Guia Clinico Perturbacoes Uso Cannabis

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2017

Gestão das Perturbações do Uso de Canábis e


Questões Associadas

Um guia clínico

CDT Porto | DICAD – ARS Norte, IP


2 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

NCPIC – NATIONAL CANNABIS PREVENTION AND INFORMATION CENTER

GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE


CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Um guia clínico
UM GUIA CLÍNICO 3

gestão das perturbações do uso de canábis e questões


associadas

um guia clínico

Financiado pelo Australian Government Department of Health and Ageing

As opiniões expressas neste documento são as dos autores e não necessariamente as do


Governo Australiano.

©National Cannabis Prevention and Information Centre, University of New South Wales,
Sydney, 2009

Este trabalho tem direitos de reprodução. Pode fazer download, exibir, imprimir e reproduzir
este material de forma inalterada (mantendo o presente aviso) para uso pessoal, não
comercial ou uso interno da sua organização. Todos os outros direitos são reservados.
Pedidos, informações respeitantes à reprodução e seus direitos devem ser endereçados ao
The Director, National Cannabis Prevention and Information Centre, Univeristy of New South
Wales, Sydney NSW 2052, Australia.

Isenção de responsabilidade legal

Este documento é um guia geral adequado à prática, apenas para ser seguido por profissionais
e sujeito a julgamento para cada caso individual. As linhas de orientação estão concebidas para
apoiar a tomada de decisão e baseiam-se na melhor informação existente à data da publicação.
Reconhecendo o ritmo de avanço neste campo recomenda-se que estas linhas de orientação
sejam revistas e atualizadas periodicamente.

ISBN: 9780733428074
4 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

FICHA TÉCNICA:
Este guia foi traduzido a partir da edição original da ©National Cannabis Prevention and
Information Centre, University of New South Wales, Sydney, 2009

Título da tradução para Português: Gestão das Perturbações do Uso de Canábis e Questões
Associadas – um guia clínico

Tradução para português por:

Carla Lopes, técnica de serviço social da Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência do


Porto/SICAD

Carla Rocha, vogal da Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência do Porto/SICAD

Cátia Lima, psicóloga da Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência do Porto/SICAD

Cristina Reis, vogal da Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência do Porto/SICAD

Paula Gonzalez, psicóloga da Divisão para a Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas
Dependências – ARS Norte, IP

Purificação Anjos, psicóloga da Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência do


Porto/SICAD

Teresa Silva, jurista da Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência do Porto/SICAD

NOTA PRÉVIA:
A tradução do presente manual para português surge no âmbito do trabalho de parceria que
decorreu ao longo do ano de 2015 entre a Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência do
Porto, SICAD e a Divisão para a Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências
– ARS Norte, IP.

O interesse desta tradução releva para os profissionais e técnicos portugueses que trabalham
com consumidores de canábis, permitindo fornecer-lhes um instrumento de trabalho na
abordagem a estes utilizadores, contendo materiais específicos para o desenvolvimento de
estratégias de intervenção focadas no comportamento do uso de canábis.
UM GUIA CLÍNICO 5

CONTEÚDOS

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1: Informações gerais .......................................................................................................... 16
1.1 Prevalência da Canábis ..................................................................................................................... 16
1.2 Dosagem........................................................................................................................................... 17
1.3 Potência............................................................................................................................................ 17
1.4 Procura de tratamento ..................................................................................................................... 18
1.5 Problemas relacionados com a canábis ........................................................................................... 19
1.6 Intoxicação, abuso e dependência de canábis ................................................................................. 20
1.7 Risco de dependência ...................................................................................................................... 22
1.8 Síndrome de abstinência .................................................................................................................. 22
1.9 Tratamentos à canábis ..................................................................................................................... 23
1.10 Políticas para os riscos da canábis.................................................................................................. 25
1.11 Abordagens penais internacionais ................................................................................................. 26
1.12 Referências ..................................................................................................................................... 26
CAPÍTULO 2: Trabalhar com consumidores de canábis ......................................................................... 29
2.1 Princípios gerais do trabalho com consumidores de canábis .......................................................... 29
2.2 Intensidade do tratamento .............................................................................................................. 30
2.3 Princípios gerais das intervenções com canábis .............................................................................. 31
2.4 Contexto ........................................................................................................................................... 31
2.5 Leituras complementares................................................................................................................. 32
2.6 Referências ....................................................................................................................................... 32
CAPÍTULO 3: Rastrear o uso de canábis ................................................................................................ 33
3.1 O que é o rastreio ............................................................................................................................. 33
3.2 Racional ............................................................................................................................................ 33
3.3 Como e quando fazer o rastreio do uso de canábis? ....................................................................... 34
3.4 Como introduzir o rastreio ao utente .............................................................................................. 34
3.5 Tipos de rastreio ............................................................................................................................... 35
3.6 Instrumentos de rastreio estandardizados ...................................................................................... 35
3.7 Marcadores bioquímicos para rastreio e avaliação ......................................................................... 37
3.8 Sumário ............................................................................................................................................ 39
3.9 Referências ....................................................................................................................................... 40
CAPÍTULO 4: Avaliação ......................................................................................................................... 41
4.1 Introdução ........................................................................................................................................ 41
4.2 Racional ............................................................................................................................................ 42
4.3 A avaliação como estratégia de compromisso com a intervenção .................................................. 42
4.4 A avaliação compreensiva do uso de substâncias (60-120 mins)..................................................... 42
4.5 Domínios da avaliação...................................................................................................................... 43
4.6 Medidas auxiliares............................................................................................................................ 48
4.7 Avaliação contínua ........................................................................................................................... 49
6 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

4.8 Feedback no pós-avaliação .............................................................................................................. 49


4.9 Sumário ............................................................................................................................................ 50
4.10 Referências ..................................................................................................................................... 50
CAPÍTULO 5: Gestão da abstinência ..................................................................................................... 53
5.1 Abstinência da canábis ..................................................................................................................... 53
5.2 Apoio na abstinência ........................................................................................................................ 53
5.3 Outras influências na abstinência .................................................................................................... 53
5.4 Avaliação dos sintomas de abstinência ............................................................................................ 54
5.5 Qual é o contexto mais apropriado à abstinência............................................................................ 54
5.6 Abstinência por policonsumo ........................................................................................................... 54
5.7 Farmacoterapia para a abstinência da canábis ................................................................................ 55
5.8 Cessação gradual vs súbita ............................................................................................................... 55
5.9 Abordagem focada nos sintomas de abstinência............................................................................. 56
5.10 Tratamento por fases para sintomas de abstinência ..................................................................... 56
5.11 Intervenção psicoeducativa para sintomas de abstinência ........................................................... 57
5.12 Sumário .......................................................................................................................................... 58
5.13 Referências ..................................................................................................................................... 58
CAPÍTULO 6: Intervenções breves ........................................................................................................ 59
6.1 Visão geral sobre as intervenções breves ........................................................................................ 59
6.2 Elementos de sucesso nas intervenções breves .............................................................................. 61
6.3 Entrevista motivacional (MI) ............................................................................................................ 62
6.4 Terapia cognitivo-comportamental (CBT) ........................................................................................ 65
6.5 Gestão da contingência (CM) ........................................................................................................... 67
6.6 Esboço de uma intervenção de sessão única ................................................................................... 69
6.7 Intervenções de duas a seis sessões ................................................................................................ 70
6.8 Definir o dia de paragem .................................................................................................................. 74
6.9 Sumário ............................................................................................................................................ 75
6.10 Referências ..................................................................................................................................... 75
CAPÍTULO 7: Considerações especiais .................................................................................................. 78
7.1 Jovens ............................................................................................................................................... 78
7.2 Género.............................................................................................................................................. 80
7.3 Diversidade cultural e linguística entre populações ........................................................................ 81
7.4 Populações indígenas ....................................................................................................................... 82
7.5 Utentes obrigados a tratamento ou que se encontram em tratamento de forma involuntária ..... 84
7.6 Diminuição do consumo para aqueles que não procuram tratamento ........................................... 85
7.7 Tratamento individual vs tratamento de grupo ............................................................................... 85
7.8 Contextos terapêuticos .................................................................................................................... 86
7.9 Abandono antecipado do tratamento ............................................................................................. 87
7.10 Cuidados continuados .................................................................................................................... 87
7.11 Outras terapias ............................................................................................................................... 89
UM GUIA CLÍNICO 7

7.12 Abordagens na internet ................................................................................................................. 90


7.13 Uso concomitante de internet ....................................................................................................... 90
7.14 Lidar com restrições de tempo....................................................................................................... 93
7.15 Sumário .......................................................................................................................................... 93
7.16 Referências ..................................................................................................................................... 94
CAPÍTULO 8: Intervenções familiares ................................................................................................... 98
8.1 Famílias ............................................................................................................................................ 98
8.2 Princípios das práticas de inclusão familiar...................................................................................... 98
8.3 Confidencialidade ............................................................................................................................. 99
8.4 “Nível de compromisso” .................................................................................................................. 99
8.5 Sumário .......................................................................................................................................... 103
8.6 Referências ..................................................................................................................................... 104
CAPÍTULO 9: Intervenção psicoeducativa e suporte social ................................................................. 105
9.1 Introdução ...................................................................................................................................... 105
9.2 Objetivos da intervenção psicoeducativa ...................................................................................... 105
9.3 Estádios da intervenção psicoeducativa ........................................................................................ 107
9.4 Guia de recursos ............................................................................................................................. 107
9.5 Auto-gestão da mudança ............................................................................................................... 108
9.6 Rede social de apoio e grupos de auto-ajuda ................................................................................ 109
9.7 Sumário .......................................................................................................................................... 110
9.8 Referências ..................................................................................................................................... 110
CAPÍTULO 10: Tratar a saúde mental nos consumidores de canábis .................................................. 111
10.1 Considerações .............................................................................................................................. 111
10.2 Problemas de saúde mental associados à canábis ....................................................................... 111
10.2.1 Canábis, psicose e esquizofrenia ............................................................................................... 111
10.2.2 Canábis e depressão .................................................................................................................. 113
10.2.3.Canábis e ansiedade .................................................................................................................. 113
10.2.4 Dependência de canábis de longo-termo: ansiedade e depressão .......................................... 113
10.2.5 Canábis e suicídio ...................................................................................................................... 113
10.2.6 Outras questões de saúde mental ............................................................................................ 114
10.3 O rastreio do uso de canábis nos serviços de saúde mental ........................................................ 114
10.4 Avaliação e tratamento para o uso de canábis nos serviços de saúde mental ............................ 115
10.5 Sintomas de saúde mental nos serviços de álcool e outras SPA´s ............................................... 119
10.5.1 Rastreio ..................................................................................................................................... 119
10.5.2 Avaliação ................................................................................................................................... 120
10.5.3 Tratamento ............................................................................................................................... 120
10.6 Sumário ........................................................................................................................................ 121
10.7 Referências ................................................................................................................................... 121
CAPÍTULO 11: Instrumentos de rastreio ............................................................................................. 125
Escala de Severidade da Dependência – Canábis (ESD-C) .................................................................... 126
8 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Kessler 10 (K10) ................................................................................................................................... 128


Modified Simple Screening Instrument for Substance Abuse (MSSI-SA) ............................................ 128
Psychosis Screener ............................................................................................................................... 128
Mental Health Screening Form ............................................................................................................ 128
Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST) ............................................. 129
Questionário dos Problemas com Canábis (Adultos e Adolescentes).................................................. 132
Checklist para a Sintomatologia de Abstinência de Canábis ................................................................ 135
Cannabis Use Problems Identification Test (CUPIT) ............................................................................ 136
Questionário de Avaliação da Motivação para a Mudança – Canábis (QAMM-C) ............................... 138
Modified Mini Screen (MMS) .............................................................................................................. 140
CAPÍTULO 12: Materiais de trabalho .................................................................................................. 141
Decisões aparentemente irrelevantes ................................................................................................. 142
Desejo ou Vontade de Consumir.......................................................................................................... 143
Lidar com o desejo/vontade de consumir ............................................................................................ 144
“Surfar Impulsos” ................................................................................................................................. 146
Tabela de Balanço Decisional ............................................................................................................... 147
Escada da Canábis ................................................................................................................................ 148
Diário do consumo de canábis ............................................................................................................. 149
Resumo Personalizado ......................................................................................................................... 150
Treino de Relaxamento – para clínicos ............................................................................................... 151
Dicas para Dormir Melhor .................................................................................................................... 152
Relaxar os músculos ............................................................................................................................. 153
Sintomatologia de Abstinência ao Uso de Canábis – informação ao utente ....................................... 154
Competências de Resolução de Problemas – para técnicos ................................................................ 156
Competências de Resolução de Problemas – para utentes ................................................................. 157
Prevenção da Recaída – para técnicos ................................................................................................. 158
Hierarquia do Risco de Consumir Canábis ........................................................................................... 159
Princípios que orientam as competências de recusa de canábis ......................................................... 160
Contorção psicológica – para técnicos ................................................................................................. 161
Atividades agradáveis .......................................................................................................................... 162
Gerir emoções negativas e depressão ................................................................................................. 164
Avaliar a importância de alterar o consumo de canábis – para técnicos ............................................. 165
Avaliar o nível de confiança para mudar o padrão de uso de canábis – para técnicos........................ 166
Referências ........................................................................................................................................... 167
APÊNDICES: ....................................................................................................................................... 168
Apêndice 1 Níveis de Evidência ............................................................................................................ 168
Apêndice 2 ........................................................................................................................................... 169
UM GUIA CLÍNICO 9

Acerca dos autores:

Jan Copeland BSc (Psych) (hons), PhD, MAPS

Jan Copeland é Professora de Estudos sobre Drogas e Álcool e Diretora da Australia National Cannabis
Prevention and Information Centre (NCPIC). É igualmente Diretora Assistente do National Drug and
Alcohol Research Centre (NDARC). O NCPIC é um consórcio liderado pelo NDARC com seis parceiros chave,
com gestão ao nível nacional de um conjunto grande e diversificado de programas. No decurso da sua
carreira, a Professora Copeland desenvolveu três grandes programas de pesquisa: intervenções breves
para os transtornos relacionados com o uso de canábis; desenvolvimento de sistemas de monitorização
dos resultados do tratamento; e psicoestimulantes. Publicou amplamente sobre os aspetos das
intervenções breves para os transtornos relacionados com o uso de canábis. Trabalha na avaliação e na
gestão executiva de diferentes instituições/organizações com base na comunidade.

Amie Frewen DPsych (Clinical), BA (Psych), BPsych

Amie Frewen é diretora sénior de pesquisa no National Cannabis Prevention and Information Centre
(NCPIC) em Sydney. Amie trabalhou anteriormente na área da psicologia clínica, como clínica e como
investigadora. O trabalho de doutoramento de Amie foi sobre os sintomas de abstinência da canábis e o
tratamento, com a utilização de meios farmacológicos.

Kathryn Elkins BA (Psych) Hons

Kathryn Elkins é uma bolseira de investigação com uma base na psicologia clínica. Trabalhou no Orygen
Youth Services em Melbourne mais de 14 anos, em ensaios clínicos de comorbilidade de substâncias e
doença mental, tanto como investigadora como terapeuta/clínica. É co-autora de artigos científicos e do
manual de tratamento para consumidores de canábis e psicoses, tal como de muitas outras publicações
cerca da comorbilidade. A pesquisa de doutoramento de Kathryn é sobre o consumo de tabaco em
população que experimentou um primeiro episódio de psicose.
10 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

AGRADECIMENTOS/RECONHECIMENTOS:

Os seguintes participantes contribuíram para o conteúdo destas linhas de orientação:

Participantes Posição Organização


Prof Alan Budney Professor e pesquisador sénior Universidade do Arkansas, U.S.
Allan Colthart Coordenador Clínico Drug and Alcohol Youth Service
Psicólogo Clínico (DAYS)
Prof Amanda Baker Vice diretora/Psicóloga clínica Universidade de Newcastle
Dr. Amie Frewen Diretora senior de pesquisa National Cannabis Prevention and
Information Centre
Prof Dennis Gray Vice-diretor National Drug Research Institute
Etty Matalon Gestor de treino National Cannabis Prevention and
Information Centre
Dr. Greg Martin Gestor de desenvolvimento de National Cannabis Prevention and
intervenções Information Centre
James Pitts CEO Odyssey House
Dr. Jan Bashford Investigador clínico Universidade de Massey, Nova
Zelândia
Prof Jan Copeland Diretora National Cannabis Prevention and
Information Centre
A/Prof Jason Connor Diretor, Centre for Youth Substance Universidade de Queensland
Abuse Research
Dr. Julia Tresidder Investigadora analista Australian Institute of Criminology
Kathryn Elkins Bolseira de Investigação/Psicóloga Orygen Youth Health
Kerri Lawrence Diretor Manly Drug Education and
Counselling Centre
Dr. Leanne Hides Coordenadora de Investigação Orygen Youth Health
Clínica/Bolseira de investigação
Dr. Mark Montebello Especialista sénior de equipa The Langton Centre
Scekar Valadian Oficial sénior do projeto Aboriginal Programs Unit Drug and
Alcohol Services South Australia
Prof Simon Lenton Vice director/Psicólogo Clínico National Drug Research Institute
Steven Childs Gestor de serviços psicológicos Northern Sydney/Central Coast
Drug and Alcohol Service
Tess Finch Gerente/gestora Sutherland Cannabis Clinic
Dr. Wendy Swift Conferencista sénior National Drug and Alcohol Research
Centre
FACILITADOR Diretora Drug Policy Modelling Program
A/Prof Alison Ritter

Um agradecimento especial às seguintes pessoas pelos conhecimentos adicionais incluídos nestas linhas
de orientação: Dr. KyleKyle Dyer, pela sua ajuda nos marcadores biológicos; Dr. Julia Butt, pela ajuda com
CLAD e populações indígenas; e a Dra. Melissa Norberg, pela sua assistência editorial qualificada. Os
autores também não querem deixar de agradecer aos terapeutas no terreno pelo feedback na penúltima
versão. A edição profissional foi completada por Paul Dillon, Clare Chenoweth e Dion Alperstein.
UM GUIA CLÍNICO 11

PREFÁCIO

Professora Jan Copeland

Diretora do National Cannabis Prevention and Information Centre

As bases científicas de alta qualidade sobre à canábis desenvolvem uma variedade de tópicos, que incluem
a epidemiologia do consumo de canábis, a sua relação com a psicose e outras doenças mentais, riscos
respiratórios, apenas para nomear alguns. Enquanto estas pesquisas conseguem fornecer aos que
trabalham com consumidores de canábis e com as suas famílias, materiais importantes para as
intervenções psicoeducativas; não encontramos consenso especializado que apontasse linhas de
orientação clínicas baseadas no consenso para o tratamento de problemas relacionados com a canábis.

As presentes linhas de orientação são o culminar de mais de uma década de pesquisa no rastreio,
avaliação e gestão dos problemas relacionados com a canábis. Embora se verifique um crescimento da
literatura acerca das intervenções motivacionais, cognitivo-comportamental e de gestão da contingência,
até à data não são suficientes para uma meta análise. Estas linhas de orientação têm como objetivo
proporcionar aos terapeutas um ponto de referência para a gestão dos problemas relacionados com a
canábis. Os profissionais de saúde podem ser confrontados com utentes com consumos ocasionais de
canábis, a outros, dependentes; podem ainda incluir sintomas de doença mental e distúrbios agudos do
comportamento, como psicose e agressão. Esta monografia é adequada para profissionais de saúde que
trabalham com indivíduos com diferentes usos de canábis. Os leitores irão familiarizar-se com os diversos
aspetos das intervenções, incluindo a avaliação, a sintomatologia da abstinência e a intervenção
psicoeducativa.

Quero agradecer aos colegas que trabalharam intimamente comigo ao longo destes anos na equipa da
intervenção com canábis, particularmente a Etty Matalon, Dr. Greg Martin e a Dra. Wendy Swift. Um
agradecimento especial à Dra. Amie Frewen, que liderou este projeto e supervisionou o trabalho com os
especialistas internacionais e que contribuíram para estas diretrizes.

Por favor, visite o website do centro, em www.ncpic.org.au, para outras publicitações de práticas clínicas
e sumários de pesquisas emergentes nas intervenções com desordens associadas ao consumo de canábis.

Glossário
12 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Trabalhadores do Todos aqueles, com competências clínicas, que trabalham nos serviços de tratamento de
álcool e outras álcool ou drogas. Estes incluem, mas não são limitativos, enfermeiros, médicos, psiquiatras,
drogas psicólogos, assistentes sociais e outros trabalhadores do setor.
Cachimbo de água Cachimbo de água utilizado para fumar canábis (também pode ser usado com tabaco). A
secção que contém a canábis é a parte do cone. Por conseguinte a unidade de medição é
referida como “um cone”
Intervenção breve Interação mínima com um médico ou profissional de saúde mental, variando entre alguns
minutos a seis ou mais sessões. Este termo é utlizado principalmente no contexto de
tratamento para problemas relacionados com o uso de substâncias.
Canabinóide Substância química orgânica que pertence a um grupo que compreende os constituintes
ativos da canábis. Os 3 principais são: THC, CBD e CNB
Canabinóide (CBD) Canabinóide encontrado na canábis. É o principal constituinte da planta, representando 40%
nos seus extratos. Verifica-se na relação inversa do THC, ou seja, como o nível de THC sobe,
o de CBD, cai. Estudos recentes apontam para as propriedades antipsicóticas do CBD.
Canabinóide (CBN) O CBN é produzido como THC, envelhece e reparte-se. É pensado para potenciar as
qualidades de desorientação do THC.
Comorbilidade Nestas diretrizes, refere-se à concorrência entre o consumo de álcool e outras drogas (AOD)-
desordem de consumo com uma ou mais condições de doença mental. Também conhecido
como co-ocorrência ou duplo diagnóstico.
Descriminalização Política de drogas em que a posse de uma droga para consumo individual é tratada como
uma contraordenação em vez de crime, mas o consumo continua a ser ilegal.
Haxixe Resina purificada, preparada a partir da planta fêmea da canábis, que pode ser fumada ou
mastigada. É considerada a mais potente preparação de canábis.
Charro Canábis herbácea ou resina (algumas vezes misturada com tabaco ou com outro material
vegetal) enrolada num cigarro
Distúrbio mental Refere-se à presença de um distúrbio mental (exceto os transtornos por uso de substâncias)
como definido no DSM-IV-TR
Psicoses Qualquer distúrbio mental que se carateriza pela perda de contacto com a realidade, por
delírios, alucinações e/ou distúrbios e incapacidade em interpretar a informação e de fazer
sentido no mundo
Cuidados por Uso de intervenções que se iniciam com as menos intensivas e após um período de
passos monitorização ou são intensificadas ou inversamente, baixam, após os ganhos resultantes
do tratamento
Tetrahidocanabinol O canabinóide responsável pela “moca”
(THC)
UM GUIA CLÍNICO 13

INTRODUÇÃO

O manual Gestão das perturbações do uso de canábis e questões associadas – um guia clínico, fornece
conhecimentos essenciais para o apoio dos indivíduos na redução, cessação ou gestão dos seus problemas
relacionados com o consumo de canábis. O manual tem como objetivos fornecer factos, dados e técnicas
úteis para apoiar os terapeutas, fornecendo tratamentos baseados em evidências clínicas, para os
consumidores de canábis que desejem mudar os seus padrões de consumo. O manual providencia ainda
um conjunto de materiais de trabalho para serem utilizados com os utentes.

O manual encontra-se dividido em 12 seções:

Capítulo 1: Informações gerais

Capítulo 2: Trabalhar com consumidores de canábis

Capítulo 3: Rastrear o uso de canábis

Capítulo 4: Avaliação

Capítulo 5: Gestão da abstinência

Capítulo 6: Intervenções breves

Capítulo 7: Considerações especiais

Capítulo 8: Intervenções familiares

Capítulo 9: Intervenção psicoeducativa e suporte social

Capítulo 10: Tratar a saúde mental nos consumidores de canábis

Capítulo 11: Instrumentos de rastreio

Capítulo 12: Materiais de trabalho

Este manual não pretende ser um substituto à intenção de formação e à experiência na gestão das
substâncias ou das competências de aconselhamento gerais. Designa-se como um complemento às
competências já existentes e como uma ajuda aos profissionais para que possam oferecer aos utentes as
terapêuticas com maiores benefícios.

Exemplos do acima descrito, podem aparecer sobre o seguinte formato:

“Esta é uma sugestão que pode tentar.”


14 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

A quem se dirigem estas diretrizes?

Estas diretrizes são para todos os técnicos que trabalham com jovens e adultos que experienciam
problemas relacionados com o uso de canábis. Ao longo do guia, referimo-nos a vocês como
“técnicos/terapeutas/clínicos” e àqueles que procuram ajuda como “clientes/utentes/consumidores”. Os
técnicos que podem considerar estas diretrizes como úteis para o seu trabalho incluem, (mas não se
limitam a estes), os profissionais que trabalham questões relacionadas com o consumo de álcool e outras
substâncias, enfermeiros, trabalhadores da área da saúde mental, jovens profissionais, médicos
especialistas na área do álcool e outras drogas, trabalhadores da saúde, psicólogos, psiquiatras,
profissionais na área da proteção infantil, técnicos da reinserção social (liberdade condicional), e médicos
de clínica geral. Estas diretrizes podem ser úteis para aqueles que trabalham nos cuidados de saúde gerais,
em ambiente residencial ou em ambulatório. Podem igualmente ajudar os médicos de clínica geral pois
estão na posição ideal para identificarem problemas relacionados como uso de canábis, tendo em conta
o número elevado de população que é atendida anualmente nesses serviços.

Tendo em conta os diferentes papéis dos trabalhadores, educação, treino e experiência, nem todos os
leitores estão capazes de resolver todos os problemas na mesma medida. Os técnicos devem utilizar estas
orientações considerando o contexto onde desenvolvem o seu trabalho e de acordo com o âmbito da sua
prática profissional. Por outras palavras, estas orientações não substituem a necessidade de obterem
competências, prática ou supervisão, bem como, utilizar o juízo clínico quando as aplicar.

Competências essenciais

Estas diretrizes não servem para ensinar competências clínicas fundamentais e não substituem os cursos
de treino especializados. Para as utilizar, deverá adquirir competências nas seguintes áreas:

 Competências básicas de aconselhamento, bem como, construção de uma aliança terapêutica,


escuta e reflexão ativa

 Avaliação geral acerca do álcool e outras drogas

 Conhecimentos gerais de saúde mental, tais como, ansiedade e depressão

 Intervenções baseadas em evidências científicas, como terapia de aumento da motivação e


terapia cognitivo comportamental

 Competências de manutenção do compromisso com jovens


UM GUIA CLÍNICO 15

Recomendações de sistema de provas e de classificação

O Australian National Health and Medical Research Council (NHMRC) e organizações internacionais
similares estão a desenvolver um processo de avaliação das provas e de formulação de recomendações
para as diretrizes clínicas. Este processo envolve o desenvolvimento de novas provas hierarquizadas,
baseadas nos “Níveis de Prova” da NHMRC mas menos restritivas e que permitem a classificação dos
estudos, envolvendo o diagnóstico, o prognóstico, a etiologia e a triagem.

Os detalhes dos níveis e graduações podem ser encontradas em http://www.nhmrc.gov.au

Os cinco componentes considerados no julgamento do corpo para a evidência científica são:

 Volume da prova (o que inclui o número de estudos, classificados segundo a sua metodologia e
a sua relevância para os utentes)

 Consistência dos resultados dos estudos

 Potenciais efeitos clínicos da proposta de recomendação (incluindo o balanço dos riscos e


benefícios, a relevância da evidência na questão clínica, o tamanho da população utente e os
recursos)

 Generalização do corpo de evidências para a população-alvo

 Aplicabilidade do corpo de evidências ao contexto de assistência médica australiano

Para as atuais diretrizes, a literatura foi revista pelo menos por dois peritos e endossado por um painel
mais amplo de médicos e investigadores com conhecimentos específicos e peritos em canábis. A
recomendação está sumarizada no final de cada capítulo e é graduada da seguinte forma:

Grau Recomendação
A Corpo de evidências confiável para orientar a prática
B Corpo de evidências confiável para orientar a prática na maioria das situações
C Corpo de evidências fornece algum suporte para a recomendação(s) mas deve-se ter cuidado na sua
aplicação
D Corpo de evidências fraco e a recomendação é de que se pode aplicar com cautela

Mais informação acerca do processo de graduação encontra-se no Apêndice 1.

Todos os URLs disponibilizados estavam acessíveis em Junho de 2009.


16 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

CAPÍTULO 1: Informações gerais

1.1 Prevalência da canábis

A canábis é a substância ilícita mais usada no mundo ocidental. Durante os anos 90, a incidência do uso
da canábis aumentou, particularmente entre a população jovem. Dados recentes indicam que a tendência
ascendente está a estabilizar embora em níveis historicamente elevados (ver Quadro 1) (EMCDDA, 2008).

Prevalência e padrões de consumo de canábis na Austrália

Em 2007, de 17.2 milhões de australianos com 14 anos ou mais de idade, um em três (33.5%, sobre 5.8
milhões) usaram canábis em alguma fase da sua vida; quase um em dez (9.1%, 1.6 milhões) usou canábis
nos últimos 12 meses; e, mais de 600,000 (3,5%) tinha utilizado na semana anterior à pesquisa (AIHW,
2008a). Taxas mais altas são percebidas nos subgrupos particulares. Junto das populações indígenas, por
exemplo, foram relatadas, taxas de canábis semanais até 45% (Clough et al., 2004). Taxas mais altas são
observadas entre os jovens e também entre aqueles com diagnósticos de saúde mental.

Prevalência e incidência do consumo da canábis nos EUA

Em 2007, aproximadamente 40% dos estado-unidenses com 12 anos ou mais, afirmaram ter usado
canábis em algum momento da sua vida. O seu uso no mês passado foi de aproximadamente 5,8% (14,4
milhões). A maioria dos utilizadores atuais eram menores de 25 anos (maiores taxas de 18 a 20 anos de
idade) e do sexo masculino (SAMHSA, 2008).

Prevalência e incidência do consumo da canábis na Europa

De todos os europeus com idades entre 15-64 anos, aproximadamente 20% (65 milhões) tinham
experimentado canábis pelo menos uma vez ao longo da vida; 1-11% tinham usado canábis no ano
anterior; e, aproximadamente a metade destes últimos tinham consumido canábis no último mês
(EMCDDA, 2008).

Quadro 1: Prevalência do abuso da canábis, em percentagem, da população com idades entre 15-64
anos - 2008
UM GUIA CLÍNICO 17

Europa
Oeste e Central 0.8-11.2%
Sudeste 0.9-4%
Oriental 1.5-3.9%
América
Central 1.3-6.7%
Norte 3.1-17%
Sul 1.6-7%
Caraíbas 1.9-10.7%
Oceania 0.1-29.5%
Africa
Este 0.2-9.1%
Norte 0.05-9.6%
Sul 2.1-17.7%
Oeste e Central 0.9-21.5%
Ásia
Central 3.4-6.4%
Este e Sudoeste Asiático 0.002-4.2%
Próximo e Médio Oriente/Sudoeste Asiático 0.1-8.5%
Ásia do Sul 1.5-3.3%
N.B. Este quadro contém estimativas do Gabinete das Nações Unidas Contra a Substância e o Crime com base em estudos locais,
estudos de grupos especiais da população, e/ou relatórios das autoridades policiais e judiciais (UNODC, 2008).

1.2 Dosagem

O relatório da comissão global sobre a canábis (Room et al., 2008) sugere que geralmente um “charro”
típico contém entre 0,25 g e 0,75 g de matéria vegetal-canábis, mas que a quantidade real de THC
absorvido depende de vários fatores e é difícil de quantificar. A proporção de THC absorvida pelos
pulmões estima-se variar entre 20% a 70%. A biodisponibilidade de THC (a fração de THC que chega ao
sistema sanguíneo ou ao cérebro) é relatada como sendo de 5% a 24% (Hall & Solowij, 1998; Heustis et
al., 2005; Iversen, 2007).

1.3 Potência

A canábis é uma planta que contém pelo menos 60 químicos ativos conhecidos como canabinóides, vários
dos quais são biologicamente ativos. A potência (ou força) da canábis é conhecida por oscilar amplamente,
dependendo da variedade e das condições de crescimento (WHO, 1997). Em relação à potência, os
canabinóides de maior interesse são os tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). O THC é
responsável pela maioria dos efeitos psicoativos da canábis, incluindo a “moca". Estudos recentes
sugerem que o CBD tem propriedades anti psicóticas e ansiolíticas (Poter, Clark, & Brown, 2008), que
podem compensar alguns dos efeitos psicoativos do THC. Morgan e Curran (2008) sugeriram que a
potência da canábis não é devida simplesmente à quantidade de THC na amostra, mas também tem que
ver com a proporção de THC para CBD. Os meios de comunicação têm afirmado que a potência da canábis
aumentou de 20 para 30 vezes nas últimas décadas; no entanto, a investigação sugere que a potência da
canábis terá, pelo menos, duplicado nos últimos 10 anos (McLaren et al., 2008).

Abaixo está um breve resumo dos países que têm analisado a potência da canábis:
18 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Referência Localização Dimensão da amostra Concentração de THC


Conselho Consultivo sobre Reino Unido 2,921 Folhas de canábis-média =
o Abuso de Substâncias 16.2% (4.1-46)
(2008) Resina-média=5.9% (1.3-
27.8)
EMCDDA (2004) U.E. e Noruega (1998- 59,369 Folhas de canábis-média =
2002) 7.7%
Resina-média = 8.2%
ElSohly et al. (2000) USA (1980-1997) 35.213 Folhas de canábis = 2%
(1980) 4.5% (1997)
Poulsen & Sutherland Nova-Zelândia (1976- 1,066 Folhas de canábis- média
(2000) 1996) = 1%, cabeça 3.5%
Óleo de canábis-média =
13.5% (1995)

1.4 Procura de tratamento

Na Austrália, entre 2005 e 2006, 44% de todos os pedidos de apoio para tratamento de álcool ou outras
SPA´s em instituições de saúde públicas, incluíam a canábis como substância a ter em atenção (AIHW,
2008b). Em 23% desses casos, a canábis era a substância de eleição, nomeadamente em relação aos
adolescentes, com idades entre os 10 e os 19 anos, seguindo-se o álcool (AIHW, 2008b). Nos Estados
Unidos e na União Europeia, as admissões ao tratamento são um pouco menos comuns para a canábis.
Desde 2001, as taxas de admissão ao tratamento de canábis tornaram-se relativamente estáveis,
situando-se entre 15-16% (SAMHSA, 2009). Por exemplo, os dados do tratamento referem que a canábis
estava igualmente presente em 16% dos pedidos de admissão por álcool, no setor público e noutros
serviços de tratamento da toxicodependência, nos EUA (SAMHSA, 2009). Na União Europeia, a canábis foi
a segunda substância ilícita que mais preocupação suscitou, representando 15% de todos os utentes, e
27% dos novos utentes referiram a canábis como o seu principal problema de consumo (EMCDDA, 2008).

O número de pedidos para tratamento, referentes a consumidores de canábis e álcool e de outras


substâncias, está a aumentar em todos os países ocidentais. De 1996 a 2003, verificou-se um dos maiores
aumentos na oferta de tratamento para a canábis, como substância de principal preocupação na UE.
Desde 1993, os EUA têm-se deparado com uma duplicação de pedidos de tratamento por consumo de
canábis em relação à sua população (SAMHSA, 2002). Pequenos aumentos foram igualmente observados
na Austrália 2000-2007 (AIHW, 2008b).

Apesar dos números de procura de tratamento para álcool e SPA´s serem altos, a maioria dos
consumidores de canábis não procuram apoio profissional para o seu consumo (Agnosti & Levin, 2004).
Este facto pode ser atribuído a uma série de razões, entre as quais: a crença de que o tratamento para o
uso de canábis é desnecessária; não existir motivação para o abandono destes consumos; e a
estigmatização associada ao tratamento (Gates et al., 2008). Quando os consumidores de canábis
procuram os médicos de clínica geral, nos serviços não especializados, fazem-no normalmente por
preocupações secundárias, tais como, ansiedade ou depressão, e não propriamente por causa do seu
consumo de canábis (Roxburgh & Degenhardt, 2008). Além disso, a dependência de canábis pode ser vista
UM GUIA CLÍNICO 19

como qualitativamente diferente dos restantes problemas de dependência para os quais estão
vocacionados os serviços tradicionais de saúde especializados nas dependências. Um indivíduo pode,
portanto, concluir que não vai ter nada em comum com os utentes das ditas instituições convencionais, e
que os programas e serviços oferecidos pelas mesmas não serão relevantes para a dependência de
canábis.

1.5 Problemas relacionados com a canábis

Embora as consequências negativas a curto prazo do consumo de canábis sejam bastante conhecidas, o
mesmo não se passa quanto aos efeitos a longo prazo de um uso regular desta substância. Determinar os
efeitos a longo prazo tem sido difícil, devido a muitos fatores, incluindo altas taxas de policonsumos, um
longo período de tempo para que os efeitos a longo prazo se manifestem, e uma falta de literatura com
indicação do uso nocivo, embora esta última esteja a mudar. Um resumo acerca das preocupações
conhecidas com a saúde é dado no Quadro 2.

