ela se livra de qualquer acusação de apostasia perigosa que
seja colocada às suas portas.
Porém, em vez de ser conduzida para toda a verdade, Roma
tem-se desviado tanto da verdade que dificilmente um grão do
evangelho verdadeiro permanece nela.
O evangelho de Cristo é o único meio exterior de levar peca
dores a se reconciliarem com Deus. É o único manual do Espírito,
dado para ensinar as pessoas a caminharem diante de Deus em
obediência à vontade dele e para sua glória. A Bíblia não tem ne
nhuma outra utilidade.
Então, quando Roma afirma que só ela possui a verdade, que
só ela é o verdadeiro intérprete das Escrituras, quer use a Escritura
para seu fim apropriado ou não, e quando ela promete a todos
que professam sujeição a ela que irá garantir seu futuro eterno -
mesmo que permaneçam ignorantes do evangelho e continuem a
levar vidas de pecado e estejam irreconciliados com Deus, tendo o
coração ainda em inimizade com Deus - ela nada faz senão ex
por o evangelho ao desprezo e ao ridículo aos olhos do mundo.
Portanto, não obstante essas reivindicações feitas por Roma,
passaremos a mostrar como a maioria dos cristãos tem apostatado
parcialmente da verdade do evangelho, e a perguntar por que fize
ram isso, como chegaram a este estado de apostasia parcial, e o
que os levou a tal apostasia.
evangelho se compõe de três coisas:

(1) Hd o mistério de sua doutrina. O que devemos crer.


(2) Hd a santidade de seus mandamentos. Como devemos viver.
(3) Hd a pureza de sua adoração, de seu culto. Como nossa fé
professada e obediência é testada.
O alicerce da verdadeira santidade e do verdadeiro culto cris
tão é a doutrina do evangelho, o que devemos crer. Por isso quan
do a doutrina cristã é negligenciada, abandonada ou corrompida,
a santidade e o culto verdadeiros também serão negligenciados,
abandonados e corrompidos.
Os homens podem professar a verdade e ainda assim não obe
decer a ela (Tt 1.16,· 2 Tm 3.5).
A obediência ao evangelho requer a "obediência da fé" (Rm
1.5). Os cristãos devem ser "obedientes à fé" (At 6.7). É "esta gra
ça de Deus que ensina os homens a viverem sensata, justa e piedo
samente no presente século", para que possam ser aceitos por Deus
(Tt 2.11, 12). Portanto quando a doutrina do evangelho é negli
genciada ou abandonada, então haverá um enfraquecimento da
verdadeira santidade e verdadeiro culto evangélicos.
Paulo declara no fim de seu ministério que ele "guardou a fé"
(2 Tm 4.6-8). Esta tinha sido a preocupação principal dele ao lon
go de todo seu ministério.

m
m APOSTASIA Do EVANGELl!O - JOHN ÜWEN

Não havia sido fácil para Paulo "guardar a fé". Exigiu duras
lutas e muito conflito. Quanta diferença existe entre Paulo e tan tos
hoje que acham que seja matéria fácil "guardar a fé".
Verificar que Timóteo também estivesse "guardando a fé" era
uma grande preocupação de Paulo (1 Tm 6.20, 21; 2 Tm 1.13,
14).
Tito foi exortado por Paulo a repreender aqueles que
mostras sem a tendência de negligenciar ou abandonar a
verdade do evan gelho em favor de fábulas judaicas e
mandamentos dos homens (Tt 1.13, 14).
Judas convida todo cristão a "batalhar diligentemente pela
fé" porque muitos estão por demais dispostos a corrompê-la e a
deixá la (/d 3).
Seria fácil pensar que as primeiras igrejas, plantadas pelos após
tolos e ensinadas por eles, tivessem desfrutado de maior vanta
gem quanto a conhecer o mistério e a verdade do evangelho. Os
apóstolos lhes anunciavam "todo o desígnio de Deus", nada re
tendo que fosse proveitoso para eles (At 20.18-21, 26, 27). Sua
autoridade vinha diretamente de Cristo e eles eram absoluta
mente infalíveis em tudo que ensinavam. Seria de crer, então,
que as igrejas primitivas teriam conservado a fé pura e não se
desviado dela.
A igreja de Corinto foi plantada por Paulo e regada pelo gran
de evangelista Apolo. No entanto, dentro de cinco ou seis anos,
muitos daquela igreja já haviam negado a ressurreição dos mortos
(1 Co 15.12-18).
As igrejas dos gálatas também foram fundadas por Paulo.
Ele as instruiu em todo o desígnio de Deus. Trataram-no como
um anjo de Deus, receberam-no como se fosse o próprio Jesus
Cristo e estimaram-no mais que seus próprios olhos (Gl 4.14,
15). Con tudo, dentro de pouco tempo caíam da doutrina da
graça e justi ficação somente pela fé, buscando justiça, como se
fora, pelas obras da lei. Isso espantou Paulo de tal maneira que
ele achou que tives sem sido enfeitiçados (Gl 3.1). Não
obstante a demonstração ela-
A APOSTASIA DA VERDADE DO EVANGELHO m
ra da verdade que já tinham recebido, e do poder da palavra que
tinham experimentado, de repente apostataram dela.
Então não devemos achar estranho se acontece de cristãos de
hoje caírem tão facilmente, afastando-se do evangelho depois de
tê-lo recebido.
As cartas de Paulo a Timóteo e Tito estavam repletas de
avisos sobre como os diversos tipos de pessoas estão dispostos a
apostatar da verdade. João também, em suas cartas, conta de
apostasias do evangelho e avisa os cristãos do perigo de cair,
como faz também Judas, em sua epístola. Quase todas as sete
igrejas mencionadas no Livro de Apocalipse foram acusadas de
apostasia pelo próprio Jesus Cristo.
Sendo assim, se as igrejas apostólicas caíram em apostasia facil
mente mesmo quando os apóstolos ainda estavam vivos, será que
nós, que não temos as mesmas vantagens, podemos deixar de ser
vigilantes? Podemos negligenciar todos os meios possíveis que te
mos para cuidarmos de não cair?
E quanto às igrejas que se seguiram, quando os registros sagra
dos já estavam completos e os apóstolos haviam morrido?
Enquánto ainda vivo, Paulo preveniu os anciãos da igreja em
Éfeso: "Sei que, depois de minha partida, penetrarão lobos vora
zes, que não pouparão o rebanho". Avisou-os também que dentre
eles, iriam "se levantar homens falando coisas pervertidas, para
arrastar os discípulos atrás deles" (At 20.29, 30).
Pedro também os advertiu sobre falsos mestres que se introdu
ziriam entre eles, secretamente introduzindo heresias destruidoras
e até negando o Senhor que os comprou; e que trariam sobre si
mesmos repentina destruição. Além disso, Pedro avisou que mui
tos seguiriam esses caminhos destrutivos, e que por causa deles o
caminho da verdade seria blasfemado (2 Pe 2.1, 2).
Que foi necessário o aviso aos presbíteros de Éfeso é visto pela
acusação feita àquela igreja mais tarde (Ap 2.4, 5). Paulo também
faz a Timóteo advertências salutares sobre apostasia futura (2 Tm
4.1-4; 1 Tm 4.1, 2).
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

(3) Depois os homens começaram a se cansar e a se aborrecer


da sã doutrina.
Por volta do terceiro século mais ou menos, fábulas fradescas
começaram a vir a público no mundo. Em vez de pregar as doutri
nas da graça, da justificação pelo sangue de Cristo, de fé e arre
pendimento, e de obediência santa, eles propalavam histórias de
sonhos e visões, de terem perfeição angélica em si mesmos, de
devoções que eles próprios criavam, de desautorizados flagelos
cor porais e mil outras superstições tolas. Com tais fábulas,
inúmeras almas se desviaram da verdade e simplicidade do
evangelho, des prezando toda a doutrina de nosso Senhor Jesus
Cristo e seus após tolos. Essas coisas estavam profetizadas em 1
Timóteo 4.1-3. As sim, a terceira advertência realizou-se.
(4) A última advertência do Espírito era a obra secreta do
"mistério da iniqüidade". Essa foi aquela apostasia fatal
induzida por falsos mestres, lobos vorazes, o aborrecimento de
ouvir sã doutrina e inúmeros outros enganos de Satanás,
juntamente com a vaidade da mente e as paixões vãs do coração
humano. Sob essa terrível apostasia, o mundo gemeu e por ela
foi devastada. Essa terrível apostasia atingiu seu auge no
papado. O vinho puro do evangelho estava envenenado e o culto
puro do evangelho tenebrosamente corrompido, de forma que
não mais trazia re frigério à alma dos homens; antes, se tornou
tão amargo que, a alma humana, como Cristo na cruz, depois de
prová-lo não acei tava beber dele.
Durante esse tempo, a igreja verdadeira, expulsa para o
deser to, foi secretamente nutrida pelo Espírito e pela Palavra de
Deus, e as poucas testemunhas que ainda restavam
profetizavam vesti das em pano de saco e selavam seu
testemunho com o próprio sangue (Ap 12.11; 11.3, 7, 8).
Então Deus graciosamente visitou o remanescente de sua he
rança e levantou muitos servos fiéis de Cristo pelos quais a obra
da reforma foi começada com êxito e continuada em muitas na
ções e igrejas.
tas pessoas, mas também o socinianismo. Este teve suas raízes na
época da Reforma, no pensamento de Laelius Socinus, e foi pro
mulgado pelo seu sobrinho Faustus Socinus. O socinianismo é,
em essência, uma abordagem racionalista à fé cristã, tornando a
razão decaída do homem a medida padrão para avaliar a fé. Con
seqüentemente, negava a Trindade, a encarnação e a deidade de
Jesus Cristo e outras doutrinas cardeais. Qualquer que seja o dis
farce em que apareça, deixa claro que envolve uma rejeição do
evangelho por inteiro.
Tais ataques contra o Cristianismo genuíno podem por vezes
enfraquecer o testemunho de crentes verdadeiros. É importante,
portanto, perguntarmos: O que está por trás de tal apostasia? É o
que abordaremos no capítulo seguinte.
4

m
m APOS1ASL\ Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

guma cobra venenosa pronta a dar o bote no evangelho todo.


E todas as paixões da mente e da carne; todos os desejos
enga nosos da velha natureza; todos os poderes do pecado e
todos os desejos mundanos e indisciplinados se erguem para
resistir a essas verdades.
Assim sendo, as verdades espirituais recebidas só na mente
são primeiro negligenciadas, depois desprezadas e finalmente
abandonadas.
Os homens, por convicção e por causas e motivos naturais,
podem até receber o evangelho como verdade. Mas quando
essa verdade é aplicada à consciência, quando suas vontades e
seus desejos são chamados a arrepender-se dos caminhos que
lhes são caros e andar agora nos caminhos de Deus, então
aquela velha animosidade se levanta e faz objeção.
As verdades evangélicas são recebidas facilmente em termos
arminianos, nos quais aquela inimizade enraizada tem permis
são de reter controle sobre todas as decisões e ser auto-sufici
ente. Mas quando essas verdades insistem na total incapacida de
do homem de se arrepender e crer sem que a graça de Deus
primeiro opere nele, então aquela inimizade apela para o livre
arbítrio, e resiste com todas as forças à soberania de Deus na
salvação dos homens.

niAniuuÚv C-0,IU/Uv a, natwt,al


Paulo descreve o curso que a inimizade do homem segue
contra a revelação natural (Rm 1.18-32).
Os homens não puderam fugir da revelação de Deus em
seu eterno poder e divindade na criação, porque não podiam
fugir do universo, nem fugir de si como parte da criação de
Deus. Não desejando reter o conhecimento de Deus na men
te, suprimiram a verdade com iniqüidade (v. 18). Em vez de
adorar Deus, entregaram-se a abomináveis idolatrias e torpe
zas bestiais.
As RAzõF.S E CAUSAS DA APOSTASIA m
B canlJta; a;

Paulo mostra também que acontece o mesmo com a


revelação sobrenatural. O mistério da iniqüidade pôde operar
porque os homens "não acolheram o amor da verdade para serem
salvos" (J Ts 2.10). Primeiro, recusaram-se a deixar que a
verdade tivesse qual quer efeito sobre a vida deles, e depois
rejeitaram-na em favor dos erros mais vis e das superstições
mais grosseiras.
Há exemplos de como todos os tipos de homens já receberam
idéias falsas, vãs e tolas, mas que estão tão fixadas na mente por
interesses e preconceitos fortes, que nada os convence a renunciar
a seus erros, nem mesmo a mais poderosa apresentação da verdade
com provas e avisos infalíveis dos perigos terríveis de não se arre
penderem. Tais exemplos são vistos em cristãos falsos, em seitas e
heresias falsas.
Porém existem dois grandes exemplos na História: os judeus e
a igreja de Roma.
Os judeus até hoje continuam obstinadamente se apegando à
mais irracional descrença e apostasia da fé de seu pai Abraão, ape
sar das terríveis durezas e desastres que lhes têm sobrevindo.
A Igreja de Roma até hoje se prende obstinadamente aos
seus erros, idolatrias, blasfêmias e superstições, mesmo estando
cheia de homens sábios e doutos. Até reis e governadores de
nações têm tolamente aderido aos seus erros, impiedades,
superstições e ido latrias.
Nenhuma religião poderá ser tão tola ou desprezível que não
tenha sempre adeptos que se prendam com tenacidade a ela.
O erro, uma vez recebido como sendo verdade, cria raiz
mais firme nas mentes mundanas do que qualquer verdade
consegue criar, enquanto a mente permanecer em seu estado
não-renova do. A razão é que o erro, de uma forma ou outra, se
coaduna com a mente depravada, e nada há no erro que suscite
a inimiza de natural para com Deus e as coisas espirituais que está
enraizada no coração dos homens.
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

A mente, já tendo decaído da verdade e da bondade, anda


sem rumo por caminhos próprios, determinando por si mesma o
que é bom e mau, o que é verdadeiro e o que é falso (Ec 7.29).
É por isso que o "mistério da iniqüidade" foi tão bem
sucedido em levantar uma tão grande apostasia, que alcançou
seu auge na Igreja de Roma.
O perigo da apostasia sempre estará presente se os homens re
ceberem a verdade só em sua mente, mas não a amarem em seu
coração e se submeterem a ela exercendo sua vontade. A não ser
que essa inimizade seja vencida e extirpada; a não ser que a mente
seja libertada de sua depravação; a não ser que a verdade opere
poderosa e efetivamente no coração e na alma; a não ser que a
verdade seja aprendida "como ela é em Jesus", para que os homens
"se despojem do velho homem, que se corrompe segundo as con
cupiscências do engano e se renovem no espírito do entendimen
to deles e se revistam do novo homem, criado segundo Deus, em
justiça e retidão procedentes da verdade" (Ef 4.22-24); a não ser
que amem a verdade e a valorizem pela paz espiritual, pelo poder
e liberdade de espírito que ela lhes traz, eles cairão em tempos de
perseguição e deixarão o evangelho por outras coisas.
Essa inimizade do coração é a primeira causa e o motivo pelo
qual tanta gente deixa a doutrina do evangelho depois de tê-la rece
bido.
A única maneira de evitar esse abandono do evangelho é
amar a verdade e experimentar seu poder no coração.
A verdadeira religião poderá ser estabelecida por lei, e
susten tada e defendida por autoridades vigentes, mas se essa
inimizade não for desarraigada do coração dos homens, e o
amor não for plantado ali em seu lugar, nenhuma defesa real
existirá contra a apostasia.
Como pôde acontecer, depois de uma Reforma tão gloriosa,
que os homens caíssem de novo no papismo?
Como evitar que o papismo volte novamente para arruinar esta
nação e outras nações do mundo?
As RAzõES B CAUSAS DA APOSTASIA m
Será que leis severas proibindo sua volta funcionariam? Nun
ca. De qualquer forma, leis severas com sanções assustadoras nun
ca são a glória da verdadeira religião.
Será que livros funcionariam, se escritos para refutar seus er
ros? Nunca. Poucos os lerão e os levarão a sério.
A única coisa que fará isso é a comunicação eficaz do conheci
mento da verdade do evangelho ao coração das pessoas pelo Espí
rito Santo. A doutrina evangélica precisa ser entendida pela men
te, amada pelo coração e aceita alegremente em boa vontade e
submissão por opção pessoal (Rm 6.17). O papismo só será mais
uma vez extirpado de nossa terra quando o poder e o amor da
verdade for implantado no coração das pessoas.
A não ser que os homens conheçam o verdadeiro valor do evan
gelho e que grande bem o evangelho lhes traz se o recebem no
coração e o experimentam em sua vida, é ignorância achar que
alguém será fiel a ele. Ao surgirem dificuldades, dirão: "É tolice
servir Deus assim. Que aproveita guardar suas ordenanças?"
Mas quando Deus, pelo evangelho, "brilha no coração para
lhes dar a luz do conhecimento de sua glória na face de Cristo";
quando percebem que sua consciência foi libertada do jugo into
lerável da superstição e das tradições, e que pela palavra da
verda de que receberam, eles nascem de novo à viva esperança
da vida eterna, seu homem interior sendo renovado e sua vida
transfor mada; que sua esperança de imortalidade está bem
fundamentada na verdade, eles irão permanecer nesta verdade,
pela graça e força do Espírito, até o fim da vida, seja o que for
que lhes aconteça.
Nenhuma mera forma exterior de religião verdadeira poderá
subsistir ante os avanços da apostasia romana.
Só a pregação fiel do evangelho - com exemplo forte de
zelo e santidade naqueles por quem é pregado, ganhando os
corações do povo às verdades bíblicas proclamadas, gerando em
todos os que ouvem um deleite genuíno nelas a ponto de se
submeterem voluntariamente a Cristo e confiarem só nele para a
salvação, pro vando por santa obediência à sua vontade que a
palavra foi pode-
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

rasamente implantada no coração deles - fará parar os avanços


pérfidos da apostasia romana.
Esse é o único método que Deus ordenou e que ele abençoa
(At 20.32).
"Mas não é certo que os apóstolos tiveram enorme vantagem
sobre nós porque foram equipados com dons extraordinários,
en quanto nós só temos dons comuns?"
Os apóstolos tiveram dons extraordinários porque foram
cha mados para fazer uma obra extraordinária. E nós só somos
cha mados para um trabalho comum, portanto o Espírito só nos
pro vê com dons comuns. No entanto, o Espírito Santo pode
tornar seus dons comuns igualmente eficazes. O que extirpou a
inimiza de do coração dos homens e implantou o
arrependimento e fé verdadeiros não foram os milagres e sim a
obra regeneradora do Espírito Santo. Cristo operou muitos
milagres poderosos, contu do ainda assim não creram nele (/o
12.37).
Paulo diz ao jovem Timóteo que chegaria a hora quando a sã
dou trina não seria mais tolerada. Por causa disso, os homens
nomeariam mestres que pregariam somente o que o povo queria
ouvir, e como resultado eles seriam desviados da verdade para
fábulas (2 Tm 4.3, 4).
Que deveria Timóteo fazer para evitar que isso acontecesse?
Paulo diz: "Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus, que há
de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino:
pre ga a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige,
repreen de, exorta com toda a longanimidade e doutrina... sê
sóbrio em todas as cousas, suporta as aflições, faze o trabalho
de um evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério" (2 Tm
4.1, 2, 5). Esse é o trabalho comum ao qual somos chamados e
para o qual o Espírito nos equipa com dons comuns.
Portanto, Paulo descreve aqueles que foram convertidos a Deus
evangelicamente como sendo aqueles que "foram escravos do
pe cado", mas que obedeceram de coração àquela forma de
doutrina a que foram entregues, e uma vez libertados do
pecado, foram feitos servos da justiça (Rm 6.17, 18).
m Af>OSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWllN

soberbos, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo


forma de piedade mas negando seu poder. Foge também
destes", diz Paulo (2 Tm 3.1-5).
Em resposta, a igreja tinha de obedecer a esse mando apostóli
co, ou ela tinha de acomodar-se às paixões deles.
O grande propósito secreto do homem pecador é continuar
vivendo sua vida pecaminosa com a mínima dificuldade possível
na vida presente, e com toda esperança de evitar punições futuras
na vindoura.
Há duas maneiras de fazer isso:
(I) Negar que existe um Deus. Apagar toda idéia de bem e
mal, e toda idéia de recompensas e castigos futuros (Sl 14.1,·
10.4).
Mas é difícil ser ateísta, porque aquilo que pode ser conheci
do de Deus é evidente nessas mesmas pessoas (Rm 1.19). O ateísta
não pode fugir da verdade de Deus porque ele não pode fugir de
si mesmo, nem pode fugir das provas do poder eterno e da di
vindade em toda a criação (Rm 1.20). O ateísta também não
consegue libertar-se do conhecimento das sentenças de Deus
(Rm 1.32). Portanto, as palavras jactanciosas que o ateísta diz
exter namente são um tapa-buraco que não resolve os temores
que sente interiormente.
(2) Dar-lhes uma religião que lhes permita continuar a alimentar
seus apetites passionais pecaminosos e ainda aparentar ser cristãos (2
Tm3.5).
O pecado e a consciência precisam ser conduzidos a uma con
vivência pacífica. O pecado resiste à consciência e a consciência
resiste ao pecado, de forma que não pode haver paz enquanto
ambos existem. Mas a natureza corrompida os acomodará a vive
rem juntos pacificamente (2 Pe 2.18, 19).
A primeira coisa que deve ser feita é remover o obstáculo da
regeneração e renovação da natureza corrompida em imagem e
semelhança de Deus, o que impede muitos de entrarem na reli gião
verdadeira. Então a ordenança externa do batismo substitui a obra
regeneradora interior do Espírito Santo.
As RAzõES E CAUSAS DA APOSTASIA m
O passo seguinte é fornecer um substituto pela santificação
interior da pessoa toda, a mortificação do pecado e a total obedi
ência de coração, para que a consciência seja satisfeita, mas que
permita que o pecado possa continuar a reinar e ser alimentado.
Por isso as absolvições, missas diárias, indulgências e - na pior
das hipóteses - o purgatório, habilitam o pecador a continuar
sem se arrepender, e ao mesmo tempo removem o medo de puni
ções futuras. Confissões, penitências e a doação de esmolas capa
citam os homens a continuarem a viver em seus pecados e ao
mesmo tempo pacificam a consciência deles.
É essa a razão por que tantos retornam à apostasia romana após
ter recebido o conhecimento do evangelho. É porque naquela
igreja a consciência pode ser acalmada e os homens deixados
em paz para continuar em seus caminhos pecaminosos.
5

m
TREVAS E IGNORÂNCIA: UMA CAUSA DE &OSTASIA m
espiritual, supera em excelência a qualquer que nos poderia ser
dada pelo entendimento e razão natural. Portanto, na Escritura é
muitas vezes mais preferida.

