TCC A Influência Do Jejum

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A influência do jejum para determinação laboratorial do


perfil lipídico e risco para doenças cardiovasculares

Maria Luiza de Aguiar Loesch, Bacharel(a) em Biomedicina e Mestre(a) em


Biociência e Biotecnologia aplicadas à Farmácia
[email protected]
Prof. Me. Vandré Mateus de Lima
Pós-graduação lato sensu em Análises Clínicas e Toxicológicas
Universidade Estácio de Sá
São Paulo, SP, 29 de abril de 2020

RESUMO
O perfil lipídico é a dosagem dos principais lipídeos do plasma humano, que são
substâncias insolúveis em água e transportados na forma de lipoproteínas: colesterol,
ésteres do colesterol, triglicerídeos, fosfolipídios e ácidos graxos não-esterificados. A
dosagem desse lipídeos são importantes pois o aumento de triglicerídeos é um marcador
para o aumento do risco de doenças arteriocoronarianas, enquanto a hipercolesterolemia
é a causa direta da aterosclerose. Entretanto a coleta de amostra em jejum foi contestada
pois há demonstrações de que as concentrações de triglicerídeos não submetidos a jejum
são mais preditivas de risco futuro de doenças cardiovasculares e que dosagem do perfil
lipídico apresenta pouca variação quando dosados em jejum ou no estado pós-prandial.
Baseado em evidências de que alterações no perfil lipídico estão relacionados com
maior incidência de hipertensão e doença aterosclerótica caracterizando o quadro clínico
de dislipidemia, o objetivo deste estudo é descrever a influência do jejum na avaliação
do perfil lipídico e no risco para doenças cardiovasculares. Trata-se de uma revisão
bibliográfica com abordagem qualitativa, baseada em referencial teórico adquirido
através de buscas digitais nos periódicos científicos . Por conseguinte, diretrizes tem
recomendado a flexibilização do jejum para a dosagem do perfil lipídico pois simplifica
a coleta de sangue para pacientes, laboratórios e clínicos em todo o mundo.
Palavras Chave: Jejum. Perfil lipídico. Exames laboratoriais.

ABSTRACT
The lipid profile is a lipid dosage of human plasma, which are substances insoluble in
water and transported in the form of lipoproteins: cholesterol, cholesterol esters,
triglycerides, phospholipids and non-esterified fats. The dosage of these lipids is
important, because the increase in triglycerides is a marker of increased risk of
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arteriocoronary diseases, while hypercholesterolemia is a direct cause of atherosclerosis.


However, a fasting sample collection was contested because there is use of non-fasting
triglycerides and are more predictive of future risk of cardiovascular disease and that
lipid profile shows little difference when dosed in fasting or in a post-state -prandial.
Based on changes in the lipid profile related to a higher incidence of hypertension and
atherosclerotic disease characterizing the clinical picture of dyslipidemia, the aim of this
study is to describe the influence of fasting on the assessment of the lipid profile and
without risk for cardiovascular diseases. This is a literature review with a qualitative
approach, based on the theoretical framework acquired through digital searches in
scientific journals. Thefore, recommended guidelines for flexibilization of fasting for
dosage of lipid profile, simplifying blood collection for patients, laboratories and clinics
worldwide.
Key-Words: Fasting. Lipid profile. Laboratory tests.