Quadro 2: Danos associados ao consumo de canábis

Riscos de  Comprometimento da atenção, memória e desempenho psicomotor


intoxicação  Psicose induzida pela canábis
aguda  Aumento do risco de acidentes com veículos motorizados
Efeitos  Comprometimento cognitivo subtil ao nível da atenção, da memória, bem como, da
crónicos mais organização e integração de informações complexas (de reversibilidade desconhecida,
prováveis embora não seja grosseiramente debilitante)
 Aumento do risco de desenvolver síndrome de dependência
 Efeitos respiratórios adversos, tais como, bronquite crónica (a qual será maior se a canábis
for utilizada com tabaco)
Possíveis riscos  Aumento da exposição a xerostomia (boca seca), podendo originar cáries dentárias e outros
crónicos problemas de saúde oral
 Alguma evidência de que a canábis pode afetar a fertilidade feminina (foi verificado que o
uso de canábis reduz os níveis de contagem de esperma, e os níveis de testosterona, em
alguns animais do sexo masculino, mas esta relação não foi estabelecida em humanos)
 Em crianças que tenham sido expostas à canábis durante a gestação, aumentam as
dificuldades com a resolução de problemas e atenção, as quais podem continuar até à idade
adulta e reduzir o sucesso na aprendizagem
 Aumento da probabilidade de alterações pré-cancerosas
 Aumento da taxa do cancro do pulmão
 Maior possibilidade de ataque cardíaco em pessoas que apresentem fatores de risco para
doenças do coração (por exemplo, obesidade e/ou tabagismo)
Riscos  Associado ao uso de canábis na adolescência:
prováveis em  Menor rendimento escolar
determinadas  Baixa escolaridade e qualificações profissionais para jovens até aos 25 anos
populações  Níveis de desemprego mais elevados
 Menores níveis de satisfação com a vida
 Abandono da morada de família
 Atividade sexual precoce e gravidez na adolescência
 Uso ilícito de outras substâncias e dependência
 Em mulheres que continuam a fumar canábis durante a gravidez, aumenta o risco de terem
um bebé com baixo peso (o que pode aumentar a mortalidade, morbilidade e deficiência)
 Exacerbação de algumas condições de saúde mental, como depressão, ansiedade e
esquizofrenia
Adaptado de Hall & Solowij, (1998); Room et al., (2008)

1.6 Intoxicação, abuso e dependência de canábis


20 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

A avaliação da dependência e abuso de canábis pode ser uma ferramenta clínica importante tanto para a
articulação com outros profissionais, como para abordar a natureza da questão com o utente, e para
avaliar os resultados das intervenções. Este trabalho pode ser realizado por meio de entrevistas clínicas
estruturadas e questionários. Existem dois principais sistemas internacionais de classificação de
transtornos mentais: a Classificação Internacional dos Distúrbios, versão 10 (ICD-10) (WHO, 1992) e o
Manual Diagnóstico Estatístico, Versão IV (DSM-IV-TR) (APA, 2000). O último, é o sistema mais utilizado
nos EUA e o primeiro, na Europa e na Austrália. Os critérios de diagnóstico de intoxicação, abuso e
dependência, de canábis, de acordo com cada sistema de classificação encontram-se descritos abaixo.
Note-se que o DSM-IV-TR inclui um transtorno específico no uso da canábis, enquanto a ICD-10 especifica
somente um diagnóstico genérico.

A) O uso agudo de canábis

DSM-IV-TR intoxicação de canábis

As características essenciais de intoxicação pela canábis são o desenvolvimento de distúrbios psicológicos


e comportamentais (por exemplo, alteração da coordenação motora, euforia, ansiedade, sensação de
tempo mais lento, julgamento exacerbado, isolamento social) durante ou logo após o uso de canábis. Os
efeitos psicoativos, desenvolvidos nas duas horas posteriores ao consumo de canábis, são acompanhados
por dois (ou mais) dos seguintes sinais: hiperemia conjuntival (olhos raiados de sangue), aumento do
apetite, boca seca e taquicardia (aumento da frequência cardíaca). Estes sintomas não são devido a uma
condição médica geral nem são melhor explicados por outra perturbação mental.

O padrão de início e duração de intoxicação por canábis é variável. Se a canábis é fumada, a intoxicação
geralmente ocorre dentro de minutos e dura cerca de três a quatro horas. Quando consumida por via
oral, o início dos efeitos pode demorar horas, mas estes são mais duradouros. O DSM-IV-TR observa que
a magnitude dos efeitos irá variar de acordo com a dose, a via de administração, e as características
pessoais, tais como, a tolerância e a sensibilidade à canábis.

É importante referir que o DSM-IV-TR acrescenta uma qualificação, os distúrbios de perceção, situação
de intoxicação por canábis em que o indivíduo experiencia alucinações, mantendo intacto o quadro da
realidade ao seu redor ou em que na ausência de um delírio, podem ocorrer alterações auditivas, visuais,
táteis ou ilusões. Por outras palavras, este qualificador é notado apenas quando o consumidor percebe
que os distúrbios de perceção são induzidos pelo consumo de canábis. Esta experiência é distinta do
transtorno psicótico induzido pela substância.

CID-10 intoxicação aguda

A intoxicação aguda é uma condição transitória que se segue ao consumo de álcool ou de outra substância
psicoativa, resultando em perturbações ao nível da consciência; da cognição; da perceção; afetivas; do
comportamento; ou outras funções psicofisiológicas. O ICD-10 especifica que este diagnóstico deve ser
UM GUIA CLÍNICO 21

um diagnóstico principal apenas nos casos em que a intoxicação ocorre na ausência de problemas com
álcool ou relacionados com problemas de substâncias mais persistentes. Quando existem tais problemas,
deve ser dada precedência ao diagnóstico de uso nocivo (f1x.1), síndrome de dependência (f1x.2) ou
transtorno psicótico (f1x.5).

B) O abuso de canábis e uso nocivo

CID-10 (WHO, 2004) DSM-IV-TR (APA, 2000)


Uso nocivo Abuso
 O uso de substâncias psicoativas que causa  Padrão mal-adaptativo de uso de substância levando a
danos para a saúde física ou mental do prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo,
consumidor manifestado por uma (ou mais) das seguintes ocorrências
 Padrões de uso nocivo são frequentemente num período de 12 meses:
criticados por outros  Falhas recorrentes no cumprimento de obrigações
 Padrões de uso nocivo são frequentemente importantes relativas ao seu papel no trabalho, na
associados a consequências sociais escola ou em casa
adversas  Consumo de canábis recorrente em situações em que é
fisicamente danoso

C) A dependência de canábis

Fazer um diagnóstico de dependência de canábis ajuda os técnicos a darem ao utente feedback sobre os
malefícios associados ao consumo de tal substância. A dependência é caraterizada por um acentuado
sofrimento, resultante de um conjunto recorrente de problemas que refletem um controlo deficiente
sobre o consumo de canábis, o qual se mantém, apesar dos danos dele decorrentes. Veja o quadro 3 para
obter uma lista dos critérios em ambos os sistemas de classificação.
22 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Quadro 3: Os critérios de dependência de canábis (CID-10 e DSM-IV-TR)

Ambos os sistemas de classificação afirmam que o diagnóstico é fundamentado caso três dos seguintes
critérios ocorreram dentro de um período de 12 meses:

ICD-10 (WHO, 2004) critérios de dependência DSM-IV-TR (APA, 2000) critérios de dependência
Um forte desejo ou compulsão para consumir Há um desejo persistente em consumir canábis ou
canabinóides existiu, um ou mais que um esforço para reduzir ou
controlar o consumo de canábis, sem sucesso

Dificuldades em controlar o comportamento de A canábis é usada em maiores quantidades ou por um


consumo de canabinóides em termos de início, termo período mais longo do que a pessoa pretende
ou níveis de consumo
Um estado de abstinência fisiológica quando o uso de Paragem caraterizada por uma das seguintes situações:
canabinóides cessa/ou é reduzido, evidenciando a) sintomas de abstinência
síndrome de abstinência para canabinóides; ou quando b) a mesma substância é consumida para aliviar ou
o uso do mesmo (está intimamente relacionado) tem a evitar sintomas de abstinência
intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência
Evidência de tolerância, de tal modo que o aumento Tolerância, definida por qualquer uma das seguintes
das doses de canabinóides são necessárias a fim de se situações:
conseguir efeitos originalmente produzidos por doses a) a necessidade de quantidades progressivamente
mais baixas maiores da substância para ficar intoxicado ou sob o
efeito desejado;
b) efeito marcadamente reduzido com o uso
continuado da mesma quantidade de substância
Abandono progressivo de atividades ou interesses Gestão do tempo em função da aquisição, consumo e
alternativos devido ao uso de canabinóides ou, um recuperação dos efeitos de uso de canábis
aumento do tempo despendido para obter ou consumir
a substância, ou para recuperar dos seus efeitos
Persistência do consumo de canábis mesmo perante a O consumo de canábis mantém-se apesar da existência
evidência clara de consequências manifestamente de problemas persistentes ou recorrentes; sociais,
prejudiciais (no entanto deve ser determinado se o psicológicos, ou físicos que são causados ou agravados
consumidor estava realmente consciente da natureza e pelo uso de canábis
extensão do dano, ou poderia vir a estar)
A apresentação de um comportamento padronizado de Atividades recreativas sociais ou ocupacionais
consumo de canábis pode também ser um indicador importantes são abandonadas ou reduzidas por causa
do consumo de canábis

1.7 Risco de dependência

A maioria das pessoas que experimentam canábis não se torna dependente desta substância. As taxas de
prevalência ao longo da vida adulta para a dependência de canábis situam-se entre os 9-15% (Degenhardt,
Hall, e Lynskey, 2001; Anthony, Warner, & Kessler, 1994). Tal como acontece com outras substâncias, o
risco de desenvolver dependência parece ser maior naqueles indivíduos com história de consumo de
canábis frequente ou diária e naqueles que o iniciam precocemente (Coffey, et al., 2002).

1.8 Síndrome de abstinência de canábis

Durante a última década, estudos clínicos produziram evidências sobre a existência de síndrome de
abstinência de canábis. Atualmente, estes sintomas não estão documentados no DSM-IV-TR ou no ICD-
10. Nos estudos sobre o tratamento, a percentagem de utentes que relatam sintomatologia de
UM GUIA CLÍNICO 23

abstinência de canábis varia entre os 50% e os 95% (Budney & Hughes, 2006). Os sintomas geralmente
surgem depois de 1-3 dias de abstinência, sendo o pico entre o segundo e o sexto dia, e normalmente
duram de 4 a 14 dias (Budney et al., 2003). A gravidade dos sintomas de abstinência relaciona-se com as
dificuldades em abandonar os consumos (Stephens, Roffman, e Simpson, 1993; Copeland et al., 2001;.
Budney et al., 2000). Por isso, discutir as questões da sintomatologia da abstinência tornou-se um aspeto
importante no tratamento. Recomendamos o uso de técnicas psicoeducativas (ver secção "materiais")
para identificar os sintomas e padrões típicos da síndrome de abstinência, de modo a que estas questões
possam ser integradas no plano de tratamento.

Os sintomas de abstinência mais comuns aparecem no Quadro 4.

Quadro 4: Sintomas de abstinência de canábis

Sintomas Duração Prevalência


Raiva, agressão, irritabilidade Alguns dias a 3 semanas Prevalência alta
Ansiedade/nervosismo Alguns dias a 3 semanas Prevalência alta

Inquietação Alguns dias a 3 semanas Prevalência alta

Dificuldades de sono, incluindo sonhos Alguns dias a 4 ou +semanas Prevalência alta


estranhos
Vontade de consumir Alguns dias Comum
Alteração de peso/diminuição de apetite Geralmente na primeira semana Comum
Humor deprimido Pouco claro, geralmente 4 ou + semanas Menos comum
Desconforto físico: dores de estômago, Alguns dias a 3 semanas Menos comum
calafrios, sudorese, ou tremores

1.9 Tratamentos de canábis

Atrair utentes ao tratamento é um desafio para muitos serviços vocacionados para os comportamentos
aditivos e dependências, incluindo os direcionados para o tratamento do uso de canábis. Stephens et al.
(2007) relataram que somente 9,8% daqueles que preenchiam os critérios para dependência ou abuso de
canábis em 2003, receberam tratamento. Ou seja, uma proporção menor do que aqueles que satisfaziam
os critérios para outros tipos de substâncias. Infelizmente, como acontece com outras substâncias, muitas
pessoas voltam a consumir canábis depois de terem completado o tratamento. Apesar disso, o
tratamento melhora as suas vidas ajudando-os a reduzir a quantidade de canábis consumida, mitigando
problemas de saúde e sociais associados. À medida que aprendemos mais com base nos problemas
relatados pelos consumidores, o tratamento tornar-se-á mais eficaz em termos de desenvolvimento e
avaliação. A pesquisa atual em termos de intervenções específicas para a canábis, está resumida abaixo.

A) As intervenções psicológicas

Até à data, nove ensaios aleatórios para adultos com abuso de canábis/dependência foram relatados na
literatura publicada (Budney & Hughes, 2006). Os resultados indicam que os tratamentos ambulatórios
com base comportamental são eficazes para a redução do consumo de canábis e com sucesso para a
24 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

abstinência. A Terapia Cognitivo Comportamental (CBT) tem sido a pedra angular da maioria das
intervenções (Budney et al., 2007). A CBT inclui o ensino e prática de competências cognitivas e
comportamentais para lidar com fatores de risco (recusa de substâncias, lidar com as vontades de
consumir, a gestão do humor, o evitar de ambientes que oferecem alto risco de uso de substâncias, e a
procura de atividades alternativas, etc.). É essencial que a pessoa se foque nos sentimentos
experienciados e responda aos pensamentos e experiências negativas no sentido de os modificar.

Uma série de opções de tratamento com base no comportamento têm sido apresentadas como sendo
eficazes no tratamento da dependência de canábis. Estas incluem Terapias do Aumento da Motivação
(MET) combinadas com a Terapia Cognitiva Comportamental (CBT) e com a Gestão da Contingência (CM).
Estas abordagens serão discutidas em detalhe no capítulo 6.

B) As intervenções farmacológicas

Atualmente, não existem medicamentos aprovados para a dependência de canábis ou para os sintomas
decorrentes da sua abstinência. Pesquisas realizadas durante os últimos dez anos começaram a explorar
medicamentos que podem tanto bloquear os sintomas de abstinência de canábis como bloquear os
efeitos do consumo da canábis. Estes medicamentos ainda estão em fase experimental. Mais informações
estão inscritas no capítulo 5.

C) Autoajuda/grupos de apoio mútuo

Embora não existam estudos sobre estes resultados, os consumidores de canábis podem encontrar
programas de apoio de pares, tais como, os que existem direcionados para os problemas com álcool e
outras substâncias. Um grupo de autoajuda é qualquer grupo que tem como objetivo apoiar e cuidar dos
seus membros, os quais partilham um problema comum, de forma pragmática. Os dois tipos de grupo
mais conhecidos são: (1) Marijuana Anonymous/Narcóticos Anónimos, e os (2) Self Management and
Recovery Training (SMART).

Os grupos de Narcóticos Anónimos (NA) e de Marijuana Anonymous baseiam-se na teoria dos 12 Passos
e são grupos com base na espiritualidade. O objetivo principal do MA é " ficar livre de canábis e ajudar o
adito de canábis que ainda sofre a alcançar a mesma liberdade".

Não há estudos experimentais que inequivocamente demonstrem a eficácia das abordagens dos
Alcoólicos Anónimos ou 12 Passos para reduzir a dependência ou problemas de álcool, e não existem
estudos que sirvam para a canábis (Ferri, Amato & Davoli, 2006). Os utentes que pretendam frequentar
tais grupos, não devem ser desencorajados a fazê-lo.

Outros grupos de apoio mútuo, não com base no modelo de 12 Passos, como o SMART (incluindo grupos
on-line), encontram-se disponíveis em muitos países (por exemplo
http://www.smartrecoveryaustralia.com.au/). Estes grupos baseiam-se em princípios de CBT, são práticos
e focados nas soluções, e ensinam os membros do grupo:
UM GUIA CLÍNICO 25

 A melhorar e manter a motivação para abstinência;

 A lidar com os impulsos;

 Na resolução de problemas (gestão de pensamentos, sentimentos e comportamentos);

 No balanço acerca dos estilos de vida (equilíbrio entre satisfações momentâneas e duradouras).

Até ao momento não existem dados sobre os resultados disponíveis do programa SMART. Numa avaliação
interna dos participantes dos grupos em Sydney, quatro em cada cinco (83%, ou 90%) indicaram que o
programa lhes tinha dado "muita ajuda" (AER, 2006).

1.10 Políticas para os danos da canábis

Atualmente a política australiana para a canábis é guiada pela Estratégia Nacional de Canábis 2004-2009
(Commonwealth of Australia, 2006), que engloba:

 Redução da oferta: estratégias para interromper a produção e fornecimento de substâncias ilí-


citas, e o controlo e a regulação de substâncias lícitas;

 Redução da procura: estratégias de prevenção do consumo nocivo de substâncias, incluindo es-


tratégias orientadas para a abstinência, e tratamento para a redução do uso de substâncias;

 Redução de danos: estratégias de redução dos danos relacionados com as substâncias, nos indi-
víduos e nas comunidades

Alguns países, especialmente a Austrália e a França, desenvolveram clínicas especializadas no tratamento


de canábis a fim de melhorar o acesso àqueles com problemas associados a este consumo. A canábis
continua a ser ilegal em todos os estados da Austrália, mas foi descriminalizada, em alguns deles. A
descriminalização consiste na substituição de sanções penais (ou seja, prisão) por sanções administrativas
(ou seja, multas e advertências).

Os Estados que utilizam a proibição são:

 South Australia (1987)

 Australian Capital Territory (1992)

 Northern Territory (1996)

 Western Australia (2004)

Os Estados que utilizam a proibição com advertências:

 Tasmania (1998)
26 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

 Victoria (1998)

 New South Wales (2000)

 Queensland (2001)

1.11 Abordagens penais internacionais

As Leis das Substâncias são orientadas pela United National Convention Against Illicit Traffic in Narcotic
Drugs and Psychotropic Substances (1988). A convenção estabeleceu uma diferença entre a intenção de
tráfico e posse, compra e cultivo de substâncias para consumo pessoal. Em vários países, a posse de uma
quantidade de canábis para uso pessoal é descriminalizada e, há muitos outros países em que a prioridade
já não é a aplicação lei, e noutros as sentenças foram reduzidas (Jelsma, 2008).

A descriminalização existe em muitos países da E.U. (incluindo a Bélgica, Itália, República Checa, Portugal
e Dinamarca) e nalguns estados norte-americanos.

Algumas jurisdições na Europa (Espanha e partes dos Países Baixos e Alemanha) mantêm a ilegalidade da
canábis, mas não a aplicam, resultando numa situação em que " existe legalização de facto " da posse de
pequenas quantidades de substância em algumas circunstâncias. Nalguns países, sendo o exemplo mais
conhecido, a Holanda, a venda é permitida até 5 g de canábis para adultos em coffee-shops.

Sumário das Leis A canábis é ilegal em todo o mundo, mas existem países que têm diminuído as penalidades
pela posse de pequenas quantidades de canábis, sendo esta punida com uma multa e/ou
advertência, em vez de prisão. Veja NCPIC Criminal Justice Bulletin, Março de 2009, para mais
detalhes. www.ncpic.org.au

1.12 Referências

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Capítulo 2: Trabalhar com consumidores de canábis

2.1. Princípios gerais do trabalho com consumidores de canábis


UM GUIA CLÍNICO 29

Os resultados das pesquisas sobre tratamento em ambulatório, sugerem que a maioria das terapias,
quando comparadas diretamente em estudos aleatórios, são igualmente eficazes. Contudo, a pesquisa
também tem demonstrado que uma forte relação terapêutica é uma condição necessária, mas não
suficiente, para a efetiva psicoterapia. De acordo com Ackerman & Hilsenroth (2003), uma forte relação
terapêutica envolve flexibilidade, honestidade, respeito, confiança, cordialidade, confidencialidade,
interesse e abertura. Em última análise, a eficácia da terapia baseia-se na capacidade de se estabelecer
uma relação terapêutica e nas competências e conhecimentos específicos do terapeuta. Isto é
especialmente verdadeiro no trabalho na área da canábis, na qual a maioria dos consumidores não vão
voluntariamente procurar ajuda para o seu comportamento de uso da substância e, portanto, as
intervenções poderão ter de ser adaptadas para consumidores que possam estar ambivalentes sobre
como fazer alterações ao seu comportamento de uso de substâncias. Além disso, o uso da canábis pode
ser secundária ao uso de outras substâncias, problemas de saúde ou condições de saúde mental.

Trabalho com consumidores de canábis – Dicas importantes


Dada a variedade de configurações de tratamento, com a exceção das unidades de alcoologia e de outras
substâncias, aos quais os consumidores de canábis têm acesso, é importante que a avaliação geral passe pela
avaliação do consumo de canábis

A avaliação deve ser considerada parte integral do processo empático e de tratamento, ao invés de um processo
independente

A intervenção precoce no percurso de uso, oferece a oportunidade para se intervir antes dos comportamentos se
tornarem enraizados. O uso de entrevistas motivacionais é sugerido a fim de se aumentar o envolvimento

Dados empíricos baseados em intervenções de canábis, devem ser explicados ao consumidor e incorporados num
plano de tratamento compreensivo, com metas e intensidade do tratamento individualizado

Quando relevante, o consumo de canábis pode ser abordado no contexto de outras substâncias

As intervenções podem precisar de ser aplicadas repetidamente antes da mudança significativa ser alcançada,
porque o uso de substâncias, incluindo o uso de canábis, é condição cíclica e recidivante

Alguns consumidores podem ter outros distúrbios associados, o que afeta todas as fases do processo de mudança

Determinar os objetivos do tratamento, que podem ser transitórios e progressivos, até atingir os objetivos finais

Integrar tratamento do uso/abuso de substâncias com os serviços paralelos, como de saúde mental ou de justiça,
para melhor atender às necessidades complexas

2.2. Intensidade do Tratamento


30 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

O tratamento faseado envolve uma série de intervenções, desde a menos intensa até à de maior
intensidade, com a avaliação de cada um dos níveis de intervenção, tendo em conta resposta do
consumidor ao nível anterior.

O tratamento por fases promove uma melhor prática para a integração, para a formulação e para o
planeamento de tratamento, no processo de intervenção, e é útil para determinar o nível da intervenção
necessário para um indivíduo. Por exemplo, uma intervenção breve motivacional pode ser suficiente para
alguns, mas não para outros consumidores. Os consumidores que não evoluam depois de uma
intervenção breve, podem ter de passar para o nível de cuidados seguintes (por exemplo, um ambulatório
de 12 sessões). Se continuar a ter problemas, um plano de tratamento mais abrangente pode ser
necessário (por exemplo, tratamento para situação de comorbilidades; envolvimento da família; etc.). O
nível de intervenção necessário para o sucesso não se relaciona necessariamente com o nível de utilização
(ou seja, nem todos os consumidores de canábis requerem um programa de tratamento abrangente).

Os indivíduos que têm cumulativamente problemas de saúde mental, problemas com álcool e outros
problemas de substâncias, são muito heterogêneos em termos de tipo, gravidade, e prontidão para lidar
com seus vários problemas em tratamento, e a intervenção por fases possibilita a flexibilidade do
tratamento. A intervenção por fases pode:

 Permitir flexibilidade na intervenção e combina o tratamento com as necessidades do


consumidor. Ou seja, os consumidores com dependência mais grave devem ser incentivados a
participar em intervenções mais intensivas (variando em termos de tempo e em número de
consultas em ambulatório). Para além da intensidade ligada ao tratamento, a severidade do
problema e o tratamento adequado, considera-se ainda a motivação, o funcionamento cognitivo
e outras variáveis como idade, sexo, questões culturais e problemas psicológicos subjacentes.

 Aumentar o acesso ao serviço, reduzindo desnecessariamente intervenções intensivas para


aqueles com questões menos problemáticas relacionadas com a canábis.

 Otimizar o uso de recursos como o tempo dos profissionais.

2.3 Princípios Gerais das Intervenções com Canábis

Há uma série de princípios clínicos que devem ser considerados nas diferentes opções de tratamento para
a dependência da canábis:
UM GUIA CLÍNICO 31

 O progresso do utente pode ser variável, logo as intervenções (incluindo aquelas que são
individuais) terão de ser adaptados às necessidades individuais.

 As competências básicas de aconselhamento são importantes para se motivar os consumidores


de canábis, incluindo a empatia e o uso de perguntas abertas finais;

 O abandono precoce (isto é, pessoas que vão apenas a uma sessão) é comum, pelo que é
necessário, priorizar as mensagens-chave e trabalhar no estabelecimento e construção da
motivação na primeira sessão;

 A pesquisa ainda não estabeleceu o número ótimo de sessões para oferecer aos consumidores
dependentes de canábis. Estudos sugerem que as sessões individuais podem ser eficazes mas a
continuidade dos cuidados neste acompanhamento depende da complexidade do caso e de
questões motivacionais do utente.

2.4 Contexto

Intervenções em cuidados de saúde primários

Os contextos de cuidados de saúde primários proporcionam uma excelente oportunidade para a


prestação de intervenções breves para abordar o uso problemático de canábis. Na maioria dos casos,
nestes serviços, os consumidores não pedem ajuda para o seu consumo de canábis. É aqui que se tornam
importantes os materiais de rastreio e as questões sobre o estilo de vida (que incluem o uso de
substâncias), contribuindo para a apresentação de preocupações com a saúde. Enquanto alguns
consumidores podem evitar conversas sobre o seu uso de substâncias, outros ficam aliviados pois ainda
não tinham tido oportunidade de o fazer. Além disso, os técnicos devem estar atentos a sinais subtis que
os consumidores possam dar a fim de perceber se é seguro falar sobre o uso de canábis. No mínimo, esse
ambiente vai permitir e encorajar o fornecimento de panfletos e o rastreio básico de deteção dos
consumos.

Intervenções em ambulatório

De forma consistente com outras intervenções dirigidas a desordens de uso de outras substâncias,
também no caso da canábis a maioria das intervenções breves podem ir de 1 a 5 sessões. Isto é consistente
com as evidências e com os padrões descritos no conjunto de dados sobre tratamento. Os capítulos de
triagem e de avaliação fornecem linhas de orientação para domínios de avaliação e intervenção breves e
apresentam esboços de opções de tratamento. Os técnicos, em serviços de ambulatório, devem ser
proficientes na avaliação e na prestação de intervenções breves. Estas orientações irão contribuir para o
desenvolvimento de um guia de recursos para os utentes. Este pode incluir uma lista de grupos de apoio
locais e de material de autoajuda.

Internamento e comunidades terapêuticas


32 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Embora estas linhas de orientação sugiram que a primeira linha de tratamento para problemas de canábis
é o ambulatório, os consumidores com síndrome de abstinência grave, dependência de múltiplas
substâncias (especialmente álcool e benzodiazepinas) e problemas agudos ou crónicos de saúde mental,
têm maior risco de consequências adversas durante a retirada das substâncias e podem exigir o
internamento ou a integração em comunidades terapêuticas. Nestas situações, o consumo de canábis
pode não ser trabalhado especificamente, mas tratado no contexto de um programa geral de abstinência
de álcool e de substâncias. As fichas de trabalho fornecidas, na parte final destas linhas de orientação,
podem ser usadas para trabalhar individualmente com os utentes que desejem abordar o uso de canábis
durante o internamento. É altamente recomendado que tanto no internamento como na integração em
comunidade terapêutica, seja constituído pelo menos um grupo direcionado para o tratamento específico
da canábis, considerando a prevalência, entre os consumidores de substâncias ilícitas, do consumo de
canábis e de comorbilidade associada a dependência do uso de substâncias.

2.5 Leituras Complementares

Addy, D., Ritter, A., Lang, E., Swan, A., & Engelander, M. (2000). Key principles and practices. Clinical
treatment guidelines for alcohol and drug clinicians no. 1. Fitzroy, Victoria: Turning Point Alcohol and Drug
Centre Inc.

Gates, P., Taplin, S., Copeland, J., Swift, W., & Martin, G. (2009). Barriers and facilitators to cannabis
treatment. NCPIC Technical Report # 1. Sydney: NCPIC. Available online: http://www.ncpic.org.au

Jarvis, T., Tebbutt, J., Mattick, R., & Shand, F. (2005). Treatment approaches for alcohol and drug depend-
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Marsh, A. & Dale, A. (2006). Addiction counselling: Content and process. East Hawthorn, Vic: IP Commu-
nications.

Miller, W. & Heather N. (1998). Treating addictive behaviours, 2nd edn. New York: Plenum Press.

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Steinberg, K.L., Roffman, R.A., Carroll, K.M., Mcree, B., Babor, T.F., Miller, M., Kadden, R., Duresky, D.,
& Stephens, R. (2005). Brief counselling for marijuana dependence: A manual for treating adults. DHHS
publication no. [SMA] 05-4022. Rockville, MD: Center for Substance Abuse Treatment, Substance Abuse
and Mental Health Services Administration.

2.6 Referências

Ackerman, S.J. & Hilsenroth, M.J. (2003). A review of therapist characteristics and techniques positively
impacting the therapeutic alliance. Clinical Psychology Review 23, 1–33.
Capítulo 3: Rastrear o uso de canábis

O atendimento inicial com o utente deverá centrar-se na empatia e na identificação das questões do uso,
considerando-se esta a melhor prática clínica. Para o rastreio do uso de canábis é relevante estabelecer
onde o fazer, se nos cuidados de saúde, nos locais de trabalho, ou nas escolas, contextos onde é
UM GUIA CLÍNICO 33

importante a deteção dos riscos do uso, bem como, onde as intervenções são tipicamente breves e a
referenciação é possível.

3.1. O que é o rastreio?

O rastreio é um método rápido para determinar se um distúrbio, como o uso problemático de substâncias,
ou uma situação de saúde mental, como a depressão, estão instalados. O rastreio é um processo para
identificar a eventual existência de um problema. Nem sempre constata a existência de um distúrbio, tão
pouco permite considerações acerca do papel do uso de canábis na vida do consumidor. O rastreio pode
ser facilmente aplicado na prática clínica e pode ser a porta de entrada para o cuidado clínico. Um rastreio
positivo vai induzir, na maioria das vezes, uma avaliação detalhada do nível de risco.

O rastreio não é avaliação

A avaliação não é diagnóstico

Diagnóstico não é formulação do caso

Formulação do caso não é tratamento

Lee et al.(2007)

3.2. Racional

O rastreio como procedimento habitual para a identificação do uso de canábis é importante por muitas
razões:

1. Os consumidores de canábis podem procurar apoio para outros problemas, tais como má
qualidade do sono, raiva, depressão, ansiedade, problemas relacionais ou problemas
respiratórios, e não mencionarem que consomem canábis
2. A deteção precoce das questões relacionadas com o uso de canábis é importante na prevenção
da escalada de problemas
3. Só uma pequena minoria dos consumidores de canábis procura ativamente alguma forma de
intervenção direcionada ao uso. Embora muitos dos consumidores de canábis apenas tenham
pequenos problemas com o seu uso, uma proporção expressiva experiencia dependência
significativa. Estes consumidores relatam danos que os afetam, e danos que afetam outras
pessoas, mas, ainda assim, não procuram tratamento.
4. O uso de canábis é bastante comum, especialmente nas faixas etárias entre os 15 e os 30 anos e
em indivíduos consumidores de outras substâncias ilícitas, com problemas de saúde mental.
Aqueles que se apresentem com novos problemas respiratórios, tais como asma ou tosse devem
ser rastreados para o consumo de canábis, uma vez que é um fator potenciador destes
problemas.

3.3. Como e quando fazer o rastreio do uso de canábis.


34 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Devido ao uso difundido de canábis, a orientação é de que todas as pessoas que acedem aos cuidados
de saúde devem sem rastreadas para este consumo.

Os procedimentos de rastreio e de avaliação, estão subjacentes à especificidade dos serviços de saúde


em questão, como estabelecido no quadro 5.

Quadro 5: Oportunidades de rastreio

Profissionais de Saúde Oportunidades de rastreio do uso de canábis

Médico de família Qualquer consulta de rotina, ou consulta antitabágica, ou relacionada com a função
respiratória, a saúde mental, ferimentos, planeamento familiar, acidente ou sono

Serviços locais de saúde Quaisquer serviços de aconselhamento generalistas, especialmente os que se


dirigem aos jovens

Técnicos de saúde mental Toda a avaliação compreensiva deve incluir um rastreio a todas as substâncias,
especialmente as que podem induzir psicose

Técnicos de saúde Atendimentos relacionados com a saúde mental, ferimentos, problemas


hospitalares respiratórios, especialmente na população dos 15 aos 40 anos.

3.4 Como introduzir o rastreio ao utente

Informar os utentes do porquê e de como vai ser efetuado o rastreio para o uso de canábis, ajudará a
proporcionar um contexto não ameaçador. Em qualquer serviço é importante assegurar ao utente que o
que diz manter-se-á confidencial e que apenas se usará a informação para planear o tratamento. Há ainda
a necessidade de discutir as limitações relevantes da confidencialidade do serviço (incluindo o risco de
suicídio e obrigações éticas/deontológicas). Num serviço não especializado em álcool e outros
tratamentos da dependência de substâncias, o rastreio é realizado pelo médico ou enfermeiro, pelo que
é importante introduzir o rastreio de uma forma não ameaçadora. Por exemplo:

“Eu vou, agora, colocar-lhe algumas questões acerca do seu estilo de vida. Tudo bem? [abordagem
colaborativa]

Pois bem, primeiro, usa álcool ou tabaco [se sim, quanto]? Já usou alguma outra substância [se sim,
quantificar e explorar usando especificamente o nome de cada uma das substâncias]?”

Se forem utilizados questionários estandardizados é importante discutir a sua relevância no procedimento


de avaliação. Deve ser explicado o propósito de cada instrumento, a finalidade dos resultados, quem vai
ter acesso aos mesmos e quanto tempo levam a serem preenchidos. Adicionalmente deve-se pedir
permissão para administrar os questionários depois de fornecer toda a informação atrás descrita. Todas
estas ferramentas recomendadas são breves e podem ser cotadas na sessão e os resultados incorporados
no feedback que é imediatamente dado ao utente.

3.5 Tipos de rastreio


UM GUIA CLÍNICO 35

O rastreio pode ser estandardizado ou não, as questões podem ser abertas ou fechadas. A maioria dos
instrumentos de rastreio utiliza questões fechadas. Sugere-se que depois de se introduzir o rastreio ao
utente como recomendado em 3.4, os profissionais de saúde comecem por fazer questões gerais e
abertas acerca do uso de canábis tal como é sugerido no quadro 6.

Quadro 6: Exemplos de questões abertas e fechadas

Questões fechadas Questões abertas

Que idade tinhas quando consumiste pela primeira vez Fala-me acerca das tuas primeiras experiências de uso de
canábis? canábis.

Com que frequência usas canábis? Como é que o teu uso de canábis se alterou ao longo do
tempo?

Que idade tinhas quando começaste a usar diariamente? Descreve algumas das tuas experiências recentes de uso
de canábis.

Quando foi a primeira vez que pensaste ter um problema És capaz de dizer as coisas menos positivas que
com o consumo de canábis? experimentas quando usas canábis.

Adaptado de Steinberg et al. (2005)

3.6 Instrumentos de rastreio estandardizados

Os instrumentos psicométricos são usados, muitas vezes, como coadjuvantes para a avaliação clínica (ver
quadro 7). A evidência científica mostra que a Escala de Severidade da Dependência (SDS) é um bom
instrumento para ser usado no rastreio; os outros instrumentos de medida, abaixo reportados, ainda
estão em fase de fundamentação da sua evidência científica. Urge notar que o quadro não é uma lista
exaustiva dos instrumentos disponíveis e que os instrumentos disponíveis não são de diagnóstico.

Quadro7: Instrumentos de rastreio

Instrumentos N.º de Descrição Propriedades psicométricas


itens
36 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Escala de Severidade da 5  Válida  Sensibilidade 64-86%,


Dependência de Canábis especificidade 82-94% em
 Fiável adultos (Swift, Copeland &
(SDS) Hall, 1998); e sensibilidade
 Testada com adolescentes, 64% e especificidade 94%
(Gossop et al., 1995) adultos e população (cut-off 4) em população
psiquiátrica jovem não sujeita a ambiente
clínico (Martin et al., 2006)
 Disponíveis versões para
adultos e adolescentes

Teste de Identificação de 10  Auto-relato para adultos  Sensibilidade 73%;


Transtornos de Uso de especificidade 95%
Canábis  Disponíveis normas de cut-off
 Validação do preditivo
(Adamson & Sellman, positivo global 84%
2003)

Teste de Identificação de 16  Instrumento específico para  Sensibilidade 98%;


Problemas do Uso de canábis que pode identificar especificidade 35%
Canábis e prenunciar problemas em
adolescentes e adultos  Validação do preditivo
(Bashford, 2007) positivo global 95%

Testes de Rastreio do 8  Ratreio genérico para álcool  91% sensibilidade; 90%


Uso de Álcool, Tabaco e e outras substâncias especificidade (Humeniuk et
Substâncias (ASSIST) (incluindo canábis) al., 2008)
(WHO ASSIST Working
Group, 2002)  Administrado por técnico;
inclui feedback

Instrumento de Rastreio 11  Identifica adolescentes com  Fidelidade de 84%; com


Orientados para necessidade de futura rácios de sensibilidade e
Adolescentes avaliação de abuso de especificidade de 95% e 79%
substâncias respetivamente (Latimer,
(POSIT) Winters & Stinchfield, 1997)

(versão curta)

(Knight, 2001; Danseco &


Marques, 2002)

Depois de administrar os instrumentos de rastreio é importante fornecer feedback individualizado acerca


dos resultados. É nesta altura, que se poderá encontrar alguma resistência por parte do utente. O que se
segue ilustra alguns exemplos de respostas do utente e a forma como atuar de acordo com o modelo de
Entrevista Motivacional (ver Capítulo 6 para mais informação acerca desta abordagem).

“Utente: Fumar canábis não é um problema para mim.”

“Técnico: O que me está a dizer é que não acha que precisa de reduzir já o uso de canábis (reflete de volta).
E que, sente que tem controlo sobre o seu uso.”

“Utente: A canábis não é tão prejudicial quanto as outras substâncias.”


UM GUIA CLÍNICO 37

“Técnico: O que pensa é que o uso de canábis não é tão prejudicial quanto as outras substâncias (reflete
de volta). É capaz de me dizer porque é que usar canábis é menos arriscado para si do que usar as outras
substâncias?”

“Utente: Todos os meus amigos fumam mais do que eu.”

“Técnico: Então, acredita que não tem um problema com o uso de canábis porque os seus amigos fumam
mais. É assim?

“Utente: A canábis não causa dependência.”

“Técnico: Sim, é verdade que nem todas as pessoas que usam canábis ficam dependentes. Vamos olhar
para as respostas ao teste de rastreio e verificar qual é a sua situação.”

