Contrato, O - DM Pager

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O

CONTRATO

DM PAGER
1

“Somos tentados a cometer erros quando o desespero é maior do que a


consciência!”

–Bom dia, meninas e uma boa notícia. Chegou mais duas


contas atrasadas: o cartão da Caroline e da loja de sapatos em que
a miss Malvin passou a tarde. – Santana tinha uma maneira
calorosa de nos dizer que o vermelho já estava mudando de
tonalidade quando as contas chegavam.
– Eu entrei em um acordo com a loja. – Caroline falou
colocando a cabeça para fora do banheiro, a boca suja de pasta de
dente e a escova balançando de um lado a outro de maneira
grosseira.
Santana passou por mim puxando o lençol da cama.
–Você está atrasada para o seu trabalho. – Avisou – E você
está quinze minutos atrasada para o seu. – Apontou o dedo a
Caroline – Eu vou fazer plantão hoje. Precisamos de dinheiro e eu
espero ganhar bem. – Resmungou passando as mãos pelos cabelos
negros.
Me arrastei até o banheiro, minha cabeça estava cheia e
doendo graças a Caroline e sua mania de me arrastar as suas
noitadas. Divido o apartamento com ela e Santana a mais ou menos
quatro anos e meio. Nesse período presenciei noivados que
terminaram antes mesmo da ficha cair, brigas, despedidas que
tiveram voltas, mudanças e vermelhos como o de agora. Mas dessa
vez as coisas realmente parecem não querer evoluir para uma
situação melhor do que essa.
Caroline é do Texas e nem nos sonhos ela quer voltar para lá,
de todas nós, a mais sem filtro, a que gasta mais do que pode.
Caroline provavelmente é aquela que manda e-mails para marcas
famosas pedindo patrocínio, sonha com lançamentos que nem
aconteceram e está sempre divina em cima de um salto, uma
skincare invejável e cabelos castanhos que daria inveja em qualquer
mulher – sim, minha melhor amiga era o produto mais incrível da
sociedade.
Santana é de Miami e apesar de parecer a mais cabeça, foi a
única que fugiu de casa – isso a faz perder alguns pontos com as
demais. Seus pais vieram de Cuba, por longos anos ela foi a filha de
imigrantes que tinha um bar em uma cidade qualquer. Seu sonho
sempre foi ir além, saindo das garras de uma família ditatória.
Ela costuma dizer que não quer ter o mesmo destino das
irmãs mais velhas cheias de filhos e trocas de maridos. Santana
tinha uma luz própria, a calma em pessoa, nosso cronograma
pessoal, a morena com um metro e meio de pernas, longos cabelos
negros e uma mistura latina que a Vogue está perdendo para capa
de suas revistas. Com toda certeza não sobreviveríamos uma
semana sem Santana em nossas vidas.
Eu sou de Phoenix, resolvi sair de casa em busca de um
trabalho decente em Los Angeles e assim conseguir bancar minha
faculdade, foi onde conheci minhas melhores amigas de
apartamento. Onde descobri que não era tão louca assim. E no fim,
nenhuma das três seguiu a profissão para a qual estudamos.
Caroline trabalha em uma loja no centro da cidade de classe alta
onde um vestido custa nosso aluguel, Santana trabalha em uma
empresa de telemarketing – as vezes ela surta e não atende
telefones com trauma do seu trabalho. Já eu, consegui um emprego
temporário em um consultório de odontologia que está em seu prazo
final de uma semana, depois de passar por enumeras tentativas de
grandes empresas reconhecerem meu diploma de contabilidade.
Então tenho uma semana para arrumar alguma coisa que dê
dinheiro, já que anos de curso não está funcionando muito bem.
–Sara, você está atrasada. – Santana gritou novamente
batendo a porta da frente.
–Eu já entendi – Gritei de volta.
Caroline bateu à porta se despedindo e correndo para
alcançá-la. Encarei as paredes do nosso quarto, era como um
templo com os dias contados. Não consegui tomar meu café da
manhã e sabia que almoçar depois de ver todas aquelas pessoas
saindo babando do consultório não me faria ter apetite por um longo
tempo.
Nada de táxi, demorei uma semana para entender isso.
Então eu precisava pegar um ônibus e tentar ao máximo não chegar
amassada ao trabalho. Táxi é de luxo e peça a Deus para você não
ter que morar na rua após pagar uma corrida – Santana sempre
repetia isso. Meu pai cortou qualquer mesada depois que me mudei,
primeiro porque foi uma escolha minha, segundo porque eu não fui
uma boa garota quando sai de casa e admito isso. Eles não tinham
culpa de ter uma filha consumista que queria muito ter sido rica para
suprir suas necessidades, então precisei sair para supri-las.
Recebi a primeira chamada da manhã pelo meu atraso.
Precisei engolir tudo com muita calma para não ser mandada
embora cedo demais. Nosso primeiro cliente era um senhor de 70
anos com uma disposição incrível que eu não tinha de manhã. Ele
sempre tinha uma história para contar, logo em seguida uma
madame que arrastava um garoto mimado que tinha a mania de
querer chutar minha canela até eu fazê-lo entender que eu chutaria
a cabeça dele se continuasse. Eram sempre os mesmos rostos, as
mesmas histórias e problemas.
Passar o dia ali era cansativo e tedioso a maioria das vezes
além do salário não valer todo o estresse, mas o lema era: se uma
moeda cair no chão, pegue-a. Qualquer coisa estava valendo.
– Boa tarde.
Encarei a garota ruiva e sorridente que havia entrado na sala
sem eu perceber.
–Boa tarde. Consulta marcada? – Perguntei com um sorriso
copiado.
–Oh, não. Sou a secretária que a doutora Gena estava
esperando. Ela marcou a essa tarde para falar comigo.
Como?
Se eu sou a temporária logicamente a última secretária
voltaria e não uma nova. Não é? Não. Forcei outro sorriso. Na
verdade, queria chorar, nunca me senti tão rejeitada e inútil desde
que entrei ali.
–Só um minuto – Arrastei minha cadeira com um pouco de
raiva.
Empurrei a porta do consultório, Gena segurava um bisturi ou
algo parecido com um enquanto uma garotinha de doze anos com
os dentes altamente estragado esperava ser atendida.
–Sua mais nova secretária está te esperando aqui fora.
Seu olhar era um pedido de desculpas. Fechei a porta e voltei
a meu lugar, a ruiva folheava uma revista e parei de encará-la, afinal
eu era temporária e ela não tinha culpa. E se ela seria a mais nova
secretária eu não fazia um bom serviço ali. Que ótimo, não?
–Eu sinto muito. – Sussurrou.
Dei de ombros vendo meu celular vibrar sobre a mesa.
Caroline.

“Eu levo o jantar” - Carol

Que?

“Com que dinheiro comprou o jantar?”

“Ganhei três pizzas e pude escolher o sabor. Então, o


jantar é por minha conta.” - Carol
“Estou furiosa e acho que vou perder o emprego antes do
tempo. Explico quando eu chegar, beijos”

“Sabe que a Santana vai te matar, não sabe?” - Carol

“Eu tenho certeza que vai.”

A garotinha saiu da sala meia hora depois com raiva e Gena


deixou a ruiva entrar. Entre risadas e sussurros eu já havia
decretado o meu fim por ali e quando saíram tive a certeza disso.
– Então começo amanhã? – A ruiva perguntou.
Gena me encarou.
– Sim. Podemos conversar, Sara?
Juntei minhas coisas, furiosa. Meu jeito descontrolado não
me permitia ser civilizada em certos momentos – os humilhantes
principalmente.
– Vamos pular a parte em que vai me despedir. Só acho que
seria mais humano da sua parte ter me avisado antes que iria me
mandar embora mais cedo. Então vamos fazer assim, me paga tudo
o que me deve de tempo trabalhado e eu saio daqui sem dizer tudo
o que quero. – Sorri.
A ruiva me encarava segurando a porta.
– Tenham uma boa tarde. – Bati os pés para fora da sala,
horas antes do expediente.
Eu devia voltar lá e dizer tudo o que queria. Não, eu não
devia. Eu só preciso começar a achar um emprego urgente caso de
despejo ou uma vida bandida – não havia nenhum look que
combinaria com as roupas da prisão, era a única certeza que tinha.
Caroline já estava em casa quando cheguei, Santana chegou
minutos depois. Agora eu era a única desempregada e precisava
arrumar um jeito carinhoso de dizer isso.
– Caroline disse que tem novidades. – Falou chutando os
saltos para longe e fazendo uma careta.
–Péssimas, então não chamo de novidade. Chamaria de
péssima notícia.
– Perdeu o emprego. – Santana me encarou.
– Dessa vez eu não fiz nada. Gena simplesmente me
mandaria embora hoje mesmo, acredita que a nova secretária
esteve lá? E elas já são íntimas o suficiente para a placa da
despedida ser apontada a mim? – Falei sem parar.
Caroline me encarava meio assustada.
– O que vai fazer com as suas contas? – Perguntou.
– Não sei. Não posso pedir ajuda ao meu pai, ele disse que
eu não estava preparada para morar sozinha e eu gritei dizendo que
não precisaria mais dele. E olha que ironia, eu mais do que preciso
dele agora depois de todos esses anos. – Segurei a cabeça ou ela
explodiria. – Vocês podem me ajudar. – Sorri amarelo.
– Da última vez que te coloquei para trabalhar comigo, você
gritou com clientes e foi despedida. – Santana me encarou.
– E você vai torrar todo o seu dinheiro na loja, amiga. Só eu
sei como é difícil se controlar naquela tentação. Deus fica me
provando naqueles corredores. – Caroline suspirou. – Então não,
você não pode ir para lá. Podemos dar um jeito.
– Roubando um banco? Esse é o único jeito. Eu passei a
minha vida em uma loja de sapatos. – Murmurei me lembrando – E
aquele vestido que vocês me incentivaram a levar. – As encarei. –
Vou vender um rim para pagar. Mas eu fico tão linda nele. –
Suspirei.
Ficamos em silêncio por um tempo até o som do meu celular
nos despertar. Eu não queria falar com ninguém, mas Caroline o
jogou em mim em sinal de irritação. Número desconhecido.
– Atende, esse número liga há semanas. E todas as vezes
você não está. Qual é o seu problema em atender telefonemas?
– Redes sociais. – Santana me chutou levemente com o pé
enquanto encarava o teto.
Fiz uma careta antes de atender.
– Senhorita Sara Malvin?
– É ela. Quem está falando?
– Aqui é a secretária do senhor Foster. Só estou ligando para
dizer que ele remarcou o encontro e que já depositou o dinheiro em
sua conta.
Encontro?!Era uma piada ironizando minha falta de emprego
e vida amorosa?
– Dinheiro? – Perguntei ganhando a atenção de Santana.
– Sim, senhorita Malvin. O combinado, não? Vinte mil.
– VINTE MIL? – Minha voz aumentou uma oitava. Santana e
Caroline me encararam parando no meio do trajeto até a cozinha.
Que isso não seja uma dívida. Caroline murmurou para mim.
– Sim, o combinado não era esse? – A voz soou surpresa do
outro lado da linha.
– Ah sim, claro. – Me recompus. – Era esse sim.
– Em que lugar desejam se encontrar?
Tentei ser rápida. Ela não pode estar falando sério. Eu
deveria desligar e ligar para polícia. Mas eu não era muito
inteligente para tomar atitudes de segurança
– Na cafeteria no Nilo’s. As três, pode ser?
Ela hesitou um pouco até confirmar.
– As três, o avisarei e não se atrase. Ele odeia atrasos.
– Não vou. – Prometi.
Poderia me dizer o que ele quer comigo? Uma parte do meu
cérebro me mandava perguntar. A outra estava totalmente
concentrada nos vinte mil. Desliguei.
– O que aconteceu? – Santana me encarou. – Não me diga
que esse número totaliza suas dívidas.
– Uma mulher acabou de dizer que tenho vinte mil em minha
conta. Se isso é de Deus, ou não, eu vou descobrir. Se for
pegadinha, também.
Caroline correu até o quarto trazendo o computador.
– Um tal de Foster acabou de depositar esse dinheiro. – Falei
quase automaticamente – Mas eu não sei o porquê ele fez isso. Mas
tenho certeza que depositou na conta da Sara errada. – Falei
andando pela sala. – Mas quantas Sara Malvin existem na América?
Caroline jogou a cabeça para trás.
– Liga de volta e diz que foi um engano. – Santana falou.
– Não posso. – Choraminguei.
– Por que não?!
– OH MEU DEUS! VINTE MIL! – Caroline gritou virando o
computador. – Você tem vinte mil na sua conta depositado há duas
horas.
– Por isso. – Apontei a Santana – Temos vinte mil na conta.
– O que você vai fazer? – Caroline me encarou – E se ele te
comprou ou comprou essa Sara? E se for um louco desses que
matam as mulheres atraindo-as com dinheiro? Já pensou que ele
pode já conhecer essa Sara e te denunciar quando vocês se
encontrarem?
Obrigada, Caroline, você sempre me reconfortando.
Eu não queria pensar nisso. Nem fui corajosa o bastante para
dizer a verdade, fui automática em menos de três minutos com a
mulher do outro lado da linha.
– Eu não sei, só sei que tenho um encontro com ele amanhã
perto do seu trabalho. Eu digo que foi um engano. Não sei. Mas
também eles podem nunca terem se visto. – A encarei.
– Isso é loucura demais. –Santana murmurou. – Isso é roubo.
– Não me deixe mais nervosa, são vinte mil! E não é roubo,
eu não fui até ele e peguei esse dinheiro. Eles me ligaram, eles
depositaram.
– Isso pode custar a sua vida, idiota. – Santana gritou.
– Vou morrer com as dívidas pagas. – Caroline bateu em
minha mão – Eu só preciso de alguém que tenha um tempo livre
para me acompanhar e vigiar. Qualquer coisa chame a polícia. São
vinte mil!
– Se você repetir vinte mil mais uma vez, eu acabo com você.
– Santana me apontou a almofada como se fosse sua arma.
Não consegui agir por uns quinze minutos, pensar que
encontraria uma pessoa que depositou vinte mil na minha conta sem
saber o porquê, me deixava mais assustada do que saber o
tamanho da minha dívida.

°°°

Santana tentou me fazer mudar de ideia no café da manhã,


mas eu apenas disse que ficaria tudo bem já que não podia repetir
vinte mil dólares perto dela. Caroline estava com medo dele ser um
cara louco que me mataria e me colocaria dentro de uma mala que
seria jogada de uma ponte. Eram muitos pensamentos positivos
destruindo minha coragem.
– Está combinado, Caroline foge do trabalho e me vigia. Se
ele tentar alguma coisa é só chamar a polícia.
– Sério que sua vida vale vinte mil?
– Rá! Agora foi você que falou. – Me fuzilou com os olhos. –
Não sei se ela vale, vamos dizer que é um sacrifício.
– O pescoço é seu, só me diga as flores que você gosta para
eu colocar no seu tumulo.
Caroline fez o sinal da cruz.
– Vejo vocês mais tarde. Por Deus, deixem os celulares
ligados. Me sinto morando com duas crianças.
– Você precisa de um namorado Santana. – Caroline segurou
seus ombros.
– E vocês duas um cérebro. – Ela afastou suas mãos. – Não
sabem o quanto isso me assusta e é sério!
Caroline arquitetou seu plano de jogo de tabuleiro e me vi
envolvida nas idiotices que ela dizia. Então ela precisou ir trabalhar
enquanto eu fiquei em casa quase cavando um buraco no chão que
me levaria ao andar de baixo. Vai dar tudo certo. Tem que dar tudo
certo, ninguém vai descobrir que você é uma fraude. E a culpa foi
deles, então relaxa.

14h30 horas

– Mesa doze, estou bem atrás de você. – Encarei Caroline a


algumas mesas. Ela estava mesmo disfarçada.
Oh Deus!
– Deseja alguma coisa? – Uma das atendentes me enxergou.
– Oh! – Abri a boca.
– Um suco, e um café forte.
Levantei o olhar encarando um homem... ele não é velho.
Quase me virei para trás gritando isso a Caroline.
– Sim, senhor.
Ele se sentou na cadeira a minha frente. Cabelo colado de
gel e uma cara de mal-humorado. Isso o envelhecia um pouco,
também o deixa mais forte fisicamente – e atraente.
– Sara, não é? – Perguntou ajeitando o terno.
– Si-sim. – Bati a mão no suporte de guardanapos no meio do
meu nervoso.
– Marcus Foster. – Estendeu a mão.
É, ele não é um velho!
2

Minha primeira intenção foi olhar para trás e acenar a


Caroline que provavelmente estava de queixo caído. Então ele não
era velho, faltava as opções maníaco ou um sádico louco para
surrar alguém. Isso ainda me assustava. Seu olhar era sério demais,
isso deixaria seu maxilar firme como se estivesse com alguma dor.
Uma dor bem sexy para ser mais exata. Terno caro, sapato caro,
perfume estupidamente caro. Então percebi que perdi tempo demais
prestando atenção em suas qualidades caras que não vi quando
falou comigo.
– Desculpe, me distraí.
– Falei que minha secretaria está a sua disposição para suas
compras. – A carranca em seu rosto aumentou. –Não foi essa uma
das suas exigências no contrato? Por sinal, estou te pagando bem
para ter essa exigência, não acha?
Como? Contrato? Que contrato? Oh céus, compras?! Deus
só pode estar sendo muito bom comigo.
– Quando posso começar as compras? – Me fingi de
desentendida.
Ele pegou um pequeno bloco no terno e anotou alguns
números, então deslizou a folha até minhas mãos.
– Aqui estão. Comunique Susan se algo não estiver como
planejado, ela vem te ajudar.
– Até quanto posso gastar? – Encarei os números. Sua testa
se vincou até relaxar.
– O suficiente para a viagem. Não esqueça de roupa de calor.
Te garanto que casacos de pele não serão uma boa ideia. – Cuspiu
entediado.
Viajar? Para onde? Respire, Sara! Minha vontade foi de
perguntar se eu havia exigido mais alguma coisa e até onde esse
contrato ia, mas desisti.
– Quando vamos viajar mesmo? Andei ocupada demais para
me ligar as datas. – Estava sendo uma péssima atriz.
– No próximo fim de semana. Te pego na cafeteria ao lado do
teatro.
Não! A verdadeira Sara pode estar lá.
– Prefiro que seja aqui, pode ser? Tenho um encontro com
uma amiga no mesmo dia ... aqui.
Marcus Foster umedeceu os lábios finos e voltou a relaxar.
Era como se eu fosse um inseto e ele quisesse me matar, mas não
conseguia.
– Tudo bem, você pode qualquer coisa, contanto que faça
seu serviço direito. Escolhi um perfil diferente dessa vez e seu
discurso foi muito profissional, espero que saiba realmente fazer
isso.
– Ou o que? – Perguntei para aquietar minha barriga.
– Ou nunca mais ganhará dinheiro dessa forma. – Guardou a
caneta em seu bolso do terno.
Claro, deveríamos conversar mais sobre isso, mas ele voltou
a falar da minha conta. Respirei fundo algumas vezes tentando não
desmaiar e parei de entender o que ele dizia todas as vezes que
dinheiro era citado, a conversa seria um pouco longa. Me sentia
uma ladra, literalmente. Alguém compulsivo com vinte mil na conta a
ponto de não ser honesta. Mas quem é honesto com vinte mil na
conta!? Marcus Foster parecia algum tipo de louco sem causa e ele
queria tudo do jeito dele, um viciado em acompanhantes, talvez para
suprir sua vida rica e fútil. Sim, eu estava prestes a ser sua
acompanhante segundo o que suas palavras indicaram.
– Certo, entendi tudo – Estendi a mão para apertar a sua –
Prometo que não irá se arrepender. – Queria acreditar nisso.
Ele apertou minha mão e senti quão grande e quente era.
Então a soltei e fiquei vendo-o se levantar, deixar o dinheiro sobre a
mesa e sair sem olhar para trás como se há longos minutos antes
ele não estivesse falando comigo. Quando ouvi o sino da porta
tocar, Caroline levantou as mãos como se estivesse em um jogo de
beisebol comemorando um ponto. Saltou de sua cadeira e correu se
jogando a minha frente.
– Quem era aquele homem? – Sua empolgação quase me
fez rir quando tirou um fio de cabelo castanho escuro de sua boca.
Bebi meu suco como uma doente. De verdade, eu estava
tentando me sufocar com ele.
– O Foster. Marcus Foster. Sério que ele tinha que ser bonito
assim? Estava quase aceitando roubar vinte mil se fosse um velho.
Caroline pegou o papel um pouco amassado na minha mão.
– O que é isso?
– Número da sua secretária. Temos um dia de compras para
fazer. Exigência de Sara. E vamos viajar.
Seus olhos se arregalaram.
– Para onde? Como assim viajar?
Bufei empurrando meu copo.
– Não faço a mínima ideia. Só sei que faz calor, ele disse:
nada de casacos de pele. – Tentei imitá-lo sem sucesso – No que
estou me metendo?
– Não importa. O importante é vinte mil salvando nossas
vidas. E com ele, eu faria esse favor até de graça. – Piscou.
Bati em sua mão.
– Precisamos passar pelo sermão da Santana. Depois
ligamos para essa secretária.
– General Santana, primeiro.
°°°

– Santana, são vinte mil!


– Estou falando sério sobre partir a cara das duas se
repetirem vinte mil de novo. – Caroline se encolheu. Santana
massageava as têmporas. E nos encarou. – O cara é rico, novo e
parece um mafioso.
Encarei Caroline.
– Ele parece – Se defendeu.
– Se ele descobrir que está com a pessoa errada para sabe-
se lá o que, provavelmente vai te denunciar ou fazer algo pior se for
do tipo que se vinga com as próprias mãos.
– Você quer realmente me assustar? Estou fazendo isso por
nós! Eu não tenho um emprego, as contas estão aumentando,
moramos em vários lugares diferentes e ainda podemos ficar na rua,
eu não quero isso. Só precisava de um pouco de apoio para confiar
em mim mesma a ponto de dizer que vai dar tudo certo. Sua ajuda é
importante. Caroline e eu agimos sempre por impulso e não
conseguimos parar quando é preciso, você sabe disso. – A vi
respirar fundo por um longo segundo. Então abriu os olhos.
– Tudo bem, não foi um futuro atrás das grandes que sonhei
para mim, quem sabe escrevo um livro contando essa aventura
vendo o sol nascer quadrado em macacões laranjas que nada
combinam com meu tom de pele. Espero realmente que isso dê
certo Sara Malvin ou eu acabo com você.
Caroline gritou alto o suficiente para levar um soco no braço.
– Ai!
– Certo. Preciso ligar para esse número e fazer compras. –
Falei com um sorriso genuíno.
– Oi? – Santana se voltou a mim.
– Sara exigiu isso. Então eu preciso fazer compras, podemos
gastar com o que quiser, que ele vai pagar. Faz parte do teatro. –
Me defendi.
– Poderia ser um pouco humilde e ter dito que não queria
mais.
– Isso estragaria o disfarce. É só uma bolsa italiana, o que há
de mais? – Caroline perguntou quase inocente.
Não contive o riso e Santana estava colada ao celular nos
fuzilando. Afastou o aparelho: – Marcus Foster não te reconheceu. E
se a secretária dele sabe quem é você?
Senti o sangue gelar.
– Desliga – Mandei um pouco tarde demais.
Santana marcou para nos encontrarmos em uma das lojas no
shopping, movimentação nos ajudaria a fugir. Caroline estava
empolgada e eu comecei a temer esse encontro. As três da tarde, a
única mulher que parecia esperar alguém chegou. Era um pouco
mais alta do que eu, os traços eram uma mistura oriental e
americana. Nos encarou por alguns segundos e se aproximou.
Havia me esquecido que Santana disse que estaríamos em três e
deu nossas características principalmente como estaríamos
vestidas.
– Sara?
Recebi dois olhares até conseguir falar.
– Eu.
– Susan – Estendeu a mão com um sorriso simpático – Muito
prazer.
– O prazer é todo meu.
– Já decidiu por onde começar? – Perguntou seguindo na
frente nos fazendo apressar os passos para acompanhá-la.
Não, no momento estou pensando seriamente em voltar para
casa. Deixei tudo para Caroline, então ela nos arrastou para uma de
suas lojas favoritas, algumas moças nos cumprimentaram afinal já
éramos conhecidas ali.
– Ela parece inofensiva. – Caroline murmurou em um dos
provadores.
– Ela não para de me encarar. –Sussurrei. – Será que ela vai
chamar a polícia? – Perguntei a encarando pelas cortinas.
– Acho que ela já teria feito isso.
– E se a outra Sara era arrogante, metida ou algo do tipo?
Marcus Foster não parecia muito fã dela, eu não sei de mais nada.
– Tenta ser também.
– Sabe que eu não consigo.
Fechou meu vestido.
– Obrigada, ainda dá tempo de desistir?
– Não. Entrega nas mãos de Deus, sorria e arrase. – Me
empurrou para fora do provador.
Susan se aproximou e deu uma conferida. Voltou a sorrir para
mim fazendo minha pose de falsa arrogância sumir. Eu não
conseguia e ponto.
– Experimente esses – Saiu da frente me apresentando mais
uns vinte vestidos.
Vamos lá Malvin, só dessa vez. Seguimos para umas cinco
lojas, de sapatos a cabelo. Consegui arrumar algumas coisas para
Santana e Caroline e elas ficaram felizes com isso. Mesmo assim,
eu ainda não estava cem por cento confortável. Via policiais na
entrada e por todos os lados me prendendo como via na televisão.
– Bom, vai querer ver mais alguma coisa? – Perguntou
anotando em um bloco de notas.
– Não obrigada.... Quer dizer, estou satisfeita com tudo o que
comprei. Te ligo se precisar de mais alguma coisa.
Ela devia se encolher com meu tom, mas sorriu como se eu
tivesse cinco anos e estivesse aprontando – e talvez tivesse razão.
– Ficarei à disposição. Paguei um lanche para as três, só
precisam pedir.
A vi pegar o telefone e discar um número enquanto se
afastava. Meu estômago pesou.
–Sacolas. Muitas sacolas.
–Cala a boca, Caroline. –Dessa vez foi eu.
Não consegui comer nada, o pânico me tomando lentamente.

20 min depois em casa...

–SACOLAS, SACOLAS E MAIS SACOLAS! BOLSAS,


VESTIDOS, BIQUÍNIS! SACOLAS! PARAÍSO. MEUS PRECIOSOS!
Santana me encarava pular na cama fazendo meus
pertences saltarem para o chão.
– MAIS VINTE MIL NA MINHA CONTA! – Cantarolei com um
sorriso enorme.
Bufou batendo a cabeça na parede e me mostrando o dedo
antes de sair. Fiquei encarando o teto. Vai dar tudo certo. Você
consegue.

Três dias depois...

– Sara seu celular está tocando. – Caroline me balançou


algumas vezes na cama até eu abrir os olhos.
– Quem é?
– Número desconhecido.
Me sentei atendendo a ligação sem realmente estar me
ligando nela até reconhecer a voz de Susan do outro lado. Ela
falava como se estivesse sorrindo.
– Bom.... Bom dia.
– Está atrasada. – Avisou.
– Atrasada? – Encarei o relógio. Quase onze.
–Seu dia no SPA. Marcus assinou um contrato e ele deve ser
seguido também, nunca se sabe.
Ela acha que vou simplesmente fazê-lo pagar por um dia não
ido ao SPA? Que droga os ricos fazem com seus dinheiros?
– Mais uma exigência. – Soou como uma pergunta.
Ela riu.
– Sim. Anote o endereço. Acho que deve ter esquecido isso
também.
Claro. Passei meia hora encarando o teto até me levantar e
seguir para o banho. A cada dia meu buraco ficava mais fundo,
estava cavando para me enterrar, passamos a madrugada fazendo
pesquisas sobre Marcus Foster e tudo o que sabia era que o cara
tinha muito dinheiro e ganhou isso com desenvolvedor de software e
muita gente queria seus trabalhos. Ao meio dia estava em frente ao
SPA maravilhoso localizado na parte rica da cidade. Eu não queria
saber o que reservei, apenas queria relaxar. Pegar tudo o que
conseguisse.
Sara realmente parecia um ser arrogante, ninguém queria
errar por ali enquanto cuidavam de mim assim que pisei meus pés
no espaço, ou Marcus Foster fez uma visita pelo lugar. Respirei
fundo e tentei sorrir, passar segurança, mas elas devolviam um
sorriso assustado demais. E a tarde que era para ser relaxante,
estava tensa, falhando em tudo.
– Quer alguma coisa? Uma água? Um suco? Um chá talvez?
– Uma das mulheres conseguiu falar comigo sem parecer prestes a
desmaiar pela primeira vez.
– Estou bem. – Avisei.
Algumas horas depois estava livre, cabelo perfeito e não me
lembrava quando foi a última vez que fiz uma hidratação decente
em um salão ou como minha pele havia estado tão perfeita. Chamei
um táxi, sorte que reservei algum dinheiro e prometi demorar um
longo tempo para voltar ali. Agora era esperar, tinha dois dias para
encontrar Marcus Foster de novo, precisava estar como ele queria.
E eu não sabia na verdade, como ele queria que eu estivesse.
3

– Ei, Sara, levanta. Você está atrasada. – Caroline me


sacudiu algumas vezes até eu abrir os olhos de verdade. – Cara,
você está mais do que atrasada. Você está muito atrasada.
– Para que?
– Encontrar Marcus Foster, levanta daí mulher! – Me
empurrou.
As palavras vieram devagar até meu sistema. Então em dois
segundos estava dentro do banheiro me matando afogada no
chuveiro. Ouvi Santana gritar para não molhar o cabelo e consegui
evitar isso a tempo. Encarei o relógio algumas vezes, até conseguir
me enfiar em um vestido azul tomara que caia. O tempo estava
ensolarado e eu não acreditava nisso, eu suaria até que me
acalmasse. Minhas malas estavam prontas e por um segundo
pensei em desistir. Então meu celular tocou.
– Susan. – Santana apontou para mim.
– Atende.
– Você deve morar sozinha. Atende você.
– Ela me viu com vocês. – Santana continuou com o aparelho
para mim. Respirei e atendi. – Sim.
– Está atrasada. – Ela estava seria pela primeira vez. – O
senhor Foster odeia atrasos.
Aí vai uma novidade não muito empolgante: EU SEMPRE ME
ATRASO. O que esperar de uma pessoa que até para nascer se
atrasou?
– Chegarei em dez minutos. – Assim que eu inventar uma
máquina do tempo. Desliguei, chamei um táxi e desci às pressas
com Santana e Caroline atrás de mim.
– Por favor, liga se qualquer coisa der errado. Coloquei o
número da polícia como o primeiro da lista de emergência. –
Santana falava como se eu tivesse cinco anos. – Isso é sério Malvin.
– Tudo bem. – Eu acho.
– O que eu digo se seus pais ligarem?
– Que estou viajando a trabalho. Não deixe Caroline atender,
ela pode dar com a língua nos dentes.
Caroline bufou virando os olhos.
– Boa sorte. – Desejaram-me.
Eu esperava mesmo ter sorte com tudo isso. Fechei os olhos
parando de encarar a paisagem, tinha que considerar todas as
possibilidades como reais. Ele poderia ser um louco sádico, uma
pessoa solitária ou realmente um louco sádico. Pensar dessa
maneira não estava ajudando muito, então parei de pensar também.
Esperava que seu humor que presenciei estivesse pior em razão do
meu atraso.
Dez minutos depois estava no local combinado com Susan
segurando uma pequena caderneta. Ela sorriu ao me ver e falou
com o motorista para colocar minhas malas no carro parado logo
atrás e me pediu para segui-la.
Me assustei com o meu tagarelar ao ver Marcus sentado no
banco de trás com óculos escuros, cabelo no lugar mexendo em seu
celular que por sinal, eram um ano de salário, ou melhor, antigo
salário meu. Tentei ser superior também, eles me trataram como
uma pessoa arrogante no primeiro encontro. Sara devia ser assim,
mas eu tinha certeza que essa pose não duraria muito tempo. Sou
uma pessoa falha, muito falha e desligada.
– Desculpe o atraso, estava ocupada.
Deu de ombros e sussurrou algo a Susan. Certo, ignorada
por ser educada. Quando o carro começou a se afastar, meu
coração começou a bater mais rápido e minhas mãos a suarem.
Susan ficava me observando e isso me dava medo.
– Passou tudo a ela Susan? – Me assustei ao ouvi-lo falar.
Susan sorriu.
– Sim. Ela sabe o que terá de fazer.
Fingi não prestar atenção. Porque eu não sabia o que teria de
fazer, eu não sabia nem quem era ele além do que o Google me
disse, quanto mais o que eu teria de fazer e onde faria isso. Pensei
em me levantar e dizer que não durmo por dinheiro, mas a coragem
só estava na mente.
Vinte minutos depois estávamos no aeroporto, Susan voltou a
se aproximar de mim quando Marcus se afastou e acordei dos
pensamentos enquanto o observava.
– Ainda se lembra do que conversamos? – Assenti –Mas vou
repetir mesmo assim. Nada de beijos, apenas esteja ao lado dele.
Vocês se conheceram aqui mesmo em Los Angeles e estão juntos a
um ano. Marcus é alérgico a pasta de amendoim e qualquer coisa
que o tenha, não mexa nas coisas dele por nada nesse mundo e
muito menos o questione. Sua família é um pouco investigativa
demais e como você mesma disse, nenhuma passagem pela
polícia.
Sorri. Eu tenho sim, mas ninguém precisava saber disso
agora, não é?
– Não se esqueça, vocês não são um casal de verdade. Você
foi muito bem recomendada. Estamos entendidas?
Balancei a cabeça nervosa.
Então eu seria a namorada dele? Mas por que? Pensei em
perguntar, mas provavelmente – Sara – já teve essa conversa antes.
Marcus não me esperou para irmos juntos ao avião. Quando
cheguei o encontrei já acomodado.
– Estamos fazendo essa viagem juntos? – Deixei escapar.
Me encarou sem responder. – Espero que se lembre disso quando
desembarcamos ou te deixo no meio disso tudo e volto para casa.
Volto não, porque não tenho dinheiro para isso.
– Vamos evitar conversas, preciso fazer uma viagem
tranquila.
Fresco, isso o que você é. Me encostei na janela sentindo o
avião subir, em pouco tempo eu dormiria, eu sabia disso. Esqueci
Marcus do meu lado e toda a sua pose de soberano. Dispensei os
amendoins que passavam servindo e quase o mandei pegar um só
para vê-lo me suplicar ajuda.
Acordei meia hora antes de desembarcarmos. Marcus estava
de olhos fechados, a cabeça reta encostada no banco. Ele era
bonito, mais bonito agora observando melhor, mesmo parecendo
dormir, ele ainda tinha as feições duras. Seu maxilar estava travado,
ele tinha o perfeito queixo inglês. Seu nariz era afilado com uma
pequena – quase imperceptível – depressão nas laterais. Seus
cabelos eram uma mistura de cores entre castanho claro quase um
loiro escuro e castanho, prova de que já havia sido muito loiro
quando mais novo. Seus lábios eram finos e dariam um belo sorriso,
se ele sorrisse. Todo seu rosto parecia ter sido desenhado.
Parei de observá-lo quando percebi que a loira siliconada do
lado fazia a mesma coisa. Quando anunciaram o pouso, ele abriu os
olhos um pouco assustado, mas sem fazer o drama que eu ou
qualquer pessoa normal faria. Ele apenas continuava a encarar o
nada, passou as mãos no rosto e me encarou. Pensei em dizer que
já havíamos chegado, mas ele percebeu isso sozinho. Permaneceu
sentado até conseguirmos sair, pegou nossas malas quando
passamos pela fila das malas. E andou na frente – mais uma vez –
em direção a algum táxi disponível.
Já deviam ser quase três horas. Mais uma vez fomos
automáticos ao entrar no carro, Marcus sussurrou o endereço,
recolocou os óculos e se manteve afastado de mim. Me sentia
estranha, não saberia explicar se me perguntassem como, mas tudo
o que eu queria era o colo das minhas melhores amigas e chorar.
Você está sendo renegada, Malvin. Sua beleza não era nada para
ele, nenhum olhar de aprovação, nenhum olhar diferente. Era isso,
ego ferido. Acontece. Me sentia em um outro mundo, mas era esse
o preço que se paga quando não se é honesto e eu não fui, em
nenhum momento.
– Meus pais estarão em casa. Talvez mais tarde minha irmã e
meu primo estejam.
– Está falando comigo? – Perguntei irônica.
– Estou pagando para sair tudo certo. Você me cobrou caro
por algumas semanas, acho certo da sua parte trabalhar direito. –
Falou rude. – Como disseram, você é uma classe A.
Dei de ombros encarando a janela, no máximo eu era uma
classe C em breve. Você é um problemático e eu não sou a Sara
arrogante que talvez gostasse desse seu jeito, se você continuar me
tratando assim eu vou chorar cara, e vou desabafar com a primeira
pessoa da sua família que vier. Encarei a placa dizendo onde eu
estava. Bem-vindo a Flórida.
Outro carro nos esperava, Marcus ainda estava em silêncio
quando nos acomodamos. Coloquei meus fones de ouvido e fechei
os olhos, em nenhum momento ele disse o quão longo tudo isso
seria. Muito tempo depois entramos em uma pequena estrada, era
um condomínio fechado de apenas uma casa, o céu alaranjado
fazia a paisagem ficar bonita. Era enorme, dois andares e me
lembrava aquelas casinhas do Japão, só que a circunferência era
um pouco mais campal.
Encarei Marcus, ele segurava o celular, mas logo o desligou e
enfiou no bolso. Quando o carro parou vi que uma mulher nos
observava da soleira, ela tinha os cabelos repicados até o ombro,
um olhar angelical e parecia feliz em ver o desgraçado que saiu do
lado contrário ao meu. Ouvi a porta se bater e continuei no meu
lugar apenas assistindo a cena e me dei conta de que já devia ter
saído também.
– Oi, filho. – Falou calorosa.
Filho? Ela parecia tão nova para ser mãe de um rabugento.
Marcus estava sorrindo e comprovando minha tese sobre seu
sorriso ser bonito. E era, ele devia sorrir mais vezes, mataria muitas
mulheres e mudaria o mundo de quem estivesse do seu lado. Sua
energia era carregada demais.
– Senti sua falta. – Segurou seu rosto depositando outro
beijo.
– Eu também.
Me posicionei a alguns passos atrás e ela encontrou meu
olhar.
– Então essa é a Sara? – Seus olhos castanhos brilharam
para mim.
– Sim. – Marcus segurou minha mão com um pouco de luta.
Isso estava claro demais em seus olhos. Me puxou para frente.
– Você é linda, sou Sandra – Me abraçou – Mãe do Marcus.
Ele não deve ter falado muito sobre mim. – Riu. – Seja bem-vinda
querida.
– Muito prazer, sou Sara, namorada do Marcus. – Não sabia
o quão interessante saiu minha mentira. – Marcus não é muito
falante. – O encarei.
Sandra o fitou e voltou a mim. Ele logo manteve a pose de
apaixonado e feliz a fazendo bater palmas voltando para a casa e
chamando alguém. Então Marcus se afastou e voltou à cara
emburrada de antes pegando o maldito celular no bolso. O que tanto
ele vê ali? Fiquei parada na soleira esperando que pegasse as
malas e só então o segui para dentro.
Era grande, mas aconchegante, as paredes eram de uma
tonalidade quente, laranja e um toque de marrom, tinha uma lareira
e me perguntei porque lareira ali, uma TV enorme de dar inveja.
Caroline adoraria isso, deixei um sorriso escapar.
Sandra voltou trazendo uma loira com ela. Leslie era seu
nome, ela sorriu e me abraçou, passou um tempo encarando
Marcus até ele abraçá-la com um braço só de um jeito
envergonhado. Trocaram algumas palavras e ela se afastou dizendo
que estava na cozinha.
– Devem estar cansados da viagem. Seu pai foi até a centro
com Lucio e Nora, parece que Peter não pôde vir.
Marcus bufou.
– Já arrumei o quarto de vocês. Venham ver.
Marcus me encarou e acho que agradeceu por estar com as
mãos ocupadas com malas. Perdi a conta de quantos degraus
haviam sido até pisar em chão firme. Era um corredor que chamei
de mão dupla, pegamos o lado direito onde haviam duas portas que
segundo Sandra, uma era um banheiro de emergência e a outra
porta era o nosso quarto.
– Nora insistiu para ficar com ele, mas como Peter não pode
vir, ela ficou com o do outro corredor. – Sandra abriu a porta. Era um
quarto grande, uma cama de casal com lençóis branco e preto, as
paredes eram de um amarelo quase branco. A brisa balançou as
cortinas e gostei.
Marcus soltou as malas as deixando cair de propósito. Voltei
a posição de sentido e o encarei com um meio sorriso.
– Coloquei toalhas novas no armário. – Sandra avisou –
Agora vou deixá-los se ajeitarem, qualquer coisa estamos na
cozinha.
Assenti louca para que ela saísse e eu ficasse com o
ignorante, pelo menos não estaria mais fingindo. Voltei a janela, a
praia estava ali do lado, ao longe a alguns belos metros, tinha outra
pequena casa. Não sabia ao certo se realmente era uma casa.
– Eu vou dormir aqui – Apontou para o sofá – Pode ficar com
a cama.
– Tudo bem. Aquilo é uma casa? – Perguntei.
Marcus não me respondeu. Abriu sua mala e tirou algumas
peças indo em direção ao guarda-roupa. Não importava, uma hora
eu poderia ir até lá e descobrir sozinha.
– Se quiser tomar um banho, sinta-se à vontade. – Apontou
para a porta do banheiro.
– Pode me avisar quando terei de ser excelente? – Perguntei
um pouco irritada com sua mudança de humor.
– Todo o tempo. – Frieza escorria de sua voz.
– Certo. – Me levantei indo até minha mala. Peguei o primeiro
vestido longo que achei e segui para o banheiro.
O banheiro era dois do meu, encarei a banheira, mas como
era o primeiro dia me senti intimidada para usufruí-la, optei pelo
chuveiro mesmo. Marcus parecia não estar no mesmo ambiente que
eu, ele agia como um gato. Tentei não demorar muito, quando sai do
banheiro ele estava parado encarando o nada na janela. Estava
com uma bermuda branca e uma camisa polo preta, seus cabelos
ainda estavam arrumadinhos. Engomadinho por inteiro. Pigarreei e
ele se virou lentamente.
– Pode me olhar um pouco melhor? – Pedi – Estou me
sentindo estranha com esse seu olhar de enojado.
Sorriu sem humor.
– Não diga como eu tenho que agir.
– E você pode dizer como eu tenho que agir?
Se afastou da janela.
– Tem uma grande diferença entre nós dois. – Calçou os
chinelos indo em direção a porta. – Eu estou pagando e você
obedecendo.
Senti um soco no estômago e meus olhos cheios demais, me
afastei indo até a janela. Era um sinal de que não o seguiria e ele
pareceu entender, ouvi a porta se bater atrás de mim.
4

Não sei quanto tempo se passou desde que Marcus havia


saído do quarto. Meu celular começou a tocar Love Game da Lady
Gaga e me dei conta de a quanto tempo aquele era meu toque. O
encontrei no fundo da bolsa, duas caras felizes sorriam para mim –
Santana e Caroline.
–Oi. – Deixei todo o meu mal humor transparecer.
–Ah meu Deus que bom que atendeu! – Santana falava e
pegou folego no fim. –Me diz que está inteira?
–Não, estou enterrada em um jardim e preciso de ajuda.
–Sara Malvin me diz que está brincando! – Gritou.
–Estou bem. Até demais. – Fechei os olhos.
–Onde está?
–Flórida. Em uma casa escondida em uma praia deserta.
–Como?
Encarei o teto.
–Estou falando sério, acho que Marcus está de férias. Única
explicação para estarmos aqui. Ele tem uma mãe simpática e mais
alguns membros da família que não conheci. Já tivemos nossa
primeira, discussão. Bom, como lidar com um homem que te
enxerga como uma barata? Meu Deus, eu não sou tão ruim assim.
Ouvi Caroline gritando para colocar no viva-voz.
–Pelo que Susan me explicou, ou repetiu, eu serei a
namorada dele. Acho que é só um disfarce para a família, mas eu
não sei o porquê disso tudo. Marcus é fechado demais, duro
demais. É estranho. – Admiti.
–Se isso for demais para você, diz a verdade.
–Não diga, Sara! São vinte mil! – Cala a boca, Carol. Ouvi
Santana berrar.
Passamos quase meia hora conversando até baterem na
porta. Uma mulher baixinha sorria para mim e avisei que precisava
desligar. Logo atrás vi Marcus parado, me encarando um pouco
tenso ou pragmático, ela fechou a porta na cara dele.
–Sara?
Me levantei estendendo a mão: –Sara.
Ao invés disso ela me abraçou.
–Sou Nora. Irmã do Marcus, ele disse que estava cansada
então prometo ser rápida. Só queria agradecer por ter vindo, não
sabe o quanto somos gratos. – Segurou meus ombros. – Obrigada
de verdade.
A porta se abriu.
–Chega, Nora. Sara está cansada. –Encarei Marcus, ouvir
meu nome da sua boca foi estranho.
–Tudo bem. O jantar sai em meia hora. Nos vemos lá em
baixo. –Piscou para mim. –Teremos muito tempo para nos
conhecermos.
Assenti e a vi sair. Marcus me encarou. Estava fazendo um
auto comparativo da mulher encantadora que esteve há mais ou
menos vinte segundos no quarto com o homem me encarando
agora. Marcus era maior do que qualquer coisa, de qualquer forma.
Nora era pequena e delicada, seus cabelos presos para o alto em
um rabo de cavalo perfeito. Ela poderia ter saído de uma videoaula
de ginástica que Caroline costumava assistir, só que sem as roupas
de ginástica bregas e algo mais sofisticado para ela. Sem contar a
luz que irradiou agora sendo ofuscada pelo clima pesado de seu
irmão mais velho.
–Você tem que ser grosseira com ela. – Falou.
–Por que? – Tinha certeza que minha cara não era a das
melhores.
–Ela vai se afastar e não fazer perguntas.
E me odiar também, claro.
–Não vou fazer isso. Não posso fazer isso.
–Foi para isso que te paguei. Você disse que faria como
combinado, que eles não seriam importantes ou alguém que você
gostaria de contato.
–Você me pagou para ser sua namorada. Não para tratar mal
sua família. Acho que você pode fazer isso sozinho com essa sua
cara azeda. Sua energia é negativa demais. – O empurrei o ouvindo
respirar fundo e soltar o ar lentamente.
–Esse é o primeiro dia. Você disse que era uma profissional e
faria o que fosse mandando, então seja uma. – Falou nervoso.
O encarei.
–Vou fazer o que prometi, mas do meu jeito. Caso contrário,
faça sozinho.
Alguém bateu à porta então deixamos o quarto. Já havia
decretado aquele lugar como minha zona de conforto e me senti
vulnerável fora dele, mas não tinha escolhas. Nora acenou vindo da
cozinha com uma bandeja de salada, Leslie ria com alguma coisa
que Sandra havia dito. Na sala, dois homens conversavam, um era
loiro de certa idade e Marcus se parecia com ele o outro parecia um
armário, mas que deixava seu lado armário de lado quando sorria
fazendo suas covinhas darem sinal.
–Então eles chegaram. –O loiro se levantou se aproximando.
–Seja bem-vinda a família Sara.
–Obrigada. –Apertei sua mão.
–Sou Tony, pai de Marcus e esse é Lucio.
O grandão apertou minha mão com um pouco de força.
–Sou o primo mais legal.
–Prazer primo mais legal. – Repeti contagiada pelo seu
humor.
–Ficamos felizes em tê-la aqui. Marcus precisava nos
apresentar. Foram longos meses. – Tony o encarou.
–Menos pai. –Marcus segurou minha cintura me aproximando
dele. Pensei em me afastar, mas também pensei nos vinte mil em
minha conta com uma boa encenação.
–Sara parece adorável. –Senti as mãos de Sandra em meu
ombro me afastando um pouco Marcus. –Temos tanta coisa para
conversar. E espero que Marcus não a prive de sua boa conversa.
O fitei. Marcus sorriu e vi uma certa luta em seus olhos para
me deixar ficar com a sua mãe. Eu só queria entender porque todos
pareciam agir automaticamente perto dele. Não era uma ação
normal a meu ver.
–Certo, podemos conversar enquanto comemos. –Leslie se
juntou a Lucio. Logo todos seguiam para cozinha.
Encarei a mesa por alguns segundos, era muita comida para
algumas pessoas. Consegui visualizar Caroline com os olhos
brilhando devorando cada especiaria ali presente. Ela não tinha
controle da boca que tinha e depois chorava reclamando que estava
acima do peso.
–Então Sara, é de Los Angeles mesmo? –Leslie sorriu me
perguntando.
–Não, sou de Phoenix. – Encarei meu prato. – Moro em LA
há alguns anos.
Marcus me fitou. Não sei de onde Sara havia dito que era,
usaria a desculpa do disfarce caso ele me questionasse mais tarde.
O que achava meio impossível, já que falar não era muito o seu
forte.
–Me mudei para Los Angeles por causa da faculdade. –
Completei.
–E o que cursou?
–Contabilidade. – O que era uma ironia dado pelo avanço em
gastos.
Um som de surpresa ecoou pelo espaço. Marcus me
observava a cada palavra e eu não sabia se era surpresa ou apenas
me vigiando para não dizer nada que saísse do seu plano. Plano
esse que eu ainda não conseguia entender.
–Hmm, então temos alguém aqui que gosta de números. –
Lucio sorriu encarando seu prato e fiz um som em resposta.
Então era hora de mentir sobre como conheci Marcus. Nora
me parecia a mais curiosa, tinha que ter cuidado com ela. Marcus e
eu nos conhecemos em uma cafeteria, ele queria uma informação,
tomamos um café e então surgiu uma amizade que em poucos
meses se transformou em um relacionamento. Toquei sua mão e vi
seu queixo endurecer, na verdade, acho que todos viram e me
afastei o suficiente para fazê-lo voltar ao normal. Isso me incomodou
mais do que eu achava possível.
–Fico feliz por você estar bem filho. –Sandra sorriu do outro
lado da mesa. –Obrigada por estar conosco, Sara.
–Eu que agradeço por me deixarem entrar.
O clima foi voltando ao normal. Ajudei com a louça, tentei não
me importar com os olhares das donas da casa. Ouvi algumas
histórias, mas nada que pudesse me ajudar. Qual era o problema de
Marcus Foster?
–Estou pensando em ir compras umas coisinhas básicas.
Preciso de biquínis novos, quer vir comigo? –Nora segurou minha
mão me arrastando para sala. – Leslie odeia. Não tive tempo de
fazer isso ainda e preciso de fotos novas dessas férias.
–Marcus pode não gostar...
–Marcus não se importa. Vai ser legal, muitas lojas a nossa
disposição.
Lojas! Não Sara, lojas não.
–Tudo bem. Eu vou. Mas com uma condição. – Ela parou. –
Não podemos demorar por nada nesse mundo. Seu irmão pode ficar
preocupado.
Ela riu.
– Marcus e sua fixação por seus amores.
Fixação?
Subi apenas para pegar meu celular. Encontrei com Marcus
no meio do corredor, seu olhar me assustou um pouco, então
estávamos de volta ao quarto quando ele me arrastou até lá.
–Aonde vai?
–Sair com a sua irmã. – Encarei a parede.
–Não diga nada a ela. Consegue fazer isso? – Segurou meu
braço.
–Não vou. Agora pode soltar meu braço? – Encarei sua mão.
Se afastou alguns passos.
–Esteja aqui antes das nove.
Encarei o relógio, quase oito.
–Certo. Estarei aqui antes das nove e não direi nada a
ninguém. – Fingi reverencia e o deixei.
Eram sempre frases automáticas. Nora me gritou do seu
quarto quando sai do meu, parecia empolgada por estar indo as
compras e no fundo, eu também estava mesmo sabendo que não
compraria nada. Talvez uma bolsa, isso, você está na Flórida,
bolsas são legais por aqui.
–Marcus disse alguma coisa? –Perguntou descendo as
escadas.
–Só para não demorarmos muito.
–Marcus é extremamente ciumento e cuidadoso. – Falou.
Como? O Marcus que conheço me atiraria do segundo andar
sem pensar duas vezes.
–Por que ele é assim?
Nora me encarou e não sabia se aquela havia sido uma boa
pergunta. Eu queria saber mais, queria saber tudo. Mas minha
curiosidade poderia me fazer cair.
–Ele apenas não sabe superar as coisas. Mas acho que você
está o ajudando, só pelo fato dele tê-la deixado entrar em sua vida
novamente.
Isso só me deixou mais curiosa. Nora escolheu um dos
carros na garagem, deduzi ser de Lucio, pois, o mesmo a mandou
ficar bem longe dos postes. Relaxei em meu banco aproveitando o
tempo de paz que ela havia dado sem falar e observei Marcus
andando pela praia. Estava um pouco longe, indo em direção a casa
e se sentou a poucos metros. Nora também percebeu, mas não
disse nada apenas sorriu e encarou a estrada que surgiu quando
saímos do perímetro, mesmo assim senti algo diferente naquele
sorriso. Era mais um “como desviar de qualquer pergunta agora”.
As pessoas na cidade eram incríveis. Literalmente usar
roupas ali era quase raro. De um lado carros tocavam músicas altas,
do outro, um grupo dançava na rua. Meus olhos se voltaram as
vitrines, eu não posso. Repeti isso tantas vezes até Nora me fazer
entrar em uma delas.
–Biquínis. Eu prefiro verdes, meu noivo gosta de verde e
acabei me acostumando a isso também. Marcus gosta de azul. –
Cantarolou.
Não vou comprar biquínis para impressionar seu irmão. Muito
menos um biquíni!
–Digamos que estou com um cartão estourado. – O que não
era mentira. –Não posso comprar nada. Já me sinto pecando
apenas de olhar.
–Isso não será problema. Eu lhe dou de presente. –Segurou
meus ombros me empurrando para as pilhas de biquínis diversos. –
Esses dois aqui lhe parece cair muito bem. – Eu não chamaria de
biquínis, por mais que já tivesse usado semelhantes.
–Pequenos demais.
–Perfeitos para você. Agora vá experimentá-los.
Passei um tempo me virando de um lado a outro até a
mesma abrir as cortinas do provador e aplaudir. Estava perfeito, dois
biquínis por conta dela que chegaria ao ouvido de seu irmão e ele
acharia que eu estava a explorando. Isso é ótimo! Andamos em
mais algumas lojas, ganhei uma bolsa e essa eu não consegui
recusar, era perfeita. Quando vimos a hora já havia passado um
pouco das nove e não parecia realmente que já estava tarde.
–Marcus vai ficar chateado. –Falei ao abrir a porta e dar de
cara com ele sentado na soleira. Segurava a cabeça entre as mãos.
Nora não sorriu dessa vez, apenas pegou as sacolas –
inclusive a minha – e entrou. Me aproximei me sentando a seu lado.
Ficamos em silêncio por alguns longos minutos até ele me olhar de
lado ainda com as mãos na cabeça. Não era um olhar amigo, eu
sabia disso.
–Não sabe ver as horas? – Perguntou.
–Me desculpe, não posso dirigir um carro que não é meu e
não tinha dinheiro para o táxi. E muito menos consigo controlar sua
irmã. Mas isso você já deve saber...
–Não devia ter ido com ela.
–Está no contrato que eu deveria me isolar dentro do quarto?
Quer que isso soe natural, ou vai precisar que eles te questionem?
Afinal, você sabe o que é agir naturalmente?
Ele ainda me encarava. Senti meu coração bater rápido
quando o olhei nos seus olhos pela primeira vez desde que
começamos a pequena, discussão.
–Apenas evite o máximo de contato que conseguir. Ela não
está tentando ser sua amiga.
– Por que está me dizendo isso?
– Estão todos pisando em ovos, você não percebeu ainda? –
Me fitou. Seu olhar longe. – Se mantenha longe e fale o suficiente.
Sei o que estou fazendo.
–Como quiser. –Falei o vendo se levantar e a porta bater
pouco depois.
Mais uma vez me sentia estranha ali.