d!. dR/
6UfYll JrUJiwo; rµwl ÚU1;[M;
a&uuúmmn, aSI
Como foi que os homens sob a apostasia papal abandonaram
pouco a pouco as verdades principais do evangelho e toda a glória
espiritual de seu culto? Aconteceu porque lhes faltou
discernimento espiritual da glória e beleza divinas das verdades
evangélicas e qual quer experiência de seu poder sobre a mente
deles. Por isso escolhe ram aquelas coisas cuja beleza externa,
maquiada, podiam enxergar. Muitas pessoas doutas e habilitadas
nas doutrinas do evange lho, tidas corno colunas da verdade,
ainda assim apostataram, ca
indo no arianismo, pelagianismo, socinianisrno e papismo.
Duas verdades para o consolo dos crentes.
Alguns crentes verdadeiros, vendo grandes homens do evange
lho caindo na apostasia, temem que eles possam fazer o mesmo.
Então para seu consolo as duas verdades seguintes precisam ser
mantidas:
(1) Deus escolheu um povo em Cristo desde antes da fundação
do mundo. Estes ele deu a Cristo, confiando-lhe a completa e per
feita salvação deles. Portanto, o propósito de Deus é conservar seus
eleitos e guardar estes de abandoná-lo. Jesus disse: "E a vontade de
quem me enviou é esta: que nenhum eu perca de todos os que me
deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia. De fato, a
vontade de meu Pai é que todo homem que vir o Filho e nele crer
tenha a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dià' (Jo 6.39,
40).
(2) Deus pretende preservar em santidade seus eleitos. "O
Se nhor conhece os que lhe pertencem" e "Aparte-se da injustiça
todo aquele que professa o nome do Senhor" (2 Tm 2.19).
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

Ninguém que abandona a verdade jamais enxergou a glória


dela ou sentiu por experiência própria seu poder (1 ]o 2.19; Hb
6.9). Sem a iluminação salvadora da verdade pelo Espírito
Santo, não temos segurança de que sempre "nos portaremos
como ho mens" e "nos manteremos firmes na fé".
Ceticismo.
Sem iluminação espiritual, as doutrinas do evangelho estão
aber tas ao ceticismo. Os céticos fingem não renunciar à verdade
ou abandoná-la. Mas falam sobre a verdade e discutem-na com a
ati tude de poder aceitar ou deixá-la. São indiferentes quanto a ela
ser ou não verdade. A Bíblia, a Trindade, Cristo e seus ofícios, a
justi ficação pela graça e as demais verdades do evangelho são
pesadas e examinadas nas velhas balanças poluídas e cambaleantes
das dis cussões céticas e irreverentes. Podem até ser professores de
reli gião, mas mostram sua ignorância quanto à diferença
fundamen tal entre a verdade e o erro. Não conseguem ver a
glória, a beleza e o poder da verdade, de modo que para eles tanto
faz ela ser ou não avaliada como verdade ou erro.
A verdade espiritual e celestial está relacionada com o ser e a
infinita sabedoria, bondade, amor e graça de Deus. Portanto, vem
marcada com as características divinas que a fazem gloriosa, ad
mirável e completamente desejável para aqueles que conseguem
ver essas evidências divinas.
O erro, por outro lado, sendo relacionado com Satanás como ca
beça da apostasia original, é distorcido, deformado e confuso para
a mente.
A verdade tem o poder de transformar a alma à imagem de
Deus e de enchê-la com o amor pela verdade e com o poder de
obedecer à verdade.
O erro, em contrapartida, desvia a mente para os caminhos
tortuosos da tolice e da superstição, ou do orgulho e da
autopromoção.
Estivessem os homens apercebidos dessa diferença prática en
tre a verdade e o erro, deixariam o erro, desistiriam de seu ceticis-
TREVAS E IGNORÂNCIA: UMA CAUSA DE APOSTASIA m
mo, especulação e indiferença para com a verdade e a buscariam
em toda a vida e poder que ela possui.
A verdade, verdadeiramente conhecida, irá gerar reverência,
amor e estima sagrada na alma dos homens, de modo que não
ousariam aviltá-la com o ceticismo nem permitiriam que fosse
atirada de um lado para outro por cada tola imaginação.
A escuridão impede a mente e a alma de chegarem a alguma
certeza da verdade; evita que a alma ame a verdade e assim não
permite que o homem tenha qualquer defesa contra a apostasia.
Cada homem, em sua ignorância do que é verdade e do que é·
erro, é deixado a determinar por si o que é verdade. Mas cada
homem tem sua própria idéia e opinião do que é a verdade. Por
tanto, como a opinião de cada pessoa é tão válida quanto a opi
nião das demais, fica fácil vagar da verdade para o erro, que é o
caminho do ceticismo.
Por esse caminho, a verdade ficou perdida e as pessoas vaguea
ram aos poucos para a apostasia papal. Hoje, multidões estão pron
tas a ir pelo mesmo caminho.
A verdade é o único guia para pensamento correto. Se a mente
não é guiada pela verdade, seus pensamentos logo se desviam para
o erro.
A verdade divina é o único guia da mente em todos os seus
pensamentos a respeito de Deus. Sem a revelação divina, o ho
mem nunca terá pensamentos corretos sobre Deus.
Muitos que aceitam verdades divinas com a mente, mesmo
em sua máxima pUreza e mais altas revelações, freqüentemente
são tão maus e profanos quanto são aqueles guiados pelo erro e
pela superstição. A vida de muitos protestantes não é melhor e
muitas vezes é até bem pior do que a vida dos papistas, judeus e
muçul manos. Por vezes os papistas, muçulmanos e judeus, cujas
mentes são dirigidas por erros e superstições, com freqüência
são mais caridosos, generosos, zelosos no mortificar a carne e
negar-se a si mesmo do que muitos protestantes que professam
ter realmente recebido o evangelho.
m ArosTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

Todas as religiões falsas asseveram que seus seguidores são


mais santos em sua vida do que aqueles que afirmam o
evangelho de Cristo. Esse é o argumento que eles usam quando
desejam ganhar convertidos para si.
Portanto, a vida dos que professam se ater à verdade não é crité
rio pelo qual se julgar o que é verdade e o que é erro. Mas onde
a verdade tem um domínio forte sobre a mente, ali a vida
refletirá mais perfeitamente a glória e a beleza dela, para que todos
a vejam. Mas que se saiba que não é cristão firme, estável, capaz
de re sistir a todas as tentações à apostasia, aquele que não
recebeu a verdade como resultado da iluminação de sua mente
pelo Espíri to, e que não experimentou pessoalmente o poder da
influência transformadora dele em sua vida. Um cristão
verdadeiro não se opõe a que julguem imparcialmente o que ele
crê pela vida dele, desde que não estejam à procura de
perfeição, que ele não declara
ter neste mundo, e sim, de sinceridade.
Mas se vidas vão ser o testemunho para se julgar a verdade,
então haverá ocasiões em que é o erro que sairá ganhando.
O evangelho não transformará a mente a não ser que
primeiro de tudo comunique aqueles princípios espirituais
necessários, para
. que sua obra de transformar a mente seja eficaz. Cok>que-se vi
nho novo em garrafas velhas e tudo estará perdido, tanto as
garra fas como também o vinho. Coloque-se a doutrina do
evangelho em uma mente velha, não-renovada, corrupta, cética,
e a doutrina é logo poluída e estragada; e por ser incapaz de
produzir santidade de vida, ela torce a mente, em ceticismo,
contra o evangelho.
Muitos já viram o quanto é ineficaz colocar os mistérios do
evangelho em pessoas carnais, e por isso deixaram de pregar essas
doutrinas, continuando só com aquelas doutrinas apropriadas à
compreensão natural das pessoas, tais como comportamento
mo ral e a obediência à lei.
A santidade que o evangelho requer é a transformação de nossa
alma à imagem e semelhança de Deus. Essa é a nova natureza que
se submete alegremente à "boa, agradável e perfeita vontade de
TREVAS E IGNORÂNCIA: VMA CAUSA DE APOSTASIA m
Deus" (Rm 12.2). Mas isso não acontecerá a não ser que possamos
"contemplar a glória do Senhor", pois só com isso "somos transfor
mados, de glória em glória, na sua própria imagem" (2 Co 3.18).
Também não podemos "contemplar essa glórià' a não ser que
"aquele que ordenou que a luz resplandecesse das trevas, ele mesmo
resplandeça em nossos corações para nos dar conhecimento da glória
de Deus" (2 Co 4.6). É por isso que a doutrina do evangelho é
ineficaz no cora ção e na vida de muitos que reconhecem e
professam a verdade dela abertamente.
As vantagens da falsa religião.
Os motivos da falsa religião para efetuar reformas de vida e
pr ssionar as pessoas a desempenhar suas obrigações são todos
con dizentes com o entendimento natural ou com as superstições,
os temores, os desejos, o orgulho e outros sentimentos
depravados.
As motivações que a mente natural pode compreender são mui
tas. Filósofos pagãos da Antigüidade procuravam fazer com que
os seguidores aprimorassem a "luz natural" existente neles. Obe
diência à lei também é aconselhada, não a pureza da lei moral que
exige a obediência que vem do coração, senão só a moralidade
externa que deve satisfazer às exigências das tradições dos homens.
Baixando as exigências da lei e substituindo-as pelas exigências
mais leves da tradição, essas tradições acabam anulando a lei. Es
sas motivações naturais existem em todas as religiões falsas, inclu
sive em seitas e falsos cultos cristãos.
Outros motivos, especialmente entre os romanistas, são doutri
nas tais como o alcance de méritos, a satisfação de penas pelos
peca dos, confissões, penitências e finalmente o purgatório. Todas
essas coisas fazem surgir um sentimento de respeito na mente do
ho mem, e assim têm alguma influência sobre sua vida que os
princípi os e motivações do evangelho não puderam produzir.
Obediência e sujeição a princípios e motivações de Roma muitas
vezes conduzem à aparência de grandes atos de devoção, grandes
obras exteriores de bondade e caridade, grandes austeridades e
grandes sacrifícios de abnegação.
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

Por que, então, a verdade do evangelho não produz obras glo


riosas de obediência em todos por quem é recebida e professada?
As desvantagens da verdade.
A verdade é mais excelente do que o erro. A luz celestial é mais
excelente do que a superstição. A fé é mais excelente do que os
terrores temerosos de tormentos inventados, imaginários. A paz
verdadeira é mais excelente do que renome e glória exterior.
Há uma santidade, uma fecundidade nas boas obras, que é
forjada, preservada e mantida pela verdade do evangelho naqueles
que são verdadeiramente regenerados e santificados pelo
Espírito Santo, que recebem o poder da verdade na mente e na
alma. Essa santidade é completamente diferente daquela
produzida por to dos os princípios e motivos das falsas religiões,
que são designadas para se ajustar aos desejos depravados da
mente humana.
Mas onde as pessoas são ignorantes quanto ao poder do evange
lho para regenerar e renovar a mente, a vida delas pode ser tão má
como, e admira-se que não sejam piores do que, aquelas dos
papistas e de todas as falsas seitas ou falsos cultos ou de todas as
religiões pagãs.
As religiões falsas têm muitas superstições e muitos princípios
falsos que, em certa medida, refreiam as paixões pecaminosas e
motivam os feitos louváveis.
Mas crentes nominais, nada conhecendo do poder da verdade
evangélica em sua vida, não podem agradar a Deus e não conse
guem viver uma vida santa e verdadeira. Não é meramente a
pro fissão exterior da verdade e sim o poder interior dela que é
útil ao mundo e à alma dos homens.
Portanto, a pregação que motiva as pessoas por meio de coisas
que o entendimento natural pode captar e aceitar (tais como a
obediência exterior às leis morais) é mais eficaz do que a declara
ção dos mistérios do evangelho. O homem natural está no escuro
quando se trata de compreender os mistérios do evangelho por que
ele não consegue ver sua glória nem vivenciar seu poder. Con tudo,
as motivações espirituais que o evangelho revela são as úni-
TREVAS E IGNORÂNCIA: UMA CAUSA DE APOSTASIA m
cas motivações verdadeiras da obediência aceitável à vista de
Deus. Elas, apenas elas, são "o poder de Deus para a salvação de
todo aquele que crê" (Rm 1.16, 17).
Então, se desejamos ser estabelecidos na verdade; se desejamos
manter-nos firmes na fé; se queremos ser guardados pelo poder de
Deus de todo perigo da apostasia, então nossa obra principal
pre cisa ser a de ter um conhecimento verdadeiro, espiritual da
verda de do evangelho e experimentar o poder disso em nossa
vida. Meras idéias que consistem de noções da verdade, mero
entendimento intelectual de suas doutrinas capacitando-nos a
falar a respeito delas du discuti-las com outras pessoas, não vão
nos preservar da apostasia. E embora essa iluminação espiritual
seja o dom da gra ça de Deus prometida a nós, contudo ainda
nos cabe procurá-la, ou não a teremos (Mt 7.7-11).
Se quisermos ter certeza de não cair em apostasia, então
preci samos dar atenção aos seguintes princípios:
Precisamos orar sinceramente para que o Espírito da verdade nos
conduza a toda verdade (1 Co2.9-12; Ef 1.16-20; 3.14-19; C/2.1-3).
Precisamos nos certificar de aprendermos a verdade ''como ela éem
jesus" (Ef 4.20-24).
Aprender a verdade como ela é em Jesus é experimentar seu
poder transformador em nossa vida, mortificando o pecado, re
novando nossa natureza e conformando-nos à imagem de Deus
em retidão e verdadeira santidade.
O propósito todo da revelação da mente e da vontade de Deus
na Bíblia é operar em nós um poder espiritual prático, para que
possamos fazer as coisas que nos são reveladas. Onde isso não é
compreendido, e é portanto negligenciado, os homens se conten
tam com um mero entendimento especulativo do evangelho, e
acabam por rejeitar "o conselho e a sabedoria de Deus" neles.
Precisamos aprender a estimar mais o pouco de conhecimento
que nos dd a verdadeira compreensão da salvação e santificação do
que as mais elevadas idéias e especulações da mente, ainda que se
jam douradas com a fama de habilidade, inteligência, perspicdcia e
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

erudição. Aquele que aprendeu a ser manso, humilde, paciente,


abnegado, santo, zeloso, pacífico, buscando pureza de coração e
desejando levar uma vida útil, esse é de fato quem conhece mais
de perto a verdade evangélica. Que este conhecimento, portan
to, seja estimado acima de todo aquele conhecimento intelectu
al vaidoso, presunçoso, arrogante que busca somente se tornar
um grande nome no mundo.
Não esteja satisfeito enquanto você não tiver descoberto por expe
riência pessoal a bondade, excelência e beleza das coisas espirituais.
Não fique satisfeito até que você tenha abraçado essas verdades
com amor e deleite invencível. Sem isso, sua fé não é melhor do
que a fé dos demônios (Tg 2.19).

Os homens podem até ter conhecimento intelectual das dou


trinas bíblicas, mas ser ignorantes a respeito de sua origem
divina, e não ter nenhuma experiência do poder dessas doutrinas
em sua vida. Outros ignoram as próprias doutrinas da Bíblia
porque são preguiçosos e não querem fazer nenhum esforço para
conhecê-las. Outros são ignorantes a respeito das doutrinas da
Escritura por que foram ensinados por falsos mestres (Pv
29.18). Se os mestres são cegos e o povo é cego, então ambos
acabarão caindo na vala do inferno eterno. Outros são
ignorantes porque rejeitaram o co nhecimento do evangelho (Os
4.6).
As pessoas, em tempos de grande pregação, podem aparentar
receber a verdade. Muitos sob o Antigo Testamento, no tempo
da reforma de Josias, se voltaram a professar a verdadeira
religião, porém "não voltaram de todo o coração, mas
fingidamente" (Ir 3.10). Fizeram-no hipocritamente.
A primeira conversão do mundo foi pela pregação dos
apósto los, evangelistas e outros; foi acompanhada de milagres,
sinais e maravilhas, grande santidade de vida e paciência sob
persegui ções. Ninguém foi recebido ou admitido para a
religião cristã,
TREVAS E IGNORÂNCIA: UMA CAUSA DE APOSTASIA m
exceto aqueles que estavam pessoalmente convencidos da veraci
dade dela, instruídos em seus mistérios, dispostos a obedecer aos
seus mandamentos e fiéis em face à perseguição.
Porém mais tarde, reis, governadores ou outros poderosos,
ao serem ensinados por papas e outros príncipes da igreja,
torna ram-se cristãos em oposição ao paganismo. Seus aliados,
paren tes e súditos em geral seguiram-nos para a igreja. Estes
conheci am do Cristianismo pouco mais do que seus rituais
externos e que ele substituíra novos santos por velhos ídolos.
Dessa forma, sua profissão de Cristianismo se baseou em ig
norância profunda dos princípios das mais importantes doutri
nas e obrigações do evangelho. Então ficou muito fácil, para
aqueles que eram vistos como guias, introduzi-los a todas aque
las doutrinas tolas, práticas idólatras, superstições, devoções e
submissão cega aos sacerdotes da igreja, da qual veio a
apostasia fatal que culminou na Igreja de Roma. Conhecendo
muito pou co do que deveriam ter conhecido, e não tendo
interesse em viver em santa obediência àquilo que conheciam,
abraçaram de bom grado aqueles erros e superstições aos quais
Deus os entre gou judiciosamente. Foram essas as "fortes
ilusões do engano" que os desencaminharam completamente do
evangelho (2 Ts 2.1 ]).
Da mesma forma, há nações onde a maioria recebeu a
religião protestante como a melhor alternativa diante do
papismo. Mas por negligência e descuido, preguiça, ignorância
e uma atitude de "aceite se quiser ou deixe"· para com o
evangelho, multidões são hoje vergonhosamente ignorantes dos
rudimentos e prindp.ios da verdadeira religião.
Será que alguém que conheça algo do evangelho, ou da na
tureza da incapacidade do homem para discernir verdades es
pirituais, supõe que ler orações e pregar um sermão vazio de
zelo, vida, poder ou compaixão por almas, acompanhado de
um comportamento leviano, tolo, mundano, foi realmente o
mérodo pelo qual os apóstolos construíram os alicerces da igreja
TREVAS E IGNORÂNCIA: UMA CAUSA DE APOSTASIA m
Roma hipnotiza os protestantes despreparados, ignorantes da
doutrina, com suas reivindicações de ser a verdadeira expressão da
fé cristã porque existiu antes do protestantismo e desde os dias
dos apóstolos. Antes de o protestantismo introduzir confusão,
de sordem e divisões, Roma existiu em perfeita unidade.
Sacerdotes romanos receberam o poder de perdoar todos os
tipos de pecado. Santos, anjos e a própria virgem bendita
estendem misericórdia, graça e bondade a todos os católicos.
Milagres diários são realiza dos na Igreja Romana,
especialmente o milagre da transu bstanciação nas missas
diárias no mundo inteiro. Também há os exemplos maravilhosos
de santa devoção na vida de muitos cató licos. Com essas e
outras glórias romanas, Roma tem êxito em enfeitiçar muitos
protestantes ignorantes para crerem que o papado é o caminho
mais excelente.
Protestantes que não são espirituais nem foram convertidos
não conseguem entender as grandes verdades do evangelho. São
"coisas estranhas para eles". Não as compreendem. Acham o
romanismo mais útil para a mente mundana, natural, não-espiri
tual, não-convertida deles.
O romanismo é sumamente apropriado ao homem carnal e
não-espiritual. No entanto, o evangelho de Deus e seu culto ver
dadeiro em espírito é enfadonho e ininteligível para o mesmo.
Outro engano é aquela religião que faz cada homem olhar
para a "luz natural" dentro dele. O homem natural descobre por
expe riência que há uma luz dentro dele, porque dentro de todos
os homens existe a luz da consciência (Rm 2.14, 15). Como não
experimentam a verdadeira iluminação do Espírito Santo, eles
supõem que é dessa luz natural da consciência que falam esses
enganadores, e assim são desviados por impulsos vagos e sensa
ções interiores estranhas, supondo-os a voz de Deus lhes
falando diretamente.
A apostasia de abandonar uma aceitação de verdades não
entendidas é fácil. Quantos já pereceram por falta de
conheci mento!
m APOSTASIA Do EvANGELIIO - JOHN OWEN

Protestantes que são espiritualmente ignorantes, que man


têm as doutrinas protestantes tradicionais, mas nada conhecem
do poder dessas doutrinas em suas vidas, podem perseguir e
per seguem romanistas, maldizendo-os e tratando-os com
desprezo, tanto quanto os romanistas perseguem os protestantes,
maldi zendo e tratando-os também com desprezo. Mas se esses
protes tantes são chamados a dar uma razão da esperança que há
den tro deles, não conseguem encontrar palavras. Tais
protestantes estão em grande perigo de apostasia, e podem bem
acabar em Roma.
Pregadores e professores ignorantes entregam seu próprio povo
aviltantemente, amarrado de mãos e pés, ao poder de seus
adver sários espirituais. Por outro lado, a pregação fiel,
iluminada e a instrução regular e fiel nas doutrinas principais da
fé cristã é defe sa certa contra a apostasia.
Leis exteriores e a observância de liturgias e cerimônias exteri
ores não constituem defesa nenhuma contra a apostasia.
A instrução na verdade e a iluminação espiritual são os meios
que Deus providenciou para preservar seu povo de cair na
apostasia, e são a única defesa segura contra os avanços do papado.
Ou leva mos isso a sério, ou não cremos que a instrução regular
nas verda des do evangelho seja o único meio de proteger as
pessoas de vol tar à apostasia romana.
A Reforma tirou as pessoas das trevas espirituais para a luz es
piritual do evangelho. Nos dias de hoje, a negligência com que se
deixa de ensinar essas mesmas grandes verdades está levando as
pessoas de volta às trevas espirituais, presas prontas para o
papismo.
A exortação de Paulo a Timóteo é uma que todo ministro deve
atender e levar a sério (2 Tm 4.1-5).
Os pregadores devem estar prontos para pregar em qualquer
tempo. Cabe-lhes convencer, repreender e exortar com toda paci
ência e com ensino fiel. Não podem desanimar nem mesmo quan
do seus ouvintes não suportam mais a sã doutrina, mas estão por
demais dispostos a escutar fábulas.
TREVAS E IGNORÂNCIA: UMA CAUSA DE APOSTASIA m
Paulo está dizendo a Timóteo que o ministério do evangelho
é trabalho duro. Não se pode descansar de "trabalhar na palavra
e doutrina do evangelho", apoiando isso num viver santo. Para o
ministro cristão fiel só há constante e infindo trabalho e labuta.
O ministério romano, em contrapartida, é fácil. É fácil o
sacer dócio romano conservar o povo no aprisco romano. Seus
clérigos estão livres para buscar e utilizar prazeres e honras
deste mundo. Não são obrigados a todo aquele trabalho
cansativo e infindo. De fato, quanto mais ignorante seu povo,
tanto mais fácil conservá los em sujeição à autoridade dos
sacerdotes.
Se o alvo é impedir Roma de avançar, então todo cristão preci
sa crescer em entendimento espiritual, edificado no conhecimen to
dos mistérios do evangelho e assim ser levado ao perfeito en
tendimento de todo o conselho de Deus, especialmente ao propó
sito do amor e graça de Deus em Cristo Jesus, de maneira a ser
capacitado a ser usado pelo Espírito para "salvar almas".
Como pastores, será sabedoria nossa sermos conduzidos e
ins truídos pelo Espírito Santo. Quanto mais exata a
concordância de nossa pregação com o evangelho, quanto
menos misturada com idéias e especulações humanas, tanto
mais difícil será instruir as pessoas nesse conhecimento.
A mente dos homens carnais, não-espirituais é muito mais
capaz de entender e lembrar fábulas, erros e superstições do que
verdades evangélicas. As primeiras são naturais à mente
corrompida. Mas estas últimas, por causa da inimizade da
mente corrompida para com Deus e as coisas de Deus, são
detestadas e rejeitadas completa mente, a não ser que a inimizade
seja removida pela graça de Deus. Assim o número de homens
não convertidos crescerá mais ra pidamente em quatro ou cinco
dias nos erros de uma religião falsa do que outros crescerão
nesse número de anos no conhecimento
das verdades do evangelho.
Podemos ter papistas maduros em um mês, já peritos nos mis
térios da devoção papista. Mas o progresso e crescimento na ver
dade e nos mistérios do evangelho é lento.
m APOSTASIA Do EVANGELIIO - JOHN ÜWEN

