Atividades de Desenho e Aprendizagem Da Linguagem Escrita
Atividades de Desenho e Aprendizagem Da Linguagem Escrita
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Tatiana Custódio
Maria Angélica Olivo Francisco Lucas
Introdução
Atividades de desenho fazem parte das práticas pedagógicas comumente
implementadas, principalmente, em centros de educação infantil e nos anos iniciais do ensino
fundamental. Contudo, nem sempre recorre-se a essas atividades reconhecendo-as, como
recurso que pode favorecer os processos de alfabetização e letramento.
Por concebermos o desenho infantil como ferramenta necessária à aprendizagem da
leitura e da escrita, consideramos necessário compreender os processos que permeiam tal
prática - alfabetização e letramento. Encontramos nos estudos feitos por Soares (2004)
subsídios teórico-metodológicos para esclarecer a relação entre os processos de alfabetização
e letramento.
Para Soares (1998), alfabetização é o ato de ensinar e aprender a ler e escrever;
processo de aprendizagem de habilidades necessárias para os atos de ler e escrever;
apropriação do código alfabético. Com base na referida autora, letramento é o estado ou a
condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se
apropriado da escrita.
A necessidade de diferenciar alfabetização de letramento é recente. Segundo Soares
(1998), foi na década de 1980, quando muito se discutia acerca do fracasso das escolas
brasileiras, mais especificamente sobre a não aprendizagem da leitura e escrita e consequente
repetência e evasão escolar que, no Brasil, surgiu o termo letramento. Para ela, o termo
letramento surgiu com “a necessidade de reconhecer e nomear práticas sociais de leitura e de
escrita mais avançadas e complexas que as práticas do ler e do escrever resultantes da
aprendizagem do sistema de escrita” (SOARES, 2004, p. 6).
De acordo com esta ótica, um adulto pode ser considerado analfabeto por não sabe ler
nem escrever. Contudo se ele faz parte de um meio social grafocêntrico, com indivíduos que
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Parece ser necessário rever os quadros referenciais e os processos de ensino que têm
predominado em nossas salas de aula, e talvez reconhecer a possibilidade e mesmo a
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tiveram contato com o código escrito de forma sistematizada. Por conseguinte, o trabalho ora
apresentado teve como objetivo descrever e analisar situações nas quais atividades de desenho
foram propostas aos alunos matriculados no terceiro nível da educação infantil, visando a
aprendizagem da leitura e da escrita e os usos sociais destas. Para tanto, este estudo foi
dividido em duas etapas: a teórica, na qual foram levantados subsídios teórico-metodológicos
tendo por base a Teoria Histórico-Cultural; e a etapa empírica, na qual foram observadas
práticas pedagógicas implementadas por professoras do terceiro nível da educação infantil e
coletados alguns materiais para posterior análise. Adiantamos que verificamos a realização de
várias práticas pedagógicas que recorriam a atividades de desenho estabelecendo relação com
a escrita, as quais contribuíram de maneira oportuna para a os resultados dessa investigação.
Objetivos
A pesquisa aqui relatada teve como principal objetivo analisar as situações nas quais
as atividades de desenho são propostas as crianças matriculadas no terceiro nível da educação
infantil, visando a aprendizagem da leitura e da escrita.
Em decorrência deste objetivo, outros, não menos importantes, foi necessário
estabelecer para a organização e desenvolvimento da pesquisa:
• Estudar a relação entre desenho e aprendizagem da leitura e da escrita à luz da teoria
histórico-cultural.
• Pesquisar acerca dos conceitos de alfabetização e letramento, e a relação existente
entre eles;
• Recolher informações (anotações das observações e cópias das atividades) sobre em
que situações as atividades de desenho foram propostas em sala de aula e o uso destas
por professoras do terceiro nível da educação infantil.
• Categorizar os dados coletados, a fim de observar a relação entre o desenho infantil
e a linguagem escrita buscando identificar o deslocamento do desenho das coisas para
o desenho das palavras.
