Apostila Coloproctologia
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Apresentação à 16ª edição
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Sumário
1 Anatomia e 昀椀siologia do intestino grosso ....................................................................................21
2 Abordagem diagnóstica ...........................................................................................................................28
3 Doenças do apêndice ................................................................................................................................38
4 Obstrução do intestino grosso .............................................................................................................51
5 Pseudo-obstrução aguda do cólon (Síndrome de Ogilvie) .......................................... 60
6 Megacólon ..........................................................................................................................................................65
7 Isquemia colônica (colopatia isquêmica) ....................................................................................70
8 Hemorragia digestiva baixa (HDB) ....................................................................................................77
9 Doença diverticular ......................................................................................................................................83
10 Retocolite ulcerativa inespecí昀椀ca (RCU) ......................................................................................94
11 Ti昀氀ite ...................................................................................................................................................................... 112
12 Colite pseudomembranosa (CPM) ................................................................................................. 115
13 Novas colites ...................................................................................................................................................118
14 Poliposes ............................................................................................................................................................124
15 Câncer colorretal (CC) ..............................................................................................................................135
16 Doenças anorretais.................................................................................................................................... 156
Caderno de imagens
Tênia
omental do
colo (exposta
pelo gancho) Apêndices Tênia mesocólica
Tênia omentais (adiposos) do colo (exposta
livre Tênia livre pelo gancho)
do colo do colo
Pregas semilunares
do colo
Mesocolo
Junção sigmoide
retossigmoidea
Reto
Arco justacólico
(artéria marginal
do colo)
Artéria cecal
anterior
Artéria cecal
posterior
Artéria
apendicular
Figura 1.2 Suprimento vascular, linfático e nervoso do intestino grosso. Atenção: ponto crítico de Griffiths lo-
calizado no ângulo esplênico e que corresponde ao limite de separação entre os territórios da artéria mesentérica
superior e inferior. Ponto crítico de SUDECK: é uma região do cólon em que recebe, escassamente, uma mistura de
dois suprimentos sanguíneos, das artérias sigmoideanas e retal superior (junção retossigmoide).
Ponto de Lantz
Ponto de
McBurney's
Ponto de
Figura 2.1 Colonoscopia virtual (TC colonográfica); A:
imagem de pólipo (seta) evidenciada em padrão bidimen- Morris
sional na TC scan; B: TC colonográfica em visão tridimen-
sional; C: imagem colonoscópica da lesão polipoide (seta).
Miscelânea (10%)
Doença
diverticular
Neoplasias (10%)
(60%)
Vólvulo (20%)
Figura 4.2
Volvo do sigmoide
Patogênese
do volvo
sigmoide
1- Alça
sigmoide 2- Contração 3- Torção,
longa da base do obstrução
mosossigmoide estrangu-
lamento,
distensão
Distensão
abdominal
extrema
Figura 2.2 A: colonoscopia evidenciando lesão polip-
oide obstrutiva da região do sigmoide; B: clister-opaco
mostrando lesão estenosante de contornos irregulares
na mesma topografia; C: espécime cirúrgica mostrando
lesão anular estenosante com aparência em guardanapo. Figura 4.5 Sequência fisiopatológica do volvo de sigmoide.
Volvo do ceco
Volvo do Volvo do
sigmoide ceco
Ceco
sem
fixação
Volvo do
ceco
Peritônio
Músculo circular
Tênia cólica
Apêndice
Divertículo
omental
Mucosa
2
3
Figura 10.10 RCUI em atividade: úlceras maiores.
Concentração
no divertículo
Vaso sanguíneo
perfurando a
musculatura
Relação entre divertículos, vasos
sanguíneos e tênias (esquemática)
Figura 14.8 Na região centrofacial, discretas lesões Figura 14.10 A: colonoscopia na polipose familiar
papulosas cor da pele. adenomatosa.
D E F
A B C
Figura 15.1 Sequência adenoma-carcinoma. A e D: focos de displasia; B e E: pólipo adenomatoso; F e C: carcinoma invasivo.
Adenocarcinoma
Nível 0
Nível 1
Epitélio
adenomatoso
Adenocarcinoma
Nível 2
Mucosa colônica
Nível 3 normal
Nível 4
Submucosa Muscular Submucosa
da mucosa
Muscular Muscular
própria própria
Tecido conjuntivo subseroso Tecido conjuntivo subseroso
Coração
Extravasamento Aderência de Fígado
Colônias tumorais células tumorais Parada nos
secundárias (metástases) órgãos
Veia
porta
Transporte
Figura 15.4 Cascata das metástases. A metástase é um processo de múltiplas etapas. Para as células tumorais
poderem formar focos metastáticos em locais distantes, deverão ser capazes de completar todos os estágios desse
processo complexo.
Figura 15.14 Anatomia do cólon e reto e irrigação do cólon. MAS: artéria mesentérica superior; AMI: artéria mesentérica
inferior; AIC: artéria ileocólica; ACD: artéria cólica direita; ACM: artéria cólica média; ACE: artéria cólica esquerda; AS: artéria
sigmoidea; ARS: artéria retal superior.
Figura 15.15 Ressecções para câncer de cólon e reto. A: colectomia direita; B: colectomia direita ampliada; C:
transversectomia; D: colectomia esquerda; E: sigmoidectomia; F: retossigmoidectomia; G: anastomose coloanal (di-
reta, com reservatório em J); H: amputação de reto. Um mínimo de doze (12) amostras de linfonodos é considerado
necessário para definir com precisão o estágio do tumor.
tumor
de ceco
Figura 15.16 Esquema mostrando a extensão da ressecção para tumor de ceco. Colectomia direita conven-
cional com ligadura alta das artérias ileocólica e cólica direita e ramo direito da artéria cólica média. A fixação do
tumor pode ocorrer no duodeno ou pâncreas, incluindo a avaliação de ressecção em bloco nesses casos.
tumor do
ângulo
tumor do esplênico
ângulo
hepático
tumor do
sigmoide
Figura 15.18 Esquema mostrando os limites da
ressecção para tumor do cólon transverso. O supri-
mento sanguíneo dessa região deriva da artéria cólica
média e dos vasos cólicos direito e esquerdo. A flexura
esplênica tem maior risco de comprometimento da vas-
cularização, em decorrência de seu arco vascular ser mais Figura 15.21 Amplitude de ressecção para tumores
tênue e com maior comprimento, dificultando a irrigação de sigmoide. A mobilização do ângulo esplênico facilita
(ver o artigo). A localização da lesão indica disseminação a realização da anastomose do cólon descendente do
para os linfáticos regionais da cólica média, cólica direita reto. A ligadura da artéria mesentérica inferior na origem
e ramos da cólica esquerda. Em geral, na lesão proximal em relação à ligadura de ramos sigmoideanos é o princí-
pio a ser seguido para as lesões no cólon sigmoide. Aten-
indica-se a hemicolectomia direita estendida e no trans- ção deve ser dada ao detalhe de se deixar remanescente
verso distal a hemicolectomia esquerda estendida. Na cerca de 1 cm de coto de artéria mesentérica inferior, a
lesão da porção média do cólon transverso, realiza-se a fim de não comprometer a preservação simpática dos
colectomia do transverso limitada. nervos esplâncnicos pélvicos.
tumores tumores
sincrônicos sincrônicos
tumor da junção
retossigmoidiana
Figura 15.23 Esquema mostrando a amplitude de
ressecção para tumores sincrônicos e para pólipos
múltiplos e polipose adenomatosa familiar do cólon –
Figura 15.22 Esquema mostrando a amplitude de ressecção colectomia total ileorretoanastomose. Lembrar que na
para tumor da junção retossigmoidiana ou reto alto. PAF a cirurgia ideal é proctocolectomia com bolsa ileal.
Pressão Pressão
aumentada diminuída
Espaço
vascular
Linha
pectínea
Figura 16.2 Corpos cavernosos: esquema da submucosa do canal anal e o espaço vascular dos corpos cavernosos,
sob pressão aumentada e diminuída, contribuindo para a continência fecal.
Aorta
Cólica esquerda
Mesentérica inferior
Sacral Sigmoideas
média
Retal superior
Ilíaca (bifurcação)
interna
Pudenda
interna Retal média
Retal inferior
Figura 16.3 Circulação arterial de anorreto. Representação esquemática das principais artérias da região anorretal.
Plexo
externo
Figura 16.4 Trombose hemorroidária. Representação esquemática do processo inflamatório tromboflebítico no canal anal.
A 45% B 30%
Tipo 1 Tipo 2
C 20% D 5%
Tipo 3 Tipo 4
Figura 16.5 Trombose hemorroidária. Presença de ex- Figura 16.9 Localização anatômica das fístulas anorre-
tensos processos inflamatórios endoflebíticos, com inten- tais – Interesfincteriana em A, transesfincteriana em B, su-
so edema local. praesfincteriana em C e extraesfincteriana em D.
CAPÍTULO
1
Anatomia e 昀椀siologia do
intestino grosso
Introdução
O intestino grosso abrange o cólon que vai desde a válvula ileocecal, do apêndice até o reto, finalmente aca-
bando no canal anal e ânus, dividindo-se em cinco segmentos:
cólon direito (cólon ascendente);
cólon esquerdo (cólon descendente);
cólon transverso;
cólon sigmoide;
reto.
A extensão do cólon é de 1,5 metro e compreende as seguintes camadas: serosa – muscular circular – mus-
cular longitudinal (tênias) – submucosa – mucosa.
Flexura hepática: separa o cólon direito do transverso.
Flexura esplênica: separa o transverso do cólon esquerdo.
O cólon aparece no quadrante inferior direito e faz a forma de uma ferradura, terminando na pelve. Não
existem vilos na mucosa colônica como no intestino delgado; o que é característico histologicamente são as crip-
tas de Lieberkun.
Embora o cólon seja considerado intraperitonial, é importante lembrar que o cólon ascendente e descenden-
te são retroperitoniais. Assim, um divertículo que rompe, por exemplo, no cólon descendente pode dar pneumo-
retroperitônio, e não necessariamente pneumoperitônio.
Durante a embriologia, o cólon roda em sentido horário ao longo do eixo da artéria mesentérica superior
(AMS). O ceco migra do quadrante superior esquerdo do abdome até sua posição anatômica no quadrante infe-
rior direito fixado pelo peritônio. Anormalidades do ceco podem ocorrer com rotações incompletas do intestino
ou mesmo na má rotação onde o ceco pode se localizar solto na cavidade peritonial, o que pode levar à torção do
intestino (volvo).
22
Coloproctologia
Existem três diferenças fundamentais do cólon Similarmente ao ceco, o apêndice pode ser in-
para o intestino delgado: traperitonial ou parcialmente retroperitonial. Quan-
1. tênias; do o apêndice é retroperitonial é chamado apêndice
retrocecal.
2. haustrações;
3. apêndices epiploicos.
A camada muscular longitudinal do cólon consti-
tui, na tênia, característica do intestino grosso. A união Cólon ascendente e 昀氀exura
das três tênias é no apêndice vermiforme. No retossig-
moide, as tênias geralmente coalescem e formam uma
hepática do cólon
camada muscular única ao reto. Quando as tênias se
contraem, fica aquela forma característica do cólon com Localiza-se no quadrante direito do abdome,
as haustrações (saculações que se projetam para o inte- indo até próximo ao fígado (ângulo ou flexura hepáti-
rior do cólon e dão o aspecto característico no raio X). ca, medindo 15 cm) onde dobra-se transversalmente
para formar o cólon transverso. A flexura hepática do
As haustrações são semicirculares e diferentes das
cólon é envolvida por dobra de peritônio que se fixa ao
válvulas coniventes do intestino delgado (válvulas de Ker-
retroperitônio, fígado e vesícula em local muito próxi-
ckring), que são circulares na totalidade da luz intestinal.
mo ao duodeno. Assim, ocasionalmente, os tumores
Os apêndices epiploicos são extensões da gordu- envolvendo a flexura hepática do cólon podem fazer
ra peritonial na borda antimesentérica do cólon. erosão para o duodeno.
reto. O sigmoide tem mesentério livre, e muitas ve- çam a coalescer para formar as criptas anais.
zes existe propensão ao volvo. Alguns já descreveram O canal anal é envolvido por dois músculos tipo
também zona de esfíncter na junção retossigmoide
esfíncter que são responsáveis pela continência:
(18 cm da margem anal). É essa área que é propensa a
AGANGLIONOSE, criando a acalásia do sigmoide que Esfíncter interno: continuação da camada muscular
ocorre não somente por megacólon chagásico, mas interna do reto; é musculatura lisa com controle involun-
também na constipação crônica. tário e inervação autônoma. Este músculo liso tem es-
pessura média 0,5 cm e comprimento de 2,5 cm a 4 cm.
Esfíncter externo: músculo estriado com controle
voluntário e inervação somática. A parte mais profun-
Reto da do esfincter está intimamente relacionada ao mús-
culo puborretal, por qual é considerado atualmente
Tamanho = 15 cm
um componente de ambos os grupos musculares, ele-
A junção retossigmoidiana é delimitada por outra vador do ânus e esfíncter externo do ânus.
flexura em nível de promontório sacral. A junção do
sigmoide móvel com o reto, que é mais fixo, forma o
ângulo sigmoidorretal. A origem do reto é no promon-
tório sacral, fazendo curvas junto ao sacro (válvulas de
Houston – geralmente três – que aparecem como pro- Vascularização
jeções intraluminais) e finalmente se acaba no canal
anal e ânus. Entretanto, antes do canal anal existe uma
anteriorização do reto pelo músculo puborretal (ângulo Arterial do cólon
anorretal). Esses ângulos têm a forma de um número 7 Do ceco até a metade proximal do transverso = artéria
e exercem papel fundamental na manobra de Valsalva mesentérica superior (MAS)
com o aumento da pressão intra-abdominal. ½ distal do transverso, cólon descendente e sigmoide =
A ampola retal é a parte mais distal do reto que artéria mesentérica inferior (AM)
é fusiforme e vai aumentando progressivamente de
tamanho. No reto inferiormente já não existe peritô- Na maioria das pessoas a artéria ileocólica e a ar-
nio; assim, podemos dizer que a maior parte do reto téria cólica média são ramos separados da MAS.
é EXTRAPERITONIAL. Sangue e linfáticos chegam ao
reto através do mesorreto, que cobre a parede latero- A artéria cólica direita nasce da ileocólica ou
posterior do reto. mesmo da cólica média.
A vascularização do cólon esquerdo e sigmoide
vem da AMI através da cólica esquerda e ramos de va-
sos sigmoidianos e hemorroidários superiores.
Ânus
É a porção terminal do trato intestinal. É envol-
vido por dois tubos musculares que estão envolvidos Arterial do reto
no mecanismo da continência.
É segmentar:
Desprovido de glândulas sebáceas, sudoríparas
1. artéria retal superior (ramo terminal da AMS)
ou mesmo folículos pilosos. O anoderma acaba na
margem anal. A área de mucosa colônica que se une ao vasculariza o reto superior e médio;
anoderma cria a linha denteada, que está localizada a 2. artéria retal média e inferior (ramos da artéria
1,5 cm da margem anal. ilíaca interna).
Acima da linha denteada existe zona de transição de Artéria marginal de Drummond: bifurcação de va-
6-12 mm, onde o epitélio escamoso gradualmente muda sos formando arcadas de 1-2 cm da borda mesentérica.
para cilíndrico simples. Acima da linha denteada (ou pec-
Arcada de Riolan: anastomose entre as arcadas
tínea), o intestino tem inervação simpática e parassimpá-
tica; a irrigação, a drenagem venosa e a linfática estão re- de vasos mesentéricos superior e inferior.
lacionadas aos vasos hipogástricos. Abaixo, a inervação é Anomalias vasculares são relativamente comuns
somática, e o suprimento sanguíneo e a drenagem venosa no cólon. Assim, a cólica direita pode nascer da AMS
derivam do sistema hemorroidário inferior. em 10%; a artéria hepática direita acessória pode nas-
Colunas de Morgani (8 a 14) são pregas na mu- cer da AMS e mesmo a artéria cólica média pode nas-
cosa, localizadas acima da linha denteada, onde come- cer da artéria esplênica.
Tênia
omental do
colo (exposta
pelo gancho) Apêndices Tênia mesocólica
Tênia omentais (adiposos) do colo (exposta
livre Tênia livre pelo gancho)
do colo do colo
Pregas semilunares
do colo
Mesocolo
Junção sigmoide
retossigmoidea
Reto
Arco justacólico
(artéria marginal
do colo)
Artéria cecal
anterior
Artéria cecal
posterior
Artéria
apendicular
Figura 1.2 Suprimento vascular, linfático e nervoso do intestino grosso. Atenção: ponto crítico de Griffiths lo-
calizado no ângulo esplênico e que corresponde ao limite de separação entre os territórios da artéria mesentérica
superior e inferior. Ponto crítico de SUDECK: é uma região do cólon em que recebe, escassamente, uma mistura de
dois suprimentos sanguíneos, das artérias sigmoideanas e retal superior (junção retossigmoide).
AMS
O cólon, com sua extensão aproximada de 1,5 m,
ascen
Colo
Nodos
AMI
Nodos
é o segmento do canal alimentar responsável pela esto-
ileocólicos cólicos
esquerdos
cagem, por longos períodos, dos materiais a serem eli-
descendente
minados pela evacuação. Essa função ocorre em razão
Colo
4- Gás colônico
Resulta de três fatores: (1) ar digerido; (2) produção intraluminal e (3) difusão sanguínea. São eles: nitro-
gênio, oxigênio, CO2 e metano. Repare agora nas bactérias que compõem a microbiota indígena (flora normal).
1011
Número de Organismos / mL
Anaeróbicos
109
107 Coliformes
105
Flora Gram +
103
101
Figura 1.5 Composição da flora bacteriana de acordo com a topografia do trato gastrointestinal.
2
Abordagem diagnóstica
teram os níveis de eletrólitos e podem causar depleção O exame é realizado com a introdução endorre-
do volume intravascular. O manitol e a solução fosfa- tal do transdutor do aparelho ultrassonográfico. Es-
tada estão contraindicados em pacientes com insufi- tudam-se 360º de toda a parede retal e as estruturas
ciência renal, cardiopatia congestiva ou isquêmica e pélvicas adjacentes. Nas mulheres, também podem
ascite. Os esquemas de preparo podem ser alterados ser obstipadas imagens com o transdutor introduzi-
(como nos casos de retocolite ulcerativa) ou até mes- do via vaginal. A ultrassonografia intrarretal é muito
mo contraindicados (como na suboclusão intestinal). utilizada na avaliação de possíveis lesões traumáti-
É exame que substituiu o enema baritado desde 1990. cas dos esfíncteres. Também é um método útil para o
Apesar de a colonoscopia permitir visualização estagiamento das neoplasias do reto, da invasão dos
direta da mucosa, o índice de detecção de lesões não órgãos adjacentes e linfonodos comprometidos. Pode
é 100%. Isso ocorre porque o colonoscópio passa rapi- auxiliar, portanto, na determinação do procedimen-
damente por determinadas áreas tipo junção retossig- to cirúrgico a ser empregado.
moidiana, flexura hepática e esplênica. A correlação histopatológica do grau de infiltra-
ção neoplásica da parede intestinal (estagiamento T)
varia entre 80 e 95% quando comparado com 65 e 75%
Indicações para estudo diagnóstico da tomografia e 75 e 85% da ressonância magnética.
Estudo Indicações mais comuns Em estudos recentes, a precisão do ultrassom na de-
Raio X Obstrução, perfuração, megacólon tecção de linfonodos perirretais comprometidos tem
tóxico sido desapontadora. Resultados demonstram preci-
Enema baritado Sangramento retal (investigação são aproximada entre 70 e 75% para a ultrassono-
eletiva) grafia, comparada com 55 e 65% da tomografia e 60
Trânsito intestinal Constipação crônica a 65% da ressonância magnética. O exame ultrasso-
Colonoscopia Screening/Follow-up câncer colo, nográfico é operador-dependente, e estudos demons-
biópsia, polipectomia trando baixa correlação histopatológica não são uma
Sigmoidoscopia Monitorização colite distal, redu- surpresa, já que 20% dos linfonodos comprometidos
flexível ção de volvo são menores que 5 mm.
Sigmoidoscopia Planejo pré ou intraoperatório,
rígida redução volvo Outras aplicações da ultrassonografia intrarretal
TC Câncer colorretal, diverticulite, são o seguimento pós-operatório do câncer, objetivan-
doença inflamatória do a detecção precoce de recidivas locais e regionais, é
RNM Câncer de reto a avaliação da fístula perianal, da dor anal de etiologia
Ultrassom abdo- Avaliação de massa em sigmoide desconhecida ou abscessos.
minal
Ultrassom Câncer de reto, incontinência
endorretal fecal
Defecografia Prolapso retal, constipação
crônica
Manometria Incontinência fecal
anorretal
Cintilografia Sangramento, constipação
crônica, recidiva de câncer cólon
Colonoscopia Rastreamento de câncer de cólon
virtual
Tabela 2.2 Sabiston, 2001.
Ultrassom endorretal
É a interpretação ultrassonográfica de quatro ca-
madas básicas da parede e tecidos do reto e do canal
anal: a submucosa, o esfíncter anal interno, a camada
longitudinal e o esfíncter anal externo. É um exame
pouco disponível no Brasil, mas não expõe o doente a
radiações ionizantes. Sua principal limitação é a este-
nose da luz retal menor do que 2 cm (o que impossibi-
lita a introdução do transdutor).
3
Doenças do apêndice
lateral interno;
Anatomia e 昀椀siologia lateral externo;
O apêndice vermiforme é um órgão estreito, oco descendente;
e muscular que, caracteristicamente, se origina da face retrocecal.
posteromedial do ceco na junção das três taenia coli,
cerca de 1 a 2 cm abaixo do íleo. O tamanho varia de 2
Sua função não é bem conhecida. Sabe-se que
a 20 cm (com média de 10 cm) de comprimento. Apre- secreta muco, que é eliminado para o ceco em uma
senta uma posição extremamente variável; na maioria quantidade média de 1 a 2 cm3 diariamente. Em geral,
das vezes se encontra a 5 cm da espinha ilíaca anteros- há fezes na luz apendicular, mas se torna difícil saber
superior, na linha que vai desta espinha até o umbigo. se este se enche a cada ciclo digestivo. Quando exci-
Nas situações em que o ceco desce menos que o habi- tado, apresenta movimentos peristálticos. Em casos
tual durante a rotação do intestino sobre a artéria me- de inflamação, tende a desenvolver um espasmo (este
sentérica superior, o apêndice ficará em posição alta, assim como a distensão origina uma dor que é referi-
próximo do fígado. Às vezes a descida do ceco durante da no epigástrio) – se o peritônio parietal adjacente se
a fase embrionária é maior do que a normal, e o apên- inflama, a dor é percebida também no quadrante infe-
dice irá se encontrar na pélvis. Quanto à sua posição rior direito do abdome, e os músculos suprajacentes
em relação ao ceco, o apêndice pode estar (Figura 3.1): frequentemente mostram um espasmo reflexo.
39
3 Doenças do apêndice
quadrante inferior esquerdo. Na apendicite retrocecal A anorexia e náuseas (com ou sem vômitos)
pode irradiar-se para a coxa ou para o testículo direi- são respectivamente o segundo e terceiro sintomas
to, tendo em muitas vezes seu epicentro característico mais frequentes. Os vômitos são em geral pouco
na região lombar direita – torna-se, portanto, com um frequentes, porém, nos casos em que há perfuração
caráter semelhante à cólica renal ou abcesso perinéfrico do apêndice com o desenvolvimento de peritonite
com os quais deve ser diferenciada. A disúria é frequen- franca, podem se tornar mais intensos e ter um as-
te em ambos os tipos de apendicite. pecto fecaloide. Cerca de 10% dos pacientes referem
constipação; a diarreia é incomum. A febre é em ge-
Luz ocluída levando ao aumento do
peristaltismo e distensão do apêndice
ral discreta, de 38 a 38,6ºC; os níveis mais elevados
Dor vaga e difusa em epigástrio e região periumbilical indicam quase sempre perfuração. A dissociação da
temperatura retal e axilar pode ser maior que 0,5ºC,
dado que deve ser considerado.
Hipersecreção, aumento da luz
e proliferação bacteriana
Pressão intraluminal acima de 85 cmH2O
determinando dor constante pela compressão Característi-
das terminações nervosas da parede do apêndice Localização Causa
cas da dor
Intensidade Pouco espe- Distensão
Hipóxia apendicular com pequenos infartos crescente (de cífica, sendo do apêndi-
da parede e invasão por bactérias
Surge febre, leucocitose e taquicardia
leve desconfor- referida em ce nas fases
1ª fase to a intensa), epigástrio iniciais do
podendo ser em e região pe- processo
Congestão vascular, edema e diapedese com maior cólica riumbelical inflamató-
distensão do órgão. Dor referida em FID (distensão (95%) rio
dos filetes nervosos), náuseas e vômitos
Intensidade Localização Envolvi-
média a forte, mais precisa mento da
Ulceração da mucosa, invasão bacteriana maciça,
infecção da parede apendicular, distensão normalmente sobre o ponto serosa e do
abdominal por íleo adinâmico em pontada e da doença – peritônio
Dor peritoneal intensa e bem localizada 2ª fase contínua quadrante in- parietal no
ferior direito processo
Trombose vascular com piora do edema e isquemia
inflamató-
rio
Radiogra昀椀a simples de
abdome
presença de fecalitos calcificados na região in-
guinal direita é um achado útil, mas que ocorre
em um número pequeno de pacientes;
velamento da sombra do músculo psoas direito;
Figura 3.6 Sinal do psoas (Sinal de Cope).
apagamento da gordura pré-peritonial;
nível hidroaéreo;
sinais de obstrução intestinal;
escoliose antálgica de concavidade à direita;
alça ileal em sentinela na FID;
desvio das alças para a esquerda;
corpo estranho em topografia de apêndice;
pneumoperitônio (raro).
Ultrassonogra昀椀a e TC
O ultrassom de abdome tem hoje a especificida-
massa inflamatória na região é bastante sugestiva de mais arrastada de 4 a 6 evacuações diárias diarreicas
ou com fezes pastosas acompanhadas de dores abdo-
apendicite aguda.
minais difusas, mal-estar abdominal, perda progres-
siva de peso e crises suboclusivas)
Divertículo de Meckel (quadro clínico inteiramen-
Apendicite aguda – achados tomográficos
te superponível ao da apendicite aguda)
Apêndice inflamado e distendido, com líquido Pneumonia (na criança é comum a pneumonia de-
Diâmetro apendicular maior que 7 mm terminar dor reflexa na fossa ilíaca direita/faltam a
Espessamento da parede apendicular (1-3 mm) defesa muscular e os sinais de peritonite/presença
Realce da parede inflamada e hiperêmica pelo con- de sinais estetoacústicos pulmonares/a mortalida-
traste EV de nos casos de os pacientes com pneumonia serem
Infiltração da gordura periapendicular e do mesoa- apedicectomizados é enorme; a confusão de pneu-
pêndice monia com apendicite é um erro imperdoável)
Coleções adjacentes ao apêndice Peritonite penumocócica (pode ser secundária à
Massa com densidade de partes moles na FID pneumonia ou otite ou mesmo primária pela ascen-
são de germes a partir dos anexos)
Apendicólito
Infarto mesentérico (mais comum em portadores
Pneumoperitônio de lesão cardiocirculatória/quadro de comprometi-
Tabela 3.6 mento do estado geral/toxemia)
Segundo grupo: doenças que se acompanham de
cólica abdominal sem defesa
Cólica intestinal (paciente. inquieto entre as cri-
ses/ausência de sinais de peritonite)
Diagnóstico diferencial Cólica biliar (dor mais súbita e mais grave/irradia-
ção para o ombro/pode ser aliviada pela compres-
São inúmeras as doenças que precisam ser afas- são/dispepsia antiga/intolerância a alimentos gor-
tadas para chegarmos ao diagnóstico final de apendi- durosos/crises anteriores semelhantes à atual)
cite aguda. Zerbini costumava dividir estas patologias Cólica renal (paroxismos violentos/hematúria
em três grupos: aquelas que apresentam dor intensa, sempre presente, mas nem sempre macroscópica)
Terceiro grupo: doenças que podem ser anterossuperior) e de Rocky-Davis (incisão transversa
confundidas com abcesso apendicular passando pelo ponto de McBurney) ou por incisões
Linfandenite supurada medianas e paramedianas, dependendo da avaliação
Tuberculose ileocecal (evolução mais lenta/lesões do quadro.
pulmonares residuais ou em atividade ao raio X) O apêndice é identificado seguindo-se a taenia
Carcinoma do ceco (consumo do paciente/diarreia anterior. O mesoapêndice é ligado, sendo a base do
com muco e sangue/indolor à palpação) apêndice seccionada entre duas pinças de Kelly. O
Cisto ovariano torcido (ausência de sinais infla- coto apendicular pode ser tratado de três maneiras
matórios/início brusco, dor violenta/choque)
diferentes:
Hematoma da parede abdominal (principalmente
em crianças pode haver um quadro que simule um ab- 1. simples ligadura;
cesso apendicular/empastamento é de parede e não 2. invaginação e
de cavidade abdominal/referência a um trauma)
3. ligadura seguida de invaginação. A última ma-
Tabela 3.7
neira tem o inconveniente de criar condições para o
desenvolvimento (muito raro) de um abscesso intra-
mural ou mucocele.
