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v.2 n.3 set./dez.

2013
ISSN: 2317-2428
www.rigs.ufba.br

Metodologias Integrativas para a Participação


Publicação acadêmica, quadrimestral. Publica 3 tipos de documentos:
textos, fotos e vídeos. Estimula 6 tipos de contribuições: tecnológi-
ca, teórica, vivencial, indicativa, fotográfica e audiovisual. Explora a
gestão social de forma ampla ao situá-la na contemporaneidade, em
territórios pluridisciplinares de prática e na investigação acadêmica.
Difunde estudos pautados pela interdisciplinaridade.

v.2 n.3 set./dez. 2013 ISSN: 2317-2428


www.rigs.ufba.br
Universidade Federal da Bahia
Reitora: Profª. Drª. Dora Leal Rosa

Escola de Admninistração/ UFBA


Diretor: Prof. Dr. Francisco Lima Cruz Teixeira

Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social - CIAGS


Coordenadora: Profª. Drª. Tânia Fischer

Editor Diagramação e Design


Eduardo Paes Barreto Davel Márdel Santos
(CIAGS/EA/UFBA; ESA/TÉLUQ) (CIAGS/EA/UFBA)

Gestor Executivo
Gestão Financeira
Kleber Moitinho
[email protected] Hugo Cardoso do Vale
(CIAGS/EA/UFBA)
Marcelo Fraga da Silva
Editoras do Número Temático
Revisão da Língua Portuguesa Metodologias Integrativas para a
e Normalização Participação
Kleber Moitinho Valéria Giannella
(UFCA)
Gestão da Comunicação
Rodrigo Maurício Freire Soares Vanessa Louise Batista
(CIAGS/EA/UFBA) (FACED/UFC)

Foto da Capa
André Magalhães

Revista interdisciplinar de gestão social / Universidade Federal da


Bahia, Escola de Administração, Centro Interdisciplinar de
Desenvolvimento e Gestão Social. – Vol.2, no. 3 (set./dez. 2013)-
. - Salvador : EAUFBA, 2013 - .
v.

Quadrimestral.
Descrição baseada em: Vol. 1, n.1 (jan./ abr. 2012).

ISSN 2317-2428

1. Administração local - Periódicos. 2. Desenvolvimento social -


Periódicos. I. Universidade Federal da Bahia. Escola de Administração.
CDD 352
Conselho editorial (EAESP-FGV)
Afef Benessaiah Maria Tereza Flores-Pereira
(TÉLUQ, Université du Québec (PUC-RS)
à Montréal, Canadá) Mary Jo Hatch
Alain Chanlat (Boston College, EUA)
(HEC Montréal, Canadá) Neusa Rolita Cavedon
Antonio Strati (UFRGS)
(Università degli Studi di Paula Chies Schommer
Trento, Itália) (UDESC)
Diane-Gabrielle Tremblay Silvia Gherardi
(TÉLUQ, Université du Québec (Università degli Studi
à Montréal, Canadá) di Trento, Itália)
Fernando Guilherme Tenorio Sylvia Constant Vergara
(EBAPE/FGV) (EBAPE-FGV)
Jacqueline Butcher Tânia Fischer
(ISTR, México) (CIAGS/EA/UFBA)
Jean-François Chanlat Valéria Giannella
(Université Paris -Dauphine, (UFCA)
França)
José Antonio Gomes de Pinho
(NPGA/UFBA) Comitê Editorial
Luciano Junqueira Elizabeth Matos
(PUC-SP) (UFBA)
Miriam Cristina Marcilio Rabelo Maria Elisabete Santos
(UFBA) (UFBA)
Pedro Lincoln Mattos Genauto Carvalho de França
(UFPE) Filho
Peter Kevin Spink (UFBA)
(EAESP/FGV) Horácio Nelson Hastenreiter
Roberto Costa Fachin Filho
(PUC-MG) (UFBA)
Rosinha da Silva Machado José Célio Andrade
Carrion (UFBA)
(PPGA/UFRGS) José Marcelo Dantas dos Reis
Sylvia Maria Azevedo Roesch (UFBA)
(British Journal of Industrial Maria Suzana Moura
Relations, Reino Unido) (UFBA)
Jean-Louis Laville Mônica de Aguiar Mac-Allister
(Conservatoire National des (UFBA)
Arts et Métiers, França) Rosana de Freitas Boullosa
Maria Ester de Freitas (UFBA)
sumário

9 Editorial

11 Foto da Capa
Contribuição fotográfica
André Magalhães

13 Liderando com Maestria: Desenvolvendo a Capacidade de Contribuição


Significativa
Contribuição teórica
Nancy J. Adler

31 Considerações Sobre a Arte na Formação do Líder Contemporâneo


Contribuição teórica
Adelaide Maria Coelho Baêta e Reginaldo de Jesus Carvalho Lima

39 A Participação da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo


no Modelo de Desenvolvimento do Estado nos Anos de 1960 e 1970
Contribuição teórica
João Gualberto e Jamila Rainha

59 Comportamento Verbal e não Verbal em Grupos Focais: Análise de Micro


Interlocuções
Contribuição teórica
Daniela Borges Lima de Souza, Sônia Maria Guedes Gondim e Gardênia da Silva Abbad


Metodologias Integrativas para a Participação

83 Metodologias Integrativas. Tecendo Saberes e Ampliando a Compreensão


Contribuição teórica
Valéria Giannella e Vanessa Louise Batista

111 Da Timidez à Participação: Construindo Metodologias para a Prática da


Gestão Social
Contribuição tecnológica
Waléria Maria Menezes de Morais Alencar, Joseane de Queiroz Vieira,
Marluse Martins de Matos, Ítalo Anderson Taumaturgo dos Santos,
Raquel Farias Gregório Bezerra e Maria de Fátima de Oliveira Sobreia
133 Gestão Social Urbana: Negociação e Participação de seus Habitantes
Contribuição vivencial
Patricia Brant Mourão Teixeira Mendes e Maria do Carmo Brant de Carvalho

157 Performance and Development: Some Thoughts on the Relationship


Between Theatre and Community at the Launching of the Youth
Onstage! Community Performance School
Contribuição vivencial
Dan Friedman

179 Metodologias Integrativas: Abrindo Novos Caminhos para a Criação


Coletiva na Gestão Social
Contribuição vivencial
Maria Suzana Moura

191 Tempo de Bordar


Contribuição vivencial
Beth Ziani

205 Pedagogia da Criatividade: Percursos de Arteducação no Empoderamento


de Sujeitos para a Gestão Social Integrativa
Contribuição teórica
Valéria Giannella, Dan Baron e José de Jesus Marques de Sousa

223 Habitar no Tempo: Interações Estéticas na Produção de Arte


Contribuição audiovisual
André Magalhães
9

editorial

É com prazer que nos debruçamos sobre este número da RIGS, repleto de novidades
sobre as metodologias integrativas para a participação. Trata-se de uma sessão temática
coordenada pelas editoras convidadas, professoras Valéria Giannella e Vanessa Louise
Batista. As novidades transbordam no que se refere a reflexões relevantes, expressões
originais, ideias enriquecedoras e novas propostas de prática. Os trabalhos (textos, fotos e
vídeo) permitem-nos melhor compreender contextual e conceitualmente o princípio das
metodologias integrativas no contexto da gestão social, ao explorarem esse princípio no
âmbito de escolas, do teatro, da intuição, do corpo, do planejamento urbano, do bordado, da
criatividade, da arte e da gestão cultural.
Além da sessão temática, contamos com um conjunto rico, interdisciplinar e variado de
leituras. Em duas leituras, a liderança é estudada e ensinada no campo da prática artística,
da criatividade e da aprendizagem. Em outra leitura, mergulhamos no processo histórico
de articulação de interesses ligados ao modelo de desenvolvimento do Estado do Espírito
Santo. Numa última leitura, aprendemos sobre a análise de microinterlocuções em
comportamentos verbais e não verbais que acontecem durante a realização de grupos focais.
Bom proveito!

Eduardo Paes Barreto Davel


Editor
Foto: André Magalhães
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 11

Semeando Humanidade
André Magalhães
2012

Semeando Humanidade –
Representando o florescimento
de um sonho comunitário
para a construção de uma nova
humanidade: a fertilidade do
encontro entre cultura e natureza.

É um detalhe do “Manto
do Vaqueiro”, adornado por
bordadeiras do entorno da
cidade de Cordisburgo, Minas
Geais – localidade de Guimarães
Rosa. Desenho de José Murilo
de Oliveira.
Foto: Nancy Adler
s e t . /d e z . 2013
v.2n.3 p . 1 3 - 2 7
ISSN: 2317-2428
copyright@2013
www.rigs.ufba.br

Liderando com Maestria: Desenvolvendo a


Capacidade de Contribuição Significativa 1
Nancy J. Adler

Resumo A liderança extraordinária nasce no líder como um todo e não apenas no


somatório de suas estratégias e táticas aprendidas, não importa quão bem
executadas. O século XXI coloca-nos numa época desafiadora — época que
exige uma liderança extraordinária em nível global, nacional, organizacional
e comunitário. Para aumentar as possibilidades de líderes empresariais
influenciarem o mundo de forma a beneficiar a sociedade e a rentabilidade
das empresas, a Universidade de McGill lançou um seminário sobre “A arte
da liderança em 2003. O seminário já foi oferecido aos gerentes e executivos
na Áustria, Canadá, Dubai, França, Índia, Israel, Japão, Coreia, Holanda,
Nova Zelândia, Eslovênia, Suécia, Suíça e Estados Unidos. Resgatando as
tradições e processos artísticos, o seminário vai além da gestão tradicional
ao focar na compreensão mais profunda da nossa cultura e valorização do
“possível”. O seminário foi concebido para desenvolver as capacidades dos
participantes de criar, de apoiar e reforçar as organizações economicamente
sustentáveis, ao mesmo tempo em que fomenta a criação de uma sociedade
mais pacífica, solidária e saudável. Explicitamente, centra-se na liderança,
ao invés da gestão, e sobre o desafio imperioso da construção de sentido,
em vez da meta mais tradicional do sucesso. O seminário é projetado para
aperfeiçoar o líder que há em cada indivíduo, ao invés de utilizar qualquer
conjunto particular de técnicas ou ferramentas de liderança.

Palavras-chave Liderança. Arte. Artista. Aprendizagem. Educação.

Abstract Extraordinary leadership is born in who leaders are, not merely in the
summation of their learned strategies and tactics—no matter how well
executed. The 21st century confronts us with markedly challenging times—
times that call for extraordinary leadership at a global, national, organizational,
and community level. To increase the possibility of business leaders
14 Liderando com Maestria

influencing the world in ways that benefit both society and the company’s
bottom-line, McGill University launched a seminar on The Art of Leadership
in 2003. Aspects of the seminar have since been offered to managers and
executives in Austria, Canada, Dubai, France, India, Israel, Japan, Korea,
the Netherlands, New Zealand, Slovenia, Sweden, Switzerland, and the
United States. Drawing on artistic traditions and processes, the seminar
goes beyond traditional management by focusing on our culture’s most
profound understanding and appreciation of “the possible.” The seminar is
designed to develop participants’ capacities to create, support, and enhance
economically vibrant organizations while simultaneously creating a more
peaceful, compassionate, and sustainable society. It explicitly focuses on
leadership, rather than management; and on the more compelling challenge
of significance rather than the more traditional goal of success. The seminar
is designed to enhance who each individual is as a leader, rather than on their
use any particular set of leadership tools or techniques.

Keywords Leadership. Art. Artistry. Learning. Education.

“Em algum momento nos próximos cinquenta anos ou mais, a palavra gerente
irá desaparecer da nossa compreensão de liderança, e que assim seja. Outra pa-
lavra surgirá mais rica em possibilidades, mais útil, que certamente não será de-
cidida numa comissão, que descreverá o novo papel da liderança emergente. Tal
liderança abrange uma pessoa atenta, flexível, centrada no diálogo, espirituosa,
que não tenha desistido de seu intelecto e que ainda possa agir e atuar rapida-
mente quando necessário. Muito da sabedoria necessária para desenvolver essas
características está não em nossas disciplinas empíricas e estratégicas, mas em
nossas tradições artísticas. É o artista em cada um de nós que agora devemos
mostrar para o mundo, seja trabalhando numa fundação para promoção da
arte ou numa organização petrolífera. Com autonomia, é necessário desper-
tar os nossos poderes artísticos e visionários em nossas refinadas competências
analíticas e dedutivas.” David Whyte (1994, p. 240-241), poeta.

Aprendizagem: um Processo Artístico


“O [artista... precisa da praticidade de se estabelecer na vida para testar e moderar o lirismo
do insight com a observação da experiência. A corporação necessita do insight [do artista]... e
do poder de concentração a fim de conectar a criatividade e o mundo interior da alma com o
mundo exterior da forma e da matéria. O encontro desses dois mundos constitui o cerne da
[liderança excepcional].” — David Whyte (1994, p. 9)
A experiência tem mostrado que os líderes são intensamente lançados para fora da zona de
conforto para uma zona de aprendizagem, quando as experiências de liderança se baseiam
fortemente em processos artísticos e criativos, na reflexão e nos aspectos simbólicos da
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 15

liderança. Isso é fundamentado por pesquisas recentes sobre liderança, sugerindo que os
líderes excepcionais são aqueles capazes de buscar inspiração, tanto em fontes espirituais
quanto mundanas, para articular e comunicar simbólica e artisticamente. O seminário “Arte
da liderança” baseia-se numa ampla gama de tradições e processos artísticos— incluindo
o literário, o visual e as artes cênicas — com o intuito de melhorar a capacidade dos
participantes de fazer contribuições significativas para suas empresas e para a sociedade
como um todo.
O seminário usa a experiência de artistas para aprofundar e enriquecer as capacidades dos
participantes de compreender e interpretar a si mesmos e ao mundo em redor. Para esse
fim, o seminário está estruturado a partir de encontros com artistas renomados, bem como
através de experiências de liderança utilizando uma gama de processos artísticos. A seguir,
apresenta-se uma breve descrição dos seis dias do seminário. Observe que o seminário
propriamente dito está constantemente envolvendo a reflexão da cultura e a experiência dos
participantes, a disponibilidade de artistas específicos e instituições de artes, bem como as
experiências mais recentes baseadas em artes que parecem mais atraentes.

Um Concerto para a Aprendizagem da Liderança: 12


Movimentos em 6 Dias
“O tempo parece apropriado para esta dupla fertilização [das artes e da liderança]. Parece
que todas as instituições maduras do mundo, de corporações aos Estados, encontram-se em
apuros e estão clamando, mesmo que relutantemente, ao seu povo por mais criatividade,
empenho e inovação”. — David Whyte (1994, p. 21)

1º MOVIMENTO: Introdução à Arte da Possibilidade


Metáfora Artística: Música & Condução
Artistas e líderes enfrentam desafios similares: ver a realidade como ela é, sem sucumbir
ao desespero, enquanto imagina simultaneamente possibilidades que vão muito além da
realidade atual; ter a coragem tanto de combater o engodo quanto de articular futuros
possíveis que, até então, permaneceram inimagináveis; e inspirar as pessoas individualmente
e coletivamente a se superarem em benefício de todos. Esta sessão introdutória começa
explorando os métodos dos grandes artistas e das tradições artísticas nos quais se
fundamentam a liderança extraordinária. A razão inicial para participar deste seminário
exclusivo está contida na apreciação de Arthur Frank do aforismo de Goethe — “cada dia
deve-se ler um poema, olhar para uma obra de arte e ouvir alguma música”.2
O seminário, no entanto, reconhece que a maioria dos gestores não confia nas artes para
modelar suas conceituações de liderança. Antes que eles se afastem como não-artistas, o
poeta David Whyte (1994, p.18) lembra-lhes que embora seja “difícil obter informação dos
[pinturas e] poemas,[...]pessoas morrem miseravelmente todos os dias por nada encontrar
16 Liderando com Maestria

neles.”3 Usando a filosofia da liderança e a abordagem do maestro Benjamin Zander da


Filarmônica de Boston, esta primeira sessão introduz a filosofia, a abordagem e a estrutura
do seminário. Além de ler o livro de Zander (2000), The Art of Possibility, publicado pela
Harvard Business School Press, eles também assistem ao seu filme (1998). Outras leituras
recomendadas para melhor compreender o relacionamento entre as artes e a liderança
incluem Adler (2011, 2006, 2003), Austin e Devin (2004), Darso (2004), Paulus e Horth
(2002), Schein (2001), Seifter (2004), juntamente com Amabile (1996), Gibb (2006), Kao
(1996) e a edição especial da revista Reflections on Leadership and the Arts (2001).
Apreciando a aprendizagem: tudo é construído. Com intuito de aplicar os conceitos
de liderança de Zander em suas próprias vidas e começar a mover-se da abordagem
avaliativa comum para uma perspectiva mais apreciativa, os participantes são convidados
a escrever uma carta contemplativa descrevendo sua própria liderança: “Michelangelo é
frequentemente citado como tendo dito que, dentro de cada bloco de mármore habita uma
bela estátua; somente precisa-se remover o excesso de material para a obra de arte se revelar
de dentro” (Zander & Zander, 2000, p. 26).
Baseado na leitura de “The Art of Possibility” dê para si próprio um 10 pelo que você aprendeu
sobre si mesmo como pessoa e como líder durante o ano. Lembre-se que o Dez não é
corresponder às expectativas, mas sim uma possibilidade na vida. Conforme descrito no
capítulo 3 de “The Art of Possibility”, escreva uma carta para mim datada no futuro, daqui a
um ano, começando com “Eu consegui o meu Dez, porque ....” Na carta, descreva o mais
detalhadamente possível a sua história até o final do ano, entrando em sintonia com você
mesmo recebendo essa nota extraordinária por seu aprendizado e desenvolvimento como
um líder. Escreva a carta no tempo passado.
Coloque-se no futuro, olhando para trás ao longo do ano, e relate as ideias mais importantes
que você adquiriu e marcos que alcançou durante esse ano, como se essas realizações fossem
no passado. Não inclua frases tais como “Eu espero”, “Eu pretendo” ou “Eu desejo”. Se
quiser, você pode mencionar as metas específicas alcançadas e as façanhas realizadas. O
foco, no entanto, é na pessoa e no líder que você vai se tornar dentro de um ano. Mais
importantes são suas atitudes, sentimentos e visão de mundo. Enfim, projete a pessoa e o
líder que terá feito tudo o que você esperava fazer e terá transformado em realidade tudo
o que você desejou. Observe que, para dar a si mesmo um dez, você precisará gastar mais
tempo pensando e refletindo sobre o que realmente escrever.

2º MOVIMENTO: Liderança Reflexiva – a Arte de Acessar a Sabedoria


Metáfora Artística: Prática Meditativa e Tai Chi
“Somos pessoas ocupadas em uma cultura corporativa motocontínuo.

Mas mesmo a pessoa mais ocupada deseja atividades significativas e inteligentes.

[…]Todos nós desejamos trabalhos mais inteligentes do que mais duros. En-
tretanto, estamos todos familiarizados com as ocupações frenéticas que nos
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 17

impedem da entrega ao silêncio e à contemplação necessária para sermos per-


spicazes.” – David Whyte (1994, p. 98)

Líderes extraordinários refletem diariamente. Considerando que uma variedade de práticas


artísticas pode ser usada para apoiar a prática reflexiva dos líderes, esta sessão apresenta uma
experiência de reflexão com base na antiga arte marcial Tai Chi. Conduzida pelo Sr. Lew
Yung-Chien, CEO, artista e medalhista de ouro em Tai Chi, os participantes aprendem
uma forma de Tai Chi que foi criada especificamente para líderes. O Senhor Lew nasceu em
Xangai e tem praticado a arte da pintura com a tradicional técnica do “pincel seco” na China
e em Taiwan; estudou a arte e a cultura ocidental na École Supérieure des Arts Modernes em
Paris e montou o estúdio de design de comunicação da Hablutzel & Yung em Montreal,
Canadá. Hoje, ele atua como um interlocutor intercultural entre América do Norte e Ásia
para inúmeras empresas multinacionais, órgãos públicos e particulares. Ele ensina formas
clássicas de Tai Chi, ilustradas com imagens significativas que ajudam os líderes a alcançarem
a clareza da mente e do espírito, facilitando assim a melhor compreensão de si mesmos e do
mundo, e aperfeiçoando suas competências de concepção e resolução de problemas. Após
esta sessão introdutória de Tai Chi, os participantes são encaminhados para a sua própria
prática reflexiva diária, usando o periódico Leadership Insight (Adler, 2010 a & b). Cada dia
do seminário é, então, aberto com uma hora de prática reflexiva. Leituras recomendadas
sobre reflexão incluem Drucker (1999), Loehr e Schwartz (2001), Needleman (1998) e
Adler (2010a, 2010b, 2007).

3º MOVIMENTO: Liderança Extraordinária


Metáfora Artística: Redação Criativa, Narrativa e Autobiografia
“A vida está constantemente nos convidando a ampliar os horizontes para além
do que imaginamos” David Whyte (1999)

Gestão, como sabemos, cuida de tarefas diárias. Liderança, por outro lado, transcende a
gestão cotidiana. De acordo com o Professor de Harvard Howard Gardner, um líder é um
indivíduo que, sem recorrer à coerção, usa a persuasão para influenciar significativamente
os pensamentos e comportamentos dos outros. A liderança excepcional exige um nível de
inspiração, perspectiva ampliada, coragem, entendimento e compromisso que transcende a
gestão ordinária. Utilizando a pesquisa de Gardner relatada em seu livro “Leading Minds”,
esta sessão enfoca sobre o que os gestores podem aprender com quem tem sido exemplo
de liderança extraordinária. Entre as leituras recomendadas sobre liderança e líderes
extraordinários incluem-se Gardner (1995) e Franck e outros (2000).
Escrevendo uma autobiografia de liderança. Depois de analisar as pesquisas sobre líderes
extraordinários, os participantes têm a oportunidade de contar suas histórias de liderança
pessoal. Como uma introdução, os participantes leem a história autobiográfica de Adler
(2008) “Eu sou filha da minha mãe”. Para prepará-los, eles são instigados a pensar sobre o
líder que eles foram, o líder que são hoje e o líder que mais gostariam de ser no futuro e a
18 Liderando com Maestria

escrever uma autobiografia sobre essa pessoa. Eles esboçam o livro (a autobiografia), dão-
lhe o título principal e nomeiam cada um dos capítulos. Então, eles escrevem um sumário
executivo, destacando os principais temas em suas histórias de vida e dando ao leitor uma
razão para querer ler o livro.

4º MOVIMENTO: Poder e Influência – Nossos Líderes Mais Admirados


Metáfora Artística: As Artes Visuais
Esta sessão mantém o foco nos líderes excepcionais. Como Irene Claremont de Castillejo
descreve:
“somente poucos realizam a tarefa colossal de coordenar simultaneamente a
clareza do insight com a habilidade de conquistar um lugar no mundo mate-
rialista. Eles são os heróis modernos [...] Artistas que possuem ao menos um
estilo para conservar juntas as tendências pessoais opostas que de outra maneira
poderiam entrar em conflito. Mas há alguns que não têm nenhum estilo artísti-
co reconhecido para servir a este propósito; eles são artistas da vida. Em minha
opinião, estes últimos são os heróis supremos em nossa sociedade desalmada”
(citada por Whyte, 1994).

Há mais de 10.000 artigos publicados sobre liderança e mais de 350 definições do que é um
líder, e ainda não há consenso entre os especialistas sobre o que separa bons líderes de maus
líderes. Como você definiria a liderança? Como você definiria a liderança excepcional? Quais
tipos de liderança você mais admira? Com base na sua experiência e observações, quais tipos
de liderança você acredita que as organizações e a sociedade necessitam no século XXI?
Esta sessão usa fotos dos líderes mais influentes do mundo para trazer à tona a definição
implícita de liderança em cada participante e, em seguida, desenvolve uma definição coletiva
de liderança baseada na dinâmica da sociedade contemporânea e dos negócios. Leituras
recomendadas incluem uma série de artigos sobre teorias de liderança bem conhecidas.
O Líder mais admirado. Na preparação para esta sessão, cada participante seleciona um
líder que ele ou ela admira fortemente e traz um retrato dele para o seminário, juntamente
com uma pequena lista das qualidades, características e comportamentos que lhes fazem
admirar o líder escolhido. Alguns selecionam líderes famosos, como Louise Arbour do
Canadá, Mahatma Gandhi da Índia, Aung Sang Suu Kyi de Burma, Nelson Mandela da
África do Sul ou Jack Welsh dos Estados Unidos, enquanto outros selecionam um membro
da família ou amigo que os influenciou fortemente. Antes da introdução à história das
teorias da liderança, os participantes apresentam seus líderes aos seus colegas para começar
a trazer à tona suas atuais teorias da liderança, ainda que estejam até agora implícitas.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 19

5º MOVIMENTO: As Raízes da Liderança – Aliados & Adversários


Metáfora Artística: Mitologia e Narração de Histórias
Com base no sistema do mitólogo Joseph Campbell e da psicóloga Maureen Murdock
(1998) sobre a jornada do herói e da heroína, nós sabemos que o caminho da pessoa para
a liderança segue fases distintas, cada uma das quais deve ser atravessada com sucesso.
Começando a jornada do líder, uma pessoa ouve o chamado e começa uma aventura de
contribuir com o mundo de um jeito particular e por meio disso alcança seus objetivos de
vida. Como parte da jornada, líderes enfrentam todos os tipos de obstáculos que estão em
seu caminho, tentando impedi-los de realizar seus objetivos.
Para passar com êxito por essa rota de provas, os líderes devem identificar os aliados, as
pessoas e as características de sua personalidade que irão protegê-los e ajudá-los ao longo
do caminho. Os aliados orientam os líderes na estrada da vida e os motiva a permanecer na
sua jornada, não importa quão difícil ela se torne. Os Líderes também encontram muitos
adversários em suas jornadas que os testam e tentam bloquear-lhes o progresso. Semelhante
aos aliados do líder, alguns adversários são externos — pessoas que não querem realizar
as metas dos líderes — e alguns são internos — como as características da personalidade
dos líderes e experiências passadas que os incentivam a tomarem as decisões erradas ou a
desistirem completamente.
Aliados, adversários e autobiografia. Para se preparar para esta sessão, os participantes
identificam os aliados em sua jornada de liderança, incluindo apoiadores externos e forças
internas. Também identificam os adversários internos e externos e desenvolvem estratégias
para superá-los. Para obter uma apreciação das raízes de sua liderança, eles analisam os
mitos sobre liderança que aprenderam com suas mães e seus pais, tanto do que ouviram
pessoalmente deles e delas quanto da observação de seus modos de vida. Para entender
melhor como o passado impacta no futuro e como transcendê-lo, os participantes escrevem
e contam suas autobiografias de liderança — a história de suas vidas, desde o nascimento até
a idade de 100 anos. Leituras recomendadas incluem Murdock (1990) e “Histórias pessoais”
(2001).

6º MOVIMENTO: Projetando Futuros Possíveis – A Arquitetura da


Possibilidade
Metáfora Artística: Arquitetura e Design
O desafio da liderança do século XXI está criando opções dignas de escolha, ao contrário
do que tem sido o pilar da maioria dos programas de gestão: a aprendizagem de técnicas
analíticas para escolher entre opções do passado. Usando a abordagem de design do
arquiteto William McDonough, esta sessão investiga o que significa criar e implementar
uma visão transformacional do processo. De acordo com o antigo presidente da Ford Motor
Company, William Clay Ford Jr.: “existem muito poucos visionários que são práticos — Bill
McDonough é um dos mais profundos pensadores ambientais no mundo.”
20 Liderando com Maestria

A Revista Times, na concessão do título de distinção como um dos heróis do planeta ao


arquiteto McDonough, declarou que sua utopia “é fundamentada numa filosofia unificada
que — de forma demonstrável e prática — está mudando o design do mundo.” Durante
a sessão, os participantes assistem ao filme “A próxima Revolução Industrial: William
McDonough, Michael Braungart e o nascimento da economia sustentável.” As leituras
recomendadas para a sessão incluem McDonough (1993, 2001), McDonough e Braungart
(1998, 2002), Boland e Collopy (2004), Cameron (2003), Liedtka e Mintzberg (2005) e
Moreira (2004).

7º MOVIMENTO: Imagens de Líderes – Liderança Simbólica, Poder e


Influência.
Metáfora Artística: Desenho, Pintura e Narrativas
“O trabalho de cada pessoa, seja músico ou fotógrafo ou arquiteto [...](ou líder
organizacional), é sempre um retrato de si mesmo” – Samuel Butler

Em toda a história da humanidade, diferentes sociedades retrataram seus líderes como o


mais poderoso membro de sua coletividade. Qual é a sua imagem de um líder? Como a
figura dos líderes expressa poder, influência, status e integridade? Considerando a imagem
visual deles, por que importantes zonas eleitorais escolhem seguir alguns líderes, mas
não outros? Dado que o século XXI é a era da comunicação visual, esta sessão explora a
melhor forma de comunicar a liderança visualmente, incluindo a criação de autorretratos
de liderança. Os participantes têm a oportunidade de explorar como os símbolos visuais
e artísticos influenciam o ponto de vista de seus colegas sobre a liderança; eles recebem
um feedback intercultural sobre o impacto dos símbolos artísticos que eles escolheram para
representar a sua própria liderança. A sessão explora alguns dos mais poderosos símbolos
para comunicar a liderança numa sociedade e numa economia globalmente integradas. A
leitura recomendada inclui Guthey e Jackson (2005) e Perkins (1994).
Liderança Simbólica, Poder & Influência. Para se preparar para a sessão, os participantes
assumem que eles foram selecionados para ser o CEO da organização que mais gostariam
de dirigir. Eles selecionam uma obra de arte (pintura, escultura, etc.), para exibir no próprio
escritório, que melhor transmita a imagem de liderança, incluindo a expressão da influência
e do poder que acompanham o papel deles. Eles trazem uma foto dessa obra de arte para
a sessão juntamente com uma breve descrição da imagem da liderança que eles estão
tentando transmitir e por que eles acham que tal obra particular efetivamente transmite
essa imagem. Os participantes podem selecionar sua obra de arte da própria coleção ou on-
line num dos grandes museus do mundo, fazendo um tour virtual em coleções como aquelas
disponíveis no Museu Egípcio no Cairo, no Hermitage em Moscou, no Louvre em Paris,
no Metropolitan Museum of Art em Nova York, no Prado em Madrid, no Museu de Arte
de Xangai na China e no Museu Nacional de Tóquio no Japão.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 21

8º MOVIMENTO: Líder como um Contador de Histórias – Comunicando


Valores Significativos
Metáfora Artística: Cinema, Direção e Narrativa
Enfatizando a tragédia em Darfur, o escritor do editorial do New York Times, Nicholas
Kristof (2006), lembra-nos de que “talvez a distinção mais marcante na história do genocídio
não é entre aqueles que assassinam e aqueles que não matam, mas entre os ‘expectadores’ que
fecham os seus olhos e os ‘manifestantes’ que protestam e denunciam”. Talvez a distinção
mais marcante entre as pessoas que assumem a liderança, não importa qual seja seu real
papel na sociedade, e aquelas que não assumem, seja a mesma que entre expectadores
que fecham seus olhos e manifestantes que denunciam e se posicionam. Líderes devem
comunicar sua visão e suas intenções ou eles não conseguem influenciar qualquer colégio
eleitoral significativo.
A pesquisa sugere que a mais poderosa forma de comunicação para líderes é contar histórias.
Nesta sessão, a diretora premiada com o Oscar de melhor documentário em 1977, Beverly
Shaffer, descreve técnicas cinematográficas usadas para comunicar histórias que transmitem
valores significativos. Durante a sessão, os participantes assistem ao documentário dirigido
por Shaffer, “O Dom do Sr. Mergler” (Mr. Mergler’s Gift, 2005), e então trabalham com
questões que são mais significativas para eles quando desenvolvem suas próprias capacidades
de comunicar convincentemente mensagens profundas.
Tomar uma posição: escrevendo uma carta para o editor. Na preparação para esta sessão,
os participantes selecionam um tema no mundo ao qual estão apaixonadamente ligados
e examinam como os negócios estão influenciando, ou poderiam atuar, como um agente
benfeitor para o mundo em relação a essa questão. Eles, então, redigem uma carta para
o editor afirmando sua perspectiva, defendendo uma posição e recomendando ações da
maneira mais convincente possível.

9º MOVIMENTO: Liderando num Mundo Complexo e Caótico – A


Improvisação Eficaz
Metáfora Artística: Improvisação e Teatro
“Uma sinfonia é a conquista da harmonia de todas as vozes juntas, cuja sintonia
é o que a liderança é realmente. Não se trata de vencer ou perder – mas de fazer
música juntos” (Bem Zander, Maestro da Filarmônica de Boston, 1998, p. 24).

O ritmo da vida está pulsando mais rápido e mais caoticamente do que em qualquer outro
período histórico já registrado. “[...] O ser humano espera fazer[…]ordem a partir do caos;
nós almejamos criar estabilidade, ao descobrir um lugar no qual ficar[...] (Whyte, 1994, p.
218). Em tal contexto, um líder mundial deve combinar desenvoltura estratégica com reflexão
cuidadosa. Já há meio século, as pesquisas de Henry Mintzberg demonstraram que um
executivo médio é interrompido a cada 5 minutos. Ao contrário do que se imagina, líderes e
22 Liderando com Maestria

administradores não têm a luxúria de longos períodos ininterruptos de tempo para pensar e
planejar. Essa sessão introduz as ciências da complexidade como um meio de compreender
o ambiente aparentemente caótico no qual a maioria dos líderes atua. É introduzida a
concepção do fazer artístico do Professor da Harvard Business School, Rob Austin, e do
diretor de teatro Davin Lee, em vez do fazer industrial, como uma abordagem eficaz para
a liderança na turbulenta economia e sociedade do século XXI. Ator, escritor, produtor e
diretor de teatro de improviso, Rob Nickerson treina os participantes numa série de técnicas
do teatro de improviso criadas para desenvolver as habilidades necessárias para responder
espontaneamente, como indivíduos e como times, a desafios complexos enfrentados pelos
líderes, num mundo extremamente mutante. Entre as leituras recomendadas, incluem-se
Gladwell (2005), Austin e Devine (2003), Crossan (1997), Cross e Sorrenti (1997), Olivier
(2003) e Olivier e Janni (2004).

10º MOVIMENTO: Poesia e a Coragem para Liderar


Metáfora Artística: Poesia & Narrativa
“Quando o poder conduz a pessoa para à ignorância, a poesia recorda-lhe de sua limitação.
Quando o poder reduz o campo de interesse da pessoa, a poesia recorda-lhe da riqueza e
diversidade de sua experiência. Quando o poder corrompe, a poesia limpa, através da arte se
estabelece as verdades humanas básicas que devem servir de ponto de referência ao nosso
julgamento.” Ex-presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy.
Segundo o poeta David Whyte, “O que quer que nós escolhamos fazer, os riscos são
muito grandes. Com um pouco mais de cuidado, um pouco mais de coragem e, acima
de tudo, um pouco mais de alma, nossa vida pode ser assim facilmente descoberta e
celebrada no trabalho[...]” (Whyte, 1994; p. 298). Por que as pessoas trabalham? O que as
leva a se comprometerem tão fortemente com uma organização e sua missão, até mesmo
voluntariando-se para trabalhar, mesmo não sendo remuneradas para tanto? Esta sessão usa
a poesia de David Whyte para tratar de questões relacionadas ao significado do trabalho.
Whyte trabalha com grandes empresas e organizações por todo o mundo envolvendo-as
em conversações corajosas sobre como as pessoas podem transformar seu local de trabalho
num dos ambientes mais profundamente significativos de sua vida — uma meta que é
especialmente importante, dada a quantidade de tempo que as pessoas passam no trabalho.
Dentro do contexto de trabalho significativo, a vida organizacional é recheada com
momentos que exigem a máxima coragem: a coragem de ver a realidade como ela é, mesmo
quando nem a sociedade e nem os colegas concordam com as suas percepções; a coragem
de imaginar futuros possíveis, mesmo quando os colegas consideram tais possibilidades
ingênuas, irrealistas, tolas e/ou irracionais; a coragem de apresentar a realidade atual e as
possibilidades futuras tão poderosamente que inspire as pessoas a seguir; e a coragem de
falar o que pensa — a coragem de agir. A sessão investiga a relação entre intenção e ação
corajosa através de questões como: quando você agiu corajosamente no passado? O que
apoiou sua ação corajosa? O que podemos fazer como líderes para apoiar a ação corajosa
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 23

dos outros?
Histórias pessoais de coragem. Para se preparar para a sessão, os participantes escrevem
uma história pessoal de coragem no contexto da liderança, utilizando o ciclo de narrativas
clássicas do mitólogo Joseph Campbell para estruturá-la: (1) o chamado para a ação —
algo tão poderoso que o líder se sente compelido a agir; (2) o limite — um incidente
após o qual não há retorno; (3) a luta — seja entre várias pessoas, ou entre as pessoas e as
circunstâncias, ou entre emoções em conflito ou princípios dentro de si mesmo; (4) outro
limiar – uma resolução para lutar; e (5) um retorno — uma reintegração de volta ao lar ou
à vida regular. Entre as leituras recomendadas para esta sessão, incluem-se Adler e Hansen
(2012), Schulessler (2001), Exxex e Mainemelis (2002), Whyte (1994, 2001), March (2006)
e Palmer (1999).