3.7 Marcadores bioquímicos para rastreio e avaliação

Em alguns contextos, os testes de urina, sangue, cabelo e amostras de fluídos orais, para despiste de uma
substância, ou de metabolitos de uma substância, são aceitáveis para avaliação do uso dessa substância.
Os marcadores biológicos guiam a escolha de posteriores métodos de avaliação. Por exemplo, se um
utente acusa positivo para uma substância no rastreio, instrumentos como a Escala de Severidade da
Dependência de Canábis (SDS) (Gossop et al., 1995), pode ser adequada para determinar a severidade do
uso. Os marcadores bioquímicos podem também ser usados para validar os auto-relatos.

Há dois tipos de testes bioquímicos: testes de rastreio e testes de confirmação.

A. Testes de Rastreio
Os testes de rastreio (por exemplo, testes descartáveis de urina) tendem a ser muito específicos, mas
pode faltar-lhes sensibilidade. A especificidade refere-se à capacidade de apresentar um resultado
negativo em alguém que não usou recentemente uma substância em particular. A sensibilidade, por outro
lado, refere-se à capacidade de acusar resultado positivo em alguém que usou recentemente.

B. Testes de Confirmação
A confirmação de um rastreio positivo envolve o uso de um segundo e mais rigoroso método de deteção,
que normalmente é realizado em laboratório. O método mais usado para procedimento de confirmação
é a cromatografia gasosa ou a espectrometria de massas.

Análise das razões para a testagem bioquímica:

 É uma medida objetiva que fornece resultados sobre o abuso de substâncias ou a recaída com
base nos quais se planeiam decisões clínicas e de tratamento

 Pode ser uma exigência médico-legal


38 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

 Pode confirmar o progresso clínico. Os serviços laboratoriais locais que fornecem os “ensaios de
emites” podem quantificar os canabinóides, mas o que estas quantidades representam pode ser
de muito difícil interpretação e, tal não pode ser usado sem uma perícia especializada que for-
neça uma gama alternativa de possíveis interpretações. Isto pode ser vantajoso no feedback com
o consumidor acerca da diminuição dos níveis de canabinóides; na medição dos resultados do
tratamento; e, em estudos de investigação. Deverá ser salientado que os resultados destes testes
laboratoriais podem não estar imediatamente disponíveis após a recolha da amostra e que estes
testes podem ter custos acrescidos.

 Os testes de descartáveis fornecem a imediata confirmação do uso de substância, mas não po-
dem estabelecer se um consumidor apenas a usou recentemente ou se tem um problema de uso
crónico. Isto é, estes testes não podem aferir se a canábis foi usada nas últimas 24 horas, quantas
vezes foi usada ou quanta quantidade foi consumida.

 Um método menos intrusivo pode ser mais apropriado. Os kits de testes de saliva são cada vez
mais usados numa variedade de cenários. A libertação de THC do sangue para a saliva é idiossin-
crática, contudo os testes de saliva frequentemente não conseguem distinguir o uso imediato,
do uso de um dia ou o uso mais longínquo; assim, a deteção de THC, através dos atuais testes de
saliva, tem limitações que obrigam a um conhecimento alargado das interpretações alternativas.

Questões clínicas acerca do uso do rastreio bioquímico

Se se considerar o uso de marcadores biológicos deve-se ter em conta os seguintes pontos:

 Quão relevante é a informação objetiva para o feedback e para o planeamento do tratamento?

 Quão importante é o efeito negativo para a aliança terapêutica, quando o consumidor rejeita a
realização dos testes de rastreio bioquímico ou é percebido que este subestima o seu uso de
canábis?

 O custo do exame. Os custos podem ser proibitivos para determinados indivíduos e serviços e
podem ser um impedimento ao tratamento se é pedido ao consumidor que os suporte.

 Todas as opções. Selecionar o teste de entre as opções disponíveis de acordo com a adequação,
preço, disponibilidade e intrusão.

 Contexto: seja médico-legal; gestão da contingência; ou tratamento residencial (de médio ou


longo termo), os resultados dos testes podem ser usados para aumentar privilégios ou fazer
avançar o programa.
UM GUIA CLÍNICO 39

Note-se que se um utente solicitar o rastreio de substâncias por amostra de urina para efeitos de
justiça criminal ou médico-legal, deve-se garantir que os procedimentos de segurança serão mantidos
de forma incorruptível.

Recolha de amostras

O método de recolha de uma amostra de urina para o despiste de substâncias é importante. As técnicas
incluem a medição da temperatura ou o ph da amostra imediatamente após ser recolhida, e usar
recipientes à prova de adulteração. A recolha de amostras pode necessitar de ser supervisionada para
assegurar que se trata da urina da pessoa que vai ser rastreada.

Tempos de deteção

A janela de deteção do último uso de canábis é assunto de debate (Cary, 2006). O grau de deteção é
influenciado por várias técnicas (por exemplo, diferentes métodos de testagem e sensibilidades), variáveis
farmacológicas, (duração do uso, metabolismo, forma de administração), e diferenças individuais
importantes no metabolismo.

Quadro 8: Tempos de deteção do uso de canábis

Quantidade Na urina* Em fluídos orais

Um único uso 3-4 dias (50nanogramas/ml) 4-14 horas

7 dias (20 nanogramas/ml)

Ingestão oral 1-5 dias Desconhecido

Uso diário/uso crónico 10-36 dias 4-30 horas

* Dyer, Wilkinson & Wilkinson, (2008); Cary, (2006)

NB: a variação individual e a variação no método de amostragem podem influenciar significativamente o


tempo de deteção.

3.8 Sumário

Recomendações Evidência

O rastreio do consumo de canábis deve ser realizado como rotina, em diferentes serviços de A
saúde, incluindo os serviços de saúde especializados no tratamento de álcool e outras
substâncias; os serviços de saúde mental; os serviços de urgência; e nos cuidados primários de
saúde

Um rastreio positivo é o gatilho para uma subsequente avaliação A

Há poucos instrumentos clinicamente válidos e confiáveis para o rastreio de canábis. B&C

Das listadas na Tabela 7, apenas o SDS e o ASSIST, são quanto à evidência e fiabilidade de grau B.
As restantes são de fiabilidade de grau C.
40 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

3.9 Referências:

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UM GUIA CLÍNICO 41

CAPÍTULO 4. Avaliação

4.1. Introdução

Realizar uma avaliação compreensiva dos consumos de canábis, é um requisito essencial para determinar
a intervenção mais apropriada para o consumidor (veja figura 1). Na dependência, a avaliação
compreensiva providencia informação capaz de monitorizar o processo de tratamento, ao ser realizada
no início e ao longo da intervenção.

Os técnicos, com experiência em avaliação nas áreas sociais e da saúde, devem avaliar o uso de canábis e
os problemas associados, como parte de uma avaliação alargada sobre os aspetos do funcionamento da
saúde psicossocial do utente.

Para que o consumidor consiga compreender os propósitos da avaliação, os técnicos de saúde devem
fornecer informação detalhada sobre a própria avaliação, sobre como os seus resultados podem ser
usados para referenciações adequadas e como também podem ser usados para identificar a eficácia dos
serviços de tratamento providenciados ao consumidor.

Figura 1: Recolha de informação sobre o consumidor

instrumentos
de rastreio

informação instrumentos
colateral de avaliação

compreender o
consumidor

entrevista
observação
clínica
42 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

4.2. Racional

A deteção precoce e a intervenção nos problemas de consumo de canábis é uma estratégia efetiva de
saúde pública. Permite o aumento da possibilidade dos indivíduos beneficiarem de uma intervenção breve
capaz de reduzir os danos da dependência de canábis a longo prazo.

4.3. A avaliação como estratégia de compromisso com a intervenção

As dificuldades de envolvimento dos consumidores de canábis na intervenção é um dos obstáculos ao


tratamento. Assim, é particularmente importante a avaliação e a preparação para a integração na
intervenção a realizar. Há evidência crescente que sugere uma forte e positiva relação entre a adesão ao
tratamento e os resultados do tratamento (Zweben & Zuckoff, 2002). Os autores acreditam que a
preparação para a mudança pode ser avaliada quando se verifica a aceitação do problema (i.e. se a
mudança é necessária, desejada e possível de alcançar) e a aceitação do tratamento (i.e. se o utente aceita
as propostas oferecidas).

Logo que os utilizadores de canábis se apresentam para um primeiro atendimento, o desafio colocado ao
técnico é o de desenvolver e potenciar o envolvimento do consumidor na intervenção a prosseguir.
Mesmo que procurem deliberadamente apoio para os seus consumos de canábis, os utilizadores
comparecem com determinado grau de ansiedade e de relutância sobre a possibilidade de serem
julgados. Este aspeto aumenta a possibilidade de desenvolverem defesas relativamente a uma das suas
maiores estratégias de coping – a canábis.

O processo de avaliação é, em si próprio, uma oportunidade de desenvolver e construir a comunicação e


a implicação do consumidor. Uma das técnicas de desenvolvimento da comunicação é a de usar questões
abertas que explorem as preocupações e os objetivos dos consumidores. O uso de canábis e de
substâncias deve ser um assunto que se introduz de forma natural, como parte da discussão. Por exemplo:

“fale-me do seu uso de canábis”

“de que é que gosta, no seu uso de canábis?”

“tem algumas preocupações com o seu uso de canábis?”

“qual o sentido do uso de canábis, na sua vida?”

4.4. A avaliação compreensiva do uso de substâncias (60-120mins)

A avaliação dos problemas associados à canábis pode ser realizada num único atendimento, e ser
relativamente breve. Por outro lado, o processo de avaliação compreensiva e contínua é uma
oportunidade para os técnicos fornecerem de forma imparcial, e para os consumidor procurarem,
informação útil, na assistência para a implicação num processo de mudança do seu comportamento de
uso (Beich, Thorsen & Rollnick, 2003). As forças pré-existentes de um consumidor, os seus deficits,
UM GUIA CLÍNICO 43

objetivos, assim como, os efeitos da canábis na sua vida, precisam de ser considerados na formulação de
um plano de tratamento (Beich, Thorsen & Rollnick, 2003). Uma avaliação compreensiva necessita de
cuidados particulares nos seus diferentes domínios.

4.5. Domínios da avaliação

Os principais elementos de qualquer avaliação sobre o uso de canábis devem cobrir um leque abrangente
de problemas, para além do abuso ou dependência da canábis, assim como avaliar os fatores que
predispõe, precipitam ou mantêm o uso. A medida em que cada uma destas áreas é explorada depende
da sua relevância para o utente com quem se está a trabalhar.

A avaliação sistemática deve incluir:


História do padrão de uso recente de canábis ou de outras drogas
História de saúde mental
Questões psicossociais
Objetivos de tratamento
Motivação para a mudança

História do padrão de uso recente de canábis ou de outras drogas

 Quantidade, frequência e padrão de uso de canábis ao longo da história de consumos (gramas


ou nº de charros/diários/semanais)

 Duração do padrão atual, e alterações do padrão ao longo do tempo

 Indicadores da severidade da dependência, sintomatologia de abstinência, períodos de


abstinência significativos, e situações/gatilhos de uso

 Identificação provável ou estabelecida de diagnósticos relacionados com canábis, cf. DSM IV TR


e/ou CID 10

 Questões sobre o uso de outras substâncias (i.e. historial de consumos, padrões típicos ou atuais
de uso de outras drogas) e verificação de qual substância causa maior disfunção atualmente
(note-se que pode não ser relevante ou possível de identificar se os consumidores se envolvem
em variados padrões de uso de diferentes substâncias ou se a substituição é comum)

 Tratamentos anteriores, explorar experiências e resultados

 Marcadores biológicos

 As 5 P´s: questões presentes, fatores predisponentes, fatores precipitadores, fatores


perpetuadores, fatores protetores

“Quando é que usou canábis pela última vez?”


44 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

“Houve alguma alteração recente no seu uso de canábis?”

“Alguma vez tentou diminuir ou deixar de usar canábis?”

“Fuma normalmente com outros? ( se sim, pergunte)

“Com amigos, com o companheiro, com familiares?”

“Está preocupado com o seu uso de canábis?”

História de saúde mental

 Antecedentes de desordem psiquiátrica/mental, incluindo diagnóstico provável ou determinado


cf. DSM IV TR e/ou CID 10

 Anteriores admissões em tratamento

 Medicações

 História familiar de saúde mental

 Atual estado clínico de saúde mental

 Atual e passado risco de suicídio

Questões psicossociais

 Informação colateral de cuidadores ou membros da família e amigos, se possível

 Indicadores de problemas relacionados direta ou indiretamente com o uso de canábis: (e.g.


questões relacionais; físicas, financeiras, ou problemas cognitivos; problemas legais; absentismo
escolar/laboral)

 Sinalização cognitiva (memória, competências de leitura/capacidade de participar em CBT)

 Sinalizar violência doméstica (obrigatório em determinados contextos)

 Competências do utente e estratégias de coping positivas, usadas no passado com sucesso

 Rede social de apoio atual

 História judicial (detalhes sobre infrações, acusações, condenações e sentenças anteriores)

 Informação complementar (família, estado civil, enquadramento legal, saúde, educação,


condição financeira, emprego e habitação)
UM GUIA CLÍNICO 45

NOTA: The Cannabis Problems Questionnaire pode ajudar a aumentar a consciencialização das questões
psicossociais associadas ao uso de canábis (ver capítulo 11).

Objetivos do tratamento

 Objetivos específicos do tratamento (abstinência ou redução dos níveis de consumo)

 Objetivos adicionais do tratamento (e.g. regulação do humor, relações, orientação vocacional)

DICA é importante avaliar a saúde mental do consumidor com regularidade, a qual pode estar mascarada e
agravar com a remissão/redução dos consumos

Motivação para a mudança

Apesar das sequelas negativas do uso de canábis, alguns consumidores podem estar relutantes ou
ambivalentes em relação à mudança do seu comportamento de uso, e podem aparecer no atendimento
sob coação de outros (familiares, tribunais, companheiro). Por esta razão é importante avaliar a
motivação interna e externa para a mudança; os obstáculos à mudança; tal como o sucesso de tentativas
anteriores; os prós e os contras da mudança; mudanças no comportamento (Miller & Rollnick, 1991).

Estratégias para aceder a fatores internos

“O que quer mudar?”

“Quais são as mudanças mais importantes que quer alcançar após diminuir ou deixar de consumir
canábis?”

“Numa escala de 1 a 10, quanto quer mudar, neste momento?”

“As suas preocupações com as questões de saúde, motivam-no para a mudança?”

“As suas preocupações sobre a sua relação com alguém importante para si motivam-no para a
mudança?”

Estratégias para aceder a fatores externos

“Ocorreram acontecimentos ultimamente que o empurraram para uma mudança?”

“Quem, na sua vida, espera que você mude (família, esposa, outros significativos, amigo próximo)?”

“Veio aqui procurar uma mudança devido a uma ordem legal?”

“Ocorrerão consequências negativas, se não mudar?”


46 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Anteriores tentativas de abandono:

Natureza e número de tentativas, período de abstinência mais longo, razões das recaídas recentes.

“Alguma vez tentou deixar de consumir, se sim, quando e como?”

“Quais a(s) tentativa(s) sucedida(s) e não sucedida(s)?”

“Olhando para trás, o que fez para que as tentativas tivessem sucesso, ou não tivessem sucesso?”

“Pode dizer-me o que recebeu de outros que o fez sentir-se apoiado?”

“Qual foi o seu período de abstinência mais longo?”

“Pode-me falar das situações que conduziram a recaídas?”

“Quais foram os seus pensamentos interiores/conversas consigo próprio, imediatamente antes e após
a recaída?”

“Numa escala de 1 a 10, qual é a confiança que tem no sucesso da atual tentativa?”

Ganhos na mudança de comportamento

Considerar o que o consumidor já fez para mudar o seu comportamento de uso de canábis. Acrescentar
o que pretende realizar no futuro. É importante validar os sucessos conseguidos até à data.

“Desde o tempo que tentou mudar, que ações encetou para a mudança (evitar situações de alto-risco,
afastar-se de amigos consumidores, restrições na aquisição, etc)?”

“Que outras ações vai tomar para dar modificar o seu comportamento?”

Avaliar os estádios de mudança, tais como foram descritos por Prochaska e DiClemente (1983), pode ser
atingido através de atividades como a escada/progressão da contemplação ou pelo trabalho que o técnico
pode desenvolver, através de uma série de tarefas descritas no quadro seguinte:
UM GUIA CLÍNICO 47

Estádios de mudança Tarefas do terapeuta


Pré-contemplação  Identificar “o problema”
 Estar atento às diferenças entre razão e racionalização
 Usar estratégias de MI para promover a consciencialização e a dúvida
 Lembrar que o objetivo não é o de fazer com que os pré-contempladores
mudem imediatamente, mas ajudá-los a caminhar para a contemplação
Contemplação  Considerar o bom o e não-tão-bom do problema de uso, do ponto de vista do
consumidor, assim como o bom e o não-tão-bom da sua mudança
 Reunir informação sobre tentativas de mudança no passado. Colocar estas
situações em termos de “algum sucesso” em vez de “mudanças falhadas”
 Explorar as opções que o consumidor considerou no processo de mudança, e
oferecer opções adicionais quando indicado e quando o utente demonstrar
interesse. Lembrar que os consumidores raramente são principiantes nos
processos de mudança
 Explicitar verbalizações de mudança
Preparação Realizar perguntas-chave que evoquem um plano de mudança:
- O que pensa fazer?
- Qual é o passo seguinte?
- Parece que as coisas não podem ficar como estão
- O que vai fazer?
Apoiar o utente na construção de um plano de ação e de remoção de obstáculos à ação
Ação Ajudar o utente a aumentar a sua auto-eficácia:
- focando tentativas passadas bem sucedidas
- evidenciando mudanças bem sucedidas
- reafirmando o compromisso
- oferecendo modelos de sucesso com menus de opções
- o técnico atua como um monitor da mudança
Manutenção  Explorar fatores precipitadores e que mantenham a crise
 Fornecer informação
 Fornecer feedback acerca do progresso atingido
 Ter empatia pelos consumidores
 Comunicar e informar sobre a possibilidade de voltar a oferecer apoio futuro

Avaliar a motivação numa escada/progressão de contemplação:

Baseada nos “estádios de mudança” de Miller e Rollnick (1991), a Escada de Contemplação (Biener &
Abrams, 1991) é uma escala representada como uma escada em que os degraus mais elevados ilustram
maior motivação para a mudança. A “Marijuana Ladder” foi desenvolvida por Slavet et al. (2006) para
jovens reclusos e está associada a maiores níveis de implicação na mudança de adolescentes (ver capítulo
12).

Avaliar a motivação a partir de questionários formais:

A motivação para a mudança também pode ser avaliada através do recurso a instrumentos validados, que
podem incluir:

 Importância da mudança (Miller & Johnson, 2008; Rollnick, 1998)

 Confiança na mudança (Miller & Johnson, 2008; Rollnick, 1998)

 Preparação para a mudança (Miller & Johnson, 2008; Rollnick, 1998)

 Balanço decisional (Miller & Rollnick, 2002)


48 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

 Motivações para o uso de substâncias nos doentes psicóticos (Spencer, Castle & Michie, 2002)

4.6. Medidas auxiliares

A avaliação pode ser guiada pelas entrevistas clínicas estruturadas e validadas e auto-relatos. O quadro
seguinte fornece detalhes sobre instrumentos de medidas auxiliares validados pelo nível mínimo de
evidência e disponíveis no domínio público.

Quadro 9: Opções de avaliação

Área Instrumentos Itens Notas


Diagnóstico de canábis DSM-IV-TR (APA, 2000) 6 itens Os instrumentos organi-
CIDI (Kessler et al., 1998) zam-se em entrevista es-
Diagnóstico de dependên- SCID (First et al., 1997) truturada e fornecem di-
cia de tabaco SCAN (Wing et al., 1990) agnósticos diferenciados
GAIN (Dennis et al., 2002)
Fagerstrom Nicotine De- Identificação e severidade
pendence da dependência de nico-
Scale (Heatherton et al., tina
1991)
Severidade Severity of Dependence 5 itens Avalia a severidade da de-
Scale pendência
(Gossop et al., 1992)
Consumos Timeline Followback — Usada para avaliar o uso
(Sobell & Sobell, 1996) de canábis no último ano,
mas sugere-se que se li-
mite aos últimos 30 dias,
para aliviar o consumidor
Questões psicossociais Cannabis Problems Ques- 22 (adulto) Avalia um leque de conse-
tionnaires (CPQ for adults quências físicas e psicos-
(Copeland et al., 2005) sociais de uso de canábis
and adolescents (Martin 27 (versão reduzida)
et al., 2006)
Sintomatologia de ab- Marijuana Withdrawal 15 Avalia a severidade da sin-
stinência Checklist (Budney, Novy & tomatologia de abstinên-
Hughes, 1999) cia
Funcionamento cognitivo Adult/Youth Self Report 126 itens Avalia cognições
(Achenbach & Edelbrock,
1987)
Mental Status Examina- 10 domínios Observação estruturada e
tion (Trzepacz & Baker, descrição do atual estado
1993) mental do utente
Preparação para a mu- “Readiness to Change” 12 Desenhada para usar em
dança Scale (Rollnick et al., contextos médicos
1992)
Sintomatologia de doença Depression Anxiety and 42 questões Cota a severidade de sin-
mental Stress Scale (DASS) (Lov- (versão reduzida 21) tomatologia depressiva,
ibond & Lovibond, 1995) ansiedade e stress
K10 (Kessler et al., 2002) Escala de perturbação
10 itens psicológica
UM GUIA CLÍNICO 49

4.7. Avaliação contínua

Tal como nos problemas de uso de outras substâncias, os consumidores de canábis podem substituir esta
substância por outras substâncias, tal como, o álcool. É importante monitorizar o uso de outras
substâncias para avaliar a escalada e/ou a substituição quando a substância de eleição é reduzida. Esta
monitorização ajuda os técnicos na decisão de ajustar a exigência ou flexibilidade do acompanhamento.

4.8. Feedback no pós-avaliação

Fornecer feedback ao consumidor sobre a avaliação realizada, permite que este aumente o conhecimento
dos danos associados com o seu uso de canábis, bem como aumente o seu grau de motivação para a
mudança. Investigações recentes sugerem que o feedback estruturado pode potenciar a mudança
significativa no utente, mesmo que não seja fornecida uma intervenção mais intensiva (Wild et al. 2007;
Doumas & Hannah, 2008).

Este feedback deve sumariar a avaliação dos problemas associados ao uso da substância. Os técnicos são
encorajados a acompanhar esta informação comparando-a com os níveis de uso e problemas
evidenciados pela população em geral e pelos consumidores de canábis que procuram tratamento. Os
técnicos devem fornecer feedback de forma objetiva, de fácil compreensão, culturalmente sensível e de
forma colaborativa. Note-se que os instrumentos apresentados neste manual não foram validados em
grupos culturais específicos e podem não ser apropriados para determinados grupos. Como sempre, o
julgamento clínico deve determinar a qualidade do feedback a fornecer e em que momento deve ser
transmitido.

Sumariando, os técnicos devem fornecer feedback preciso, de forma empática, imparcial, e não
ameaçadora. Este contexto permite ao consumidor perceber quais os benefícios da mudança e vai
promover a motivação para a mudança. Após o fornecimento de feedback, os técnicos devem permitir ao
consumidor traçar os seus objetivos para a intervenção. Tal processo promove um ambiente colaborativo,
mais capaz de promoção da mudança, por oposição ao ambiente coercivo de intervenção. Os técnicos
devem fomentar a eficácia do consumidor em conseguir atingir e consolidar as mudanças que decidiu
encetar.

Como é que forneço feedback sobre dependência de canábis?

“O seu nível/frequência de consumo de canábis, assim como, os problemas que descreveu, tais como,
faltar ao trabalho, dificuldades em dormir, dificuldades em não usar a substância, sugerem que pode
estar dependente de canábis. Como é que esta avaliação se ajusta com a sua perceção sobre os
consumos que faz?”
50 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

4.9. Sumário

 Sempre que possível, conduzir a avaliação compreensiva em paralelo com a construção da


relação

 Fornecer feedback da avaliação, com o objetivo de aumentar a consciência de que os consumos


de canábis devem ser foco de atenção por parte do consumidor

 Revisão e monitorização contínua da informação, ao longo das diferentes fases da intervenção

Recomendações Evidência
Uma avaliação cuidadosa pode incluir uma entrevista clí- A&B
nica, bem como questionários estruturados
e.g. SDS, TLFB. Instrumentos como a MWC não atingem
o nível A de evidência
Tópicos-chave da avaliação incluem: A
Padrão de consumos de SPA`s; funcionamento psicosso-
cial; saúde geral; sintomatologia psíquica; preparação
para a mudança; objetivos do tratamento

A avaliação rotineira de sintomas psicológicos deve ser A


realizada e repetida com regularidade
e.g. depressão, ansiedade, sintomas psicóticos
Sempre que possível e, com a autorização do consumi- C
dor, deve ser usada informação recolhida junto da famí-
lia ou outros cuidadores

4.10. Referências

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UM GUIA CLÍNICO 53

CAPÍTULO 5: Gestão da Abstinência

5.1. Abstinência da canábis

Como mencionado no capítulo dois, os sintomas mais comuns de abstinência são irritabilidade,
ansiedade/nervosismo, agitação e dificuldades em dormir (incluindo sonhos estranhos), raiva e agressão.
Os sintomas geralmente surgem depois de 1-3 dias de abstinência, tendo o seu pico entre os dias 2 e 6, e
têm a duração entre 4 a 14 dias (Budney et al, 2003;. & Budney & Hughes, 2006).

5.2. Apoio na abstinência

Ajudar os consumidores com sintomas de abstinência pode envolver:

 O fornecimento de informação verbal e escrita acerca do que pode ocorrer (ver folheto de
abstinência). Por favor, note que é importante informar os utentes que eles podem não
experienciar todos os sintomas (ou algum) e que a severidade de qualquer sintoma
experimentado depende de vários fatores;

 O desenvolvimento de um plano para lidar com o processo;

 O reconhecimento dos receios dos consumidores relativamente aos sintomas de abstinência;

 O encontrar o nível adequado de apoio.

5.3. Outras influências na abstinência

A pesquisa tem mostrado que os sintomas de abstinência afetam negativamente as tentativas de


abandono porque os consumidores de canábis utilizam esta substância e/ou outras substâncias, para
aliviar esses sintomas (Copersino et al., 2006). Alguns consumidores dependentes da canábis podem não
estar conscientes de que estão a usar a canábis para aliviar os sintomas de abstinência. Os consumidores
muitas vezes têm dificuldade em distinguir o alívio dos sintomas de abandono, do aumento do prazer
devido à intoxicação. O quadro 10 indica as variáveis que poderão influenciar a abstinência.

Quadro 10: Variáveis que podem afetar a severidade da abstinência:

Comorbilidade psiquiátrica, incluindo perturbação de personalidade


Dose: quantidade e potência da preparação consumida
Duração de uso
Experiências passadas de abstinência: ansiedade severa, ataques de pânico, insónias
Uso passado ou atual de outras substâncias
História de agressão ou violência; outros traços de personalidade
Ambiente: a abstinência em ambulatório pode ser mais severa do que em consumidores internados.
Contexto: voluntário vs involuntário
Suporte: profissional, familiar, social
População: mais severa nos consumidores que procuram tratamento
54 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

5.4. Avaliação dos Sintomas de Abstinência

Presentemente, não há nenhuma medida validada para a abstinência de canábis. Os investigadores têm
utilizado a checklist de retirada da canábis (MWC- Marijuana Withdraw Checklist) (Budney, Novy &
Hughes, 1999) para avaliar a abstinência da canábis em adolescentes e adultos. Várias versões da MWC
têm aparecido na literatura; mais recentemente, uma versão de 15 itens foi utilizada para captar a gama
de sintomas da maioria dos pacientes (Budney et al., 2008). Para monitorizar os sintomas de abstinência,
os consumidores podem concluir a MWC fazendo um registo diário (ver capítulo 11). Quando possível, o
acompanhamento dos sintomas de abstinência deve começar pelo menos um dia antes da cessação, a
fim de obter uma linha de referência precisa dos valores dos sintomas e comportamentos associados à
abstinência. Como a maioria dos sintomas regridem substancialmente em seis dias, um registo diário deve
ser mantido por pelo menos sete dias. Como os problemas relacionados com o sono podem persistir por
mais tempo em alguns indivíduos, o registo pode ser continuado até um mês.

5.5. Qual é o contexto mais apropriado à abstinência?

Os sintomas de abstinência da canábis podem ser geridos em regime de ambulatório com segurança, mas
alguns utentes podem necessitar de internamento ou de um suporte em ambiente residencial. A
necessidade de internamento precisa de ser avaliada de forma individualizada e de ser guiada pela história
do utente relativamente às tentativas anteriores de tratamento em ambulatório; pelas circunstâncias
pessoais e familiares; e por outras considerações de saúde física ou mental.

5.6. Abstinência por policonsumo

Recomendamos que os utentes que consumam canábis e que se apresentem para o tratamento de álcool
ou de outra substância psicotrópica que não a canábis, reduzam o seu uso da canábis simultaneamente
com a redução da substância de preocupação primordial. A evidência sugere, no entanto, que os bons
resultados, no que respeita ao tratamento da substância de preocupação primordial, não implicam
necessariamente a redução da canábis. Utentes com severa dependência alcoólica e/ou condições
psiquiátricas poderão precisar de cuidados adicionais.

E se a canábis não é a única substância que o paciente Não há pesquisas no sentido de indicar qual a
usa regularmente? substância que o utente deve cessar primeiro;
O referencial de procedimentos de boas práticas deve
ser seguido caso o clínico considere que se justifique
uma intervenção para o utente de outras substâncias
(incluindo medicação)
A abstinência do tabaco é idêntica à da canábis? O uso do tabaco com canábis é muito
comum e muitos dos sintomas de abstinência são
semelhantes;
Avaliar se o indivíduo está a experienciar
simultaneamente a abstinência ao uso de tabaco e de
canábis

Sintomas de Abstinência de Tabaco


UM GUIA CLÍNICO 55

Os fumadores de canábis muitas vezes fumam tabaco, quer seja juntamente com a canábis ou
separadamente. Utentes que apenas consomem tabaco conjuntamente com a canábis devem estar
cientes de que podem experimentar simultaneamente sintomas de abstinência por abandono de ambas
as substâncias. Os técnicos devem monitorizar ambas as abstinências, e deverá ser discutida a terapia de
reposição de nicotina durante este período, com os grandes fumadores de tabaco que também usam
tabaco em conjunto com canábis. (O quadro 11 expressa os tempos típicos de abstinência de nicotina). A
redução de tabaco também pode causar alterações da saliva, que poder controlada, bebendo-se água
com regularidade.

Quadro 11: Sintomas, duração e prevalência da abstinência de nicotina

Sintomas Duração Incidência


Irritabilidade/Agressão < 4 semanas 50%
Depressão < 4 semanas 60%
Inquietação < 4 semanas 60%
Concentração pobre < 2 semanas 60%
Aumento do apetite > 10 semanas 70%
Tonturas < 48 horas 10%
Despertares noturnos < 1 semana 25%
Prisão de ventre > 4 semanas 17%
Úlceras na boca > 4 semanas 40%
Vontade para fumar > 2 semanas 70%
Fonte: McEwan et al., (2006). Para mais informações sobre opções farmacoterapêuticas para a cessação da nicotina, consulte o
quadro 15

5.7. Farmacoterapia para a abstinência da canábis

Um número de estudos examinaram a farmacoterapia para a gestão da síndrome de abstinência à


canábis. Bupropion, divalproex, Iofexidine, naltrexone, nefazadone, mirtazapine, lithium, e THC oral, têm
sido avaliados em estudos de laboratório, mas apenas três estudos examinaram a sua eficácia junto dos
consumidores que procuraram ajuda. Um resumo dos estudos é encontrado em Copeland & Swift
(2009). Como os ensaios clínicos de potenciais medicamentos para a gestão de abstinência da canábis
estão em estádios iniciais, não há recomendações farmacológicas efetivas que possam ser realizadas.

5.8. Cessação gradual vs súbita

Até agora não há estudos que indicam se a redução gradual da canábis pode diminuir os sintomas de
abstinência ou permitir aos utentes uma taxa de sucesso maior do que a interrupção abrupta. A literatura
sobre álcool e outras substâncias, e a experiência clínica na gestão da abstinência de canábis, sugerem
que um período de abstinência de canábis beneficia os dependentes desta substância e torna mais
provável que sejam capazes de uma melhor gestão do consumo a longo prazo. Os utentes que desejam
reduzir gradualmente devem fazê-lo, após estabelecerem uma data de paragem, nas 2 ou 3 semanas
seguintes.
56 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

5.9. Abordagem focada nos sintomas de abstinência

Como o abandono da canábis envolve uma gama de sintomas e não existem medicamentos disponíveis
para reduzir essa variedade de sintomas de abstinência, uma outra abordagem possível é considerar os
medicamentos que têm como alvo sintomas individuais. No entanto, não existe evidência direta, sobre os
tratamentos focados no sintoma, na gestão da abstinência. Consequentemente, os profissionais terão de
avaliar a utilidade da gestão sintomática, caso-a-caso. Por exemplo, um técnico pode considerar
apropriado prescrever, por um período curto de tempo, medicação sedativa-hipnótica em doses baixas,
a um consumidor que apresenta problemas significativos de sono enquanto reduz os consumos.

Como algumas pessoas com dependência de canábis são vulneráveis ao desenvolvimento de dependência
de outra substância psicoativa, recomenda-se que um membro da família auxilie na distribuição e/ou
monitorização do uso da medicação prescrita, sempre que possível, estando o regime típico limitado a
um máximo de cinco dias.

Para um utente que também tem sinais e sintomas de um transtorno de ansiedade, psicose aguda, mania,
ou depressão agitada, a avaliação por um psiquiatra é recomendada. Condições psiquiátricas
diagnosticáveis podem surgir no final da cessação da canábis, e regimes adequados de medicação a longo
prazo podem ter de ser considerados logo que esse diagnóstico seja confirmado.

Cuidado
A prescrição de uma benzodiazepina não é recomendada como uma abordagem rotineira para as pessoas que
estão em fase de abandono da canábis.
Ao se considerar as opções de medicação, a consulta em serviços especializados é recomendada.
O uso da medicação deve ser de curto prazo e cuidadosamente monitorizado.

5.10. Tratamento por fases para sintomas de abstinência

Tal como acontece com outras substâncias psicoativas, a dependência fisiológica da canábis, por si só, não
é suscetível de conduzir à mudança do comportamento a longo prazo. A abstinência deve ser parte de um
processo contínuo de cuidados. Isso incorpora planeamento de apoio do caso pós-tratamento. Devem ser
seguidos bons procedimentos de referenciação e existir um gestor central do caso que coordene as
referenciações, identificando os serviços de apoio apropriados, ao prosseguimento do tratamento. O
planeamento pós-abstinência pode ser realizado formalmente (plano pós-tratamento) ou informalmente
(deixando a porta aberta para que o utente volte) dependendo dos procedimentos institucionais.

5.11. Intervenção psicoeducativa para sintomas de abstinência


UM GUIA CLÍNICO 57

Como a pesquisa sobre abstinência da canábis está no início, poucos estudos examinaram a eficácia
específica das intervenções psicossociais para lidar com a abstinência da canábis. As intervenções
psicossociais para gestão da abstinência da canábis encontram-se bem suportadas na literatura mais
abrangente. Estas intervenções envolvem o fornecimento aos utentes de informações precisas sobre a
natureza e o curso dos sintomas de abstinência (ver capítulo 9) e envolvem também a ajuda no
desenvolvimento de estratégias para lidar com potenciais sintomas. Estratégias de autogestão, que têm
uma forte base de evidência na literatura sobre abuso de substâncias, incluem a higiene do sono, o
relaxamento muscular progressivo, a meditação, o exercício e o apoio social.

Os utentes devem ser encorajados a manter um diário dos sintomas que experimentam durante todo o
período de abstinência. As estratégias para lidar com eles aparecem no quadro 12. O diário pode ser
analisado durante as sessões de tratamento, e pode ajudar os utentes e o técnico na determinação das
estratégias que são mais eficazes e, ajudar também a demostrar que os sintomas vão rapidamente
diminuindo. É importante explicar aos utentes que os sintomas de abstinência podem ser muito distintos
e que cada pessoa não tem que os experienciar todos. Em cada sessão, é importante rever com o utente
os sintomas que estão e os que não estão em remissão; estratégias de gestão utilizadas; e sua eficácia.

Quadro 12: Sintomas e tratamentos associados recomendados

Sintomas de Intervenções Psicossociais Explicação da intervenção


abstinência sugeridas
Problemas de sono Relaxamento muscular Técnica de relaxamento concebida para reduzir a
progressivo tensão armazenada nos músculos. Particularmente útil
para pensamentos intrusivos.
Relaxamento imagético Abordagem guiada que visa criar um espaço seguro e
de apoio na mente do utente.
Cravings Surfar o impulso Uma técnica cognitiva utilizada para enfrentar o
craving
Raiva/Irritação Desafio de crenças irracionais Uma técnica para desafiar crenças que levam a padrões
inúteis de comportamento
Atividade física

Relaxamento e estratégias de
coping
Alterações do humor Gestão do humor Aprender a gerir eficazmente as emoções difíceis, tais
como a raiva, depressão, ansiedade e baixa auto-
estima
Estratégias de coping Estratégias para aliviar ou lidar com situações
stressantes em que o risco de recaída é elevado
Agendamento de atividades Calendarização de atividades agradáveis que dão
prazer e desafiam perceções negativas

Consultar o capítulo 12 para ver exemplos de como executar estas intervenções com os utentes.

5.12. Sumário
58 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Os sintomas de abstinência são comuns em utentes que usam canábis regularmente. Embora os sintomas
de abstinência sejam geralmente ligeiros, podem dificultar a abstinência. A monitorização dos sintomas e
a comunicação sobre o seu papel ao longo do percurso de abstinência da canábis, pode ser uma
intervenção útil. Até agora, não existem medicamentos aprovados que estejam disponíveis para auxiliar
na gestão da abstinência da canábis.