Portanto, é necessário agir com diligência especial e vigilância


constante quando se instrui as pessoas em verdades espirituais,
porque caso contrário acabarão presa fácil da apostasia romana.
6

m
11:!J APOSTASIA Do EVANGELHO - jOIIN OWEN

A mente corrupta exalta suas próprias idéias. Ama, aplaude,


idolatra e adota firmemente suas próprias idéias e opiniões. Essa
é a origem de toda heresia. Isso já fez nascer, crescer e progredir
toda sorte de erro (Ec 7.29). Determinar para si mesmo a
verda de e o erro em todo assunto espiritual e religioso é o
principal e mais pernicioso resultado da queda daquele estado
de retidão no qual Deus nos criou e à nossa mente.
A mente corrompida se exalta como juiz único e absoluto da
Palavra de Deus. A mente corrompida determina por si se a
Pala vra de Deus é verdadeira ou falsa, boa ou má, para ser
recebida ou rejeitada, sem qualquer direcionamento ou ajuda
sobrenatu ral. E então, seja o que for que a mente rejeite como
não compa tível com suas próprias idéias e sistema de
raciocínio, isso acaba rejeitado e desprezado.
O evangelho bíblico vem à mente corrupta com o carimbo
da autoridade de Deus, trazendo a imagem e o sobrescrito dele.
Sabedoria, bondade, graça, santidade e poder divinos são im
pressos sobre suas doutrinas de tal modo que ele se mostra ser o
"evangelho da glória do Deus bendito" (J Tm 1.11). Portanto
deve ser recebido com um santo respeito, com o devido reco
nhecimento de sua origem e glória divina e como sendo a voz
de Deus falando dos céus. Por isso o escritor da Epístola aos
Hebreus nos avisa para que não "recusemos aquele que fala.
Pois se não escaparam aqueles que recusaram ouvir quem,
divinamente, os advertia sobre a terra, muito menos nós, se nos
desviamos da quele que dos céus nos adverte" (Hb 12.25).
A não ser que seja visto como vindo de Deus, o evangelho
não será recebido, verdadeiramente entendido, nem crido com
firmeza. O evangelho deve ser recebido "não como palavra de
homens e sim, como em verdade é, a palavra de Deus" (1 Ts
2.13).
O evangelho deve ser recebido com aquela submissão e
sujei ção de alma e consciência que nós que nada somos senão
pó e cinzas devemos dar ao grande e santo Deus ( Gn 18.27).
ÜRGULHO, NEGLIGIÍNCIA, E AMAR AO MUNDO: CAUSAS DE APOSTASIA 11!!
1
Assim Jesus diz: "Se não vos converterdes e não vos
tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino
dos céus" (Mt 18.3).
A não ser que nos neguemos a nós mesmos e todas as nossas
próprias idéias e opiniões, a não ser que nos tornemos humildes
e dóceis, nunca poderemos receber o evangelho. Deus promete
ensinar os humildes e mansos (Sl 25, 9, 14; Is 28.9; Sl
131.2). Um espírito de soberba impede tremendamente a
aprendizagem da Palavra de Deus. A Palavra divina é um
ocupante incômodo para uma mente e um coração que não têm
humildade.
A Palavra de Deus é corrompida por homens que têm confi
ança carnal em si e em sua própria sabedoria para compreendê
la e interpretá-la com acerto.
O evangelho não é contrário à razão, mas está acima da ra
zão. A razão corrompida não aceita esta verdade e por isso não
aceita nada que ela não possa compreender nem crer.
No evangelho, há mistérios divinos revelados que podemos
compreender, mas a natureza dos próprios mistérios divinos
nós não podemos entender. A razão do homem é finita, limita
da e demarcada, portanto não pode entender perfeitamente
coisas que a sabedoria infinita projetou (Jó 11.7-9). A razão
deve se submeter humildemente à divina revelação e dispor-se
a aprender dela.
No evangelho, há também coisas que a razão corrupta rejeita
por não gostar delas. O todo do homem, incluindo sua mente e
razão, é defeituoso, depravado, corrupto, e assim como Cristo
veio restaurar o homem em sua totalidade, ele veio também res
taurar e reparar a mente e a razão do homem.
A razão corrompida é incapaz de discernir e julgar assuntos
espirituais acertadamente, por isso tem a tendência de inventar
suas próprias interpretações, segundo seus próprios preconcei
tos e pressuposições, contrárias àquilo que a Bíblia ensina e exi
ge. Por isso, o propósito da Bíblia é submeter a razão do
homem· a ser levada cativa à obediência da fé.
11:11 APOSTASIA Do EVANGELIIO - JOHN ÜWBN

A razão como finita e limitada.


O evangelho requer que o homem creia em coisas que estão
acima da capacidade do raciocínio julgar ou descobrir. O evange
lho requer que o homem creia em coisas meramente pela autori
dade da revelação divina (1 Co 2.9, 10). Mas a razão corrupta
considera tolice as coisas de Deus (1 Co 1.18-25).
Algumas pessoas ainda hoje exaltam a razão como sendo o juiz
verdadeiro e autorizado de todas as revelações divinas. Nada deve
ser aceito a não ser o que concorda com a razão. Aquilo que está
acima do entendimento da razão deve ser rejeitado. Assim, a razão
se coloca como infinita e ilimitada e coloca como finita e limitada
a sabedoria e o entendimento de Deus.
Assim como há muitas coisas na Bíblia que estão completa
mente acima do alcance da razão finita do homem, esta não
pode julgá-las. Só pode ser a serva da fé em testemunhá-las (J
Co 2.11). Afirmar que não podemos ser obrigados a crer em
nada mais do que podemos entender, ou que podemos rejeitar
tudo que está além da aptidão que a razão tem de captar e
entender, sob a supo sição de ser coisa contrária à razão, é
renunciar ao evangelho e à
toda a revelação divina.
A razão como corrupta e depravada.
A razão corrupta, depravada não aceita receber mandados e
leis que contrariam suas paixões e inclinações. A razão depravada
sempre busca justificar-se por meio de boas obras. Mas o pacto da
graça e a justificação pela fé somente, sem obras, são contrários à
razão depravada e por isso ela os julga irracionais e, portanto, para
serem rejeitados (Rm 11.5,· 8.7).
Quanto aos deveres naturais da obediência, o evangelho ensi
na que mesmo esses não são aceitáveis a Deus a não ser pela
mediação de Cristo e pela graça e força do Espírito Santo. Mas
isso, sendo contrário à razão corrompida que se autojustifica, a
razão rejeita como ilógico e, portanto, inverídico. A razão con
corda com os deveres do evangelho, mas rejeita total e conclusi
vamente que essas obrigações não possam ser desempenhadas
de
1m APOSTASIA Do EVANGELHO - JoHN ÜWEN

cada um concluir que seu próprio pensamento é o único padrão


de julgamento que ele aceitará.
Vemos, portanto, que no evangelho há coisas que estão
acima da razão finita e limitada, e que há coisas contrárias à
razão cor rupta e depravada.
Doutrinas que estão acima da razão finita, limitada.
A Trindade, a encarnação do Filho de Deus e a habitação
inte rior do Espírito Santo em todos os crentes estão acima da
razão e por isso são rejeitadas pela razão finita, limitada.
Doutrinas que são repugnantes para a razão corrompida.
Os atributos de Deus, seus eternos decretos, os ofícios e a obra
mediadora de Cristo, a justificação pela imputação da justiça de
Cristo, a obra regeneradora e santificadora do Espírito Santo e a
ressurreição dos mortos são todas detestáveis para a razão corrup
ta, depravada, e são, portanto, rejeitadas como sendo falsas.
Mas ainda retendo as mesmas palavras, os termos do evangelho,
a razão corrompida coloca nelas interpretações absurdas, interpre
tações destrutivas da fé. Assim a razão depravada busca levar toda
a revelação divina cativa à servidão das perversas opiniões e idéias
dessas mentes.
Essa apostasia surge da recusa de admitir verdades evangélicas
com base na autoridade divina unicamente.
Hoje há muitos na igreja que sujeitam a Escritura à razão finita,
limitada e corrompida do homem. É a razão do homem e não a
revelação infalível de Deus que determina o que é verdadeiro e
o que é falso, o que é bom e o que é mau. Isso tem existido
desde que esse princípio foi ensinado ao homem ainda no
jardim do Éden. O veneno desses princípios está muitíssimo
difundido no mundo e o evangelho está grandemente
corrompido. Tais doutri nas como a predestinação, a depravação
total do homem com res peito a coisas espirituais, o poder da
graça de Cristo na conversão dos pecadores, a regeneração, a
união com Cristo, a imputação da justiça de Cristo para a
justificação, a necessidade de santidade evangélica interior, a
necessidade da graça e ajuda do Espírito e a
ÜRGUUIO1 NEGLJGi.tNCIA1 E AMAR AO MUNDO: CAUSAS DE APOSTASIA ll!D
autoridade divina das Escrituras são todas rejeitadas. A razão não
vê nenhuma lógica nessas coisas.
A razão exalta a si mesma, recusando dobrar-se à autoridade da
revelação divina, mas determinando para si o que é verdade e o
que é bondade. E assim o homem tolo é conduzido à apostasia.
Só a subordinação humilde da mente e da consciência à auto
ridade da Palavra de Deus guardará a pessoa a salvo da apostasia.

CJal&v (!/

Negligenciar as advertências do Espírito sobre o perigo de cair em


apostasia leva a um falso sentimento de segurança. Portanto, os
cris tãos deixam de "vigiar", de "ficar firmes na fé", de "ser fortes e
se
portarem como homens" (Mt 24.11, 24; Ap 3.1 O). Aqueles
que são levados estando em apostasia serão completa e
eternamente destruídos.
Negligenciar os avisos do Espírito de que, em tempo de grande
apostasia, os cristãos estarão dormindo em falsa segurança conduz
a um sentimento falso de estarem seguros. Estarão dizendo "Paz
e segurança!" quando lhes sobrevier repentina destruição (J Ts
5.3).
Amor ao mundo, à prosperidade e ao sossego, juntamente
com os cuidados e ansiedades da vida, são a causa de muitos
cristãos negligenciarem essas advertências, e eles estão, portanto,
em peri go de cair da fé em tempos de grande apostasia.
Os homens ouvem falar desse mal e do perigo dele, mas como
Gálio, "não se importam com nenhuma dessas coisas" (At 18.17).
Não se preparam para lutar pela fé em tempos de apostasia. É essa
negligência que tem sido a causa da corrupção da religião verda
deira.
A indiferença perversa e a despreocupação com a defesa do
evangelho levam muitos a apostatar. "Todas as religiões são
iguais." "Todos adoramos o mesmo Deus." "O que é a verdade?
Quem sabe dizer o que é verdade e o que é erro?"
11:im APOSTASIA Do EVANGELIIO - JOHN ÜWEN

Aqueles que tomam posição a favor do evangelho em tais tem


pos são perseguidos. Os cristãos precisam ser advertidos ( Gl 5.2-
6; 2 Ts 3.12; 2 Pe 2.1, 2).
A segurança falsa leva à autoconfiança tola.
Pedro estava tolamente confiante em si de que não iria negar
Cristo, mesmo que todos os outros o fizessem. Os cristãos estão
tolamente autoconfiantes de que não decairão, e por isso negli
genciam os meios que Deus lhes deu para conservá-los seguros.
Não vêem necessidade de ter o poder de Deus, a intercessão
de Cristo, a graça do Espírito Santo para guardá-los de cair na
apostasia. Não vêem necessidade de vigiar e orar para não
caírem em tentação.
Tal autoconHança tola apressa muitos à apostasia.

.sll.JnOJll {UJ/ mund,o; {?,l a(J,SI s.e,us;


&(M,W/,(1/ caM,ô,Ü/ d<v
Paulo reclamou que Demas o havia abandonado, amando o
presente século (2 Tm 4.1O). Demas havia deixado o apóstolo e o
ministério, e possivelmente a fé cristã também.
''A semente que caiu entre os espinhos foi sufocada e não pro
duziu uma boa colheità' (Me 4.7, 18, 19).
O amor ao mundo torna-se visível em tempos de perseguição
(Mt 13.20, 21). Quando os interesses seculares, bens, imóveis,
propriedades e outras posses estão em risco, então muitos aban
donam Cristo.
Esse amor ao mundo também transparece quando as
supersti ções e o erro são entronizados. Quando honrarias
terrenas, rique zas e empregos são negados a todos os que se
levantam pela verda de, então muitos sucumbem à apostasia.
Enquanto o calor do sol faz com que muitos lancem de si a
vestimenta da verdade, os ventos gélidos que sopram levam ho
mens a puxarem-na mais apertadamente à sua volta. Muitos
cris-
ÜRGUUIO, NEGLIGulNCIA, E MIAR AO MUNDO: CAUSAS DE APOSTASIA Em
tãos cedem à apostasia em tempos de popularidade e aceitação
geral, que nunca largariam Cristo em tempos de extremas perse
guições.
Enquanto o mundo estiver entronizado no coração dos ho
mens, as honras e os favores têm maiores atrativos do que
sofrer com o povo de Deus.

$aiaJuís; CWUlSÚJ_; à,

Satanás foi a causa da primeira apostasia de Deus. Ele pró


prio foi o primeiro apóstata. Agora ele é o cabeça de todas as
multidões de anjos caídos "guardados sob trevas, em algemas
eternas para o juízo do grande dià' (]d 6).
O grande objetivo de Satanás é evitar que as pessoas rece
bam o evangelho, e no caso de o aceitarem, desviá-las dele.
Ele suscitou perseguições ferozes e sangrentas para evitar
que as pessoas se tornassem cristãs. Cegando os olhos dos
homens e enchendo-os de preconceitos contra a verdade,
obteve êxito em apartar milhares de Cristo (2 Co 4.4).
A meta de Satanás é corromper a mente dos homens (2 Co
11.3). A maneira em que fez isso foi introduzindo um
evange lho falso (v. 4). Então fez falsos mestres aparecerem
para serem seus emissários (vv. 14, 15). Assim como enganou
Eva com sua falsa interpretação da Palavra de Deus, assim ele
engana mui tos hoje com suas falsas interpretações do
evangelho.
Deus nos dá muitas promessas maravilhosas em seu pacto
de graça. Essas promessas Satanás tenta perverter, resistindo à
sabedoria e à graça de Deus contidas nelas. Assim Satanás tem
esperança de desviar os homens da simplicidade que está em
Cristo e da declaração clara da vontade de Deus no evangelho
para as idéias falsas e tolas dele. Que papel importante ele de
sempenhou na grande apostasia (2 Ts 2.9-11)! Satanás estava
operando nela, introduzindo fortes ilusões, levando muitos a
acreditar em suas mentiras. Então os homens abandonaram a
am APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

fé, dando ouvidos a espíritos sedutores (J Tm 4.1). As


pessoas dão ouvidos ao diabo e seus agentes em vez de a
Deus e seus ministros.
Satanás está sempre ocupado tentando fazer os cristãos cair na
apostasia. Ele cega a mente deles, inflama seus apetites carnais,
solta a torrente de suas tentações, envolve-os em arrazoamentos
falsos e corruptos, transforma-se em anjo de luz e faz uso de mara
vilhas e sinais mentirosos, tudo para sustentar suas ilusões. Sata nás
nunca se cansa; ele nunca tira férias.

eus;nã&6 Ul11I

Deus não fica sentado sem fazer nada. Ele "não pode ser
tenta do pelo mal, e ele mesmo a ninguém tentà' (Tg 1.13). Mas
ele governa tudo e prevalece em todos os eventos para sua
própria glória.
Ele não permitirá que os homens subestimem e desprezem, e
depois rejeitem e abandonem, a maior de suas misericórdias, sua
Palavra e sua verdade, sem submeter os apóstatas iníquos ao
mais severo dos julgamentos. Então, quando os homens
apostatam per versamente de sua verdade, Deus em seu juízo
santo e reto lhes entrega a ainda mais ilusões, para que entrem
em apostasia plena e final e endureçam nela para sua eterna
destruição.
Todo cristão e toda igreja cristã precisa atentar para 2 Crônicas
15.2. Deus judicialmente abandona aqueles por quem ele é vo
luntariamente abandonado.
A maneira em que Deus pune e vinga a apostasia intencional
do evangelho é entregando os homens totalmente a ela e
endure cendo-as nela para a eterna destruição deles.
Ele faz isso primeiro removendo seu candeeiro de entre eles
(Ap 2.5). Cristo advertiu os efésios apóstatas de que, se não se
arrependessem, ele iria remover seu candeeiro do meio deles. Deus
tirará dos apóstatas tanto a luz como os meios de conhecer a
ver dade, para que trevas e ignorância lhes sobrevenham.
ÜRGUUIO, NEGLIGIBNCIA, E AMAR AO MUNDO: CAUSAS DE APOSTASIA 11D
Depois Deus envia fortes ilusões para que possam crer numa
mentira porque não amaram a verdade (2Ts2.11). Ele os
entrega irrecuperavelmente a terem fé em mentiras.
Mandar uma ilusão forte envolve três coisas:
(1) Primeiro, Deus entrega apóstatas obstinados ao poder de
Satanás. Não limita Satanás; ao contrário, permite que ele os diri
ja nas maiores ilusões que possa projetar. Era essa a situação sob a
apostasia papal à qual Satanás tinha com sucesso levado a maior
parte da igreja. E para mostrar seu sucesso, o tentador divertiu-se
com a alma iludida dos homens. Nada havia de tolo e estúpido
que ele não impusesse sobre sua credulidade infantil.
(2) Segundo, Deus entrega apóstatas obstinados a falsos
mestres e enganadores. Estes, enganados e ensinados por Sa
tanás, são usados por Deus para desempenhar seu justo desa
grado sobre os apóstatas iníquos que Deus entrega ao poder
deles. As pessoas enganadas exaltam esses falsos mestres e
en ganadores a posições elevadas na igreja e então se
submetem implicitamente a eles. Estando no "templo de
Deus", eles se chegam ao povo em lugar de Deus, alegando
estar falando as próprias palavras de Deus. Com tanto poder
concedido a eles na igreja, dominam a consciência dos
homens, mantendo-os em temor pela própria posição de
autoridade que ganharam e que reivindicam para si.
(3) Terceiro, Deus entrega apóstatas obstinados à cegueira de
mente e dureza de coração (Is 6.10; ]o 12.39-41; At 28.25-27;
explicado em Rm 11.7, 8).
Sob essas sentenças - Satanás, falsos mestres, cegueira de
mente e dureza de coração - o estado dos apóstatas é miserável
e irrecuperável.
Vamos, então, cuidar de não negligenciarmos as advertências
do Espírito.
7

IIE
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m uitosque já receberam as grandes doutrinas do evan


gelho mais tarde afastam-se delas e dizem que nada
encontraram nelas. Então para evitar que o mesmo
aconteça conosco, devemos considerar por que será que essas
pes- soas não encontraram nada que as satisfizesse no evangelho
e por isso chegaram a voltar as costas para suas grandes
doutrinas sobre a graça.
<e)d,e; Smll
c/,e; e&{,S; pa'U1I OI

A primeira razão importante pela qual muitos abandonam as


grandes doutrinas da graça é sua ignorância com respeito à
neces sidade que têm de Jesus Cristo e da graça dele para a vida
e salva ção. Isso fez com que perdessem interesse nele.
Tais pessoas nunca tiveram uma experiência profunda de sua
necessidade pessoal de Cristo como tiveram os que participaram
do Pentecostes e o carcereiro de Filipos (At 2.37; 16.30).
Se tivessem tido uma convicção verdadeira de sua
necessidade de Cristo e tivessem experimentado o poder dele
para satisfazer essa necessidade, por que o abandonariam agora?
A pessoa que já se convenceu realmente de sua necessidade de
Cristo para o per dão e salvação, que como resultado recebeu-o
pela fé, nunca há de abandonar Cristo.