11º MOVIMENTO: Desenvolvendo a Efetividade – Ensaiando


Metáfora Artística: Artes Cênicas
Antes da apresentação do artista, seja ator, dançarino ou músico, ele ensaia bastante para
uma performance importante. Durante o ensaio, o artista experimenta novas formas de
expressar-se para criar a mais poderosa performance possível. Esta sessão é estruturada
para dar tempo de equipe para um ensaio final antes da sua apresentação. Ao aprimorar
a apresentação, eles se concentram no público — seus colegas. O que a apresentação lhes
permitirá aprender a mais? O que tornará a apresentação memorável? O que eles vão
escolher para começar a performance no intuito de despertar o público para o conteúdo da
apresentação, relacionando-o com as ideias e abordagens recentemente apresentadas?

12º MOVIMENO: Liderando de Qualquer Cadeira


Metáfora Artística: Mídia Misturada e Multimídia
“Afinal, trata-se de responder à questão, ‘por que alguém desejaria ser liderado
por você?’” Professora Stella Nkomo, do Business Leadership Institute, África
do Sul.

Nas complexas organizações atuais, muitas pessoas assumem os papéis de liderança,


enquanto cada um está constantemente aprendendo. Nesta última sessão, os participantes
alternam entre líder e seguidor — entre ser como executivos treinadores de seus colegas e
participantes como aprendizes contínuos. Baseado num conjunto de processos artísticos, os
participantes conduzem seus colegas através de uma série de experiências de desenvolvimento
de liderança baseadas em artes.
Apresentação e Relatório “A arte da liderança”. Na preparação para esta sessão, cada equipe
participante seleciona uma forma de arte que será usada na criação de uma apresentação
e um relatório cujo objetivo é melhorar a capacidade de liderança de seus colegas. As
24 Liderando com Maestria

equipes examinam como o tipo de arte tem sido usado para a liderança ou aprendizagem
organizacional. Eles, em seguida, criam uma apresentação interativa e experiencial,
envolvendo, assim, os participantes do seminário nos diversos processos artísticos.

Notas
1 Tradução: Paulo Wenderson Teixeira Moraes e Claudiani Waiandt
2 Frank guarda o aforismo de Goethe consigo como “um credo estético”, lembrando-lhe “que o
mundano merece ser modelado pelo artístico.” Franck et al. (1998: 275). Note que uma nova
edição de “What does It Mean to be Human?” foi publicado em 2000 pela St. Martin Press,
Nova Iorque.

3  Ver o trabalho de Adler utilizado para liderança: http://www.mcgill.ca/desautels/beyond-


business/art-leadership

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Nancy J. Professora na McGill University, Canadá, onde ocupa a Bronfman Chair


Adler em Administração. Realiza pesquisas e consultorias internacionais sobre
liderança global e administração intercultural. Autora de 125 artigos,
produziu 4 filmes e publicou 10 livros. Ela é membro da Academy of
Management, da Academy of International Business e da Royal Society of
Canada. É também artista e suas pinturas são expostas pelo mundo.
28 Liderando com Maestria

Foto: Nancy Adler


© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 29

Foto: Nancy Adler


30 Liderando com Maestria

Foto: Biba Rigo


s e t . /d e z . 2013
v.2n.3 p . 3 1 - 3 7
ISSN: 2317-2428
copyright@2013
www.rigs.ufba.br

Considerações sobre os Estudos de Liderança e a


Arte na Formação do Líder Contemporâneo
Adelaide Maria Coelho Baêta e Reginaldo de Jesus Carvalho Lima

Resumo A crescente complexidade da sociedade e a necessidade de respostas


rápidas num mundo globalizado exigem das empresas a reformulação de
seus processos tradicionais de forma a reinventar o próprio negócio. Nesse
contexto, observa-se a evolução do conceito de liderança exigindo dos
líderes contemporâneos a capacidade de lidar com situações que requerem
criatividade e aprendizagem contínuas. Dessa perspectiva, este artigo tem o
objetivo de contribuir para a reflexão sobre o papel da arte na formação de
líderes.

Palavras-chave Liderança. Inovação. Criatividade. Formação de Líderes.

Abstract The increasing complexity of society and its demand for fast answers in a
globalized world makes it mandatory for companies to reformulate their
traditional processes, so that they can recreate their own business. In
this context, the evolution of the concept of leadership can be observed,
requiring the ability to deal with situations demanding creativity as well as
continuous learning. From this perspective, the objective of this article is to
contribute to the process of reflecting upon the importance of art within
leader development programs.

Keywords Leadership. Innovation. Creativity. Leader Development Programs.


32 Considerações Sobre a Arte na Formação do Líder Contemporâneo

A “liderança” é um fenômeno amplamente discutido e cuja relevância tornou-se


inquestionável, sobretudo no cenário contemporâneo. Conforme já destacava Bergamini
(1994), esse assunto tem, há tempos, exercido certo fascínio sobre os estudiosos. A literatura
especializada congrega uma multiplicidade de enfoques e sinaliza a necessidade de se buscar
novas óticas de estudo, sem desconsiderar, é claro, as contribuições já postas. Na sequência,
resgatam-se alguns aspectos que demarcaram a trajetória do tema ao longo dos anos.
O estudo da liderança, tão caro à gestão, guarda relação com outras questões complexas
como, por exemplo, o poder e suas múltiplas manifestações no contexto organizacional.
Nesse sentido, admitem-se dois enfoques possíveis, a saber: a) a liderança enquanto
fenômeno grupal; b) a influência intencional. No primeiro caso, discute-se a influência dos
coletivos no exercício da liderança, interessando desvendar a morfologia e a dinâmica que
constituem os agrupamentos humanos. Trata-se de uma vertente pela qual a liderança é
visualizada como uma resultante da interação entre líderes e liderados. Por seu turno, o
segundo aspecto diz respeito à natureza proposital da liderança. Nessa linha, enfatizam-se a
intencionalidade e a consciência deliberada do líder que arquiteta configurações necessárias
para o estabelecimento de sua influência sobre os demais.
Durante os anos 1980, houve uma efervescência do tema, tendo sido produzida uma vasta
gama de publicações. A análise das diversas abordagens revela um movimento que pendula
do indivíduo para o contexto. Inicialmente, buscou-se compreender “o que é o líder” por meio
do estudo das características que subsidiavam seu desempenho superior. Essa perspectiva
é bem expressa na chamada “Teoria dos Traços” que encerra um enfoque estático, segundo
a qual as qualidades dos líderes (leia-se características inatas) fundamentavam sua postura
excepcional (BASS, 1990; BRYMAN, 1992; McCLELLAND, 1975; STOGDILL,
1974). Para os adeptos dessa linha, interessava identificar e isolar os caracteres que melhor
distinguiam a personalidade do líder. Nesse sentido, afirmou Yukl 1989 apud BERGAMINI,
1994):
Os primeiros pesquisadores em liderança não estavam seguros sobre que tipo
de traços seriam essenciais à eficácia da liderança, mas confiavam que tais traços
poderiam ser identificados pela pesquisa empírica. (YUKL, 1989 apud BER-
GAMINI, 1994).

Na medida em que as revisões dessas pesquisas evidenciaram certas limitações, houve


interesse em ampliar o foco analítico e compreender “como” o líder agia. Assim, na década
de 1950, o direcionamento dos estudos voltou-se para a dinâmica do comportamento, a
partir dos trabalhos de Kurt Lewin. Essa ótica estimulava a reflexão acerca do conjunto
de comportamentos típicos dos líderes e admitia a possibilidade de se treinar e orientar
indivíduos com base em modelos tipificados. Portanto, passou-se a considerar a possibilidade
de “induzir” o potencial de liderança que, gradativamente, deixava de ser visualizado como
algo inato. Os estudos sobre estilos de liderança foram impulsionados pela Ohio State
University e University of Michigan, em meados do século passado, tendo sido influenciados
pelos trabalhos de Likert e orientados à compreensão do cotidiano dos gestores (BLAKE;
MOUTON, 1980; HERSEY; BLANCHARD, 1977). Apesar da contribuição, esses
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 33

estudos foram alvo de críticas por vincularem-se à compilação de listas de estilos ideais,
denotando um reducionismo restritivo para a compreensão mais aprofundada do fenômeno.
No intuito de superar as fragilidades apontadas nos estudos anteriores, emergiram outras
frentes de pesquisas revestidas de caráter mais abrangente que levavam em conta o contexto
em que o líder atuava. Conforme destacaram Bowditch e Buono (1992) e Robbins (2005),
vários estudos foram desenvolvidos nessa direção, tais como: Teoria Contingencial de
Fiedler, Teoria do Caminho-Meta de Robert House, Teoria Situacional de Hersey e
Blanchard, Modelo do Estilo Líder-Participação de Vroom e Yetton, Teoria da Atribuição,
Teoria do Processamento de Informações Sociais, Relações Líder-Membro.
Merece destaque a emergência de proposições relativas à liderança transacional que enfatiza
a articulação de processos de troca pelos quais o líder recompensa o comportamento dos
liderados. Outra perspectiva relevante refere-se à liderança transformacional que ressalta
o carisma do líder como aspecto relevante para estimular o potencial dos liderados e sua
capacidade de dotá-los de autonomia para que atuem como agentes de mudanças.
Os apontamentos resgatados, até este ponto, insinuam que os estudos empreendidos
envolveram aspectos ainda pouco claros que dizem respeito à relação entre o indivíduo
(líder) e o ambiente em que atua. Torna-se evidente que aquelas abordagens pautadas numa
racionalidade que desvinculava o sujeito de seu contexto incorreram num reducionismo
capaz de comprometer a compreensão mais ampla do fenômeno. É neste sentido que
ganham espaço e relevância os enfoques que procuram abrir novas possibilidades de
compreensão. Tornam-se “bem-vindas” alternativas que tratem da liderança como expressão
de indivíduos que mobilizam, articulam e aplicam recursos por meio de relações complexas,
sustentadas em aspectos subjetivos, simbólicos e sensíveis. Para além de mitificar ou ofuscar
a compreensão, esses aspectos jogam luz sobre a natureza social da liderança, considerando
que sua gênese se dá num processo de relação social. Conforme apontaram Pagès et al.
(1987, p. 31), não se deve perder de vista que “a organização é um conjunto dinâmico de
respostas e contradições” e que os líderes precisam reinterpretar e atribuir significados à
realidade com a qual se deparam (BENNIS; NANUS, 1988).
Como observa Carvalho Neto (2010):
[...] no caminho percorrido pelas teorias sobre liderança, a partir dos anos 1980,
incorporou-se também a necessidade de se levar em conta a cultura nacional,
em um mundo onde as diferenças estão cada vez mais presentes, onde o líder
deve ter a capacidade de conviver com a novidade, com a diversidade, com o
diferente, tirando o melhor proveito desse embate para a organização da qual é
responsável (CARVALHO NETO, 2010, p. 81).

Segundo Davel e Melo (2005), durante os processos de atuação, interação e simbolização,


o líder atua:
[...] na formação e na manutenção do contato entre as pessoas; monitoram, fil-
tram e disseminam informações; alocam recursos; regulam distúrbios e mantêm
os fluxos de trabalho; negociam; inovam; planejam; controlam e dirigem subor-
34 Considerações Sobre a Arte na Formação do Líder Contemporâneo

dinados, e mobilizam elementos culturais e simbólicos locais, organizacionais,


familiares, regionais e nacionais. (DAVEL; MELO, 2005, p. 36).

Uma experiência que se fundamenta nos enfoques mais atuais sobre o tema é descrita por
Adler (2013) e refere-se ao seminário, promovido em 2003 pela Universidade de McGill,
intitulado “A arte da liderança”. O que chamou a atenção nessa iniciativa foi justamente
a valorização da construção de sentido como elemento essencial ao desenvolvimento da
liderança, em detrimento da meta mais tradicional de sucesso. Nessa perspectiva, os esforços
orientaram-se para aperfeiçoar o potencial de liderança dos participantes, ao invés de utilizar
qualquer conjunto particular de técnicas ou ferramentas prescritas.
Na reflexão sobre “liderança”, não se deve perder de vista, conforme explicou Vergara (2007,
p. 63), “o quanto a construção do mundo e de nós mesmos foi alicerçada em um pensamento
cada vez mais fragmentado que ainda domina a humanidade”. Reconhecendo a influência
desse esfacelamento nas decisões e ações dos líderes, essa autora alertou, “teremos de admitir
que esse tipo de pensamento criou modelos mentais que hoje já não conseguem mais
responder aos desafios com que líderes se defrontam a cada dia” (p. 63).
Os estudos recentes sobre liderança vêm reforçando a necessidade de encarar o desafio atual
de grande parte das organizações que se encontram em um patamar entre a estabilidade e
instabilidade e, nesse contexto, a persistente busca pela estabilidade, em vez de ser benéfica,
apresenta-se como uma das causas da decadência e morte organizacional. A ideia de uma
relação direta e ambígua, por vezes contraditória, entre o indivíduo e o contexto em que atua
é, com propriedade, elucidada por Vergara (2007, p. 62) que nos relembra, “somos todos seres
situados”. Tempo e espaço são, portanto, variáveis determinantes de uma realidade dinâmica
e envolvente que, de forma sutil ou voraz, impõe desafios ao exercício da liderança. Dessa
noção decorre, na visão dessa autora, a pertinência do “pensamento complexo”, nos termos
empregados por Edgar Morin. Segundo ela, a aquisição e a renovação de conhecimentos
tornam-se necessárias diante de uma realidade turbulenta e, nesse sentido, explica que uma
postura orientada à aprendizagem de si mesmo, do outro e do contexto pode contribuir para
adoção de novos comportamentos.
Em sua análise sobre a contribuição das ciências sociais para o estudo da liderança, Dourado
(2010), referindo-se à contribuição da teoria da complexidade, estabelece que qualquer
organização deve ter inovadores, pessoas curiosas, um tanto transgressoras, o suficiente para
trazer algo inédito, impensado, que se oponha ao conformismo próprio daquelas pessoas que
não se preocupam com o bem estar ou o futuro da organização, prestam seus serviços, mas
estão empenhadas em seus próprios interesses. Tal teoria sugere ainda que a maior fonte de
criatividade vem de dentro – da interação de indivíduos e grupos dentro da organização –
cujas ações, intercâmbios e adaptações podem redirecionar a organização como uma liderança
emergente. E acrescenta:
A liderança emergente se apresenta para estimular e imprimir significado aos padrões,
fornecer elos a estruturas emergentes, fortalecendo portanto as conexões entre os membros da
organização. Os líderes e gestores organizacionais precisam entender os novos padrões e lidar
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 35

com situações de complexidade, mais do que seus resultados; devem focar menos em controlar
o futuro e mais em permitir, estimular futuros produtivos.
Nesse aspecto, a arte apresenta-se como elemento essencial na formação do líder, sobretudo
considerando os desafios que os líderes atuais enfrentam num mundo de rápidas mudanças
em que é essencial a capacidade de compreender e interpretar a si mesmos e ao mundo que os
cerca para responder à exigência de reinventar as organizações e inovar.
Coerentemente, Adler (2013) enfatiza que artistas e líderes enfrentam desafios similares: ver
a realidade como ela é, sem sucumbir ao desespero, enquanto imagina simultaneamente as
possibilidades que vão muito além da realidade atual; ter coragem tanto de combater o engodo
quanto de articular futuros possíveis que, até então, permanecem inimagináveis; e inspirar as
pessoas individual e coletivamente a se superarem em benefício de todos.
A capacidade de ver além das aparências, que se adquire no exercício da arte, pode ser
vislumbrada nos versos da poeta Adélia Prado: “fico triste quando olho pedra e vejo pedra
mesmo, pois é sinal de que a poesia me faltou”.
Para assinalar a importância de associar praticidade e capacidade artística, Adler (2013) recorre
ao poeta David Whyte (1994):
O artista precisa da praticidade de se estabelecer na vida para testar e moderar
o lirismo do insight com a observação da experiência. A corporação necessita
do insight do artista e do poder de concentração a fim de conectar a criativi-
dade e o mundo interior da alma com o mundo exterior da forma e da matéria.
O encontro desses dois mundos constitui o cerne da [liderança excepcional]
(WHITE apud ADLER, 2013, p. 2).

Com o objetivo de despertar e aperfeiçoar essa capacidade de liderança entre os participantes,


o Seminário A Arte da Liderança promoveu, durante seis dias, o encontro dos gestores e
executivos de diferentes países com artistas renomados. A fim de superar a desconfiança de
gestores para com as artes como fonte de inspiração para suas decisões, os participantes foram
levados a conhecer e apreciar o processo de aprendizagem artística, em que a construção
exige contemplação, coragem e silêncio interior.
Numa demonstração da relevância da arte na formação de líder, Adler (2013) cita John
Kennedy, ex-presidente dos Estados Unidos:
Quando o poder conduz a pessoa à ignorância, a poesia recorda-lhe de sua lim-
itação. Quando o poder reduz o campo de interesse da pessoa, a poesia recorda-
lhe a riqueza e diversidade de sua experiência. Quando o poder corrompe, a
poesia limpa, através da arte se estabelecem as verdades humanas básicas que
devem servir de ponto de referência ao nosso julgamento.

Como se pode observar, os estudos recentes têm enfatizado a importância de uma formação
transdisciplinar, mais voltada para a flexibilidade, a criatividade e a interatividade com vistas
a capacitar o líder para enfrentar os desafios de uma realidade instável, complexa e dinâmica.
36 Considerações Sobre a Arte na Formação do Líder Contemporâneo

Recorrendo a David Whyte, citado por Adler (2013):


O tempo parece apropriado para esta dupla fertilização [das artes e da lider-
ança]. Parece que todas as instituições maduras do mundo, de corporações aos
Estados, encontram-se em apuros e estão clamando, mesmo que relutante-
mente, ao seu povo por mais criatividade, empenho e inovação (WHITE apud
ADLER, 2013, p. 3).

É inegável a importância da arte que, segundo Eisner (2002), tem o papel de refinar os
sentidos e alargar a imaginação para potencializar a Cognição.
Podemos concluir, portanto, que a arte na formação do líder certamente poderá contribuir
para uma melhor compreensão da diversidade do mundo globalizado e prepará-lo para lidar
com situações imprevisíveis, utilizando de sua criatividade para desvendar oportunidades e
mobilizar pessoas para responder às exigências atuais de transcender a realidade tal como hoje
se apresenta.

Referências
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significativa. Revista Interdisciplinar de Gestão Social, Salvador, v. 2, n. 3, p. ???? 2013.
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© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 37

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Adelaide Doutora em Engenharia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Maria Coelho Professora Titular do Centro Universitário de Sete Lagoas. Coordenadora
Baeta do Núcleo de Estudos em Ciência, Tecnologia e Inovação (NiCTI). Áreas
de interesse: Inovação e Interdisciplinaridade.

Reginaldo Doutor em Administração pela UFMG. Membro do Núcleo de Estudos em


de Jesus Ciência Tecnologia e Inovação – NCiTI e do Núcleo Interdisciplinar sobre
Carvalho Gestão em Organizações (Não) Empresariais (Nig.one/UFMG). Áreas de
Lima interesse: Inovação, e Interdisciplinaridade, Gestão de Pessoas.
38 Considerações Sobre a Arte na Formação do Líder Contemporâneo

Foto: Castillo Cultural Center


s e t . /d e z . 2013
v.2n.3 p . 3 9 - 5 7
ISSN: 2317-2428
copyright@2013
www.rigs.ufba.br

A Participação da Federação das Indústrias


do Estado do Espírito Santo no Modelo de
Desenvolvimento do Estado nos Anos de 1960 e
1970
João Gualberto Moreira Vasconcellos e Jamila Rainha

Resumo O objetivo do presente trabalho é identificar o papel da Federação das


Indústrias do Espírito Santo (Findes) na construção do modelo de
desenvolvimento adotado pelo estado do Espírito Santo na segunda metade
do século XX. O processo histórico de articulação de interesse entre Estado
e empresariado no Espírito Santo não segue a mesma lógica do que ocorreu
no Rio de Janeiro e em São Paulo, pois não houve, no Espírito Santo, a
formação de um modelo dual de representação, tampouco a organização dos
industriais foi fruto de surtos de industrialização. Com isso, uma entidade
do sistema corporativista, a Findes, tornou-se a única representante dos
interesses industriais no estado e não encontrou concorrência no acesso
ao governo. Pelo contrário, a Findes participou ativamente da formulação
do plano de desenvolvimento que norteou o desenvolvimento do Espírito
Santo ao fornecer suporte técnico e econômico aos governantes do estado
nas décadas de 1960 e 1970.

Palavras-chave Espírito Santo. Findes. Industrialização. Empresariado. Representação de


Interesses.

Abstract The objective of this study is to identify the role of the Federação das
Indústrias do Espírito Santo (Findes) in the model of development adopted
by the state of Espírito Santo in the second half of the twentieth century. The
historical process of lobbing in Espírito Santo does not follow the same logic
to what happened in Rio de Janeiro and São Paulo, because there was not
in Espírito Santo the formation of a dual model of representation nor was
the industrialists’ organization the result of outbreaks of industrialization.
Therefore, an entity of the corporatist system, the Findes, became the sole
representative of industrial interests in the state and found no competition in
access to government. Rather, Findes actively participated in the formulation
40 A Participação da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo...

of the development plan that guided the development of Espírito Santo to


provide economic and technical support to the state governments in the
1960s and 1970s.

Keywords Espírito Santo. Findes. Industrialization. Business. Lobbying.

Introdução
O processo de desenvolvimento econômico do estado não foge ao modelo brasileiro no
que tange ao papel do poder público como indutor do desenvolvimento econômico. De
antemão, sabe-se que, só no final do século XIX, o Espírito Santo encontrou uma atividade
econômica capaz de amparar minimamente as finanças do estado (BITTENCOURT, 2006).
Nesse período, a atividade cafeeira, a qual estava bem desenvolvida no norte fluminense,
expandiu-se para os estados de São Paulo e Espírito Santo. O café foi a mola propulsora
do desenvolvimento desses dois estados, mas as bases desse desenvolvimento foram bem
diferentes, senão opostas.
Em linhas gerais, enquanto em São Paulo, com o decorrer dos anos, o excedente da produção
de café foi destinado à indústria, com o consequente deslocamento e transformação da elite
cafeeira em uma elite industrial e urbana, no Espírito Santo, a elite agroexportadora não
teve essa capacidade de renovação e diversificação dos negócios, o que, por sua vez, manteve
a economia do estado baseada na monocultura do café por quase um século (CAMPOS Jr.,
1996).
Quando, na década de 30, Vargas criou a estrutura corporativista de representação de
interesses com a intenção de incorporar as classes emergentes (empregadores e trabalhadores)
ao sistema político de forma a facilitar o controle do Estado, o Espírito Santo estava muito
distante desse processo de urbanização e industrialização, o qual era visível no Rio de Janeiro
e em São Paulo. Logo, essas classes tipicamente urbanas não compunham o cenário político
e econômico do estado.
Apenas na década seguinte, as diretrizes centrais do governo Vargas, voltadas para o
desenvolvimento e a modernização da economia, chegaram ao estado do Espírito Santo,
através da instalação, em 1942, da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e da concepção
industrializante do interventor Jones Santos Neves (1943-45). Entretanto, não fora o
suficiente. Os interesses agroexportadores continuaram dominando a cena política capixaba
até a década de 1950, quando houve o endurecimento da política de erradicação do café.
Por isso, é difícil pensar numa elite industrial minimamente representativa no Espírito
Santo antes da década de 60. Daí em diante, o Espírito Santo sofreu bruscas transformações
econômicas em direção à industrialização, num processo marcado pela forte interferência
do Estado.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 41

O objetivo do presente trabalho é identificar o papel da Federação das Indústrias do Espírito


Santo (Findes) na construção do modelo de desenvolvimento adotado pelo estado do
Espírito Santo na segunda metade do século XX. O texto está dividido da seguinte forma:
a seção seguinte discorre, para efeito de comparação, sobre a constituição de um modelo
de representação de interesses dual que prevaleceu no Rio de Janeiro e em São Paulo. Tal
análise permite identificar especificidades no processo de constituição da estrutura de
representação de interesse e o peso que as entidades corporativistas tiveram na estrutura
de representação no Espírito Santo. A terceira seção atém-se ao processo de formação e
consolidação da principal entidade de representação de interesses empresariais no Espírito
Santo no século XX, a Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo. A quarta
seção detalha a participação da Findes como indutora de um modelo de desenvolvimento
voltado à industrialização. Por fim, tem-se as considerações finais.

A estrutura de representação de interesses: o Espírito Santo


em perspectiva comparada
Segundo Leopoldi (2000), a emergência e a consolidação do processo industrial no eixo
Rio de Janeiro-São Paulo estiveram vinculadas ao processo de formação da identidade
de classe dos industriais naqueles estados. No Rio de Janeiro, por exemplo, já no final do
século XIX, o crescimento industrial esteve nitidamente relacionado com o processo de
organização dos industriais em associações de classes em busca de pressionar o Congresso
e os órgãos de Estado responsáveis pela política tarifária, num movimento circular, no qual
o crescimento industrial estimulou a organização dos industriais e essa organização, por sua
vez, impulsionou novos surtos industriais.
Já no Espírito Santo, esse movimento de organização dos interesses industriais não partiu do
crescimento industrial. O processo tardio de industrialização do estado tem nítida conexão
com o também tardio processo de formação de entidades de defesa dos interesses industriais.
Enquanto no Rio de Janeiro a indústria começava a dar passos mais firmes, o Espírito Santo
iniciava, por volta de 1860, através da implantação e desenvolvimento da cafeicultura, seu
primeiro ciclo econômico concomitantemente com a ocupação do território.
Na metade do século XX, a industrialização do Espírito Santo ainda era incipiente. Não
havia setores suficientemente fortes e estruturados que possibilitassem a formação de
associações setoriais para defesa dos interesses como ocorreu, por exemplo, com o setor têxtil
no Rio de Janeiro e em São Paulo, o qual se organizou em torno do Centro da Indústria
de Fiação e Tecelagem de Algodão (CIFTA-RJ/1902) e o Centro das Indústrias de Fiação
e Tecelagem de São Paulo (CIFT-SP/1919). A Federação das Indústrias do Estado do
Espírito Santo foi criada com o intuito de fomentar a industrialização e não como resultado
de um processo de organização de entidades industriais. Além disso, a criação da entidade
ocorreu num período no qual o sistema de representação corporativista no Brasil já estava
consolidado, diferentemente do eixo Rio de Janeiro-sul de Minas Gerais (mais precisamente
Juiz de Fora) e São Paulo.
42 A Participação da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo...

Nesses estados, a formação de entidades de defesa dos interesses industriais surgiu antes
da estruturação do sistema corporativista implantado por Vargas. As primeiras associações
industriais tiveram caráter efêmero, mas desempenharam um importante papel em defesa da
indústria num contexto de amplo predomínio dos interesses agroexportadores e propiciaram
ainda a formação de novas lideranças. A primeira entidade de caráter permanente organizada
pelos industriais sem a interferência estatal foi o Centro Industrial Brasileiro (CIB), em
1904. Sua criação foi motivada pela defesa da tarifa protecionista, mas também não se
pode esquecer que a conjuntura de greves e manifestações operárias foi, historicamente,
um fator motivador da organização de entidades patronais. A década de 1920, apesar de ser
um momento de crise industrial, foi também um período de construção da identidade das
associações da indústria.
Quando Getúlio Vargas chegou ao poder, encontrou os industriais organiza-
dos em associações setoriais e regionais nos principais centros industriais
brasileiros: Rio de Janeiro, São Paulo, Juiz de Fora e Rio Grande do Sul. O
modelo associativo que os industriais haviam adotado supunha: a) uso de en-
tidades privadas; b) intensa colaboração com os poderes públicos; c) estrutura
corporativa privada, formada pelas associações setoriais que, por sua vez, se
uniam num centro industrial regional de caráter abrangente e misto. (LEOP-
OLDI, 2000, p. 75)

No entanto, a burocracia estatal do governo de Vargas, representada pelo Ministério


do Trabalho, Indústria e Comércio, planejava outro modelo de organização sindical.
A sindicalização patronal e de trabalhadores previa a formação de associações de classe
vinculadas ao governo no âmbito local, denominada sindicatos, no âmbito estadual,
denominadas federações, e no âmbito nacional, denominadas confederações. “Os anos 1930
foram assim um período de medição de forças entre o Estado e as associações de indústria,
no que concerne à regulamentação da sua organização sindical.” (ibidem, p, 75).

Leopoldi (2000) defende a tese de que houve continuidade no processo de organização do


setor industrial e não submissão do setor às imposições do governo. Sob essa perspectiva, os
industriais adaptaram seu modelo organizativo àquele planejado pelo governo. Os industriais
não aceitaram passivamente o novo modelo, uma vez que, entre outras reivindicações,
pressionaram o governo para diferenciar os sindicatos operários dos patronais. O êxito
nessa campanha consagrou padrões diferentes de conexão com o Estado (DINIZ, 1996).
As entidades industriais passaram ao status de órgãos consultivos do governo. A maior
facilidade de acesso ao Estado, especialmente numa conjuntura delicada para a indústria,
foi, inclusive, o principal argumento do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo
(Ciesp) para se sindicalizar e atrair novos sócios.
Assim, em São Paulo, a entidade privada Ciesp transformou-se em Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo (Fiesp). No Rio de Janeiro, o CIB foi substituído pela Federação
das Indústrias do Rio de Janeiro (Firj) e, em 1938, a Confederação Industrial do Brasil,
que congregava várias entidades regionais da indústria, incorporou-se ao sistema oficial,
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 43

formando a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Contudo, um ano antes, em 1937,


a Fiesp, sob a orientação de Roberto Simonsen, preocupado em manter a entidade privada
da indústria para garantir a sua representatividade caso o governo desmantelasse o sistema
oficial, desdobrou-se em duas entidades: a Federação das Indústrias Paulistas (Fip), a qual
se manteve como órgão oficial, e a Fiesp, de caráter privado (LEOPOLDI, 2000).
Com isso, a representação dos interesses dos industriais constitui-se com um caráter de
duplicidade, ou seja, organizações sem ligação estatal e também organizações oficiais. Essa
duplicidade tinha sido permitida pela legislação sindical de 1934. Em 1939, o governo tentou
retroceder para um modelo de unicidade sindical, mas sofreu uma ofensiva dos industriais,
principalmente da CNI e da Fiesp. De modo geral, as reivindicações das entidades privadas
e oficiais dos industriais foram atendidas pela burocracia estatal. As associações privadas não
só foram mantidas, como ganharam o status de órgãos técnicos e consultivos do governo,
antes só conferido às entidades de representação oficial. O controle governamental sobre
o sindicalismo dos trabalhadores foi mantido, mas, em relação às entidades patronais, foi
concedida liberdade para se organizar em entidades privadas (LEOPOLDI, 2000).
A duplicidade de representação em entidades privadas e oficiais, “que parecia uma estratégia
defensiva num ambiente de incerteza sobre a política de sindicalização dos anos 30, tornou-
se um poderoso instrumento do setor industrial, especialmente a partir dos anos 50” (ibid,
p. 81). A década de 1950 é marcada pela formação de associações setoriais paralelas – tais
como a Abidib (Associação Brasileira da Indústria de Base) e a Anfavea (Associação
Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), que tiveram importante papel nos
grupos executivos do último governo Vargas e do Governo Kubitschek – e também pela
reativação dos Centros Industriais do Rio de Janeiro e de São Paulo, que mobilizaram
empresários “arrecadando recursos para viabilizar políticas no Congresso através de lobby e
financiamento de campanhas eleitorais” (LEOPOLDI, 2000, p. 89).
As associações paralelas transformaram o sistema corporativista piramidal (sindicatos,
federações e confederações), mas não o extinguiu. O regime militar fragilizou o sistema
corporativo, seja pela interferência realizada na CNI em 1964, seja pela adoção de um
modelo de política econômica formulado por tecnocratas em gabinetes. Para Leopoldi
(2000, p.67), a década de 60 “corresponde a um momento de reestruturação interna (em
âmbito regional) e desestruturação (no âmbito da CNI)”. O caso do Espírito Santo reforça
esse argumento, uma vez que a estruturação da Findes ocorreu no final da década de 50,
tendo na década seguinte forte atuação.
A trajetória da representação empresarial traçada por Leopoldi (2000) expõe que o processo
de industrialização nos estados não esteve descolado do processo de organização de entidades
de classes. O Estado do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, foi o precursor desse movimento
e os setores industriais mais fortes tinham preponderância nas entidades de representação.
Em São Paulo, a indústria foi impulsionada pela cafeicultura, pelos grupos importadores
e pelas casas bancárias. Assim, com interesses convergentes, industriais e comerciantes se
juntaram num primeiro momento para defender seus interesses na Associação Comercial
de São Paulo (ACSP), fundada em 1894. A organização em defesa dos interesses dos
44 A Participação da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo...

industriais nesses estados surgiu, portanto, antes da consolidação do sistema corporativo de


representação implantado por Vargas. Dessa forma, a despeito da fragilidade da burguesia
industrial em meio a uma economia predominantemente agroexportadora, quando Vargas
desenhou um novo modelo de sindicalismo, os industriais se encontravam organizados e
conseguiram concessões do governo, de modo a adaptarem o modelo organizativo existente
àquele desejado pelo governo, além de obterem privilégios não concedidos aos trabalhadores.
A estrutura sindical implantada por Vargas (após algumas reformulações das quais
participaram os próprios industriais) serviu aos interesses dos industriais que perceberam a
possibilidade de acesso ao Estado que tanto desejavam. Embora nunca tenha abandonado a
estrutura sindical (pelo contrário, no caso da Assembleia Constituinte de 1988, a defendeu),
o empresariado de forma geral, e não apenas o industrial, soube muito bem se aproveitar da
estrutura de representação dual, reativando as entidades privadas em momentos oportunos,
tal como no período do regime militar.
No Espírito Santo, ao contrário do que aconteceu em São Paulo e Rio de Janeiro, não
houve um setor industrial de grande porte com empresas e empresários suficientes para se
organizarem em torno de uma entidade de caráter privado. Como no período que precedeu
a institucionalização do sistema de representação corporativista, os setores industriais
encontravam-se em estágio formativo no Espírito Santo, esses não formaram entidades
setoriais. A única entidade que surgiu antes dos anos 1930, a Associação Comercial
de Vitória (ACV), estava ligada aos interesses comerciais e não resistiu ao processo de
sindicalização (SANTOS, 2011).
Com a constituição de um sistema de representação oficial, sem entidades privadas, o
empresariado estadual não se resguardou das incertezas de possíveis interferências do poder
público em suas entidades, tampouco contou com o “poderoso instrumento” que poderiam
ser as entidades privadas de representação em momentos de crise. Por outro lado, a
Findes, sendo praticamente a única representante dos interesses industriais, não encontrou
concorrência no acesso ao governo do Estado.