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Metodologia
Este trabalho foi realizado em duas etapas: a primeira corresponde a parte teórica da
pesquisa e a segunda, a parte empírica. Com base em Triviños (1987), compreendermos que
deve haver um trânsito livre entre teoria e empiria. Porém, tal divisão foi necessária para
tornar executável esta investigação.
O primeiro momento refere-se ao estudo aprofundado do referencial teórico adotado -
Teoria Histórico-Cultural - focando a relação entre desenho e aprendizagem da leitura e da
escrita. Para tanto, foram realizadas leituras, análises e fichamentos de textos de autoria de
Vygotsky e Luria. Recorremos também às pesquisas realizadas por alguns de seus intérpretes.
O segundo momento diz respeito à parte empírica desta investigação. Foram
selecionadas como lócus, duas instituições públicas de educação infantil localizadas em
diferentes bairros do município de Maringá, no Estado do Paraná. Os sujeitos desta pesquisa
foram duas professoras que durante o ano letivo de 2011 assumiram turmas de terceiro nível
da educação infantil, atuando, cada uma, em um dos centros de educação infantil escolhidos
para a realização desta investigação. Os dados referentes às situações nas quais as atividades
de desenho foram propostas pelas professoras foram coletados por meio de observação
sistemática em sala de aula, por um período de 12 horas em cada turma e descrição minuciosa
dos fatos observados. Outros materiais também foram recolhidos, digitalizados e,
posteriormente devolvidos, tais como trabalhos mimeografados ou xerocopiados, visto que
revelavam a forma como as professoras utilizavam o desenho em sala de aula.
escrita na criança”, escrito por Luria, em 1929, descreve de forma minuciosa os resultados de
uma pesquisa experimental sobre a gênese do processo de simbolização na criança, inspirado
em investigações realizadas por Vigotski. Ambos consideram que a aprendizagem da
linguagem escrita, como um instrumento cultural complexo, é elemento essencial no
desenvolvimento de cada sujeito.
Vigotski (2008) teceu críticas à forma como estava sendo organizado o ensino da
escrita às crianças das escolas soviéticas do início do século XIX, nas quais a prática
mecânica de decodificar o que estava escrito era valorizada, ao passo que a escrita em si era
menosprezada, obscurecendo o papel dessa forma de linguagem na promoção do
desenvolvimento do indivíduo. Por existirem muitos métodos focados na codificação e
decodificação, a pedagogia prática ainda precisava desenvolver mecanismos para o ensino
efetivo e qualitativo da linguagem escrita às crianças, afirma o referido autor. Em suas
palavras: “Ensinam-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se
ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que
se acaba obscurecendo a linguagem escrita como tal” (VIGOTSKI, 2008, p. 125).
De acordo com a perspectiva de Vigotski (2008), a linguagem escrita é constituída por
signos que nomeiam os sons e palavras da linguagem oral, os quais por sua vez, designam
objetos reais. Por esse motivo é que a escrita depende do ensino sistematizado para ser
adquirida, diferentemente da linguagem oral, a qual pode ser aprendida pela criança pelo
contado com indivíduos falantes.
Ao obter certo domínio da linguagem escrita, a criança, gradativamente, deixa de
recorrer a linguagem oral como elo intermediário entre a escrita e o objeto a ser representado
e passa a fazer uma representação direta do objeto, da ação ou de um fenômeno real. “Um
aspecto desse sistema é que ele constitui um simbolismo de segunda ordem que,
gradualmente, torna-se um simbolismo direto” (VIGOTSKI, 2008, p.126). O quadro abaixo
explica como isso ocorre.
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Essa história começa com o aparecimento do gesto como um signo visual para a criança. O
gesto é o signo visual inicial que contém a futura escrita da criança, assim como uma semente
contém um futuro carvalho. Como se tem corretamente dito, os gestos são a escrita no ar, e os
signos escritos são, frequentemente, simples gestos que foram fixados (VIGOTSKI, 2008,
p.128).