Se houver dificuldade de localizar o apêndice pela
Complicações pós-operatórias
Supuração da incisão operatória*
Apendicite na gravidez
Abscessos pélvicos e subfrênicos Uma em cada 2 mil mulheres grávidas sofre com-
Abscesso de parede plicações com apendicite aguda, o que não difere pra-
Fístula cecal (estercoral ou entre alças) ticamente da incidência em mulheres não grávidas da
Hérnia incisional mesma faixa etária.
Tabela 3.9 *Complicação mais comum. O procedimento cirúrgico não obstétrico mais
comum durante a gestação é a apendicectomia. Esse
quadro ocorre com a mesma frequência nas gestantes
e nas não gestantes, e parece não haver uma predi-
leção por qualquer trimestre. A taxa de perfuração é
Conduta não operatória na significativamente aumentada, entretanto, durante o
apendicite terceiro trimestre, devido à demora no diagnóstico e à
imunossupressão relativa da gravidez.
Os pacientes que se apresentam tardiamente
no curso da apendicite com massa e febre podem O sinal de Alder pode ser útil para diferenciar
beneficiar-se de um período de tratamento não ope- doença uterina da dor abdominal extrauterina. O
ratório, que reduz as complicações e a permanência ponto máximo de dor é identificado com a paciente
geral no hospital. Os estudos por imagem são úteis supina. A paciente é então colocada em uma inclina-
para confirmar o diagnóstico e para avaliar o tama- ção lateral para a esquerda, deslocando eficazmente
nho de qualquer abscesso presente. Os pacientes o útero gravídico para a esquerda, e o ponto de dor
com abscessos grandes, de mais de 4 a 6 cm de ta- máxima é novamente localizado. A dor de origem
manho, e especialmente os pacientes com abscesso uterina, como a degeneração fibrinoide ou tração
e febre alta, beneficiam-se da drenagem do absces- de anexo, tende a se mover com o útero, enquanto a
so. Isso pode ser conseguido pela rota transretal ou dor de um apêndice inflamado favorece uma dor com
transvaginal usando-se orientação ultrassônica se uma posição constante.
o abscesso for convenientemente localizado, ou por A indicação de apendicectomia durante a gra-
uma abordagem percutânea orientada por imagem. videz deve ser a mesma que para uma mulher não
Esses pacientes com abscessos menores ou fleimão grávida. As complicações materna e fetal são muito
e que não estão doentes podem ser tratados inicial- mais elevadas após a perfuração; portanto, a ope-
mente, com sucesso, com antibióticos isoladamente. ração deve ser indicada precocemente. A apendici-
Os pacientes que continuam a ter febre e leucocitose te é mais grave no 3º trimestre de gravidez porque
após vários dias de tratamento não operatório têm o omento frequentemente não consegue alcançar o
probabilidade de exigir apendectomia durante a mes- apêndice inflamado para ajudar a conter a inflama-
ma hospitalização, enquanto aqueles que melhoram ção. Trabalho de parto prematuro ocorre em apro-
prontamente podem ser considerados para apendec- ximadamente metade das gestantes de 3º trimestre
tomia com intervalo. com apendicite, dependendo do prognóstico do feto
Após o tratamento não operatório de apendici- e de sua maturidade. Cesariana é indicada na pre-
te tardia suspeitada, os adultos se submetem a colo- sença de peritonite difusa. Se a apendicectomia for
noscopia ou enema de bário, uma vez que câncer de realizada em gestantes nos 1º e 2º trimestres, antes
cólon é detectado em cerca de 5% dos casos. O risco da perfuração do apêndice, possivelmente a gesta-
de apendicite recidivando é de cerca de 15 a 25% após ção não será alterada.
Complicações:
Apendicite na criança Abscessos;
Infecção da ferida operatória (frequência menor
Apendicite aguda é incomum em criança com me- quando comparada com a cirurgia convencional);
nos de dois anos de idade, provavelmente pelo fato de Lesão iatrogênica (pneumoperitôneo do proce-
o apêndice possuir forma cônica e base larga, que difi- dimento versus distensão intestinal pelo proces-
cultam sua obstrução. so inflamatório-infeccioso).
Nas crianças com doença de Hirschspring, a apen-
dicite pode ocorrer em idade inferior a um mês de vida.
Este diagnóstico deve ser suspeitado em toda
criança com quadro de diarreia cujo primeiro sintoma te-
Tumores do apêndice
nha sido dor abdominal. A febre é mais alta, e ao exame e mucocele
físico a distensão abdominal é o dado mais significativo.
A incidência de perfuração é de quase 100% em Os tumores do apêndice são incomuns e rara-
crianças com menos de um ano de idade e acima de mente suspeitados antes da operação. O diagnóstico
50% naquelas entre um e cinco anos de idade. Portan- pré-operatório é importante porque pode influenciar
to, a morbidade e a mortalidade são mais significativas não apenas no acesso cirúrgico (via laparoscópica ou
nesta população. aberta), mas também no procedimento apropriado
(apendicectomia ou colectomia direita).
As neoplasias do apêndice podem ser classifica-
das em quatro categorias principais: tumor carcinoide
Apendicite crônica ou puro, adenocarcinoma do tipo colônico, mucocele ma-
ligna e tumor adenocarcinoide.
recorrente
Os pacientes com tumor do apêndice, indepen-
Raramente este conceito clínico foi documenta- dente do tipo histológico, apresentam uma incidên-
cia aumentada de neoplasias metacrônicas ou
do. Um episódio agudo pode regredir espontaneamen-
sincrônicas, principalmente relacionadas ao tra-
te e, depois, novos surtos podem se repetir, com dor
to gastrointestinal, devendo ser investigados e
na FID. A definição desse diagnóstico deve ser criterio-
acompanhados apropriadamente.
sa e uma vez decidida, proceder à cirurgia. O diagnós-
tico definitivo será anatomopatológico. Embora se acreditasse antes que os tumores car-
cinoides fossem as neoplasias apendiculares mais co-
muns, atualmente os tumores mucinosos do apêndice
são considerados os mais comuns.
Apendicectomia
laparoscópica Tumor carcinoide
A apendicectomia laparoscópica pode ser con- O apêndice é o primeiro local mais frequente
siderada a abordagem adequada, virtualmente para de tumor carcinoide gastrointestinal. O íleo é o lo-
qualquer paciente para o qual haja a hipótese diagnós- cal mais comum quando o tumor carcinoide expressa
Incidência
A mucocele do apêndice é geralmente observada
Os critérios diagnósticos são os
no curso de uma apendicite. A idade média de diag-
seguintes:
nóstico é 55 anos. A relação homem/mulher é quatro
vezes mais predominante em mulheres. A mucocele 1. Uma massa de tecido bem definido, circunscri-
varia na aparência de um apêndice aparentemente to, globular ou riniforme, com mobilidade considerá-
normal até uma massa de 9 a 10 cm de diâmetro. O vel, porém firmemente aderida ao ceco.
pseudomixoma peritoneal é também mais comum 2. Descolamento medial do ceco por um tumor
na mulher, e o local de origem do tumor é particu- extrínseco ou submucosa, com integridade da mu-
larmente nos ovários e no apêndice. cosa cecal.
3. Calcificação da parede ou da massa da mucocele. anecoica, algumas vezes com septações, é específica
4. Ausência de enchimento do apêndice por de pseudomixoma peritoneal na ultrassonografia. A
substância de contraste no clister opaco. tomografia computadorizada revela ascite septada e
rebordo do fígado e baço em forma de concha. A exis-
5. Imagem de anel concêntrico das pregas da tência de uma calcificação pélvica curvilínea sugere
mucosa cecal, que podem expressar graus mínimos de que a mucocele do apêndice rota pode ser a causa do
intussuscepção da mucocele no ceco. pseudomixoma peritoneal.
A ultrassonografia comumente mostra uma estru-
tura cística com parede fina e ecos no seu interior. Calcifi-
cações e septações podem ser demonstradas. Lesões po-
lipoides podem ser vistas projetadas intraluminalmente Tratamento e prognóstico
da parede, provavelmente representando proliferação de A apendicectomia simples é efetiva para muco-
epitélio hiperplásico. A falta do espessamento da pare- cele não complicada e íntegra. Durante a ressecção, a
de do apêndice maior que 6 mm pode ser utilizada para mobilização cuidadosa, particularmente de grandes
diagnóstico diferencial de apendicite aguda. lesões, pode reduzir a possibilidade de rotura e con-
Entre as técnicas disponíveis, a tomografia com- taminação da cavidade pelo conteúdo da mucocele.
putadorizada é a que mais facilmente demonstra a ana- Ressecção parcial do ceco ou hemicolectomia direta
tomia e exibe sinais típicos de mucocele do apêndice. pode ser necessária somente por motivos técnicos em
A mucocele é de relativa baixa atenuação, e uma massa situações em que há aderência ou invasão local do íleo
homogênea, bem encapsulada, com paredes regulares e ou ceco pela mucocele.
lisas, com ou sem septação ou calcificação, é observada Quando a exploração cirúrgica revela que a rup-
no quadrante inferior esquerdo. O grau de atenuação tura da mucocele ocorreu e o muco, com ou sem ele-
varia de densidade próxima à da água e de tecidos mo- mentos epiteliais, é encontrado no abdome, a apen-
les, conforme a quantidade de mucina na massa. dicectomia e remoção dos cistos mucosos devem ser
A diferenciação entre apendicite e mucocele realizadas. O tumor raramente metastatiza via lin-
é baseada no tamanho, na espessura da parede do fática ou hematogênica. Mesmo quando o tumor já
apêndice e na presença ou ausência de inflamação está perfurado e se apresenta como pseudomixoma
ou abscesso periapendicular. Algumas vezes, uma peritoneal, o paciente ainda apresenta sobrevida sig-
alça de ileoterminal contendo líquido pode ser con- nificativa. O objetivo da intervenção cirúrgica para o
fundida com mucocele de apêndice. A calcificação in- pseudomixoma peritoneal é a redução do tumor (ci-
traluminal pode ser observada na apendicite, calcifica- torredução tumoral).
ções de borda curvilíneas na mucocele e calcificações
É recomendada a realização de apendicectomia,
amorfas no carcinoma do apêndice.
omentectomia e também ooforectomia bilateral em
A colonoscopia pode evidenciar elevação locali- mulheres, isto porque a mucocele do apêndice e o cis-
zada com mucosa normal circundando o orifício apen- tadenocarcinoma do ovário são encontrados simulta-
dicular ou o sinal de “vulcão” (massa submucosa). neamente em 18% dos pacientes que se apresentam
A angiografia mostra deslocamento da artéria com pseudomixoma peritoneal.
apendicular sem neovascularização. A captação do gá- A omentectomia é realizada por dois motivos:
lio-67 pode ocorrer na mucocele do apêndice, apesar (1) o omento é em geral difusamente envolvido no
da ausência de grande número de células inflamató- processo tumoral, e essa remoção faz parte da ci-
rias nos cortes histológicos. A angiografia e a captação rurgia citorredutora; (2) esses pacientes frequen-
do gálio não são nem específicas e nem têm elevada temente requerem procedimentos citorredutores
precisão para o diagnóstico de mucocele. múltiplos, e uma omentectomia facilita os procedi-
mentos subsequentes.
A instilação intraperitoneal de 5-fluorouracil tem
Diagnóstico do pseudomixoma sido recomendada, porém nenhuma melhora na sobre-
vida tem sido documentada. A tomografia computado-
peritoneal rizada é um excelente método de seguimento para ava-
A radiografia simples ocasionalmente mostra liar a resposta à quimioterapia ou detectar recorrência.
separação de alças intestinais com ou sem calcifica- A dosagem do nível do antígeno carcinoembriogênico
ção na parede da mucocele. Compressão e encarcera- é útil em algumas situações para a detecção precoce de
mento do intestino delgado e estenose do cólon sig- recorrência. O óbito geralmente ocorre quando o im-
moide são demonstrados pelo exame contrastado do plante mucinoso atinge grandes dimensões e envolve
intestino delgado e enema opaco, respectivamente. O o intestino, causando obstrução intestinal. As taxas de
efeito de massa extrínseca no ceco é frequentemente sobrevida em cinco a dez anos do pseudomixoma peri-
demonstrado no enema opaco. Massa hipoecoica ou toneal são de 75 e 60%, respectivamente.
4
Obstrução do intestino grosso
“Não me desencorajo, porque cada tentativa errada descartada é outro passo à frente”.
– THOMAS EDISON.
Patogenia
Figura 4.1 Obstrução do intestino grosso. A: papila As obstruções colonicas se apresentam no pon-
ileocecal incontinente. B: papila ileocecal continente to de vista patogênico sob duas formas: obstrução em
(obstrução em alça fechada). alça fechada e obstrução em alça simples.
Endoscopia
A retossigmoidoscopia pode diagnosticar tumo-
res baixos ou a presença de vólvulo de sigmoide: ima- Tratamento especí昀椀co
gem de mucosa em espiral, confluindo para uma zona
de estenose. Permitirá, ainda, avaliar as condições de Obstrução por câncer de cólon
viabilidade da mucosa colônica. A colonoscopia na esquerdo com válvula ileocecal
obstrução não tem sido de muita valia. Nos casos de competente
vólvulos de ceco ou de sigmoide alto, poderá permitir,
todavia, o diagnóstico e o tratamento descompressivo, Nesta situação, a reposição volêmica não preci-
simultaneamente. sa ser efetuada de maneira rápida, visto que o volume
líquido sequestrado não é o primordial problema do
paciente. Duas condutas distintas devem ser adotas:
1. O ceco está distendido, porém sem sinais de
Tratamento perfuração. A cirurgia preconizada é a colectomia
total com ileorretoanastomose terminoterminal.
Os resultados a longo prazo têm demonstrado que a
sobrevida pós-operatória e o espaço livre de câncer
Medidas de suporte são melhores na ressecção primária. Como a válvula
está continente, o íleo não está distendido e a po-
Conduta cirúrgica alguma deverá ser tomada
pulação bacteriana é mínima. Da mesma forma, o
em face de uma obstrução com desequilíbrio hidro-
eletrolítico sem que medidas preventivas e curati- sigmoide ou reto distal se encontram limpos, pelo
vas tenham sido tomadas com a finalidade precípua esvaziamento da alça a jusante. Na cirurgia, deve-
de reidratação. É de primordial importância avaliar o -se proceder ao clampeamento do segmento distal
grau e o tipo de desequilíbrio e o estado ácido-básico. do cólon e à sua limpeza com povidina antes de se
Nas obstruções em alça simples com evolução supe- realizar a anastomose.
rior a 3 ou 4 dias, a hipovolemia e a acidose metabóli- 2. Existe perfuração cecal e o paciente apresenta
ca deverão ser corrigidas. Os exames laboratoriais irão peritonite de tipo estercoral. O tratamento consta dos
ditar as necessidades específicas para cada paciente. seguintes objetivos principais:
A causa do vólvulo é multifatorial, porém duas A radiografia simples mostra alça intestinal
condições são indispensáveis para seu surgimento: dilatada com aspecto típico de “U” invertido emer-
segmento redundante do cólon e mesocólon longo, gindo vertical ou obliquamente da pelve e se es-
porém estreito no seu ponto de fixação parietal, fa- tendendo ao abdome superior, às vezes atingindo
zendo com que as duas extremidades da alça possam o diafragma. É comum a ausência de gás no reto.
se aproximar entre si, ocorrendo, assim, a rotação. A Em casos em que o diagnóstico é duvidoso, a to-
torção, que pode ser horária ou anti-horária, resulta mografia computadorizada pode mostrar isquemia
em obstrução e distensão do cólon com gás e líquido. consequente à estrangulação e também esclarecer a
Se a válvula ileocecal for competente, uma dupla obs- causa e o sítio da obstrução em se tratando de ou-
trução em alça fechada ocorre com risco de perfuração tras patologias. A presença de um nível hidroaéreo
da fina parede cecal. pode ser observado na alça de cólon dilatada, e qua-
Suspeita-se que o vólvulo de sigmoide deva es- se sempre não há ar no reto.
tar relacionado a condições adquiridas, já que rara- Em exame endoscópico, a junção retossigmoide-
mente ocorre em jovens; apresenta maior incidência ana encontra-se estenosada, com mucosa torcida for-
em certas regiões do mundo, em populações predis- mando pregas em espiral, devendo ser ultrapassada
postas ao megacólon chagásico e em certas partes com o mínimo de insuflação. O sigmoide apresenta-
da índia e da África em que predomina alta inges- -se muito distendido, por grande quantidade de gás e
tão de fibras na dieta, levando à redundância do fezes líquidas, dificultando sua iluminação. A mucosa
cólon. Outros fatores etiológicos são: constipação pode estar normal ou evidenciar sinais de isquemia
intestinal crônica, doenças neurológicas sistêmicas com congestão e coloração violácea.
5
Pseudo-obstrução aguda do cólon
(Síndrome de Ogilvie)
“Suba alto; suba longe. Seu objetivo é o céu; seu alvo, as estrelas”.
– Inscrição no Williams College.
o melhor meio de monitorizar a dilatação colônica, que O enema baritado não é exame necessário para o
é caracteristicamente maior no ceco e no cólon trans- diagnóstico e está relativamente contraindicado pelos
verso. O diâmetro do ceco pode ser determinado com riscos de perfuração do cólon. Em situações de suspei-
facilidade. ta de lesões obstrutivas do cólon, o enema opaco pode
ser realizado com injeção de contraste iodado sob bai-
xa pressão.
Tratamento
A conduta inicial deve incluir a restrição da in-
gestão via oral, hidratação parenteral, cateter nasogás-
trico em aspiração intermitente ou drenagem espon-
tânea, suspensão da administração de narcóticos ou
sedativos e correção dos distúrbios hidroeletrolíticos e
acidobásicos. A mobilização do paciente, quando pos-
sível, a passagem de sonda retal e as lavagens intesti-
Figura 5.1 Paciente com trauma raquimedular. Ra- nais com pequenos volumes são medidas que auxiliam
diografia de abdome evidencia dilatação colônica difu- a descompressão colônica e podem resolver os casos
sa com predomínio do cólon direito e ceco, cujo diâme- menos graves.
tro é de 14 cm.
As doenças associadas e as causas básicas devem
merecer atenção especial e tratamento específico.
Pode-se encontrar níveis hidroaéreos no cólon, e Quando essas medidas conservadoras são uti-
lizadas, a observação clínica repetida, para avaliar o
o intestino delgado habitualmente não está dilatado
volume e a sensibilidade abdominal, e as radiografias
(Figura 5.2).
seriadas do abdome, para avaliar o diâmetro cecal,
A distensão do intestino delgado não indica ne- devem ser realizadas. Frente a sinais de irritação peri-
cessariamente incompetência da válvula ileocecal com toneal e/ou ceco acima de 9 cm de diâmetro, condutas
descompressão retrógrada do cólon; pode ser devida terapêuticas mais invasivas são necessárias e não devem
ao ar ingerido ou à irritação peritoneal. Seria, portan- ser retardadas.
to, um erro assumir que esses pacientes têm menor
risco de desenvolver perfuração cecal.
Diante da suspeita de perfuração colônica, a ra-
diografia de tórax, em posição ortostática mostrando
Tratamento com drogas
as cúpulas frênicas, ou a radiografia abdominal em de- A neostigmina, um agonista colinérgico
cúbito lateral esquerdo, pode demonstrar a presença cujo efeito pró-cinético é mediado primaria-
de pneumoperitônio. mente por meio da estimulação de receptores
muscarínicos do tipo M2 existentes nas células
da musculatura lisa intestinal, é a substância de
escolha na síndrome de Ogilvie. Apesar de relatos
benéficos do seu uso nos quadros de gastroparesia e
íleo, sua principal indicação é na pseudo-obstrução co-
lônica aguda, quando então deve ser administrada na
dose de 2 mg, por via endovenosa.
A maioria dos pacientes responde favora-
velmente à neostigmina, mas parcela signifi-
cativa evolui com recorrência da distensão co-
lônica, havendo necessidade de colonoscopia
descompressiva em um segundo momento. A
neostigmina na dose de 2,5 mg por via endovenosa
por 3 minutos tem sido relacionada com um índice
de resposta favorável, entre 85 a 90%. O mais temido
Figura 5.2 Paciente no terceiro dia de pós-operatório de efeito colateral é a bradicardia responsiva ao uso de
cesariana. Radiografia do abdome em posição ortostática atropina, no entanto os paraefeitos mais comuns são
revela dilatação colônica e vários níveis hidroaéreos. náuseas, vômitos e salivação.
O Tegaserode, agonista 5-Ht 4, com forte pro- Na inviabilidade da colonoscopia para aqueles
priedade procinética no nível do trato gastrointestinal pacientes com sinais de irritação peritoneal, a inter-
inferior, tem sido usado de maneira esporádica nas venção cirúrgica é imperativa. Da mesma maneira, a
síndromes de hipomotilidade gastrointestinal aguda. laparotomia é mandatória, se uma obstrução mecâni-
Caso o acesso oral se mostre disponível, é uma ca não pode ser definitivamente afastada.
opção bastante promissora. Nas situações de necrose do ceco e/ou cólon, a
ressecção do segmento comprometido, com ileosto-
mia terminal e fístula mucosa do cólon, é o procedi-
mento mais seguro. Nas perfurações pequenas do
Tratamento com ceco, onde a alça encontra-se com boa viabilidade,
colonoscopia uma cecostomia, utilizando a própria perfuração, é
Descompressão colônica por meio de colonosco- alternativa atraente.
pia. É sem dúvida o método mais usado. Quando há apenas dilatação colônica sem ne-
Procuramos insuflar o necessário para progre- crose cecal, a decompressão intraoperatória do cólon,
dir com segurança. Não aspiramos muito. Quando pela introdução de sonda de Fouchet por via anal, com
atingimos o cólon proximal, ângulo hepático, cos- o paciente em posição ginecológica, é o procedimento
tumamos nos deter e introduzimos o guia metálico de escolha. A sonda deve ser posicionada o mais pro-
ou preferencialmente o zebrado, até percebermos ximal possível e irrigada com frequência. Outra opção
sua saída pelo canal de instrumentação. Retiramos é a cecostomia, por contra-abertura, com sonda Foley
o colonoscópio com ajuda de auxiliar, cuidando para de três vias ou sonda de Malecot. Deve ser colocada
que o guia não volte. Terminada a operação, intro- em drenagem espontânea e lavada com solução salina
duzimos cateter nasogástrico de diâmetro acima de a cada duas horas.
24 F, utilizando-se a técnica de Seldinger (o cateter A sonda de Fouchet é retirada assim que se res-
desliza pelo guia) até sua total inserção no cólon. tabeleça o peristaltismo do cólon, com o paciente eli-
Retiramos o guia e fixamos o cateter na nádega com minando gases e fezes. Habitualmente, isso ocorre
fio de sutura, não raro sem necessidade de anestesia em dois ou três dias após a cirurgia. A cecostomia é
local, pois o paciente estará sedado, ou grave o su- mantida clampeada após a normalização da função
ficiente para não sentir tanto incômodo. Deixamos intestinal e é retirada dois a três dias após, permane-
drenagem em sifonagem. cendo em média uma semana. Nos pacientes que não
Algumas vezes o diagnóstico de síndrome de suportem anestesia geral e não havendo evidência de
Ogilvie se mostra equivocado, sendo o paciente por- perfuração, a cecostomia descompressiva pode se rea-
tador, por exemplo, de volvo atípico de sigmoide e a lizada sob anestesia local e exteriorizada por contra-
colonoscopia, nesse caso, serve como método diag- -abertura. Outras opções na confecção das cecosto-
nóstico e terapêutico. mias incluem a cecostomia transcolonoscópica, com
Quando, por algum motivo, não se consegue passagem de tubo cecoanal multiperfurado, sendo a
descompressão colônica em caso de recidiva, ou cecostomia percutânea orientada pela radiologia ou
quando o ceco permanece perigosamente distendido, tomografia computadorizada e realizada por punção
devemos optar por drenagem (cecostomia) por cirur- com passagem de cateter de Seldinger ou punção com
gia, por via endoscópica (semelhante à utilizada em trocarte. Esses métodos, idealizados recentemente,
estomias endoscópicas, cujo exemplo é a gastrosto- exigem experiência e instrumental apropriado, nem
mia endoscópica percutânea). Em caso de evolução sempre disponível.
para complicação, isquemia, perfuração etc., que se
manifestará por dor, sinais de irritação peritonial
com leucocitose e em caso de perfuração por pneu-
moperitônio, cirurgia convencional. Prognóstico
A taxa de mortalidade dos pacientes com pseu-
do-obstrução aguda do cólon varia de 25 a 31%, che-
gando a 45% nas situações em que ocorre perfuração
Tratamento cirúrgico do ceco. Frente a esses dados, conclui-se que a obser-
Todas as medidas devem caminhar no sentido vação e o tratamento conservador desses pacientes
de se prevenir a complicação maior, ou seja, a ne- não devem ser prolongados, e a colonoscopia com
crose e a perfuração do ceco, que ocorrem em 15% suas alternativas táticas ou o tratamento cirúrgico
dos casos. não devem ser retardados.
Pseudo-obstrução
colônica
Descartar obstrução
mecânica
Corrigir distúrbios
hidreletrolíticos
Afastar foco infeccioso
*
Sim Não
Observação ? Sonda retal ou
Resolução?
clínica SNG
Observação Sim ?
Resolução?
clínica
Não
Descompressão
colonoscópica
Figura 5.3 Fluxograma do tratamento da síndrome de Ogilvie. *Avaliar o paciente para uso de neostigmina.
6
Megacólon
“O homem que sofre antes de ser necessário, sofre mais que o necessário”.
– SÉNECA.
90 milhões aqueles que vivem em condições de adqui- menor do que o megaesôfago. É mais comum entre
rir a doença. No Brasil, estima-se uma prevalência os 30-60 anos, seja porque a doença se manifesta
em 4,2% da população rural, o que permite estimar mais tardiamente, seja porque o doente demora
em 6 a 8 milhões os chagásicos só no Brasil. para procurar o médico. Atinge ambos os sexos
na mesma proporção.
Uma vez infectado, o indivíduo poderá apresen-
tar a forma clínica aguda ou a crônica, bastante dis-
tintas entre si. A forma aguda pode ser aparente ou
inaparente e, em geral, tem duração limitada. A forma
crônica persiste indefinidamente, e, como se trata de
Patogenia
infecção sistêmica, os mais diversos órgãos podem ser A destruição das células ganglionares
atingidos. Entretanto, os mais afetados são o cora- acarreta perturbações da motricidade intes-
ção e o trato digestório, caracterizando as formas tinal, mais evidentes no segmento distal e,
cardíaca e digestiva da doença. sobretudo, no reto. A sincronia dos movimen-
O acometimento do trato gastrointestinal cons- tos peristálticos dos indivíduos não acometidos
titui a segunda manifestação mais frequente. Do pon- pela doença é substituída por incoordenação da
to de vista patológico, caracteriza-se por uma dener- atividade motora entre o cólon sigmoide e o reto,
vação autonômica intramural, que pode atingir todo interferindo no trânsito fecal. Em consequência, o
o tubo digestivo. Neste capítulo trataremos apenas do intestino grosso distal responde com hipertrofia
comprometimento do cólon. das camadas musculares, que se segue por estase e
dilatação cólica. Dessa forma, aceita-se que o mega-
cólon chagásico seja decorrente de uma discinesia
do intestino distal, que atuaria como fator de obstá-
culo à progressão do bolo fecal.
Patologia
Na grande maioria dos casos, os principais aspec-
tos histopatológicos são o espessamento e dilatação da
parede colônica, notadamente do reto e do sigmoide.