1 INTRODUÇÃO
No âmbito da assistência à saúde, são imprescindíveis serviços que auxiliem na
conduta médica acerca da situação clínica do paciente. Neste contexto, os laboratórios
de análises clínicas têm papel fundamental, contribuindo na assistência e promoção da
saúde podendo atuar de forma inter-relacionada na análise de diversas amostras
biológicas e na emissão de milhares de laudos que analisam o estado fisiológico do
indivíduo e emitem resultados de forma rápida, precisa, exata e confiável (ARAGÃO,
2019).
O perfil lipídico é a dosagem dos principais lipídeos do plasma humano:
colesterol, ésteres do colesterol, triglicerídeos, fosfolipídios e ácidos graxos não-
esterificados que inclui o colesterol total (CT), HDL-colesterol (HDL-C), triglicérides
(TG) e os cálculos para a estimativa do VLDL-colesterol e do LDL-colesterol (LDL-C).
Os lipídeos são substâncias insolúveis em água e são transportados na forma de
lipoproteínas cuja a função principal dessas lipoproteínas plasmáticas parece ser a de
transporte dos triglicerídeos e do colesterol dos locais de origem – no intestino (origem
exógena) e no fígado (origem endógena) – para os locais de armazenamento e utilização
(HENRY, 1998).
O colesterol total e o LDL-CT são medidas tradicionais de risco cardiovascular
mantidas e corroboradas por evidências de numerosos estudos, constituindo-se no
principal alvo terapêutico na prevenção da doença cardiovascular. Os valores
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referenciais do perfil lipídico foram estreitados e o colesterol não-HDL deve agora ser
incluído nesta avaliação, sendo seus valores estabelecidos para a faixa etária adulta
(XAVIER, 2013).
A utilização clínica das dosagens de colesterol e triglicérides é limitada muitas
vezes por variações que podem ser analíticas, quando relacionadas à metodologia e a
procedimentos utilizados pelos laboratórios, e/ou pré-analíticas quando relacionadas a
fatores intrínsecos do indivíduo, estilo de vida (obesidade, idade, consumo de álcool,
estresse, sedentarismo, tabagismo, entre outros), uso de medicação (drogas
hipolipemientes), doenças associadas (diabetes, hipotireoidismo, entre outras),
procedimento de coleta e preparo da amostra. Os fatores pré-analíticos, especialmente
os de origem biológica (intraindividual, idade, sexo e raça) são os principais
responsáveis pela variabilidade dos resultados (SOBRE DISLIPIDEMIAS,1999).
O jejum é um fator pré- analítico que interfere diretamente nas lipoproteínas
remanescentes do fígado presentes no plasma, enquanto que as lipoproteínas
remanescentes de origem intestinal também estão presentes no estado sem jejum. Isso
significa que 1 a 7 horas após uma refeição habitual, os triglicerídeos plasmáticos e
colesterol remanescente são ligeiramente elevados. O grau de elevação dos
triglicerídeos plasmáticos está relacionada aos níveis de linha de base; quanto menor os
triglicerídeos basais, menor o efeito pós-prandial e vice-versa por carga de gordura
equivalente (NORDESTGAARD, 2017).
Por outro lado, o estado sem jejum predomina durante a maior parte de um ciclo
de 24 horas. Devido ao plasma conter lipoproteínas aterogênicas de origem hepática em
jejum e, adicionalmente, as de origem intestinal no estado sem jejum, o estado sem
jejum pode capturar melhor a quantidade total de lipoproteínas aterogênicas no plasma
durante a maioria no período de 24 horas (NORDESTGAARD, 2017). Portanto, a
tradição de usar o jejum perfis lipídicos atualmente está mudando muitos lugares
mundo, com perfis lipídicos aleatórios e inesgotáveis endossado por várias sociedades,
diretrizes e declarações, incluindo o Brasil (SCARTEZINI et al., 2017).
Portanto, objetivo deste estudo consistiu em descrever a influência do jejum na
coleta da amostra para avaliar o perfil lipídico a fim de esclarecer aos profissionais de
saúde a verdadeira importância do jejum anterior à punção para realizar dosagens e as
recomendações ao paciente antes da coleta de amostra biológica.
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2 METODOLOGIA
Para produção deste artigo, a revisão bibliográfica teve como bases de dados
livros para embasamento teórico, além da utilização de artigos escritos em língua
portuguesa e inglesa, dissertações e normas referentes ao assunto em língua portuguesa
sem restrição de ano de publicação indexados no Google acadêmico, SciELO e
PubMed. Os termos utilizados como palavras-chave foram pesquisados nas línguas
portuguesa e inglesa: "jejum", "perfil lipídico", “exames laboratoriais". Os critérios de
inclusão utilizados levaram em consideração o conteúdo – se o mesmo estava
relacionado com os objetivos propostos, e foram excluídos aqueles que não
correspondiam a esses critérios.