°°°

Quando entrei no quarto, Marcus estava no sofá lendo um


livro – e de óculos, isso o deixaria mais atraente aos olhos de
qualquer mulher. Estava calor e abri a janela um pouco mais, puxei
os cobertores da cama e me refugiei ali, minha intenção era não
usar cobertores afinal, estava em uma terra tropical onde isso era
desnecessário a maior parte do tempo. Meus olhos foram pesando
aos poucos, bem lentamente e me esqueci que ele estava ali e que
poderia até estar me observando. Então eu dormi, ainda sem
acreditar que passei pelo primeiro dia.
5

Quando acordei, Marcus não estava mais em seu sofá. Minha


cabeça estava doendo e por algum motivo me senti doente. Peguei
meu celular perdido embaixo do travesseiro e tinha uma mensagem
do Instagram, Caroline havia postado a foto de seu café com o meu
nome e uma carinha feliz. Essa era a primeira manhã que não
acordava com ela enchendo a paciência. Respondi com um: estou
com saudades e me levantei.
Da janela consegui ver Lucio, Marcus e Leslie na praia.
Pareciam se divertir, Marcus estava sorrindo e dessa vez podia dizer
que não era fingimento. Tomei um banho demorado me desfazendo
da escova que durou bons longos dias. Achei uma aspirina em uma
caixa de primeiros socorros no armário da pia e acreditava que
ficaria um pouco melhor agora.
Encontrei Sandra na cozinha, era muito eu acordar tarde e
dessa vez não foi diferente. Me senti um pouco sem jeito com isso,
mas estava com fome e muita fome para deixar a vergonha me
fazer esperar até a hora do almoço – isso se eu já não estivesse
perdido.
–Como dormiu? – Perguntou com um sorriso devoto.
–Tentando me acostumar com o clima. –Sorri. –Um pouco de
dor de cabeça, mas dormi bem.
–Se quiser eu posso pegar um remédio...
–Já tomei. Não se preocupe.
–Deve estar com fome. –Seguiu para geladeira. –Posso fazer
um lanche para você...
Percebi sua bolsa em cima da mesa.
–Está de saída?
–Estou sim, mas posso fazer isso... – Continuou procurando
coisas na geladeira.
–Eu me viro. Pode deixar comigo. –A parei.
–Tudo bem. Tem mais coisas no armário caso não ache tudo
aqui.
Assenti.
Ela deu uma última olhada ao redor, como se para se
certificar que tudo estaria ao meu gosto e se retirou. Fiz um lanche
simples, sanduíche de peito de peru e suco de laranja. Meu pão
estava esmigalhado quando vi a sombra de Marcus entrando pelos
fundos. Me encarou e seguiu para a geladeira, senti como se pregos
tivessem sendo pregados em minhas costas. Devia pedir desculpas
por não ter acordado na hora?
–Nora vai te chamar para sair.
–Já sei. Devo dizer não. – Encarei meu prato.
–Isso. Deve dizer não. – Seu tom estava mais calmo agora.
Me virei para encará-lo.
–Não estou muito bem. Então não será total fingimento.
–Precisa de alguma coisa? – Me olhou de verdade pela
primeira vez e eu não estava preparada para isso.
–O que vou fazer o dia todo já que não posso me socializar
com sua família? – Cuspi.
Pegou o celular no bolso, discou alguma coisa e o guardou.
Marcus era o tipo de pessoa que por mais boa que você fosse, você
nunca chegaria perto o suficiente para conhecê-lo.
–Não sei. Apenas não saia com ela. Gosta de livros ou seu
hobby é apenas cartões de credito? Ha livros no escritório. – Avisou
se afastando. Fiquei parada absorvendo o que disse.
É Sara, ele te chamou de perua ignorante. É isso que pensa
de você.
Voltei ao quarto depois disso, uma hora depois Nora estava
me chamando para sair e eu disse que não até de maneira rude. Na
verdade, eu queria ir, mas Marcus não confiava em mim o suficiente
para isso. Santana me ligou e contei tudo a ela, e mais uma vez ela
insistiu para eu voltar depois de uma crise de choro que até eu
mesma me assustei.
–Estou pensando seriamente em fazer isso. Ele é frio demais
comigo e perto da família ele sorri. Estou me sentindo um objeto e
bipolar.
–Mas é isso que você é enquanto estiver aí. Deixa isso para
lá Sara, volta para casa. Eu te ajudo a arrumar um emprego e
esquece esse dinheiro.
Encarei o teto.
–Me dê mais três dias, se as coisas não melhorarem eu vou
embora. Não sei como, mas vou.
–Certo. Me ligue. Te amo, Carol também.
– Amo vocês. Sinto saudades.
O calor foi se adaptando ao espaço e acabei cochilando,
acordei algumas vezes com Marcus entrando no quarto pegando
alguma coisa ou mexendo em um livro. Quando saiu, acabou
deixando o mesmo cair. Me levantei segundos depois apenas para
fazer a gentileza de colocá-lo no lugar, foi aí que ele entrou
novamente o puxando da minha mão.
–Não mexa nas minhas coisas! –Gritou. –Não toque em nada
do que é meu. Entendeu?!
Meu coração perdeu algumas batidas, e minhas pernas
tremeram. Quando senti sua mão me largar, quase cai. E com o
susto comecei a chorar da maneira mais ridícula que um ser
humano pode chorar. Ele não pediria desculpas, isso estava
estampado em seu rosto. Engoli em seco tendo tempo apenas de
pegar meu celular e sair do quarto. Minha cabeça estava dando
voltas, ignorei Lucio na sala quando disse alguma coisa e devo ter
quebrado a porta quando sai.
A areia fina entrava pelos meus dedos, causavam um certo
incomodo, mas continuei a caminhar ouvindo a onda quebrar. Por
que eu fui entrar nessa? Isso é castigo. Castigo de quem não ouve e
não faz as coisas certas. Talvez essa Sara fosse dura e arrogante o
suficiente para enfrentá-lo, mas eu não sou assim. Se uma criança
gritar comigo, no fundo sou capaz de me rebaixar a ela pelo simples
fato de não conseguir ser a “controlada emocionalmente” o tempo
todo.
Quando olhei para trás, vi o quanto me afastei da casa. E em
fim estava perto da casinha que conseguia ver pela janela. Fiquei a
encarando por um tempo, era tão pequena e simples que quase a
comparei a uma casa de boneca. Me aproximei da soleira e subi o
primeiro degrau, observei a porta, o chão de madeira estalou
quando pisei e consegui chegar até a porta espremendo meu rosto
na janela. Não dava para ver com uma lona tampando tudo.
Forcei a maçaneta, sem sucesso. Olhei para cima e vi um
chamuscado de fumaça preto. Um incêndio? Poderia ser uma
relíquia na qual eu estava preste a destruir se ela estivesse à beira
de desmoronar. Forcei a maçaneta mais uma vez para ver se abria
e nada. Preferi deixar como estava e voltei a areia me sentando a
alguns metros onde a água quase tocava meus pés. Não sei quanto
tempo passei ali, não sei nem se o tempo passou.
Quando voltei o céu já estava escurecendo. Lucio saia e me
abraçou preocupado, gritando um: ela está aqui. E vi Marcus
aparecer na soleira com Leslie e Sandra. Isso tudo era por minha
causa? Por algumas horas longe?
–Onde esteve? – Marcus perguntou me conferindo.
–Por aí. –Falei fria. Ele queria que eu fosse fria? Pois eu seria
com ele e com quem ele mais quisesse.
Eu queria um banho e um coma, não queria ter que olhá-lo,
apenas me preparar para encarnar de uma vez o personagem. Seria
do jeito que ele queria. Empurrei a porta do quarto e desejei que a
força que usei para fechá-la pelo menos quebrasse seu nariz
perfeito, quando me dei conta que estava logo atrás de mim, nem
isso eu consegui.
–Pode parar um segundo? –Segurou meu braço. Meu corpo
se desiquilibrou e bati no dele.
Podia ver as gotas brilhantes de suar brincando em sua testa,
seus olhos procurando algo de errado em mim e isso fez meu
coração perder algumas batidas.
–Não! Eu não quero te ouvir, eu não quero olhar na sua cara.
–Puxei o braço. –Só preciso de um banho e dormir.
–Você vem jantar com a gente.
–Não quero. –O encarei.
–Eles ficaram preocupados. – Segurou a cintura.
–Devo ser fria o suficiente para não me importar com o como
eles ficaram, não é isso? Estou encarnando a personagem, me
deixe em paz.
Bati a porta do banheiro.
–Me desculpe. –Sussurrou contra ela. Quando a abri ele não
estava mais.
Me desculpe? Era tudo o que ele tinha a dizer. Vai se ferrar,
era o que eu tinha a dizer também.
As onze ouvi Marcus mandar Nora ir para o seu quarto
porque estava cansado e eu provavelmente já estava dormindo,
fingi que realmente estava dormindo só para ver o que ele faria.
Seguiu para o guarda-roupa e pegou uma camiseta e uma bermuda,
pensei que iria para o banheiro, mas se trocou ali mesmo. Como
toda mulher, eu parei para observa-lo. Ele nunca mudava a cara
feia.
Respirei quando o vi tirar a bermuda e trocar por uma mais
leve. Os músculos das suas costas se contraíram quando ergueu os
braços para passar a camiseta e percebi um sinal em sua costela.
Parecia uma cicatriz na verdade e voltei a encarar seu rosto quando
o vi me encarar de volta. Não sei se ele percebeu que eu estava o
observando. Soltei a respiração lentamente e tentei não me mexer
mais. Minutos depois, ele estava em seu sofá com seu livro de mais
cedo.
Livro que aprendi a odiar.
Ele não estava lendo, não nos primeiros dez minutos. Parecia
encarar uma página, voltou a me fitar respirando fundo, só então o
vi folhear o livro. Foram algumas páginas até eu pegar no sono.
Minha curiosidade por saber o que tinha naquele livro era tão
grande quanto saber o porquê de eu estar ali realmente.
Eram quase três da manhã quando acordei com vontade de ir
ao banheiro e me assustei ao ver Marcus de pernas cruzadas
encarando o nada. Às vezes ele me assustava, eu não sabia que
tipo de louco ele era e não queria descobrir também.
Me encarou.
–Te acordei? –Perguntou em um fio de voz. Seus olhos
estavam vermelhos.
–Como se está em silêncio? –A menos que estivesse
chorando alto.
Deu de ombros.
–Está sem sono? – Perguntei.
Voltou a me encarar.
–Estou, mas não quero companhia.
–Não estava nos meus planos perder meu sono te fazendo
companhia. Só vou até o banheiro. – Apontei.
Seu maxilar travou e vi o quanto isso o irritou. Segui para o
banheiro e me demorei lá mesmo já tendo feito o que queria fazer.
Quando sai, ele não estava no quarto e muito menos o seu livro. Me
debrucei na janela e ele descia pela soleira, comecei a perceber que
minha presença realmente o incomodava a ponto de tirar o seu
sono. Mas não me importava, não ia perder o meu por causa dele.
Acordei mais cedo, não queria ser mais uma vez a última a
acordar. Não estava tão quente como no dia anterior. Sandra e
Leslie mais uma vez mandavam na cozinha, Nora devia estar em
alguma loja na cidade.
–Bom dia. –Falei.
–Bom dia, querida. –Sandra me cumprimentou.
–Bom dia, Sara. Marcus está lá fora. – Leslie avisou.
–Ele disse que vão sair hoje. – Sandra me deu um olhar
cumplice.
–Ele não me disse nada. – Na verdade ele não me diz nada.
–Bom, estava indo agora mesmo levar esse suco para ele.
Pode levar por mim? Aproveita e conversam.
Peguei o copo, mas quase disse para ela mesma fazer isso.
Seu filho e eu não somos o que podemos chamar de falantes.
Marcus estava a uns seis metros da casa perto da água. Ele nunca
relaxava, via pelas suas costas tensas e podia jurar que seu olhar
era sério.
Fui contando os passos e chutando a areia até me aproximar.
Ele viu que eu estava do seu lado, mas não se virou. Minha vontade
foi de jogar o suco em sua cabeça, mas preferi bebê-lo. Que se
dane que era para ele.
–Isso era meu. –Falou ainda encarando a água. Engoli em
seco. –Não te ensinaram a não beber as coisas dos outros?
Me sentei.
–Se você realmente quisesse teria me olhado e dito:
obrigado, você trouxe. –Ele sorriu. Não foi um sorriso, mas um
esboço dele. –Sua mãe disse que vamos sair. Isso tudo é para eu
ficar longe deles?
–Não. –Me fitou. – Meu primo me questionou. Ele acha que
você é mais uma contratada.
Houve outras então?
–E o que você disse?
–Que não era. Ele já contou a todos, quando você saiu
ontem. Eles precisam acreditar que não é.
–Por que tudo isso, Marcus?
Senti um frio na espinha quando me encarou. Mesmo com os
óculos eu podia ver a interrogação em seus olhos. Eu não sabia se
já havíamos tocado nesse assunto antes – ou se ele já havia dito
para Sara verdadeira o motivo disso tudo. Se bem que Susan não
me disse nada.
–Susan disse que você não se importava. E que seu trabalho
era apenas me acompanhar, estou enganado?
–Só quero te ajudar.
– Ha uma diferença muito grande entre estar curioso e querer
ajudar. Não quero a sua ajuda. Quero apenas que faça seu trabalho
e seu trabalho e ser minha acompanhante sendo uma boa atriz.
Quero que confiem em mim e me deixem em paz.
Eu queria jogar areia nos olhos dele. Mas deixei para lá e
encarei o mar. Ele não queria falar, e agora provavelmente
reclamaria com Susan a péssima atriz que ela havia contratado. O
que poderia ser de tão grave assim para ele ser tão grosseiro, idiota
e frio?
–Não farei mais perguntas senhor excelentíssimo Foster.
Ouvi sua respiração sair lentamente.
–Certo. Gosta de caminhar? –Perguntou ainda encarando o
mar.
Caminhar não era a coisa mais legal do mundo para uma
pessoa de coordenação duvidosa, mas a areia me dava a certeza
de que seria amortecida.
–De verdade, do fundo do meu coração e com todo o
sedentarismo que meu corpo possui, não. Por que?
Apontou com a cabeça o outro lado da praia, uma pequena
ilha.
–Quer me afastar da sua família ou me isolar dela
literalmente? – Perguntei usando a mão livre para proteger meus
olhos do sol encarando a ilha.
–Um pouco de cada. –Sorriu. Dessa vez ele sorriu que até
esqueci da vontade repentina de socá-lo. –Vamos fazer hora.
–Caminhando.
–Caminhando. –Confirmou.
6

Marcus segurou minha mão quando estávamos quase


chegando a casa e só me dei conta depois que vi que era Leslie
sentada nos observando. Ela era menos agressiva do que Nora e
isso era bom, acho que confiaria mais se nosso segredo vazar com
ela do que com Nora Foster que tinha uma maneira nada dócil de
dizer tudo o que queria.
– Oi casal, Sandra acabou de falar sobre vocês. – Sorriu.
– Onde ela está? – Marcus ainda segurava minha mão com
um pouco de força.
– Acho que subiu.
Não disse mais nada apenas me arrastou com ele para
dentro da casa. Pensei em perguntar se havia algum problema entre
ele a mulher de seu primo, mas optei por manter a promessa de não
fazer mais perguntas – não por agora, pelo menos.
– Preciso me trancar no quarto enquanto conversam? –
Perguntei soltando sua mão.
– Pode ser menos engraçadinha? – Tentou uma careta.
– Você precisa sorrir mais. – Parei alguns degraus e o fitei –
Você fica bonito sorrindo.
Eu não queria que aquilo parecesse uma cantada. Tentei de
todas as maneiras fazê-la não parecer uma, afinal não era uma.
– Não gosto de sorrir. Não tenho motivos para isso. – Falou
me encarando.
– Você fica feio quando está sério. – Essa foi a maior mentira
que já disse na vida. Mas eu queria destruir o ego dele que ajudei a
crescer quando resolvi ser gentil.
Segui para o quarto e ele foi atrás da mãe. Marcus
literalmente era uma caixinha de surpresa e algo me dizia que se eu
tentasse abri-lo soaria um alarme e não seria nada legal.
O plano era me manter o mais longe possível de sua família
isso tudo porque ele tinha medo de ser descoberto. Me visualizei
algumas vezes perguntando a Nora ou qualquer outro o motivo
disso tudo, mas eu não estaria sendo profissional, bem eu nem sou
uma. Então... quando voltou parecia de bom humor. Abriu o guarda-
roupa e pegou uma bolsa, me encarou como se me mandasse
reagir e me pus de pé com a pergunta na ponta da língua, mas ele
foi mais rápido.
– Pega um biquíni ou dois. Não sei o que vai querer levar,
protetor solar e alguma roupa solta. Apenas uma peça. – Falou
como se eu fosse alguma doente.
– Sim, senhor.
Ele continuava a arrumar sua bolsa enquanto fui fazer o que
mandou. Vi que pegou o livro e alguma coisa dentro de uma gaveta
e o colocou no bolso. Entreguei minhas coisas e o vi ajeitar na
mochila com cuidado. Na descida Leslie me entregou outra bolsa
dizendo para ter cuidado que podia virar a comida. Marcus se
despediu de todos e seguimos alguns metros até um barco.
– Acho que posso ficar enjoada aí. – Avisei.
– Só deixar a cabeça fora do barco. Não terá problemas.
Eu devia vomitar na sua cara também não seria nenhum
problema. Não havia ninguém nos observando de longe pelo menos
não visível então entrei e me sentei em um dos sofás. Marcus
seguiu para direção, colocou seus óculos escuros e me esqueceu
por um longo tempo. Era óbvio que eu ficaria enjoada e me senti
verde no meio do caminho, foi quando ele percebeu que eu estava
ali ainda e não morrendo afogada porque não podia vomitar em seu
lindo barco.
– Tem remédio na bolsa e água ali. – Apontou para uma
portinha escondida na lateral do barco.
Me arrastei até lá pegando uma garrafa e puxei a mochila
pegando o remédio. Perdi a conta das gotas do remédio, apenas
virei na boca e fechei os olhos sentindo minha temperatura
despencar.
– Falta muito? – Obriguei minha voz a sair.
– Pouco. Menos de quinze minutos.
– Se queria que eu sumisse era só ter dito que eu me
enterrava lá na praia mesmo. Ninguém ia me ver.
– Não quero sumir com você. – Podia sentir o humor em sua
voz. Levantei a cabeça e encarei suas costas estavam
razoavelmente relaxadas agora.
– O que quer então? Sabe gostaria que você me
respondesse algumas coisas. Sei que o combinado era sem
perguntas, mas eu preciso saber.
Me encarou. Entendi como um faça-as.
– Por que quer me manter longe da sua família, se me trouxe
aqui para eu ser sua namorada? E por que eles te tratam como se
você fosse um doente? E por que você me trata como se eu fosse
dar com a língua nos dentes?
Bufou um sorriso voltando a direção.
– Não vai responder?
– Não disse que responderia. – O desdém escorreu pela sua
voz agora.
– Eu desejei que você fosse um velho quando fui te encontrar
sabia? Acho que um velho seria mais legal que você. – Me
aproximei da água – Velhos literalmente são mais legais.
Ele virou o barco de maneira brusca, com o susto acho que
parti meu joelho ao meio, perdi o equilíbrio e cai na água. Estava
muito gelada, gelada demais para o meu gosto. Bati as mãos para
subir, mas o barco fazia tudo turvar e o medo de perder a cabeça
em uma das hélices não me dava coragem o suficiente para seguir
em frente. Até ouvir a queda e a mão de Marcus me puxar para
cima.
– Me solta! – O bati algumas vezes sentindo as lágrimas
quentes em meu rosto. Você vai morrer se não deixa-lo ajudar. A
parte em mim que não sabia nadar muito bem me alertou.
– Oh droga, você está bem? – Ele realmente parecia
preocupado agora. Minha conta em um hospital poderia soar caro.
O empurrei, mas suas mãos seguraram meus braços e me
sacudiram.
– Droga, você está bem? – Me encarou.
– Por que quer saber se foi você quem me jogou aqui? Você
é um cretino idiota. – O segurei com medo de afundar.
Marcus não me soltou até estarmos de volta ao barco. Agora
tremendo de frio e com um vermelhão no joelho, senti uma dor tão
grande que pensei que havia quebrado. Marcus voltou para a
direção. Ele devia saber que a arrogância dele machuca as
pessoas. Ele devia saber também que eu posso sim cumprir com
esse meu papel idiota, mas ele também tem que colaborar.
Chegamos minutos depois ao outro lado. Mas não sai do
lugar, o vi se aproximar da pequena geladeira e pegar um pouco de
gelo na parte de baixo, encher uma sacola com os cubos e se voltar
a mim. Continuei encarando a água quando estendeu para mim,
queria que ele engolisse cada pedrinha, senti o meu joelho queimar
quando o colocou sem respeitar minha rejeição.
– Eu não quero. – Era infantil, mas eu estava com raiva.
– Não te perguntei nada. – Falou firme.
– Não quero sua gentileza.
Deu de ombros e pressionou mais o gelo em meu joelho.
Tentei afastá-lo, mas ele o segurou, sua mão era grande e seus
longos dedos finos pressionavam minha carne. Ele não me deixaria
sair dali.
– Está sentindo alguma coisa estranha? – Me estudou.
– Dor. Eu bati quando cai.
– Me desculpe. Precisa ir a um médico?
Neguei.
– Isso é culpa sua. – Sussurrou.
– Minha? – O encarei. –Foi você quem tentou me matar. –
Gritei.
– Eu não tentei te matar.
Puxei o joelho e doeu.
– Viu? Você mesma tenta se matar.
A raiva fez meu joelho voltar ao normal. Ele me ajudou a
descer do barco me fazendo sentir o tamanho que meu joelho
estava ficando com a luxação. Marcus pegou as bolsas e me levou
por uma trilha, ele devia saber onde estava nos levando. Ele tinha
que saber.
– Isso aqui também é seu? – Perguntei quando saímos do
meio das árvores e avistei a pequena casinha de frente a uma
grande piscina que se formou com as ondas.
– Agora é.
– E de quem era? – Perguntei.
Deu de ombros.
– Já veio aqui antes? – Perguntei novamente. Talvez ele me
respondesse.
– Uma vez. – Pegou a chave no bolso e abriu a porta. Senti o
ar quente nos dar as boas-vindas.
Era pequena, não parecia tão diferente da casinha do outro
lado, mesmo eu não tendo entrado nela era fácil comparar. Apenas
dois cômodos, cozinha e banheiro. Uma cama ainda com o plástico
novo, pia limpa e banheiro nunca usado antes. Não era uma
supercasa, era apenas um lugar confortável no meio do nada.
– O que vamos fazer?
– Caminhar. – Me deu as costas.
– Qual é a possibilidade de nós perdermos?
– De você se perder? – Sorriu. –Todas.
Dei de ombros me sentando na cama e sentindo o colchão
quente contra minhas coxas. Marcus sorriu, mesmo se virando de
costas, eu o vi sorrir. Ele estava fazendo muito isso desde que o dia
começou.
– Não sei se vou conseguir andar com o joelho assim. –
Avisei.
– Então fica aqui.
– Você consegue ser menos ignorante de vez em quando?
Esse é só o segundo dia. – Supliquei.
– Você não parece a mesma pessoa que Susan me disse. –
Me encarou. Ele tinha aquele olhar que fazia todas as verdades
escorrer de você e eu era aquela pessoa que dizia a verdade sob
pressão.
Senti a espinha gelar. Ah claro, a Sara arrogante e
desinteressada. Você é curiosa, enxerida e boca dura.
– O que eu posso fazer se meu cliente é misterioso. – A pior
jogada que eu poderia fazer.
– Não fazer perguntas é um bom começo.
7

Marcus voltou a criar uma bolha só dele, tentei acompanhá-lo


sem ser comida por mosquitos ou escorregar em alguma pedra ou
nos meus próprios pés. Ele não parecia ser o cara que pararia para
conversar.
– Como está seu joelho? – Perguntou sem olhar para trás.
– Superando o atentado e como está o seu humor? –
Brinquei.
Bufou.
– O de sempre. – Conclui. –Certo, falando sério agora, por
que tudo isso?
– Por que você ganha a vida assim? – Rebateu minutos
depois.
Eu não ganho a vida assim. Você que entrou na minha vida.
– Também tenho os meus segredos. – Joguei.
– Lembre-se disso quando me questionar.
Um ponto para ele.
O resto da caminhada ele fez praticamente sozinho, eu não
queria mais segui-lo e nem me importava com isso. Acabamos
voltando para a praia, Marcus deixou seus chinelos sobre uma
pedra, tirou a camisa e caminhou em direção a água e lá estava a
cicatriz mais uma vez, era uma mancha vermelha poderia ser de
nascença e não necessariamente uma cicatriz.
Um flash se formou em minha cabeça. A casinha parecia ter
sido tomada pelo fogo, Marcus tem uma cicatriz que poderia ter sido
causada pelo fogo. A família dele o trata como louco, pelo menos é
o que parece; Marcus tentou se matar? O perdi de vista quando
mergulhou, me sentei ao lado de suas coisas ainda remoendo o que
havia me dito até tomar coragem e decidir entrar na água também.
Tentaria tocar sua cicatriz, contudo por hoje evitaria perguntas.
A água estava fria demais para o meu gosto e esperei que
chegasse a meu umbigo até que ele emergiu a minha frente. Fingi
ter me assustado com isso.
– Muito gelada – Disfarcei.
– Está boa. – Sorriu de lado. – Você realmente não sabe
nadar?
Neguei. Em parte, porque bater os pés e as mãos para uma
pessoa altamente descoordenada como eu levaria ao afogamento .
– Por mais que minha vontade seja de ir mais longe eu evito,
poderia não voltar. – Cruzei os braços.
Mergulhou e emergiu metros depois mais longe.
– Não precisa se aparecer. – Fiz uma careta.
– Não estou me aparecendo. Estou fazendo o que pessoas
que sabem nadar fazem na água. Me divertindo.
Continuei no meu lugar, às vezes dava alguns passos atrás
quando a água me levava e isso foi fazendo as horas se arrastar.
– Vem, vou te mostrar que não é tão fundo. – Chamou. Isso
era o mais perto de agradável que ele estava se tornando.
– Está sendo legal comigo?
– Estou tentando. Não quero criar laços, entende?
Entendo e até deveria dizer não. Mas segurei sua mão e
deixei que me levasse, a água foi subindo e subindo e só segurar
sua mão não me deixava tranquila. Mas agarrá-lo não soaria bem.
– Marcus está ficando fundo. – Meus dedos dos pés estavam
fincando na areia. E você me parece louco para colocar toda minha
confiança em suas mãos.
– Aqui está bom para você? –Perguntou.
– Está perfeito.
Meus lábios estavam tremendo. Segurei seu ombro, onde
parte da cicatriz poderia ser tocada. Sem querer me peguei
passando muito tempo a encarando e ele percebeu. Tinha uma
certa textura.
– Mancha de nascença?
– Parece uma? – Seu humor foi levado embora.
– Não sei, apenas perguntei. – Desviei o olhar.
– Não é uma mancha de nascença.
– Acidente ou suicídio? – Deixei escapar meus próprios
pensamentos. Segurou minha mão a tirando de seu ombro. Seu
olhar fez a água ficar mais fria.
– Não tente investigar minha vida. – Mandou. Podia ver a
força que usava em seu maxilar.
–Não estou investigando. – Em parte.
– Está sim. Por isso saiu com minha irmã. – Gritou.
– Não...por que está dizendo isso?
– Porque Nora é fácil de ser enrolada. Porque é assim que
todas tentam me compreender e conseguir algo em troca seja
financeiro ou psicológico.
–Qual é o seu problema? – Gritei.
Suas mãos me apertaram com força me fazendo lembrar que
tinha um braço em volta de mim. Marcus estava tão perto que eu
não sabia se era realmente meu corpo tremendo ou o seu.
– Fique longe da minha vida. – Sussurrou cada palavra, seu
hálito quente batendo em meus lábios.
– Um pouco tarde demais, você me colocou nela. –Não vi
mais nada. A onda me pegou desprevenida e por um instante me
levou.
Meu corpo girou e não senti nada amplo sob meus pés.
Tentei me lembrar de como se nadava. O ar havia se evaporado e
meu nariz queimou quando sem querer respirei. Pensei que
morreria ali.
Areia. Marcus segurava minha cabeça e me encarava, seu
rosto estava vermelho e pequenas gotas d’água caiam de seu
cabelo.
– Graças a Deus, quer me matar? – Sussurrou segurando
minha cabeça em seu peito.
Falando em cabeça, a minha estava doendo, pesada e meu
nariz queimando.
– Essa função é sua. – Resmunguei sentindo as lágrimas,
tentei me soltar, mas ele já me carregava. Tentei me soltar, mas ele
não queria a mesma coisa.
– Pare ou a deixo aqui mesmo. – Mandou.
Fechei os olhos, eu não queria respirar fundo, mas seu
perfume era forte e não parecia ter estado em água salgada. Ouvi o
barulho da porta e o vento quente nos receber. Estava na cama e
estava sem a parte de cima do biquíni.
– Como...
– Deve ter saído com a onda... – Virou o olhar.
– Mas...
– Não se preocupe, eu não perderia meu tempo tirando sua
roupa. – Continuou encarando a janela.
Me sentei sentindo a cabeça pesar de novo. As coisas com
Marcus aconteciam muito rápido, não tinha tempo para concluir os
pensamentos e um segundo virava uma vida inteira.
– Quero voltar. – As lágrimas vieram. Uma mistura de magoa,
medo, tristeza e sanidade.
– Ainda não. – Falou preso em seus próprios pensamentos.
– Eu quero voltar. – Gritei. – Que se dane seu dinheiro, eu
quero voltar.
– Voltar para onde Sara? – Me encarou.
– Para minha casa. Eu quero voltar para minha casa, Marcus.
– Apertei meus braços contra meus seios ainda a mostra.
– Temos um acordo. – Falou. Puxei a camisa de sua mão.
– Que se dane seu acordo. – A vesti. – Não vou esperar que
me mate para eu voltar para casa dentro de um caixão. Isso se você
não esconder o corpo.
Meu queixo estava tremendo, de repente tudo o que sentia
realmente era frio. Eu não devia me importar com ou como Marcus
agia. Isso era uma farsa, mas algo estava mexendo comigo de uma
hora para outra. A necessidade de atenção e a preocupação se
sobressaindo a curiosidade. Eu sabia o que eu estava fazendo, não
era inteligente.
– Me desculpe. – Segurou meus ombros.
– Desculpas não salvam minha vida. – Encarei seu peito para
não o olhar nos olhos.
– Sara… – Segurou meu braço.
– Me solta, você está me tratando mal desde que cheguei,
sinto muito se suas outras acompanhantes aceitavam isso, você
devia recompensá-las muito bem...
– Não fale o que não sabe. – Sua voz era dura. Como se eu
tivesse cinco anos.
Bufei.
– Isso parece meio óbvio. – Ri sem humor.
– Não durmo com pessoas como você.
O encarei. Seu olhar me cortou em um milhão de pedaços.
– Me sinto muito bem por saber disso, a intenção aqui era
trabalhar. Mas não trabalho mais para você e quer saber, deve ser
por isso que você é assim, sozinho. Você não merece ter
companhia, você nem sabe o que isso.
Sua respiração ficou lenta e sua mão soltou meu braço.
Depois disso o vi sair e de todas as loucuras que fiz, essa me
mandaria para o inferno porque além da mentira, eu acrescentaria
uns três, ou quatro pecados capitais que possuo.
Santana sempre tem razão e esse é um dos motivos pelo
qual eu gosto quando ela fica calada. É quase uma premonição do
que vai acontecer. Você vai se arrepender, você vai chorar, você vai
se machucar, vai presa ou para o inferno. Ela tem razão. Isso
sempre acontece, todas às vezes. Mas dessa vez eu fiz sozinha
toda a merda e nem podia culpar Caroline, bem em parte podia,
mas essa parte era muito pequena.
Agora metade de mim queria ir embora e a outra mais
egoísta queria desencavar o passado de alguém. Era uma versão
de CSI leve, sem corpos, pelo menos ainda.
Estava escurecendo quando a porta se abriu e o vento gelado bateu
em meu rosto. Estive encolhida como um feto na cama por um longo
tempo. Eu não perdi tanto tempo assim pensando ou perdi? Isso
não importava.
Marcus me encarou, sem pedidos de desculpas ou qualquer
droga do tipo. Eu não esperava nenhuma gentileza vindo dele.
Continuei encolhida em meu lugar.
A porta se fechou com o vento e minha cabeça doeu. Ele se sentou
em uma das cadeiras perto da janela e praguejou baixinho. Meus
olhos de repente estavam nadando em lágrimas e a sensação que
tive ao analisar a situação foi a mesma que tive quando tinha seis
anos e tentava fazer a garota popular da sala me aceitar. Eu tentei
de todas as maneiras, mas ela me menosprezava até que um dia
me cansei e fui expulsa da escola.
Com Marcus não era diferente. Eu não podia exigir que
confiasse em mim, mas ser gentil de vez em quando, sorrir e tentar
conversar ajudaria muito no nosso convívio. Essa é a lei para ser
sociável.
– Quando vamos voltar? – Perguntei.
Me encarou
– O tempo está ruim.
– Não está me prendendo aqui, está?
–Não. –Voltou a encarar o nada. –Estamos presos em um
contrato.
–Você não pode me prender em nada. Sou livre.
– Você leu as letrinhas no fim dele? Se quebrar o contrato
além de te caçar, te faço pagar uma bela multa. – Ameaçou.
Acho que cuspi em um ato de nervoso. As lágrimas
desceram, ficamos em silêncio por muito tempo até meus olhos se
fecharem. Não sei por quanto tempo dormi, acordei com Marcus me
encarando antes de se voltar para o seu relógio. Sua mão se
aproximou e pensei em me afastar até senti-la contra minha testa.
– Como se sente? – Perguntou me analisando.
– O que fez comigo?
– Te passei febre por telepatia. – Resmungou irônico. – Você
dormiu por três horas e sua febre vem e vai. Precisamos voltar.
– Vai lá Deus e faz a chuva passar. – Resmunguei.
Eu acho que vi um sorriso. Marcus se afastou mexendo uma
panela no fogão, se demorou por um tempo antes de voltar a mim
com um pote de plástico, estava nas coisas que Leslie mandou. Me
fitou o estendendo.
–O que é? – Encarei a coisa.
– Veneno, pretendo te matar e enterrar seu corpo por aqui
mesmo.
Não revide você está com fome. E não era bem mentira eu
estava mesmo. Peguei o pote queimando minha mão e tentando me
sentar, mas me sentia um trapo. Nada além disso, então ele o
tomou de mim.
– Eu posso fazer isso!
– Se queimando?
– Qual é a possibilidade de você me engasgar ou me der
sopa quente? – O encarei.
Arrastou uma cadeira até o lado da cama.
–Se você não abrir a boca? Todas.
Abri a boca apenas para comer, nada de assunto. Não que
eu tivesse medo de que me queimasse. Apenas porque ele parecia
outra pessoa assim e era um ciclo, não daria mais do que dez
minutos para mudarmos.
– Vou tentar levá-la a costa pela manhã. Consegue não
morrer até lá? – Perguntou sério.
Bufei.
– Farei o meu máximo. E você consegue não me matar até
amanhã?
Deu de ombros.
A chuva não cessou. A natureza me odiava de alguma
maneira. Marcus estava sentado em sua cadeira vendo os raios
pela janela e acho que conseguiu ouvir meus dentes se batendo.
Sua mão estava fria quando tocou minha testa.
– Droga!
– Estou fazendo meu máximo. – Resmunguei com um
sorriso.
Marcus me encarou por alguns segundos antes de se afastar
novamente e fechar a janela. O quarto estava escuro e frio. Pensei
em protestar, talvez ele achasse que fossemos vagalumes, mas me
calei quando entrou debaixo do lençol fino e lentamente deixou seu
braço me envolver. Ele estava quente, muito quente. Não respire.
Me obriguei um pouco tarde demais. Marcus cheirava bem,
perfeitamente bem.
Certo, eu estava delirando em febre, nada além disso.
– O que está fazendo? – Murmurei.
– Não te deixando morrer.
– Mas...
– Por favor, não diga nada. Apenas durma.
Estávamos passando o perímetro de Marcus. Marcus estava
me deixando entrar em seu perímetro.
– Não estou com sono, estou com frio.
– Foi uma péssima ideia trazê-la. – Falou consigo mesmo.
Estiquei minha mão até tocar sua pele. Seu corpo ficou
rígido.
– Devo concordar. – Murmurei.
– Foi uma ideia minha trazê-la para cá em geral.
– Podemos ir embora.
– Não dá agora.
– Por que?
Suspirou.
– Chega de perguntas por hoje.
– Do que você tem medo Marcus? – Fechei meus olhos.
Ele não disse mais nada e pouco depois fingi que estava
dormindo apenas sentindo sua respiração bater em meu rosto e
seus braços me apertarem com mais força. Eu não esperava essa
reação de Marcus Foster. Medo ou trégua? Eu nunca saberia sem
causar uma guerra em cima de minhas perguntas. Mas não
desistiria.
8

Marcus não dormiu, acordei todas as vezes que ele tocou


minha testa, minha bochecha colada em sua camisa suada. Ouvi
algumas palavras tipo: merda e droga, algumas vezes e estava frio
e chovendo. Em algum momento me cansei e deixei meus olhos se
fecharem. Acordei com sol e sozinha. Meu corpo ainda estava
quente e minha boca estava seca. Marcus me vestiu com uma
camisa sua. Consegui sair da cama com a sensação de ter sido
pisoteada por uma família de mamutes. Antes mesmo de endireitar
o corpo ele apareceu e me encarou por um longo tempo até voltar a
si.
– Está melhor? – Perguntou.
– Acho que sim.
– Acabei de ajeitar o barco. Consegui falar com Lucio e ele
estará nos esperando do outro lado.
Calcei meu chinelo enquanto recolhia algumas coisas, entre
elas o lençol da cama.
– Para que? – Apontei ao lençol.
– Você vai sentir frio se sua febre voltar.
Não era mais o Marcus que me abraçou a noite. E eu devia
saber que aquele Marcus não voltaria mais, foi apenas um
momento. Meu estômago odiava barcos, era da sua natureza. Me
deitei no sofá me enrolando com o lençol e fechando os olhos.
Minha decisão de ir embora ainda estava de pé e momento algum
mudaria isso. Eu sabia que estava indo longe demais e uma hora
ele saberia o verdadeiro motivo de estar nessa.
Sou Sara Malvin, uma consumista que teve 90% do cérebro
corrompido por cartões de créditos e nenhum neurônio são ao
decidir entrar nessa. Parecia tão fácil quando era apenas uma
proposta. Seria pedir demais que ele, pelo menos, fosse velho? Ele
era Marcus Foster e possuía uma bolha que ninguém inclusive eu
conseguia entrar.
Fui acordada pelo mesmo ao chegar na costa sendo recebida por
um chuvisco. Lucio tentou me carregar, mas fazia parte da farsa de
Marcus ser amoroso e carinhoso então ele me carregou mesmo eu
dizendo que conseguia andar com um joelho sendo uma bola
acoplada. Nora parecia aflita, não vi Sandra ou Leslie por ali. Só abri
meus olhos quando chegamos no quarto e Marcus me colocou na
cama.
– Frio? – Perguntou.
– Muito.
Nora apareceu da porta.
– Precisam de alguma coisa? O tempo deu uma volta.
– Pode fazer uma sopa para ela?
Foi a primeira surpresa que tive. Marcus aceitando ajuda de
Nora. Ele não aceitava nenhuma, na verdade afastava.
– Volto logo. – Nora havia ganhado o dia.
Meu celular tocou dentro da minha bolsa e Marcus seguiu
meu olhar. Me afastei dos cobertores sentindo o piso frio sob meus
pés e pegando a bolsa. Ele ainda me encarava, seus olhos
pareciam estar em toda parte. Era Santana, havia mais de vinte
mensagens, trinta ligações.
– Pode me dar licença? – Pedi com celular ainda tocando
loucamente em minha mão.
– Precisamos conversar depois.
– Teremos tempo.
Esperei a porta se fechar para atender Santana que gritava
do outro lado. Ela passou quase vinte minutos falando sozinha sem
me deixar responder nenhuma de suas perguntas e tudo o consegui
dizer foi: estou doente e vou embora. E foi a minha vez de explicar e
ela ouvir.
Eu não podia dizer muita coisa, eu não confiava em minha
total privacidade, mas ela entendeu, não seria como contar a
Caroline. Caroline surtaria. Desliguei depois que a tosse me
impossibilitou de continuar nossa conversa.
O livro de Marcus estava lá mais uma vez, perto. Mas o
deixei de lado, precisava de um banho e foi o que fiz pegando uma
roupa limpa e seguindo para o banheiro. Me encarei no espelho e
por Deus, eu estava horrível. Não tão diferente de um cadáver
agora.
Tirei minha roupa deixando formar uma bola de pano suada
em meus pés. A água estava quente, sabia que estava mais quente
do que poderia suportar em um dia normal, fechei os olhos e deixei
a água deslizar pelo meu corpo. A sensação de ter Marcus em mim
novamente, mesmo estando com a mente bagunçada, eu o senti.
Sua respiração, seus dedos em meu cabelo enquanto –
provavelmente – eu falava nada com nada. Deslizei minhas mãos
por meu corpo, me lembrando que ele me viu nua – uma parte em
mim pelo menos.
Precisava voltar para os meus sentidos reais e acordar.
Marcus jamais me olharia como minha mente estava o fabricando
agora. Nem um pouco desejável, Sara. Afastei minhas mãos de meu
corpo, da forma que estava o usando agora e voltei ao meu banho.
Não demorei muito dessa vez, vesti minha roupa e deixei o espaço
cheio de fumaça voltando a me enrolar no cobertor. Ouvi um leve
sussurro uma eternidade depois, Marcus segurava uma bandeja,
não conseguia sentir cheiro algum, mas a aparência estava boa;
Ele tinha um olhar estranho para mim que não consegui
identificar.
– Não vou me queimar. – Avisei e ele entendeu colocando a
bandeja em meu colo. – Pode dormir, sua cara está péssima.
Deu de ombros.
Apenas se afastou cruzando as pernas e pegando o maldito
livro. Eu não sou uma pessoa que vive com a cara enfiada em um
livro, mas sabia que uma pessoa por mais lenta que fosse não
levaria mais de dez minutos para ler duas folhas. Estava quase
cheia quando o vi mudar de página e se demorar nela em seguida,
fechar o livro em um baque me assustando.
– Podemos conversar agora? – Perguntou impaciente.
Assenti colocando a bandeja de lado. Sua respiração foi
profunda.
– Não vamos quebrar o contrato. – Falou de uma vez.
– Eu não mudei minha palavra. Ainda quero ir embora e vou.
Te devolvo cada centavo, não quero mais nada.
– Você não pode fazer isso. – Ele estava se controlando.
– Marcus, quem quer ser ajudado aceita ajuda. No máximo
reconhece isso. Isso não está funcionando...
– Estou pagando. – Murmurou.
– E eu não estou fazendo um bom trabalho. Por isso estou
me demitindo. Eu não quero mais.
Sorriu sem humor.
– Sem teatro.
– Isso não é teatro. Por mim eu iria agora mesmo, só
preciso...
– Não. – Sua voz era firme. – Pense um pouco mais.
– Já pensei.
Passou as mãos na desordem que era seu cabelo antes de
se voltar a mim.
– Me dê um tempo para me acostumar.
– Anos de falso relacionamento e você não se acostumou? –
Cuspi as palavras.
Sua expressão endureceu.
– Uma semana é tudo.
Marcus recolheu a bandeja e se retirou. Acho que isso era
um acordo fechado. Nora entrou no quarto logo depois se sentando
na cama a meu lado. Entrelaçou nossos dedos e sorriu ou, pelo
menos, tentou.
– Eu ouvi. – Choque era o que descrevia meu olhar quando
ela disse essas duas palavras. Brincou com uma mecha de seu
cabelo. Ela se parecia com ele as vezes. – Por que quer terminar
com ele, Sara? – Me fitou. E lá estava o mesmo olhar.
– Até onde ouviu?
Nora mordeu os lábios e grunhiu.
– Você disse que ia embora e deu uma semana para ele. Eu
sei que Marcus é difícil, mas ele te ama. Ele te escolheu. Eu o vi te
espionar enquanto tomava banho, parecia tão encantado.
Oh droga!
Ele não me ama, mas sim ele me escolheu. Na verdade, nem
isso. E como assim, Marcus me viu tomando banho? Ele viu quando
me... oh droga!
– Ele é difícil. Somos difíceis por isso quero ir embora, dar um
fim antes que seja tarde demais. – E não era mentira.
Nora encarou nossas mãos.
– Dê uma chance a ele, tente entendê-lo. – Pediu.
– Eu já tentei. – E ele quase me matou em todas elas.
– Ele falou sobre a Maggie? – Nora sussurrou tão baixo que
tive de questioná-la com o olhar.
Neguei.
– Maggie era esposa dele eles namoraram por dez anos, se
casaram e acabou.
– Acabou? – Uma lágrima brincava no canto de seus olhos.
– Maggie morreu em um acidente a três anos e meio.
Estamos perto da sua data de morte e Marcus fica vulnerável. Eu
sei que não devia estar lhe contando por dois motivos, você é a
nova namorada dele e Maggie foi a mulher que ele mais amou. –
Soltou minha mão cobrindo seu rosto.
Que ele ainda ama.
– Ele se esforça a cada dia, vemos isso. Não parece fácil
geralmente as coisas trágicas não são fáceis, mas ele parece
melhor.
– Não tem problema, ele nunca saberá que você me contou.
Sorriu deitando a cabeça em meu ombro. Eu queria saber
mais, mas parecia o suficiente por um dia.
– Vou deixá-la descansar. – Sussurrou. – Qualquer coisa
grita.
Assenti.
°°°

Dormi durante todo o dia, quando acordei já era tarde e


Marcus cochilava em seu sofá. Ele tinha uma expressão cansada,
mas eu sabia que qualquer simples gesto ele acordaria. As palavras
de Nora ainda brincavam em minha cabeça e cheguei a sonhar com
isso. Marcus tinha um amor que nem a morte conseguiu matar ou
esquecer. Eu não sabia se isso era bom ou ruim. Bom, era péssimo.
Expulsei meus pensamentos, calcei meus chinelos e sai sem
fazer barulho. Ouvi a TV do quarto ao lado ligada, não queria
companhia. Apenas comer alguma coisa e voltar para a cama.
Achei um resto de salada de batata na geladeira, me servi
com um pouco dela enquanto preparava um sanduíche a fome era
demais para esperar. Ainda me via surpresa por não fazer barulho.
Assim que o leite ferveu, recolhi tudo e sai pelos fundos. Estava frio,
frio demais para uma droga de terra tropical. As ondas bravas me
fizeram arrepiar só por lembrar de como elas eram.
Comecei a comer as observando, eram nada até se
transformar em algo grande e quebrar. E foi assim que quase morri.
Duas vezes. A porta bateu e engasguei com o pequeno susto,
Marcus a segurava em um pedido de desculpas.
– Você deveria estar no quarto. – Falou calmamente.
– Acordei com fome, acho que dormi demais.
– Era só ter me chamado.
Limpei a garganta.
– Estou bem, não havia necessidade disso.
Ele se sentou a duas cadeiras da minha, ajeitou o capuz na
cabeça e encarou a água. Marcus parecia bem mais novo assim,
ficava bonito descontraído. Torcia meu estomago e me fazia me
lembrar que ele me viu me tocando no banho.
– Talvez meu pai a questione. – Sussurrou.
– Por que?
Deu de ombros.
– Eu sei o que dizer. – Sussurrei quando não obtive resposta.
– Não se preocupe.
– Obrigado.
– Pelo que? É só meu trabalho, certo?
– Por não ter dito nada a Nora.
Ah sim, eu que devia agradecê-la por ter me dito, alguma
coisa. Seus olhos eram cansados quando os captei depois do meu
devaneio.
– Ainda com fome? – Perguntou se pondo de pé.
Neguei.
– Quer dar uma volta?
Encarei o tempo escuro da noite. Eu não queria, mas ele
estava tentando. Mesmo sabendo que no fim ele me expulsaria de
sua bolha eu optei por segui-lo. Porque eu queria estar perto,
infelizmente queria estar perto dele.
9