Microscopicamente, a doença caracteriza-se por uma
neuropatia inflamatória do plexo mioentérico, com
hiperplasia das células musculares lisas, infiltração do
plexo mioentérico por linfócitos e células plasmáticas,
degeneração e destruição neuronal.
Diagnóstico
O diagnóstico de MCH é, em geral, simples devi-
do à sintomatologia típica e à procedência do paciente.
O exame físico poderá evidenciar diferentes
graus de distensão abdominal, geralmente assimé-
trica. O estado nutricional dependerá do compro-
metimento ou não do esôfago. Frequentemente
detecta-se também arritmia cardíaca. Quando há
grande retenção de fezes, pode-se provocar o si-
nal do cacifo comprimindo-se o sigmoide cheio de Figura 6.3 Raio X de abdome após administração de
fezes e passando-se, em seguida, a mão sobre esse contraste. Volvo de sigmoide. Observa-se distensão do
local da parede abdominal. O toque retal deve ser cólon descendente (contrastado) e gasosa no transverso.
sempre realizado.
O exame radiológico consiste na radiografia sim- A complicação mais grave é a perfuração do
ples do abdome e no enema opaco. Os raios X simples megacólon em peritônio livre, ocasionada por rup-
permitem, muitas vezes, comprovar a existência de turas de úlceras por estase fecal. O quadro clínico é de
ectasia do cólon sigmoide, distensão gasosa e, eventu- peritonite generalizada com toxemia grave.
almente, fecaloma. No primeiro caso, o quadro clínico é o de obstru-
O enema opaco é essencial para confirmação ção intestinal baixa, com dores em cólica de forte in-
do diagnóstico, para determinar o grau de dila- tensidade, além de distensão abdominal assimétrica.
tação e os segmentos que estão comprometidos. Geralmente não há sinais de peritonismo, nem grande
comprometimento do estado geral. O diagnóstico é
O exame proctológico evidencia dilatação lumi-
feito com base no quadro clínico e no estudo radioló-
nal e fezes no reto. Eventualmente, podem-se observar
gico simples do abdome, que evidenciam o sigmoide
ulcerações da mucosa. Do ponto de vista laboratorial,
muito dilatado, contrastando com o reto, que se acha
os exames mais importantes são a reação de fixação vazio. O enema opaco deve ser evitado. Está indica-
do complemento para doença de Chagas, a reação de do apenas nos casos de dúvida quanto ao diagnóstico.
Machado-Guerreiro, e o eletrocardiograma. Nesse caso, deve-se tomar muito cuidado na realiza-
A reação de Machado-Guerreiro deve ser re- ção do exame devido ao risco de perfuração intestinal.
alizada de rotina e é positiva em mais de 80% dos A retossigmoidoscopia permite confirmar o diagnósti-
casos. co e avaliar o estado da alça no ponto de torção.
Devemos suspeitar de torção com necrose de alça O diagnóstico é realizado através de radiografias
se o paciente referir história de cólicas que passam a simples do abdome, que demonstram distensão do
ter caráter contínuo, com grande comprometimento sigmoide, com afilamento do local da rotação e ausên-
do estado geral e sinais evidentes de toxemia. A dis- cia de ar na ampola retal. O enema opaco só é realiza-
tensão é generalizada e há sinais de peritonismo. do em caso de dúvida, cuidadosamente, visando evitar
perfuração intestinal. A imagem clássica é compara-
da ao “ás de espadas”, ou a um “bico de pássaro”.
O tratamento inicial do volvo do sigmoide é a
Tratamento descompressão da alça pela inserção de colonoscópio,
ou de sonda passada pelo reto sigmoidoscópio, desfa-
Megacólon não complicado zendo a torção e promovendo o esvaziamento da alça.
Os casos de MCH com ritmo intestinal normal Devemos sempre preferir a utilização do colonos-
não requerem tratamento. Já os casos oligossintomá- cópio para esse procedimento, pois permite a sua
execução sob visão direta, além de detectar possí-
ticos devem ser tratados clinicamente com dieta e
laxativos, de preferência emolientes e enteroci- veis alterações isquêmicas locais. O tratamento ci-
néticos. Evitar fibras, pois aumentam o bolo fecal e
rúrgico fica reservado para os casos de torção comple-
ta (acima de 180º) e na suspeita de sofrimento de alça.
pioram ainda mais o quadro obstipante. O tratamento
cirúrgico será estudado mais adiante. É importante o diagnóstico e o tratamento
precoce do volvo para evitar perfuração, gerada pela
alteração da circulação local, levando a situações de
extrema gravidade e morbidade. Retardos podem
Fecaloma ocorrer por diagnósticos incorretos ou, então, em ten-
tativas infrutíferas de descompressão por procedimen-
Na maioria dos casos pode ser esvaziado manu-
tos endoscópicos. Ocorrendo sucesso nos procedimen-
almente, quando estiver ao alcance do dedo ao toque
tos endoscópicos, o paciente poderá ser preparado para
retal, ou, então, através de gotejamento retal de soro
posterior procedimento cirúrgico eletivo.
fisiológico ou solução de bicarbonato a 10%. Com es-
sas medidas, promove-se o amolecimento progressivo
e a eliminação do fecaloma através de dejeções suces-
sivas. Em algumas situações, para remover a porção Tratamento cirúrgico
distal do fecaloma impactado na ampola retal, é ne-
O tratamento cirúrgico do MCH está indicado, de
cessária a complementação com raquianestesia, para
forma eletiva, nos pacientes com evolução prolongada,
produzir relaxamento dos esfíncteres com maior faci-
para os quais medidas de ordem dietética e medicamen-
lidade visando a remoção das fezes.
tosa não conseguiram promover uma satisfatória eva-
cuação intestinal, com consequente desconforto.
Historicamente, o tratamento cirúrgico eletivo do
Volvo MCH não chegou a um consenso com relação ao melhor
O volvo é formado pela rotação de um segmen- procedimento, e persiste a utilização de numerosas téc-
to do cólon em eixo formado pelo seu próprio me- nicas, sem haver nenhuma padronização. Essa situação
sentério, e poderá resultar em obstrução parcial ou decorre não somente de falta de um completo conheci-
total do lúmen. mento da fisiopatologia do MCH, mas também do va-
riado índice de morbidade apresentado pelas diferentes
No MCH, o alongamento e o aumento do calibre
técnicas. Além disso, a patologia é endêmica, de ocor-
da alça intestinal, principalmente na região do sigmoi-
rência em regiões mais pobres, e os pacientes operados
de, juntamente com o volume fecal retido, represen-
nos grandes centros retornam às suas origens, impossi-
tam as condições predisponentes para a ocorrência do bilitando a correta avaliação dos resultados cirúrgicos a
volvo. A obstrução do lúmen ocorre quando a rotação longo prazo, considerando as diferentes técnicas. Dessa
é de 180º e, quando chega a 360º, promove também a forma, é importante também o estabelecimento de
obstrução da circulação local, com gangrena e perfu- técnicas cirúrgicas mais simples, de execução possí-
ração decorrentes de isquemia, caso não ocorra uma vel em centros com menos recursos, e que apresen-
pronta intervenção. tem baixo índice de morbidade, uma vez que a cirur-
A manifestação clínica do volvo é a parada de eli- gia não visa curar a doença, mas unicamente a sua
minação de gases e fezes, com dor súbita e intensa ma- intercorrência no intestino grosso.
nifestada no quadrante inferior esquerdo do abdome, Inicialmente, o procedimento cirúrgico consistia
juntamente com distensão, podendo-se, em algumas na realização, por via endorretal, de esfincterotomias
situações, palpar a alça colônica distendida. internas (anorretomiectomias) que, apesar de sua
simplicidade, se mostraram pouco eficientes, e seus Megacólon chagásico – Cirurgias por via
resultados deixaram muito a desejar. Posteriormen- abdominal (cont.)
te, a remoção do cólon sigmoide dilatado, juntamente Retossigmoidectomia abdominoperineal com anas-
com a porção alta do reto, procedimento denominado tomose colorretal retardada (operação de Cutait)
de “retossigmoidectomia”, foi instituída, pois, dessa
Retossigmoidectomia abdominoperineal com anas-
forma, removia-se também a porção mais denervada,
tomose coloanal retardada (operação de Simonsen)
com melhores resultados funcionais. A retossigmoi-
Retossigmoidectomia abdominoperineal com anas-
dectomia poderá ser realizada por via abdominal, com
anastomose colorretal terminoterminal, podendo, tomose colorretal posterior baixa retardada (opera-
ção de Duhamel-Haddad)
quando houver desproporção de calibres entre o cólon
e o reto, ser terminolateral. Essas anastomoses pode- Operações por via abdominoperineal: operações com
anastomoses mecânicas
rão ser executadas de forma manual, ou então facilita-
Retossigmoidectomia com anastomose mecânica
das pela utilização de suturas mecânicas.
terminoterminal
A colectomia esquerda, associada ou não à anor- Retossigmoidectomia com anastomose colorretal
retomiectomia, constitui técnica de simples execução mecânica terminolateral
e baixa morbidade, porém de resultados pouco efeti-
Tabela 6.1
vos a longo prazo, com taxas elevadas de recidivas.
Outra técnica indicada é a colectomia total, com
ceco ou ileorretoanastomose, que tem sido pouco uti- Retossigmoidectomia abdominoperitoneal
lizada devido a sua morbidade e resultados funcionais
com anastomose colorretal retardada (operação
precários.
de Cutait):
Procedimentos de abaixamento consistem na
Em 1960, Cutait propôs a cirurgia que leva seu
ressecção do cólon esquerdo dilatado, juntamente
com remoção de grande parte do reto; são acompa- nome, realizada em dois tempos, com o intuito de
nhados de elevados índices de complicações, além de evitar a complicação da deiscência da anastomose co-
difícil execução técnica. As anastomoses colorretais lorretal baixa. Essa técnica consiste na ressecção do
ou coloanais são efetuadas em dois tempos, sendo sigmoide e do reto até cerca de 3 cm da linha pectínea,
atualmente facilitadas pela utilização das suturas promovendo-se o abaixamento do cólon através do
mecânicas. A técnica de abaixamento mais utili- reto evertido. Após uma semana, ocorre o acolamento
zada em nosso meio é a de Duhamel, modificada tardio entre a camada muscular dos 3 cm distais do
por Haddad, e, como não libera a face anterior do reto evertido e a serosa do cólon abaixado e resseca-se
reto, proporciona melhores resultados funcionais o excedente do cólon abaixado.
e menor morbidade. No volvo do sigmoide, a abor-
dagem cirúrgica de emergência é indicada na falha Retossigmoidectomia abdominoperitoneal
da descompressão endoscópica, ou, então, em situa- com anastomose coloanal retardada (operação
ções de estrangulamento ou perfuração do segmento de Simonsen):
rodado. Nessas condições, o procedimento consiste Essa técnica, descrita por Simonsen, em 1960,
na ressecção da porção do cólon comprometida, sem é semelhante à anterior, diferenciando-se pela secção
anastomose e com colostomia terminal temporária do reto logo acima da linha pectínea. O cólon abaixa-
(operação de Hartmann). Se houver comprometi- do é ressecado após duas semanas, sendo esse tempo
mento generalizado do cólon pelo MCH, este poderá considerado suficiente para se processar a coalescên-
ser totalmente removido para posterior íleo ou ce-
cia do cólon abaixado ao canal anal.
corretoanastomose. Esses mesmos procedimentos
são indicados em situações de perfuração provocada Retossigmoidectomia abdominoperitoneal
pelas úlceras isquêmicas consequentes à estase fecal com anastomose colorretal posterior baixa re-
prolongada em alça dilatada. tardada (operação de Duhamel-Haddad):
Nessa técnica, descrita originalmente por Duha-
Megacólon chagásico – Cirurgias por via
mel em 1956 e modificada por Haddad em 1965, o
abdominal cólon é abaixado através de abertura posterior no
Sigmoidectomia reto, logo acima da linha pectínea, e fixado nessa po-
sição. O reto é comumente seccionado na altura da
Hemicolectomia esquerda
reflexão peritoneal. O segundo tempo é executado 10
Retossigmoidectomia com anastomose manual
a 15 dias após, sendo realizada a ressecção do cólon
Colectomia total excedente e de parte do septo retocólico (veja a des-
Cirurgias por via abdominoperineal: operações de abai- crição mais detalhada desta técnica no tópico Mega-
xamento cólon Congênito).
7
Isquemia colônica
(colopatia isquêmica)
A colite isquêmica é a forma mais comum de Isquemia não oclusiva localizada: áreas divisórias
isquemia do trato gastrointestinal. As formas gra- de irrigação como flexura esplênica e junção retossigmoi-
ves com gangrena, infarto ou perfuração são menos dea. Ligação da artéria mesentérica inferior: sigmoide.
comuns que as localizadas ou segmentares. A extensão do segmento afetado também se
Conforme o vaso comprometido, o intestino relaciona com a causa. Êmbolos ateromatosos resul-
grosso será afetado em um determinado segmento, tam em curtos segmentos afetados, enquanto isque-
como ilustra a Figura 7.1. As áreas transicionais de mia não oclusiva usualmente envolve grandes áreas.
irrigação no ângulo esplênico e na transição retos-
sigmoidea são mais propensas à isquemia.
A Tabela 7.1 aponta as causas de isquemia co-
lônica. Episódios espontâneos de isquemia colônica
podem ocorrer e são geralmente interpretados como
forma localizada de isquemia não oclusiva e sem fa-
tores precipitantes. Hipóteses etiológicas são cogita-
das, como, por exemplo, infecção por Escherichia coli
êntero-hemorrágica O157:H7, porém nenhuma rela-
ção causal foi demonstrada.
Certas etiologias têm preferência por segmentos Figura 7.1 Padrão de comprometimento do intestino
específicos do cólon, como se observa adiante. grosso em pacientes com isquemia colônica.
71
7 Isquemia colônica (colopatia isquêmica)
incompleto e temporário da circulação intestinal, nante, pelo megacólon tóxico ou ainda por abdome
além de uma hipóxia ou anóxia relativa, sobrevém agudo com peritonite, devido à gangrena intestinal.
a chamada lesão de reperfusão. A lesão de reperfu- Essa apresentação incorpora todos os comemorativos
são, por um mecanismo aparentemente paradoxal, de sua periculosidade e rapidamente se sucedem toxe-
é causada exatamente pelo retorno da circulação mia, sepse e choque. Os pacientes invariavelmente são
sanguínea ao segmento afetado. Está descrito que, atendidos em emergências e sua condição urge por de-
após um período de isquemia, quando o sangue inun- cisões rápidas e criteriosas na avaliação e na conduta.
da novamente a rede de finos vasos capilares, estes
Mesmo com intervenção cirúrgica precoce ablati-
estão apresentando perda da permeabilidade seletiva
va dos segmentos colônicos envolvidos, a mortalidade
e permitem a ocorrência de transudação de líquido
é muito elevada. Quando sobrevivem sem cirurgia, os
e mesmo extravasamento de sangue devido ao dano
na estrutura endotelial e ruptura da parede de vasos. danos residuais, assim como as sequelas cicatriciais,
Como resultado, a mucosa colônica apresentará ede- são irreversíveis.
ma e hemorragia intraepitelial. Alternativamente, Em oposição, o quadro clínico que se sucede à
além dessa ação mecânica, existe um outro fenômeno instalação da isquemia por mecanismos não oclusivos
que decorre da reoxigenação das células do epitélio co- e transitórios na maioria é pouco expressivo e, por ve-
lônico e desencadeia um processo de natureza química zes, passa até despercebido. A manifestação clínica é
em que o oxigênio molecular dá origem a radicais oxi- proporcional à severidade das lesões, que, na fase agu-
dativos citotóxicos e igualmente danificam os tecidos, da inicial, são representadas por edema, hemorragia
tornando-se coadjuvantes no aparecimento do edema intramucosa e úlceras rasas. Não raro sintomas estão
e da hemorragia intramucosa. Estudos experimentais ausentes ou se resumem a uma sensação noturna de
demonstram que em alguns casos o dano provocado desconforto abdominal vago que apenas permite sus-
pela reperfusão é superior àquele causado pela anóxia. peitar de um distúrbio hemodinâmico passageiro. Có-
licas, distensão abdominal, evacuações diarreicas e he-
matoquezia são comuns. Hemorragia digestiva baixa
mais significativa e diarreia persistente costumam in-
Diagnóstico clínico e dicar que a colopatia isquêmica já está evoluindo para
uma forma de doença inflamatória intestinal.
complementar A partir daí, as lesões assumem as características
evolutivas ditadas pela gravidade da instalação. Elas
A colopatia isquêmica costuma expressar-se por podem cicatrizar rapidamente, sem sequela ou mar-
meio de um amplo espectro clínico, exatamente devido ca de sua ocorrência, deixar cicatrizes perenes, como
à intercorrência de múltiplos fatores causais e de uma estenoses, ou ainda exprimir-se pela superveniência
variada escala progressiva de gravidade (Figura 7.2). da colite isquêmica, um processo inflamatório crônico
Quando a isquemia decorre de causa oclusiva que pode ser transitório e reversível ou perdurar por
completa e duradoura, quase sempre determina um longo tempo. A colite isquêmica assume idênticas ma-
quadro clínico inicial agudo e grave, por vezes dra- nifestações sintomáticas de outras doenças inflamató-
mático, que se expressa por uma colite aguda fulmi- rias crônicas dos intestinos.
q
B M
q
E
F
:
B L
q
3. Verde, com prognóstico mais sombrio, já que O diagnóstico clínico depende de precoces e re-
estaria associado à necrose parcial da muscular pró- petidas avaliações clínicas do paciente e radiológicas
pria, podendo evoluir para necrose transmural ou com ou endoscópicas do cólon. Havendo suspeita de colite
sequelas de estenose, devendo ser reavaliado endosco- isquêmica com radiografia simples do abdome normal
picamente em 24 horas. ou inespecífica, deve-se realizar colonoscopia. Se, à
4. Cinza, representaria o aspecto da necrose qua- radiografia simples, detecta-se ar na cavidade, na
se completa da muscular própria, requerendo avalia- parede intestinal ou no interior da veia porta, isto
ção em 12 horas e eventual tratamento cirúrgico. significa isquemia avançada, e a intervenção cirúr-
gica deve ser imediata.
5. Preto, associado à necrose completa da parede
do cólon, exigindo tratamento cirúrgico imediato.
Cuidado redobrado é necessário na colonosco-
pia em vigência de colite isquêmica. Insuflação de
ar a pressões superiores a 30 mmHg diminui o fluxo
Tratamento e evolução
sanguíneo para o cólon e pode piorar a isquemia. O manejo da colite isquêmica depende da gravi-
Este fenômeno é minimizado com o uso de monóxi- dade e da fase evolutiva da doença. Inicia-se sempre
do de carbono para a insuflação, devido ao seu efei- com medidas suportivas de estabilização hemodinâ-
to vasodilatador. Também o risco de perfuração é mica, compensação de insuficiência cardíaca e hipo-
maior no cólon isquêmico, mormente em presença xemia. As drogas vasoconstritoras devem ser abolidas
de necrose transmural. sempre que possível, e antibioticoterapia específica
para flora colônica deve ser iniciada. Aspiração naso-
gástrica é aconselhável se houver indícios de íleo.
Há ainda casos em que, após a resolução, há recorrência da isquemia, dependendo da persistência dos fato-
res predisponentes. Em 10 a 20% dos casos, a isquemia aguda se resolve com estreitamento da luz, que se torna
evidente em algumas semanas após o evento inicial.
Figura 7.5 Clister opaco: colite isquêmica. A: hemorragia e edema da mucosa, provocando indentações na topo-
grafia do cólon transverso. B: estreitamento e saculações na topografia da flexura esplênica do cólon em um pacien-
te com colite isquêmica crônica.
8
Hemorragia digestiva baixa (HDB)
“As drogas nem sempre são necessárias, (mas) a convicção na recuperação sempre é”.
– NORMAN COUSINS.
Introdução
A hemorragia digestiva baixa (HDB) é descrita como qualquer sangramento digestivo com localização abaixo
do ângulo Treitz. É uma causa importante de admissão hospitalar e um importante fator de morbimortalidade
hospitalar. Suas taxas de mortalidade podem chegar a 20%, na dependência de fatores associados como: idade (>
60 anos), doenças sistêmicas, necessidade de transfusão de mais de 5 unidades, necessidade de cirurgia e estresse
recente (cirurgia, trauma, sepse).
Considerações gerais
A HDB é menos frequente que a HDA, com prevalência em indivíduos idosos, cessando espontane-
amente em cerca de 90% dos casos. Devemos lembrar que nos idosos e nos pacientes de alto risco, esse tipo de
hemorragia pode ser fator precipitador para infarto do miocárdio. A incidência de hospitalização por HDB aguda
é estimada em 22 por 100 mil adultos na população.
A HDB pode ser classificada também em aguda e crônica. A aguda tem, com frequência, início abrupto e
apresenta hematoquezia mais intensa e mais rápida. A crônica é de aparecimento lento, progressivo e, em geral,
manifesta-se com anemia. A HDB aguda é considerada grave quando os enfermos apresentam sangramento in-
tenso com hipotensão inicial, queda do hematócrito de no mínimo 10% e necessitam com frequência de transfu-
são sanguínea. O sangramento vermelho rutilante (vivo) pelo reto é, em sua maioria, de origem cólica.
78
Coloproctologia
Clínica Diagnóstico
O sangramento maciço é uma condição ameaçado-
ra. Embora uma HDB maciça se manifeste como fezes Avaliação laboratorial
vinhosas ou sangue vermelho-vivo do reto, os pacientes O exame hematológico visa dois aspectos: veri-
com hemorragia digestiva alta podem também apresen- ficar o volume de sangue perdido pelo paciente ou in-
tar achados similares. Não obstante o nível do sangra- tensidade da hemorragia e avaliar a coagulação básica.
mento, um dos elementos mais importantes da manipu- No exame hematológico, a contagem de hemácias, a
lação dos pacientes com HDA ou HDB é a ressuscitação dosagem de hemoglobina e o hematócrito traduzem a
inicial. Estes pacientes devem receber dois acessos intra- intensidade da HDB, conforme foi caracterizado ante-
venosos calibrosos e infusão de cristaloides. Entremen- riormente: HDB inaparente (valores hematimétricos
tes, avaliação rápida de sinais vitais, incluindo frequência normais ou discretamente baixos), HDB leve ou de
cardíaca, pressão arterial e débito urinário devem ser pequeno porte (contagem baixa de hemácias superior
a 3.500.000/mm3, dosagem de hemoglobina baixa aci-
executados. A hipotensão ortostática (ou seja, uma
ma de 10 g% e hematócrito baixo acima de 30%), HDB
queda da pressão arterial > 10 mmHg) é geralmente
de médio porte ou moderada (contagem de hemácias
indicativa de perda de sangue maior que 1.000 mL.
entre 2.500.000/mm3 e 3.000.000/mm3, dosagem de
hemoglobina entre 7 e 10 g% e hematócrito entre 25 e
30%) e HDB grave ou maciça ou de grande porte (con-
tagem de hemácias abaixo de 2.500.000/mm3, dosagem
HDB maciça de hemoglobina abaixo de 7 g% e hematócrito abaixo de
Uma hemorragia maciça é uma condição grave, 25%). Um coagulograma básico e simples, constituído
com risco de vida, e requer, via de regra, várias unidades pela contagem de plaquetas, determinações do tempo
de concentrados de hemácias. Pacientes com hemorragia de sangria, tempo de protrombina e tempo parcial de
maciça apresentam-se com pressão sistólica < 90 mmHg tromboplastina (PTT) deve compor a rotina da aborda-
gem clínica e hematológica do paciente com HDB.
e a Hb ≤ 6 g/dL. Estes pacientes têm normalmente mais
de 65 anos, possuem doenças múltiplas e estão em risco
de morrer da hemorragia aguda ou de suas complicações.
A mortalidade geral por HDB varia de 0 a 21%.
Colonoscopia
Por definição a HDB maciça é assim descrita: A colonoscopia é um exame de indubitável va-
lor na propedêutica das HDB, embora durante algum
Passagem de grande volume de sangue vermelho ou
tempo tivesse sido relegada a segundo plano, em de-
marrom pelo reto
corrência da exigência de um bom preparo intestinal
Instabilidade hemodinâmica para sua execução. Atualmente é vista como a me-
Queda inicial do Hb de 6 g/dL ou mais lhor arma propedêutica na abordagem de tais he-
Transfusão de mais de 2 unidades de sangue morragias. A colonoscopia pode encontrar a causa e o
Sangramento que persiste por 3 dias local da hemorragia, efetuando os diagnósticos causal
e topográfico (exemplo: câncer no sigmoide, pólipo
Ressangramento significante em 1 semana colônico, doença de Crohn ileocecal). Pode, também,
Tabela 8.1 fazer o diagnóstico causal, falhando no diagnóstico
topográfico da hemorragia (exemplo: polipose intes-
tinal, RCUI, doença diverticular colônica difusa), e,
Parâmetros clínicos e laboratoriais para a
mesmo, não fazer o diagnóstico (patologias vascula-
classificação do grau do volume de sangue
res), demonstrando que também tem suas limitações.
perdido
A colonoscopia assume papel importantíssimo nas
Pontuação (1) (2) (3) HDB ocasionadas por pólipos intestinais e mes-
Hemoglobina (g/dL) > 10 < 10 – > 8 <8 mo outros tumores intestinais (exemplo: lipomas,
< 3.5 – > câncer), extirpando-os, constituindo-se em arma
Eritrócitos (milhão) > 3,5 < 2.5
2.5 propedêutica e terapêutica ao mesmo tempo. Pode,
Pressão arterial < 100 – > também, em casos de hemorragias em cânceres, trau-
> 100 < 80 matismos, arrancamento de pólipos, pós-operatório
(mmHg) 80
> 80 – < de polipectomias, servir como arma terapêutica, cau-
Freq. cardíaca (bpm) < 80 > 120 terizando ou coagulando o ponto hemorrágico.
120
Consciência presente torpor ausente Não sendo o diagnóstico da HDB feito pelo exa-
Tabela 8.2 Classificação em: LEVE < 8 (somatório de me proctológico, persistindo a hemorragia, o próximo
pontos menor que oito); MODERADA de 8 a 12 pontos; passo propedêutico, havendo tal exame disponível, é a
GRAVE > 12 (somatório de pontos maior que doze). colonoscopia.
Cirúrgico
A laparotomia exploradora raramente é realizada
Cintilogra昀椀a com o propósito diagnóstico, com exceção do enfermo
com enterorragia maciça ou associada à enteroscopia
O elemento radionuclear que melhor se presta
intraoperatória na HDB de origem obscura.
para este exame é o tecnécio-99m (99mTc), pois tem as
características exigidas: alta concentração e rápido de-
saparecimento do sangue circulante (meia-vida de 2,5
a 3,5 min.). O radionuclídeo que melhor se adapta a
marcar os elementos sanguíneos figurados é, também,
Outros exames
o tecnécio-99m, em decorrência de sua capacidade de
marcar as hemácias circulantes do receptor. Saindo Enema opaco
hemácias marcadas do espaço vascular para o interior
dos cólons, está automaticamente demonstrado o lo- Recurso propedêutico inestimável, durante anos
cal da hemorragia. Os sangramentos gastrointesti- foi, juntamente com o exame proctológico, a principal
nais são avaliados com hemácias marcadas com o arma no diagnóstico da HDB. O enema opaco exige,
mesmo agente da cintilografia hepática e do baço da mesma forma que a colonoscopia, um razoável pre-
e da medula óssea, o coloide de enxofre – 99mTc, po- paro intestinal para sua viabilização. Pode apresentar
dendo avaliar sangramentos de vazão entre 0,05 e três resultados: visualizar o local e a causa da hemor-
0,1 mL/minuto. A hemorragia ativa é demonstrada ragia (exemplo: pólipos, câncer, estenoses), visualizar
pelo acúmulo do radioisótopo no local do sangramen- a causa e não detectar o local da hemorragia (exemplo:
to, devendo ser diferenciada do acúmulo no fígado e doença diverticular dos cólons, RCUI, poliposes intes-
no baço e na medula óssea, que também captam este tinais) e não visualizar causas ou locais da hemorragia
radioelemento, na proporção de fígado 85%, medula (exemplo: angiodisplasias, traumatismos). O advento
óssea 10% e baço 5%. A sensibilidade relatada da da colonoscopia e das arteriografias digitais seletivas
varredura do 99mTc é de 20 a 95%. deslocou este exame para casos especiais.