3 DESENVOLVIMENTO
3.1. Perfil lipídico e o risco para doenças cardiovasculares
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 20 milhões de
indivíduos morrerão por doenças cardiovasculares até o ano de 2030. As doenças
cardiovasculares, entre as doenças crônicas não transmissíveis, são responsáveis por
cerca de 47,2% das mortes no mundo, sendo então são as principais causas de
morbimortalidade (KIM et al., 2013). No Brasil, cerca de um terço das mortes,
aproximadamente 33%, ocorre pelas doenças cardiovasculares, sendo também as causas
de gasto mais expressivas com assistência medica (MALTA et al., 2017).
Segundo estudos, a maior chance de diagnóstico de doença cardiovascular foi
evidenciada nos indivíduos que relataram hipertensão arterial e colesterol elevado, que
são reconhecidas como importantes fatores de risco para essa doença (GONÇALVES et
al., 2019). Evidências demonstraram que níveis elevados de CT, LDL-C e TG, assim
como níveis reduzidos de HDL-C, estão relacionados com maior incidência de
hipertensão e doença aterosclerótica, caracterizando quadro clínico de dislipidemia que
envolve concentrações anormais de lipídios ou lipoproteínas no sangue e também
fatores genéticos e ambientais (FRANCA & ALVES, 2006). Essa intrínseca relação
entre hipertensão, colesterol elevado e risco cardiovascular é evidenciada por diversos
estudos, bem como é reconhecida a redução do risco de eventos cardíacos com o seu
controle (RIBEIRO et al., 2016; MALACHIAS et al., 2016; SCHWALM et al., 2016).
Neste contexto, a triagem para dislipidemias como fator de risco para doenças
cardiovasculares e o manejo de medicamentos hipolipemiantes são parte fundamental da
atenção primária (NAUGLER et al., 2014). O National Cholesterol Education Program
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(NCEP, 1987) recomenda que, além da análise das histórias clínicas pessoal e familiar,
as dosagens de colesterol total, HDL, LDL e triglicerídeos sejam realizadas de cinco em
cinco anos para a identificação de indivíduos com risco elevado de desenvolver uma
doença arterial crônica (DAC) em indivíduos com mais de 20 anos (NIH, 1993).
Além disso, há recomendações de diretrizes nacionais e internacionais para o
tratamento de dislipidemias classicamente, a avaliação dos perfis lipídicos seja após
jejum de pelo menos 8 horas (BAILIE et al., 1993; XAVIER et al., 2013). Os alvos
lipídicos para avaliar o risco cardiovascular tradicionalmente dependem dos níveis
plasmáticos de CT e LDL-C, sendo este último calculado por meio da equação de
Friedewald (FRIEDEWALD et al., 1972).
Um fator de risco para doenças cardiovasculares, são os triglicerídeos, por isso
há urgente necessidade de baixar os níveis de triglicerídeos no plasma para diminuir
assim o risco de doenças cardíacas (AUSTIN et al., 1998). A hipergliceridemia é um
marcador para o aumento do risco de doenças arteriocoronarianas, enquanto a
hipercolesterolemia é a causa direta da aterosclerose (GRUNDY et al., 1998).
Algumas imprecisões causadas por concentrações baixas ou altas de triglicérides
no cálculo do LDL-c podem afetar a avaliação do risco cardiovascular, a definição de
um alvo terapêutico e a necessidade de intensificar o tratamento (SBPC, 2016; FALUDI
et al., 2017).
Outros parâmetros lipídicos, como a apolipoproteína-B e o colesterol não HDL
(não-HDL-C) refletem o pool de lipoproteínas aterogênicas e surgiram como bons
marcadores para melhorar a avaliação do risco cardiovascular e também para orientar a
terapia de redução lipídica (CATAPANO et al., 2011; XAVIER et al., 2013;
CHAPMAN et al., 2011; MILLER et al,, 2011)
Por isso, ensaios clínicos, metanálises e consensos clínicos demonstram que o
controle das dislipidemias esta associado a importantes benefícios na redução de
eventos e mortalidade cardiovascular (EXPERT PANEL ON DETECTION, 2001;
MALTA et al., 2019) .