O surgimento e a consolidação da Findes


Em 1950, praticamente duas décadas após a implantação de um modelo corporativo de
representação no Brasil, o Espírito Santo não sediava nenhuma das 39 federações de
sindicatos de empregadores (IBGE, Estatísticas do Séc. XX apud SANTOS, 2011), uma
situação prejudicial para o estado, já que a existência das federações era imprescindível para
atrair determinados recursos federais, além de facilitar o acesso dos empresários capixabas
às decisões nacionais. Contudo, para constituir uma federação, a lei que regulamentava
a constituição das entidades sindicais exigia um número mínimo de cinco sindicatos
representantes de atividades ligadas ao setor, e, como mostra os dados do IBGE, a
sindicalização patronal no estado era precária.
Além do baixo grau de desenvolvimento industrial, não existia no Espírito Santo, outro
elemento essencial para pressionar a criação de associações patronais: a organização dos
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 45

trabalhadores. Nos grandes centros urbanos1, a crescente mobilização dos trabalhadores


exigia como resposta a organização de entidades patronais. O Espírito Santo era um
estado rural, sem grande massa urbana, sem indústrias para empregar, logo, não havia
sequer trabalhadores urbanos para se mobilizarem, o que, por sua vez, não funcionou como
elemento de pressão à organização dos empregadores. O encadeamento óbvio dos fatos não
teve como consequência o simples adiamento da organização política dos empresários. A
ausência dos trabalhadores no processo alterou a dinâmica das relações de forças.
Diferentemente da maioria dos casos, onde o empresariado se constitui em meio aos
trabalhadores e ao Estado, no Espírito Santo, o empresariado, sem a necessidade de medir
forças com os trabalhadores, voltou-se basicamente para a defesa de seus interesses junto
ao governo estadual. Como resultado desse processo, o empresariado não só concentrou
esforços como também encontrou um Estado não divido entre forças sociais opostas e
aberto às demandas privadas. Tal fato moldaria o caráter da relação Estado-empresariado,
tornando-os mais próximos e facilitando a justaposição de interesses públicos e privados.
O Executivo no Espírito Santo funcionou como indutor da ação coletiva do empresariado.
A proximidade entre governantes e empresários foi personificada por Jones dos Santos
Neves e Américo Buaiz e prosseguiu em governos ligados ao mesmo grupo político. Jones
dos Santos Neves havia sido interventor do estado entre 1943 e 1945, período no qual
esboçou políticas de estímulo à industrialização, voltadas para a criação de condições
estruturais, tal como o Plano de Eletrificação. Foi o esboço de um projeto mais amplo de
desenvolvimento e modernização que seria tocado por Carlos Lindenberg (1947-1950 e
1959-1962) e pelo próprio Jones dos Santos Neves na administração 1951-1954, ambos do
PSD (Partido Social Democrático). Concomitante à emergência dessas lideranças políticas,
Américo Buaiz despontou como uma liderança empresarial que via na organização política
dos empresários e na atuação sindical uma forma de melhorar as condições para os negócios
no estado. Américo Buaiz, com o apoio do governador Jones dos Santos Neves, fundou a
primeira federação do Espírito Santo.
Preocupado com a legitimação política de seu governo e com a formação e
a constituição de apoios políticos modernos, mais consistentes, ao projeto
modernizante que ele e Lindenberg estavam tentando implantar, Jones viu na
emergência de um empresariado ativo e bem-organizado uma base em que
aquele projeto também poderia se apoiar. (SANTOS, 2011, p. 112, grifo nosso)

No dia 7 de janeiro de 1954, reunindo sete sindicatos patronais, a Fecomércio tornou-


se a primeira federação em solo capixaba. Porém, o feito não resolveria a defasagem de
representação patronal de que padecia o estado, nem representaria grandes avanços no
processo de industrialização. Isso só aconteceria com a criação da Federação das Indústrias
do Espírito Santo em 12 de fevereiro de 1958 (RIBEIRO, 2010; GURGEL, 1988).
Neste ínterim, governou o estado Francisco Lacerda de Aguiar (1955-1958), o qual não
tinha preocupações com a modernização das estruturas econômicas e sociais da sociedade
capixaba e realizou um governo na contramão da modernização administrativa e econômica
(ZORZAL E SILVA, 1995; VASCONCELLOS e et al., 2010). Portanto, a “sinergia que se
46 A Participação da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo...

divisara entre um governo regional reformista e modernizador, mas austero, e um movimento


empresarial incipiente, mas disposto a apoiar essa linha (...) interrompeu-se” (SANTOS,
2011, p. 115). O reconhecimento oficial da Findes ocorreu no último ano da primeira
administração de Lacerda de Aguiar, porém, “a Findes só iniciaria sua participação efetiva
nos rumos da política econômica do Espírito Santo no governo de Carlos Lindenberg
(1959-1962)” (RIBEIRO, 2010)2.
Quatro anos após a fundação da Fecomércio, a situação industrial no Espírito Santo não
havia se alterado substancialmente, tanto que a criação da Findes dependeu da iniciativa
do mesmo Américo Buaiz que fundara a Fecomércio. Não existia no estado sindicatos
suficientes para a criação da entidade de grau superior ligada à indústria. Para formar
uma federação eram necessários cinco sindicados, sendo que cada sindicado precisava ter
12 firmas filiadas. Américo arregimentou entre seus companheiros do Lions Club e da
Federação do Comércio membros para compor os sindicatos.
Conseguimos formar a Federação das Indústrias, constituí-la. Pode-se verifi-
car isso no livro de constituição, que eu classifico de “alguns gatos pingados”,
mas de homens de muita fibra e muito bem-intencionados. Constituímos lá a
primeira diretoria. As pessoas eram ligadas a mim. Verificamos isso se procu-
rarmos anais do Lions Club, que quase todas as pessoas que fizeram parte desse
movimento foram pessoas que estavam no Lions, tanto da Federação do Co-
mércio como da Indústria. Eram pessoas muito motivadas para elevar o grau de
cultura, de capacidade econômica, de representatividade na Federação Brasilei-
ra, muitas voltadas para dar ao Espírito Santo um lugar de destaque (BUAIZ,
Américo. Indústria Capixaba, nº 236, 1988, p. 8 apud SANTOS, 2011, p. 128).

Os primeiros sindicatos foram: da Indústria, Torrefação e Moagem de Café; da Indústria


da Construção Civil; da Indústria Mecânica; da Indústria de Panificação e Confeitaria,
Massas Alimentícias e Biscoitos e; da Indústria de Serraria e Carpintaria. No entanto, nem
mesmo o setor mais desenvolvido e numeroso da indústria capixaba havia se organizado e,
para a criação do Sindicato da Indústria de Torrefação e Moagem de Café, várias empresas
foram convidadas a se filiarem com a finalidade de completar o número mínimo necessário
à formação de um sindicato. Já as empresas que compunham o Sindicato da Indústria
Mecânica, como admitiu Américo Buaiz, primeiro presidente do sindicato, não passavam
de simples oficinas mecânicas (RIBEIRO, 2010).
Outro sindicato que fez parte da fundação da Findes, o Sindicato da Construção Civil,
também não passava de “um arquivo de quatro gavetas”, nas palavras do segundo presidente
da Findes, Jones dos Santos Neves Filho (Indústria Capixaba, nº 236, 1988:9-10 apud
SANTOS, 2011, p.119). Isso prova que alguns desses sindicatos foram de fato “fabricados”
(SANTOS, 2011). A precariedade do sindicalismo patronal no Espírito Santo era tanto
que em 1968, dez anos após sua fundação, a Findes tinha ainda o número mínimo de
sindicatos filiados. Américo Buaiz afirmou que,
Naquela altura, não estava muito preocupado em saber se Buaiz tinha indús-
tria mecânica, se o outro que estava lá no Sindicato de Torrefação de Café
estava perfeitamente aparelhado. Tínhamos interesse em ter homens capazes
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 47

de suportar esse período inicial, para depois, então, colocar juridicamente ou


legalmente as coisas em ordem, e foi o que ocorreu (Indústria Capixaba, nº 236,
1988, p. 8 apud SANTOS, 2011, p.119)

Percebe-se que o processo de formação das entidades patronais no Espírito Santo foi bem
diferente do que ocorreu em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde a força do setor industrial
estava, entre outros fatores, no grau de organização de suas entidades. Nesses estados,
como descreveu Leopoldi (2000), o empresariado adequou o modelo de representação
pré-existente ao sistema corporativista, sabendo tirar proveito do acesso ao Estado que tal
modelo proporcionava, mas se resguardou de possíveis intervenções do Estado mantendo
as entidades privadas de representação. Nesse sentido, pluralismo e corporativismo se
combinaram. No Espírito Santo, o sistema corporativista não esteve combinado com
entidades autônomas de representação de interesses. A formação das entidades patronais
foi um processo “forçado” por algumas poucas lideranças, já que não havia grupos sociais
representativos (em termos quantitativos e de volume de capital) para compor entidades
desvinculadas do poder público.
Daí surge um paradoxo: a criação da Findes por “alguns poucos gatos pingados”, os mesmo
que compunham a entidade até 1968, contradiz a relevância da entidade no primeiro
decênio de atuação.
Mas como explicar, então, plausivelmente, a discrepância que se apresenta di-
ante de nós entre a avaliação histórica que se faz da importância inicial da
Findes e a modéstia da base social de que partiu e se formou? Ou seja, já que ela
não era representativa de um poderoso setor industrial cujos interesses es-
tivessem claramente definidos, pugnando pela sua expansão em detrimento
de outros setores, como explicar então a grande importância histórica que a
nova entidade teve naquele contexto? (SANTOS, 2011, p. 119, grifo nosso)

A grave crise econômica pela qual passava o estado naquele momento histórico é a chave
para compreender esse dilema.
A fundação da Findes no começo de 1958 e sua influente atuação nos anos se-
guintes eram fatos sociais novos na história da organização sindical do empre-
sariado capixaba [...] Mas ele estava ocorrendo, não por acaso, num momento
muito importante da história econômica, social e política do Espírito Santo
que muito condicionou sua atuação (SANTOS, 2011, p. 120, grifo nosso)

Por crise econômica, entenda-se, crise da cafeicultura, dada a extrema dependência em


relação ao produto e à frágil situação das empresas locais. Isso significa que a Findes começou
a atuar num contexto de crise econômica e consequente crise social, marcada pelo êxodo
rural, ausência de uma atividade econômica capaz de absorver a mão de obra (substituição
da produção cafeeira pela pecuária) e adensamento da população urbana.
A crise econômica abriu espaço para que interesses industriais emergissem na sociedade
capixaba e o contexto político, em especial a relação que o empresariado estabeleceu com o
Estado, foi decisivo para definir os rumos da atuação da Findes. Essa conjuntura esclarece
48 A Participação da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo...

a importância histórica da Findes, já que a entidade não era representativa de um poderoso


setor industrial cujos interesses estivessem claramente definidos.
De fato, a política de erradicação do café adotada pelo governo federal sacudiu a elite
econômica e política estadual, as quais, apesar de sofrerem com crises anteriores decorrentes
das oscilações do preço do café, insistiam na monocultura de exportação3. Cientes de que
não se tratava de mais uma simples crise externa com rebatimentos no estado, o momento
exigia ousadia o que significou busca pela diversificação econômica por meio da atuação
conjunta da Findes com o governo de Carlos Lindenberg (1959-1962) e de Christiano
Dias Lopes Filho (1967-1970). De fato, a Findes funcionou como um órgão técnico e
consultivo desses governos em busca de uma modelo de desenvolvimento voltado para a
industrialização do Espírito Santo.

A Findes e o projeto de desenvolvimento para o Espírito Santo


A campanha eleitoral de 1958 coincidiu com o ano em que a Findes foi criada e formalizada.
Apesar de ter se constituído no início de 1958, a atuação da Findes tornou-se efetiva
somente três meses após a posse de Lindenberg, em fevereiro de 1959. Entretanto, não
se pode dizer que o chefe do Executivo Estadual, naqueles primeiros anos de constituição
da Findes, fosse um legítimo representante das forças menos conservadoras do Estado.
Pelo contrário, Carlos Lindenberg, de família tradicional da elite cafeeira do sul do Estado,
propunha em campanha uma ação governamental voltada tanto para o setor agrícola como
para o industrial, coerente com sua crença de que a industrialização no Brasil deveria estar
intimamente ligada ao desenvolvimento agrícola. As indústrias e a própria concepção de
industrialização não eram muito influentes no Espírito Santo e nem eram o eixo principal de
desenvolvimento pensado por Lindenberg, mas também não era um assunto periférico, haja
vista que estava em pauta como uma forma de desenvolvimento da agricultura (ZORZAL
E SILVA, 1995; VASCONCELLOS, 1995).
No entanto, a dinâmica das transformações que se processava em nível nacional e os
impactos produzidos pela ideologia desenvolvimentista4, articulados com a organização
corporativa, representada pela Findes, buscou inserir a economia estadual ao processo de
desenvolvimento industrial nacional.
Assim, apesar do reduzido setor industrial existente nessa época, configurou-se
um núcleo de forças políticas identificadas com o projeto de industrialização
acelerada, a nível nacional, as quais passaram a buscar formas de inserir o Es-
pírito Santo em tal processo. Essas forças se agregavam em torno da recém
criada Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo, e através desse
canal corporativo, articularam meios de dinamizar o ritmo lento da industri-
alização capixaba. Isso porque, como se verá, nesse momento nasce a nível
de concepção ideológica o projeto de desenvolvimento sócio-econômico
para o Espírito Santo, que consolidar-se-ia nos anos 70/80. (ZORZAL E
SILVA, 1995, p. 359, grifo do autor)
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 49

O reordenamento econômico nacional decorrente da erradicação dos cafezais e da concepção


de desenvolvimento calcado na industrialização inviabilizou a ideia inicial de Lindenberg
de conciliar o desenvolvimento agrícola com o industrial e foi muito bem aproveitado pelo
grupo que compunha a Findes. A crise cafeeira revelou que as elites políticas ligadas ao
setor perdiam força e, percebendo isso, “as forças políticas espírito-santenses, notadamente
mais conservadoras [...] passaram a lutar pela modernização da economia estadual e por
sua inserção no contexto nacional como uma estratégia de ‘sobrevivência’” (ibidem, p. 378).
Embora o líder do Executivo não tivesse propriamente um ideal modernizante (não tanto
quanto Jones pelo menos)5, o fato é que se aliar à Findes dava novo fôlego a seu governo.
A importância do governo de Lindenberg para a Findes pode ser sintetizada na frase de
Américo Buaiz: “Nós fomos governo durante algum tempo com Carlos Lindenberg.”
(GURGEL, 1988, p. 23). Nessa linha de pensamento, pode-se concluir que o alinhamento
do Governo de Lindenberg com a Findes foi uma estratégia de “sobrevivência” para o
governo, mas que, por outro lado, também foi fundamental para que os interesses expressos
pela Findes se consolidassem.
A organização e definição dos rumos da atuação da Findes ocorreram de forma a promover
a entidade como um órgão auxiliar do poder público no que tange aos problemas relativos à
indústria. Para esse propósito, a Findes criou um Conselho Técnico “que reunia o que talvez
houvesse de melhor na ‘inteligência’ técnica do Espírito Santo naquele momento.” (A
Gazeta, 22-05-1959, p. 6 apud SANTOS, 2011, p. 130).
Já na segunda reunião do Conselho Técnico, o objetivo da entidade em atuar junto com
o governo ficou evidente. Essa reunião teve como convidado especial Carlos Fernando
Lindenberg Filho, filho de Lindenberg e membro do governo, o qual, segundo o Jornal
A Gazeta, “levou ao conhecimento dos conselheiros os diversos aspectos da atuação do
governo no sentido de ampliar o desenvolvimento industrial do estado, propiciando novos
campos de atuação para grupos imigratórios e localização de indústrias estrangeiras em
nosso estado”. (A Gazeta, 20-06-1959, p. 2 apud SANTOS, 2011, p. 131).
A sinergia entre a nova entidade de representação dos empresários capixabas, a Findes e
as lideranças políticas intensificou o rumo da industrialização. Com a ampliação do leque
de articulação através do canal corporativo representado pela Findes, conseguiram, por
exemplo, que a sede da CVRD fosse transferida para Vitória, com isso, a empresa passou a
investir mais no estado.
O Conselho Técnico da Findes, através do Seminário Pró-Desenvolvimento do Espírito
Santo, realizado com o apoio técnico da CNI e apoio político do governo Lindenberg,
produziu um mapeamento geoeconômico e social do estado. Esse primeiro diagnóstico
completo do Espírito Santo deu embasamento ao planejamento governamental. É
interessante notar que a atividade de planejamento iniciou-se de forma exógena ao Estado
(organizado pela Findes), sendo posteriormente incorporada à estrutura administrativa
estatal (ZORZAL E SILVA, 1995).
O diagnóstico realizado pelo Seminário de Pró-Desenvolvimento do Espírito Santo, na
50 A Participação da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo...

prática, transformou-se no planejamento de governo, o qual, sem a contribuição da Findes,


não teria capacidade técnica para realizá-lo. Isso forneceu as bases para a transformação do
perfil socioeconômico do estado segundo os interesses do grupo que o organizou. O Seminário
não só apontou medidas objetivas a serem tomadas, tais como, obter ajuda do governo
federal, incentivar a industrialização, investir em energia elétrica, criar áreas industriais e
leis de incentivo à indústria, mas também estimulou uma mentalidade desenvolvimentista.
Antes mesmo de finalizar o Seminário, o governador promoveu mudanças na administração
do estado para adequá-la aos novos princípios. Com isso, foi criado, em 1960, o Grupo de
Trabalho (GT) para estudar o desenvolvimento econômico do estado, com participação da
Findes (GURGEL, 1988).
[O GT seria uma] assessoria que lhe permita mais convenientemente fixar
prioridades para etapas de execução, programação e projetação, providências
que exigem uma série de medidas de coordenação e mobilização de fatores
e colaboração que não se encontram somente nos limites dos quadros dos
servidores do Estado (A Gazeta, 20-10-60, p. 3 apud SANTOS, 2011, p. 183,
grifo nosso).

A criação do GT não foi exatamente uma ideia inovadora, já que no Brasil a criação de
conselhos, comissões técnicas e grupos de trabalhos estavam se popularizando desde a
criação do sistema corporativo. Todavia, no Espírito Santo, a prática era nova e, como previa
o governador, funcionou como uma assistência direta de planejamento e execução da política
econômica. Sem entrar em outras incumbências do GT, o resultado mais impactante de sua
atuação foi a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico – Codec6.
O Codec, exercendo o papel de uma Secretaria de Planejamento, institucionalizou a
participação dos grupos que compunham o GT na política econômica estadual. Espaço
conquistado graças às pressões da Findes. Uma das primeiras atividades do Codec foi a
realização do Plano de Desenvolvimento Trienal, esse plano resumia os objetivos defendidos
no triênio 1961-1963 e seria entregue para o governo federal, no encontro com os
governadores marcado para outubro de 1961. Porém, a renúncia de Jânio Quadros, seguida
da grave crise política que marcou o Brasil e levou ao rompimento com a democracia,
inviabilizou a ajuda federal naquele momento.
Em âmbito estadual, o resultado do pleito de 1962 não foi favorável ao grupo político que
estava no poder. A derrota eleitoral do PSD (partido de Carlos Lindenberg e Jones dos
Santos Neves) adiou a execução do plano de investimentos traçado no decorrer do governo
Lindenberg. Com a volta ao poder de Francisco Lacerda de Aguiar (1963-1965), o foco
deixou de ser a indústria. A Findes perdeu o espaço que tinha no governo Lindenberg para
a Associação de Crédito e Assistência Rural do Espírito Santo (Acares).
O plano de modernização do Espírito Santo só seria retomado no governo de Cristiano
Dias Lopes Filho (1967-1970) primeiro governo do período militar. O golpe militar de
1964 não teve rebatimentos imediatos na política estadual, Lacerda de Aguiar foi mantido
no posto devido a articulações. No entanto, não conseguiu se manter até o final do mandato.
Escândalos de corrupção, forte oposição dos grupos políticos opositores ao governador
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 51

(alinhados com os militares), somado às características populistas de governador também


conhecido como Chiquinho, muito distante dos objetivos desenvolvimentistas dos militares,
tornaram o governador um estorvo para o novo regime que se instaurou no Brasil. Por
pressão dos militares, Lacerda de Aguiar foi forçado a renunciar, passando o governo para
o vice Rubens Rangel.
No segundo semestre de 1966, já com o estado nas mãos de Rubens Rangel, a candidatura de
Christiano foi homologada pelo presidente Castelo Branco, sendo, em seguida, diplomado
pela Assembleia. Christiano Dias Lopes só assumiria oficialmente o governo do estado em
janeiro de 1967. Contudo, tão logo foi confirmado no cargo, começou a articular, com a
anuência de Rubens Rangel, os rumos do quadriênio seguinte.
Christiano Dias Lopes havia se constituído politicamente dentro do PSD, pertencera
à Ala Moça do partido e fora chefe de gabinete do governo Jones Santos Neves (1951-
1954), deputado por três mandatos e líder do governo durante o quadriênio de Lindenberg.
Portanto, estava entre as lideranças políticas aliadas à Findes e partilhava das convicções
desenvolvimentistas. Ciente de que assumiria em meio à grave crise econômica
gradativamente aprofundada pela erradicação dos cafezais, Christiano Dias Lopes, ainda
em 1966, articulou junto à Findes um novo diagnóstico que atualizasse os anteriores e
subsidiasse seu planejamento de governo. Assim,
antes de tomar posse, já estava nas mãos de Christiano o ‘Diagnóstico para o
Planejamento Econômico do Estado do Espírito Santo’ e outros estudos sobre
a reforma administrativa, elaborados pelo Instituto para o Desenvolvimento
Social e Econômico (Ined), também custeados pela Findes. (VACONCEL-
LOS et al., 2010, p. 165).

A atuação da Findes foi intensa durante o governo de Christiano Dias Lopes, até porque
a conjuntura econômica (decadência da economia cafeeira) favorecia. Como o objetivo
central do Seminário realizado em 1959 era a obtenção de recursos federais, transformando
o Espírito Santo numa “pequena Sudene”, não havia sido alcançado, houve uma nova
mobilização das lideranças estaduais. Com a instauração do regime militar, o Espírito
Santo ganhou novas possibilidades de articulação com o governo federal, o qual passou
a elaborar planos específicos para cada área, como o Plano Nacional Rodoviário, o Plano
Nacional de Telecomunicações, o Plano Nacional de Educação, entre outros. Cabia aos
estados, principalmente os periféricos, articularem para que seus projetos fossem incluídos
nos planos e, consequentemente, serem contemplados com a liberação de verbas.
No segundo ano do governo Dias Lopes, foi realizado o Simpósio sobre os Problemas
do Espírito Santo. A Findes conseguiu o patrocínio do Clube de Engenharia do Rio de
Janeiro. O Simpósio trouxe a Vitória autoridades federais como o Ministro do Transporte,
Mário Andreazza, o Ministro do Planejamento, Helio Beltrão, e o Presidente Marechal
Arthur Costa e Silva. Ao contrário do governo Lindenberg, quando o Seminário precedeu
o diagnóstico, no governo Christiano Dias Lopes, o Simpósio foi realizado com a finalidade
de atrair visibilidade para os problemas do Espírito Santo, já que esses problemas haviam
sido levantados pelo diagnóstico realizado em 1966. O Simpósio foi uma estratégia de
52 A Participação da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo...

articulação das elites locais com o sistema político nacional7.


A participação da Findes não se restringiu aos estudos técnicos. Dos 28 conselhos existentes
na administração pública, a Findes estava representada diretamente em 10 e indiretamente
em 7. Tendo representação em mais da metade dos conselhos e ainda através de contato
pessoal como o governador (que visitava a casa dos industriais para “esclarecimentos públicos
à categoria”), a entidade mantinha uma posição privilegiada com acesso a informações e
possibilidade de influenciar as políticas públicas. Sem contar que grande parte dos cargos
nos órgãos de governo era ocupada por técnicos que haviam saído da entidade (GURGEL,
1988, p. 49).
A estratégia utilizada por Christiano Dias Lopes de buscar apoio técnico e financeiro na
Findes foi imprescindível para viabilizar um projeto de desenvolvimento de industrialização
do estado. Por ser um período militar, Dias Lopes não precisava de uma base de legitimidade
para se sustentar como governo, tal como Carlos Lindenberg. Por outro lado, a estrutura
administrativa e financeira do estado continuava precária. Um projeto político consistente
naquele momento necessitava de apoio externo. Desde o primeiro diagnóstico realizado
no governo Lindenberg, ficou evidente que esse apoio externo deveria vir do governo
federal. Aí sim, o governador escolhido pelos militares precisaria de legitimidade dentro do
estado e de um projeto sólido para obter recursos do governo federal. O único grupo social
forte o suficiente para apoiar política e financeiramente um projeto para o estado estava
representado pela Findes. Dias Lopes percebeu e se utilizou disso. Claro que, ao bancar
o projeto de governo, este aproximou-se dos interesses da própria Findes. “Por isso, e por
muito tempo, o governador Dias Lopes teve que se defender da insinuação de que era um
governador da Findes” ( Justo Correia da Silva apud GURGEL, 1988, p. 48).
A construção de um plano de desenvolvimento foi o elo central entre os referidos governantes
e a Findes, representante oficial dos interesses empresariais no Espírito Santo naquele
momento. Mais do que isso, a construção conjunta de um plano de desenvolvimento8 para o
Espírito Santo mostra que a política econômica adotada pelo estado estava de acordo como
o desejado pelas elites econômicas aglutinadas em torno da Findes. Não havia divergências,
logo não havia motivos para uma posição de lutas de interesses por parte da entidade de
interesses privados como, por exemplo, o registrado por Leopoldi (2000), em torno das
políticas tarifárias no eixo Rio-São Paulo.
Francisco Aurélio Ribeiro, responsável por registrar oficialmente a história da Findes no
livro “Findes 50 anos” sintetiza,
Há de se destacar o bom relacionamento existente entre a Findes e os governa-
dores indicados no período militar: Christiano Dias Lopes Filho (1967-1970),
Arthur Carlos Gerhardt Santos (1971-1975), Elcio Álvares (1975-1978) e Eu-
rico Rezende (1979-1982). Arthur Gerhardt, sucessor de Christiano Filho, era
engenheiro e trabalhou na Findes como conselheiro técnico desde a sua criação,
em 1958. Élcio Álvares e Eurico Rezende foram advogados da Findes. Chris-
tiano Dias Lopes tivera o seu “Diagnóstico para o Planejamento Econômi-
co do Espírito Santo” pago pela Findes. Assim, desde o governo de Carlos
Lindenberg [com a exceção do governo Lacerda de Aguiar], passado pelo de
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 53

Christiano Dias Lopes Filho, a Findes passou a integrar os diversos conselhos


criados para planejar ou dirigir a política desenvolvimentista do Espírito Santo,
como a Suppin, Codes, Codec, entre outros, bem como participou do governo
estadual como técnico do seu quadro de profissionais. (RIBEIRO, 2010, p. 59)

Apesar de todos os governos militares terem uma ligação com a Findes, o período mais
emblemático de atuação da entidade junto ao poder público ocorre durante o governo
Christiano Dias Lopes e, anteriormente, durante o governo Lindenberg. Isso por ser o
momento de formulação do plano de desenvolvimento que norteou o desenvolvimento do
Espírito Santo. Os interesses empresariais ficaram expressos nesse plano através da atuação
da Findes. O que não pode ser entendido como algo unilateral, dado que os governadores
não foram exatamente pressionados por esses interesses. Por entenderem que o estado não
teria forças suficientes para impulsionar o processo de mudanças, as lideranças políticas
buscaram sustentação/legitimidade política e econômica nesse grupo de interesse.

Considerações Finais
O processo de industrialização tardia do Espírito Santo é um elemento essencial para
compreender a formação das entidades de representação empresarial no estado. A formação
do empresariado capixaba como ator político relevante no cenário estadual foi um
processo forçado por alguns governantes e empresários que almejavam a modernização da
economia do estado. A defesa dos interesses empresariais não foi encabeçada por industriais
propriamente ditos, mas por comerciantes que se aventuravam no setor da produção. Nesse
sentido, entidades sindicais surgiram antes mesmo de seus setores econômicos estarem
estruturados. Isso, num período no qual o sistema corporativista já estava implantado no
Brasil. Assim, no Espírito Santo, não houve formação de entidades paralelas ao modelo
corporativista de representação de interesses.
O processo de organização dos empresários no Espírito Santo está relacionado ainda
com o fato de que, no estado, não houve uma tendência espontânea à identificação de
interesses convergentes frente um “inimigo” comum (trabalhadores ou Estado), mas um
processo “forçado” por algumas poucas lideranças que viam na representação através do
sistema corporativista um meio de subsidiar (mais do que pressionar) o governo, com apoio
técnico e financeiro, na formulação de políticas de apoio ao desenvolvimento industrial.
Esses, entre outros fatores apontados, mostram que o processo histórico de articulação de
interesse entre Estado e empresariado no Espírito Santo não segue a mesma lógica do que
ocorreu no Rio de Janeiro e em São Paulo, pois não houve no Espírito Santo a formação
de um modelo dual de representação, tampouco a organização dos industriais foi fruto de
surtos de industrialização.
Além disso, no Espírito Santo, é possível identificar a ativa participação da Findes, uma
entidade do sistema corporativista, com os governos ligados a um grupo político9. Essa
parceria resultou num projeto que norteou o desenvolvimento do estado nas décadas de 1960
e 1970. Isso significa dizer que os interesses empresariais representados por essa entidade
54 A Participação da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo...

foram contemplados ao longo dessas décadas e confirmam um amplo domínio do sistema


corporativista na estrutura de representação no Espírito Santo. O monopólio das entidades
ligadas ao sistema corporativista deixou fortes marcas na estrutura de representação do
estado. Nota-se atualmente, mesmo em entidades fora do sistema corporativista, uma
tendência do empresariado a buscar acesso privilegiado ao processo decisório via Executivo,
característica típica do sistema corporativista.
As mudanças estruturais ocorridas no Brasil ao longo da década de 1980 tiveram
implicações também na estrutura de representação de interesses, fortalecendo entidades
de representação fora do sistema sindical (DINIZ; BOSCHI, 2000). Nas regiões mais
industrializadas, em especial Rio de Janeiro e São Paulo, as associações foram ativadas e
passaram a atuar de forma complementar ao sistema sindical. Já no Espírito Santo, não se
criou um modelo de representação alternativo que viesse a cobrir as lacunas deixadas pelas
entidades corporativas. Daí criou-se um “déficit de representação empresarial” em relação à
participação de entidades de representação empresarial na definição dos rumos políticos e
econômicos do estado, se comparada à atuação que a Findes teve na década de 1960 e 1970.
Os motivos vão, vale reforçar, desde a crise econômica da década de 1980, que diminuiu o
ritmo de investimento dos governos militares, até as transformações políticas decorrentes do
próprio processo de redemocratização, o qual foi fechando os canais comumente utilizados
pelas entidades de representação corporativista.
Esses canais [predominantes na década de 80] incluíam contatos institucionais
estabelecidos através das organizações corporativas de empresários (como as
Federações de Indústria e Comércio), e os “anéis burocráticos” (CARDOSO,
1975), alianças que se estabeleciam entre representantes do setor privado e os
burocratas responsáveis pelas agências setoriais do Estado, criando vínculos cli-
entelísticos com o objetivo de traduzir os interesses específicos em políticas
concretas. Nos meios acadêmicos do país, existe um relativo consenso em torno
da ideia de que existe uma tendência do empresariado brasileiro a desfrutar
“apoliticamente” do aparato de estado através de contatos pessoas e de anéis bu-
rocráticos, em vez de organizar-se politicamente para buscar, pela via partidária
e com apoio popular, o controle explícito das políticas de Estado (GROS, 2003,
p. 279).

O fechamento dos “anéis burocráticos”, ou seja, dos mecanismos informais que privilegiavam,


a determinados grupos econômicos privados, o acesso às decisões e aos recursos estatais,
gerou descontentamento no empresariado nacional. A perda de influência, tanto das
associações quanto das entidades do sistema sindical, culminou na reestruturação do sistema
de representação dos interesses na década de 90, seja com o surgimento de novas entidades,
seja com a transformação de entidades tradicionais, como a Fiesp e a CNI.
Em nível nacional, no período pós-redemocratização, a CNI, principal entidade do sistema
corporativista, tornou-se o grande empreendedor político do empresariado. Posto alcançado
ao buscar adequar suas estratégias ao novo ambiente político institucional e ao conseguir
mobilizar o empresariado industrial em torno de uma questão comum, a redução do Custo
Brasil (MANCUSO, 2007). Já a Findes não acompanhou as mudanças no cenário político
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 55

econômico e, sem a reestruturação necessária, não ocupou o papel de empreendedor político


do empresariado capixaba. Nem a crise econômica pela qual passou o Brasil com o fim
do “milagre econômico” – motivo de mobilização do empresariado nacional (BIANCHI,
2001) – nem o processo de redemocratização provocaram mobilização desse grupo regional.
A mobilização do empresariado no estado só ocorreu, no início dos anos 2000, quando esse
atentou para o fato de que o Espírito Santo vivia uma profunda crise político-econômico-
institucional. Contudo, a Findes não participou desse processo, pois o empresariado capixaba
optou por novos instrumentos para satisfazer suas demandas, criando uma entidade de
representação de interesses empresariais fora da estrutura coorporativa.
Num cenário de grande instabilidade, uma parcela do empresariado capixaba percebeu a
necessidade de se organizar. Num primeiro momento, uma parcela do empresariado capixaba
organizou uma chapa para disputar as eleições da Findes. Porém, esses consideraram que
houve interferência do governo José Ignácio (marcado por escândalos de corrupção) na
definição da diretoria da Findes, o que inviabilizou tal canal de representação para aqueles
empresários que desejavam romper com o tipo de governo que se instaurara no Espírito
Santo.
Esses empresários buscavam uma autonomia que, naquele contexto, não era vista como
possível dentro do sistema corporativista, não só pela rigidez hierárquica decorrente
do vínculo legal com o poder público, mas principalmente pela existência de práticas
“contaminadas”, as quais permeavam uma ampla gama de instituições públicas e privadas.
Assim, a insatisfação de uma parte do empresariado capixaba com o ambiente político-
institucional do estado e com a postura da Findes de não se contrapor àquela situação
foi uma motivação para a criação de uma nova entidade de representação, denominada
Movimento Empresarial Espírito Santo em Ação.

NOTAS
1 É o caso de São Paulo e Rio de Janeiro, onde as entidades utilizaram-se desse fator para atrair
membros e até mesmo convencer filiados a aderirem ao modelo corporativista. Cf. Leopoldi
(2000).
2 No Espírito Santo, o processo histórico de formação dos interesses empresariais favoreceu
a homogeneidade das entidades. A Fecomércio era composta basicamente pelo mesmo
grupo político que passou a concentrar esforços na Findes como indutora de um processo de
modernização da economia do estado. Como “única” entidade de representação de interesses
industriais no estado e composta por membros com interesses em comum (criar condições
para o desenvolvimento industrial no Espírito Santo), a Findes tornou-se praticamente o
único grupo organizado de interesse naquele momento no estado e, como tal, único grupo a
estabelecer relação com o governo do estado.
3 Os efeitos da crise do café e da industrialização são questões amplamente estudas na história
do Espírito Santo. Cf. Zorzal e Silva (1995); Santos (2011); Vasconcellos et al. (2010); Rocha
e Morandi (1991); Correia da Silva (1993).
4 Sobre os impactos da ideologia desenvolvimentista no Espírito Santo. Cf. Santos (2011).
56 A Participação da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo...

5 Jones dos Santos Neves compartilhava dos ideais getulistas de desenvolvimento industrial
induzido pelo Estado, enquanto Lindenberg, mais conservador, partilhava da alternativa
preconizada pela burguesia agromercantil. Além disso, sob a perspectiva de Lindenberg, o
Estado deveria atuar no sentido de manter suas funções tradicionais e não como indutor das
transformações capitalistas via intervenção econômica.
6 Sobre o Codec Cf. Correia da Silva (1993).
7 Durante o governo Christiano, o Espírito Santo, através do Decreto 880/69, conseguiu
incentivos financeiros que viabilizou seu o desenvolvimento (VASCONCELLOS et al., 2010).
8 Embora tenham sido realizados um seminário e um diagnóstico em cada um dos dois governos
mencionados, pode-se falar de um único plano de desenvolvimento para o Espírito Santo, uma
vez que foram realizados pelo mesmo grupo político e econômico, havendo continuidade de
ideais.
9 Políticos que constituíram o Partido Social Democrata (PSD) e que, com o governo militar,
passaram para a Arena.

Referências
BIANCHI, Álvaro. Crise e representação empresarial: o surgimento do pensamento
nacional das bases empresariais. Revista Sociologia & Política, Curitiba, n. 16, jun. 2001.
BITTENCOURT, Gabriel. História geral e econômica do Espírito Santo: do engenho
colonial ao complexo fabril-portuário. Vitória, 2006.
CAMPOS Jr., Carlos. O novo arrabalde. Vitória, PMV/SMCT, 1996.
CORREA DA SILVA, Justo. Espírito Santo: o processo de industrialização e a formação
da estrutura do poder executivo 1967/1983. Dissertação (Mestrado em Administração) –
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1993.
DINIZ, Eli. As elites empresariais e a nova república: corporativismo, democracia e reformas
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_________; BOSCHI, Renato Raul. Globalização, herança corporativa e representação dos
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João Professor Titular aposentado da UFES, onde lecionou no curso de


Gualberto graduação e administração e também no mestrado da mesma área. Coordenou
Moreira linhas de pesquisa denominada Capital Cultural, Desenvolvimento e Poder
Vasconcellos Local. Diretor da Futura Pesquisa e Consultoria, com atuação nos estados
da  Bahia e Espírito Santo. Pesquisador Associado do CIAGS/UFBA.
Possui doutorado em Sociologia Política na EHESS, Paris, França. Autor,
dentre  outros livros, de A Invenção do Coronel, Edufes, 1995 e co-autor
com Roberta da DaMatta de Fé em Deus e Pé na Tabua, Rocco, 2010.

Jamila Funcionária pública municipal. Possui mestrado em Ciências Sociais pela


Rainha Universidade Federal do Espírito Santo. Co-autora do livro Memórias do
Desenvolvimento do Espírito Santo – Christiano Dias Lopes Filho, Espírito
Santo em Ação, 2010.
58 A Participação da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo...

Foto: Diane Stiles


s e t . /d e z . 2013
v.2n.3 p. 5 9 - 8 0
ISSN: 2317-2428
copyright@2013
www.rigs.ufba.br

Comportamento Verbal e Não Verbal em Grupos


Focais: Análise de Micro Interlocuções
Daniela Borges Lima de Souza, Sônia Maria Guedes Gondim
e Gardênia da Silva Abbad

Resumo O objetivo deste artigo é apresentar um exemplo de análise de dados


em grupo focal que contempla análise de comportamentos não verbais e
verbais. Essa análise, nomeada como “análise de microinterlocuções”, além
de identificar respostas decorrentes do coletivo, também integra dados não
verbais e processuais do processo de interlocução em dois níveis de análise:
individual e grupal. Três outras contribuições metodológicas decorrem do
presente trabalho: a) apresentação de um exemplo de análise integrada de
verbalizações e comunicações não verbais em dados provenientes de grupos
focais; b) sistematização, de forma integrada, de respostas individuais e
coletivas; c) sugestão de diagrama e quadros-resumo como facilitadores
e integradores dos dados provenientes de diferentes fontes humanas, o
que possibilita identificar respostas coletivas de compartilhamento e de
discordância. O exemplo de aplicação que será usado na discussão deste
artigo é parte das atividades de tese de doutoramento sobre Avaliação de
Impacto de Mestrado Profissional em Desenvolvimento e Gestão Social, do
Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social (CIAGS) da
Universidade Federal da Bahia. Os resultados obtidos fomentaram análises
do referencial teórico e identificação de lacunas existentes nesse contexto
teórico.