IIE
1113 APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

Para estar verdadeiramente convencido de nossa necessidade


de Cristo, primeiro precisamos estar convencidos da natureza,
da culpa, da poluição, do poder e do castigo do pecado, porque
ele veio salvar-nos de nossos pecados. Ninguém se daria ao
trabalho de olhar para a serpente de bronze se não tivesse sido
antes mordi do por uma serpente e soubesse que estava em
perigo de morte. Do mesmo modo, ninguém olhará para Cristo a
menos que esteja convencido de que pecou e certamente vai
perecer se Cristo não salvá-lo.
O trabalho de Satanás é desculpar o pecado e assim tornar sua
prática mais aceitável. O objetivo dele é fazer com que pareça que
nós não temos nenhuma necessidade real de Cristo e de seu sacri
fício. Os homens são rápidos para crer que eles não estão sob o
poder do pecado original e que são basicamente bons, embora
não perfeitos. Pecados espirituais contra o evangelho são conside
rados desprezíveis e risíveis. Imoralidades contra a lei são tratadas
como coisa leviana e facilmente ignorada.
Hoje, a pessoa e os ofícios de Cristo não são considerados ex
tremamente importantes e por isso são tão raramente pregados.
Somente a convicção da necessidade desesperada que temos de
Cristo para nos salvar da culpa, do poder, da poluição e da puni ção
do pecado nos vai impelir a Cristo e impedir que voltemos as
costas para ele.
Para estar realmente convencidos de nossa necessidade de Cris
to, primeiro precisamos estar convencidos de que nossas mais per
feitas justiças ainda são totalmente insuficientes para tornar-nos ca
pazes de nos colocar perante Deus naquele dia do juízo final. O
reconhecimento solene de nossa inteira incapacidade de fazer algo
bom e aceitável a Deus sem Cristo, e a total insuficiência de nossos
melhores feitos para podermos resistir ao julgamento de Deus, nos
farão perceber sempre nossa necessidade de Cristo e sua justiça.
Considere com respeito a cada dever que cumprimos, quanto
nos falta para alcançarmos o padrão de santidade exigido, e como
nossas melhores justiças são trapos de imundícia! (Is 64.6).
A APosTASIA DAS DOUTRINAS DO EVANGELHO 1111
A falta da devida percepção da pecaminosidade de nossas
me lhores ações conduz a sonhos de autoperfeição, justiça
própria e autojustificação. Tais sonhos levam a desprezar Cristo
e sua justi ça. Quem haveria de procurar outra justiça se
estivesse convenci do de que poderia se justificar diante de
Deus pelo mérito de sua própria retidão?
Para que as pessoas se cheguem a Cristo e permaneçam com
ele, primeiro precisam saber que são pecadoras perdidas, conde
nadas, malditas à vista de Deus. Precisam ver que somente Cristo
satisfez perfeitamente a justiça para o perdão dos pecados delas e,
em conseqüência, para as livrarem do castigo eterno.
As pessoas também precisam saber que sem Cristo elas não
têm nenhuma justiça pela qual possam permanecer na presença
de Deus e que só Cristo pode vesti-las com aquela perfeita justiça
que é aceitável a Deus, tendo satisfeito todas as exigências de sua
santa lei.
Esta é a fé dos eleitos de Deus contra a qual todas as obras e
todos os enganos de Satanás não podem prevalecer. A união da
revelação divina com a experiência verdadeira é invencível. Mas
aqueles que nunca viram sua necessidade drástica de Cristo para
essas coisas, nunca irão perseverar em crer nele, nem vão perma
necer nele pela fé em tempos de perseguição e fortes tentações.

CJalúv Ul1Ul/ rdsiúJ; rÚv


en1/ SUf1/ e,,en1/ seus

Sob o Antigo Testamento, Cristo foi revelado nos símbolos


e cerimônias do culto do Antigo Pacto e nas promessas de Deus.
Essas coisas eram a vida de fé dos santos do Antigo Testamen
to. Abraão viu o dia de Cristo e se alegrou (]o 8.56). Essas
coisas eram estudadas e examinadas diligentemente, como fo
ram todas as promessas de Deus dadas nas profecias (1 Pe 1.1 l;
Mt 13.17). A esperança deles era ver o Rei Messias em toda
sua
am APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN OWEN

glória (Is 33.17). A glória e vida de toda a religião do


Antigo Testamento, de toda comunhão com Deus, se
achavam nesses símbolos, sacrifícios e cultos, junto com as
promessas dadas em profecias. E todos eles se apoiavam
naquela primeira pro messa dada a Adão e Eva no jardim do
Éden.
Cristo era "tudo em tudo" para eles, como é para nós. Tirar
Cristo e seus ofícios do ministério do Antigo Testamento é tor
nar esse ministério sem valor ou significado.
O motivo pelo qual os judeus rejeitaram Cristo quan do
ele veio foi que "não tinha aparência nem formosu
ra... nenhuma beleza havia que agradasse'' Uo 1.11; Is
53.2).
Então, ninguém que não seja capaz de discernir espiritual
mente a glória de sua pessoa e seus ofícios permanecerá cons
tantemente fiel a Cristo.
O fundamento da fé apostólica era uma visão pessoal, es
piritual de sua glória, a glória do unigênito Filho de Deus (lo
1.14). E aquilo que tinham vivenciado pessoalmente tenta
ram compartilhar com outros, para que eles também pudes
sem crer e assim ter comunhão com ele (J ]o 1.3). Esse é o
alicerce de rocha da igreja (M t 16.16-18). E quem não edificar
sobre essa rocha constrói sobre a areia e não vai subsistir quan
do a tempestade vier. Então, aqueles que não conhecem Cris
to pessoalmente como seu cabeça serão enganados e tolamente
envaidecidos pela mente carnal que possuem, caindo em mui
tos erros insensatos (Cf 2.18, 19). Todo o fundamento de toda
a fé evangélica repousa sobre a glória da pessoa e dos ofícios
de Cristo (Hb 1.2, 3,· Cl 1.15-19). É somente este conheci
mento dele que nos fará desprezar todas as outras coisas em
comparação com ele (Fp 3.8-10).
Portanto só uma visão espiritual da glória de Cristo irá
preser var-nos de abandonar as doutrinas da graça que estão no
evange lho. A obra maligna de Satanás é permitir a doutrina
completa da pessoa de Cristo, mas fazer parecer que Jesus Cristo
é de pouca ou
A APOSTASIA DAS DmITRINAS DO EVANGELHO mm
nenhuma utilidade quando se trata da nossa salvação. Isso é lutar
contra o Rei de Israel.

CJahtvdR/ b
b cg dtv
pa!UI/ w b
Sabedoria e fé espirituais são necessárias para se procurar a aju
da do Espírito e a graça de Cristo para mortificar o pecado em
virtude de sua morte. O raciocínio não-iluminado não consegue
ver nem entender nada do assunto. Na verdade, aos olhos da ra
zão, esse e todos os outros mistérios do evangelho são tolice.
A mortificação do pecado é uma obrigação cristã contra a qual a
natureza corrompida se opõe. (Rm 8.13): ''Se pelo Espírito
mortifi camos os feitos do corpo, viveremos" - mas caso
contrário, não.
Quando os homens estão apercebidos da grande força do pe
cado dentro deles, eles se rendem como "servos do pecado" e "to
mam providências para a carne satisfazer suas paixões carnais" ou
tentarão de uma forma ou outra mortificar e reprimir o pecado
dentro deles.
Muitos começam confiando no auxílio e na força do Espírito
Santo, mas terminam confiando em si e no seu esforço próprio.
Depois, não mais lutando contra o pecado com a ajuda e a força
do Espírito, acham o pecado poderoso demais para eles, e assim
terminam entregando-se como servos do pecado.
Por que tanta -gente da Igreja Católica Romana se submete a
penitências, disciplinas severas, autoflagelo? Fazem isso porque ig
noram o verdadeiro e único meio de mortificar o pecado. Esse
caminho verdadeiro e único é por meio do Espírito de Cristo que
reside nos crentes verdadeiros.
Aqueles que desconhecem a maneira de Deus mortificar o pe
cado estão em perigo de não fazê-lo de maneira nenhuma, e assim
acabar sendo servos do pecado.
IB!J APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

&A. CÚv et(,S/

Foi porque eram ignorantes da justiça de Deus que os judeus


se ocuparam em estabelecer sua própria justiça (Rm 10.3). Os ju
deus buscaram tornar-se justos pela obediência à lei (Rm 9.31,
32). Pensavam qu eram eles quem sabia mais sobre a jusdça de
Deus porque eram instrutores da lei (Rm 2.17-20).
A justiça de Deus pode significar três coisas. Pode significar a
justiça do próprio Deus, ou pode significar aquela justiça que a lei
de Deus exige, ou pode significar a justiça que Deus providenciou
para a justificação dos pecadores. É esta última justiça que é pre
gada no evangelho.
Mas antes que possamos chegar a uma verdadeira apreciação
dessa justiça que Deus providenciou para nós para nossa justifica
ção, precisamos ter uma compreensão correta da justiça do pró
prio Deus e daquela justiça que sua lei exige.
A justiça do próprio Deus.
Uma compreensão correta da pureza infinita e da santidade
gloriosa da natureza completa de Deus, e de sua absoluta e
eterna justiça como Senhor e Juiz de todos, nos ensirn rá quais
idéias
devemos ter quanto a nós mesmos e quanto à nossa necessidade
de uma justiça perfeita com a qual estar em sua presença (Hb
12.29; Px 34.7; Rm 1.32;/s 24.19).
Quando os homens vêem a justiça da natureza de Deus e o
têm em reverência e temor, não confiarão facilmente em sua
pró pria justiça.
A escritura nos mostra dois tipos de pessoas que
compreendem e captam a justiça da natureza de Deus. São eles,
primeiro, os pecadores culpados e, segundo, os crentes santos
humildes.
Os seguintes exemplos mostram o que os pecadores culpados
convictos pensam de si e de sua própria justiça: Adão (Gn
3.10); outros (Is 33.14; Mq 6.6, 7). Eles pensam em fugir e
esconder de Deus, tentam maneiras impossíveis de expiar seus
pecados, ou então são consumidos em desespero.
A APOSTASIA OAS DOUTRINAS oo EVANGELHO

1111
Mande-os nesse estado apelar para sua própria justiça e pensa
rão que você está zombando deles ao aumentar seu sentimento de
terrível infelicidade e desespero.
Todos os crentes santos e humildes reconhecem que tal é a
santidade e justiça de Deus que ninguém pode permanecer
diante dele em sua própria justiça (ló 4.17, 19; 9.2; Si 130.3;
143.2).
Foi a falta de devida meditação sobre essa verdade que levou a
tantas idéias presunçosas no mundo com respeito à justificação de
pecadores.
A escritura, ao falar de justificação, nos ensina a não tentar
entendê-la enquanto não nos vemos como Deus nos vê (Si
143.2; Rm 3.20). Só então poderemos considerar em que base
podemos nos colocar diante dele.
Mas os homens, ignorantes da natureza justa de Deus,
pensam que Deus é como eles, isto é, alguém que ou não é tão
santo em si, ou não exige tão alto padrão de santidade da nossa
parte. Vêem Deus como sendo alguém que não está preocupado
com nossos deveres e muito menos com nossos pecados. Então,
é de se estra nhar que os homens pensem poder se colocar
diante dele em sua justiça própria?
Alguns ensinam que não existe tal severidade em Deus
con tra o pecado, nem tanta santidade nele que o suscite à ira
con tra o pecado.
Portanto todas as idéias de justiça própria ou justificação por
obras têm sempre produzido vidas de baixo padrão moral.
Quando, antes da Reforma, a justiça por obras foi entronizada
no papado, a vida das pessoas era especialmente brutal e cruel em
sua maldade, e a maioria de suas boas obras nada mais era que
barganhas com Deus e com a consciência pelo perdão de vícios e
imoralidades terríveis.
Esperava-se que a justificação pelas obras produzisse santidade
e justiça entre os homens, mas ela só conseguiu produzir vidas
nada santas e nada justas. A razão foi que as mesmas idéias a res
peito de Deus que permitiam aos homens supor que pudessem ser
1m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWllN

justificados aos olhos dele por suas próprias boas obras, permiti am
também que eles satisfizessem seus desejos carnais, porque acre
ditavam que Deus não seria tão sem amor a ponto de tratar seus
pecados com grande severidade.
A justiça própria e a vida desregrada sempre andaram juntas.
Só a graça e a justificação unicamente pela fé na justiça imputada
de Cristo darão fim ao pecado.
Aquele que induz os homens a entrarem em autojustificação
por uma porta abre outra para seus pecados.
A justiça que a lei de Deus requer de nós.
Fossem as pessoas conhecedoras da pureza, espiritualidade, se
veridade e implacabilidade da lei, não sonhariam que sua
própria justiça pudesse em qualquer tempo satisfazer as
exigências delas. Mas quando os homens pensam que a lei só
trata de comporta mento externo e só de grandes pecados, então
eles facilmente se desculpam com muitas distinções farisaicas e
exposições da lei. Quando não reconhecemos que o verdadeiro
propósito da lei é examinar-nos para ver se chegamos ao padrão
da imagem de Deus em nosso coração, alma, mente e
comportamento exterior, essa imagem segundo a qual fomos
criados, e que ela punirá o menor desvio dessa imagem,
poderíamos até ficar satisfeitos com nossa
própria justiça.
A justiça que Deus providenciou para nós no evangelho (Rm 10.3, 4).
Esta é "a justiça que decorre da fé" (Rm 9.30). A justiça de
Deus é aquela justiça que Cristo propiciou para nós pela sua vida
de perfeita obediência à lei, juntamente com a perfeita satisfação
das exigências da lei que ele operou por meio de seus sofrimentos
e morte na cruz. Aqueles que desconhecem essa justiça estarão
andando por aí estabelecendo sua própria justiça e confiando so
mente nela.
Mas quando alguém está convencido do pecado, sua boca
fica muda e ele chega culpado diante de Deus. Então o evange
lho da justiça de Deus lhe é pregado (Rm 3.21-26; com Rm
5.18, 19).
A APoSTASIA DAS DourRJNAS DO EVANGELHO Em
A pessoa que verdadeiramente confiou em Cristo como sen
do aquele que cumpriu, em seu favor, toda a lei e libertou-a de
todas as exigências dela de justificação perante Deus, não tratará
a justiça de Cristo imputada a ela como coisa a desprezar ou
tratar com escárnio. Quando os homens desprezam, negligenci
am ou rejeitam a justiça que Cristo levou a efeito por nós, eles
assim "crucificam de novo o Filho de Deus e o expõem a uma
humilhação públicà'.
Quando as pessoas dizem que já experimentaram a justiça
de Cristo e nada acharam nela, e agora estão, portanto, confi
ando em sua própria justiça, elas o desonram cabalmente e
tra zem sob e si a plena condenação e ira de Deus pela sua vil
apostasia.

em; -S,€1

à, d,e; e,U,&I

A soberana e infinita sabedoria e graça de Deus é o único


fundamento do pacto de graça no qual Deus promete eterna
salvação a todos os que colocam sua fé em Jesus Cristo para a
justificação. A soberania da sabedoria de Deus perpassa todo o
mistério do evangelho e é a razão da encarnação do Filho de
Deus e de ele ser cheio de toda a graça para ser o Salvador de
pecadores (]o 3.16; Cl 1.19;Jo 1.16).
A soberana sabedoria e graça de Deus enviou Cristo para ser
nosso substituto, para dar fiança pelos nossos pecados, para ser
punido por eles em nosso lugar (Is 53.6, 10; 2 Co 5.21).
A eleição eterna também surge da soberania da sabedoria
e graça de Deus (Rm 9.11, 18). Da mesma forma surge
aquele chamado interior eficaz do Espírito, levando
pecadores eleitos ao arrependimento e à fé pela pregação do
evangelho (Mt 11.25, 26). A justificação pela fé é também o
efeito da soberana e infi nita sabedoria e graça (Rm 3.30). E o
mesmo pode ser dito de
1111 APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN OWEN

todos os demais mistérios do evangelho. Amor soberano, graça


e bondade, derramados naqueles sobre quem Deus escolhe
derramá los, nos é apresentado no evangelho como uma verdade a
ser rece bida e crida.
Mas à mente carnal, não-espiritual, não-convertida, nada dis so
agrada; ela se levanta em oposição a isso. Não pode tolerar a idéia
de que a vontade, a sabedoria e o prazer de Deus deva ter nossa
submissão e adoração, mesmo quando não pode ser enten dida.
Então a encarnação e a cruz de Jesus Cristo, Filho de Deus, são
loucura para ela (J Co 1.23-25). Os decretos de Deus a respei to da
eleição e condenação são considerados parciais, injustos e
subversivos de toda religião (Rm 9.17-21). Ela considera que a
justificação pela imputação da justiça de Cristo perverte a lei e
torna desnecessária toda nossa justiça pessoal. Da mesma forma, a
mente carnal se levanta em oposição a todo o mistério do evange
lho, todas suas doutrinas, todos os seus mandados e promessas,
como provenientes da soberania de Deus. Ela resiste àquela fé que
está em dar a glória a Deus crendo nas coisas que estão acima da
razão limitada, finita do homem, uma fé que é repulsiva para a
razão corrupta e egoísta (Rm 11.18-21).
Por isso, em contraposição à vontade e sabedoria soberana
de Deus, os homens estabelecem sua luz interior como padrão
pelo qual as verdades evangélicas devem ser medidas. Em vez
de se tornar tolos, submetendo sua razão e sabedoria à soberania
de Deus, para que possam ser verdadeiramente sábios, tornam-
se sábios em seu próprio conceito, e assim tornam-se soberbos
em sua loucura.
Não há caminho mais largo para a apostasia do que a
rejeição da soberania de Deus em todas as coisas concernentes à
revelação de si e à nossa obediência, recusando "levar cativo
todo pensa mento à obediência de Cristo". Da recusa de
submeter-se à sobe rania de Deus sobre todas as coisas,
incluindo nossa eterna salva ção, surgiram o pelagianismo, o
arminianismo e todas as heresias da atualidade.
A MOSTASIA DAS DOUTRINAS DO EVANGELHO rm
9aft& neÍes;mesm,o,S;
dtv dwiruv e/as; cgSCJUÚIJUlS;

Aquele que não experimentou por si as divinas evidências


que Deus colocou na Bíblia como provas de sua origem divina
não ficará firme quando a perseguição e dificuldades surgirem.
Deus só olha com respeito para aqueles que tremem diante de
sua pala vra e reconhecem sua autoridade nela. Mas onde falta a
experiên cia pessoal da autoridade de Deus na Bíblia, os
"ignorantes e ins táveis" são ousados para "deturpar as
Escrituras para a própria destruição deles" (2 Pe 3.16), ou para
preferir outras coisas, tais como a tradição e a razão em lugar
delas ou pelo menos como iguais no nível de autoridade.
Não basta, pois, que concordemos com a verdade da Palavra
de Deus, a não ser que tenhamos também experimentado o
poder dela, tendo nos submetido a suas reivindicações feitas em
nome de Deus, e tendo sujeitado a ela nossa alma e nossa
consciência de forma absoluta. Contra isso, toda imaginação da
mente carnal se exalta a reclamar direitos e autoridade iguais
com a Palavra santa
de Deus. O resultado de tudo isso é que Deus manda aos homens
"a operação do erro para darem crédito à mentira" porque não
"acolheram" ou retiveram o "amor da verdade" (2 Ts 2.10, 11). E
quando chegam a isso, Satanás os conduz a ilusões sem-fim,
tor nando-os obstinados e teimosos em suas heresias.
Essa é a primeira maneira em que homens caem e
abandonam o evangelho. Nada de benéfico encontram para si
em suas doutri nas, e então, rejeitando aquilo que foi delineado
por Deus e reali zado para nós pelo seu glorioso Filho, fazem
quanto podem para "crucificá-lo de novo e expô-lo à
humilhação públicà'.
postatar dos mandamentos santos do evangelho é,
sob muitos aspectos, mais terrível e perigoso do que
uma apostasia parcial da verdade do evangelho.
Sob tal
apostasia é fácil ficar endurecido pelo engano do pecado e
pensar que não há nisso muito mal e perigo. Erro na doutrina
do evange lho logo se nota e os homens são advertidos contra
ele. Mas quan do o mundo inteiro está afogado em paixões
mundanas e praze res, por mais que seja a vida dos homens
contrária à regra da Pala vra, como as trevas são contrárias à
luz, enquanto não perturba rem o culto exterior e continuem a
ser bons católicos ou bons protestantes, nada será dito para
adverti-los.
É geralmente admitido que é possível que homens agradem a
Deus e sejam aceitos por ele, não obstante muitos mal-
entendidos e erros concernentes à doutrina do evangelho. Mas
que alguém venha a se deleitar em Deus e que viva e morra sem
arrepender-se de nenhum pecado, isso ninguém ensina. Fingir
que os homens podem viver uma vida de pecado habitual sem
qualquer tentativa por parte do Espírito de mortificar o pecado
que há neles, nem qualquer desejo de arrependimento, é negar a
religião cristã. Por tanto, apostatar dos mandamentos santos do
evangelho é no mí nimo tão perigoso e deve ser combatido e
resistido tanto quanto aquela apostasia das doutrinas do
evangelho. Por isso devemos estar seriamente advertidos disso.
Apostatar da santidade do evan gelho desonra a Cristo tanto
quanto apostatar de suas doutrinas.
am APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN OWEN

Paulo adverte Timóteo a respeito dessa apostasia (1Tm 4.1). Eu


creio que a advertência feita a Timóteo teve seu maior cumpri
mento no papado, mas ela não se refere somente a eles, senão a
nós também, e aos tempos em que vivemos.
Paulo também avisa que nestes "últimos dias", sob uma aparen
te profissão de fé no evangelho, os homens se entregariam às mais
vis paixões e à prática dos pecados mais abomináveis (2 Tm 3.1-5).
Se essa apostasia nos ameaça, devemos nos postar de sentinela
para que não sejamos apanhados de surpresa e vencidos por ela.
Devemos aqui "portar-nos com temor durante o tempo de nossa
peregrinação!" (J Pe 1.17). Não é tempo para ninguém ficar des
cuidado e acomodar-se em falsa segurança se formos sinceros so
bre ser guardados bem seguros contra esse mal fatal. Nenhum de
nós, no entanto, poderá dizer que não fomos avisados pata vigiar
e diligentemente buscar auxílio divino.
Se estivermos vivendo fielmente em obediência ao evangelho,
não precisamos ficar exageradamente alvoroçados ou "agitados em
nossa mente" quando vemos essas coisas acontecer. Nossa fé se
baseia na infalibilidade das Escrituras. Suas profecias e previsões
nos têm avisado e advertido dessas coisas, de modo que quando
chegam a acontecer sabemos que estamos nesses "últimos tem pos"
(Mt 24.9-13, 24; At 20.29, 30; 2 Ts 2.3; 1 Tm 4.1-3; 2 Tm
3.1-5). Nada há mais pernicioso do que qualquer cristão ou qual
quer igreja pensar que essas coisas não virão sobre eles e que eles,
portanto, não precisam vigiar nem orar por auxílio divino.
Quando os judeus caíram nessa espécie de autoconfiança em
seu templo e seu culto, Deus mandou que se lembrassem do que
aconteceu com Silo,_ onde o tabernáculo foi erguido pela primeira
vez quando entraram em Canaã. Advertiu-os de que o que havia
acontecido daquela vez facilmente poderia se repetir (Sl 78.59s).
E podemos ver o que aconteceu às primeiras igrejas cristãs e como
caíram logo na apostasia (Ap 2.4, 5; 3.1-3, 14-17). Devemos nos
lembrar desses exemplos e aprender como são tolos todos os que
confiam em privilégios exteriores.
A APOSTASIA DOS MANDAMENTOS DO EVANGELHO IED
A doutrina do evangelho é uma doutrina que conduz à
santi dade.
Ela ensina, exige e ordena a santidade. Ensina que "sem
santidade, ninguém verá o Senhor".
A santidade exigida pelo evangelho é uma obediência de es
pécie e natureza bem diferente da obediência exigida por
qual quer outra doutrina ou ensino.
A lei natural sugere muitos deveres importantes para com
Deus, para consigo mesmo e para com outras pessoas. A lei
escrita apresenta-nos todos aqueles deveres morais que Deus
exigiu do homem quando ele foi criado. Mas há uma santida
de requerida pelo evangelho que, embora inclua todas as exi
gências da lei moral, é ao mesmo tempo diferente na nature
za da obediência exigida e nas motivações dessa obediência
santa. A obediência santa que o evangelho requer surge da
gratidão pela salvação recebida, e não é aquela obediência
ser vil que surge de se buscar mérito.
Junto com a pregação da doutrina do evangelho está a obra
do Espírito, que é convencer os homens do pecado, da justiça
e do juízo (Is 59.21; ]o 16.7-11). O Senhor Jesus Cristo,
pelo seu Espírito, desempenha essa operação sempre que a
Palavra de Deus é pregada, segundo a mente e a vontade dele.
Por essa obra em sua alma, os homens são levados à
santidade de coração e santidade de vida. Pela Palavra de
Deus e o Espírito de Cristo, multidões foram tornadas santas,
e outras multi dões ainda estão sendo chamadas deste mundo
à santidade de vida. Estas nunca decairão completa e
finalmente da san tidade verdadeira, mas serão preservadas
pelo poder de Deus por meio da fé para a salvação. Contudo
até mesmo estas po dem cair da obediência calorosa e sincera
aos mandamentos santos do evangelho e tornar-se
infrutíferas, por um tempo, na vida. Em todo tropeço há uma
apostasia parcial, com muita desonra para Cristo. Nem
alguém poderá saber se seu retro cesso não irá acabar em
apostasia total.
IE!J APosTASIA Do EVANGELHO - JoHN OWEN