Recomendação Evidência
Independentemente da abordagem, os sintomas de abstinência devem ser considerados de B
forma rotineira na avaliação
Devem ser consideradas uma série de intervenções psicossociais antes da terapia farmacológica C
para a gestão dos sintomas de abstinência
Monitorização dos sintomas de abstinência e intervenção psicoeducativa apropriada, são C
abordagens que serão úteis para a intervenção
Embora não haja nenhuma evidência atual para apoiar o uso de farmacoterapia no alívio dos D
sintomas de abstinência, pode ser considerado, por um curto prazo, o uso medicamentos
apropriados para sintomas específicos decorrentes da abstinência

5.13. Referências

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CAPÍTULO 6: Intervenções Breves


UM GUIA CLÍNICO 59

6.1 Visão geral sobre as intervenções breves

As intervenções breves visam detetar e intervir com consumidores que, independentemente de


satisfazerem os critérios para desordem associada ao uso de canábis, apresentam problemas como
resultado do seu uso e, estão em risco de desenvolverem dependência de canábis, a longo prazo. As
intervenções precoces são geralmente oportunistas e apropriadas para os consumidores em que, embora
não tendo especificamente procurado ajuda para o seu consumo de canábis, é avaliado o uso como sendo
de risco. O objetivo de uma intervenção breve é reduzir o risco de danos do uso de canábis. Embora a
abstinência seja a melhor forma de redução dos danos, nem todos os consumidores estão prontos e
motivados para esta situação. Esforçar-se para perceber as metas intermédias, tais como, diminuição ou
uso em situações de menor risco, vai permitir aos consumidores alcançar um controlo. O controlo, por
sua vez, pode aumentar a motivação de um consumidor para trabalhar com objetivos mais difíceis de
alcançar, tais como, a abstinência.

As intervenções breves geralmente variam de uma a nove sessões e tipicamente incluem o fornecimento
de material de auto-ajuda, uma avaliação breve, aconselhamento e informações, avaliação da motivação
para a mudança, resolução de problemas, definição de metas, prevenção de recaídas, redução de danos
e follow up (Marsh, Dale & Willis, 2007). Uma série de estudos em grande escala nos EUA e na Austrália
(ver quadro 13) fornecem o suporte para quatro intervenções de base comportamental: Entrevista
Motivacional (MI), Terapia Motivacional (MET), Terapia Cognitivo-Comportamental (CBT) e Gestão da
Contingência (CM). O tratamento que recolhe maior evidência tem sido a combinação da Gestão da
Contingência com a Terapia Cognitivo-comportamental (Budney et al., 2006).

Dado que o número ótimo de sessões é desconhecido, este capítulo fornece duas opções para as
intervenções. Para a primeira, são fornecidas informações a respeito de uma intervenção de duas sessões
breves para consumidores que ainda apresentam poucos problemas relacionados com o consumo de
canábis ou que não estejam motivados para iniciar um processo mais intensivo nos serviços de
tratamento. Para a segunda, detalha-se componentes comuns utilizadas em várias intervenções baseadas
na evidência, de modo a que o terapeuta possa adicionar essas componentes ao tratamento-base de duas
sessões, de acordo com as necessidades do consumidor. Como a maioria dos programas variam entre 4 a
6 sessões, oferece-se um programa de seis semanas que pode ser adaptado para cada consumidor.

Tabela 13: ensaios aleatórios de tratamentos comportamentais (adultos e jovens adultos)

Desenho Manual
Autor N do estudo Intervenção Resultados disponível
60 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Stephens 212 Adultos, CBT vs grupo Ambos os grupos tiveram reduções N/A
et al., 1994 dois social de apoio significativas quanto ao consumo de
grupos, (intervenção/ canábis. Não existiram diferenças
12-meses discussão) significativas entre os grupos, em dias de
follow-up consumo de canábis, problemas
relacionados com a canábis, ou taxas de
abstinência.

Stephens 291 Adultos, grupo de Os dois primeiros grupos (CBT e MET) N/A
et al., 2000 três tratamento de 14- revelaram melhores resultados do que o
grupos, sessões CBT grupo de controlo (DTC). Não existiram
12-meses vs diferenças significativas nos resultados
follow-up 2-sessões MET vs entre os grupos CBT e MET.
grupo de controlo
com tratamento
adiado (DTC)
Budney 60 Adultos, 4-sessões MET Não existiram diferenças significativas NO
et al., 2006 três vs 14-sessões quanto à abstinência entre os grupos
grupos, MET/CBT vs MET/ MET e MET/CBT. MET/CBT + V teve
sem CBT e incentivos períodos maiores de abstinência e mais
follow-up com voucher sujeitos abstinentes no fim do
(MET/ tratamento do que os outros dois grupos
CBT+V)

Copeland 229 Adultos, 6-sessões Ambos os grupos de tratamento NO


et al., 2001 três MET/CBT apresentaram melhores resultados
grupos, vs 1-sessão MET/ (maiores taxas de abstinência, menos
6-meses CBT vs DTC problemas relacionados com o uso de
follow-up canábis, menos preocupação com o
consumo de canábis) do que o DTC

Sinha Jovens 3-sessões MET vs Os vouchers reforçaram a adesão ao N/A


et al., 2003 adultos 3-sessões MET e tratamento mas não interferiram no
sob vouchers consumo de canábis. Note-se que o
vigilância incentivo do voucher foi importante para
judicial, a continuidade das sessões, mas não
dois para a abstinência
grupos, 1-
mês
follow-up
Cannabis 450 Adultos, 9-sessões Ambos os grupos de tratamento SIM
Treatment três MET/CBT revelaram uma melhoria em relação ao Steinberg
Research grupos, vs 2-sessões MET do DTC, na maioria das medidas. As 9 et al.,
Project multi-site, vs DTC sessões de MET /CBT reduziram o uso de 2005
Group, 12-meses canábis e as consequências associadas
2004 followup em relação às 2 sessões de MET

Budney 90 Adultos, 14-sessões Não se verificaram diferenças no início NO


et al., 2006 três MET/CBT vs da abstinência durante o tratamento,
grupos, MET/CBT entre MET /CBT + V e somente vouchers;
12-meses e vouchers mas ambos apresentaram resultados
follow-up (MET/CBT+V) vs superiores à utilização só de MET/CBT.
somente
vouchers MET /CBT + V apresentaram, taxas
superiores no pós-tratamento
relativamente à abstinência do que
somente vouchers ou MET/CBT

Carroll 136 Jovens MET/CBT vs Somente vouchers aumentou a retenção N/A


et al., 2006 adultos, MET/CBT e no tratamento e a abstinência;
quatro vouchers (MET/ MET/CBT+V demonstrou melhores
grupos, 6- resultados.
meses
UM GUIA CLÍNICO 61

follow-up CBT+V) vs MET/CBT aumentou os autorrelatos de


somente diminuição do consumo no follow-up
vouchers após 6 meses
vs gestão de caso
Kadden 240 Adultos, MET/CBT vs MET/ Somente vouchers apresentou melhores N/A
et al., 2007 quatro CBT e vouchers resultados quanto à abstinência.
grupos, (MET/CBT+V) vs
12-meses Aconselhamento MET / CBT + V demonstrou taxas
follow-up individual de superiores de abstinência nos follow-ups
substâncias (DC) seguintes.
vs
DC e vouchers
Dennis 600 Jovens 5-sessões MET/ Todas as intervenções demonstraram SIM
et al., 2002 15–16 CBT vs 12-sessões mudanças significativas entre o pré e o
anos MET/CBT vs pós-tratamento ao longo de 12 meses.
suporte familiar Nenhum tratamento foi superior a outro

Martin & 40 Jovens 2 sessões MET vs A intervenção de grupo mostrou SIM


Copeland, 14–19 DTC efetivamente maiores reduções na
2008 anos frequência de uso e de sintomas de
dependência

6.2 Elementos de sucesso nas intervenções breves

Miller e Sanchez (1993) analisaram uma série de intervenções breves nas questões do álcool e
identificaram os seguintes seis componentes comuns, que revelam eficácia:

 F Feedback – devolver informação sobre a avaliação clínica

 R Responsabilidade – enfatizar a responsabilidade pessoal do consumidor relativamente ao seu


uso de substâncias e associando-o ao seu comportamento

 A Aconselhamento – fornecer conselhos claros e práticos e material de auto-ajuda.

 M Menu – oferecer um leque de comportamentos de mudança e opções de intervenção

 E Empatia – expressar empatia e apoio, sem julgamento

 S Auto eficácia (self-efficacy) – reforçar a capacidade do indivíduo para a mudança

A intervenção FRAMES pode ser dividida em duas fases principais:

(1) Motivação para a mudança, e

(2) Fortalecimento do compromisso de mudança (Miller & Rollnick, 1991)

De seguida, dar-se-ão mais informações acerca das técnicas mais adequadas. Estas técnicas são
genericamente eficazes na área dos consumos de substâncias e os técnicos são incentivados a realizarem
treinos específicos em estratégias cognitivo-comportamentais e em técnicas de aperfeiçoamento da
motivação.
62 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

6.3 Entrevista Motivacional (MI)

A Entrevista Motivacional (MI – Motivational Interviewing) é uma estratégica clínica que tem como
objetivo aumentar a motivação do consumidor para a mudança. Na MI podem ser incorporados o
aconselhamento, a avaliação, as intervenções breves e os objetivos para aumentar a consciência do
consumidor acerca dos potenciais problemas causados pelo consumo, consequências experimentadas e
os riscos enfrentados, como resultado de um certo tipo de comportamento. Os principais objetivos são
estabelecer um relacionamento, provocar reflexões acerca da mudança e estabelecer uma linguagem de
compromisso com o consumidor. Como esta abordagem explora e resolve a ambivalência dentro do
consumidor, é adequada aqueles que são candidatos a tratamento não voluntário (isto é, têm obrigações
judiciais) ou que estão em fase de contemplação da mudança mas não completamente prontos para
passar para a fase da ação. A ambivalência é aceite como normal.

A MI é apoiada por mais de 80 ensaios clínicos controlados (Hettema, Steele & Miller, 2005) numa
variedade de populações-alvo e comportamentos, incluindo transtornos pelo uso de substâncias, a
promoção de comportamentos saudáveis, a adesão à medicação e tratamento de transtornos mentais.

 Miller e Rollnick (1991) identificaram caraterísticas de estilo no terapeuta que representam o


espírito da entrevista motivacional, com base na evidência de que estes são mais importantes do
que qualquer técnica em particular. Identificaram como caraterística mais importante a
abordagem colaborativa, tentando entender o ponto de vista do consumidor, particularmente
pela via da escuta reflexiva, do resumo e da afirmação (ver abaixo)

 A MI envolve a descoberta e o reforço seletivo das declarações de auto-motivação do


consumidor

 A MI exige um acompanhamento do grau de prontidão do consumidor para a mudança e o


garantir do mínimo de resistência, combinando a sua abordagem com a fase de mudança em que
se encontra o consumidor

 A MI promove a autonomia do consumidor

Esquema da Entrevista Motivacional

1. COLABORAÇÃO

2. EVOCAÇÃO ESPÍRITO 1. EXPRESSAR EMPATIA


UM GUIA CLÍNICO 63

3. AUTONOMIA 2. DESENVOLVER A DISCREPÂNCIA

PRINCÍPIOS 3. ACOMPANHAR A RESISTÊNCIA

4. APOIAR A AUTO EFICÁCIA

1. PERGUNTAS ABERTAS
COMPETÊNCIAS
2. AFIRMAR

3. REFLETIR

COMPORTAMENTO
4. RESUMIR
ALVO

Miller e Rollnick (2002) descreveram quatro princípios básicos de motivação subjacente à MI. Estes são
os seguintes:

1. Expressar empatia

2. Desenvolver a discrepância

3. Trabalhar com a resistência

4. Apoiar a auto-eficácia

1. Expressar empatia

O terapeuta da MI procura comunicar um grande respeito pelo consumidor. As relações que implicam
posições superior-inferior entre o terapeuta e o consumidor são evitadas. O papel do terapeuta é uma
mistura de companheiro solidário e consultor experiente. A liberdade de escolha do consumidor e a
direção a seguir são respeitadas. Neste ponto de vista só o consumidor pode decidir mudar e realizar essa
escolha. O terapeuta procura maneiras de reforçar e promover o consumidor, ao invés de denegrir ou
empurrar para baixo o consumidor. Grande parte da MI é ouvir em vez de dizer. A persuasão é gentil,
subtil, sempre com o pressuposto de que a mudança é para cima, para o consumidor. O poder da
persuasão gentil, não agressiva, tem sido amplamente reconhecido em escritos clínicos, incluindo Bill
Watson em “Trabalhando com os outros” (Alcoólicos Anónimos, 1976). A escuta reflexiva (empatia) é uma
competência fundamental na entrevista motivacional. Comunica-se a aceitação dos consumidores tal
como eles são e apoiam-se os seus processos de mudança.

2. Desenvolver a discrepância

A motivação para a mudança ocorre quando as pessoas percebem a discrepância entre onde estão e onde
querem estar. Esta abordagem visa aumentar e focar a atenção do consumidor nestas discrepâncias
64 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

relacionadas com o uso de substâncias. Em determinados casos, em que o consumidor não está
seriamente comprometido com o pensamento de mudança, pode ser necessário desenvolver tal
discrepância, sensibilizando o consumidor para as consequências adversas do seu uso de substâncias. Tal
informação, quando devidamente apresentada pode precipitar a motivação para a mudança. Como
resultado, o indivíduo pode estar mais disposto a entrar numa discussão honesta acerca das opções de
mudança, a fim de reduzir a discrepância e recuperar o equilíbrio emocional. Noutros casos, o consumidor
inicia o tratamento na fase da “contemplação” e, com menos tempo e esforço, é possível o consumidor
passar para o ponto da determinação de mudar.

3. Trabalhar com a resistência

Como o terapeuta lida com a “resistência” do consumidor, é uma caraterística crucial e definidora desta
abordagem. As estratégias da MI são, não encarar de frente a resistência mas sim, “rolar com” esta, com
o objetivo de mudar as perceções do consumidor no processo. Novas formas de pensar o problema são
apresentadas mas não são impostas. A ambivalência é vista como normal, não patológica, e é explorada
abertamente. As soluções são geralmente evocadas a partir do consumidor, para lidar com a resistência,
em vez de serem fornecidas pelo terapeuta. Esta abordagem, para lidar com a resistência, será descrita
detalhadamente mais tarde.

4. Apoiar a auto-eficácia

Uma pessoa que está convencida de que tem um grave problema, não se moverá em direção à mudança
a menos que haja esperança de sucesso. Bandura (1982) descreveu a auto-eficácia como um
determinante crítico da mudança de comportamento. Esta é, na sua essência, a crença de que é possível
realizar um determinado comportamento ou realizar uma determinada tarefa. Neste caso, os
consumidores devem ser convencidos de que podem mudar o seu uso de substâncias e, assim, reduzir os
problemas associados ao consumo. Vulgarmente, definimos esta situação de esperança ou otimismo,
embora não seja uma natureza otimista global que é crucial aqui, mas sim, a crença específica dos
consumidores de que podem alterar o seu problema com substâncias. A menos que este elemento esteja
presente, uma crise de discrepância é suscetível de ser resolvida em coping defensivo (por exemplo,
racionalização, negação) de forma a reduzir o desconforto, sem alterar o comportamento. Este é um
processo de proteção natural e compreensível. Se uma pessoa tem pouca esperança de que a situação
pode mudar, há pouco sentido em enfrentar o problema.

Mais informações podem ser encontradas em Miller (1995).

A MI foi adaptada para diversas abordagens de intervenções breves, das quais a mais conhecida é a MET
utilizada no PROJECT MATCH dirigida a consumidores de álcool (Project Match Research Group, 1993). A
MET é uma abordagem de 4 sessões, limitadas no tempo, que fornece feedback baseado na
normatividade, e utiliza a MI com o objetivo de explorar a motivação do consumidor para mudar face ao
UM GUIA CLÍNICO 65

feedback fornecido. Esta abordagem de incluir a MI no feedback de avaliação da preparação para a


mudança tem sido adotada por muitas intervenções breves com grande sucesso (Miller & Rollnick, 2002).

Exemplos de respostas dos consumidores, utilizando a MI do quadro acima

Consumidor: “Eu só estou aqui porque o juiz me obrigou”

Terapeuta: “Então foi obrigado a vir aqui. (refletindo de volta e sem zangas)”

Consumidor: “Um charro realmente relaxa-me.”

Terapeuta: “Percebe que a canábis relaxa-o no momento. Também notei que teve um aumento da
ansiedade nos últimos 12 meses, o que corresponde ao período em que aumentou os consumos. (ligando
o passado e desenvolvendo a discrepância).”

Consumidor: “ Eu deixaria de consumir caso os meus pais não estivessem constantemente em cima de
mim.”

Terapeuta: “O seu consumo de canábis não é o seu único problema. Parece que existem algumas
questões para trabalhar como os seus pais. (contornando a resistência).”

6.4 Terapia cognitivo-comportamental (CBT)

A Terapia Cognitivo-comportamental (CBT – Cognitive-behavioural therapy) encontra-se validada, e


pressupõe que as cognições e os comportamentos estão muitas vezes intrinsecamente associados. O uso
de substâncias é muitas vezes um mecanismo primário, dos consumidores dependentes, de lidarem com
uma variedade de situações, tanto negativas (tais como, as angustiantes) como positivas (como as
celebrações e as recompensas). O ênfase do treino das competências é ajudar os consumidores a
desaprenderem velhos hábitos e substituí-los por novos, mais funcionais. A CBT permite que os
consumidores desenvolvam, sob supervisão clínica, novas competências de enfrentamento, ou
restabeleçam antigas competências que foram negligenciadas.

Crê-se que os transtornos causados pelo abuso de substâncias, tal como muitas desordens psicológicas,
são o resultado, em parte, de processos de pensamentos defeituosos ou irracionais que têm a sua
manifestação em comportamentos disfuncionais (como o consumo de substâncias). Muitos desses
pensamentos são automáticos, habituais e resistentes à mudança. O desenvolvimento de técnicas para
alterar ou desafiar tais processos de pensamento, em conjunto com outras cognições e respostas
comportamentais de coping, pode promover a redução da dependência de um indivíduo face à
substância. Assim, a CBT é uma abordagem baseada nas competências e o seu trabalho consiste em ajudar
os consumidores a desenvolverem uma variedade de técnicas terapêuticas para superar a dependência
fisiológica e a dependência habitual de uma substância como um mecanismo de enfrentamento. A
abordagem é estruturada e orientada para o objetivo, com “trabalhos de casa”, tarefas que exigem aos
66 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

utentes desenvolverem competências específicas no contexto do seu consumo problemático de


substâncias, praticando os exercícios definidos.

Vantagens

A abordagem da CBT é uma intervenção terapêutica relativamente breve, especialmente quando


comparada com outras terapias psicológicas. A CBT para o abuso de substâncias pode ser eficaz com 1 –
6 sessões (Mattick & Jarvis, 1993). Além disso, as competências ou técnicas específicas utilizadas podem
ser variadas, de acordo com as necessidades de cada indivíduo.

Elementos

O êxito terapêutico da CBT implica vários elementos importantes. Basicamente, os consumidores são
instruídos no uso de competências de enfrentamento relacionados com a substância. Estes incluem:

 Técnicas de gestão de impulsos e desejos;

 Reconhecer os gatilhos do uso de substâncias; e,

 Desenvolver estratégias pessoais, tanto para evitar como lidar com esses gatilhos, gestão dos
sintomas de abstinência e prevenção da recaída, aprendizagem de estratégias.

 Técnicas de gestão de sentimentos negativos;

 Competências de gestão do stress;

 Assertividade e competências de comunicação; e,

 Técnicas de relaxamento.

Mais informações:

Australian Association for Cognitive and Behaviour Therapy


www.aacbt.org/

The British Association for Behavioural and Cognitive Psychotherapies


www.babcp.com/

Association for Behavioural and Cognitive Therapies


www.abct.org/dhome/

The European Association for Behavioural and Cognitive Therapies


UM GUIA CLÍNICO 67

www.eabct.com/

The Centre for Clinical Interventions


www.cci.health.wa.gov.au/index.html/

The Psychological Self-Help (Mental Health Net)


www.psychologicalselfhelp.org/

6.5 Gestão da Contingência (CM)

A gestão da contingência (CM - Contingency Management) envolve o uso sistemático de consequências


positivas e negativas (de recompensa e punição) seguidas de um comportamento alvo (Budney et al.,
2011). No caso dos tratamentos para a dependência de canábis, dois tipos de CM foram testados até à
data: baseadas na abstinência e em vales de presença (vouchers). Este incentivo foi adaptado a partir de
um programa desenvolvido para o tratamento da dependência da cocaína (Budney & Higgins, 1998).
Baseado na abstinência, o programa de vales prevê incentivos palpáveis baseados na abstinência da
canábis, documentado através de um ou dois testes de despiste de consumos, uma ou duas vezes por
semana. Os vales podem ter um valor monetário, que aumenta à medida de cada teste negativo
consecutivo. Os vales podem ser trocados por produtos ou atividades sociais que podem servir como
alternativa ao uso de canábis.

Dos cinco ensaios publicados baseados na gestão da contingência e uso de canábis, todos relatam efeitos
positivos nos resultados sobre o consumo de canábis (Budney et al., 2006). A gestão de contingência, no
entanto, não possui avaliações fora das condições de ensaios experimentais. Apesar da falta de estudos
de eficácia (ou seja, de aplicações reais), existe uma evidência clara e consistente em toda a literatura de
abuso de substâncias, que comprova a eficácia em gerar altas taxas de abstinência a curto e médio prazo
nos programas de incentivo baseados na abstinência.

Informação geral

A gestão da contingência considera o uso de substâncias como comportamento operante, isto é, um


comportamento que é mantido em parte pelos efeitos bioquímicos de reforço da substância abusada e,
em parte, através do reforço de influências ambientais (por exemplo, o reforço social dos pares). A gestão
de contingência, sob a forma de vales, foi o meio encontrado para auxiliar os consumidores de canábis a
alcançarem a abstinência por períodos longos durante o tratamento (Petry & Simic, 2002). A gestão da
contingência procura fornecer incentivos alternativos condicionados pela abstinência a uma substância
específica. Existem quatro métodos principais de fornecimento de incentivos:
68 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

 Baseado em vouchers de reforço: os consumidores recebem vales de variados valores


monetários (normalmente aumentando em valor após sucessivos períodos de abstinência)
através da recolha de amostras biológicas (geralmente urina) quando negativas para o teste de
substâncias. Uma vez alcançada a abstinência, os comprovativos são trocados por mercadorias
ou serviços que são compatíveis com um estilo de vida livre de substâncias.

 Reforço à base de prémios: sempre que os participantes apresentem resultados negativos nas
análises de despiste recebem conjuntos de senhas, as quais são mantidas num recipiente.
Perante resultados positivos, são retiradas senhas. Cada sorteio apresenta uma oportunidade de
ganhar um “prémio” com um valor variável. Normalmente, cerca de metade das senhas dizem
“Bom trabalho!”. A outra metade recebe um prémio de determinado valor.

 Privilégios: os participantes recebem privilégios sempre que o teste tiver um resultado negativo

 Incentivos monetários: tem havido alguns estudos na América no campo da canábis que
avaliaram o uso de incentivos monetários. Aparentemente os de baixo valor (US$3) são tão
eficazes quanto os de maior valor (US$20).

Se se considerar oferecer incentivos (CM) deve-se ter ciente que as seguintes questões têm que ser
acordadas:

 O comportamento-alvo (ou seja, a frequência ou o uso de substâncias)

 O tipo de recompensa (dinheiro, vouchers ou produtos)

 O cronograma (cumulativo, comportamental)

 Os princípios de aplicação (consistência, acordo/contrato/tangível)

 Os detalhes do programa (duração, objetivo, consequências – incluindo magnitude -, cronograma


de entrega, custos da logística, aceitabilidade, formação, considerações, etc.)

 Se existe um financiamento sustentável.

6.6 Esboço de uma intervenção de sessão única


UM GUIA CLÍNICO 69

Estabelecer
objetivos

Intervenção
Monitorizar
psicoeducativa

60 a 90
minutos

Preparação para
a Mudança
Rastrear
/Entrevista
Motivacional

Rastreio

 A triagem/avaliação pode ser feita com perguntas abertas e/ou instrumentos formais

 Questionários/quadros devem ser cotados e devolvidos os resultados nas sessões, levando em


consideração as respostas individuais do utente

 Convidar para reflexões, perguntando: "O que quer fazer com isso? "

Intervenção Psicoeducativa

 Incluiu refletir acerca dos danos causados pelo consumo de canábis que são apresentados pelo
consumidor na sua avaliação. Fornecimento ao consumidor de materiais psicoeducativos
adicionais (ver guias e folhetos, como “Guia para Parar”, disponível a partir de www.ncpic.org.au)

Auto-monitorização do consumo de canábis/sintomas de abstinência e/ou estado de espírito

 Se um consumidor expressa motivação para modificar o seu consumo de canábis, deve-se


incentivá-lo para monitorizar as mudanças pelo menos durante sete dias. Para os consumidores
com que também apresentem transtornos de humor, pode ser registado num diário, o uso de
canábis, os sintomas de abstinência e as relações com as alterações no estado de humor (ver
diário de canábis no capítulo 12).
70 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Preparação para a mudança

 Se os consumidores estão ambivalentes sobre a mudança acerca do seu uso de canábis, deve-se
empregar técnicas da MI para criar um desejo e firmar a resolução do compromisso com a
mudança.

 Completar a ficha dos “prós e contras”(ver balanço decisional no capítulo 12)

 Se o consumidor tem o compromisso de mudar, definir uma data para o abandono do consumo
e discutir a prevenção da recaída (ver capítulo 12)

 Se o consumidor não está interessado em modificar o consumo deve-se, nessa altura, oferecer
material educativo (ver capítulo 9) e negociar uma sessão de follow-up

Negociar a continuidade do tratamento/referenciação ou uma sessão de follow up

 A duração e a intensidade de uma intervenção devem ser discutidas desde o início

 Discutir os procedimentos do follow up da instituição é um aspeto importante para o


compromisso.

 Sugerir duas a seis sessões de intervenção. Esta sugestão encontra-se descrita no ponto seguinte,
no entanto, técnicos mais experientes podem preferir escolher e aplicar intervenções, tais como
as referidas no quadro 14, as quais estão validadas.

6.7 Intervenções de duas a seis sessões

Na ausência de evidência científica quanto ao número ideal de sessões e quanto aos componentes de
tratamento de maior sucesso, encontram-se descritos detalhadamente mais abaixo, os elementos melhor
sucedidos, apresentados em estudos acerca do tratamento de canábis. Técnicos experientes podem
incluir esses componentes de acordo com as necessidades do consumidor e com base na avaliação do
caso. Isto inclui um número negociável de sessões e o estabelecimento da ordem pela qual os
componentes serão apresentados. Não existe qualquer evidência quanto à importância dos
componentes, relativamente uns aos outros.

Quadro 14: Componentes das intervenções em canábis com base na evidência


UM GUIA CLÍNICO 71

Geral Comportamental Cognitivo

Auto-monitorização Agendamento de atividades Gestão da vontade de consumir


(urge surfing)
Estabelecimento de metas Identificação de estratégias de Gestão do Humor/consciência
coping cognitiva/estratégias de
enfrentamento
Competências de resolução de Competências de recusa de Prevenção da recaída
problemas consumo
Intervenção psicoeducativa Gestão do humor Mudança de crenças irracionais
Higiene do sono Gestão da vontade de consumir
(urge surfing)
* Nota: os materiais destes tópicos estão acessíveis no capítulo 12

Em alternativa, os terapeutas podem seguir as linhas de orientação de tratamentos já testados. Como


exemplo, fornece-se as seguintes linhas de orientação retiradas de A Brief Cognitive-Behavioural
Intervention for Cannabis Dependence: Therapists´Treatment Manual (Rees, Copeland & Swift, 1998).
Existem outros manuais disponíveis, sem custos (ver quadro 13).

Sessão 1: sessão de avaliação

 Definir a situação e introduzir o consumidor no treino da motivação para a mudança do


comportamento

 Explicar a política de privacidade do serviço e o tipo de tratamento oferecido

 Explicitar a importância de participarem nas 6 sessões para obterem melhores resultados

 Explicar as razões da CBT, isto é, o fornecimento de ferramentas específicas que suportem


as alterações desejadas

 Traçar o plano para a terapia

 Fornecer o feedback dos instrumentos de rastreio

 Nível de dependência (em escala SDS)

 Situações de alto risco e gatilhos (escala de fumadores de canábis)

 Identificar as razões para os consumos e os seus prós e contras

 Estratégias de aperfeiçoamento da motivação

 Estabelecer a atitude do consumidor e a confiança para alterar e adequar a intervenção à


sua fase de mudança

 Definir objetivos
72 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

 Considerar os objetivos com base nas conversas sobre as razões para a redução/paragem

 Introdução à auto monitorização comportamental

 Explicar que manter sobre controlo o comportamento de uso pode ajudar a identificar
padrões inúteis de pensamento e comportamento

Sessão 2: Planificar a abstinência

 Revisão da semana e dos exercícios realizados em casa

 Verificar ou completar o trabalho de casa

 Revisão de gatilhos pessoais e de situações de alto risco

 Avaliação do impulso e gatilho diário e análise de padrões emergentes

 Resumir gatilhos ou pistas

 Introdução para lidar com os impulsos

 Estabelecer estratégias para superar os impulsos

 Compreender a natureza dos impulsos, incluindo as limitações

 Gerir a vontade de consumir (surfar o impulso), não reforçar a vontade, atrasando-a ou


distraindo-se

 Planear a paragem

 Definir um dia para a paragem (*ver 6.8)

 Informação e discussão acerca dos sintomas de abstinência

 Identificar sistemas de apoio social (quem, o quê, como)

 Lidar com deslizes ou lapsos

 Seção opcional: competências de recusa do consumo de substâncias

 Praticar declarações confiantes sobre “ter desistido”

 Conclusão: objetivos e trabalhos de casa

Sessão 3: gestão da abstinência e reestruturação cognitiva


UM GUIA CLÍNICO 73

 Revisão da semana anterior

 revisão dos sucessos das tentativas de paragem

 revisão das situações e gatilhos de alto risco

 Revisão dos sintomas de abstinência

 Revisão do diário e reforço da natureza limitada dos sintomas

 Reestruturação cognitiva: problemas cognitivos no abandono do consumo da canábis

 Esboço do modelo ABC

 Desafio dos pensamentos automáticos

 Discutir e desafiar as expetativas emergentes e automáticas face aos resultados do


consumo de canábis

 Terminar a sessão

Sessão 4: revisão de estratégias cognitivas e aprimoramento das competências

 Revisão da semana anterior

 revisão dos pensamentos negativos e pensamentos automáticos

 Introduzir decisões aparentemente irrelevantes

 Desenvolvimento de competências pessoais

 Dependentes da necessidade do consumidor:

i) Competências de resolução de problemas (reconhecimento de problemas e


construção de soluções)

ii) Gestão da insónia (princípios da higiene de sono)

iii) Relaxamento muscular progressivo

Sessão 5: revisão e consolidação

 Revisão da semana anterior

 Revisão de todo o progresso e das estratégias efetivas

 Treino das competências de coping


74 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

i) Competências de assertividade/compreensão da autoestima

ii) Competências de comunicação

iii) Gestão do stress/raiva

 Conclusão da sessão

Sessão 6: prevenção de recaída e mudança do estilo de vida

 Resumo dos trabalhos de casa da semana anterior

 Prevenção da recaída

 Esboçar as ideias principais ideias a serem discutidas

 Discutir a consciencialização da racionalização

 Discutir o relacionamento passado do consumidor com a canábis

 Discutir sentimentos de perda ou ansiedade relacionados com a paragem da canábis

 Lidar com lapsos/recaídas

 Identificação de recompensas pessoais

 Olhar para o futuro

 Rever mudanças positivas

 Após a terapia ter terminado

 Identificar o apoio do pós-tratamento

6.8 Definir o dia de paragem

A experiência clínica sugere o benefício dos consumidores nomearem um dia para a paragem (ou seja,
um dia em que deixarão de consumir canábis). Como nem todos os consumidores apresentam como
objetivo a abstinência, os técnicos podem precisar de adequar a data de paragem para uma data de
redução. Estas datas permitem aos consumidores iniciarem um processo de redução ao longo do tempo.

Ao tentar definir uma data para parar, os técnicos devem discutir:

 Objetivos do utente: como mencionado acima, nem todos os consumidores têm como objetivo
a abstinência
UM GUIA CLÍNICO 75

 Gravidade da dependência: como recomendado no campo do álcool, aqueles com dependência


mais severa, são encorajados a passar algum tempo longe dos locais associados aos consumos
de canábis

 Auto eficácia para a recusa da canábis: a confiança do consumidor pode ser amplificada ao serem
discutidos sucessos anteriores quer na concretização da abstinência ou na alteração dos
consumos ou noutros sucessos que destaquem os seus recursos/pontos fortes

 Requisitos educacionais/emprego, legais ou responsabilidades parentais: determinadas


obrigações podem influenciar a necessidade de parar ou reduzir os consumos, condicionando os
prazos estabelecidos pelo consumidor a fim de alcançar os seus objetivos

6.9 Sumário

Recomendação Evidência

Os resultados dos ensaios de tratamento indicaram que as intervenções que A


utilizam CBT/MET e CM são um tratamento eficaz para o consumo de canábis

Os técnicos devem treinar as técnicas da MI, a fim de intervirem B


apropriadamente com os consumidores nas diferentes etapas de mudança

Como não existe nenhuma evidência acerca do número de sessões, os técnicos C


devem desenvolver as competências para oferecer 1 a 9 sessões, dependendo
das necessidades ou dos objetivos dos consumidores e da definição da instituição

6.10 Referências

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CAPÍTULO 7: Considerações especiais

7.1 Jovens
78 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

O trabalho com jovens implica uma compreensão acerca das questões do desenvolvimento, assim como,
dos riscos e fatores de proteção associados às questões inerentes à adolescência. Tem sido sugerido que
o trabalho com jovens implica abordagens únicas em que são considerados os processos
desenvolvimentais, diferenças físicas, crenças diferentes e sistemas de valores (Winters, 1999).
Tipicamente, os jovens não procuram tratamento. Daqueles que se apresentam em tratamento, muitos
foram coagidos, por indicação judicial ou pressionados pela família ou escola e podem apresentar
desmotivação para a mudança. Uma vez que muitos jovens não concluem o tratamento, necessitam de
informação atualizada, incluindo estratégias de redução de danos; e estas devem ser fornecidas desde o
início do tratamento, combinando-se durante as primeiras sessões, a avaliação e a intervenção
psicoeducativas.

As intervenções breves motivacionais têm demonstrado serem eficazes na redução do consumo de


canábis e nos problemas associados, tanto em jovens que procuram tratamento como naqueles que não
o procuram (Dennis et al., 2004; Martin & Copeland, 2008). É sugerido que as abordagens motivacionais,
particularmente apropriadas para os jovens, coloquem a ênfase na aceitação, sem juízos morais,
evitando-se a argumentação e a confrontação hostil (Tevyaw & Monti, 2004). Esta abordagem, de
aceitação, também significa que, para os jovens poderem participar na intervenção, não precisam de se
identificar como tendo um problema de consumo (ou um potencial problema). Esta posição, promove o
compromisso dos jovens, que não percecionam o seu comportamento como problemático, nem se auto-
identificam como tendo um problema (Tevyaw & Monti, 2004).

Existem vários fatores que podem reduzir a probabilidade dos jovens procurarem tratamento:

 Os jovens acreditam na sua invencibilidade;

 A adolescência é um período natural de experimentação;

 As funções executivas podem não estar completamente desenvolvidas;

 Podem não estar suficientemente desenvolvidos em termos sociais, para procurarem ajuda;

 A preocupação com as consequências do consumo de canábis advém da escola/polícia/pais.

A literatura tem demonstrado que o envolvimento das famílias no tratamento dos jovens consumidores
é a “boa prática”. O envolvimento das famílias na avaliação e as questões do tratamento dos jovens
consumidores de substâncias estão delineados no capítulo 8.

As intervenções grupais têm que considerar uma harmonização dos jovens em termos de variáveis tais
como, a idade, o estádio de desenvolvimento, a intensidade do consumo, a filiação com os seus pares e a
subcultura juvenil.
UM GUIA CLÍNICO 79

Maioritariamente, a evidência que suporta as intervenções breves no trabalho com adolescentes


consumidores de substâncias, advém do modelo de “check-up”. Esta intervenção é desenhada e talhada
para os que não aceitam tratamento, com a intenção de promover a realização de um balanço, tendo por
objetivo o aumento da motivação para a mudança do comportamento. Walker et al. (2006), identificaram
que nos modelos de check-up, existem 5 elementos em comum:

1. O eventual participante é ajudado a perceber que o check-up é um programa que tem uma
natureza diferente do tratamento. É algo que pode ajudar os jovens a questionar o seu
comportamento ou ajudar aqueles que já revelam preocupações com o seu consumo; e algo,
que no decurso da participação, permite aos jovens aceitar ou rejeitar o feedback oferecido.

2. Cada check-up implica uma avaliação que reúne informação acerca dos padrões
comportamentais, consequências positivas e negativas conforme entendidas pelo jovem, e
atitudes no sentido de mudar ou não o comportamento.

3. O check-up oferece um feedback personalizado ao participante. Comumente, os relatórios


personalizados de feedback (PFRs) são elaborados a partir das respostas dos jovens e incluem:
dados de comparação normativa (isto é, a frequência de consumos de álcool individuais
comparados com a média de consumo da população geral); gráficos utilizados para aumentar a
autoavaliação do comportamento; índices relacionados com os riscos; consequências positivas e
negativas da mudança antecipadas pelo jovem.

4. Um estilo de entrevista que facilita uma conversa calma acerca do comportamento (isto é,
entrevista motivacional) é essencial a este tipo de experiência.