Palavras-chave Grupos Focais. Análise de Microinterlocuções. Avaliação de Impacto.


Mestrados Profissionais. Gestão Social.

Abstract The article discusses the analysis of nonverbal and verbal behaviors in focus
groups, which is called micro-interlocutor analysis. It also offers three other
methodological contributions: (a) presentation of an example of integrated
analysis of verbal and nonverbal communication in data from focus groups,
(b) systematization, in an integrated manner, of individual and collective
60 Comportamento Verbal e Não Verbal em Grupos Focais

responses, (c) suggested diagram and summary tables as facilitators and


integrators of data coming from different human sources, which enable
the identification of collective sharing and disagreement responses. The
application example that will be used in the discussion presented in this
article is part of the doctoral thesis activities on Impact Assessment within
a Professional Master’s Program in Social Development and Management,
from the Interdisciplinary Center for Development and Social Management
(CIAGS), at the Federal University of Bahia. The results observed prompted
analyses of the theoretical framework and identification of existing gaps in
this theoretical context.

Keywords Focus Groups. Micro-interlocutor Analysis. Impact Assessment.


Professional Master’s Program. Social Management.

Introdução
O renovado interesse pela pesquisa qualitativa nas últimas décadas tornou-se visível pelo
aumento do número de periódicos e de publicações dedicadas a essa abordagem de pesquisa
(MORGAN, 2001; GONDIM; ARAÚJO, 2013). Além disso, cresce também o número de
pesquisas que adotam abordagem multimétodos, procurando usufruir dos benefícios tanto da
abordagem quantitativa, quanto da qualitativa. Esse interesse renovado pelo uso de técnicas
de abordagens qualitativas para compreender fenômenos sociais compele os pesquisadores e
defensores dessa abordagem a investirem na redação de artigos metodológicos que orientem
procedimentos para a análise de dados qualitativos, um de seus maiores desafios.
Para lidar com a abundância e a riqueza de informações geradas pelas abordagens qualitativas
é preciso investir em tecnologias de simplificação e análise, a fim de facilitar a interpretação
e difusão do conhecimento gerado. O presente artigo vem ao encontro dessa tendência,
com enfoque específico na técnica de grupos focais que, apesar de amplamente difundida
nas últimas duas décadas, principalmente para estudos na área de saúde e educação, ainda
se defronta com a dificuldade de encontrar padrões mais sistemáticos de procedimentos de
análise de dados.
Em síntese, o objetivo deste artigo é apresentar um exemplo de análise de dados em grupo
focal que contempla análise de comportamentos não verbais e verbais. Essa análise, nomeada
como “análise de microinterlocuções”, além de identificar respostas decorrentes do coletivo,
também integra dados não verbais e processuais do processo de interlocução em dois níveis
de análise: individual e grupal.
Outro aspecto do cenário atual em metodologia qualitativa que será tratado neste artigo
é a possibilidade de uma abordagem dessa natureza incorporar elementos quantitativos.
Durante décadas, a proposição de desenhos de pesquisa que faziam uso de métodos de análise
mistos foi criticada por aqueles que argumentavam que os pressupostos que orientavam
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 61

a pesquisa qualitativa e quantitativa pertenciam a paradigmas distintos, incomensuráveis


e mutuamente excludentes, gerando inconsistências epistemológicas (COLLINS, 1998;
DENZIN, 1997; JOHNSON; ONWUEGBUZIE, 2004).
É fato, no entanto, que, a despeito das dificuldades encontradas na integração de métodos
qualitativos e quantitativos e também dos níveis de análise individual e de grupo, muitos
pesquisadores têm feito uso de modos combinados de métodos qualitativos e quantitativos
para responderem suas perguntas de pesquisa satisfatoriamente (por exemplo, CRESWELL,
2007). Essas dificuldades decorrem, em parte, da pouca orientação disponível na literatura
(TASHAKKORI; TEDDLIE, 2003).
Os grupos focais apresentam-se como uma ferramenta bastante usada em pesquisas com
métodos mistos. Grupo focal pode ser definido como um método de pesquisa no qual é criado
um “setting” de interação social entre quatro e doze pessoas, com a finalidade de discutir um
tema específico, sob a mediação de um moderador (FONTANA; FREY, 2000). Morgan
(2001) afirma que os grupos focais encontram-se incluídos na categoria das entrevistas
grupais, embora se distingam dessas em termos de relações entrevistado-entrevistador,
estruturação dos procedimentos e diretividade no tipo de condução. Wilkinson (2004,
p. 177) acrescenta ainda que grupo focal é uma “técnica de coleta de dados que envolve,
essencialmente, um pequeno número de pessoas em um grupo de discussão informal (ou
discussões), focado em torno de determinados tópicos ou conjunto de questões”. Em
termos de número de participantes, o indicado pela maioria dos autores reside entre 6 a 12
participantes, não obstante, em algumas situações, esse número pode ser reduzido; nesses
casos, a alternativa a ser empregada é denominada “minigrupos focais” (WILKINSON,
2004).
Apesar da reconhecida abundância de material publicado sobre a realização de grupos
focais, informações específicas sobre a forma de analisar os dados de grupos focais em
pesquisas são escassas. No intuito de contribuir para o preenchimento dessa lacuna, este
artigo discute aspectos metodológicos da análise de dados de minigrupo focal (apenas três
participantes), integrando o nível de análise do indivíduo e do grupo com base num exemplo
de aplicação. O exemplo de aplicação que será usado na discussão deste artigo é parte das
atividades de tese de doutoramento sobre Avaliação de Impacto de Mestrado Profissional e
foi realizado no mês de agosto de 2011, em Salvador, com egressos de Mestrado Profissional
em Desenvolvimento e Gestão Social, do Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e
Gestão Social (CIAGS) da Universidade Federal da Bahia.
A primeira seção deste artigo apresenta um breve resumo dos aspectos metodológicos
relevantes no uso da técnica qualitativa dos grupos focais. A segunda seção é dedicada a
apresentar propostas de análise de grupos por microinterlocuções; a terceira seção apresenta
e discute um exemplo de análise. A quarta e última seção tece considerações finais sobre os
desafios metodológicos e as futuras perspectivas do tema em questão.
62 Comportamento Verbal e Não Verbal em Grupos Focais

aspectos metodológicos no planejamento de grupos focais


Grupo Focal, segundo Barbour (2009), tem sido comumente empregado de modo
intercambiável com as designações: “entrevistas de grupo”, “entrevistas de grupo focal”,
“discussões de grupo” e “grupo de foco”. Ainda que existam tais distinções terminológicas,
independente da forma como se opte nomear, os grupos focais devem ser compreendidos
como uma técnica para coleta de dados em grupos, tendo como requisitos indispensáveis:
a) interação - entre os participantes e também com o moderador; b) foco direcionado - isso
inclui, planejamento a partir de tópicos (ou questões) que orientem o foco do grupo.
Ao recuperar o histórico do uso de grupos focais em pesquisas, Liamputtong (2011)
registra que algumas mudanças ocorreram com o uso dessa técnica ao longo dos anos.
Tradicionalmente, grupos focais foram empregados para identificar perguntas de pesquisa
e ajudar em questionamentos prévios que levariam à síntese das questões que tivessem
pertinência para a investigação. Na década de 1940, essa técnica passou por processo de
reestruturação sistemática, após Merton e sua equipe terem conduzido estudo para o Governo
dos Estados Unidos, cujo objetivo era identificar o efeito da mídia na percepção das pessoas
pelo envolvimento dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Tal reformulação aprimorou a
técnica e o uso dos grupos focais e possibilitou que dimensões latentes da complexidade
de estímulos sociais presentes nas interações fossem mais bem identificadas e analisadas,
visando auxiliar na elaboração de testes quantitativos mais específicos.
Dentre os principais benefícios da utilização de grupos focais na coleta de dados qualitativos,
Creswell (2007) cita: a) possibilidade de capturar respostas das pessoas no espaço e tempo real
(diversos participantes podem ser envolvidos ao mesmo tempo); b) inclusão de participantes
que, em uma situação real, não poderiam ser observados diretamente em ação; c) resgate
histórico mais rico do tópico (ou tema) abordado, uma vez que contará com diversas
participações de atores envolvidos, em contexto de interações face a face.
O uso de grupos focais em avaliação de programas é recomendado por Krueger e Casey
(2010), uma vez que podem ser usados em avaliações tanto somativas (cujo propósito é obter
informações para programa já desenvolvido) quanto formativas (caracterizadas pela contínua
coleta de dados durante o processo de desenvolvimento do sistema instrucional), sendo de
grande ajuda na fase exploratória de análise de contexto e cenário, no momento de desenho
de uma intervenção, ou ainda, no momento de avaliar as estratégias e resultados alcançados.
Com base nas classificações de Morgan (1997) e Fern (2001), Gondim (2003) sugere que os
grupos focais podem servir a diversos propósitos, sendo sumarizados dois usos principais: o
primeiro para fins teóricos, uso que é mais comumente adotado no contexto acadêmico, e um
segundo uso, mais empregado em contextos particulares de tomada de decisão e elaboração
de planos de ação. No caso do exemplo que serviu de base para a redação deste artigo, o
grupo focal foi usado com o duplo objetivo, teórico e de tomada de decisão. Teórico, porque a
análise explora se o mestrado profissional atingiu os seus objetivos instrucionais, lançando luz
sobre a adequação entre planejamento e operacionalização do ensino; de tomada de decisão,
porque a análise dará subsídios para a reorientação do programa de formação no nível do
mestrado.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 63

Tendo em vista os objetivos deste artigo e a ampla gama de manuais disponíveis na


literatura sobre planejamento de grupos focais, serão apresentados, de modo resumido,
os principais aspectos metodológicos a serem levados em consideração na escolha desse
método qualitativo de coleta de dados. O Quadro 1 resume esses aspectos.
Quadro 1 - Sumário dos aspectos metodológicos para realização de grupos focais.

Realização de Grupos Focais

Autores Etapas Objetivos Orientações Técnicas

Número de participantes:
entre 6 e 12
Delimitar o Duração: entre 1 e 2 horas
objetivo do Frequência: indefinida
1. Planejamento grupo focal. Moderação: individual ou
Barbour (2009), e organização Estabelecer o em equipe
Johnson e escopo do grupo Foco do grupo: questões/
Onwuegbuzie focal. tópicos - guia estruturados
(2004) previamente
Krueger, (1994)
Krueger e Casey
Fontes pessoais: indivíduo,
(2000), Identificar
grupos e interações
Onwuegbuzie, 2. Coleta de informações
Fontes de registro: papel,
Dickinson, Leech e dados relevantes a
áudio e imagens
Zoran (2009), partir das fontes.
Wilkinson, (2004).
Transcrições literais
Sistematizar os
Resumos e transcrições de
3. Análise dos dados levantados
notas de campo
dados na coleta de
Memória do moderador
dados.

Fonte: Revisão bibliográfica realizada em 2011.

Dentre os aspectos metodológicos para a realização de grupos focais está a análise de dados,
cujo objetivo precípuo é a sistematização de dados capturados no momento da coleta. A
análise de dados textuais constitui o escopo deste trabalho e constitui o cerne da discussão
que se segue.

A análise de dados de grupos focais


Ainda que representem comunicações humanas dotadas de sentido, os dados resultantes
de interações humanas são bastante diversos. Variam desde a forma como são coletados
(imagem, áudio, texto, vídeo) até a maneira pela qual espelham as reflexões individuais e
as comunicações verbais e não verbais existentes na interação humana. Essa diversidade
de fontes de informação e de dados fez com que, ao longo do tempo, diversos tipos de
análises surgissem na tentativa de equilibrar a equação formada, por um lado, pela riqueza
de dados emergentes dos grupos focais e, por outro lado, pela natureza da contribuição dos
participantes para o alcance dos objetivos da pesquisa.
64 Comportamento Verbal e Não Verbal em Grupos Focais

Dada essa diversidade de possibilidades, Flick (2004) aponta que, por conveniência, a
opção de pesquisadores é converter todos os dados qualitativos em texto escrito. Tal fato
exige muitos recursos de organização e sistematização de dados, a fim de que o volume de
dados gerados não inviabilize a pesquisa. Além da organização sistemática dos dados em
textos escritos, outro procedimento adotado é o uso de técnicas analíticas que se destinam
à agregação de dados, o que facilita a realização de comparações entre dados oriundos
de diferentes fontes e meios de coleta de dados, bem como a compreensão do conjunto
analisado.
Para os fins deste artigo, será apresentada a técnica de microinterlocuções, a qual se destina à
agregação dos dados de grupo, de forma a situar os desafios existentes ao se analisar grupos
focais no nível de análise individual e grupal. A análise de dados de grupos focais pode
ocorrer a partir de dois eixos de orientação epistemológica: um eixo focado em análises do
comportamento verbal e outro em análises do comportamento não verbal.

Análise de dados por Microinterlocuções


A análise de dados por microinterlocuções, proposta por Onwuegbuzie et al. (2009), surge
como referencial alternativo para análise de dados provenientes de grupos focais e pode
ser entendida como um procedimento técnico que integra, analiticamente, os dados da
contribuição particular dos indivíduos e da construção coletiva do grupo focal. Integra
também elementos verbais e não verbais da comunicação verbal utilizada no grupo focal.
Esse conjunto de dados (individuais e coletivos, verbais e não verbais) é formado de
microinterlocuções. Para Bakhtin (1992), uma interlocução é uma situação dialógica
construída através dos enunciados nas interações. Geraldi (1997), por sua vez, compartilhou
dessa concepção e propôs a definição de interlocução como espaço de produção da
linguagem pelos indivíduos em situação de comunicação, contribuições que emergem do
universo discursivo e de constituição desses sujeitos.
A proposta dessa análise está amparada no fato de que alguns fenômenos, por natureza, são
grupais, e outros, individuais, sendo que grupos focais, pela sua riqueza de interlocuções,
permitem a identificação de variáveis nos dois níveis. A análise de microinterlocução é,
portanto, uma proposta integrativa, na qual os dados dos grupos focais são analisados a
partir de matrizes e organizadores gráficos.
Quatro etapas são sugeridas para a realização dessa análise: na primeira etapa, é construída
uma matriz, na qual se explicita o grau de consenso do grupo na construção de respostas
verbais; na segunda etapa, são sistematizados os elementos da linguagem não verbal
que complementam o sentido da linguagem verbal; na terceira etapa, são elaboradas
representações visuais dos dados por meio de diagramas de conjunto, a fim de documentar e
monitorar padrões de resposta de possíveis subgrupos de interesse, ou ainda, enfocar alguma
pergunta ou tópico específico. Por fim, na quarta etapa, Onwuegbuzie et al. (2009), ao
revisitarem a proposição de Barton e Lazarsfeld (1955), sugerem o uso de quase-estatísticas,
ou seja, a utilização de estatísticas descritivas que podem ser extraídas de dados qualitativos,
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 65

a fim de amparar o processo analítico.


Ao enumerarem fenômenos que só alcançam pleno sentido se considerados em grupo,
Crabtree, Yanoshik, Miller e O’Connor (1993) e Onwuebuzie et al. (2009) discutem também
a possibilidade de considerar variáveis de grupo, como é o caso de “consenso”, em paralelo com
outras variáveis individuais. A variável “consenso”, por exemplo, é um fenômeno que, caso
não seja compreendido à luz da dinâmica do grupo, não admite mensuração direta. Medir
consenso no nível do grupo significa, portanto, ao mesmo tempo, identificar os indivíduos
que contribuíram para esse consenso e como contribuíram. Isso justifica a recomendação
para que, além de citações de verbalização feitas pelos participantes (como comumente são
feitas no relato das análises de conteúdo e de discurso), sejam incluídas informações sobre
a proporção de membros que fizeram parte do consenso de onde a categoria ou conteúdo
surgiu. Além disso, devem ser especificadas também as visões divergentes (quando houver),
bem como o número de participantes que não emitiram opinião.

Exemplo de Aplicação da Análise de Dados por Microinterlocuções


A experiência de análise de dados em minigrupo focal que serviu de base para a elaboração
deste artigo foi realizada como parte das atividades do doutorado da primeira autora e
teve o objetivo principal de identificar e sistematizar indicadores de impacto do Mestrado
Multidisciplinar em Desenvolvimento e Gestão Social (MMDGS) sobre o desempenho
e a vida profissional dos egressos de turma formada em 2009. O objetivo aqui não é o de
discorrer sobre os resultados da pesquisa, mas explorar aspectos metodológicos envolvidos
nessa experiência de uso da análise de microinterlocução em apenas um minigrupo (três
participantes) de egressos do referido mestrado profissional. O minigrupo girava em torno
da seguinte questão-guia: Quanto o MMDGS contribuiu para o desenvolvimento das
competências apresentadas? Para orientar a discussão dos participantes no grupo focal foi
apresentada uma lista de 21 competências extraídas da análise documental. A título de
ilustração serão explicitadas quatro dessas competências:
(COMP.1) Reconhecer as novas configurações dos territórios presentes nas estratégias de
desenvolvimento que integram Estado, formas organizadas da sociedade civil e organizações
empresariais.
(COMP.2) Atuar em recortes territoriais de escalas variadas (da esfera microlocal à esfera
internacional/global).
(COMP.3) Fortalecer o dinamismo da produção de bens e serviços nos territórios onde
atuem.
(COMP.4) Atuar nos impasses do desenvolvimento local e regional que estão fortemente
impactados pela conjuntura de globalização financeira e urbanização internacional, nacional
e local.
66 Comportamento Verbal e Não Verbal em Grupos Focais

Algumas adaptações foram feitas na proposta de Onwuegbuzie et al. (2009), de tal forma a
contemplar as especificidades do estudo em questão. Foram realizadas seis etapas: na primeira,
procedeu-se à transcrição literal do minigrupo; na segunda, diversas leituras e audições
flutuantes do registro coletado; na terceira, foi discutida a categorização dos conteúdos
emergentes e aspectos da comunicação não verbal que fortalecia ou não a comunicação
verbal; e, na quarta etapa, foi feita a análise de microinterlocuções e a discussão comparada
dos elementos analisados. A quinta etapa destinou-se ao uso de quase estatísticas e a sexta
etapa à apresentação do diagrama de Venn. Cada etapa será apresentada com mais detalhes,
a partir da orientação proposta por Onwuegbuzie et al. (2009), para, em seguida, ilustrar
com o exemplo do MMDGS.

Quadro 2 - Exemplo de transcrição que leva em conta também comportamentos não verbais

Questão-guia: Quanto o MMDGS contribuiu para o desenvolvimento das 21 competências


apresentadas?
Verbalizações Codificações

Part.1: Hum, bom (pausa, 3 s – PH)...o Mestrado (pausa


PH – pausa hesitativa (Tempo
2s – PH), provocou em mim um efeito (pausa 2s – PH),
de pausa antes ou depois de
muito (pausa 2s – PE), transformador. (pausa 5s – PE), o
uma hesitação)
social (pausa, 3 s – PH), a dimensão do social implica numa
PE – pausa explicativa (Tempo
(pausa, 3 s – PH) abordagem tão múltipla de aspectos (...)
de pausa antes ou depois de
(P.1, linhas 169 a 172).
uma explicação)

C – consenso (Dar o
consentimento, expressar
Part.3: Sim, eu já vi também (falando ao fundo com Part. convergência de opiniões)
3- C - 8 segundos de pausa). (P.3, linha 91). ID – interação direta
Part.3: Vamos deixar com Part.2 que já começou, né? (ID (Buscar interação com
com Part. 1). (P.3, linha 93). outro complementando sua
fala ou direcionando-lhe a
palavra).

Fonte: Dados de pesquisa de campo (2011).

Etapa 1. Transcrição Literal do Material a Ser Analisado


A transcrição literal é aquela na qual todo conteúdo deve ser transcrito, seja ele
originariamente de áudio ou vídeo. Ao se transcrever com vistas à realização de análises
mais rigorosas, tal como a análise de microinterlocução, deve-se atentar para a transcrição
não só do conteúdo verbalmente apresentado pelos participantes, mas também de todos os
elementos da linguagem não verbal que tenham se manifestado.
A criação de um arquivo com metadados e de outro com dados relativos à data de realização,
detalhes biográficos dos entrevistados e objetivos da realização do grupo focal são sugeridas
por Gibbs (2009). Esse mesmo autor alerta também para a necessidade de numerar as
linhas do arquivo, a fim de facilitar a localização das verbalizações.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 67

Fruto das transcrições do minigrupo realizado no MMDGS, surgiu um arquivo de 53


páginas, com linhas numeradas e no qual as falas dos participantes foram identificadas por
cores e siglas. O Quadro 2 que segue apresenta um fragmento de transcrições em que são
destacadas as verbalizações (o que foi dito por dois participantes - P1 e P3) e elementos da
microinterlocução (comportamentos não verbais) associados a tais verbalizações, sinalizando
haver pausas (hesitativas ou explicativas), consenso e interação direta.
Ressalta-se que a escolha dos elementos codificadores utilizados ocorreu a partir de análise
de Onwuegbuzie et al. (2009), a qual registra a importância desses elementos na compreensão
do discurso de participantes de grupos focais. A transcrição do minigrupo focal foi feita pela
própria pesquisadora mediante escuta direta dos áudios e registro fiel dos dados em texto.
Não obstante tal fato, percebe-se o uso crescente de análises qualitativas e métodos mistos,
sendo que muitos já fazem uso de softwares nessa etapa; orientações e tendências a esse
respeito podem ser vistas em Evers (2011).

Etapa 2. Leituras e Audições Flutuantes


Depois de todo o material transcrito, foram realizadas leituras e audições flutuantes, a fim
de identificar e corrigir possíveis erros, bem como refinar os registros não verbais.

Etapa 3. Classificação dos Temas e Conteúdos Emergentes e Articulação da Comunicação Não


Verbal
Essa etapa, comum a outros tipos de análises qualitativas é o momento propício para
codificar os temas e conteúdos emergentes. Segundo Gibbs (2009), nessa fase, são criados
códigos, não apenas descritivos, mas também analíticos e teóricos; por isso, essa etapa é
comumente chamada de categorização temática, porque envolve a identificação de temas e
conteúdos comuns que permitem simplificar os dados em um menor número de unidades.
A codificação é uma forma de indexar o texto que emerge das transcrições e estabelecer uma
estrutura de ideias temáticas.
Por vezes, o nome adequado a ser dado aos elementos da estrutura de conteúdo que emerge
gera dúvidas entre pesquisadores. Alguns sustentam que devem ser chamadas de categorias
(BARDIN, 2002), outros, de temas (KING, 2004) e ainda outros de códigos ou índices
(GIBBS, 2009). Neste estudo, optou-se pela denominação “categoria” como referência ao
conjunto de conteúdos emergentes que permite agrupar elementos obedecendo a uma
estrutura lógica.
Ressalta-se que a questão-guia formulada para o grupo focal e considerada para as análises
deste artigo pode ser enunciada da seguinte maneira: “Quanto o MMDGS contribuiu para
o desenvolvimento das competências apresentadas?” Diante da necessidade de sistematizar
as contribuições realizadas à indagação proposta, a organização das atividades de análise foi
dividida em 10 passos:
68 Comportamento Verbal e Não Verbal em Grupos Focais

1) Identificação dos conteúdos emergentes;


2) Seleção das verbalizações significativas dos conteúdos emergentes;
3) Análise de convergências e divergências das falas dos participantes;
4) Classificação taxonômica das verbalizações;
5) Criação de categorias para representação dos conteúdos emergentes;
6) Análise da contribuição da categoria encontrada para o tópico guia proposto;
7) Marcação das categorias em consenso e em dissenso;
8) Síntese individual das contribuições de cada participante;
9) Síntese das contribuições do grupo;
10) Produção de quadro-resumo desta etapa.
O primeiro passo foi marcado pelo reconhecimento dos conteúdos advindos da fala dos
participantes. Nesse momento, foi criado um arquivo em separado, no qual os elementos da
linguagem não verbal foram retirados, a fim de não influenciar a leitura e tornar o arquivo
menos poluído visualmente. Num segundo momento, os conteúdos foram reconhecidos,
juntamente com as verbalizações que os dotariam de sentido. É muito comum no uso
da linguagem que a fala seja adjetivada e permeada de elementos que contribuem para
a expressão oral, e tais elementos devem ser devidamente identificados e separados. Um
conteúdo, por sua vez, deve ser entendido como a menor unidade da fala do participante
dotada de sentido. É equivalente ao que se pode chamar de expressões-chave no contexto
da teoria das representações sociais. Nesse momento, ainda se respeita a literalidade textual,
ou seja, destacam-se os elementos que estão presentes na fala do participante.
O Quadro 3, apresenta exemplos de identificação de conteúdos a partir da verbalização
dos participantes e ilustra os procedimentos realizados nesses dois primeiros passos da
identidade dos conteúdos.
Quadro 3 - Exemplos de identificação de conteúdos a partir da verbalização dos participantes.

Conteúdos
Verbalizações Emergentes
Expressão-chave

“os instrumentos de política pública para o desenvolvimento


social, são muito velhos, são muito arcaicos, são muito
Instrumentos
paternalistas”, (P.1, v.1);

“acho que é a coisa da interface [...] interface com a Gestão


Social, interface com a própria Gestão Pública, e isso não ficava
Interface
assim definida.”, (P.2, v.1).

“assumir uma posição diferente do que eu faço, do que eu


trabalho, de como eu vejo a gestão social”, (P.3, v.2); Posição diferente

Fonte: Dados de pesquisa de campo (2011).


© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 69

Quadro 4 - Ilustração do 4º passo da etapa de categorização, tendo como exemplo a categoria


ACSGS (Ampliação dos Conhecimentos sobre Gestão Social).

Lista de Competências
Conteúdos e verbalizações Domínio e classificação
Apresentadas
identificadas de cada verbalização
(Tópico-guia)

“os instrumentos de
política pública para o
desenvolvimento social,
Cognitivo/Avaliação
são muito velhos, são
muito arcaicos, são muito
paternalistas”, (v.1);

“as instituições
Participante 1

envelheceram muito, as
instituições que lidam com Cognitivo/Avaliação
COMP. 1 Cognitivo/
essas questões sociais.”,
Avaliação
(v.2);
“Reconhecer as novas
“a dimensão do social configurações dos
implica numa abordagem territórios presentes
[...] múltipla de aspectos”, Cognitivo/Análise nas estratégias de
(v.3); desenvolvimento que
integram Estado,
“momento de revolução formas organizadas
do conhecimento, de Cognitivo/Compreensão da sociedade civil
interesses” (v.4); e organizações
empresariais.”
“uma concepção de direitos
humanos”, (v.1); Cognitivo/Avaliação
Participante 2

“Gestão Social, que é o


desenvolvimento local, é da COMP. 15 Cognitivo/
cidadania [...] independente Síntese
do espaço geográfico onde Cognitivo/Síntese Sistematizar práticas
você esteja”, (v.2); de desenvolvimento
e gestão social,
“começa a perceber [...] reconhecendo
a função e o papel do Cognitivo/Avaliação instrumentos e saberes
estado”, (v.1). (lições e ensinamentos)
Participante 3

relacionados a elas.
“o mestrado tá muito
focado nesse papel nobre
e maior de todo o serviço
Cognitivo/Análise
público, maior de todos: o
Estado”, (v.2);

“criar uma fronteira do que


Cognitivo/Síntese
seria a gestão social”, (v.3).

ACSGS: Indica quanto o curso contribuiu para a ampliação dos conhecimentos dos
participantes sobre Gestão Social.

Fonte: Dados de pesquisa de campo (2011).


70 Comportamento Verbal e Não Verbal em Grupos Focais

O terceiro passo é a análise das divergências e convergências das falas dos participantes,
de tal forma que se tenha um panorama transversal da contribuição de cada participante,
considerando o conteúdo que ele fez emergir. O quarto passo é uma adaptação da proposta
inicial de análise de grupos focais e atende às peculiaridades da avaliação de impacto de
programas educacionais, a qual se ampara, em grande medida, na literatura de sistemas
instrucionais. O processo de avaliação do mestrado profissional foi desenhado a partir
do referencial de objetivos instrucionais. Em sendo assim, este quarto passo consiste em
classificar os conteúdos de verbalizações dos participantes relativos ao desenvolvimento
das 21 competências em três domínios de aprendizagem: cognitivo, afetivo e psicomotor
(BLOOM et al., 1979). A título de esclarecimento, far-se-á breve descrição de cada
um desses domínios. O domínio cognitivo diz respeito à aprendizagem intelectual.
Seus níveis de desenvolvimento possuem seis categorias crescentes em complexidade:
conhecimento (memorização), compreensão (elaboração simples), aplicação (usar
corretamente a informação), análise (decompor a informação e inter-relacionar), síntese
(aglutinar níveis anteriores e produzir algo novo) e avaliação crítica (amplo julgamento).
O domínio afetivo abrange aspectos de incorporação de valores e disposições emocionais
e atitudinais. Seus níveis de desenvolvimento possuem cinco categorias crescentes em
complexidade: receptividade (aquiescência), resposta (ação congruente com o valor),
valorização (importância dada ao valor), organização (compara e prioriza o valor em
relação aos demais) e internalização de valores (incorporação completa do valor que passa
a orientar a vida pessoal). O domínio psicomotor envolve habilidades físicas, motoras e
coordenação muscular na execução de tarefas com o objetivo de automatização. Seus níveis
de desenvolvimento possuem cinco categorias crescentes em complexidade: percepção
(atenção aos movimentos), posicionamento (ajusta-se e ajusta o ambiente para iniciar os
movimentos), execução acompanhada (execução ainda hesitante), mecanização (execução
completa e sem erros) e domínio completo dos movimentos (execução automática).
O Quadro 4 (pág. anterior) ilustra a referida etapa de classificação taxonômica, considerando
como exemplo a categoria de amplo consenso nomeada “Ampliação dos Conhecimentos
sobre Gestão Social”.
Em que pese tal escolha, no escopo deste trabalho, é indispensável identificar o paralelismo
existente entre as verbalizações (proferidas pelos participantes), os conteúdos (provenientes de
análise) e as competências (compreendidas como indicadores de conhecimentos, habilidades
e atitudes contidos nos conteúdos emergentes das verbalizações dos participantes).
Após esse momento, as categorias podem ser nomeadas, com um rótulo que as organize (5º
passo). Na Figura 4, será apresentado quadro contendo a síntese das referidas etapas. Nele,
podem ser identificados os conteúdos emergentes no minigrupo, para a primeira questão-
guia apresentada, sendo que tanto as contribuições do grupo, quanto as contribuições
individuais nesse momento da categorização já podem ser visualizadas.
O grupo reconheceu por pleno consenso (ou seja, todos os membros mencionaram essa
categoria em suas falas e suas contribuições convergiram no mesmo sentido) a: a) Ampliação
dos Conhecimentos sobre Gestão Social (ACSGS); b) Mudança de Atitude na Atuação
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 71

Profissional (MAAP); c) Integração dos Conhecimentos Diversos (ICD).


No que diz respeito ao Grau de Contribuição Manifesto (GCM) e à Abertura para a
Diversidade (APD), houve consenso parcial, ou seja, todos os participantes mencionaram
essa categoria, no entanto, apenas dois tiveram contribuições que convergiram no
mesmo sentido. Uma das categorias obteve consenso lateral, o que significa dizer que foi
mencionada apenas por dois participantes que tiveram posicionamentos convergentes
acerca dela. Trata-se da categoria Superação das Barreiras de Aprendizagem (SBA). Como
contribuições individuais, surgiram quatro categorias: Atuação nos Recortes Territoriais
(ART) e Desenvolvimento de Projetos Sustentáveis (DPS), contribuição do Participante
1 (P1). Desenvolvimento de Projetos na Administração Pública (DPAP), contribuição de
Participante 2 (P2) e Interlocução com Outros Atores (ICOA) contribuição de Participante
3 (P3).
Quadro 5 - Exemplo de identificação de categorias criadas a partir da verbalização dos
participantes, proveniente do minigrupo focal.
Categorias Contribuições
Participante
Amplo Consenso Consenso Parcial Consenso Lateral Individuais
P.1 ART, DPS
P.2 ACSGS, MAAP, ICD GCM e APD SBA DPAP
P.3 ICOA

Fonte: Dados de pesquisa de campo (2011)

Quadro 6 - Elementos da categorização de conteúdo identificados na fala de cada participante


de minigrupo focal, associado à questão-guia da discussão do grupo.

Momentos do Participante 1 Participante 2 Participante 3 Síntese


Grupo Focal (P1) (P2) (P3) do Grupo
Categorias criadas Categorias criadas Categorias criadas
Questão-guia e verbalizações e verbalizações e verbalizações
de P1: de P2: de P3:
Sugere-se que as categorias, verbalizações e a classificação
Nesta coluna, taxonômica das mesmas sejam relacionadas em uma
as questões mesma matriz, de tal forma que, ao se fazer a leitura das
ou tópicos- colunas, se possa ter uma visão global da contribuição
guia devem ser de cada participante e, ao se fazer a leitura das linhas,
registrados se possa ter um panorama completo da contribuição do
grupo, para cada questão de foco apresentada.
Síntese Individual
Fonte: Dados de pesquisa de campo (2011).

Após serem categorizados e classificados os conteúdos emergentes, restava organizar as


contribuições dos indivíduos e as do grupo e sumariá-las (passos 8 a 10). Nesse momento,
é importante lembrar que existem dados a serem abordados em dois níveis, ou seja, o foco
da análise já deve considerar tanto o particular (as verbalizações) quanto o compartilhado
72 Comportamento Verbal e Não Verbal em Grupos Focais

(as categorias), entre o individual (contribuições de cada indivíduo) e o coletivo (elementos


suscitados pelo grupo).
A orientação metodológica proposta por Onwuegbuzie et al. (2009) acerca desse momento
é o uso de matriz para síntese dos conteúdos, tal qual exposto no Quadro 6, o qual se segue
(no Apêndice A, o referido quadro é apresentado com todos os dados preenchidos).
Essa etapa de categorização foi destinada à parte verbal das contribuições advindas do
minigrupo focal. A etapa 4 será destinada ao paralelo que pode ser estabelecido entre
elementos não verbais e verbais de análise.

Etapa 4. Análise dos Elementos Não Verbais Recorrentes


Alguns desenhos de pesquisa, dadas as variáveis incluídas em seu escopo, de fato, têm, na
linguagem proxêmica e nos elementos não verbais, elementos centrais de suas análises. Não
é esse o caso do minigrupo focal que ilustra este artigo. Sob o contexto da reflexão aqui
proposta, os elementos não verbais aqui analisados vieram da recorrência de sua manifestação,
emergindo como variáveis características do próprio minigrupo. Tais elementos podem ser
observados no Quadro 7, o qual foi construído a partir do terceiro, a fim de orientar a análise
não verbal.
Quadro 7 - Elementos de Análise não verbal e codificações que foram empregados na análise
do minigrupo focal.

Elemento de Análise Abreviatura


Consenso: Dar o consentimento, expressar convergência de
C
opiniões.
Expressar opinião divergente e em contraste com
Dissenso: D
outra.
Buscar interação com outro, complementando sua
Interação direta: ID
fala ou direcionando-lhe a palavra.
Tempo de pausa antes ou depois de uma
Pausa explicativa PE
explicação.
Tempo de pausa antes ou depois de uma
Pausa hesitativa PH
hesitação.
Pausa Tempo de pausa antes ou depois de uma
PEX
exemplificativa exemplificação.

Fonte: Dados de pesquisa de campo (2011).

Como o propósito deste artigo é apenas exemplificar o uso da análise de


microinterlocuções,optou-se por enfocar as discussões e verbalizações concernentes
somente à primeira questão-guia: Quanto o MMDGS contribuiu para o desenvolvimento
das competências apresentadas? Os elementos não verbais identificados nesse momento
podem ser observados no Quadro 8.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 73

Quadro 8 - Exemplos de Elementos do Comportamento não verbal identificados na fala de cada


participante de minigrupo focal, associado à questão-guia da discussão do grupo.

Questão-guia Participante 1 Participante 2 Participante 3 Síntese do Grupo


PH169, PH170, PH 95, PE106, PH117,PH119,
PE170, PE170b, ID290, ID303 PE127, PH133,
PH171, PH172, (2à3), C312, PE137, PEX142, C=6
PH174, ID C320, PEX326, PE147, PE153, ID = 15
(1-3), C174, PH329, PH330, PH156, PEX156, PE = 29
PE176, PEX177, PE334, PH335, PE157, PH159, PH = 44
PH177, PH178, PH337, ID/C338, PE159, ID263, PEX = 5
PH179, PH180, PH347, PE348, ID264, C266,
PH181, PE183, PE352, PH354, PH282, PE286,
PH185, PEX185, PH355, PE 356, PH287, PH288,
PH186, PH187, PH357, PH290, PE292,
Quanto o
PH187b, PE188, PH293, ID/C298
MMDGS PE188b, PE191, (3àG), ID299
contribuiu para o PH193, PH195, (3àG), PH307,
PEX198, PH199, PE318, PH315,
desenvolvimento PE203, PH208,
das competências PE209, PE212,
PEX216, PE217,
apresentadas? PH220, PE221,
PH223, PE226,
PE229, PH231,
PH235, PH237,
ID (1àMP),
ID258(1àMP),
ID276(1àMP),
ID289(1à3),
ID296(1à3), ID317
(1à3), ID 325
(1àG)

C = 1, ID = 8, PE = C = 3, ID = 3, PE C = 2, ID = 4,
Síntese Individual 15, PH = 24, PEX = 5, PH = 9, PEX PE = 9, PH = 12,
=3 =1 PEX = 1

Pausas Interação e Pausas Pausas hesitativas


hesitativas e consentimento hesitativas e e explicativas
explicativas se equilibram explicativas marcam a
marcam a na resposta do marcam a interlocução
resposta do participante 2. resposta do do grupo, o
Conclusão participante 1. participante que permite
3. inferir que a
qualitativa pergunta suscita
comportamento
reflexivo entre os
participantes 1 e
3 de modo mais
evidente.