Terapêutica
Terapêutica cirúrgica
Se a causa e a sede do sangramento não foram
Ressuscitação volêmica e determinadas pelos métodos propedêuticos menos in-
vasivos (fato que pode ocorrer em aproximadamente
medidas de suporte 10% dos enfermos) e o sangramento é de intensidade
Nos doentes com HDB moderada ou grave, a moderada a grave e não cessou espontaneamente ou
hospitalização é imperativa e o atendimento deve ser com quaisquer dos procedimentos terapêuticos ante-
feito em caráter de urgência. riores, há indicação de laparotomia exploradora.
As medidas de intensivismo devem ser ajustadas A padronização para a indicação da terapêuti-
ca cirúrgica na HDB consiste em:
para os pacientes instáveis hemodinamicamente.
pacientes que necessitarem de reposição san-
guínea no volume de 2.000 mL em 24 horas,
sem cessar o sangramento (HDB grave);
Terapêutica endoscópica enfermos que apresentarem sangramento con-
tínuo, considerado moderado, durante 72 horas;
A colonoscopia tem papel fundamental na tera-
pêutica da HDB. É realizada inclusive nas situações de quando há recidiva do sangramento, de intensi-
urgência, possibilitando melhorar o prognóstico des- dade moderada ou grave, em um período menor
que sete dias, após a primeira HDB;
ses doentes.
pacientes com tipo sanguíneo raro;
As potenciais lesões cólicas com condições de he-
mostasia endoscópica incluem, em especial, o diver- enfermos idosos com HDB grave e/ ou recidivante.
tículo sangrante, a lesão pós-polipectomia, as angio- Um aspecto fundamental para a escolha da con-
displasias, os tumores, as úlceras, a retite actínica etc. duta cirúrgica a ser realizada no doente com HDB está
Os procedimentos de hemostasia endoscópica de- relacionado à identificação do local do sangramento.
penderão da natureza da lesão encontrada, do grau do Se foi possível a localização do local do sangra-
sangramento, da disponibilidade do material necessá- mento na propedêutica pré-operatória e se ela for res-
rio e, sobretudo, da competência do endoscopista. trita a um segmento do cólon, pode-se optar por uma
ressecção cólica segmentar. Nesses casos, tais como o
A introdução do aparelho deverá ser cuidadosa, câncer, o pólipo cólico ou a ectasia vascular, responsá-
evitando-se manobras bruscas ou forçadas. veis pela HDB limitada a um segmento intestinal, nos-
sa tática operatória de escolha é a colectomia parcial
com anastomose primária sempre que possível.
Contribuem para viabilizar a anastomose pri-
Terapêutica por mária após a colectomia segmentar na HDB:
angiogra昀椀a seletiva presença de sangue, em grande quantidade, na
luz intestinal, que, atuando como agente catár-
A angiografia seletiva na vigência de sangramento tico, livra o cólon do conteúdo fecal;
ativo, com débito acima de 0,5 mL por minuto, poderá
ser, além de diagnóstica, terapêutica. Ela possibilita a realização do preparo intestinal com o manitol
administração de drogas vasopressoras no território expresso para efetuar a colonoscopia, possível
sangrante, controlando a hemorragia e permitindo na maioria dos enfermos;
que o paciente seja submetido ao tratamento de sua uso endovenoso de antimicrobianos de amplo
doença de forma eletiva. espectro.
Somente realizamos a colectomia segmentar com ressecada orientará o procedimento operatório defini-
colostomia terminal temporária, dita de proteção, em tivo, com opções para anastomose ileorretal, ileoanal
situações de risco para efetuar-se esta anastomose pri- com bolsa ileal ou ressecção do reto e manutenção da
mária, tais como a possibilidade de contaminação da ileostomia. Os resultados do tratamento, conservador
cavidade abdominal ou a presença de fezes em grande ou cirúrgico, da HDB quanto aos índices de mortalida-
quantidade no cólon. de dependem das condições e da idade do doente e da
Quando não houve identificação do local do san- causa e do grau do volume de sangue perdidos. Na ur-
gramento no pré-operatório, é importante fazer a ex- gência, esses índices podem alcançar até 30%.
ploração peroperatória pela inspeção e palpação das al-
ças, embora seja rara sua contribuição para a localização
do sangramento. O melhor método é a colonoscopia
transoperatória, com porcentagem de sucesso relatada
na literatura de 83% ou mais; porém, ela necessita de Seguimento
equipe treinada, com o cirurgião auxiliando o endosco-
As complicações pós-operatórias precoces mais co-
pista na introdução do aparelho endoscópico.
muns são sangramento intra-abdominal, íleo adinâmico,
Não se dispondo da colonoscopia em centro ci- obstrução intestinal mecânica, sepse intra-abdominal,
rúrgico, pode-se tentar as clampagens intestinais seg- peritonite localizada ou generalizada, infecção de ferida
mentares. Havendo localização da sede ou da causa do e/ou deiscência, colite pseudomembranosa, pneumonia,
sangramento no peroperatório, a opção será, também, retenção urinária, infecção do trato urinário, trombose
a ressecção cólica segmentar sempre que possível. venosa profunda e embolia pulmonar.
Não havendo possibilidade de identificação do local As complicações tardias ocorrem geralmente
preciso do sangramento no peroperatório, porém haven- mais que uma semana após a cirurgia. As complica-
do certeza de ser a HDB de origem cólica, deve-se realizar ções tardias mais comuns são: estenose anastomóti-
a colectomia total com anastomose ileorretal primária.
ca, hérnia incisional e incontinência.
Essa tática operatória está indicada para pacientes em
que se identificam ectasias vasculares com distribuição
difusa no cólon e nos portadores da doença diverticular
cólica difusa. Embora se reconheça que os divertículos de
cólon direito sejam os que mais sangram, a colectomia
direita pode ser acompanhada, no pós-operatório, de re-
Prognóstico
cidivas frequentes de sangramento à esquerda. A HDB cessa espontaneamente, nas primei-
A colectomia total associada a uma ileostomia ras 48 horas, em até 90% dos enfermos, sendo
terminal temporária é conduta de exceção, como nos que há recidiva em 15% nas 48 a 72 horas seguin-
doentes portadores de RCU com hemorragia maciça. tes. O sangramento permanece contínuo em apenas
Nestes, o estudo anatomopatológico da peça cirúrgica 10% dos pacientes.
M!didas de ressuscitação
• História
• Exame físico Tratamento
Positivo
• Exames laboratoriais
• Aspiração nasogástrica
• EDA
Arteriografia
M!didas adicionais
• Trânsito do delgado
• TC
• EDA com colonoscópio
Positivo
Sangramento persistente
Tratamento
L"parotomia exploradora
9
Doença diverticular
“É a mente que torna bom o doente, que torna a pessoa desgraçada ou infeliz, rica ou pobre”.
– EDMUND SPENSER.
Figura 9.2 Figura 1: visualização colonoscópica dos divertículos. Figura 2: distribuição anatômica dos divertícu-
los; Figura 3: patogenia da doença diverticular. Os divertículos são herniações da mucosa através dos pontos de
entrada dos vasos sanguíneos pela parede muscular. Pelo fato de estes divertículos serem formados apenas por
mucosa em vez de o serem por toda a parede do instestino, eles são chamados falsos divertículos. Note que os
divertículos formam-se apenas entre as tênias mesentéricas e cada uma das duas tênias laterais. Pelo fato de não
haver vasos perfurantes, os divertículos não se formam no lado antimesentérico do cólon. Figura 4: clister opaco
evidenciando os divertículos.
Patologia
O cólon é o local mais comum de formação diverticular do trato digestivo. A quase totalidade dos
divertículos é falsa (pseudodivertículos) e se forma no local em que as artérias perfuram a camada
muscular circular para alcançarem a submucosa. Os divertículos quase sempre se localizam entre as
tênias lateral e mesentérica. Variam em número de um a centenas, e o seu tamanho varia de 1 mm a mais
de 1 cm de diâmetro. O maior divertículo descrito tinha 27 cm. O número e o tamanho dos divertículos
frequentemente aumentam com o tempo.
Tabela 9.4
Complicações da diverticulite
Hinchey e colaboradores classificaram
A evolução da diverticulite depende do processo
as perfurações em quatro graus:
inflamatório local e das condições gerais do paciente,
I. Abscesso pericólico localizado
da sua idade e da presença de doenças sistêmicas asso-
II. Abscesso distante (retroperitoneal ou pélvico)
ciadas. Apesar de a maioria dos pacientes evoluir para
III. Peritonite generalizada causada por ruptura de
cura, muitos apresentam complicações.
abscesso pericólico ou pélvico (não comunicante com a
luz do cólon)
a) Abscesso: ocorre em aproximadamente 8 a
IV. Peritonite fecal (perfuração comunicante com a luz do
14% das diverticulites agudas e em 30 a 55% dos pa- cólon)
cientes com diverticulite submetidos à cirurgia. Os Tabela 9.5
abscessos geralmente se localizam próximos ao cólon,
mas podem ser pélvicos ou em qualquer lugar na cavi-
dade abdominal. O diagnóstico é suspeitado pela per- Classificação de Hinchey modificada
sistência de febre elevada, leucocitose e presença de por Wasvary
massa no exame físico ou no toque retal ou vaginal. Estágio 0 Diverticulite leve – perfuração
O diagnóstico é confirmado pela ultrassonografia ou Inflamação ou fleimão pericólicos confi-
Estágio Ia
pela tomografia computadorizada. nados
Estágio Ib Abscesso pericólico confinado
b) Fístula: a mais comum é entre o cólon e a Abscesso pélvico, retroperitoneal ou intra-
Estágio II
bexiga, mas pode ser com a vagina, pele, intestino -abdominal distante
delgado, ureter, sistema venoso porta e vias biliares. A Estágio
Peritonite purulenta generalizada
suspeita diagnóstica se faz pela presença de infecções III
de repetição do trato urinário, pneumatúria, fecalúria, Estágio
Peritonite fecal
IV
eliminação de fezes pela vagina ou pele. O diagnóstico
é confirmado por edema opaco, fistulografia, retossig- Colovesical, Coloentérica, colovaginal, en-
Fístula
terocutânea
moidoscopia, cistografia ou pielografia endovenosa.
Ob-
Mais recentemente, a tomografia computadorizada De delgado e/ou colônica
strução
com triplo contraste vem se mostrando menos inva-
Tabela 9.6
siva e mais efetiva, com diagnóstico em mais de 90%
dos casos.
De acordo com a classificação de Ambrosetti e
c) Obstrução intestinal: pode ser tanto do in- colaboradores (baseada nos achados tumográficos).
testino delgado, por envolvimento inflamatório e podemos identificar dois grupos de pacientes: doença
aderências do intestino subjacente, como do intesti- moderada ou grave.
no grosso, por compressão e envolvimento do cólon
pela massa inflamatória. As manifestações clínicas e o Classificação de Ambrosetti
diagnóstico são semelhantes às outras causas de obs- Diverticuli- Espessamento localizado da parede do
trução intestinal. te mode- sigmoide maior do que 5 mm e inflama-
rada ção da gordura pericólica.
d) Peritonite difusa: é uma complicação infre- Presença de abscesso, ar fora de alça
Diverticuli-
quente. Pode ser causada pela perfuração direta de um intestinal ou extravazamento de contraste
te grave
divertículo ou em consequência da ruptura de um abs- intraluminal.
cesso peridiverticular. Tabela 9.7
Abordagem diagnóstica
Exames laboratoriais
O hemograma geralmente revela leucocitose
com desvio nuclear à esquerda. Muitos pacientes com
diverticulite aguda apresentam hemograma normal
ou com alterações mínimas. A urina tipo I frequente-
mente mostra aumento do número de leucócitos e he-
mácias em virtude de irritação ou comprometimento
do ureter ou da bexiga pelo processo inflamatório.
Tomogra昀椀a computadorizada
A tomografia computadorizada é o método
mais valioso para a avaliação da diverticulite aguda.
Apresenta sensibilidade e especificidade superiores
a 90%, variando de 85 a 97%, no entanto não existe
necessidade de realizar tomografia computadoriza-
da na maioria dos pacientes com diverticulite não
complicada. Suas principais indicações são:
Tratamento cirúrgico
Poucos pacientes são submetidos à cirurgia por
ocasião do primeiro episódio de diverticulite não com-
plicada.
A indicação fica reservada para os mais jovens e
imunossuprimidos. O procedimento de escolha é res-
secção primária sem ostomia de proteção.
A indicação de ressecção após episódios recor-
rentes de diverticulite mudou nos últimos anos. O
tratamento cirúrgico após o quarto episódio
de diverticulite, em vez do segundo, resultou
Figura 9.4 Tomografia computadorizada mostrando em menor incidência de óbitos por colostomia.
drenagem percutânea de abscesso como complicação É fundamental levar em consideração caso a caso, a
de uma diverticulite aguda. A: seta apontando para to- faixa etária, frequência, gravidade e intervalo dos epi-
pografia do abscesso no cólon sigmoide; B: drenagem sódios. Decidido a cirurgia, o procedimento de
guiada por cateter inserido na loja do abscesso; C: reso- escolha é a ressecção com anastomose primária.
lução do abscesso e retirada do cateter.
Diverticulite: Estágios I e II
Endoscopia
A endoscopia do intestino grosso (retossigmoi- Abscesso < 5cm Abscesso > 5 cm
doscopia e colonoscopia) é raramente indicada na pre-
sença de diverticulite em virtude da possibilidade de • Dieta zero • Dieta zero
perfurar o cólon, da dificuldade ou impossibilidade de • HV e reposição eletrolítica • HV e reposição eletrolítica
ultrapassar a região do retossigmoide pela presença • Analgesia • Analgesia
• ATB • Drenagem percutânea
da inflamação e por ser de pouca utilidade para es-
tabelecer o diagnóstico e a avaliação da gravidade da • Observação clínica Piora clínica apesar da
diverticulite. Entretanto, a retossigmoidoscopia com • Piora clínica após 48h drenagem, ou impossibilidade
insuflação mínima de ar está indicada quando houver de drenagem
dúvida diagnóstica e necessidade de excluir neoplasias Reavaliar com TC
ou doenças inflamatórias do intestino. Discutir cirurgia
Progressão do abscesso,
avaliar drenagem
percutânea
Tratamento
Em pacientes sem outros comprometimentos Figura 9.5 Algoritmo de tratamento da diverticulite.
orgânicos, o tratamento pode se limitar a uma dieta
líquida e antibióticos orais (cefalosporina, sulfa ou me- Aqueles pacientes em quem não foi possível a
tronidazol), mesmo em ambulatório (ciprofloxacina ou drenagem efetiva ou com persistência dos sintomas
amoxacilina/clavulanato são possíveis opções de anti- devem ser submetidos à colectomia parcial com colos-
bioticoterapia via oral). Por outro lado, na presença de
tomia proximal (cirurgia de Hartmann). A drenagem
distensão abdominal importante, vômitos ou febre, o
do abscesso e a colostomia em alça têm piores resulta-
paciente deve ser internado, permanecer em jejum e
dos do que a proposta anterior.
com hidratação e antibióticos endovenosos. Em geral
sonda nasogástrica não é necessária, a menos que o pa- Na presença de condições clínicas favoráveis, pouco
ciente apresente oclusão intestinal evidente ou esteja conteúdo fecal ou possibilidade de preparo transoperató-
vomitando. Anticolinérgicos podem ser eventualmente rio, reduzida contaminação peritoneal e equipe cirúrgica
empregados em pacientes muito sintomáticos por cau- habilitada, a anastomose primária pode ser realizada,
sa da hipermotilidade do cólon. Os antibióticos mais com ou sem ostomia de proteção, com morbimortalida-
empregados são as cefalosporinas ou a combinação de semelhante ou menor do que os procedimentos em
de aminoglicosídeos com anaerobicidas. dois ou três tempos.
Hemorragia
Perfuração
Embora o sangramento por DDC seja a principal
É uma emergência cirúrgica e requer ressuscita-
causa de HDB, raramente ele é associado com diver-
ção imediata e tratamento cirúrgico. As opções cirúr- ticulite. Quando ocorre, também pode ser avaliado e
gicas já foram descritas previamente, sendo o procedi- tratado endoscopicamente com injeções de vasocons-
mento de Hartmann ainda um dos mais empregados tritores (adrenalina), esclerosantes (etanolamina), cli-
nos casos de perfuração. pagens etc.
Se o sangramento recorrer ou persistir, pode-se
realizar o tratamento por arteriografia ou cirurgia, de-
pendendo das condições clínicas do paciente.
Fístula
A incidência relatada de fístulas é de apenas 2%
em pacientes com diverticulite e é indicação de cirur-
gia em 17 a 27%. As fístulas colovesicais são as mais Cirurgia laparoscópica
comuns, e vem ocorrendo um aumento da incidência A colectomia laparoscópica (sigmoidectomia) para
de fístulas colovaginais, possivelmente devido ao maior diverticulite envolve uma dissecção mesocólica e peri-
índice de histerectomias nos últimos anos. A cistoscopia cólica extensa, com ligação de vários vasos calibrosos e
10
Retocolite ulcerativa inespecífica (RCU)
Epidemiologia
A RCU é uma doença de ocorrência mundial, com
uma incidência de 3-20 novos casos por ano para cada
Etiopatogenia
100 mil habitantes. Aparentemente tem incidência A hipótese geral mais aceita a respeito da etio-
maior na América do Norte e Europa; todavia, ao que patogenia das DII considera um mecanismo multifa-
tudo indica, o fato de outras partes do mundo regis- torial: componentes genéticos de predisposição, ele-
trarem baixa incidência não corresponde à realidade, mentos da microbiota intestinal, fatores ambientais e
mas sim a problemas técnicos e de estatística. resposta imunitária.
95
10 Retocolite ulcerativa inespecífica (RCU)
Patologia
A RCU é uma doença restrita ao reto e cólons, acometendo de maneira contínua a superfície mucosa e
eventualmente a submucosa.
À microscopia óptica, a alteração histológica característica da RCUI são os abscessos de criptas. Estes são de-
correntes do processo inflamatório polimorfonuclear que atinge a região das criptas de Lieberkuhn. Outras alterações
incluem edema, congestão dos vasos da mucosa e submucosa, hemorragia, depleção de células caliciformes, infiltrado
inflamatório misto com a presença de eosinófilos e metaplasia das células de Paneth. Nos casos de remissão da RCUI, é
possível observar atrofia, ramificações das criptas e maior espaçamento entre as glândulas de Lieberkuhn.
As características morfológicas que distinguem a RCUI da doença de Crohn são diversas:
1) as lesões na RCUI são contínuas, isto é, atingem o reto e progressivamente as regiões mais proximais do cólon,
enquanto as lesões na DC são salteadas e não são restritas ao cólon;
2) na RCUI, invariavelmente, o reto é acometido; na doença de Crohn colônica é frequente o reto ser poupado e
haver lesões perianais;
3) o processo ulcerativo na RCUI é confinado à superfície colônica, visto que atinge a mucosa/submucosa e poupa
a muscular e a serosa, ao passo que na DC a lesão se caracteriza por atingir desde a mucosa até a serosa;
4) não existe a formação de granulomas não caseosos na RCUI; por outro lado, os pseudopólipos inflamatórios
raramente são encontrados na doença de Crohn.
Padrões da doença
Existem três distribuições predominantes comuns à doença:
1. doença de todo o cólon;
2. colite localizada predominantemente no lado esquerdo;
3. doença envolvendo o cólon sigmoide e o reto.
Os pacientes com proctossigmoidite apresentam resolução completa dos sintomas em 75% dos casos, 15%
apresentam exacerbações e remissões com sangramento retal intermitente por um longo período de tempo e 10%
desenvolvem colite ulcerativa de todo o cólon.
A classificação de Montreal (tabela a seguir) propõe como parâmetro a máxima extensão observada do en-
volvimento cólico em algum momento, considerando a flexibilidade de sua evolução. Essa divisão sugere uma
importância biológica clara, particularmente na resposta dos pacientes às terapêuticas empregadas, tópicas e/
ou sistêmicas.
Biópsia negativa: identifica todas as lesões in- Localização do tumor e cirurgia recomendada
flamatórias e regenerativas. (cont.)
Biópsia indeterminada: refere-se a alterações Reto, terço inferior Amputação abdominoperineal
epiteliais que parecem exceder os limites de re- (< 5 cm) de reto
generação ordinária, mas não são suficientes Retossigmoidectomia com anas-
para um diagnóstico de displasia inequívoco. tomose coloanal
Tratamento clínico
Medidas gerais
A diarreia e o sangramento são os sintomas mais
comuns na fase aguda. A diarreia persistente leva à de-
sidratação, associada a distúrbios hidroeletrolíticos que
necessitam de reposição adequada. A perda sanguínea
pode ser severa e prolongada ou ser mais gradual e tor-
nar o paciente anêmico. A perda sanguínea crônica pode
ser tratada com suplementação de ferro, mas casos de
hemorragia aguda necessitam de transfusão.
Figura 10.11 RCUI em atividade: granularidade da Medicações antidiarreicas como loperamida e di-
fenoxilato devem ser utilizadas judiciosamente, pois
mucosa.
possuem potencial aditivo, muito embora este possa ser
bastante lento. Ambas ajudam a controlar a diarreia do pa-
ciente, mas o tenesmo e a urgência podem persistir. O uso
de enemas de cortisona ou beladona e de supositórios de
ópio ajudam a aliviar alguns desses sintomas. No proces-
so agudo intenso, o uso de medicações antidiarreicas e de
narcóticos deve ser ainda mais judicioso, visto existirem
evidências de que elas podem precipitar a dilatação tóxi-
ca do cólon. Se na colite ulcerativa as fezes continuarem
líquidas, agentes formadores de massa, como o psyllium,
ajudam o paciente a controlar melhor a evacuação.
Nos casos de doença crônica com atividade con-
tínua ou com exacerbação leve, o tratamento dietético
do paciente é importante. Não existem evidências de
que alergia alimentar seja responsável pela etiologia da
colite ulcerativa. Entretanto, existe uma alta incidência
de intolerância à lactose e a derivados do leite na fase
aguda que, portanto, devem ser abolidos. Devem ser
evitados outros alimentos que produzam alterações
gastrointestinais. Em casos de períodos prolongados de
Figura 10.12 RCUI fora de atividade: pseudopólipos anorexia e atividade da doença, pode ser necessária a
+ alteração vascular da submucosa. utilização de nutrição enteral elementar e parenteral.
DII
Sim Não
Dietas
poliméricas Nutrição parenteral Nutrição enteral
por via oral nos casos em a (sonda nasogástrica,
nutrição enteral não enteral, gastrostomia,
é possível jejunostomia)
– poliméricas
– oligoméricas
– monoméricas
Figura 10.14 Sugestão de algoritmo para indicação da terapia nutricional na doença inflamatória intestinal (DII).
Indução da remissão
Os corticosteroides são usados para induzir a remissão e tratar as complicações da colite ulcerativa, quando
então a dose deve ser reduzida (não são eficazes para manutenção). A dose de prednisona varia de acordo com a
gravidade da doença, 40-60 mg a 60-80 mg/dia na dilatação tóxica. Na doença menos intensa, 20-40 mg
são adequados. A dose total é fracionada para que se obtenha uma elevação mais prolongada dos níveis sanguíneos.
Se houver apenas proctossigmoidite, o esteroide deve ser administrado sob a forma de enema de retenção. O uso de
corticoides requer monitorização cuidadosa tanto na fase aguda quanto na crônica. Na doença aguda severa, deve-se
fazer observação cuidadosa e considerar o tratamento cirúrgico se houver ausência de melhora ou ocorrer piora clínica.
Depois que a remissão da fase aguda é obtida, inicia-se a redução dos corticoides. Frequentemente, muitos pacientes
são controlados com doses diárias de 10 a 15 mg, porém reduções adicionais podem resultar em novo surto dos sintomas.
Com relação àqueles pacientes para os quais a dose pode ser reduzida ainda mais, como 10 mg/dia ou menos, é questioná-
vel se os esteroides são benéficos. Se o paciente suportar a retirada total dos esteroides, essa conduta é preferível.
A sulfassalazina consiste de um salicilato e de uma sulfa, a sulfapiridina, que é metabolizada no intestino
grosso. O salicilato (5-ASA) tem ação anti-inflamatória e é importante na manutenção da remissão, tendo
sido postulado que ele também possui um efeito antiprostaglandínico. A sulfapiridina não tem nenhum
efeito sobre a doença, sendo usada apenas como meio de transporte do salicilato.
HOOC
HO N=N SO2 NH
N
Sulfassalazina (SSZ)
HOOC
As doses diárias de AZA e de 6-MP são calcula- Tratamento da retocolite ulcerativa em relação
das de acordo com o peso do paciente na proporção à intensidade de seu quadro clínico
de 2 a 3 mg/kg e 1 a 1,5 mg/kg, respectivamente, ini- Forma leve
ciando-se com 50 mg/dia, para ambas as substâncias e Mesalazina oral retal (dose 800 a 1.600 mg/dia) ou
aumentando-as a cada duas semanas, até as quantida- Sulfassalazina oral (dose 2 a 4 g/dia)
des preconizadas. Em virtude de sua mielotoxicidade, Forma moderada
impõe-se um controle hematológico na fase de ajuste
Mesalazina oral/retal (dose 1.600 a 3.200 mg/dia) ou
da dose, no mínimo quinzenal, para identificação de Sulfassalazina oral (dose 4 a 6 g/dia)
possível leucopenia de risco abaixo de 3.000 leucócitos Associado a glicocorticoide oral (40 a 60 mg/dia)
totais/mm3. Atingida a dose de estabilidade, recomen- Resistência ao tratamento: imunomodulador oral (50 a
dam-se novos controles sanguíneos pelo menos a cada 100 mg/dia)
três meses, inclusive a medida das enzimas hepáticas. Forma grave
Além da depressão medular, efeitos sistê- Hospitalização;
micos pelo uso de AZA e de 6-MP exigem atenção Glicocorticoide IV (100 mg – 6/6 h); antimicrobianos
médica: pancreatite aguda, erupção cutânea, febre e heparinização
artralgias, mialgias, toxicidade hepática e infecções, Resistência ao tratamento: ciclosporina IV (5 mg/kg/dia)
que podem determinar a suspensão definitiva do ou cirurgia
uso. A AZA ou a 6-MP associadas a corticosteroides RCU em remissão
aumentam os riscos de infecções, especialmente a
Mesalazina oral/retal (400 a 800 mg/dia) ou
disseminação da citomegalovirose e estrongiloidíase.
Sulfassalazina oral (1 a 2 g/dia) ou
Podem ocorrer também quadros de herpes-zoster, Imunomodulador oral (50 mg/dia)
pneumonias, abscesso hepático e colite por citome-
galovírus (CMV). Tabela 10.18
Cirurgia eletiva
Os diversos estudos mostram que cerca de
25% dos portadores de RCU são operados em
decorrência de sintomas ou complicações da do-
Tratamento de manutenção ença. Mais de 90% dos pacientes que necessitam de
O arsenal terapêutico usado para manutenção cirurgia são operados em caráter eletivo.
da remissão na RCUI incluem: sulfassalazina, 5-ASA, A intratabilidade clínica é a principal indi-
imunossupressores como azatioprina/6-mercaptopu- cação e que deve ser compreendida como pacien-
rina e anti-TNF-α, em particular o infliximabe. tes que não tem controle clínico da sua doença e/
ou aqueles que tem controle mas às custas de ex-
cessivos efeitos colaterais a médio e longo prazo.
Câncer, displasia de alto grau, DALM (displasia
Cirurgia na RCUI associada a lesões e massas), retardo do crescimento,
manifestações extraintestinais intensas e estenose
endoscópica ou radiológica (estenoses ocorrem em 5
Cirurgia na urgência a 10% dos pacientes e 20 a 25% são de natureza ma-
ligna) são outras indicações de tratamento cirúrgico.
Corresponde a menos de 10% de todas as
cirurgias para RCU. Indicações: megacólon tóxico/ A via laparoscópica é a de eleição para ci-
colite fulminante; perfuração e hemorragia maciça rurgias eletivas, devendo-se respeitar o tempo
não controlável e obstrução por câncer. de treinamento e o volume de casos operados.