Havíamos andado muito, meus chinelos carregavam uma


tonelada de areia cada passo que eu dava – isso me lembrava
porque odiava areia. Marcus continuava em silêncio encarando o
chão. Sua grande bolha impenetrável.
– Já teve algum relacionamento sério? – Sussurrou a
pergunta.
– Já. – Sorri.
– Como era?
– Como são os relacionamentos? – Perguntei. – Todos iguais.
– Talvez não, o meu foi um fracasso. Um fracasso que durou dois
anos e meio.
– Não são todos iguais. – Me encarou.
– Como era o seu? Você já teve um, não?
Seu olhar era tão vazio. Às vezes eu queria abraça-lo e sei lá
dizer, algo que preste.
– Bom.
– O meu não, isso me faz mudar de opinião. – Divaguei.
– Por que não foi?
– Éramos diferentes, pressão demais. Ambos tentando o
impossível.
– Você gostava dele mesmo assim?
Sorri. Meu ex-namorado era na minha visão de cara mais
perfeito no mundo. Mesmo com todos os seus defeitos.
– Eu achava que sim. – Admiti.
– Como virou acompanhante?
Essa é fácil.
– Necessidade. Perdi meu emprego e precisava com
urgência de um emprego novo. No começo eu tive medo, eu não
sabia o que estava me esperando. – Era a maior verdade que
contava em tempos.
– Muitos caras loucos? – Sorriu.
– Problemáticos.
Voltamos para casa em silêncio depois que o assunto
morreu. Marcus não fazia muita questão de sustentar momentos. Eu
senti falta de algo aquela noite e eu sabia o que era.
°°°
–Vamos Sara, vai ser legal. – Nora repetia pela decima vez.
Marcus estava do meu lado encarando as ondas em silêncio
enquanto sua irmã insistia para uma viagem até a cidade.
– Pode ser menos chata, Nora? – Marcus resmungou.
– Faz duas semanas que estão aqui e a Sara nem pode sair.
– Resmungou. –Isso são férias, Marcus. Você não pode prende-la
aqui com você só porque é antissocial.
– Eu posso sair, Nora. Mas quero ficar com Marcus. –Menti,
em parte.
– Com essa cara emburrada que ele está? – Apontou. – Eu
duvido.
O fitei. Ele tentou disfarçar.
– Vá com ela. Pega o cartão na minha mochila. – Mandou.
– Não precisa.
– Por favor. – Pediu. – Apenas a leve para longe de mim com
esse falatório descontrolado.
Eu não sabia se isso era para ser engraçado ou ele
realmente estava nos mandando sumir de suas vistas.
Nora me arrastou de volta para casa. Troquei de roupa e em
poucos minutos estávamos indo para a cidade, era para ser
divertido, mas não consegui focar muito em ter um cartão de credito
em mãos quando o vi na mesma posição quando deixamos a casa.
E de verdade, não era uma boa ideia me deixar com um cartão.
– Vocês conversaram? – Nora perguntou enquanto
experimentava um sapato. Eu não estava com a cabeça no mesmo
mundo que o dela dessa vez.
– Sim.
– Eu sei que você o ama. – Me fitou com um sorriso genuíno.
Não, Nora. Eu não o amo.
– Marcus tem aquele brilho com você, eu sei. – Se virou para
o espelho. – Há muito tempo que não víamos isso.
– Que brilho?
– Alguém disposto a ser melhor, não sei explicar essas coisas
clichê, mas Marcus tem vida nos olhos. Eu o vejo seguro perto de
você. Até Leslie percebeu. E você também tem o brilho. – Sorriu.
Não, eu não tenho.
– Ele ficou com medo que você fosse embora. Até ficou
carinhoso.
– Marcus precisa da família. – Falei.
– Não, ele precisa de alguém que o ajude a superar e você
está sendo essa pessoa.
Paramos em uma loja de lingerie. Tudo o que eu havia
comprado eram sapatos e duas bolsas o que já havia ficado muito
caro, graças as lojas.
– Leva essa. – Nora me jogou um conjunto.
Eu não ia usar um lingerie com Marcus. Isso nunca. Eu
queria dizer isso a ela.
– E essa. – Me jogou um novo conjunto de renda.
Almoçamos em um restaurante dentro do conjunto de lojas.
Eu não me cansava de entrar em lojas e passar o cartão. Era quase
automático. Nora resolveu voltar quando já era quase seis da tarde.
No caminho para casa falei com Santana. Tentei resumir tudo sem
que Nora percebesse. Marcus estava no quarto quando cheguei.
Falava ao telefone e estava chorando. Deixei as sacolas na cama e
esperei, ele sussurrou alguma coisa e desligou.
O silêncio se arrastou por um tempo e fui a primeira a
quebra-lo.
– Está tudo bem?
Assentiu.
– Eu acho que gastei um pouco demais. – Entreguei seu
cartão. – Posso devolver... eu só...
Ele continuou em silêncio me encarando. E aquelas poças de
lágrimas em seus olhos, fui em sua direção, eu não sabia o que deu
em mim, apenas segurei seu rosto.
– Fala comigo, Marcus. – Acariciei seu cabelo. Droga! Que
sensação maravilhosa em meus dedos – Pode confiar em mim.
Foi o que bastou para ele chorar de verdade. O abracei
sentindo suas lágrimas em meu pescoço quando enterrou o rosto no
mesmo. De repente algo dentro de mim se revirou e o apertei com
mais força. Minhas costas estavam doendo pela posição depois de
alguns minutos, mas não me importei de segura-lo. Ele não chorava
mais, mas eu sabia que era uma questão de tempo. Nora disse que
estávamos perto da data de falecimento de Maggie e eu não sabia o
quão perto essa data estava.
Quando se afastou, seu rosto estava vermelho. Sequei suas
lágrimas com a ponta dos dedos e sorri. Isso era o mais próximo do
perto, realmente, que Marcus me deixou ficar dele. Sem cara de
nojo, sem olhar acusatório, isso me assustava um pouco. Marcus ia
do céu ao inferno em meio segundo.
– Está tudo bem.
– Obrigado. – Fungou tímido. – Nora te torturou muito? –
Tentou um sorriso mudando de assunto.
– Digamos que eu a entendo. – Apontei para a cama e ele riu
brevemente.
Marcus precisou de alguns minutos para se recompor
totalmente e então descer para o jantar. Ele não me disse nada
sobre a ligação ou como agiu ao aceitar meu abraço – e ele não
faria isso de qualquer forma, seria uma mudança muito rápida e
brusca para alguém como ele. Segurei sua mão macia e ele não
protestou.
– Já ia chamá-los de novo. – Lucio falou quando nos viu.
Todos perceberam que ele havia chorado, mas ninguém
questionou. Comemos em silêncio, Nora resolveu deixar para falar
do nosso passeio na hora da sobremesa.
– Estava falando com a mamãe sobre o natal, falta um mês,
certo?
Encarei Marcus.
– Podemos ir todos para casa. Eu gosto do clima frio. Já está
decidido.
– Devia perguntar se Marcus vai querer. – Leslie comentou
nos encarando.
– Não vamos fazer nada na casa dele. – Nora fez uma
careta. – Pensei em fazer na casa da mamãe. Está fechada a tanto
tempo.
Marcus a encarou.
– Por favor. – Nora o encarou de volta. – Eu sinto muito, mas
é natal.
O telefone tocou. Lucio quem atendeu, Marcus levantou seu
olhar para ele com expectativa, como se soubesse que era para ele.
–Abby. – Lucio falou.
Marcus se levantou as pressas. Sandra chamou sua atenção
pelo ato, mas ele não se importou. Pegou o telefone e subiu. Eu
devia estar envergonhada, afinal, não fiquei tanto tempo assim com
todos os Foster e, eu não sabia quem era Abby. Nora afagou minha
mão pragmática e isso me assustou.
Marcus não voltou, seu pai parecia estar cronometrando esse
tempo quando deixou a mesa e o seguiu. Ajudei Sandra com as
coisas na cozinha para fazer um tempo, mesmo queimando de
curiosidade e vontade de ir para o quarto. Depois de tudo limpo e
conferindo – por mim mesma – subi para vê-los, encontrei Tony no
meio do caminho com um olhar que gritava pedidos de desculpas.
Marcus estava encarando o chão em silêncio. Ele não me diria nada
muito menos quem era Abby.
Dois dias depois acordei sozinha no quarto, eram oito da
manhã. Troquei de roupa depois de fazer minha higiene, a casa
estava silenciosa. Leslie estava sentada a alguns metros da casa.
Não nos falamos muito, de todas, ela era a mais silenciosa. Apesar
da simpatia e sorrisos, eu conseguia dizer que existia um pouco de
Santana nela.
– Bom dia. – Falei me sentando seu lado.
– Bom dia. –Sorriu.
Queria perguntar se ela o viu, mas ela leu meus
pensamentos antes disso.
– Marcus viajou. – Falou.
– Viajou? – A surpresa saltou em minha voz.
Assentiu ajeitando os cabelos loiros em um coque no alto da
cabeça.
– Ele sempre a visita. – Havia um humor ácido em sua voz.
– Abby?
Virou os olhos deixando um bufar escapar.
– Não. Maggie.
Cheguei a pensar que Leslie tinha uma queda por Marcus.
Isso sempre passava por minha cabeça. A troca de olhares, a forma
como agiam, a dívida entre eles justificadas em ações programadas.
Era estranho para mim, mas não parecia estranho para o resto da
família.
– Eu ainda acho que você é mais uma contratada. – Não
havia raiva em sua voz. Leslie escorria certeza. – Mas as vezes
acho que não, porque você está durando e porque Marcus está
mais confortável. Se você realmente o conhece, sabe que ele não é
uma pessoa confortável nem com a própria família. Ele já falou
sobre Maggie? – Me fitou.
– Nora pode ter dito. Mas ele não sabe porque parece ser um
segredo. – Admiti.
Leslie tirou os óculos de sol e me encarou.
– Segredo? Não acho. – Sorriu sem humor. – Talvez eu não
devesse contar, mas não vejo nada demais. Marcus está pior que
um garoto mimado.
Pensei em repreendê-la, mas ela tinha razão.
– Marcus era meu melhor amigo. Fui sua madrinha de
casamento. – Sorriu – Ele e Maggie se amavam. Ela era legal, um
dia eles fizeram planos diferentes. Marcus insistiu para que ela
fosse visitar seus pais, eles estavam presos em decisões o tipo de
casal que fazem tudo juntos. – Riu. – Ela foi para o sul e Marcus
veio para cá. Eles se encontrariam aqui, ele estava terminando a
casa. – Apontou para casinha. – Ela chegaria em uma semana, só
que antecipou a viagem.
Leslie fazia círculos na areia com a ponta dos dedos.
– O carro bateu, ela foi levada ao hospital, mas não resistiu.
E foi um choque. Ele não queria acreditar, porque além dela a morte
também levou o seu bebe. Maggie estava de sete meses. O bebê
era a vida deles, sabe a Nora? Pensa na Nora como uma família o
tempo todo. – Ela riu divertida. – Eles eram assim, você não
conseguiria encaixar os dois Marcus nisso que estou te contando.
Maggie era a sua vida, seu bebê era sua vida.
Meu queixo estava no chão.
– Depois do enterro Marcus virou outra pessoa. E tínhamos
que estar sempre de olho nele. Ele tentou se matar algumas vezes.
– Seu rosto estava branco como papel. – Se culpava por tê-la feito
mudar de ideia e fazer essa viagem, se culpava por ela ter a cabeça
dura e ter pego um carro sozinha para viajar. Todo o peso, ele
pegou para si.
– Está falando sério? – Minha voz era um sussurro.
– Ele jogou o carro contra uma árvore, bebeu por semanas,
sumia por semanas. Tony conversou muito com ele, mas não
adiantou. Acordamos uma noite com a casinha em chamas. Marcus
tentou se matar de novo. E pensamos que vir para cá o faria bem e
quase o perdemos também. Pessoas, destroem pessoas, Sara. –
Me fitou. – Maggie o destruiu pelas suas escolhas, não isso não é
culpa dela. Não estou querendo dizer isso, mas quando tomamos
decisões ela sempre afetará alguém seja de uma maneira boa ou
não. A escolha dela de quebrar o combinado o afetou, deixou a
culpa para ele carregar sozinho.
A cicatriz.
– Foi aí que deram um basta e o levaram para uma clínica.
Ele passou um ano nessa clínica. Me sinto falha como amiga, mas
ele não queria ajuda. Ele a amava e não aceitava. Quando saiu de
lá, se mudou para Los Angeles, voltou ao trabalho depois de passar
uma temporada com Abby e eu a odeio. Ela não é boa coisa, então
vieram as falsas namoradas. Ele usa isso para dizer a nós que está
bem, mas ninguém é burro, coloquei algumas contra parede. Outras
causaram problemas quando foram contrariadas saindo de
encontros em família gritando o quanto ele era um doente e que
deveria paga-las o dobro pelo serviço. Foi aí que percebemos que
ter esse tipo de camuflagem era mais comum do que gostaríamos.
Vimos como elas o explora, como ele não enxerga que gasta
horrores com isso, Nora viu o site de acompanhantes aberto em seu
computador e o que ele pagava para passar dias ou semanas era
um absurdo, claro o site era como um Hollywood. Agora veio você e
isso nos confunde. Ele segura sua mão e demonstra o mínimo de
carinho, coisa que ele não fazia antes com as outras. Está sendo
diferente. Eu só queria que ele superasse e que todos parassem de
trata-lo como um indefeso. Ele nunca vai acordar assim.
As palavras de Leslie ainda estavam em minha mente.
Marcus voltou na hora do almoço, ele não estava com Abby. Abby
era irmã de Maggie por sinal. Ele não a trouxe, de repente eu estava
incomodada, não estava no meu direito saber tudo o que ele fazia.
Mas só o fato de ter a ideia, isso me irritava.
Nossa volta para casa estava marcada para dois dias e
minhas coisas já estavam prontas. Não me sentia culpada por saber
de toda a história. Mas concordava com Leslie. É difícil, mas ele
precisava superar, tentar, se esforçar, alguma droga do tipo.
– Está calada. – Falou.
– Só quero ir para casa.
– Sobre o natal...
– Não vou participar. Tenho meus amigos, minha família. Não
parece, mas tenho e vou passar com eles. – Tentei ser firme.
– Sara...
– Não Marcus. Você inventa uma desculpa. Vamos terminar
assim que voltar para casa. Cumpri minhas semanas com você.
– Você está estranha o dia inteiro. O que aconteceu? – Se
sentou à minha frente. Ele estava novamente diferente.
Gostava da versão casual de Marcus Foster, podia vê-lo
claramente dessa forma.
– Nada. Só quero voltar para casa. – Passei os dedos pelo
cabelo.
Agora ele baixava a guarda? Era um pouco tarde para
sermos amigos de conversa quando você me deixou passar todas
essas semanas entre comer, dormir, usar seu cartão como gentileza
e repetir todo o ciclo no dia seguinte. Não vou mais alimentar isso
em você, Marcus. Acabamos por aqui. A viagem para casa havia
sido silenciosa. Ele voltou a fingir que eu não existia e isso me
dividiu, ele seria legal se eu aceitasse algum novo plano para o
natal? Era isso, ele não quer sua amizade, ele quer seu serviço e
porque não ser gentil para ter isso?
Marcus chamou um táxi para me levar. Eu não sei o que deu
em mim, assim que vi Santana na porta as lágrimas vieram. Eu
queria me socar porque era muito idiota da minha parte estar
chorando, eu achei que teríamos um até logo – não estou falando
de trabalhar para ele – ou um aperto de mão, mas ele foi embora
sem olhar para trás. Contei tudo quando Caroline chegou. Não
deixei nada passar. Elas se olharam por um tempo.
– Você está gostando dele? – Carol me perguntou.
– Como? Não! Marcus e eu fomos duas coisas estranhas
tentando ser um casal, mal houve um contato físico real... eu não
sei. Eu... – Desisti. – Preciso beber.
– Você está preocupada com ele. – Santana começou. – Está
falando dele como uma pessoa com sentimentos.
– Não comece, eu não tenho sentimentos por ele. Só fiquei
chateada por ter sido usada até na hora de ir embora.
– Não é como se você não soubesse disso. – Caroline me
encarou. – Isso quer dizer que você não soube separar as coisas, e
deixou algo crescer aí. Despedidas são uma merda, você acaba
vendo coisas que não queria.
– Ele é apaixonado por uma morta! Entendam isso foi demais
para mim. Eles agem mecanicamente e o espirito dentro de mim
não consegue acompanhar aquelas ações de porcelana. Sabe... –
Massageei as têmporas. – Não aguentaria um segundo round sem
surtar de vez. Sim, me preocupei com ele, esse é o meu jeito com
as pessoas, gosto delas e me preocupo, mas foi apenas isso.
Pensei que os momentos em que ele não foi um iceberg se
repetiriam. Mas agora acho que tudo isso era apenas para me
manter um pouco mais de tempo.
Elas não disseram mais nada por duas horas. Foi o tempo
que pedi paz. Marcus não ligou. Terminamos, então ele não ligaria.
Santana trouxe pizza e tivemos a noite das garotas. Minha mãe
ligou antes de eu ir para a cama, contei uma mentira qualquer e ela
engoliu. Precisava de um emprego sério com urgência, passei a
semana atrás de um.
Marcus ligou na sexta, Santana ficou quieta, já Caroline
quase me obrigou a atender. Precisava de um número novo. No
sábado Susan conseguiu falar comigo, ela estava estranha e
marcou no mesmo café no mesmo lugar do primeiro encontro. As
duas ela já estava lá. Sorriu ao me ver. Eu não queria repetir tudo,
mas me via obrigada.
– Como está? – Perguntou desligando o celular e o
colocando a sua frente. Ela parecia muito bem.
– Bem eu acho, ele te mandou aqui? – Respirei fundo.
– Não.
– Não? – Duvida brilhava em minha testa.
Negou, pediu dois cafés.
– Eu sei que você não é a Sara. – Falou pausadamente
fazendo meu estomago se revirar.
Meus olhos se esbugalharam.
10

Eu sabia que tudo isso uma hora ia vir à tona – e veio bem
rápido. Enquanto encarava a mulher a minha frente imaginava a
hora em que a polícia romperia pelo café me levando dali. Eu devia
ter escutado, Santana.
– Eu...
Ela sorriu.
– Não precisa se assustar. – Sorriu.
– Não? Eu me passei por uma pessoa... – Falei nervosa. –
Mas a culpa não foi minha.
– O erro foi meu. Como foi com Marcus? – Sua voz calma me
dava nos nervos. Eu gostaria que ela estivesse no mesmo nível que
eu.
Encarei meu café quando o garçom nos serviu. Eu não
conseguia pensar, não conseguia parecer calma diante disso tudo.
Ela poderia me usar, extorquir o que não tenho. Minhas mãos
estavam suando, cada parte do meu corpo estava suando agora.
– Bem. – Sussurrei. – Vai contar a ele?
– Não. – Respondeu ofendida.
– Por que não? Olha, se você acha que vou fazer isso com
você, não somos uma dupla. Eu vou dizer a ele que a culpa foi sua
e uma parte minha e...
Bebericou seu café.
– Marcus não está cem por cento bem. – Calma. – Mas está
melhor e me surpreendeu por ter ficado até o prazo final da viagem,
ele geralmente não fica. Nos últimos dias ele me mandou tentar
contato com você.
– Eu não vou mais trabalhar para ele. – Falei. – Nem para
você.
– Já soube sobre a Maggie? – O semblante em seu rosto
mudou.
– O suficiente para não alimentar esse modo de escape que
ele usa. Marcus é arrogante e idiota a maior parte do tempo.
Ela sorriu.
– Ele precisava de alguém como você.
– Eu não sou um alguém legal nem sinônimo de ajuda. Nem
psicóloga, tá legal, eu preciso de um. O que me levou a aceitar isso
tudo foi minha situação financeira. Eu estou devendo até meus
órgãos no mercado negro se duvidar. Marcus e eu não nos damos
bem, ele não quer ser ajudado.
– Não é tão fácil quanto parece. – Ela me encarava com
autoridade.
– Já estou encrencada demais quando ele descobrir.
– Quando ele pediu para arranjar alguém eu não queria.
Conheci muitas mulheres mesquinhas nessa seleção. A maioria só
queria o dinheiro, outras até se interessaram por ele e por esse
motivo ele voltava para casa frustrado, não queria se envolver com
ninguém. Ele tenta mostrar para a família que tem controle sobre
sua vida, mas não precisa de muito para saber que ele está errado.
– Está!
– Quando entrei em contato com Sara ela não foi diferente
das demais. Ela exagerou em tudo o que pediu. Marcus só queria
que ela aparecesse e cumprisse com tudo. Eu já tentei fazê-lo parar
com isso, sabe? Mas ele não me ouve. Pedi para minha auxiliar
depositar o dinheiro, mas perdemos o número de Sara. E achamos
tê-la encontrado na nossa central de dados. Entramos em contato
com o banco e fizemos tudo o que tinha que fazer, algumas coisas
batiam com seus dados. Nossa primeira conversa pareceu diferente
da que eu realmente tive e nosso encontro revelou isso.
– Por que não me entregou? – Perguntei tentando fazer
minhas mãos pararem de suar.
– Você era diferente, não havia poder e superioridade e
estava assustada. Eu não havia gostado de Sara então arrisquei. Já
estava feito e não havia tempo de voltar atrás. Passei todo esse
tempo as cegas, Marcus não ligou e não reclamou. Sabe quando foi
a última vez que ele fez isso? Nunca. Ele sempre ligava. E me
surpreendi agora quando ele quis vê-la de novo. Claro que
investiguei sobre sua vida, seu onde mora, seus antigos trabalhos,
precisei me atentar a tudo para que desse certo.
– Como acharam meus dados em sua central?
– Alguns meses atrás você se inscreveu em nossa central de
vagas.
Santana! Ela fez isso por semanas para que eu conseguisse
algo melhor. Ah claro.
– O natal está chegando. – Ela foi direta. – Eu sei que não
quer, mas ele está desesperado. Marcus não é ruim, ele está se
abrindo de novo.
– Eu não posso. Vou devolver tudo o que ele depositou, nem
tive tempo de gasta-lo.
– Talvez não pudesse, mas ele acha que pode. Ele quer sua
ajuda de novo. E você não precisa devolver nada, posso me
resolver quanto a isso.
– Mas eu não posso! E isso é roubo.
Me fitou.
– Talvez eu seja como elas como algumas delas. – Encarei
meu copo. – Talvez eu goste um pouco dele, e do dinheiro também.
–Levantei meu olhar.
Sorriu.
– Pense e acredite eu nunca o vi assim. Querer tanto a
companhia de alguém. Eu não vou dizer que me encontrei com
você, só queria que soubesse que ele vai se comportar.
– Isso é se torturar. Ele gosta de me torturar
psicologicamente.
– Às vezes não, foi um prazer revê-la, Sara.
Passei o resto da semana pensando e pensando. Estava
sentindo falta de Marcus, não havia um motivo para isso ser levando
em consideração o educado que ele era, mas eu estava. Desejei
bater nele, ao mesmo tempo dizer que tudo estaria bem. E a parte
egoísta de mim não queria que ele tivesse um amor tão grande por
Maggie – porque talvez isso o colocasse novamente no centro da
terra.
Agora estava com ciúmes de uma pessoa morta? Por Deus,
Sara, desde quando começou a idealizar Marcus Foster na sua
cabeça?! Pare agora. Me esquivei das perguntas de Santana e da
curiosidade de Carol. Os planos para o Natal começaram e tentei
não os fazer importantes para mim, mas acabei cedendo e os fiz.
– Sara. – Caroline me chamou. Estava terminando de fazer
minha mala. – Telefone para você.
– Quem é? – Perguntei.
– Não sei, particular.
Peguei o telefone.
– Não fique ouvindo atrás da porta. – Avisei.
– Eu não ia. – Resmungou com um sorriso divertido.
– Alô?
– Sara?
Respirei fundo. Marcus.
– Não desliga. – Pediu.
– O que você quer, Marcus? – Tentei soar rude.
– Conversar.
– Estou ocupada. Não dá.
– Eu sei que não está. – Falou presunçoso.
– Colocou câmeras em mim e eu não sei? – Zombei.
– Posso busca-la? – Fingiu não escutar.
– Qual a parte do "estou ocupada" você não entendeu? Eu
não quero vê-lo. A única coisa que quero de você é o número da
sua conta. Vou devolver seu dinheiro.
– Seu drama não me comove.
Eu quase desliguei, mas...
– O que você quer? – Fechei os olhos com força. – Estou
ocupada agora, de verdade, não estou a fim de jogar conversa fora.
– Apenas conversar. Eu preciso conversar com você...
infelizmente.
– Infelizmente? Que ótimo saber disso, Foster. – Diga não e
desligue. – Vou estar no café em vinte minutos. – Avisei.
– Chego em dez.
Desliguei.
Não acreditava que estava saindo para reencontrá-lo. Era
muita falta de amor próprio ir se torturar, porque não havia
explicação para isso e ele em algum momento perceberia que tem
algo de errado... comigo. Nunca consegui esconder meus
sentimentos seja ele, positivo ou não.
– Vai sair? – Caroline entrou na minha frente.
– Vou, não vou demorar. – A abracei.
Sem mais perguntas deixei o prédio. Consegui um táxi
mesmo sabendo que não devia me gabar indo em um. Minhas mãos
estavam suando e meu coração batendo nos ouvidos. Vamos lá
Sara, é só Marcus Foster que você fez o papel ridículo de namorada
por algumas semanas e ele simplesmente te deixou no fim sem nem
ao menos dizer “até logo”. Desci uma quadra antes, andar me faria
pensar. Quando entrei notei que ele segurava duas sacolas e estava
próximo ao balcão, assim que ele me notou agradeceu a atendente
e veio em minha direção segurando meu braço e me levando para
fora, ele realmente chegou em dez minutos.
– O que está fazendo? – Perguntei.
– Não vamos conversar aqui. – Falou ainda sem soltar meu
braço ou me olhar.
Paramos ao lado de um Jeta prata. Ele abriu a porta
esperando que eu entrasse.
– Quer que eu vá a algum lugar com você? Primeiro, seja
educado usando palavras como: por favor e fazendo perguntas para
eu ter certeza se eu quero ir. – Falei o encarando e ele olhava para
o nada além da minha cabeça. Maldita altura. – Segundo, destrave
esse maxilar. – Mexi em seu queixo sentindo um choque em meus
dedos. E ele o relaxou. – E pare de ser infantil. – Cruzei os braços. –
É você que precisa de mim aqui.
Marcus soltou o ar lentamente. Eu não estava trabalhando
dessa vez.
– Certo. – Fechou os lutando para pelo que viria a seguir. –
Sara, você pode me acompanhar? – Ele parecia preferir a morte
como primeira opção.
– Para onde?
Me encarou.
– Meu apartamento.
Não!
– Marcus...
– Por favor? – Pediu.
– Eu acho...
– Eu usei a droga da educação. O que quer mais, porcaria!?
– Encarou o céu.
– Abaixe o tom e olhe para mim que estou à sua frente, não
há um raio de dez quilômetros ou voando. – Cutuquei seu peito. –
Não posso demorar. – Segurei a porta de seu carro.
– Outro compromisso? – Voltou a mim.
– Sim. Vou viajar. – Entrei, carro cheiroso e confortável.
Marcus ficou tenso depois que disse que iria viajar. A viagem
foi rápida até o prédio de classe média alta, eu sabia que ele estava
sendo humilde morando ali, ele poderia morar em um lugar muito
melhor.
Abriu a porta para mim e me chamou. Pegamos um elevador
até o seu andar.
Ele estava tão silencioso que isso estava começando a incomodar.
Quando abriu a porta do seu apartamento me deixou entrar
primeiro. Não era grande, era acoplado cozinha, sala e um corredor
que talvez daria para o quarto e banheiro. Me assustei com o
barulho das chaves sendo postas na mesa. Marcus deixou as
sacolas ali também e me fitou.
– Comprei um lanche. – Falou.
– Gentil da sua parte.
– Obrigado. – Fez uma careta.
Semicerrei os olhos para ele, o estudando.
– O que vamos conversar? – Perguntei.
– Pode se sentar.
Me sentei no sofá e ele fez o mesmo a meu lado. Marcus
voltou a ficar tenso, percebi pela força que usava em seu maxilar.
Ou como respirava, me fazia querer explodir também.
– Vai viajar para onde? Com quem? – Havia autoridade em
sua voz.
– Não foi para falar sobre mim que vim.
Cruzou os dedos. Não mesmo, mas a forma como me olhava
e falava me faria despejar tudo a sua frente e me tornaria uma
submissa bizarra em dois tempos.
– Por que sumiu? Mudou o número?
– Porque sim. E sim, mudei.
– Porque sim, não é resposta. – Me encarou. Aqueles olhos,
eu me lembrava de como me sentia idiota.
– É tudo o que terá.
Sorriu de lado.
– Não queria mais me ver? – Umedeceu os lábios rosados.
– Não é assim com todas? Não sei lidar com seu humor. –
Abri a sacola pegando um café. Marcus fez o mesmo pouco depois.
– Passamos quatro semanas juntos, eu estar aqui tendo essa
conversar depois de tudo não faz sentindo algum na minha cabeça.
Eu mal sabia se você ainda se lembrava do meu nome, ou sua
secretaria conseguiu lembra-lo?
– Sara...
– Não fomos amigos, Marcus. Não tivemos um longo tempo
de diálogos para isso. Soaria normal, se fosse profissional, mas não
é... estou em seu apartamento como... pessoa comum?
O silêncio se arrastou quando ele não me respondeu. Ele
sabia que eu tinha razão, de todas as pessoas a qual tive um
convívio, Marcus era o que mais sabia que esse momento não era
normal.
– Por que não quer o dinheiro?
– Apenas não quero. – Desviei meu olhar.
– Não precisa? – Questionou.
– Eu só não quero...isso tudo foi um erro. – Admiti. – Um erro
que fiz sem pensar.
Se encolheu.
– Eu sei que não sou legal.
– Que bom.
– Mas isso não quer dizer que eu nunca tenha sido. – Me
fitou. – Ou que não posso mudar as vezes.
Marcus não estava ajudando as coisas dentro da minha
cabeça. Não era possível um homem mexer tanto comigo como ele
estava fazendo, depois de me dar tantas coisas negativas a seu
respeito. Acho que era possível ouvir meu coração do outro lado da
rua só com a forma como ele me deixou.
– Quer me dizer o que o tornou esse ser desprezível? –Me
defendi das suas ações.
Deixando seu copo de lado, Marcus se levantou indo em
direção ao corredor, voltou com seu livro. Aquele livro que me
assustou. Se sentou e o abriu, pegou uma foto e me entregou. Eu
sabia quem era. A loira era Maggie, ela era linda. Seu sorriso e seus
olhos expressivos me confirmava o porque ele era completamente
apaixonado por ela, Maggie era vida.
– Maggie. – Sussurrou. – Minha esposa. –Eu queria filtrar a
dor em sua voz. Mas ela estava ali. – Ela morreu em um acidente de
carro. Eu a amava. – Falou segundo o queixo com uma mão
enquanto observava a foto.
Você a ama.
– Tínhamos planos, éramos felizes. Maggie era tudo o que
tinha de mais importante, tudo o que eu fazia era bom para ela. Ela
estava sempre ali...para tudo. E tudo o que tenho como lembrança é
um sorriso e um volto logo. E, ela não voltou.
Soltei o ar.
– Esse livro estava no carro. Dei a ela de aniversário. Ela
parou aqui. – Abriu a página. – Estava aberto...quando o acharam.
Ela o adorava. – Sorriu – Tentei de todas as maneiras, mas eu não
consigo esquecer. Eu vivo uma farsa. – Seu tom perdeu o humor. –
Me sinto uma bagunça ambulante, tentando ser o mais teatral
possível para todos.
– Você precisa aceitar.
– É tão fácil falar. – Riu sem humor. – Parece fácil para mim,
Malvin? – Meu nome brincou em seus lábios.
O silêncio voltou.
– Você foi diferente...você se importou.
– Sou apenas curiosa.
Fechou o livro o deixando na mesa. Ele estava chorando em
silêncio, as bordas de seus olhos vermelhas. Ele as secou e
suspirou. Eu não devia mostrar o quanto me importava, mas eu me
importava, estava me importando nas últimas semanas quando ele
se tornou mais do que uma curiosidade para mim.
– Você só precisa se abrir mais. – Sussurrei. – Procurar
ajuda... também ajuda.
– Não sou do tipo falante. – Deu de ombros. – Terapias são
inúteis, ninguém cura a dor da alma. Nem algumas horas de
conversas com alguém que as vezes nem está realmente se
importando.
– Que seja, apenas tente. Há pessoas que realmente querem
te escutar.
– Você quer? – Perguntou me encarando. Deus, o manda
parar de me olhar desse jeito. Assenti. – Eu não durmo. –
Sussurrou. – Sempre tento, mas acabo acordando no meio da noite.
– Por que?
– Eu sinto falta...um vazio. E revivo tudo e isso me perturba.
Eu nunca sei se é bom ou ruim. Então bebo e relaxo.
– A quanto tempo não dorme?
– Dois dias. As porcarias dos remédios queimam em meu
sistema antes de fazer efeito.
Era possível ver o cansaço em sua fisionomia, as olheiras
escuras, o olhar parado, a pele. A irritação.
– Remédios?
– Sim, as porcarias que causam dependência. Eu parei. –
Respirou fundo. – E acho que já tenho problemas demais para mais
um.
– Consciente pelo menos.
Mais silêncio.
– Vai viajar a trabalho? – Perguntou baixinho, sua perna
tocando a minha mesmo sob panos, conseguia sentir o calor de sua
pele.
– Não. Vou para casa dos meus pais até o Natal. –
Confessei.
Voltou a encarar o nada e ficamos assim. Seus olhos se
fecharam e lhe dei um tempo. Se eu fosse embora eu não voltaria
mais.
– Marcus? – Se assustou. – Está dormindo sentado. – Avisei.
– Me desculpe.
– Pedindo desculpas? Gosto disso. – Brinquei.
Sorriu.
– Está com muito sono?
– Não.
– Está mentindo. – Passou as mãos no rosto. – Quer que eu
te faça companhia?
Cala a droga da boca Sara!
– Você precisa dormir. – Sussurrei – Ou podemos só...ficar
em silêncio.
Sorriu, era inocente e doce.
– Me desculpe por isso. –Se levantou. – Não é sempre que
acontece.
– Tudo bem, eu entendo.
– Já que ofereceu sua ajuda, não vou nega-la. – Falou
levemente. – Acho que você estava certa. – Falou.
– Sobre?
Me encarou.
– Eu preciso de você.
O segui para o corredor onde uma porta estava aberta. No
quarto de Marcus tinha uma estante repleta de livros, uma cama
enorme e uma poltrona. Encarei tudo isso por um tempo antes de
me mexer. As paredes eram de um tom claro, seu jogo de cama
combinava entre tons escuros e leves.
Marcus tirou o sapato e se sentou na beirada da cama. Fiz o
mesmo, esperando que se deitasse o que aconteceu longos
segundos depois. Fiquei encostada apenas encarando a parede
branca a minha frente.
Quando o fitei, seus olhos encaravam o teto, as mãos sobre a
barriga.
Então tomei a liberdade de me deitar a seu lado. Uma lágrima
dolorosa e silenciosa descia no canto de seu olho. Me virei de lado e
sequei com a ponta do dedo e isso o pegou de surpresa, ele fechou
os olhos. Era tudo tão estranho, que estava tentando me lembrar se
bebi antes de sair de casa.
Levei a mão em seu cabelo, como desejei isso novamente.
Seus olhos se abriram e fecharam mais uma vez e continuei a
acaricia-los lentamente. Ele se aproximou mais seu corpo de lado,
sua respiração em meu pescoço, quente. Encostei o queixo em sua
cabeça.
– Me desculpe por antes. – Pediu. – Quando a levei comigo
para conhecer minha família... eu não esperava que você fosse
assim... eu só... Você não me pareceu assim.
Meu corpo ficou tenso.
– Seu julgamento foi apenas adiantado.
– Eu costumo fazer isso... e não me arrepender. Mas agora...
abrindo uma exceção eu me arrependi.
Contive um sorriso.
– Tudo bem, Marcus. Pode dormir agora. – Sussurrei – Eu
não vou a lugar algum. – Ainda.
Acordei sozinha e não era sonho, dormi na mesma cama que
Marcus. Pior, dormi de um jeito íntimo para duas pessoas que até
então não pareciam dividir o mesmo santo. Passei as mãos no
cabelo o ajeitando – ou tentando desatar os nós. Calcei meu sapato
e saí do quarto entrando no banheiro ao lado. Lavei o rosto e usei
sua pasta de dente, eu não precisava mostrar a versão fera em
plena manhã. Mesmo ele já tendo visto, eu acho. O encontrei na
cozinha, as manhãs sempre serão as partes constrangedoras do
dia. Pigarreei e ele me viu. Ótimo.
– Bom dia. – Sussurrei.
– Bom dia.... eu...fiz o café. – Falou tímido. Encarei suas
roupas de flanela e seu cabelo fora do lugar antes de me voltar à
mesa para dois.
– Obrigada. – Sorri, meu estomago dando sinal de vida. –
Como dormiu?
– Ótimo. – Encarou a mesa.
Sorri. Ele dormiu bem.
– Podemos conversar? – Perguntou afastando uma cadeira
na mesa para me sentar.
Assenti em dúvida. Marcus deu a volta e se sentou. Me serviu
antes de se voltar a ele.
– Pode falar.
Respirou fundo.
– Sei que não vai passar o natal comigo. – Havia um toque
decepcionado em sua voz. – Queria fazer uma proposta.
– Qual?
Girou a xícara em sua mão.
– Quer ser minha amiga?
Deixei a risada escapar.
– Me desculpe. Essa é a proposta?
– Mais ou menos. – Fez uma careta.
– Qual é a proposta? – Matei meu humor.
Fechou os olhos e os abriu.
– Eu não contei a minha família que “terminamos” – Fez
aspas – Pela primeira vez quero estar com eles de alguma forma,
sem pressão, sem dor de cabeça e sem farsa. – Falou – Me dei um
tempo livre.
– Isso é bom. – Bebi meu café.
–Estava pensando em ir para o norte. Voltaria dois dias antes
do natal. Você poderia remarcar sua viagem, o plano não mudaria. –
Divagou.
– Marcus. – Me encarou – Está me propondo outra viagem? –
Soltei minha xícara.
Assentiu.
– Da primeira...
– Vai ser diferente. – Se apressou. – Eu não quero Nora ou
meus pais. Ou outra pessoa. Eles já me conhecem e me sondam.
Eu só preciso de um pouco de tempo. Estou pagando pela minha
língua, mas a única pessoa que conseguiu me manter de uma forma
aceitável por um tempo foi você. Não estaria aqui se não soubesse
disso. Só preciso da sua companhia, de alguém que realmente
tenha aceitado a mim.
– Pensei que odiasse minha companhia.
– Eu também. – Fez uma careta.
Você vai se arrepender disso.
– Quando?
– Amanhã, voltamos em oito dias, te deixo no aeroporto e
você...viaja. Isso não é um segundo contrato, mas podemos fazer
outro caso queira – Estendeu a mão. – Fechado?
– Fechado, sem brigas, sem surtos, sem se isolar e não. Eu
não quero um novo contrato, Marcus. Isso me limita um pouco eu
ser quem eu sou. Sem estragar as coisas e sem me arrepender.
– Esse é o plano. – Sorriu. Isso era o que eu desejava.
11

Marcus me deixou em casa. Eu queria poder medir o


tamanho da minha idiotice, mas eu não conseguia, talvez nem
desse para medir. Combinamos que ele me pegaria pela manhã no
dia seguinte. Santana e Caroline estavam surtando eu tinha certeza,
e como imaginei as encontrei prontas para me interrogar até a
morte.
– Pode dizer em que diabos de lugar você se enfiou? –
Santana estava gritando.
– Me desculpe. – Segurei seu rosto beijando sua bochecha.
– Sara. – Caroline saltou a minha frente segurando meus
ombros – Onde você estava?
– Com um amigo – Menti e se entreolharam.
– Amigo?
– Sim. Vou viajar e fui me despedir. – Tentei fugir.
Caroline me estudou.
– Por que seus olhos estão brilhando?
Porque sou uma idiota.
– Não sei. Posso arrumar minhas coisas agora? – Me afastei.
Caroline me seguiu e me encheu de perguntas, ela fazia o
que Santana não tinha coragem de fazer, invadir minha privacidade
ao limite. Eu não queria contar que estaria viajando com Marcus de
novo porque jurei não mais fazer isso. Mas eu quero e vou.
Almoçamos juntas e pela primeira vez agradeci quando foram
trabalhar. As horas não passavam desde então. Liguei para minha
mãe, ela estava ansiosa para o natal e não contei que iria visita-los.
Passar algum tempo com ela fez a hora passar. Santana chegou
primeiro, tomou seu banho e se refugiou no sofá ainda não havia
dito nada.
– Quando vai viajar? – Perguntou calmamente.
– Amanhã de manhã – Falei – Liguei para minha mãe. Ela
está ansiosa. – Seu rosto suavizou, falamos pouco, ela foi dormir
depois que Caroline chegou trazendo mais sacolas com ela e
passar por nosso discurso de “NÃO PODEMOS GASTAR!”
– Não pergunte nada – Falou antes de entrar no quarto – Eu
estou nervosa. – Caroline se defendeu.
– Te entendo – Gritei do sofá afinal eu também queria sair
gastando para extravasar.
Fui dormir as três da manhã. Acordei as seis, direto para o
banheiro, escolhi uma roupa confortável. Deixei um bilhete na porta
da geladeira e desci com minha mala. Dez minutos depois um táxi
parava na porta do prédio. Sim, eu estava indo viajar com ele de
novo, encarei o céu.
– Bom dia?
– Bom dia. – Entrei quando abriu a porta. Nada de terno ou
sapatos sociais ou cabelo perfeito. Eu gostava dele assim.
– A viagem será longa.
– Para onde vamos? – Suspirou.
– Fim do mundo – Falou com um sorriso.
Fechei os olhos quando o carro começou a se afastar.
Marcus estava em silêncio também e isso não era tão ruim. Ele
ainda tinha sua postura tensa, as vezes apertava o maxilar e o
aliviava. Mexia muito as mãos ou procurava algo para focar. Nossa
viagem até o aeroporto foi rápida, ao invés de enormes filas,
seguimos para os minis motores. Não íamos sair do país?
Definitivamente não.
– Entra – Mandou.
– Você não vem?
– Vou resolver nossa saída – Falou.
Me acomodei o observando conversar com três homens
antes de subir dez minutos depois. Se sentou a meu lado, suas
ações automáticas novamente.
– Pode dormir se quiser. Ainda é cedo.
– Estou bem. – Falei. – Não vai me dizer para onde estamos
indo?
– Maine. – Havia um sorriso em seus lábios.
– Do outro lado do país?! Maine, Marcus?
– É muito ruim?
– Só não achei que seria tão longe. Espero que não esteja
me sequestrando.
– Ainda não. – Riu recolocando seus óculos.
Tentei focar em alguma coisa durante a viagem que não
fosse o homem sentado à minha frente. Marcus estava quieto desde
a hora que saímos e eu não sabia se estava dormindo ou me
observando por trás de seus óculos escuros. Meus dedos coçaram
para mexer em seus cabelos, e foi o que fiz algum tempo depois
quando me mudei para o seu lado, seu corpo saltou em surpresa.
– Desculpa.
– Tudo bem... eu só não esperava. – Fechou os olhos
novamente seu corpo relaxando. – Isso é bom. – Sorriu e não evitei
sorrir também – Se eu soubesse que fazia isso, teria sido mais legal.
Puxei de leve seu cabelo entre os dedos. Por Deus eu não
aguentaria ser assim tão calma para sempre. Não lembro de ter
pego no sono, quando abri os olhos o avião estava em terra firme.
Marcus falava com alguém do lado de fora. Minhas costas estavam
doendo e estava calor. Tirei o casaco ficando apenas de camiseta,
troquei a calça pelo short no pequeno banheiro. Me encarei no
espelho, não estava tão ruim. Nada do que um, óculos que nunca
usei, não ajudasse.
Quando fui encontra-lo, ganhei um olhar de um dos homens e
Marcus se aproximou.
– Chegamos? – Perguntei.
– Não. Vamos ir de carro até nosso destino – Apontou a
picape – Nossas coisas já estão lá.
– Dormi muito?
Encarou o relógio.
– Não muito.
Depois de me apresentar a seus "amigos" seguimos para
estrada de terra. Marcus ligou o som em uma rádio qualquer e batia
os dedos ao ritmo da música.
– Tem irmãos? – Perguntou.
– Não – Falei o fitando – Mas eu queria.
– Pais controladores?
– Minha mãe não queria mais filhos. Ela teve uma gravidez
complicada. Meu pai queria outro filho, um menino dessa vez. Mas
não deu certo, tentaram a adoção também, mas isso é mais
burocrático do que parece.
Seus olhos estavam fixos na estrada.
– Amigos?
– Poucos, eu vim de uma cidade pequena onde todos tinham
o mesmo pensamento. Eu não queria ser como eles e ficar lá me
faria pensar igual. Fiz amizades depois que mudei. Fiz muitas coisas
depois que me mudei. – Sussurrei a última parte.
– Como o que por exemplo?
– Achei ser dona do mundo, isso classifico como uma, coisa
ruim. E conheci muitas coisas, desde lugares a pessoas, isso foi
bom. – O encarei.
Sorriu balançado a cabeça.
– Relacionamentos?
– Dois sérios. Não duraram muito, talvez eu não seja
namorável – Admiti.
– Por que?
– Não achei ninguém que tenha a mesma intensidade que
eu. – Marcus me encarou. Droga cara, não me encare! – Não é algo
que eu consiga explicar. – Sussurrei.
– Entendi.
– Sempre me jogo de cabeça – Encarei a estrada –
Literalmente.
– Isso é ruim?
– Quando se é às cegas? Sim.
Na quarta música ele voltou a fazer perguntas.
– Por que resolveu ser acompanhante?
– Eu acho que já respondi essa pergunta.
– Sem detalhes – Me fitou.
Respirei fundo.
– Dívidas, eu fiz dívidas enormes e a oportunidade de quitá-
las caiu em meu colo. Apenas aceitei, as vezes me arrependo e nas
outras não.
– Por que se arrepende?
– Você nunca está preparado para o desconhecido. Isso pode
ser bom, ruim ou ambos.
Chegamos na casa misteriosa algum longo tempo depois.
Eram quase quatro da tarde e o sol estava forte apesar de grandes
nuvens o encobrir. Marcus saiu primeiro e encarou a pequena casa,
me virei para o mar em uma lamentação silenciosa.
– Praia – Sussurrei. De novo.
– Praias são legais. – Marcus parecia animado.
Bati a porta.
– Eu sei.
O ajudei com as malas. Caminhamos até a soleira, assim que
abriu a porta um vento quente nos recebeu.
– Aqui embaixo é sala e cozinha. Lá em cima dois quartos.
– Certo.
O segui. Marcus abriu os quartos e me deixou escolher.
Deixei minha mala em qualquer lugar e desci para encontra-lo.
Havia algo novo em seu olhar, talvez muita razão sobre sua família
o deixa-lo tenso o tempo todo.
– Vou fazer alguma coisa para comer. – Avisei.
– Depois podemos caminhar.
– Depois descansar – Avisei – Você não dormiu a viagem
toda.
– Posso ajudar na cozinha?
Atravessei a bancada abrindo tudo o que podia conter
mantimentos.
– Pode.
– O que teremos para hoje?
– Espaguete ao molho branco. – Me encarou de braços
cruzados.
– Sério?
– Não duvide dos meus dotes culinários. – Ele riu. – Posso
fazer coisas incríveis além de usar cartões de credito sem limite. –
Pisquei.
– Sério? Você acabou de me deixar curioso.
Repensei minhas palavras e tentei entender as suas. Marcus
não estava falando comigo em duplo sentido estava? Deus, eu não
me importo que ele esteja.
Enquanto a água fervia lhe dei tomates e cebola para picar e
me mantive concentrada no molho e algumas batatas no forno.
Marcus voltou a falar, era estranho e bom ao mesmo tempo. Ele
estava falando. Sumiu por um tempo na sala e voltou com duas
taças de vinho. Maldita mente romântica.
– Beber antes de comer...
– É relaxar – Ergueu sua taça.
Tirei as batatas do forno e bati em sua mão quando tentou
pegar uma. Quase uma hora depois estávamos a mesa ajeitando
tudo. Marcus subiu para tomar um banho e voltou pouco depois. Eu
gostava da forma como ele parecia relaxado. Como seu semblante
era totalmente o inverso do homem tenso e frio que conheci por
longas quatro semanas e que não fazia tanto tempo assim.
– Agora sim. – Afastei minha cadeira –Espero que goste.
Marcus me elogiou na terceira garfada. Continuamos a comer
e beber. Eu queria mandá-lo parar de falar de sua mulher ou me
comparar a ela – coisa que ele começou a fazer desde que
começou a beber –, mas desisti. Ele cessou na hora de lavar a
louça quebrando um prato.
– Eu posso fazer isso – Falei.
– Acho que bebi demais – Sorriu. Ele ficava adorável com
seu sorriso bêbado, ou perto disso.
Me deixou sozinha e pouco depois, a música veio de algum
lugar da casa. Suave. Deixei a louça secando sozinha e voltei a
sala. Marcus encarava a estante.
– O que vamos fazer? – Perguntei.
Ele jogou a cabeça de lado. Oh droga!
– O que quer fazer? – Rebateu.
Dei de ombros. O vi se aproximar e meu coração bater forte.
Segurou minha mão e me puxou gentilmente.
– Sabe dançar? – Seu hálito de vinho chegou ate mim.
Marcus encostou seu rosto na minha testa, respirando contra minha
orelha.
– Sou péssima para esse tipo de música. – Desviei.
– Precisa apenas relaxar. – Sussurrou.
Fechei os olhos respirando fundo. Seu sabonete ainda estava
ali. Marcus se balançou de um lado a outro e o acompanhei. Essa é
a última vez não? Era bom sentir sua mão em minhas costas,
descendo lentamente, seu queixo tocar o alto da minha cabeça e
ouvir seu coração bater. Isso era bom.
– Temos meia garrafa de vinho ainda – Murmurou, seus
dedos tocando a pele nua no fim de minha coluna.
– Acho que aguento essa. – Falei e nos separamos. Marcus
pegou a garrafa na mesa. Peguei as taças e subimos para o quarto,
ele encarou as portas e optou por seu quarto.
– Eu acho que não vou conseguir andar. – Sorriu. Sua mala
ainda estava onde havia deixado, sentei do lado oposto e o esperei
nos servir. – O que pediu de natal? – Perguntou se jogando a meu
lado.
– Nada e você?
Suspirou.
– Nada. – Encarou nossos pés balançando. – Não planejei o
natal para isso.
Encarei o teto. Marcus terminou sua taça e partiu para outra.
Havia sido duas e meia dele, uma e meia minha ao todo. Senti sua
cabeça tombar de lado, era como um cachorro pedindo carinho,
porem havia algo em seus olhos nada inofensivo. Marcus estava me
despindo e me controlando com suas ações.
– Por favor. – Pediu traçando seu dedo gelado por minha
clavícula.
Cruzei os braços. Ele se ajeitou e segundos depois se deitou
colocando a cabeça em meu colo. Travei por um tempo quando seu
braço passou por minha cintura. Sua respiração penetrando minha
regata, seus dedos afagando minha pele.
– Estou facilitando – Sussurrou.
Não, você não está. Afundei os dedos em seu cabelo e ele
arrepiou. Fiquei assim por muito tempo até meus olhos se fecharem
também, era a coisa mais estranha que poderia estar me
acontecendo. Tocar em Marcus fazia meu intimo se apertar. Abri os
olhos com Marcus tentando me ajeitar e me afundei no colchão a
seu lado. Levei minha mão até seu cabelo novamente e o puxei
para mais perto, minha mente estava além do pervertido – amigo,
Sara, ele disse amigos. E sorri quando seu braço passou por minha
barriga, eu sabia o que estava fazendo, diferente dos outros homens
pelo qual me relacionei, Marcus estava tomando tudo de mim. Indo
um passo de cada vez – ou talvez a única com segundas intenções
ali fosse eu. Porque sim, eu estava queimando pelo homem
problemático dormindo comigo.
Ele acordou, encontrei seu olhar assustado. Pesadelo. Seus
olhos estavam marejados e me aproximei tocando lábios em sua
testa.
– Um pesadelo.
Me puxou para ele até que eu estivesse montando sua
cintura. Pensei em protestar, antes que ele se arrependesse. Mas
ele não me soltou, seu braço passou por minha cintura e sua mão
afundou em meu cabelo.
–Marcus – Chamei – O....que está fazendo? – Senti sua
respiração em meu pescoço.
– Você não é a Maggie. – Sussurrou derrotado.
– Não, eu não sou.
Seus braços aliviaram.
– Me desculpe. – Pediu deixando a força que usava para me
manter ali, ir embora.
Coloquei os braços em seu peito e o fitei. Eu queria ser ela
por um segundo. Mordi os lábios com força, iria estragar tudo, mas
essa é a última vez. Que se dane. Estamos bêbados certo? Errado.
Mas isso não importa. Desci os lábios até os dele. Sua respiração
se acelerou e demorou alguns segundos até ele agir.
Suas mãos ganharam vida. Afundei as mãos em seu cabelo e
friccionei meu corpo ao dele, era abusar demais, mas me segurei
por muito tempo e ele estava tão ativo quanto eu agora. O gemido
controlado que deixou seus lábios, a força que usava para fazer
meu corpo friccionar contra o seu, a sensação maravilhosa que era
senti-lo mesmo por cima de cada maldito tecido que nos separava.
Marcus me beijou com força ate o gosto de cobre surgir, um
de nós dois perdeu o controle, suas mãos se fecharam contra minha
bunda me apertando a ele, trazendo um prazer a beira do colapso
para ambos. Puxei meus lábios dos seus e ele tomou meu pescoço.
Sua língua dançando por minha pele, sugando com força enquanto
sons deixavam a mim a ele, entregues. Não queria acordar daquele
momento, meu corpo estava em chamas, então Marcus nos virou e
entendi isso como aceitação, mas o contato foi quebrado.
– Eu... não posso. – Sussurrou.
Fechei os olhos.
– Me desculpe. Eu...– Saltei para longe dele, de costas para
ele.
–Vou para o meu quarto. – Avisei.
–Não... precisa sair.
– Marcus...
– Nada aconteceu. Vamos esquecer. – Era sua forma de
pedir desculpas.
Não. Eu não ia. Me levantei ajeitando a blusa claramente
entregando meu estado.
– Nos vemos amanhã, Marcus. – Sussurrei antes de sair. E
assim eu ferrei com tudo.
12

Demorei a dormir como consequência acordei tarde.