3.2. Lipídeos do plasma


Os principais lipídeos do plasma humano são colesterol, ésteres do colesteril,
triglicerídeos, fosfolipídios e ácidos graxos não-esterificados. Os lipídeos são
substâncias insolúveis em água. São transportados na forma de lipoproteínas que
permitem o transporte dos lipídeos no meio aquoso plasmático (FALUDI et al., 2017), e
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podem ser divididas, de acordo com a sua densidade, em cinco classes: quilomícrons,
lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL), lipoproteínas de baixa densidade
(LDL), lipoproteínas de densidade intermediária (IDL) e lipoproteínas de alta densidade
(HDL) (HENRY, 1998). A função principal das lipoproteínas plasmáticas parece ser a
de transporte dos triglicerídeos e do colesterol dos locais de origem – no intestino
(origem exógena) e no fígado (origem endógena) – para os locais de armazenamento e
utilização (HENRY, 1998).
Lipídios como colesterol e triglicerídeos, medidos como valores plasmáticos
totais em lipídios perfis, são importantes para a maioria das células. Triglicerídeos são
importantes como fontes de energia e, após o armazenamento, atua como reserva de
energia bem como para isolamento contra o tempo frio (NORDESTGAARD et al.,
2017).
O colesterol é um componente essencial da célula membranas e também atua
como precursor de ácidos biliares e hormônios esteróides e vitamina D. Como um
constituinte das membranas celulares, o colesterol atua na sua fluidez e na regulaçãoo
metabólica (FALUDI et al., 2017).
Ao contrário triglicerídeos, carboidratos e proteínas, o colesterol não pode ser
degradado pelas células humanas. Colesterol que é sintetizado recentemente ou
absorvido pelo intestino permanecerá, portanto, no corpo, a menos que seja convertido
aos hormônios esteróides, perdidos pelas células da pele ou secretado via bile
(NORDESTGAARD et al., 2017).
Colesterol e triglicerídeos na dieta são absorvido no intestino delgado e
incorporado nos quilomícrons. Quilomícrons são transferidos à corrente sanguínea via
linfa, onde entra em contato com a lipoproteína da enzima lípase degradadora de
triglicerídeos, principalmente no tecido adiposo e muscular. O remanescentes
quilomícrons resultantes são absorvidos rapidamente pelas células do fígado
(NORDESTGAARD et al., 2017).
As apolipoproteínas atuam como cofatores de enzima no metabolismo lipídico e
como ligantes quando as lipoproteínas são reconhecidos nas superfícies celulares. As
apolipopteínas mais importantes são a B (apoB) e E, que facilitam a remoção de LDL e
lipoproteína quilomícron remanescente de densidade intermediária (IDL) do plasma,
respectivamente (NORDESTGAARD et al., 2017).
Entretanto, variações muito grandes na dosagem do colesterol e triglicérides
limitam sua utilização clínica (Atheros, 1999). Estas variações podem ser analíticas,
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quando relacionadas à metodologia e a procedimentos utilizados pelos laboratórios, e


pré-analíticas quando relacionadas a fatores intrínsecos do indivíduo, estilo de vida
(obesidade, idade, consumo de álcool, estresse, sedentarismo, tabagismo, entre outros),
uso de medicação (drogas hipolipemientes), doenças associadas (diabetes,
hipotireoidismo, entre outras), procedimento de coleta e preparo da amostra. Os fatores
pré-analíticos, especialmente os de origem biológica (intraindividual, idade, sexo e raça)
são os principais responsáveis pela variabilidade dos resultados (Atheros, 1999).

3.3. O jejum
De acordo com a definição da língua portuguesa, o jejum pode ser caracterizado
pela abstenção ou redução de alimentos em períodos ou dias determinados por preceito
médico (FERREIRA, 2008). O corpo humano está muito bem adaptado a curtos
períodos de jejum e ao jejum noturno. Além disso, o jejum tem sido praticado por
milênios, sendo parte das principais culturas mundiais (MATTSON et al., 2014;
TEIXEIRA & BARCELOS, 2019).
O jejum gera a diminuição dos níveis de insulina e, em contrapartida, há
aumento dos níveis de glucagon, determinando uma utilização rápida da pequena
reserva de glicogênio em maior parte no fígado. A gliconeogênese é ativada e a proteína
muscular passa a ser utilizada provendo glicose para os tecidos que dependem
exclusivamente dela como fonte de energia (sistema nervoso central, medula renal e
eritrócitos) (NYGREN, 2006). Tal fenômeno parece ter regulação central, ocasionando
também uma maior secreção de ACTH (hormônio adenocorticotrófico) pela hipófise e
consequentemente aumentando a secreção de cortisol pela supra-renal. Os níveis séricos
do hormônio do crescimento se elevam quando há hipoglicemia ou diminuição de
ácidos graxos livres circulantes. O cortisol juntamente com a queda de insulina e o
aumento dos hormônios adrenérgicos e tireoidianos são responsáveis pelas reações
catabólicas que fornecem aminoácidos para a corrente sanguínea (STONER et al., 1979;
BASILE-FILHO et al., 2001). Além do aumento dos hormônios contrarreguladores, o
jejum associado ao trauma desencadeia maior produção de mediadores inflamatórios
que incrementam a resposta orgânica com inúmeros efeitos, tais como aumento da
resistência insulínica, proteólise muscular, lipólise e, dependendo do porte da operação,
gera resposta inflamatória sistêmica (DA FONSECA FLORES et al., 2013).
Ademais em situação de jejum, o fígado capta ácidos graxos liberados pela
mobilização de triglicerídeos do tecido adiposo, os quais serão utilizados para a síntese
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de corpos cetônicos (NELSON et al., 2005; VOET et al., 2002). A cetose é favorecida,
pois, o outro caminho possível para a utilização dos ácidos graxos, a beta-oxidação, está
inibida no fígado neste momento, já que há um desvio do oxaloacetato para a
gliconeogênese, diminuindo a velocidade do ciclo do ácido cítrico (NELSON et al.,
2005; VOET et al., 2002). A produção de corpos cetônicos pelo fígado tem como
principal objetivo fornecer um nutriente alternativo à glicose, para os tecidos extra-
hepáticos (MALHEIROS, 2006). Por outro lado, a manutenção da cetose implica
importante perda de lipídeos do tecido adiposo, uma reserva imensamente maior do que
a de proteínas, e, portanto, quantitativamente mais disponível. É mantendo uma
gliconeogênese moderada e intensificando a cetose que o organismo pode suportar um
jejum prolongado por períodos bastante longos de tempo (MALHEIROS, 2006).