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Quando as crianças já possuem certo domínio da fala, seus rabiscos iniciais, agora
denominados desenhos, são a princípio, feitos de memória, ou seja, elas desenham o que
sabem que existe. Esses desenhos são chamados de “raios-x”: ao desenhar um homem com a
mão no bolso, desenha também a mão, como se o bolso da calça fosse transparente.
Segundo Vigotski (2008, p.136), “há um momento crítico na passagem dos simples
rabiscos para o uso de grafias como sinais que representam ou significam algo”. Nesta fase
inicial, o desenho ainda é uma representação de primeira ordem, na qual as crianças ainda não
representam palavras, mas objetos, e se relacionam como se realmente o fossem. Vigotski
(2000) exemplificou esta fase com o fato de que uma criança, ao ver o desenho de um homem
de costas, virou a folha para ver se o resto estava em seu verso. Para evoluir para a produção
de simbolismos de segunda ordem, “a criança precisa fazer uma descoberta básica – a de que
se pode desenhar, além das coisas, também a fala. Foi essa descoberta [...] que levou a
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humanidade ao brilhante método da escrita por letras e frases; a mesma descoberta conduz as
crianças à escrita literal” (VIGOTSKI, 2008, p. 140).
Luria também evidenciou a presença de desenhos como forma de escrita ao apresentar
os resultados de suas pesquisas dedicadas a revelar o caminho pelo qual a criança perpassa em
direção a leitura e escrita, antes de iniciar o processo de escolarização. Teve como objetivo
“[...] traçar o desenvolvimento dos primeiros sinais do aparecimento de uma relação funcional
das linhas e rabiscos na criança, o primeiro uso que ela faz de tais linhas, etc. para expressar
significados” (LURIA, 1988, p. 146).
Para tanto, elegeu como sujeitos de sua pesquisa crianças de quatro a seis anos de
idade que ainda não sabiam ler e escrever, uma criança de nove anos, escolarizada, com a
finalidade de comparar os procedimentos usados por ela e pelas crianças não escolarizadas,
uma criança com deficiência cognitiva que, pela hipótese de Luria (1988), por haver maior
lentidão em seu desenvolvimento, tornaria possível a observação de certas etapas, as quais se
fariam de maneira muito rápidas em crianças sem deficiência.
Luria (1988) propunha às crianças a tarefa de relembrar um número de sentenças –
acima de seis – que ultrapassava a capacidade de recordá-las. A partir do momento em que as
crianças se julgavam incapazes de realizar a tarefa proposta, eram lhes entregue lápis e papel,
para que pudessem “escrever” os conteúdos das sentenças e relembrá-los depois. Neste caso, a
escrita é concebida como uma forma de extensão da memória; nas palavras do referido autor:
como recurso mnemônico. Depois de a criança ter “escrito” as sentenças, era lhe solicitado
que lesse suas anotações a fim de relembrar os conteúdos preditos por Luria (1988).
Azenha (1997) estudou e organizou os estágios da aprendizagem da linguagem escrita
encontrados por Luria (1988) da seguinte maneira: escrita imitativa, escrita topográfica,
escrita pictográfica e escrita simbólica. Na escrita imitativa as crianças utilizavam o traço
gráfico apenas como um rabisco imitativo, como uma imitação da escrita cursiva utilizada
pelo adulto, reproduzida por linhas contínuas em forma de ziguezague. Segundo Luria (1988,
p. 150), nesta fase o “escrever está dissociado de seu objetivo imediato e as linhas são usadas
de forma puramente externa; a criança não tem a consciência de seu significado funcional
como signos auxiliares”. (LURIA, 1988, p. 150).