Controlei minha pulsação, só de saber que teria de encará-lo, não
havia como fugir e pior não saber como estava seu humor. Me dei
mais alguns longos minutos até me arrastar ao banheiro e fazer
minha higiene, voltei ao quarto pegando um casaco porque o tempo
estava mudando. Isso é, caminhar não seria mais uma opção de
desculpas.
A sala estava silenciosa, girei no lugar e segui para cozinha
tendo um pequeno ataque ao vê-lo parado em frente ao fogão.
Moletom preto, pés descalços e cabelo bagunçado. Acho que
suspirei alto porque ele ouviu.
– Bom dia. – Falou com um sorriso.
Ele estava sorrindo? A noite passada foi um sonho? Qual é?
– Bom dia. Que horas são? – Perguntei para quebrar o clima
que criei na minha cabeça.
– Onze, fiz ovos mexidos.
Continuava parada feito uma idiota tentando entender. Ele
estava fingindo que nada aconteceu e se eu fosse inteligente faria a
mesma coisa.
– Fiz café também.
– Claro. – Dei alguns passos até a bancada.
Marcus virou os ovos em um prato e continuou fazendo seu
trabalho como se nada tivesse acontecido. Então só eu tive uma
noite do cão sendo torturada pelos meus sonhos. Ele dormiu na
maior paz divina.
Sim, ele dormiu.
– Eu esperava sol – Comentou encarando a neblina.
– Eu gosto do frio.
– Queria um pouco do sol antes do frio que nos espera.
Me servi.
– Talvez melhore.
Fez careta. E acho que perdi o ar pelo que pareceu muito
tempo porque estava me engasgando com um pedaço de ovo.
Quando terminei, lavei a louça. Marcus me ajudou secando e
guardando. Ele realmente era bom em fingir as coisas. Já no meu
caso, era péssima. No fim tudo o que parecia aceito era assistir TV.
Marcus se aproximou arrastando um cobertor e sorriu.
– Clima estragando meus planos. – Resmungou.
–Não está tão ruim assim.
Ficamos em silêncio por um tempo encarando a TV em um
seriado idiota. Meu estômago parecia abrigar um mundo de
borboletas, estava me sentindo uma viciada em drogas porque
conseguia sentir o perfume de Marcus em tudo – não só o perfume
nas últimas horas.
– Droga. – Resmungou se levantando. Observei correr em
direção a porta e janelas de vidro as fechando.
O dia estava cinza e não parecia uma da tarde. A chuva de
vento estava assustadora, puxei o cobertor até o pescoço e a TV
desligou, assim como todo o resto mergulhamos na escuridão.
– Sara? – Marcus chamou. Ouvir sua voz chamando meu
nome me desligou por um tempo.
Da segunda vez eu sai do modo idiota ativo.
– Estou bem. Nem me movi.
Ouvi sua risada baixa. Ele não precisava saber do meu
pânico de escuro. Odiava o escuro desde que meu melhor amigo
me prendeu em um armário quando eu tinha cinco anos. Foi
horrível. Assustador. Nunca o perdoei por isso.
Marcus sumiu, tudo o que se ouvia era o som da chuva agora
mais forte, não sei o resto do mundo, mas tenho tendências a
pensar em filmes de terror e coisas assustadoras saindo de tudo
quanto é buraco e me matando. Isso fez meus olhos se arregalarem
tentando enxergar alguma coisa. Encarei o cinza nas portas de
vidro, sabendo que minha pequena fonte de luz uma hora acabaria.
Me lembrei do último filme que Caroline me obrigou a assistir
e comecei a respirar como um peixe fora d'água. Contei até dez
mentalmente pronta para gritar Marcus, então ele apareceu me
assustando. Sua risada era linda e harmoniosa, mas tudo o que eu
queria era chutar a cara dele e chorar como fiz com cinco anos.
Encarei a lanterna balançando em suas mãos. Respirava fundo
sentindo a cabeça latejar.
– Me desculpe. – Falou me apontando a lanterna.
Eu não queria desculpar, estava furiosa demais para isso.
Percebi que segurava meu pé, o mesmo que o havia dado um leve
chute.
–Você está chorando?
Virei de lado segurando o cobertor. Tudo o que precisava era
de um tempo para a cabeça parar de latejar. Marcus manteve a
lanterna em mim por mais alguns segundos antes virá-la para a
parede. Sua mão ficou tanto tempo em meu pé que até havia
esquecido. Só me toquei quando ele começou a fazer círculos.
– Eu tinha cinco anos quando meu melhor amigo me prendeu
dentro do armário. – Ele virou a lanterna para mim novamente. – Eu
entrei em pânico, afinal era uma criança medrosa. Nunca superei
isso completamente. E estar sozinha levando susto só piora.
Ele sorriu.
– Nunca mais faço isso. – Parou os círculos – Eu prometo.
– Nunca mais mesmo, não vamos nos ver depois daqui não é
mesmo?
O senti ficar tenso mesmo não estando tão perto assim. E o
silêncio se arrastou quase me fazendo dormir. Quando se mexeu a
tensão pareceu ter ido embora.
– A luz não vai voltar nem tão cedo e eu estou com fome. –
Colocou a luz em seu rosto e suspirei. – Está com fome?
Assenti me pondo de pé. Marcus jogou seu lado do cobertor
no sofá e me aproximei. Sua mão estava fria quando pegou a
minha, todo meu corpo havia ganhado vida e uma euforia me fez
imaginar jogá-lo de volta no maldito sofá. Mas a realidade era outra.
Marcus soltou minha mão quando chegamos na bancada.
Com a lanterna investigou a geladeira em busca de alguma coisa
para comer, acabou optando pela sobra da noite passada. A noite
passada. Em silêncio, o vi recolher mais algumas coisas como
queijo e tomate. Virou todo o macarrão em uma forma colocando em
seguida o queijo e o tomate.
– Está frio. – Falou se sentando no chão. Ao lado do forno –
Nosso aquecedor por um tempo. – Virou a lanterna.
Deslizei até o chão e abracei as pernas. Diante daquele
silêncio, eu devia dizer alguma coisa? Sei lá contar uma história
idiota do meu acervo de histórias idiotas.
– Onde está a garota que amava fazer perguntas? –
Sussurrou.
Não queria falar porque no fim estragaria tudo.
– Desistiu de fazer perguntas. – Murmurei contra meu joelho.
Marcus não disse mais nada por um longo tempo. Ouvi um
leve bipe e nosso almoço estava pronto. Me levantei saindo do
conforto quentinho, peguei os pratos. Ele deixou me servir primeiro,
arrastei uma cadeira e embalamos no silêncio.
E mais silêncio, estava odiando isso. Antes das quatro da
tarde a luz voltou, eu não sabia se ficava feliz ou triste com isso.
Marcus escolheu um filme e me contou o final porque ele era um
filho da mãe.
– Maggie adorava esse filme, ela sempre chorava.
Quem não chora em filmes com cachorro? Até o filme acabar,
ouvi muito sobre Maggie a ponto de odiar saber sobre ela por um
tempo. Era idiota da minha parte, ridículo na verdade. Mas ele
estava falando dela, ele a amava. Doía nele perde-la, doía em mim
perde-lo sem sequer tê-lo tido. Eu admiti isso? Sim, Marcus não era
como os outros caras que me chama atenção, não seria por uma
noite ou algumas semanas e chegar a conclusão disso não era bom.
– Chega! Saber de sua mulher não é importante pra mim. Por
favor, não aguento mais. – Deixei escapar. Seus olhos estavam
surpresos. – Não aguento suas comparações.
Pensei em pedir desculpas ou qualquer coisa parecida. Mas
não havia desculpas, ele sabia que eu estava irritada porque nem
querendo eu conseguia parecer diferente. Me arrastei escada
acima e para piorar deixei a porta bater. Era o gran finale do "Eu
estou morrendo de ciúmes!". Eu não estou. Eu não devia ter aceito
essa viagem.
Voltou a chover, me enrolei no cobertor e contei até cem
repetidas vezes. Marcus não fazia barulho, ele nunca fazia. Devia
estar me odiando agora. Você queria tanto ouvi-lo, agora o mandou
se calar? Que grande jogada, Malvin.
Sequei uma lágrima idiota, não pretendia descer então
troquei de roupa optando por um conjunto de dormir não tendo nada
do além de uma calça jeans para frio. Contei até cem de novo e
cheguei ao cinquenta e sete na segunda vez. A luz se apagou. O
aquecedor iria desligar e eu estaria sozinha.
Recontar...

100...
108...

213...

256...

A chuva voltou mais forte, eu não sabia se sentia frio, medo


ou raiva. Só conseguia ver seu olhar me acusando. Droga!

358...

372...

Encarei a janela e as gotas se chocando contra o vidro.


Marcus não fazia um maldito som no primeiro andar. Encarei as
paredes por um tempo perdendo a contagem e recomeçando. Só
quando um trovão pareceu rachar a casa ao meio e o vento me
assustar que me cobri até a cabeça. Eu amo o sol e o tempo bom.
Amo o calor e o suor. Não, eu não amava, mas preferia.

218...

246...

300...

Senti um lado da cama afundar e meu coração sufocar.


Fechei os olhos com força parando de contar, então senti a mão fria
deslizar embaixo do cobertor e tocar a pele descoberta em minha
barriga. A respiração pesada em minha nuca. Me virei tão rápido
quanto podia e encarei Marcus com a lanterna, mesmo na luz da
noite. Seus olhos estavam vermelhos e irritados. Ele estava
chorando? Por que diabos, Marcus estava chorando?
– Eu... vou dormir aqui – Falou firme – Não precisa ter medo.
–Você bebeu? – Perguntei tentando me sentar, mas seu
braço me segurava firme.
–Uma taça ou duas – Fechou os olhos – Mas eu sei quem
você é... e onde estamos. Não sou idiota.
Ótimo.
– Eu estou bem. – Menti.
Sorriu.
– Você estava assustada.
Segurei seu braço, seus olhos se fecharam controlando meu
ato de tirar suas mãos de mim. Eu queria beija-lo, queria ser Maggie
por um segundo só para repetir o que minha mente insana
conseguiu horas atrás. A morte era tão injusta.
– Me desculpe...
– Pelo que? –Tentei fingir não saber de nada.
Seus olhos me engoliram.
– Por enche-la com meu passado. Só pensei que... alguém
queria realmente me escutar.
– Marcus...
– Shhh... Eu não vou mais falar. Só não saia de perto de mim.
– Me puxou tão perto.
– Por que?
– Eu... não sei. Apenas continue aqui. Até o natal, lembra?
Não me deixe me sentir vazio de novo.
Assenti.
–Pode me soltar – Avisei. Mas ele não o fez. Me trouxe para
mais perto. Nossas pernas se entrelaçaram e meu coração parecia
ridículo batendo alto o suficiente para ser ouvido das costas. –
Marcus não. – Sussurrei.
Ele ainda me fitava quando tocou meus lábios, devagar.
Recuava e me estudava. Repetiu três vezes e não consegui mais lê-
lo depois disso. Por que você está fazendo isso? Queria perguntar,
queria gritar.
Sua manobra sobre mim não me assustou. Seus lábios
tocaram os meus de novo, lento, lento... rápidos. Onde estava
minha sanidade quando eu queria? Onde estava o Marcus
apaixonado pela esposa falecida quando eu precisava? Se ele
estava tentando destruir nossos dias, ele estava conseguindo. E se
fosse para terminar ali, então eu iria pegar tudo o que estava me
sendo oferecido. Puxei seu corpo para o meu entrelaçando sua
cintura com as pernas. Suas mãos seguravam meus cabelos com
um pouco de força, não havia delicadeza e parecia não haver ideia
para ter.
Senti o frio em meu pescoço quando o beijou. Marcus parecia
estar me memorizando e isso soaria estranho se não fosse bom.
– Marcus...– Ofeguei quando sua mão entrou pela minha
blusa e xinguei baixinho.
Droga!
– Vamos... parar –Sussurrei –Você vai se arrepender.
Ele nada disse. Voltou a me beijar e me tocar. Estava
segurando um fio muito fino, ele iria se romper muito em breve e
toda a calma iria para o espaço. Ele está bêbado. Ele ama a ex
mulher. Você não está bêbada e não é a ex mulher. Ele está
brincando com você, apenas isso.
Ele estava chorando. Chorando por ela. Pela falta dela.
Estalei no lugar segurando sua mão. Ele está procurando por ela.
Senti a lágrima, eu não sou ela.
– Marcus! Para! – Mandei e ele me fitou, parecia tão são.
Mas não estava. – Não. – Murmurei.
Me virei de costas a ele e chorei baixinho, não sei se dormiu
ou se ainda estava acordado isso também não importava. Pela
primeira vez, eu o queria longe.
13

Estava frio quando acordei, sozinha. Meus olhos pesados e


eu já imaginava o monstro que eu deveria estar. Fiquei o que
pareceu muito tempo na mesma posição decidindo me levantar, a
segunda vez sempre seria pior que a primeira. Achei um moletom
na mala, não ajudaria muito no frio que estava. Acho que tive o
banho mais longo em toda minha vida.
Quando desci estava tudo quieto, nenhuma surpresa na
cozinha e a varanda vazia. Encarei as ondas bravas por um tempo
até me dar conta que o carro não estava parado a alguns metros da
casa. Um misto de pânico e tristeza me tomou. Marcus não me
deixaria sozinha. Voltei ao segundo andar empurrando a porta do
seu quarto constatando que sua mala estava ali. Ele não iria embora
e deixaria a mala. Mas Marcus sempre agiria de forma estranha e
impulsiva porque ele não sabia controlar suas emoções.
Tentei calcular o tempo que ele deveria ter saído, mas
apaguei o suficiente para me esquecer que ele esteve em minha
cama a noite toda, ou metade dela ou só algumas horas. Uma hora
havia se passado desde que acordei. Me sentei na varanda, já havia
controlado as lágrimas. Só esperava vê-lo de novo, uma ligação
talvez. Ir embora e me deixar era imperdoável, pensar nisso me
fazia querer chorar novamente.
Um leve chuvisco começou, o céu estava cinza e era apenas
meio dia, parecia seis da tarde com direito a tom horripilante. Três
horas. Ele não me deixou. Começou a chover e a luz acabou mais
uma vez. Entre ficar em casa e ficar na varanda, optei por me
trancar no quarto. Eu odeio Marcus Foster e me odeio ainda mais
por estar nessa por livre e espontânea paixão.
Em poucas horas o quarto ficou escuro, pensei em Santana e
Caroline e meus planos para o natal. Se eu os tivesse seguido nada
disso estaria acontecendo. Eu não teria me apaixonado ainda mais
por um desgraçado bipolar e atormentado. Eu voltaria ao normal.
Ouvi a porta bater longas horas depois, o vento estava
terrível assobiando pela casa. Meu corpo tremia e eu já não sabia
se era por medo ou frio. Me levantei segundos depois, eu só
precisava descer e fechar a porta. Ignorar o escuro e o vento. Abri a
porta e encarei a escada. Me perguntei quando havia chegado ao
porquê de um taco de beisebol na parede? Minha pergunta estava
respondida quando o peguei. Contei cada passo, a luz da noite
iluminando o primeiro andar e foi aí que ouvi o barulho. Não
conseguia respirar, o ar havia travado junto com o soluço e sentia
minhas pernas moles como gelatina. Eu odeio Marcus Foster!
Pisquei afastando as lágrimas e acabei travada no lugar,
onde só mais um passo e eu estaria na escada. Apenas um passo e
vi a sombra se aproximar calmamente, minhas mãos trêmulas. O
vento pareceu gritar quando levei o taco para o alto de minha
cabeça pronta para acerta-lo.
O grito escapou e ouvi o resmungo, meu coração batia em
meus ouvidos enquanto o medo se transformava em tontura e o
taco era arrancado de minhas mãos.
– Sou eu!
Não conseguia respirar. Marcus me abraçou quando as
palavras se embolaram, eu queria soca-lo. Afasta-lo de mim, ao
mesmo tempo que queria acorrenta-lo. Pensei que o ataque de
choro nunca passaria.
– O... Onde esteve? – Empurrei seu peito molhado.
– Me desculpe. – Suas mãos tentaram me tocar.
– Não! Eu não te desculpo. Você é um idiota e eu te odeio. –
Tudo o que conseguia era gritar. Deus, eu estava beira do desmaio
de tanto medo.
Senti vontade de vomitar e me bater. E gritar. Marcus
continuava me encarando com o taco em mãos. O empurrei
tentando fazer meus pés ter senso de direção. Desci as escadas de
dois em dois pelo simples fato de não conseguir enxergar. Eu nunca
pensei que doeria como estava doendo. Me afastar era só a forma
fácil que achei para não dizer tudo o que queria. As coisas já não
estavam ruins o bastante? A ideia de que ele havia me deixado
estava fazendo efeito contrário no meu cérebro. Meu medo era meu
estado de choque.
Eu fiquei com medo! Pensei que tivesse me deixado, pensei
que fui seu brinquedinho novamente que no primeiro “eu não quero
mais brincar”, foi descartado.
– Onde vai? – O ouvi falar.
Encarei a sala e segui para a porta, seus passos mais
próximos agora e deixei a porta bater. Até que a noite não estava
tão assustadora do lado de fora.
– O que está fazendo? – Me puxou.
– Eu... quero ficar longe de você. – Gritei.
– Me desculpa!
Neguei. Eu já o havia desculpado porque era idiota. Não era
pelo seu sumiço, era pôr tudo e mais uma pouco. Eu idealizei
momentos e o homem a minha frente.
– Só me deixe, certo?
Ele piscou algumas vezes contra a água da chuva, mas ainda
segurava meu braço.
– Sara, olha o tempo. Estava chovendo, trovejando. Eu
precisei sair, não queria acorda-la...
– Você me deixou. – Maldição! Eu conseguia ser pior do que
ele descontrolada. – Todo esse tempo. – Abracei meu corpo, a
chuva não estava sendo boa para minha temperatura corporal.
– Eu não deixei! – Marcus gritou. – Vamos para casa, Sara.
Vamos sair da chuva.
– Deixou... eu... eu fiquei desesperada. – O soquei –
Culpada, eu... pensei coisas horríveis.
– Você não tem culpa de nada. Eu precisei ir, mas o carro
quebrou e demorou para chegar ajuda... – Tentou me fazer olha-lo.
– Todo esse tempo?!
– Todo esse tempo – Falou como se tivesse explicando a
uma criança. – Eu não ia te deixar sozinha. A estrada ficou ruim
para voltar, inferno! Não me deixaram passar. Eu não deixaria você,
Sara. Juro que não.
O empurrei.
– Mas eu preciso... ficar sozinha, por um tempo.
Seu olhar era tão familiar e no segundo seguinte Marcus me
puxava de volta para a soleira. Não era carinhoso ou delicado, era
firme e decidido. Tentei fazê-lo me soltar, mas ele não soltou. Bateu
a porta e a trancou jogando a chave em algum lugar.
– Me solta.
–Eu queria acreditar que está bêbada porque está agindo
como uma. – Falou me arrastando pela escada e me assustando. –
Você age como uma quando está assustada.
– O que está fazendo?
– Tentando fazê-la não morrer de hipotermia. É possível os
lábios gangrenar? Os seus estão quase.
– Você está me machucando. – Fisicamente agora também.
Empurrou a porta do banheiro e me soltou. Encarei meu
braço.
– Me...
– Não peça desculpa. – O empurrei batendo a porta.
Eu entendi porque as crianças se debatiam no chão. É a
forma mais fácil de afastar a dor emocional, tanto é que quando
surge a física elas se esquecem do verdadeiro motivo por estar
chorando e o foco da dor é outro. Elas voltam a quem as machucou
em um pedido de conforto. Eu não podia voltar. Estava ficando
descontrolada como ele. Sim, Sara, essa não é a vida e a posição
emocional que você está acostumada. Você não chora pelos
homens, você não implora por eles. Você não se apaixona na
mesma facilidade que usa um cartão de credito. Mas se arrepende
da mesma forma. Marcus é via de mão dupla, dê o fora.
Liguei o chuveiro me esquecendo que o aquecedor parou,
tirei a roupa molhada e me enrolei na toalha. Algum tempo depois
antes que congelasse eu saí do pequeno banheiro ainda em
silêncio. Entrei em meu quarto pegando a primeira roupa que achei,
me arrependendo de tudo. De não me escutar, de procrastinar, de
fazer tudo por impulso confiando na minha cabeça fraca.
Terminava de colocar a camisa quando o vi parado, agora
com roupas secas. Segurava um casaco e me encarava. Eu não sei
por quanto tempo ele esteve ali.
– Você...
– Eu não sabia... não quis assusta-la. – Falou. – Só... ia
deixar isso – Estendeu o casaco.
– Não precisa.
– Que droga! Seja menos egoísta – Gritou.
– Eu não estou sendo egoísta!
– Está e estou tentando não ser também.
– Você ainda não percebeu que não está dando certo? – As
lágrimas de novo – Eu... quero ir embora.
Negou em desespero. Se pôs contra a porta quando a
fechou.
– Não!
– Você não pode me prender aqui. – Cruzei os braços.
Deu de ombros encarando o chão.
– Você me ouviu?
Me encarou. Por dentro estava em convulsão, isso era
horrível.
– Temos seis dias.
– Não temos... não mais.
– Você não vai embora. – Gritou jogando o casaco no chão.
Eu podia ver seu rosto ficar vermelho.
– Por que? – Cortei a distância socando seu peito. Eu queria
vê-lo reagir e não ser um maldito infantil.
– Eu não sei, mas você não vai.
– Eu vou.
Segurou meus pulsos.
– Não. – Frio, era como estava. – Você não vai.
– Eu não sou...
– Você não é ela. Não é a Maggie! – Gritou – Eu sei disso, eu
sabia ontem, eu sempre soube. Estou tentando esquecer então pare
de me lembrar. – Gritou – Não percebe que estou tentando... por
você... por estar aqui!
Engoli o ar por vários segundos.
– Você estava bêbado.
– Eu disse que eu sabia. Eu não sei o que está
acontecendo... estou tentando entender.
– Não sou um step, Marcus.
Seu olhar era frio novamente.
– Acha que eu a trouxe aqui... – Gargalhou. – Eu poderia ter
quem eu quisesse na rua. Me desculpe se seus clientes te tratam
assim ou se você se dá ao luxo de servi-los assim...
Minha mão ardeu quando a choquei em seu rosto. O silêncio
varreu tudo por um longo tempo.
– Eu não me presto a isso – Murmurei. – Nunca mais
suponha isso. Nunca mais! Você não me conhece.
– Não? O que você é? – Perguntou sua mão esfregando o
rosto vermelho.
– Alguém melhor do que você, seu cretino esnobe.
– Sério? – Se aproximou. – O quanto é melhor do que eu? –
Perguntou tão perto que podia ver as cores brincando em seus
olhos.
– Você é louco.
– Talvez eu seja. – Mais perto.
– Idiota. – Muito perto.
– Muito.
– Desgraçado... maldito. – Solucei sentindo a cama ser o
meu limite.
– Você não sabe nada sobre mim. Mas sabe que não somos
tão diferentes assim, não é?
– Sai do meu quarto. – Sussurrei tão baixo que mal
acreditava ter dito alguma coisa.
Marcus estava fazendo coisas estranhas acontecerem
comigo. Sua mão me puxou com força o cabelo em minha nuca.
Segurei sua camisa.
– Responde. – Seus lábios rasparam os meus.
– O que você... quer comigo?
O quarto estava mais abafado, como se o aquecedor tivesse
sido ativado no máximo. Marcus não respondeu, nenhuma das
perguntas ganharam respostas. Um segundo depois ele estava
sobre mim. Ele sabia que eu não era ela, isso tornava as coisas
mais fáceis? Ser usada se tornava mais fácil? Talvez não, mas eu
não precisava ver da mesma forma que ele.
– Sai... – Murmurei contra seus lábios.
– Egoísta. – Ele riu sem humor. – É isso que você é, uma
maldita egoísta quando quer.
Quase gargalhei. Eu não acreditava que ele poderia me
achar egoísta. Seria isso enquanto ele não descobrisse o que queria
comigo. Essa brincadeira masoquista.
– Se eu sair...– Sussurrou contra meu pescoço, puxando meu
cabelo com força. – Eu não volto... não volto pra você.
Não volta pra mim!
O puxei para mim, presa em seus olhos, no que ele estava
tornando cada segundo desde que voltou, não havia um nome para
o momento. O deixaria fazer o que quisesse, poderíamos chamar
apenas de momento. Me proibia de qualquer outro significado,
porque sempre que chegávamos a um, tudo se perdia. Aceitar seu
beijo foi o sim que não consegui dizer em palavras.
Enquanto o deixava se desfazer de suas roupas, me dei um
tempo. Apertei os olhos com força e tentei me lembrar de algo que
eu não tivera controle na vida que eu pudesse comparar ao
momento. E não havia nada para colocar no lugar – nem meus
gastos. Não houve tempo para procurar mais, em algum lugar
dentro de mim um novo eu havia acordado. Só precisava esquecer
que o amanhã viria. Que poderia não ser bom. Mas não importava.
Eu queria pertencer a ele por uma noite, como um maldito contrato –
mesmo não sendo um. Eu queria Marcus Foster como amante
agora, meu corpo ansiava por isso que doía minha alma.
Senti seus dedos finos na pele de minha barriga, seu peso
considerável sobre mim. Seu beijo era diferente, talvez não fosse,
mas eu sentia como se fosse. Quando se afastou por um segundo
eu pensei que sairia dali e nunca mais voltaria. Pensei em todas as
possibilidades negativas e como se um clique tivesse sido dado em
sua cabeça ele voltou, mais rude. Isso não me incomodava.
Enquanto me beijava com força, suas mãos me marcando,
apertando, arranhando minha pele como se dissesse para si mesmo
que era real.
E foi como imaginei, há sempre algo que machuque mais do
que um simples beijo ou um toque. A entrega sempre será mais
torturante. Eu queria fechar meus olhos, mas os mantive abertos,
mesmo sob as lágrimas eu o deixei ver. Queria vê-los também.
Queria mostrar o que essa entrega estava me causando, queria que
ele visse e eu não tivesse que esconder ou falar nada depois. Ele
saberia o quanto mexeu com minha cabeça desde que voltamos de
suas férias em família, o quanto cada palavra cresceu em mim
enraizada. Todo seu jeito havia corrompido minha mente.
Ele tinha que saber.
– Preciso de você... – Murmurou em minha orelha, mordendo
meu pescoço. – Por Deus, eu preciso, não é de uma forma doce,
Sara. – Seus dedos seguraram meu cabelo longe de meu rosto. –
Não é nada doce e agradável porque você... você está acabando
com o resto de mim.
Sem aviso, Marcus me preencheu. Quase me derreti em
minha cama conforme meu corpo recebia uma parte do seu. Meus
dedos se fecharam em seu cabelo em desespero, esperava por
isso, ansiava por isso e ele era naquele momento além do que
imaginava.
Seus movimentos se tornaram mais desesperados e rápidos,
poderia vê-los como palavras, como um pedido para que eu me
calasse mesmo sem dizer uma palavra. Deixei que me marcasse,
no dia seguinte poderia ver o que aconteceria, mas no momento eu
daria minhas certezas e ele lutaria com as suas dúvidas. Suas mãos
prenderam as minhas, olha-lo pelo ângulo em que estava agora fez
meu corpo bater no limite. Seus olhos deixaram os meus para olhar
onde começava nossa ligação, isso queimava nossos corpos.
Queimava profundamente, porque Marcus Foster era quente como o
inferno e eu sempre soube disso. Antes mesmo de chegar perto,
sabia que ele era o próprio demônio quando queria ser um.
Estávamos queimando agora.
Marcus ficou mais calmo, me beijou lenta e demoradamente,
o sentia me levar para o melhor caminho que poderia existir, sentia
se atrasar tentando me proporcionar o prazer que já havia
alcançado. Ele estava se preocupando comigo ao mesmo tempo em
que a súplica em meus lábios parecia diverti-lo, quando se mexia
lentamente me fazendo lembrar quem estava no controle ali.
Sorri contra seus lábios, senti como se milhares de
borboletas estivessem me erguendo, como se meu sangue tivesse
correndo dentro de mim mais rápido que o normal enquanto seu
corpo se chocava contra o meu, rápido e coordenado. Marcus sabia
o que estava fazendo, ele era bom nisso, malditamente bom nisso.
– Marcus!
– Sim, Sara.
Seu corpo me prendeu contra o seu, quando de maneira
assustadora atingimos o, máxima de felicidade. Não importava mais.
Respirei fundo algumas vezes, abracei suas costas, sentindo seu
perfume. Não importava o quanto parecia íntimo, não importava se
isso estava errado. Só estava aproveitando, sentindo. O soltei
quando seu corpo caiu de lado, o fitei sem saber de onde havia
vindo a coragem para isso. Seus olhos me avaliavam, não havia
motivo para me envergonhar.
Sem que dissesse nada seu dedo tocou meus lábios, fiquei
tentada a envolve-lo. Marcus me puxou para ele e ouvi seu coração.
Se era um sonho, era o melhor sonho que já tive. Não falamos
nada.
14

Tinha a leve sensação de que já era mais que uma da tarde.


Encarei o teto por um tempo deixando meu corpo se acostumar com
o próprio peso. Certo Sara, saia dessa cama e enfrente mais um
dia. Era um pensamento válido, mas não saí do lugar ao vê-lo ainda
ao meu lado. Marcus me encarava sem expressão, não estava
bravo, também não apostaria que estivesse feliz.
Respirei fundo.
– Está com fome? – Sussurrou.
O que? Eu queria gargalhar ao ouvir isso, era a última coisa
que esperava que dissesse.
– Marcus...
– Vou preparar alguma coisa. – Se levantou sem a droga da
roupa.
Você está acordada, se quer dizer algo, diga agora.
– Eu estou com fome. – Falei quando colocou a calça da
noite passada. – Mas acho que temos que conversar.
– Depois...
– Agora. – Falei firme. – Pare de agir como um idiota
assustado! Vamos falar sério.
Me encarou.
– Certo, quer começar? – Cruzou os braços.
– Não aja como se nada tivesse acontecido. Por que está
assim?
Deu de ombros.
– Eu não sei como devo agir.
– Nunca teve uma noite casual? – Tentei engolir o amargo –
Apenas aconteceu.
Eu sabia que não.
– Nunca tive... não acordando com a pessoa do meu lado.
Nos últimos anos ninguém acordou do meu lado, Sara. Me
certificava disso sempre.
– Da próxima vez eu mudo de quarto.
– Sara...
– Estou brincando. – Tentei um sorriso. – Você queria,
aconteceu e fim.
– Você não queria? – Uma ruga se formou em sua testa.
Eu queria rir dessa pergunta também, mas sairia amarga
demais.
– Eu quis então não se culpe e não precisa me tratar como
um vidro que a qualquer deslize irá quebrar. – As palavras saíram
duras, totalmente sem intenção.
Assentiu da porta.
– Você... vai querer ficar, não vai?
– Isso tudo foi para me manter aqui?
– Não seja absurda! Claro que não. Eu dormi com você
porque eu quis dormir com você, desejei estar com você, em você.
Satisfeita ou vou ter que pensar em algo mais para faze-la
entender?
– Tudo certo. – Ergui as mãos.
– Não parece certo pra você. – Ele estava duro de novo.
– Marcus...
– Eu queria dormir com você, te desejei e você me tirou do
sério. Eu desejei Sara Malvin, não era Maggie, nem bebida e muito
menos loucura. Então por favor, acredite em mim. – Passou as
mãos pelo cabelo.
– Eu acredito.
– Você sabe que não. – Deixou o quarto.
Eu não tinha culpa de termos sempre algo para rebater as
ações. Só voltei ao normal quando ele deixou o quarto, havia um
sorriso idiota na minha cara. Contentamento, Marcus Foster me
desejou? Sim, foi isso que ele disse, mesmo tendo medo das horas
seguintes, ele me disse isso por duas vezes. Ele queria. Respira e
solta, repeti isso até terminar meu banho. Quase meia hora depois
eu desci e me surpreendi por termos visitas. Estava chovendo de
novo.
Marcus me observava se aproximar, a seu lado um casal
sorria ao me ver.
– Sara. – Chamou. – Esses são Regina e Fernando.
Os cumprimentei com um aceno de cabeça.
– A chuva os pegou de surpresa, eles vão ficar aqui até que
possam seguir viagem.
– Então ela é a Sara? – Fernando falou.
– Sou. –Apertei sua mão.
– Marcus falou bastante de você.
Encarei Marcus, ele estava tenso.
– Certo, alguém já tomou café? – Brinquei, mas a pergunta
era séria. Eu estava morrendo de fome.
Segui para cozinha sendo seguida por todos. Marcus me
explicaria a pequena tensão que senti assim que os vi. Fernando me
olhava de um jeito estranho, não era malicioso, mas também não
era apenas amigável. Uma atração à primeira vista?
– Estão a quantos dias por aqui? – Fernando perguntou.
– Três – Marcus respondeu.
– Vão ficar para o natal? – Regina perguntou.
– Não. – Falei – Vou passar com minha família.
– Mas vocês... – Ela me olhou sem entender.
– Somos apenas amigos. – Falei.
Marcus deixou o copo cair e xingou baixinho. Peguei um
pano para tentar ajuda-lo, mas ele queria fazer sozinho. Depois
disso qualquer e toda ação de Marcus era estranha. Eu não sabia
se era por Regina e Fernando ou se era por ter caído na real sobre
tudo. Eu não sabia de mais nada. Regina pediu para descansar e a
levei para o quarto de Marcus. Ela parecia mais quieta agora.
Fernando estava na varanda ao telefone quando desci e Marcus
fazia o almoço.
– Eles vão ficar aqui? – Perguntei.
– Breve. – Falou me encarando pela primeira vez.
– Os conhece? – Me apoiei na bancada o encarando.
– Fernando me ajudou ontem quando o carro deu problema.
Encarei o balcão.
– Eles parecem legais, mas... tem algo acontecendo, certo?
– Eles estão se separando ou se separaram. – Marcus falou
– Ela não aceitou bem isso.
A porta se abriu e fui pega pela voz grave de Fernando.
– Essa chuva que não passa. – Comentou – Marcus
cozinhará? – Perguntou descontraído.
– Estou tentando – Marcus comentou com uma falsa
animação.
Tentei me sentir mais confortável, mas o clima estava tenso
por algum motivo que ninguém me disse.
– Se precisar de ajuda.
– Consigo me virar.
Fernando continuou alheio ao maltrato de Marcus – ou era
educado o suficiente para relevar. Uma nova música começou e ele
me tirou para dançar, Fernando era legal e não havia motivo para
participar da tensão. Aceitei sua mão.
– Eu não sei dançar. – Avisei.
– Apenas me siga – Falou brincalhão.
Segui seus passos sem deixar de pisar em seus pés vez ou
outra. Ele não parecia abusado nem nada do tipo, era gentil e
amigável, agora. Encarei Marcus uma vez faltando menos de um
minuto para o fim da música e ele nos encarava. Me encarava na
verdade.
– Você não é tão ruim – Fernando nos separou – Só precisa
de mais treino. Marcus sua panela está queimando. – Avisou
quando a fumaça começou a subir.
Marcus xingou baixinho jogando a panela na pia. Dei a volta
no balcão com Fernando me seguindo.
– Deixa que eu faço isso. – Desliguei o fogo.
– Não precisa. – Falou.
– Marcus. – O encarei – Eu posso fazer isso.
O arroz já era, os dois me encaravam enquanto eu procurava
algo de útil na geladeira. Achei o frango que havia tirado para
descongelar um dia antes e acabamos não comendo nada.
Fernando não entendeu que eu poderia fazer tudo sozinha e em
segundos estava me ajudando. Ele cozinhava porque era chefe de
cozinha, também gostava de jazz e morou na Itália por sete anos.
Marcus continuava nos encarando sem mexer um músculo. Por que
ele estava com raiva? Por ter queimado a comida? Por que um cara
dançou e foi gentil comigo?
O silêncio ficou desconfortável quando Regina voltou,
Fernando parecia chateado com a presença dela ao contrário de
Marcus que durante todo o almoço/jantar ousou tocar em assuntos
que não devia. Arranquei a taça de vinho de sua mão.
– Você já bebeu demais. Vou te levar para o quarto. – Avisei.
– Quer ajuda? – Fernando perguntou.
– Eu não quero sua ajuda. – Marcus não escondeu a
grosseria agora.
– Ele é péssimo bêbado. – Sorri para descontrair.
Marcus não estava totalmente bêbado, mas usaria isso para
ser grosseiro o suficiente. Subimos nos arrastando até meu quarto,
eu sabia que Regina e Fernando ficariam em seu quarto.
– Você está sendo ridículo – O joguei na cama. Ele me
encarou, mas o deixei.
Fernando estava sozinho na sala.
– Vou pegar algum cobertor para você caso queira se deitar
agora...
– Posso dormir aqui. – Falou com um meio sorriso. – Marcus
já deve ter dito.
– Sim, ele falou, sinto muito.
– Não sinta. Está tudo bem. – Tentou um sorriso.
Me aproximei.
– Ela ainda gosta de você...
– Ela não pensou assim quando me traiu. – Havia mágoa em
sua voz. – O preço que se paga por ser um bom marido. – Sorriu
sem humor.
– Entendi..., mas você não sente mais nada por ela? – Eu e
minha curiosidade.
– Pena. Apenas isso. Isso vai parecer meio abusado, mas
Marcus tem sorte de ter alguém como você por perto e ser bem
idiota por não se dar conta. Eu gostei de você.
Senti meu rosto corar.
– Obrigada. – Sorri – Bom, se precisar de companhia é só
chamar. Tem cobertor ali. – Apontei a estante – Até amanhã.
– Até amanhã, Sara. Durma bem.
Marcus estava acordado quando entrei no quarto. A aliança
estava em seu dedo novamente. Um ato rebelde. Encarava o teto.
– Pensei que ia dormir na sala. –Falou.
– Não seria uma má ideia. Estava sendo muito bem tratada. –
Me ajeitei a seu lado puxando o cobertor.
– Devo imaginar.
– Você já foi idiota o suficiente por hoje. – Avisei.
– Eu?
Dei de ombros.
– Não fui eu quem estava aceitando ser despida só com o
olhar, nem fui eu quem dançou uma música romântica ou dividiu a
cozinha...
– Não termina – O fitei – Só me diz que consegue manter a
droga da boca fechada por um tempo Marcus. Não estrague as
coisas.
– Não estou estragando as coisas. Só estou comentando, até
a mulher dele percebeu.
Me sentei.
– Ela o traiu.
– E por causa disso ele se acha no direito de dar em cima de
você? – Cruzou os braços me encarando. Seria uma cena bonitinha
se ele não estivesse me irritando.
– Ele não está dando em cima de mim!
Se sentou.
– Eu vi. – Apontou o dedo – Eu sou homem sei dessas
coisas. E vocês são cegas.
Soquei seu peito.
– Você está bêbado. Deite-se.
– Mas não estou louco. Ele deu em cima de você. Ele
perguntou o que éramos e você colocou tudo a perder dizendo que
somos amigos. – Resmungou.
– O que somos, hein?!
– Eu não sei! – Gritou. Tapei sua boca.
– Você está gritando e sim, somos amigos. Não foi isso que
você pediu para sermos?
Assentiu.
– Vai parar de gritar?
Assentiu.
– Certo. Eu sei me cuidar e sou livre, não precisa se
preocupar comigo.
Me puxou para o seu colo me assustando. Senti sua
respiração em meu pescoço.
– Você não vai embora.
– Por que não me deixa ir? – Tentei fazê-lo me olhar. – Se
não tem nenhuma intenção...
– Porque eu não quero. Eu vou manda-los embora. Ele é um
idiota traído que agora acha que pode entrar na minha casa... e
faze-la segui-lo.
Puxei sua cabeça o fitando.
– O que você realmente quer Marcus? – Toquei seu rosto, era
um desgraçado mimado, perfeito e lindo. Queria abraça-lo como
uma criança abraça um urso com muita força.
– Quero que fique comigo.
– Por que?
– Pare de fazer perguntas. – Resmungou – Apenas fique.
– Eu não vou aceitar essas respostas. – Tentei sair de seu
colo, mas ele me segurou.
– O que quer que eu diga? Que eu quero ficar com você?
Quer que eu te magoe? É isso?
– Qualquer coisa... – Sussurrei.
Escondeu o rosto em meu pescoço.
–Eu só quero ficar com você. Pelo tempo que eu tenho antes
de tudo voltar ao normal. – Murmurou.
Você só precisa me pedir para ficar – pensei – realmente
ficar.
15

Acordei com Marcus sentado a meu lado, os cabelos


molhados e de moletom diferente do que havia dormido noite
passada. Senti meu ombro doer um pouco me lembrando que ele
dormiu apoiado em mim.
– Bom dia. – Falou.
– Ainda é de manhã?
– Sim, são dez horas agora. Fiz o café da manhã.
Sorri.
– Está comestível?
– Não sou nenhum chefe de cozinha, mas sei fazer um café
da manhã – De repente era o senhor mal-humorado. Chutei sua
perna de leve.
– Sei que pode fazer um café da manhã. Estava apenas te
provocando.
Encarou o teto antes de me encarar.
– Isso é meio perigoso. – Se levantou – Vamos tomar café –
Chamou.
Segui para o banheiro me apresentando melhor. Troquei a
roupa de dormir e calcei meus chinelos, a casa estava silenciosa de
novo e havia sol. Não era um sol entre nuvens, era sol forte e
quente bem estranho para a época em que estávamos. Marcus
estava terminando de ajeitar os pratos na mesa.
– Dois?
– Sim.
– Onde estão Fernando e Regina? – Olhei ao redor.
– Foram embora – Falou com desdém.
Foram embora ou ele os expulsou? Conhecia muito de
Marcus para saber que sua gentileza era para poucos.
– Marcus. – Cruzei os braços.
– Eles foram embora. Há duas horas atrás. – Falou
tranquilamente.
– Simplesmente foram?
Me encarou cruzando os braços também.
– Não, eu os teletransportei.
– Engraçadinho, acordou de bom humor. Você os mandou
embora?
– Acha que os mandei embora?
– Pelo menos você disse que faria isso.
– Mas eu não fiz. Fernando disse que o tempo estava bom e
foram. Ele... talvez tenha deixado seu número. – Encarou o prato –
Mas não consegui anotar. Sou péssimo para gravar as coisas,
então...
Sorri arrastando minha cadeira.
– Já pode parar de mentir.
– Por que sempre acha que estou mentindo? – Perguntou
ofendido.
– Quer mesmo que eu diga? – Ergui uma sobrancelha para
ele.
Ovos mexidos era o cardápio, Marcus me observava comer
esperando um elogio como uma criança mimada. Eu sabia que ele
estava tentando ser bom em tudo, tudo o que Fernando se mostrou
ser em pouco tempo. Em um espaço de tempo tão curto que eu nem
me lembrava mais.
– Podemos caminhar – Desistiu de esperar meu elogio – Se
quiser, claro.
– Claro. Antes que o tempo se revolte.
O ajudei com a louça, vi que havia jogado o que restou do
jantar fora, mas não o questionei. Me espantei quando segurou
minha mão me arrastando para fora de casa. Deveria manda-lo se
acalmar antes que tivesse uma crise de infantilidade? Eu não estava
escolhendo alguém, ele parecia agir como se eu estivesse.
– Eu não os mandei embora. Estou falando sério. – Me fitou.
– Eu acredito em você.
– O que achou de Fernando?
Seu braço passou por meu ombro. Menos possessivo e mais
amigável.
– Ele me pareceu um cara legal. Uma pena a mulher dele
não ter visto isso. Ele não parece o tipo de cara que mereça uma
traição.
– Por que?
– Hum, ele é cavalheiro. Não um Don Juan barato. Parece o
tipo de cara que se joga aos pés da mulher amada.
Marcus riu baixinho.
– O que foi?
– Nada.
– Você não acredita que ele possa ser um cavalheiro? – O
encarei.
Marcus chutou a areia como que para relaxar.
– Eu não disse isso. – Se defendeu.
Dei de ombros.
– Claro que não.
– Se encantou por ele?
– Não. – Andei um passo à sua frente já sentindo a ondas
quebrando em meus pés. A água estava congelando.
– Eu gravei o número dele. – Falou.
Parei nos trombando.
– Eu não quero.
– Você parece encantada, só isso.
– Se eu estivesse encantada por ele eu teria dormido na sala.
Nada me impediria já que ele estava separado. – Voltei a caminhar.
Dois segundos depois ele estava atrás de mim.
– Está falando sério?
– Pareço estar brincando? Seria tipo, saia de férias
antidepressiva com o Foster e ganhe um príncipe encantado que
sabe cozinhar. – Ergui as mãos.
Marcus ainda me encarava com as mãos na cintura. Eu
queria rir da sua expressão, mas ele merecia seja lá o que estava se
passando.
– De todos os absurdos, nesse você se superou. – Falou.
– Onde está o absurdo? – Imitei sua posição.
– Você nem o conhece. – Falou um tom mais alto.
– Eu também não te conhecia.
– Agora nos conhecemos e muito bem. Consegue se
lembrar?
– Talvez, quem sabe? – Joguei.
– Eu sei, por sinal, ainda me lembro dos sons que fazia
enquanto eu estava dentro de você. – Ergueu uma sobrancelha em
desafio.
Corei.
– Enfim, isso não é um absurdo. – Voltei a caminhar.
– Vai atrás dele.
– Deus me deu pernas, não asas. – Acenei me afastando.
– Posso te levar.
Parei o encarando.
– Sério? Faria isso por mim? – Continuei alimentando sua ira.
Resmungou fazendo o caminho de volta e consegui alcança-
lo.
– Você é um idiota.
Seu olhar estava focado no chão. Precisei me enfiar em sua
frente para que pudesse me ver.
– Acha mesmo que eu iria te deixar sozinho?
– Não temos objetos cortantes – Resmungou. O parei com as
mãos.
– Fernando não faz o meu tipo. Porém só o fato de cozinhar
bem já ajuda.
Estalou a língua encarando o céu. Ri.
– Mas eu não iria com ele se me convidasse. – Segurei seu
rosto abaixando sua cabeça, para me encarar. Maldita altura.
– Por que?
– Por que não sei qual de nós dois é o mais idiota. Então eu
ficaria.
Sorriu quando não conseguiu segurar por muito mais tempo.
Mesmo assim, encarava o nada. Eu ficaria com ele, porque era a
mais idiota.
– Não vamos mais falar nele, pode ser?
Assentiu.
– Abraço de amigos? – Perguntei teatralmente, Marcus
Foster corou. – Vamos lá. – Continuei de braços abertos até ele tirar
as mãos dos bolsos do moletom e me abraçar.
O balancei.
– Isso, está mais calmo? – Perguntei dando tapinhas em
suas costas.
– Não sabia que existia essa parte super humorada em você.
Ri me afastando.
– Você precisa sorrir mais. Não levar as coisas tão a sério.
– Vou anotar isso.
Seu braço voltou ao meu ombro e caminhamos em silêncio.
Não era assim tão ruim.
– Quanto tempo irá ficar fora? – Perguntou tempo depois.
– Eu não sei, mas um longo tempo. – O que não era mentira.
– Por que?
Me sentei fazendo buracos na areia com os pés.
– Eu preciso.
– Por que?
– Porquê sim.
Encarou o mar, um milhão de perguntas passando em seus
olhos.
– Eu vou sentir a sua falta.
O fitei.
– Não.
– Vou. – Suspirou.
– Por que?
– Porquê sim – Sorriu e empurrei seu ombro.
– Isso é surreal. Tudo o que eu não esperava. – Começando
por me apaixonar e constatando que era a primeira vez que isso
acontecia.
– Nem eu...Sabe. – Respirou fundo – Eu não devia ter me
apegado tanto a você. Acho que já disse isso. – Me fitou – Mas
aconteceu... e isso só havia acontecido com uma pessoa.
– Maggie?
Negou.
– E parece errado de novo.
– Por que seria? A quem você deve uma explicação? A
alguém que já morreu?
O silêncio se arrastou por longos minutos.
– Eu não vivo um eterno luto.
– Claro que não. Você nem aceitou a morte ainda.
– Não fale como se fosse fácil – Resmungou irritado.
Dane-se.
– O que há de errado em sermos amigos, Marcus?
– Não estou dizendo que não podemos ser.– Se exaltou –
Estou dizendo que sabemos o que está acontecendo.
– E o que está acontecendo?
Fechou os olhos.
– Estamos sentindo uma atração...
Bufei.
– Atração. Que bela classificação.
Sorriu sem humor.
– Da última vez que isso aconteceu... foi exatamente assim.
O fitei.
– E deu errado... e tudo voltou ao normal.
– Eu não sou seja lá quem é que você esteja falando...
– Abby. – Soou baixo e culpado.
– Abby? Irmã...
– Sim. Estava em um péssimo momento e passamos muito
tempo juntos e isso estava me fazendo bem... ela estava ali.
– De verdade, a minha vontade é de socar a sua cara – Me
levantei.
– Por que? – Me seguiu.
– Você me deu uma cruz para carregar. Quase me fez me
sentir culpada por Maggie e me diz na maior tranquilidade que ficou
com a irmã dela. Isso sim é uma falta de respeito, Marcus.
Me puxou.
– Eu sei que é, mas isso é passado.
– Vamos falar de passado e que tal acrescentarmos
superação! – Gritei. – Machuca? Claro. Mas você não precisa deixar
de viver. E lembre-se todas as vezes que se opor contra os outros
sobre a memória de Maggie não se esqueça que você já esteve
com a irmã dela "superando" – O empurrei.
– Por que está irritada?
– Você não está me perguntando isso!
– Eu estou. – Falou.
O encarei.
– Você a tratou como me tratou, Marcus? – Perguntei
engolindo o nó em minha garganta. – Como imaginei.
Ele não me seguiu. Não estava com raiva por ele me tratar
mal quando falava de Maggie. Estava com raiva por ele ter feito me
sentir a pior pessoa e se achar no direito de se sentir atingido
quando o que fez nem estava no mesmo nível que minhas ações.
Anotar que já odeio Abby, de maneira egoísta não por Maggie, mas
por se aproveitar da situação. A odeio pelo modo como ele fala dela,
como se fosse uma santa e me tratar como o lado mau da coisa
toda.
Quando deixei meu quarto, o vi na varanda em uma das
cadeiras. Segui para cozinha a fim de preparar alguma coisa para
comer, mas tudo o que fiz foi pegar minha comida da noite passada
e requentar no micro-ondas.
Lavei meu prato e me refugiei no sofá, ele entrou seguindo
para o segundo andar, mudei os canais cinco vezes até que ele
voltou. Ficou na cozinha por quinze minutos, lavou alguma coisa na
pia e voltou se sentando a meu lado. Encarava a TV desligada.
– Agora vai me odiar? – Perguntou.
– Não estou te odiando.
– É por isso que não me abro com as pessoas... elas nunca
ouvem até o fim.
O encarei.
– Qual seria o fim? A que eu conheci? – Tentei controlar meu
tom.
– Se você não é capaz de escutar, então não faça perguntas.
– Se levantou indo para fora de novo. – Eu não me arrependo de
nada do que fiz. Ela pelo menos foi diferente.
Isso é para você deixar de ser idiota!
– Vai para o inferno Foster.
Tentei dormir e acabei cochilando por três vezes em períodos
de vinte minutos a meia hora. E chorei nesse tempo também porque
era muito bom saber que minha ajuda de nada valia, que eu era o
céu, por enquanto, pois muito em breve seria o inferno.
As cinco decidi que não ficaria mais trancada. Estava com
fome. Engoli a raiva e o orgulho o encontrando na cozinha. Fingi
não o ver pegando um copo e seguindo para cafeteira, ele não
podia estar bêbado. Encarei a meia taça de vinho e a garrafa, ele
não disse nada enquanto mexia uma panela. Marcus bêbado nunca
parecia estar bêbado até dizer alguma coisa.
Me arrastei para varanda e me encolhi em uma das cadeiras.
Minhas mãos se queimaram com o café quente, mas não me
importei, vi as seis da tarde parecer dez da noite ao escurecer muito
rápido. Me assustei ao vê-lo parado na porta. Há quanto tempo
estava ali? Me levantei tentando não cair com o pé dormente e ele
me seguiu, orgulhoso demais para falar primeiro. Lavei meu copo e
esperei que me desse passagem. A mesa para dois estava
arrumada.
O empurrei levemente conseguindo passar. Que droga! Ele
não devia parecer tão "pobre coitado". Precisava de uma dose de
amor próprio.
– Aonde vai? – Perguntou. O encarei da escada.
– Dormir. – Respirei fundo.
Lá estava ele parecendo uma criança, uma mão no bolso a
outra apoiada na mesa como se tivesse preparado uma mesa de
café da manhã para a mãe e esperando um elogio. Eu não sabia
quem havia o ensinado a ser tão malditamente mimado, mas isso
era encantador.
– Não vai... jantar?
– Não. – Subi o mais rápido que minha coordenação permitia.
Eu quero jantar com você. Até gosto da sua companhia, mas
você precisa aprender o poder que as palavras têm! Digo
mentalmente a porta. Me encolhi na cama ouvindo o barulho
proposital no andar de baixo. Minutos depois um barulho de vidro,
pensei em todas as coisas negativas possíveis até ouvir sua voz.
Pelo menos não se matou, sequei as lágrimas no cobertor e me
ajeitei melhor em minha posição fetal preferida até ouvir dois toques
na porta.
– Sou eu. – Sussurrou.
Quem mais seria?
– Não vou pedir desculpas... você parece não as aceitar.
Sempre aceito.
– Eu não quero jantar sozinho... pensei a manhã toda em um
prato especial.
Respirei fundo.
– Eu fiz um...para você. Melhor do que a do seu amigo. Não
sou um chefe. – Cuspiu a palavra. – Mas... posso ser bom também.
Sorri.
– Me desculpe, sei que não gosta, mas eu preciso pedir.... Eu
tento ser menos idiota, eu pensei que aceitaria ouvir tudo. Se
soubesse que estragaria as coisas... eu... eu nem teria dito.
Continuei encarando a porta.
– Eu preciso confessar que... foi irracional o que fiz e sim, eu
me arrependo. Não me senti tão bem como me sinto com você e....
você vai me obrigar a dizer isso... – Ficou em silêncio por um tempo.
– Eu prefiro a sua companhia e prefiro todos os momentos que
tivemos juntos. – Sua voz estava embargada. – Eu odeio esse seu
silêncio maldito. – Choramingou e isso me fez rir. –E eu não estou
bêbado, se não abrir essa porta eu acabo com essa droga de jantar.
Demorei a processar suas palavras até me apressar para
atendê-lo. Seus olhos estavam marejados e segurava uma bandeja
com dois pratos. Sua camisa estava suja de vinho.
– Oi.
Lhe dei passagem. Deixou a bandeja na cômoda.
– Por que está chorando? – Segurou meu rosto. Bêbado.
Mas são de alguma forma, Marcus parecia enxergar uma mosca a
um quilometro. – Não vai comer? Eu que fiz.
Me sentei na cama quando me arrastou até lá entregou meu
prato e se sentou a meu lado esperando uma resposta.
– Foi um arroz que minha mãe me ensinou. Nunca fiz para
ninguém.
Exclusividade para mim?
– Está ótimo. – E não era mentira. – Melhor que o meu.
Sorriu. Comemos em silêncio, o vi juntar nossos pratos e
deixar o quarto pouco depois. Escovei os dentes nesse tempo e
coloquei um pijama, ele estava em meu quarto ainda com a mesma
roupa suja de vinho parado em minha porta.
– O que foi? – Perguntei.
– Eu tenho uma coisa para dizer... Se for absurda demais me
ignore.
– Por que não vai dormir? – Antes que eu cometa uma
loucura.
Entrou fechando a porta e caminhando a passos lentos até
mim. Se sentou em minha cama e me fitou.
– Me desculpe.
– Já desculpei.
– Certo. – Fechou os olhos. – Quanto tempo temos?
– Quatro.
– Não era para falar. – Resmungou.
– Você perguntou.
– Era uma pergunta interna, mas tudo bem, poderia se
sentar?
Me sentei a seu lado esperando que falasse.
– Eu não quero dormir sozinho também... eu durmo sempre
sozinho. – Me fitou – Mas não é isso que quero dizer.
O ajudei com sua camisa suja enquanto esperava que
continuasse. Seu casaco ainda estava em meu quarto, mas ele não
me deixou pegá-lo.
– Pode me escutar? – Perguntou.
Assenti.
– Eu gosto de você. – Fechou os olhos. – Não sei dizer a
forma correta... eu não sei. Não quero que veja isso como abuso...
nem me interprete mal, mas eu quero ficar... perto. Entro em pânico
quando penso que a qualquer momento você não vai estar aqui...
odeio nossas divergências, e estou tentando deixar de ser um idiota
com você. – Me olhou. Meu coração havia feito um tour dentro de
mim. – Temos quatro dias... preciso tê-la perto de mim.
– Eu estou perto...
– Não estou falando assim... estou falando... tocá-la,
abraçar... não brigar. Droga – Murmurou – Pode me entender?
– Você... quer ficar comigo?
Assentiu.
– Se quiser também.
– Por que?
Me puxou para seu colo me apertando em um abraço quase
sufocante. Respirando em meu pescoço.
– Porque você me faz bem... e eu gosto de me sentir bem
com você. Eu não peço mais nada, só diz sim... e tudo termina
quando voltarmos – Me fitou, seus lábios brincando nos meus, me
inebriando.
Era outra grande burrada na minha vida.
– Temos quatro dias. – Sussurrei contra seus lábios.
– Eu prometo... juro que não vamos brigar.
– Tudo bem. – O beijei com vontade. Com toda a vontade
que guardei um dia inteiro.
Fingir ser um casal por alguns dias, saber que ele gostava de
mim, mas que não teríamos chance juntos era um tanto quanto
masoquista, mas quem se importa?
– Vou pegar uma camisa para você. – Sussurrei tentando me
levantar. Seu corpo pesou para trás e ele me levou junto.
Senti sua respiração em minha nuca e sua mão mexer em
minha barriga.
– Não preciso... apenas fique aqui.
– Eu não vou fugir.
– Eu não deixaria.
Sorri.
– Certo. Boa noite, Marcus.
– Boa noite, Sara.
Eu não dormiria, até acordar desse sonho. Onde estava o
Marcus Foster que conheci?
16