É assim também com as igrejas. Quando no início as igre


jas foram implantadas no mundo pelos apóstolos, elas esta
vam num estágio puro quanto à doutrina, à santidade profes
sa e ao culto do evangelho. Eram todas, quando iniciadas,
"vides excelentes da semente mais pura", mas depois se tor
naram "planta degenerada como de vide brava" (Ir 2.21). De
virgens puras, noivas de Cristo, caíram em promiscuidade
espiritual, e por caírem, não glorificavam mais a Cristo, nem
revelavam o poder e a eficácia dele no mundo. E a bênção
que deveriam ter trazido às nações da terra ficou perdida e
comprometida.
Onde existe a verdadeira santidade, e o poder dela é visto
pelos seus frutos, aí, e somente aí, Cristo é glorificado e hon
rado no mundo. É fato que há outras coisas exigidas de nós
pelo nosso Senhor e Rei para trazer-lhe glória, tal como teste
munhar a verdade e observar o culto evangélico. Mas se essas
coisas não forem acompanhadas de uma vida santa, elas não
promovem a glória de Cristo de forma nenhuma.
Mas onde as igrejas e as pessoas que professam o evange
lho são mudadas e renovadas na imagem de Deus; onde o
coração delas é purificado e seu proceder exterior é frutífero,
onde elas estão sob o controle de um espírito de paz, amor,
mansidão, bondade, domínio próprio e ótica celeste e são
frutuosas em boas obras, as quais coisas são a substância da
santidade verdadeira, ali elas realmente manifestam no mun
do a glória do evangelho e de seu autor. Por essas coisas, pro
vam o poder, a pureza e a eficácia de sua doutrina e graça, e
assim ele é glorificado. Nesse testemunho fiel, Cristo vê "o
trabalho de sua alma e fica satisfeito" (Is 53.11).
Mas onde os homens e as igrejas são chamados pelo seu
nome, professam sua autoridade, esperam dele misericórdia e
bênçãos, e ao mesmo tempo ficam aquém dessa santidade e
caminham em direção contrária a ela, então o santo Filho de
Deus é "crucificado de novo e exposto à vergonha pública".
m:I APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

ralmente gastam o tempo. No entanto, esta obediência santa não


é aquela exigida e ordenada no evangelho.
vótos romanos de santidade não mostram aquela liberdade espiri
tual da santidade evangélica.
A primeira coisa que a verdade faz em nossa mente é libertá-la
de todo erro e preconceito (]o 8.32). A verdade é a norma de toda
santidade, ampliando a mente e o espírito. Por isso é chamada de
"verdadeira santidade" ou "a santidade da verdade" (Ef 4.24). As
sim "onde está o Espírito do Senhor (ou o Espírito da verdade), aí
há liberdade" (2 Co 3.17).
Os homens, desde a queda, sendo "servos do pecado", estão pron
tos a se entregar a serviço dele, satisfazer seus apetites carnais e obe
decer aos seus mandados. Em tal estado, são "libertos [desvinculados)
da justiçà'. Eles recusam servir e obedecer às demandas da justiça.
Mas onde opera o Espírito Santo com a Palavra da verdade, os ho
mens são libertados do pecado e se tornam servos de Deus, produ
zindo frutos santos em sua vida (Rm 6.20, 22). Destarte, diz-se de
todos os crentes que eles "não receberam o espírito da escravidão,
para temer, mas sim o espírito de adoção baseados no qual clamam
Aba, Pai" (Rm 8.15). Não receberam o "espírito de covardia, mas de
poder, de amor e de moderação" (2 Tm 1.7).
O ensino da Bíblia toda é que o coração do crente, pela graça
de Deus, é libertado do medo do juízo para um espírito livre,
disposto, alegre e que tem prazer em cumprir todos os deveres que
a santidade exige, movido pela gratidão pelas misericórdias rece
bidas. Não é impulsionado pelo medo a uma servidão escrupulo sa
a obrigações externas, mas com deleite e verdadeira liberdade da
vontade obedecem prazerosamente. E porque receberam o "Es
pírito da adoção", vivem como filhos de Deus, a honrar seu Pai
fazendo a vontade dele com satisfação e por gratidão pela imensa
salvação executada por nós em Cristo e por intermédio de Cristo.
Porém há fortes provas de que aqueles que se colocam sob vo
tos romanos e sob severas regras de vida monástica, que passam
seus dias em muitas obrigações religiosas exteriores a que a Igreja
A APOSTASIA DOS MANDAMENTOS DO EVANGELIIO 11D
de Roma chama de santidade, não estão livres, mas sim regidos
por um espírito servil e escravo. São forçados a se prender e serem
presos por seus votos se ainda desejam viver nessa comunidade, o
que contraria toda a verdadeira comunhão cristã. Obedecendo a
esses votos, não são mestres de si, livres para disciplinarem e rege
rem a si mesmos; pelo contrário, estão sob a disciplina severa de
outros que administram punições exteriores em casos de fracasso.
Aqueles que são os servos dos homens em deveres religiosos não são os
servos livres de Deus, nem têm Cristo como seu Senhor aqueles
que se sujeitam religiosamente a outras pessoas.
O que impulsiona essas pessoas a uma vida monástica e are
gras religiosas severas, inventadas pelos homens, são votos e regras
de vida em lugar nenhum exigidos por Deus ou por nosso
Senhor Jesus Cristo no evangelho. E a principal razão pela qual
continu am nessa vida é a obediência que votaram e, portanto,
devem a seus supenores.
É fácil ver o quanto é oposto esse caminho à verdadeira liber
dade espiritual da mente, que é a raiz de toda santidade evangélica
verdadeira. Votos e regras romanas de vida religiosa também são
motivados por pensamentos de alcançar mérito, o que os estimula
a ainda outras disciplinas religiosas. O desejo de alcançar mérito
concorre também para a existência de um espírito servil, escravo,
em tudo que fazem, pois é impossível não saberem que tudo feito
com o fim de se alcançar mérito precisa não só ser avaliado pelo
padrão rigoroso da sinceridade perfeita, como também ser pesado
na balança da perfeição absoluta. Esse pensamento destrói por
completo aquela obediência livre, voluntária, prazerosa e alegre
dada por gratidão pela dádiva graciosa da justificação e vida eter
na. Aqueles que estão sob votos romanos também são impelidos à
obediência pelo pensamento atormentador de que não têm
certeza de serem aceitos por Deus nesta vida, nem estão certos de
serem aceitos por ele na vindoura. Portanto, em todos os seus
deveres são por necessidade premidos por um "espírito de temor" e
não pelo espí rito "de poder e de uma mente sadiá'.
IEJ3 APOSTASIA Do EVANGELHO - ]O!IN ÜWEN

¼tos romanos e regras de vida religi,osa prendem os homens a ob


servar aquilo que não éordenado pelo evangelho, mas que é um
siste ma de leis e regulamentos inventados por homens.
Então alguns obedecem à regra de Benedito, alguns à de
Fran cisco, alguns à de Domingos, alguns à de Inácio e
similares. Isso prova que tudo que fazem nada tem que ver com
a santidade do evangelho, pois essa santidade é conformidade à
regra do evange lho, que é a vontade de Deus. Portanto, como os
fariseus dos tem pos idos a quem Cristo repreendeu,
acrescentam deveres não or denados por Deus. Então, "em vão
adoram Deus, ensinando como doutrinas os preceitos dos
homens" (Mt 15.6, 9). Por maior que seja o número de deveres
falsos, inventados da religião, por mais exato ou rígido seu
desempenho, só distraem a mente dos ho mens daquela
obediência que o evangelho exige: "Toda planta que meu Pai
celestial não plantou será arrancadà' e lançada no fogo (Mt
15.13).
Nada há, em tudo que é prescrito pelos mestres dessas regras
e desses votos, ou praticado pelos seus discípulos, senão aquilo
que pode ser feito sem a fé em Cristo ou o sentimento de amor
dele pelas almas.
Em contraste, a obediência que o evangelho reqµer é "a
obedi ência da fé". Sobre essa raiz e nenhuma outra a santidade
do evan gelho cresce. E a natureza principal da santidade
evangélica é "o amor de Cristo" que é a única que "constrange"
a isso (2 Co 5.14). Mas o que há em todos esses votos e
regulamentos de vida mo nástica que exige que sejam
desempenhados por amor a Cristo? Será que os homens não
podem se levantar à meia-noite para repe tir um certo número de
preces, ou andar descalços, ou vestir pano de saco, ou se privar
de carne em certas ocasiões ou sempre, ou se submeter à
disciplina própria ou de outros e, se forem suficiente mente
fortes, passarem por todas as horríveis e até ridículas durezas sem a
menor medida de fé salvadora ou amor? Todas as falsas religi ões
têm sempre tido alguns em seu meio que se deleitavam em dis
trair os outros com suas auto-infligidas punições e penitências.
am APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

lo motivados por amor e gratidão a Deus por sua graça e miseri


córdia, e sim por amor e louvor de si mesmo.
A moralidade torna-se apostasia quando é regida e direcionada
pela luz da consciência e não pelos princípios evangélicos descri
tos acima. A luz da consciência pode somente dirigir homens àque
las virtudes morais que são, pela lei da criação, obrigatórias a toda
a humanidade. A consciência nunca pode dirigir os homens àque la
obediência espiritual que a Palavra de Deus exige.
A moralidade que surge apenas de convicção, desempenhada
pela força da razão e nada mais, sem a ajuda sobrenatural
especial do Espírito e a graça de Deus, não é obediência
evangélica. Qual quer ato que não for executado em nós e por
nós pela graça de Deus, deixa de ser obediência evangélica e é,
portanto, inaceitável a Deus.
A moralidade que não vem da regeneração espiritual e da reno
vação de nossa alma não é santidade evangélica. Primeiro a árvore
precisa ser feita boa e então o fruto será bom também. Toda
moralidade que surge da velha natureza - mesmo que se faça
oração a Cristo por auxílio e se diga que está sendo praticada
para a glória de Deus - nunca é aceitável a Deus. A não ser que
a pessoa seja regenerada e sua natureza renovada à imagem e
seme lhança de Deus, a não ser que seja dotada de vida
espiritual do alto que o capacite a viver para Deus, não consegue
fazer nada que seja aceitável a Deus. Qualquer moralidade que
não surja desse princípio de graça na alma renovada não é
santidade evangélica.
A moralidade reivindicada por aqueles que estão realmente des
tituídos da iluminação interior do Espírito, o que lhes possibilita ria
discernir coisas espirituais de maneira espiritual e conhecer os
mistérios do reino de Deus, não é santidade evangélica.
A moralidade separada dessas graças bíblicas sobrenaturais fun
damentais nascidas da verdade divina revelada sobrenaturalmente
não é verdadeira santidade evangélica. Especialmente verdades so
brenaturais tais como a mediação de Cristo e a habitação do
Espí rito com a igreja como seu Consolador são as verdades
sobre as
a:m APOSTASIA Do EVANGELHO - ]OIIN ÜWEN

caro pecado, mortificar paixões irrestritas, resistir ao diabo,


fugir de apetites carnais e não amar o mundo são todas obrigações
evan gélicas que devemos manter constantemente enquanto
vivermos neste mundo.
Assim como os israelitas foram desalentados e
desencorajados pelos dez espias quando chegaram pela primeira
vez às fronteiras de Canaã, assim muitos que não estão longe do
reino de Deus ficam desencorajados e desanimados quando são
informados des sa guerra espiritual que dura até o fim da vida
(Nm 13.32; Me 12.34). Se não se cuidam, vêem os gigantes
espirituais pela frente, mas não vêem o poder e a graça de Cristo.
Só aqueles que são de fato "nascidos de novo" entrarão no reino
de Deus e batalharão.
Alguns procuram entrar no reino de Deus sem que sejam
rege nerados, e assim não têm nenhuma força espiritual para
lutar con tra os inimigos da santidade. Acham que vão vencer
pela força da carne somente.
Mas logo a carne se cansa. A pessoa dá desculpas por não
con tinuar com alguns deveres. A carne recebe muito apoio da
mente carnal, não-espiritual, não-convertida. Um dever atrás do
outro é omitido e finalmente abandonado. O dever de conservar
o corpo em sujeição é negligenciado (J Co 9.27).
Os crentes verdadeiros ficam humilhados por ter desertado do
dever assim e, pela graça de Deus, retornam à diligência de antes
(Sl 119.176). Mas os hipócritas não ficam preocupados demais
por negligenciarem os deveres evangélicos.
O pecado que neles habita está guerreando contra a
santidade e, muitas vezes, prevalece. Ele obtém êxito em
desgastar a mente com seus rogos contínuos pelo seu antigo
domínio. O hipócrita, com o passar do tempo, dá atenção ao
pecado que reside nele, enquanto o crente se firma na promessa
de que "o pecado não terá domínio" sobre ele (Rm 6.14).
A pessoa não convertida desconhece o meio certo de se chegar
ao Senhor Jesus Cristo a fim de ter a graça e o auxílio do Espírito
para conservá-la num estado de santidade evangélica. Por isso,
A AJ>oSTASIA DOS MANDAMENTOS DO EVANGELHO 11D
"Por que vamos nos preocupar com falhas triviais, pouco im
portantes?", perguntam. Quão facilmente as pessoas são engana
das pelas suas corrupções quando não têm o senso da santidade
de Deus e da santidade de sua lei.
Orgulho, ambição, cobiça, amor ao mundo, impureza, ganân
cia, ostentação e ócio - todos pedem a gratificação de um ou
outro pecado.
Tais pessoas não são aprovadas por Deus e não têm base sobre
a qual esperar a bênção ou o auxílio dele. Um pecado faz o homem
culpado de toda a lei (Tg2.1O). O salmista disse que se ele
contem plasse no coração a iniqüidade, o Senhor não o ouviria (Sl
66.18).
Satisfazer o desejo de um só pecado abre a porta para mais
pecados.
Satisfazer o desejo de um pecado desvia a alma de usar aqueles
meios pelos quais todos os outros pecados devem ser resistidos.
As pessoas também se voltam da santidade evangélica porque as
graças dela não gozam de alta estima no mundo.
Os filósofos morais proclamaram seu amor à virtude porque
ela andava de mãos dadas com sua própria honra, glória e bom
nome pessoal. As virtudes consideradas por eles como as maiores
eram as mesmas vistas e louvadas pelos homens. Os fariseus prati
cavam sua religião para serem vistos pelos homens. Amor por si e
amor por serem louvados pelos homens eram a motivação de toda
sua religião.
Mas mansidão, bondade, negação de si próprio, pobreza de
espírito, chorar pelo pecado, ter fome e sede de justiça, ter
miseri córdia e compaixão, pureza de coração, honestidade e
simplicida de de espírito, disposição para sofrer e perdoar
injúrias, zelo por Deus, desprezo pelo mundo e temor de pecar e
dos juízos de Deus sobre o pecado não são coisas que os
homens louvam.
Mas essas são as jóias preciosas do coração das quais Deus se
agrada.
O mundo, no entanto, as considera fracas, supersticiosas, tolas
e insensatas. O mundo não reconhece que a santidade evangélica
9
cdlicd/i e;
(JI
pureza ou a apostasia de uma igreja depende muitíssi
mo de seus pastores, líderes, professores e pregadores,
assim como a igreja do Antigo Testamento dependia,
para sua pureza, da fidelidade de seus sacerdotes (Ml 2.1-9).
O pastorado santo, humilde e trabalhador que Cristo instituiu
na igreja foi usado grandemente para converter pessoas à obediên
cia evangélica e para conservá-las nela. Deus abençoou e fez
pros perar a doutrina, o espírito, o exemplo, a vida, as orações, a
prega ção e o trabalho duro delas. A vida desses cristãos
reforçou e pro vou o poder e a verdade do evangelho que
pregaram.
Mas por meio da degeneração das épocas que se sucederam, as
correntes da religião cristã foram poluídas por mestres corruptos
que foram exemplos de dissensão, divisões, ambições e pensamentos
mun danos.
Sob o Antigo Testamento, os sacerdotes levaram o povo a dois
tipos diferentes de apostasia:
Primeiro, levaram o povo à superstição e à idolatria (jr 23.9-
15). Essa apostasia terminou no cativeiro babilónico, onde todos
os seus ídolos foram enterrados na terra de Sinear (Zc 5.11).
Segundo, depois da volta deles do cativeiro, os sacerdo
tes, por negligência, ignorância e mau exemplo, lideraram
o povo no desprezo de Deus e das coisas sagradas. Isso co
meçou nos dias do profeta Malaquias, o último dos profe
tas bíblicos, e terminou na rejeição de Cristo e na destrui-
r.m
llllJ APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

ção daquele templo e nação. Quando Cristo foi rejeitado


pelo povo, foram os líderes religiosos que os forçaram a cla-
mar: "Cruc1'fi1quem-no.1"
Semelhantemente, a primeira apostasia na igreja cristã foi
por meio da superstição e da idolatria, que atingiram o auge na
Igreja de Roma. Essa superstição e essa idolatria se fizeram
acompanhar, inevitavelmente, de cada vez maior vileza na vida
de todos os ti pos de pessoas.
Salvas da superstição e da idolatria, muitas igrejas caíram em
comportamento mundano, sensual e profano porque o clero nes
sas igrejas era mundano, sensual e profano.
Como é importante, pois, o clero designado, para guardar pura
a igreja e evitar que caia na apostasia!
A pureza e o bem-estar de uma igreja depende da pureza e da
fidelidade de seus ministros (Ef 4.11-15).
A igreja prospera ou decai na medida em que seus ministros
designados prosperam ou decaem. Se estes são negligentes e
cor ruptos, as pessoas abandonarão o evangelho. Os rebanhos
não se rão preservados onde os pastores são negligentes. Se os
campos não forem continuamente cuidados, serão tomados pelo
mato, por espinhos e por ervas daninhas.

milúsiéJuo;

É dever dos pastores designados conservar pura a dou


trina do evangelho, especialmente no que diz respeito à
santidade. "Os lábios do sacerdote devem guardar o co
nhecimento" (Ml 2.7; Ef 4.11-15). Foi essa a principal
incumbência que Paulo deu aos presbíteros em Éfeso (At
20.28-30). Paulo também encarregou Timóteo de con
servar puro o evangelho (J Tm 6.13, 14, 20; 2 Tm 2.
14, 15). E essa doutrina do evangelho deve ser entregue a
homens fiéis que possam instruir outros também (2 Tm
2.1, 2).
A APosTASIA E O MINISTtRIO ÜRDBNADO 11D
A Bíblia, a mente e o coração dos crentes, e o ministério
esco lhido e ordenado são os três repositórios da verdade
sagrada.
A Bíblia é mantida a salvo pela providência de Deus contra
todas as oposições do inferno e do mundo.
A verdade sagrada na mente e no coração dos crentes é
guarda da pelo Espírito de Cristo e sua graça (]o 14.16, 17, 26;
16.13; 1
]o 2.20, 21; ]o 6.45; Hb 8.10, 11). Compete ao Espírito Santo
preservar a verdade no coração e na mente dos crentes, mesmo em
tempos de apostasia romana, como fez nos dias da apostasia
israelita, quando Elias parecia representar sozinho a verdadeira re
ligião. Naquela época Deus tinha preservado sete mil que não
dobraram o joelho a Baal (1 Re 19.18).
Toda a pregação e todo o ensino da verdade sagrada foram
confiados ao ministério ordenado. A imaginação da Igreja de
Roma, de que a verdade sagrada está guardada nas celas ocultas
da tradi ção ou em fantásticas e invisíveis casas do tesouro que não
exigem nem cuidado, nem sabedoria, nem honestidade para
guardá-la pura, mas sim chaves falsas para abri-la, foi uma
maneira pela qual a verdade e a santidade foram banidas do
mundo.
A verdade do evangelho bíblico é a única raiz da qual cresce
a santidade evangélica. Se a raiz se corrompe, o fruto também
será corrupto. É impossível manter o poder da piedade onde a
doutri na da qual procede é desconhecida, corrompida ou
desprezada. Por outro lado, onde os homens estão cansados de
santidade, não continuarão· fiéis à verdade divina por muito
tempo. A grande oposição feita a todas as doutrinas do
evangelho hoje existe justa mente porque os homens detestam a
santidade.
É dever dos pastores ensinar todo o desígnio de Deus. Quais
quer deles que não sejam dotados de sabedoria para ver o que é
útil, proveitoso e o que os ouvintes estão prontos para ouvir, con
forme a necessidade atual de seu estado espiritual, não sabem o
que é ser um ministro fiel de Cristo. · ·
É dever do ministério ordenado pregar todo o desígnio de
Deus, como fez Paulo (At 20.21).
1m AJ'oSTASlA Do EVANGELHO - JOHN ÜWBN