5. As intervenções baseiam-se nos princípios da redução de danos e no modelo dos `estádios de


mudança´. Neste sentido, as intervenções são desenhadas de forma a irem ao encontro da
“posição” em que o jovem está, pretendendo simultaneamente, reduzir o estigma associado à
procura de ajuda, e encorajar o acesso aos serviços, concretizando-se pequenas ou grandes
etapas do objetivo de mudança.

Os modelos check-up também demonstraram ser úteis no trabalho com populações de adultos
consumidores de canábis. Para mais informações e treino no modelo, veja-se Walker et al. (2006), Martins
& Copeland (2008) e www.ncpic.org.au

Websites para jovens e questões de saúde mental


80 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Os seguintes websites estão bem desenhados, considerando a população juvenil. Estes oferecem
informação e uma ampla gama de escalas de auto-classificação, atividades, fichas e plataformas
interativas, testadas e validadas, incluindo um programa web de CBT (www.moodgym.anu.edu.au) que
funciona como um e-sofá e está descrita na literatura (Burns et al., 2007).

http://www.reachout.com.au

http://www.headspace.org.au

http://www.somazone.com.au

http://www.ybblue.org.au

http://www.beyondblue.org.au

http://www.moodgym.anu.edu.au

7.2 Género

Os serviços direcionados para o tratamento do álcool e das substâncias, na sua generalidade, falharam no
atendimento às necessidades especiais das mulheres dependentes de substâncias. Dada a escassez de
serviços específicos no trabalho com a canábis, não é surpreendente que existam um número limitado de
programas que considerem o género. Não é demais lembrar que as mulheres apresentam alguns
constrangimentos específicos no acesso ao tratamento. Estes incluem uma especial sensibilidade ao
estigma associado à dependência de mulheres, sobretudo no caso das grávidas (Zeese & Lewin, 1999);
elevadas taxas de trauma e de comorbilidade de doença mental (em especial, a depressão, ansiedade,
desordens somáticas e de personalidade); e dificuldades na acessibilidade física aos serviços, devido às
responsabilidades parentais. Nas últimas décadas, o número de mulheres consumidoras de canábis
aumentou, e subsequentemente, a redução nos dois géneros ocorreu de forma mais lenta do que nos
homens, de modo que atualmente os números convergem nas faixas etárias entre os 14 e os 19 anos de
idade. Os motivos associados ao consumo de homens e mulheres divergem, sendo que os primeiros
apontam a melhoria do humor e as mulheres usam para lidar com o stress e a tensão crónica (Chabrol et
al., 2005), o que pode justificar as altas taxas de ansiedade e depressão relatadas pelas mulheres
consumidoras de canábis (Copeland, 2006; Degenhardt, Hall & Lysnkey, 2003; Poulin et al., 2005). As altas
taxas de desordens mentais entre as mulheres consumidoras de canábis geralmente emergem na
adolescência (Tu, Ratner & Johnson, 2008), o que sugere que uma intervenção precoce nos problemas de
saúde mental pode reduzir o número de mulheres que necessitam de tratamento no futuro.

Os homens iniciam os consumos mais cedo do que as mulheres, sendo estes a maioria dos consumidores
de canábis, e os que mais procuram ajuda na resolução do seu problema com canábis. Isto sugere que os
programas de educação de substâncias destinados para a prevenção e para a identificação do problema
UM GUIA CLÍNICO 81

deveriam desenvolver-se especificamente para os rapazes e aplicados mais cedo do que os programas
específicos dirigidos às raparigas. As questões específicas para homens devem incluir as relações entre
consumos de substância e raiva e/ou violência, e as altas taxas de suicídio consumado. As abordagens
destas questões aquando do tratamento são essenciais. Refira-se ainda que os homens respondem
melhor ao concreto, com abordagens de tratamento orientadas para a ação (como as CBT) e melhor em
grupos mistos ao nível do género (Marsh & Dale, 2006).

7.3 Diversidade cultural e linguística entre populações

Os indivíduos com origens culturais e linguísticas diversas (CALD) têm menor acesso aos serviços de
tratamentos de substâncias do que aqueles que provém da cultura dominante; e quando o conseguem, é
após um longo período de tempo passado a lidar sozinhos com os seus problemas com substâncias (Reid,
Crofts & Beyer, 2001). A pesquisa identificou diversos fatores que contribuem para esta situação. Estes
incluem a falta de conhecimento sobre os serviços disponíveis; a falta de conhecimento na procura de
ajuda, para além da unidade familiar ou da comunidade, na resolução de problemas; grande estigma ou
vergonha em redor do consumo de substâncias, o que dificulta a procura de ajuda para este problema
particularmente difícil (Donato-Hunt, 2007). Desenvolver uma relação terapêutica efetiva necessita de ter
em conta estes fatores para o sucesso das abordagens de tratamento.

Quando trabalhamos com pessoas de populações CALD, é importante ter em conta o contexto cultural de
consumos de canábis. Houseman (2003) recomenda que, no sentido de perceber o contexto cultural de
consumos e de modo a providenciar um tratamento culturalmente seguro, os técnicos devem
desenvolver uma compreensão da experiência cultural e de crenças dos utentes, em três domínios
fundamentais:

 Experiência e contexto de migração

 Filiação étnica do subgrupo

 Crenças em relação à cultura dominante – verificar se as crenças dos utentes são tradicionais,
estão aculturadas ou são uma mistura dos dois.

O Centro de Educação Multicultural de Substâncias e Álcool (DAMEC) recomenda que os técnicos estejam
cientes do grau de compreensão da língua por parte do utente. Importa ainda notar que a compreensão
afetará a capacidade do utente para comunicar as suas expetativas face ao tratamento, o qual poderá
afetar seriamente a relação e os resultados terapêuticos do tratamento; para além disso, poderá afetar a
participação do utente e o ambiente de grupo terapêutico. Evitar jargões e não valorizar os trabalhos de
casa escritos e a informação escrita, facilitará a comunicação. A utilização de um intérprete em certas
situações poderá facilitar a comunicação mas também poderá resultar em numerosos problemas. Dale,
Marsh e Willis (2007) recomendam o especial cuidado que os técnicos têm de ter na utilização de
intérpretes: sobretudo, no que diz respeito à confidencialidade e tradução rigorosa.
82 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Recomenda-se o encaminhamento para serviços etno-específicos, como o ideal; e que, em vez da


existência de serviços de tratamento dirigidos a cada grupo cultural, a utilização de consultores culturais
em colaboração com os serviços de tratamento é suscetível de apresentar melhores resultados (Dale,
Marsh & Willis, 2007). É aconselhável um encontro com um mediador cultural antes da sessão com o
utente. O mediador cultural providencia assistência e orientação nas seguintes áreas:

 Aumentar o conhecimento acerca do contexto cultural do utente

 Apoiar o desenhar de tratamentos específicos

 Apoiar o desenho de material escrito a ser providenciado ao utente

 Avaliar a compreensão dos trabalhos de casa

 Fornecer orientação acerca da utilização dos serviços da comunidade

 Fornecer orientação acerca do papel de género no tratamento

Perante a indisponibilidade do mediador cultural, apurar qual a abordagem mais útil para os utentes.

7.4 Populações indígenas

O uso de canábis pelos indígenas australianos é comum e apresenta-se como um sério problema de saúde
(Clough et al., 2004). Por exemplo, o Western Australian Aboriginal Child Health Survey (2005), que
pesquisou o bem-estar emocional e social de 5289 jovens aborígenes até aos 17 anos de idade, e a viver
na Austrália Ocidental (Blair et al., 2005), indicou o seguinte:

 30% dos jovens da amostra tinham usado canábis nalguma altura ao longo das suas vidas

 40% do género masculino da amostra e 21% do género feminino tinham usado canábis, pelo
menos, semanalmente

 75% dos indivíduos da amostra que bebiam álcool e fumavam cigarros também usavam
regularmente canábis, em comparação com 8% dos que nunca tinham bebido álcool ou fumado
cigarros

Similarmente, Clough e colegas relataram a prevalência ao longo da vida de consumo de canábis em 77%
dos indivíduos de género masculino e 61% do género feminino numa amostra de 190 indivíduos (17-36
anos de idade) de duas comunidades em Arnhem Land.

De forma a providenciar o tratamento a utentes Indígenas, são fornecidas recomendações no sentido de


uma prestação de serviços culturalmente credíveis:
UM GUIA CLÍNICO 83

 Dada a prevalência do uso de canábis, incluir a avaliação em todos os serviços de saúde primários
e, na generalidade dos contextos de aconselhamento

 Desenvolver o conhecimento da linguagem verbal e não-verbal que denote a presença de


canábis na comunidade

 Reconhecer que os questionários e outras metodologias de avaliação podem não ser as mais
adequadas. Quando providenciamos o feedback de algumas medidas, deve-se estar ciente de
que os resultados em relação à população geral podem ter pouco significado para o utente

 Se possível, dar a possibilidade de escolha ao utente de ter um mediador indígena do mesmo


sexo presente ou ser referenciado para um serviço específico para populações indígenas

 Conhecer a história da colonização local e trabalhar com base nesse conhecimento

 Receber formação cultural específica

 Assegurar que o tratamento ocorre de acordo com a definição indígena de saúde

 De acordo com o utente, deve-se ter como objetivo o trabalho com os sistemas familiares e
comunitários. Manter a confidencialidade.

 Consultar o mediador cultural ou obter supervisão indígena, para discutir o tratamento


apropriado e outras questões como a vergonha e a confidencialidade

 Estar ciente da intensidade da dor e da perda que continuam a afetar muitas comunidades
indígenas e ter estes aspetos em consideração nas abordagens e formas de tratamento (Dale,
Marsh & Willis, 2007)

 Providenciar serviços clínicos flexíveis; as obrigações familiares e culturais prevalecem sobre as


marcações (Dale, Marsh & Willis, 2007)

 Ter consciência da compreensão do idioma e grau de literacia do utente, reduzir o jargão clínico
e fornecer informações escritas em conformidade com o descrito, bem como, nas que
contemplam tarefas para casa.

Os estilos de práticas existentes nem sempre são sensíveis às crenças culturais e aos sistemas familiares
dos aborígenes. Strong Spirit Strong Mind (Casey & Keen, 2005) é um dos exemplos de intervenção com
álcool e substâncias que aplicam CBT de uma forma culturalmente segura. Os recursos de The Strong Spirit
Strong Mind definem a forma como o inner spirit deve ser abordado no contexto terapêutico e
incorporam-no na CBT. O SSSM descreve como a espiritualidade pode ser trabalhada num contexto
terapêutico e como incorpora de forma culturalmente segura os princípios da CBT. O modelo fornece a
84 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

compreensão dos efeitos e implicações da colonização e da introdução do álcool e outras substâncias,


sendo consistente com a ´teoria da aprendizagem social`.

Recursos úteis:

Casey, W. & Keen, J. (2005). Strong Spirit Strong Mind, Aboriginal alcohol and other drugs worker re-
source: A guide to working with our people, families and communities. Aboriginal Alcohol and other Drugs
Program, WA Drug and Alcohol office.

Dudgeon, Garvey & Pickett’s (2000) Working With Indigenous Australians: A Handbook for Psychologists
(Perth: Gunada Press, Curtin Indigenous Research Centre).

http://www.hc-sc.gc.ca/fniah-spnia/substan/ads//nnadap-pnlaada-eng.php

7.5 Utentes obrigados a tratamento ou encontram-se em tratamento de forma involuntária

As referenciações involuntárias são muito comuns no tratamento à canábis com a introdução de diversas
estratégias de acordo com as várias jurisdições internacionais. Existem, no entanto, outros tipos de
coação. Estas incluem a referenciação dos pais aos serviços de proteção à infância e juventude; pedidos
das entidades empregadoras; referenciações de adolescentes pelos progenitores ou escolas; e, coação
por alguém próximo.

Apesar de um terço dos encaminhamentos para as unidades de alcoologia e serviços de tratamento da


dependência de substâncias realizados em toda a Austrália estarem registados como advindos do sistema
judicial, existe pouca pesquisa que avalie a eficácia do tratamento legalmente imposto. Uma avaliação
recente do NSW Drug Court (Weatherburn et al., 2008) encontrou resultados positivos, assim como uma
revisão dos programas policiais em contextos festivos na Austrália (Ogilvie & Willis, 2009). Um estudo com
adultos em tratamento às substâncias no Texas, concluiu que os que foram legalmente coagidos para o
tratamento apresentaram menos angústia psicológica, mas estão mais propensos a retomar o consumo
de canábis após 90 dias do pós-tratamento, comparativamente aos que se apresentaram voluntariamente
a tratamento (Copeland & Maxwell, 2007).

Em sessão:

 Discutir as expetativas da referenciação

 Reconhecer porque se encontra ali, e validar os sentimentos inerentes ao facto de ter sido
encaminhado/coagido para o tratamento

 Reconhecer que pode haver uma monitorização formal do progresso e outros limites à
confidencialidade
UM GUIA CLÍNICO 85

 O envolvimento e a terapia do aumento da motivação, são mais importantes do que a avaliação

 Muitos dos utentes coagidos para tratamento não estão interessados em mudar o seu
comportamento. Nestes casos, devem-se considerar cuidadosamente as estratégias de redução
e minimização dos danos (dependendo dos objetivos judiciais de abstinência/redução do uso)

7.6 Diminuição do consumo para aqueles que não procuram tratamento

Tal como nos consumidores de outras substâncias, a maioria dos consumidores de canábis não procuram
tratamento especializado. É assim, importante, que um conjunto de atividades, incluindo a promoção da
saúde, possa ocorrer numa variedade de contextos com o objetivo de elevar as opções de tratamento.

Existem oportunidades para uma atuação proactiva, capaz de fornecer uma intervenção precoce com a
finalidade de se evitar que o uso de canábis se torne problemático. Informação geral acerca da canábis e
opções de tratamento podem ser disseminadas através de serviços de saúde, cuidados de saúde
primários, espaços comunitários, serviços juvenis e escolas. As iniciativas incluem:

 Atividades de promoção de saúde em diferentes contextos, incluindo educação comunitária para


a saúde, e as consequências sociais e legais do uso de canábis e acesso às intervenções, caso o
desejem;

 Programas de educação de pares, com consumidores que usam ou usaram canábis, acerca dos
riscos da canábis, estratégias de redução de riscos e tratamentos e serviços disponíveis.

7.7 Tratamento individual versus tratamento de grupo

Os estudos acerca da intervenção com canábis explanados na literatura incluem intervenções de grupo e
intervenções individuais. Embora muitos utentes prefiram a abordagem individual, as evidências
demonstram que CBT poderá beneficiar de espaços de grupo (Stephens et al., 1994; Stephens et al., 2000;
Marques & Formigoni, 2001). A fim de integrar efetivamente a CBT num ambiente de grupo, os técnicos
necessitam de ser proficientes em processos grupais.

Considerações

Situações tidas em conta pelos serviços aquando do desenvolvimento de programas individuais ou de


grupos:

 As capacidades dos técnicos no desenvolvimento de CBT, tanto em grupo como noutras formas
de intervenção;

 A capacidade do serviço para elaborar pré-avaliações combinadas com as variáveis-chave dos


membros do grupo, tais como, idade, filiação com os pares, subcultura juvenil, grau de
dependência, estádio desenvolvimental e equilíbrio de género;
86 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

 O interesse dos utentes de se envolverem no trabalho de grupo. De um modo geral, é difícil atrair
indivíduos para os grupos, devido ao estigma e embaraço;

 As dinâmicas de grupo podem afetar negativa ou positivamente a coesão do grupo; o grande


risco é quando os elementos são muito diferentes, o que limita em termos de experiências
comuns;

 Estes serviços devem ser capazes de responderem mais rapidamente às necessidades dos
utentes através de grupos (através da redução das listas de espera) mas as desistências podem
ser altas.

Para os técnicos que considerarem o trabalho com grupos para canábis, recomenda-se o manual Cannabis
Youth Treatment, disponível online em http://ncadi.samhsa.gov/govpubs/bkd384/OK

7.8 Espaços terapêuticos

Embora o tratamento de canábis raramente implique o internamento, o contexto envolvente do utente


pode interferir na capacidade deste alcançar a abstinência em ambulatório.

Faltam estudos bem conduzidos que avaliem a eficácia do internamento comparativamente com o
tratamento em ambulatório relativamente aos transtornos por uso de substâncias, bem como sobre a
eficácia dos diferentes modelos específicos de internamento. O internamento poderá ser considerado
para aqueles utentes que têm por objetivo a abstinência e apresentam comorbilidade física, problemas
de saúde mental ou social (por exemplo, habitação). O utente em primeiro lugar, deverá tentar um
tratamento em ambulatório. Qualquer benefício adicional que possa existir num período de reabilitação
residencial, para além do que se obteve durante o período de desintoxicação, é provável que esteja
relacionado com a cronicidade da dependência e/ou com as comorbilidades dos seus problemas
psicossociais. Quando a medicação para os sintomas da síndrome da abstinência é necessária, é
importante a ligação entre os médicos e as instituições de tratamento.

Quando se considera o internamento para desintoxicação ou o internamento prolongado, as questões


relevantes incluem:

 Se o ambiente familiar é apropriado para a desintoxicação (isto é, se o suporte necessário está


disponível; disponibilidade de um alojamento estável; número de tentativas falhadas em
ambulatório);

 Se o utente apresenta comorbilidade de problemas de saúde física ou de saúde mental;

 Se o utente apresenta síndrome de abstinência a múltiplas substâncias;

 Preferência do utente.
UM GUIA CLÍNICO 87

7.9 Abandono antecipado do tratamento

Mesmo após a admissão e a aceitação no tratamento, os indivíduos estão frequentemente ambivalentes


em iniciá-lo, e o risco de abandonarem neste momento é grande. É comum, mesmo para aqueles que
procuram tratamento, não aguentarem o suficiente para sentirem os benefícios (Hser et al., 1997). O
abandono do pré-tratamento em indivíduos com dependência de canábis está associado com fatores de
instabilidade sociais e socioeconómicos. Estes incluem o desemprego, o serem solteiros, baixa habilitação
e pouca idade (Vendetti et al., 2002). Os utentes que não se identificam com a dependência de canábis
apresentam um abandono quatro vezes superior no pré-tratamento do que aqueles que percebem a sua
dependência de canábis.

E se um adolescente desiste do tratamento? Os jovens devem ser seguidos de forma mais assertiva.
Dicas do acompanhamento:
 Uso de um telefonema (mínimo) seguido de uma carta
(escrita à mão num papel timbrado da instituição poderá
levar a melhores resultados de compromisso)
 A pesquisa aponta que confirmar as marcações por
mensagens de texto/SMS aumenta a presença nos
atendimentos

7.10 Cuidados continuados

Na gestão das desordens pelo consumo de canábis, é positiva a realização de sessões de follow-up ou de
reforço. O tempo de uma sessão de acompanhamento pode depender de diferentes questões, como a
magnitude do problema, as competências que o utente necessita de praticar entre sessões e a capacidade
do terapeuta e do serviço. As pesquisas analisaram diferentes modelos de cuidados continuados. Existe
ainda muito para se aprender acerca do tema:

 A utilidade de uma monitorização mais frequente ou mesmo contínua no sentido de melhorar


os resultados;

 O efeito de cuidados continuados menos formais (isto é, conselheiros de recuperação e


intervenções baseadas na fé); e

 Modos de prestação de serviços, tais como correio eletrónico, telefonemas, internet.

Todos os técnicos são encorajados a desenvolveram os seus próprios modelos considerando os recursos
e as limitações existentes, como a pesquisa indica, independentemente do método utilizado, se este for
bem aplicado, os resultados positivos aumentam. Dois métodos serão, de seguida, discutidos.

Cuidados continuados por telefone


88 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

O uso de intervenções baseadas no telefone é novo e ganhou popularidade como uma opção de baixo
custo. Os resultados sugerem que a realização de um telefonema semanal, como cuidado continuado,
para utentes que estiveram internados, pode levar a um aumento dos resultados (Cacciola et al., 2008).
Os autores recomendam que os procedimentos de follow-up devem ser explicados aos utentes
detalhadamente desde o momento da admissão. Isto aumenta as taxas de participação e baixa as taxas
de abandono não programadas. Os procedimentos para o número de tentativas das chamadas e para o
aumento da intensidade ou frequência dos contactos telefónicos falhados precisam de ficar claramente
documentadas.

Cuidados continuados assertivos (ACC)

No sentido da redução das taxas de recaída, é importante definir um plano estruturado de


acompanhamento dos utentes que tenham concluído o tratamento recentemente (independentemente
da situação). Um acompanhamento assertivo é um acompanhamento no qual o técnico toma um papel
ativo no apoio ao utente para que este receba o acompanhamento. Um estudo com jovens que deixaram
uma reabilitação residencial e passaram para um apoio nos cuidados continuados mostrou que estavam
mais propensos à abstinência quanto à canábis nos três meses seguintes do que aqueles que não
receberam apoio ACC (Godley, Godley &Dennis, 2002).

O processo em geral inicia-se com uma reunião entre os técnicos e os utentes antes da alta.
Posteriormente, o técnico providencia apoio ambulatório ou telefónico e apoia na negociação de serviços
de tratamento adicionais, os quais podem incluir apoio escolar, apoio judicial e outros serviços no apoio
à recuperação. Os planos de apoio continuado podem incluir ligações para programas locais de
tratamento em ambulatório e de grupos de auto e ajuda-mútua.

Considerações

Nos cuidados continuados, recomendam-se as seguintes linhas de orientação mínimas:

 Apesar da dificuldade em acompanhar os utentes, deve ser dada prioridade absoluta a este
seguimento

 Os formatos dos procedimentos de follow-up devem ser explicados aos utentes antes da alta.
Aos utentes dever ser dada a opção de não participarem no follow-up, mas é a sua importância
deve ser enfatizada

 A primeira sessão de follow-up dever ser realizada antes que o utente complete o tratamento

 Informar a instituição de referenciação sobre os resultados do tratamento e dos objetivos


subjacente ao follow-up
UM GUIA CLÍNICO 89

 Deve ser dada prioridade ao acompanhamento presencial (individual ou de grupo) ou ao


acompanhamento pelo telefone, embora o contacto escrito também tenha benefícios

 O acompanhamento dever ser agendado segundo uma periodicidade cuja frequência esteja de
acordo com os recursos.

7.11 Outras terapias

Embora as evidências sobre as desordens do consumo de canábis sustentem o uso de CBT e MET, poderão
existir razões para se considerarem outros tipos de terapia (por exemplo, complexidade, resistência à CBT,
ou treino clínico prévio). De acordo com o NSW Health Drug and Alcohol Practice Guidelines (NSW
Department of Health, 2008), as seguintes terapias estão suportadas pelo nível 2 ou 3 da investigação ou
da opinião clínica.

 Redução do stress baseada em Mindfulness (desenvolvida por Segal, Williams & Teasdale, 2002)

 Esta é uma prática de meditação com origens Budistas

 A atenção foca-se nas experiências físicas, emocionais e cognitivas no momento presente

 Terapia comportamental dialética (DBT) (desenvolvida por Linehan, 1993)

 Adaptada de tratamentos com indivíduos com desordens de personalidade borderline, envolve


CBT e abordagens de mindfulness que incluem treino de competências de grupo, mudanças de
comportamento e cognitivas, reflexão, empatia e aceitação

 DBT foi adaptada visando especificamente consumos problemáticos de álcool e outras


substâncias e os resultados positivos estão documentados.

 Terapia da aceitação e do compromisso (ACT) (desenvolvida por Hayes & Strosahl, 2004)

 Esta abordagem ensina as pessoas a explorarem acontecimentos dolorosos através de


pensamentos, memórias, sentimentos e sensações físicas em lugar de as evitar

 A pesquisa sugere que a ACT é efetiva na gestão do stress, depressão, dor, doença crónica e
dependência de substâncias

 Terapia breve focada nas soluções (SFBT) (desenvolvida por Shazer, 1985)

 Esta abordagem assume que o utente está disposto e motivado para a mudança, e o
tratamento ajuda-o a imaginar o que gostaria que fosse diferente e o que poderá ser feito
para conseguir essa mudança.

 Uma meta-análise das abordagens SFBT encontrou efeitos positivos no tratamento (Kim,
2008)
90 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

 Abordagens psicodinâmicas

 Focalizam-se nos efeitos dos estímulos externos

 O tratamento é geralmente de longa duração (entre 16 semanas a vários anos)

7.12 Abordagens de Internet

As estratégias de autoajuda oferecem uma solução promissora face às dificuldades de acessibilidade no


tratamento presencial, e a Internet providencia um modo excelente para estas estratégias. Estudos
demonstraram que a eficácia do tratamento baseado na web quanto à redução do uso de álcool (Doumas
& Hannah, 2008; Kypri et al., 2008; Riper et al., 2008) e tabaco (An et al., 2008). Estudos não publicados
testaram a efetividade de tratamentos especializados através da web para consumidores de canábis.

7.13 Uso concomitante de substâncias

Uso de tabaco

Para utentes que consomem canábis e fumam tabaco (independentemente e/ou misturado com canábis),
as evidências sobre a abstinência simultânea são mistas. Um estudo demonstrou que a cessação do
consumo de ambas não perturbou a abstinência face ao álcool, sugerindo que a paragem poderá até
aumentar a probabilidade de sobriedade a longo prazo (Gulliver, Kamholz & Helstrom, 2006). Um estudo
adicional descobriu que os sintomas de abstinência de ambas foram mais graves durante a cessação
simultânea mas as diferenças foram de curta duração e não significativas; diferenças individuais
substanciais foram notadas (Vandrey et al., 2008). Sullivan e Covey´s (2002) na revisão de ensaios clínicos,
afirmam que a continuação do consumo de tabaco afeta negativamente o tratamento para a dependência
de canábis.

A incapacidade ou falta de motivação para o utente cessar o consumo de tabaco não deverá, no entanto,
ser uma barreira para a cessação ou continuidade do tratamento face à canábis. Os utentes que misturam
tabaco com a canábis podem não se identificar como consumidores de tabaco, e desta feita, a avaliação
de forma cuidadosa da comorbilidade com a dependência de nicotina e o feedback acerca dos riscos do
uso do tabaco devem ser garantidos.

“A dificuldade com a cessação tabágica pode ser considerada um dos efeitos adversos mais importantes do uso de
canábis” (Ford, Vu & Anthony, 2002, p. 247)

Visão global

 O consumo de tabaco encontra-se associado com o aumento da dependência de canábis (Ream


et al., 2008; Okoli et al.,2008) e dificulta o abandono do consumo de canábis (Patton et al., 2006)
UM GUIA CLÍNICO 91

Passos

 Avaliação da dependência de nicotina através de entrevista clínica ou através do Fagerstrom


Nicotine Dependence Questionnaire

 Avaliar a prontidão para a mudança, em simultâneo, do uso de tabaco

 Se o utente está motivado, discutir e/ou referir as opções farmacológicas como a Nicotine
Replacement Therapy (NRT), buproprion (Zyban) ou vareniclina (Champix). Várias opções são
descritas no quadro 15.

 Na Austrália, o Champix suplantou o Zyban

 Nota: os técnicos são encorajados a monitorizarem os resultados apresentados nos ensaios


clínicos das terapias de substituição, uma vez que este é um terreno em rápida expansão.

NB: The Fagerstrom Nicotine Dependence Questionnaire poderá não se adequar para aqueles que não
fumam tabaco independentemente do seu consumo de canábis.

Revisão da terapia de substituição da nicotina (NRT)

A revisão da Cochrane (Stead et al., 2008) de 132 ensaios de NRT, com mais de 40 000 indivíduos, concluiu
que todas as formas de NRT tornam mais possível o sucesso das tentativas de cessação tabágica. A
probabilidade de parar de fumar aumenta 50% a 70% (baseado no hábito de fumar 15 cigarros por dia).

Outros resultados indicam que:

 Globalmente, não existem diferenças significativas na eficácia das diferentes formas de NRT, nem
benefício no uso de selos para além das 8 semanas

 A NRT funciona com ou sem aconselhamento adicional

 Os consumidores mais pesados poderão necessitar de doses mais elevadas de NRT

 Os indivíduos que utilizam NRT durante a tentativa de paragem estão mais suscetíveis de
aumentar a sua possibilidade de sucesso, usando uma combinação do adesivo de nicotina e uma
medicação de ação rápida

 Dados preliminares sugerem que a utilização da NRT um puco antes da data de paragem do
consumo pode aumentar as possibilidade de sucesso

Quadro 15: Opções na terapia de substituição de nicotina

Preparação Método Possíveis efeitos secundários Dosagem


92 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Sistemas transdérmicos Estão disponíveis pensos Podem ocorrer irritações locais 1 penso por dia
de 16 e de 24 horas.
São colocados numa parte
com poucos pelos entre o
pescoço e o tornozelo
Comprimidos sublinguais Um comprimido é Alguma sensação de ardência na 15-20
colocado sob a língua e boca comprimidos/dia
absorvido
Losangos Um losango é colocado na Alguma sensação de ardência na 10-15/dia
boca boca
Pastilhas elásticas Mastigar por alguns Alguma sensação de ardência na 1-15/dia
minutos e depois deixar boca
na boca. Dor no maxilar
Repetir, mudando de lado
20 minutos é o limite para
cada pastilha elástica
Spray nasal Um esguicho por narina Alguma sensação de ardência nas 2 esguichos
narinas regularmente ao
Espirros e olhos lacrimejantes longo do dia

Inalador Inalado como um cigarro N/A 3-6 cartuchos


Adaptado de McEwen, Hajek, McRobbie, & West (2006), Manual of Smoking Cessation: A Guide for Counsellors and Practitioners

Atenção
Deve-se ter atenção na prescrição de bupropion (Zyban) durante a paragem do consumo de canábis, pois a
sintomatologia de abstinência pode ser exacerbada.
Não existe nenhuma base factual para a NRT em jovens consumidores.

A NRT está disponível em farmácias mas não é comparticipada. O Champix e o Zyban estão disponíveis
mediante prescrição médica e são subsidiados pela PBS. Nesta altura, não existem ensaios clínicos
publicados acerca do uso de NRT e do Champix para o uso na dependência de canábis, ou na dependência
de nicotina e de canábis. Existe apenas um estudo publicado acerca do uso de Zyban no caso de
dependência de canábis com resultados baixos devido aos efeitos secundários da bupropion na
exacerbação dos efeitos da abstinência.

Utilização concomitante de benzodiazepinas

Para os consumidores que procuram tratamento à canábis e que também utilizam benzodiazepinas, são
recomendados os seguintes passos, para o reconhecimento desta condição ou a sua dependência de
benzodiazepinas:

Passos Recomendações para gestão médica


1 Estabilizar o uso de benzodiazepinas: isto pode ser alcançado através de um regime de redução e
limitação do número de comprimidos consumidos a cada dia, num acordo negociado entre o utente e o
técnico
2 Desintoxicação seletiva de canábis: os utentes reduzem o seu consumo de canábis, mantendo a dose
atual de benzodiazepinas
3 Monitorizar e manter o uso de benzodiazepinas: verificar com o utente, regularmente, de forma a
garantir de que não há escalada no consumo de benzodiazepinas
UM GUIA CLÍNICO 93

4 Após a cessação do consumo de canábis (ou redução e estabilização do uso), considerar as opções para
a abstinência ou redução de benzodiazepinas com supervisão médica

7.14 Lidar com restrições de tempo

Ao longo destas diretrizes temos falado na definição de intervenções direcionadas para os interesses do
utente. No entanto, as intervenções terão que também ter em conta a instituição, bem como, o tempo
que o técnico tem disponível. De seguida, apresenta-se um guia para moldar as intervenções (adaptado
de Shand et al., 2003).

Quadro 16: Contextos com limitações de tempo

Sem tempo  Fornecer panfletos acerca do abandono da canábis (www.ncpi.org.au)


30 minutos  Rastreio
 Fornecer conselhos simples acerca dos riscos associados ao uso da canábis
 Oferecer consulta de acompanhamento
60-90 minutos  Avaliação do uso de canábis e outras questões, com comentários personalizados
 Discutir auto gestão e opções de tratamento
 Providenciar material de autoajuda
 Oferecer consulta de acompanhamento

7.15 Sumário

Recomendações Evidências
Na maioria dos casos, a dependência de canábis pode ser tratada em regime ambulatório, A
através de intervenções MI/CBT
Enquanto não forem testados outro tipo de ensaios a utilização complementar de CM e MI/CBT A
demonstrou melhores resultados
As dependências com comorbilidade são comuns e podem ser tratadas em simultâneo, por C
exemplo, dependência de nicotina com NRT
Enquanto não existir investigação que suporte o número ideal de sessões, cursos de uma a nove C
sessões foram testadas com resultados positivos
Os cuidados continuados e um follow up assertivo são aspetos importantes do tratamento B

7.16 Referências

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UM GUIA CLÍNICO 97

CAPÍTULO 8: Intervenções Familiares

8.1 Famílias

As crianças podem vivenciar consequências negativas relativas ao consumo de substâncias dos pais. Um
relatório recente aponta que aproximadamente 10% das crianças residem em agregados familiares em
98 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

que os pais são consumidores ou dependentes de álcool ou substâncias. Além disso, 24 em 1000 crianças
australianas com menos de 12 anos de idade estiveram expostas a pelo menos um indivíduo que consome
diariamente. (Frye et al. , 2008)

Ter em consideração as famílias é um aspeto importante para o tratamento, particularmente no que diz
respeito à relação com utentes adolescentes. Este capítulo considera o envolvimento dos membros da
família, independentemente do facto do consumidor ser o progenitor ou o filho. As intervenções
mencionadas neste capítulo podem ser implementadas em qualquer estádio do tratamento conforme o
que se avalia como sendo o mais adequado. Os técnicos e os contextos de intervenção variam nas suas
práticas e na sua capacidade de providenciar intervenções junto dos familiares. Os técnicos são motivados
a fazer uma avaliação formal relativamente à disposição do individuo em envolver a família no tratamento
e à sua capacidade para o fazer. Uma avaliação compreensiva deve incluir a história da saúde mental e a
avaliação do consumo de substâncias dos pais e uma potencial referenciação para o tratamento individual
destas questões. Em baixo estão enumerados os princípios e os diferentes níveis de intervenção de
suporte às famílias que os técnicos podem ter em consideração. Estas intervenções podem ser
implementadas em qualquer estádio do tratamento, conforme se considere apropriado. Note-se que
estas intervenções são recomendadas somente para técnicos com experiência prévia e treino específico
no trabalho com famílias.

8.2 Princípios das práticas de inclusão familiar

 Envolver as famílias nos serviços de tratamento pode permitir obter melhores resultados
comparativamente ao trabalho individual

 Os utentes são os melhores juízes das suas famílias, e em que medida estas poderão envolver-se
no tratamento

 As famílias são capazes e, frequentemente estão dispostas à mudança em prol do tratamento


individual

 Os membros da equipa necessitam de estar bem treinados e preparados para trabalharem com
as famílias.

(Patterson & Clapp, 2004)

8.3 Confidencialidade

Quando o trabalho é com mais do que um membro da família, os técnicos frequentemente deparam-se
com o dilema da quebra da confidencialidade. A prática inclusiva da família apoia-se nos direitos de todos
a um serviço confidencial. Existe o direito do utente de decidir a quem revelar detalhes do seu tratamento.
UM GUIA CLÍNICO 99

Nenhuma informação deverá ser cedida a outros sem que haja autorização explícita do utente
(recomenda-se que esta seja por escrito).

De seguida passaremos para as considerações clínicas:

 Discutir os limites da confidencialidade clínica (tal como, proteção da criança e automutilação);

 Desenvolver formulários de “divulgação de informações” que especifiquem quais os dados que


podem ser divulgados;

 Estabelecer guias de orientação de confidencialidade com todas as partes envolvidas;

 Discutir com os utentes quais as informações que poderão ser gravadas para o registo clínico.

8.4 “Nível de compromisso”

Patterson e Clapp (2004) descreveram diferentes “níveis de compromisso” no trabalho com famílias, de
acordo com a sua capacidade para lidarem e de se envolverem com os consumidores de canábis.

Nível 1: considerar as famílias aquando do trabalho com os consumidores

No contacto inicial, os técnicos podem questionar os consumidores quanto à família ou outros indivíduos
significantes.

Os exemplos podem incluir:

“Quem são as pessoas importantes atualmente na sua vida?”

“Como é que eles funcionam como seu suporte?”

“Eles têm conhecimento de que se encontra integrado neste serviço?”

“Gostaria que estes fossem envolvidos no processo e de que forma?”

No desenrolar do trabalho com o utente e de forma a manter o conceito de família vivo em todos, o papel
do terapeuta é estar atento a quaisquer mudanças nas circunstâncias ou na intensidade de apoio, que
possam ocorrer. Os genogramas (representações esquemáticas das relações familiares) podem apoiar os
técnicos na exploração e concetualização das relações familiares e potenciais alianças.

Nível 2: apoio telefónico às famílias

O apoio telefónico geralmente implica o fornecimento de informação e o suporte aos elementos da


família. É diferente do aconselhamento telefónico pois geralmente implica um só contacto com o utente
e foca-se mais no fornecer de informação do que num apoio terapêutico.
100 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Os familiares podem receber:

 Validação das preocupações;

 Informação acerca dos sintomas de abstinência e o que devem esperar;

 Informação acerca dos tratamentos disponíveis para a dependência da canábis;

 Informações de referência;

 Intervenção em crise;

 Resolução de problemas.

Nível 3: referenciação das famílias para outros serviços de apoio

As instituições ou técnicos que proponham referenciações devem manter uma lista de instituições
atualizada na área de intervenção. Os serviços podem incluir grupos de suporte, serviços de saúde
comunitários, serviços de apoio às famílias e parceiros na área dos profissionais de saúde.

Neste tipo de intervenções, recomenda-se que:

 Qualquer base de dados deve ser atualizada a cada seis meses;

 Deve-se manter o contacto direto com outros serviços e profissionais com vista a reunir
informação acerca dos diversos processos; critérios de referência, o tipo de serviços que
oferecem, a duração do tratamento e os custos do tratamento;

 A realização de uma referenciação efetiva inclui: convocar os familiares com o objetivo de se


perceber se fizeram contactos com serviços ou apoiá-los para que o façam.