Fonte: Dados de pesquisa de campo (2011).

O Quadro acima apresenta os registros verbais e não verbais dos três participantes a partir
da questão-guia. Os três participantes ofereceram contribuições distintas individualmente.
O Participante 1 apresentou mais inflexões em sua contribuição e teve sua participação
74 Comportamento Verbal e Não Verbal em Grupos Focais

marcada por elevado número de pausas hesitativas e explicativas (PH e PE). Em sentido
contrário, em termos de manifestação de consenso (C), esse participante foi o que menos
acordou com os demais participantes, ainda que tenha sido o que mais interagiu com o
moderador principal (1àMP), com o participante 3 (1à3) e com o grupo (1àG).
A demarcação de elementos não verbais nas interlocuções permitiu perceber a postura
reflexiva dos participantes, associados com os conteúdos emergidos, e apresentou elementos
que sublinhassem temas confluentes.

Quadro 9. Resumo das contribuições individuais e do grupo


Questão-guia Sínteses P1 P2 P3
Quanto o MMDGS Elementos C = 1, ID = 8, PE = C = 3, ID = 3, PE = C = 2, ID = 4, PE
contribuiu para o não verbais 15, PH = 24, PEX 5, PH = 9, PEX = 1 = 9, PH = 12, PEX
desenvolvimento =3 =1
das competências
Sínteses P1 ressalta P2 enfocou, Para P3, a
apresentadas?
Individuais que o MMDGS de maneira a ampliação dos
em muito sintetizar suas conhecimentos
contribuiu para percepções sobre a gestão
a ampliação dos acerca da gestão social ocorre pelo
conhecimentos social, que está questionamento
sobre o social associada ao das fronteiras
e sua gestão, desenvolvimento do que é gestão.
destaca a local e ao Analisa que o
ampliação da desenvolvimento curso foi muito
compreensão da cidadania. focado no papel
nessa esfera. Tal síntese se faz do Estado.
Também analisa coerente com
e avalia a a avaliação de
diversidade de GS como um
instituições e elemento da
instrumentos área de Direitos
existentes nessas Humanos.
áreas.
Síntese do grupo
C = 6 ID = 15 PE = 29 PH = 44 PEX = 5
A categoria em questão obteve pleno consenso e foi positivamente avaliada por todos
os participantes do grupo. Dessa forma, o MMDGS contribuiu para a “Ampliação dos
Conhecimentos sobre Gestão Social”. A referida categoria foi identificada a partir de nove
verbalizações e ficou caracterizado que os participantes ampliaram seus conhecimentos sobre
gestão social ao compreenderem que o momento social vivido é revolucionário, em termos
de conhecimentos e interesses em toda a sociedade e que a gestão social trabalha com esses
elementos e agrega outros tantos relativos ao desenvolvimento local e desenvolvimento da
cidadania, de tal forma a criar uma fronteira do que é gestão social. Além disso, os participantes
reconheceram que o MMDGS muito contribuiu em termos de competências avaliativas, de tal
forma que a dimensão social da gestão social, os instrumentos, as instituições e o próprio
papel do Estado, como um ente maior nesse cenário de Direitos Humanos, pudessem ser
avaliados. As competências relacionadas a essa categoria podem ser paralelizadas com as
competências 1 e 15 do curso.
Fonte: Dados de pesquisa de campo (2011)

Para sintetizar, o Quadro 10 apresenta, de modo resumido, os passos propostos para


© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 75

adequada categorização de conteúdos.


Nessa quarta etapa, também foi feita uma adaptação em relação à proposta de análise de
grupos focais de Onwuegbuzie et al. (2009). Segundo a proposta desses autores, os elementos
de análise advindos da comunicação proxêmica deveriam ser estabelecidos previamente,
sendo que o processo de análise revelaria a recorrência e dispersão desses elementos no
conjunto de dados coletados. No caso estudado, entretanto, os comportamentos não verbais
analisados são provenientes da realização da etapa três.

Etapa 5. Análise de Microinterlocuções e Discussões Comparadas


Esta etapa consiste na sistematização dos dados provenientes tanto da análise dos elementos
verbais quanto dos não verbais, explicitados nas etapas anteriores. Nesse momento de
síntese, a identificação dos participantes, as contribuições envolvidas com a construção dos
conteúdos e os elementos não verbais recorrentes precisam ser identificados, pois constituem
os elementos de microinterlocução.
Em termos metodológicos, sugere-se que os Quadros acima sejam devidamente sobrepostos
e analisados em conjunto, à luz da síntese que geraram, tal como exposto no Quadro que
segue.
Quadro 10 - Resumo dos passos para a elaboração de categorias.

Classificação
Níveis de
Participantes Verbalizações quanto ao Categorias Sínteses
Consenso
Domínio

Amplo Consenso
Número de Verbalizações de cada

Definição de cada categoria


contribuíram em cada categoria

Nome de cada categoria


Registro dos participantes que

Consenso Parcial Cognitivo Do Grupo

Consenso Afetivo
Lateral
participante por

Psicomotor
categoria

Individual
Contribuições
Individuais
Fonte: Elaboração própria
Obs: A coluna de classificação varia conforme o referencial teórico adotado no estudo.

Etapa 6. Sistematização de Quase-Estatísticas


Nessa etapa, deve-se contabilizar e criar um quadro comparativo das quase-estatísticas
76 Comportamento Verbal e Não Verbal em Grupos Focais

usadas na análise (proporção de consensos, dissensos, pausas, etc.). Os autores Onuwegbuzie


et al. (2009) registram que o uso de quase-estatísticas em análises de dados foi proposto por
Barton e Lazarsfeld (1955) e que essas se referem ao uso de estatísticas descritivas que
podem ser extraídas a partir de dado qualitativos.

Etapa 7. Representação em Diagramas


A Representação em “Diagramas de Venn” deve ocorrer após a identificação dos elementos
da microinterlocução, tal qual expostos em etapas anteriores. Segundo Onwuegbuzie
et al. (2009), esse passo é importante na análise da microinterlocução, pois oferece uma
representação gráfica dos elementos categorizados nas matrizes e cria uma representação
visual da dispersão dos dados encontrados.
O referido diagrama pode auxiliar na documentação e monitoramento das respostas e na
percepção de padrões dos subgrupos de interesse na população estudada (por exemplo:
grupos de homens e mulheres, segmentados por idade, por etnia), ou mesmo por perguntas
utilizadas como questões ou tópicos-guia, como o realizado neste estudo.
A Figura 1 ilustra o Diagrama de Venn, com as categorias que emergiram das discussões da
primeira questão do minigrupo focal.
Figura 1 - Diagrama de Venn

PARTICIPANTE 1 - (P1) PARTICIPANTE 2 - (P2)

DPS SBA
GCM
APD
ART
ICD DPAP
ACSGS
MAAP
GCM

APD
ICOA

PARTICIPANTE 3 – (P3)

Fonte: Dados de pesquisa de campo (2011)

Na Figura acima, é fornecido um exemplo comparativo com o uso do Diagrama, no qual


se pode perceber a dispersão das categorias de conteúdo que emergiram. Nessa figura, foi
evidenciada que apenas três categorias foram de consenso dos três participantes (ICD,
ACSGS e MAAP) e que houve uma dispersão equilibrada quanto às categorias que
surgiram como contribuições individuais, visto que não houve disparidade de contribuições.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 77

Além desses dados, consensos laterais também podem ser observados, ou seja, foi possível
perceber que os três participantes, formaram consensos entre si, dois a dois e, por vezes, os
três juntos.
Considerando que essa atividade se realizou no contexto de uma pesquisa sobre avaliação
de impacto de Mestrado Profissional sobre o desempenho dos egressos, os resultados
encontrados fomentaram análises do referencial teórico de origem e identificação de lacunas
existentes nesse contexto teórico.

Considerações Finais
Uma alternativa para análise de dados em grupos focais foi apresentada neste artigo. O
ponto de partida foi a percepção de que a análise de microinterlocuções pode auxiliar
na identificação, sistematização e análise de comportamentos verbais e não verbais que
ocorrem em grupos focais e, com isso, integrar níveis de análise distintos em um mesmo
escopo analítico. Pode-se perceber que pressupostos epistemológicos distintos norteiam
esse tipo de análise integrativa de comportamentos verbais e não verbais e constitui ponto
de convergência de autores defensores do uso de métodos mistos de análise (CRESWELL,
2007). A análise de microinterlocuções de Onwuegbuzie et al. (2009) foi usada no exercício
de análise de um minigrupo focal, discutida e adaptada. A proposta conta com maior rigor
metodológico que propostas anteriores e pode contribuir para estudos de desenhos mistos.
O artigo atende a três demandas metodológicas. A primeira é a da apresentação de um
exemplo de análise integrada de verbalizações e comportamentos não verbais em grupos
focais. A segunda é a da identificação e sistematização, de forma integrada, níveis de
análise individual e grupal. A terceira é a utilização de diagramas e quadros-resumo como
facilitadores e integradores dos dados provenientes de diferentes fontes humanas, o que
possibilita identificar a força do consenso e do dissenso, um dos principais objetivos dos
grupos focais.
Certamente outras tantas lacunas permanecem e exigem esforços dos pesquisadores: a
estruturação de análise de interlocuções em grupos maiores; o uso de softwares de análise
de dados qualitativos associados a essa abordagem; os mecanismos de aprimoramento de
representações gráficas dos resultados usando, por exemplo, mapas cognitivos; a aplicação
de análise de microinterlocuções em estudos multiníveis.

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Daniela Professora Associada do Centro Universitário IESB - Brasília e professora


Borges Lima adjunta do Centro Universitário de Brasília – UNICEUB. Atua na graduação
de Souza nos cursos de Psicologia e Direito. Doutora em Psicologia Social, do Trabalho
e das Organizações pela Universidade de Brasília. Áreas de investigação
e docência: Avaliação de Programas e Projetos Sociais, Gestão Social,
Educação Profissional, Mestrados Profissionais, Psicologia Organizacional
e do Trabalho, Psicologia Jurídica e Medidas Sócio-educativas, Pesquisas
multimétodos.
Sônia Maria Professora Associada do Instituto de Psicologia da UFBA. Atua na graduação
Guedes e pós-graduação no Instituto de Psicologia e no Centro Interdisciplinar de
Gondim Desenvolvimento e Gestão Social da UFBA. Doutora em Psicologia pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora Nível 2 do CNPq.

Gardênia da Professora Associada do Instituto de Psicologia da Universidade de


Silva Abbad Brasília. Mestre e Doutora em Psicologia Organizacional e do Trabalho
pena Universidade de Brasília. Atua no programa de pós-graduação em
Psicologia Social e do Trabalho - PSTO e no programa de pós-graduação
em Administração da Universidade de Brasília. Pesquisadora 1C do CNPq.
sessão temática
Metodologias Integrativas para a
Participação

Editoras convidadas
Valéria Giannella (UFCA)
Vanessa Louise Batista (FACED/UFC)

Foto: Abertura do Projeto Lagoas de


Aracati-CE, por André Magalhães
Foto: Samuel Macedo
s e t . /d e z . 2013
v.2n.3 p . 83 -1 0 8
ISSN: 2317-2428
copyright@2013
www.rigs.ufba.br

Metodologias Integrativas: Tecendo Saberes e


Ampliando a Compreensão
Valéria Giannella e Vanessa Louise Batista

Resumo Este texto procura refletir e indagar os vastos campos ligados às práticas
participativas, de ampliação da esfera pública, a partir das experiências
coletadas neste número temático. Elas se inserem no âmbito denominado
de Gestão Social e nos levam a ampliar/reconceituar este campo para
além do locus costumeiramente tido como próprio da gestão. A dimensão
metodológica, em sua declinação integradora, é o fio que nos guia nesta
exploração, levando-nos a discutir a necessidade de ampliarmos os conceitos
de racionalidade comunicativa, para além da comunicação lógico-racional;
o conceito de esfera pública, que seja mais do que campo de luta entre
argumentos racionais; o conceito de cidadania, como algo que alcança o
nível planetário. E tudo isso como consequente à nova descrição da realidade
enquanto rede altamente interconectada entre local e global, indivíduo e
totalidade. Também reconhecemos que essas distinções são apenas, favoráveis
à compreensão humana, mais do que estreitamente correspondentes à
alguma realidade externa, seja o que ela for. Uma reflexão ampla, que religa
a pesquisa e prática em Gestão Social às mais avançadas e inovadoras do
campo unitário das ciências contemporâneas.

Palavras-chave Metodologias Integrativas. Participação. Sujeito Público/Cidadania


Planetária. Interdependência Global.

Abstract This text wants to reflect and explore the vast fields linked to participatory
practices, to the expansion of the public sphere, moving from the experiences
collected in this special issue. They fall within the area named as Social
Management and lead us to extend / re-conceptualize it beyond the locus we
customarily assume is that of management. The methodological dimension in
its integrative declination is the thread that guides us along this exploration,
leading us to discuss the need to broaden the concept of communicative
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rationality, beyond the logical-rational communication; the concept of the


public sphere, as more than a battlefield among rational arguments; the
concept of citizenship as something that reaches the planetary level. All that
is due to the new description of reality as a highly interconnected network
between local and global, individual and totality. We acknowledge, though,
that these distinctions are meant more to facilitate human understanding
than to closely represent some given reality. A broad reflection, which
connects research and practice in social management to the most advanced
and innovative in the unitary field of contemporary science.

Keywords Integrative Methodologies. Participation. Public Subject/Planetary


Citizenship. Global Interdependence.

Introdução
Apresentamos aqui – Valéria Giannella e Vanessa Louise – um espaço de reflexão e diálogo
aberto, há pouco mais de um ano, com a chamada de trabalhos sobre “Metodologias
Integrativas (MI) na Participação” que a RIGS acolheu, acreditamos por ser sua própria
proposta editorial de inovação, experimentalidade e criatividade, condizente com a temática
deste número. Os artigos aqui apresentados apontam para um novo paradigma das ações
comprometidas com a participação social e popular, assim como trazem olhares pertinentes
para uma práxis libertadora no campo da Gestão Social.
A RIGS é parte, a nosso ver, do processo de ampliação dos meios de debate e consolidação do
campo temático da Gestão Social, um campo novo aninhado em outro (o chamado “Campo
de Públicas”1), que se autodefine, desde a sua recente origem, pela discussão – e às vezes, a
polêmica – em torno de seu próprio conceito matriz: a Gestão Social (GS). O que é, afinal,
GS, ainda não foi definido pelos ocupantes desse campo, de forma unívoca e inconteste.
Ainda ressoam em nossos ouvidos as discussões e debates travados nos ENAPEGS2 ou
nas reuniões de diversos projetos nas quais, vez ou outra, observamos e, provavelmente,
fomos incomodados, com essa multiplicidade de entendimentos, de enfoques, de agendas...
Como muitas outras coisas, neste período de transição, as velhas disciplinas demostram os
seus limites e não nos satisfazem mais; ao mesmo tempo, o que se apresenta como novo
nos assusta, às vezes, pela sua indefinição excessiva, pela confusão, falta de objetividade...
todas características que chocam com o ideal do que deveria ser o saber científico, pelo que
aprendemos dele em nossa formação acadêmica e de pesquisadores.
A chamada para este número temático buscou mapear e destacar experiências que, por levar
a sério o princípio da participação cidadã, indagam, refletem e experimentam metodologias
apropriadas para realizá-la. Ora, já faz parte do debate corrente a desconfiança com a
participação, já que ela se tornou um mote obrigatório de toda e qualquer política pública ou
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projeto, sem que isso chegue a garantir a efetiva inclusão dos que, em cada situação, são ou
serão afetados pelos problemas em pauta. É fato que, frequentemente, encontramos práticas
tradicionais (tecnicistas e autoritárias) maquiadas pelo rótulo da participação. O tecnicismo
e o desprezo a tudo o que não se apresenta nas vestes do conhecimento codificado como
científico ainda vigora, e começamos a entender o quão profundamente a ciência moderna
formatou a nossa visão e determina o que consideramos válido, e legítimo. As barreiras
para a real integração na esfera pública dos que não comungam das mesmas formas de
conhecimento, que não dominam a fala analítica ou o argumento racional, são concretas e
muito difíceis de se transpor.
O intuito deste artigo introdutório é de apresentar sinteticamente, e sem pretensão de
exaustividade, uma visão do campo da Gestão Social a partir de algumas contribuições
recentes que se deram o objetivo explícito da autorreflexão. Após isso, adentraremos uma
ilustração das que foram definidas de Metodologias Integrativas, descrevendo o referencial
teórico e o intuito pragmático e político delas. Finalmente chegaremos a indagar algumas
questões que podem parecer “de fronteira”, mas que originam da reflexão oriunda dos
materiais aqui coletados (artigos e filme), se olhados a partir das inquietações que a ciência
contemporânea instiga como um potencial ainda inalcançado, mas presente. Contamos
com isso avançar e ampliar a busca que nos une: construir coletivamente os caminhos para
sairmos da democracia formal e adentrarmos a democracia de fato, no Brasil como em
outros países. Democracia que pede, hoje, uma reformulação do conceito de cidadania em
um sentido que abranja a dimensão planetária, e da noção de convivência que extrapole o
nível individual e social para integrar o transpessoal3. Fecharemos o artigo com uma breve
apresentação dos materiais que compõem o número, ressaltando, ao “bordar” a teia das
nossas conclusões, os pontos principais da visão construída a partir de uma livre análise de
seu conteúdo.

Da Gestão Social
Descrevendo a gestão a partir de um olhar moderno, característico da industrialização
taylorista, ela é um conjunto de técnicas instrumentalmente orientadas4, codificadas e
formalizadas, que tornam absoluta uma forma específica de racionalidade (a racionalidade
técnica) e reificam os processos de produção (de produtos materiais ou imateriais5),
assumindo a possibilidade de controlar e determinar todo e qualquer fator interveniente,
com vistas à realização das metas pré-definidas de forma eficiente e eficaz.
Quando passamos à noção de “social”, ela remete-nos, de forma abstrata e sintética, às
características da sociedade; com isso podemos imaginar (apesar dos diversos modelos
de sociedade que possamos assumir como referência), algo heterogêneo, complexo,
potencialmente conflituoso, variavelmente influenciado por estruturas de poder, culturas,
condicionantes econômicos, políticos e ambientais. A gestão aplicada ao social não
significaria tentar fazer deste último um objeto manipulável ao prazer de quem detém o
domínio dos mecanismos do sistema vigente?
86 Metodologias Integrativas. Tecendo Saberes e Ampliando a Compreensão

De fato, a junção dos dois termos pode gerar uma variedade de significações. Como já
sinalizava França Filho (2008), podemos entender o social: a) enquanto adjetivo da gestão
(uma gestão já não tecnicista e sim pautada e condicionada pela dimensão interativa e
relacional); b) como seu objeto (uma gestão que se ocupa e visa solucionar os problemas
sociais, sem que seja colocada em pauta a modalidade dessas soluções); c) ou, ainda, como o
seu fim (sendo o objetivo dela o alcance do bem estar coletivo, sem que seja posta a questão
de quem define os contornos de tal objetivo). Essas diversas declinações são detectáveis no
debate com acentos e ênfases diferentes conforme as conjunturas e os autores observados.
Uma leitura contextualizada é a que propõem Boullosa e Schommer (2009) sinalizando
como, na passagem entre século XX e XXI, diante de crises multifacetadas – ambiental,
social, política, econômica e fiscal – começa-se a usar a locução “Gestão Social” como:
[...] expressão, que costumava designar variadas práticas sociais, entre orga-
nizações de origem governamental, na sociedade civil, em movimentos sociais
e empresariais – relacionada às noções de cidadania corporativa ou de respon-
sabilidade social, parece assumir progressivo caráter de solidez, passando a rep-
resentar um modo especial de problematizar e gerir realidades sociointeracio-
nais complexas. A noção de gestão social indica e fortalece um novo modelo de
relações entre Estado e sociedade para o enfrentamento de desafios contem-
porâneos. Um modelo no qual o Estado revê sua suposta primazia na condução
de processos de transformação social e assume a complexidade de atores e de
interesses em jogo como definidora dos próprios processos de definição e con-
strução de bens públicos (BOULLOSA; SCHOMMER, 2010, p. 66).

Na falta de maiores consensos, podemos identificar um núcleo de três questões que


transversalizam o campo da GS, sendo elas:
yy A necessidade de encontrar novos conceitos que descrevam a insurgência de um
tipo novo de relações entre as esferas do Estado, do mercado e da Sociedade, cujos
objetivos e lógicas já foram consideradas como absolutamente diferentes; conceitos
como “sujeitos públicos não estatais” (com as ressalvas e precauções sinalizadas
por França, 2008) e “co-produção do bem público”6 aparecem e se afirmam neste
âmbito (SCHOMMER et al., 2011);
yy A urgência de inclusão no espaço da cidadania de amplos bolsões de população para
os quais, ainda, essa palavra é vazia de conteúdo concreto, mas, ao mesmo tempo, a
impossibilidade de se contentar com uma noção de cidadania formal que vá pouco
além da expressão do voto e do direito a ser consumidor de bens e serviços. Nesse
âmbito é que emergem os estudos e práticas de socioeconomia solidária, além do
vasto debate sobre a participação, o que nos leva, de pronto, à terceira questão;
yy A necessária redefinição das práticas da gestão para superar sua concepção
estreitamente tecnicista e instrumental (ligada à primazia do cálculo econômico
entre custos e benefícios), para transitar em direção a uma gestão partilhada e
dialógica; aqui abre-se espaço para a reflexão sobre as novas formas de ação gerencial
e como elas podem desenvolver a participação no tocante à deliberação e execução
de projetos e ações sociais e/ou institucionais (REPETTO, 2005).
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Cada um desses âmbitos apresenta pautas e programas de pesquisa/ação parcialmente


distintos e é desafiado por questionamentos e contradições específicas. Contudo, a discussão
sobre a natureza, delimitação e fundamentos da GS não é o cerne deste artigo, mas sim as
MI, as quais potencializam as reflexões acerca dos métodos adotados em procedimentos
gerenciais diversos. Assim, o que interessa aqui é que a Gestão Social, diante de tanta
complexidade, variedade de interpretações e abordagens, parece oscilar entre duas posturas
epistemológicas marcadamente diferentes: por um lado, uma vertente preocupada em
consolidar a GS enquanto campo de conhecimento científico7; por outro, uma que enxerga
a natureza polimórfica do campo, não como consequência de imaturidade a ser superada
em fases sucessivas, mas sim como característica estrutural a ser assumida, inclusive com
base numa crítica ao discurso cientificista ainda dominante, mas evidentemente em crise
(CAPRA, 2001; DAMASIO, 2005; SANTOS, 2008).
Muitos autores defendem hoje que o novo paradigma, necessário para enfrentar a crise
global que nos atinge, revira de ponta cabeça a antiga ideia de que as ciências humanas,
em sua maturidade, seriam tão exatas, objetivas e capazes de controle e previsão quanto as
ciências da natureza. O que se observa é o processo oposto: são as novas ciências da natureza
que assumiram muitas das características antes tidas como próprias das ciências sociais: a
interferência entre observador e observado, a historicidade8, a relevância dos contextos em
determinar a evolução dos organismos e dos fenômenos. O novo discurso da ciência deve
se basear no reconhecimento dos limites da racionalidade que aplica e no esforço de leitura/
escuta/diálogo com outras racionalidades, lógicas, formas de entender e explicar o mundo
(cosmovisões). O discurso em torno das Metodologias Integrativas só se entende, justifica
e alimenta neste segundo quadro, de crítica à ciência como único discurso válido sobre a
realidade, e a partir da assunção que ela seja parte de uma “ecologia de saberes” (MORAES,
2008; SANTOS; MENEZES, 2010; GIANNELLA; BARON; SOUSA, neste número).

Das Metodologias Integrativas


O campo de pesquisa e ação que apontamos com a definição de MI abre-se em decorrência
da reconhecida importância da construção de políticas públicas de forma participativa
e inclusiva. Também se afirma, relacionado à área da educação e, no geral, de qualquer
âmbito de ação que se beneficie do envolvimento integral9 do ser humano para o seu êxito,
a exemplo de projetos de desenvolvimento local/territorial/regional integrado e sustentável.
Antes de sintetizarmos o que definimos com esta locução (MI), é importante destacarmos
como a própria origem dessa vertente de pesquisa é causada e se explica a partir da observação
e reflexão em torno de processos participativos (GIANNELLA; ARAÚJO; OLIVEIRA
NETA, 2011).
Sayago (2012) nos lembra o inegável interesse que o princípio democrático da participação
desperta, ao mesmo tempo alimentado pela esperança de construção de governos mais
justos (abertos à escuta das instâncias e necessidades dos governados) e enquanto princípio
de legitimação das decisões e ações assumidas.
88 Metodologias Integrativas. Tecendo Saberes e Ampliando a Compreensão

O recurso à retórica da participação tornou-se hoje praticamente obrigatório, como mostrado


pela análise de qualquer edital de projeto nacional ou internacional, especificamente no
campo do desenvolvimento territorial e das políticas voltadas ao cidadão (educação, saúde,
assistência social, cultura). Rahnema (2000) chega a detalhar até seis razões pelas quais
governos e instituições ligadas ao desenvolvimento podem ter interesse em aplicar o conceito
de participação nas políticas que idealizam e implementam. O que se destaca são as grandes
ambiguidades que as práticas participativas podem acarretar, por construir um arcabouço
político institucional aparentemente inovador, mas, de fato, não suportado por condições
sociopolíticas e culturais apropriadas (SAYAGO, 2012). O risco concreto e amplamente
documentado em inúmeros casos é o de manipulação e de imposição mal disfarçada de
modelos de desenvolvimento alheios (os do ocidente consumista) que se assumem como
melhores, mais avançados e capazes de garantir o progresso das comunidades e sociedades
onde forem aplicados. Os conceitos de empoderamento, autonomia e emancipação deveriam
ser necessariamente co-presentes quando da realização de qualquer prática participativa
(FERRARINI, 2008; RAHNEMA, 2000).
Esses argumentos destacam que elementos estruturais dos contextos onde as práticas
participativas ocorrem determinam uma situação hostil e desfavorável à sua realização:
a persistência de culturas políticas ainda fortemente marcadas pela visão assistencialista,
patrimonialista e clientelista (SAYAGO, 2012; TENÓRIO, 2012) são ao mesmo tempo
destacadas pelos teóricos e pertencentes à noção de senso comum de qualquer cidadão. A
sensação que acomete a população (especialmente a mais desfavorecida) é de que “sempre
foi assim e não vai mudar agora” e isso contribui para a ideia de que a retórica participativa
é mero engano.
Ora, é importante notar que, ao analisarmos este debate sobre participação, estamos, de fato,
abordando duas dimensões diferentes e, no entanto, estreitamente imbricadas uma na outra.
Como já apontado logo acima, uma primeira diz respeito às características estruturais dos
contextos político-institucionais onde os processos participativos acontecem; a existência de
“infraestrutura normativa” (CAILLOU, 2013) que ampare a participação; a cultura política
sedimentada nas instituições e nos representantes institucionais. Uma segunda questão
diz respeito à disposição associativa e participativa dos próprios cidadãos, a qual depende
de múltiplos fatores, não último dos vários elementos citados enquanto constituintes
da primeira dimensão. Pois é evidente que em contextos onde as decisões políticas,
reconhecidamente, acontecem através das práticas tradicionais da política autoritária,
do clientelismo e patrimonialismo, existe um desincentivo poderoso ao envolvimento
participativo de qualquer cidadão10. É comum esse cidadão reconhecer a participação como
máscara que legitima os procedimentos convencionais da política e é igualmente comum
que esse cidadão se exima de participar de uma “representação” na qual não vai ter ganho
algum. Diante de situações dessa natureza a escolha de não participar é, sem dúvida, uma
opção razoável e compreensível. Ao mesmo tempo, podemos indagar: quais seriam as
formas de mudar isso? Quais os antídotos e as estratégias para que essa situação possa ser
transformada? As respostas para isso não são óbvias, mas acreditamos que uma delas está
localizada exatamente no que podemos chamar de “construção de novos sujeitos públicos”,
sujeitos autônomos, empoderados11 e capacitados para contribuir para a mudança das regras
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do jogo. É nesse ponto exato que se insere a discussão sobre as MI.

Integrando o conceito de racionalidade comunicativa


Um dos primeiros elementos que ocorrem ao se pensar na construção de novos sujeitos
públicos é a educação. No entanto, as falhas da educação (formal) brasileira acabam
oferecendo mais um elemento contra a possibilidade de que as decisões sejam tomadas de
forma participativa. Por exemplo, Pinho (2010), considera:
Assim acreditamos que, na situação do Brasil, fica muito distanciada a possibi-
lidade de interações deliberativas, onde todos tenham voz, porque a capacidade
de compreensão da realidade, de efetivo engajamento e acompanhamento de
um debate, de construção de raciocínios e verbalização dos mesmos ficam ex-
tremamente prejudicados. (PINHO, 2010, p. 46).

E ainda:
“[...] mais do que lutar pela participação que ficaria comprometida nas condições
estruturais [...] da realidade brasileira, empurrando massas para o debate onde
serão tragadas pelos mais capacitados, seria lutar pela progressão das condições
educacionais” (PINHO, 2010, p. 51).

É possível contra-argumentar que, essa visão, aborda a questão da educação de uma forma
simplória e que deixa de considerar dois elementos importantes. O primeiro diz respeito
a uma avaliação mais apurada do papel do sistema educacional com relação à formação
de cidadãos participantes. O debate sobre a capacidade da educação de ser formadora de
sujeitos aptos à análise crítica da realidade e dispostos ao envolvimento participativo, e não
apenas reprodutora de sujeitos engajados na competição no mercado global, nos permite
avaliar com mais clareza a natureza da ressalva exposta acima. Dito de outra maneira: não
é qualquer educação que seria condizente com a “construção de novos sujeitos públicos”.
Outro aspecto relevante é que, apontando o presumido despreparo dos cidadãos para
participar, se negligencia o fato de que os próprios processos participativos podem constituir
eficazes dispositivos educacionais, de natureza informal, contextualizados, significativos e
mobilizadores para os sujeitos neles envolvidos. Ora, se a participação é um direito de todos
e os processos participativos podem ser enxergados como um dispositivo de formação de
cidadãos capacitados para tratar de problemas públicos (os novos sujeitos públicos dos quais
falamos acima), decorre que precisamos problematizar as modalidades concretas em que
essa participação se dá. Os paradigmas, as teorias, as logicas, os métodos e as linguagens que
a constroem.
Podemos observar que grande parte dos debates, análises e intervenções com vistas à
avaliação e implantação de processos participativos são pautados em uma visão abstrata
de universalidade do acesso à esfera pública12. Essa visão é baseada na chamada “virada
argumentativa” (FISCHER; FORESTER, 1993) nas ciências sociais aplicadas e tem os
conceitos de racionalidade dialógica ou comunicativa e de processos deliberativos entre os
90 Metodologias Integrativas. Tecendo Saberes e Ampliando a Compreensão

seus referenciais principais.


Através dessas noções, pretende-se tirar a racionalidade do domínio exclusivo do cálculo,
do tecnicismo, da instrumentalidade e objetividade absoluta, para colocá-la no campo da
comunicação intersubjetiva, da escuta do outro e da necessidade de entendê-lo e apontar
para a dimensão de construção cooperativa do sentido e do acordo intersubjetivo acerca
da realidade, especialmente em situações que visam à resolução de problemas. Ora, apesar
da grande relevância desse passo, o ponto crítico dessas referências é que elas corroboram
a ideia de que em nossas sociedades só tem acesso à cidadania quem partilhe da forma
dominante de estar no mundo; como já destacado em Giannella (2008), elas nos apresentam
um mundo no qual o direito à cidadania pertence apenas aos bem educados, àqueles que
saibam participar da luta para apresentar os melhores argumentos racionais para sustentar
seus pontos de vista na exigente arena democrática.
Pois, ainda nos cabe perguntar o que será daqueles cujo acesso à instrução e educação foi
praticamente negado, quais serão as suas reais possibilidades de participação? Será inelutável
continuar com a ideia de que a racionalidade, agora argumentativa ao invés de tecnicista, é
indiscutivelmente a única e superior entre todas as formas dos seres humanos interpretarem
sua realidade?
Para enfrentar esses questionamentos, contamos hoje com um amplo leque de referências
que nos ajudam na árdua tarefa de tirar a dimensão lógico-verbal13 de seu trono absoluto
ao se tratar de cognição humana. Traremos aqui dois aspectos que, sinteticamente, aludem
à necessidade de alcançar uma visão integrativa e não dualística da cognição (e da vida)
humana.
Em primeiro lugar, a concepção das inteligências múltiplas de Howard Gardner (2000), a
qual veio revolucionar a ideia reducionista da inteligência humana como algo exclusivamente
relacionado às capacidades de cálculo e análise para comprovar a existência de (até o momento)
nove inteligências, incluindo a relacional, linguística, lógico-matemática, musical, espacial,
corporal/cinestésica, interpessoal, intrapessoal, e naturalística. Os impactos dos estudos de
Gardner no campo da educação são imensos e ainda amplamente inexplorados. Basta pensar
no que implicaria o planejar e “ministrar” as nossas aulas a partir do objetivo de estimular o
desenvolvimento dessas múltiplas inteligências ao invés de, apenas, a lógico-matemática que,
na maioria dos casos é, ainda, a única reconhecida, valorizada e sistematicamente fomentada
em nossas instituições educacionais14. Da mesma forma, além de indagar como poderíamos
trazer em nossas aulas a consciência de que os estudantes possuem múltiplas inteligências,
poderíamos também pensar no que isso implica para os próprios processos participativos.
Um segundo aspecto é trazido pelas mais avançadas neurociências e estudos da cognição
humana, os quais nos alertam sobre o engano da visão clássica da ciência que separava
em dicotomias irredutíveis o corpo da mente, a razão da emoção (DAMASIO, 2005), o
objeto do sujeito..., e chegam a afirmar a indissociabilidade desses elementos. É só através
da mente incorporada (VARELA; ROSCH; THOMPSON, 2003) e da razão sensível
(MAFFESOLI, 2005) que a nossa cognição, isto é, a exploração, interpretação, apreensão
e ação no mundo, são possíveis e se realizam. No entanto, como já destacado em Giannella,
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Araújo e Oliveira Neta (2011):


[...] reconhecemos que esta recomposição não é nada óbvia, nem natural e que,
muitas pessoas que poderiam aproveitá-la (professores, educadores, técnicos,
agentes de desenvolvimento, líderes comunitários), ainda estranham bastante
ao ouvir falar de re-integração dos corpos ou das artes, ou emoções, nos proces-
sos que, diariamente, lhes cabe facilitar. Expressões de surpresa e perplexidade,
ou até de espanto, desenham-se nos rostos dos que escutam estas afirmações;
embora, muitas vezes, estas mesmas pessoas afirmem as insatisfações e angus-
tias vivenciadas em sala de aula, ou em outros lugares de suas práticas, por
não conseguir mobilizar a integralidade da inteligência dos estudantes, nem
estimular seu interesse e capacidade criativa15 (GIANNELLA, ARAÚJO,
OLIVEIRA NETA, 2011, p. 145).

É necessário, para se alcançar a reintegração de componentes tão longamente considerados


antitéticos, muita coragem, muita ousadia, muita insatisfação... E aqueles que vivenciam
tal integração podem se perceber em uma entrega a um movimento inovador, inventivo e
libertador, como nesse depoimento:
Meu maior desafio era aceitar o novo, pois apesar de ser educadora militan-
te, tinha muita resistência à transformação. Por mais que falássemos de uma
educação diferente, estava presa no medo de errar. Com o passar dos dias fui
me entregando àquela metodologia que dava autoconfiança para me libertar
(Gorete Barradas (educadora popular) em BARON, 2011, contracapa).

Com essas bases e premissas, podemos lançar um olhar mais atento e crítico às condições
de uma participação apenas pautada no uso dos códigos dominantes, que confirmam as
fronteiras já postas da inclusão/exclusão e impedem o que, no discurso, almejariam, isto
é, a ampliação do acesso à esfera pública para novos sujeitos. A mais radical inclusão que
possamos imaginar é a que amplie as formas de expressão para além das sacramentadas
como normais pelo paradigma dominante nos últimos cinco séculos.
Diante disso, e incluindo a observação crítica a partir da vivência direta de processos
participativos, elaboramos inicialmente o conceito de Metodologias Não Convencionais
(GIANNELLA, 2008; GIANNELLA; MOURA, 2009) e, em seguida, cumprindo
a passagem de uma definição negativa para uma positiva, o conceito de Metodologias
Integrativas, o qual definimos da seguinte forma:
Chamamos de Metodologias Integrativas as abordagens, técnicas e métodos,
norteados pela busca de uma recomposição entre as partes cindidas do ser hu-
mano. A mente se incorporando, a racionalidade tornando-se sensível, a ciên-
cia subjetivando-se, o método abrindo-se para a intuição e a criatividade, etc.
(GIANNELLA, ARAÚJO, OLIVEIRA NETA, 2011, p. 143).