Eles precisam pregar todo o desígnio de Deus com cuidado,


diligência e fidelidade (2 Tm 4.1, 2). Como deveriam essas
pala vras dirigidas a Timóteo soar alto aos ouvidos de todos os
pastores que desejam desempenhar seu dever com fidelidade!
Será que a alma dos homens será preservada, edificada e salva
com menor esforço do que nos dias dos apóstolos?
Eles precisam pregar todo o desígnio de Deus com todas suas
forças (At6.4; 1 Tm 5.17; 1 Co 16.16; 1 Ts 5.12).
Precisam pregar todo o desígnio de Deus com oração
constan te (At 6.4). O ministério da Palavra que não for
sustentado por oração para que seja bem-sucedido dificilmente
será abençoado. Paulo é o supremo exemplo de um homem de
oração (Rm 1.9, 10). É inútil tomar sobre si toda a armadura de
Deus e não apoiá la com oração (Ef 6.18, 19). Um pastor que
prega a Palavra de Deus sem oração constante para que a
pregação tenha êxito é bem capaz de estar ocultando um
ateísmo secreto em seu coração, e dificilmente vai operar
santidade na vida dos outros.
É dever dos ministros designados representar, por meio de
sua vida e de seu ministério, o poder e a verdade das grandes e
santas doutrinas que pregam.
É dever dos ministros designados evidenciar na vida deles a
mansidão, a humildade e o zelo por Deus. Devem mostrar
mode ração, negação de si e prontidão para a cruz. Acima de
tudo são chamados para mortificar, pelo Espírito, os desejos
corruptos que tenham. Desprezo pelo mundo, bondade e
paciência para com rodas as pessoas, a mente posta no celestial,
tudo isso deve ser característico de um ministro de Cristo e do
evangelho.
Quaisquer vícios e corrupções que os homens virem na vida
de seus pastores não serão atribuídos à depravação da velha na
tureza que ainda neles habira, mas sim ao evangelho. Por isso,
em todas as coisas os ministros precisam mostrar-se padrão de
boas obras (Tt 2.7). Precisam ser exemplos para todos os que os
seguem (2 Ts 3.9; 1 Tm 4.12). Essa é a honra à qual Cristo
cha ma seus ministros.
A APOSTASIA E O MINIST RIO ÜRDENADO 1111
É dever dos ministros designados atender diligentemente àquela
regra e disciplina santa que o Senhor Jesus Cristo ordenou para
a edificação da igreja e a preservação de sua pureza, santidade e
obe diência.
Muitos pastores são lamentavelmente ignorantes dos desígnios
de Deus. Eles não têm sido fiéis em conservar puros e
incorruptos a verdade, a doutrina e os mistérios do evangelho.
Falta-lhes tanto o desejo de pesquisar os mistérios da doutrina
de Cristo quanto a capacidade para fazer isso. Desprezam o
trabalho difícil de expor fielmente as Escrituras. E assim
multidões perecem por falta de conhecimento. Estas deverão -
e irão - morrer em seus peca dos, mas o sangue delas será
exigido das mãos de tais ministros infiéis (Ez 3.16-21).
A maioria dos sacerdotes no papado é brutalmente ignorante.
Mas para eles isso não importa, porque seu trabalho é manter o
povo ignorante das doutrinas da Escritura. E não é melhor a
situação na Igreja Grega Ortodoxa. Como resultado, nações inteiras
que se cha mam de cristãs, por tola ignorância têm degenerado até
o desrespei to e o desdém pelas coisas santas; e têm tolerado
imoralidades abo mináveis que são piores do que quaisquer
toleradas pelos pagãos.
Se a pregação do evangelho é o único meio soberano e eficaz
designado por Deus para a regeneração e renovação da natureza
dos homens e a reforma da vida deles (e negar isso seria negar o
próprio Cristianismo), é vão esperar que essa regeneração e refor
ma se efetuem de forma tal que restaurem a beleza e a glória da
religião no mundo, sem que primeiro seja providenciado um cle ro
hábil para instruir o povo.
Mas por intermédio de um clero infiel e corrupto, tal como o
que se pode achar na Igreja de Roma, a verdade foi aviltada, cor
rompida e pervertida. Nem em nossos dias existe nela uma única
doutrina que promova a obediência evangélica que esteja livre de
ser desprezada ou corrompida.
Para que a verdade seja conservada pura, é preciso que orações
subam a Deus. Só por sua graça o ministério estará capacitado a
guardar a Palavra de Deus livre de corrupção.
Muitos pastores são indolentes, frios e indiferentes com rela
ção ao seu trabalho. Poucos se dedicam de coração, de modo dili
gente e laborioso, ao máximo de suas forças e capacidade, ao tra
balho do ministério, com zelo pela glória de Deus e com compai
xão sincera pela alma dos homens.
Será que alguém imagina que os deveres diários do sacerdócio
da Igreja de Roma - tais como pronunciar os ofícios nas horas
canônicas, ouvir confissões e dar absolvições, sem a menor elabo
ração na Palavra e na doutrina - seriam os meios que Deus nos
deu em sua Palavra para se manter o poder e a beleza do Cristia
nismo? O que essas práticas romanas fazem é efetivamente man ter
a humanidade em pecado e segurança, e os homens adoram que
seja assim.
Muitos clérigos são abertamente ambiciosos, insaciavelmente
cobiçosos, presunçosos, sensuais, detestando os bons e prezando
como companheiros os mais aviltados, mostrando hábitos depra
vados de mente.
Que terrível o contraste entre tais homens e os apóstolos e pri
meiros pregadores do evangelho!
Que Deus possa enviar. novamente "pastores segundo seu
co ração para apascentar o povo com conhecimento e
cominteligên cià' (Ir 3.15).
Só o avivamento de um poderoso clero evangélico fará com
que a igreja se volte de sua apostasia atual para aquele glorioso
estado que vai realmente trazer glória a Deus no mundo.
os dias de Jeremias, quando os israelitas foram repre
endidos por seus pecados e advertidos dos juízos de
Deus que se aproximavam, clamavam: "Templo do
Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor é este" (Ir 7.4).
Como se fossem dizer: "Você pode dizer o que quiser, Jeremias,
mas nós somos a única descendência de Abraão, a única igreja de
Deus no mundo. Deus nunca permitirá que sejam destruídos seu
templo e o culto prestado ali; e não deixará que seu povo seja
lançado fora da terrà'.
A resposta de Jeremias foi: 'Assim diz o Senhor dos Exércitos, o
Deus de Israel: "Emendai os vossos caminhos e as vossas obras,
e eu vos farei habitar neste lugar. Não confieis em palavras
falsas dizendo: 'Templo do Senhor, templo do Senhor, templo
do Se nhor é este'... Eis que vós confiais em palavras falsas, que
para nada vos aproveitam. Que é isso? Furtais e matais,
cometeis adul tério e jurais falsamente, queimais incenso a Baal
e andais após outros deuses que não conheceis, e depois vindes,
e vos pondes diante de mim nesta casa que se chama pelo meu
nome e dizeis: 'Estamos salvos'; sim, só para continuardes a
praticar estas abomi nações!... Mas ide agora ao meu lugar que
estava em Silo, onde,
no princípio, fiz habitar o meu nome, e vede o que lhe fiz, por
causa da maldade do meu povo de Israel" (Ir 7.3, 4, 8, 9, 10, 12).
Os israelitas foram enganados para pensar que não importava
como se comportavam. Enquanto fossem povo de Deus e tives-
1m
1m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

sem o templo e seu culto, nenhuma condenação poderia vir sobre


eles. A torrente dos juízos de Deus poderia cair sobre o restante do
mundo, mas eles estavam seguros na arca da única igreja verdadei
ra do mundo.
João Batista também teve de lidar com este problema. Os
fariseus e saduceus diziam: "Temos por pai a Abraão" (Mt 3.9).
Achavam que como eles eram os descendentes de Abraão, tinham
um direito automático a todos os privilégios da aliança, por mais
pecadores que eles mesmos fossem.
Por esses exemplos fica claro que quanto mais perto as igrejas
ou as pessoas estão das condenações de Deus sobre seus pecados,
tanto mais dispostas estão de se gabar de suas ligações com a igreja
e seus privilégios espirituais, simplesmente porque nada mais têm
em que possam confiar.
Se os homens achavam que podiam desculpar seus pecados
sob o Antigo Pacto porque se consideravam favoritos especiais
de Deus - apesar do ministério profético extraordinário de
Jeremias, advertindo-os a não acreditarem em tais mentiras, e ao
contrário, chamando-os a que se arrependessem de seus pecados
e fossem santos - tanto mais as pessoas estarão se abrigando
sob enganos similares quando são ensinadas a fazer isso!
Quando homens maus, mundanos, governados por paixões pe
caminosas, são acolhidos e recebidos como membros da igreja de
Cristo, e tornados participantes de todos os privilégios exteriores,
isso só pode fazer com que se sintam seguros e enfraquecer todos
os esforços para conseguir que se arrependam. Também encoraja
ou tros a vigiarem menos e a não serem tão zelosos em sua vida
cristã. Afinal de contas, quando o privilégio de ter todas as marcas
exter nas do amor e favor de Deus pode ser possuído em condições
tão facilitadas, e sem todo o esforço de se arrepender de fato e
mortifi car o pecado, por que se incomodar em viver uma vida
santa?
Quando a igreja de Sardes estava realmente morta, a melhor
maneira de conservá-la morta era dar-lhe o nome de ser uma
igre ja realmente "viva" (Ap 3.2).
M,us CAUSAS DE APOSTASIA 1m
Se a igreja é aquela sociedade do mundo que é o único
objeto do amor e graça especial de Deus; se a principal razão para
a admi nistração de suas ordenanças é assegurar aos homens que
eles são os beneficiários da mediação de Cristo, então será que
haverá melhor meio de incentivar e aprovar os apetites carnais
das pesso as do que permitir que participem desses privilégios
exteriores en quanto permanecem sem arrependimento e
continuam em sua vileza?
O Senhor Jesus Cristo fez da obediência evangélica a prova ex
terior de que se é um verdadeiro membro de sua igreja.
Obediên cia aos mandamentos do evangelho é a única condição
indispensá vel para ter permissão para participar dos privilégios do
evangelho. Tudo que se exige de nós para sermos salvos
eternamente se encon tra nos mandamentos do evangelho:
"arrependa-se e creià'. E as pessoas não podem ter nenhuma
outra segurança exterior do bem estar de sua alma senão a de
serem aceitas como membros verda deiros da igreja com direito
a todos seus privilégios exteriores.
Então quando as pessoas descobrem que podem conseguir essa
segurança e todos os privilégios exteriores da igreja com facilida
de, simplesmente se submetendo às ordenanças sem qualquer ar
rependimento sincero ou fé e enquanto ainda continuam a viver
uma vida das mais pecaminosas, que esperança há de trazê-las ao
verdadeiro arrependimento e fé, que resulta em obediência santa?
Foi assim que Satanás conseguiu com tanto êxito efetuar a
apostasia geral da obediência bíblica, o que culminou na grande
apostasia da Igreja de Roma. Multidões sem conta foram levadas a
uma profissão nominal exterior do Cristianismo, não pela convic
ção do pecado e experiência pessoal da verdade, do poder e da
santidade cristã, o que conduz à paz no tempo presente e a certeza
da vida eterna, mas simplesmente porque quiseram ficar do lado
bom dos soberanos das nações, e porque estavam preocupadas
com seu próprio bem-estar que estava ameaçado se não se unis
sem à igreja. Assim, multidões ignorantes foram rapidamente le
vadas a sentir que tinham segurança eterna, ainda que a vida que
mlJ APOSTASIA Do EVANGELHO - JonN OWEN

levavam não chegasse até o nível do padrão de santidade


exigido pelo evangelho. Foram enganosamente asseguradas de
que, em bora a vida que levavam fossem piores do que a vida
que levavam os pagãos, por mais impudicas, imundas e vis que
fossem, contu do, enquanto estivessem na Igreja de Roma, que
era a única igreja verdadeira de Cristo, elas estariam
eternamente salvas e não pere ceriam. Acreditando nessa
mentira, não viam nenhuma necessi dade de se preocupar com a
mortificação do pecado, a negação do eu, a pureza de coração e
de mãos, e todos os outros deveres do evangelho. Então, corno
se poderia esperar obediência em santi dade de tais pessoas, a
quem já foram dados todos os privilégios do Cristianismo em
condições tão facilitadas?
A segurança falsa à qual essas multidões ignorantes foram
conduzidas só foi confirmada quando viram outros condenados
ao inferno eterno e consumidos por fogo e espada neste mundo
simplesmente porque não estavam, como elas, bem seguros na
arca da Igreja Romana. Elas sim eram felizes e merecedoras de
parabéns. Estavam livres de chamas no presente assim corno na
eternidade, e em tão fáceis condições! E quando para satisfazer
e pacificar seus sentimentos de culpa encontravam alívio em
confis sões, penitências, absolvições e redenção de pecados por
obras ex ternas de grande piedade e caridade - lucrativas
para o clero - bem como a grande reserva do purgatório no caso
de se morrer não tendo expiado suficientemente qualquer pecado,
será que causa admiração o fato de a maioria dos homens ter
dado adeus à santi dade evangélica?
Por meio dessas coisas trabalhou o "mistério da iniqüidade" até
que encontrou seu auge no papado.
A doutrina do evangelho em geral ficou perdida por causa da
ignorância e dos erros. Logo se viu como é impossível manter a
vida e o poder da obediência quando as raízes da santidade, que
são as doutrinas do evangelho, se tornam secas e corrompidas.
Ignorância da verdade e aversão à santidade trabalharam de
mãos dadas para promover a grande apostasia.
MAIS CAUSAS DE APOSTASIA 1m
O terreno ganho pela perda da verdade foi garantido ao se
con ferir o nome, título, privilégios e promessas da igreja a toda
espécie de homens que nunca se haviam arrependido de seus
pecados. Aos não convertidos assegurava-se que eles de fato
estavam naquele es tado e condição que o Senhor Jesus Cristo
exigia, ainda que conti nuassem a viver uma vida de pecado.
Eram verdadeiros cristãos, membros da igreja verdadeira de
Cristo, mesmo que não tivessem dado evidência de regeneração.
Quando essas coisas lhes eram di tas, por que se preocupariam
em procurar regeneração e santidade de vida? Aqueles que estão
muito enamorados de seus pecados, pai xões e prazeres
dificilmente vão querer largá-los quando lhes é asse gurada a
salvação eterna simplesmente por se tornarem membros da
Igreja de Roma. E para levá-los adiante nesse falso senso de segu
rança, dizem-lhes que os sacramentos, só em virtude de serem
ad ministrados por um padre, automaticamente lhes dão toda a
graça necessária para sua eterna salvação. Especialmente, eram
ensinados a acreditar que toda pessoa que tivesse boca, quaisquer
que fossem os males alojados no coração e na vida, poderia
comer a carne e beber o sangue de Jesus Cristo e assim ter vida
eterna segundo as palavras de Cristo (João 6.53, 54). Dessas e
de outras maneiras, os mais vis pecadores recebiam a promessa
assegurada de imortalidade e glória. Tal era a grande apostasia da
Igreja de Roma.
Mas a Igreja de Roma foi ainda mais longe. Para aumentar o
sentimento de segurança e consolo, as pessoas foram ensinadas
que o inferno e a destruição eram apenas para aqueles que esta
vam fora da igreja. "Fora da Igreja de Roma não havia
salvação." Então, como elas estavam na igreja, não fazia
diferença o quanto eram más, já tinham a salvação eterna. A
igreja era como a arca de Noé. Todos os que se encontravam
nessa arca estavam salvos, e todos os que estavam fora dela se
afogariam. Portanto, precisavam permanecer na igreja porque só
ela poderia preservá-los.
Nunca antes havia sido inventado um esquema mais vil contra
a glória do evangelho e a obediência evangélica. Cristãos declara
dos perseguiam, feriam e destruíam outros que também professa-
1m APosTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

vam ser cristãos e que eram mais santos e justos, mas que apenas
discordavam de alguns pontos da fé cristã. O que pode fazer os
homens se sentirem mais seguros em seus pecados do que
assegurá los de que estão justificados e são mais excelentes aos
olhos do evangelho do que aqueles que os excedem grandemente
em moralidade e santidade? Homens perjuras e bêbados, profanos
e imundos, ao perseguirem cruelmente aqueles que são realmente
santos e conhecidos pelos homens como sendo sóbrios, controla
dos, pessoas de oração e dadas a boas obras, não põe o Cristianis
mo em luz favorável!
Mas se houve pessoas que sentiram as setas da convicção e da
culpa ferindo sua mente e sua consciência e perturbando-as, en
tão as confissões, penitências e boas obras pacificaram esses senti
mentos. E se esses atos não fossem suficientes para aliviá-las de
sentimento de culpa, então o purgatório faria isso com certeza. E
com essas vis doutrinas, a maioria da humanidade cristã foi levada
a desprezar o evangelho e a desrespeitar a verdadeira santidade do
evangelho. Não a entendiam nem a desejavam. Em lugar disso,
uma devoção cega, deformada por múltiplas superstições, substi
tuiu a santidade evangélica. Por isso, sob o nome da igreja e seus
privilégios, o evangelho de Cristo foi totalmente perdido entre os
homens.
Os mandamentos do evangelho são santíssimos, suas
promes sas são mui gloriosas e suas ameaças muito severas.
Contudo, pro fessando submissão a esse evangelho, os homens
levam uma vida pior do que a de qualquer pagão que nunca
conheceu o evange lho. Supor que o evangelho incentiva à vida
má é tratar o evange lho com o maior desdém e oposição
possível.
Toda essa apostasia surge de se crer que enquanto eu for um
membro da Igreja de Roma e permanecer assim, não importa o
quanto minha vida é vil, estou na arca e nunca serei levado pela
enchente do julgamento eterno.
O único caminho de retorno de tal apostasia é ordenar as coi
sas na igreja de tal maneira que ninguém possa se gabar de ser
1m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

Os homens compravam privilégios eclesiásticos para si, com


propinas de riquezas e honras dadas por homens que não eram
melhores do que eles, mas que tinham nome e título de "cle
ro" ou "dirigentes da igreja". E quando as coisas começaram a
se tornar crescentemente piores na Igreja de Roma, o modo
de viver lascivo do papa, dos prelados e outros, tornado ain
da mais infame pelas posições de poder e dignidade que ocu
pavam, induziram o povo a toda forma de corrupção e degra
dação.
O mundo julga a igreja pelos seus líderes e dirigentes. En
tão estes devem ser exemplos de santidade notável. Devem mos
trar em sua vida a graça do evangelho em toda humildade e
mansidão. Devem mostrar desprezo pelo mundo, seus prazeres
sensuais e a soberba da vida. Devem pregar a Palavra com todo
zelo e diligência. Caso contrário, a apostasia do poder e da
santidade do evangelho continuará a aumentar, indo de mal a
p10r.

Não me refiro àquela perseguição que os crentes estão avisa


dos a esperar do mundo, e que nunca foi causa de apostasia,
antes redunda em glória para a igreja. Refiro-me àquelas perse
guições terrivelmente cruéis de cristãos humildes e piedosos, as
quais foram conduzidas pela Igreja de Roma. Isso foi predito no
Livro de Apocalipse. Nesse livro está profetizada uma igreja
cru el, apóstata, que haveria de perseguir, destruir e matar todos
os que não se submetessem a ela em sua apostasia. Tanto por
causa de sua idolatria, como por causa de sua crueldade, essa
igreja apóstata é chamada de Babilônia. E somos informados de
que, ao ser a Babilônia destruída, "nela se achou sangue de
profetas, de santos e de todos os que foram mortos sobre a
terra", mortos porque foram fiéis ao evangelho de Cristo (Ap
18.24). Portanto qualquer pessoa que persegue alguém por
causa de sua fé no
Mus CJ\USAS DE APOSTASIA m:I
evangelho de Cristo, por quaisquer desculpas que resolva dar,
une-se àquela igreja apóstata que está destinada a ser um dia
totalmente destruída.
Nosso Senhor Jesus Cristo veio restaurar aquele amor por
Deus que tinha desaparecido de nossa natureza humana. Ele
veio salvar a vida das pessoas, não destruí-las. Veio tirá-las
do estado de inimizade e ódio mútuo para um estado de paz e
amor. Será que é possível a uma pessoa sensata, então, imagi
nar que ferir, aprisionar, multar, banir, matar e destruir pesso
as por nenhum outro motivo senão a fé que têm em Cristo e o
culto que prestam a ele da forma em que estão convencidas
que devem adorá-lo, mostra verdadeiramente a glória de Cris
to, o Príncipe da paz e do amor? Será que não ensina ao con
trário, que o Cristianismo é feroz, cruel, opressivo, vingativo
e sangrento?
A humanidade tinha então realmente perdido o evangelho
e todos seus benefícios quando a mesma ficou persuadida, pelo
que os homens viram e ouviram, de que essa era a verdadeira
religião e que ela ensinava os homens a perseguir e destruir
quem não concordasse com ela. Mas a religião perseguidora,
em vez de mostrar ser a verdadeira religião de Cristo, revela ser
a religião do anticristo. E quando em qualquer tempo essa es
pécie de perseguição prevalece entre cristãos, então não resta
nem forma, nem face ou aparência de Cristianismo entre os
homens. Todo aquele amor, caridade, paz, mansidão, tranqüi
lidade, misericórdia, compaixão e bondade para com a huma
nidade, que são as verdadeiras credenciais dos crentes evangé
licos, dão lugar à ira, à porfia, à vingança, a terríveis
conjecturas, a acusações falsas, aos tumultos, às desordens, ao
uso de força e a tudo que é vil.
Quaisquer que sejam as vantagens que alguém julgue terem
sido acrescidas à igreja por essas perseguições, certamente elas
trou xeram milhares de vezes mais vantagens para as forças do
erro, pela corrupção da moralidade cristã.
ml APOSTASIA Do EVANGELHO - JonN ÜWEN