3.4. Flexibilização do Jejum para Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico


Durante muitos anos, a determinação de um perfil de lipídeos de rotina (CT,
LDL, HDL e triglicerídeos) foi feito rotineiramente em laboratórios clínicos usando um
amostra de sangue escolhida no estado de jejum. A recomendação desse exame ser
realizado após um jejum de 8-12 horas, exceto se a dosagem for CT e do HDL-C, os
quais não necessitam de jejum (MORA et al., 2016). A base racional para tal exigência
inclui: 1) as alterações na composição das lipoproteínas pós-prandial que ocorre,
particularmente os aumentos TG, essa concentração que têm uma relação direta com o
tempo de jejum, refeições gordurosas e com alto teor de carboidratos, 2) os efeitos
clinicamente significativos de aumento TG (400 mg/dL; 4,5 mmol) sobre o cálculo de
estimativa do LDL-C quando se utiliza o equação de Friedewald, e 3) o uso de amostras
de jejum para a medição de lipídeos em diversos ensaios clínicos e estudos
epidemiológicos em que se baseiam os objetivos do tratamento (DORAN et al., 2014).
No entanto, como a maior parte da vida de cada pessoa é gasto no estado pós-
prandial, os indivíduos comem muito menos gordura durante um dia normal, e os
triglicerídeos em não-jejum demonstraram ser superiores ao jejum na previsão de risco
cardiovascular (LANGSTED & NORDESTGAARD, 2019), portanto a coleta de
amostra em jejum para determinar o risco futuro de doenças cardiovasculares foi
contestada pois há evidências de que as concentrações de TG não submetidos a jejum
são mais preditivas de eventos coronários futuros em comparação com jejum TG, em
homens e mulheres (STEINER et al., 2011).
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Estudos mostraram que não existe benefício da dosagem lipídica em jejum sobre
aquela feita no estado alimentado. Na maioria das pessoas, a dosagem do LDL-C
(principal marcador lipídico de risco cardiovascular), Não-HDL-C [Não-HDL-C =
(Colesterol total – HDL-C)] e triglicerídeos apresenta pouca variação quando dosados
em jejum ou no estado pós-prandial (2% para o LDL-C e 15% para os triglicerídeos, o
que representa em média 8 mg/dl para o colesterol total e 15 mg/dl para os
triglicerídeos) (MORA et al., 2016; ANDERSON et al., 2012; SIDHU et al., 2012;
NAUGLER et al., 2004)
Após as recomendações das diretrizes de realizar testes de rotina dos níveis
lipídicos sem jejum, estudos recentes que compararam associação dos níveis lipídicos
com jejum e sem jejum e obtiverem resultados semelhantes nos mesmos indivíduos para
associação com eventos coronarianos e incidentes cardiovasculares ateroscleróticos
sugeriram que a medição rotineira dos níveis lipídicos ininterruptos pode ajudar a
facilitar a triagem e o tratamento do risco de doenças cardiovasculares (MORA et al.,
2019), e perfis lipídicos sem jejum são tão bons quanto, se não melhores que em jejum,
o perfil lipídico na previsão de futuras doenças cardiovasculares (NORDESTGAARD
et al., 2016; BANSAL et al., 2007; NORDESTGAARD et al., 2007; DORAN et al.,
2014).
Após a demonstração que a determinação laboratorial do perfil lipídico,
realizada em jejum ou no estado alimentado, não interfere na avaliação do risco
cardiovascular (medidas do LDL- -C e triglicerídeos), várias sociedades médicas
nacionais e internacionais passaram a recomendar a flexibilização do jejum para a
dosagem do perfil lipídico com base nos seguintes principais argumentos: 1) Os valores