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situações nas quais as práticas que envolviam o ato de desenhar, apesar de apresentarem
relação com a linguagem escrita, não tinham intencionalidade explícita, ou seja, aconteciam,
por vezes, de maneira fortuita, sem sistematização, condições necessárias para a
aprendizagem, como declarou Vigotski (2008), ao dizer que o segredo do ensino está em sua
preparação, organização, e sistematização.
Lembrando que não foram encontradas atividades de desenho em todas as
observações, portanto, serão apresentadas a seguir, acompanhadas de uma breve análise, três
das práticas pedagógicas observadas, de um total de sete, divididas em duas categorias: a)
estabelecem relação com a escrita; b) não estabelecem relação com a escrita.
Ao final, a professora colocou a cartolina em uma das mesas das crianças e pediu-lhes
que, em pequenos grupos, desenhassem ao redor do texto, as palavras circuladas durante a
leitura. A professora nesta situação didática explicitou a relação entre o ato de escrever e a
atividade de desenhar, sendo que as crianças percebiam que elas podiam escrever o que
haviam desenhado ou desenhar o que estava escrito. Contudo, há de se esclarecer que mesmo
os adjetivos, verbos, preposições, enfim palavras que não são substantivos, apesar de serem
mais difíceis de desenhá-las, podem ser representadas pela escrita.
Em uma outra situação, a professora entrou na sala com uma mala, dizendo tratar-se
de uma mala mágica. De dentro dela retirou um fantoche e começou contar a história “A
família do Marcelo”, de autoria de Ruth Rocha. Durante a história a professora explica
algumas relações de parentesco – tios, primos, avós, pais, irmãos – e também comenta sobre
os diferentes tipos de família existentes na atualidade.
Após, a professora escreveu no quadro o título da história, solicitando que as crianças
a ajudassem falando as letras necessárias e, de fato, elas a ajudaram. Embaixo do título a
professora escreveu os componentes da família do Marcelo, personagem principal da história,
pedindo que as crianças ajudassem-na novamente, dizendo as letras necessárias. Então a
professora distribuiu folhas de papel sulfite com a seguinte escrita: MINHA FAMÍLIA. Em
seguida, solicitou que as crianças desenhassem suas próprias famílias.
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Uma criança, após desenhar os membros de sua família, com o auxílio da professora,
escreveu PAI e MÃE ao lado do desenho de seus pais, não demonstrando dificuldades para
realizar tal atividade. Ao final, essa mesma criança copiou o título da história contada que
estava registrado no quadro.
Pode-se notar, nesta atividade, a relação que as crianças fizeram com os seus próprios
desenhos e com o que estava escrito no quadro. Mesmo sem saber ler, as crianças prestavam
atenção na fala da professora, e escreviam ao lado dos seus desenhos as palavras
correspondentes a eles.
Discussão
No caso das duas turmas observadas, verificou-se que as crianças de ambas não
haviam compreendido a característica fonográfica da nossa língua, o que possibilitou observar
o processo inicial de aprendizagem da escrita, evidente nos desenhos que se misturavam com
algumas tentativas de escrita. Contudo, entende-se que para observar a origem desse processo
seria necessária uma nova pesquisa que objetivasse compreender a gênese da escrita,
conforme propuseram Vigotski (2008) e Luria (1988). Entretanto, os dados dessa pesquisa,
ainda que singelos, possibilitaram verificar como a prática pedagógica intencional e
organizada favorece a compreensão de que a linguagem escrita é uma representação complexa
que tem a linguagem oral como elo entre o objeto que se quer representar e a escrita
propriamente dita. As atividades de desenho, portanto, não se constituem em ações
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Referências
Azenha, Maria da Graça. (1997). Imagens e letras: Ferreiro e Luria – duas teorias
psicogenéticas. São Paulo: Ática.
Lucas, M. A. O. F; Custódio, T; Vidotti, T. T. (2010). As contribuições do desenho
infantil para os processos de alfabetização e letramento. Projeto de Iniciação Científica,
Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Universidade Estadual de Maringá.
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