&4i {!I

"Todo mundo faz isso!" A melhor evidência de que a pregação


do evangelho foi amplamente aceita em uma nação será vista no
êxito que tem em reprimir pecados nacionais. Se os pecados naci
onais não são em parte subjugados; se a mente dos homens não
for desviada dos erros e tornadas vigilantes contra eles; se a culpa
desses pecados não for assumida, e se aparecerem justificativas
para esses pecados, tais como "todo mundo faz", qualquer
afirmação que essa nação fizer de ser cristã será vã e inútil.
Paulo declarou que o pecado nacional dos cretenses era a
men tira (Tt 1.12, 13). Por isso qualquer profissão que as
pessoas de Creta fizessem de ser uma nação cristã, se
continuavam a ser men tirosas, seria confissão falsa e o
evangelho não teria sido recebido em poder vivificante.
Qualquer que seja a confissão de Cristianis mo das pessoas, se
não forem livradas dos pecados nacionais, elas não irão
continuar sadias na fé por muito tempo, nem serão frutuosas na
obediência.
Os pecados nacionais dos judeus eram a teimosia e a obstina
ção, dos quais Deus se queixou continuamente. Por isso o bom rei
Josias foi elogiado "porque seu coração se enterneceu" (2 Cr
34.27). Josias não estava sujeito ao poder do pecado comum do
povo. O elogio era tanto mais significativo porque era raro
encontrar-se alguém com coração terno.
E qual diremos ser o pecado comum de nossa nação? Será que
não é a grat ficação de nossos apetites sensuais, "comer, beber e
gozar a vidà'? Pois como no caso daquele fazendeiro tolo da pará
bola de Cristo, todo nosso trabalho é para satisfazer nossos apeti
tes e prazeres sensuais (Lc 12.13-21).
Será que o evangelho nos libertou desse pecado? Só tomando
sobre nós "toda a armadura de Deus" é que podemos nos defen
der contra esse pecado nacional.
MAfs CAUSAS DE APOSTASIA 1m
Nos dias de Isaías era difícil para as pessoas irem contra a cor
rente de opinião. Elas tinham medo de se posicionarem sozinhas
a favor daquilo que sabiam ser certo. Os poucos que assim faziam,
tais como Isaías e sua família, esses eram tratados como objetos de
desprezo e ridículo, como "sinais e maravilhas em Israel" (Is 8.11-
18). S6 tendo Deus por seu "temor e espanto" puderam vencer o
medo da zombaria e mofa da multidão.
Alguns são levados aos pecados nacionais por uma educação
corrompida, outros por preguiça, negligência e um sentimento
falso de estarem seguros. Alguns cedem aos pecados nacionais
porque "todo mundo faz isso".
Os pecados nacionais desviam as pessoas da obediência ao
evan gelho. E se aqueles que professam ser cristãos se
desculpam e ce dem a esses pecados nacionais, então o
Cristianismo, quanto a costumes, maneiras, vaidades, vícios e
vida, é abaixado até o nível do paganismo. Os pecados nacionais
corroem o cerne e o poder do Cristianismo, deixando apenas a
mostra exterior de uma for ma de piedade.
O evangelho cristão foi planejado para fazer com que os ho
mens se voltassem de "toda impiedade e paixões mundanas, para
viver sensata, justa e piedosamente no presente século" (Tt 2.12).
E onde isso não acontece, ou o evangelho não foi recebido exten
sivamente ou então os homens se afastaram dele.
O evangelho vem para uma nação como um lavrador que tra
balha no sertão ou na mata que está cheia de espinheiros por cau
sa da pobreza do solo. Ali ele arranca e queima os espinheiros,
replantando a área com plantas boas e nobres. Em pouco tempo a
terra desértica torna-se um campo produtivo. Mas com o passar
do tempo, se não houver cuidado e cultivo contínuo, a terra por si
começa a produzir mato e espinheiros que lhe são próprios por
natureza. Estes, proliferando, sufocam as plantas boas, e com o
tempo o campo produtivo volta a ser desértico.
Por-isso, para que a apostasia seja promovida nada mais é ne
cessário além de se permitir que os vícios nacionais, por algum
1m APOSTASIA Do EvANGELIIO - JonN ÜWEN

tempo impedidos pelo poder do evangelho, novamente tomem


conta dos corações do povo e assim sufoquem as graças do
evan gelho.
84 f20lll eJtJt,O,s; Cl/
da,; (!/
da,;da,; C/li,s1,&

Sob o Antigo Testamento, a glória da verdadeira religião estava


em seu templo, seus sacrifícios e nos trajes do sumo sacerdote.
Todas essas coisas eram visíveis aos olhos.
Sob o Novo Testamento, a glória da verdadeira religião se en
contra na obra interior do Espírito Santo, que renova nossa natu
reza, transforma-nos na imagem e semelhança de Deus e produz
os frutos de sua graça numa vida reta e santa. Mansidão, humilda
de e benevolência são as marcas do verdadeiro comportamento
cristão. Mas poucos estão aptos para discernir a beleza, a glória ou
a honra dessas coisas. E onde não é visível a glória espiritual do
evangelho, então ela é necessariamente desprezada e abandonada,
e algo diferente é colocado em seu lugar. E o que é colocado em
lugar dela é algo inventado pelo homem, e assim é promovida a
apostasia da santidade evangélica.
Os homens por natureza própria não enxergam mais beleza
no poder espiritual do Cristianismo do que os judeus
conseguiam ver na pessoa de Cristo quando o rejeitaram (Is 53.2).
Então, aban donando a sabedoria de Deus afirmada na Escritura,
eles a substi tufram por suas próprias invenções.
O clero da igreja, em vez de ser humilde, santo, diligente, cheio
das graças e dos dons do Espírito, não procurando honra ou res
peito por parte do mundo, mas unicamente aquela honra que
vem de Deus, tornou-se pomposo e ambicioso, trajando-se com
vestimentas suntuosas que a Palavra de Deus nunca prescreveu.
E substituíram um culto de adoração simples, sem adornos,
espiri tual - cuja vida e excelência estava na obra invisível,
eficaz do Espírito Santo, revelando-se em mansidão, negação de
si, mortifi-
MA!s CAUSAS DE APOSTASIA 1m
cação do pecado e frutos do espírito, tudo advindo da operação
graciosa do Espírito Santo - por formas de culto exteriores,
visí veis, que eram mais aceitáveis ao mundo, mas em nenhum
lugar ordenadas por Cristo.
Portanto, a glória do Cristianismo estava agora corrompida pelo
faustoso esplendor do clero da igreja, juntamente com um culto
cerimonioso, repleto de pompa, superstições e idolatria. O povo
continuava a viver no pecado, acalmando a consciência com ricas
contribuições à igreja, beneficiando assim o clero com magníficos
e generosos edifícios e presentes.
Uma vez que o mundo ficou persuadido de que essas coisas
eram a glória verdadeira da religião cristã, e que elas permitiam
que a pessoa continuasse a gratificar seus apetites e pecados, a
verdadeira santidade e obediência foi sendo cada vez mais
negli genciada e desprezada. Mas a situação ainda iria piorar.
Entre membros do clero surgiram invejas e dissensões
ambiciosas sobre quem ocuparia quais posições de importância
na igreja, o que le vou os pagãos a desprezarem o Cristianismo
.como religião depra vada e corrupta.

cSlli

O diabo, o maioral de todos os apóstatas, tem como desejo


primário destruir a igreja de Cristo na terra; e se falhar isso,
corrompê-la totalmente e torná-la igreja dele.
Como um leão, o diabo se enfureceu contra a igreja com
perse guições sangrentas e violentas. Mas não conseguindo
destruí-la, entrou mansamente na igreja como serpente
venenosa. Uma vez instalado, envenenou secreta e
gradualmente a mente de muitas pessoas com vãos pensamentos
de poder e ambição, com amor pelos elogios e honrarias do
mundo e com superstições. Assim, afastou os cristãos do poder
espiritual e da simplicidade do evan-
ml] APosTASIA Do EVANGELHO - JottN OWEN

gelho, enganando-os como enganou Eva no princípio (2 Co 11.3).


Por vezes "transformou-se em anjo de luz" (2 Co 11.14, 15). O
diabo não só envenenou e inflamou as paixões dos homens, como
os afastou do evangelho com sugestões e pretensões de mais pie
dade e devoção. Desta forma, o "mistério da iniqüidade" operou e
obteve êxito (2 Ts 2.7).
Tão bem-sucedida foi a atuação do diabo que, por um lado, os
cristãos foram entregues ao poder de apetites sensuais, ou subju
gados ao poder de superstições. Mas quando os homens se entre
garam a suas ilusões, rejeitando a verdade e santidade do evange
lho, Deus lhes entregou ao poder do diabo para serem enganados
e endurecidos para sua eterna ruína (2 Ts 2.11, 12). Assim a
apostasia chegou a ser cumprida cabalmente sob o papado. E com
esses mesmos enganos, Satanás ainda age hoje nas igrejas, levando
os adeptos de volta àquela grande apostasia da qual tinham sido
libertados na Reforma.

&li.causadtv /Wll/
IWI irytRja; e,,pel@ CÚJ,s,, CJds1iio&
/

O Senhor Jesus Cristo disse a seus discípulos que todos conhe


ceriam que eram seus discípulos se eles amassem uns aos outros
(Jo 13.35). Seria esse o grande testemunho da realidade de sua fé
nele, em sua doutrina e da sinceridade da obediência deles. Foi
por essa união e pelo amor genuíno entre seus discípulos que Cristo
orou (Jo 17.20, 21).
Os efeitos e frutos felizes desses mandamentos foram
excelen tes por um tempo entre aqueles que professavam o
evangelho, e seu amor mútuo era um argumento convincente a
favor da verda de, do poder e da santidade da doutrina que
professavam. Onde há unidade e amor, há paz, ordem,
proficuidade e toda boa obra. Mas onde faltam estes, há porfia,
ciúme, confusão, desordem e toda obra vil.
1m ArosTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜW!lN

bondosos, prontos a ajudar, a serem bons, mas até certo ponto.


Estão preocupados só com sua ptópria casa ou sua própria
igreja. Mas quanto a mostrar amor, solidariedade, generosidade,
bonda de, disposição para ajudar todo mundo, mesmo os piores
dos ho mens, segundo sua capacidade, isso dificilmente se
encontra entre os cristãos. Todo tipo de desculpa é apresentado
para justificar
essa falta de amor cristão. Mas se somos cristãos, devemos "ser
cheios de amor para com todos" (J Ts 3.12).
Nossas boas ações para com todos, o fato de sermos úteis a
todos e exercitar nosso amor para com todos é a maneira principal
pela qual podemos mostrar nossa obediência sincera ao evange

. apenas para s1..


lho. U m cristão assim vale mais para o evangelho do que milhares
que vivem
Se o mundo não consegue enxergar bem nenhum partindo dos
cristãos, mas apenas vê ódio e contendas, então não é de se admi
rar que não deseje comunhão conosco. Se os homens virem que
quando as pessoas são convertidas a Cristo, imediatamente setor
nam bondosas, misericordiosas, caridosas e boas para com todos,
isso só pode causar impressão favorável.

Todos os que professam ser cristãos, mas não estão vivendo


uma vida santa, estão na realidade renunciando à obediência aos
mandados de Cristo e desprezando suas promessas, preferindo
antes os prazeres do pecado. Tais pessoas declaram que nada
encontra ram de admirável nos mandamentos de Cristo, que não
encontra ram felicidade em obedecer a eles, nem segurança nas
promessas de Cristo, e nenhum valor nas coisas prometidas em
comparação com o mundo e os prazeres do pecado.
Sendo assim, alguns mandamentos do evangelho, como o amor
mútuo ativo, por exemplo, são rejeitados e substituídos por um
comportamento inócuo e passivo. "Tento não fazer mal a nin
guém." Mas as qualidades daquela vigilância de um sobre o outro
11
osso Senhor Jesus Cristo instituiu o culto solene de
eus para que fosse feito sem alteração até o fim do
mundo. O principal motivo de ter Ele criado e
preser
vado Sua igreja é para que esse culto seja celebrado. Esta é
aquela glória pública que Deus requer dos crentes neste mundo.
Todos os outros deveres poderiam ser desempenhados pelas
pessoas in dividualmente, mesmo que não houvesse tal coisa como
uma igreja. A igreja, portanto, que não cuida para que o culto
que Cristo designou seja celebrado devidamente não entendeu a
razão prin cipal da existência dela.
A apostasia do culto evangélico acontece de duas maneiras:
ou por negligência e recusa de observar o que Cristo
determinou, ou por acréscimo de maneiras de adoração que nós
inventamos.
Alguns decaíram do culto evangélico ao fazer somente algu
mas coisas que têm aparência daquilo que Cristo mandou. São
dirigidos por aquilo que consideram ser conveniente e por sua
luz interior. Mas rejeitam os sacramentos do batismo e da ceia
do Senhor, que são tão grande parte do culto místico da igreja.
A principal razão pela qual alguns abandonaram os sacramen
tos é que estes não representam aquela fé e obediência falsa pela
qual eles substituíram a verdadeira fé e a obediência ao evangelho.
Os sacramentos do evangelho representam para nós, por si nais
exteriores visíveis, as doutrinas evangélicas em que cremos.
O batismo representa a regeneração. Mas se não crermos que
DE
12
DE APoSTASIA Do EvANGBLIIO - JoHN ÜWJlN

Essas pessoas se esquecem do exemplo de Pedro. Ele não


achava que algum dia fosse negar Cristo. Mas como estava
enganado! Mais tarde, ao escrever sua primeira carta, ele adverte os
cristãos para que não vivam presunçosamente, como se nunca
pudessem cair. Devem não só viver a vida em temor, como também
santificar o Senhor Deus no coração, e estarem sempre prontos para
dar uma razão da esperança que há neles, com mansidão e temor (1
Pe 1.17,· 3.14, 15)

c!:A núm,e,w; Ul11/

Considere como está difundida essa apostasia. A ignorância,


a profanidade e a mundanidade mostram como as pessoas têm
aban donado o Senhor; mostram como a nação é pecadora;
mostram como seu povo é cheio de iniqüidade; mostram como
já provoca ram o Senhor à ira (Is 1.4-6).
Se formos avisados de que há uma epidemia na terra e que
uma ou duas pessoas já morreram desse mal, com razão ficamos
preo cupados e tomamos precauções para não sermos
infectados. Mas se a epidemia está generalizada no país e
milhares estão morrendo em conseqüência, seríamos de fato
tolos se vivêssemos presunço samente, crendo que só nós
seríamos poupados mesmo não to mando nenhuma precaução.
Muitos estão sendo endurecidos pelo "engano do pecado". Não
estamos nós em perigo de sermos endurecidos também? Nossa
alma tem nela os mesmos princípios - pecado e amor ao
mundo
- daqueles que já deixaram Cristo. Somos nós melhores e mais
fortes do que eles para resistir às tentações para apostatar?
Somos tolos se não nos mexemos para estar mais alertas nesta
época de tão grande perigo espiritual.

c!:AnúmRJw; doi,s;
A presente apostasia, largamente difundida, traz junto um gran
de perigo.
mi APOSTASJA Do EVANGm,tto - JO!JN OWEN

A primeira verdade é: "O Senhor conhece os que lhe perten


cem" (2 Tm 2.19). Seus eleitos serão preservados e jamais será per
mitido que caiam em apostasia irrecuperável.
A segunda verdade é que Deus designou um tempo quando
dará um basta a toda apostasia e "a terra se encherá do conheci
mento da glória do Senhor como as águas cobrem o mar" (Hq
2.14).
Um dia ele derramará os flagelos de seu julgamento sobre a
Babilônia, e o reino do mundo se tornará o reino de nosso Senhor
e de seu Cristo, e ele reinará por toda a eternidade (Ap 11.15).
Mas quando serão essas coisas, e o que acontecerá até que sejam
cumpridas, nós não sabemos. Portanto, a nós compete vigiar para
que não sejamos também alcançados por essa grande apostasia.

81.núni0w,,
Considere a maneira insidiosa e enganosa pela qual essa
apostasia penetra na vida das pessoas, desencaminhando-as do
evangelho.
A apostasia tem muitas maneiras sutis e insidiosas de
enganar almas instáveis. Pode nos pegar em nosso trabalho, em
casa por meio da família, em nossos prazeres ou por meio de
nossas posses. A descrença, o engano do pecado, os apetites e os
desejos cor ruptos, a preguiça espiritual, o amor ao dinheiro e
suas preocupa ções concomitantes, tudo está pronto a nos
seduzir do evangelho para a apostasia. Portanto devemos
"desembaraçar-nos de todo peso e do pecado que tenazmente
nos assedià' (Hb 12.1). Deve mos "cuidar que não haja em
nenhum de nós um perverso cora ção de incredulidade que nos
afaste do Deus vivo". Devemos "exor tar-nos cada dia, a fim de
que nenhum de nós seja endurecido pelo engano do pecado"
(Hb 3. 12, 13). Temos de "seguir a paz com todos os homens,
sem a qual ninguém verá o Senhor: aten tando diligentemente
para que ninguém seja faltoso, separando se da graça de Deus;
nem haja alguma raiz de amargura que, bro-
ll!D APo 'TASIA Do EVANGELHO - JonN OWEN

nenhum homem seja o juiz soberano absoluto de si mesmo, o


que seria usurpar a prerrogativa divina dele próprio e colocaria
o pecador no lugar de Deus. Aquele que desespera diz: "Sou
meu próprio Deus nesse assunto. Pequei muito e eu mesmo
me julguei ter perdido eternamente o direito à salvação. Não
consigo ver como a bondade de Deus tem possibilidade de
mostrar qualquer graça ou misericórdia para mim". Essa má
atitude Deus já repreendeu ao salvar de modo espetacular
apóstatas renitentes. Pensamos especialmente no Rei Manassés
(2 Cr33.10-13).
Não obstante, há uma apostasia da qual é impossível uma
pessoa ser restaurada e recuperada.
Há aquela apostasia em relação à qual os meios da graça só
podem produzir a erva daninha e os espinhos da descrença e da
rejeição do evangelho (Hb 6.4-8). E há aquela apostasia em que
a grande salvação é deliberadamente negligenciada e
desprezada em suas ordenanças (Hb 10.26-29).
Todos os retrocessos, se não tivermos cuidado, podem levar a
esse estado de apostasia irrecuperável. Portanto, precisamos per
manecer alertas quanto a não perseguir com tenacidade qualquer
pecado, nem nos apegarmos a qualquer paixão pecaminosa.

.si!. núme,w; sei&


Considere a natureza e culpa da apostasia total e a
severidade de Deus contra tais apóstatas.
A apostasia total de deixar Cristo e o evangelho é pecado maior
do que a dos judeus ao crucificarem Cristo. Os judeus que cru
cificaram Cristo tiveram o evangelho pregado para eles e muitos
se arrependeram e aceitaram o evangelho e assim foram salvos
para sempre. Mas Deus não tem um evangelho adicional para
pregar àqueles que o rejeitaram totalmente, e não tem outro
Cris to para expiar sua apostasia. Por isso, não há possibilidade
de salvação para tal apostasia.
Os PERIGOS DA APOSTASIA GENERALIZADA m
S J,e; dtv
t,o,tat d,a;q,uat n,ão; A,á; 'lRÍ,O//,nO/

Sinal um. A perda de toda apreciação da virtude, da excelência


e das glórias da verdade do evangelho é o primeiro sinal de
adver tência. Assim como os judeus nada viram em Cristo que
os fizes sem desejá-lo, assim a pessoa que está a caminho da
apostasia to tal começa a não ver no evangelho nada que a faça
desejá-lo. Acom panhando este sinal há um amor ao pecado e
aos prazeres deste mundo. O deleite em Cristo e em seu
evangelho fica entorpecido, se não· completamente perdido.
Sinal dois. O primeiro sinal é seguido em rápida sucessão pela
perda da convicção de que o evangelho é verdade e que vem de
Deus. As evidências que Deus colocou no evangelho para provar a
veracidade de sua origem divina e todos os argumentos de que é
verdade não impressionam mais nem têm autoridade. O evange
lho é visto agora como uma "fábula engenhosamente criadà'.
Não mais se dá consentimento à verdade dela e a pessoa se
torna incré dula. Não mais tem respeito pela Bíblia.
Sinal três. Segue o desprezo pelas coisas prometidas no evange
lho. Por ter ódio para com Jesus Cristo, o apóstata rejeita e me
nospreza as promessas, e priva sua alma delas eternamente. Ele
prefere não ter Deus a tê-lo por meio de Cristo. Este é o pecado
mais provocante. Opróbrio maior não pode recair sobre Cristo
do que aquele que não lhe deixa nem a honra de sua verdade
nem a honra de seu poder. Os judeus que crucificaram Cristo
não po dem ser acusados de nenhum desses pecados.
Sinal quatro. O apóstata poderá rejeitar totalmente a religião cristã
por outra religião, ou rejeitar parcialmente o evangelho e a pijreza
do culto do evangelho, trocando-os pelas doutrinas supersticiosas e
a adoração idólatra de Roma. Isso traz grande desonra a Cristo, que
na Reforma tão graciosamente nos livrou desses males. Ou então o
apóstata rejeita Deus totalmente, não mais o buscando de forma
1m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

nenhuma para agradá-lo ou viver para ele. Seus deuses agora são
suas próprias paixões e seus próprios desejos. Ele vive unicamente
para os prazeres terrenos, preferindo-os a Cristo e suas promessas e
desprezando todas as suas ameaças com desdém (Fp 3.18, 19).
Sinal cinco. Rejeitando Cristo e sua religião pura, o apóstata
também despreza e rejeita o povo fiel de Cristo. Os grandes
apóstatas sempre foram grandes perseguidores, tanto na palavra
como na ação, segundo o potencial e a capacidade deles.
Todos aqueles que amam a Cristo amam também seu povo.
Aqueles que odeiam a Cristo também odeiam todos os que lhe
pertencem. Estes são desprezados como sendo fracos e tolos por
continuarem a crer no evangelho. Por isso o apóstata deixa a co
munhão dos cristãos (J ]o 2.19).
Sinal seis. Finalmente, eles desprezam o Espírito de Deus e toda
sua obra na dispensação do evangelho (Hb 10.29).
O Espírito Santo é aquele que foi especialmente prometido
para a era do evangelho. A promessa do Espírito Santo é o privilé
gio e a glória especial do evangelho. Foi enviado pelo Cristo
ressurreto e exaltado (At 2.33). Sua obra inteira é glorificar e exal
tar Cristo e tornar sua obra de mediação eficaz no coração dos
homens. O Espírito Santo é a vida e a alma do evangelho.
Portanto, a apostasia do evangelho demonstra inimizade
espe cial contra ele e sua obra.
Quando os apóstatas "calcam aos pés o Filho de Deus" e "pro
fanam o sangue da aliança com o qual foi santificado" avaliando
º como coisa comum, então eles estarão e já estão "insultando o
Espírito da graça" (Hb 10.29).
Sinal sete. A total apostasia se mostra na confissão e
declaração de odiar o evangelho até onde isso é coerente com os
interesses terrenos. Interesses seculares poderão fazer com que
não seja pru dente ou viável revelar abertamente que se tem
renunciado a Cris to e seu evangelho. Mas quando a apostasia é
difundida e é a coisa popular para se fazer, então o apóstata revela
desavergonhadamente sua verdadeira natureza traiçoeira.
Os PERIGOS DA APOSTASIA GENERALIZADA a
Esses, então, são os sete sinais da apostasia total aos quais fare
mos bem atentar.
A apostasia total faz com que seja inconsistente com a
santida de, a justiça e a fidelidade de Deus renovar para o
arrependimento pessoas assim, plena e abertamente culpadas deste
pecado. Alguns homens que experimentaram as verdades do
evangelho e tiveram algumas convicções de sua verdade e
excelência, obstinadamente rejeitam o único caminho da
salvação que Deus proveu para peca dores - e assim já
desprezaram toda a bendita Trindade, cada pes soa divina em
sua acepção na obra da salvação. Deus em sua fide lidade não
quer, nem pode em sua santidade, rer qualquer miseri córdia em
relação a tais pecadores presunçosos. Deus poderá su portar e
realmente suporta os vis apóstatas por um tempo neste mundo, e
isso sem quaisquer sinais visíveis de seu desprazer, satis fazendo
sua justiça nos juízos espirituais que estão sobre eles. Mas Deus
apenas os tolera "como vasos de ira preparados para a des
truição" e cuja "destruição não dorme" (Rm 9.22; 2 Pe 2.3). E
essas coisas poderão ser suficientes para advertir os homens do
perigo da apostasia. Serão advertências a todos quantos os
consideram, que não estão ainda endurecidos "pelo engano do
pecado".
Para aqueles que temem que talvez tenham caído no estado
de apostasia irrecuperável porque se sentem mortos e
improdutivos espiritualmente, e têm negligenciado deveres
espirituais por causa dos prazeres pecaminosos, e que estão em
estado de desespero, ofereço o seguinte.
Todos os retrocessos são perigosos. Enquanto está nesse esta do,
ninguém poderá ter a segurança da paz e nem o consolo de Deus e
suas promessas. Portanto, arrependa-se e "busque o Se nhor
enquanto se pode achar, invoque-o enquanto está perto. Deixe o
ímpio o seu caminho, o iníquo, os seus pensamentos; converta se
ao Senhor, que se compadecerá dele, e volte-se para o nosso
Deus, porque é rico em perdoar" (Is 55.6, 7).
Se você está espiritualmente apercebido do mal de seu retro
cesso, então você ainda pode se recuperar. Ninguém perdeu toda
1m AfOSTASIA Do EVANGEI.HO - JOHN ÜWEN