Nível 4: construção de grupos de apoio orientados para o trabalho com as famílias

Se o terapeuta ou a instituição tiver a possibilidade, deverá facilitar a criação de grupos de apoio a famílias
como fóruns para providenciar o acesso à informação acerca da canábis e seus efeitos. Os grupos são
geralmente desenvolvidos e facilitados por técnicos experientes que apresentam competências para a
gestão das complexidades nos grupos. Estes diferem dos grupos de autoajuda uma vez que são limitados
no tempo, os participantes são registados como utentes e a instituição tem a responsabilidade da
facilitação dos mesmos.

Os grupos de apoio podem providenciar suporte e segurança aos membros no sentido da normalização
das reações, diminuição dos sentimentos de isolamento, aumento das competências relacionais com o
UM GUIA CLÍNICO 101

consumidor. Estes providenciam um fórum no qual os familiares podem colocar questões e receber
respostas, participarem em experiências e cada um dos elementos da família pode aprender com os
outros os recursos e suportes disponíveis na comunidade mais ampla.

Nível 5: sessão única de terapia familiar

É uma consulta que tem como objetivo potenciar os recursos mais adequados e avaliar a motivação para
a mudança por parte dos utentes, com base nos princípios da terapia familiar e das intervenções breves.
Esta sessão pode incluir o consumidor e os familiares ou pode ser realizada com um único membro da
família.

Os técnicos interessados são encorajados a realizarem treinos para sessões únicas de terapia familiar.

As sessões únicas têm três fases distintas:

1. Admissão: os elementos da família preenchem o questionário de entrada que visa avaliar as suas
perspetivas acerca do problema; existência de recursos ou pontos fortes; e, mudança que já
tenha ocorrido.

2. Sessão de aconselhamento: esta sessão deve incluir o estabelecimento de um contexto;


encontrar um foco; investigar tentativas de solução; investigar restrições, refletir, fornecer
feedback ao utente; abordar questões de última hora; avaliar a comunicação na família e suas
dinâmicas familiares; e, discussão acerca dos passos seguintes.

3. Follow-up: a família é seguida através de carta ou telefone cerca de três semanas depois da
sessão. Outra sessão única poderá ser agendada, ou os processos poderão ser arquivados se
nenhuma outra intervenção for necessária.

Copello e colegas (2009), apontam ainda que o trabalho com consumidores e as famílias têm conduzido
a resultados positivos na relação com a substância. Estes esboçaram uma intervenção breve para famílias,
contemplando cinco etapas, que se pode desenrolar numa sessão única.

Passo 1: escuta empática acerca das preocupações dos elementos da família.

Passo 2: providenciar informação / educação acerca do abuso de substâncias.

Passo 3: discussão acerca das formas de resposta dos familiares ao consumo e aos comportamentos
associados a este.

Passo 4: exploração de fontes de suporte para a família.

Passo 5: se necessário, providenciar outras formas de ajuda.


102 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Nível 6: providenciar aconselhamento (individual ou de grupo) às famílias

O aconselhamento com famílias pode incluir sessões conjuntas ou separadas para os familiares, situação
decidida pelo utente e pela família antes do início. Os utentes com problemas relacionados com o
consumo de substâncias apresentam vivências complexas que podem passar pela alienação familiar ou
social. Lidar com estas problemáticas isoladamente pode ser extremamente difícil. Os familiares podem
ser convocados para passarem para a “equipa” do consumidor de forma a atuarem como parte da
solução. Não existem estudos que apontem a escolha de um tipo de terapia em detrimento de outra. Os
três tipos de terapia familiar que demostraram maiores evidências científicas são a terapia familiar
funcional (Waldron et al., 2001), a terapia familiar multidimensional (MDFT) (Liddle et al., 2001) e a terapia
multissistémica (Henggeler et al., 2002).

A Terapia familiar funcional mostrou ser eficaz com consumidores de alto risco e jovens sinalizados pelo
sistema judicial. É um programa altamente estruturado constituindo-se em diferentes fases. Cada fase
incluiu objetivos específicos, focos de avaliação, técnicas específicas de intervenção e as competências do
terapeuta necessárias para o sucesso. Tem como objetivo primeiro o desenvolvimento dos pontos fortes
dos elementos da família e a capacidade de serem capazes de melhorarem a sua situação. Isto permite à
família uma base para a mudança e para o funcionamento futuro que se estende para além do apoio
direto do terapeuta e de outros sistemas sociais.

A Terapia familiar multidimensional (MDFT) é uma abordagem familiar desenvolvida para adolescentes
consumidores de substâncias, com problemas de comportamento e para a prevenção precoce dos
consumos. O objetivo é uma redução significativa ou eliminação dos consumos dos adolescentes e outros
comportamentos problemáticos e o aumento do funcionamento global da família. MDFT é reconhecida
internacionalmente como uma das abordagens mais eficazes no trabalho com adolescentes consumidores
de substâncias (e.g. Brannigan et al., 2004; Rigter, Gageldonk & Ketelaars, 2005). Dois grandes ensaios
aleatórios suportam cientificamente a eficácia desta abordagem na redução do uso de canábis. O
primeiro, compara a abordagem MDFT num grupo terapêutico de adolescentes, com uma intervenção
educacional multifamiliar (Liddle et al., 2001); o segundo, numa amostra de cerca de adolescentes
dependentes de canábis, compara a eficácia da MDFT com Adolescent Community Reinforcement
Approach e um leque de outras intervenções, incluindo a MET/CBT e reforço comunitário (Dennis et al.,
2002). Os resultados do primeiro ensaio demonstraram progressos junto dos jovens em todos os
tratamentos e com MDFT foi ainda foi mais evidente o progresso tanto em relação ao consumo de
substâncias (primeiramente canábis) como ao funcionamento psicossocial mais genericamente, incluindo
função familiar e desempenho escolar. Os resultados positivos sugerem que a MDFT poderá ser
particularmente útil para jovens com problemas de comportamento associados. Em segundo lugar, todos
os grupos de tratamento mostraram melhorias e a MDFT não foi considerada como sendo o tratamento
com maiores custos.
UM GUIA CLÍNICO 103

Mais informações disponíveis: Howard A. Liddle (2002), Multidimensional Family Therapy for Adolescent
Cannabis Users (Cannabis Youth Treatment Series vol.5), Rockville, MD: SAMHSA.
(http://ncadistore.samhsa.gov/catalog/productdetails.aspx?Productid=15872)

A Terapia Multissistémica (MST) tem por base uma abordagem compreensiva às dificuldades dos
adolescentes, e envolve o jovem e a sua família, pares, escola e comunidade. A MST permite uma ampla
aplicação e foi usada para o tratamento criminosos, crónicos e violentos; abuso de substâncias; ofensas
sexuais; urgências psiquiátricas (por exemplo, homicídio, suicídio, psicoses); maus-tratos infantis;
problemas graves de saúde, como pouca capacidade de controlo de diabetes Tipo I e HIV. O seguimento
realizado quatro anos depois (n=118) um estudo aleatório que compara a MST com os serviços
comunitários habituais, demonstrou que os autorrelatos acerca do uso de canábis não diferiam entre
grupos, mas biologicamente confirmaram que a abstinência no grupo de MST era significativamente
maior (55% vs 28%) (Henggeler et al., 2002). Não é sugerido que todos os técnicos tenham treino nestes
modelos mas os que estejam interessados na terapia familiar poderão procurar treino específico.

8.5 Sumário

Recomendações Evidência

Os técnicos com formação e recursos para realizarem intervenções familiares devem fazê- A
lo, sempre que estas sejam adequadas às circunstâncias dos utentes
As famílias, sempre que possível, devem ser envolvidas nos planos de tratamento já que B
também são afetadas pelos consumos dos utentes

8.6 Referências

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American Academy of Child and Adolescent Psychiatry 41(7), 868–874.

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Rigter, H., Van Gageldonk, A. & Ketelaars, T. (2005).Treatment and other interventions targeting drug
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adolescent substance abuse at 4- and 7-month assessments. Journal of Consulting and Clinical Psychology
69, 802–813.

CAPÍTULO 9. Intervenção psicoeducativa e suporte social

9.1. Introdução

A abordagem psicoeducativa é uma forma específica de educação que pretende ajudar os consumidores
com problemas relacionados com o uso de canábis a perceberem de forma clara e concisa um leque de
questões associadas a esta problemática. A intervenção psicoeducativa e os materiais de autoajuda (ex.:
UM GUIA CLÍNICO 105

livros, panfletos informativos, programas de computador) têm sido coadjuvantes na intervenção face-a-
face, mas também como intervenções próprias, desde os anos 70 (Finfgeld, 2000). A intervenção
psicoeducativa deve ser realizada de forma consistente com os princípios da Entrevista Motivacional (MI),
os quais assumem que o consumidor consegue fazer melhores escolhas quando possui conhecimento
adequado, autoconsciência e competências de tomada de decisão. A investigação mostra que quanto
mais as pessoas estão cientes da sua condição e de como esta afeta a sua própria vida e a dos outros,
maior controle têm sobre essa condição (Licoln, Wilhelm & Nestoriuc, 2007).

A educação pode ser realizada com ou sem contacto pessoal, e em contexto individual ou de grupo. Um
dos elementos chave é o de relacionar a informação com a experiência do consumidor. A intervenção
psicoeducativa fornece uma oportunidade para o desenvolvimento de uma boa relação terapêutica e
empática às histórias de uso de canábis do consumidor em questão. Pode proporcionar a troca pessoal
de experiências e estimular a esperança e a tranquilidade do consumidor. A intervenção psicoeducativa
reforça a informação que o consumidor recebe do seu médico de família, psicólogo psiquiatra ou
conselheiro; educa o consumidor e valoriza o tratamento e a terapia.

Os técnicos de saúde devem realizar a intervenção psicoeducativa de forma atempada e estratégica, de


maneira a maximizar os efeitos positivos no comportamento. Idealmente, a família e os cuidadores do
consumidor também são envolvidos nesta intervenção.

9.2. Objetivos da intervenção psicoeducativa

Existem diferentes objetivos na intervenção psicoeducativa. Está comprovado que a intervenção


psicoeducativa para a ação apresenta os melhores resultados. Ver quadro abaixo:

Quadro 17: Sumário das opções psicoeducativas

Objetivos da intervenção psicoeducativa Exemplos


Intervenção psicoeducativa para o conhecimento O desejo de consumir surge como ondas.
O tempo entre os desejos aumenta à medida que o
número de dias sem usar também aumenta
Intervenção psicoeducativa para o conhecimento útil A falta de sono pode ser um risco na recaída
Intervenção psicoeducativa para a ação Reduza a ansiedade através de técnicas de respiração

Recomenda-se que a intervenção psicoeducativa seja realizada de forma consistente com os princípios da
Entrevista Motivacional (MI), segundo o seguinte formato:

 Promover a compreensão do consumidor sobre a sua atual condição/tratamento, discutir as suas


preocupações, tais como, mitos, medos e crenças, identificar recursos e forças na perspetiva da
mudança

 Pedir autorização para fornecer informação adicional


106 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

 Fornecer informação

 Explorar um novo entendimento, com base no material fornecido

A intervenção psicoeducativa é mais do que providenciar brochuras e panfletos, especialmente nos


consumidores com comorbilidade psicológica. O efeito da doença mental e dos consumos de substâncias
nas esferas cognitiva, motivacional e do funcionamento da atenção requer que os técnicos sejam
altamente flexíveis e, por vezes, criativos na apresentação da informação a fornecer (Carey et al, 2000).

A intervenção psicoeducativa é um processo contínuo, com informações específicas e relevantes a


transmitir em momentos diferentes ao longo do decurso do tratamento/recuperação.

Os materiais da intervenção psicoeducativa devem ser apelativos, e para tal, devem idealmente:

 Ser precisos – incluindo aquilo que também NÃO sabemos!;

 Ser multimodal, prender a atenção do destinatário usando diferentes modalidades de


aprendizagem, especialmente nos adultos que estão em processo de aprendizagem;

 Usar referências culturalmente populares, quando apropriado;

 Utilizar histórias de consumidores;

 Adequarem-se ao género, idade e nível de escolaridade, e apresentar os materiais de forma


inovadora e em formatos interessantes (ex. bom layout, com fontes atrativas e de fácil leitura,
gráficos e imagens interessantes e coloridas);

 Serem positivos no tom e na apresentação visual - os utilizadores não são tão atraídos para sinais
de “stop” e indicações de “não”;

 Serem realistas e honestos – os consumidores irão descartar informação que considerem


exagerada

 Repetir mensagens – tal como nas mensagens promocionais eficazes;

 Selecionar os exemplos mais relevantes para o consumidor;

 Considerar os interesses do consumidor e criar uma oportunidade para que conte a sua própria
história

9.3. Estádios da intervenção psicoeducativa

Envolvimento  Avaliar o conhecimento sobre o uso e dependência de canábis,


e, se relevante, sobre saúde mental
 Fornecer informação relevante sobre os efeitos da canábis
 Evitar sobrecarregar os consumidores
UM GUIA CLÍNICO 107

Persuasão  Fornecer informação sobre doença mental e canábis


 Usar métodos de aprendizagem interativos
Tratamento  Fornecer informação focada nos objetivos do consumidor
 Usar métodos de aprendizagem interativos
Prevenção da recaída  Providenciar informação relacionada com a saúde, bem-estar e
mudanças de estilo de vida
 Ajudar os consumidores a saber como procurar informação por
si próprios

Os materiais de autoajuda são muito importantes como complemento às intervenções e ao tratamento,


visto poderem chegar a populações que não têm acesso às intervenções ou que geralmente não recebem
tratamento. Devem ser bem distribuídos entre os consumidores de canábis e acessíveis aos não-falantes
de inglês e às pessoas com dificuldades de leitura. Abaixo, encontra-se uma lista de recursos disponíveis
sobre a canábis. (Note que, na maioria dos materiais realizou-se a revisão pelos pares ou recolheu-se o
feedback dos consumidores, mas os seus efeitos não foram avaliados ao nível dos comportamentos de
consumos de canábis nem dos resultados do tratamento). Antes de decidir quais os panfletos mais
indicados para os seus utentes, considere a idade e capacidade de leitura. Alguns dos materiais resultam
melhor quando trabalhados em conjunto com o técnico.

9.4. Guia de recursos

A seguinte listagem é um guia sobre alguns dos materiais psicoeducativos disponíveis para a canábis. A
maioria dos recursos foram desenvolvidos na Austrália e encontram-se disponíveis para download ou
encomenda no website indicado:

Quadro 18: Guia de recursos

Recurso Descrição e link


What´s the deal Uma série de guias de fácil leitura com indicações passo-a-passo, que incluem
x4 informação sobre como deixar de usar canábis e informação dirigida a jovens e a
pais
What´s the deal on quitting? A do-it-yourself guide for cannabis users
What´s the deal on quitting? Cannabis facts for parents
What´s the deal on quitting? Cannabis facts for young people
What´s the deal on quitting? Talking with a young person about cannabis
http://ncpic.org.au:

Mulling it over Informação sobre saúde para pessoas que usam canábis
108 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

http://www.mdecc.org.au/resources.htm
Trimming the grass http://www.mdecc.org.au/resources.htm
Fast facts on cannabis and http://ncpic.org.au:
mental health
Fast facts on cannabis http://ncpic.org.au:

The mix (alcohol and http://ndarc.med.unsw.edu.au/


cannabis)
Cannabis: Brochuras educativas sobre canábis publicadas pelo NIDA
facts for teens http://ncadistore.samhsa.gov/catalogNIDA/

Cannabis: Brochuras educativas sobre canábis publicadas pelo NIDA, disponíveis em inglês e
facts parents need to castelhano
know http://www.drugabuse.gov/MarijBroch/Marijlntro.html

A guide to cutting down Panfleto de 11 páginas


and stopping cannabis http://www.knowcanábis.org.uk

Cannabis and your body http://www.adf.org.au/store/article.asp?ContentID=Canábisandbody753


(leaflet)
Outros Possibilidade de fazer download de exercícios acerca de canábis www.ncpic.org.au
What is cannabis?
Cannabis and the law
Cannabis and mental health
Cannabis potency
Cannabis and driving
Cannabis and dependence
Cannabis and prescribed medications
Cannabis and aggression
Cannabis and motivation
Cannabis and tobacco use
Cannabis in the workplace
Cannabis use and reproduction
Looking after a friend on cannabis
Mixing cannabis and alcohol
People at risk of developing problems with their cannabis use
Cannabis and young people
Cannabinoids and appetite
Cannabinoids
Cannabis contamination

9.5. Auto-gestão da mudança

A maioria das pessoas que têm problemas com álcool ou com o uso de outras substâncias conseguem a
abstinência ou a gestão do consumo sem recorrer a tratamento. Atualmente existem vários materiais
específicos disponíveis: psicoeducativos ou para intervenção breve, que podem ser recolhidos online, mas
apenas alguns foram rigorosamente avaliados. No quadro abaixo encontra-se uma listagem de links de
exemplos de psicoeducação, online, utilizados por técnicos de saúde.

Quadro 19: Sites psicoeducativos fundamentais

Site Descrição
NCPIC Informação para profissionais de saúde, famílias e utilizadores

www.ncpic.org.au
UM GUIA CLÍNICO 109

Turning Point – service de O aconselhamento online é um serviço no qual podes comunicar com um
aconselhamento online profissional acerca de preocupações relacionadas com álcool ou outras
drogas, usando textos interativos: Este serviço é acessível para qualquer um
http://www.counsellingonline.org.au que procure ajuda, para si, para os seus familiares ou amigos, para os
/en/ problemas relacionados com drogas. O aconselhamento online está
disponível 24 horas por dia, 7 dias da semana, em toda a Austrália.

Know cannabis Este website pode ajudar-te na avaliação acerca do teu comportamento de
uso de canábis, no impacto deste na tua vida e na forma como podes
http://www.knowcanábis.org.uk produzir mudanças.

E toke A avaliação breve sobre de problemas específicos relacionados com a


canábis e orienta-te quanto aos instrumento de avaliação desenhados para
http://www.e- reduzir o uso da canábis dos estudantes do ensino secundário
toke.com/info/index.php

Somazone Site desenvolvido por jovens e para jovens, que fornece de forma rápida,
gratuita e anónima, informação sobre diversos assuntos relacionados com
www.somazone.com.au saúde em geral, uso de substâncias e álcool, imagem corporal, saúde
mental, relações e sexualidade.

9.6. Rede social de apoio e grupos de auto-ajuda

Um grupo de autoajuda ou um grupo de ajuda-mútua tem como propósito providenciar apoio, ajuda
prática e cuidado aos membros do grupo que partilham o mesmo problema. (Baldacchino & Rassool,
2006). Dois dos mais comuns grupos de autoajuda são os Marijuana Anonymous (MA) e o SMART
Recovery. Apesar de não ter sido avaliada a eficácia destes grupos, eles constituem uma componente
importante de apoio social para alguns consumidores e são bem aceites por estes.

|o manual dá informação sobre os contactos destes grupos e descreve os seus pressupostos e formas de
atuação – não vertemos aqui esta descrição uma vez que os grupos não existem em Portugal, embora o
programa de 12 passos decorra nas reuniões de NA, e é um recurso nacional idêntico ao MA australiano|

Marijuana Anonymous http://livingaid.org/maa/


SMART Recovery www.smartrecoveryaustralia.com.au

Marijuana Anonymous (MA) advém do Programa de 12 Passos baseado no programa de Alcoólicos


Anónimos. MA é autossuficiente mantendo-se através da contribuição dos seus membros e não tem
filiação com qualquer instituição ou organização religiosa ou secular. O seu principal propósito é a
abstinência da marijuana (abordagem baseada na abstinência) e fornecer ajuda regular aos seus membros
para a paragem dos consumos.

O Programa SMART Recovery 4-Point emprega uma variedade de instrumentos e técnicas da CBT para
ajudar à mudança individual com vista a tornarem-se independentes dos comportamentos aditivos. Ao
gerir as crenças e as emoções que os conduzem ao uso de álcool e drogas, os participantes são motivados
para a utilização deste tipo de técnicas, conforme progridem no sentido de um estilo de vida saudável.
110 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Os grupos são “abertos” pelo que os membros podem permanecer mais ou menos tempo, de acordo com
o seu desejo. As sessões são uma oportunidade para os participantes discutirem dificuldades, desafios,
desempenhos, sucessos e focarem-se em objetivos.

9.7. SUMÁRIO

Recomendações Evidência
A intervenção psicoeducativa é um processo contínuo que envolve o fornecimento de B
material escrito ou oral sobre os danos associados com o uso de canábis, e deve ser
oferecido a todos os consumidores
Os técnicos de saúde devem estar familiarizados com os materiais impressos e com os B
recursos existentes online
Os técnicos de saúde devem oferecer livros de auto ajuda e detalhes sobre os grupos de C
suporte e autoajuda bem como sobre as oportunidades terapêuticas

9.8. REFERÊNCIAS

Baldacchino, A. & Rassool, H. (2006). The self help movement in the addiction field revisited. Journal of
Addictions Nursing 17, 47–52.

Carey, K.B., Purnine, D.M., Maisto, S.A., Carey, M.P., & Simons, J.S. (2000). Treating substance abuse in
the context of severe and persistent mental illness: Clinician´s perspectives. Journal of Substance Abuse
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Finfgeld, D.L. (2000). Therapeutic groups online: The good, the bad, and the unknown. Issues in Mental
Health Nursing 21, 241–255.

Lincoln, T.M., Wilhelm, K. & Nestoriuc, Y. (2007). Effectiveness of psycho-education for relapse, symp-
toms, knowledge, adherence and functioning in psychotic disorders: A meta-analysis. Schizophrenia Re-
search 96, 232–245.

CAPÍTULO 10. Tratar a saúde mental nos consumidores de canábis

Verifica-se uma maior proporção de doença mental junto de consumidores de canábis do que junto de
não-consumidores; assim como se verifica uma proporção maior de consumos de canábis junto dos
doentes mentais do que na população sem doença mental. Devido a esta associação, é provável que os
utentes que procuram um determinado tipo de tratamento (doença mental ou problemas de uso de
canábis), estejam numa situação de risco acima da média relativamente à outra desordem. Mesmo os
profissionais de saúde mental mais experientes podem não conseguir reconhecer uma desordem de
consumo concorrente com a doença mental avaliada. De forma semelhante, muitos técnicos que
trabalham nas perturbações de consumo podem não conseguir reconhecer ou responder às desordens
mentais concorrentes com o uso problemático de canábis. O reconhecimento precoce da existência de
UM GUIA CLÍNICO 111

ambas as desordens contribui para planear um tratamento efetivo desta comorbilidade, antes que
qualquer uma das condições se estabeleça.

10.1. Considerações

Os clínicos devem ativa e significativamente assistir a todas as pessoas com desordens concorrentes para
que estas obtenham o tratamento apropriado dentro do sistema de serviços de saúde – designando-se
esta abordagem de “não há portas erradas”. Os profissionais de saúde, de fora da área da saúde mental,
podem necessitar de providenciar “a primeira ajuda psicológica” aos consumidores de canábis, o que
pode incluir a monitorização da sua saúde mental, fornecendo apoio e assistência, encorajando o recurso
ao apoio social e, em raras ocasiões, certificando-se sobre a própria segurança do utente.

Sempre que possível, os consumidores devem receber tratamento integrado para a concorrência entre a
doença mental e os consumos de canábis. O tratamento integrado ocorre quando aos consumidores é
prestado tratamento tanto para o uso de substâncias como para as perturbações mentais. Esta integração
deve continuar para além do período agudo da intervenção e durante a recuperação, através de uma
interação formal entre os profissionais. O tratamento integrado também ocorre quando técnicos de
diferentes áreas de intervenção (por vezes, de instituições diferentes) trabalham conjuntamente na
formulação de um plano de tratamento individual. Para além das intervenções em situações agudas, esta
intervenção precisa de continuar ao longo processo de recuperação, através de uma interação formal
(Mueser, Birchwood & Copello, 2002).

10.2. Problemas de saúde mental associados à canábis

10.2.1. Canábis, Psicose e esquizofrenia

Um estudo de meta-análise que avaliou a relação entre a canábis e a psicose encontrou 7 estudos
altamente relevantes (Moore et al, 2007). Os resultados consistentemente demonstraram que o uso de
canábis faz aumentar o risco de desenvolvimento de psicose. O conjunto de dados analisados revela que
nas pessoas que usaram canábis alguma vez, o risco de psicose aumentava 40%. Também foram
evidenciados resultados da relação entre dose-resposta, entre uma frequência alta de consumo de
canábis e o risco de psicose. Para consumidores abusivos de canábis, o risco aumenta entre 50%-200%.
Com base nestes dados, Moore sugeriu que cerca de 14% dos episódios psicóticos de jovens adultos do
UK não teriam ocorrido se não fosse usada canábis. Estudos nacionais dos USA, Austrália e Holanda
denotam que as taxas de uso de canábis em pessoas com esquizofrenia são aproximadamente o dobro
da população em geral (Arseneault et al., 2004). Se, de modo grosseiro, o uso de canábis duplica o risco
de psicose; o risco absoluto é pequeno – situando-se entre 7-14 casos per 1000 (Saha et al., 2005).

Ainda prevalecem dúvidas sobre se o uso de canábis é suficiente para causar esquizofrenia, doença que
de outra forma não se manifestaria na ausência de consumos, visto que as taxas de esquizofrenia parecem
estar a estabilizar ou a diminuir, apesar do aumento do consumo de canábis nas últimas décadas. A
112 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

canábis pode ser considerada “um fator causal cumulativo”, que atua em sinergia com outros fatores
(quer genéticos quer ambientais precoces, que são conhecidos como fatores de risco para a esquizofrenia,
como as complicações obstetras) para a manifestação da esquizofrenia. Um estudo que procurou os
fundamentos biológicos, identificou um gene particular (conhecido como COMT Val 158Met) que pode
estar implicado na relação entre o uso de canábis e a psicose (Caspi et al., 2005). Mas, este estudo ainda
não foi replicado.

Estudos recentes, clínicos e de populações (Moore et al., 2007; Raphael et al., 2005; Degenhardt, Hall &
Lynskey, 2001; Arseneault et al., 2004a; D´Souza et al., 2008; Fergusson, Horwood & Swain-Campbell,
2003) podem ser sumariados da seguinte maneira:

 um determinado número de estudos longitudinais bem-desenhados descobriram que o uso de


canábis de adolescentes estava associado com um provável aumento de sintomas psicóticos

 há evidência consistente, de vários grandes estudos longitudinais e bem-desenhados, de que a


canábis precipita sintomatologia psicótica e de esquizofrenia, em pessoas que são vulneráveis,
devido a história pessoal ou familiar de esquizofrenia

 ainda assim, as taxas de esquizofrenia parecem estar a estabilizar ou mesmo a diminuir, apesar
do substancial aumento do uso de canábis

 a canábis pode agir em sinergia com fatores genéticos ou ambientais, resultando na


manifestação de sintomas psicóticos e/ou esquizofrenia

 um estudo identificou um gene que pode mediar a relação entre o uso de canábis e a
esquizofrenia

Um excelente sumário pode ser encontrado em McLaren, Lemon, Robins, and Mattick´s (2008) Canábis
and Mental Health: Put into Context, disponível em www.ncpic.org.au

10.2.2 Canábis e depressão

Os dados provenientes de uma análise recente do National Comorbidity Survey (NCS) deram indicação
que um alto risco para a manifestação de depressão major está associado com consumo elevado de
canábis (Chen et al., 2002). Igualmente, um estudo anterior referia que indivíduos com critério de abuso
ou dependência de canábis do DSM IV-TR seriam 6.4 vezes mais propensos a assumir os critérios para
depressão major do que os indivíduos sem esses critérios de abuso/dependência de canábis (Grant et al.,
2005). Estas descobertas de elevadas taxas de depressão entre os consumidores de canábis têm sido
verificadas entre numerosos estudos sobre a população jovem (Rey et al., 2002) e jovem adulta (Patton
et al., 2002), e em amostras longitudinais internacionais (Fergusson & Horwood, 1997; Angst, 1996). Uma
relação dose-resposta foi percebida em 4 de 5 estudos, indicando que uma alta frequência de uso de
canábis estava associada a um maior risco de depressão (Moore et al., 2007).
UM GUIA CLÍNICO 113

Há evidência crescente da existência de uma associação entre o uso de canábis e depressão que se encontra
relacionada também com a dose; mas esta evidência é ainda insuficiente no estabelecimento desta ligação causal.

10.2.3. Canábis e ansiedade

Embora exista uma elevada taxa de desordens de ansiedade entre os consumidores de canábis, não há
muita evidência de uma ligação causal, até à data (Moore et al., 2007). Apenas 2 de 7 estudos, revistos
por Moore e pelos colegas, encontraram uma associação significativa entre o uso de canábis e ansiedade,
independentemente do potencial mescla de variáveis. Devido à natureza complexa dos canabinóides, há
evidência de que a canábis tanto pode provocar alívio ou criar ansiedade, dependendo da quantidade de
THC e de CBD (Hall Solowij, 1998).

10.2.4. Dependência de canábis de longo termo; depressão e ansiedade

Os efeitos da canábis podem conduzir a sintomatologia de depressão ou ansiedade, após um período de


consumo. Estes sintomas, normalmente terminam quando o processo de abandono da substância ocorre.
No entanto, se os sintomas persistirem, o consumidor deve ser referenciado para uma avaliação
psicológica específica. Para algumas pessoas com depressão ou ansiedade, o processo de abandono
aumenta a sintomatologia destas desordens de humor e, por isso, a pessoa pode ficar mais propensa à
recaída. Isto pode criar um efeito de carrossel de uso, redução, depressão ou ansiedade, e recaída no uso.

10.2.5. Canábis e suicídio

Um pequeno número de estudos encontrou uma relação entre o uso de canábis e suicídio entre jovens
(ver Hillman et al., 2000, para uma revisão). Contudo, não é claro se este aumento do risco não é melhor
explicado por outros fatores de risco. Nesta fase, os estudos conduzidos são muito heterogéneos, para
que se possa fazer afirmações muito rigorosas sobres estas ligações.

10.2.6. Outras questões de saúde mental

Os problemas de comportamento nas crianças e no início da adolescência parecem estar associados com
o início dos consumos de canábis e satisfazem os critérios para a desordem de uso de canábis de forma
consistente com a hipótese da automedicação. Embora, esta associação seja mais o resultado de fatores
comuns subjacentes que aumentam o risco para ambas as desordens (ex. impulsividade).

10.3. O rastreio do uso de canábis nos serviços de saúde mental

Os técnicos que realizam o rastreio do uso de canábis devem estar alerta para a possibilidade de o
consumidor ter uma doença mental. Por esta razão, é importante realizar o rastreio e rever essa análise.
Ver quadro com os exemplos dos instrumentos de rastreio no cap. 3
114 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

 todas as pessoas que receberam tratamento na área da saúde mental ou na área dos consumos
de substâncias, devem ser rastreadas ou avaliadas para outra desordem concorrente

 o rastreio de rotina é um método eficiente para os serviços aumentarem o reconhecimento de


desordens concorrentes. No entanto, o rastreio pode não ser necessário quando a avaliação
compreensiva do “duplo diagnóstico” é realizada por rotina (avaliação ao nível da saúde mental
e ao nível do uso de álcool e outras SPA´s)

 o rastreio e/ou a avaliação de uma desordem concorrente deve ocorrer aquando do primeiro
contacto com a pessoa ou em tempo próximo

 o rastreio ou a avaliação não deve acontecer quando a pessoa está intoxicada, perturbada, com
dor, a necessitar de tratamento de emergência ou em crise psicótica

 aos mais jovens deve-se realizar sempre, em cada contacto, algum tipo de avaliação de uma
desordem concorrente

Quadro 20 : Instrumentos validados para a identificação do uso de canábis

Instrumentos Utilizado em populações com problemas de saúde mental


ASSIST - WHO Instrumento de rastreio desenvolvido pela OMS para ser utilizado nos serviços de
Alcohol, Smoking and cuidados primários e nos diferentes espaços de saúde generalistas a nível mundial; as
Substance Involvement questões de triagem são respondidas em 10m pela maioria dos indivíduos
Screening Test
(WHO ASSIST Working
Group 2002)
SDS A SDS também tem-se verificado fiável nos doentes mentais
Severity of Dependence
Scale
(Gossop et al., 1995)
Modified Simple O MSSI-SA é uma versão ligeiramente modificada do SSI-SA e pode ser auto-
Screening administrado ou administrado em entrevista em cerca de 10m ou menos
O teste revela bons parâmetros psicométricos e muito boa sensibilidade,
especificidade e rigor
Urine Drug Screen Os testes de urina podem ser usados para confirmação do uso da substância ou como
resultado de uma intervenção

ATENÇÃO:
Note-se que instrumentos como a SDS podem apresentar cotações baixas para consumidores com doença mental,
refletindo a possibilidade destes experienciarem menos problemas com o uso de canábis, do que outros
consumidores

10.4. Avaliação e tratamento para o uso da canábis nos serviços de saúde mental

Devido à grande prevalência de problemas de saúde mental nos consumidores de canábis, é importante
que a avaliação do uso faça parte dos procedimentos de rotina da avaliação. A linguagem utilizada na
avaliação deve ser compreensível, deve transmitir confiança e ser contextualizada numa abordagem
colaborativa. As seguintes recomendações clínicas destinam-se à avaliação e ao tratamento de
consumidores de canábis com doença mental:
UM GUIA CLÍNICO 115

 todas as pessoas com doença mental que se apresentam nos cuidados primários de saúde ou em
serviços de saúde mental especializados, devem ser rastreadas para o consumo de canábis e de
outras substâncias, incluindo tabaco

 os técnicos devem estar alerta para a possibilidade de uso de canábis de todos os utentes com
doença mental, e não só para aqueles com psicose

 devido à grande prevalência de consumos de canábis nos serviços de doença mental, é


importante que o uso de canábis seja avaliado de forma compreensiva, como parte dos
procedimentos normais de avaliação global

 pode ser útil recorrer a uma abordagem escalonada, desde as intervenções breves a intervenções
mais intensas, que siga as orientações desenvolvidas por Hides et al. (2006)

 para além destes aspetos, uma associação bem estabelecida nos indivíduos com psicose, entre
o uso de canábis e os sintomas de recaída, (Linszen et al., 1994; Gleeson, 2004), evidencia a
necessidade de realizar a monitorização contínua do uso de canábis e da sintomatologia
psicótica, no sentido de detetar lapsos e ajudar a prevenir a recaída, nesta população vulnerável

Feedback

O feedback fornecido a indivíduos com psicose é útil no sentido de reforçar a dificuldade da história
pessoal do utente, e permitir a cada um corrigir os seus erros (Prochaska et al., 1993). O feedback
gráfico, tal como uma simples escada ou um gráfico de barras, que compara o uso do utente com o
de outros da sua faixa etária ou mesmo da população em geral, permite aos utentes reverem e
assimilarem a informação ao longo da sessão.

O feedback pode sumariar um conjunto de dados sobre as questões práticas do uso de canábis, tais
como, o tempo e o custo despendido na procura da substância, usar e estar intoxicado com canábis,
bem como, a relação entre o uso e os padrões de recaída. O feedback assume também a capacidade
de empoderamento do utente (ver materiais do cap. 12).

Tratamento

O uso de canábis tem coexistido com um leque de sintomas e desordens da saúde mental (uma
concorrência designada de comorbilidade, daqui em diante). Inquéritos epidemiológicos de larga
escala apresentam altos rácios de desordens psicóticas, afetivas, de ansiedade e de comportamento,
entre os indivíduos com desordens de consumo de substâncias, relativamente à população em geral
(Degenhardt, Hall & Lynskey, 2001; Farrell et al., 2001; Merikangas et al., 1998). A maioria dos
indivíduos vistos nos serviços públicos de saúde mental manifesta psicose (incluindo esquizofrenia),
desordem bipolar ou perturbação severa da personalidade, especialmente, desordem de
personalidade borderline. No entanto, verifica-se uma escassez de estudos sobre este assunto, mas
116 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

têm ocorrido diversas tentativas de desenvolvimento de tratamento de canábis para estas condições
(Edward et al., 2006; Barrowclough et al., 2001; Baker et al., 2006; Kavanagh et al., 2002). Estudos
australianos recentes indicam que o uso de canábis nos indivíduos com psicose é significativamente
maior, comparativamente a outros estudos internacionais sobre a população psicótica (Wade et al.,
2006; Wade et al., 2007; Hinton, Edwards & Elkins, 2008). Ver o quadro 21 para as fases e estratégias
de tratamento.