Os melhores resultados estão condicionados a essas
As medidas iniciais para megacólon tóxico/ prerogativas.
colite fulminante são de intensivismo acrescido de
O procedimento cirúrgico de eleição é a pro-
corticoide intravenoso e anti-TNF-α. Pacientes que
tocolectomia total com bolsa ileal e anastomose
deterioriam o quadro clínico ou aqueles que se man-
ileonal, que possibilita a preservação do trânsi-
tém com mais de 8 avacuações/dia e PCR > 45 mg/dL
to intestinal com o mecanismo esfincteriano. A
são altamente de risco para um desfecho cirúrgico.
mortalidade perioperatória varia de 0,2% a 1%.
Vale frisar que o principal determinante para o me-
lhor momento cirúrgico é a não resposta clínica às Atualmente, a proctocolectomia total com ile-
medidas agressivas. ostomia definitiva (no passado era a cirurgia padrão-
-ano) é uma opção apenas em condições específicas
A perfuração é consequência da colite ful-
que incluem:
minante e/ou megacólon tóxico. Independente de
ser livre ou bloqueada é uma complicação grave que 1. Lesão importante da musculatura esficteriana
requer indicação cirúrgica (taxa de mortalidade de 27 anorretal.
a 57% dos casos). 2. Câncer de reto distal.
11
Tiflite
“Dê-me uma alavanca bastante comprida e um ponto de apoio bastante forte, e sozinho moverei o mundo.”
– ARQUIMEDES.
Etiologia e patogenia
Sinonímia Estabelecido o fator predisponente, o processo
tem início como uma distensão do ceco (de causa des-
Síndrome ileocecal;
conhecida), que acarreta estase do conteúdo fecal e su-
Enterocolite neutropênica; percrescimento bacteriano, além de prejuízo do supri-
Colite necrosante. mento venoso intestinal, isquemia da mucosa e micro
113
11 Tiflite
12
Colite pseudomembranosa (CPM)
“Experiência não é o que acontece com um homem; é o que um homem faz com o que lhe acontece.”
– ALDOUS HUXLEY.
Uma terceira conduta usada por alguns labora- por si só muitas vezes resultam na resolução de sin-
tórios é fazer cultura de C. difficile ou testar o “antí- tomas em pacientes que não estejam gravemente en-
geno comum”, que é um marcador de C. difficile, como fermos. Quando há necessidade de antimicrobianos, o
exames de rastreamento e então testar a produção de único fármaco que se provou, de fato, ser eficaz em um
toxina nos que apresentarem resultado positivo. ensaio controlado com placebo é a vancomicina oral,
O estudo radiológico será necessário na suspeita 125 mg quatro vezes ao dia. A alternativa é metro-
de megacólon tóxico e a radiografia panorâmica do ab- nidazol (droga de escolha), que proporciona taxas de
dome é o exame mais indicado. resposta comparáveis às da vancomicina, é bem mais
barato e evita a preocupação com Enterococo resistente
A colonoscopia deve ser o primeiro exame quan-
a vancomicina. Uma conduta é usar vancomicina em
do os sintomas são mais graves, visto a necessidade
pacientes gravemente enfermos e substituir por me-
de definir o diagnóstico de forma mais precoce, antes
tronidazol se houver resposta tardia. A resposta es-
do resultado dos exames de fezes. Durante o procedi-
perada com esses fármacos é a rápida defervescên-
mento endoscópico, pode-se encontrar sinais de colite
cia com normalização gradual do hábito intestinal
não específica como edema, hiperemia, friabilidade e
em torno do quinto ao oitavo dia de tratamento. A
erosões, até a forma mais clássica da colite pseudo-
ausência de resposta muitas vezes significa que a do-
membranosa.
ença progrediu muito ou que uma outra afecção é res-
O Clostridium difficile produz uma enterotoxina, ponsável pelos sintomas.
já mencionada, que causa necrose focal do epitélio,
Cerca de 20% dos pacientes que recebem van-
juntamente a um exsudato inflamatório agudo. Na vi-
comicina ou metronidazol sofrem recidiva dos sin-
gência da formação de placas pseudomembrano-
tomas quando o tratamento é interrompido devido
sas na área da ulceração superficial, será usado
persistência de esporos de C. difficile ou aquisição
o termo colite pseudomembranosa, sendo esse de uma nova cepa.
distúrbio identificado pela presença de placas
branco amareladas nitidamente demarcadas e O tratamento com vancomicina ou metronidazol
elevadas que variam desde o diâmetro diminuto é então administrado novamente.
a alguns centímetros. A mucosa circundante pode Em pacientes não responsivos à introdução de
parecer normal ou edematosa, friável e coberta por antibioticoterapia específica, alguns autores preco-
exsudato mucopurulento, podendo sangrar quando nizam o uso de imunoglobulina endovenosa com re-
as placas são removidas. Nos casos graves, as placas sultados favoráveis. Deve-se atentar para que em pre-
coalescem e podem ser vistos edema, eritema e fria- sença de deficiência de IgA e alergia a componentes da
bilidade com hemorragia puntiforme. Raramente, há imunoglobulina, como a maltose, está contraindicada
desprendimento excessivo de mucosa necrótica. Em essa forma terapêutica.
geral, o envolvimento é distal ou do lado esquerdo,
Nas formas graves com colite fulminante que
podendo, no entanto, ser universal, especialmente se
não responde ao tratamento clínico, torna-se necessá-
as placas forem grandes. Em até 1/3 dos pacientes afe-
rio a discussão da indicação de colectomia total. Fique
tados, são encontradas alterações endoscópicas acima
atento, pois este tema é recorrente nas provas de RM.
da área retossigmoidiana, ou no cólon direito, incapa-
citando o diagnóstico pela retossigmoidoscopia.
Antibióticos para tratamento de colite
pseudomembranosa
Nome científico Posologia Duração
Tratamento Metronidazol 400 a 500 mg,
VO, de 8/8 horas
10 a 14 dias
13
Novas colites
Colite colagenosa
A colite colagenosa é uma síndrome clinicopato-
lógica caracterizada por diarreia aquosa crônica e dor
abdominal em cólica e histopatologia colorretal dife-
renciada que inclui uma banda colágena subepitelial,
inflamação crônica proeminente na lâmina própria
e maior número de linfócitos intraepiteliais. Con-
tudo, existem variáveis clínicas e endoscópicas.
Em 1976, Lindstrom, um patologista sueco, des-
creveu o primeiro caso. Ele cunhou a expressão colite
colagenosa por causa da semelhança histopatológica
com o espru colagenoso, no qual um depósito de colá-
geno é visto numa localização subepitelial semelhan-
te, porém na mucosa jejunal.
Histopatologia
Como o nome deixa entender, existem dois com-
ponentes histológicos principais na colite colageno-
sa: colite e maior deposição de colágeno. A colite consis- Figura 13.1 A: colite colagenosa. Os aspectos ca-
te de aumentos na inflamação tanto na lâmina própria racterísticos são uma camada colágena subepitelial
quanto dentro do epitélio. A lâmina própria é expandi- espessada, assim como colite com maior número de
da por uma mistura de células inflamatórias, incluindo
plasmócitos na lâmina própria e linfócitos intraepiteliais
plasmócitos, linfócitos e, em algum casos, uma maior
quantidade de eosinófilos e mastócitos. Os neutrófilos proeminentes. Observar também o epitélio superficial
são bastante raros nesse distúrbio, mas foram descritos lesado com acentuado achatamento. (Aumento de 300
em uns poucos casos, e sugeriu-se que representam um vezes.) B: colite linfocítica. Os elementos característicos
estágio precoce ou agudo de enfermidade. Às vezes, a abrangem linfócitos intraepiteliais destacados, altera-
maior inflamação da colite colagenosa é relativamente ções epiteliais reativas e maior número de células infla-
sutil (isto é, em comparação com a colite ulcerativa). matórias na lâmina própria (aumento de 300 vezes).
119
13 Novas colites
Outros distúrbios ligados à imunidade foram no- cerativa, porém não em outras formas de doença
tados nos pacientes com colite colagenosa. Um estudo intestinal inflamatória. Nenhuma elevação dos se-
relatou que 17% dos pacientes tinham doenças au- cretagogos séricos foi relatada nos pacientes com co-
toimunes coexistentes, que incluíram irite recidivan- lite colagenosa, exceto para o polipeptídio pancreático
te, síndrome de Sjögren, arterite de células gigantes, em um único paciente. Haplótipos HLA específicos
Miastenia gravis e tireoidite. não estiveram vinculados a colite colagenosa.
mas neutrófilos proeminentes no epitélio, o que se colagenosa e agentes anti-inflamatórios não esteroi-
manifesta como criptite, abscessos das criptas (RCUI), des, estes devem ser suspensos. Se for documentada
erosões e úlceras (DC). Ainda mais, é característica na esteatorreia, poderá ser útil uma dieta pobre em gor-
colite colagenosa a ausência de distorção das criptas, duras. Na presença de má absorção de sais biliares, as
um aspecto importante de colite ulcerativa e da doen- resinas fixadoras tipo colestiramina têm sido úteis.
ça de Crohn, talvez como resultado dos ataques neu- A literatura indica que o tratamento com agentes
trofílicos repetidos ao epitélio. Finalmente, a colite co- anti-inflamatórios é o esteio da terapia. O desapare-
lagenosa possui um padrão diferente na fibrose, com cimento da camada colágena subepitelial e a redução
uma faixa colágena subepitelial localizada, enquanto da diarreia foram relatados em pacientes tratados com
a colite ulcerativa e a doença de Crohn exibem uma prednisolona, sulfassalazina, ácido 5-aminossalicílico,
fibrose cicatricial da mucosa mais difusa, RCUI; ou metronidazol e mepacrina (um inibidor do metabolis-
transmural, DC. mo do ácido araquidônico).
O tratamento deve começar pela medicação me-
nos tóxica, com o acréscimo subsequente de agentes
Colite linfocítica mais agressivos ou uma combinação deles, se neces-
A doença mais semelhante à colite colagenosa é sário. Atualmente, um esquema terapêutico que se
a colite linfocítica. Esta, à semelhança da colagenosa, recomenda é o seguinte: eliminação dos medicamen-
manifesta-se com diarreia aquosa crônica de origem tos ou das substâncias dietéticas lesivas; agentes for-
desconhecida. As similitudes na biópsia entre as duas madores de massa fecal, colestiramina, ou medicações
entidades incluem um maior número de linfócitos antidiarreicas inespecíficas; sulfassalazina na posolo-
intraepiteliais, mais inflamação crônica da lâmina gia de 2 a 4 g/dia em doses divididas e nos pacientes
própria, distorção mínima ou nula das criptas e pou- refratários, prednisona, 30 e 40 mg/dia. Após dois a
quíssima infiltração neutrofílica. A principal diferen- quatro meses desta sua dose, deve ser reduzida pro-
ça histológica é a ausência na colite linfocítica de gressivamente.
faixa colágena subepitelial, que no entanto é uma
característica patognomônica da colite colagenosa.
Prognóstico e evolução
Doença celíaca clínica
A outra única doença com alguma semelhança A remissão espontânea da diarreia foi relatada
histológica com as colites colagenosa e linfocítica é a em alguns pacientes com colite colagenosa, enquan-
doença celíaca. Como elas a doença celíaca exibe uma to uma evolução flutuante dos sintomas foi observa-
extraordinária elevação dos linfócitos intraepiteliais. da em outros. Muitos se queixam de diarreia crônica
Além do mais o espru colagenoso, que é uma variante persistente por anos. A maioria consegue a resolução
da doença celíaca, possui uma faixa colágena subepi- dos sintomas com o tratamento, porém, e lamentavel-
telial pronunciada no intestino delgado. Apenas raros mente, uma recaída pode ocorrer quando as doses dos
pacientes foram relatados tanto com doença celíaca medicamentos são diminuídas.
quanto com colite colagenosa; a esmagadora maioria Assim sendo, muitos necessitam de um esquema
dos pacientes com colite colagenosa exibem resulta- clínico a longo prazo para permanecer assintomáticos.
dos normais nas biópsias do intestino delgado.
A despeito de a colite colagenosa ser um novo
tipo de doença intestinal inflamatória idiopática crô-
nica, trata-se de uma forma branda e relativamente
leve, se comparada com colite ulcerativa e doença de
Tratamento Crohn. Foi relatado apenas um caso com resultado fa-
Não existem grandes estudos acerca do tratamen- tal. Atualmente, a colite colagenosa não parece com-
to, da colite colagenosa. Conhecem-se relatos de casos portar um potencial maligno.
isolados e várias pequenas séries, porém nenhum en-
saio randômico que nos permita tirar conclusões váli-
das. Além de tudo a variabilidade da evolução clínica em
alguns pacientes também torna difícil a interpretação.
Colite linfocítica
Não obstante, vários fatores devem ser levados
em conta no tratamento dos pacientes com colite cola- A colite linfocítica possui características clínicas
genosa. Certos secretagogos, a exemplo dos alimentos semelhantes às da colagenosa. A diarreia aquosa crô-
que contêm cafeína ou lactose, devem ser eliminados nica é seu principal sintoma, com os pacientes infor-
da dieta. Por causa de uma possível relação entre colite mando cerca de cinco evacuações diárias que persisti-
ram por uma média de quase três anos. A maioria dos de desvio, porém, até 50% acabam relatando queixas.
indivíduos assinala também dor abdominal em cólica Os sintomas ocorrem tipicamente de três a 36 me-
leve, intermitente e difusa. Grande parte dos pacien- ses após a cirurgia para desvio, e a queixa mais co-
tes é de meia-idade (média de 53 anos), porém, em mum é a saída de secreção através do ânus ou de
contraste com a colite colagenosa, existe uma distri- uma fístula mucosa. Em geral a secreção é mucoide,
buição igual por sexo. mas pode ser sanguinolenta ou até mesmo purulenta.
Outras queixas assinaladas falam de dor abdominal ou
Os exames hematológicos de rotina costumam
pélvica, febrícula, tenesmo e fístula anal.
ser normais. Ocasionalmente, a velocidade de he-
mossedimentação está elevada e já foi observada uma O aspecto endoscópico do segmento desviado
ligeira eosinofilia em uns poucos pacientes. Alguns pode ser normal ou inflamado. Várias semanas após a
tiveram maiores títulos de anticorpos antinucleares cirurgia, ele pode se observar eritema, granularidade,
(FAN), de anticorpos para as células antiparietais e de friabilidade e, nos casos mais graves, sangramento es-
anticorpos antimicrossômicos. Os pacientes com co- pontâneo, exsudação e ulceração superficial. Com pe-
lite linfocítica exibem frequência maior de HLA Al e ríodos mais longos de desvio, é possível que apareçam
menor de HLA A3, em comparação com os controles, erosões aftosas, nodularidade, edema, pólipos infla-
enquanto as frequências de HLA na colite colagenosa matórios ou estreitamentos. As radiografias realçadas
não são diferentes daquelas dos controles. por contraste podem revelar achados semelhantes de
estreitamento e anormalidade mucosa.
Os achados histopatológicos na colite linfocítica
mostram um grande crescimento dos linfócitos intra-
epiteliais, dano do epitélio superficial e maior inflama-
ção crônica na lâmina própria. Observa-se um aumen-
to mínimo ou nulo dos neutrófilos, e a distorção das
Histopatologia
criptas costuma estar ausente. Ao contrário da colite As alterações histológicas mais comuns na colite
colagenosa, não existe uma faixa colágena subepi- por desvio são áreas esparsas de inflamação ativa com
telial na colite linfocítica. focos de criptite, abscessos das criptas, ou neutrófilos
nas lâmina própria. Com uma maior duração do des-
A experiência com o tratamento é limitada na
vio, podem ocorrer alterações ativas mais pronuncia-
colite linfocítica, porém os investigadores adotaram
das, inclusive o surgimento de erosão aftoide (erosão
os princípios terapêuticos esboçados para a colageno-
dos folículos linfoides) ou, raramente, úlceras francas.
sa. Em um estudo, o declínio da diarreia ocorreu na
Outras características histopatológicas observadas
maioria dos pacientes tratados com medicação anti-
foram hiperplasia linfoide, edema e plasmócitos em
-inflamatória (sulfassalazina ou prednisona).
grande quantidade na lâmina própria. A manutenção
da arquitetura normal das criptas é um aspecto relati-
vamente constante do desvio.
A diferenciação entre colite ulcerativa e por
Colite por desvio desvio em um paciente sem doença intestinal infla-
matória costuma ser simples (a colite por desvio não
A colite por desvio é um processo inflamatório provoca distorção das criptas, além de ser mais leve).
que surge nos segmentos do intestino grosso excluí- Pelo contrário, poderá ser problemático distinguir da
dos da corrente fecal. Isso ocorre habitualmente em doença de Crohn. Esses pacientes, se tiverem sido sub-
pacientes com ileostomia ou colostomia, quando foi metidos a um desvio, será impossível determinar qual
deixada uma fístula mucosa ou uma bolsa de Hart- é a contribuição dele para o processo inflamatório. Um
mann. A entidade é conhecida também como colite aspecto histológico compatível com colite por desvio,
por bypass, colite por exclusão e colite por desuso. em que o edema mucoso, a erosão superficial e a infil-
tração neutrofílica regridem com o tratamento, con-
A evidência histológica de colite por desvio exis-
firma o diagnóstico.
te em 50 a 100% dos pacientes após bypass, sendo re-
versível pela correção cirúrgica.
Patologia
Foram postuladas várias hipóteses acerca da cau-
Características clínicas sa da colite por desvio, entre elas a proliferação de uma
A maioria dos pacientes com desvio da corrente bactéria patogênica e o crescimento bacteriano exces-
fecal é assintomática, provavelmente porque quase to- sivo da flora colônica normal. A teoria mais concre-
dos são submetidos rapidamente a uma reanastomose ta é a ausência de ácidos graxos de cadeia curta na
do segmento contornado. Com o aumento do tempo luz do segmento desviado. Estes ácidos graxos fecais,
como acetato, propionato e butirato, são coprodutos solução de ácidos graxos de cadeia curta são instila-
do metabolismo bacteriano colônico de carboidratos e dos duas vezes no dia (através do ânus ou de abertura
fibras que não foram digeridos (encontrados normal- abdominal da fístula mucosa). Após a instilação, o pa-
mente na corrente fecal) e são usados pelos colonóci- ciente permanece na posição supina por 30 minutos.
tos como fonte de energia. Essencialmente na colite Após um mês de terapia, a frequência do tratamento
por desvio, as células epiteliais colorretais deixam de pode ser reduzida. A terapia de manutenção variou de
se nutrir daqueles ácidos, que são seu substrato meta- duas vezes por semana a uma vez por dia. A melhora é
bólico preferido. observada com duas semanas, e a cicatrização comple-
ta ocorre habitualmente após quatro a seis. A recaída
vem dentro de um mês após a parada da instalação de
ácidos graxos.
Tratamento Existem evidências de que a instilação de ácidos
Quando exequível, o tratamento de escolha da graxos de cadeia curta deve ser feita nos pacientes as-
colite por desvio é a reanastomose cirúrgica. A colite sintomáticos, na tentativa de prevenir o estreitamen-
terá desaparecido completamente em todos os pacien- to ou a probabilidade teórica de displasia colônica. A
tes após o restabelecimento da continuidade colônica. reanastomose dos segmentos desviados na doença
Se a cirurgia estiver contraindicada e o paciente intestinal inflamatória preexistente é uma decisão
apresenta-se com sintomas, estará aconselhada a te- mais difícil, pois a inflamação do segmento desviado
rapia tópica com ácidos graxos de cadeia curta. A so- poderia representar doença intestinal inflamatória ou
lução adotada por Harig e colaboradores é a seguinte: colite por desvio, com cada uma das condições ditan-
acetato de sódio a 60 mM, propionato de sódio a 30 do sequências de ação diferentes. Nos vários pacientes
mM, butirato de sódio a 40 mM e cloreto de sódio a com doença de Crohn preexistente, a reanastomose
22 mM (pH ajustado para 7). Inicialmente, 60 mL da exerce um efeito favorável.
14
Poliposes
Introdução
Pólipo é qualquer lesão que surja na superfície interna do trato gastrointestinal, projetando-se para a luz do
mesmo. A classificação do pólipo é realizada conforme a tabela abaixo:
Os pólipos podem ser pedunculados ou sésseis, solitários ou múltiplos, achados isolados ou parte de síndro-
mes hereditárias.
Podem assumir duas complicações básicas: possibilidade de sangramento (todos) e de malignização (prati-
camente exclusiva dos adenomas). Os pólipos pedunculados possuem um pedículo (região estreitada por onde
penetram nos vasos sanguíneos que nutre o pólipo) e uma cabeça (porção dilatada em cuja extremidade costuma
haver necrose por déficit de irrigação e sangramento).
125
14 Poliposes
Pólipos juvenis
São lesões relativamente raras, a maioria esporádica, predominando em pessoas com menos de 20 anos.
Mais frequentes no reto, são malformações hamartomatosas focais dos elementos da mucosa (a lâmina própria
constitui a maior parte do pólipo). Hamartomas são estruturas que resultam de crescimento celular focal exces-
sivo, composto por células maduras normais, que, apesar de serem idênticas às do tecido sadio, não reproduzem
a arquitetura normal dos tecidos vizinhos. Geralmente, são pedunculados e grandes (1 a 3 cm de diâmetro). São
constituídos por múltiplos cistos repletos de muco (glândulas abundantes cisticamente dilatas), com edema e
inflamação do estroma. Sua superfície pode ser congesta ou erodida.
Pólipos in昀氀amatórios
Típicos das doenças inflamatórias intestinais prolongadas (doença de Crohn e retocolite ulcerativa), essas
lesões são, na verdade, pseudopólipos, pois representam ilhas de mucosa inflamada em regeneração, circundadas
por áreas ulceradas.
região periampular, de ductos biliares, gástricos, no que podem aparecer em até 90% dos parentes de um
íleo (carcinoma e carcinoide), tireoide, suprarrenal e portador de PAF. Embora achados histopatológicos in-
sistema nervoso central. Como a doença não é confi- diquem que o termo “hamartomas do epitélio pigmen-
nada ao cólon e as MEC podem ser causa importante tar da retina” seja mais apropriado para designar essas
de morbimortalidade, torna-se importante diagnos- lesões, o termo CHRPE é o mais aceito e continua a
ticar, prevenir e tratar essas manifestações. ser usado. Alguns autores sugeriram que a existência
de quatro ou mais lesões CHRPE distribuídas em am-
bos os olhos seria um marcador fenotípico da polipose
Manifestações Incidência (%) que, quando diagnosticado em determinada família,
também seria encontrado em todos os pacientes do
Cistos epidermoides 50
mesmo grupo familiar. Desta forma, a CHRPE pode-
Osteomas 14-93 ria facilitar a detecção de mutações constitucionais do
Tumor desmoide 4–29 APC em parentes. A sensibilidade do CHRPE em pa-
Tumor de intestino delgado raro cientes com PAF é de cerca de 70%, com valor prediti-
CHRPE 58-92 vo positivo de cerca de 92%. Ressaltaram, porém, que
Tumor hepatobiliar <1 a ausência de lesões na retina não elimina a necessida-
Tumor do SNC raro de de seguimento adequado de indivíduos com risco.
Risco em mulheres 20-
Tumor de tireoide 160 vezes > população
Síndromes relacionadas à polipose
geral
adenomatosa familiar
Polipose de glândulas fún- 23-56
dicas Gene e Tumores
Síndrome
mecanismo associados
Pólipos hiperplásicos 8-44
APC Desmoides, periam-
Adenoma gástrico 2-13
PAF e pular, duodenal,
Carcinoma gástrico <1 Autossômico
Gardner gástrico, intestino
Adenoma duodenal 24-100 dominante delgado
Carcinoma duodenal Desconhecido 50-300 ve- APC
zes > população geral PAF
Autossômico Mesmo da PAF
Tabela 14.6 Incidência das manifestações extracolô- atenuada
dominante
nicas da polipose adenomatosa familiar reportadas na
APC e genes de
literatura.
reparo do DNA
Turcot Cérebro
Autossômico
recessivo
Manifestações extracolônicas (MEC) Tabela 14.7 PAF: polipose adenomatosa familiar;
A PAF constitui síndrome genética de caráter APC: adenomatous polyposis coli.
dominante, caracterizada por maior predisposição
em desenvolver CCR e outras lesões extracolônicas.
Está associada a mutações germinativas no gene APC Tumores desmoides (TD) e lesões da retina
que codifica uma proteína com 2.843 aminoácidos, (CHRPE) segregam-se independentemente de ou-
com funções na regulação do crescimento e prolifera- tras MEC. Em pacientes com PAF, as principais causas
ção celular, gerando assim o desenvolvimento de le- de mortalidade são os TD, as neoplasias colorretais e pe-
sões benignas e malignas em diferentes órgãos. riampulares. Apesar de histologicamente benignos (le-
A PAF e a síndrome de Gardner se originam de sões fibromatosas), os TD podem exibir comportamento
mutações no mesmo gene, sem alteração na localiza- biológico agressivo, com invasão local, mas não metas-
ção ou natureza das mutações, mas com expressões tatizam. Formam tumores encapsulados, de crescimento
fenotípicas variáveis. A associação de polipose com lento, podendo surgir no mesentério, parede abdominal,
tumores do sistema nervoso central é conhecida como incisões, retroperitônio, virilha e nádegas; eventualmen-
síndrome de Turcot. Nesta síndrome, descreveram- te regridem espontaneamente e podem ser multifocais.
-se mutações no gene APC (dando origem a tumores Quando pequenos, os TD podem ser assintomáti-
do tipo meduloblastoma e astrocitoma) e nos genes de cos. À medida que crescem, podem determinar sintomas
reparo associados ao HNPCC (dando origem a glioblas- relacionados a complicações como compressão ureteral,
tomas). Aproximadamente 96% das mutações na PAF obstrução intestinal, infiltração de outros órgãos, fístulas
determinam a formação de uma proteína truncada, e oclusão vascular. Morte sobrevém em média seis anos
que é determinada pela realização do teste de proteína após o diagnóstico, principalmente se estiver localizado
truncada ou IVSP (In Vitro Synthesizedprotein Assay). no mesentério e retroperitônio. Embora a manipulação
As MEC mais comumente diagnosticadas são cirúrgica mínima possa determinar menos complicações
as lesões da retina, originalmente interpretadas e menor risco de desmoides, a prevalência desses tumo-
como congênitas (hipertrofia congênita do epitélio res não é maior em pacientes submetidos a bolsa ileal,
pigmentar da retina, cuja sigla em inglês é CHRPE), em comparação a outros procedimentos.
As opções para tratamento incluem cirurgia, ra- no risco de cânceres extraintestinais – essas neopla-
dioterapia (questionada) e quimioterapia com drogas sias (como os carcinomas de pâncreas, mama, ovário e
citotóxicas e não citotóxicas. A ressecção cirúrgica útero) chegam a acometer até 50% dos indivíduos por-
completa é raramente possível em TD mesentéricos tadores dessa síndrome. Um aumento no risco de ade-
devido à extensão da ressecção e ao alto risco de re- nocarcinoma de delgado e de câncer colorretal tam-
cidiva. Dessa maneira, a cirurgia deve ser reservada bém é evidenciado nesses pacientes (podem surgir
para alívio da obstrução, preferindo-se procedimentos focos adenomatosos nos hamartomas da síndrome).
de bypass aos de ressecção. A Cronkhite-Canadá é uma polipose hamarto-
O carcinoma periampular é a forma mais co- matosa gastrointestinal difusa, associada a hiperpig-
mum de câncer extracolônico, com risco em vida mentação cutânea, alopécia, distrofia do leito ungueal.
estimado em 10 a 12% e é responsável por grande A doença de Cowden (DC) caracteriza-se por
número de mortes por câncer pós-colectomia total. múltiplos hamartomas de origem endo, ecto e meso-
Estima-se que o risco de carcinoma da tireoide dérmica; descrita primeiramente por Lloyd e Dennis
associado à PAF seja 100 a 160 vezes superior ao da em 1963 tem até hoje cerca de 150 casos relatados. Sua
população geral. tríade dermatológica clássica compõe-se de tricole-
momas faciais múltiplos, fibromas orais e queratoses
Os osteomas foram primeiramente descritos
acrais benignas. Afeta múltiplos órgãos e é associada a
por Gardner e Richards, em 1953. Podem ocorrer em
vários graus de degeneração maligna das mamas, tireoi-
qualquer osso, embora sejam mais comuns na face
de e cólon, entre outros. É de transmissão autossômi-
(particularmente no ângulo da mandíbula) e me-
ca dominante. O gene de suscetibilidade para a DC foi
nos frequentes em ossos frontais e occipitais. São
designado PTEN (Phosphatase and Tensin Homologue
tumores benignos, embora possam causar sintomas Deleted on Chromosome 10) por Li e colegas em 1997,
por crescimento local. Já foram descritos dois casos sendo esse um gene de supressão tumoral. Mutações
de sarcoma osteogênico. Ocasionalmente aparecem nesse gene localizado no cromossoma 10 estão associa-
antes do diagnóstico da polipose, podendo sugerir a das tanto à DC como à síndrome Bannayan-Riley-
herança do gene em descendentes de indivíduos afeta- -Ruvalcaba. As lesões mucocutâneas são as mais re-
dos. A incidência relatada (14 a 93%) é bastante vari- presentativas da doença e consistem de:
ável, refletindo diferenças na assiduidade com que se
procura tais lesões, na interpretação das radiografias e pápulas liquenoides achatadas da cor da pele
na idade em que são pesquisadas. normal de distribuição centrofacial com tendên-
cia ao agrupamento ao redor dos olhos, do nariz
e da boca. Podem ser encontradas no pescoço.