a esperança de salvação enquanto não ultrapassou toda a


possibi lidade de arrepender-se. E ninguém está além de toda a
possibili dade de arrependimento enquanto não estiver
absolutamente en durecido contra todas as convicções do
evangelho.
Cristo chama os homens de volta do retrocesso e da apostasia,
e ajudará a todos que o buscam de coração (Ap 2.5; 3.1-3).
Deus prometeu restaurar e curar tais retrocessos nos crentes
(Os 14.4).
Se essas advertências não bastam para encorajá-lo a se arrepen
der de seus deslizes e retrocessos, então haverá o perigo de que
você afunde cada vez mais sob o poder do pecado, até que ele
tenha pleno domínio sobre você. Quaisquer desculpas que você
apresentar para não se arrepender, a verdade é que você não se
arrependerá, ou por incredulidade ou por amar mais os prazeres
do pecado do que você ama a Deus.
Por isso, se seu retrocesso dos caminhos da santidade e
obedi ência não surgiu de uma aversão a Cristo e ao evangelho, e
se você não escolheu nenhuma outra religião ou pecado em
preferência a Cristo, então você tem todo o incentivo para se
arrepender, e está à sua disposição o uso de todos os meios do
evangelho para que você tenha uma recuperação abençoada.
Mas a ordem para se ar repender é urgente, como foi a ordem
para L6 sair de Sodoma (Gn 19.15, Ui). Não é hora de se
demorar e ficar pensando no assunto. Não há tempo para
delongas.
"Mas como ficam meus fracassos contínuos e repetidos?
Nun ca vivi à altura do padrão de santidade exigido pelo
evangelho, por isso minha condição é a mesma das pessoas que
caíram da santidade do evangelho. O pecado tem domínio sobre
mim. Es tou continuamente sendo vencido por um detetminado
pecado que agora se tornou hábito."
Hd três coisas que você precisa saber sobre o poder do pecado:
Primeiro, o pecado tem poder para capturar (Rm 7.23). Sob
esse poder que o pecado tem de capturar, a vontade com todos
os seus desejos e inclinações se opõe obstinadamente contra o
poder
Os PERIGOS DA APOSTASIA GBNBRALIZADA Ili
do pecado, de modo que em todas as suas lutas sofre porque
está ciente de estar cativa ao pecado. Essa escravidão à lei do
pecado não significa que a pessoa chegue a realmente cometer
pecado, mas a referência é só à luta contra o pecado que se
trava na mente e no coração. Dessa condição ninguém se livra
inteiramente en quanto estiver neste mundo (Rm 7.24).
Segundo, há o "poder dominador do pecado" (2 Pe 2.19). Os
homens são "escravos da corrupção" no sentido de que são "venci
dos" pelo pecado e "escravos do vencedor". Eles não se entregam
voluntariamente para ser servos do pecado, mas são vencidos por
seu poder.
Terceiro, há um estágio do pecado no qual os homens, estando
inteiramente subjugados ao poder dele, voluntariamente passam
a servi-lo, apesar da angústia de consciência (Rm 6.16, 19).
Assim, os que reclamam que estão sob o poder de algum hábito
de pecado que não podem vencer, parecem ser aqueles que, apesar
de toda sua luz e convicção, com todos os esforços que fazem,
estão sob o poder de um certo pecado a tal ponto que já estão a
serviço dele, e com freqüência realmente cometem pecados.
Se o caso é esse, então estão em grave perigo. Se não for encon
trada uma cura, nunca terão segurança alguma de que são verda
deiros cristãos.
Se você estiver nessa situação e tentou e não conseguiu quebrar
esse hábito pecaminoso, procure uma pessoa competente, espiri
tual, que possa ajudá-lo.
"Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros" (Tg
5.16). Por astúcia de Satanás, essa ordenança foi abusada ao ser
transfor mada em uma confissão necessária de todo pecado a um
sacerdote supostamente investido do poder de absolvição. Isso
gerou inú meros males e arruinou a alma dos homens ao
conservá-los afasta dos do propósito verdadeiro dessa prescrição,
que era para os cris tãos buscarem a ajuda uns dos outros.
"Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de
ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não
seja
1m APosTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

Milhares em nossa própria nação que se chamam de cristãos


são cristãos nominais apenas. Têm a forma exterior de piedade,
mas não existe realidade na vida deles. Então fazem com que a
religião cristã seja desprezada aos olhos do mundo. Até onde
isso nos preocupa? Será que o glorioso nome de Deus não é
desonrado por hipocrisia tão difundida? Será glorificado o nome
de Deus quando tantas de nossas igrejas têm deixado as
doutrinas e o culto do evangelho, bem como a obediência a ele?
Não nos preocupa saber que tantos cristãos estão apostatando
da verdade do evangelho e retornando às superstições e idolatrias
de Roma? Isso glorifica o nome de Deus?
Será que não devíamos suspirar e gemer por causa de todas
essas abominações (Ez 9.4)? Ou temos nós a atitude de Gálio, de
não nos incomodarmos com essas coisas (At 18.17)?
Deus pôs um sinal na testa de todos aqueles que suspiraram e
gemeram por causa de todas as abominações que estavam sendo
cometidas em Jerusalém e no templo. Essas pessoas foram guarda
das sob a proteção e o cuidado especial de Deus quando as senten
ças dele feriram a terra. Portanto, se estivermos preocupados com a
glória do nome santo de Deus e lastimarmos em secreto a abominá
vel apostasia que está destruindo como epidemia mortal a vida
espi ritual de milhares e desonrando o nome santo de Deus, então
nós também estaremos sob a proteção e o cuidado especial dele, e
ele nos manterá seguros quando a apostasia com suas tentações
procu rar tirar-nos do evangelho. Sua marca estará sobre nós.
Se quisermos nos defender de todas as tentações da apostasia, então
precisamos orar de continuo, rogando as promessas registradas na Pa
lavra de Deus para a restauração da glória, do poder e da pureza
da religião cristã.
Precisamos ser como as sentinelas nas muralhas de Jerusalém
que não descansam dia e noite. Nós que fazemos menção do Se
nhor não podemos guardar silêncio, nem dar descanso a Deus até
que ele faça do evangelho cristão um louvor em toda a terra (Is
62.6, 7).
DnFESAS CONTRA A APOSTASIA m
Nada é difícil demais para Deus. Ele pode mandar paz, verda
de e justiça ao mundo. Pode chover justiça até que a terra se abra
e produza salvação (Is 45.8). Fosse isso deixado para a vontade
depravada dos homens, não teria fim essa apostasia. Só a graça
soberana e eficaz pode fazer parar essa apostasia e fazer com que
haja um grande avivamento.
Se quisermos nos defender de todas as tentações da apostasia, então
precisamos lutar com sinceridade pela fé que foi entregue de uma
vez por todas aos santos (Jd 3).
Não podemos desanimar por causa do desprezo e do escárnio
com que o mundo e os apóstatas tratam a verdade evangélica.
Precisamos dar testemunho fiel dela, não só com nossas palavras,
mas também com nossa vida. Devemos viver uma vida santa, reta
e frutífera "com boa consciência, de modo que, naquilo em que
falam contra nós, fiquem envergonhados os que difamam nosso
bom procedimento em Cristo" (1 Pe 3.16).
Se quisermos nos defender de todas as tentações da apostasia, pre
cisamos manter vigHdncia sobre nosso próprio coração.
"Guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida"
(Pv 4.23). Esse foi o conselho de Salomão. E essa deve ser nossa
maior preocupação. É mais importante guardar nosso coração fir
me nas verdades do evangelho do que guardar a salvo em casa
segura as nossas posses.
Se nosso coração está posto em glorificar Deus, então o resul
tado será gozá-lo para sempre. Mas se nosso coração está posto na
apostasia, então o resultado será o inferno eterno.
Quando fala sobre o "coração", a Bíblia quer dizer todas as
faculdades de nossa alma.
Precisamos manter uma vigilância cuidadosa sobre o coração
porque "enganoso é o coração e desesperadamente corrupto"
(Jr 17.9). "O que confia no seu próprio coração é insensato"
(Pv 28.26).
Lembre-se do apóstolo Pedro. Confiou no seu coração e aca bou
negando Cristo. Somos nós melhores do que ele?
mJ APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

Temos de vigiar bem nosso coração para que ele busque


ajuda e consolo apenas em Cristo.
Pedro foi guardado da apostasia total pela oração de Cristo:
"Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleçà' (Lc 22.32).
Temos um sumo sacerdote que se compadece de nossas fra
quezas, porque ele foi em todas as coisas tentado como nós, mas
sem pecado. Então cheguemo-nos confiadamente junto ao trono
da graça, para que possamos receber misericórdia e achar graça
para socorro em ocasião de necessidade (Hb 4.15, 16).
Também vamos apegar-nos à promessa de Cristo: "Porque guar
daste a palavra de minha perseverança, também eu te guardarei da
hora da provação que há de vir sobre o mundo inteiro, para expe
rimentar os que habitam sobre a terrà' (Ap 3.1O).
Todos aqueles pois que querem ser guardados do poder das
tentações da apostasia precisam conservar o coração confiante so
mente em Cristo para que recebam auxílio e força.
Devemos vigiar cuidadosamente nosso coração com respeito
ao seu progresso espiritual ou seus retrocessos em santidade.
Aquele que não mantém vigilftncia sobre seu próprio coração
estará se expondo ao perigo da apostasia. Devemos examinar
nosso cora
ção pela Palavra de Deus, pois só a Palavra pode discernir os pen
samentos e as intenções dele (Hb 4.12, 13).
Se desejarmos nos defender de todas as tentações da apostasia, de
vemos cuidar para não confiar nos privilégios externos da igreja
É uma misericórdia especial ser encarregado dos privilégios da
igreja e das ordenanças do evangelho.
O culto e suas ordenanças sob o Antigo Testamento foram glo
riosos porque foram dados por Deus. Foram confiados aos
israelitas os oráculos de Deus (Rm 3.2). A adoção, a glória, os
pactos, a dádiva da lei, o servir a Deus e as promessas - tudo isso
foi con fiado aos israelitas sob o Antigo Testamento (Rm 9.4, 5).
Mas em comparação com o culto do Novo Testamento, os
privilégios do ministério do Antigo Testamento não tiveram glória
nenhuma (2 Co 3.10).
DEFESAS CoNTRA A APOSTASIA m
Então aqueles que desprezam as ordenanças do evangelho são
completos estranhos à santidade do evangelho. Que santidade pode
haver quando as pessoas vivem em plena rebeldia aos mandamen
tos de Cristo? As ordenanças do evangelho nos foram dadas por
Cristo para nosso benefício espiritual e como meio de comunhão
com ele. Portanto nada deve diminuir a glória dessas ordenanças,
nem podem ser elas desprezadas de qualquer forma e tratadas com
o desdém da negligência pecaminosa.
É um cristão espiritualmente vivo e vicejante aquele que
sabe usar as ordenanças do evangelho para seu crescimento
espiritual. Elas são os únicos meios externos pelos quais o Senhor
Jesus Cris to nos comunica sua graça, e pelos quais nós ao
mesmo tempo damos a ele nosso amor, nosso louvor, nossa
gratidão e nossas promessas de lealdade e obediência. É certo,
portanto, que nosso crescimento em direção à santidade ou
então nossos retrocessos dela, e nossa fidelidade à nossa profissão
de fé, ou nossa apostasia dela, são grandemente influenciados pelo
uso ou abuso desses pri vilégios.
Mas não devemos confiar neles para nossa salvação e nem para
nos guardar de cair em apostasia. Confiados no fato de estarem
praticando diligentemente essas ordenanças, muitos já foram en
ganados a sentir uma falsa segurança, e assim acabaram na
apostasia. A religião de algumas pessoas nada mais é do que ir à
igreja e ficar lá durante a celebração do tipo de culto que
gostam. Com isso, satisfazem a consciência, especialmente se são
admitidos à participação dos sacramentos e assim são
exteriormente assegura
dos de serem verdadeiros cristãos.
Alguns se contentam com o mero ouvir da Palavra pregada,
mas não têm nenhuma intenção de se examinar à luz dessa Pala
vra. Por isso logo esquecem o que ouviram e são como o homem
que se olha no espelho e logo esquece o que viu (Tg 1.23, 24). Se
assim não acontecesse, não seria possível que tantos ouvissem a
Palavra, e tão poucos fossem levados a obedecê-la com sincerida
de, de todo coração.
DEFESAS CONTRA A APOSTASIA mi
que somos os únicos certos e todas as outras maneiras de prestar
culto são erradas. A verdadeira adoração é sempre "em espírito e
em verdade" (]o 4.24). E nossa maneira de cultuar poderá não ser
a única maneira de expressar culto "em espírito e em verdade".
Cuidemos de não ter a atitude que diz: "Fique na sua. Não se
chegue perto de mim, porque sou mais santo do que você!" (Is
65.5). Tal atitude mostra falta de amor, humildade, mansidão e
disposição de aprender com os outros.
Sendo assim, embora devamos valorizar muito a boa ordem
da igreja de Cristo e trabalhar pela sua pureza de culto e pela
admi ni tração regular dos sacramentos, devemos também
cuidar de não pensar que nossa maneira é a melhor e a única
maneira de expressar culto verdadeiro.
Os seguintes são alguns perigos que podem surgir de se estimar
nossa forma de ordenar o culto como sendo a forma certa e única.
Os deveres pessoais da religião podem ser negligenciados. Isso
poderá surgir de um mundanismo, de uma paixão dominante ou
de uma confiança pecaminosa na nossa forma de culto como sen do
a única correta. Quando todos esses fatores ocorrem ao mesmo
tempo, a alma fica em condição muito perigosa a não ser que seja
despertada por Deus. Os homens estão no caminho da apostasia
quando estão satisfeitos com o culto religioso da comunidade e
usam-no como desculpa para negligenciar os deveres espirituais
particulares.
Uma paixão individual pode ser alimentada para satisfazer a
carne. Essa é uma obra importante do "engano do pecado".
Enga na a mente dos homens para que eles se autojustifiquem
por um pecado específico, tal como: o orgulho pelo culto, o
orgulho em ser chamado de "pai" num sentido religioso quando
Cristo proi biu isso, o orgulho pelo renome religioso e o
orgulho de gozar de privilégios eclesiásticos (Mt 23.9).
Disso poderá resultar um andar espiritual leviano e descuida do.
Se quisermos ser guardados da apostasia, devemos prezar alta
mente os privilégios da igreja e as ordenanças do culto evangélico.
m APOSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

Se os negligenciarmos ou desprezarmos, estamos lançando de nós


o jugo de Cristo. E se fazemos isso, é insensato esperar dele mise
ricórdia quando nós estamos desafiando sua autoridade.
Por outro lado, se confiamos em privilégios eclesiásticos, e
como resultado nos permitimos certos pecados gratificantes,
estamos no caminho da apostasia.
O caminho do meio, o caminho seguro, é o caminho pelo qual
encontraremos descanso e paz para nossa alma. Este não é senão o
caminho de um uso humilde, cuidadoso, consciencioso das
orde nanças para o crescimento espiritual de nossa alma.
Testes para averiguar se estamos nos beneficiando espiritualmente
das ordenanças do evangelho.
Estamos nos beneficiando das ordenanças se por elas os dese
jos de nosso coração se tornam mais santos e celestiais, e somos
humilhados se isso não acontece.
O propósito das ordenanças é promover nosso crescimento
na graça. Quando encontramos agitando-se em nós a fé, o amor,
o deleite em Deus, aspiração por graça e santidade e um ódio
cada vez maior ao pecado; a produção de frutos em toda boa
obra e todas as obrigações de obediência; os sentimentos de
alegria em coisas espirituais e a auto-humilhação, então nosso
coração não necessita condenar-nos por falta de sinceridade,
ainda que esteja mos cientes de nossas muitas fraquezas e
imperfeições.
E se por acaso, pelo poder das corrupções e tentações, pela
fraqueza da carne e incredulidade, nós por vezes não
experimen tamos qualquer benefício na nossa alma, mesmo
assim podemos ainda estar seguros de nossa sinceridade se nos
descobrimos cul pando a nós mesmos e nos humilhando por
nossa inutilidade. A falta dessa graça da humildade já levou
alguns a rejeitar as orde nanças do evangelho como mortas e
inúteis, enquanto outros se têm tornado formais, descuidados e
espiritualmente estéreis. Quan do todos os véus e capas da
hipocrisia são tirados e destruídos, essas coisas serão vistas como
sendo frutos da soberba e do engano do pecado.
DEFF.SAS CONTRA A APOSTASIA m
Precisamos evitar aquela falta de amor e a recusa de nos
unir mos em culto e comunhão com outros cristãos verdadeiros
que podem diferir de nós nos procedimentos externos do culto.
Muitos cristãos professos não fazem nada útil nem mostram
quaisquer atos de bondade para com seus vizinhos. Devemos evi
tar esse pecado e nos fazer tão úteis quanto possível.
Um terceiro pecado de muitos cristãos professos é o orgulho
espiritual e um espírito de censura, de ser dono da verdade. Preci
samos também ter o cuidado de evitar esse pecado.
É dever nosso, por meio de um comportamento vigilante, san
to, "fazer emudecer a ignorância dos insensatos" e assim provar
nossa sinceridade a Deus e aos homens, para que "quando falam
contra nós, fiquem envergonhados os que difamam o nosso bom
procedimento em Cristo" (J Pe 2.15, 3.16). Por "paciente conti
nuação na prática do bem", devemos vencer todo o mal e a malí
cia do inferno.
Aquele cujo coração está confirmado pela graça continuará a
fazer o bem mesmo que as pessoas estejam dizendo coisas más
acerca dele. Tal homem encontra sua recompensa em felicidade
no presente e em seu sentimento de ser aceito por Cristo. Ele diz
para si mesmo e para todos: "Este jugo é fácil e este fardo é leve".
Você pode não ser capaz de evitar que a apostasia se espalhe,
mas você pode cuidar para que você não contribua para que ela se
espalhe mais.
Amor aos santos em toda honestidade, disposição de ouvir man
samente quaisquer críticas injustas, sentir-se livre para não ter
de forçar suas opiniões sobre outros que não estão prontos ainda
para recebê-las e não julgar precipitadamente supostas falhas
em ou tras pessoas, prontidão para ter comunhão com todos
aqueles que "amam o Senhor em sinceridade" é o que o mundo,
afundado em apostasia, precisa ver em todos os cristãos.
Fossem todos os cristãos meigos, quietos, pacíficos, sóbrios,
autocontrolados, humildes, úteis, bondosos, mansos, prontos para
ouvir a todos, alegres nas tribulações e dificuldades, sempre "se
m APoSTASIA Do EVANGELHO - JOHN ÜWEN

regozijando no Senhor", então o mundo não se sentiria ofendido


por eles, mas ficaria a pensar como se poderia viver sem eles, e
assim as pessoas seriam ganhas para estarem a favor deles, fazendo
todo esforço para ser como eles. Se a honestidade, a sinceridade
e a justiça incólume fossem vistas entre os cristãos em todas as
oca siões, o quanto isso glorificaria a Cristo!
E finalmente, se todos os cristãos só julgassem e
condenassem outras pessoas pelo seu próprio viver santo, então,
realmente, o mundo não poderia se sentir ofendido. A prática da
santidade julga no coração todas as pessoas que não são santas.
E se elas ficam incomodadas e começam uma disputa, elas só
expõem seu próprio pecado e perversidade de vida.
Temamos, então, a apostasia: "porque, ainda dentro de pouco
tempo, aquele que vem virá e não tardará. Todavia, o justo viverá
pela fé, e: se retroceder, nele não se compraz a minha almà' (Hb
10.37, 38).
-. E' ang
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----- •.L' • :r

Poucos assuntos recebem dos cristãos contemporâneos menos atenção do que o da


apostasia. A idéia de que crentes prefessos talvez não sefam verdadeiros cristãos é, sob
vários ângulos, umaperspectiva séria demaispara nossa época complacente. Maspara
John Owen, observar o silêncio que existe sobre o assunto foi a razão premente que

ll
o
motivou a escrever detalhadamente e com grande profundidade de análise espiritual .
. ... sobre o tema. Sua exposição éuma obra-prima de acuidade e discernimento.
·
Agora, ensino
. · poderoso neste resumo atualizado
facilmente accessíveldaaos
obra de O1ven,
leitores Dr. RJK.
modernos. Alguns Lau; torna
acharão o seu
as suas
p4ginas profundamente penetrantes para a alma; outros serão impactados
pela clareza do entendimento do autor; todos perceberão tratar-se de uma obra
que fere para depois curar.
John Owen (1616-1683).foi um destacado pastore teólogo Puritano que serviu
como capelão de Oliver Cromwell e mais tarde como Deão da Christ
Church, na Universidade de Oxford.

1.

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