Os estudos sugerem que o uso de canábis entre pessoas com desordens mentais severas é passível
de tratamento.

 como intervenção mínima, deve ser fornecido aconselhamento sobre o abandono do


consumo ou sobre a sua redução e sobre os seus efeitos ao nível da saúde mental e da sua
sintomatologia, na perspetiva da Entrevista Motivacional (MI)

 o tratamento da situação decorre como descrito no Capítulo 6, mas inclui MET/CBT, que
integram as questões de saúde mental relacionadas com o uso de canábis

 o tratamento do consumo de canábis numa população de doentes mentais resulta e os


estudos demonstram que pode atingir-se uma redução do consumo entre 30-50% e média
(Wade et al., 2006; Johnsson et al., 2004; Addington & Addington, 2001)

 quanto mais cedo se iniciar o tratamento, melhores serão são os resultados

 a planificação da alta deve incluir a monitorização contínua do uso de canábis e,


potencialmente, realizar a referenciação aos serviços de álcool e de outras SPA´s

 deve ser considerado o papel que o uso de canábis pode ter na vida de uma pessoa com
psicose, especialmente nos casos em que se verificam muitos incentivos à manutenção do
consumo após a recuperação

Quadro 21: Fases e estratégias de tratamento nas questões de saúde mental

Fases Objetivos Estratégias clínicas


1: Entrada Empenhar-se Formulação do caso
Feedback da avaliação
Comprometer-se com o tratamento Exploração de um modelo de
explicitação do diagnóstico de saúde
mental
Exploração das possibilidades da
interação entre o consumo de canábis e
o diagnóstico
Levantar a questão do uso problemático de Exploração da preparação para a
canábis mudança do consumo de canábis
Intervenção psicoeducativa: explorar e
identificar as barreiras à resolução do
problema nos atendimentos futuros
2: Compromisso Estabelecer o objetivo de reduzir ou não, o Intervenção Motivacional (MI)
uso de canábis Redução de Riscos
UM GUIA CLÍNICO 117

Intervenção psicoeducativa sobre a


canábis e os problemas de saúde
mental
3: Estabelecimento de Reforçar o compromisso para a mudança Revisitar MI
metas Estabelecer um objetivo de redução do Estabelecer objetivos
consumo que pode incluir a abstinência Intervenção psicoeducativa
Desenvolver estratégias de concretização
dos objetivos
4: Desafios Desenvolver uma aproximação a todos os Aconselhamento sobre a
potenciais desafios aos objetivos de redução sintomatologia de abstinência
do consumo de canábis Resolução de problemas
Prevenção da recaída
Intervenção psicoeducativa
5: Prevenção da Avaliar os fatores que são de “recompensas” Prevenção da recaída
recaída de reforço dos resultados a curto-prazo e da Competências de recusa de canábis
manutenção a longo-prazo da redução ou do Gestão do tempo
abandono de canábis Intervenção psicoeducativa
Considerar as mudanças positivas do estilo
de vida que suportam os objetivos relativos
ao uso de canábis
6: Manutenção Manutenção da motivação para o Prevenção da recaída
compromisso de redução/abandono do uso Competências de coping
de canábis
Considerar continuadamente as mudanças Gestão do tempo
positivas do estilo de vida que suportam os Revisitar MI
objetivos relativos ao uso de canábis Reforçar a intervenção psicoeducativa
Saída Conclusão do processo de acompanhamento Assegurar que o utente pode sempre
retomar se quiser, e com acordo
mútuo, ou pode ser referenciado a
outro técnico/serviço

Psicoses

Nas situações de psicose precoce, deve ser tomada em consideração a idade e o estádio desenvolvimental
do utente, incluindo a idade dos primeiros sintomas. Pode ser necessário apoio ao nível do
desenvolvimento de competências básicas (isto é, resolução de problemas), uma vez que o
desenvolvimento normal destas competências poderá ter sido posto em causa ou interrompido com o
aparecimento dos sintomas psicóticos e/ou com o uso de longo-prazo de canábis.

Deve ser tomado em atenção o papel e a influência da família do utente e dos seus círculos sociais e das
suas atitudes para com o uso de canábis e de outras substâncias. Tal como com outros utilizadores de
substâncias, podem verificar-se níveis elevados de aceitação do uso de canábis no seio da família. O baixo
insight é comum para ambas as desordens; e os utentes podem necessitar de tempo para perceberem a
sua necessidade de tratamento para cada condição. Assim, os técnicos devem fornecer regularmente
feedback sobre a sua re-avaliação relativa ao uso de substâncias, preparação para a mudança e estado
mental, observando-se uma imagem clínica complexa e em fluxo constante.

Deve-se considerar que os utentes que experienciam a psicose enfrentam várias perdas e que podem
também considerar que o abandono do consumo de canábis é também uma nova perda. Alterar o padrão
de uso de canábis pode representar uma perda de prazer, de atividade social, ou de uma rotina, e o
118 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

regresso ao consumo pode ser um regresso às atividades usuais. A compreensão destas situações por
parte do técnico pode ajudar no estabelecimento da adesão aos objetivos da mudança.

É também importante explorar as dificuldades cognitivas que pode surgir com o uso abusivo de canábis,
no decurso da doença e com o uso da medicação, e adaptar as intervenções a estas circunstâncias. O
tratamento oferece uma janela de oportunidade pelo que deve ser assertiva e precocemente
apresentado.

ATENÇÃO:
Os sintomas de doença mental podem complicar a desabituação e podem conduzir à sobre medicação para a gestão
do sintoma. Também existem possibilidades de comorbilidade de dependência de nicotina entre os utentes com
comorbilidade psiquiátrica.
Existe literatura bem sustentada que indica que o abandono do tabaco pode conduzir ao aumento dos níveis de
medicação anti psicótica no sangue. A medicação deve ser cuidadosamente monitorizada durante a desabituação e
a cessação do consumo. A redução das doses pode ser necessária se se tornarem evidentes efeitos secundários.

Intervenção psicoeducativa na comorbilidade

A intervenção psicoeducativa para pessoas com comorbilidade de doença mental e consumos de


substâncias “é crítica, uma vez que existe ainda muito a aprender sobre saúde mental, consumos de
substâncias e a interação entre ambas as situações” (Mueser et al., 2002). Os técnicos devem capacitar-
se com conhecimento e aceder a informação sobre o leque de desordens que os consumidores de canábis
podem apresentar e sobre os seus possíveis tratamentos. Provou-se que as abordagens psicoeducativas
são altamente eficazes ao nível das desordens mentais. (Pekkala Merinder, 2002). Num estudo recente
junto de jovens com consumos abusivos de canábis e episódio de primeiro surto psicótico, aqueles que
frequentaram um programa de 10 sessões psicoeducativas, reduziram os seus consumos e mantiveram
essa redução ao longo de 6 meses, de forma equivalente aqueles que integraram um programa baseado
na Entrevista Motivacional e CBT (Edward et al., 2006). Encontra-se disponível um leque alargado de
recursos que foram desenvolvidos para providenciar informação útil sobre canábis e saúde mental.

Quadro 22: Guia de recursos para a canábis e saúde mental

Recursos para profissionais Link


De volta à realidade http://orygen.org.au/shoppingcategory.asp?Categoryid=21ISBN1-9207178-17-
(canábis e psicose) 6
Canábis e psicose: manual de http://orygen.org.au/shoppingcategory.asp?Categoryid=20ISBN1920718028
tratamento para psicoses em
fase inicial
Prevenção da coexistência de http://druginfo.adf.org.au/downloads/Prevention_Research_Quarterly/PRQ_0
problemas de saúde mental e 7Nov_Prev_mental_health_sub_use.pdf
consumo de canábis
O que é a coexistência de doença http://druginfo.adf.org.au/downloads/fact_sheets/FS_5.10_What_is_coexista
mental e abuso de substâncias? nt.pdf

Recursos para consumidores Link


Cannabis & psychosis fact sheet http://www.health.vic.gov.au/drugservices/downloads/canábis_psychosis
UM GUIA CLÍNICO 119

Double trouble: Drugs and mental http://www.adf.org.au/store/article.asp?Contentid=product_61211


health
Canabis and mental health http://druginfo.adf.org.au/druginfo/fact_sheets/canábis_factsheets/canábis
mentalhealth.html

Mind your head http://www.adf.org.au/store/article.asp?Contentid=Mindyourhead7551

Your guide to: Mental health and http://www.adf.org.au/store/article.asp?Contentid=Yourguidetomentalh735


alcohol and other drug problems

What young people should know http://druginfo.adf.org.au/druginfo/fact_sheets/mental_health_substance_


about mental illness and drug use use_factsheets/mental_health_substance_use_youngpeople.html

10.5. Sintomas de saúde mental em serviços para o álcool e outras SPA´s

Todos os especialistas em álcool e outras SPA´s são incentivados a avaliar e intervir nas questões menos
severas de saúde mental.

10.5.1. Rastreio

Após selecionar um único instrumento de rastreio (ver Quadro 23), os técnicos familiariarizam-se com a
sua aplicação e cotação. Devem também tomar em atenção que a sua validade pode ser afetada pelas
circunstâncias em que é administrado, tais como, as crenças que o utente tem acerca da utilização da
informação que fornece; a privacidade; a confiança e a relação terapêutica com o utente. É importante
ser sensível à forma como as questões culturais podem influenciar as respostas às questões do rastreio,
e saber que muitos instrumentos estão disponíveis noutras línguas, para além do inglês.

Deve existir um protocolo de avaliação para os utentes que são positivamente rastreados, o qual deve
incluir um protocolo de resposta imediata para necessidades urgentes, identificadas no rastreio, tais
como, pensamentos suicidas ou níveis de uso de substâncias que possam requerer atenção médica
imediata.

Quadro 23: Instrumentos de identificação de sintomas de doença mental em consumidores de canábis

Instrumentos Descrição
Kessler 10 (K10) or Kessler 6 (K6) Discrimina casos, de não-casos, de doença mental grave
(Kessler, 2003) Rastreia perturbação genérica nos últimos 30 dias
Uma cotação de 13 ou superior indica doença mental grave
Uma cotação entre 8-12 indica perturbação de humor com traços
ansiogénicos, sem correspondência com diagnóstico de patologia severa
Mental Health Screening Form III Rastreio de 17 itens que examina a história de vida
(Carrol & McGinley, 2001) Inicialmente desenhado como um instrumento grosseiro
Para utentes que procuram tratamento quanto ao abuso de substâncias
O rastreio pode ser realizado em cerca de 15m (respostas positivas podem ser
desenvolvidas por questões sobre a duração, intensidade e concorrência de
sintomas. Um técnico de saúde mental qualificado deve determinar quais as
necessidades seguintes de avaliação e quais as recomendações de tratamento)
The Psychosis Screenner Rastreio de 7 itens
(Australian National Survey of
120 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Mental Health and Well-Being)


(Degenhardt et al., 2005)
Modified MINI Screen (MMS) 22 itens sim/não que rastreiam desordens de ansiedade e de humor,
(Sheehan et al., 1997) exposição ao trauma e PTSD, e psicoses não afetivas
O MMS pode ser administrado entre 5 a 10m e cotado em menos de 5m
Para mais informação sobre rastreio de desordens concorrentes, ver:
http://www.omh.state.ny.us/omhweb/resources/providers/co_ocurring/adult_services/screening.html

Após o rastreio, deve ser sempre fornecido feedback aos utentes sobre os resultados. Se o rastreio for
positivo, é necessário realizar uma avaliação sobre o estado mental do utente. Se for negativo, devem ser
discutidos os potenciais efeitos do uso de substâncias na saúde mental, e continuar a monitorizar tanto a
saúde mental como o uso de substâncias.

10.5.2. Avaliação

 Uma avaliação compreensiva e fornecida por técnicos devidamente treinados deve ser garantida
a todos os utentes identificados em rastreio com potencial comorbilidade. Os processos de
rastreios são os mesmos descritos anteriormente

 Quando se trabalha em contextos de álcool e outras SPA´s deve ser conhecido se a saúde mental
do utente está a ser acompanhada por outro profissional

 Deve ser considerada a referenciação de utentes aos serviços de saúde mental naqueles com
elevado risco ou em qualquer utente com psicose ou outra desordem de baixa prevalência, como
anorexia, ou desordem obsessivo-compulsiva

10.5.3. Tratamento

 Sempre que possível, tentar conseguir cuidados integrados

 Se não for possível providenciar cuidados integrados, procurar adotar formas de comunicação e
processos paralelos, o que inclui conhecimento sobre marcação de consultas e comparência,
medicação prescrita, alterações no estado mental, etc

 Deve-se procurar desenvolver competências nas desordens comuns com o uso de canábis, como
ansiedade e depressão

 As técnicas da intervenção motivacional são proeminentes no estabelecimento e na manutenção


do compromisso/adesão

 A tarefa-chave é a de monitorizar situações de alto-risco, monitorizando o humor para a


depressão, para o suicídio, etc

 A recaída em ambas as situações é comum, por isso, a prevenção da recaída, deve ser um traço
proeminente dos planos de tratamento
UM GUIA CLÍNICO 121

 Se os sintomas não melhoram, pode ser necessário realizar uma segunda referenciação

 Pode ser benéfico os técnicos incluírem aspetos sobre os cuidados em saúde mental na
supervisão clínica

 Manter ligações entre as equipas de saúde mental e os médicos de família, quando apropriado

 Realizar referenciações para prescrição de medicação dirigida aos sintomas de saúde mental

 Os utentes suicidas devem ser sinalizados a especialistas

10.6. SUMÁRIO

Recomendações Evidência
Devido às ligações entre o uso de canábis e a saúde mental, deve ser realizado A
rastreio para ambas as situações
Intervenções que incluem abordagens MET/CBT/PSICOEDUCATIVAS são efetivas A
para utentes com comorbilidade em saúde mental
Abordagens integradas devem ser providenciadas sempre que possível B

10.7. REFERÊNCIAS

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Capítulo 11 – INSTRUMENTOS DE RASTREIO

[Neste capítulo do manual encontram-se descritos diferentes instrumentos, que podem ser usados como
ferramentas estruturadas de rastreio ou de complemento à avaliação, para detetar o grau de
envolvimento de adultos e/ou adolescentes com a canábis (e outras substâncias), mas também para
detetar problemas de saúde mental associados aos consumos. Nem todos os instrumentos foram
traduzidos, e os que foram traduzidos, não se encontram aferidos à população portuguesa. Sobre aqueles
que não foram traduzidos, optamos por assinalá-los nesta tradução.]
UM GUIA CLÍNICO 125

Severity of Dependence Scale (SDS) – Ficha Informativa

A Severity Dependence Scale SDS é um questionário de 5 itens cuja cotação indica a severidade de
dependência de canábis. Cada um dos 5 itens é cotado numa escala de 4 pontos (0-3). A cotação total é
obtida, somando a pontuação em cada um dos itens. Quanto mais alta for a cotação, maior será o grau
de dependência.
Cotação:

Adolescentes: + de 4 pode indicar dependência de canábis

Adultos: + de 3 pode indicar dependência de canábis

Indicadores para:

Dependência de canábis

Tempo de realização e cotação:


126 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Menos de um minuto

De domínio público

Sim

Pode ser realizado pelo utente?

Sim

Onde se encontra?
http://www.ncpic.org.au

http://eib.emcdda.europa.eu/gtml.cfm/index7343EN.html (forma genérica que não especifica a


substância)

Forças:

 Breve
 Muito fácil de usar
 Instrumento conhecido
 Utilizável para medir resultados
Mais informações:

Gossop, M., Darke, S., Griffiths, P., Hando, J., Powis, B., Hall, W., & Strang, J. (1995). The Severity of
Dependence Scale (SDS): Psychometric properties of the SDS in English and Australian samples of heroin,
cocaine and amphetamine users. Addiction 90 (5), 607-614

Swift, W., Copeland, J. & Hall, W. (1998). Choosing a diagnostic cut-off for cannabis dependence.
Addiction 93, 1681-1692

Martin, G., Copeland, J., Gates, P., & Gillmore, S. (2006). The Severity of Dependence Sclae (SDS) in an
adolescent population of cannabis users: Reliability, validity and diagnostic cut-off. Drug and Alcohol
Dependence 83, 90-93

Escala de Severidade da Dependência - Canábis (ESD-C)

Nos últimos 3 meses:

1. Alguma vez pensou que o seu uso de canábis estava fora de controlo?

Nunca ou quase nunca 0

Algumas vezes 1

Frequentemente 2

Sempre ou quase sempre 3

2. Imaginar que não vai consumir um charro deixa-o muito ansioso ou preocupado?

Nunca ou quase nunca 0


UM GUIA CLÍNICO 127

Algumas vezes 1

Frequentemente 2

Sempre ou quase sempre 3

3. Preocupa-se com o seu uso de canábis?

De forma alguma 0

Um pouco 1

Várias vezes 2

Bastante 3

4. Alguma vez quis deixar de consumir canábis?

Nunca ou quase nunca 0

Algumas vezes 1

Frequentemente 2

Sempre ou quase sempre 3

5. O quanto acha difícil parar de consumir canábis ou deixar de usar?

Não é difícil 0

É um pouco difícil 1

É muito difícil 2

É impossível 3 SDS cotação total /15

K10 – Ficha informativa


[não traduzido - ver p. 67 e 68 do manual na edição original]
A K10 é um instrumento de rastreio que também pode ser usado como escala ou como medida de
resultados. Foi inicialmente desenhada para detetar a prevalência de doença mental, mas também pode
indicar a possibilidade de existência de problemas mentais graves.

The Modified Simple Screening Instrument for Substance Abuse (MSSI-SA) – Ficha informativa
[não traduzido - ver p. 69 e 70 do manual na edição original]
Rastreia o consumo de substâncias, a preocupação e a perda de controle, as consequências adversas, os
problemas de reconhecimento e a sintomatologia de abstinência

Psychosis Screener – Ficha informativa


128 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

[não traduzido - ver p. 71 do manual na edição original]


A partir dos elementos de diagnóstico do CIDI, rastreia a presença de sintomatologia característica da
psicose

Mental Health Screening Form – Ficha informativa


[não traduzido - ver p. 72-74 do manual na edição original]
Recolha da história de saúde mental em 17 itens; as perguntas 1-4 são sobre a história de tratamento
psiquiátrico do utente; as perguntas 5-17 associam-se com diagnósticos particulares de saúde mental.
Uma resposta positiva nestes itens sugere a necessidade de uma avaliação mais aprofundada por um
profissional de saúde mental.

ASSIST – Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test – Ficha informativa

Rastreia
 As substâncias consumidas ao longo da vida
 As substâncias usadas nos últimos 3 meses
 Problemas associados ao uso de substâncias
 Risco de uso e dependência (atual ou no futuro)
 Uso intravenoso

Tempo de realização e cotação


Um profissional experiente pode aplicar o ASSIST e desenvolver a intervenção breve associada em 10 a
20 minutos
UM GUIA CLÍNICO 129

Pode o utente realizar o teste?


Não, este teste é aplicado pelo profissional

Onde o posso encontrar?


http://www.who.int/substance_abuse/activities/assist/en/index.html
(versões em inglês, alemão, hindi, português do Brasil)
Manual: ASSIST: Guidelines for Use in Primary Care
Manual: Brief Intervention for Substance Use: A Manual for Use in Primary Care
Manual: Self-Help Strategies for Cutting Down or Stopping Substance Use: A Guide

De domínio público?
Sim

O ASSIST permite:
 Avisar as pessoas do risco associado ao desenvolvimento de problemas relacionados com o seu
consumo de substâncias
 Criar uma oportunidade de iniciar uma discussão sobre o consumo de substâncias
 Identificar o consumo de substâncias como um fator que contribui para a doença apresentada
 Estar associado a uma intervenção breve para apoiar os consumidores de alto risco de substân-
cias a reduzir ou interromper o seu consumo, evitando consequências danosas
O ASSIST distingue 3 grupos principais:
 Pessoas abstinentes ou de baixo risco
 Aqueles cujos padrões de uso os coloca em risco de desenvolverem problemas ou em risco de
desenvolverem dependência
 Aqueles que são dependentes de substâncias
Forças:
 Indica tanto o abuso como a dependência
 Produz informação para a avaliação
 Está associado a uma intervenção breve para pessoas com consumos problemáticos ou de risco
(em vez de dependência)
Limitações possíveis:
 Requer algum esforço para ser integrado nas práticas de rotina

(atualmente o ASSIST é usado nas CDT´s, com formatação do SICAD)


130 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Cannabis Problems Questionnaire (Adult) – folha informativa

 Permite a quantificação geral dos problemas associados ao uso de canábis

 Modificado a partir do Alcohol Problems Questionnaire

Tempo de realização e de cotação:

1 a 2 minutos

Pode ser realizado pelo utente?

Sim
UM GUIA CLÍNICO 131

Onde se encontra?

http://www.ncpic.org.au

De domínio público:

Sim

Forças:

 Breve

 Simples

 Disponível nas versões para adolescentes e adultos

 Ambas as versões incluem questões opcionais para uma abordagem mais completa

Informação adicional:

Copeland, J., Gilmore, S., Gates, P., & Swift, W. (2005). The Cannabis Problems Questionnaire: Factor,
structure, reliability and validity. Drug and Alcohol Dependence 80, 313-319.

Martin, G., Copeland, J., Gilmore, S., Gates, P., & Swift, W. (2006). The Adolescents Cannabis Problems
Questionnaire: Psychometric proprieties. Addictive Behaviors 31, 2238-2248.

Questionário dos Problemas com Canábis (Adulto)

As seguintes questões relacionam-se com as suas experiências de consumo de canábis, nos últimos três
meses.

Por favor responda a todas as questões colocando sim ou não.

Nos últimos três meses: Sim Não


1. Tem fumado mais do que habitualmente?
2. Tem ficado preocupado quando vai conhecer pessoas novas e está ganzado?
3. Tem passado mais tempo com amigos que consomem do que com outros que não
consomem?
132 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

4. Teve amigos que o criticaram por fumar demasiado?


5. Vendeu objetos pessoais para comprar canábis?
6. Arranjou desculpas para os gastos de dinheiro?
7. Teve problemas com a polícia devido ao consumo?
8. Sentiu-se doente fisicamente após consumir?
9. Desmaiou após o consumo?
10. Sentiu dores no peito ou pulmões após consumir?
11. Sentiu-se paranoico após consumir?
12. Foi negligente consigo fisicamente?
13. Deixou de tomar banho vários dias seguidos?
14. Sentiu-se depressivo mais do que uma semana seguida?
15. Sentiu-se tão depressivo que só queria acabar consigo?
16. Desistiu de atividades recreativas de que gostava devido ao consumo?
17. Sentiu ser difícil encontrar prazer em atividades que costumava apreciar?
18. O seu estado geral de saúde piorou?
19. Sentiu-se com mais dificuldades de relacionamento social após consumir?
20. Sentiu-se preocupado com a sua falta de motivação?
21. Tem-se preocupado com sentimentos de isolamento ou solidão?
22. Normalmente fuma de manhã para se sentir melhor?

Questionário dos Problemas com Canábis – Adolescente (QPC-A)

 Gostaríamos de perceber se tiveste algumas dificuldades com o consumo de canábis,


semelhantes às que outros consumidores desta substância já tiveram.

 Lê cada uma das questões cuidadosamente e responde SIM ou NÃO colocando uma cruz no
quadrado correto.

 Algumas questões relacionam-se especificamente com os problemas associados ao consumo de


canábis, enquanto que outras são sobre problemas gerais que possam ter acontecido.

Por favor responde a todas as questões. Todas as questões relacionam-se com as tuas experiências com
o consumo de canábis, nos últimos três meses.

CPQ-A itens principais


UM GUIA CLÍNICO 133

Nos últimos três meses: Sim Não


1. Tens fumado mais do que habitualmente?
2. Tens ficado preocupado quando vais conhecer pessoas novas e estás ganzado?
3. Tens passado mais tempo com amigos que consomem do que com outros que não
consomem?
4. Tens tido amigos que te criticam por fumar demasiado?
5. Tiveste dívidas?
6. Penhoraste algum objeto pessoal para comprar canábis?
7. Arranjaste desculpas para os gastos de dinheiro?
8. Preocupaste-te com o dinheiro que gastas com a compra de canábis?
9. Foste apanhado a mentir sobre dinheiro?
10. Tiveste problemas com a polícia devido ao consumo?
11. Sentiste-te doente fisicamente após consumires?
12. Desmaiaste após o consumo?
13. Sentiste dores no peito ou pulmões após consumires?
14. Tiveste uma infeção pulmonar ou tosse persistente?
15. Sentiste-te paranoico ou com dificuldades de relacionamento social após
consumires?
16. Perdeste peso sem justificação?
17. Foste negligente contigo fisicamente?
18. Sentiste-te depressivo mais do que uma semana seguida?
19. Sentiste-te tão depressivo que só querias acabar contigo?
20. Desististe de atividades recreativas que gostavas devido ao consumo?
21. Tens tido menos energia do que habitualmente?
22. Tens sentido dificuldades em encontrar prazer nos teus interesses habituais?
23. O teu estado geral de saúde piorou?
24. Preocupaste-te com a sensação de que te afastaste dos amigos ou da família?
25. Sentiste-te preocupado com a tua falta de motivação?
26. Tens sentido maiores dificuldades de concentração do que habitualmente?
27. Tens-te preocupado com sentimentos de isolamento e de solidão?

Itens adicionais CPQ-A

Se viveste com os teus pais (Representante legal) nos últimos três meses, responde às
questões seguintes. Caso contrário, passa para a pergunta 33. Sim Não
28. Os teus pais consomem canábis regularmente?
29. Os teus pais queixaram-se do teu consumo?
30. Os teus pais tentaram com que parasses de consumir?
31. Discutiste com eles devido ao teu consumo?
32. Tentaste evitá-los depois de consumires?
134 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Se tiveste um namorado/a nos últimos três meses, responde às questões seguintes. Caso
contrário, passa para a pergunta 38.
Pensa no namorado/a com quem passaste a mais tempo nos últimos três meses: Sim Não
33. Ele(a) consome canábis regularmente?
34. Ele(a) queixa-se do teu consumo?
35. Discutiste com ele(a) sobre o teu consumo?
36. Ele(a) ameaçou deixar-te devido ao teu consumo?
37. Evitaste-o(a) depois de teres consumido?

Se estiveste inscrito na escola ou num curso nos últimos três meses, responde às
questões seguintes. Caso contrário, passa para a pergunta 47. Sim Não
38. Estiveste menos interessado ou motivado na escola ou nos estudos?
39. Sentiste-te incapaz de frequentar as aulas devido ao consumo?
40. As tuas notas desceram?
41. Vais para as aulas após consumires?
42. Sentes-te menos capaz de te concentrares nas aulas?
43. Consumiste na escola?
44. Foste incapaz de fazer os trabalhos de casa devido ao consumo?
45. Tiveste queixas dos professores acerca do teu desempenho escolar?
46. Tiveste faltas disciplinares ou foste suspenso devido à canábis?

Se estiveste a trabalhar, seja em part-time seja a tempo inteiro, nos últimos três meses,
responde às questões seguintes. Sim Não
47. Sentes que o teu trabalho é menos interessante do que habitualmente?
48. Sentiste dificuldades em chegar a horas ao trabalho por causa do consumo?
49. Faltaste um dia inteiro ao trabalho devido ao consumo?
50. Sentes-te menos capaz de trabalhar devido ao consumo?
51. Foste trabalhar sob o efeito de canábis?
52. Tiveste queixas devido aos atrasos ou faltas ao trabalho?
53. Tiveste queixas formais da tua entidade patronal?
54. Foste suspenso ou despedido?
55. Tiveste acidentes de trabalho após consumires?
Cannabis withdrawal Checklist – ficha informativa

Avalia os sintomas relacionados com a abstinência da canábis

1 a 2 minutos para o preenchimento

O utente pode completá-la

É de domínio público

Forças: breve; simples e pode ser usada para acompanhar a evolução da sintomatologia

Limitações: não existem dados sobre a validade e fiabilidade do inquérito

Checklist para Sintomatologia de Abstinência de Canábis


UM GUIA CLÍNICO 135

Nome:
Data: Dia:

Em cada dia dos primeiros 5 dias da sua tentativa de abstinência ao consumo de canábis, por favor
responda, com base na sua experiência

nenhum pouco moderado severo


1. tremores
2. estado depressivo
3. diminuição do apetite
4. aumento do apetite
5. náuseas ou dores de estômago
6. irritabilidade
7. dificuldades de sono (insónia)
8. demasiado sono (hipersónia)
9. transpiração
10. desejo de fumar canábis
11. inquietação
12. nervosismo/ansiedade
13. aumento da raiva ou agressividade
14. dores de cabeça
15. sonhos estranhos
16. fadiga/cansaço/bocejos
17. dificuldades de concentração
18. arrepios
Fonte: Budney, A. J., Novy, P. Hugues, J. R. (1999). Marijuana withdrawal among adults seeking treatment for
marijuana dependence. Addiction 94, 1311-1322.

Cannabis Use Problems Identification Test (CUPIT) – ficha informativa


[não traduzido - ver p. 81-83 do manual na edição original]
Rastreia o uso de canábis nos últimos 12 meses, nos últimos 3 meses, os problemas induzidos pelo uso de
canábis e o risco de dano e dependência.
136 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Readiness to Change Questionnaire – ficha informativa

Este questionário é usado para aceder à preparação para a mudança dos consumidores de álcool. Foi
adaptado para incluir a canábis.

O que rastreia?

(questionário de 12 itens) a preparação para o consumidor iniciar a mudança, ou para as atuais mudanças
nos hábitos de consumo (adaptado para incluir a canábis), sugerindo um de três estádios:

 pré-contemplação – não considera fazer qualquer mudança

 contemplação: pensa em realizar mudanças, pode ter iniciado algumas


UM GUIA CLÍNICO 137

 ação – está ativamente a fazer mudanças

População-alvo

adulto/adolescentes

Tempo de realização e cotação: 12 itens, 3 subescalas; caneta e papel; auto-administrado; Tempo


necessário à administração: 2 a 3 minutos; Não necessita de treino de administração; Tempo para a
cotação: 1 minuto; Cotado pelo administrador; Normas disponíveis baseadas em consumidores excessivos
de álcool, identificados na prática clínica geral hospitalar

Aplicabilidade na investigação:

Na investigação de intervenções breves e oportunistas, especialmente em matching studies

Fonte:

Center for Alcohol and Drug Studies Plummer Court, Carliol Place, Newcastle upon Tyne
NE1 6UR, UNITED KINGDOM
Tel: 44(0)191219 5648 Fax: 44(0)191219 5649

Referências

Rollnick, S., Heather, N., Gold, R., & Hall, W. (1992). Development of a short “readiness to change”
questionnaire for use in brief, opportunistic interventions among excessive drinkers. British Journal of
Addiction 87, 743–754.

Heather, N., Rollnick, S. & Bell, A. (1993). Predictive validity of the Readiness to Change Questionnaire.
Addiction 88, 1667–1677.

Heather, N., Gold, R. & Rollnick, S. (1991). Readiness to Change Questionnaire: User’s manual. Technical
Report no. 15. Kensington, Australia: National Drug and Alcohol Research Centre, University of New South
Wales.
QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DA MOTIVAÇÃO PARA A MUDANÇA – CANÁBIS (QAMM-C)

Nome:_________________________________________________ Data:__________________

As seguintes questões estão concebidas para identificar como é que se sente em relação ao seu uso atual
de canábis. Por favor, leia todas as questões cuidadosamente e decida se concorda ou se discorda das
afirmações, escolhendo a resposta certa.

nota: CANÁBIS = haxixe, erva, pólen, bolota, ganza

Discordo Discordo Não Concordo Concordo COTAÇÃO


bastante tenho a bastante
certeza

1. Eu acho que não consumo P


muita canábis
2. Estou a tentar consumir me- A
nos canábis do que costu-
mava
138 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

3. Eu gosto de usar canábis, mas C


às vezes consumo demasiado
4. Às vezes penso que devo di- C
minuir os meus consumos de
canábis
5. É uma perda de tempo pen- P
sar nos meus consumos de
canábis
6. Eu mudei recentemente a mi- A
nha forma de consumir caná-
bis
7. Qualquer pessoa pode falar
sobre fazer alguma coisa
acerca do seu consumo de A
canábis, mas eu estou real-
mente a fazer qualquer coisa
8. Estou numa fase em que C
devo pensar em diminuir os
meus consumos de canábis
9. Por vezes, o meu consumo de C
canábis é um problema
10. Não vejo qualquer necessi- P
dade em pensar mudar o
meu consumo de canábis
11. Neste momento, estou real- A
mente a mudar o meu con-
sumo de canábis
12. Não tenho qualquer interesse P
em consumir menos canábis

COTAÇÃO

Pré-contemplação: Pré-contemplação (cotação invertido):

Contemplação: Contemplação (mesma cotação):

Ação: Ação (mesma cotação):

Cotação do questionário de avaliação da motivação para a mudança - canábis

Método rápido:

Os itens referentes à pré-contemplação são os nº 1, 5, 10 e 12;

Os itens da contemplação são os nº 3, 4, 8 e 9;

Os itens da ação são os nº 2, 6, 7 e 11.

Todos os itens são cotados numa escala de 0-5 segundo:

-2 discordo bastante
UM GUIA CLÍNICO 139

-1 discordo

0 não tenho a certeza

+1 concordo

+2 concordo bastante

Para calcular a cotação de cada estádio de mudança, somam-se os valores relativos a cada estádio. O
leque de valores para cada estádio varia entre -8 e +8. Uma cotação negativa reflete o desacordo
generalizado com os itens que determinam um estádio de mudança, enquanto uma cotação positiva,
representa acordo. O valor mais cotado corresponde ao estádio de mudança em que o consumidor se
situa.

Nota: se a cotação de 2 estádios for igual, o estádio mais distante do contínuo de mudança (pré-
contemplação contemplação-ação) representa o estádio em que se situa o consumidor que está a ser
avaliado. Por ex., se um consumidor cota 6 na escala da pré-contemplação, 6 na contemplação e -2 na
ação, então situa-se no estádio de contemplação.

Assinala-se também que, uma cotação positiva na escala da pré-contemplação significa baixa
prontidão/preparação para a mudança. Para obter a cotação de pré-contemplação que representa o grau
de preparação para a mudança do consumidor em avaliação, e que pode ser diretamente comparado com
a sua cotação ao nível da contemplação e da ação, inverta simplesmente o sinal de cotação da pré-
contemplação.

Se um dos 4 itens estiver em falta, a cotação do consumidor deve ser pro-classificada (i.e. multiplicada
por 1.33). Se estiverem em falta 2 ou mais itens, a cotação dessa escala não pode ser calculada, e o estádio
de preparação -para a mudança não pode ser determinado.

Modified Mini Screen (MMS) – ficha informativa


[não traduzido - ver p. 88-89 do manual na edição original]
O MMS foi desenhado para identificar pessoas que necessitem de uma avaliação cuidada ao nível das
desordens de humor, desordens de ansiedade e desordens psicóticas.
140 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Capítulo 12 – MATERIAIS DE TRABALHO


[Neste capítulo encontram-se diversas fichas e materiais de trabalho que podem acompanhar a
intervenção, ou serem propostas como trabalho para casa, funcionando como material de auto ajuda para
os consumidores e os técnicos que estão a desenvolver intervenções específicas dirigidas ao diferentes
níveis de risco, diferentes padrões de consumo, e diferentes estádios de mudança ao nível do uso de
canábis.]
UM GUIA CLÍNICO 141

Decisões aparentemente irrelevantes


de Steinberg et al. (2005)

Quando tomares uma decisão, grande ou pequena:


 Considera as diferentes opções que tens
 Pensa nos possíveis resultados de cada uma dessas opções. Que consequências positivas ou negativas
podes antecipar e quais são os riscos de recaída?
 Escolhe a opção que minimiza o risco da recaída. Se decidires escolher uma opção arriscada antecipa
como te podes proteger na situação de alto-risco.
 Dá atenção aos sinais vermelhos: pensamentos tais como
"Eu tenho de (fazer qualquer coisa, ir a qualquer lado, ver alguém)” ou
142 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

“Eu consigo lidar (com uma situação de alto risco)” ou


“Não faz mal nenhum (vou só dar uma passa, fumar este charro)”

Exercício prático
Pensa numa decisão que tomaste recentemente, ou que tens de tomar. A decisão pode envolver qualquer
aspeto da tua vida, tais como trabalho, atividades de lazer, amigos ou família. Identifica as opções que
são seguras e as opções que podem aumentar o teu risco de recaída.

Decisão a ser tomada:

Alternativas seguras:

Alternativas de risco:

Desejo ou Vontade de consumir


de Marlatt e Gordon (1985)

O que são os desejos/vontades de consumir?


Os desejos/vontades de consumir são naturais ao processo de mudança dos consumos de álcool ou de
outras drogas, e podem causar algum desconforto. Estes desejos/vontades são resultado do uso
continuado de uma substância e podem continuar a sentir-se até muito tempo depois do consumo ter
terminado. As pessoas com uma história pesada de uso podem experimentar desejos muito fortes.
UM GUIA CLÍNICO 143

Um desejo é como uma onda na praia. Todas as ondas começam pequenas, depois crescem, até atingirem
o seu ponto máximo de elevação e depois partem-se e desfazem-se ao longo da praia. Nenhuma onda
dura mais do que alguns minutos.

Com os desejos/vontades acontece o mesmo. Começam pequenos e depois crescem, e são feitos de
comportamentos, pensamentos e sintomas físicos. Depois de atingirem o seu pico, quebram e
desaparecem. Este processo normalmente não dura mais do que 10 minutos. Quanto tempo duram os
teus desejos? Qual a sua intensidade numa escala de 1 a 10?

O que despoleta os desejos/vontades?


Os cravings podem ser despoletados por muitos tipos de coisas: pessoas, lugares, pensamentos,
sentimentos, situações, ou qualquer outra coisa que esteja associada no passado ao uso de álcool ou
outras drogas. Está atento: algumas vezes, especialmente se estás ansioso ou numa situação associada
ao uso de drogas ou álcool, o desejo pode reaparecer de forma muito forte! Quais são os teus “gatilhos”?
De que forma te apercebes de que um desejo de uso está a começar (pensamentos, sentimentos e
comportamentos).

E se eu só usar de vez em quando?


Os desejos são como gatos vadios: se o alimentas eles voltam sempre. Mesmo que uses só de vez em
quando, vais continuar a manter esses desejos vivos. Os desejos de uso são mais fortes nas primeiras fases
do processo de abandono dos consumos, mas pode continuar-se a sentir desejos nos primeiros meses, e
por vezes até anos, depois de parar o consumos.

Como faço para me livrar dos desejos de consumo?


Os desejos só perdem o seu poder se não lhes deres força, bebendo ou consumindo. Cada vez que uma
pessoa faz qualquer coisa em vez de beber ou consumir drogas o desejo perde o seu poder. Com o tempo,
o pico da onda “desejo”, torna-se menor e menos frequente. Deixar totalmente de consumir é a forma
melhor e mais rápida de te livrar dos cravings.

Lidar com os desejos/vontade de consumir


adaptado de Hinton et al. 2002

Como é a tua experiência com o desejo ou a vontade de consumir? Descreve os sintomas que
experimentas quando tens desejo ou vontade de consumir: os teus sintomas físicos (por ex., o coração
acelerado, sensação de enjoo), os teus comportamentos (por ex., inquietação), e os pensamentos (por
ex., "Eu tenho de fumar").