Não são encontradas no restante do corpo;
Poliposes Hamartomatosas lesões verrucosas papilomatosas filiformes que
tendem a se agrupar ao redor de ouvidos, olhos,
Familiares (PHF) nariz e boca;
Encerram um grupo de doenças autossômicas pápulas achatadas hiperqueratósicas semelhan-
dominantes caracterizadas pelo desenvolvimento de tes a verrugas planas no dorso das mãos e pu-
pólipos hamartomatosos ao longo do trato gastroin- nhos, que não aparecem no dorso dos pés;
testinal. A hematoquezia e a anemia ferropriva são queratoses translucentes nas palmas, plantas e
complicações típicas. face lateral de mãos e pés, que lembram as que-
Polipose juvenil familiar caracteriza-se pelo ratoses arsenicais;
aparecimento de dez ou mais pólipos hamartomato- lipomas múltiplos;
sos (juvenis), predominando no cólon. Costuma se
manifestar entre 4 e 14 anos de idade. Alguns pólipos angiomas cutâneos;
adquirem focos adenomatosos, apesar da natureza lesões papulosas no palato e nas gengivas, de di-
hamartomatosa das lesões. A síndrome de Cowden âmetro variando de 1 a 3 mm, com tendência a
é uma polipose juvenil familiar associada a pólipos coalescer, e aspecto de paralelepípedo;
hamartomatosos em pele e mucosas, além de outros lesões papilomatosas e verrucoides na mucosa
tumores faciais, orais e hiperqueratose palmoplantar. bucal, orofaringe e laringe;
Na síndrome de Peutz-Jeghers, numerosos póli- língua escrotal.
pos dispõem-se ao longo de todo o trato gastrointesti-
nal associados a machas melanóticas na pele e mucosas. Quanto ao acometimento extracutâneo, a ti-
Os hamartomas dessa síndrome diferem dos pólipos ju- reoide é o órgão mais afetado (60%), sendo o adeno-
venis por possuírem tecido muscular liso, em continui- ma de tireoide o tumor mais comum encontrado na
dade com a muscular da mucosa, envolvendo o tecido síndrome. As alterações extracutâneas envolvem, além
glandular – são os pólipos de Peutz-Jeghers (raramente, da tireoide (adenoma, carcinoma), mamas (doença fi-
esses pólipos podem ser encontrados de forma isolada e brocística, carcinoma), trato gastrointestinal (polipose,
sem os demais componentes da síndrome). Os pólipos diverticulose), ovários (cistos e tumores). Podem ser
costumam predominar no intestino delgado, podendo encontrados hidrocele, cisto tireoglosso, dedos supra-
levar a uma intussuscepção. Há também um aumento numerários, ganglioneuroma da mão, meningioma do
Figura 14.6 A e B: síndrome de Peutz-Jeghers: poli- Figura 14.7 Síndrome de Cronkhite – Canadá. A: oni-
pose hamartomatosa e manchas melânicas na cavidade cólise. B: alopecia. C: pólipos hamartomatosos. D: hi-
oral, palma das mãos e planta dos pés. perpigmentação cutânea.
Síndrome de Lynch 1. Colonoscopia 1. A cada 1-2 anos com início aos 20-25 anos
(CCNPH) 2. Citologia de urina 2. Anualmente
3. Ultrassom transvaginal ± biópsia do 3. Anualmente, com início entre 30-35 anos
endométrio
Polipose adenomatosa 1. Sigmoidoscopia ou colonoscopia até os 1. Anualmente, com início aos 10-12 anos
familiar (PAF) pólipos serem muitos numerosos para re-
moção, então colectomia cirúrgica
2. Endoscopia alta 2. A cada 1-3 anos, dependendo da carga de
pólipos, com início quando desenvolver pólipos
3. Ultrassom da tireoide no cólon
3. A cada 1-3 anos
Síndrome de 1. Endoscopia alta 1. A cada 2-3 anos, com início aos 8 anos
Peutz-Jeghers (SPJ) 2. Imagem do intestino delgado (endos- 2. A cada 2-3 anos, com início aos 8 anos
copia por cápsula, TC ou enterografia por
RM ou estudo de bário)
3. Colonoscopia 3. A cada 2-3 anos, com início aos 18 anos
4. Imagem do pâncreas (ultrassom endos- 4. A cada 1-2 anos, com início aos 30-35 anos
cópico vs. RM/ CPRM com contraste de
secretina) 5. Anualmente, com início aos 25 anos
5. Mamografia ou ressonância magnética (mulheres)
de mamas
6. Ultrassom transvaginal e CA-125 6. Anualmente, com início aos 25 anos
7. Ultrassom testicular (mulheres)
7. A cada 2 anos até os 12 anos de idade (ho-
mens)
Polipose juvenil 1. Colonoscopia 1. A cada 3 anos com início na puberdade, en-
tão anualmente após o desenvolvimento dos
2. Endoscopia alta pólipos
2. A cada 1-3 anos após o desenvolvimento
dos pólipos
Síndrome de Cowden 1. Colonoscopia 1. Considerar exame de base entre 35 e 50
anos, com intervalos dependendo da carga do
2. Ultrassom da tireoide pólipo
3. Mamografia ± ressonância magnética 2. Anualmente a partir de 18 anos de idade
das mamas 3. Anualmente para as mulheres começando
na idade de 30-35 anos
4. Ultrassom transvaginal
5. Exame de urina 4. Anualmente nas mulheres pós-menopausa
5. Considerar anualmente
Câncer gástrico hereditá- 1. A endoscopia digestiva alta, a partir de 1. Evidências sugerem que a endoscopia tem
rio difuso adolescentes, até gastrectomia profilática pouca sensibilidade, gastrectomia favorecida
após os 30 anos
2. Mamografia ± ressonância magnética 2. Anualmente a partir de 25 anos de idade
de mama
Câncer de 1. Diversos: ultrassonografia endoscó- 1. A determinar
pâncreas familiar pica, tomografia computadorizada ou
ressonância magnética podem ser consi-
deradas
Tabela 14.9 TC, tomografia computadorizada; CCNPH, câncer colorretal não polipose hereditário; CPRM, colan-
giopancreatografia por ressonância magnética; RM, ressonância magnética.
Figura 14.8 Na região centrofacial, discretas lesões Figura 14.9 A: língua plicata e lesões papulosas na
papulosas cor da pele. gengiva. B: hiperceratose puntata plantar.
15
Câncer colorretal (CC)
“Se você pode amar o bastante, poderia se tornar a pessoa mais poderosa do mundo”
– EMMET FOX.
Tabela 15.2 (*)A partir dos 50 anos com pico na 7ª década. (**) Obesidade.
Outros fatores de risco devem ser lembrados como a ureterossigmoidoscopia, obesidade e resistência insu-
línica. Por outro lado são fatores de proteção: dieta rica em fibras vegetais, selênio, vitaminas C e E, betacaroteno
e AINH e terapia de reposição hormonal.
Figura 15.1 Sequência adenoma-carcinoma. A e D: focos de displasia; B e E: pólipo adenomatoso; F e C: carcinoma invasivo.
Critérios clínicos para o câncer colorretal e mutação do gene K-ras em algumas dessas lesões. As
hereditário não polipoide (CCNPH) poucas evidências disponíveis até o momento indicam
que FCA representam se não a lesão precursora do CCR,
Critérios de Amsterdã (1991)
a mais precoce detectada.
Pelo menos três parentes com câncer de cólon e todos os seguintes:
Uma das pessoas afetadas é um parente em primeiro grau das O adenocarcinomas mais frequentes são
outras duas pessoas afetadas únicos; os múltiplos ou sincrônios ocorrem em 3
Duas gerações sucessivas afetadas a 10% dos casos. Podem estar próximos um do outro
Pelo menos um caso de câncer de cólon diagnosticado antes dos ou distantes; podem ter o mesmo tamanho, parecen-
50 anos do ter crescimento simultâneo, enquanto, em outros,
Exclusão de polipose adenomatosa familial
apresentam tamanhos diferentes, sendo um de cresci-
Critérios de Amsterdã modificados (1998) mento mais recente do que o outro.
Mesmos critérios de Amsterdã, exceto que o câncer deve ser as-
sociado com CCNPH (cólon, endométrio, intestino delgado, ure-
ter e pelve renal) em vez de especificamente câncer de cólon
Critérios de Bethesda (2003)
Um dos seguintes critérios deve ser encontrado:
Câncer colorretal diagnosticado antes dos 50 anos de idade
Tumores colorretais sincrônicos ou metacrônicos e outros
relacionados com o CCNPH (inclui estômago, bexiga, ureter,
pelve renal, trato biliar, cerébro [glioblastomal], adenomas de
glândulas sebáceas, ceratoacantomas e carcinomas de intesti
no delgado), sem considerar a idade
Câncer colorretal com elevada instabilidade de microssatéli-
tes diagnosticado antes dos 60 anos
História familiar de um ou mais parentes de primeiro grau Figura 15.2 Peça de adenocarcinoma do cólon sin-
com câncer colorretal ou outros tumores relacionados com
CCNPH. Um dos diagnósticos sendo feito antes dos 50 anos
crônico no mesmo segmento.
(inclui adenomas que podem ter sido diagnosticados antes
dos 40 anos de idade)
Câncer colorretal com dois ou mais parentes com câncer co- Carcinoma in situ refere-se a qualquer lesão com
lorretal ou outros tumores relacionados com CCNPH, sem células malignas contidas exclusivamente acima da
considerar a idade muscular da mucosa. Nomenclaturas utilizadas para essa
Tabela 15.3 lesão incluem “displasia mucosa grave”, “displasia grave”
e “carcinoma superficial”. Carcinoma intraepitelial refere-
-se a uma lesão na qual as células apresentam evidência
citológica de malignidade e estão restritas às criptas de
Lieberkuhn e, portanto, não ultrapassaram a membrana
Em 1985, Haggit e colaboradores propuseram uma classificação para pólipos contendo câncer de acordo
com a profundidade da invasão conforme segue:
Nível 0: carcinoma não invade a muscular da mucosa (o carcinoma in situ ou carcinoma intramural).
Nível 1: carcinoma invade através da muscular da mucosa para dentro da submucosa, mas é limitada à ca-
beça do pólipo.
Nível 2: carcinoma invade o nível do colo do pólipo (junção entre a cabeça e a haste).
Nível 3: carcinoma invade qualquer parte da haste.
Nível 4: carcinoma invade para dentro da submucosa da parede do intestino abaixo da haste do pólipo, mas
acima da muscular própria.
Por definição, todos os pólipos sésseis com carcinoma invasivo são nível 4 pelos critérios de Haggit.
A fim de avaliar o grau de malignidade do tumor e obter dados para estabelecer o prognóstico, procurou-
-se classificar os tumores quanto ao grau de diferenciação de suas células. A classificação histopatológica foi
idealizada por Broders et al., que classifica os tumores malignos do cólon e do reto, baseando-se no grau de
diferenciação de suas células e no conhecimento de que o tumor é tanto mais maligno quanto maior
sua indiferenciação celular.
Quatro são os grupos propostos por esses autores:
– Grupo I: tumores constituídos de 75% de células diferenciadas e somente 25% de indiferenciadas.
– Grupo II: tumores constituídos de 50% de células diferenciadas e 50% de indiferenciadas.
– Grupo III: tumores que apresentam até 75% de suas células indiferenciadas e 25% de diferenciadas.
– Grupo IV: tumores que apresentam mais de 75% de células indiferenciadas.
Patogenia
O crescimento dos CCR é de forma circunferencial, podendo envolver completamente a luz intestinal e ori-
ginar, como consequência, quadros oclusivos. Essa situação é mais evidente no cólon esquerdo (lesão em anel de
guardanapo), que apresenta menor calibre que o direito e, habitualmente, é necessário cerca de um ano para a lesão
ocupar três quartos da circunferência intestinal. Ocorre também uma infiltração da submucosa com invasão da
cadeia linfática intramural. A extensão radial da lesão também infiltra outras camadas da parede intestinal, poden-
do, por contiguidade, atingir outras estruturas vizinhas.
O tumor poderá infiltrar também os vasos colônicos e, pela veia porta, conduzir células neoplásicas que
desenvolverão metástases hepáticas. Através das veias lombares e vertebrais, levam a focos metastáticos nos pul-
mões e no cérebro. O câncer retal é disseminado pelas veias hipogástricas. A invasão venosa está presente
em até 50% dos casos, mesmo não produzindo metástases a distância.
A manipulação cirúrgica do tumor deve ser extremamente cuidadosa, no sentido de evitar a liberação de
metástases hematogênicas. A disseminação mais frequente dos CCR é por meio do comprometimento linfonodal,
(disseminação linfática), sendo a disseminação longitudinal pela cadeia linfática extramural um importante me-
canismo desse processo. Assim, nos procedimentos cirúrgicos, é necessária a complementação com remoção dos
linfonodos comprometidos, o que é encontrado em cerca de 50% dos casos.
Em algumas situações, células neoplásicas extravasam da luz intestinal para a cavidade peritoneal, produ-
zindo implantes locais ou, então, carcinomatose abdominal generalizada.
Células tumorais poderão ser liberadas e levadas pela corrente fecal para serem implantadas, a distância, em
mucosa normal. Esse tipo de situação é de ocorrência rara, e grande parte das recidivas nas anastomoses é causa-
da por células provenientes de fora da parede intestinal, principalmente de linfáticos do mesocólon.
Com base na fisiopatologia do processo tumoral, procurou-se estabelecer o estadiamento da doença para
que fosse possível não só avaliar a perspectiva de sobrevida do paciente, mas também a necessidade de uma tera-
pia adjuvante.
A classificação de Dukes, proposta em 1932 e posteriormente modificada por Astler-Coller com a inclusão
de subgrupos, é utilizada de forma universal (veja página 113). Porém, atualmente, a classificação TNM passou a
ser mais utilizada, pois permite melhor estadiamento do processo.
Figura 15.4 Cascata das metástases. A metástase é um processo de múltiplas etapas. Para as células tumorais
poderem formar focos metastáticos em locais distantes, deverão ser capazes de completar todos os estágios desse
processo complexo.
Quadro clínico
É importante a tomada da história clínica, com
judiciosa avaliação de todos os sintomas, tais como:
alteração do hábito intestinal com mudança das carac-
terísticas do bolo fecal, presença de sangue e/ou muco
nas fezes, dor abdominal precedendo evacuação e sin-
tomas gerais, como astenia, anemia e emagrecimento.
Os sintomas dos CCR estão na dependência da
localização anatômica da lesão, seu tipo e extensão e
eventual presença de complicações, como perfuração,
obstrução e hemorragias.
O tempo médio para o diagnóstico dos CCR, a
partir dos sintomas relatados, é de sete a nove me- Figura 15.5 Localização do câncer colorretal.
ses. A responsabilidade desse tempo prolongado é dos
pacientes, que minimizam os sintomas e protelam a
procura ao médico, ou, então, do próprio médico que
não valoriza as queixas relatadas.
No cólon direito, que apresenta maior calibre, Exame físico
paredes finas e distensíveis, com conteúdo fecal líqui-
do, a presença de neoplasia se manifesta mais tar- O exame físico é importante para avaliar o local e a
diamente, e as lesões atingem grandes volumes antes extensão da doença, ou então detectar metástases a dis-
de serem diagnosticadas. Os pacientes apresentam tância e/ou comprometimento de outros órgãos ou siste-
queixas vagas de astenia, debilidade física e anemia, mas que, inclusive, poderão influenciar no tratamento.
com sensação de desconforto no abdome direito. A A palpação da região inguinal e supraclavicular
presença de anemia hipocrômica microcítica é si- é importante para a verificação de nódulos metastá-
nal importante na pesquisa da neoplasia de cólon ticos. O exame do abdome poderá revelar presença de
direito. Geralmente, não ocorre alteração do hábito massa, hepatomegalia ou circulação colateral em pare-
intestinal e, em cerca de 10% dos casos, a primeira evi- de, indicando obstrução portal.
dência é de massa palpável na região, observada pelo
paciente ou pelo médico. Quando o ritmo intestinal se O câncer retal poderá ser identificado através do
modifica, a diarreia é a queixa mais comum. toque digital, não somente pela percepção da massa
tumoral, mas também pela presença de sangue na luva
No cólon esquerdo, o calibre da luz intestinal é
do exame. A avaliação ginecológica poderá detectar
menor e o conteúdo fecal é formado por material se-
comprometimento regional e, também, permitir pal-
missólido. Assim, o crescimento das neoplasias nes-
par gânglios retrorretais.
sa região, com oclusão progressiva do lúmen, leva a
alterações mais precoces da evacuação. Essa situação O toque digital do reto permite não apenas a
poderá evoluir para uma obstrução parcial ou completa identificação da lesão, determinação de sua distância
do local. A presença de sangue nas fezes é frequente, da borda anal bem como da superfície retal mais aco-
porém não sob a forma de perdas maiores, geralmente metida, mas também possibilita avaliar a mobilidade
de coloração escurecida e associada com muco. da lesão e dessa forma o grau de penetração do tumor
No câncer retal, o sintoma mais frequente é na parede intestinal com acurácia que pode atingir
a perda de sangue claro, juntamente com as fezes, mais de 80%. Através do toque também deve-se pro-
associada ou não à presença de muco. Outra mani- ceder à avaliação da invasão do aparelho esfinctérico
festação relatada com frequência é a sensação de eva- (anel anorretal) o que fornece a mais importante im-
cuação incompleta e “puxos” no canal retal, indepen- pressão no pré-operatório acerca da possibilidade de
dentemente da movimentação intestinal. preservação esfinctérica bem como avaliar o grau de
infiltração do septo retovaginal em mulheres.
Outra finalidade crucial do toque digital do reto
Distribuição do câncer colorretal é inferir sobre a função esfinctérica. Associado à ana-
Retossigmoide 30% mnese e à eletromanometria anorretal, o toque digital do
Sigmoide 25% reto permite avaliar o tônus de repouso do canal anal e a
Descendente 5% resposta à solicitação de contração esfinctérica. Pacientes
Transverso 15% com grau importante de comprometimento da função
Ceco-ascendente 25% esfinctérica são maus candidatos às operações de preser-
Tabela 15.4 vação esfinctérica (retossigmoidectomias).
Após a realização do toque digital, com o auxílio ditivo positivo do guaiaco foi de 12% contra 60% para
de um retoscópio rígido, é possível determinar com imunoquímica. Isso mostra a importância do exame
bastante acurácia a distância da borda anal bem como fecal específico, para hemoglobina humana, na detec-
determinar o aspecto endoscópico da lesão (se ulcera- ção precoce de adenomas e neoplasias do cólon.
da, polipoide ou infiltrativa) e se permite a passagem
do aparelho ou não (tumor obstrutivo). A retossigmoi-
doscopia flexível tem as vantagens de ser mais confor-
tável ao paciente e ao examinador bem como permite Teste DNA fecal
documentar o aspecto endoscópico da lesão. O exame de DNA nas fezes é baseado no conceito da
progressão adenoma para carcinoma e de que o desenvol-
vimento do CCR é o resultado do acúmulo de alterações
Formas clínicas de apresentação dos genéticas envolvendo os genes supressores tumorais (por
tumores de cólon e reto exemplo, APC e p53), os oncogenes (p. ex., K-ras) e os ge-
Manifestam-se igualmente em nes de reparação do DNA (por exemplo, hMLH1, hMSH2).
Sintomas gerais
todas as localizações A pesquisa dessas alterações é realizada nas células tumo-
Mais frequente nos tumores do rais que descamam para a luz intestinal e são obtidas nas
Forma anêmica
cólon direito fezes. Estudos iniciais procuram determinar um painel de
Mais frequente do lado esquerdo e avaliação dessas mutações (por exemplo, K-ras, APC, p53)
Forma hemorrá-
manifesta-se de forma aguda com que apresente boa acurácia no diagnóstico dos CCR.
gica
enterorragia
Mais frequente nos tumores do
Forma oclusiva
lado esquerdo
Forma tumoral*
Mais frequente nos tumores do Marcadores tumorais
lado direito
Os marcadores tumorais mais utilizados são:
Característica dos tumores do lado
Forma dispéptica CEA (proteína oncofetal) e o CA 19.9. A principal utili-
direito
dade do CEA tem sido no segmento de pacientes após
Tabela 15.5* Possibilidade de palpar massa tumoral
ressecções de câncer colorretal. A maioria dos carcino-
ao exame físico.
mas precoces está associada a níveis normais de CEA.
Ultrassonogra昀椀a endorretal
Com o advento da ultrassonografia endorretal Papel da videolaparoscopia diag-
(USER), a definição detalhada das camadas da parede
retal assim como dos tecidos circunjacentes (ressal-
nóstica no estadiamento
tem-se aqui os linfonodos) foi possibilitada de forma A vídeolaparoscopia diagnóstica não repre-
que a USER tornou-se a ferramenta ideal para o senta um procedimento de rotina a ser realizado
estadiamento do grau de infiltração do tumor em pacientes com CCR. No entanto, trata-se de
Figura 15.11 Colonoscopia evidenciando carcinoma Figura 15.13 A: carcinoma infiltrativo de ceco. B: clis-
de ceco com aspecto polipoide. ter opaco com lesão infiltrativa de ceco.
Estadiamento
O câncer pode ser classificado segundo a International Union Against Cancer (UICC) – tumor-node-metasta-
sis, TNM – ou pela classificação de Dukes ou Astler Coller.
Os procedimentos para avaliação das categorias T, N e M são os seguintes:
Categorias T – Exame físico, diagnóstico por imagem, endoscopia e/ou exploração cirúrgica.
Categorias N – Exame físico, diagnóstico por imagem e/ou exploração cirúrgica.
Categorias M – Exame físico, diagnóstico por imagem e/ou exploração cirúrgica.
Para cada localização específica, um diferente grupamento linfonodal terá sua própria expressão prognósti-
ca, conforme a seguir:
Apêdice: ileocólico
Ceco: ileocólico, cólico direito.
Cólon ascendente: ileocólico, cólico direito, cólico médio.
Ângulo hepático: cólicos médios, cólicos direitos.
Cólon transverso: cólico direito, cólico médio, cólico esquerdo, mesentérico inferior.
Ângulo esplênico: cólico médio, cólico esquerdo, mesentérico inferior.
Cólon descendente: cólico esquerdo, mesentérico inferior.
Cólon sigmoide: cólico esquerdo, retal superior (hemorroidal), mesentérico inferior e retossigmoide.
Pro昀椀laxia de
Estadiamento patológico de Dukes tromboembolismo
do câncer colorretal
A recomendação é formal. O uso de heparina não
A: lesões limitadas à mucosa, linfonodos negativos fracionada, heparina de baixo peso molecular e com-
pressão intermitente da panturilha são eficazes em
B1: extensão através da mucosa, mas dentro da pare- reduzir a incidência dos fenômenos tromboembólicos.
de intestinal, linfonodos negativos
Tratamento adjuvante
Pacientes com tumor estágio III, correspondem
ao grupo para o qual há claro benefício do tratamento
quimioterápico.
Quimioterapia adjuvante: esquemas sugeridos
Ox 85 mg/m2 EV em 2 h no D1; AF
400 mg/m2 EV em 2 h no D1; 5 FU
FOLFOX6 400 mg/m2 EV bolus no D1; seguido
de 5 FU 2.400 mg/m2 IC por 46 h, a
cada 2 semanas, por 12 ciclos
Ox 130 mg/m2 EV em 2 h no D1; Ca-
XELOX pecitabina 2.000 mg/m2/dia VO D1- Figura 15.14 Anatomia do cólon e reto e irrigação do
D14 a cada 3 semanas por 8 ciclos cólon. MAS: artéria mesentérica superior; AMI: artéria me-
Semanas 1, 3 e 5: Ox 85 mg/m2 EV em sentérica inferior; AIC: artéria ileocólica; ACD: artéria cólica
2 h; Semanas 1-6: 5 FU 500 mg/m2 direita; ACM: artéria cólica média; ACE: artéria cólica esquer-
FLOX3
EV bolus com AF 500 mg/m2; repetir da; AS: artéria sigmoidea; ARS: artéria retal superior.
a cada 8 semanas, por 3 ciclos
5 FU 500 mg/m2 EV bolus; AF 500
Roswell Park3 mg/m2, repetir a cada 8 semanas,
por 3 ciclos
AF 400 mg/m2 EV em 2 h no D1; 5 FU
400 mg/m2 EV bolus no D1; seguido
LV5FU2
de 5 FU 2.400 mg/m2 IC por 46 h, a
cada 2 semanas, por 12 ciclos
5 FU 370 mg/m2 EV; AF 50 mg (dose
QUASAR
fica) IV; semana por 30 semanas
Capecitabina 200 mg VO/dia D1-
Capecitabina
14, a cada 3 semanas, por 8 ciclos
1
Esquemas com oxaliplatina: preferencialmente pa-
cientes estágio III e até 75 anos.
2
Doses de AF para forma d-leucovorin.
3
Opcionalmente, reduzir dose de AF para 20 mg/m2.
Ox: oxaliplatina; AF: ácido folínico; 5 FU: flurouracil.
Tabela 15.9 Figura 15.15 Ressecções para câncer de cólon e reto.
A: colectomia direita; B: colectomia direita ampliada; C:
Ao contrário do benefício estabelecido em pa- transversectomia; D: colectomia esquerda; E: sigmoidec-
cientes com estágio III, o tratamento de pacientes tomia; F: retossigmoidectomia; G: anastomose coloanal
em estágio II é controverso. Um grupo de alto risco (direta, com reservatório em J); H: amputação de reto. Um
foi reconhecido para o qual a quimioterapia adju- mínimo de doze (12) amostras de linfonodos é considerado
vante é benéfica. necessário para definir com precisão o estágio do tumor.
tumor
de ceco
tumor do
cólon
descendente
tumor do
Figura 15.20 Amplitude de ressecção para tumor
cólon transverso do cólon descendente. Colectomia esquerda con-
vencional com ligadura de artéria mesentérica inferior.
Anastomose colorretal alta.
tumor do
Figura 15.18 Esquema mostrando os limites da res- sigmoide
secção para tumor do cólon transverso. O suprimento
sanguíneo dessa região deriva da artéria cólica média e
dos vasos cólicos direito e esquerdo. A flexura esplênica
tem maior risco de comprometimento da vascularização, Figura 15.21 Amplitude de ressecção para tumo-
em decorrência de seu arco vascular ser mais tênue e res de sigmoide. A mobilização do ângulo esplênico fa-
com maior comprimento, dificultando a irrigação (ver o cilita a realização da anastomose do cólon descendente
artigo). A localização da lesão indica disseminação para do reto. A ligadura da artéria mesentérica inferior na
os linfáticos regionais da cólica média, cólica direita e ra- origem em relação à ligadura de ramos sigmoideanos
mos da cólica esquerda. Em geral, na lesão proximal indi- é o princípio a ser seguido para as lesões no cólon sig-
ca-se a hemicolectomia direita estendida e no transverso moide. Atenção deve ser dada ao detalhe de se deixar
distal a hemicolectomia esquerda estendida. Na lesão da remanescente cerca de 1 cm de coto de artéria mesen-
porção média do cólon transverso, realiza-se a colecto- térica inferior, a fim de não comprometer a preservação
mia do transverso limitada. simpática dos nervos esplâncnicos pélvicos.