Marcus ainda dormia quando acordei. Tive um pequeno


ataque do coração quando me dei conta de tudo o que estava por
vir, teríamos alguma coisa por alguns dias. Ele chamaria de apoio,
eu daria outro nome. Não conseguia julgá-lo por mais que eu
gritasse na cara dele a situação real. Era fácil ver isso.
Minhas mãos coçaram para tocar seu cabelo e puxá-lo para
mim, mas apenas o observei em silêncio. Minutos depois ele se
levantava assustado e ouvir meu nome foi perfeito, mesmo soando
assustado.
– Estou aqui. – Falei.
Sorriu afundando o rosto no travesseiro.
– Está aqui – repetiu.
– Estou.
– Quer que eu prepare o café? – Perguntou para desviar a
atenção do ocorrido, segundos antes.
– Posso fazer isso, só hoje? – Saí da cama. Marcus me
encarou por um tempo antes de me acompanhar.
Eu queria rir, mas iria parecer idiota demais. Feliz demais. Ele
me esperou na porta do banheiro, depositou um leve beijo em meu
pescoço antes de fechar a porta atrás de mim. Sussurrei um: te
espero lá embaixo. No caso dele sofrer um acidente por descer
correndo as escadas me procurando em um de seus surtos – ri.
A cozinha estava uma bagunça, tinha um prato quebrado,
uma gaveta fora do lugar, talheres espalhados na mesa e vinho pelo
chão. Certo, ele não sabia controlar seu nervosismo ou ansiedade.
Ouvi seus passos e seu olhar era envergonhado minutos mais tarde
enquanto eu pensava por onde começar na bagunça que ele fez.
– Eu vou limpar – Falou, as mãos enfiadas no bolso do
moletom.
– Eu te ajudo, cuidado com os cacos. – Lhe dei um sorriso.
Enquanto limpava sua bagunça ele sussurrava uma música e
parava sempre que era pego de surpresa. Mais uma vez me peguei
com vontade de abraça-lo e como se soubesse disso, ele veio até
mim e me abraçou. Seu perfume me enlouquecendo.
– Obrigado.
– Pelo que?
– Ainda estar aqui mesmo eu sendo um idiota.
– Você está conseguindo ser um idiota legal. – Sorri. Beijou
minha testa e se afastou.
– Bom saber.
Tomamos café na varanda. Marcus parecia mais relaxado,
seus dedos brincavam com os meus em silêncio, ele não me olhava.
Verdadeiramente envergonhado.
– Te assustei muito ontem? – Sussurrou.
Um pouco.
– Não. – Menti.
Me fitou.
– Eu não sei o que deu em mim. – Pisca, Sara, pisca. –
Medo de ficar sozinho, medo que você fosse embora mesmo...
Medo de não... significar nada para você.
– Vou ficar até onde eu aguentar. – Suspirei. – O que
estamos fazendo é perigoso, Marcus. Você entende, não é? Vamos
fingir por um segundo que não temos nada no meio disso, mas até
que ponto?
Seus olhos deixaram os meus.
– Eu tenho medo de estragar as coisas.
– Não deveria, isso quer dizer que tentou de alguma forma. –
Respirei. – Não quero ser a única a não entender isso tudo... eu não
sei. E sim, você significa algo para mim e me afastar de você é a
proteção que eu preciso.
– Pode me ligar quando não aguentar mais. – Sorriu pequeno
encarando a praia. – Uma carta talvez.
– Vou pensar nisso. – Afaguei seu queixo.
Marcus me puxou para seu colo.
– Eu quero colocar tudo para fora, mas preciso fazer isso aos
poucos.
Afaguei seu cabelo.
– Acho que estou aqui para ouvir.
Suas mãos brincaram com o cós da minha blusa.
– Eu fui para uma clínica depois que Maggie morreu a pedido
do meu pai. Passei seis meses trancado como um louco. – Riu sem
humor. – Depois mais seis meses em uma porcaria de SPA que só
levou meu dinheiro, continuei frustrado e irritado com tudo.
Leslie havia me dito isso, bem resumido. Tentei não me
entregar com o olhar de culpa.
– Sabe quando nada faz sentido? Quando você quer que a
dor passe, mas não faz ideia de onde ela vem? Eu só sabia que
doía. Tentava aceitar todos os dias, fingi aceitar, mas é como um
viciado em drogas, você tem um tempo, mas sempre volta.
– Você a ama tanto assim? – Tentei soar o mais normal
possível.
Assentiu. Tentei sorrir sem sucesso, prometi que ouviria
então depois de um tempo voltei ao meu lugar quando tudo pareceu
desconfortável.
– As cicatrizes... eu não tentei me matar. Eu bebi demais,
pensei em fumar e não me lembro de mais nada. Só de ter
acordado no hospital. Naquele momento eu queria ter morrido, seria
perfeito. – Sorriu sem humor – Mas estava ali e teria de enfrentar
tudo de novo. A casa na praia era dela, a vendi para meu primo, ela
nem chegou a entrar nela. Minha curiosidade me fez te levar lá,
porque eu não tinha coragem de ir sozinho. Mas eu fiz tudo errado,
parecia errado tê-la levado ali.
Suspirou.
– Tudo parece errado quando você está por perto.
O encarei.
– Me sinto sendo um traidor. – Confessou.
– Marcus...
– Loucura, eu sei. Mas eu não quero dar ouvidos a isso
quando você também me faz bem.
Eu devia ficar feliz com isso?
– Mas uma hora você vai se cansar e essa hora chegou e eu
percebi tarde demais. Você vai embora e eu vou precisar achar uma
nova pessoa para não ter que conhecer as que me apresentam.
Minha mãe tem medo que eu me afunde, todos têm. Isso é terrível
porque eles têm toda razão no fim.
– Uma hora eles terão que entender.... Talvez se você disser.
– Se eu disser tudo que acontece no momento, eles vão além
de me achar louco, um desgraçado.
– Por que?
– Porque sim. – Desviou o olhar. – Eu acabei de te afastar.
– Não...
Sorri.
– Tudo bem. Sou eu que preciso de você, eu tenho que me
esforçar para tê-la de volta.
– Eu não me afastei. – Menti.
– Não quero esconder nada. Mas as vezes a verdade afasta.
Isso responde muita coisa, não?
– Eu prefiro ouvir a verdade.... Mesmo que ela afaste.
Assentiu.
Passamos o resto da tarde falando sobre a vida, por um
momento me senti mal por não poder contar a minha verdade
quando silenciosamente eu insistia por ouvir as suas. Tentei não me
importar com a lista de mulheres que havia tentado sua atenção,
mas conclui que sou péssima nisso. Levando em consideração que
Abby havia ganhado.
Marcus passou o dia tentando me levar para perto dele
novamente e em uma das tentativas ele me roubou um beijo. Eu
não esperava, minha atenção estava voltada a um filme bobo que
passava na TV quando ele me puxou para seu colo, um dos
melhores lugares do mundo. Ganhei um vermelhão no ombro
depois de sua mordida. Por Deus, quanto mais o tempo passava
mais fundo eu ia. Mais curiosa eu ficava. Mais vulnerável ele me
deixava
– O que quer fazer? – Afagou meu cabelo enquanto
assistíamos a outro filme.
Me virei para encará-lo.
– O que você quer fazer?
Suspirou.
– Eu não sei. Estou me sentindo tão bem assim.
– Então, não vamos fazer nada – Voltei minha atenção a TV.
Senti sua respiração em meu pescoço, sua barba já crescida
me arrepiando. Suas mãos se afundaram embaixo do lençol
apertando minha cintura.
– Pensei que quisesse fazer nada. – Sussurrei.
– E estou fazendo nada.
Me virei para fita-lo.
– O que você quer?
Fez careta.
– Nada.
– Pode parar de mexer as mãos em minha barriga? – Pedi
contendo um sorriso.
Parou.
– Eu quero uma coisa...
Me virei.
– Diz.
Poucas vezes eu vi Marcus Foster envergonhado, seu olhar
procurando um ponto fixo e não achando. Segurei seu rosto para
me olhar. Suspirou.
– Quero te beijar – Sussurrou.
– Desde quando você pede isso? – Deixei uma risada
escapar.
Me sentei de joelhos puxando seu rosto, seus olhos estavam
escuros. Se você sabe que vai para o inferno, aproveite ao máximo
o paraíso. Segurei seu cabelo o beijando de leve, esperando alguma
reação. Sou péssima em sedução, a última vez que tentei estava
bêbada e vomitei. Dessa vez eu tinha noção do ridículo.
Suas mãos ganharam vidas em uma fração de segundos, eu
não queria ter que dizer que queria a mesma coisa que ele, éramos
dois adultos pisando em ovos. Não era nada casual o que havia
entre nós dois ali, então partimos para o que realmente queríamos
jamais aconteceria de forma natural. Seus dedos frios subiram por
minhas costas, um olhar de satisfação surgiu em seu rosto quando
percebeu que ainda estava sem sutiã – não havia sido intencional.
Dois segundos foi o limite que meu cérebro deu antes de eu
mesma fazer o que ele estava pensando se era uma boa ideia,
arranquei minha blusa sentindo o vento frio se chocar contra meu
peito, era quase um grito da natureza me dizendo que era ir longe
demais e que já tive a leve ideia de como as coisa eram – e que
ideia. Que se dane o aviso da natureza.
Empurrei suas costas de encontro ao sofá. Caroline chamaria
isso de tacada de vadia, que se dane a opinião de Caroline também.
Eu odeio quem inventou camisas de botão, mas vamos lá. Senti
seus dedos brigarem com os meus, mas enfim nos desfizemos da
maldita camisa de botões. Não era hora de fazer observações, mas
eu fiz. Ainda montada em Marcus observei suas cicatrizes, tentei
imaginar o quanto havia doido.
Havia algo em seu olhar que não consegui identificar,
envergonhado talvez, eu não me importava de vê-las, tudo nele
lembraria ela e eu queria ter a chance de fazê-lo esquecer. Era isso
que nos impedia, que me impedia de ir adiante. Eu não queria me
lembrar de Marcus quando fosse embora, porque seria como se
matar. Ele não poderia partilhar do mesmo pensamento.
– Sara...
Toquei seus lábios, seu olhar passou de envergonhado para
surpreso quando me abaixei o suficiente para tocar a pequena
marca vermelho vivo em sua costela. Era possível sentir o relevo em
meus lábios. Marcado. Lentamente toquei cada uma delas, beijando
demoradamente. Levantei o olhar para encará-lo, ele me fitava,
desejo e luxuria estavam ali agora. Subi até seu ombro onde devolvi
a mordida que havia ganho mais cedo e sua mão se fechou em meu
cabelo.
– Quer que eu pare? – Murmurei, minha voz carregada de
desejo enlouquecedor. Eu não queria que ele quisesse parar.
Negou.
– Quero ouvir – Sussurrei contra seus lábios. Vamos lá, diga.
Você não está fazendo nada demais. Não a está traindo. Está
comigo.
– Não quero que pare, Sara.
Sorri puxando seus lábios. Eu não vou parar.
Sentia meu coração bater em meus ouvidos e a temperatura
subir. Marcus mantinha as mãos em minha cintura apertando com
força a ponto de machucar, fazendo nossos tecidos nos dar prazer.
Seus olhos estavam escuros e isso me fazia deseja-lo mais. Era
bom estar no controle, vê-lo se perder com o que eu tinha para dar.
Ver como se contorcia em meus dedos, seus olhos perdendo o foco,
sua respiração acelerada, seu peito arfante. E era eu fazendo isso
com ele, apenas eu.
Me abaixei puxando seus lábios para os meus, euforia
controlada o tomou quando ele percebeu o próximo passo. Eu
precisava dele agora, estava queimando por isso tanto quanto ele –
eu acho. Afaguei seu cabelo, olhei dentro dos seus olhos, e o
envolvi a mim, o sentindo me preencher de todas as formas e me
manter ali. Iriamos ao inferno se aquele momento fosse dado com
um pecado da carne, iriamos sorrindo.
Eu não queria deixar o sentimento me controlar, mas ele
havia tomado o controle e não era apenas sexo, não comigo pelo
menos. Eu estava amando Marcus, me entregando a ele isso sendo
inteligente ou não. Seus dentes mordiscaram meu pescoço, seus
braços me apertando com tanta força que sufocava, enquanto
nossos corpos dançavam lentamente. Um looping de emoções e
descontrole começou, Marcus estava querendo tudo para ele, o
aperto em meu cabelo dizia isso, os sons em seus lábios inchados e
vermelhos gritavam isso.
Estava pronta agora.
A sensação pulsante se acelerou dentro de mim e me ergui
sobre ele, Marcus me segurou a ele com força. A respiração
descontrolada, queria ter a oportunidade de manter isso vivo em sua
mente. Parada sentindo a sensação tomar cada parte do meu
corpo, era tão...lindo? Eu realmente estava apaixonada para ter
esses pensamentos. Eu realmente amava essa pedra de gelo
impenetrável que me propôs um momento.
Marcus se movimentou, um pedido silencioso para que eu o
seguisse, mas ainda estava presa em nossa cena. Suas mãos me
puxaram de volta e seus lábios agrediram os meus. Soltou meus
cabelos, afundando os dedos em minha cintura, me segurando ali
sem quebrar nosso momento. Me sentia tão perto a cada segundo.
Seus olhos encontraram os meus em uma fração de
segundos, meu corpo não estava tão diferente de uma gelatina.
Tudo o que me mantinha ali para não cair daquele sofá eram seus
braços me envolvendo. Seu coração batendo forte, nossos corpos
pulsando. As palavras formigavam na ponta da minha língua, mas
estragaria tudo se as dissesse. Senti sua mão traçar desenhos por
minhas costas até chegar em meu cabelo e acaricia-lo e em um
piscar de olhos, Marcus me levou ao abismo derretendo meu corpo
sob o seu. Já sentia o sono me envolver, mas eu não podia. Pegar
tudo o que conseguir, lembra?

°°°

Abri os olhos, estava no quarto. Não pode ter sido um sonho,


grunhi. Demorei alguns segundos para ter a certeza de que não
havia sido um sonho, Marcus dormia a meu lado. Tinha a mão
enfiada em meu cabelo, sua respiração profunda. Encarei o estrago
que fiz em seu pescoço, viemos para o quarto em algum momento
da noite, a garrafa de vinho estava virada no chão do meu lado da
cama e havia manchado o tapete. Tinha a leve impressão de ter
escutado meu nome essa noite.
Me virei para ele, toquei seu rosto, seus lábios. Sorri. Eu
queria, queria que ele me amasse assim tão intenso a ponto de
querer se matar. Seus olhos se abriram lentamente. Minha mão
parou em sua nuca pega de surpresa. Sem dizer uma palavra
Marcus se aproximou afundando o rosto em meu peito, voltei a
mexer em seu cabelo, senti o beijo depositado entre meus seios.
Isso me fez tremer levemente.
O silêncio se arrastou por um tempo.
– Eu odeio o silêncio. – Sussurrou.
Sorri.
– Pensei que gostasse dele.
– Não com você.
Suspirei.
– Não sei o que dizer. O que quer que eu diga? – Sussurrei.
Sua mão desenhou círculos em minhas costas.
– Você está bem? – Perguntou.
– Melhor impossível.
– Arrependida?
Virei os olhos.
– Eu que deveria fazer essa pergunta.
– Não.
– O que?
Me fitou.
– Não estou arrependido.
Abri o sorriso mais idiota que consegui.
– Você fica bonita sorrindo.
– Tá legal, você bebeu demais. – Fiz menção em me
levantar, mas ele me puxou para cima dele.
Não era desconfortável, só estranho estar fora do surto de
adrenalina. Estávamos nus.
– Está fugindo.
– Não. Estou mantendo o limite.
– Temos um limite? – Uma ruga se formou em sua testa.
Me sentei sobre ele.
– Eu tenho.
Seu olhar era confuso.
– Por que?
– Sou a mulher, o sexo frágil. – Brinquei. –Preciso saber meu
limite.
Marcus não disse nada, mas isso não pareceu incomodá-lo.
Abafei o grito de felicidade no banho. Quando sai, ele esperava na
porta, usava uma boxer preta e um sorriso provocador que não
havia antes.
– Todo seu. – Avisei sendo pega de surpresa com seu beijo
surpresa.
Marcus desceu vinte minutos depois, encarou a mesa de café
da manhã/tarde e sorriu enfiando as mãos nos bolsos da calça de
moletom. Ele parecia iluminado.
– Eu ia fazer alguma coisa.
– Posso me aventurar de vez em quando. – Falei.
– O que temos de bom?
Encarei a mesa.
– Torradas com geleia de pêssego, suco e café.
– Parece bom.
– Está bom. – Garanti. – Por que demorou?
– Estava checando meu e-mail – Falou sem vontade – Leslie
disse que a temperatura está despencando.
– Parece que estamos em outro mundo. Aqui está apenas
frio.
– Não conte muito com isso. Dá para congelar legal só com
um mergulho. – Sorriu.
– Que horas vamos embora? – Era o nosso último dia ali.
Marcus mudou de uma vez.
– Noite.
– Não seria a tarde? – Mordi um pedaço da minha torrada.
– Já quer se livrar de mim? – Perguntou sem humor.
– Você sabe que não. Foi apenas uma pergunta.
– Já sabe agora.
Encarei meu copo.
– Vai mudar o humor? Voltar atrás com o combinado?
– Não.
Mas ele mudou.
Eu não conseguia acreditar que seu celular tinha um maldito
sinal e o meu não. Marcus andava pela praia falando com sabe-se
lá quem. Ele sorriu algumas vezes, seja lá quem fosse o fazia bem.
Me encolhi no sofá ignorando seu momento encarando a TV em um
seriado quase empolgante. Voltou quando começou a chover, se
sentou na ponta do sofá longe de mim.
Eu pensei que isso fosse apenas impressão minha, mas não
foi. Dormi no sofá e acordei no sofá. Eu estava ciente de que não foi
pela nossa noite. Foi depois da ligação. Eu não sabia com quem
Marcus falou, a única certeza era que fizeram sua cabeça. Xinguei
baixo, encarei o rádio relógio, uma da tarde. Já havia me esquecido
o quão ruim era assistir TV até tarde.
Marcus não estava quando acordei. Achei um bilhete
avisando que havia ido abastecer e que voltaria em breve.
Aproveitei o tempo para arrumar minha mala e tentar algum sinal.
Ligaria para casa e avisaria que estaria chegando na manhã de
natal. Mas nada.
Marcus não demorou, trouxe comida, mas estava sem fome
não suportando olhar para a cara dele. Uma mistura de culpa e
arrependimento. Ele havia estragado tudo mesmo, mas preferi dar o
silêncio.
– Já arrumou sua mala?
Assenti.
– Não vai comer?
– Estou sem fome.
Voltei a andar pela casa atrás de sinal até que desisti. Tinha
que procurar alguma coisa para fazer, sei lá conversar com as
paredes talvez. As quatro comecei a me arrumar, procurar minha
passagem e meus documentos. Era a terceira vez que eu fazia
isso. Desci as cinco, Marcus terminava de colocar nossas coisas no
carro. Seu humor parecia estar melhor, mas eu não estava a fim de
ser legal agora.
– Já estou pronta.
– Só preciso checar se peguei tudo.
– Você já pegou tudo. – Avisei.
– Eu não tenho certeza.
Estávamos atrasados, e quando pensei em sair do carro ele
voltou.
– Eu falei que havia pego tudo.
Deu de ombros. O vidro do carro começou a embaçar quando
entramos na cidade, a chuva agora e tinha trânsito. Por Deus era
véspera de Natal.
– Eu não queria esse clima. – Falou sem tirar os olhos da
direção.
– Ah não? Legal saber. –Encarei os carros a meu lado.
– Estou falando sério, Sara.
– Eu não me importo.
Bufou socando o volante de repente sem o controle que fingia
ter segundos antes.
– Bate a cabeça também. – Mandei puxando meus fones de
ouvido.
– Qual é o seu problema?
–Você. Você é o meu único problema. Você é um bipolar
cheio de problemas e que estraga as coisas. Eu só quero ir para
casa, já me enchi dos seus porquês. Eu tentei fazer isso funcionar,
Marcus, mas parece que só damos certo no sexo e na briga. Eu não
quero dar “meio” certo.
Pegamos o mesmo pequeno avião da vinda três horas
depois. Dormi as outras duas. Marcus me acordou quando
chegamos ao aeroporto, já era onze da noite e me sentia esgotada
de viagens. Ele me seguiu até a recepção.
– Boa noite, tenho um voo pra Phoenix. – Entreguei meus
documentos a mulher. Marcus estava frio a meu lado.
– O voo saiu as dez.
– Não, meu voo é o das onze. – Entreguei minha passagem.
– O voo das onze foi cancelado pelo mal tempo.
Xinguei baixinho.
– Qual é o próximo voo?
– Seria para amanhã as dez da manhã.
– Amanhã as dez não dá! Já vai ser natal e eu preciso viajar.
– Eu sinto muito. – Ela pediu.
Respirei fundo sentindo a dor de cabeça apertar.
– Tudo bem. – Me afastei.
Perdi me voo. Se Marcus tivesse parado de divagar em
nossa viagem eu não teria perdido.
– Vem comigo. – Chamou.
– Acabou Marcus. Nossos oito dias se esgotaram, vai
embora. – Puxei minha mala em direção a saída de táxis.
– Para onde vai?
– Minha casa.
– Eu te levo.
– Não precisa.
– Precisa. – Puxou minha mala a arrastando para seu carro.
Manteve a porta aberta para que eu entrasse.
– Eu posso pagar um táxi.
– Não tenho dúvida, agora entra. – Mandou.
Estava chovendo, eu odeio a chuva, agora. Marcus me levou
para casa, mas não subiu, apenas me ajudou com as malas. Seu
celular tocou umas cinco vezes.
– Vai ficar bem?
– Ótima. – Menti.
– Passo aqui amanhã.
– Eu não quero te ver mais. Estou um pouco cansada do seu
jeito de me tratar. E não ouse dizer que vai melhorar. Tentamos e
não deu certo.
Seu olhar caiu um pouco.
– É natal, vamos mudar os planos e nosso último dia pode
ser amanhã.
– Vou sobreviver.
– Sara...
– Não!
– Última... Vez. Passo para te pegar as sete. – Avisou
entrando no carro.
Era a primeira vez que dormia sem Marcus depois de oito
dias. Não consegui pegar no sono com a mesma facilidade que já
tive um dia. Acordei com o clique do aquecedor. Estava chovendo
muito, mas poderia ser pior, poderia ser neve, mas já causava um
estrago no dia. Liguei para casa pela manhã, inventei a desculpa do
tempo o que não era uma mentira completa.
O resto da manhã se arrastou, a tarde não foi diferente.
Quando decidi ir para o jantar dos Foster percebi que estava um
pouco atrasada. Escolhi um dos vestidos que comprei e nunca usei.
Era preto e tinha um sobretudo branco que roubei de Santana. As
sete Marcus estava esperando no hall. Eu devia manter minha
palavra de vez em quando.
– Você está linda.
– Obrigada. Alguma restrição?
– Não contei a eles.
Parei um passo do carro.
– Como?
– Não contei a eles. Mas Leslie fez um bom trabalho dizendo
que estamos em crise. Eles não vão fazer perguntas.
– Mais alguma coisa? – Cruzei os braços.
– Talvez eu diga no caminho.
– Por que não agora?
Abriu a porta.
– Procurando as palavras certas.
A viagem até a casa da família Foster não passou de vinte
minutos. Tinha uma decoração bem bonita, me lembrava a casa em
Ville. Marcus segurou minha mão, vejo isso como um costume que
ele adquiriu com as semanas. Paramos na porta.
– Certo – Apertou os olhos – Temos visitas.
– Ótimo. Mais alguém da família que não conheço?
Fez uma careta.
– Quem Marcus?
– Abby.
Abri a boca pronta para manda-lo ir ao inferno de trenó e dar
meia volta para casa.
– Eu não sabia. Quando cheguei ontem ela já estava. Eu não
sabia que ela realmente viria.
Você a convidou, claro que viria...
– Ela é uma amiga. Apenas isso.
– Desde quando me deve explicação? – Perguntei cruzando
os braços para não socá-lo e ele estava lindo para ganhar de natal
um olho roxo. Queria voltar para casa literalmente.
– Está com raiva?
– Não.
– Tem mais uma coisa.
Me virei o encarando.
– Abby é bem... presente.
Não o questionei. Ouvi Lúcio gritar que havíamos chegado e
abrir a porta o máximo que conseguiu. Sandra foi a primeira a me
abraçar antes de ser seguida pelo restante da família e Leslie que
não tinha um semblante muito animado. Mas não era comigo, como
as vezes parecia ser.
Encarei a loira em pé ao lado da mesa de centro. Encarei
Marcus e voltei a ela. Tá legal, devia haver uma explicação para
isso. Abby era a cópia perfeita de Maggie.
Abby e Maggie eram gêmeas!
17

Encarei Marcus depois que entramos, Abby tinha um sorriso


nos lábios, mas não era para mim.
– Ei parece que viu um fantasma – Falou.
Nora segurou minha mão me arrastando para o sofá.
– Sara, essa é Abby... Irmã da Maggie, acho que você já
percebeu.
– Um pouco óbvio. – Cuspi.
– Muito prazer Sara – Falou em uma falsa animação antes de
seguir para Marcus.
Leslie se sentou a meu lado mexendo na aliança em seu
dedo.
– Assustada? – Perguntou me fitando.
– Um pouco... eu não esperava. Na verdade, um monte de
coisas estão se passando na minha cabeça agora.
– Abby é tipo um encosto – Murmurou.
– Vá até lá e traga meu irmão. – Nora ocupou o lugar vago a
meu lado.
Não era tão fácil assim, Abby sabia de toda a farsa porque
seu irmão contou. Eu não poderia simplesmente chegar lá e puxa-lo.
Eu não sabia o que ela poderia fazer. Marcus se afastou depois de
um tempo indo falar com o restante da família, foi a minha deixa
para ir até ele. Abby me encarou antes de seguir para cozinha.
– Sara – Lúcio me abraçou.
– Olá, eu posso roubar seu amigo um segundo?
– Claro, mas vão para um quarto. – Lúcio piscou um sorriso
nos deixando.
Esperei até que se afastasse.
– Tá legal, por que não me disse antes?
– Eu não queria confundi-la.
– Mais do que já estou? É por isso que é tão difícil ser
alguém normal?
Me encarou.
– Vai querer discutir isso aqui? – Fingiu tirar alguma coisa do
meu cabelo.
– Quer saber. – Respirei fundo – Isso não importa mais. Eu
vou ficar até a ceia apesar de não estar com fome não quero fazer
desfeita e sair por aí sem explicação. Mas vou embora logo em
seguida.
– Não tem mais táxi a essa hora.
– Eu vou andando.
Sorriu.
– Você não vai a lugar nenhum. – Sussurrou em minha orelha
me fazendo arrepiar.
– Eu nem devia ter vindo.
Encarei a janela e fui pega de surpresa ao senti-lo me
abraçar.
– Não seria a mesma coisa sem você. – Deitou a cabeça em
meu ombro, respirando contra meu pescoço.
– Quanta diferença eu iria fazer quando a cópia da mulher
que você ama está aqui. – O encarei.
– Ela não é a Maggie. – Havia mágoa em seus olhos.
– Prova isso para você, não para mim.
Me apertou.
– Hoje não, você ainda é minha namorada. – Sorriu.
– Mas ela sabe...
Me beijou.
– Isso não importa.
Marcus passou o resto da noite a meu lado, segurando minha
mão e tirando algumas taças – que conseguia – de champanhe que
alguém me dava. Abby passou boa parte do jantar falando em
Maggie, procurei algum sinal em Marcus que o tirasse da terra, mas
ele estava ali do meu lado. Ele não estava se importando com ela
dessa vez, mas me perguntei até quando. Tudo o que eu queria era
faze-la calar a boca, me sentia sufocar. Era minha segunda taça de
vinho.
– Por que você não cala a maldita boca sua vaca? Quer leva-
lo pra sua cama novamente? Você não é ela! – Falei sem controle.
Estava tudo girando quando me levantei, eu só queria sair
dali e meu grito havia sido muito alto – e eu pensei que ele não
soaria assim em minha cabeça. Eu não queria gritar, não para eles
ouvirem, mas eu gritei. Leslie segurou meu rosto me afastando.
– Cala a boca Abby! – Mandou. – Você bebeu um pouquinho
demais, Sara.
– Quero ir para casa. – Pedi. Marcus entrou na frente.
– Eu cuido dela. – Me segurou.
– Me solta... eu não tenho mais nada... com você. Volte pra
ela... não é isso que ela gosta? De fingir ser a irmã dela. – Ri. –
Vocês sabiam disso? Ela faz a cabeça desse... idiota! Me solte,
Marcus!
– Eu vou te levar para casa. – Falou firme.
O empurrei.
– Me leva para casa, Leslie?
– Eu vou te levar. – Me segurou novamente.
– Você vai levar ela. – Encarei Abby. – Ela esta louca por
isso. – Gargalhei. – Te dar um presente de natal privado. Você se
veste de Maggie? Coitada da sua irmã.
– Eu a levo. – Peter falou – Marcus pode te levar Sara.
Marcus me arrastou da casa dos seus pais. Eu não sei como
cheguei até ao carro, mas estava lá, chorando ridiculamente com
um "eu te amo", travado na garganta depois de passar horas
ouvindo alguém tentando afasta-lo de mim da maneira mais baixa
possível. eu estava sim com ciúmes, com raiva de saber que elas
eram iguais e ela deveria morrer para ele ficar um pouco melhor.
Estava com raiva de mim e da minha insanidade por estar pensando
com Marcus em tudo. Perdendo minha maldita cabeça como ele
quando não conseguia controlar as coisas.
– Por que está agindo assim? – Perguntou.
– Porque eu a odeio. Odeio tanto que sou capaz de voltar lá e
matá-la.
– Por que a odeia? – Ajeitou meu cinto.
– Porque ela gosta de você.
– Somos amigos.
Gargalhei.
– Amigos que dormem juntos?
Ouvi um baque no volante.
– Você as vezes age como uma idiota.
– Por que eu sou uma – Gritei para ele.
Cochilei por um tempo, quando acordei estava no
estacionamento do apartamento de Marcus. Ele estava em silêncio
a meu lado, seu casaco estava jogado sobre mim. Pisquei algumas
vezes.
– O que estamos fazendo aqui? – Estava tudo girando ainda.
– Você deixou sua chave na casa dos meus pais.
Minha cabeça estava doendo.
– Droga!
– Vamos subir.
– Não, Marcus.
Ele abriu a porta desligando o aquecedor. O observei dar a
volta no carro e abrir minha porta.
– Aqui está melhor.
– Temos uma cama lá em cima. – Sussurrou me ajudando a
sair.
Da última vez que bebi assim, Caroline passou a noite
segurando minha cabeça dentro da privada. Pegamos o elevador e
me mantive com a cabeça contra seu peito. Agradeci quando a
porta se abriu, nos arrastamos até sua porta e ouvi as chaves
balançar.
Marcus me levou para dentro e deixou a porta bater, soltei um
grunhido até sentir o sofá. Só queria dormir.
– Vou pegar alguma coisa para você beber.
– Eu vou vomitar na sua cara. – Avisei. Me sentia uma droga.
Se sentou agachado, afastando meu cabelo.
– Por que ainda está chorando?
– Porque quero ir para casa. – Menti. – Isso tudo está
ferrando comigo, cara.
– Está com ciúmes de mim, Malvin?
Fechei os olhos.
– Pode me dizer.
– Para aumentar o seu ego?
– Não. Mas gostaria de saber. – Colocou uma mecha de
cabelo atrás da minha orelha.
– Eu estou com ciúmes Marcus. Muito. Eu tenho ciúmes da
Maggie, da Abby e de todas as mulheres que queriam estar com
você. Eu tenho ciúmes de você e sou idiota por isso. Porque eu não
devia, porque eu não posso – Tentei segurar as lágrimas ou diminui-
las. – Eu me arrependo de ter entrado nessa... porque não sou mais
a mesma. Porque...
Ele apenas me encarava. Suas mãos queimavam em minhas
coxas e eu queria puxá-lo para mim. Queria fazê-lo sentir a dor que
estava sentindo.
– Porquê?
– Eu... gosto de você..., mas não quero gostar. – Murmurei.
– Você...
– Te amo.
– Mas...
– É impossível – Afaguei seu cabelo – Eu sei.
– Sara, você está bêbada.
Segurei seu rosto o puxando para mim. Havia jogado tudo
pro ar, o que estava perdendo se não tinha nada mesmo?
– Posso pedir uma coisa de natal? – Murmurei contra sua
boca. Seus olhos estavam escuros. – Duas na verdade.
– Sara...
– Posso? – Fechei os olhos e o ouvi sussurrar um "sim". –
Esquece o que eu disse e fica comigo essa noite... última noite.
– Sara...
– Apenas aceite.
Sua cabeça repousou em meu ombro por um tempo até
senti-lo depositar um beijo ali. Isso era um sim, nós teríamos por
uma última noite.

°°°

– Oi mãe. – Encarei o relógio – Já estou no aeroporto. Meu


voo acabou de ser chamado, vejo vocês em breve. –Mamãe já
chorava do outro lado da linha. – Eu também amo vocês, até daqui
a pouco – Desliguei.
Uma semana, Marcus me ignorava a uma semana. Depois do
natal, nossa primeira manhã juntos ele disse que tinha algo a me
dizer e estou esperando há uma semana. Ele não atende no
escritório e quando tentei, mandou dizer que estava ocupado. Era
só a forma de dizer que estava tudo terminado. Em tese,
concordamos com isso.

Uma semana depois...


– Sara.
– Oi mãe.
– O que está acontecendo? Desde que chegou anda
distraída, sei que seu pai não presta atenção nessas coisas, mas
andou chorando, não é?
A encarei.
– Não.
– Sara, filho nenhum engana uma mãe.
– Eu estou bem. – Menti. Antes que o assunto se alongasse o
telefone tocou e papai entrou na cozinha.
– É para você, parece que é uma de suas amigas.
Saltei da cadeira pegando o telefone de sua mão e seguindo
para escada. Eles sabiam que não queria ser seguida, esperava que
não fosse.
– Onde está? – Caroline perguntou.
– Phoenix.
– O que você fez?
– Até agora nada, por que?
Caroline resmungou do outro lado antes de se voltar a mim.
– Certo, você andou meio estranha desde que saiu com o
Foster. Eu sei também que não quer nos contar o que está
acontecendo...
– Vamos pular para a parte séria da coisa. – Adiantei.
– Eu sei que não é da minha conta, mas com que
necessidade você tirou todo o seu dinheiro da conta?
Encarei meu notebook aberto na cama.
– Eu não mexi na minha conta. – Avisei.
– Nem você, nem eu e muito menos Santana. Estava vendo
algumas coisas aqui, a última vez que usou meu computador para
ver sua conta e estava prestes a entrar na minha quando o saldo
negativo me chamou atenção. Não há nada, Santana é testemunha
disso.
Apoiei o telefone no ombro e digitei minha senha do banco.
Meus dedos eram rápidos e em uma fração de segundos minha
conta estava aberta. Não havia nada como disse.
– Sara... – Caroline chamou – Você devia avisar a polícia.
Agora sim eu estava chorando e não era pela conta zerada.
– Não... não precisa.
– Mas, Sara...
– Eu sei o que está acontecendo – Ou pelo menos acho que
sei – Eu consegui um dinheiro com meu pai e já depositei na conta
da Santana. Eu não sei quando volto.
– O que está acontecendo, Sara? O que aquele maldito
Foster fez?
– Ele não fez nada. Eu fiz, agora eu preciso desligar.
– Por favor, quando quiser conversar, eu vou estar aqui e
Phoenix não será para sempre.
– Obrigada – Desliguei sem ao menos lhe dar uma chance de
voltar a falar.
Nada, não havia nada em minha conta. Todo o dinheiro havia
sido retirado as dez da manhã, três dias atrás. Não desci para
almoço, agradeci ser o dia da pesca e a casa ficar sozinha. Eu não
devia estar chorando, chorar por alguém sem o mínimo de
consideração era burrice. Nunca fiz isso e não seria a primeira vez.
Não por ele.
Ouvi no jantar como as coisas ocorreram, como o sol ajudou
e quantos peixes cada um pegou. Era fácil passar despercebido por
meus pais quando estão empolgados com alguma coisa. E foi fácil ir
para o quarto sem ter que narrar meu dia. Que foi péssimo desde
que começou.
Não sonhei.
Estava chovendo, mas isso não era novidade. Meu pai havia
batido em minha porta algumas vezes. Eu não queria atender a
nenhum telefonema, consegui ficar embaixo dos cobertores até as
dez. Então eu precisava me levantar.
– Pensei que não sairia nunca.
– Bom dia, pai.
– Preciso te deixar no centro da cidade.
Parei minha xícara de café no meio do caminho.
– Por que?
– Consegui o emprego que você tanto queria.
– Jura?
Assentiu.
– Onde?
– Na loja de um amigo. Não se preocupe, são todos legais
por lá.
Alguma loja de pesca ou coisas para carro. Subi para me
trocar e tentar parecer um ser humano normal. O caminho até o
centro foi embalado por músicas de M83, não me via muito no clima
tolerante para elas. Havia puxado meu pai o gosto para músicas
deprimentes.
– Não gosta mais? – Perguntou abaixando o som.
– Sem paciência.
– Quer me contar o que está acontecendo?
Sorri.
– Mamãe te obrigou a isso? – Tentei um sorriso.
– Talvez.
– Bom, eu estou bem.
– Certeza?
– Absoluta. – Menti.
Estávamos em frente à loja de pesca de Tom. Meu pai me
encarou em uma pergunta silenciosa se eu havia gostado. Não
estava nos planos escolher um emprego, eu nem podia escolher
apenas aceitar.
– Tom já deve ter chegado, boa sorte, querida. – Beijou meu
rosto.
– Obrigada.
– Quer que eu busque você?
– Não precisa. É melhor você ir, está atrasado – Bati a porta
do carro.
Era meu possível primeiro emprego em Phoenix. Assim que
entrei na loja fui recebida por Mike que da última vez que vi, era um
garoto chato e pirracento. Agora ele estava mais para um
adolescente popular da escola.
– Bom dia, em que posso ajuda-la?
– Oi Mike, sou a Sara, filha dos Malvin. Acho que não se
lembra de mim. Vim falar com o Tom sobre a vaga disponível...
– Pai! – Gritou – Sara Malvin está aqui. – Chamou voltando
sua atenção ao caixa.
Todos se viraram em nossa direção e agradeci por Tom não
demorar. Ele me abraçou apertado com um sorriso amigo. Mike
estava parecido com ele, o cabelo como se nunca tivesse visto um
corte de cabelo antes, muitos centímetros mais altos que uma
pessoa normal e sorriso de covinhas.
– Estava falando com seu pai.
Claro que estava.
– Ele disse algo como: não explore minha filha.
– Não ligue para ele. Estou apta a qualquer coisa.
Tom me explicou como a loja funcionava e o que eu
precisava fazer. Em meia hora Mike já havia me dado uma prateleira
para arrumar, entendi que era um trabalho dele, mas não reclamei.
Tinha uma hora de almoço e entre voltar para casa e comer os
legumes da mulher de Tom, eu optei por não comer nada até o
jantar.
– Por que voltou pra Phoenix? – Mike me encarava do
corredor. Ele colocou seu boné para trás lhe dando uma feição
infantil.
– Vim para o ano novo.
– E já passamos dele. – Sorriu – Eu adoraria sair de Phoenix,
mas não posso sair até ser maior de idade e conseguir pagar
minhas contas.
– Aproveite bastante a responsabilidade que seus pais têm
com você, porque as coisas se complicam quando eles não têm
mais essa obrigação.
Até as três da tarde não havia entrado mais do que seis
turistas em busca de equipamentos para se aventurar na reserva.
As seis o fluxo ficou mais forte, mas Tom já havia me liberado.
Pensei se voltar para casa era uma boa ideia, não era. Mas eu
precisava voltar, passar algumas horas com minha mãe até pegar
no sono.
– Até amanhã.
– Até amanhã, Sara. Traga algo para comer, é melhor do que
a comida da minha mãe.
– Que ela não escute isso. – Ri.
Depois de uma caminhada de dez minutos consegui um táxi.
Não estava chovendo ainda. Mamãe terminava de pôr a mesa
quando entrei pelos fundos, meu pai não havia chegado.
– Você chegou. Acabei de pôr a mesa, vá lavar as mãos.
– Não sou mais criança mãe. – Avisei.
Precisei de um banho, coloquei a roupa mais confortável que
tinha e desci com meu pai já falando alto na cozinha.
– Como foi lá? – Perguntou.
– Oi para você também pai. Foi legal, Mike é um bom
companheiro.
– Então o emprego é seu?
– Sim, por tempo indeterminado. Mãe – Ela me encarou –
Sabe a loja daquela sua amiga em Ville?
– O que têm?
– Ela ainda quer comprar algumas de minhas roupas, ela
pareceu se interessar. – Qualquer pessoa se interessaria se um
casaco custasse quinhentos dólares.
– Vai vender suas roupas? – Mamãe estava entre surpresa e
desconfiada me obrigando a desviar o olhar.
Só duas malas, pensei.
– Acho que tenho roupas demais. Quero me desfazer de
algumas peças nesse fim de semana.
– Ela vai... adorar. Tem certeza que vai vende-las?
– Absoluta.
Eu não queria vender minhas coisas, mas minhas dividas
estavam crescendo a cada segundo. Demorei a pegar no sono e me
arrependi de ter tentado dormir, eu sonhei com ele. Era um daqueles
sonhos sem sentido, que você não entende porque o teve,
simplesmente sua mente não tinha nada produtivo.
As sete estava saindo de casa, fiz sanduíche de patê de
peru. Fiz uns a mais para o caso de Mike querer. Ele já estava atrás
do balcão quando passei pelas portas duplas.
– Bom dia.
– Oi Sara. John acabou de sair daqui.
– Meu pai...
– Ele só veio ver se as varas de pesca dele chegaram. Não
teve uma noite muito boa?
– Está tão na cara assim?
Assentiu.
– Sua mãe disse a mamãe que acha você está sofrendo de
amor.
O encarei.
– Minha mãe não disse isso!
– Ah, ela disse. Eu prefiro sofrer por comida – Riu.
– Eu também.
Vi Kate pela primeira vez desde que havia chegado em
Phoenix, havíamos sido amigas um dia quando nossos pais iam a
passeios em família. Mike disse que ela só aparecia para pedir
dinheiro e depois voltava para casa, ou ia para a casa do futuro
marido. Pelo jeito ninguém morria de amores por ele ali.
Meu celular tocou me assustando. Santana. Nos falamos por
quase uma hora no corredor dos fundos. Esperava não ter câmeras
ali. Eu não podia voltar, não ainda. Consegui voltar ao normal antes
do almoço me recusando a comer a comida servida mais uma vez.
– Olá.
Me levantei encarando o homem parado no balcão. Mike não
estava.
– Mike precisou sair e....
– Quem é você? – Perguntou se apoiando tranquilamente e
me dando sorriso grandioso.
– Victor! – Mike gritou, ficaram se batendo por um tempo
antes de se voltar a mim.
– Ninguém trabalha aqui? – Victor perguntou batendo
algumas vezes no sino no balcão.
– Às vezes eu preciso ir ao banheiro. – Mike brincou. – Já
conhece a Sara?
Victor me encarou. Ele era alto e moreno, tinha um sorriso
encantador e seu tom brincalhão seria facilmente confundido com
um tom metido ou rude em algum momento.
– Não. Mas sou Victor e você Sara, certo? – Me estendeu a
mão.
– Sim, Sara. – A aceitei.
–Sara é filha do John. – Mike revelou.
Victor voltou a me encarar.
– A pequena Sara?
Meu Deus, meu pai não me chamava assim.
– Acho que sim – Encolhi a mão.
– John falava muito sobre você, nunca entendi se você foi
rebelde ou não por ter saído de Phoenix.
– Rebelde – Sorri.
– O que faz aqui? – Mike perguntou. Victor bateu em sua
cabeça.
– Dando uma volta. Pensei que estivesse em seu horário de
almoço.
– Não, esse agora é o horário da Sara.
– Lavagem da sua mãe? – Victor perguntou apontando ao
meu pote no balcão.
– Sanduíche. – Avisei. – Isso é meu...
– Sorte sua, então já que o grande Mike perdeu a vez, quer
me fazer companhia?
– Ele vai te pagar o melhor Starbucks de Phoenix.
– Mike. – O encarei.
– Eu posso pagar e eu mesmo faço.
– Você?
Assentiu.
– Trabalho no Starbucks cinco lojas acima. E bom, estamos
perdendo nosso almoço. Aceita?
Eu precisava sair dali.
– Eu só preciso da minha bolsa.
– Bolsa em mãos – Mike me passou a bolsa – Me traga um
shake.
Victor apontou para direção do Starbucks e subimos a rua
passando pelas cinco lojas até lá. Agora ele parecia mais calado,
isso durou até passarmos pela porta. Não era como os Starbucks de
Nova York ou Los Angeles, mas o cheiro era o mesmo, uma mistura
de café forte e... doces.
– Pode ficar naquela mesa – Apontou para o canto – Volto já.
Me senti uma colegial o obedecendo, tirei meus sanduíches
da bolsa e o esperei voltar. Se minha vida não estivesse tão
desgraçada, e se eu fosse a mesma, não perderia meu tempo
pensando o quanto Victor poderia ser legal. Já estaríamos em um
lugar fechado. Mas eu não sou mais a mesma.
– Terra chamando pequena Sara.
Despertei.
– Me desculpe.
– Aqui está, o melhor Starbucks da cidade.
– Obrigada. Sanduíche?
– Não. Muffins?
– Não.
– Então, o que a trouxe de volta a Phoenix? – Me fitou.
Essa era a pergunta mais frequente.
– Vim para o ano novo.
– E agora tem um emprego.
Encarei meu almoço.
– Não sei quando vou voltar, então preciso de um emprego
temporário.
– Fugindo? – Apoiou as mãos no queixo.
– Pareço estar?
Sorriu.
– Não. Mas é um dos motivos para as pessoas voltarem para
a cidade mais parada do mundo.
Talvez eu esteja.
– Eu gosto de Phoenix. Não é tão ruim assim.
– Cite uma coisa legal.
– O centro.
– O que há de legal no centro? – Me encarou lambendo os
dedos.
– É um lugar bom de se explorar.
– Lojas. Sei, coisa de mulher. – Fez careta.
Sorri.
– Phoenix é legal e ponto. Poucas lojas caras, pouco
consumo. Eu consigo sobreviver
– Consumista?
– Se comprar mais do que seu salário permite é ser
consumista, eu sou uma. Estou encrencada por isso. Phoenix é uma
terapia.
– Certo, vou te fazer um convite. Vamos a uma festa mais
tarde, quer vir?
– Vamos, quem?
– Garotos da cidade baixa, garotas da cidade.
– Isso me parece...
– Legal. Diga ao John que vou respeitar as leis de trânsito,
passo para te pegar as oito.
– Mas eu não disse se ia.
– Você está fazendo de Phoenix uma terapia e tenho minhas
dúvidas sobre ser só pelo fato de você ser consumista. – Fez uma
careta. – Vai ser legal.
– Isso não é um encontro é?
– Acredite, eu sou bem direto quando o assunto é encontro. –
Piscou. – Eu já teria feito o pedido se fosse. Vamos como amigos.
– Bom saber disso, eu aceito. – Apertei sua mão. – Mas,
acabamos de nos conhecer.
– E qual é o problema? Seu pai sabe todos os meus rastros.
– Riu. – E sobre encontros, isso não me proíbe de um convite futuro.
– Victor.
– Brincadeira. – Riu mostrando sua fileira de dentes bem
cuidados.
Passei o resto do meu almoço falando da minha vida fora de
Phoenix até minha hora de voltar ao trabalho. Victor era realmente
legal, e não, não havia sido um pedido indireto para sair. Mike fez
perguntas, muitas delas, e quando eu achei que estava tudo bem,
eu voltei para o começo de tudo.
– Você deixou seu celular, uma tal de Susan ligou.
– Mike.
– Ela não deixou recado, disse que ligava depois. É sua
amiga?
– Não – Conferi as mensagens – Não é ninguém.
– Certo. Está tudo bem? – Seu olhar curioso me fez desviar o
meu.
– Estou sim. Eu vou... voltar ao trabalho.
Eu não ia voltar, ela não conseguiria dessa vez. Marcus não
me teria mais. Ele não precisava de mim.
18

– Sara, aonde vai? – Mamãe me encarava da escada.