Os sintomas físicos: _________________________________________________________________


144 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

_____________________________________________________________________________________
Os Comportamentos:___________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________
Os Pensamentos:_______________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________

Os meus principais “gatilhos” de desejo ou vontade de Como é que posso lidar com este “gatilho”
consumir são:
1. EVITAR ou

2. EVITAR ou

3. EVITAR ou

4. EVITAR ou

5. EVITAR ou

Às vezes, quando os desejos não podem ser evitados, precisas de encontrar uma forma de lidar com eles.
A seguir encontras algumas opções que podes experimentar para conseguires lidar com os sintomas
físicos, os comportamentos e os pensamentos que constituem os desejos.
Assinala as opções que podem funcionar contigo.
Competências comportamentais:
 Comer regularmente, mesmo quando não sentes fome
 Beber muita água - especialmente quando sentes o craving.
 Mastigar uma pastilha elástica ou comer um chupa-chupa
em vez de beber álcool ou consumir.

Usa a estratégia "3Ds" para desativares o teu desejo.


Delay (adia): Quando experimentares desejo ou vontade de consumir, adia a decisão de consumir uma
hora.
Distract (distrai-te): A partir do momento em que a decisão de usar é adiada arranja qualquer coisa para
fazer nessa hora, tal como caminhar, ligar a um amigo ou ouvir musica. Isto quebra o hábito de ires buscar
imediatamente álcool ou outras drogas quando sentes desejo. Vais perceber que quando estás
interessado em alguma coisa o desejo desaparece.
UM GUIA CLÍNICO 145

Decide (decide): Depois do desejo ter passado toma consciência dos teus sucessos na redução do uso de
substâncias, das razões para parar ou reduzir o uso, e congratula-te por não teres cedido ao desejo. Muitas
pessoas tentam lidar com os seus cravings, by gritting their teeth and toughing it out.

“Surfar impulsos”
de Steinberg et al. (2005)

Alguns impulsos, especialmente quando voltas aos locais/contextos em que normalmente usavas drogas,
são demasiado fortes para conseguires ignorá-los. Quando isto acontece pode ser útil, acompanhares o
teu impulso até que ele passe. Esta técnica chama-se “surfar o impulso”.
146 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Os impulsos são como ondas do mar. São pequenas quando começam, aumentam de tamanho e depois
partem ou quebram-se e dissipam-se. Podes imaginar-te como um surfista que vai cavalgar a onda,
permanecendo no topo até ela se desfazer e quebrar. As bases desta técnica são parecidas com as bases
de muitas artes marciais. No judo conseguimos dominar o adversário numa primeira fase aproveitando a
força do seu ataque. Ao aproveitarmos a força do adversário conseguimos controlá-la e redirecioná-la em
nossa vantagem. Esta técnica de ganhar controlo juntando-se à força do adversário permite-nos ter
controlo despendendo o mínimo de energia. O “surf de impulsos” é parecido. Podes juntar-te a um
impulso como forma de controlares esse impulso para consumir (em vez de o confrontares com uma
oposição forte). Depois de perceberes esta técnica podes perceber que é útil quando sentires um grande
impulso para consumir.

“Surf de impulsos” tem três etapas básicas:


1. Faz um inventário da tua experiência à volta do impulso para consumir. Faz isto sentando-te numa cadeira
confortável, com os teus pés fixos no solo e as tuas mãos numa posição confortável. Respira profundamente
algumas vezes e foca-te no teu interior. Toma atenção à forma com o teu corpo se sente, toma consciência
da forma como o teu corpo sente o impulso e das sensações associadas. Toma consciência de cada área.
Consciencializa todas as áreas do teu corpo em que sentes o impulso e relata para ti próprio a tua experi-
ência. Por exemplo, “Deixa-me ver - o meu impulso está na minha boca, nariz e no meu estomago”.

2. Focaliza-te numa área em que estejas a experimentar o impulso. Consciencializa as sensações exatas nessa
área. Por exemplo, sentes calor, frio, formigueiro ou dormência? Os teus músculos estão tensos ou relaxa-
dos? Qual a dimensão da área que está envolvida? Consciencializa as sensações e descreve-as para ti pró-
prio. Consciencializa as alterações que ocorrem nas sensações “muito bem - a minha boca está seca. A
atenção dos meus lábios e língua. Estou a engolir. Quando expiro, posso imaginar o cheiro e o gosto da
canábis”

3. Recentra-te em cada parte do teu corpo que experiencia o impulso. Toma atenção e descreve para ti próprio
as mudanças que ocorrem. Consciencializa como o impulso, vai e vem.

Muitas pessoas reparam que depois de alguns minutos a surfar o impulso, a urgência de consumir
desaparece. O objetivo deste exercício no entanto, não é fazer o impulso desaparecer mas experienciá-lo
de uma forma diferente. Se praticares esta técnica vais ficar familiarizado com os teus impulsos e vais
aprender como conduzi-los até eles se irem embora.
Tabela de balanço decisional - adaptado de Hinton et al. (2002)

Esta ficha de trabalho vai ajudar-te a: Pensar acerca do teu comportamento de fumar
 Pensar nos custos e nos benefícios do teu uso Para pensares sobre o teu uso de canábis
atual de canábis. pergunta a ti próprio:
 Perceber os fatores que afetam as tuas deci- “O que é eu perco e o que é que eu ganho se
sões para fumar; continuar com o meu padrão habitual de
 Decidir o que queres fazer acerca disso; consumo de canábis”
"Qual o papel que a canábis desempenha na
minha vida?"
UM GUIA CLÍNICO 147

TU podes estar a ter benefícios com o consumo,


tais como relaxamento ou oportunidades sociais
mas podes estar também a experimentar algumas
dificuldades.
Fazer um exercício mental
Uma das coisas que te podem ajudar a clarificar
os teus pensamentos acerca do teu uso de
canábis é fazer uma lista dos custos e dos
benefícios de mudar ou de continuar a consumir.

Dá atenção aos exemplos e junta os teus próprios comentários:

Continuar a usar canábis da


mesma forma Diminuir o uso de canábis Parar de consumir
Coisas boas Não tenho que mudar nada Não vou gastar tanto O meu humor vai melhorar
dinheiro

Coisas menos A minha namorada vai Quando começar vou Não estarei com os meus
boas continuar “a chatear-me” perceber que é difícil parar amigos tão frequentemente

Assinala os efeitos positivos e negativos que são mais importantes para ti; podes também, dar uma
pontuação a cada uma, numa escala de menos importante (1) até mais importante (10), e repara qual das
colunas soma um resultado mais elevado.

Escada de Canábis

adaptado de Slavet et al. (2006)

10 Mudei o meu uso de canábis e nunca voltarei a consumir como consumia antes.
148 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

9 Mudei o meu uso de canábis, mas continuo preocupado com uma recaída, por isso tenho de
continuar a trabalhar nas alterações que consegui fazer sobre os meus consumos.

8 Tenho intenção de usar canábis mas vou mudar algumas coisas, como por exemplo diminuir
a quantidade de canábis que uso.

7 Tenho uma forte intenção de alterar o meu uso de canábis e estou quase capaz de fazer
planos sobre como mudar.

6 Tenho uma forte intenção de alterar o meu uso de canábis, mas ainda não estou capaz de
fazer planos sobre como mudar.

5 Penso muitas vezes na forma como consumo canábis, mas não tenho planos para mudar.

4 Às vezes penso na forma como uso canábis, mas não tenho planos para mudar.

3 Raramente penso em mudar o meu uso de canábis e, não tenho planos para mudar.

2 Nunca penso acerca de mudar o meu uso de canábis, e não tenho planos para mudar.

1 Eu gosto de consumir canábis e decidi que isso nunca vai mudar. Não quero mudar a forma
como uso canábis.

Diário do consumo de canábis

Dia, Onde e com quem consumiste? Como te estavas a sentir? Que quantidade Custo
data consumiste? (€)
UM GUIA CLÍNICO 149

Resumo personalizado
Adaptado de Hinton et al. (2002)

Realizado por:
Este resumo personalizado vai-te dar uma ideia do teu consumo atual de canábis.
150 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

De que forma é um problema?


 Relatas o uso de canábis em __________ % dos dias do último mês.
 Relatas que fumaste __________ charros no último ano.
 Também consumiste __________ cigarros, se fumaste 50% misturado com canábis
(a maioria dos fumadores de canábis consomem mais que isso).
 Isto quer dizer que gastaste entre ________€ e_________€, dependendo do preço.
 Gastaste __________ horas em actividades relacionadas com o consumo de canábis.

Como avalias o teu consumo de canábis?


Elevado
Muito Alto
Alto
Médio
Baixo
Sem problema

Treino de relaxamento – para clínicos (técnicos, terapeutas)

Visão global
O treino de relaxamento envolve uma série de procedimentos para voluntariamente nos libertarmos da
tensão. Estas técnicas podem ser utilizadas em situações diárias, quando o stress surge.
UM GUIA CLÍNICO 151

Objetivos
 Reconhecer a tensão física e psicológica
 Aprender a relaxar
 Usar as imagens mentais para reduzir a tensão psicológica
 Usar grupos musculares específicos para aliviar a tensão

Método
 explicar que, em resposta ao stress, temos uma resposta de “ataque ou fuga” em que os músculos se
tornam mais tensos, a respiração mais rápida e superficial, e ficamos num estado de alerta
 estas reações são normais, mas quando alguém sofrer de stress durante um longo período de tempo,
a tensão muscular pode permanecer elevada e pode ser difícil reconhece-lo, pois passa a ser uma sensa-
ção "normal"/”habitual”.
 a constante tensão pode provocar sentimentos de ansiedade e contribuir para a recaída
 o relaxamento eficaz inicia-se com situações não desafiantes e deve ser desenvolvido para que seja
possível usar em situações stressantes
 os procedimentos básicos podem ser ensinados numa a três sessões, mas têm que ser praticados com
regularidade, por mais de 8 semanas
 mais prática traz maiores benefícios
 as técnicas de relaxamento são melhor implementadas a) num ambiente tranquilo, b) numa posição
confortável (mas não na cama), c) com uma atitude passiva, e com d) técnicas que promovam a diminui-
ção da tensão

Tipos de relaxamento
relaxamento Envolve a contração e relaxamento ativo de grupos musculares do corpo de
muscular forma progressiva e sequencial.
progressivo
procedimentos Relaxamento Mental que inclui a repetição de uma palavra (p. ex. relaxar) ou a
de evocação de imagens agradáveis.
relaxamento
meditativo
procedimentos Envolve trabalhar um músculo contra outro
isométricos A maioria dos exercícios não envolve qualquer movimento aparente pelo que
pode ser realizado sem constrangimento
Materiais de Trabalho correspondentes: 1. Dicas para dormir melhor; 2. Relaxar os músculos

Dicas para dormir melhor

Vá para a cama somente quando estiver com sono.

Não use a cama para qualquer outra coisa, exceto para dormir e para atividade sexual. Não coma, não
veja tv, não leia, não se preocupe, na cama.
152 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Se estiver com dificuldades em dormir, levante-se e vá para outra sala. Mantenha-se


acordado nesse espaço o tempo que desejar, de preferência dedicando-se a uma atividade
aborrecida. Volte para a cama quando se sentir sonolento. Se estiver na cama por mais de
20m sem adormecer, levante-se. Repita isto quantas vezes forem necessárias.

Programe o despertador para se levantar todos os dias à mesma hora, independentemente das horas de
sono que dormiu. Uma hora de despertar constante ajuda o seu corpo a adquirir um ritmo de sono
consistente. Se tem dificuldade em adormecer, tente diminuir ou evitar as sestas durante o dia, e verifique
se isso melhora o seu sono.

Evite atividade física à noite.

Evite estimulantes como chá, café, cacau, ou cigarros antes de deitar.

Evite álcool, especialmente no final do dia. Embora o álcool possa ajudá-lo a adormecer mais
facilmente, é suscetível de provocar um sono interrompido.
Medicamentos para dormir podem ajudar inicialmente, mas podem tornar-se inúteis ou
desaconselhados a longo prazo.

Se se sentir irritado e frustrado porque não consegue dormir, não fique na cama a tentar dormir. Saia da
cama, vá para outro compartimento e faça algo diferente.

Relaxar os músculos

Quando praticar em casa, certifique-se que:

• usa roupas confortáveis;

• desativa as distrações (desligue o telefone, feche as persianas…)


UM GUIA CLÍNICO 153

• está sentado numa cadeira confortável (o objetivo é estar relaxado enquanto acordado)

• não force os seus músculos; contraia apenas o suficiente para notar as diferenças entre tensão e
relaxamento.

Passos:

1. Sente-se em uma cadeira confortável e feche os olhos.

2. Contraia os músculos do seu rosto e da mandíbula. Não estique os músculos, aperte-os. Agora,
devagar, concentre-se na libertação de tensão.

3. Levante os ombros e incline a cabeça para trás. Não estique os músculos, aperte-os. Agora, va-
mos lentamente, libertando a tensão. Deixe os seus ombros cair e endireite a sua cabeça.

4. Rodeie o corpo com os braços, à sua frente e feche as mãos em punho. Não estique os músculos,
aperte-os. Agora, devagar, vá libertando a tensão. Deixe os braços cair suavemente.

5. Aperte os músculos do estômago. Não estique os músculos, aperte-os. Agora, devagar, concen-
tre-se na libertação da tensão.

6. Estique as pernas aperte os músculos das pernas. Não estique os músculos, aperte-os. Agora,
aos poucos liberte toda a tensão. Deixe os seus pés cair suavemente até ao chão.

7. Mantenha-se sentado por algum tempo e disfrute da sensação de calor e peso nos seus múscu-
los. Quando se levantar, tente manter esta calma.

8. Tente praticar o relaxamento todos os dias, para conseguir melhores resultados.

Sintomatologia de abstinência ao uso de canábis – informação ao utente

Muitos dos consumidores de canábis podem experimentar alguns sintomas de abstinência; outros podem
sentir pouco ou nenhum desconforto quando deixam de usar. Para muitos consumidores, os sintomas
psicológicos são os mais difíceis. Existem também alguns sintomas físicos, que podem ser desconfortáveis,
mas não são perigosos.

Sintomas comuns Sintomas menos comuns


154 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Raiva Arrepios
Agressão Dores de estômago
Irritabilidade Tremuras
Nervosismo/ansiedade Suores
Alterações no apetite Humor depressivo
Inquietação
Dificuldade em dormir
Sonhos estranhos

Os sintomas de abstinência são sinais de que o corpo está a recuperar e a readaptar-se ao facto de estar
sem canábis, por isso são sinais positivos de recuperação. Geralmente, os sintomas de abstinência
resolvem-se entre 5 a 10 dias. Alguns sintomas, tais como desenvolver bons padrões de sono, podem
demorar mais algum tempo.

Deixar o tabaco ao mesmo tempo


Muitos consumidores de canábis também fumam tabaco, quer seja ao mesmo tempo, quer isoladamente.
Se misturas tabaco com canábis, é possível que alguns dos sintomas se relacionem com o deixares de usar
tabaco também.
Estar em abstinência às duas substâncias não quer dizer que será duplamente pior, e a investigação diz-
nos que é melhor deixar ambas as substâncias ao mesmo tempo. Se te preocupas com a tua capacidade
em abandonar simultaneamente o tabaco e a canábis, existem possíveis terapias de substituição para a
nicotina, sobre as quais te podes informar junto do teu médico.

Opções de tratamento
Existem uma série de opções de tratamento na Austrália. Algumas dessas opções incluem
aconselhamento, grupos de apoio e grupos de educação. Também podes ligar para a Cannabis
Information and Helpline ou contactar os serviços locais de Alcohol Drug Information Service. Nesta fase,
não existem medicamentos específicos para a abstinência à canábis, no entanto o teu médico de família
pode recomendar medicação para alguns sintomas, como humor depressivo ou dificuldades no sono. Isto
dependerá da especificidade da tua situação pessoal.

Monitorizar os sintomas de abstinência


Poderás querer copiar e usar este quadro para monitorizares os teus sintomas ao longo da semana,
colocando uma cruz nos espaços ao lado de cada sintoma. Verás o número e a severidade dos sintomas a
reduzirem rapidamente.

sintomas baixo moderado severo


Humor depressivo

Alterações no apetite
UM GUIA CLÍNICO 155

Dificuldades em dormir

Suores/suores noturnos

Desejo de consumir
canábis
Inquietação/irritabilidade

Agressividade/raiva

Dores de cabeça

Desenvolver um plano de gestão dos sintomas de abstinência com um amigo, familiar ou técnico, inclui:
 Afastar todos os objetos de consumo, para afastar a tentação
 Fazer um esforço para comer melhor e para realizar algum exercício
 Escrever os pros e contras do abandono do consumo, e colocá-los num local visível
 Não planear atividades stressantes nas primeiras semanas, mas sim, planear atividades agradá-
veis que o irão distrair
 Encontrar um amigo ou alguém que o distrai do consumo e o ajude nos impulsos/desejos para
consumir
 Tentar não se culpabilizar se tiver um lapso
 Planeie uma recompensa para si próprio quando conseguir atingir o objetivo

Prós de deixar de consumir/diminuir o consumo Contras de consumir/diminuir o consumo


1. 1.
2. 2.
3. 3.
4. 4.
5. 5.
6. 6.

Marque uma consulta com o seu médico/técnico para monitorizar o seu progresso e desenvolver
estratégias para consolidar e construir o seu sucesso.

Competências de Resolução de Problemas – para técnicos


Visão global
 As competências para de resolução de problemas apropriam-se a todas as questões com subs-
tâncias e podem ser aplicadas independentemente do consumidor ter por objetivo a abstinência
ou a redução do consumo
 Estas competências aplicam-se a contextos de grupo ou individuais
 A base destas estratégias podem ser ensinadas nas sessões, mas necessitam de ser praticadas,
redefinidas e reforçadas, para se tornarem efetivas
156 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Objetivos
 Reconhecer a existência de um problema
 Gerar uma variedade de potenciais soluções
 Selecionar opções mais apropriadas e gerar um plano de ação
 Avaliar a eficácia da abordagem

Processo Detalhes
Definir exatamente qual é o problema  Definir o problema em termos de comportamentos
concretos
 Se existem diversos comportamentos, pedir ao con-
sumidor que os priorize
Brainstorm de opções para lidar com o problema  Não é permitido nenhuma crítica
 Ser o mais criativo possível
 O número de ideias é importante
 O que resultou anteriormente?
Escolher a melhor opção ou opções  Remover estratégias impraticáveis
 Considerar os prós e contras de cada opção viável
 Discutir todos os possíveis obstáculos à ação
Elaborar um plano detalhado de ação  Desmontar as ações em passos concretos
 Decidir quando, onde, como e com quem
Implementar o plano  Praticar na sessão com role play e fazendo trabalhos
de casa
Avaliar os resultados  A opção resolveu o problema na totalidade ou em
parte?
 A estratégia precisa de ser melhorada, ou é necessá-
ria uma nova estratégia?
Ficha de trabalho correspondente: Competências de Resolução de Problemas – para os utentes

Competências de Resolução de Problemas – para utentes


Adaptado de Steinberg et al. (2005)

1. Um problema que eu gostaria de resolver

2. O que posso fazer? (brainstorm de ideias criativas)


UM GUIA CLÍNICO 157

3. Prós e contras de cada solução


Solução possível benefícios custos

Qual é que eu vou escolher?

4. Plano de ação
Como?
Quando?
Onde?
Com quem?

5. Como é que correu?


Coisas boas Coisas não tão boas

Vai tentar este processo outra vez?


sim não

Prevenção da recaída (para técnicos)


Visão global
 A Prevenção da recaída (PR) deve ser incluída em todos os programas de tratamento
 A recaída é tão comum que deve ser encarada como uma parte normal do processo de mudança;
 PR é útil para prevenir recaídas e também para aprender com essa experiência;
 PR pode recorrer a outras competências tais como resolução de problemas, disputa de pensa-
mentos negativos, etc.
158 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Conceitos-Chave
 Identificar situações de alto risco e desenvolver competências para lidar com os estímulos de-
sencandeadores;
 Distinguir entre alguns tipos de uso (“escorregadela” ou lapso) e o retorno a um uso regular (re-
caída).
Processo Detalhes

Reforçar o compromisso com a Uma forte resolução de mudança é um aspeto importante para moderar o uso
mudança ou manter a abstinência.
Discutir as razões da mudança e registá-las para que possam ser usadas como
“lembretes” e fatores motivadores.

Identificar situações de alto Detalhes: quem, onde, com quem, a fazer o quê, e a sentir o quê.
risco
Isto pode ser registado num diário ou através da realização de questionários
tais como “Cannabis Situational Confidence Scale”.

Ensinar competências para lidar Os consumidores estarão capazes de implementar as competências para lidar
com a situação ou outras com a situação quando tiverem a confiança necessária para lidar com
competências úteis situações de alto risco (ver a ficha de trabalho sobre resolução de problemas).

Outras competências podem incluir: lidar com a pressão social, lidar com
distúrbios do humor, lidar com o craving ou desejo/vontade de consumir (ver
ficha de trabalho “surfando os impulsos”).

Outras dicas importantes para Uma das estratégias mais úteis para lidar com situações de alto risco é o
evitar a tentação planeamento prévio.

Outra é reconhecer “decisões aparentemente irrelevantes” (ver ficha de


trabalho).

Preparar para a “escorregadela” Saunders and Allsop (1991) sugerem que seja feita uma simulação da recaída
(lapso) semelhante a uma simulação de incêndio, na qual é criado um plano para
prevenir que a “escorregadela” se torne uma recaída grave. Isto implica
identificar fatores emocionais e situacionais.

Outras questões importantes Fatores tais como a rede social, a rede de suporte (incluindo grupos de
para manter a mudança, autoajuda), competências de comunicação e envolvimento em atividades de
relacionadas com o estilo de tempos livres, são aspetos importantes do sucesso no tratamento.
vida

Hierarquia do risco de consumir canábis

adaptado de Hinton et al. (2002)

Grau de risco
(0-10) Situação Estratégias utilizadas
UM GUIA CLÍNICO 159

Grau de risco 10: alto 7: moderado 4: baixo 0: nulo

Princípios que orientam as competências de recusa de canábis


Adaptado de Hinton et al. (2002)
As competências de recusa resumem-se a seis estratégias fáceis de usar:

1. SER ASSERTIVO na linguagem corporal e no tom de voz


Fazer contato ocular direto. Estar ao mesmo nível ou acima da pessoa que oferece canábis. Usar um tom de voz
forte, firmo e confiante. As pessoas que oferecem canábis têm mais tendência a persistir quando a pessoa não
parece ou não soa convincente.
160 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

2. DIZER NÃO sem hesitação. Lembrar que, quem hesita está perdido!
Ser firme e educado. “Não” pode ser reforçado com uma mensagem sobre as suas intenções no futuro para prevenir
futuras ofertas. Por exemplo:
 Não. Desculpa, não ouviste? Eu deixei os consumos.
 Não, obrigado, ordens do médico.
 Desculpa, mas tenho tosse, estou doente. Esta noite não, obrigado.
 Não, obrigado não me sinto bem.
 Para mim não, já não gosto disso.
 Não, obrigado. Hoje não. Estou a fazer uma pausa nos consumos.
 Obrigado, mas não. Ando “certinho”.
 Não, obrigado. Vou conduzir.

3. SUGERIR UMA ATIVIDADE ALTERNATIVA ao consumo de canábis


 Pode ser útil sugerir atividades em contextos de não consumo: não, obrigado…
 E se víssemos um vídeo?
 Quem quer jogar basquetebol?
 Que tal telefonar para ver o que é que ele está a fazer?
 Que tal um filme?

4. Quando és desafiado, REPETE O QUE JÁ DISSESTE, e depois MUDA DE ASSUNTO


a) As pessoas ficam com a sensação de que tu não vais mudar de intenção quando repetes o mesmo sem variar
vezes e vezes sem conta.
 Não vou entrar em detalhes, mas realmente não posso fumar por causa da minha saúde.
 Esta noite eu não quero, mas tu “vai em frente”.
 Isto já é suficientemente difícil para mim – por favor ajuda-me a conseguir.
 Prefiro um café – posso fazer um para todos?
b) Muda de tópico para assuntos não relacionados com canábis. Isso passa a mensagem de que a discussão aca-
bou. Por exemplo:
 Não, obrigado. O que queres fazer esta noite?
 Não, obrigado. Quanto é que custa um carro em estado aceitável?
 Não, obrigado. Achas que os vampiros têm medo da Buffy, a assassina de vampiros?
 Não, obrigado. Sabias que há saldos na loja de surf?

5. EVITAR DESCULPAS E REPOSTAS VAGAS


Recordar o seguinte princípio: Manter a resposta simples e focada num objetivo – dizer não. Envolver-te em
desculpas longas e complicadas, pode resultar em discussões também longas sobre os efeitos positivos do
consumo de canábis. Essas discussões tornam mais difícil a tua recusa.

6. Se isto tudo falhar SAIR


Se as pessoas não aceitarem o teu não como resposta e se sentires que estás a vacilar, o evitamento é a melhor
estratégia.
Sai!
 Se não vão fazer nada eu encontro-me convosco amanhã.
 Isto está uma chatice, vou ter convosco mais tarde

Ficha de trabalho “Contorção psicológica” – para técnicos


Adaptado por Hinton et al. (2002)

No início, o técnico pede ao utente:


Descreve as tuas qualidades. Descreve coisas boas acerca de ti próprio.
O utente e o técnico exploram os aspetos mais positivos do utente, fazendo uma lista de qualidades
UM GUIA CLÍNICO 161

De seguida, o técnico pede ao utente:


Agora descreve um consumidor de canábis.

Isto é explorado cuidadosamente, antes do técnico pedir ao utente que compare as duas listas. Por exemplo:
O que pensas das duas listas: como é que as podes comparar?

Atividades agradáveis
Adaptado por Macphilliamy & Lewinsohn (1982)
162 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Ao deixares de consumir canábis estás a deixar uma atividade que ocupa uma grande parte do teu tempo.
É importante que tentes identificar outras atividades que te façam sentir bem e que as integres no teu
dia-a-dia.
O teu compromisso é o de fazeres uma coisa agradável todos os dias, algo que não tem necessariamente
que te fazer gastar muito tempo, esforço ou dinheiro. Podes precisar da ajuda de um companheiro ou da
cooperação de outra pessoa, mas não hesites em pedir ajuda.
Não importa se é um jantar fora, comprar qualquer coisa que querias muito, tomar um banho quente,
correr – deve ser qualquer coisa que te faça ter a sensação de que te preocupas contigo, que tratas de ti.
Tu mereces! Se isso implicar gastar um pouco mais de dinheiro do que o habitual lembra-te que tens
poupado dinheiro por não fumares canábis, vais perceber gradualmente formas de te mimar menos caras.
Regista todas as atividades na próxima semana para as discutirmos mais tarde.

Alguns exemplos:
Cinema; ver televisão; ouvir musica; jogar no computador; jogar cartas; resolver um puzzle; ler; tocar um
instrumento musical; yoga; exercício físico; desenhar; pintar; cozinhar; fotografia; jardinagem; comer;
escrever um e-mail a um amigo; uma massagem; beber chá ou café; tomar um banho; tirar uma sesta;
visitar o esteticista; meditar; nadar; reservar umas férias; ir ao mercado, a um parque ou a um museu;
fazer compras; ver desporto; fórum de internet; escrever um diário; usar roupas de que gostas; sair com
os amigos; dançar; andar de bicicleta; fazer pesquisas na internet; ir a uma venda de garagem; etc.

(cont. na pág. seguinte)


Plano para desenvolver atividades agradáveis Monitorização (o que é conseguiste fazer em cada
Dia (listar pelo menos um objetivo para cada dia) dia)

1
UM GUIA CLÍNICO 163

Gerir emoções negativas e depressão


Adaptado de Kadden et al. (2004)
164 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Usa o seguinte plano para ultrapassar a depressão:


1. Toma consciência dos sintomas de depressão:
 Estar consciente das emoções e situações que a influenciam;
 Estar consciente dos pensamentos automáticos negativos.
2. Disputa ou responde a esses pensamentos:
 Formula questões e desafia as crenças por trás desses pensamentos;
 Substitui os pensamentos negativos por outros mais positivos.
3. Age de uma forma diferente
 Aumenta as atividades positivas;
 Diminui a realização de atividades pouco agradáveis;
 Recompensa-te pelos passos positivos que consegues dar.
Exercício prático
Usa esta ficha de trabalho para ficares a conhecer melhor a tua depressão e os passos necessários para
mudares o teu humor.
1. De que forma revelo a minha depressão, no meu humor, atitudes e comportamentos? Quais são os meus
sintomas?
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
2. Quais são os pensamentos negativos automáticos que acompanham a minha depressão? O que é que eu penso
sobre mim, a minha vida atual e o meu mundo em geral?
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
3. Que questões posso colocar a mim próprio, para desafiar esses pensamentos automáticos negativos?
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
4. O que é que tenho de fazer para agir de uma forma diferente? Que estratégias de resolução de problemas devo
utilizar para lidar com os meus problemas? Que atividades agradáveis tenho de intensificar? Que atividades
negativas tenho de evitar ou reduzir?
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________

Avaliar a importância de alterar o consumo de canábis – para técnicos


Para avaliar a importância de alterar o padrão habitual do uso de canábis, perguntar ao consumidor:
UM GUIA CLÍNICO 165

“Numa escala de 1 a 10, qual a importância que tem para si a alteração da forma como usa canábis?”
Se a importância de mudar é:

Baixa:
“Ok, então isso não é muito importante para si neste momento. Espero poder passar-lhe algumas
informações. Mesmo que não queira mudar a forma como usa canábis, existe alguma informação que
lhe posso dar sobre como pode reduzir os danos associados a esse uso.”
Se a mudança não é importante, explore o diagrama dos estádios de mudança e avalie em que estádio de
mudança é que a pessoa está. Avise a pessoa de que é comum avançar e retroceder entre estádios.

Média:
“Então, a meio da escala. Mas estou a pensar para mim próprio porque disse um “4” e não disse um
“1”? Então uma razão importante é … E que mais?”

Alta:
“Então é muito importante para si, fazer alguma coisa acerca do consumo de canábis. Porque será?
Então uma razão importante é … E que mais?”
Realize o follow up destes consumidores, para quem a mudança é importante, questionando o cliente
acerca dos seus planos para realizar essa mudança com o objetivo de explicitar um discurso claro de
mudança

Para clientes com Avalie separadamente a importância de fazer mudanças no uso de substâncias e nos
problemas de sintomas depressivos/de ansiedade. As questões acima devem ser colocadas primeiro
saúde mental acerca dos sintomas depressivos/de ansiedade e depois sobre o uso de substâncias, já
que desta forma diminuímos a resistência da pessoa em relação às mudanças no uso de
substâncias.

Avaliar o nível de confiança para mudar o padrão do uso de canábis - para técnicos.
Avaliar confiança individual para mudar o padrão habitual do uso de canábis
166 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

“Numa escala de um a dez, qual é o grau de confiança que tens de que consegues mudar se o desejares?”
Explorar a confiança da pessoa, questionando:
Se a confiança em mudar é:

Baixa:
“Ligeiramente baixa. O que é que tem que acontecer para fazer aumentar, digamos para “5” ? Fala-me
de uma mudança que tenhas conseguido no passado? Como é que conseguiste?”

Média:
“Então, mais ou menos a meio. Então porquê um “4” e não um “1”? O que seria possível fazer para
aumentares a tua confiança, digamos para “8”? Como é que poderias conseguir? Como é que eu posso
ajudar?”

Alta:
“Então, estás muito confiante. Como é que vais prosseguir com isso? Como é que isso vai ser? Que mais?
Como é que eu posso ajudar?”

Nota: Uma confiança baixa na escala (inferior a 7) indica que pode ser necessário voltar à fase 1 das
estratégias de intervenção motivacional ou rever estratégias incluídas no plano de mudança.

Para clientes com Avaliar a confiança na mudança para a ansiedade, depressão e uso de substâncias
problemas de separadamente. Se a pessoa tem uma confiança baixa para lidar com a
saúde mental ansiedade/depressão, mas não para o uso de substâncias (ou não vice-versa), voltar às
estratégias de intervenção motivacional ou rever estratégias de mudança.

Referências
Hinton, M., Elkins, K., Edward, J., & Donovan, K. (2002). Cannabis and psychosis: An early psychosis
treatment manual. Government of Victoria, Department of Human Services. Published by Orygen
Research Centre, Victoria.
UM GUIA CLÍNICO 167

Kadden, R., Carroll, K., Donovan, D., Cooney, N., Monti, P., Abrams, D., Litt, M., & Hester, R. (1992).
Cognitive–behavioral coping skills therapy manual: A clinical research guide for therapists treating
individuals with alcohol abuse and dependence. NIAAA Project MATCH Monograph Series, DHHS
Publication no. (ADM) 92-1895, vol. 3. Rockville, MD: National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism.

Marlatt, G. & Gordon, J. (1985). Relapse prevention: Maintenance strategies in the treatment of addictive
behaviors. New York: Guilford Press.

MacPhillamy, D.J. & Lewinsohn, P.M. (1982). The Pleasant Events Schedule: Studies on reliability, validity,
and scale intercorrelations. Journal of Consulting and Clinical Psychology 50, 363–380.

Slavet, J.D., Stein, L.A.R., Colby, S.M., Barnett, N.P., Monti, P.M., Golembeske,C.Jr. & Lebeau-Craven, R.
(2006).The Marijuana Ladder: Measuring motivation to change marijuana use in incarcerated adolescents.
Drug and Alcohol Dependence 83, 42-48

Saunders, B., & Allsop, S. (1991). Alcohol problems and relapse: Can the clinic combat the community?
Journal of Community and Applied Social Psychology 1, 213-221

Steinberg, K.L., Roffman, R.A., Carroll, K.M., Mcree, B., Babor, T.F., Miller, M., Kadden, R., Duresky, D.,
& Stephens, R. (2005). Brief counselling for marijuana dependence: A manual for treating adults. SAMHSA,
Center for Substance Abuse Treatment. Rockville MD.

APÊNDICES

Apêndice 1 - Níveis de Evidência


168 GESTÃO DAS PERTURBAÇÕES DO USO DE CANÁBIS E QUESTÕES ASSOCIADAS

Foram implementados os 5 passos seguintes:

1. Classificaram-se cada uma das cinco componentes, e anotou-se as questões mais importantes que
emergiram nas discussões e a classificação no formulário

2. Sumariou-se por escrito a avaliação de cada um dos cinco componentes

3. As classificações de cada um dos componentes e o respetivo descritor foram registados nas caixas
respetivas

4. Foi determinado o grau global de cada corpo de evidência, a partir da soma das classificações dos
diferentes componentes

5. Formulou-se a recomendação, baseada no corpo de evidência. A recomendação dirigiu-se à questão


clínica e foi formulada em termos de ação

A B C D
Componente Excelente Bom Satisfatório Pobre

Volume de Vários estudos de Um ou dois estudos Estudos de nível III Estudos de nível IV,
evidência nível I ou II com de nível II com baixo com baixo risco de ou estudos de nível I
baixo risco de viés risco de viés ou viés, ou estudos de a III com alto risco
estudos SR/múltiplo nível I ou II com de viés
nível III com baixo risco moderado de
risco de viés viés

Consistência Consistência em Possibilidade de Alguma Evidência


todos os estudos explicação da inconsistência, que inconsistência
consistência ou reflete incerteza
inconsistência na genuína sobre a
maioria dos estudos questão clínica

Impacto clínico Muito alargado Substancial Moderado Leve ou restrito

Possibilidade de A população/s A população/s A população/s A população/s


generalização estudada no corpo estudada no corpo estudada no corpo estudada no corpo
da evidência é/são da evidência é/são da evidência é da evidência é
a/s mesma/s deste semelhante/s deste diferente da diferente da
guia guia população/s alvo população/s alvo
deste guia, mas é deste guia e é difícil
clinicamente julgar se é possível
sensível a aplicar generalizar à
esta evidência à população alvo
população alvo

Aplicabilidade Diretamente Aplicável ao Provavelmente Não aplicável ao


aplicável ao contexto de saúde aplicável ao contexto australiano
contexto de saúde australiano com contexto de saúde de saúde
australiano poucas alterações australiano com
poucas alterações
Apêndice 2

Autor Cargo Filiação


Dr Adam Winstock Senior Staff Specialist/Conjoint Drug Health Services
Senior Lecturer
UM GUIA CLÍNICO 169

Sydney South West Area Health Ser-


vice/National Drug
and Alcohol Research Centre
Prof Alan Budney Professor and Senior Research Center for Addiction Research (CAR)
Scientist University of Arkansas for Medical
Sciences
Prof Amanda Baker Deputy Director/Clinical Psy- University of Newcastle
chologist Centre for Brain and
Mental Health Research
Dr Amie Frewen Senior Research Officer National Cannabis Prevention and In-
formation Centre
Dr Dan Lubman Associate Professor/Consultant ORYGEN Research Centre University
Psychiatrist of Melbourne

Dr Greg Martin Manager of Interventions National Cannabis Prevention and In-


Development formation Centre

Dr Jan Bashford Clinical Researcher Massey University

Prof Jan Copeland Director National Cannabis Prevention and Information


Centre

A/Prof Jason Connor Director, Centre for Youth Sub- University of Queensland
stance Abuse Research
Dr John Howard Senior Lecturer National Cannabis Prevention and In-
formation Centre

Dr Julia Tresidder Research Analyst Australian Institute of Criminology

Dr Leanne Hides Senior Research ORYGEN Research Centre


Fellow Coordinator/Research Fel- University of Melbourne
low
Dr Mark Montebello Senior Staff Specialist/Medical The Langton Centre, Sydney/School of
Team Coordinator/Conjoint Sen- Psychiatry
ior Lecturer University of New South Wales
Dr Peter Homel Manager of the Crime Reduction Australian Institute of Criminolgy/Grif-
and Review Program/Adjunct fith University
Professor
Prof Roger Roffman Professor of Social Work University of Washington
Prof Robert Stephens Professor and Chair Psychology Department, Virginia Tech

Dr Sally Wooding Clinical Psychologist/Senior Re- Office of Mental Health and Drug and
search Officer Alcohol Policy
Prof Simon Lenton Deputy Director/Clinical Psy- National Drug Research Institute
chologist
Dr Stephanie Taplin Research Fellow National Drug and Alcohol Research
Centre
Mr Toby Lea Researcher Drug Health Services
Sydney South West Area Health
Service

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