Obstrução
Em até 10% dos casos, os portadores de câncer
colorretal apresentam quadro oclusivo, necessitando
de abordagem cirúrgica de urgência, a qual vai variar
de acordo com a localização do tumor:
Figura 15.23 Esquema mostrando a amplitude de res- 1) cólon direito: a conduta habitual é realizar-se
secção para tumores sincrônicos e para pólipos múltiplos e a colectomia direita, com anastomose ileotransversa
polipose adenomatosa familiar do cólon – colectomia total imediata;
ileorretoanastomose. Lembrar que na PAF a cirurgia ideal é 2) cólon esquerdo e reto: as opções variam em
proctocolectomia com bolsa ileal. função das condições do paciente e da experiência e
preferência do cirurgião. A ressecção primária com
anastomose imediata tem sido cada vez mais indica-
da e, como rotina, é a nossa preferida. Caso o cólon
contenha muita matéria fecal, pode-se proceder à
Seguimento lavagem intraoperatória, que não é associada a um
maior índice de infecção. Alguns cirurgiões preferem
Embora cerca de 80% dos pacientes com proteger essa anastomose com uma transversosto-
câncer colorretal apresentem margens cirúrgicas mia temporária. Outra opção a ser considerada é a
manoscopicamente livres da doença, 50% destes ressecção primária, sem a reconstrução do trânsito,
apresentarão doença recorrente. A maioria des- configurando a cirurgia de Hartman. A colectomia
sas recorrências ocorrerá dentro dos 24 meses subtotal com anastomose ileorretal é sugerida por
subsequentes à cirurgia. alguns, mas nos parece ser uma cirurgia mais exten-
sa do que o necessário, a não ser naqueles casos onde
História e exame físico associado com dosagem de ocorre a obstrução com alça fechada e o ceco apresen-
CEA em intervalos regulares podem detectar recorrên- tar algum sofrimento de sua parede. Nas mãos de ci-
cia. A sensibilidade de se detectar recorrências precoces rurgiões menos experientes ou, então, em pacientes
é ao redor de 60% quando se utiliza a TC e o CEA, princi- com más condições gerais, pode-se proceder apenas à
palmente para recorrência pélvica. O CEA deve ser me- transversostomia ou ileostomia em alça.
Uma alternativa que vem sendo empregada em te, a formulação de estratégias, combinando diferentes
casos selecionados é a desobstrução parcial do cólon ou modalidades de tratamento em uma cronologia precisa,
do reto por meio de laser ou, então, a colocação de stent expandiram as indicações de ressecção.
para permear o tumor via colonoscopia, com o intuito Tradicionalmente, a presença de doença ex-
de se preparar melhor o paciente para a cirurgia. tra-hepática, quatro ou mais metástases hepáti-
cas, margens exíguas e incapacidade de ressecar a
doença por completo no fígado têm sido conside-
Perfuração radas contraindicações à hepatectomia. A única
destas contraindicações históricas que permanece
Ao constatar perfuração do tumor, o cirurgião atualmente é a incapacidade de ressecar toda a do-
deve promover ampla limpeza da cavidade abdo- ença, publicações recentes mostraram que a hepatecto-
minal e, obrigatoriamente, realizar a ressecção in- mia de quatro ou mais metástases está associada a uma
testinal. Nos casos de peritonite importante, com taxa aproximada de sobrevida em 5 anos de 33%, apesar
muitas horas de evolução, deve-se optar pela não de uma taxa de recidiva de pelo menos 80%. Embora a
reconstrução do trânsito, exteriorizando-se ambas margem cirúrgica exígua tenha se mostrado associada ao
as bocas na colectomia direita, ou executando-se resultado, ela é frequentemente confundida por sua rela-
a cirurgia de Hartman para as lesões de cólon es- ção com o mau prognóstico geral do tumor (i. e.: tumores
querdo. Naqueles pacientes onde a contaminação sincrônicos múltiplos). Entretanto, margens exíguas ou
da cavidade é limitada ou por poucas horas, pode-se comprometidas não parecem excluir a possibilidade de
realizar a anastomose primária. sobrevida a longo prazo. Todavia as tentativas de mar-
gens superiores a 1 cm são apropriadas quando possíveis
Ressecção de metástases extra-hepáticas que se apresen-
te simultaneamente com metástases hepáticas têm re-
Tratamento da doença centemente se mostrado associadas à sobrevida a longo
prazo em casos altamente selecionados. Os locais que pa-
avançada recem estar associados a melhores resultados nesta situ-
ação são metásatases pulmonares limitadas, recorrências
locorregionais do tumor primário e linfonodos portais.
Metástases hepáticas A seleção do doente é importante e geralmente requer
quimioterapia pré-operatória para excluir progressão e
O fígado é o órgão mais comum de acome- estabelecer o quadro sistêmico da doença.
timento de metástases colorretais, sendo que
aproximadamente 50% dos pacientes com câncer
colorretal desenvolverão metástases hepáticas
em algum período de sua doença. Metástases pulmonares
Em 15-25% dos pacientes com doença colorretal, A ressecção de metástases pulmonares está indi-
a doença metastática hepática é descoberta na mesma cada desde que não se reconheçam lesões em outros
época do tratamento da doença primária (lesão sin- locais. O limite do número de metástases a se tratar ci-
crônica). Em 25-50% dos casos, a doença metastática rurgicamente é variável, e depende da localização dos
irá desenvolver-se durante o acompanhamento do pa- nódulos. Os resultados para esse procedimento mos-
ciente, após o tratamento da doença primária (lesão tram índices de sobrevida de cinco anos de 20 a 25%
metacrônica). As lesões metacrônicas estão associadas para pacientes com metástase única ressecada e de 10
ao estágio III (TNM) da doença primária em 60% dos a 15% para aqueles com múltiplos tumores extirpados.
casos, e o intervalo livre de doença geralmente é me- Mesmo quando do diagnóstico de metástases
nor do que dois anos. sincrônicas, deve-se postergar seu tratamento cirúr-
Atualmente a ressecção hepática é conside- gico para cerca de um mês após a cirurgia do tumor
rada o padrão-ouro no tratamento das metástases primário. A abordagem pulmonar é feita por toracoto-
hepáticas do câncer colorretal. Em centros de refe- mia, mais ou menos ampliada, ou, então, por toracos-
rência, a mortalidade cirúrgica deve ser menor que 5%, copia. A extensão das ressecções depende do tamanho
incluindo-se grandes ressecções hepáticas, com índices e da localização das lesões. Contudo, sempre que pos-
de sobrevida em 5 anos de 25-58%, sobrevida média de sível, realizam-se ressecções em cunha.
30-40 meses e provável cura em alguns pacientes, resul-
tados de sobrevida superiores aos obtidos com o trata-
mento cirúrgico de outros tumores não metastáticos do
trato gastrointestinal , tais como de estômago 36% em 5 Metástases cerebrais
anos de pâncreas 24%. Apesar dos bons resultados, até As metástases cerebrais associam-se a um prog-
recentemente só era oferecido cirurgia a 15% dos pa- nóstico extremamente reservado, mesmo quando úni-
cientes com CCR metastático. A utilização de regimes de cas e o tratamento cirúrgico não se mostra superior
quimioterapia com altas taxas de resposta, um melhor à radioterapia. Assim, alguns preferem não indicar a
conhecimento da regeneração hepática e, principalmen- cirurgia nesta eventualidade.
16
Doenças anorretais
Doença hemorroidária
Anatomia
A vascularização da região anorretal é constituída por um rica rede de arteríolas e vênulas que se comunicam
diretamente, formando os corpos cavernosos do canal anal, chamados de plexos hemorroidários, um interno ou
superior e outro externo ou inferior.
Músculo longitudinal
Músculo levantador do ânus
conjunto
Coluna retal (Morgagni)
Profundo
Muscular submucosa
Subcutâneo
Pressão
diminuída
Pressão aumentada
Espaço
vascular
Linha
pectínea
Figura 16.2 Corpos cavernosos: esquema da submucosa do canal anal e o espaço vascular dos corpos cavernosos,
sob pressão aumentada e diminuída, contribuindo para a continência fecal.
Aorta
Cólica esquerda
Mesentérica inferior
Retal superior
(bifurcação)
Ilíaca interna
Pudenda interna
Retal média
Retal inferior
Figura 16.3 Circulação arterial de anorreto. Representação esquemática das principais artérias da região anorretal.
Diagnóstico diferencial
Diagnóstico diferencial com as seguintes enfer-
Quadro clínico midades: procidência retal, papila anal hipertrófica,
A queixa mais comum dos pacientes portado- hemangiomas perianais, condiloma, plicomas, fissu-
res de hemorroidas é o sangramento. Este ocorre ra anal, processos infecciosos (criptites, papilites ou
geralmente durante ou imediatamente após a evacua- abscessos), doenças inflamatórias, tumores benignos
ção, exacerbando-se com o esforço ou evacuações fre- ou malignos do canal anal e tumores retais prolabados
quentes. O sangramento pode ser visível no papel, no benignos ou malignos.
Escleroterapia
Prolapso
Na presença de mamilos hemorroidários inter-
Prolapso de hemorroidas, que se reduz esponta-
nos de 1º e 2º graus, um método muito utilizado é a
neamente ou que necessita de redução manual, pode
escleroterapia desses mamilos na submucosa do canal
frequentemente ser tratado por métodos alternativos
anal. É de realização simples, com boa eficácia quando
em caráter ambulatorial, os quais serão discutidos
bem indicado.
mais adiante. Se o prolapso é irredutível, ou o com-
ponente externo é muito exuberante, a ressecção Consiste na injeção perivasal de óleo fenolado a
radical é o tratamento cirúrgico de eleição. 5%, cranialmente ao mamilo, provocando sua fixação
à submucosa, por fibrose, o que impede a estase san-
guínea no plexo hemorroidário.
Hemorroidas internas sangrantes sem prolap-
Dor so constituem-se na melhor indicação para o trata-
Como já foi mencionado, a dor é geralmente se- mento esclerosante.
cundária a trombose hemorroidária acompanhada de
edema, ulceração ou necrose, e melhora espontanea-
mente quando o trombo é expelido devido à necrose.
Nessa situação, o paciente pode ser tratado cirurgica- Crioterapia
mente de modo definitivo, com uma ressecção radical Para o tratamento de mamilos hemorroidários
de todos os mamilos hemorroidários, ou clinicamen- internos de 1º grau, há a opção de realizar-se a crio-
te, de modo paliativo, com a utilização de calor local terapia (congelamento do mamilo), método ideali-
sob a forma de banhos, um creme heparinoide tópico zado por Fraser e Grill em 1967, em substituição à
escleroterapia. É baseada no fato de que toda célula A incidência de complicações com esses méto-
submetida a um rápido e intenso congelamento tem dos ambulatoriais para tratamento das hemorroidas
solidificado seu líquido intracelular, que rompe a internas é pequena, sendo principalmente dor e san-
membrana celular, provocando sua destruição. Essa gramento.
técnica consiste na aplicação de nitrogênio líquido
sobre o mamilo hemorroidário interno, à tempera-
tura de 196º centígrados negativos, por meio de uma Doença hemorroidária interna: conduta
haste metálica, durante dois minutos, provocando 1º grau: Crioterapia ou fotocoagulação
sua necrose por congelamento.
2º grau: Fotocoagulação ou ligadura elástica
3º grau: Ligadura elástica
4º grau: Ligadura elástica ou hemorroidectomia ambu-
Fotocoagulação latorial
É um método muito prático e de feitura rápida Tabela 16.2
para a terapêutica dos mamilos hemorroidários inter-
nos de 1º e 2º graus, desenvolvido por Nath e colabo-
radores em 1977. Esse método também é denominado
infrared. Utiliza-se um aparelho de raios infraverme-
lhos que, aplicados na mucosa e na submucosa onde
Trombose hemorroidária
se encontra o mamilo hemorroidário, provoca sua ne- Alguns pacientes podem apresentar estase san-
crose pela evaporação dos líquidos intracelulares, con- guínea, aguda e volumosa nos plexos hemorroidários,
sequente à coagulação de suas proteínas. tanto externo quanto interno, que, com frequência,
evolui para um processo inflamatório endoflebítico,
Esses raios devem ser aplicados ao redor do ma-
desencadeando uma trombose hemorroidária.
milo interno, como uma coroa em seu ápice, produzin-
do vários pontos de necrose e ocasionando a fibrose da
submucosa, o que impedirá o aporte sanguíneo a esse
plexo vascular.
Os raios infravermelhos são gerados neste apa-
relho por uma lâmpada halógena de wolfrânio, ali-
mentada com 15 volts, que se enfoca por meio de um
refletor elipsoide, e o calor gerado em sua extremidade
atinge 100º centígrados positivos na mucosa e 60º po- Plexo interno
sitivos na submucosa. A recomendação é fazer três a
quatro sessões com intervalo de duas semanas. Trombose
hemorroidária
Plexo externo
Ligadura elástica
É método de feitura bastante simples, seguro, Figura 16.4 Trombose hemorroidária. Representação
de baixo custo e o mais utilizado para tratamento de esquemática do processo inflamatório tromboflebítico
mamilos hemorroidários internos de 2º e 3º graus. no canal anal.
Em alguns casos selecionados, poderá ser utilizado,
também, em mamilos de 4º grau. A ligadura elástica
foi idealizada por Blaisdell, em 1954, e largamente di-
fundida por Baron a partir de 1962.
Qulalquer paciente que tenha hemorroidas in-
ternas que se manifestem por sangramento e com
prolapso por excesso de mucosa tem indicação de tra-
tamento por ligadura elástica.
Consta de um aparelho aplicador de anéis de
borracha que traciona o mamilo hemorroidário para
dentro dele, permitindo colocar em sua base esse anel
elástico, sempre acima da linha pectínea, provocando
sua necrose por isquemia e queda em sete a dez dias.
Repete-se a cada duas semanas, com uma ligadura por
vez, em um total de 3-4 aplicações.
tivo de evitar a formação de espaço morto, ajudando Essa técnica é repetida para cada um dos outros
a prevenir a deiscência da sutura durante a evacuação, mamilos hemorroidários existentes. Terminado o pro-
porém com a possibilidade de poder aumentar a dor cedimento, faz-se a dilatação digital suave do canal
pós-operatória. Quando se emprega a técnica fechada, anal. A ferida operatória é protegida com gaze untada
deve-se fazer o uso rotineiro da antibioticoprofilaxia em pomada analgésica.
com gentamicina (160 mg). O período médio de hospitalização, nesses ca-
sos, é de 24 horas. Os resultados pós-operatórios têm
apresentado baixa morbidade, nenhuma mortalidade,
defecação fisiológica precoce, rápida cicatrização da
Técnica semifechada ferida operatória (média de 14 dias) e precoce retorno
Essa técnica foi descrita por Obando-Reis do paciente às atividades normais.
Neto em 1972. Seus tempos operatórios são:
assepsia de toda a área cirúrgica com solução de
PVPI (composto de polivinil pirrolidona-iodo) Hemorroidectomia
seguida de dilatação anal suave, identificação e
estudo pormenorizado dos mamilos hemorroi- ambulatorial
dários a serem ressecados; A hemorroidectomia ambulatorial poderá ser
exposição de um dos mamilos internos a ser tra- efetuada em clínicas médicas especializadas, desde
tado com a introdução da valva anal, untada em que devidamente equipadas e adequadas para a sua
vaselina, e reparo desse mamilo com pinça, pró- realização de acordo com as normas exigidas pelo Con-
ximo à linha pectínea, com tração para melhor selho Federal de Medicina (nº 1409/94).
visão do plexo interno;
aplicação de um ponto, com fio absorvível sin- Normas do CFM para realização de
tético (ácido poliglicólico) nº 00, em agulha cur- cirurgias ambulatoriais
va atraumática, internamente, interessando a adequadas condições estruturais da clínica e da sala
mucosa e a submucosa, sagitalmente ao eixo do cirúrgica, em especial com assepsia e antisepsia;
canal anal, a cerca de 3 mm a 4 mm acima da tipo de anestesia a ser utilizado (local ou bloqueio), com
linha pectínea; aposição de dois ou três pontos a necessidade da presença ou não de um anestesista;
idênticos, equidistantes, em direção caudocefá- rigoroso cuidado na avaliação para a alta do enfermo
lica, devendo o último se situar cerca de 3 cm após o tratamento;
da linha pectínea, amarrando-se os fios à medi- obrigatoriedade de o paciente estar acompanhado
da que for sendo feita a aplicação; incisão entre de um adulto responsável;
esses pontos apodados, interessando a mucosa, viabilidade e segurança de seu transporte até sua re-
com a finalidade de bloquear a circulação colate- sidência;
ral e evitar a congestão dos tecidos entre estas; observância de assistência médica durante as 24
horas, nos dias de pós-operatório mediatos ao tra-
depois, realiza-se a ressecção do plexo externo,
tamento;
que deve iniciar entre o primeiro ponto aloca-
do para o tratamento do plexo interno e a linha
suporte hospitalar na eventualidade de internação.
pectínea, interessando inicialmente a mucosa e, a Tabela 16.4
seguir, a pele e o tecido celular subcutâneo, com
exérese de um segmento mucocutâneo, de forma-
to elipsoide, englobando todo o mamilo externo e Técnica para hemorroidectomia
a linha pectínea com a cripta anal correspondente;
ambulatorial aberta
a extensão dessa ferida externa é, a seguir, di-
minuída pelo seu semifechamento por meio de Consiste na ressecção do mamilo hemorroidário
sutura contínua, tipo chuleio, realizada com externo ou misto por meio de bisturi diatérmico ou,
fio absorvível sintético nº 0000, em agulha mais recentemente, pelo uso do laser cirúrgico de CO2
curva atraumática, iniciada em uma das bor- com raios infravermelhos (10,6 µm) de ondas contí-
das da mucosa seccionada e prolongando-se nuas (0,5 ~ 20 W), permanecendo a ferida externa
pela pele, dando volta na incisão e terminando aberta até sua cicatrização.
na borda da mucosa oposta. A borda cutânea é
tracionada, sem tensão, para o centro da feri-
Nessas técnicas, tanto a diatérmica quanto a com
da externa, a fim de permitir a fixação da pele, laser de CO2, faz-se a ressecção de ambos os plexos
reduzindo-se a ferida cutânea a um pequeno hemorroidários, externo e interno, produzindo uma
leito de drenagem. Finalmente, as extremi- cauterização superficial, com hemostasia rigorosa do
dades desse fio de sutura são amarradas para leito cirúrgico, permanecendo a ferida aberta para a
aproximar as bordas da ferida. sua cicatrização por segunda intenção.
Hemorroidectomia por
grampeamento Hematoma perianal
O cirurgião Antonio Longo, da Universidade de
Palermo, em 1993, idealizou essa técnica de hemor- O hematoma perianal é uma coleção sanguínea sub-
cutânea (extravasal) decorrente da ruptura de um ou mais
roidectomia. Ela objetiva reduzir o prolapso hemor-
vasos da pele perianal, associado a trauma local, constipa-
roidário mediante a excisão de uma faixa transversal
ção intestinal, crise de diarreia e esforço evacuatório.
de mucosa localizada cerca de 4 cm acima da linha
pectínea, entre a ampola retal e o canal anal proxi- Os hematomas ficam confinados ao anoderma,
mal, com anastomose mucomucosa mecânica. Com não ultrapassando a linha pectínea em direção à mu-
essa técnica faz-se a interrupção das ramificações cosa do canal anal.
terminais das artérias hemorroidárias, com conse- É uma das doenças anorretais mais comuns,
quente redução do fluxo sanguíneo para os corpos ca- apresentando alta incidência em todas as faixas etá-
vernosos e ressecção do prolapso mucoso, eliminan- rias e sem preferência quanto ao sexo. Têm apareci-
do, pelo menos teoricamente, os principais fatores mento abrupto, caracterizado pela presença no ano-
envolvidos nos sintomas da doença hemorroidária. derma do canal anal de um ou mais nódulos dolorosos
Como esse local tem poucos receptores sensitivos, a de tamanhos variados e que, na sua maioria, têm a
dor pós-operatória é discreta. coloração azulada.
Quadro clínico
A dor é o principal sintoma, sempre de grande
intensidade, aguda no momento da evacuação, po-
dendo permanecer por minutos ou horas. A dor que
se mantém após a evacuação tem uma característica
latejante ou ardente, levando muitos pacientes a um
desconforto desproporcional ao tamanho da lesão.
A presença de sangramento anal vivo, produ-
zido pelo trauma da lesão durante a passagem das
fezes, é demonstrada por meio de algumas gotas no
vaso sanitário ou pela cor avermelhada presente no
papel higiênico. Figura 16.6 Lesão fissurária da doença de Crohn: le-
Raramente é de grande intensidade, mas, associada são ulcerada do canal anal com bordas definidas e ele-
à dor, costuma levar os pacientes a um consultório médi- vadas de localização posterolateral esquerda.
co. A infecção secundária das fissuras promove a drena-
gem de secreção anal, que poderá ser causa desencadean-
te de prurido ou ardência da pele perianal. A criptite e a
O exame digital do ânus é, também, muito do-
infecção da glândula de Chiari correspondente poderão
loroso, e o toque retal, com frequência, só é possível
originar o aparecimento de pequeno abscesso local, que
após analgesia local. Ao realizá-lo, deve-se observar a
normalmente drena espontaneamente, provocando o
presença ou não de papila hipertrófica e verificar a in-
aparecimento de fístula anal em linha média posterior,
tensidade do espasmo esfincteriano.
com aumento da drenagem purulenta.
É importante lembrar que o exame proctológi-
A obstipação intestinal está frequentemente as-
co completo deve sempre ser realizado na procura
sociada à fissura anal, e, pelo medo da dor, muitos pa-
de enfermidades anorretais associadas, especial-
cientes evitam voluntariamente o ato da defecação, o
mente nos pacientes idosos, porém após analgesia
que às vezes provoca a formação de fecalomas.
local ou posteriormente, quando da melhora do
quadro doloroso.
Quadro clínico da fissura anal
Dor anal Diagnóstico diferencial com a fissura anal
Obstipação intestinal
Sangramento anal carcinomas do canal anal
Irritação perianal ulcerações sifilíticas primárias
Infecção local lesões resultantes de enfermidades inflamatórias in-
Tabela 16.7 testinais inespecíficas, tais como a retocolite ulcera-
tiva e a doença de Crohn
lesões hepáticas
ulcerações tuberculosas
Diagnóstico prurido anal
O diagnóstico da fissura anal é, em geral, fácil e Tabela 16.8
simples. Na anamnese, a queixa de dores anais intensas,
durante e/ou imediatamente após a defecação, do tipo
latejante e/ou em queimação, já permite essa suspeição.
Mediante o afastamento das nádegas e da expo-
sição cuidadosa do canal anal para inspeção, observa-
Tratamento clínico
-se lesão ulcerada no anoderma, de forma elíptica,
medindo, em geral, de 1 cm a 2 cm de extensão, em Esfincterotomia química
seu maior eixo longitudinal. Pode haver associação
ou não do plicoma sentinela. A fissura anal, em geral,
Óxido nítrico
é única. Nos casos em que são múltiplas ou quando Nifedipina
está localizada fora da linha média, deve-se procu- Indoramina
rar e/ou afastar sua relação com o quadro clínico de Toxina botulínica
afecções sistêmicas de manifestação no canal anal,
tais como a doença de Crohn. Tabela 16.9
Em enfermos com fissura anal crônica, utiliza- existente entre o esfíncter anal interno e o esfíncter
-se essa intervenção, em ambulatório, sob anestesia extremo; são em número de oito a doze, e seus ductos
local, com acesso anal em região lateral esquerda, desembocam nas bases das criptas anais. Pelos seus
subcutaneomucosa, sem remoção da lesão fissurária. ductos é que ocorre a contaminação glandular, origi-
Apresenta baixa incidência de dor e complicações pós- nária de uma criptite preexistente.
-operatórias e há precoce retorno do paciente às suas
atividades diárias.
Incidência
Crioterapia A maior incidência é no grupo etário entre 30 e
50 anos de idade, com predominância no sexo mascu-
Outra opção, mais recente, que temos utilizado, lino, provavelmente pelos melhores cuidados higiêni-
com bons resultados, é a “esfincterotomia física”, na cos utilizados pela população feminina e maior ativi-
qual fazemos o congelamento do leito fissurário com dade física dos homens.
nitrogênio líquido a 196ºC abaixo de zero, durante
dois minutos. A crioterapia produz uma esfincteroto-
mia anal interna parcial por agente físico e promove a
cicatrização da lesão fissurária em, aproximadamente, Classi昀椀cação
duas semanas.
Os abscessos são classificados conforme a sua
localização nos espaços anorretais. De acordo com a
classificação de Eisenhammer e modificada por McE-
Fissurectomia e es昀椀ncterotomia lwain et al., os abscessos são divididos em perianais,
submucosos, interesfincterianos altos, interesfincte-
A esfincterotomia anal interna, associada à fis-
rianos baixos e isquiorretais. Os abscessos retrorre-
surectomia (excisão da ferida fissurária), foi descrita
tais e pararretais são extensão dos interesfincterianos
por Gabriel, no início do século passado (1919). Está
altos. O abscesso mais comum é o perianal.
indicada somente na fissura anal infectada, em que
é necessário realizar-se a remoção da lesão fissurária
e do tecido infectado circundante, incluindo a região Criptite
afetada das criptas anais, permanecendo a ferida ci- Trauma na cripta anal = infecção
rúrgica aberta para cicatrização por segunda intenção,
semelhante ao tratamento dos abscessos perianais.
Abscesso anorretal
Contaminação da glândula anal
Pós-operatório das
es昀椀ncterotomias Fístula anorretal
Drenagem do abscesso = fase crônica
O pós-operatório é conduzido com anti-infla-
matórios administrados por via oral, mucilagens e/ou Figura 16.7 Etiopatogenia das afecções criptoglandulares.
fibras e cuidados locais com banhos de assento com
água morna, pomada anti-inflamatória e analgésica,
além da proibição do uso de papel higiênico para lim-
peza local, da ingestão de bebidas alcoólicas e de ali-
mentos condimentados.
Abscesso anal
Os abscessos e as fístulas anais podem ser con-
siderados dois estágios diferentes de uma mesma do-
ença no que concerne à sua etiologia; na maioria das
vezes, a fístula é consequência de um abscesso, e este
Figura 16.8 Classificação de abscessos anorretais de
se origina no canal anal, mais precisamente em uma
acordo com McElwain: A: submucosa. B: interesfincte-
cripta anal. As glândulas anais localizam-se ao redor
riano alto. C: interesfincteriano baixo. D: isquiorretal.
do canal anal, no nível da linha pectínea, no espaço
E: perianal.
Diagnóstico Pós-operatório
O diagnóstico de certeza é obtido, na maioria das O uso profilático de antibióticos como rotina é mui-
vezes, pelo exame físico, que evidencia tumoração ge- to importante, sendo administrados previamente à dre-
ralmente avermelhada, dolorosa ao contato manual e nagem cirúrgica dos abscessos, à exceção dos pacientes
com consistência macia. imunocomprometidos, debilitados, idosos ou diabéticos
etc., quando deverão ser utilizados como terapia.
Analgésicos e anti-inflamatórios orais ou paren-
terais são, também, sempre empregados. Auxilia-se a
Tratamento evacuação com dieta rica em fibras e/ou mucilagens.
É essencialmente cirúrgico. Os abscessos, após Os cuidados locais pós-operatórios são fundamentais,
diagnosticados, deverão ser sempre drenados. indicando-se curativos diários, inicialmente até cinco
a seis vezes ao dia, com limpeza exaustiva da ferida
operatória de drenagem, mediante sua lavagem com
água corrente e sua proteção com gazes e pomadas
Drenagem simples analgésicas e anti-inflamatórias, até sua cicatrização
total. Associam-se banhos de assento com permanga-
Uma de suas opções operatórias é a drenagem nato de potássio, na diluição de 1:40.000, como solu-
simples da coleção purulenta, por meio da incisão do ção antisséptica, após cada evacuação, nos primeiros
local do abscesso, para permitir sua ampla drenagem, sete dias de pós-operatório.
impedindo o fechamento prematuro da ferida e com
isso a sua recidiva.
Nos processos superficiais e pequenos, essa dre-
nagem pode ser realizada, sob anestesia local, ambu-
Fístula anal
latorialmente. Já nos abscessos profundos e amplos, Fístula é um pertuito com infecção crônica, ligan-
deverá ser efetuada, sob bloqueio medular, em centro do duas superfícies com revestimento epitelial (pele ou
cirúrgico. A ferida cirúrgica na pele deverá permane- mucosa). Na fístula anal, o orifício interno ou primário
cer aberta até total limpeza pós-operatória da cavida- localiza-se sempre na linha pectínea (denteada), e o ex-
de do abscesso. terno, na pele perianal ou, muito raramente, no reto.