– Vou sair... com uns amigos.
Sorriu.
– Amigos? – Havia surpresa e felicidade em sua voz.
– Sim, Mike, alguns meninos e garotas da cidade. Não sei se
todos tão jovens quanto Mike..., mas não estou tão velha assim. –
Fiz uma careta.
– Ah sim, apenas divirta-se.
– Victor vem me pegar.
– Victor?
Assenti.
– Mas ele é só minha carona. – Me apressei em dizer.
– Victor é legal.
– Eu sei.
As oito em ponto estava pronta e apesar de não querer
realmente sair não havia nada que me impediria afinal eu não
poderia simplesmente me proibir de diversão. Mantive o celular
desligado por segurança.
– Pequena Sara.
– Olá, Victor.
Papai apareceu.
– Cuide dela.
– Pai.
– Claro que cuido. Podemos ir agora? – Victor me deu o
braço.
– Sim. – O empurrei para porta.
Victor abriu a porta do carro para mim, só então percebi que
não estávamos sozinhos.
– Sara essa é Becky. Becky essa é a pequena Sara.
– Oi Sara. Nova namorada do meu irmãozinho? – A morena
ocupando a janela sorriu. Ela se parecia com Victor. Seu enorme
cabelo escuro estava jogado em seu ombro, ela tinha o mesmo
sorriso e o mesmo olhar que o cara sorridente a meu lado.
– Não, somos amigos.
Victor sorriu.
– Ela sabe, mas disse que faria isso.
Paramos algumas vezes durante o trajeto até Ville e o carro
estava completo. Victor me encarava e me lembrava sempre de
sorrir para dizer que estava tudo bem.
Não levamos muito tempo até a casa de festas no centro da
cidade, que estava cheia. Victor segurou minha mão me arrastando
para dentro e avisando aos outros que nos veríamos depois. O
segui empurrando algumas pessoas até um sofá. Havia me
esquecido de como eram esses ambientes desde que Marcus
entrou na minha vida me fazendo pular dos vinte e seis para os
trinta anos.
– Pensei que esperaria os outros. – Gritei.
– Oh não, encontro de casais me enjoa. Becky é a pior de
todos.
Sorri. Victor pediu dois coquetéis.
– Eu também sei que sua animação não está como gostaria.
– Por que?
– Você é um livro aberto, conte-me seus problemas – Se
sentou mais perto. Ele fez uma cara engraçada e isso me fez rir.
– Melhor não.
– Pequena Sara, somos amigos a oito horas. Vamos lá,
vamos fazer uma troca. Conta o seu e eu conto o meu.
Estávamos no segundo coquetel quando comecei meu
desabafo. Eu não acreditava muito que estava fazendo isso, mas
estava.
– Eu conheci uma pessoa.
Victor sugou o canudo do seu copo fazendo barulho.
– Desculpa, prossiga.
– Certo, eu conheci uma pessoa. Era para sermos só amigos,
nem isso na verdade e da parte dele, estávamos sendo, mas eu
comecei a ver de outra maneira. Criei um laço idiota e sentimental
mesmo sabendo que não deveria. Sabe porquê? Porque ele ama
outra pessoa, uma pessoa morta. Ele não ama só com o coração,
tem esse lance de alma e amor eterno, sentimento de culpa e tudo
mais.
Victor sorriu.
– Por isso fugiu pra Phoenix?
– Nós acabamos nos envolvendo, eu não me arrependo, só
me odeio porque o deixei destruir todo o meu autocontrole. Desde
então eu não sou mais a mesma. Sabe, eu odeio o amor.
– Não odeie o amor, odeie quem você ama.
Se fosse fácil assim.
– Isso é um resumo bonitinho da situação. Não queira saber
a parte ruim dela.
– O cara não te procurou?
Neguei. Susan no máximo queria que eu o controlasse, mas
era ela não ele.
– Complicado, Phoenix tem caras legais, você não precisa
dele.
– Bom saber. – Deixei uma risada triste escapar.
Victor ficou em silêncio por um tempo.
– Eu tenho uma filha. Sandy, mora no Texas com a mãe, há
um mês. Eu também tenho um amor que não me merece – Divagou
– Eu sinto falta delas todos os dias.
– Eu sinto muito.
Batemos nossos copos.
– Igualmente.
Becky apareceu, trazendo todo o seu grupo junto. Victor não
saiu do meu lado e conversamos sobre tudo. Eu sabia que estava
bebendo mais do que o normal, mas eu precisava. Era uma saída.
Depois que fomos para a pista de dança, desliguei minha mente
para tudo o que pudesse estragar minha noite. Eu precisava voltar
ao normal.
Não me lembro que horas cheguei em casa, não ouvi mamãe
bater na porta nem meu pai, não conseguia sair da cama e minha
cabeça estava pesada.
– Droga! – Resmunguei – Luz!
Sol, que belo dia para aparecer. Me sentei encarando as
paredes do quarto tentando fazer meus olhos não pularem para fora
nem minha cabeça sair rolando pelo chão. Certo, eu bebi demais e
alguém me trouxe. Minha mãe ou meu pai ou os dois viram a cena
de sua única filha e vergonha, bêbada.
Acabo de perder um dia de trabalho.
– Sara! – Mamãe bateu na porta me obrigando a tapar os
ouvidos. – Telefone.
Droga! Não grita mãe! Me arrastei até a porta pegando o
telefone e voltando a cama sem dar chance de deixá-la me ver.
– Bom dia, Sara adormecida.
– Oi Mike, eu sei. Perdi a hora, chego em... algum momento.
– Relaxa, Kate está no seu lugar. Inventei uma desculpa para
o meu pai. Como está?
– Não me lembro a última vez que estive pior. Minha cabeça
está abrigando uma guerra.
– Eu sei. – Ele riu.
– Por que não está assim também?
– Apesar da minha pouca idade eu tenho experiência. –
Falou orgulhoso.
– Certo, pode me dizer se aproveitei ontem?
Gargalhou.
–Você disse que está livre e desimpedida. Não acho que
beijar o Victor tenha sido um problema...
– O que?! – Gritei sentindo minha cabeça doer mais forte.
Droga!
– Vocês se pegaram a noite toda.
– Mike, fala sério!
– Eu estou falando sério. Becky te deixou em casa. Vocês
realmente se pegaram.
Não! Não! Não!
– Droga! Eu estava bêbada.
– Isso era óbvio. Victor é um cara legal, não se preocupe.
Eu tinha certeza que era.
– Bom, só liguei para dizer que está de folga hoje, melhoras.
Tá legal, eu não preciso de mais nada por hoje. A noite fui
pega de surpresa, prometi não atender mais telefonemas, mas
atendi.
– Marcus? – Número desconhecido. Não apostava minhas
fichas nele.
– Victor.
Legal!
– Oh me desculpe... Oi?
– Não fala assim. Liguei para saber se está tudo bem, Mike já
te contou, não é?
– Sim e peço desculpas... eu estava bêbada. – Fechei os
olhos com força. Estava morrendo de vergonha e isso era irracional
para todos os efeitos.
Riu.
–Tudo bem Sara. Eu também estava, éramos duas pessoas
carentes em uma noite de casais. Está tudo bem.
– Eu não quero que pense...
– Já se esqueceu do que eu disse? Eu também gosto de uma
pessoa e por mais que eu tenha gostado de te beijar, não foi
proposital.
– Então... as coisas não vão ficar estranhas?
– Não por mim, podemos nos pegar de vez em quando...
– Victor!
Riu.
– Brincadeira.
Formamos uma bela dupla na noite de casais, nada sério
além do sério dos bêbados onde tudo voltava ao normal no dia
seguinte. As semanas se passaram e fiquei mais próxima de Victor,
ele estava sendo como um irmão, amigo e namorado. Mas tudo no
seu tempo, me esquivei das piadinhas de Becky e Mike. Até
comecei a falar com Kate, mas ela não gostava muito das pessoas
que frequentavam a loja. Então falar com ela e as paredes, era
quase a mesma coisa.

°°°
– Aqui está, tudo o que conseguimos com a venda das
roupas.
– Tirou o seu, mãe?
Ela me encarou.
– É seu, querida. Não quero nada.
– Mãe...
– Está tudo bem. Já decidiu se vai ficar? Você trabalha para o
Tom, Victor te conseguiu um trabalho extra na cafeteria, isso não
está bom?
– Eu não sei mãe. Talvez, Washington. Eu gosto de Seattle.
– Não se esqueça que sua família está aqui.
– Não vou.

UM MÊS E DUAS SEMANAS DEPOIS...

Meu voo chegou às oito da manhã, esperava que Santana ou


Caroline tivesse lido minha mensagem de última hora quando
resolvi voltar. Até a saída de táxi não havia visto nenhuma delas,
então aquele grito agudo veio em seguida. Caroline e seu sapato
novo, ela voltou a gastar.
– Meu Deus, você voltou! – Agarrou meu pescoço – Eu senti
tanto sua falta.
– Também senti a sua.
– Mais de um mês, Malvin! Onde estava com a cabeça?
– Me desculpe, consegui dois empregos. Paguei a maior
parte da minha dívida, eu não gastei um centavo se quer. Só que
precisava voltar para vê-las, moro em Phoenix agora, não está
sendo tão ruim.
– Você não vai voltar. – Caroline sapateou.
– Eu quero voltar.
– É por causa desse Victor? Você disse que não era nada
sério.
– É por vários motivos. Agora vamos para casa, estou com
fome e sono.
– Santana foi trabalhar, mas preparei um banquete incrível.
Consegui um novo emprego, agora trabalho de atendente naquela
loja de celulares no centro. Não está sendo tão ruim, não com tanto
colega de trabalho perfeito.
Caroline sendo Caroline. Voltar para casa era bom e ruim,
bom porque estava me sentindo em casa, ruim porque estava perto
do que me afastei. Contei como havia sido Phoenix, não escondi
nenhum detalhe e esperei para saber se alguma coisa havia
acontecido. Mas não houve nada, Caroline ficou comigo até depois
do café da manhã, então precisou sair.
Aproveitei para desfazer minha mala e levou algum tempo até
eu dormir realmente cansada. Estava sentindo falta do tempo de
Los Angeles, dos carros e táxis buzinando. Senti falta da minha
cama, da mistura dos meus perfumes caros, das minhas amigas.
Estava em casa.
Acordei com o telefone tocando, mamãe. Isso foi uma hora
ao telefone dando um relatório de minha chegada, depois troquei
mensagens com Mike e Becky e antes de voltar para a cama para
mais um cochilo falei com Victor. Fomos breves. A segunda vez que
acordei já era noite.
– Já vai! – Gritei ajeitando o cabelo.
Chutei algumas coisas no caminho antes de chegar na porta.
Santana sempre esquecia a chave.
– Você e sua mania de... Marcus? – Sim, parado em minha
porta.
Seu olhar era uma mistura de raiva, surpresa e saudade?
– Sara.
Isso não podia estar acontecendo.
– O que você quer? – Tentei não acabar com meu controle.
– Você voltou – Falou.
Marcus estava com barba, mais magro. Não parecia estar
tendo uma, boa noite de sono, seu cabelo estava maior. Seu olhar
era o mesmo, alguma coisa ele teria de manter.
– E já estou saindo. Eu não tenho o que falar com você,
então pode ir embora. De preferência não me procure mais ou te
denuncio por perseguição.
Sorriu.
– Certo, espero poder fazer minha queixa de falsa identidade,
realmente se chama Sara? – Apontou irritado.
– Faça o que você quiser, vai lá e me denuncie. Você de
alguma maneira tirou tudo da minha conta, não é?
– Como?
Sorri.
– Você é um bom ator, mas fingir não saber de nada não
colou. Não te devo nada, adeus Marcus.
Empurrou a porta entrando.
– Vá embora. – Mandei.
– Depois de me explicar o que está dizendo.
– Que você pegou todo o seu maldito dinheiro de volta. Sem
teatro Marcus, você sabe o que estou dizendo. Agora vá embora.
– Eu não tirei nada da sua conta.
– Tirou a quase dois meses. Eu trabalhei duro todos os dias
durante todo esse tempo, paguei minhas dívidas, único motivo pelo
qual entrei nisso. Acho que aprendi, não te devo nada, posso
mandar as roupas que comprou depois ou se quiser levar agora...
– Eu não quero nada, quero entender.
– Entender o quê? Que eu era uma farsa? Sim, eu era.
Pergunte a sua secretária o resto da história, afinal o erro foi dela.
Santana e Caroline nos encarava da porta.
– Agora você pode ir. Não te devo mais explicação.
Santana arrastou Caroline para o quarto nos deixando a sós
de novo. Marcus parecia confuso, mas de alguma maneira ele sabia
o que aconteceu.
– Sara – Caroline me encarava segurando meu celular –
Victor quer falar com você.
Obrigada, Caroline.
– Quem é Victor? – Marcus me encarava.
Desliguei.
– Isso não é da sua conta – O empurrei para fora.
– Não terminamos.
– Nos vemos na delegacia caso me denuncie, não foi isso
que disse? Me esquece Marcus. Dessa vez é para sempre, acabou.
Seu olhar era incrédulo, foi a coisa mais difícil que fiz na vida.
Mas era isso ou sofrer por um amor doentio.
19

– O que foi isso? – Santana perguntou.


– Ele não vai embora. – Caroline falou da janela.
– Eu preciso ficar sozinha.
– Sara...
– Por favor.
Ainda não conseguia acreditar que Marcus havia me
procurado muito menos que passou quase uma hora dentro de seu
carro em frente ao meu prédio. Seria sempre assim? Eu seria cruel
por dizer não? E ele o coitado cheio de problemas? Ele precisa se
socializar mais e saber que o mundo gira para todos.
Santana mexia em meu cabelo quase me fazendo dormir e
foi a última lágrima que me fez cair na real e contar tudo o que
aconteceu, cada detalhe. Até a falsa ida a Phoenix que na verdade
passei com ele. Caroline gritava a cada nova descoberta e
comemos pizza para embalar as novidades.
– Você e o Foster transaram? Oh Meu Deus, devo dizer que
estou com inveja.
– Caroline! – Santana lhe deu um olhar duro.
– Sara, ele te levou para passar oito dias com ele, se abriu
para você. Vocês dormiram juntos pelo que entendi, ele queria. Ele
só é idiota, mas está apaixonado.
– Claro que está, mas então por que sumiu? – A encarei.
– Ele te levou para passar o natal com ele.
– E o que isso muda?!
– Tem uma mulher que é a cara da ex dele. Ela se diz amiga,
mas ela o quer também. No máximo ela encheu a cabeça dele
contra você. Se ele é vulnerável assim, é fácil de ser manipulado.
– Marcus não tem cinco anos. – A encarei.
– Mas ele perdeu a mulher e o filho! Ele se sente sozinho
Sara e com medo de errar. Tá que ele age como idiota, mas... vocês
deviam tentar se entender, parar de gritar por dentro e por para fora.
Nem que para isso ele se magoe mais. O faça ir ao limite.
– Caroline, você conseguiu me assustar. – Santana falou. –
Conseguiu entender a função do seu cérebro?
Caroline lhe mostrou o dedo. Talvez ela tenha razão, mas
tudo sempre será mais fácil em palavras.
– Isso nunca vai dar certo. Vai ser melhor assim.
– Tudo bem, estamos aqui para qualquer coisa, podemos
bater nele. Três contra um, ele tem força e nós temos unhas. –
Balançou as longas unhas vermelhas.
– Preciso de um emprego temporário enquanto fico por aqui.
– Estão precisando de gente na cafeteria – Santana avisou –
Aparece lá.
– Me acorde – Gritei antes de ouvir a porta de seu quarto
bater quando me deixaram.
As sete da manhã já estava de pé, Caroline me encarava
tentando achar algo de anormal, Santana por mais curiosa que
estivesse, não tentava a mesma investida.
– Com quem eu falo? – Perguntei disposta.
– No cartaz diz com o gerente, boa sorte.
– Obrigada.
Santana como sempre foi a primeira a deixar o apartamento,
Caroline logo em seguida, me fazendo prometer ligar para ela assim
que deixasse a entrevista. Não havia mais roupas chiques em meu
guarda-roupa, o mês em casa fez eu me acostumar com jeans e
camiseta. Ainda era estranho não estar de salto, os cardigãs da
moda, mas estava superando.
Andando, eram cinco quadras e não foi tão ruim. Na verdade,
foi sim, mas era o único jeito. Procurei o aviso na porta e não achei,
pensei em dar meia volta e ir para casa, mas entrei. Uma ruiva
sorriu ao me ver.
– Bom dia. Uma mesa? – Perguntou simpática.
– Não, na verdade quero saber sobre a vaga.
Ela sorriu.
– Ah sim, ainda estamos precisando.
– Estou interessada.
– Vem, vamos conversar na minha sala.
Passei meia hora com Savanna, tudo o que eu teria de fazer
era atender no caixa e servir mesas quando preciso. Eles não
aceitavam atrasos e era proibido comer qualquer coisa fora do
horário. Não parecia tão ruim assim, então fechamos o acordo.
Começaria no dia seguinte.
Liguei para Caroline e deixei uma mensagem a Santana,
estava feliz, pela primeira vez me sentia bem. Limpei o apartamento
quando voltei para casa, estava um verdadeiro lixão. As seis
Caroline chegou, feliz demais para quem passou a tarde
trabalhando.
– Vamos sair?
– Não.
– Sara!
–Trabalho amanhã cedo e não quero ir parecendo um zumbi
para o meu primeiro dia.
– Por favor, apenas uma hora.
Neguei.
– Meia?
– Nem dez minutos. Você está atrasada.
Santana foi breve também, em pouco tempo as duas corriam
para a porta não sem antes insistir para acompanha-las mais uma
vez.
– Estou bem.
– A casa dos seus pais te deixou uma velha. – Caroline me
jogou um beijo.
Acenei.
– Qualquer coisa liga.
– Claro.
Fechei a porta. Mudei de canal para uma série sobre
médicos, esperava não ver nada que me fizesse ir para o banheiro.
Com vinte minutos de seriado a campainha tocou. Me arrastei até a
porta, esperava ser uma delas ou o porteiro qualquer coisa, menos
ele. Mas era ele.
– Precisamos conversar. – Disparou.
– Fala.
– Aqui? – Apontou.
Respirei fundo.
– Eu não quero conversar com você Marcus. – Choraminguei
cansada. – Sério, eu preciso de um tempo para mim. Fiz planos e
sua presença não está nele.
– Está mentindo.
– Pareço estar? – cruzei os braços. Tinha que parecer
confiante.
– Só me escuta.
– Eu te procurei... para me escutar – Controle a voz –Você
não quis me escutar.
Afastei quando sua mão estendeu em minha direção. Não era
uma rejeição, era apenas me manter segura dos meus próprios
sentimentos, que estavam começando a me perturbar novamente.
– Se eu sair, juro que não volto nunca mais.
– Então acho que podemos dizer adeus agora.
– Que droga! – Gritou me assustando – Você não parece
estar me escutando.
– Eu estou escutando. Fala.
Respirou.
– Por que sumiu?
– Como? – Sorri – Eu não estou ouvindo isso. – Ri.
– Você sumiu, mais de um mês...
– Estava me vigiando?
Negou.
– Marcus...
– Não estava... porque não sabia onde estava.
– Certo, vamos ao que interessa. O que quer saber? –
Perguntei calmamente.
– Por quê mentiu?
– Não perguntou a sua secretária ainda?
– Sim. Mas se lembra... das nossas conversas, de exigir a
verdade e mentir? – Ele estava sério agora. Isso me acertou um
nervo.
– Eu não podia contar.
– Mas podia me usar? – Seu olhar presunçoso estava lá.
– Você deu liberdade para isso. Poderia ser qualquer outra,
Foster!
– Marcus, me chame de Marcus. – Apontou.
– Foster! Eu prefiro Foster. Só fiz o que fiz porque precisava
de dinheiro, qualquer um no meu lugar faria a mesma coisa. Estava
prestes a ter que sair daqui ser presa por dívidas que só Deus sabe
como farei para pagar e não farei com o seu dinheiro. Me sinto bem
por isso, aprendi que o que vem fácil, vai fácil. Eu quis te contar no
começo, mas você foi tão rude e idiota que a culpa de "roubo" saiu
das minhas costas. Então você voltou e ela voltou também. Era só
um maldito contrato. Era para ser apenas isso, você não se afastou
e eu me deixei levar. Quanto mais alto voar, maior a queda. Eu caí e
acordei, já deu.
– Eu não fugi – Sussurrou.
– Que bom saber.
– Abby me ligou... naquela manhã. – Respirei fundo. Minhas
mãos estavam suando. – Ela disse que você era uma farsa.
Sorri.
– Eu disse que ligaria depois, mas ela insistiu para que eu
visse meu e-mail. Depois marcou um encontro. De repente eu não
sabia quem você era.
– E ainda não sabe e não vai saber.
– Eu deveria saber.
– Não há nada para saber. Sou uma pessoa completamente
idiota, que se arriscou na maior loucura de sua vida para a nada.
Que se apaixonou por um cara problemático que vive a sombra da
mulher morta, que tem uma "amiga" encarnada no demônio que faz
sua cabeça, decide seus atos, que joga o jogo que ela quer e o faz
de fantoche, e pior de tudo você permite isso. Você é um babaca.
– Cala a boca. – Sua expressão era dura quando mandou
magoa escorrendo por sua voz. Era como se eu tivesse lhe acertado
com um tapa.
– Não! Não calo! – Gritei.
– Você não sabe o que está dizendo.
– Foi ela não foi? Foi ela que retirou todo o dinheiro da minha
conta. Ela agiu por você, porque não se impôs. Você deve ter
mexido seus pauzinhos, porque eu sei o quanto é bom nessas
coisas de invadir contar, ensinou a ela porque não teve coragem de
fazer você mesmo?
– Ela fez para o meu bem.
– Claro que fez. Ela faz qualquer coisa por você, inclusive
investigar minha vida da noite para o dia. Precisa que eu escreva
uma carta dizendo que sua presença não me importa? Que Marcus
Foster não passou de um contrato?
– Por Deus! – Andou de um lado a outro – Me deixa pensar.
– Pensar em que Marcus? Não tem o que pensar. E não
adianta muito fazer isso quando qualquer decisão que você tomar
outra pessoa passará na frente.
Me encarou com as mãos na cintura e o olhar duro, ele
estava ficando vermelho. Sua barba lhe deixava um pouco mais
velho e isso o deixaria ainda mais poderoso. Seus olhos começaram
a marejar.
– Quem é Victor?
– Alguém.
Gargalhou.
– De Phoenix?
– Provavelmente. – Me afastei.
– Seu amigo. – Segurou meu braço.
– Não tente. – O encarei.
Se aproximou, sua testa estava manchada de gotinhas
brilhantes. Marcus estava suando.
– Você disse que me amava. – Havia tristeza em sua voz.
– Também te mandei esquecer. – Puxei meu braço.
– Eu não esqueci. – Me encarou – Você pelo jeito já. Tem
certeza que era amor? – Zombou.
– Pensou que eu te esperaria para sempre? – Tentei não
desmaiar na frente dele.
– Usar uma pessoa para esquecer a outra é errado Malvin.
– Está estudando essa frase? Porque você é bom nisso, em
usar as pessoas para ter algum conforto psicológico.
– Eu não te usei! – Segurou meu rosto com força – Você
sabe que eu não te usei.
– Isso não importa mais. Eu estou bem agora – Tentei afastá-
lo.
– A quem está enganando?
– A quem está tentando mudar Marcus?
Muito perto. Meu coração estava batendo em meus ouvidos,
a temperatura havia aumentando.
– Foi só um mês.
– Foi o suficiente.
– Mentira!
– Não posso fazer nada se não acredita.
– Você dormiu com ele? Com esse Victor?
Segurei sua mão o afastando.
– E se eu tiver? – Ri.
Seus olhos estavam nadando em lagrimas, mas não caia
uma. Seu rosto estava vermelho e vi puro ódio em seus olhos. Devia
me alegrar com isso?
– Você é uma idiota. – Gritou magoado.
– Eu sei.
– Uma completa idiota.
– Fui todo esse tempo. E agora resolvi viver a minha vida.
Como era antes disso tudo me estacionar e me tornar uma pessoa
frustrada.
– O amor não acaba assim. – Sussurrou contra meus lábios –
Não é assim que funciona.
– Você vive um amor... de anos – Tentei controlar minhas
lágrimas, mas elas estavam vindo.
– E se eu disser que ele não existe mais?
Neguei contra seus lábios, que estavam apenas se tocando.
– Me escuta, se eu disser que ele não existe mais, Sara?
– Terá que provar.
Sua mão afundou em meu cabelo puxando minha nuca. Senti
a dor latejar ali, seus lábios nos meus urgentes. Havia um
descontrole que nunca presenciei em Marcus. Isso não podia ser
amor, ainda conseguia ver que não era, talvez saudade. Eu não
queria ver saudade, afeto, queria ver amor da mesma forma que o
amo e se não fosse para ter isso, preferia não ter nada. Mas
aproveitei cada pequeno instante.
O afastei levemente ouvindo o telefone tocar, seu olhar
irritado voltou e isso me fez querer rir sem motivo algum.
– Você precisa ir.
– Não.
O empurrei para porta.
– Sim. Agora.
– Você não quer isso. – Tentou me parar.
– Eu não sou um estepe.
Segurou a porta me prensando contra a parede.
– Eu sei que você não é a droga de um estepe. Então pare
de agir assim, pare de fingir que não se importa.
– Talvez seja porque não me importo.
– Isso é o que você diz – Me soltou indo em direção ao
elevador. O observei soltar a gravata irritado – Não é o que eu
acredito – A porta se fechou.
Maldito! As lágrimas vieram sem controle, mas eu jurei não
chorar por ele. Enquanto Marcus Foster não souber andar com as
próprias pernas, ele não terá o menor sentimento que parta de mim.
Isso é uma promessa... E ele não disse que me amava também.
Porque ele não me ama e eu não sei o que sou para ele.
20

Ouvi Caroline e Santana chegar, não fazia noção da hora,


mas tinha a certeza de que era bem tarde. Continuei fingindo estar
dormindo e não me lembro que horas realmente dormi. Acordei com
o barulho de Santana, me arrastei até o banheiro. Péssima era até
um elogio para as minhas olheiras. Banho frio era tudo o que me
acordaria, Caroline bateu na porta, era a sua vez.
– Pensei que não ia... tudo bem? – Me encarou.
– Tudo ótimo.
– Mentiu mal, o que aconteceu? – Entrou na minha frente.
– Você não está atrasada? – Perguntei tentando fugir.
– Estou, mas tenho tempo para você.
Respirei fundo.
– Eu estou bem.
– Foi o Foster?
– Não – A deixei para trás.
Passei meia hora no quarto depois de me arrumar e
dispensei conselhos da Santana. Eu só queria entender tudo o que
estava acontecendo, não devia ser tão difícil. Eu também não queria
estragar meu primeiro dia de trabalho, então forcei um sorriso e
segui em frente.
Savanna me recebeu bem, me explicou tudo o que precisava
e me deixou no caixa como primeiro dia. Não sabia como agradecer
tamanha gentileza. Tentei não me distrair, apesar de não ser uma
coisa fácil. Uma hora de trabalho e tudo parecia estar indo bem, o
movimento era intenso, conseguindo manter minha mente longe de
qualquer pensamento perturbador e assim durante seis horas
consegui passar pelo primeiro dia.
Quando cheguei encontrei Caroline em casa, enrolada no
sofá com um pote de pipoca assistindo Friends, seu "clássico"
favorito. Beijei seu cabelo me jogando a seu lado. Meu celular
vibrou, Victor.
– Que sorriso é esse?
Dei de ombros.
Victor: "Pequena Sara, onde está? Sumiu: ("
Sempre dramático.
Sara: "Acabei de chegar do trabalho, está frio. E não
sumi, apenas estava sem cabeça para ser sociável :/"
Caroline me encarou.
– Victor?
Assenti.
Três minutos depois a mensagem chegou.
Victor: "Quem dessa vez?"
Bufei.
Sara: "O de sempre, mas estou no controle."
Não, eu não estava. Não ainda. Outra mensagem.
Victor: "Você no controle? :p"
Sara: "Obrigada por confiar em mim."
Guardei o celular no bolso e ignorei o vibrar. Caroline ainda
me encarava, ela sempre fazia isso.
– Como foi o primeiro dia?
– Bom, ainda é cedo para reclamar – Sorri.
– Victor é mesmo um grande amigo?
– Sim, é.
Encheu a mão de pipoca.
– E o Foster?
– Foi um contrato que acabou e a vida segue.
– Por que seus olhos estão brilhando? E por que está
mordendo os lábios?
– Não começa, Caroline.
Sorriu.
– Ele me deu uma carona.
A encarei.
– Como?
Suspirou.
– O encontrei na volta para casa, ele foi simpático. – Seus
olhos não desviaram da TV.
– Não, ele não foi. – Falei dura.
– Foi sim, apesar de soar bipolar e problemático, ele me
parece legal.
– Ele está me cercando.
– E se não estiver? – Me fitou.
– Ele está. Ele esteve aqui... – Droga.
Caroline soltou seu pote e se virou para me encarar, ela tinha
um sorriso maior agora.
– Ele esteve aqui? De novo?
– Esteve.
– Brigaram? Se pegaram? Não esconda nada.
– Brigamos... eu não vou te contar tudo, você não é normal,
Caroline.
– Ele te beijou? Ah Deus, ele te beijou. Você está corando e
pare de morder os lábios ou vai arrancá-los.
– Abby descobriu que não sou a Sara.
Seus olhos se arregalaram.
– Ela tirou de alguma maneira todo o dinheiro da minha
conta. Por isso ele sumiu, porque estava me odiando.
– Mas se ele te procurou é porque as coisas estão boas.
– Estariam se ele não fosse tão idiota. Ele acredita em tudo
que ela diz, Marcus não aceita escutar outra opinião que não seja a
dela. Eles são muito amigos, eu sou o contrato. Por favor, só diz que
entende.
– Eu entendo um pouco porque sei que gosta dele, mas se
acha que assim as coisas vão se resolver, não vou mais me meter.
– Obrigada.
Passamos o resto do dia vendo filmes e comendo porcarias,
minha vida havia saído de pauta e isso era bom. O restante da
semana se resumia em trabalho, ligar para casa, trocar mensagens
com Victor e Mike. Estava sendo produtivo, não havia Marcus até a
manhã de quinta.
– Sara?
– Nora?
– Graças a Deus, você atendeu.
– Me desculpe, andei ocupada, aconteceu alguma coisa? –
Não tenha acontecido nada. Não tenha acontecido nada. Não tenha
acontecido nada.
– Marcus está com você?
Droga.
– Não. Não vejo seu irmão desde que terminamos.
Nora ficou em silêncio por um tempo.
– Então é por isso que ele está nervoso. Ele te ligou?
– Não Nora, faz uma semana que não o vejo e ele deve estar
com a Abby.
– Não está. Papai já tentou o celular dele e ele não apareceu
no escritório. Já ligamos para todo mundo. Ninguém sabe onde ele
está – Choramingou.
– Ele deve ter viajado a negócios.
– E não avisar na empresa? Ele não faz isso Sara!
– Tudo bem – Encarei o relógio, sete da manhã – Eu vou
encontra-lo, talvez eu perca o emprego por isso.
– Onde trabalha?
– No Caffe's é no centro. – Caminhei até o quarto –Te ligo
mais tarde – Desliguei.
Certo Marcus, eu nem devia me importar com mais uma de
suas cenas, mas você é louco. Não quero ser uma das pessoas a
receber a notícia que encontraram seu corpo. Puxei uma mochila
esportiva de Caroline do seu armário, coloquei apenas um casaco,
alguma comida leve. Deixei o apartamento vinte minutos depois
peguei um táxi.
Mais vinte minutos até o aeroporto. Eu podia voltar para casa,
ou melhor, ir para o trabalho e deixar isso de lado, seguir em frente
e pensar o que dizer ao idiota quando o visse, tentar falar com Abby
mesmo isso me causando repulsa e avisar onde ele poderia estar.
Afinal, ele confia mais nela no que na família acabei escolhendo a
opção mais irracional.
– Bom dia. Preciso de um voo fretado.
– Quem gostaria? – A mulher na recepção me encarou.
– Sara Malvin, namorada de Marcus Foster.
– Pode esperar um segundo?
Esperei sentada em um dos bancos de espera até o piloto
aparecer. Ele sorriu simpático, estive ali antes de ir passar uma
temporada isolada com Marcus e ele se lembrou disso.
– Senhorita Foster, como vai?
–Bem, obrigada. E talvez um pouco atrasada, Marcus está
me esperando. – Menti.
– Oh sim, tenho um avião pronto. – Apontou a saída e o
acompanhei. Falar em Marcus parecia intimidador.
Em pouco estava sendo guiada para o pequeno mini motor
como se todos já soubessem onde Marcus se escondia – ou ele já
esperava que eu fosse a sua procura deixando todos cientes disso.
Segui no fundo do avião, não confiava no piloto para fechar
os olhos. Minha cabeça estava cheia demais, ao mesmo tempo em
que tudo parecia certo, também parecia irracional. Ele pode estar
bem, como também pode ter encontrado algo cortante. Marcus não
usa a sanidade com frequência. Na verdade, ele não pensa com
frequência. Somos tão idiotas quando estamos apaixonados.
Essa é a primeira vez que consigo admitir isso. Era só a
verdade, não dava mais para esconder. Não vi as horas passar,
quando pousamos estava nublado e um carro me esperava.
– Sei que ia precisar.
– Obrigada.
O senhor do carro parecia mais gentil e me arrisquei a fechar
os olhos sabendo que demoraria mais uma hora até a casa. O plano
era acha-lo, avisar Nora e voltar. Esse era o plano, não o que
provavelmente seria seguido. O carro parou uns vinte metros da
casa, depois das árvores eu a veria melhor. Agradeci ao senhor
silenciosamente e me afastei.
Tirei o sapato sentindo a areia nos meus pés, acho que senti
falta disso. É eu senti. Contei meus passos até a soleira, bater ou
entrar? Dane-se eu teria de fazer alguma coisa. A madeira rangeu
embaixo dos meus pés, segurei a maçaneta e forcei.
Eu sabia, aberta.
A primeira coisa que vi foi a taça de vinho na mesa, mais à
frente a garrafa com um pouco mais da metade. Deixei a mochila no
meio do caminho e subi para o quarto, nostalgia passou bem longe.
A porta de um dos quartos estava aberta e foi a que entrei. Eu sabia
que ele estaria ali, só não sabia o porquê, mas ele estaria ali.
Me assustei com a mancha no lençol até ver que era vinho,
outra garrafa virada no chão. Marcus estava atravessado na cama,
sem camisa e de calça social, tinha caco de vidro pelo chão e
algumas coisas reviradas. Depois do choque, alívio e sensibilidade,
dei a volta na cama me ajoelhando a seu lado, ele não tirou a barba,
toquei seu cabelo, queria puxá-los, mas me contive.
A foto dela, Marcus segurava a foto dela como quem segura
a corda para não se arrebentar. Ele fazia isso todas as vezes que se
sentia sozinho. Seus olhos se abriram, sem expressão por um
tempo até cair em si.
– O... que faz aqui? – Perguntou chateado.
– Estão todos desesperados atrás de você. Por que sumiu? –
Me levantei o vendo ter trabalho para fazer o mesmo.
– Vai embora. – Mandou.
– Eu vou mesmo, já sei onde está. Foi por isso vim. Sua
família está desesperada por notícias.
– Isso não importa. Eu quero ficar sozinho droga! É difícil de
você entender isso? – Me encarou.
Neguei.
– Sabe o arrependimento? Ele pesa. – Me deu as costas.
– Quando tiver um pouco de vergonha na cara, liga para os
seus pais ou para sua amiga. Talvez ela dê o recado.
Sorriu encarando o teto.
– Eu farei isso – Puxou a garrafa de vinho do chão e a virou
na boca. Esperava dois goles, mas ele bebia como água.
– Chega, Marcus.
Me mostrou o dedo. Como? Avancei sobre ele lhe
arrancando a garrafa.
– Eu disse chega. – A tomei.
– Você disse muitas coisas Malvin. Uma delas era "saia da
minha vida".
– Você disse que não acreditava.
– Pois é eu não acredito. Mas olha que lindo, estou
respeitando. Sabe por quê? Porque pensei em várias coisas que
queria fazer com você. Eu até quis caçar esse Victor. Quis
sequestra-la quando deixou aquele maldito emprego. Mas estou
respeitando seu espaço e eu não estou são, então te aconselho a ir
embora enquanto há tempo. Eu fiz tudo errado... não estou
conseguindo pensar, você está fazendo isso comigo. – Fungou. –
Estou me odiando, estou vazio...
– Você está bêbado – Joguei a garrafa no chão. Ele ainda me
encarava, ele ainda conseguia mexer comigo de forma assustadora
– Onde estão os planos de sermos amigos?
Marcus parecia estar em um estado de choque porque não
agia. Respirei fundo decidindo dar o fora.
– Eu te amo – Falou. Parei a um passo da porta – Eu te
amo..., mas não posso, porque é errado... com você... comigo.
Porque eu sou... uma bagunça. – Sua voz pesava.
O encarei.
– Porque ... não se pode amar duas pessoas. Porque eu
quero estar com você... ao mesmo tempo me sinto culpado por ela.
Porque te desejo e ao mesmo tempo sinto por não a ter mais... –
Fechou os olhos – Com ela era como um dia de sol, você é uma
tempestade... intenso a ponto de me fazer perder o controle. De
querer machucá-la para fazê-la entender. Eu machuco você, Sara...
Meu coração batia tão rápido que já não o sentia mais.
– Se você ficar, se continuar parada aí me olhando desse
jeito... eu juro que não serei bonzinho, porque estou a malditos dois
meses me controlando e todos nós temos um limite. O meu está no
fim.
Marcus me amava, mas também a amava, sou como a
tempestade e ela a calmaria. Mas ele me amava, só não aceitava.
Ele me amava. Pisquei e a lágrima se foi.
– Isso é... Demais para mim.
Sorriu.
– Eu sei. Espero que seja feliz com Victor? Não é?
Assenti.
– Eu vou ser.
– Vai embora. – Mandou.
Senti a dor se alojar em minha cabeça antes de me virar e
sair dali. Ele estava bem e eu precisava de um carro, devia ter
pedido ao motorista para esperar. Ele me ama, mas nutre um
sentimento de culpa por ela.
Resgatei minha mochila na mesa e sai, se eu fizer o mesmo
caminho que o carro eu chego em algum lugar. Mas eu precisava
sair dali. Estava a três passos da soleira quando o ouvi gritar,
esperei que saísse, mas Marcus não apareceu e eu voltei. Estava
deitado no chão segurando a mão, a garrafa de vinho quebrada.
– Que droga Marcus. Você caiu da escada? – Deslizei pela
sala. Seu rosto estava vermelho. – Acha que quebrou alguma
coisa?
Se manteve em silêncio de olhos fechados. Sua respiração
irregular e eu não sabia se doía o corte na mão ou se ele quebrou
alguma coisa.
– Eu vou te ajudar a levantar.
– Me deixa...– Resmungou.
– Eu quero te deixar droga, mas corro o risco de vê-lo se
matar.
– E você se importa? – Me encarou.
– Acha que eu estaria aqui se não me importasse? Levanta.
Consegui arrastá-lo até o sofá, Marcus estava meio torto,
jogou a cabeça para trás evitando olhar o sangue na mão. Odeio
sangue.
– Sabe se tem alguma coisa aqui de primeiros socorros?
Negou.
– Eu vou procurar, se mantenha vivo até eu voltar.
Revirei o armário do banheiro até achar algo que servisse,
peguei uma camisa em seu quarto e a toalha. Marcus encarava o
teto quando voltei e não se voltou a mim.
– Espero que não chore com o álcool. – Depois de me
mostrar o dedo pensei que faria o gesto de novo. Mas ele não fez.
Limpei o machucado que agora não parecia tão grande
assim, eram apenas cacos com o peso do corpo. Enfaixei sua mão
e ele continuava a encarar o teto.
– Pronto. Você... precisa trocar essa roupa e...
– Está dormindo com ele? – Me encarou. Seu rosto de uma
tonalidade pálida e olhos vermelhos pelo excesso de choro e álcool.
– Não, mas não vai faltar oportunidade. – Provoquei. Que se
dane!
Virou os olhos.
– Gosta dele?
Assenti.
– Eu quero ouvir da sua boca.
– Eu gosto dele Marcus. Do mesmo jeito que você gosta da
Maggie. Victor é meu sol, não é assim?
Vi a lágrima descer por seu rosto. Se havia alguma dor ali, eu
gostaria que fosse como a minha.
– Está mentindo.
– É só o seu ponto de vista, não a minha realidade. Eu
preciso ir, mas preciso de um rádio... um carro poderia me buscar.
Apontou a escrivaninha. Levantei sentindo seu olhar
queimando minhas costas, abri a gaveta achando um rádio, é claro
que ele usaria um. Quando me virei, Marcus se levantava rumo às
escadas, não queria vê-lo cair de novo se ele não conseguir chegar
ao segundo andar.
– Certo – Sussurrei. Chamei no rádio algumas vezes, mas
tudo o que ouvia era um chiado, nada além disso.
Eu só precisava sair dali.
21

Tentei mais algumas vezes o rádio, mas ninguém respondeu


do outro lado, na sexta vez consegui pedir um carro, mas me
avisaram que demorariam. Sem informar o tempo. Marcus não
desceu, talvez dormiu ou simplesmente não queria me ver.
Assim que voltasse para casa ligaria para Nora e avisaria que
o achei, depois salvaria meu emprego com um falso atestado
médico e tudo voltaria ao normal. Senti a brisa trazer um leve cheiro
de queimado, não era Marcus colocando fogo na casa.
Me arrastei até os fundos da casa, encarando o buraco na
areia, cavado com as mãos muito provavelmente. Aos poucos o
vento trouxe alguns pedaços de papel, deixei o rádio no chão e me
agachei ao lado do buraco, cinzas e mais cinzas. Cutuquei até
conseguir algo que me desse uma resposta. Fotos, alguns pedaços
de pano, roupas, fotos de Maggie? Marcus estava queimando as
coisas dela? Sim, várias coisas dela. Não sei por quanto tempo ele
ficou ali vendo essas coisas queimando.
Não sei o quanto ele queimou, mas ele estava se livrando
dela. Isso não era impossível? Ele não disse que era? Tentei o rádio
mais uma vez quando voltei para casa. Passei muito tempo
encolhida no sofá esperando outra resposta.
– Porcaria de rádio.
Santana ou Caroline deveria estar louca atrás de mim, não
havia sinal no celular e nossa única comunicação era um rádio. Mas
tínhamos que esperar a boa vontade de alguém nos responder. Vi o
tempo voar sentada no sofá, acendi as luzes uma a uma. Não
subiria para ver se ele estava vivo, ele estaria. Peguei no sono por
alguns minutos, acordei com o barulho na cozinha.
Meia hora depois Marcus se deitava no sofá a frente,
encarava o teto em silêncio. Ainda tinha o curativo que fiz.
– Eles me mandaram esperar – Avisei.
– Tudo bem – Murmurou.
Fechei os olhos.
– Não avise ninguém. – Pediu.
O encarei.
– Eles estão preocupados com você.
– Só diga que estou bem. – Sua voz estava morta.
– Como se não fossem querer vir atrás de você.
– Apenas diga.
Voltei a fechar os olhos e me encolher. Agora eu não poderia
dormir, não com ele ali. Queria perguntar o que aconteceu, mas isso
era aumentar mais uma dúvida na lista. Deixei que ele o quebrasse.
– Comeu alguma coisa?
– Não estou com fome – Menti.
– Posso fazer alguma coisa.
– Não precisa.
– Não precisa se negar a comer só porque posso ser eu a
fazer – Me encarou.
Respirei fundo.
– Eu realmente não estou com fome, Marcus.
– Tudo bem. – Brincou com o cordão em sua calça. –Você
viu?
Assenti.
– Isso é bom, não é? – Perguntou.
– Eu não sei. Isso é?
Suspirou se sentando. Passou um tempo encarando o chão
antes de falar.
– Eu não quero parecer um louco. Disse a mim mesmo que
não poderia mais passar como um.
– Marcus...
– Disse a mim mesmo que não poderia mais levar isso
adiante porque ela se foi e se todos aceitaram eu também tinha,
apesar de saber que no fundo eu aceitei só não queria acreditar.
Passei a semana queimando algumas coisas, Leslie já havia me
incentivado a fazer isso, mas eu nunca fiz. Era como se isso fosse
me desligar dela. As coisas aconteceram muito rápido, mudaram
muito rápido, então eu vi que estava perdendo tudo. Mas não parei
até perder.
– Você não precisa fazer isso porque a Leslie disse que tinha
que fazer...
– Eu fiz porque quero viver. Quero outra pessoa, eu não
preciso morrer também. Tentei de todas as maneiras entender isso
por três longos anos, mas Maggie não vai voltar nem meu filho. Eu
não tenho que ficar esperando, porque ela não me esperaria...
porque todo mundo quer viver, temos tão pouco tempo.
– Quando foi que chegou a essa conclusão?
– Quando percebi que não era mais a Maggie que eu havia
perdido – Me encarou, seu olhar era uma mistura de dor e medo. –
Era você.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, bateram na
porta. Isso me assustou. Marcus se levantou e o segui, meio zonza
pelas novidades. O mesmo senhor que havia me trago nos
encarava.
– Pediram um carro.
– Fui eu – Passei a frente de Marcus.
Senti seu olhar em minhas costas, voltei para pegar minha
mochila.
– Vê se come e não se mate – Avisei descendo a soleira – E
não vou dizer onde está contanto que apareça em algum momento,
vivo de preferência.
Consegui sinal no celular assim que saímos da zona fechada,
havia mensagens e ligações perdidas de Santana e Caroline. Umas
dez de Nora. Mandei mensagens apenas avisando que estava tudo
bem. Nora ligou logo em seguida e inventei a melhor mentira da
minha vida. Ela não atormentaria, mas também não sabia se era o
certo deixar Marcus sozinho.
Me desliguei na volta para casa, fechei os olhos e dormi por
algum tempo acordando minutos antes de pousar. Santana me
esperava com um olhar preocupado.
– Meu Deus, onde se enfiou?
– Posso explicar em casa? – Perguntei.
– Com certeza você terá de explicar.
Caroline esperava na porta quando chegamos ao corredor do
nosso andar. Antes de começar a falar, tomei um banho e fiz algo
para comer. Então as duas se irritaram com minha demora.
– Fui atrás do Marcus. – Despejei.
Santana bufou.
– Pela família dele!
– O que aconteceu?
– Ele sumiu a dias. Nora me ligou essa manhã querendo
saber se Marcus disse onde ia, porque não estava sendo
encontrado. Então eu fui atrás dele, o encontrei alcoolizado, casa
destruída. Ele caiu da escada e eu não sei como conseguiu.
Queimou as coisas de Maggie, ameaçou o Victor... depois disse que
não está mais na sombra da falecida. Não com essas palavras e eu
sou o motivo. – Falei sem respirar.
Caroline gritou.
– Meu Deus, e vocês não se pegaram? Essa coisa intensa e
selvagem não acontece comigo.
– Não nos pegamos. Nem vamos, Marcus é uma caixinha de
surpresa. Não quero brincar disso.
– Se ele queimou as coisas da falecida e está com ciúmes do
Victor, com toda certeza eu brincaria. Judiaria dele até vê-lo se
arrastar.
– Ele já está se arrastando – Santana falou
– Nada mudou então? – Caroline segurou meus ombros.
Suspirei.
– Eu ainda o amo e acho que ele gosta de mim. Porém
vamos seguir cada um com o seu sol.
– Como?
Sorri.
– Sou a tempestade dele. E será sempre assim.
– Furacão Sara – Caroline gargalhou – Um agito na vida de
vez em quando faz bem. Avisa isso a ele e antes que me esqueça,
chegou uma carta para você. Deixei no seu quarto. Agora eu preciso
ir.
– Também preciso ir – Santana se levantou – Se for sumir
amanhã, deixe um bilhete ou algo assim. Isso evita nosso
desespero e o pensamento de chamar a Interpol.
– Pode deixar. – Tentei um sorriso.
Victor e eu voltamos a trocar mensagens, contei tudo a ele
quase automaticamente, não estava nos planos. Esperava algo
negativo como resposta, mas ele apenas me incentivou a me
escutar mais, isso não era um siga em frente ou pare por aí.
Fiz minha higiene antes de me trancar no quarto, achei a
carta que Caroline havia me dito. Ela não abriu, o que era estranho,
porque ela não dispensava nem carta de cobrança. Me enrolei nos
cobertores e rasguei o envelope em mil pedaços. Eu conhecia
aquela caligrafia.
De: Marcus
Para: Sara

08/01/2014

Hoje faz quase três semanas que passamos o Natal juntos.


Ainda tenho em mente a imagem que tive quando acordei, não era a
que eu esperava ter... que esperei todos os dias. Eu não sabia o
que senti quando te vi, mas queria voltar e me deitar a seu lado e
abraça-la para sentir melhor isso. Mas fui covarde deixando de novo
o sentimento de culpa me tomar, medo de que aceitando o que eu
estava sentindo, eu estaria traindo a mulher que dividi boa parte da
minha vida. Não é Maggie que me prende a isso, sou eu mesmo.
Ela não vai voltar e eu ainda estou aqui, estou perdendo mais uma
chance e culpa é inteiramente minha.

De: Marcus
Para: Sara

20/01/2014

Faz dias que não a vejo, que passo as horas na porta do seu
prédio esperando que você apareça. Eu não consigo dormir e me
sinto um completo idiota por tudo o que fiz. Simplesmente posso
esquecer todas as mentiras que nos envolve, todos os erros se você
me deixar tentar de novo. Queria poder ter dito naquele momento
em que me pediu para ficar que eu também a amo, isso não é um
blefe, não é posse. Eu simplesmente sei que a amo, de um jeito que
estou tentando colocá-lo como certo. Já tentei outras vezes, fiz
estragos irreparáveis e prefiro me machucar a te machucar. Antes
eu chamava por ela, hoje minhas noites em claro é falando com ela,
pedindo ajuda para tê-la de volta. Para te ter de volta.
Ps: quero que leia isso... um dia.

De: Marcus
Para: Sara

28/01/2014

Onde você se enfiou? Por que não volta? Você não sente a
minha falta como sinto a sua? Você não me ama mais? Esperou
realmente eu descobrir isso para sumir? Tenho tantas perguntas
para fazer, coisas para dizer. Mas não sei como, porque sinto que
você me odeia agora.