A primeira definição, apesar de sua negatividade (Metodologias Não Convencionais),


ressalta o quão “não usuais” tais práticas são; e a segunda (MI) indica a necessidade de
se convencionar outra forma de atuar diante das situações profissionais e políticas
nas instituições e comunidades. Assim sendo, é preciso compreender que a dimensão
92 Metodologias Integrativas. Tecendo Saberes e Ampliando a Compreensão

integrativa das metodologias indica uma real troca de saberes e poderes, considerando a
diversidade (geo-histórica, ético-política, afetivo-cognoscitiva) das pessoas a quem compete
responsabilidade deliberativa, decisória e executiva. O embasamento teórico mais detalhado
e o enraizamento dessa proposta no campo da virada paradigmática, do positivismo para o
pós-positivismo, que caracteriza as MI, também pode ser conferido em Giannella (2008).
Além do mais, cabe-nos aqui um outro destaque, para evitar o equívoco de se pensar as MI
enquanto “técnicas” necessárias quando pretendemos envolver os “pouco educados”, os que,
por serem radicalmente excluídos, não dominam os códigos comunicativos vigentes.
Não há razões para se usar de recursos integrativos (desenhos, mapas afetivos, teatralizações,
jogos, música e canto; da possibilidade de se reconhecer em suas raízes humanas e
culturais), apenas com quem não tiver familiaridade em argumentar, analisar, diagnosticar,
prognosticar, nos moldes postos pela ciência e pelas várias vertentes acadêmicas. Pois, essas
outras modalidades de interpretação e expressão são, de fato, uma forma para libertarmos
e valorizarmos o ser criativo escondido e censurado dentro de cada um/a, provavelmente,
mais ainda nos altamente educados do que em quem não teve esse treino e experiência. E
não é sempre mais comum se reconhecer a necessidade de nos afastarmos dos esquemas
conhecidos de solução dos problemas que enfrentamos, pois eles (os esquemas) são parte do
mesmo paradigma que criou os problemas e a crise geral que nos acomete? A criatividade
não é um dos recursos apontados como estratégico para encontrarmos os novos caminhos
que estamos precisando (GIANNELLA, 2008; MELUCCI, 1994; RUAS, 2005)?
De fato, a abordagem das MI move de um posicionamento epistemológico de crítica ao
paradigma cientificista ainda dominante em nossas sociedades e campos disciplinares. No
novo paradigma em construção, a religação dos saberes (MORIN, 2001) e reintegração
das dualidades com que a ciência positivista nos acostumou (MORAES, 2008; VARELA;
ROSCH; THOMPSON, 2003) são passos primordiais. A superação das dicotomias é, de
forma aparente, uma exigência do nosso mundo em transição, em muitos e muitos campos.
Nas organizações, precisamos de gerenciamento criativo para enfrentar os múltiplos desafios
da complexidade ambiental; em toda aplicação de métodos predefinidos, a capacidade
de redefinição e improvisação é primordial; em toda atividade de planejamento, se exige
flexibilidade e resiliência, sob pena de irrelevância e ineficácia... O que ainda precisamos
compreender (e não apenas com as nossas mentes e sim pela sensibilidade do corpo, pela
emoção, pela intuição de dimensões transcendentes) é que a oposição entre corpo e mente,
razão e emoção, arte e ciência, cultura e natureza, criatividade e método, ordem e desordem,
planejamento e improvisação..., não é algo natural e sim uma construção historicamente
determinada que denominamos de ciência ocidental e de positivismo nas ciências sociais.
Um passo a mais, que os materiais aqui coletados nos permitem ousar, é destacar como
o recurso às inteligências múltiplas dos sujeitos, o criar espaço para que se manifestem
enquanto sujeitos criativos e integrais (incluídos enquanto corpomentes, razão sensível e
emocionada, eus que reconhecem a conexão com os outros em uma unidade maior) pode
ser vetor de empoderamento, fator de auto(re)conhecimento, e contribuir, portanto, com sua
trajetória de autoconstrução enquanto sujeito público e planetário (MORIN, 2013).
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As MI, portanto, pressupõem a transição de um olhar tecnicista e homogeneizador de práticas


e discursos para outro enraizado nos processos de vida e na cultura viva das coletividades
para fazer valer o respeito às individualidades no tocante ao viver junto. Assumindo uma
visão de “ecologia de saberes”, elas preconizam a aproximação e diálogo entre saberes (o
técnico, o popular, os saberes indígenas, tradicionais, etc.) e se embasam em uma revisão
acerca das posturas ideológicas que contribuem para a transformação social, especialmente
chamando atenção sobre a natureza do que se considera objeto dessa transformação: não
apenas as estruturas econômicas, mas a realidade humana em suas dimensões psicológicas,
psicossociais e coletivas, comunitárias, societárias e planetárias.
A participação, nesses termos, possibilita atingir níveis profundos de mudança, identificando
nos modos de convivência o lugar privilegiado para facilitar processos dialógicos16 em busca
de atingir condições propícias para que estes sempre ocorram. Nesse sentido, a liberdade é
conquistada no momento de seu exercício e o resultado esperado se faz enquanto processo.
Cada prática integrativa leva os sujeitos a níveis distintos de consciência de si, do outro e do
todo. Todas elas diversificam e norteiam as formas de encontro e podem, ainda, amplificar
a visão de mundo daqueles que dialogam e trocam experiências e saberes. A profundidade
ou a superficialidade dessas práticas se dá mediante a conexão legítima do que se denomina
encontro: “lugar” em que as subjetividades se tocam e se transformam mutuamente, deixam
de ser apenas razões apriorísticas e constituem-se na evidenciação de um campo amplo e
profundo para construção de um novo pertencimento.

O que os materiais aqui reunidos nos levam a dizer


O proporcionar mais opções, além das postas pelos paradigmas dominantes, abre os olhos
sobre novas possibilidades. Cria momentos de enfrentamento/acolhimento do inesperado,
leva a sair da zona de conforto, abre o espaço para a desmecanização, para aquele tempo de
pausa que, conforme Bondia (2002):
[...] nos aconteça ou nos toque e requer um gesto de interrupção [...] requer
parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar,
escutar mais devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinião, [...] suspender o automatismo da ação, cultivar a
atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acon-
tece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar
muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (BONDIA, 2002 apud ZIANI, p.
202, neste número).

A observação dos materiais aqui coletados leva-nos a dizer que o que se apresenta como
gestão manifesta campos distintos do saber e do fazer, e que a participação social foi
dimensionada de diferentes formas em cada um dos trabalhos relatados. Entre os focos
metodológicos (artístico, psicológico, transpessoal urbanístico, performático, crítico-
reflexivo), forma-se um eixo orientador e aglutinador que pode ser interpretado como um
fluxo de ações, reflexões e transformações passíveis de serem empreendidas dentro dos
espaços de vida como alternativa ao funcionamento do mundo-máquina. Um caminho de
94 Metodologias Integrativas. Tecendo Saberes e Ampliando a Compreensão

transição entre um paradigma positivista/determinista/ mecanicista e outro pós-positivista/


holístico/transpessoal.
Assim, o recurso às MI possibilita a construção de um novo modo de viver e conviver
socialmente, nos espaços de trabalho, educação, lazer, do morar e do habitar. A sua construção
exige, necessariamente, uma prática participativa onde o sujeito partilha o seu conhecimento
no campo do diálogo, pois o que se deseja conhecer é quais métodos proporcionam um fluir
de aprendizado e saber, transformando os espaços de domínio em lugares de liberdade e
criação (FREIRE, 1994). Não basta a construção de algo novo, apenas; é preciso que tal
construção traga um legado coletivo e tenha sido gestada entre aqueles que usufruem, se
beneficiam e respondem pelas práticas executadas e os resultados alcançados. De todos e
para todos.
Nessas práticas, manifestam-se dimensões ontológicas e epistemológicas (do ser o do
saber) que geram reconfigurações pragmáticas diferentes das cooptadas ou vinculadas
aos tradicionais sistemas de dominação e soberania. As MI, portanto, são facilitadoras da
emersão de diversas dimensões da esfera pública17, estética, política, epistêmica e ética (enquanto
conjuntos dinâmicos de elementos em tensão, sincrônica e diacronicamente), vivenciando
aquelas nas quais se deflagram distintos modos de emancipação e atualização do potencial
do sujeito público e planetário. Aqui, participação e consciência compõem-se em níveis e
estados inovadores de existência do sujeito. Elas extrapolam o espaço de aprendizagem
individual, se derramam pelo cotidiano e se conectam a outras situações e pessoas na busca
de construir um novo Zeitgeist18.
Vale ressaltar, aqui, uns pontos de reflexão para identificar as brechas existentes para
superação das modalidades tecnicistas, a fim de realizar processos participativos com vistas
à construção de novas trajetórias da existência dos sujeitos e das coletividades junto da
Natureza:
yy Em primeiro lugar, faz-se necessário perceber a Vida a partir de uma visão complexa
e profunda na qual o ser humano não é mais o centro, e sim parte interdependente
de uma grande teia (CAPRA, 1997; GÓIS, 2008). A vida sociocultural e ecológica
precisam de uma conexão ampla e profunda, a fim de gerar a superação da noção
de supremacia e/ou predominância cultural em relação à vida natural. Desse modo,
a dicotomia “cultura X natureza” não encontra vasão, nem sustentação na produção
da realidade social, mas sim a perspectiva da igualdade e da diversidade, as quais
coadunam em um processo de revitalização do sujeito público na/da coletividade
diante da vida natural a que pertence;
yy Nos espaços da vida pública, mais especificamente, na relação entre técnicos e
população, há um distanciamento a priori, baseado na ideia da objetividade da técnica
(e, por consequência, do técnico), o qual precisamos repensar a partir dos novos
referenciais e que requer, na convivência, o cuidado de todos para a desmitificação
desse modelo. E, portanto, gerar a participação efetiva que se pauta na vinculação
afetivo-cognoscitiva entre as pessoas e as trocas de saberes possíveis;
yy Em paralelo com o ponto anterior, também a relação entre a sociedade civil e o poder
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 95

público apresenta o mesmo problema. As possibilidades de contato e vinculação,


apesar de parecerem improváveis, são caminhos possíveis de aproximação dos
conceitos e ideias, assim como de abertura da esfera pública, não apenas para a elite
cultural e econômica, mas para uma maior amplidão de sujeitos;
yy A relação do saber popular com os outros saberes (técnico-científicos, político-
governamentais) proporciona novos caminhos para a gestão social de espaços e
territórios. Esse processo, ao se fazer presente, traz consigo uma fluidez da vida pública
que, ao mesmo tempo, remete os participantes a situações particulares e singulares
dos grupos aos quais pertencem, como também proporciona a compreensão dos
olhares e posicionamentos diferentes dos seus, em um movimento amplificador
de troca e compreensão mútua. Processos dessa natureza proporcionam um olhar
contextualizado e referendado na experiência específica da vida em cada grupo,
enquanto gera a ampliação de uma esfera de convivência em que outros saberes
adentram e compõem novas visões, a diversidade de conhecimento interconectado,
e indica caminhos de maior abertura à produção de conhecimentos válidos para a
Vida, em sua plenitude;
yy As várias esferas de poder, convencionadas socialmente, constroem uma forma
organizativa da sociedade ocidental. Para diluir ou dissolver a rigidez e o autoritarismo
dessa estrutura, é importante que estejamos preparados para conhecer (juntos)
outros modos de gerir e articular novos papéis e funções socialmente construídos;
yy A participação na vida coletiva reverbera individualmente e possibilita aos sujeitos
experimentarem e desenvolverem em si os diversos status (o estético, o político, o
epistêmico e o ético) pertinentes ao viver em sociedade. As perspectivas individualistas
tendem a se esvair diante de circunstâncias coletivas agregadoras que possibilitem
promover novas formas de consciência, individual, social e planetária, mutuamente
interligadas. Quando há um legítimo engajamento grupal, cada indivíduo pode (e
deve) se manifestar de maneira distinta e genuína diante da força expressiva de sua
individualidade frente ao poder partilhado na coletividade. A participação é educativa
por natureza;
yy Os estados de consciência/presença (GROF, 1983; WILBER, 1990) que levam
os sujeitos a estarem plenos de suas potencialidades, encontram na corporeidade
(MERLEAU-PONTY, 1984; GÓIS, 2008) as condições para extrapolarem o
sistema lógico-argumentativo como única forma de contato e troca intersubjetiva.
Fica evidente, portanto, que a vivência se torna o real foco de/para a construção de
encontros efetivos. A corporeidade é um caminho possível para a experimentação
de uma outra racionalidade (MORIN, 2001; GÓIS, 2008) na qual as dicotomias
cultura-natureza, corpo-mente, razão-emoção,... perdem sentido, gerando a
necessidade de novas, e mais amplas, construções cognitivas;
yy A partir do novo paradigma em construção, chegamos a poder pensar a mente, não
mais restrita aos fenômenos humanos e cerebrais, tampouco aos hábitos lógico-
racionalistas, mas enquanto conexão entre as diversas dimensões da existência
universal (BOAINAIM, 2003; GÓIS, 2008). A partir dessa compreensão, a
96 Metodologias Integrativas. Tecendo Saberes e Ampliando a Compreensão

individualidade integra-se ao todo, o qual se expressa nas particularidades como


forma de inteligência amplificada. A mente, aqui considerada, inclui um corpo
extenso, do qual o homem é parte. Ela é holográfica19 e o seu centro é a Vida
(GÓIS, 2008);
A perspectiva ética pode ser alcançada e percebida como um estado de existência e não como
um dever. Sua base fundante é o exercício da liberdade, sabendo que essa “não se alcança
nem se persegue se não for livremente. A sua demanda é já o seu exercício” (ESPINOSA,
1983, p. 18). Nessas condições, o indivíduo torna vivo o sentimento de liberdade através da
prática intersubjetiva constante e atualizada, relacionando-se com o outro na construção da
vida comum e de si mesmo. Assim, só é possível ser quem se é, sendo! (ESPINOSA, 1983)
Tal movimento transcende o sentido normativo, da moralidade imposta socialmente. Ele
acontece no instante da abertura para o novo, em um processo de desvendar os próprios
olhos das amarras ideológicas de dominação e de abrir-se para o outro a ser conhecido em
sua totalidade. A abertura para o novo caracteriza-se, portanto, pelo ato de inventar a si
mesmo na relação com o outro e de encontrar formas viáveis para concretizar as condições
necessárias de emergência de uma vida comum. “Isto é busca de significado, é invenção do
sentido, é auto-produção do homem. É vida” (CIAMPA apud BATISTA, 2008, p. 183).
O mover dessas novas noções de mente e ética (BOAINAIN, 2003; GROF, 1988), através da
consciência da interconexão e interdependência, produz, necessariamente, uma reformulação
dos modos de gerir o convívio social. Nessa perspectiva, a reflexão acerca da distinção entre
o público e o privado, indica muito mais suas vinculações e interdependências do que a cisão
rígida e dicotômica proveniente das práticas gestionárias dos sistemas vigentes. O eu, tu, nós
e eles são mais que pessoas do discurso, são consciências das instâncias de pertencimento
e enraizamento, promotoras de encontros, transições e transformações pessoais, coletivas e,
quiçá, planetárias.
Essa conexão traz e leva o sujeito a campos cognitivos/experienciais intermináveis e o coloca
em condição de ocupar o lugar público, respeitando sua individualidade, conectada às mais
amplas dimensões do Todo. Condição que proporciona a emergência da diversidade de
olhares e posicionamentos a partir de uma ligação pacífica entre os seres, remetendo-os às
possibilidades de transposição da passividade e de apropriação dos estados e posições ativos
e claros diante das lutas pelo poder. Os conflitos derivados das posturas de luta são incluídos
como parte do que se deve cuidar e gerir dialógica e continuamente, a fim de transpor os
limites positivistas de conhecimento e vivência. Para tanto, o diálogo coloca cada qual de
frente para si, como quem pode reformular seus modos de pensar, sentir, olhar, amar e,
enfim, viver.
A força do pertencimento em condições expandidas de consciência, de diálogo e de trocas
diversas pode levar à superação do desejo de domínio, ou do conformismo à subordinação,
muito embora esse processo não esteja posto a todos e precise ser estimulado através de
práticas que integrem a diversidade de papéis sociais, de saberes e de modos de vida em
sociedade e no planeta.
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O mapa dos artigos


O número que aqui introduzimos compõe-se de seis artigos e um documento visual – além
deste introdutório – cujo conteúdo acenamos a seguir:
yy Da Timidez à Participação: Construindo Metodologias para a Prática da Gestão
relata a experiência do projeto “Gestão Social nas Escolas” implementado em
Juazeiro do Norte (Cariri, CE). A escola apresentada - como um espaço privilegiado
voltado à iniciação dos sujeitos na sociedade ocidental - é um equipamento urbano
estratégico para a manutenção do status quo, como também para a transformação social
e paradigmática. A relevância desse artigo está justamente em traçar perspectivas de
integração de saberes e despertar a comunidade a ela vinculada para outros olhares
ao território e ao modo de pertencer a ele que a vida cotidiana confere. Ao mesmo
tempo, o artigo apresenta um processo de protagonismo juvenil sustentado pelo uso
de um leque de ferramentas integrativas visando ao empoderamento desses jovens,
não só com relação à geração de renda, mas, também, com relação ao exercer seu
papel de cidadãos em contextos públicos (com relação ao seu bairro).

yy “Metodologias Integrativas: Abrindo Novos Caminhos para a Criação Coletiva


na Gestão Social”. A contribuição indicativa desse texto relata uma experiência
de produção de conhecimento a partir da intuição, a qual abre, ao mesmo tempo,
para novos modos de conhecer a si, ao outro e à totalidade. A experiência sensível
aconchega a necessidade de ser e viver no processo de aprender e ampliar o olhar
para o mundo, para o espaço-tempo convencionado, e remete os participantes a
vivenciarem a amplitude do conhecimento, gerando modos distintos de apreensão
da realidade e de compreensão da totalidade. Em cada parte, há o Todo, assim como
o Todo acolhe e integra as múltiplas parte (cfr nota 20). Esse método desperta
os sujeitos para um estado participativo que conecta o estético ao político (ainda
que em escala da convivência in loco), reverberando na dimensão ética a partir
de uma experiência epistêmica (de conhecimento) integrada. Uma modalidade
que ilumina um possível contato consigo mesmo (através da intuição), enquanto
fonte legítima de conhecimento, que pode integrar o conhecimento analítico e
sistematizado. Assim, os participantes se reconhecem inventores, criadores de novos
conhecimentos/possibilidades de ser como unidade na diversidade.

yy Performance & Development. Com esta contribuição, o autor leva-nos ao bojo da


cidade de Nova Iorque, ao âmago de um grupo de ativistas de teatro comunitário
que usa dessa “técnica” com jovens de bairros e condições desfavorecidas, para abrir
o campo da exploração de outras possibilidades de ser, individuais e sociais. O
conceito de performance é trazido à tona como dispositivo crucial para se trabalhar
no desenvolvimento humano e social, sendo performance uma típica capacidade
humana, a atividade que nos possibilita experimentar ser algo além do que somos,
algo diferente que, ao performar, se torna, de repente, uma possibilidade concreta,
98 Metodologias Integrativas. Tecendo Saberes e Ampliando a Compreensão

uma nova forma de nos relacionarmos conosco mesmos, com os outros e com o
contexto social. Ao trazer essa perspectiva teórica, o autor também discute conceitos
fundamentais das ciências sociais, quais sejam comunidade, identidade, alienação,
ideologia, além do próprio conceito de desenvolvimento.

yy Gestão Social Urbana: Negociação e Participação de seus Habitantes. A perspectiva


de trabalho urbanístico apresentado nesse artigo está consonante com uma tendência
participativa incorporada nas políticas públicas a partir do fim do século XX e início
do XXI. Tais procedimentos estão “assegurados” por lei nas dinâmicas públicas
de gestão, mas não propriamente vinculadas às perspectivas contínuas da gestão
governamental, colonizadas essas pelos grupos e interesses político-partidários. Em
geral, há um hiato entre as dinâmicas e modalidades técnicas do planejamento e as
necessidades da população. Assim, a contribuição abordada nessa partilha acerca do
processo de construção do saber urbanístico de um território na Grande São Paulo,
pela comunidade que nele vive e habita, aponta para a relação entre o sensorial e
pragmático e o argumentativo na esfera pública. Viver o espaço público, adquirindo
intimidade e segurança em sua forma de apropriar-se dele, é produzir saberes
dignos de troca e, também, alicerces eficazes para o posicionamento empoderado
daqueles que se dispõem a planejar a própria vida em contato com o outro, seja ele
técnico ou popular.

yy Tempo de bordar. O artigo, que esquiva o típico molde acadêmico, nos envolve
na narrativa de uma experiência que visa, através do dispositivo do bordado, um
encontro íntimo entre as pessoas que participam dela. Aponta para o bordado
como meio expressivo, ao mesmo tempo tradicional e inovador, remetendo às
diversas formas de marcação da vida humana no campo da materialidade enquanto
fato histórico e milenar. O cuidado com a beleza e o pronunciamento estético,
especificamente ligado a elementos materiais simbólicos para cada contexto, é base
de uma vida íntima conectada à sua dimensão pública. Ao produzir coletivamente
peças artísticas, as pessoas mergulham em suas raízes culturais, se apossam e
exercitam o fluxo participativo de introjeção do que é público, comunicando o que
desse público é privado. A produção coletiva de um processo histórico através do
bordado reúne a potência do movimento estético a uma dimensão ancestral de
explicitação de si e apropriação simbólica do coletivo. Conhecer a história de “minha
terra” em processo de produção criativa instiga o desejo de gerar visibilidade ao que
é comum a todos. Expor a história da “nossa terra” torna-se, nesse processo, um ato
político que, além de colocar cada sujeito na intimidade de sua produção poética,
gera inteireza ao situá-lo na coletividade. Um “eu” apropriado de si e conectado ao
outro e ao todo.

yy Pedagogia da criatividade. O artigo leva-nos ao bojo da questão do como se produz


© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 99

empoderamento, sendo este considerado, no debate sobre GS, um dos fatores


determinantes para a construção do “novo sujeito público” mobilizado e capaz de
ocupar a esfera pública. Discute-se a assunção simplória que vê no acesso à renda
o elemento crucial desse empoderamento, enquanto é apresentada a tese de que
o se legitimar os sujeitos em sua dimensão criativa pode ser um poderoso fator
de autorreconhecimento e valorização. Relatos da experiência do Projeto “Rios
de Encontro” (Marabá/PA) corroboram e alimentam a reflexão, mostrando, ao
mesmo tempo, as dificuldades e desafios postos pelo conflito entre a realidade dos
grandes interesses territoriais e a busca de autodeterminação de uma comunidade
quilombola.

yy Habitar no Tempo (vídeo). A prática interdisciplinar e intercultural abre o campo


para um fazer conectado com a localidade e a globalidade da vida contemporânea.
No espaço educador onde tal vídeo foi produzido, há um compromisso em atrelar
o passado ao presente, gerando um olhar para o futuro. Essa produção retrata
um momento aparentemente sem importância de cuidado do espaço físico na
Fundação Casa Grande (Nova Olinda, CE), mas remete ao forte significado dessa
experiência cultural, no sertão nordestino, buscando a participação infanto-juvenil.
O aprendizado, na Fundação Casa Grande - Memorial do Homem Kariri, ocorre
cotidianamente e gera condições para que jovens e crianças acessem o mundo por
intermédio de seus interesses e potencialidades, assumindo responsabilidades de
gerar produtos, tais como esse filme aqui disponibilizado. A gestão desse espaço
cultural é uma partilha intergeracional e, ao mesmo tempo, um método de formação
cidadã.

Bordado livre, tecendo reflexões para o nosso caminho


futuro20
No cenário global de nossos dias, em que as degradações socioambientais são gritantes
e estão em foco diante da grande massa, ainda não está clara a origem da crise que afeta
a humanidade junto ao planeta. A percepção dos impactos negativos das sociedades no
meio ambiente ainda não chega a conceber, de forma socialmente evidente, a existência
de uma crise civilizatória. As tecnologias avolumam-se, por um lado, quando aceleram o
desenvolvimento econômico; e, por outro, inibem o tempo da criação do sujeito em sua
relação consigo mesmo e com o outro21. Um tempo de fazer-se humano, de criar-se sujeito
na dimensão planetária. Pois, essa condição de existência plena do ser reverbera em si mesmo
como ampliação da consciência, levando-o a sentir-se humanidade em sua singularidade. O
fato de os avanços tecnológicos evidenciarem a conexão global, oferecendo uma noção mais
concreta da interconexão e de fazer parte do planeta, pode levar as pessoas a acreditarem
que, só por estarem plugadas na internet, são cidadãs do mundo. Nesse caso, o sentido
planetário de sujeito não parece estar propriamente compreendido, nem que seja espontâneo
e/ou prioritário. O sentido planetário, propriamente dito, implica em vivenciar o campo das
relações interpessoais, nas diversas esferas da vida, sabendo tanto habitar privativamente,
100 Metodologias Integrativas. Tecendo Saberes e Ampliando a Compreensão

como transitar publicamente; requer a postura de observar-se em sua individualidade como


pertencente ao espaço-mundo. Esse é o novo sentido necessário do ser cidadão/sujeito
público de hoje.
A multiplicidade de saberes que a vida pública pode proporcionar e a profundidade que a
vida íntima é capaz de gerar potencializam-se reciprocamente através do contato entre os
sujeitos. Quanto mais intenso for esse encontro, mais condições haverá para se conectarem
à complexidade presente no cotidiano e para se sentirem parte de uma teia, quiçá tecelões
(coprodutores) dela. A ideia é sair do lugar comum ao se pensar a coletividade grupal ou a
multidão; é encarar como possível a composição de um olhar ampliado e da edificação de
novos espaços. Espaços públicos inclusivos e éticos, abertos à multiplicidade dos sujeitos em
seus saberes e fazeres, mas também espaços quietos e vagarosos, reflexivos e criativos, diante
do alvoroço da vida contemporânea.
O caráter planetário está posto quando a atuação é integral e integrada, produzida através
da condição de se viver um novo espírito22, a partir de novos métodos, os quais se valem
de perspectivas complexas mas, ao mesmo tempo, se desenvolvem com simplicidade, isto
é, são acessíveis ao humano em sua diversidade cultural e em suas formas de vida. Isso nos
é apresentado nos artigos a seguir através das atividades: do Projeto Gestão Social nas
Escolas e em espaços culturais como a Fundação Casa Grande; de planificação do território;
de bordado que conta e ressignifica a história; da exploração dos sentidos e da intuição
para a produção partilhada de conhecimento ou, ainda, da dramatização e performance, do
resgate das raízes culturais, como instrumentos de empoderamento e exploração de novas
possibilidades. Quando a arte, a lógica, o corpo e a ética coadunam na direção do bem
comum, a potencialidade coletiva desperta os indivíduos para construírem em conjunto e
planejarem um novo caminho para o projeto de conviver.
Sendo assim, as Metodologias Integrativas oferecem uma gama de reflexões e métodos
apropriados àqueles que buscam por uma forma distinta de gestão e de vida (insubordinada
ao tecnicismo) e que desejam mudanças. Esses grupos estão dispersos por todo o território-
mundo e, independentemente das diferenças étnicas, econômicas e sociais, buscam por uma
transformação paradigmática tal que o ser humano esteja integrado à Vida em suas mais
diversas formas de existência, saber e expressão.
Parafraseando Bachelard (1993, p. 210), quando disse “é preciso imaginar muito para ‘viver’
um espaço novo”: é preciso inventar muito para viver um novo espaço. Isso não significa que
possamos chegar e atropelar as formas de vida e convivência existentes, só porque pautadas
por um paradigma que consideramos esgotado. Os processos de gestão social precisam
aproximar, com o devido respeito, o cotidiano das pessoas, quando levam uma proposta de
construção coletiva. Toda invenção parte de um contexto de vida, onde o grupo participante
deve poder acompanhar o que lhe diz respeito e se sentir efetivamente construindo junto.
Não basta a presença física no recinto de uma atividade que vise à Metodologia Integrativa,
é preciso que cada pessoa se sinta, verdadeiramente, partícipe do processo - observando
no resultado da produção, sinais de sua contribuição e, ao mesmo tempo, reconhecendo a
parceria do outro em seu desenvolvimento ético. O relevante desse processo é ver desperta,
entre os sujeitos, a intenção de partilha e a alegria de ser ali com todos.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 101

As formas normativas de institucionalização da vida nas cidades deixam pouco espaço e


reduzem (em demasia) o tempo para a convivência significativa entre as pessoas. Nesse
sentido, há uma necessidade premente de se pensar e agir na direção de proporcionar lugares
em que elas possam exercitar sua condição de sujeito, tanto na dimensão do privado quanto
na vida pública - um privado que acolha a singularidade e o pertencimento a um jeito de ser
específico e um público que dissolva a marca individualista do posicionamento em grupo
e ofereça condições de abertura para a construção de novos modos de gerir processos e de
exercer liberdade. Atualmente, é preciso gerar movimentos nessa direção, pois o movimento
fomentado pela tendência técnico-cientificista de ordenamento planetário vem aprisionando
a Vida em determinações humanas de dominação.
A visão fatalista e determinista de que não há como mudar tal panorama dificulta a
transformação desse cenário e trava a possível compreensão do que fazer para existir com
potência e plenitude, individual e socialmente. Mesmo assim, essa busca vem se construindo
em diversos lugares do território-mundo através de práticas comprometidas com a partilha
do saber e o ideal de liberdade.
Com este número da Revista Interdisciplinar de Gestão Social sobre “Metodologias
Integrativas”, quisemos mapear esse tipo de busca: iniciativas que tendem a desenvolver
métodos críticos dos modelos tecnicistas e destacar outras referências e possibilidades. A
princípio, imaginou-se que seria possível tratar de práticas que contribuem para um novo
olhar em Gestão Social, nos seus espaços convencionais de trabalho. Contudo, o resultado
mostra que o que chamamos de Gestão Social amplia os espaços de atuação convencionados
como próprios da gestão (a empresa, as organizações, as comunidades), estendendo-
se às atuações culturais, urbanísticas, psicossociais e transpessoais. Essa característica da
publicação confirma essa ampliação dos espectros dessa prática, assim como permite dizer
que o salto paradigmático não é só necessário, mas também emergente.
As práticas apresentadas remetem a um estado diferenciado de compreensão do mundo
e de atuação sobre a realidade vivida. Cada uma demonstra o compromisso gestionário
integrado, dialógico e potencializador dos sujeitos que delas participaram como autores
de sua própria história de vida. Ao mesmo tempo, os casos relatados não abarcam ainda
o tamanho da complexidade que, teoricamente, se alude. Eles apontam para a tendência
aqui descrita, constroem aproximações de uma nova forma de tratar problemas públicos,
de reconhecer e auxiliar o surgimento de novos sujeitos públicos, em escalas distintas e
conscientes da interconexão planetária.
Com estas breves reflexões esperamos estar contribuindo para um debate e uma tomada
de consciência, junto de todos os gestores envolvidos nas práticas aqui apresentadas. Elas
pertencem a um movimento vasto de muitas outras, que acolhem diariamente o desafio
de transformar resignação e fatalismo em perspectivas de mudança radical e profunda;
mudança na forma de contribuir para a construção do novo sujeito público e de pertencer a
uma esfera pública realmente inclusiva, capaz de imbricar as múltiplas dimensões e sentidos
dos saberes e fazeres que a consciência planetária nos exige, hoje.
102 Metodologias Integrativas. Tecendo Saberes e Ampliando a Compreensão

NOTAS
1 Usamos da definição que se encontra na “Carta do Campo de Públicas”, redigida em Brasília, 1
e 2 de outubro de 2013, em ocasião do XI Fórum de Coordenadores e Professores do Campo de
Públicas, o qual presenciou o julgamento do recurso contra as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) do Curso de Administração Pública (Resolução CNE/CES 266), indeferido por
unanimidade pelo pleno do Conselho Nacional de Educação (CNE): “O Campo de Públicas
é o campo multidisciplinar de formação acadêmica, científica e profissional de nível superior,
assim como da pesquisa científica, comprometido com a consolidação democrática. Tem como
objetivo formar profissionais, gerar conhecimentos, desenvolver e difundir metodologias e
técnicas, propor inovações sociais e promover processos que contribuam para o fortalecimento
da esfera pública, a qualificação e melhoria da ação governamental e a intensificação e ampliação
das formas de participação da sociedade civil na condução dos assuntos públicos. Compreende
tanto as ações de governo quanto as de outros agentes públicos não governamentais, sobretudo
as organizações da sociedade civil sem fins lucrativos.”
2 Encontros Nacionais de Pesquisadores em Gestão Social. O primeiro destes encontros
aconteceu em 2007 em Juazeiro do Norte e o próximo (o oitavo) será acolhido em Cachoeira-
Bahia pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano.
3 A dimensão Transpessoal (WEIL, 2003; WILBER, 1980; WALSH; VAUGHAN, 1999)
remete a “possibilidades que ultrapassam a concepção de uma limitação orgânica e biográfica
para as experiências conscienciais e desvelam possibilidades transcendentais para a consciência
humana”. Vale ressaltar que tal concepção parte de um movimento científico que congrega
teóricos das ciências naturais e sociais, a partir de revolucionários avanços científicos do século
XX, representando uma nova visão para a ciência ocidental. Sendo assim, a visão transpessoal
propõe a “existência dessa dimensão maior e mais profunda da realidade e do ser, onde é
descrita uma interligação e interpenetração cósmica ocorrendo em todos os níveis e campos do
universo, sugerindo que estarmos mergulhados em uma inefável e pluridimensional realidade
unitária [...] extremamente complexa e organizada, na qual são superadas todas as noções de
temporalidade e espacialidade assumidas pelo modelo cartesiano-newtoniano de realidade”
(BOAINAIN, 2003, p. 11).
4 Isto é, que visam um fim objetivo e inconteste, do tipo maximização do lucro, organização
racional do trabalho, minimização dos custos, etc.
5 Desde os objetos de consumo até as decisões ou o comportamento das pessoas a qual, sem
medo, chamamos de gestão de recursos humanos.
6 Nessa perspectiva, a GS vem se consubstanciando em termos de “[...] coprodução do bem
público como estratégia de produção de bens e serviços públicos em redes e parcerias, contando
com engajamento mútuo de governos e cidadãos, individualmente ou em torno de organizações
associativas ou econômicas. Por meio da coprodução, os cidadãos são ativamente envolvidos na
produção e na entrega dos bens e serviços públicos, tornando-se corresponsáveis pelas políticas
públicas” (SCHOMMER et al., 2011, p. 40).
7 Não podemos ser ingênuos com relação ao sentido de reivindicar para determinado campo
o estatuto de ciência. O qualificar algo como científico se tornou, durante os últimos séculos,
a garantia de legitimidade, a autoridade, capaz de silenciar muitos outros discursos. Para
aprofundarmos as implicações que esse pertencimento implica, veja: Alvares (2000); Escobar
(2000); Santos (2005); Santos; Menezes (2010).
8 Como mostrado pela teoria dos sistemas abertos (os que funcionam nas margens da
estabilidade), esses são produtos da sequência das suas configurações, onde eventos imprevisíveis,
mínimas flutuações de energia, podem levar o sistema para um novo estado de menor entropia.
Nesse sentido, eles são produto de sua própria história (PRIGOGINE; STENGERS, 1979;
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 103

SANTOS, 2005).
9 Ao falarmos de envolvimento integral, estamos apontando para um tipo de mobilização dos
sujeitos que não seja pautada apenas em interesses e cálculos econômicos e sim na capacidade
de despertar e canalizar a possibilidade de desejar, sonhar e tentar realizar condições de vida
diferentes (GIANNELLA, 2008).
10 Como mostram diversas dissertações recentemente defendidas, focadas na análise de casos de
políticas territoriais participativas no nordeste brasileiro. Veja Alves (2013); Caillou (2013).
11 Para uma reflexão crítica e clarificação de um sentido possível do ambíguo conceito de
empoderamento, veja o artigo de Giannella; Baron; Souza, neste número.
12 Esfera pública é definida em Wikipedia como: “[...] a dimensão na qual os assuntos públicos
são discutidos pelos atores públicos e privados. Tal processo culmina na formação da opinião
pública que, por sua vez, age como uma força oriunda da sociedade civil em direção aos
governos no sentido de pressioná-los de acordo com seus anseios.” Tenório (2008) acrescenta:
“O conceito de esfera pública pressupõe igualdade de direitos individuais (sociais, políticos e
civis) e discussão, sem violência ou qualquer outro tipo de coação, de problemas por meio da
autoridade negociada entre os participantes do debate” (TENÓRIO, 2008, p. 41).
13 A que fundamenta o cálculo, a análise objetiva, a explicação monocausal e linear, visando à
previsão e controle dos resultados.
14 Provavelmente, a educação infantil representa a única exceção a essa situação. No entanto, a
visão da educação como treino para a competição no sistema global leva a antecipar sempre
mais, até nas crianças, o momento em que o estímulo das inteligências múltiplas é substituído
pelo fortalecimento da (presumidamente) única inteligência valorizada pelo mercado.
15 Neste texto, encontra-se a descrição de algumas Metodologias Integrativas utilizadas na
condução do ENAPEGS 2011, em Florianópolis.
16 Aludimos aqui a um diálogo também integrativo, isto é, não apenas baseado na afirmação da
racionalidade lógico-formal, mas sim na possibilidade ampla de expressão e de escuta do outro,
que as próprias MI nos ensinam e apresentam.
17 É costumeira a concepção de esfera pública apenas como locus da luta entre argumentos
racionais, ou entre poderes. Aqui estamos introduzindo uma noção diferente que implica
no reconhecimento da esfera pública como campo de tensão entre dimensões que a visão
mecanicista nos leva a desconsiderar, como a ética e a estética.
18 Termo alemão utilizado para definir o “espírito da época”, no qual se contextualizam as produções
científicas e/ou heurísticas. O novo espírito do tempo que estamos precisando construir pautar-
se-á no saber da limitação dos nossos saberes; na consciência da interdependência global que
exige um novo cuidado com a vida e, como consequência, no conceito de terra-pátria. A nossa
pátria é o próprio planeta (MORIN, 2013) e é nesse sentido que podemos falar da necessidade
de emergência de um sujeito público planetário.
19 “Os hologramas possuem uma característica única: cada parte deles possui a informação
do todo. Assim, um pequeno pedaço de um holograma terá informações de toda a imagem
do mesmo holograma completo. Ela poderá ser vista na íntegra, mas a partir de um ângulo
restrito. [...] Este conceito de registro “total”, no qual cada parte possui informações do todo,
é utilizado em outras áreas, como na Neurologia, na Neuro-fisiologia e na Neuro-psicologia,
para explicar como o cérebro armazena as informações ou como a nossa memória funciona”
(Wikipédia, Holograma, disponível em rede). Trata-se de um procedimento metodológico
oriundo da Física (ótica). No entanto, o uso da metáfora do holograma para a mente ou o
universo implica dizer que estes (mente e universo) contêm um complexo de informações de
forma imanente (potencial); deste complexo, só se atualiza um conjunto específico, a partir do
104 Metodologias Integrativas. Tecendo Saberes e Ampliando a Compreensão

“feixe de luz” (a consciência), jogado em determinado ponto do holograma por um observador


determinado. Para uma explicação mais extensa ver: http://monikavonkoss.com.br/expansao-
consciente/realidade-hologr%C3%A1fica
20 Referimo-nos, com essa metáfora, ao artigo contido neste número: “Tempo de Bordar”, o qual
nos leva para a visão da atividade do “bordado livre”; essa prática extrapola a tradicional de
repetir, com o bordado, um desenho predefinido, para levar cada autor a inventar seu desenho
a partir das inspirações dadas pelo contexto.
21 Esse outro, conforme discutido mais acima, não alude exclusivamente a outro humano e sim às
outras dimensões planetárias da vida e da consciência. Conforme Buber (2001), busca definir a
relação entre o eu e o “não eu” a partir de uma ação intencional de abertura para com o outro;
a esta, ele denomina de relação entre o Eu e o Tu. Esse outro (o Tu) é uma forma de existência
distinta da pessoa do “eu”, que pode ser vivenciada na relação com os humanos, com a natureza
e com o Todo, denominado por ele como o grande Outro.
22 O Zeitgeist referendado na nota 18.