do perfil lipídico no estado alimentado são iguais ou até mesmo melhores indicadores
de risco cardiovascular do que os valores em jejum, 2) Como nós passamos a maior
parte do tempo no estado alimentado, portanto expostos a níveis lipídicos encontrados
nessa condição e não no estado de jejum, a dosagem com o indivíduo alimentado pode
refletir melhor a exposição a esses níveis, 3) A dosagem dos lipídeos no estado
alimentado é mais prática (ex: coleta em qualquer horário do dia), mais segura (ex: evita
hipoglicemias em diabéticos devido ao jejum seria minimizado), mais conveniente (ex:
pode coletar sangue logo após a consulta médica) pois beneficia o paciente, evitando o
desconforto de jejuar, mais econômica (não há necessidade de agendar dosagem em
jejum em dias subsequentes) e reduz o congestionamento de pacientes atendidos nos
laboratórios, nas primeiras horas da manhã, 4) A coleta de sangue em jejum será
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limitada a poucos exames como, por exemplo, a glicemia e alguns hormônios como
insulina, hormônio do crescimento, cortisol e paratormônio, em geral, após 8 horas de
jejum (MORA et al., 2016; NORDESTGAARD et al., 2009; NICE, 2017).
O Consenso Brasileiro, sobre a normatização da determinação laboratorial do
perfil lipídico, faz as seguintes recomendações (SBAC, 2016; DRIVER et al., 2016): 1)
A orientação da indicação ou não do jejum, ficará a critério médico, que deverá colocar
na solicitação do exame as seguintes opções: “Perfil lipídico sem jejum”, ou “Perfil
lipídico após jejum de 12 horas”. 2) A solicitação do “Perfil lipídico após jejum de 12
horas” está indicada nas seguintes situações: (a) Quando o “Perfil lipídico sem jejum”
mostrar valores de triglicérides > 440 mg/dL, (b) Em pacientes na vigência, ou se
recuperando de pancreatite hipertrigliceridêmica, (c) Em pacientes usando
medicamentos para hipertrigliceridemia, (d) Quando a elevação dos triglicérides afetar
outro exame dosado concomitantemente (ex: causar pseudohiponatremia). 3) O valor de
“440 mg/dL”, definido como ponto de corte, para os triglicérides no estado alimentado,
foi obtido do Consenso Europeu/2016 (NORDESTGAARD et al., 2016; SCARTEZINI
et al., 2017)
Atualmente, muitos países estão mudando suas diretrizes em direção a um
consenso sobre a medição do perfil lipídico para previsão de risco cardiovascular no
estado de não-jejum, simplificando a coleta de sangue para pacientes, laboratórios e
clínicos em todo o mundo (LANGSTED & NORDESTGAARD, 2019).

5 CONCLUSÃO
Estudos demonstraram que as determinações de CT, HDL-C, não HDL-C e
LDL-C não diferem significativamente se realizadas no estado de jejum ou sem jejum.
Há apenas um aumento nos níveis de triglicérides no estado alimentado, porém este
aumento é pouco relevante desde que se a refeição usual não seja sobrecarregada em
gordura. Logo, flexibilizaram o período de jejum para a avaliação e determinação do
perfil lipídico (colesterol total, frações e triglicérides), onde o estado alimentado que
predominante durante a maior parte do dia representa mais eficazmente seu potencial
impacto no risco cardiovasculares e pode facilitar a triagem e o tratamento dessas
doenças. Portanto, com base nos resultados apontados pela presente pesquisa foi
possível concluir que esses novos dados indicam que a determinação do perfil lipídico
no estado alimentado é um bom indicador do perfil metabólico e um bom preditor de
risco cardiovascular.
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