De: Marcus
Para: Sara

04/02/2014

Quero acreditar que lá no fundo ainda exista algo por mim,


que talvez você não me odeie o tanto que pareceu quando a vi pela
primeira vez depois de todo esse tempo. Não mereço nada além do
que estou ganhando. Mas eu queria poder ter uma chance de dizer
que sinto que não posso continuar do jeito que as cosias estão, que
eu posso estar te amando agora e sempre, não é nada relacionado
a perda. A perda só nos ajuda a enxergar, senti tanto a sua falta que
meus braços ficaram moles quando a vi. Queria sorrir feito um idiota
e apertá-la, em meus braços, tive a vontade de despejar tudo o que
guardei por todo esse tempo começando pelas mentiras, você
contaria a sua e eu contaria a minha. Diria que a amo e que estava
disposto a seguir com isso. Mas as coisas não aconteceram dessa
maneira porque você me tira o controle quando consigo juntá-lo.
Senti que perdi tudo quando você me mostrou outra pessoa, quando
me mostrou que está melhor do que eu, porque eu estou péssimo.
Passei tanto tempo me agarrando em algo sem vida, que posso me
agarrar a algo que não é meu. Fiz planos, meu aniversário é daqui a
duas semanas e fiz planos. Meus últimos três aniversários passei
sozinho, os demais me entendem, pelo simples fato de eu não
gostar de comemorar, mas eu fiz planos. Pensei em quando voltaria,
se voltaria a tempo, pensei que talvez eu pudesse fazer um pouco
mais de bolo de caneca de chocolate com muita calda. Assistir um
filme ou simplesmente conversar com alguém além dos meus
pensamentos, pensei nisso muito antes de saber que estava
apaixonado por você. Mas sempre fui um covarde, não seria
diferente agora. Eu queria que fosse diferente, esperei muita coisa
acontecer na minha vida, mas não esperava você, seria cômico se
não houvesse todo um drama entre nós. Não há mais planos, não
com você. Porque a perdi também e vi que dói mais agora, porque
está viva. Eu posso vê-la, mas não posso tocá-la. A única coisa em
comum com tudo isso é que mais uma vez sou obrigado a deixar ir.
No fim nunca me deram escolhas, acho que podemos tentar com
pessoas diferentes, pelo menos eu. Porque você já começou.

Se havia algum sinal de sono em mim ele havia ido embora


depois de ler as cartas de Marcus. Não sabia se isso me deixava
feliz, assustada ou triste por ele não ter dito isso antes. Vi a manha
chegar, me arrastei para o banheiro e tentei ajustar os
pensamentos. Falar com minha gerente, dar uma explicação e
simplesmente tentar passar o dia.
Na minha cabeça ficava martelando datas e a semana se
passou com tudo de volta ao lugar. Nora me ligou na quarta, eu não
sabia o que ela queria, se queria me dizer alguma coisa. Victor me
deu mais conselhos sobre o que fazer da vida e isso era cômico
porque nem ele mesmo sabia o que fazer com a dele. Victor não era
meu estepe, eu não poderia torna-lo um.
– Quando a teremos de volta? – Perguntou.
– Em um mês. Só preciso saber como contar isso as minhas
amigas. Elas vão surtar.
Ouvi sua risada grave.
– Tem certeza que vai mesmo voltar?
– Tenho. Minha mãe conseguiu usar um computador sem
entrar em pânico e me inscreveu em uma vaga em uma empresa na
cidade vizinha.
– E se a vaga não for sua?
– Cala essa boca, ela será. Obrigada pelo apoio.
– Não está fugindo está? – Perguntou sério.
– Não. Estou bem.
Pelo menos eu queria estar. O resto da semana voou e a
data se aproximou. Era sábado e estava chovendo, meu dia de folga
e preferia estar trabalhando, era uma desculpa válida. Eu não sabia
se Marcus havia voltado, eu não queria saber. Mas me arrumei as
seis da tarde e fiquei sentada encarando a TV desligada por quase
uma hora antes de me levantar e seguir para saída. Devia voltar
para casa e dormir, mas não queria pensar muito depois que
entrasse em um táxi
Tenha sempre um segundo de loucura em você quando sua
consciência manda-la parar. Oito horas, havia subido pela escada
todos os andares até a porta de Marcus. Patético. Ele deveria saber
que li suas... cartas. Tá mas para que? Toquei a campainha me
arrependendo, isso estava começando a oscilar quando ele a abriu
pouco tempo depois. Esperava fielmente não o ver ali, mas ele
havia retornado.
Um sorriso surgiu em seus lábios, seus olhos pareciam
cansados, usava moletom e meias, os cabelos bagunçados, mais
baixo e não havia mais barba. Apenas me encarava como se eu
fosse um presente de natal. Entendi que o espaço que havia me
dado era um convite para entrar, a casa estava escura exceto pela
luz baixa que vinha da cozinha e da enorme TV. As palavras haviam
sumido e tudo o que sentia era meu coração batendo rápido e a
pressão subir para minha cabeça.
Me virei pronta para desejar meus parabéns, mas Marcus foi
mais rápido me abraçando. Senti sua respiração em meu pescoço.
Então me dei conta que apesar de tudo, eu sentia falta dele quase
constantemente.
– Parabéns – Sussurrei me afastando.
Ele sorriu secando uma lágrima com a manga do casaco.
– Você...
– Li. – Enfiei as mãos no bolso do casaco. –Acho que deveria
vir e te desejar felicidades... eu não sei, só queria vir, eu nem
sabia...
– Não importa, fiz bolo de caneca, é a única coisa que
aprendi a fazer sozinho...
– Não precisa só vim... – Parou me encarando. – Só vim lhe
dar os parabéns, eu vou ter que ir.
– Eu fiz muito bolo... pode levar um pouco... se quiser.
Droga!
– Tudo bem.
O segui até a cozinha, a casa estava diferente só não sabia
dizer de que forma. Ele me encarou algumas vezes quando retirou
duas canecas grandes de dentro do micro-ondas e as colocou na
mesa. Pegou alguns potes no armário, confetes. O deixei trabalhar
sozinho, observando da bancada. Ele sorria de alguma piada
interna.
– Estava esperando alguém? – Perguntei pegando um
canudo de chocolate.
Negou.
– Por que não foi ver seus pais?
– Eu fui. – Continuou trabalhando.
– Isso é bom.
Ficamos em um silêncio incomodo por um tempo.
– Estou indo a um psicólogo – Me encarou passando minha
xícara – Tem alguns dias.
– Está?
Assentiu. Me sentei a seu lado quando voltamos a sala.
– Não é tão ruim, estou aprendendo a não guardar tudo para
mim. De verdade dessa vez.
– Isso está te fazendo bem?
– Está. – Encarou sua caneca.
– Está conseguindo dormir?
Negou me fitando.
– Por que?
– Porque preciso aprender a me acostumar. Sabe, sem nada
ao que agarrar. Me livrei de tudo. Para começar do zero.
Senti a pressão aumentar em minha cabeça.
– Vai ficar tudo bem, no fim.
– Você vai estar aqui? – Seu olhar era um pedido de segunda
chance. – Quando me odiar menos... eu vou ficar aqui e esperar.
Colegas, eu posso tentar ser legal e até consigo fazer as pessoas
sorrirem, é sério – Sorriu, o melhor sorriso que Marcus Foster já
havia me dado.
Senti o aperto no peito. Ele estava implorando para que eu
voltasse?
– Você pode me contar como sua vida vai estar... daqui um
tempo.
– Posso – Falou colocando uma colher de seu bolo na boca –
E você vai poder me contar... sobre a sua. Só volta... um dia. Eu
sinto sua falta, Sara. Todos os dias. – Confessou, seus olhos me
queimando por dentro.
Não havia muito o que falar enquanto a sombra de todos os
acontecimentos existisse, então passamos as horas seguintes
assistindo a um filme, senti meu celular tocar algumas vezes
embaixo de mim, mas não consegui pegá-lo. Marcus havia dormido
em cima de mim, dormia tão profundamente que quase me
assustava. Essa era a primeira vez que o via dormir tranquilo, não
havia aquele semblante de que algo ruim fosse acontecer a
qualquer momento, nem pesadelos. Simplesmente dormia. Ele
havia a deixado ir, Maggie não existia mais.
22

Não sei em que parte da noite peguei no sono, me lembro de


me afundar no sofá cama e Marcus se ajeitar melhor em mim, como
uma criança. Nora havia dito algumas vezes como Marcus era, essa
coisa de ter a necessidade de não deixar as pessoas se afastarem
depois que as tem. Não era realmente posse, era afeto.
Ele ainda dormia quando acordei com um braço envolvendo
minha cintura e a mão magicamente enfiada em meus cabelos.
Onde estava a Sara que não se apaixonava? Que era mais fácil se
casar com uma bota importada, do que com um cara? Ela se perdeu
quando entrou nessa. Agora ela ama um homem que às vezes
oscila entre inocente, possessivo e apaixonante. E eu gostava disso,
das três oscilações, gostava tanto que a língua coçava para chama-
lo de meu.
Tanto que queria simplesmente passar o resto da minha vida
o beijando, acordando todas as manhãs e tê-lo, do meu lado brigar
e voltar da maneira mais incrível possível. Mas ele não era meu. Me
levantei devagar sem acordá-lo, encarei o relógio em cima da TV
marcando nove da manhã. Consegui pegar meu celular depois de
dar vida ao meu braço. Várias ligações de Santana e duas
mensagens, uma de Caroline me mandando aproveitar a festa – ela
leu a carta – e outra de Victor que havia me surpreendido mais do
que a Caroline.
Ele me mandou dar uma chance a Marcus, antes de tentar
qualquer coisa, esperava isso de qualquer pessoa menos dele.
Querendo ou não, pensei que havia criado alguma atração por mim,
seja pelas suas brincadeiras ou mesmo falando sério. Victor era
uma caixa de surpresas e descobri isso agora. No fim ele me
desejava boa sorte. Prendi o cabelo e me levantei, precisava usar o
banheiro e ligar para casa. Acho que não levei mais de quinze
minutos para executar o processo, passei antes na cozinha
colocando nossas xícaras cobertas de formigas na pia e segui para
o banheiro.
Lavei o rosto e usei um pouco de pasta de dente, ajeitei
melhor o cabelo, estava a um passo para deixar o banheiro quando
me assustei com Marcus apressado e quase caindo no pequeno
tapete que havia na porta.
– Você está aqui – Soou envergonhado. Ele estava com a
marca da almofada no rosto o deixando ainda mais bonito?
– Eu só queria...
– Tudo bem – Mexeu as mãos – Você está aqui, eu só...
estava te procurando. Pensei que havia ido embora... Quer tomar
café?
– Eu preciso ligar para casa.
Assentiu.
– Mas vai tomar café comigo? – Expectativa brilhava em seus
olhos.
Antes que eu pudesse responder tocaram a campainha.
Ficamos nos encarando.
– Estão chamando – Avisei.
– Estão – Falou me esperando acompanha-lo. Ele não se
mexeria se eu não me mexesse.
Seus passos eram lentos e seus olhares sempre me
encontravam, olhando para trás para ver se eu estava ali. Puxei o
rabo de cavalo mais apertado e tentei não parecer alguém que
acabou de acordar, poderia ser Nora ou qualquer outro da família.
Se fosse Nora, eu tinha certeza que teria de lhe dar um relatório.
Tocaram a campainha de novo até ele abrir e aquela voz nasalada
surgir. Eu adoraria se fosse Nora, lhe daria todos os detalhes
possíveis, se fosse ela. Retroceder a visita seria uma boa.
– Parabéns, querido – Abby se jogou em seus braços e
Marcus demorou alguns segundos para abraça-la também.
Havia superado a comparação entre Maggie e Abby, porque
não acreditava que Maggie fosse um demônio. Ela não merecia ser
comparada a raça ruim que era sua irmã, manipuladora e baixa.
Marcus se afastou e ela estendeu seu presente enquanto
equilibrava um bolo tamanho duas pessoas, eu juro que se fosse
uma recordação da irmã como um tipo de um santo eu iria fazê-la
engolir o presente. Eu mesma enfiaria por sua goela abaixo.
Marcus segurava a caixa.
– Abre, você vai amar. – Bateu palmas empolgada.
Oi, estou aqui. Marcus soltou as fitas que envolviam a caixa
apoiando na barriga para tirar a tampa. Tirou um relógio que deveria
custar muito e dois papéis. Abby sorria como se fosse uma mãe
vendo seu filho ganhar seu presente de natal. Seu sorriso forçado
me incomodava a ponto de querer vomitar.
– Eu não queria parecer repetitiva. Vi esse relógio quando fui
a Londres e decidi que seria seu presente e como sempre, os
ingressos para sua exposição favorita.
– Obrigado. Você me conhece bem.
Claro que conhece, pensei. Marcus se virou para mim
quando viu minha movimentação em direção aos meus sapatos.
Ouvi sua voz zunindo enquanto seguia para cozinha, ela não se
importava em mostrar o quanto minha presença não importava. E
era bom pois eu não conseguia forçar simpatia com pessoas que
despertavam meu desejo assassino. Ela devia saber disso.
– É o seu bolo favorito – Falou da bancada.
– Sara, você não precisa ir. – Marcus deixou o presente no
sofá e me rodeou como um cachorrinho que sabe que seu dono vai
sair – Não vai tomar café comigo? – Perguntou se abaixando a meu
lado me encarando enquanto eu colocava os sapatos.
Vi pela TV que Abby nos encarava, ela poderia tomar seu
café com ele, eu dormi com ele! Passei seu aniversário com ele,
coisa que ele não faz com ninguém há três anos. Isso já me deixava
um pouco melhor.
– Eu preciso ir. – Menti.
– Espera – Segurou meu braço. Abby disse alguma coisa que
me limitei a escutar – Você precisa comer.
– Eu realmente preciso ir, você tem companhia.
Bufou.
– Mas eu pensei...
– Onde está aquele prato... – Abby começou.
– É melhor ir ajuda-la – Avisei – Parabéns e me desculpe por
não ter dado nenhum presente.
Eu realmente queria abraça-lo, mas me virei e sai antes que
começasse a gritar e provavelmente enfiaria a cabeça de Abby
dentro do triturador da pia. Dessa vez eu fui pelo elevador, dois
segundos foi o suficiente para ver seu olhar antes da porta se
fechar. Então eu gritei.
Não houve ataques quando cheguei em casa, Caroline tinha
um sorriso enorme de satisfação ao me ver, o típico olhar de me
conte tudo e não me esconda nada. Santana pela primeira vez não
parecia muito diferente.
– Bom dia – Falei.
– Bom dia – Cantarolou – Pode começar, como foi com o
Foster?
– Caroline...
– Café? – Santana me passou uma xícara me levando ao
sofá – Antes de qualquer coisa sua mãe ligou e pediu para você
retornar o mais rápido possível.
Certo.
– O que querem saber?
– O que deu de presente ao Foster? – Caroline sorriu.
– Bom, estava entre a razão e a emoção e fui vê-lo ontem.
Ele ficou feliz em me ver... Marcus está fazendo terapia.
– Está?
Assenti.
– Parece um pouco melhor do que da última vez que o vi.
– Só isso? – Caroline estava um pouco decepcionada.
– Não estava nos planos dormir lá, eu só queria vê-lo, acho
que o aniversário foi a melhor saída para visita-lo. – Confessei. – Ele
me ofereceu bolo de caneca – Sorri – E falou coisas que mexeram
comigo, ele não está mais sob o fantasma de Maggie. Me pediu
para ficar e assistir filmes com ele, Marcus parecia uma criança com
medo de ser deixado sozinho ao mesmo tempo ele era o homem
mais perfeito do mundo. Ele acabou dormindo... em cima de mim –
Sorri – Por isso não atendi e...
– Vocês dormiram juntos? – Caroline gritou.
– Não. Não dessa maneira. Então eu acordei primeiro hoje e
precisei de alguns minutos a sós e ele surtou quando não me viu.
Me chamou para tomar café com ele, foi um pedido tão encantador.
Mas Abby chegou lhe deu presentes algo como um ritual do dia
seguinte – Cuspi as palavras.
– Ela podia ser o sacrifício desse maldito ritual, sério, eu vou
atropelar esse demônio. – Caroline apertou sua xicara em suas
mãos.
– Ela lhe deu um relógio caro, convites para alguma
exposição que eles vão todos os anos, levou seu bolo favorito e não
se limitou a me fazer de invisível. Então calcei meu sapato e vim
para casa.
– Porque? Ela teria que me aguentar – Santana resmungou.
– Eu dormi com ele, passei seu aniversário com ele. Marcus
passa seus aniversários sozinhos há três anos. Ela nunca
conseguiu convencê-lo a deixá-la ficar e foi ele que me pediu para
ficar. Isso já me deixa um pouco melhor. Foi isso que aconteceu,
agora eu preciso ligar para casa.
As notícias que vieram de casa foram agradáveis, teria de
comparecer em Phoenix na próxima semana para uma possível
entrevista. Tentei não pensar o contrário disso e nem mudar um dia
por alguns meses.
A segunda-feira veio tediosa, trabalhei o dobro para
compensar minha futura ausência e preencher o quadro de
presença. E tudo se resumia a voltar para casa, dormir, levantar
cedo, trabalhar e assim consecutivamente durante uma semana.
Sexta à noite recebi uma ligação silenciosa que achei ser Victor,
mas ele não sabia da brincadeira. Uma hora mais tarde o mesmo
número me ligou e dessa vez, ele falou.
– Sou eu. – Falou baixinho.
– Marcus?
– Sim.
Ficamos em silêncio por um tempo, até ele falar novamente.
– Tudo bem?
– Um pouco cansada, e você?
– Trabalhando... em casa um pouco.
Por que me ligou e ficou em silêncio? Pensei em perguntar,
mas talvez já soubesse a resposta.
– Já está deitada?
– Não.
– Te atrapalhei em alguma coisa?
– Também não. – Tentei não hiperventilar. – Quer conversar?
– Quer sair amanhã comigo? – Perguntou de uma vez – Se
não tiver nenhum compromisso.
– Trabalho até as duas, amanhã.
– Isso é um não? – Seu tom pesou.
–Não, isso é um: que horas deseja sair, porque estarei
cheirando a doce provavelmente.
Ouvi sua risada.
– Eu gosto do seu cheiro.
Salva pelo celular ou ele veria meus cinquenta tons de
vermelho.
– Pretendo usar os convites que ganhei.
– Não vai levar Abby? – Era a minha vez de estar surpresa.
– Não.
– Mas ela te deu.
– Não havia nada escrito que eu deveria leva-la por causa
disso. Quero levar você... Pode ser um pouco chato e...
– Se esqueceu dos meus gostos? – Sorri.
– Então você vai gostar.
– Tenho certeza que vou adorar – Tentei diminuir meu sorriso.
Falar com Marcus sem causar uma ameaça de nova guerra
era o ápice da felicidade. Não era pelo gelo que demos um ao outro
que as coisas estavam entrando no lugar. A distância falou por si só,
a realidade pareceu mais clara agora. Não mudaria meus planos até
tudo parecer certo, eu tinha certeza, mas não queria me agarrar a
ela. Ainda não.
– Alguma novidade? – Perguntei apenas para preencher o
silêncio, mesmo gostando de ouvir sua respiração e o som dos
teclados de seu computador do outro lado.
– Eu dormi um pouco durante a semana, isso é bom.
– E a terapia?
– Estou parecendo um homem mais equilibrado agora – Riu –
Estou evoluindo.
– Parabéns.
– Tem mais coisas, mas eu quero contar amanhã... não quero
parecer um idiota sem assunto. Não quero que se canse de mim.
– Não vou.
– Não apostaria isso, quero que deseje me ver muitas vezes.
– Eu sempre vou querer te ver mais vezes Marcus. Não
precisa temer quanto a isso.
Quase conseguia vê-lo mexer a cabeça mecanicamente e
encarar os próprios pés. O sono veio algum tempo depois e com ele
o silêncio, ambos permaneceram com os aparelhos ligados, deixei
no viva-voz e me deitei puxando o cobertor até o pescoço. Ouvindo
sua respiração e o barulho dos teclados, o tempo passou, encarei o
relógio e era quase meia noite quando o ouvi me chamar, mas não
respondi, encarava os números passando e ele falou...
– Boa noite, meu amor.
Agora eu me sentia desintegrar em minha cama embalada
pelo bipe da ligação encerrada. E suas palavras ecoaram em minha
cabeça por toda a noite até o sono chegar novamente. E me
acompanhou no café da manhã, no caminho para o trabalho e tirou
toda minha concentração.
– Cuidado Sara, vai acabar nos falindo passando o troco
errado de novo – Savanna segurou meus ombros – Algum
problema?
– Me desculpe, não há problema nenhum. Só minha cabeça
fora da terra.
– Certo. Deixa que eu cuido disso, pode servir as mesas –
Sorriu – Nosso melhor cliente acabou de chegar – Apontou com a
cabeça o lugar onde ele estava.
Marcus estava sentado no ultimo sofá no fundo do café,
encarava seu cardápio, mas parecia já saber o que queria. Legal, eu
teria que ser uma boa atriz, mesmo sabendo que sou péssima.
– Ele vai pedir torta de morango ou bolo de limão, café forte
com uma pequena colher de açúcar. Nada de adoçante, ele não
gosta.
Assenti.
Passei um tempo na cozinha com seu pedido já pronto até
passar pelas portas duplas e seguir para sua mesa. Seu olhar
deixou o cardápio e quando me viu se aproximar um pequeno
sorriso se formou nos cantos de seus lábios.
– Seu pedido cliente especial. – Falei o servindo.
– Cliente especial?
– É o que dizem por aqui. – Apertei minha bandeja com força.
– Mais alguma coisa?
– Vai comigo a exposição?
– Talvez eu precise passar em casa e...
– Está bonita assim. – Seu olhar me aqueceu. – Também vou
assim.
Sem terno, estava começando a gostar dessa versão mais
casual.
– Tudo bem, tenho mais uma hora e então podemos ir.
– Eu espero. – Falou tranquilamente.
– Espera?
– Se quiser posso ir embora e depois volto.
– Não tem nenhum problema. – O tranquilizei.
Só não conseguiria me concentrar pelo resto de tempo que
tinha. Então adorei quando Savanna me deixou ficar na cozinha.
Vez ou outra o via mexer no celular, comer mais alguma coisa,
seguir para o caixa, falou alguma coisa com Savanna e voltou a seu
lugar. Meu tempo estava acabando quando fui até o banheiro tirar o
uniforme e arrumar o cabelo, bem casual. É, nunca pensei que
amaria tanto roupas casuais.
– Estou pronta – Falei parando ao lado de sua mesa –
Podemos ir agora.
Marcus se levantou tão rápido que me assustou. A todo
instante me via procurando pelo Marcus que passei a maior parte do
meu tempo, ele estava ali em algum lugar, não era tão profundo.
Caminhamos um pouco até seu carro na esquina, durante
todo o percurso ele permanecia com as mãos dentro do bolso do
casaco. Abriu a porta para mim quando chegamos quente,
confortável e com seu perfume. Trocaria minha cama facilmente
para estar em seu carro todos os dias. O vi conferir os convites e
não consegui conter o riso.
Além de dormir com ele, eu também estava indo a um novo
ritual pós-aniversário. Sim, era eu e não ela. Sim, eu vou comemorar
isso. Começamos tendo um pouco do seu gosto musical no carro.
Quando perguntei quem cantava e que eu havia gostado, isso
quase soou como: você me ensinou a ler, e ele se orgulhava disso.
E assim foi uma música atrás da outra, até chegarmos ao
teatro da cidade. Marcus quase segurou minha mão, por um
momento eu pensei que ele o faria. Entregou nossas entradas e
começou a explicar como funcionava tudo. Era algo como, uma
música que daria um quadro ou algo assim. Gostei de uma, eram
várias cores entrelaçadas e duas mãos que tentavam se tocar.
– Another Love, Tom Odell. – Falou se pondo ao lado do
quadro. E sussurrou a música baixinho, apenas para mim.
Tinha uma leve ideia do que o quadro queria dizer. Marcus
gostava disso, podia trabalhar como guia. Ele era bom, apesar de
que tomaria toda a atenção, o que aconteceu algumas vezes
durante nosso trajeto.
– Sério que nunca entrou aqui?
– Sério. Meu mundo era dentro de lojas. Aprendi com o susto
que preciso me manter longe delas por um tempo.
– É só saber racionalizar.
– Isso é facilmente esquecido quando se tem um cartão. Em
breve estarei em um trabalho melhor e já estou fazendo planos para
não sair por aí gastando. Phoenix também tem suas grandes lojas –
Sorri o encarando. Marcus não sorria, sua expressão estava mais
para derrotada. Então me dei conta que havia falado demais.
Droga!
Pensei que tocaria no assunto, mas ele não o fez por hora.
Algum tempo depois voltou a ser meu guia, mantinha agora sua
mão em minhas costas desde o episódio ser-empurrada-por-
estudantes-hormonais. Sentia um choque correr por todo meu corpo
com isso. E foi assim que a hora passou.
– Nunca pensei que passaria tanto tempo aqui – Comentei.
– Não gostou?
– Eu amei, acho que precisava de um pouco de cultura em
mim.
– Posso te passar alguma música. Quer jantar comigo?
Fiz careta.
– Aprendi um espaguete essa manhã.
– Como?
Marcus Foster estava corando.
– Eu pensei que poderia mostrar um pouco do que andei
aprendendo.
– Não vou ter nenhuma intoxicação alimentar? – Abriu minha
porta e se debruçou na janela quando entrei.
– Posso cuidar de você caso tenha.
– Não duvido disso.
Quando chegamos ao apartamento quinze minutos depois, o
vi tirar alguma bagunça do sofá e carregar para o quarto. Foi
engraçado, voltou sem o casaco e seguindo para cozinha. O
observei em silêncio enquanto fazia tudo sozinho em questão de
segundos.
– Então, sobre as novidades que não queria me contar
ontem. Vou poder saber agora? – Encarei suas costas.
– Gostaria de ouvir as suas.
– O de sempre.
– Posso ouvi-las de novo.
– Se é sobre Phoenix, estou viajando em breve. – Despejei.
Suspirou.
– Vai reencontrar seu sol? – Tentou soar divertido, mas havia
uma implicância ali.
– Tenho uma entrevista. Volto na semana seguinte.
– Ansiosa?
Você não quer falar sobre isso. E não, eu não estou muito
ansiosa.
– Eu prometi a mim mesma fazer as coisas direito.
– Não foi isso que perguntei. – Ele tentou soar normal.
– Quer mesmo falar sobre isso? – Perguntei o encarando e
negou.
O silêncio se arrastou de novo, Marcus xingou baixinho
algumas vezes quando deixava a simples colher fazer barulho. Ou
nos menores dos acontecimentos, ele estava frustrado. Não me
mexi quando arrumou a bancada, quando deixou o vinho de lado
pegando suco, me levantei e peguei a garrafa que ele havia
ignorado, só hoje. Comemos em silêncio, maldito silêncio.
– Me desculpe, eu não queria realmente parecer um idiota
curioso. – Pediu.
– Você só fez perguntas. Normal – Bebi um pouco do vinho. –
Na verdade, não são as perguntas, mas como elas soam.
– Eu não sei falar com as pessoas como deveria. Estou
canalizando isso... Só que é difícil.
Me levantei seguindo para o sofá e me afundando nele, não
queria que pensasse que eu estava fugindo e graças a Deus, ele
não pensou assim se sentando a meu lado.
– Tento não pensar muito. Isso piora – Murmurou – Viu como
estrago as coisas, rápido demais?
Neguei.
– Estou parecendo um idiota dramático, mas já teve a
sensação de se assistir perdendo tudo e tendo suas tentativas de
recuperação falha?
Assenti, tive essa mesma sensação.
– Eu fecho os olhos e as imagens do que poderia estar
fazendo vem em minha cabeça. Mas eu tenho a consciência de que
não consigo concretizá-las e não posso reclamar apenas tento
aceitar meus limites.
– Marcus...
– A única certeza que ainda tenho, que me restou é o
sentimento. E o jogo se inverteu, uma hora isso tudo vai passar e
talvez vamos rir disso.
– Marcus...
– Mas eu já sabia que sou toxico Sara, eu sei como dói saber
disso...
– MARCUS! – Gritei. Ele estava a ponto de sufocar – Eu
ainda te amo tá legal? Eu não deveria depois de tudo, mas eu ainda
amo você.
23

Marcus me encarava com uma expressão entre surpreso e


assustado. Enquanto eu esperava que ele dissesse algo, sentindo
todo o sangue pulsar em minha cabeça. Havia jogado todo o plano
pelo ralo, depois que já havia soltado tudo sem a porcaria de um
filtro. Mas se ele sufocava, eu sufocava.
– Está falando sério?
– Estou a tanto tempo falando sério, Marcus. Você não tem
noção. Sabe os planos? Eu fiz alguns para mim, pela primeira vez
na minha vida eu fiz planos e queria realmente segui-los. Mas eu
tenho você ou pelo menos eu acho que tenho. Eu não queria falar,
porque estou cansada de me machucar..., mas isso estava se
tornando impossível a cada dia. Então eu nunca estive falando tão
sério em toda minha vida.
Marcus abriu e fechou a boca algumas vezes como se ainda
estivesse absorvendo minhas palavras, enquanto meu coração batia
em meus ouvidos tão alto que me deixou surda.
– Isso quer dizer... que você me ama mesmo?
Assenti.
– De verdade? – Segurou as mãos atrás de sua cabeça me
olhando nos olhos. Como se minhas palavras não tivessem passado
de uma alucinação.
– Total.
– Então você vai ficar comigo? – Apontou a si mesmo – E
não vai embora?
– Eu disse que te amo.
Me assustei com a velocidade que ele usou para se jogar a
minha frente, suas mãos segurando minha cintura com força. Seu
olhar tão profundo que chegava a me perder.
– Eu estou perguntando se vou estar com você hoje e
sempre... ou se apenas me ama, mas não me quer porque fui um
idiota a maior parte do tempo.
– Eu te amo e sonho todos os dias com você a meu lado. Eu
odeio clichês, mas é isso. Mesmo tendo sido um idiota, eu ainda
estou aqui.
– Isso quer dizer...
– Que não sei o que dizer, além de estar com medo de me
machucar caso você mude de uma hora para outra.
– Eu não vou mudar, eu prometo – Distribuiu beijos por meu
rosto – Eu juro, eu faço qualquer coisa para te provar isso. Tudo o
que me pedir. – Me apertou em seu abraço.
– Não me machuque mais porque você sabe de tudo agora.
Eu te amo desde o primeiro dia que te vi, mesmo sem saber.
Aguentei mais do que eu poderia achar suportar então... lembre-se
disso.
– Eu vou me lembrar, todos os dias – Me beijou – Todo
instante, todo o momento, por favor só fica comigo e esquece esse
Victor.
Sorri.
– Victor é meu amigo.
– Meu também. –Ironizou. –Eu não gosto dele.
Ficamos em silêncio por uma fração de segundos, antes de
levantar seu olhar para me encontrar. Marcus Foster era meu fim.
– Quero que me diga todas as vezes que eu fizer algo errado,
geralmente eu não enxergo as merdas que faço. E eu não quero te
magoar mais, nunca mais. Então não suma como você faz, por
Deus eu tenho vontade de te caçar quando faz isso. Apenas me
diga.
– E o que você vai fazer?
– Tudo o que estiver ao meu alcance para reverter a situação.
– Isso é bom.
– Eu te amo – Sussurrou contra meu pescoço – Venho
querendo te dizer isso a muito tempo. E é tão bom poder fazer isso
de novo.
Afaguei seu cabelo. Se fosse um sonho, gostaria de não
acordar. Ainda tínhamos algumas coisas no caminho, como Abby.
Minha tolerância estava a um passo de explodir, não falaríamos
disso agora.
– Pode ficar essa noite? – Me fitou.
– Não.
– Amanhã, é domingo.
– Eu sei – Sorri – Não vamos com muita sede ao pote.
– Isso é tipo um teste? – Uma ruga se formou em sua testa–
Fique sabendo que me auto testei e não gostei disso. Por favor,
fique. Está me devendo um café da manhã.
Bufei.
– Corremos o risco da sua amiguinha aparecer de novo?
– Não, a essa hora muito provavelmente ela está com raiva
de mim. Pode rir. – Falou.
– Eu não vou mesmo adorando essa situação – O beijei –
Vou ligar pra Santana. Pode engolir esse sorrisinho.
Marcus se sentou a meu lado, entrelaçou nossos dedos e
passou um bom tempo encarando nossas mãos. Tentei ser o mais
breve possível, não era hora de fazer um relatório. Então desliguei e
o encarei, ele abriu o sorriso mais lindo que vi dar nas últimas
semanas.
– Estou me sentindo um adolescente. – Escondeu o rosto em
meu ombro.
– Estou percebendo. Um adolescente hormonal. – Ri.
Sua gargalhada quebrou qualquer vestígio de silêncio, então
minha tolerância a bom comportamento foi para o espaço e me
joguei em seu colo. Era tão bom estar ali e beijá-lo de verdade.
Todos os meus filtros foram puxados para fora de mim depois que o
beijei e dessa vez foi diferente porque ele me beijou.
– Quero te dar uma coisa – Soltou meu lábio e me levantou
com ele.
Marcus apagou as luzes durante o trajeto até o quarto. Antes
de me dar a tal coisa, passei no banheiro e escovei os dentes,
consegui uma escova reserva emprestada. E uma camisa também,
estava me sentindo sufocada de jeans o dia todo.
Ele sorriu.
– Para – Avisei antes de me sentar em sua cama.
– O que foi?
– Está sendo um adolescente hormonal de novo. – Lhe joguei
o travesseio.
– Desculpa. – Passou as mãos pelo cabelo e respirou, ainda
com o sorriso bobo.
Cruzei minhas pernas enquanto o observava entrar em seu
closet, ouvi barulho de zíperes o tempo todo até voltar. Segurava
uma caixa pequena e eu já imaginava o que seria.
– Isto está guardado desde o Natal. Tudo aconteceu rápido
demais e não tive tempo para assimilar. Era para ser um gesto de
amizade, mas eu sabia que nada tinha a ver com amizade. Então
você sumiu – Abriu a caixinha me apresentando um anel.
Era um anel bem caro para ser mais clara.
– Eu quero te dar agora, com um significado totalmente
diferente, quero um compromisso, quero que olhe para ele e saiba
que eu te amo de verdade. Ele está cansado de ficar nessa caixinha
– Sorriu o tirando de lá – Posso?
Agora eu parecia uma adolescente apaixonada. Estendi a
mão esperando ver em que dedo ele colocaria. Então lá estava ele,
um compromisso sério.
– Quer namorar comigo? – Perguntou sério.
– Você devia fazer o pedido primeiro, colocar o anel depois.
Me puxou para seu colo.
– Você poderia dizer não. – Me roubou um beijo.
– Quando vamos contar a sua família?
– Nora não para de encher o saco, podemos ir amanhã fazer
uma visita surpresa.
– Volte a se aproximar da Leslie, ela sente sua falta.
Marcus beijou meu cabelo.
– Foi ela que me fez ir atrás de você e ir as sessões também.
Estamos indo bem.
– Ela sabe?
– Agora sabe.
Passamos o resto da noite conversando, Marcus era outra
pessoa, sem sombras. Sem arrogância ou qualquer coisa que
cheguei a repudiar em suas atitudes. As vezes ele ficava me
encarando, então sorria quando era pego de surpresa ou mexia em
meu cabelo ou me beijava sem avisos. Não passaríamos disso essa
noite, eu queria aproveitar cada segundo dessa nova existência
antes de sair da bolha da inocência. Queria mostrar que poderíamos
nos amar de maneira simples.
– Está dormindo? – Sussurrou contra minha cabeça.
– Não.
– Posso fazer uma pergunta? – Seus dedos afagaram minha
cintura.
– Pode.
– Me leva pra Phoenix com você?
Me afastei o encarando, estava tentando não rir.
– Não. – Menti.
– Por que não?
– Vou ficar nervosa.
– Juro que não faço nada.
– Vou pensar no seu caso – Segurou meu rosto antes que eu
pudesse me virar se jogando em cima de mim.
– Pensa agora.
– Não. – Tentei tira-lo de cima de mim.
Beijou meu pescoço.
– Não vou deixá-la dormir enquanto não me der uma
resposta.
– Se eu disser não?
– Não vou mentir, vou atrás de você mesmo de longe.
O encarei.
– Eu falei que eu não ia mentir.
– Tá legal e se eu disser sim?
– Vou ser o homem mais feliz dessa noite.
– Tá, eu deixo você ir, mas com uma condição.
– Todas as condições que me impor.
– Você vai se comportar quando conhecer meus amigos.
– Victor e eu já somos amigos. – Fez uma careta.
Gargalhei.
– Já pode parar de ser falso.
Me beijou.
– Não estou sendo falso, sou legal com os amigos da minha
mulher.
– Sua mulher.
– Minha e que nessa noite não vai conseguir me deixar
dormir – Segurou meu rosto – pois essa noite, eu não quero dormir
– Beijou meu ombro – Só quando nos cansarmos e que se dane o
primeiro dia. Vamos pular para a primeira noite.
Então essa era a primeira manhã que eu verdadeiramente
acordava ao lado de Marcus Foster e me sentia bem com isso. Me
sentia na Disney dos adultos e ele havia sido meu brinquedo
preferido durante toda a noite, pensei de quantas maneiras Abby
tentaria se matar depois que soubesse disso tudo e isso me
agradava.
– Vai ficar me encarando mesmo?
– Desculpa. Estou apenas tentando não acordar.
Marcus pressionou os lábios em minha testa e afagou meu
cabelo.
– Isso não é um sonho, certo? Você está comigo e vai estar
por pelo menos, para sempre.
– Gostei disso.
– Eu tomei um banho enquanto você dormia. Já fiz seu café
da manhã e se não se importa atendi seu celular. Era Caroline.
Claro, Caroline acabou de anunciar no The New York Times a
essa hora. Marcus deixou uma toalha para mim ao lado da dele,
assim como a escova de dente da noite passada e seu chinelo que
no meu pé não ficava diferente de uma prancha de surfe.
Marcus me esperava na cozinha quando voltei. Acho que ele
nunca havia feito uma mesa para dois antes, mas não comentei a
respeito, me sentei a seu lado e tomamos nosso primeiro café da
manhã sem clima pesado, xingamento na ponta da língua, tensão e
tantas outras sensações negativas que costumavam nos
acompanhar.
O ajudei na limpeza assim que terminamos o café, precisava
passar em casa tomar outro banho e me arrumar para rever a
família Foster. Ele estava bem mais animado do que eu, era como
se estivesse levando a primeira namorada para a família conhecer.
Eu sabia que assim que pisasse em meu apartamento Caroline se
jogaria a minha frente e me obrigaria a dar detalhes. Isso seria fácil
se Marcus não estivesse indo também. Achei melhor avisar Santana
para controla-la.
– Não se assuste, elas não mordem.
– Está com medo de deixarem escapar algum segredo?
– Não – Segurei sua mão o levando para o elevador. Marcus
era o primeiro cara sóbrio que eu levava ali e de dia.
Ignorei a vizinha do apartamento da frente quando sorriu
sugestiva a ele, então usei minha chave para abrir a porta ao invés
de tocar a campainha. Não queria uma surpresa na porta. Santana
atravessava o corredor e Caroline estava enrolada no cobertor com
um pote de pipoca e provavelmente um minúsculo pijama. Assistia
Friends – de novo – e em tempo recorde ela soltou tudo e se pôs de
pé o sorriso rasgando seu rosto.
– Santana – Gritou Caroline –Temos visitas.
Marcus abriu um sorriso divertido.
– Não vou fazer apresentações – Avisei.
– Não precisa, já nos conhecemos mesmo – Falou ainda com
o mesmo sorriso. Santana apareceu pouco depois.
– Olá, Marcus.
– Olá.
– Caroline você ia me ajudar com aquelas roupas... –
Santana a chamou.
– Não ia não. Vocês não precisam me tratar como se eu
fosse agir como uma idiota – Nos encarou.
– Você sempre age como uma. – Santana murmurou.
– Tudo bem Santana, Caroline vai se comportar. Não vai?
– Vou.
Encarei Marcus e o beijei.
– Não demoro, não acredite em tudo o que ela diz e não se
preocupe Caroline é inofensiva.
– De idiota a cachorro. Muito obrigada, eu ainda estou aqui.
Beijei seu cabelo antes de seguir Santana até o quarto. Ela
me encarou depois que fechei a porta, não consegui esconder o
mesmo sorriso que Caroline havia feito na sala. Estava tão feliz que
chegava a ser ridículo, mas eu estava.
– Então era só um passeio e você passa a noite na casa
dele. Vocês...
Estendi a mão mostrando o anel, Santana fez um perfeito O
com os lábios pequenos. Geralmente guardava suas emoções para
ela.
– Vocês...
– Estamos namorando e eu sei que parece loucura, que
aconteceu muito rápido, mas... eu o amo. Ele foi tão perfeito e acho
que ainda estou sonhando.
– E Phoenix?
– Vou leva-lo – Sorri – Depois de uma chantagem emocional
e como ele é bom nisso. – Abri meu guarda-roupa – Vamos a casa
dos pais dele. Acho que está na hora de ser oficialmente a nova
Foster.
– Ele realmente a esqueceu?
A encarei.
– Acha que iria tão longe se não tivesse essa certeza? –
Santana suspirou me puxando para um abraço.
– Fico muito feliz por você, garota. Sempre que precisar
estaremos aqui, sabe, ombro amigo.
– Obrigada, eu tenho certeza que esse é o melhor lugar que
vou saber procurar. Agora me ajuda com uma roupa antes que
Caroline o pire na sala.
Em vinte minutos já estava pronta, Caroline gargalhava
escandalosamente na sala e de alguma maneira isso divertia
Marcus. Definitivamente ele não era mais o cara que conheci, ele
estava sorrindo. E não era forçado e ele ficava lindo relaxado.
– Estou pronta – Avisei – Do que estão rindo?
– Segredo – Caroline piscou.
– Eu tenho medo disso – Segurei a mão de Marcus – Então
não quero saber por ora.
– Você está linda.
– Isso é tão...
– Cala a boca Caroline – Puxei Marcus para a porta.
Ele ainda sorria quando entramos no elevador, seus braços
me envolvendo em um abraço perfeito.
– O que vai dizer a eles quando chegarmos lá? – Perguntei
quando entramos no carro.
– Que somos namorados e que agora é oficial.
– Eles vão acreditar?
– Isso não é uma farsa – Beijou minha bochecha – Eles vão
acreditar querendo ou não.
Marcus cantarolou uma música animada até o outro lado da
cidade, sempre tocando minha mão ou sorrindo de lado. Tudo ainda
parecia um sonho, ele estava ali e estava comigo. Ele disse que me
ama e quer ficar comigo. Ele estava bem, eu poderia aguentar numa
boa toda essa realidade.
Podia sentir seu coração batendo rápido depois que
quebramos o abraço, quando deixamos a garagem da casa de seus
pais tempo depois. Ele também estava nervoso o que já me deixava
um pouco melhor.
– Nora vai surtar – Avisei.
– Ela vai te roubar o resto do dia.
– Não se você não deixar. – Pisquei.
– Você sabe que vou perder para ela – Beijou meu cabelo –
Ela gosta de você. E acredite, a Leslie também.
– Estão todos aqui?
– É dia de almoço em família. Então todos vão estar.
Marcus me contou um pouco do que Caroline disse e percebi
que era mais para quebrar o nervoso. Ele me encarou antes de
tocar a campainha.
– Marcus e Sara? – Seu pai estava surpreso.
– Oi pai – Marcus me puxou para dentro.
– Que surpresa boa, seja bem-vinda de volta Sara.
– Obrigada, Tony.
– Vocês estão...
– Calma, vou anunciar a família toda. – Marcus o parou.
Ganhamos olhares engraçados, seja pela forma como
Marcus sorria ou pela sua mão na minha.
– Sara – Nora me sufocou – Vocês...
Marcus me puxou.
– Estamos namorando e agora é oficial. Sara e eu nos
resolvemos e estamos juntos – Marcus parecia sem jeito, seu
sorriso era envergonhado – Eu a amo.
– Isso é sério? – Nora perguntou.
– É – Falei – Agora é realmente algo sério – Encarei Marcus.
– Isso quer dizer que temos que comemorar! – Nora gritou.
Agora todos pareciam saber que o antigo namoro era uma
farsa. Na verdade, todos sempre souberam e mesmo assim, de
alguma maneira gostavam de mim a ponto de não me chutarem de
suas casas. Marcus não me soltou em nenhum momento. Talvez
isso me incomodasse se fosse com outra pessoa, mas era ele e
estar com ele parecia o certo. Nos perdemos em alguns assuntos
quando esquecíamos de todos e apenas nos encarávamos e
sorriamos um ao outro. Uma alegria sufocante me atingia todas as
vezes que eu respirava fundo.
Eu devia ter ajudado Sandra e as meninas, mas não movi um
músculo. Enquanto Tony e os rapazes conversavam, Marcus
sussurrava alguma coisa em meu ouvido e assim retornávamos o
nosso assunto. Até a hora do almoço, não havíamos feito nada,
além de nos comunicar. Marcus anunciou que viajaria comigo e
pareceu que eu havia feito o convite, afinal é claro que ele não diria
que chorou para me seguir.
Ficamos para a sobremesa e tive um tempo com Leslie, o
único tempo permitido sem Marcus. Leslie é o tipo de mulher que
não enrola no que quer falar e não fica para escutar o que não lhe
agrada, isso pode fazer com que pareça uma pessoa ignorante, mas
eu prezo essas qualidades e para mim ela é incrivelmente
encantadora. Era grata por eu ter trago Marcus de volta, não queria
esse rótulo, mas eu o tinha agora.
– Acho que eu preciso dormir em casa essa noite. Amanhã
eu levanto cedo – Avisei quando entramos no carro.
– Posso te levar amanhã.
– Marcus.
Fez uma careta.
– Garanto que é melhor dormir comigo do que ouvindo
Caroline.
– Você tem toda razão, mas Caroline eu posso parar. Você
não.
Sorriu beijando minha bochecha.
– Tem certeza que não quer dormir comigo essa noite? –
Perguntou desafiadoramente.
– Não vamos dormir.
– Por que acha isso?
– Marcus. – O encarei.
– Podemos conversar até pegar no sono. Eu também
trabalho amanhã, te deixo no café e vou para o trabalho. Eu
prometo.
– Eu não confio em você.
– Estou dando a minha palavra.
– Se você não dormir eu pego o primeiro táxi para casa –
Avisei e ele riu.
– Eu sei que você também não quer dormir – Murmurou.
– Eu ouvi isso.
Estar de volta ao apartamento de Marcus era como estar em
casa, o que era estranho. Ainda eram nove da noite, não estava
com sono e como não queria tentar dormir, Marcus me mandou
escolher um filme e levar para o quarto. Ele aprontava na cozinha,
porque era a única coisa que ele sabia fazer em uma cozinha.
Quando voltei, trazia uma bandeja com morango, vinho e uma
pequena travessa de chocolate. E aquele sorriso tentando me
agradar estava lá de novo.
– O que é isso?
– Estou te agradando.
Sorri.
– Está conseguindo. O que mais irá fazer para me agradar? –
Perguntei enquanto me afastava e ele se sentava atrás de mim.
Depositou um beijo em minha nuca.
– O que mais você quiser que eu faça.
– São tantas coisas – Brinquei.
– A primeira e mais importante. – Beijou minha nuca.
– Me faça mais feliz do que estou. Porque isso ainda parece
um sonho.
– Mas não é – Me apertou – E essa frase é minha.
Sorri.
– Vou me esforçar e fazer o impossível para provar todos os
dias que o que sinto é mais que amor. E isso vai durar por muito
tempo, até você querer ser a senhora Foster.
– E você quer que eu seja?
– Não quero te assustar..., mas eu quero e muito. Você não
devia ter me feito dizer isso agora. – Resmungou.
Me virei para fita-lo e havia um certo medo em seus olhos.
– Sara Malvin Foster, soa bem.
Sorri.
– Não brinca com isso.
– Não estou brincando nem assustada por estar ouvindo isso
cedo demais, estou surpresa apenas por você pensar assim.
– Eu me achei incapaz de amar outra pessoa nessa vida e
sei o quão ruim o outro lado disso tem. Mas estou me arriscando e
abrindo mão da minha sanidade de vez porque só o fato de você
não ser totalmente minha ainda me deixa frustrado e um tanto
paranoico. Eu estou com medo de amanhã você simplesmente não
me querer e me mandar sumir como fez em seu apartamento.
Aquilo doeu demais, porque você consegue ser a droga de uma
ditadora quando quer. Eu aceito isso de qualquer outra pessoa
porque não iria doer, mas eu estou completamente apaixonado por
você e isso dói. – Eu me sentia tão viva. Tão vitoriosa e triunfante
enquanto esmagava meus lábios aos dele de forma ardente e
pressionava seu rosto mais ao meu. – Você vai ser o meu fim.
– Não – Segurei seus cabelos – Sou o começo.
24

Avisei minha mãe que chegaria em dois dias. Ela estava


ansiosa. Marcus me obrigou a passar com ele os dias antes de
viajarmos, mas como eu precisava voltar para casa, nos
encontrávamos sempre que eu deixava o trabalho. Passávamos
duas horas jogando conversa fora até eu ter que voltar. Estava
sendo a melhor semana da minha vida e quando as coisas iam bem
elas me assustavam.
– O que foi Sara? – Caroline se sentou a meu lado – Por que
está com essa cara?
– Não é nada.
– Com certeza é, pode me contar, sabe que não vou sair
daqui até me contar.
– Só estou absorvendo as coisas, é meio estranho.
– Não é estranho, é só bom. – Suspirou.
– Isso é o que assusta. As coisas estão bem.
– A cobra já sabe?
Assenti.
– E?
– Ela não fala com Marcus desde então e ele não se importa.
Pelo menos ele diz isso, mas... eles foram confidentes por todo esse
tempo. Acha que ele não se importa?
– Eu me importaria, então eu acho que ele se importa. Eu
pensaria que não gostaria das coisas desse jeito, acho que pensa
igual. Mas ele te ama e te escolheu, então ele não vai tentar mudar
isso, relaxa, ele te ama.
– Eu não duvido. Eu só não confio nela, o que é alguns
meses comparado a todos esses anos?
– Sara isso não muda nada. Agora sorria, hoje é o nosso dia
antes dele te arrastar daqui e vocês sumirem.
Santana pediu pizza e passamos a tarde assistindo nosso
seriado favorito. Passamos o tempo perdido juntas, rindo de
conversas que já havíamos nos esquecidos. E me lembrei de como
era bom estar com elas. Não queria pensar que em algum momento
as deixaria, seja por Marcus ou por um emprego em outro estado.
Uma hora eu as deixaria.
– Por que está chorando Sara?
– Ah droga – Funguei – Eu amo vocês, não se esqueçam
disso.
– Isso jamais, nós te amamos também – Santana me puxou
para o seu colo – Você sendo só a Malvin ou a futura senhora
Foster, descontrolada e cabeça oca.
Caroline me abraçou.
– Você pode nos deixar, se sua casa tiver piscina...
– Caroline. – Santana empurrou sua cabeça.
– Só para garantir. – Ela riu.
Eu sentiria falta disso. Sentiria falta do filtro de Caroline, da
ordem de Santana. De casa. Minha mala estava pronta, deixei uma
mensagem ao Marcus antes de ir para a cama. E não consegui
dormir pelas duas horas seguintes, já estava sentindo a sua falta.
Acordei com Caroline falando ao celular, eu não ia trabalhar
então fingi estar dormindo, elas entraram em meu quarto
depositando um beijo em meu cabelo me xingando carinhosamente.
Precisei arrumar alguma coisa para fazer a tarde, Marcus estava
trabalhando então não apostava em uma ligação mesmo ele não
tendo respondido minha mensagem da noite anterior.
– Vamos lá Sara, mantenha a calma.
As quatro horas mandei outra mensagem e ele me respondeu
com um: Te ligo o mais rápido que conseguir. E ele não ligou. Então
liguei para Nora como quem não quer nada e tudo parecia estar
bem, mas horas mais tarde eu já não conseguia fingir que estava
tudo bem. Santana foi a primeira a chegar, eu conseguia disfarçar
meus problemas com ela. Com Caroline era diferente então acabei
contando.
– Acha que aconteceu alguma coisa? – Perguntou com seus
enormes olhos curiosos.
– Eu não sei. Ele me pegaria as oito e já são quase dez. Eu
não vou ligar nem o encher de mensagens. Ele terá de dar sinal até
amanhã de manhã, nosso voo sai as nove.
– Quer que eu ligue? – Caroline estava com a expressão que
não me deixava calma.
– Dessa vez eu não me importo que faça isso.
Fiquei a seu lado apenas observando suas feições mudarem
enquanto chamava. Depois do alô, sua expressão ficou pior do que
estava minuto antes e se passaram três minutos até ela dizer: Pede
para ele ligar o mais rápido possível. Era o celular dele e pelo que
conhecia de Marcus ele não deixaria ninguém mexer nele.
– E? – Perguntei expectativa queimando meu estomago.
– Marcus estava ocupado. – Fez uma careta encarando o
telefone em sua mão.
– Quem era?
– Não falou o nome, mas era mulher. – Me encarou.
– E o que ela disse?
– Que ele estava no hospital porquê... a Abby precisava dele.
Eu não entendi a mulher não queria falar comigo. – Caroline estava
chateada.
– Marcus no hospital? Com a Abby? – Oh não!
– É.
Respirei fundo.
– Eu não quero parecer louca, nem controladora, mas eu
preciso ligar de novo – Tomei o telefone de sua mão e disquei os
números. Fiz isso umas dez vezes e depois de deixar duas
mensagens na caixa postal, desligaram o celular.
Passei o resto da noite repetindo a procissão de ligar e ligar,
até ouvir a mesma mensagem, uma saudação eletrônica de deixe o
seu recado.
– Você devia tentar dormir – Santana se deitou a meu lado –
Deve ter acontecido alguma coisa grave, eles eram amigos lembra?
– Nada justifica Santana, um dia inteiro? Nossa viagem é
amanhã. E agora ele desligou o telefone.
– Ele pode aparecer aqui cedo, vai dar tudo certo. Seu celular
pode ter descarregado.
– Sabe, eu estava com medo disso... – Admiti.
– Não Sara! Por favor, não. Vimos Marcus Foster vegetar por
atenção ele não faria nada desse tipo que você está pensando. –
Me encarou.
Minha cabeça estava doendo.
– Tenho medo que ele se esqueça das promessas que fez.
– Ele não esqueceu.
– Eu conheço aquela mulher, alguma ela aprontou.
– Pode ser, mas eu tenho certeza que ele vai estar aqui
amanhã.
Era inútil, mas tentei mais algumas vezes mandar uma
mensagem, acabei dormindo e acordando com o alarme avisando
que era a hora de levantar. Me permiti chorar depois que tentei mais
uma vez seu celular e chamou até cair na caixa postal. Ele teve a
ousadia de colocar o celular para carregar ou liga-lo novamente, ver
milhares de mensagens e não retornar nenhuma ligação. Então eu
não estava tão errada assim. Caroline me ajudou com as malas,
dessa vez eu queria ver sua empolgação e suas palavras positivas,
mas até ela percebeu que as coisas estavam ruins.
Até Caroline!
– Eu vou tentar de novo e ...
– Não precisa, tenho meia hora para pegar o voo.
– Tudo bem, sua mala já está no carro.
Tentei segurar o soluço, mas escapou.
– Oh Sara, o Foster é um homem morto – Me abraçou.
– Eu não quero chorar – Resmunguei.
– Não chore porque não vale a pena.
Santana avisou da hora e tentei uma última vez e chamou,
chamou, chamou. Caixa postal. Era hora de ir. Tentei desligar meu
cérebro, tentei não pensar em nada até que me fosse permitido
surtar. Fingi não estar doendo, estava ficando boa nisso, levando
em conta que esperava tudo. Meu voo saiu dez minutos depois que
cheguei e até Ville seria rápido, enrolaria minha mãe e tentaria
arrumar um lugar para ficar em Phoenix, era só uma parada rápida.
Mike me buscou como combinado, ele sabia preencher bem
o silêncio que nos levou até minha casa. Mamãe me esperava na
soleira com um sorriso enorme. Acho que me preparei para tudo
menos para dar uma desculpa pela surpresa que não viria.
– Você chegou – Me abraçou – E então, como foi a viagem?
– Segurou meu rosto me estudando.
– Foi cansativa, preciso de um banho e um remédio para dor
de cabeça.
– Aconteceu alguma coisa? – Perguntou me estudando.
Neguei empurrando a porta e soltando minha mala no sofá.
– Tem certeza? – Me seguiu.
– Sim.
– E a surpresa que nos daria? – Seu sorriso estava lá
novamente. Ela não havia entendido a surpresa... ufa...
– Bom, eu vou para a entrevista – Engoli o nó em minha
garganta – E mesmo que eu não passe, eu vou ficar aqui até
conseguir outra coisa.
Ela estava entre surpresa e confusa.
– Você tem certeza?
Não. Minha mãe estava feliz. Feliz de um jeito que começou
a me deixar feliz também, com o tempo ela saberia que eu não
estava. Mas precisamos lidar com as dores da vida.
– Foi a melhor surpresa de todas Sara.
Tinha certeza que não, mas ela não precisava saber.
25