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108 Metodologias Integrativas. Tecendo Saberes e Ampliando a Compreensão

Valéria Formada em Planejamento Urbano e Regional pela Escola de Arquitetura de


Giannella Veneza (Itália), onde também cursou seu Doutorado em Políticas Públicas
do Território. Desde novembro de 2009, tornou-se professora adjunta da
Universidade Federal do Ceará, Campus no Cariri, hoje UFCA (Un. Fed. do
Cariri). Desde 2011, é professora permanente do Mestrado Interdisciplinar
em Desenvolvimento Regional Sustentável e líder do Paidéia, Laboratório
Transdisciplinar de Pesquisa e Extensão sobre Metodologias Integrativas
para a Educação e a Gestão Social, reconhecido pelo CNPq. Hoje está como
coordenadora do Curso de Bacharel em Administração Pública e Gestão
Social da UFCA.

Vanessa Graduada em Psicologia pela Universidade de Taubaté - SP, mestre em


Louise Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e
Batista doutora em Psicologia Ambiental pela Universidade de São Paulo. Professora
da Universidade Federal do Ceará desde 2010, inicialmente como substituta
no Departamento de Psicologia e, atualmente, está como professora efetiva
no Departamento de Fundamentos da Educação da FACED-UFC. Líder
do Laboratório de Estudos sobre a Consciência (LESC-PSI), cadastrado
no CNPq.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 109
110 Metodologias Integrativas. Tecendo Saberes e Ampliando a Compreensão

Foto: CUNHA, 2008


s e t . /d e z . 2013
v.2n.3 p. 111-131
ISSN: 2317-2428
copyright@2013
www.rigs.ufba.br

Da Timidez à Participação: Construindo Metodologias


para a Prática da Gestão Social
Waléria Maria Menezes de Morais Alencar, Joseane de Queiroz Vieira,
Marluse Martins de Matos, Ítalo Anderson Taumaturgo dos Santos,
Raquel Farias Gregório Bezerra e Maria de Fátima de Oliveira Sobreira

Resumo Os trabalhos com grupos comunitários priorizam o desenvolvimento dos


sujeitos e das localidades, ao contrário do que ocorre nas organizações
privadas, cuja finalidade é estritamente econômica. Desse modo, a gestão
tradicional apresenta-se insuficiente para o gerenciamento de ações nesse
contexto, dando ensejo ao surgimento da gestão social como um processo
dialógico e participativo de se trabalhar com grupos. Propondo demonstrar
possibilidades metodológicas compatíveis com a Gestão Social, este trabalho
apresenta, através do relato de experiência, o método desenvolvido pelo
Projeto Gestão Social nas Escolas, Promovendo o Protagonismo Juvenil
nas Escolas Estaduais de Juazeiro do Norte-CE, o qual tem como objetivo
desenvolver empreendimentos juvenis a partir de ações pautadas na gestão
social, buscando fomentar nos jovens a autonomia, autogestão, cooperativismo
e protagonismo, bem como facilitar os processos grupais e individuais, o
estabelecimento de estratégias para execução de ações coletivas. As ações
até agora realizadas têm apontado o alcance desses objetivos, apresentando
como resultado o amadurecimento dos grupos envolvidos, de modo que,
com base nessa experiência, defende-se a validade da metodologia utilizada
para a execução de projetos que têm por objetivo a Gestão Social.

Palavras-chave GS. Grupos. Comunidades. Participação. Metodologia Integrativas.

Abstract The work   with community groups   prioritizes   the development   of


individuals  and localities,  contrary to what  occurs  in private organizations, 
whose purpose   is strictly  economic.    Thus, traditional management is
insufficient to carry out actions in this context, enabling the emergence of
social management as a participatory and dialogic process of working with
groups.  In order to display methodological possibilities compatible  with
the Social Management, this paper presents, through experience report, the
112 Da Timidez à Participação

methodology developed by  the project  “Social  Management  in Schools


- Promoting  Juvenile Leadership  in State  Schools of Juazeiro do Norte-
CE”.  It aims to create youth projects, from  actions based  on  social
management, encouraging  the youngsters awareness,  autonomy, self-
management capacity, cooperative attitude, participation and empowerment,
besides facilitating individual and group processes and the establishment
of strategies for implementation of collective actions. The actions carried out
so far have pointed to the achievement of these goals, presenting as a result
the development of the groups involved; hence, based on this experience, we
argue the validity of the methodology used, for implementing the projects
aiming at social management.

Keywords Social Management.  Groups.  Communities.  Participation. Integrative


Methodology.

Introdução
A gestão social, que há cerca de duas décadas vem sendo discutida no contexto
acadêmico, representa uma nova forma de conceber os trabalhos comunitários, imbuindo
as ações sociais de objetivos éticos, de emancipação, autonomia, conscientização,
fortalecimento local e participação dos grupos nos espaços decisórios. Contudo, ante
a realidade social existente em nosso país, no que diz respeito à distribuição de renda,
violência, desinteresse político, defasagem da educação, políticas públicas meramente
assistencialistas que pouco estimulam uma cidadania verdadeiramente democrática,
pensar a gestão social representa um desafio e uma necessidade (FISCHER, 2007).

Figura 1 - Logomarca do Projeto

Fonte: Acervo do projeto


© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 113

Trabalhar e gerir grupos comunitários com o objetivo de torná-los protagonistas de


suas próprias histórias tem sido o desafio de gestores sociais, principalmente diante do
discurso econômico, pragmático, utilitarista e conformista patente em nosso cotidiano.
Mas é exatamente para lidar com essa demanda e complexidade que surge a gestão social,
propondo uma nova racionalidade para gestão de pessoas e grupos. Porém, essa nova forma
de gestão ainda está construindo seu modus operandi, ou seja, a sua prática metodológica.
Nesse sentido, este trabalho propõe-se a compartilhar uma metodologia de gestão social
que vem sendo praticada no Projeto Gestão Social nas Escolas - PGSE, o qual é uma
iniciativa da Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri (UFC - Cariri), por meio da
ação conjunta de dois programas de extensão: o Laboratório Interdisciplinar de Estudos
em Gestão Social (LIEGS) e a Associação de Estudantes em Livre Iniciativa - Students In
Free Enterprise (SIFE).
O projeto conta também com a parceria da 19ª Coordenadoria Regional de
Desenvolvimento da Educação (CREDE 19-Juazeiro do Norte) da Secretaria da
Educação do Governo do Estado do Ceará (SEDUC), e obteve financiamento do Banco
do Nordeste e do Programa de Apoio à Extensão Universitária do Ministério da Educação
(PROEXT/MEC). Além desses parceiros, contamos com a colaboração de outros atores
internos à universidade como os grupos de pesquisa e extensão PAIDÉIA1 e ITEPS2.
Outro parceiro externo importante nesse processo foi a Ashoka Empreendedores Sociais.
Em março de 2011, o PGSE iniciou suas ações em três escolas públicas de ensino médio de
Juazeiro do Norte, todas estaduais e indicadas pela CREDE 19. O projeto contou com três
grandes eixos: 1. Sensibilização ao tema gestão social; 2. Elaboração de projetos sociais através
da identificação de problemas locais; 3. Estruturação da incubação do empreendimento
social a partir dos interesses identificados nos projetos sociais.
Antes de adentrar na metodologia utilizada pelo Projeto, convém fazer uma explanação
acerca de qual noção de gestão social tem conduzido a prática em análise.

A Gestão Social
O surgimento e expansão de políticas públicas voltadas para o social e a crescente organização
de empreendimentos populares, a partir de iniciativas da sociedade civil, favorecem que as
tradicionais formas de gestão sejam repensadas, visto que os mecanismos clássicos de gestão
não conseguem dar conta, de modo satisfatório, do trabalho de gerir grupos comunitários.
A partir de tal constatação, começou a constituir-se, em meados da década de 1990, a gestão
social, a qual “[...] é, ao mesmo tempo, uma área de conhecimento emergente, que tem a
contribuição de diversas disciplinas e, especialmente, um locus, de práticas ressignificadas de
gestão” (FISCHER, 2007, p. 5).
Voltada principalmente para ações empreendidas pela sociedade civil ou pelas políticas
públicas sociais, em que os grupos cooperativados e organizados são o foco, percebe-se a
114 Da Timidez à Participação

gestão social “[...] como um processo que deve primar pela concordância, onde o outro deve
ser incluído e a solidariedade o seu motivo” (TENÓRIO, 2008, p. 40). Enquanto na gestão
estratégica prevalece o monólogo – o indivíduo – na gestão social deve sobressair o diálogo
– o coletivo.
Tenório (2008), ao comparar os paradigmas da gestão estratégica com os da gestão social,
afirma que a “primeira atua determinada pelo mercado, portanto, é um processo de gestão
que prima pela competição, onde o outro, o concorrente, deve ser excluído e o lucro é o seu
motivo” (TENÓRIO, 2008, p. 40).
França Filho (2008) vem propor esta distinção, esclarecendo que na gestão privada
[...] a finalidade econômico-mercantil da ação organizacional condiciona sua
racionalidade intrínseca, baseada num “cálculo utilitário de conseqüências”
(Guerreiro Ramos, 1989). Nesta lógica, todos os meios necessários devem ser
arregimentados para a consecução dos fins econômicos definidos numa base
técnica e funcional segundo os parâmetros clássicos de uma relação custo-be-
nefício. Em um tal modo de gestão importa menos a qualidade intrínseca das
ações (seu sentido e significados – remetendo ao plano ético da conduta), e
mais a sua capacidade (da ação) em contribuir para a consecução dos fins pro-
postos, sempre definidos em termos meramente econômicos” (FRANÇA FI-
LHO, 2008, p. 31).

Compreende-se, portanto, que “é exatamente esta inversão de prioridades em relação à


lógica da empresa privada que condiciona a especificidade da gestão social” (op. cit. p. 32),
que tem como foco as pessoas em suas diferentes organizações.

Logo, pode-se definir Gestão Social conforme o preceitua Tenório (2008), como um
“[...] processo gerencial dialógico onde a autoridade decisória é compartilhada entre os
participantes da ação ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social – público,
privado ou de organizações não governamentais” (TENÓRIO, 2008, p. 39). Dessa forma,
concebe-se a “[...] Gestão Social como o processo gerencial decisório deliberativo que
procura atender as necessidades de uma dada sociedade, região, território ou sistema social
específico” (op. cit., p. 54). É neste sentido que se concebe a gestão social neste trabalho.
Esta nova racionalidade acerca da gestão pressupõe que aquele que irá gerir tais grupos possua
uma atitude de facilitador para ocorrência dos processos de autogestão, horizontalidade das
relações, cooperativismo e fortalecimento dos grupos. O gestor social detém um caráter de
facilitador do grupo comunitário, sendo necessário que domine, tanto teoricamente como na
prática, conceitos como autogestão, capital social, protagonismo, entre outros que auxiliam
no processo de gestão social. Logo,
O papel do gestor social é bem diferente do gestor tradicional de empresas
privadas. O primeiro prima pela participação popular, cidadania, ampliação e
acesso aos bens e serviços sociais, em uma sociedade multifacetada e desigual.
O que exige que tenha, sobretudo, poder de articulação e negociação. Já o se-
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 115

gundo prima pelo caráter competitivo, que busca metas de empreendimentos e


lucratividade nas organizações, o que está dentro de sua lógica organizacional.
(PRESTES, 2009, p. 244).

Costumeiramente, a gestão social é conduzida por administradores, os quais são os


pioneiros e principais estudiosos sobre o assunto. Sabe-se, porém, que a complexidade
das demandas sociais requer diferentes habilidades e olhares, exigindo uma intervenção
interdisciplinar. Segundo Fischer (2007, p. 4), o gestor social é “um mediador entre pessoas
(dimensão individual), coletividades (dimensão relacional e interorganizacional) ou entre
redes (dimensão transacional)”, exigindo-se “[...] que ele tenha visão de conjunto, ajude
na transformação sociocultural, mas também simbólico-valorativa, e que se mantenha
vigilante ante os mecanismos de autoregulação.” (FISCHER, 2007, p. 3). Neste sentido,
os profissionais de outras áreas do conhecimento podem contribuir para intervir nos
processos grupais desenvolvendo o seu protagonismo, processos de autogestão, diálogo e
cooperativismo. Para tanto, o PGSE conta com a participação de profissionais e estudantes
de diferentes áreas como psicologia, design e filosofia, com o objetivo de construir um espaço
de aprendizagem de novas habilidades que favoreça o trabalho coletivo.
Essas habilidades próprias do trabalho cooperado e solidário contrariam a lógica econômica
vigente, sob a qual os sujeitos foram educados e aprenderam a pensar sua realidade. Logo,
o espaço cooperativado “[...] não é um processo comum: envolve, para o trabalhador
historicamente submetido à autoridade e ao controle externos, uma pequena revolução
pessoal” (CORTEGOSO; LUCAS, 2008, p. 20). Quebrar esses paradigmas é fundamental
para o êxito de cooperativas sociais, onde as decisões são tomadas em assembleias coletivas,
onde todos têm direito a voz, onde há o compartilhamento dos resultados obtidos, a
propriedade coletiva dos bens e a responsabilidade solidária entre os membros. Percebe-se,
assim, que ações educativas precisam ser constantemente realizadas no sentido de estimular
nos grupos envolvidos um senso coletivo de participação e pertencimento, desenvolvendo
uma postura política e democrática. Além disso,
Atuando no processo grupal, pode-se, também, auxiliar o grupo a tornar-se um local de
diálogo, solidariedade e cooperativismo, onde os sujeitos se envolvam na luta coletiva contra
a opressão, injustiça e desigualdade, antes enfrentadas individualmente. Se, por um lado, o
desenvolvimento de um projeto comum transforma esses indivíduos em grupo, por outro, é
somente sua estruturação como grupo que possibilita a construção de alternativas solidárias
de luta. (COUTINHO; BEIRAS; PICININ; LUCKMANN, 2005, p. 12).
Falar sobre inclusão, participação e autonomia traz a necessidade de refletir sobre a
inconsistência entre o discurso e a prática quando se trata desses termos. Giannella (2009)
aponta que, mesmo contestada, na prática, ainda se privilegia os que dominam os códigos
da racionalidade linear e instrumental e se ignora as inúmeras possibilidades expressivas
enquanto humanos. Fato que implica na necessidade de um resgate da integralidade do
humano e que, por consequência, possibilite a inserção daqueles que não possuem saber
codificado nas formas tradicionais.
116 Da Timidez à Participação

Figura 2 - 1º Encontro de Integração PGSE

Fonte: Acervo do projeto

Com base nessas reflexões, passa-se a expor como o Projeto Gestão Social nas Escolas tem
buscado em sua prática a aproximação com os princípios da gestão social. Tal prática inclui a
utilização da Psicologia Social Comunitária, a partir dos grupos operativos, dialogando com
as Metodologias Integrativas, conhecidas também como Metodologias não Convencionais
(MnC) (GIANNELLA, 2009).
Giannella (2009) afirma que as metodologias anseiam contribuir com a produção do
conhecimento interativo, valorizando as competências reais dos sujeitos. Além disso, tais
metodologias utilizam-se de técnicas voltadas à mobilização da inteligência coletiva, à
gestão de trabalho em grupo, análise, interpretação e solução participativa de situações-
problema. Para tanto, o método utiliza-se de recursos, tais como a arte e o lúdico, como
meio de integrar as inteligências múltiplas dos sujeitos, sejam elas a partir da abordagem
analítico-racional, a estética, a intuitiva ou a sensível. A perspectiva é que a participação
efetiva dos cidadãos esteja pautada na consciência da necessidade de multiplicar as formas de
leitura, interpretação e simbolização da realidade de acordo com a riqueza das capacidades
humanas (GIANNELLA, 2009).
A metodologia dos grupos operativos proporciona a execução de tarefas grupais, mas
também produz como efeito secundário a qualidade de vida, a promoção da saúde mental
e o bem-estar do sujeito no grupo, na medida em que é dado a todos o direito igualitário
de participação e de expressão na resolução dos problemas. Ou seja, “a terapia não é o
objetivo principal do grupo operativo de aprendizagem, mas algumas de suas consequências
podem ser consideradas terapêuticas, na medida em que capacitam o sujeito para operar na
realidade” (PICHON-RIVIÈRE, 2009, p. 253).
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 117

Percurso Metodológico do Projeto Gestão Social nas Escolas


O PGSE teve início no mês de novembro de 2010, período em que foi planejado, e, desde
então, estabeleceu parcerias, angariou financiadores e contextualizou seu espaço de atuação,
tendo em vista que
A elaboração de um projeto implica em diagnosticar uma realidade social, identificar
contextos sócio-históricos, compreender relações institucionais, grupais e comunitárias e,
finalmente, planejar uma intervenção, considerando os limites e as oportunidades para a
transformação social. Os projetos sociais não são realizados isolados, ou seja, não mudam o
mundo sozinhos. Estão sempre interagindo através de diferentes modalidades de relação,
com políticas e programas voltados para o desenvolvimento social. (SILVA JÚNIOR, 2008,
p. 44).
No mês de março do ano de 2011, o PGSE iniciava suas atividades no ambiente escolar,
abrangendo um público de 500 alunos do 1º ano do Ensino Médio de três escolas públicas
estaduais de Juazeiro do Norte-CE. O PGSE pode ser dividido em três etapas principais:
1ª etapa (março a junho de 2011) – Sensibilização dos atores envolvidos no projeto;
2ª etapa (agosto de 2011 a março de 2012) – Construção dos planos de ação dos jovens;
3ª etapa (a partir de abril de 2012) – Processo de incubação do empreendimento juvenil.
As duas primeiras etapas já foram concluídas, enquanto a terceira, está em andamento.
Portanto, este relato centraliza-se nos dois primeiros tópicos.
O Projeto Gestão Social nas Escolas tem por público-alvo jovens estudantes do 1º ano
do Ensino Médio, com idade entre 14 e 19 anos, das Escolas Estaduais José Bezerra de
Menezes e Prefeito Antônio Conserva Feitosa e do Centro de Atenção Integral à Criança
- CAIC. Ter os jovens como público-alvo do PGSE é importante, na medida em que “a
juventude pode ser entendida como o momento em que as noções formativas iniciadas na
adolescência ganham características estruturais. [...] Este é o momento ideal para propiciar
aos jovens oportunidades de participação e associativismo” (ESPÓSITO, 2010, p. 95).
Por outro lado, esse público requer uma adaptação ainda mais cuidadosa quanto ao uso
da linguagem e das abordagens metodológicas, para que o entendimento dos conteúdos
trabalhados e a participação sejam efetivos.
As atividades do projeto, nessas duas primeiras fases, realizaram-se semanalmente e
aconteceram, em sua maioria, no próprio espaço escolar, durante o período das aulas. Não
obstante, houve ações também no contraturno e em horários extras em outros espaços, como
o da Universidade Federal do Ceará – UFC Cariri, por exemplo. A equipe de facilitadores
e coordenadores do projeto reunia-se semanalmente para avaliação e planejamento das
atividades. Os quadros abaixo descrevem as atividades realizadas e o total de participantes
nesse período, bem como as ações dos envolvidos e das atividades realizadas.
118 Da Timidez à Participação

Tabela 01: Dados quantitativos do PGSE


ETAPA 1 ETAPA 2
Quantidade de Jovens Capacitados 500 240

Quantidade de Professores das Escolas Capacitados 70 34

Quantidade de Integrantes da Equipe GSE 13 10

Oficinas com Jovens 88 121

Capacitações com os Professores 02 01

Planejamento com Parceiros 08 11

Planejamento com Equipe GSE 25 26

Encontro de Integração -- 01
Fonte: Acervo do projeto

A utilização das salas de aula para a realização das atividades causou um efeito dicotômico.
Por um lado, a aceitação por parte dos alunos foi unânime. A grande maioria viu nas
atividades do projeto uma possibilidade de experimentar novos conceitos e de uma forma
divertida com cores, sons e formas distintas, que os tirava da rotina positivista presente no
cotidiano das escolas. Contrapondo a aceitação dos alunos, muitos professores tiveram um
comportamento hostil ao cederem o espaço e horário que lhes era normalmente cabido.
No intuito de estabelecer uma aproximação e obter parcerias junto aos professores, reuniões
e formações foram promovidas para esclarecimentos dos propósitos e das metodologias do
PGSE. Alguns professores sensibilizaram-se e incluíram em suas aulas atividades ligadas ao
projeto. Outros utilizaram-se das temáticas e resultados das ações do projeto para promover
eventos escolares, tais como Feiras de Ciências e atividades alusivas ao meio ambiente, além
de participação em feiras escolares temáticas promovidas em espaços externos à escola,
demonstrando interação com os alunos e com os escopos do projeto. No entanto, esse
quadro foi pontual, pois a maioria dos professores permaneceu distante, sem demonstrar
indicativos de interesse em se envolver, contribuir e participar das atividades juntamente
com os alunos.
Outro aspecto desafiador do projeto foi a forma de construção dos empreendimentos, a
partir de um processo de sensibilização e fortalecimento dos sujeitos pois, como adverte
Paul Singer (2002, p. 21) “As pessoas não são naturalmente inclinadas à autogestão, assim
como não o são à heterogestão”, logo, “[...] o poder local de uma comunidade não existe a
priori, tem que ser organizado, adensado em função de objetivos que respeitem as culturas e
diversidades locais, que criem laços de pertencimento e identidade sócio-cultural e política”
(GOHN, 2004, p. 24).
Sendo assim, a primeira etapa do Projeto foi dedicada a fomentar nos jovens discussões
referentes ao autoconhecimento, ao conhecimento do grupo e da comunidade, levando-os a
enxergar-se como sujeitos capazes de modificar sua realidade. Para tanto, conforme descrito
no quadro abaixo, uma sequência de ações, dinâmicas e atividades foram promovidas nos
quatro pri meiros meses do projeto.
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Tabela 02 - Atividades da 1ª fase do PGSE


Dinâmicas e Atividades da 1ª Fase
1 Apresentação com exibição de vídeos (quadrinhos e casa grande)
2 Dinâmica das Duplas Rotatórias
3 Dinâmica “Árvore dos Sonhos e Muro das Lamentações”
4 Palestra “Design Sustentável”
5 Dinâmica “Mapeamento de Talentos”
6 Ação para Mobilização dos Talentos
7 Oficinas sobre reutilização de materiais recicláveis na produção de artesanato;

Fonte: Acervo do projeto

Os jovens foram convidados a refletir sobre as potencialidades e limitações dos bairros nos
quais estão inseridos, analisando aspectos estruturais, ambientais e sociais. Os bairros são o
Frei Damião, onde está localizada a escola CAIC, o Parque Antonio Vieira, onde se situa a
Escola Prefeito Antonio Conserva Feitosa e o Centro, onde se localiza a Escola José Bezerra.
Trata-se de bairros que apresentam uma série de problemáticas, as quais englobam a falta
de segurança, saúde, saneamento básico e onde muitos jovens moradores estão vulneráveis
ao envolvimento com as drogas e a prostituição.
Nessa fase introdutória, foi também instigado o desejo de conhecer o grupo em que
estavam inseridos. A aplicação da dinâmica das duplas rotatórias contribuiu para esse
reconhecimento, pois cada um teve a oportunidade de conversar com todos do grupo a
partir da seguinte indagação: Em que me pareço com você? Essa atividade teve por objetivo
“a instauração de um campo de fala e negociação democrática [que] apoia o sentimento de
pertencimento ao grupo e o enraizamento numa coletividade [...]” (CORTEGOSO; LUCAS,
2008, p. 45 – grifo no original).
A ação seguinte visava que os jovens refletissem sobre os problemas existentes em suas
comunidades e alternativas para solucioná-los. Portanto, aplicou-se uma atividade de
observação, onde teriam que identificar, durante a trajetória da escola para casa, o que mais
os incomodava. Como resultados dessa ação, foram apontadas como queixas principais
a poluição/lixo, a violência/drogas e as estradas/estrutura das ruas. A apresentação dos
resultados foi feita a partir de uma atividade interativa definida como: Muro das lamentações
e Árvore dos Sonhos. A fala de um dos jovens demonstra a descoberta das potencialidades
a partir da interação do grupo quando relata: “Foi importante por causa do conhecimento
e aprendizagem, conscientizou a alguns alunos a saber que você pode mudar o mundo se
divertindo e fazendo novas amizades” (Fala de jovem participante do PGSE). É notório que,
ao compartilharem algo em comum entre si, os jovens reconhecem não apenas o ambiente
em que estão inseridos, mas também se reconhecem como parte desse ambiente e do grupo.
120 Da Timidez à Participação

Figura 3 - Apresentação artística no 2º Encontro de Integração PGSE

Fonte: Acervo do projeto

Giannella (2009) demonstra em seus estudos que a utilização da arte como recurso para
instigar processos criativos é um meio de afirmação do potencial dos sujeitos e de aquisição
de autoconfiança e autoestima. Nessa perspectiva, seguindo os preceitos das metodologias
não convencionais, ou integrativas, que valorizavam as inteligências múltiplas, o próximo
passo foi mapear os talentos existentes nas turmas trabalhadas, pois “um mapeamento das
capacidades e talentos dos moradores de uma comunidade é etapa essencial na construção
do desenvolvimento de dentro para fora” (NEUMANN, 2004, p. 45). Utilizando-se de
dinâmicas grupais, os jovens foram convidados a apresentar seus talentos, fosse ele musical,
artístico, linguístico, dançante, entre outros.
Mapeados os talentos, desenvolveu-se uma ação para mobilizá-los no sentido de propiciar
que os jovens percebessem que seus talentos e habilidades podem ser utilizados na resolução
de seus problemas cotidianos. Essas atividades integrativas representaram um passo
fundamental no projeto, tendo em vista que elas favoreceram a participação dos jovens: “O
nosso desafio no começo era a timidez e também a falta de comunicação de alguns alunos,
mas conseguimos vencer por meio de brincadeiras e conversas.” (Fala de jovem participante
do PGSE).
O reconhecimento das metodologias integrativas como importante elemento para o alcance
dos resultados propostos é demonstrada pelos jovens e também por outros atores. Uma
representante da CREDE afirma:
A sensibilização que foi feita, como as brincadeiras, foi o mais importante, mas
não era uma brincadeira, mas uma metodologia específica para chamar atenção
dos meninos. Esse acompanhamento/monitoramento que vocês fazem, essa
avaliação, tudo é muito importante, porque o que nós vemos é que os projetos
são muitos, mas não acontecem de fato, eles tendem a acabar, há toda uma
estrutura, envolvimento de todos para dar certo. Vocês descobriram talentos
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 121

nos alunos, eles só precisassem de um empurrão, ele pode ir mais longe, esse
direcionamento foi dado (Fala de representante da CREDE 19).

A segunda fase do projeto, iniciada em agosto de 2012, contou com a cooperação do


Programa Geração Muda Mundo, uma iniciativa da Ashoka, parceira do PGSE. Um
encontro de integração marcou o início dessa fase e teve a participação de uma das
representantes do Programa Geração Muda Mundo. Durante uma atividade, enquanto
contava sua inspiradora história de vida, a palestrante convidava os jovens a sonhar e, mais
que isso, a pôr esses sonhos em prática, rumo a uma mudança concreta na realidade, ou seja,
estimulava o protagonismo daqueles adolescentes.

Tabela 03 - Atividades da 2ª etapa do PGSE


Dinâmicas e atividades da 2ª Fase
1 Atravessando o Rio 7 De Olho no Plano
2 Dinâmica da Teia 8 Pré-Painel
3 Dinâmica Passando a Bola 9 Painel de Apresentação dos Planos
4 Entendo o Plano de Ação - Encontro 10 1º Encontro de Integração
5 Criação da Justificativa 11 Ação de Devolutiva do Plano
6 Definindo Metas e Atividades

Fonte: Acervo do projeto

A partir desse convite para o sonho e para a ação, deu-se início, então, à segunda fase do
projeto. Nessa oportunidade, foi explicado que, a partir desse momento, somente aqueles
que se identificaram com as ações já realizadas é que continuariam no projeto, ou seja,
enfatizou-se a adesão voluntária, afinal uma ação que é imposta não gera protagonismo.
Sendo assim, o projeto seguiu com metade da quantidade inicial de alunos, passando de
500 jovens para pouco menos de 250, permaneceram apenas aqueles que se identificavam
com a proposta e que tinham disponibilidade para participar das atividades, especialmente
as vivenciadas no contraturno. “Na raiz do protagonismo deve existir a livre opção do
jovem, ele tem que participar na decisão de fazer ou não a ação”. (ESPÓSITO, 2010, p.
97). Os jovens ressaltaram que a participação de todos foi incentivada através das atividades
apresentadas, quando declararam que o “Trabalho é de forma dinâmica para que ninguém
desista, incentivando os alunos para que não deixem de participar do projeto.” (Fala de
jovem participante do PGSE).
Segundo Meirelles (2007), ao falar sobre rede de aprendizado, destaca-se que
O projeto assume o pressuposto de que a qualidade da educação avança na medida em que
aprofundam as ações e reflexões conjuntas, com sujeitos que operam e refletem em parceria,
em suma, em rede de aprendizagem e colaboração mútua. Nesta direção, a mobilização
e articulação dos diferentes atores constituem-se em estratégias fundamentais e, como
não poderia deixar de ser, plenas de desafio (MEIRELLES, 2007, apud GIANNELLA,
OLIVEIRA, CALASANS, 2010, p. 105).
122 Da Timidez à Participação

Seguindo esses fundamentos, foi realizada uma dinâmica denominada “Tocou-colou”, cujo
objetivo era mostrar aos jovens a necessidade de se pensar em rede e de se manter conectado
para que fosse possível realizar a segunda etapa do projeto, a qual consistiria em elaborar
coletivamente planos de ação com impacto socialmente positivo.
Tinha-se em vista que, na busca da legitimação de todos como atores da esfera pública, faz-
se necessário uma reinvenção da fala individual e coletiva, bem como uma reapropriação da
integralidade de seres sentir-pensantes. Nesse sentido, as metodologias não convencionais,
ou integrativas, visam proporcionar a produção do conhecimento interativo, valorizando
as competências reais dos sujeitos e ainda mobilizar toda a riqueza do humano na esfera
pública (GIANNELLA, 2009).
Figura 4 - Atividade do PGSE na UFC

Fonte: Acervo do projeto

A segunda etapa dos trabalhos foi reiniciada com a construção das regras do funcionamento
grupal, como forma de estabelecer o enquadre dos grupos operativos que se formavam
(ZIMERMAN, 1997). Portanto, foi elaborado o contrato grupal da turma, onde os jovens
criaram coletivamente as normas e valores que deveriam ser obedecidos para o bom
desempenho das atividades e a permanência no projeto. A proposta do contrato grupal
relaciona-se com o que é evidenciado por Tenório (2007, p. 117), ou seja, que “[...] a
participação voluntária ocorre mediante um grupo que cria suas próprias normas, maneiras
de atuação e objetivos”.
Essa retomada das atividades deu-se após o período de férias letivas, ocorridas no mês de
julho de 2011. No entanto, o planejamento foi alterado devido à greve dos professores,
a qual se manteve durante todo o semestre. O episódio representou um desafio para o
andamento do projeto, pois surgiu de forma inesperada, atrasando o cronograma de
atividades que havia sido previsto. Porém, “o gestor do desenvolvimento social [precisa ser]
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 123

um mediador multiqualificado, situando-se em um contínuo que vai da capacidade de dar


respostas eficazes e eficientes às situações cotidianas à capacidade de enfrentar problemas
de alta complexidade” (FISCHER, 2007, p. 4). Assim, a equipe de trabalho pensou em
alternativas e soluções para contornar esta situação.
Transposto esse imprevisto, retomaram-se as atividades com um encontro de jovens que
ocorreu na Universidade Federal do Ceará, o qual contou novamente com a presença da
representante da Ashoka como facilitadora. Esse encontro propiciou a integração entre as
escolas e levou os jovens a refletirem, de forma conjunta, sobre o que há de bom em suas
comunidades, assim como o que há de negativo e o que poderia existir para que melhorasse.
Nessa ocasião, foi aplicada a dinâmica “Que Bom, Que Pena, Que Tal”.
A partir dessa provocação, os jovens foram instigados a pensarem em uma justificativa e
uma problematização do seu objetivo, a partir de uma roda de conversa que culminou na
construção coletiva de um texto. Essa atividade transcorreu com facilidade em todos os
grupos, apesar de a tarefa ser a construção de um texto formal que geralmente é recebida
pelos jovens com certa reserva, as ideias fluíram com facilidade e coesão, de modo que
em pouco tempo o texto já estava pronto. Atribui-se essa facilidade ao momento de
amadurecimento e entrosamento vivenciado pelos grupos nessa fase do projeto, assim como
à metodologia utilizada. Para essa ação, também foi decisiva a contribuição dos professores
de português/redação, boa parte dos quais adotou como atividade da disciplina a correção
e o aprimoramento do texto. É interessante notar que os jovens conseguem se projetar na
comunidade, reaplicando o que aprenderam, demonstrando indicativos de protagonismo: “A
comunidade vai gostar de interagir com o projeto. Os jovens vão gostar de aprender coisas
novas e diferentes” (Fala de jovem participante do PGSE). O próximo passo foi a elaboração
de uma tabela com as metas e atividades necessárias para que os jovens alcançassem seus
objetivos.
Nesse momento, em uma das turmas trabalhadas, sobressaíram características de pessoas
que exerciam a liderança no grupo de modo autoritário, querendo impor seu ponto de
vista e pondo em risco o processo de fortalecimento pelo qual os jovens estavam passando.
Diante dessa problemática, foi elaborada uma intervenção a partir da utilização do recurso
do jogo, em que se apresentaram os diversos tipos de liderança, levando os jovens a refletirem
sobre qual dos tipos eles consideravam o mais adequado para o processo que eles estavam
vivenciando. Mais uma vez, os jovens foram levados a tomar as suas próprias decisões
no espaço coletivo. Depois dessa intervenção, percebeu-se um compartilhamento mais
adequado das decisões e opiniões nesse grupo, por meio do exercício circular da liderança.
Na ação seguinte, os jovens receberam orientações para a preparação da apresentação do
plano de ação que eles iriam realizar durante um painel com todas as escolas envolvidas no
projeto. O painel de apresentação dos planos de ação do PGSE representou o término da
segunda etapa do projeto.
124 Da Timidez à Participação

Figura 5 - I Painel do PGSE

Fonte: Acervo do projeto

Nessa oportunidade, os jovens puderam apresentar suas iniciativas para avaliadores


experientes na análise de projetos sociais, os quais deram sugestões e incentivos que
contribuíram para o amadurecimento das ideias postas nos planos de ação. Esse momento
mostrou-se importante, tendo em vista que “[...] deve haver diálogo, reuniões, troca de
ideias e experiências, além de amizade e bom relacionamento entre as pessoas” (FAVERO;
EIDELWEIN, 2004, p. 37) para que essas desenvolvam o cooperativismo e o senso
comunitário, além de promover a circulação das experiências e informações.
Entre as iniciativas criadas pelos jovens podemos citar: oficinas ecológicas, produção de
materiais de limpeza a partir da reutilização do óleo de cozinha e de garrafas pet, produção
de brinquedos e bijuterias por meio da reciclagem de materiais, criação de uma farmácia
popular baseada em plantas medicinais, entre outras. “Bom, fizemos várias atividades
dinâmicas, diferentes e juntamente com meu grupo fazemos coisas com reciclagem e
mostrando como artesanato” (Fala de jovem participante do PGSE).
O painel também propiciou um espaço para compartilhar saberes e experiências entre os
jovens, além de representar um desafio, já que muitos deles nunca haviam se apresentado
em público e este momento representava uma espécie de avaliação do plano de ação por
eles produzido.
Verificou-se que alguns planos de ação tinham um caráter pontual, como palestras,
exposições e oficinas. Entretanto, teve propostas de ações a médio e longo prazo, com a
perspectiva de geração de renda. São essas últimas o foco do terceiro eixo do PGSE, já que
nele se pretende incubar empreendimentos juvenis.
Entretanto, todos os planos de ação foram fruto de um processo longo de criação e
representavam o sonho grupal e individual, nesse sentido, mesmo as propostas que não
seriam incubadas, deveriam ter um momento para sua implementação. Pensando nisso,
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 125

foi realizado o segundo Encontro de Integração para que os jovens colocassem em prática
suas ideias e trocassem experiências. Foi promovido e organizado com os jovens um dia de
oficinas, apresentações artísticas, palestras, desfiles, entre outras atividades. Esse encontro
representou o encerramento do projeto para aqueles grupos que executaram seu plano de
ação e a passagem para a terceira etapa do projeto para aqueles grupos que criaram propostas
de geração de trabalho e renda.
Figura 6 - Atividade integrativa do 2º Encontro de Integração

Fonte: Acervo do projeto

Nessa fase do projeto, é visível o amadurecimento e crescimento dos jovens, tanto no


nível individual quanto grupal, assim como o estreitamento da relação entre os parceiros
do projeto. Esse amadurecimento é fundamental para a implementação da terceira etapa
do projeto, a qual consiste na incubação dos empreendimentos juvenis. A incubação de
empreendimentos comunitários torna-se importante, pois, conforme aponta Tenório e
colaboradores,
Percebe-se, apesar da boa vontade, a fragilidade dessas organizações na gestão de suas
atividades e projetos. Ressentem-se as mesmas de maior clareza para a elaboração, o
acompanhamento e a avaliação de seus projetos. Ressentem-se, ainda, de elementos básicos
para uma administração mínima de seus projetos e atividades (TENÓRIO et al., 2003, p.
11).
Para a incubação dos empreendimentos, tem-se o apoio da Incubadora Tecnológica de
Empreendimentos Populares e Solidários – ITEPS da Universidade Federal do Ceará –
UFC Campus Cariri (recentemente transformada em Universidade Federal do Cariri -
UFCA). Durante o processo de incubação, os jovens participam de oficinas com temáticas
relacionadas à cooperativa que será formada e contam com a assessoria especializada que se
faz necessária. Porém, esse processo não visa criar um vínculo de dependência, pelo contrário,
almeja-se que a cooperativa crie mecanismos para se manter de forma autônoma, pois “A
comunidade deve caminhar sempre em direção à sua emancipação, ou seja, deve aprender a
conduzir os seus projetos sem ajuda externa” (TENÓRIO et al., 2003 p. 26).
O processo de incubação segue o mesmo método utilizado desde o início do projeto, ou
seja, a transmissão dos conteúdos por meio de um processo construtivo e participativo,
onde as ações são planejadas de acordo com as necessidades de cada grupo, englobando
126 Da Timidez à Participação

também aspectos lúdicos e dinâmicos na troca de experiências. Essa última característica é


de extrema importância para o êxito das capacitações, já que o projeto trabalha com jovens,
sendo esse um público com características peculiares e que, em sua maioria, não manifesta
interesse em coisas monótonas ou hierarquizadas, mas demonstra atração por desafios,
debates e movimento.
Atualmente o projeto conta com a participação de cerca de 30 jovens, os quais são divididos
em três empreendimentos: 1) Farma Life; 2) Projeto Ecológico dos Alunos do CAIC –
PEAC; 3) Reciclart. Durante o processo de incubação, eles estão sendo orientados para a
construção de um plano de negócios que guiará a criação dos empreendimentos juvenis.
Figura 7 - Exposição de produtos confeccionados no PGSE.