Drenagem e 昀椀stulotomia
Etiologia
Outra tática operatória para os abscessos con-
siste em realizar-se, juntamente com a sua drena- A grande maioria das fístulas é secundária a
infecção criptoglandular, como explicado anterior-
gem, a pesquisa da cripta infectada ou do orifício
mente. Raramente podem ser associadas a doenças es-
interno no canal anal, origem do abscesso. Sendo
pecíficas como neoplasias, doença de Crohn, retocolite
identificada essa cripta ou seu orifício interno, de- ulcerativa, tuberculose, actinomicose e linfogranuloma
ve-se efetuar uma ampla abertura de todo o trajeto, venéreo. Fístulas anais congênitas são excepcionais.
desde a cavidade do abscesso até a cripta infectada
no canal anal, com a curetagem desse leito operató-
rio, deixando-se a ferida operatória aberta até sua
completa cicatrização. Assim, pretende-se evitar, na Classi昀椀cação
maioria das vezes, a recidiva do abscesso ou a ne- As fístulas são divididas em quatro grupos:
cessidade de nova cirurgia para a correção de uma interesfincteriana, transesfincteriana, supraes-
provável fístula residual. fincteriana e extraesfincteriana.
O interessante dessa classificação é o fato de le- após drenado, espontânea ou cirurgicamente, passou
var em consideração as relações anatômicas das partes a apresentar a eliminação de secreção purulenta peria-
específicas dos músculos esfinctéricos envolvidos; as nal, relativamente indolor. A dor ou a febre poderão
fístulas submucosas e as subcutâneas são excluídas estar presentes nos casos de fístulas com recidiva do
dessa classificação, por se considerar que, na maioria processo infeccioso supurativo.
dos casos, elas são apêndices de algum outro tipo de
Nas fístulas superficiais, pode-se palpar o traje-
fístula, especialmente tipo interesfincteriano.
to fistuloso subcutâneo, entre o seu orifício externo
As fístulas dos tipos interesfincteriano e tran- e o canal anal. Ao toque retal, bidigital, pode-se iden-
sesfincteriano constituem a imensa maioria dos casos tificar o tecido fibroso na região anorretal. Essa com-
(65 e 30% respectivamente). pressão palpatória, com frequência, permite a saída de
As fístulas interesfincterianas iniciam-se na secreção pelo orifício da fístula e pode causar algum
cripta anal (orifício interno), atravessam o esfíncter desconforto ao enfermo.
interno e alcançam o espaço compreendido entre o Em alguns pacientes, é possível reconhecer o ori-
esfíncter interno e o externo, e dali dirigem-se para a fício interno da fístula pela anuscopia, inclusive com a
pele, onde constituem o orifício externo.
saída de secreção purulenta. A exploração instrumen-
A fístula transesfincteriana inicia-se na cripta anal tal do trajeto fistuloso, com estilete, deverá ser extre-
e atravessa os dois esfíncteres antes de alcançar a pele. mamente cuidadosa para não provocar dor ou falso
A fistula supraesfincteriana inicia-se na cripta trajeto, induzindo a erro quanto à localização da cripta
anal, atravessa o esfíncter interno, atinge o espaço comprometida, inicialmente, pela infecção.
interesfincteriano e daí progride cefalicamente, pas-
sando pelo ápice do puborretal, descendo pela fossa
isquiorretal até atingir a pele.
A fístula extraesfincteriana não surge obrigato- Diagnóstico
riamente da cripta anal; muitas vezes origina-se da É estabelecido, com certa facilidade, pela his-
parede do reto, atravessa o músculo elevador do ânus tória e pelo exame físico do paciente. O estudo por
e se dirige para a pele, atravessando nesse percurso imagens raramente é necessário. A fistulografia, a
o espaço isquiorretal; é grave, com alta incidência e ultrassonografia transanal e a ressonância magnéti-
maus resultados no seu tratamento. Felizmente trata- ca podem auxiliar o diagnóstico das fístulas comple-
-se de uma condição muito rara (< 2% casos). xas, em especial, identificando com alguma precisão
seu trajeto.
A 45% B 30%
Tratamento
O procedimento é realizado sob anestesia raqui-
medular, por proporcionar um bom relaxamento da
Tipo 1 Tipo 2 região anorretal, e a posição do paciente na mesa ci-
C 20% D 5% rúrgica é a de litotomia.
O tratamento consiste na abertura de todo o tra-
jeto fistuloso, da cripta ao orifício externo. Essa inci-
são deverá incluir todos os planos, inclusive muscular.
Se a massa esfincteriana for pequena, poderá ser sec-
cionada ao mesmo tempo em que os outros planos. A
Tipo 3 Tipo 4 cirurgia será então realizada em um só tempo. Quan-
Figura 16.9 Localização anatômica das fístulas anor-
do a massa esfincteriana for grande, a secção deverá
retais – Interesfincteriana em A, transesfincteriana em B, ser feita em um segundo tempo, pois há risco de in-
supraesfincteriana em C e extraesfincteriana em D. continência, em razão do afastamento das extremida-
des dos músculos seccionados.
O trajeto fistuloso na técnica da fistulectomia é
curetado e excisado, e a ferida é deixada aberta até a
sua cicatrização total por segunda intenção.
Quadro clínico O sucesso do procedimento depende de localizar
Os pacientes referem, com frequência, ter senti- o orifício interno. A localização do orifício externo já
do previamente dor anorretal latejante ou até mesmo é um indicativo, não um determinante, de onde deve-
a ocorrência pregressa de um abscesso anorretal que, rá se localizar o orifício interno, segundo a regra de
Goodsall-Salmon. É importante salientar que tal regra Lesão pré-maligna: neoplasia intraeptelial do
não se aplica nos casos em que o orifício externo esteja ânus, que ocorre até 48% de homossexuais com infec-
situado a mais de 5 cm da borda anal. ção pelo HIV.
O orifício interno das fístulas anais pode ser A lesão precursora é a NIA, que se divide mor-
determinado pela aplicação da regra de Goodsall. fologicamente em lesões de baixo ou alto grau. A pro-
Esta regra tem o objetivo de localizar o orifício in-
gressão da NIA para carcinoma de células escamosas
terno (sempre situado na linha pectínea) de acordo
com a localização do oríficio externo.
de canal anal invasivo está relacionada a vários fato-
res, incluindo infecção pelo HIV, baixa contagem de
De acordo com esse esquema, todo orifício fistu- CD4, subtipo de HPV e pelo elevado nível de DNA dos
loso externo que estiver situado na metade anterior
subtipos de HPV de alto risco no canal anal.
do ânus corresponde a uma fístula retilínea, com ori-
fício interno na linha pectínea, no mesmo raio do ex- A capacidade de eliminar a infecção viral por
terno. Todo orifício externo que se localiza na metade HPV está reduzida em indivíduos imunossuprimidos.
posterior do ânus (mais de 80% das fístulas) corres- Observou-se um aumento da incidência de NIA em
ponde a uma fístula cujo orifício interno localiza-se na homens que fazem sexo com homens HIV-positivo
cripta anal (linha pectínea) da linha média posterior. (risco relativo para NIA e lesões intraepiteliais de alto
Exceção a essa regra são os orifícios externos locali- grau de 5,7). A incidência de infecção pelo HPV e le-
zados na metade posterior do ânus, a mais de 3 cm sões malignas e pré-malignas, associadas ao HPV, é
do canal anal. Nesses casos, o orifício interno localiza- maior em pacientes infectados pelo HIV, independen-
-se na linha pectínea no mesmo raio do externo, com te do tipo de prática sexual. Entretanto, o impacto glo-
um trajeto retilíneo. Orifícios externos situados mui- bal da infecção pelo HIV na incidência do câncer anal
to distantes do orifício anal (mais de 4-5 cm) prova-
ainda permanece desconhecido. Sabe-se que a neopla-
velmente correspondem a fístulas em conexão com o
sia anal ocorre em idade mais precoce em indivíduos
aparelho urogenital, com um cisto pilonidal ou com
HIV-positivos (idade média 37 anos) que em homens
uma fístula pelvirretal.
HIV-negativos (idade média 58 anos) e mulheres HIV-
-negativas (idade 65 anos).
o Outras causas de imunossupressão crônica tam-
a bém estão associadas a risco aumentado para desen-
o a volverem câncer de canal anal ou lesões precurssoras.
Pacientes submetidos a transplante de órgão têm um
o b b risco para câncer de canal de 10 a 100 vezes maior que
a população geral.
Dorsal Etiopatogenia
Figura 16.10 Regra de Goodsall.
O conduto anal é revestido por epitélio cilín-
drico e escamoso em seus terços superior e inferior,
respectivamente. Entre estas duas regiões, existe
uma zona recoberta por epitélio cilíndrico estrati-
ficado e por células de transição remanescentes da
Tumores malignos do ânus formação embrionária do reto e do canal anal. Essas
e canal anal células podem desenvolver metaplasia escamosa,
dando origem à maioria dos tumores malignos do
O canal anal, com sua variedade de componentes canal anal.
celulares, pode ser sede de diversos tipos de tumores A disseminação metastática se processa por via
malignos. Todos eles são bastante raros. O carcinoma linfática para os linfonodos das regiões inguinais e para
de células escamosas é a neoplasia mais frequen- os gânglios da cadeia hemorroidária superior. O mela-
te, representando cerca de 3% dos carcinomas da noma também se dissemina por via hematogênica.
porção terminal do tubo digestivo. O melanoma, o
O principal fator de risco para o carcinoma anal é
carcinoma de células basais ou cloacogênicas, a doen-
ça extramamária de Paget e a doença de Bowen são infecção pelo HPV (sorotipos 16 e 18).
muito raros na região anal, representando 25% dos Vários estudos identificaram o tabagismo como
tumores anais. um fator de risco para o câncer anal.
Diagnóstico
Melanoma A anamnese e a exploração minuciosa da região
anal, por meio da inspeção, palpação e toque retal, le-
O melanoma raramente se localiza na região
vam à suspeita diagnóstica de lesão maligna, e a bióp-
anorretal. O paciente refere queixas vagas, tais como sia do tumor com exame anatomopatológico do frag-
sensação de tumor no reto e pequeno sangramento. mento ressecado confirma a suspeita clínica.
A dor só aparece nas fases mais avançadas da doença.
A retossigmoidoscopia nem sempre é exequível,
Por sua coloração escura, pode ser confundido com he-
por causa da dor e da estenose anal provocadas por
morroidas trombosadas.
estes tumores.
A pigmentação do tumor só ocorre em 60% dos
casos. Os melanomas não pigmentados são de diag-
nóstico difícil, podendo ser confundidos com outras
doenças anorretais. Estadiamento
O estadiamento inicial do CCA é clínico e feito
através dos exames de toque retal e anuscopia, além de
palpação de gânglios inguinais. Para a pesquisa de do-
Carcinoma de células basais ença metastática (que ocorre principalmente para o fí-
É um tumor raríssimo, compreende 0,2% dos tu- gado e para os linfonodos pélvicos), a TC de abdome e
mores anorretais. Apresenta-se como pequena lesão de pelve é o exame de escolha. Os linfonodos inguinais
ulcerada, de crescimento lento, na linha anorretal. considerados suspeitos devem ser aspirados por agulha
fina. Apesar de menos de 15% dos doentes apresentarem
metástases a distância ao diagnóstico inicial, a realização
de radiografia de tórax é prudente. Sugere-se também a
Doença de Bowen realização do teste de HIV. O prognóstico do CCA está
relacionado com o tamanho do tumor primário e a
É um carcinoma de células escamosas intraepi- disseminação para os linfonodos regionais; pacientes
dérmicas, de crescimento lento. Instala-se na margem com tumores menores do que 2 cm têm taxas de cura de
anal, sob a forma de placa avermelhada com aspecto aproximadamente 80% com o tratamento quimiorradio-
eczematoso, que pode ser reconhecida pela inspeção terápico, enquanto aqueles com tumores maiores do que
e palpação. 5 cm são curados em 50% dos casos.
Estadiamento do câncer do canal anal* ressecção do reto fica restrita aos casos de tumores mais
avançados, volumosos ou quando não houver resposta
T1 T2 T3 T4
completa ao tratamento rádio e quimioterápico.
N0 Estágio I Estágio II Estágio II Estágio IIIb
Estágio Estágio Estágio Didaticamente dividimos a escolha da técnica ci-
N1 Estágio IIIb rúrgica a ser utilizada por alguns parâmetros.
IIIa IIIa IIIa
Estágio Estágio Estágio 1. Para tumores de 5 a 6 cm da margem anal,
N2 Estágio IIIb
IIIb IIIb IIIb a cirurgia mais utilizada é a ressecção abdomi-
Estágio Estágio Estágio noperineal do reto, ficando a alternativa de res-
N3 Estágio IIIb
IIIb IIIb IIIb secções locais para casos selecionados como des-
M1 Estágio IV Estágio IV Estágio IV Estágio IV critos anteriormente. Nesta cirurgia é realizada a
T1: até 2 cm na maior extensão ligadura da artéria mesentérica inferior, ressecção de
T2: entre 2 e 5 cm na maior extensão todo o reto e ânus, e confecção de uma colostomia ter-
T3: mais de 5 cm na maior extensão minal da sigmoide. Por via abdominal são realizadas as
T4: invade estruturas vizinhas (vagina, uretra e bexi- ligaduras das asas laterais do reto, cortados os vasos re-
ga) tais médios e dissecado o plano anterior e posterior do
N0: ausência de metástases em linfonodos regionais reto. Neste último devemos ter o cuidado de não lesar
N1: metástases em linfonodos perirretais as veias sacrais que podem levar a graves hemorragias.
N2: metástases acometendo unilateralmente linfono- Esta dissecção é realizada até o nível da musculatura
dos ilíacos internos ou inguinais elevadora do ânus conjuntamente com a dissecção peri-
N3: metástases em linfonodos perirretais e inguinais neal. Após a extirpação do reto e ânus, a ferida perineal
e/ou bilaterais em linfonodos ilíacos internos e/ou in- é fechada, associada a uma drenagem do espaço pélvico
guinais residual e fechamento da folha peritoneal por via abdo-
M0: ausência de metástases a distância minal, a fim de que outros órgãos intra-abdominais não
M1: presença de metástases a distância venham a preencher este espaço pélvico.
Tabela 16.10 *De acordo com o UICC.
2. Para tumores acima de 5 a 6 cm, a ressec-
ção anterior por via abdominal é o procedimento
de escolha com a realização de anastomose color-
retal que vem sendo facilitada pelo advento dos
Diagnóstico diferencial grampeadores intraluminares. A técnica mais
Qualquer doença anorretal de longa duração utilizada é a do duplo grampeio.
pode estar associada a tumor maligno. Embora esta A atenção para os princípios oncológicos é impor-
associação seja muito rara, o exame anatomopatoló- tante. A ligadura da artéria mesentérica inferior e a re-
gico de todo o tecido anal ressecado é indispensável. moção do meso acometido devem ser sempre realizados.
O carcinoma de células escamosas difere dos ma- Alguns estudos atuais demonstram a validade da remo-
milos hemorroidários por sua consistência firme e su- ção total do mesorreto nestas ressecções. A colocação de
perfície regular. drenos nas anastomoses colorretais baixas é controver-
sa, com alguns estudos mostrando um índice maior de
deiscências quando drenadas, entretanto estas drena-
gens ainda são muito utilizadas. A confecção de ostomia
Tratamento de proteção também é controversa nestas anastomoses
baixas, e a tendência atual é de serem necessárias apenas
O tratamento do carcinoma de células escamosas em pacientes de alto risco ou naqueles que apresentaram
do ânus é multidisciplinar. dificuldade técnica no momento da cirurgia.
A amputação abdominoperineal do reto, larga- A sobrevida média de cinco anos, após a amputa-
mente utilizada no tratamento desses tumores, foi ção abdomino-perineal do reto, é de 50%, enquanto,
substituída pela radioterapia e quimioterapia. com o tratamento multidisciplinar, a sobrevida proje-
A associação de radioterapia, 5-fluorouracil e mi- tada de cinco anos passou a 83%.
tomicina C (esquema de Nigro) leva ao desaparecimento O melanoma do canal anal, em razão do seu mau
das células tumorais em torno de 90% dos casos quando prognóstico, deve ser tratado pela amputação abdomi-
o tumor tem o diâmetro igual ou inferior a 3 cm. noperineal do reto. As operações menos radicais apre-
Quatro a seis semanas após o tratamento radio- sentam sobrevida semelhante à amputação do reto.
terápico, a área tumoral é reexaminada e biopsiada. Na Entretanto, esta é mais efetiva na prevenção da recidi-
maioria das vezes, o exame anatomopatológico revela va local e proporciona melhor qualidade de sobrevida
ausência de células malignas. Neste caso, o doente deve para os pacientes. O prognóstico de melanoma é pés-
ser mantido em observação com revisões frequentes. A simo, e a sobrevida de três anos é mínima.
A doença extramamária de Paget e a doença de Integridade da parede retal, que, pela sua elas-
Bowen são tratadas pela ressecção ampla da área com- ticidade, mantém a complacência e modula a
prometida. Biópsias prévias múltiplas delimitam com pressão intrarretal.
segurança a zona de ressecção. Inervação do canal anal tanto sensitiva quanto
Nos raros casos em que essas doenças estão asso- motora.
ciadas a carcinoma invasivo, está indicada a amputação Aparelho esfincteriano, que mantém um tônus
abdominoperineal do reto. Nestes casos, o prognóstico de repouso no canal anal, com pressão mais alta
é mau, com sobrevida de cinco anos muito baixa. que no reto, mantendo-o fechado.
Mecanismo valvular, criado pela angulação
anorretal mantida pelo tônus do músculo pu-
borretal.
Recidiva local
A recidiva local ocorre em aproximadamente Qualquer alteração em um desses elementos
50% dos casos. O tratamento preconizado é a combi- pode acarretar incontinência.
nação de cisplatina e 5-FU a um reforço de 9 Gy. Se não As doenças neoplásicas ou inflamatórias do reto,
houver resposta, a amputação anorretal em conjunto principalmente a doença de Crohn e a retite radiógena
com a linfadenectomia é recomendada. provocam espessamento das doenças do sistema nervo-
so central, tais como TCE, infecção, traumatismo raqui-
medular, e as do sistema nervoso periférico associadas
ao diabete podem levar à incontinência anal. A inervação
Doença metastática sensitiva do canal anal pode ser lesada nas mucossecto-
Devido à baixa prevalência do CCA e da efetividade mias e nas hemorroidectomias. A inervação motora é
do tratamento primário, a disseminação da doença não comprometida nas constipações crônicas que obrigam
é um fenômeno comum de ser visto na prática clínica. a esforços intensos durante a defecação, ou durante os
A literatura mostra que esses doentes têm um prognós- partos laboriosos, por estiramento das fibras nervosas.
tico reservado e existem apenas relatos anedóticos em A lesão iatrogênica dos esfíncteres anais, prin-
relação ao tratamento, sendo as drogas quimioterápicas cipalmente em cirurgias para fístulas anais, é causa
mais utilizadas o 5-FU, a mitomicina-C e a cisplatina. frequente de incontinência. O trauma obstétrico, a
episiotomia e os traumatismos perineais são outras
causas de incontinência fecal. A denervação e o relaxa-
mento do assoalho pélvico, decorrentes da idade avan-
Seguimento çada, levam à abertura do ângulo anorretal, resultan-
Inicialmente, os pacientes deverão ser avaliados a do em perda de mecanismo valvular.
cada seis semanas com exame físico retal e anuscopia
até a remissão total, que pode ocorrer em até 12 meses.
Pacientes com remissão completa do tumor deverão ser Diagnóstico
acompanhados a cada três meses nos dois primeiros
anos e a cada seis meses do terceiro ao quinto ano. O exame clínico completo é indispensável para
fazer o diagnóstico da incontinência fecal.
É importante uma história clínica minuciosa, es-
tabelecendo se a incontinência é total, para fezes sóli-
Incontinência anal das e líquidas, ou parcial, somente para fezes líquidas
ou gases, presença de doenças associadas, como pro-
Incontinência anal é a impossibilidade de con- lapso retal ou uterino, o passado obstétrico, o relato
trolar voluntariamente a eliminação de gases e fezes. de traumatismo e operações anorretais.
É mais frequente do que se pode estimar, pois seus O períneo deve ser inspecionado para a presen-
sintomas são bastante constrangedores, levando ao ça de cicatrizes, fístulas, deformidade em fechadura
isolamento do paciente e a graves perturbações psí- (keyhole) e outras lesões. O toque retal revela hipoto-
quicas, sociais e profissionais. mia ou atonia esfincteriana, ou descontinuidade da
musculatura anal.
A defecografia é um exame radiológico dinâmico
utilizado para avaliação funcional do assoalho pélvico
Etiopatogenia e para medida do ângulo anorretal. É particularmente
Os principais fatores responsáveis pela conti- útil no diagnóstico de procidência do reto ou síndro-
nência anal são: me do períneo relaxado.
do reto como uma massa durante e após a defecação. apresenta uma elevada taxa de recorrência; portanto,
Em pacientes com prolapso oculto, uma sensação de ela é ideal para os pacientes com elevado risco cirúr-
pressão e de evacuação incompleta podem ser os úni- gico e expectativa de vida limitada. Uma abordagem
cos sintomas. abdominal é preferida para os pacientes jovens e sau-
dáveis, pois eles podem tolerar o procedimento com
um baixo risco e apresentam menor possibilidade de
sofrer uma recorrência que precise de reoperação.
Avaliação pré-operatória
A avaliação pré-operatória do paciente deve en-
focar o estabelecimento da extensão do prolapso; o
estado geral de saúde do paciente; a presença de do- Procedimentos perineais
enças intestinais associadas, como a constipação; e O procedimento de Delorme é essencialmente
complicações como a incontinência. Todos estes fa- uma proctectomia mucosa e um procedimento de pli-
tores influenciam na estratégia cirúrgica. Na história, catura da mucosa. Ela é ideal para ser aplicada a pa-
quase a metade dos pacientes apresenta constipação, e cientes com mais de 3 a 4 cm de prolapso, mesmo que
a maioria deles tem incontinência fecal. Observando- o tubo mucoso ressecado se estenda por até 15 cm.
-se o paciente enquanto faz esforço na cômoda, a pre- Mesmo em pacientes frágeis, idosos, o procedimento
sença e a extensão do prolapso podem ser verificados. de Delorme está associado a baixas taxas de morta-
O prolapso completo demonstra uma protrusão retal lidade e de grande morbidade, aproximadamente 1 e
em toda a extensão com anéis concêntricos. Pacientes 14%, respectivamente. A incontinência melhora em
idosos e frágeis e aqueles sob alto risco de comorbi- até 69% dos pacientes. A recorrência do prolapso não
dades ou com expectativa de vida limitada são ideais é incomum, e provavelmente é subestimada, pois este
para os procedimentos perianais. Os pacientes jovens, procedimento é realizado em pacientes com expectati-
particularmente aqueles com constipação ou evidên- vas de vida limitadas e, portanto, períodos de acompa-
cias de distúrbios da defecação, evoluem melhor com nhamento curtos.
a ressecção e a fixação, usando-se as abordagens a céu O procedimento de Altemeier é similar ao de
aberto ou a laparoscopia. Delorme, mas, em vez de ser uma ressecção mucosa,
As avaliações gastrointestinais inferiores com- realiza-se uma ressecção retal em espessura completa,
pletas são realizadas conforme indicadas. Na endos- começando 1 a 2 cm acima da linha denteada. O in-
copia, podem estar presentes uma vermelhidão da testino e o mesentério associado são ressecados. Pelo
mucosa retal anterior ou uma úlcera retal solitária, 6 fato de se penetrar na cavidade pélvica, é preciso evi-
a 8 cm anteriormente. Numerosos testes adicionais tar lesionar o intestino delgado. É realizada uma anas-
podem ser solicitados, mas apresentam um valor limi- tomose em toda a espessura, após se completar uma
tado e não são tipicamente necessários. A manome- ressecção em extensão completa. Para os pacientes
tria documenta a presença de danos esfincterianos, com incontinência, pode-se acrescentar uma plástica
mas não prediz recuperação. Uma latência anormal dos elevadores à ressecção. Os resultados são similares
do nervo pudendo motor terminal prediz um elevado aos descritos para o procedimento de Delorme.
risco de incontinência anal pós-operatória, mas rara-
mente influencia no tratamento. A defecografia pode
demonstrar a extensão do prolapso, e os estudos de
trânsito, a extensão da constipação. Pelo fato de um Procedimentos abdominais
paciente com prolongamento significativo no tempo
As opções abdominais incluem a resseccão intes-
de trânsito poder responder melhor a uma ressecção
tinal e a retopexia, com ou sem tela, realizada isolada
colônica mais extensa, isto pode ser indicado a pacien-
ou conjuntamente. É necessária a mobilização com-
tes selecionados com constipação. pleta do reto para os procedimentos abdominais; há
divergências se os ligamentos laterais devem ser pre-
servados. Acredita-se que a preservação dos ligamen-
tos proporciona melhores resultados funcionais, mas
Correção cirúrgica aumenta o risco de recorrência. Embora a totalidade
Empregam-se duas abordagens gerais para se ob- do reto seja mobilizada no nível dos elevadores, se
ter uma correção cirúrgica do prolapso retal: a aborda- estiverem sendo realizadas ressecção e anastomose,
gem perineal, que inclui os procedimentos de Delorme elas devem ser realizadas em um nível alto em vez de
e o de Altemeier, e a abordagem abdominal, que inclui baixo no reto, essencialmente uma ressecção anterior.
mas não é limitada à ressecção anterior, com ou sem Isto minimiza o risco para as complicações anastomó-
retopexia e fixação com uma tela. A abordagem peri- ticas. A retopexia é realizada ancorando-se o reto aos
neal é menos lesiva para o paciente mas, ainda assim, tecidos pré-sacrais. A ressecção com a retopexia está
associada a baixas taxas de recorrência (0 a 9%) e pode Vários segmentos cólicos são acometidos. Fre-
ser realizada com segurança, com taxas de morbidade quentemente é encontrada nos cólons ascendente,
e de mortalidade compatíveis com qualquer ressecção transverso e descendente. O sigmoide e o reto são me-
do intestino grosso. A constipação melhora em até a nos afetados. É mais comum em idosos.
metade dos pacientes, e a incontinência, na maioria
dos pacientes.
Apenas a retopexia com a fixação por tela é Etiologia
um procedimento bem descrito, de eleição em al-
guns centros. Os riscos de ressecção e de anasto- A causa da melanosis coli permanece desconheci-
mose são evitados, e as taxas de recorrência em ge- da. Estudos em microscópio eletrônico revelam que o
ral são baixas. No entanto, as complicações podem pigmento está localizado no citoplasma de macrófa-
gos localizados na submucosa. O pigmento origina-se
resultar da presença de corpo estranho, e os sinto-
da degradação de mitocôndrias das células epiteliais.
mas de constipação com frequência são agravados.
Inicialmente, acreditava-se que o pigmento era cons-
Os procedimentos abdominais podem ser realiza-
tituído de melanina. Atualmente, ele foi identificado
dos por meio de uma laparotomia-padrão ou com
como derivado da pseudomelanina ou lipofucsina.
a utilização de técnicas laparoscópicas. Os resulta-
dos sugerem que a recuperação pós-operatória tem
a característica de ser mais rápida após a ressecção
laparoscópica com retopexia. Além do mais, as ta- Diagnóstico
xas de morbidade, de mortalidade, de recorrência A história do uso frequente de laxativo como a
e de melhora funcional são as mesmas com as téc- cáscara e o achado endoscópico de pigmentação de cor
nicas laparoscópica e a céu aberto. marrom-escura ou negra na mucosa colônica selam o
diagnóstico. Os tumores benignos ou malignos, quan-
do presentes na mucosa intestinal, não são tingidos
pelo pigmento, sobressaindo-se por sua cor vermelho-
-brilhante.
Melanosis coli
Melanosis coli é uma doença benigna encontrada
em indivíduos que utilizam com frequência laxativos Tratamento
à base de antraquinona. Caracteriza-se pela presença A melanosis coli é assintomática e não necessi-
de pigmentação de cor marrom ou negra na mucosa ta de tratamento. A suspensão do uso de laxativos
colônica. A incidência da melanosis coli é relativamente derivados da antraquinona leva ao desaparecimento
baixa, variando em 0,25 a 5,3% nas biópsias retais. da pigmentação.
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