Minha mãe passou a me investigar. Foi fácil sorrir para o meu


pai e ele acreditar que eu estava bem, mas com minha mãe era bem
mais difícil. Passei então a maior parte do dia com Mike. Victor me
pegou no dia seguinte, ele queria me apresentar uma pessoa. Uma
pessoa de um metro com os traços mais lindos que já pude ver em
uma criança. Mais tarde conheci a mãe, Victor estava feliz, elas
estavam de volta.
Voltar para casa não era bem o que queria, mas também não
estava a fim de me aventurar no centro da cidade. Jantei com meus
pais e falei o mínimo possível, sempre que mamãe começava seus
assuntos eu me esquivava. No dia seguinte meus olhos inchados
mostravam o quanto passei a noite em claro. Passei a trocar e-mails
com Santana e Caroline, eram dez por segundos todos os dias
esperando que alguma delas me desse a notícia do tipo: ele está
procurando você, mas nada disso era dito.
Na sexta fui até Ville para a entrevista e passei as duas horas
seguintes em uma sala de espera. Estava em um daqueles
momentos onde minha bipolaridade estava em crise. Eu não sabia
se realmente queria estar ali, se queria estar em Phoenix, se queria
– provavelmente – morar perto dos meus pais. Senti a falta de
afogar minhas tristezas sem responsabilidade alguma em uma loja.
Não usar o cérebro e ter como única paixão uma placa de
liquidação. Mas aprendi com meus erros e não consigo mais, nem
mesmo querendo. Meu pai me buscou, fez perguntas automáticas,
mas me assustou quando paramos a duas quadras de casa.
– Certo, quem foi? – Desligou o rádio.
– Como?
– Quem era o cara que você ia trazer? – Coçou o bigode e
tentou não parecer um cara pronto para atirar.
– Ninguém. – Menti encarando a rua.
Bufou apoiando as mãos no volante, ele fazia muito disso
quando estava sem paciência.
– Sua mãe está a um ponto de pagar um investigador.
Sabemos que não está bem Sara, está mostrando isso e só você
acha que está escondendo alguma coisa – Respirou fundo – Eu
sempre tive medo dessa parte de ser pai de uma garota. Talvez
agora entenda o porquê de não ter gostado que você fosse embora,
ao mesmo tempo em que queria deixá-la ir para não ter que passar
pelas partes difíceis. É fácil, eu acho, se sentar com um garoto e
falar de garotas. O que ele deve saber, o que não deve fazer, dar
conselhos baseados em mim, mas você é uma garota e mulheres
por si só já nascem sensíveis. Mesmo forte você sempre foi sem
filtro, Malvin. Não puxou sua mãe e muito menos a mim, seu avô
dizia que você daria um belo problema – Sorriu– Lembra quando
roubou meu carro dizendo que ia a Paris? Você só tinha treze anos.
Sempre precisamos controla-la em tudo e hoje eu não me importo
que você entre em uma loja e ataque tudo o que ver pela frente com
todo o seu exagero que conheço desde que nasceu. Meu maior
medo era de que seu descontrole estivesse aqui – Tocou meu
coração – Porque esse eu não posso controlar, nem sua mãe. Então
eu prefiro vê-la sofrer por um cartão de crédito do que por um idiota
que provavelmente não sabe que sei atirar.
Sorri em meio as lágrimas.
– Isso é demais para mim e eu queria ter os melhores
conselhos que um pai possa dar, mas eu estou assustado com tudo
isso, você veio para dar diversão à minha vida. Sara Malvin é como
minha montanha russa, sempre vai me deixar com aquele frio na
barriga mesmo quando nada acontecer. Eu sempre vou me
preocupar com você Sara, então não precisa me esconder nada.
Posso enrolar sua mãe depois.
– Obrigada pai, eu só estou tentando acertar dessa vez.
– Eu também posso acertar o idiota sem problemas – Me
abraçou– Só não quero que magoe a minha filha.
– Eu aceitaria, mas como o amo não quero que o mate. Você
fez essa proposta um pouco tarde demais – Sorri.
– Mas já sabe, quando precisar.
Consegui passar pelo olhar de minha mãe direto para o
quarto, tomei um longo banho para aliviar a dor de cabeça. Acabei
pegando no sono e acordando para o jantar, meu celular estava
desligado desde que havia chegado e para não ter que chorar na
mesa, eu preferi deixar para liga-lo depois do jantar.
– Vamos passar o fim de semana na casa do lago com o
Tom.
– Eu não vou. – Falei encarando meu prato meio cheio.
– Sara...
– Deixe, ela – Meu pai piscou para mim – Ela precisa se
concentrar na entrevista que teve.
– Mas se distrair seria bom, Mike e os meninos vão estar lá.
– Obrigada mãe, mas quero ficar em casa. Papai tem razão,
vão se divertir eu posso ser chamada a qualquer momento – O que
era uma mentira – Quando vão? – Tentei parecer empolgada.
– Amanhã à tarde, mas deixá-la uma semana sozinha não é
uma boa ideia John. – Mamãe o encarou.
– Ela já é bem grandinha e sabe atirar.
– É mãe, eu sei atirar. – Talvez eu atire na minha própria
cabeça, não se preocupe.
Ajudei na louça e preenchi o máximo de tempo que tinha
antes de voltar ao quarto, então foi a hora de me torturar ligando o
celular e esperando para ver se meu sumiço de quase duas
semanas havia dado efeito. O encarei em cima da cômoda piscando
por quase cinco minutos antes de se apagar e me arrastar até ele
para pegá-lo. Havia algumas mensagens de Santana e Caroline
antes do contato por e-mail e várias mensagens de Marcus. Pensar
nelas me doía mais do que achei possível, mas me mantive calma e
li a maioria e ouvi algumas.
“Sara, por Deus onde você está? Eu estou feito louco atrás
do endereço dos seus pais, mas você o levou. Eu sei que está
magoada e irritada comigo que acha que quebrei minhas
promessas, mas eu preciso falar com você. Me explicar...”

...

“Sara, tem dois dias que não te vejo e você não me


responde. Eu sei que está com raiva de mim, mas por favor me diga
onde está ou rodo Phoenix inteira até te achar...”

...

“Certo, cinco dias é muito tempo. Eu preciso de você, preciso


que me diga onde está e eu não vou me explicar por telefone. Eu
juro que tentei pegar nosso voo, mas cheguei tarde desde então
estou tentando contato. Me ligue.”

...

“Aconteceu umas coisas, graves e eu não pude falar naquela


hora. Eu pedi para Eleonor responder por mim, mas ela não fez isso
e eu não sei o porquê. Mas isso não importa mais, eu preciso
apenas que me ouça.”

...

Outra mensagem chegou pouco depois:


“Quando eu disse que nunca a magoaria, eu falei sério.
Quando eu disse que te amava, nunca falei tão sério na minha vida
nos últimos anos. Jamais pense que brinquei com seus sentimentos,
porque não fiz isso, talvez nada justifique e nem seja tão importante
assim para você o que aconteceu, mas foi para mim. Só quero que
saiba que eu te amo e que não vou desistir até que me diga onde
está.”

...

Como já imaginava não preguei os olhos a noite toda, acordei


com meus pais discutindo sobre o que levar para a semana na casa
do lago. Tentei não me envolver, apenas os observava indo de um
lado a outro.
As duas, Mike estava na porta de casa esperando sua carona
e mais uma vez precisei mentir meus motivos para não ir. Eu não
queria ter que fingir que estava animada, eu não estava me privando
de diversão apenas não havia clima para isso. Liguei para Santana
e ele esteve lá, isso me deixava feliz, porém não muito. Ele estava
com ela.
O dia estava escuro quando acordei e já era quase meio dia.
Subi para um banho rápido e voltei com batidas na porta e a voz
que ouvi me pegou de surpresa. Kate? Kate parecia ter um ódio
incrível por mim.
– Pode ser mais rápida, está chovendo – Gritou. Saltei os
últimos dois degraus e corri para a porta. Como sempre ela estava
com aquele sorriso amargo – Ainda bem, sua mãe mandou avisar
que deixou o dinheiro para o caso de querer comprar alguma coisa
no armário e esse cara está procurando por você. – Apontou.
Dei um passo para a frente encarando Marcus encostado na
porta.
– Não tenho mais nada para fazer aqui. Tchau. – Kate fingiu
um sorriso nos deixando.
Acho que não ouvi as últimas palavras que disse desde que
havia visto Marcus parado em minha porta. Havia gelo em meu
sangue e uma sensação de estar sufocando. Despertei com o som
da moto de Kate que se afastava.
– Oi.
– O que está fazendo aqui? – Perguntei, mas tudo o que tive
como resposta foi Marcus me beijando.
Minhas costas bateram contra parede enquanto sentia seus
lábios nos meus. O que parecia ser a única coisa que me salvaria
no momento. A falta que senti por todo esse tempo longe sumiu e
por alguns segundos esqueci todo o meu ódio. Até empurrá-lo.
– O que está fazendo? Que droga Marcus! Vai embora. –
Mantenha sua mente, querida. Não caia nessa!
– Eu não vou a lugar nenhum enquanto não me ouvir.
– Eu não quero te ouvir. Já se esqueceu tudo o que eu disse?
Acha que eu sou alguma idiota que você vai fazer de boba!? – Não
chore, enfrente isso de cabeça erguida. Não foque no olhar dele.
Não faça isso!
– Não, você não é idiota e eu não me esqueci de nada do
que disse.
– Então por que está aqui?
– Porque eu te amo e preciso explicar o que houve naquele
dia. – Segurou as mãos atrás da nuca.
– Quer saber da novidade? Eu não quero ouvir, seja lá o que
for. Porque eu esperei por respostas e você não deu a mínima para
as minhas perguntas.
– Eu estava no hospital.
– Que se dane...
– O pai da Abby morreu! – Gritou. – Eu estava com ele e
precisei esperar Abby aparecer, foi tudo muito rápido e ninguém
sabia onde ela estava. Eleonor apareceu e discutimos por causa da
Abby. Eu disse que não tínhamos nada, portanto não era minha
culpa ela ter sumido, eu fiquei sozinho com ele no hospital sem
minhas coisas que estavam com Eleonor, era ela que estava com
meu celular. Tá, eu sei que deviria estar comigo, mas já esteve em
um hospital antes com um homem que você conviveu por muito
tempo morrendo na sua frente? Eu dirigi até o hospital com ele
desmaiado no banco de trás e precisei carrega-lo até dentro do
hospital. Estive com ele por três horas até ele morrer e Abby só foi
aparecer horas mais tarde. Eu não deixei o hospital até o dia
seguinte, avisei aos meus pais e eles foram para lá. Eu disse que
íamos viajar e que tinha que voltar para casa. Eu fui para casa e me
lembrei que deixei minhas coisas com Eleonor e ela não estava
mais no hospital. Só consegui meu celular quando voltei para casa
depois de perder o voo. Eu não respiro desde então, se não acredita
liga para minha mãe, para qualquer um, para o hospital. – Se
abaixou ficando a minha altura. – Por favor.
– Você está mentindo. – Um soluço.
– Por Deus, Sara! Acha que inventaria uma coisa séria
assim?
– Eleonor disse que você estava com a Abby. – Falei.
– Eu não estava com ela, estava resolvendo as coisas para
ela. Eleonor adoraria ajudar a prima te magoando. – Marcus estava
se esforçando.
– Se lembrou de mim nesse meio tempo?
– O tempo todo. Eu pensei que Eleonor tinha dado o recado.
Eu dei um voto de confiança a ela e ela fez tudo errado.
– Dado o recado, ela não deu. Ninguém deu porcaria de
recado nenhum. Eu tomei minhas decisões depois disso.
– Que decisões Sara?
Engoli o nó.
– Vou ficar em aqui mesmo que eu não passe nessa
entrevista. Eu vou ficar.
– Eu também vou. – Se levantou.
– Não. Você vai voltar, vai decidir o que quer para você.
– Eu já decidi, eu quero você e será você. Nem que para isso
eu precise sequestra-la e fazê-la entender que minha vida não será
mais a mesma sem você. Que nas últimas semanas eu não sei o
que é respirar. As vezes fazemos o certo para uns e esquecemos
que o certo do hoje pode ser o errado de amanhã. Se você precisa
de um tempo para entender ou aceitar, eu vou aceitar. Eu te dou
esse tempo, eu vou embora e vou te esperar. Só não demora muito
para entender que eu te amo e que não fiz nada por maldade, por
amar outra pessoa ou por não te amar. Porque eu te amo, não se
esqueça disso. Tudo bem para você?
Todo meu corpo estava temendo. Uma parte de mim queria
gritar e bater nele por ter me tornado uma pessoa medrosa.
– Eu não quero tempo Marcus – Agarrei sua camisa para não
ir ao chão – Eu sei o que sinto e droga eu te amo demais. Você não
tem ideia do que pensei durante todo esse tempo, eu estou com
muita raiva de você muita, mesmo. Mas eu te amo e eu não quero
que vá, mesmo com raiva eu te amo seu maldito desgraçado – Me
agarrei a ele como um bote salva vidas.
Estar nos braços de Marcus era o lugar mais perfeito do
mundo, chegava a doer pensar em deixá-lo passar por aquela porta
e ao mesmo tempo parecia ser o certo a fazer até eu conseguir
assimilar tudo. O pai da Abby havia falecido e ele não ficou com ela,
isto é uma prova de que ele me ama e quer estar comigo. Ele está
aqui comigo.
– Casa comigo – Sussurrou contra minha boca – Agora.
– Marcus...
– Esse é o único jeito de não deixá-la fugir de mim.
– Meu pai vai querer te matar. – Avisei.
– Eu não estaria diferente, mas eu vou me explicar e ele vai
compreender. Posso andar faltando alguma parte do corpo se ele
me deixar ficar com você.
– Ele não vai fazer nada, no máximo te ameaçar. Ele já sabe
que te amo. – Segurei seu rosto perfeito em minhas mãos.
– Terei que repetir isso a ele. E dizer que em breve terá de
leva-la ao altar, quero o quanto antes acordar todos os dias ao lado
da senhora Foster.
– Eu ainda estou com raiva de você.
– Mas me ama, já é um bom começo.
– Não conte com isso.
– Sara... – Me tirou do chão – Eu senti a sua falta, anjo.
Se fosse um sonho era bom me acordarem logo, eu estava
começando a me acostumar com ele.
26

Marcus repetiu toda a história além de dizer que Abby voltou


a Londres e isso parecia um começo de paz, tinha que ser um.
Tentei parecer brava, não dar muita brecha, mas eu não conseguia,
não quando ele me olhava daquele jeito que me sufocava e me
tirava qualquer resquício de sanidade.
Contei a ele que meu pai estava realmente chateado, eu não
sabia como reagiria quando o visse, esperava que todas as armas
estivessem bem longe nesse momento. Fomos até a cidade no hotel
onde estavam suas coisas e só contei que teríamos uma semana a
sós quando voltamos para casa.
Me sentia tão idiota a ponto de me odiar por isso, Marcus
virou minha sombra, aonde quer que eu estivesse ele estava
também. Me seguindo até que a necessidade de o tocar se fez mais
forte e nos, pegamos no meio do corredor antes de conseguir
chegar ao quarto. Tom sempre salvando minha vida tirando meus
pais de casa.
– Se seus pais chegarem – Marcus resmungou enquanto
puxava minha camisa – E seu pai estiver armado – Me beijou – Vai
ser constrangedor morrer pelado.
Gargalhei.
– Eles não vão vir. Pode confiar em mim – Segurei seu rosto
– E caso ele te mate, eu cubro seu corpo.
– Ótimo saber disso. – Riu contra meus lábios.
– Vamos falar sobre sua morte ou vamos aproveitar enquanto
está vivo?
– Acho que vou aproveitar minha mortalidade.
Tomo uma respiração quando suas mãos sobem por minha
lateral até meus seios. Meu corpo está gritando necessidade a tanto
tempo que esta prestes a explodir e parece ter a noção disso.
Marcus se tornava uma águia pronta para fazer sua encurralada
perfeita. Seus dedos brincam com meus mamilos e eles endurecem
na hora, reconhecendo seu toque. Como se pertencem a ele como
seu mestre.
– A mulher da minha vida. – Murmurou contra meus lábios,
seus olhos conectados aos meus. Desci minha mão entre nossos
corpos e o provoquei fazendo seus lábios finos se apertarem para
emitir o som que esquentou por inteiro meu corpo.
– Prove. – Pedi.
Sua boca se trava na minha, sua mão livre tirando a minha do
caminho, como uma pessoa experiente puxando nossas barreiras
do caminho, Marcus encontro seu lugar perfeito em meu centro e
avança. Seu olhar a todo tempo nos meus. Um sorriso malicioso
brinca em seus lábios enquanto ele avança lentamente me
moldando a ele, minha respiração tentando se achar em meus
pulmões como se fosse a primeira vez. Minha boca deixa a sua na
tentativa de controlar o desejo, mas acabo dando o efeito contrário
quando seus avanços se tornaram mais bruscos.
Gritei como nunca pensei que gritaria antes. Isso fez Marcus
ganhar o seu momento quando suas investidas arrastaram meu
corpo sob meus lençóis. Suas mãos me prendendo no lugar até
conseguir libertar as minhas e afundar minhas unhas em seus
ombros. Ele devolveu a dor mordendo meu lábio inferior.
– Eu sei que está no seu limite. – Murmurou apertando os
lábios em minha orelha. – Venha pra mim, anjo. Estou aqui para
você.
– Marcus...
– Estou aqui. – Beijou meu pescoço, seus dentes raspando
em minha garganta. – Todo pra você e por você. Agora venha para
mim. – Seus dedos prenderam meu cabelo com força me fazendo
encara-lo. – Você me deixa louco, por Deus, você é linda.
Sorri em meio a respiração acelerada e mais uma vez ele me
pegou de surpresa avançando seu quadril contra o meu, batendo
tão fundo que todos os botões em mim acionaram me fazendo gritar
seu nome enquanto seus lábios desciam para fechar em um seio,
mordendo, sugando, puxando todo o prazer da minha alma até
voltar para os meus lábios. Suas mãos agora seguram meus quadris
me puxando para cada impulso e não consigo controlar meu corpo.
Explodimos ao mesmo tempo, enquanto sentia tudo se
perder a meu redor, mergulhando no prazer de corpos quentes e
pulsantes. Isso havia sido o ápice dos meus momentos.

Eram quase nove da noite quando deixamos o quarto, eu não


queria, mas corria o risco de parecer uma ninfomaníaca se
continuasse ali.
– Eu falei sério sobre se casar comigo.
Me virei da bancada para fita-lo, Marcus me encarava com os
olhos profundos, não parecia um blefe de momento. Ele estava
falando sério, como sempre falou desde que o conheci. Ele
realmente queria se casar comigo.
– Nem estamos namorando ainda.
– Estamos de novo. Na verdade, nunca deixamos de estar,
tivemos apenas uns dias afastados.
– Podemos falar de casamento daqui a uns anos?
– Seis meses. – Rebateu.
– Dez.
– Quatro e não se discute.
– Eu não vou fugir – Falei. Puxou a tigela de cereal da minha
mão.
– Eu não deixaria de qualquer jeito – Sorriu. O sorriso
maravilhoso de Marcus – Tenho tanto medo de estar sonhando, de
respirar fundo e acordar.
– Que bom que se sente como eu. É estranho descobrir que
o amor da minha vida não é um cartão de crédito.
– Sou mais útil que um – Me beijou – E muito melhor.
Os dias seguintes se resumiram a passar a manhã andando
pela cidade e o resto do dia, trancados no quarto. Parecia que cada
segundo longe de Marcus era como me matar aos poucos e eu tinha
medo disso. Estávamos indo rápidos demais, acordar no meio da
noite e vê-lo dormindo do meu lado, conversar até tarde, sentir seu
perfume, esquecer tudo lá fora me fazia muito bem e ele estava ali
provando que realmente me queria também.
– Meus pais chegam daqui a dois dias – Encarei o teto.
Marcus afagava meu cabelo com o rosto enfiado no vão em meu
pescoço.
– Estou preparado – Sussurrou.
Sorri.
– O que vai dizer a eles?
– Que a amo demais para deixá-la, que fui um idiota por
muito tempo, que quero me casar com ela, ter filhos e acordar todos
os dias da minha vida ao lado dela.
Suspirei.
– Que se eu descumprir com tudo isso, ele pode me matar.
– E eu vou deixar – Senti seus lábios pressionarem meu
pescoço.
– Se eu a deixar, vou me afundar de novo e nunca me senti
tão vivo. Então sempre que duvidar dos meus sentimentos lembre-
se de quem eu era. Do cara que conheceu.
Quando Marcus falava sério, tudo dentro de mim se
deslocava porque sempre via medo em seus olhos. E eu não
poderia deixá-lo, um dia talvez, amores acabam. Era bem ridículo
não pensar isso, mas faria o possível para fazer todo esse amor
incondicional que sentia por ele ser mais forte a cada dia.
– Eu amo você, só acredite nisso.
Minha mãe me ligou no domingo de manhã, eles chegariam
no horário do almoço. Isso era um aviso para deixar o almoço
pronto. Marcus parecia realmente estar com medo de meu pai lhe
furar no meio da testa e isso me fazia rir quase o tempo todo. Ele
fez peixe ao vinho, conferimos a hora e subimos para tomar um
banho e ajuda-lo a aliviar a tensão. Resmunguei que meus pais
poderiam voltar a noite.
– Como estou? – Perguntou passando as mãos na camisa
xadrez.
– Lindo, respira Marcus – Avisei. Ele sorriu sem jeito.
Ouvi a buzina do carro logo em seguida e pelo que conhecia
do meu pai, ele iria direto lavar as mãos e se prostrar diante da
mesa. Mamãe gritou um: chegamos, e avisei que desceria em
breve. Meu pai prometeu não fazer nada, ele não faria.
– Se ele estiver armado – Avisei quando chegamos à escada
– Corre para os fundos, ele não vai muito longe – Segurei o riso.
– Você realmente quer me ver morto, não é? – Marcus voltou
um passo cruzando os braços.
– Estou tentando ajudar. – O beijei.
– Devo agradecer?
– Mais tarde. – Pisquei.
Mamãe estava se sentando elogiando minha comida ou
melhor, a comida de Marcus e meu pai já estava se servindo. Não
esperava nada diferente nisso. E Marcus... bom... Marcus parecia
querer desmaiar a qualquer momento, o que era cômico.
– Olá – Mamãe me encarou e papai parou o garfo no meio do
caminho – Pensei que nos esperaria pai.
– Querida, quem... – Mamãe começou.
– Mãe, pai, esse é Marcus.
– Oi senhor e senhora Malvin – Marcus soltou minha mão e a
estendeu a meu pai que a encarou por um tempo antes de apertá-la.
– Você é...?
– Namorado da Sara – Marcus falou de uma de vez.
Mamãe sorriu de canto a canto.
– Mas a Sara...
– É pai, Marcus é meu namorado. As coisas se ajeitaram e já
dei todo o aviso que ele precisava saber.
Ele sorriu orgulhoso.
– Pensei que teria que ir até a sala polir minha espingarda. –
Balançou os ombros com um olhar ameaçador.
– Não há necessidade senhor Malvin – Marcus sorriu sem
jeito – Eu sei que falhei com sua filha e ela não merece, prometo
que irei cuidar dela pelo resto da minha vida e se descumprir isso,
poderá me matar.
– Com toda certeza. – Falou voltando a seu prato.
– Pai.
– Tudo bem, só cuide dessa garota como se fosse sua vida.
– Ela é. – Marcus me encarou.
– Certo – Papai piscou para mim – Então, Marcus, gosta de
futebol?
Legal, meu pai o faria passar pelo teste de aceitação. Eu
devia ter avisado isso antes. Seria um longo dia.
O resto da semana passou rápido, nunca pensei que Marcus
e meu pai se dariam tão bem como se deram. Eu só queria que tudo
desse certo agora e parecia estar dando, de um jeito incrivelmente
bom.

Alguns meses depois...


– Santana e Caroline decidiram ficar no apartamento.
Caroline por incrível que pareça foi promovida.
Marcus afagava meu cabelo.
– E quando você vai vir para cá?
– Depois que nos casarmos.
– Isso é daqui a seis meses.
– Passa rápido.
– Não passa.
O fitei.
– Depois eu serei para sempre sua.
– Podemos começar o para sempre agora. Dividindo a cama
e guarda-roupa...
– Não – Me sentei na cama ajeitando o cabelo – Quero fazer
isso direito. Seguindo os planos. Estamos a cinco meses juntos
oficialmente e já estou me sentindo diferente, mais casada do que
noiva. Na verdade, estamos quebrando todo o protocolo pulando
para noiva.
– Acho justo – Cruzou os braços.
– Daqui a seis meses, certo?
– Não.
– Sinto muito. Por que quer tanto que eu fique?
O telefone tocou antes que ele pudesse me responder, em
pouco tempo o meu tocaria também. Santana esperava que eu
ajudasse na limpeza do apartamento. No fundo eu amava quando
ele insistia para que eu ficasse. Mas me segurava para não dizer
sim, quando desligou se virou para mim com um sorriso enorme.
– O que foi?
– Nora me tirando uma dúvida. – Passou as mãos pelo
cabelo nervoso.
Suspirou.
– Que dúvida?
– Se eu te pedir uma coisa você vai fazer? Na verdade, são
duas.
– Depende.
– Tire a roupa. –Sorriu malicioso.
– Como? – Gargalhei.
– É, tire a roupa e se deite aqui. – Bateu na cama.
– Se for uma massagem eu até aceito.
Bufou.
– Tá legal, eu não sei o que você e Nora estão aprontando,
mas vamos lá.
Tirei minha blusa e ele me fez tirar o sutiã também. Por duas
vezes que fizemos amor, peguei Marcus me observando. Isso não
me incomodava, me fazia me sentir estranha de uma maneira que
eu não saberia descrever.
– Pronto, vai me desenhar, por quê se for aumenta meus
seios – Brinquei.
– Shhh – Pediu se sentando no chão ao lado da cama. Ele
voltou a me observar.
– O que foi Marcus?
– Como se sente? – Me fitou.
– Bem?
– Só? Ainda está com cólica e essas coisas? – Fez uma
careta.
– Não e isso faz duas semanas.
– Certo. Não me ache mais louco do que pareço ser – Sua
mão tocou minha barriga. – Você está diferente.
– Diferente como?
– Tem uma coisa aqui – Virou a cabeça de lado – Que não
tinha antes.
Aos poucos fui entendendo.
– Não. Eu não estou gravida. – Tentei me sentar e me fez
deitar.
– Como você sabe? – Me encarou.
– Como você sabe? – Rebati.
– Eu conheço cada parte do seu corpo em todos os detalhes
possíveis, passei noites te observando até isso surgir a mais ou
menos um mês e meio. Então todas as vezes que dormimos juntos
e você pega no sono eu fico observando e está um pouco maior que
da última vez. Seus seios estão um pouco maiores, no todo você
está diferente. Eu te perguntei e você me disse que estava com
cólica e que fica inchada, e depois disse que é seu remédio para
seu período. Então eu não poderia saber e falei com Nora. Ela está
se segurando para não a questionar e me fez comprar um teste. Eu
disse que esperaria mais um pouco, mas a cada dia que passa as
coisas parecem mais claras.
– Marcus...
– Olhe para isso.
Ah meu Deus, eu mandei Caroline não dizer isso. Eu falei
que havia ganhado mais corpo desde que mudei meu remédio, que
era normal e que Marcus nem reparou isso. Eu não queria pensar
que estava engordando mesmo vendo minhas bochechas ganharam
um pouco de volume ou minha cintura um pouco maior. Isso faz dois
meses. Mas Marcus reparava mais do que eu gostaria.
– Meu remédio faz isso.
– Bebês também – Sorriu encarando minha barriga.
– Onde está o teste? – Estendi a mão.
Seu olhar me encontrou.
– Não precisa fazer agora.
– Eu quero fazer.... Mesmo não sentindo nada que uma
grávida sente. Mas... e se for?
–Não vai a ver seis meses nesse tempo, porque eu não vou
deixá-la sair daqui. Deus, eu estou tremendo.
Eu já estava chorando porque não estava conseguindo
pensar direito. O acompanhei até o banheiro onde a caixinha estava
escondida dentro da gaveta. Como não vi isso antes? Respirei
fundo antes de beijá-lo e fechar a porta. O que aconteceu nos
últimos meses desde que conheci Marcus? Era só um contrato, o
mais falso deles. O odiei, o amei e agora estou incondicionalmente
apaixonada por ele. Eu desisti, me afastei, sofri mais do que achei
possível. Fechei os olhos para qualquer possibilidade de felicidade
com ele. Eu pensei que nunca daríamos certo.
Pensei que ele nunca seria capaz de deixar Maggie para trás
e se Marcus um dia superasse tudo pensei que Abby estaria
ocupando este lugar hoje, mas nunca, nunca pensei em mim
realmente. Nunca imaginei que Marcus Foster um dia diria que me
amava e ele disse, diz e agora está diante de uma pequena caixa
esperando um resultado que mudaria de vez toda essa trágica
história de amor.
– Amor? – Bateu na porta. Minhas mãos estavam tremendo
quando peguei o teste.
– Estou bem.
– Isso demora muito?
– Você leu como funciona? – Perguntei me encarando no
espelho.
– Sim, duas vezes.
Abri a porta, Marcus estava encostado na mesma e quase
caiu dentro do banheiro, entreguei o teste.
– Acho que os seis meses acabaram – Sussurrei.
– Pai?
Assenti.
– Tá falando sério? – Colocou as mãos na cabeça.
– Duas listas.
Por um momento achei que ele iria desmaiar.
– Eu sabia! – Me puxou – Eu tinha certeza disso.
– Isso é bom, não é? Assustador, mas bom.
Se agachou abraçando minha cintura.
– Eu sabia que você ia me ajudar. Eu sempre te amei e já
sabia que estava aí. Obrigado.
– Marcus...
– Casa comigo, amanhã? – Me encarou.
Estava tentando parar de chorar, mas não conseguia com
sucesso. Minha cabeça estava mais confusa agora, isso era
totalmente loucura!
– Caso até agora se quiser.
– Eu preciso avisar meus pais e precisamos pensar em
nomes... – Andou de um lado a outro.
– Marcus! – Gritei.
– Oi.
– Obrigada. – Funguei.
– Eu que agradeço aqui. Eu estou quase enfartando – Sorriu.
– Vamos ter um bebê. – Me beijou.
– Podemos avisá-los depois – Segurei seus cabelos – Vamos
comemorar enquanto podemos. Despedida de solteira antes de me
tornar definitivamente a senhora Foster.
– Não vejo a hora disso acontecer, senhora Foster.
27

Dois meses depois...

Encarei seu braço ao meu redor pelo que pareceu uma


eternidade. Marcus respirava contra minha nuca, esperando que eu
pegasse no sono. Nas últimas dez horas tudo o que consegui fazer
foi ir ao banheiro dividida entre colocar tudo para fora e esvaziar a
bexiga. Era engraçado seu desespero e suas pesquisas na Internet,
em parte eu entendia, ele havia perdido duas pessoas importantes e
uma delas ele nem chegou a conhecer.
Essa era sua chance.
Amanhã seria a senhora Foster oficialmente. Minha mãe não
parava de mandar mensagens desde que Mike havia lhe ensinado a
mexer em seu novo celular, então ela queria saber de tudo o tempo
todo. Leslie e Nora estavam organizando o casamento que nem eu
mesma sabia, apenas pedi algo simples. Até uma pequena reunião
já me bastava.
– Por que não dorme?
– Estou sem sono.
– Enjoada?
– Ansiosa. Você não está?
Riu e eu gostei de ouvi-lo.
– É só um pedaço de papel. Você já é minha sem ele.
– Eu sei, mas será oficial e você sabe... – O senti se
aproximar mais. Senti seu calor.
– Sabe o que eu sonhei nos últimos dias? – Um sorriso surgiu
em meio as palavras apesar de um pouco tenso.
Me virei para fita-lo.
– Sonhei que você me deixava e isso tirou meu sono.
– Eu não vou deixá-lo, o amo demais para isso.
– Mesmo assim ainda tenho sua versão general e isso me
assusta. Você é bem difícil quando quer.
Sorri.
– Eu sei.
– Mas eu te amo e tentarei não ser um idiota o tempo todo.
– Isso é bom.
Marcus não dormiu, acabei pegando no sono ouvindo sua
voz. Eu gostava de ouvi-lo falar porque ele não exigia uma resposta,
então eu apenas fechava os olhos e mergulhava. Acordei com
Leslie falando pelo apartamento, Marcus não estava mais do meu
lado quando abri os olhos. A porta se abriu pouco depois com Nora
sorrindo para mim carregando algumas caixas.
– Bom dia querida.
– Bom dia Nora. Onde Marcus está? – Deixou as caixas na
poltrona e me encarou.
– Foi cortar o cabelo e se arrumar, ele estava horrível.
– Não fale assim.
– Me desculpe, mas é verdade. Eu vim te ajudar, mamãe
trouxe o vestido e espero que seu quadril esteja de acordo com a
costura nova.
– Posso tomar café pelo menos? Essa é a primeira manhã
que não acordo enjoada.
– Caroline está trazendo. Te dou alguns minutos para dar
bom dia ao mundo.
Me arrastei da cama indo em direção ao banheiro e fazendo
minha higiene matinal. Não consegui conter o riso ao ouvir os
absurdos de Nora ou as crises de Caroline. Santana buscaria meus
pais no aeroporto em algumas horas e eu não deveria me preocupar
com isso. Começamos um assunto sobre o nome do bebe já que
nem eu nem Marcus paramos para pensar nisso afinal tudo ainda
era novo e estranho.
– Eu não pensei nem no sexo ainda. Fiquei sem jeito de
perguntar ao Marcus sua preferência, mas Maggie estava grávida
de um menino... e se ele está esperando um menino de novo?
– Ele não se importa com isso – Nora segurou meus ombros
– Ele está tão feliz que ele não se importa. E vamos esquecer o
passado, hoje é dia de festa.
– E de lua de mel – Caroline afagou minha bochecha. – Essa
é a melhor parte disso tudo. Se não for pedir demais, jogue o buquê
em mim.
– Vou me lembrar disso.
O telefone não parou de tocar e foi ignorado. Segundo Nora
se fosse importante ligariam para o celular dela. Passei o dia
comendo mesmo ouvindo das duas para eu parar com isso. Em
algum momento eu consegui parar e comecei com uma crise de
choro. Eu não acreditava que estava me casando, minha vida
mudou em tão pouco tempo. E não foi uma loja ou um cartão que
fez essa mudança radical. Talvez fosse. Eu só estava me casando.
– Para de chorar, vai borrar a maquiagem. – Leslie tentou me
ajudar.
– Eu não consigo.
Ouvi a voz da minha mãe, alta e alegre entrando no quarto e
me puxando para um abraço. Suas mãos não deixaram minha
barriga mediana em nenhum segundo. Leslie tirou umas mil fotos
até Santana aparecer, me puxar para um abraço e avisar que
precisávamos ir.
– Vocês estão lindas. – Segurei sua mão e a de Caroline. –
Por Deus, meses atrás nada disso seria possível.
Santana tentou não chorar.
– Você queria enterrar Caroline e eu. Literalmente você
queria nos matar. – Gritei nervosa e animada por vê-las ali.
– Eu sabia que não seria uma ideia tão ruim, no fim. –
Caroline piscou.
– Entrego esse B.O a Marcus e fico com Caroline. – Santana
fungou. – Mas eu amo você e vou sentir saudades de gritar sempre
que deixava algo fora do lugar.
– Eu também vou. Me visitem todos os dias.
Nora voltou nos apressando.
– Nada de vomitar no carro – Ajeitou um fio de cabelo atrás
de minha orelha. – Prontas.
– Prontas.
Minhas mãos estavam suando e meu celular vibrou entre
elas, meus olhos estavam parando de nadar em lágrimas e encarei
a mensagem de Marcus que chegou.
Estou ansioso, quero vê-la logo. Por que não me deixaram
ficar com você?
Sorri respondendo em poucas palavras que estava
chegando. E ele voltou a me mandar mensagens, isso me
acalmava. E me fazia rir.
– Vocês vão se ver todos os dias, devia deixar para trocar
mensagens lá.
– Não Nora – A ignorei respondendo sua mensagem.
Quando Nora confiscou meu celular e sorriu, eu sabia que
estávamos entrando na casa dos Foster. E meu estômago deu uma
volta dentro de mim quase me fazendo vomitar. Não era para tanto
quando você já está morando com o homem da sua vida. Mas era
muito sim, eu estaria me casando com ele e isso parecia fazer a
diferença, muita diferença. Isso me deixava nas nuvens, lugar que
cheguei a me proibir de estar.
Papai estava na porta com um sorriso fazendo bigodes de
gato ao lado de seus olhos. Como mamãe, uma hora ele choraria.
Meu pai era tão frágil quanto nós duas juntas. Segurei sua mão e o
beijei na bochecha. Nora passou por nós dizendo que nos esperaria
no altar, que foi improvisado no fundo da casa dos Foster, ao lado
de minhas madrinhas e melhores amigas.
– MARAVILHOSA! EU TE AMO. – Caroline gritou.
Eu amava essa mulher.
– Preparada? – Papai perguntou.
– Medrosa como sempre – Respondi.
– Chegamos até aqui...
– Não vou desistir – O fitei – Eu o amo.
– Eu sei e isso me deixa feliz.... Esperava fazer isso um dia.
Te levar ao altar e te entregar a alguém que te ame de verdade.
Espero que seja muito feliz, filha...
– Eu vou ser – Funguei.
– Não chore, hoje é o seu dia.
Ouvi nossa música, Marcus dispensou o famoso cântico de
casamento tocando a nossa música. A música que ele gostava e
que de alguma forma aprendi a gostar. A música do quadro da
exposição, onde as coisas começaram a se resolver, quando eu
descobri verdadeiramente que não conseguiria viver os próximos
meses sem ele. Nosso amor não começou de maneira fácil, foi de
surreal a suicida, foi único.
A porta estava aberta e a primeira pessoa que vi foi minha
mãe ao lado de Sandra com os olhos vermelhos. Elas apertavam as
mãos uma na outra e balbuciava silenciosamente um: você está
linda. Não consegui segurar o riso diante disso e meu perímetro foi
perdendo distância depois de chegar no arco de rosas brancas.
Respirei fundo controlando meus nervos e esquecendo até meu pai
que me conduzia quando o vi.
Marcus estava parado ao lado de seu pai, ele cortou um
pouco o cabelo nas laterais e fez a barba ficando bem mais novo.
Usava o terno que odiou, tudo porque eu disse que ficava lindo nele.
Seu sorriso era maior que o mundo e pelo mexer de dedos ele
estava mais nervoso do que eu. Passamos a noite toda
conversando, por que estamos assim? Parecia que um ano havia se
instalado nesse meio tempo, nesse pequeno espaço de tempo. A
resposta era: porque nos amamos demais. O demais talvez não
fosse o suficiente para descrever.
– Cuide dela – As palavras de meu pai me despertaram.
Marcus segurou minha mão.
– Pode deixar – Falou sem tirar os olhos de mim –Você está
linda.
– Obrigada.
As próximas palavras foram do padre, mesmo ele estando ali
na minha frente eu não conseguia sequer prestar atenção em seus
movimentos. Meu coração falava mais alto e eu queria ouvir a parte
do sim. Eu queria sair dali e ficar com Marcus pelo resto dos meus
dias.
E foi nessa parte que pensei que meu coração fosse parar
quando o ouvi dizer sim. Quando observei aquela aliança brilhar em
meu dedo. Quando ele disse que me amaria pelo resto dos seus
dias. Quando eu tive a certeza de que não era mais um sonho,
daqueles que tive por muito tempo. Marcus estava comigo e agora
era para sempre, o nosso para sempre.
– Bem-vinda senhora Foster –Sussurrou contra meus lábios.
– Obrigada senhor Foster. Eu te amo.
– Você acabou de me dizer isso.
Sorriu.
– Não me canso de dizer.
Mamãe me puxou para um abraço e acho que abracei todos
que estavam presentes. Marcus não disse nada por cinco horas até
Leslie me chamar para trocar de roupa. Santana e Caroline não se
continham em lagrimas.
–Você estava tão linda. –Santana me apertou em seu abraço.
–Você merece tudo isso e muito mais, nós amamos você. E
independentemente de onde irá morar agora, estaremos sempre
aqui.
–Obrigada, eu amo vocês.
Caroline fungou a meu lado como uma criança esperando a
sua vez.
–Vem aqui. –A puxei para o meu abraço. –Eu não vou dizer
que vou sentir sua falta porque quero vê-la todos os dias. Eu não sei
pirar sozinha, você sabe disso. Eu amo você garota, não dê mais
fios brancos para Santana ela é jovem demais.
–Não se esqueça de nós. – Pediu.
–Eu nunca vou esquecer de vocês. Eu as amo demais para
isso. Minhas madrinhas, também serão madrinhas dessa criança
aqui.
Caroline gritou.
– Está falando sério?
– Vocês acham mesmo que eu mudaria isso? – Segurei a
mão de Santana chorando silenciosamente a meu lado. – Eu amo
vocês, vocês são mais do que minhas melhores amigas. Não
encontrei melhores pessoas para serem anjos da guarda do meu
bebe.
– Vamos ser madrinhas, Santana! – Caroline pulou no lugar.
– Oh sim, querida. – Santana segurou sua mão. – Ficamos
felizes com isso, eu prometo não deixar Caroline estragar nosso
bebe. – Riu.
– Eu prometo não estraga-lo tanto, se for uma menina,
depende.
–Marcus virá busca-la se não deixarmos você ir agora. –
Secou minhas lagrimas. – Divirta–se. Estaremos aqui quando voltar.
– Santana me abraçou.
Eu sabia que estariam, elas não iriam a lugar nenhum sem
me dizer. Ainda era estranho deixa-las, seria estranho.
Lua de mel surpresa só porque eu odiava surpresas. Saímos
da casa dos Foster direto para o aeroporto, Marcus me fez espera-lo
para não ver para onde estávamos indo e quando dois voos foram
chamados, o acompanhei.
Acabei pegando no sono durante a viagem e ele só me
chamou quando chegamos, eu conhecia aquele lugar e o fitei
quando pegamos um táxi. Sem dizer nada o deixei nos conduzir até
a casa dos Foster, o primeiro lugar que estive sozinha com Marcus
Foster. Onde a nossa farsa havia começado, onde ele era o senhor
de gelo.
Em pouco tempo estávamos fazemos o mesmo trajeto que
me lembrava, então ele pegou nossas malas e levou para o barco
que nos esperava. Estava quente e escuro, mas ele sabia o que
estava fazendo. Me ajudou a entrar no barco e me mandou ficar
quietinha no banco. O observei conduzir o barco para longe da
costa e o táxi se afastar ao longe. Continuei em silêncio.
Quando chegamos do outro lado alguns minutos depois, ele
me ajudou a sair, carregou as malas para fora do barco e seguimos
pelo caminho iluminado. O chão estava coberto de flores... o
encarei. Alguém esteve ali? Marcus deixou as malas na soleira e
pegou a chave, mais uma vez o esperei colocar tudo dentro da casa
e voltar me pegando de surpresa no colo.
– Marcus!
– É assim que funciona – Me beijou.
Enlacei seu pescoço e seguimos para dentro da casa onde a
única luz eram as das velas espelhadas por todos os lados, a cama
de solteiro agora era uma cama de casal com dossel. Estava tudo
diferente do que já tinha visto. Me colocou no chão sem tirar os
braços que continuaram ao meu redor. Senti seus lábios
pressionarem minha nuca.
– Bem-vinda de volta.
–Você fez isso tudo?
– Digamos que mamãe e Caroline gostaram de viajar.
– Oh meu Deus, eu tenho certeza que sim. Hoje é o melhor
dia da minha vida.
– É um deles.
O encarei.
– O primeiro foi o dia em que descobri que seria pai e está
empatado com o dia em que descobri que te amo.
– Isso ainda é surreal.
– Farei o máximo para provar o quão real é – Me beijou –
Começando por hoje – Senti seus dedos no fecho de meu vestido.
Estaríamos selando nossa união oficial. Como Senhor e
senhora Foster.
Epílogo

“Ontem pela manhã quando estava parado no trânsito


uma senhora me perguntou qual era o meu maior medo. Você
sabe que sou uma pessoa extremamente medrosa quando se
trata desse assunto, porque sei listar milhares de coisas e dar
um adjetivo a cada uma delas quando se trata de medo. Eu
poderia ter me virado e lhe respondido com total facilidade,
mas nesse momento meu celular tocou e tudo o que consegui
fazer foi sorrir, todo o meu medo desapareceu naquele
momento. Porque hoje não é um dia para se ter medo, porque
há muito tempo eu não sei o que é isso realmente, apenas
quando o assunto é tocado. Então eu não tenho medo de nada,
o medo controla as pessoas e escolhi coisa melhor para me
controlar. Hoje é o dia mais feliz da minha vida, hoje é o dia que
acordei disposto a parar somente quando for um homem morto,
hoje eu posso trocar fraldas, fazê-lo dormir, cantar, assistir
desenhos. Hoje eu posso ser quem ele quiser que eu seja. Hoje
faz um ano que sou a pessoa mais feliz desse mundo, eu tenho
vocês. Eu tenho a mulher mais extraordinária desse mundo e o
filho mais perfeito que alguém poderia ter, acho que não
saberei viver sem vocês dois. Prometo estar em casa o mais
rápido possível, eu amo vocês.”

Marcus.

Encarei o bilhete por um tempo tentando esconder o sorriso


que rasgava meu rosto. Brian me encarava da cadeirinha, fazendo
as covinhas em suas bochechas afundarem enquanto forçava um
sorriso. Ele parecia saber quando Marcus estava chegando e em
pouco tempo a porta da frente se abriu sendo invadida por balões
de todas as cores. O peguei da cadeirinha quando olhar para trás
com toda a sua gordura se tornou algo difícil. Marcus cantarolava a
famosa música do: Parabéns para você.
Brian batia palmas e as vezes enfiava as mãos na boca.
Todos os dias ainda parecia um sonho e todos os dias pedia para
não acordar.
– Parabéns campeão – Marcus o pegou do meu colo fazendo
um aviãozinho no ar que o fazia gargalhar. Então me encarou –
Acho que a mamãe está sentimental – Me puxou para mais perto
beijando meu cabelo – Eu amo você também.
Brian gritou chamando atenção.
– Eu amo vocês – Sussurrei incapaz de falar qualquer outra
coisa.
– Um ano – Marcus me fitou – Precisamos comemorar só nós
três, comprei bolo.
Sorri.
– Qual é a sua ideia brilhante? – Perguntei contendo as
lágrimas.
Marcus sentou Brian no chão no meio de todos os seus
brinquedos e ele ficou em pé. Os balões já voavam pelo
apartamento, Marcus colocou um enorme embrulho ao lado de Brian
e um pequeno bolo entre nós me puxando para me sentar em seu
colo. O pequeno nos encarava com um sorriso que ele sempre fazia
quando estava animado mesmo sem saber de nada exatamente.
Marcus rasgou o presente e como um curioso que era ele se
aproximou, era um brinquedo, desses que podia arrastar pela casa
e falava, isso o assustou me fazendo rir. Logo em seguida o bolo,
onde enfiou as mãos no mesmo sujando o cabelo e todo o rosto,
Marcus o ajudou me sujando e sujando tudo o que conseguia. E
passamos muito tempo assim, comendo e nos sujando. Ouvindo
Brian me chamar e ouvindo Marcus me dizer o quanto me amava.
Sentia meu coração querer parar em todos os segundos,
planejei apenas um homem na minha vida e agora tinha dois aos
quais amava incondicionalmente.
Eu fiz um contrato e no fim dele estava escrito: Você ficará
comigo pelo tempo que for necessário. E esse tempo, mesmo eu
não sabendo, seria para sempre.

Fim
AGRADECIMENTOS

Quero agradecer a todas as minhas leitoras por me acompanharem em diversas


loucuras e apreciarem o que faço. Em especial, ao meu anjo da guarda Ana, que graças a
ela eu termino minhas obras. Saio de uma zona bem ruim e penso: eu posso fazer isso.
Talvez ela não saiba o quanto sou grata por tê-la na minha vida me incentivando cada dia
que passa para continuar fazendo isso aqui. Eu te amo, vou sempre dizer isso, obrigada
por segurar a minha mão quando todos já soltaram. Quero agradecer também minhas
leitoras que vieram do nyah para o Wattpad apenas para me acompanhar e me apoiar,
vocês são as melhores leitoras que alguém poderia ter e cada incentivo com toda a certeza
muda a vida de um(a) autor(a).
Obrigada a todas!

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Outras obras:

Na estrada
Vidas Cruzadas
Esposa de Mentirinha

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