Fonte: Acervo do projeto

Durante toda a realização do projeto, uma preocupação constante foi com o fortalecimento
dos vínculos cooperativos entre os jovens, assim como o desenvolvimento do protagonismo
e do fortalecimento do capital social comunitário. Compartilha-se da opinião de Cortegoso
e Lucas (2008) de que
[...] simulando situações que devem ser resolvidas em colaboração, os apren-
dizes vivenciam a interação positiva – mesmo que eventualmente conflituosa
– com os colegas e aprendem a se expor, argumentar e ouvir. Estimular senti-
mentos recíprocos de ajuda faz parte da intervenção, como prática pedagógica
(busca de novos esquemas cognitivos) e como prática psi (busca de novos pro-
cessos de subjetivação). É preciso construir uma relação onde o sucesso de cada
membro está ligado à conquista do grupo, potencializando o coletivo, geran-
do uma postura mais auto-reflexiva e crítica [...] (CORTEGOSO; LUCAS,
2008, p. 61).

As atividades do PGSE eram facilitadas pelos estagiários, sempre direcionadas por uma
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 127

finalidade, proporcionar a coesão grupal, lidando com conteúdos implícitos e explícitos que
emergiam por meio dos diferentes papeis que circulavam entre os integrantes do grupo.
Enfatiza-se que
A técnica operativa do grupo, sejam quais forem os objetivos propostos no grupo (diagnóstico
institucional, aprendizagem, criação artística, planejamento, etc.) tem como finalidade que
seus integrantes aprendam a pensar numa co-participação do objeto de conhecimento,
entendendo-se que pensamento e conhecimento não são fatos individuais, mas produções
grupais (PICHON-RIVIÈRE, 2009, p. 245).
Figura 8 - Metodologias Integrativas do Projeto Gestão Social nas Escolas

Fonte: Acervo do projeto

Durante as atividades, identificamos que os jovens demonstram o interesse de reaplicar as


metodologias integrativas por reconhecer nelas um instrumento importante para alcançar
resultados em projetos sociais: “Além de continuarmos unidos, divulgaremos o projeto de
forma mais agradável e divertida” (Fala de jovem participante do PGSE).
Outro ponto de extrema importância para o desenvolvimento do PGSE e que merece
maior análise diz respeito à equipe de trabalho que elabora e executa as ações acima
expostas. Coordenado por uma psicóloga, a equipe do PGSE é multidisciplinar, composta
por estagiários do curso de graduação em Psicologia, Administração e Filosofia e Design.
A respeito dos trabalhos interdisciplinares, tem-se a contribuição de Pichon-Rivière (2009)
no sentido de que
A didática interdisciplinar baseia-se na preexistência, em cada um de nós, de um esquema
referencial (conjunto de experiências, conhecimentos e afetos com os quais o indivíduo pensa
e age) que adquire unidade através do trabalho em grupo; ela promove, por sua vez, nesse
grupo ou comunidade, um esquema referencial operativo sustentado pelo denominador
comum dos esquemas prévios (PICHON-RIVIÈRE, 2009, p. 125).
Semanalmente acontecem as reuniões da equipe de trabalho, ocasião em que há o
compartilhamento das experiências nas escolas, numa espécie de supervisão, e o planejamento
das ações seguintes. Cabe ainda à equipe de trabalho o gerenciamento, a organização e a
execução das atividades do projeto, a interlocução com as parcerias, a elaboração de relatórios
128 Da Timidez à Participação

mensais e semestrais de atividades, a confecção de trabalhos científicos relacionados ao


projeto, entre outras funções.
Desenvolve-se dentro da própria equipe de trabalho um gerenciamento baseado na gestão
social, ou seja, onde impera a dialogicidade das decisões, onde o foco são as pessoas, num
processo de autogestão e autonomia dos estagiários. De acordo com Coutinho et al. (2005, p.
8) “[...] são identificáveis duas determinações essenciais do conceito de autogestão: a) separa
a distinção entre quem toma as decisões e quem executa e b) autonomia decisória de cada
unidade de atividade [...]”, dessa forma, os estagiários possuem autonomia e participação
nas decisões e execuções de tarefas.

Considerações
A experiência acima descrita permite pensar que, para atuar no contexto de grupos
comunitários a fim de elaborar ou desenvolver projetos de intervenção, o gestor social
terá que perceber a importância de estabelecer como “objetivo o fortalecimento dos laços
coletivos, atuando a partir do entendimento dos processos grupais desenvolvidos em cada
organização solidária, utilizando técnicas de dinâmica de grupo que favoreçam a emergência
das características singulares do grupo [...]” (COUTINHO; BEIRAS; PICININ;
LUCKMANN, 2005, p. 11). Portanto, defendemos a importância de um trabalho
interdisciplinar, já que algumas áreas do conhecimento possuem métodos e técnicas para
atuar nesse sentido, como os grupos operativos.
É válido ressaltar que o uso das MnC ou Metodologias Integrativas foi um forte aliado
no diálogo com os jovens. A cada dinâmica, os jovens sentiram-se desafiados e, portanto,
motivados em dar continuidade às tarefas propostas e, por conseguinte, ao projeto. Além
disso, mostraram-se mais seguros para expor suas opiniões e expressar seus sentimentos
diante do grupo, pois reconheciam a si próprios e ao outro de uma forma lúdica, o que
valorizou os saberes e as habilidades individuais e do grupo.
Os resultados alcançados contaram com alguns desafios. Como exposto anteriormente, o
PGSE iniciou as suas atividades em campo com cerca de 500 alunos distribuídos em 11
turmas do ensino médio. O grande número de alunos por sala deu oportunidade a todos
conhecerem a proposta do projeto para decidir se permaneciam ou não na segunda etapa.
Essa escolha metodológica da primeira etapa, por vezes, dificultou a comunicação entre eles,
especialmente nos momentos das devolutivas, no final de cada atividade. Primeiramente, a
limitação do tempo não permitia que todos falassem e, segundo, o grande grupo inibia os
mais quietos, sendo assim, não raro o diálogo ficava a cargo daqueles que já possuíam a
habilidade da comunicação em público. Por outro lado, é importante observar que alguns
jovens que inicialmente se mostraram tímidos e por vezes recuados a participar, com o
passar do tempo, foram estabelecendo relações de confiança com o grupo, se apropriando
do processo de construção coletiva e, por fim, já eram capazes de sugerirem e solicitarem a
utilização de dinâmicas interativas.
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Torna-se relevante destacar que foi um processo muito valioso na construção da autonomia
e cidadania, afinal, muitos dos jovens envolvidos no PGSE mostraram-se estudantes ativos
e, pelo uso adequado da fala, utilizaram instrumentos de negociação de conflitos por meio
de rodas de conversa e reivindicações junto à escola, onde foi construído um Jornalzinho,
o qual trazia informações sobre a escola e institucionalizava também um espaço aberto
para a fala dos jovens. Observamos ainda que outro indicador de cidadania e autonomia é
o reposicionamento dos jovens enquanto moradores que conhecem a realidade do bairro,
tanto as potencialidades que fortalecem o sentimento de pertencimento local quanto as
fragilidades. Essas últimas foram foco de propostas criativas e não convencionais para
transformação de situações cotidianas.
A experiência do PGSE enfatiza os ganhos provenientes do trabalho interdisciplinar
e demonstra que as metodologias para trabalhar com gestão social estão em construção,
moldando-se a partir das realidades vividas, o que ressalta a contribuição desse projeto rumo
à elaboração de propostas metodológicas nesse setor.

NOTAS
1 Laboratório de Pesquisa Transdisciplinar sobre Metodologias Integrativas para a Educação e
Gestão Social da Universidade Federal do Ceará.
2 Incubadora de Empreendimentos Populares e Solidários da Universidade Federal do Ceará,
Campus Cariri.

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1997.

Waléria Psicóloga, mestre em Gestão de Políticas Públicas pela Escola de Governo


Maria da Fundação Joaquim Nabuco - PE. Professora do curso de Psicologia da
Menezes Faculdade Leão Sampaio. Pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de
de Morais Estudos em Gestão Social e Laboratório Paideia, ambos da Universidade
Alencar Federal do Cariri - UFCA. Coordenadora do Projeto Gestão Social nas
Escolas.

Joseane Graduada em Psicologia pela Faculdade de Ciências Aplicadas Dr. Leão


de Queiroz Sampaio e em Direito pela Universidade Regional do Cariri - Urca. Técnica
Vieira do Projeto Gestão Social nas Escolas.

Marluse Aluna de graduação do colegiado de administração da Universidade Federal


Martins de do Vale do São Francisco - Univasf, bolsista do Programa Institucional de
Matos Bolsa de Extensão - PIBEX.

Ítalo Graduado em Administração pela Universidade Federal do Ceará - Campus


Anderson Cariri. Coordenador Regional de Programas da Enactus Brasil.
Taumaturgo
dos Santos

Raquel Farias Graduada pela Faculdade Leão Sampaio. Psicóloga do Centro de Referência


Gregório da Assistência Social - CRAS  do município de Canindé-Ce.   Especializanda
Bezerra em Políticas Públicas em Saúde Coletiva pela URCA.

Maria de Psicóloga, graduada pela Faculdade Leão Sampaio.


Fátima de
Oliveira
Sobreia
Foto: André Magalhães
s e t . /d e z . 2013
v.2n.3 p. 133 -155
ISSN: 2317-2428
copyright@2013
www.rigs.ufba.br

Gestão Social Urbana: Negociação e Participação


de seus Habitantes
Maria do Carmo Brant de Carvalho e Patricia Brant Mourão Teixeira Mendes

Resumo O Estatuto da Cidade alavancou e deu garantias para uma efetiva participação
popular nos destinos da cidade. Avançou-se em processos mais densos de
negociação neste campo. No entanto, o planejamento urbano brasileiro
não tem logrado tornar melhores as cidades para a vida de seus cidadãos,
carecendo de experiências dialógicas que os envolvam. A participação social
tornou-se imprescindível para a criação de cidades capazes de abraçar seus
cidadãos em circuitos de inclusão social. É com essa concepção que relatamos,
neste artigo, o processo participativo ocorrido em uma das periferias da
cidade de São Paulo, para refletir e propor projetos de reurbanização de áreas
degradadas pelo adensamento desordenado e com riscos socioambientais.
Trata-se de processo adotado na gestão social urbana junto à população
da microbacia do Rio Cabuçu de Cima, região norte em São Paulo pela
Secretaria Municipal da Habitação (SEHAB), para ouvir os moradores
quanto a propostas sobre o território para a elaboração de um plano urbano
integrado. Esse projeto foi igualmente provocado pela presença da Prefeitura
de São Paulo na 5ª Bienal de Roterdã/2012 - Making City, a qual teve como
fio condutor pensar a cidade a partir da voz dos moradores.

O processo resultou em ampla e rica negociação entre gestores públicos e a


população afetada por projetos urbanos. Para a realização desse processo, foi
pensado um conjunto de 8 oficinas, cuja temática central foi “o urbano vivido
e desejado”, buscando revelar competências e fortalecer a expressão política
dos habitantes. Nenhuma negociação social se faz sem troca de informações
e aprendizados entre equipe técnica (saber técnico) e os moradores (saber
vivido sobre o cotidiano urbano), o que resultou em debate qualificado,
perspectivando o coletivo e o território como um todo.
Palavras-chave Negociação Social. Processos Participativos. Ambiente Vivido e Desejado.

  
134 Gestão Social Urbana

Abstract The City Statute promoted and assured ways to carry out people’s
participation in the city planning. Progresses were made regarding a more
consistent negotiation process in this field. However, Brazilian Urban
planning has not succeeded in making better cities for their citizens, lacking
of dialogical experiences including them. Social participation has become
essential for the creation of cities able to embrace their citizens in circuits of
social inclusion. It is on the base of such view that we report, in this article,
the participation process which occurred in one of the outskirts of São
Paulo city, to reflect and propose projects of redevelopment for degraded
areas, affected by chaotic urbanization and socio-environmental risks. The
process was carried out as an urban social management project with the
population of the micro basin of the Cabuçu de Cima River, located at
northern São Paulo; it was run by the Municipal Housing Department,
listening to the residents about the proposals for their territory, in order
to elaborate an integrated urban plan. This project was also encouraged by
the participation of the Municipality of São Paulo in the 5th Biennale of
Rotterdam/2012 - Making City, which had as its guiding thread thinking
the city on the base of the voice of residents.

The process resulted in broad and rich negotiation between public managers
and the population affected by the urban projects. To be carried out, eight
workshops were designed, whose core theme was “lived and desired
urban environment”, seeking to reveal competencies and consolidate the
political expression of its inhabitants. No social negotiation is done without
exchanging information and learning between technical team (technical
knowledge) and residents (knowledge acquired from the everyday
experience of the urban environment), which resulted in qualified debate,
taking into account the collective and the territory as a whole.

Keywords Social Negotiation. Participation Processes. Living and Desired Urban


Environment.

INTRODUÇÃO
São Paulo é uma megacidade, complexa, que cresceu de forma desordenada e caótica, ditada
pela voracidade da iniciativa privada. O poder público manteve-se a reboque atuando de
forma impotente para regular, normatizar os fluxos e traçados da cidade. Possui atualmente
11.821.873 milhões de habitantes e uma área de 1.523km², com seu espaço praticamente
todo ocupado, conformando territórios bastante heterogêneos que expressam a desigualdade
socioespacial. Vários planos municipais e metropolitanos foram propostos e pouco foi
realizado para transformar o cenário urbano precário das periferias.
O novo plano municipal de habitação para o período 2010/2024 avançou, buscando um
novo olhar sobre o território, um plano de urbanização integrado por sub-bacias com
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 135

programas que combinassem a urbanização dos assentamentos precários com a produção


de novas moradias e um conjunto de investimentos de desenvolvimento econômico, social
e ambiental.
Nessa direção, a Secretaria de Habitação do Município de São Paulo, em busca de construir
uma metodologia de elaboração de planos de urbanização mais consistente, em 2011,
decidiu pela construção do diagnóstico sociourbano a partir da fala dos moradores, como
condição prévia à proposição de projetos urbanos e habitacionais. A Microbacia do Cabuçu
de Cima, localizada na zona norte (Subprefeitura Jaçanã/Tremembé) foi escolhida para
essa experiência, por estarem os projetos de planejamento urbano dessa área previstos para
serem licitados em 2012. O interesse da curadoria da Bienal/2012 - Making City, também
reforçou a implantação dessa proposta, cujo fio condutor foi pensar a cidade interagindo
com os moradores, um espaço de troca, onde a voz dos moradores fosse assegurada.
É sabido que moradores da periferia da cidade de São Paulo convivem com toda sorte de
vulnerabilidades, desde situações extremamente precárias de moradia, ausência de conforto
socioambiental, isolamento dos polos de absorção de sua mão de obra, e mesmo, precário
acesso a serviços. Não são ouvidos, não são informados de forma adequada e tampouco
decidem quanto às propostas de melhorias urbanas no seu território. Nesse contexto,
desloca-se para os técnicos urbanistas a competência exclusiva para pensar e propor projetos
urbanos e, às empreiteiras, a tarefa de executá-los.
Embora a participação popular esteja assegurada nos processos decisórios em diversas leis
federais e estaduais, é ainda pouco praticada. A participação popular nas audiências públicas
é experiência nova, tanto para a sociedade brasileira como para os agentes governamentais.
Faltam experiência e cultura na gestão pública para operar tais audiências e consultas prévias
enquanto espaços de diálogo e negociação de interesses entre os diferentes atores sociais
(MENDES et al., 2007).
O processo de negociação social com os habitantes sobre as questões do território ganha hoje
enorme importância. O planejamento urbano perde em legitimidade política e social quando
não produzido com a participação de seus moradores, finalidade primeira na construção de
uma cidade de todos. O diálogo entre os inúmeros agentes sociais, econômicos, técnicos,
militantes e moradores é que permite a inovação construtiva de uma cidade com maior
qualidade de vida.
Um dos grandes desafios tem sido como traduzir para a população e obter sua adesão a
projetos e intervenções desenhados para o território pela burocracia técnica. Outro tem sido
a dificuldade dos próprios técnicos em dialogar com os habitantes e reconhecê-los como
portadores de saberes sobre a dinâmica do território, conhecimento esse que o técnico não
tem.
A implementação de projetos sociourbanos em territórios da cidade exigi negociação social
prévia, seja porque seus moradores são também produtores da cidade possuindo história e
saberes vividos, seja porque tal projeto público lhe diz respeito e visa o fortalecimento do
sentido de pertencimento à cidade. Diminui os ruídos comunicativos e, o mais importante,
136 Gestão Social Urbana

resulta em intervenção mais eficaz, pois terá a voz e a adesão dos moradores nas decisões
tomadas.
A maioria dos loteamentos nos bairros periféricos como os do Jaçanã/Tremembé, na região
norte de São Paulo, foi construída ilegalmente, incluindo moradias autoconstruídas em
terrenos pequenos, sem áreas verdes e de lazer, infraestrutura urbana precária, ruas e calçadas
estreitas, entre outros problemas.
É nessa arena constantemente produtora de tensão e conflito urbano que se faz necessário
inverter as lógicas tradicionais de se operar projetos urbanos habitacionais “de cima para
baixo”, introduzindo como ação prévia e continua a interlocução com a população local
que será afetada. Não qualquer interlocução, mas aquela que reconhece nos moradores seus
potencias e, por isso mesmo, cria espaços horizontais de troca.
Dessa forma, neste relato, destacamos o processo de negociação social utilizado como tarefa
inerente ao campo de gestão do território. O foco dessa ação está na própria negociação
prévia entre gestores públicos e a população a ser afetada por projetos urbano-habitacionais,
evitando conflitos recorrentes nessa área e, sobretudo, incluindo as proposições, história e
demandas de seus habitantes no próprio planejamento da intervenção urbana.
A negociação foi realizada por uma equipe de consultoria social externa1 com a participação
dos técnicos da SEHAB. Valeu-se de oficinas com moradores e integrantes de organizações
comunitárias para refletir sobre as ambiências urbanas nos seus bairros: as ausências, as
potências e arranjos urbanos de que se valem e de quais aspiram valer-se. A proposta das
oficinas teve como fio condutor pensar a cidade interagindo com os moradores - gerar um
espaço de troca, onde os moradores possam dar voz às suas demandas.
Para tal, partiu-se da hipótese de que, ao desenvolver a fluência comunicativa dos
moradores, reconhecer e valorizar o seu conhecimento sobre o território, se poderia criar
um rico espaço de trocas de saberes entre os técnicos e os moradores. De acordo com
Vargas (1999), “o conceito de qualidade ambiental urbana (de vida urbana), vai além dos
conceitos de salubridade, saúde, segurança, bem como das características morfológicas do
sítio ou do desenho urbano. Incorpora também os conceitos de funcionamento da cidade
fazendo referência ao desempenho das diversas atividades urbanas e às possibilidades de
atendimento aos anseios dos indivíduos que a procuram”.
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CENÁRIO DO LUGAR: A Micro-Bacia do Cabuçu de Cima


Figura 1 - A região estudada (Fábio Knoll, 2011).

Fonte: Dados do autor.

A área selecionada para o desenvolvimento desse projeto encontra-se na microbacia do Rio


Cabuçu de Cima na Subprefeitura do Jaçanã/Tremembé no município de São Paulo. A
área selecionada está localizada no Plano de Ação Integrada - PAI2, nº 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11,
conforme a cor laranja na figura abaixo.
Figura 2 - Mapa dos PAIs localizados na área selecionada para este estudo (SEHAB, 2011).

Fonte: Dados do autor.


138 Gestão Social Urbana

É uma área acidentada com vários morrotes, composta por vários bairros, tais como: Jardim
Fontalis, Jardim Guapira I e II, Jardim Filhos da Terra, Jardim Galvão, São João III, Jardim
Felicidade, etc. Esses bairros estão localizados próximo à Serra da Cantareira, e alguns deles
em áreas fronteiriças. Esses bairros possuem loteamentos regulares, clandestinos e ocupações
em áreas públicas. É difícil distingui-los a olho nu, frente à carência de infraestrutura. Em
muitos deles, as habitações estão sediadas em área de risco.
Alguns desses bairros foram constituídos na década de 80 com os programas municipais
PROMORAR e PROPERIFERIA3, portanto, são caracterizados por habitações em
pequenos lotes, poucas áreas destinadas a equipamentos públicos, espaços verdes e de lazer,
apesar desses terem sido contemplados nos projetos. Consequentemente, o bairro tornou-se
uma “área cinzenta”, como nomeiam os moradores.
Figura 3 - As ruas estreitas e ausência de verde, lotes pequenos (MENDES, 2011).

Fonte: Dados do autor.

MATERIAIS E MÉTODOS
Algumas premissas serviram de base para pensar as oficinas:
Não há qualificação da cidadania sem ganhos de confiança social que processam a própria
inclusão. A confiança é a própria potência, a própria força ou o trampolim que nos impulsiona
mais adiante (TEIXEIRA, 2003).
A população marcada pela pobreza pode possuir uma baixa escolaridade formal, mas porta
saberes construídos na experimentação, na observação cotidiana, nos processos solidários
presentes nas relações sociais do seu território. Esses conhecimentos são muitas vezes
desqualificados e, portanto, não aparecem como potência.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 139

Produzir um saber-fazer só é possível no entrelaçamento de redes alimentadas por fluxos


contínuos de experimentação, interação e conhecimento. Movimentam processos e ações
multidimensionais; combinando saberes e conhecimentos múltiplos e transdiciplinares.
A reconstrução da memória urbana a partir das histórias pessoais possibilita o fortalecimento
da identidade coletiva dos moradores.
O empoderamento da comunidade faz-se pelo fortalecimento da identidade coletiva, sendo
a construção da memória urbana do território o caminho desse processo.
Como âncora necessária, é preciso identificar as ambiências e instrumentos que desencadeiam
os processos de fluência comunicativa, a emergência dos saberes vividos, os espaços de troca
entre o saber popular e o técnico e a produção de novos conhecimentos.
As escolhas dos instrumentos e as ambiências instauradas nos processos de aprendizagem
baseiam-se em abordagens pedagógicas já conhecidas que dão primazia às experimentações
e partem da história do grupo social (moradores, lideranças, adolescentes...). Resultam
num movimento singular e único. O conteúdo dessas oficinas foi desenvolvido com base
na significação/ressignificação de conhecimentos, valores, comportamentos vivenciados
e alterados pelos participantes sobre o seu microterritório. Ou seja, partiu-se de uma
construção conjunta dos conceitos existentes para a aprendizagem coletiva de novos, tais
como, modos de significar o território, de morar, o que é considerado área de risco e as
diferentes demandas do grupo.
Figura 4 - Mapa dos Afetos.

Fonte: Dados do autor.

A abordagem pedagógica ocupou-se em fortalecer a expressão e a fluência comunicativa


“sobre o urbano vivido e desejado” por eles. Foi desenvolvido um conjunto de 8 oficinas com a
140 Gestão Social Urbana

participação de lideranças comunitárias (moradores e representantes das micro-organizações


locais), os quais se reuniram uma vez por semana no CIC-Norte4, equipamento do próprio
bairro. Com a temática central - “o urbano vivido e desejado” - as oficinas contaram com
a mediação da pesquisa no território, observação, vivências, experimentações, assim como
aportes de conhecimento e informação, sempre que necessário.
Os procedimentos de sensibilização e de motivação utilizados nas oficinas, pautaram em
vários instrumentos pedagógicos5 para envolvê-los e permitir uma releitura do território:
um mapa das ruas, registros fotográficos, maquete do bairro, atividades de construção/
desconstrução/reconstrução do território, entre outros, cada qual com uma perspectiva de
aprofundamento, interação e conhecimento a respeito da dinâmica e característica do lugar.
As oficinas foram coordenadas pela equipe social externa, acompanhadas pelos técnicos da
SEHAB (arquitetos e assistentes sociais).
O “Mapa dos Afetos” foi uma atividade utilizada nas oficinas a partir de um mapa das ruas
num tamanho ampliado (2:00x1:00m), com o relevo do lugar e a localização de alguns
equipamentos de tal forma que os participantes pudessem fazer a leitura das ruas, identificar
o seu bairro, os equipamentos existentes (escolas, posto de saúde, etc.) e os lugares a serem
trabalhados. Tal proposta teve como finalidade capturar a dinâmica vivenciada nos bairros,
os aspectos territoriais, situacionais e edificados, como afetam e são percebidos pelos
moradores. A tônica da execução da atividade pauta-se na questão: “O que nos afeta?” Ao
mesmo tempo, joga com um duplo sentido, pois o que nos afeta também está imbricado
numa teia de afetos.
Figura 5 - Os moradores trabalhando no mapa das ruas (MENDES, 2011).

Fonte: Dados do autor.

Essa atividade foi utilizada em todas oficinas, pois funcionou como um diário dos registros
das discussões e ações propostas no processo. O Mapa dos Afetos mobilizou os participantes
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 141

a reconhecer seu território, a estudá-lo em escalas, a visualizar as demandas do seu bairro e


dos outros microterritórios, os modos de locomoção, o adensamento, as áreas verdes, entre
outros. Essa forma de contato com o espaço vivido proporcionou um diálogo diferenciado
sobre as questões do território.

Passeio Comentado6 e Registro Fotográfico


Uma caminhada a pé pelo território foi outro procedimento utilizado para mobilizar
os moradores a rever o bairro e suas problemáticas. Foram disponibilizadas máquinas
fotográficas para os que não as possuíam, solicitando-se que registrassem em fotos cenários
e situações que os afetassem tanto positiva como negativamente (de uma casa, do lixo,
do rio, de um habitante, de uma árvore, etc.). Os moradores escolheram o caminho a ser
percorrido, desvelaram suas percepções sobre o território/bairro “vivido”. Cada grupo foi
acompanhado por um técnico da equipe7, estimulando-os com perguntas sobre as ruas,
o lixo, os córregos, o transporte coletivo, as áreas de risco; buscando nas respostas outras
referências do ambiente vivido.
Figura 6 - Moradora fotografando o bairro no passeio (MENDES, 2011).

Fonte: Dados do autor.

Retrato do Lugar
Mais um procedimento foi adotado, uma atividade lúdica com as fotografias tiradas
pelos moradores no passeio, chamado de Retrato do Lugar. Essa atividade consistiu na
desconstrução do bairro e na construção de um bairro possível. Esse retrato foi feito pelos
142 Gestão Social Urbana

participantes durante várias oficinas nas quais se discutiam e faziam várias intervenções
acerca de um bairro possível, colocando suas aspirações e proposições. Entre elas, o desejo
de transformar as margens do rio em parque linear com ciclovias, novas áreas de lazer e
muito verde em todo o território.
Figuras 7 - Os participantes recortando as fotos e montando um bairro desejado (MENDES,
2011).

Fonte: Dados do autor.

Foram registradas todas as alterações feitas pelos participantes, durante cada oficina, numa
cartolina verde, onde eram colocadas e retiradas as fotografias recortadas, a partir de uma
dinâmica reflexiva. Esse processo foi inteiramente fotografado; ao todo foram tiradas
mais de 400 fotografias editadas em um stop motion (um filme montado a partir de várias
fotografias) com uma duração de 2’:23’’.
Figura 8 - Os moradores marcando as áreas de risco (MENDES, 2011).

Fonte: Dados do autor.


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Maquete do Bairro
A maquete da região, feita pelos técnicos da SEHAB, foi outro instrumento utilizado nas
oficinas, para analisar a topografia do lugar, os atalhos e as áreas de risco. Foi trabalhada
com eles, a percepção sobre as áreas de risco, a troca de informações sobre a região, sobre
a dinâmica das águas em época de alagamento, as questões vivenciadas no território e os
recursos utilizados por eles no enfrentamento (as áreas que costumam alagar na época de
chuva e os terrenos baldios que servem de descarte de lixo clandestino, a falta de água, etc.).

Cartografia do Lugar
A Cartografia do Lugar foi outro procedimento adotado nas oficinas, atividade lúdica que
consiste na história em pontos para trabalhar a percepção e as questões cristalizadas. A partir
de um tecido de algodão de 2:00x1:60 m, os participantes foram convidados a desenhar
um mapa afetivo do lugar, colocando referências afetivas e espaços que eles gostariam que
tivessem no bairro (parque linear nas margens do rio). Para tal, foram fornecidos, pelos
técnicos da equipe, retalhos, tintas, fitas, botões.
Figura 9 - O mapa afetivo bordado por eles (MENDES, 2011).

Fonte: Dados do autor.

O Processo nas Oficinas


Apesar de possuir muitas informações sobre o território a ser trabalhado e conhecer o plano
municipal de urbanização do Cabuçu de Cima fornecidos pela SEHAB, a equipe técnica
não conhecia a dinâmica do território, a utilização de atalhos pelos moradores do bairro foi
144 Gestão Social Urbana

uma informação descoberta nas oficinas.


Segundo Santos (1999), um território é um determinado espaço vivenciado ou não, formado
por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório de sistemas de objetos e
ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá.
Ainda para ele (SANTOS, 2002), cada indivíduo tem uma maneira específica de apreender
e avaliar um determinado espaço, pois isso é resultante da sua vivência cotidiana.
Augoyard (1979), por sua vez, coloca que habitar é qualificar de maneira vivida um espaço
e um tempo singular. Dessa forma, buscar soluções para um determinado espaço urbano
exige conhecê-lo, não só como um espaço físico, mas como um espaço de interações sociais.
Significa conhecer como os diferentes grupos sociais (moradores, comerciantes, educadores,
garis, etc.) o configuram e apropriam-se dele; como qualificam esse espaço; como refletem,
apreendem e interpretam as questões sociais que perpassam sua vida (precariedade da
infraestrutura e dos serviços públicos, áreas de risco, etc.).
Em função dessas questões, a dinâmica das oficinas foi ditada pelos moradores e o processo
pedagógico foi pensado a partir das demandas emergentes nas oficinas, de modo que eles
se sentissem os protagonistas principais nesse processo. Esse protagonismo não foi feito
com tutela, mas com trocas horizontais entre conhecimentos vividos, fruto da experiência e
conhecimentos técnicos acumulados e sistematizados.
Desde a primeira oficina, tratou-se de deixar clara a proposta de trabalho grupal (objetivos
e resultados esperados): formulação de propostas para o plano de urbanização do território.
Embora os moradores tenham apresentado certa descrença com relação a processos dessa
natureza (possuíam já uma trajetória de lutas e vocalização sem escuta), dispuseram-se a
realizá-los, não querendo desperdiçar essa oportunidade.
Iniciou-se pelo reconhecimento do território realizado pela via do Mapa dos Afetos exposto,
partindo da localização da moradia de cada participante e discutindo a mobilidade e a
circulação no microterritório. Os atalhos utilizados pelos moradores foram uma das grandes
surpresas dos técnicos urbanistas, mais acostumados a pensar a mobilidade através de um
sistema de infraestrutura. Dinâmica que foi incluída no projeto do plano de urbanização do
bairro em desenvolvimento.
O mapeamento das atividades deles no bairro, despertou a atenção dos moradores sobre
o mesmo. Ao localizar no Mapa dos Afetos suas moradias, os trajetos percorridos no
microterritório diariamente, essa atividade permitiu-lhes a troca de informações e refletir
sobre as questões do bairro.
A temática “o reconhecimento do território”, trabalhada na segunda oficina, mais uma vez,
destacou os moradores como atores e narradores principais: suas percepções sobre o território
eram fundamentais para conhecermos o “bairro vivido”. A etapa seguinte, de escolher um
percurso pelo bairro, foi definida por eles. Durante essa caminhada junto dos moradores,
foram formuladas e lançadas questões a fim de guiar a reflexão sobre a dinâmica do bairro:
mobilidade, acessibilidade e percepção do lugar. A caminhada, que atravessava um pequeno
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 145

trecho do bairro, revelou a importância dos atalhos no microterritório. Esses eram a forma
que os moradores encontraram para circular a pé no bairro (andar de ônibus, além de ser
caro, é demorado), sendo muitos dos acessos precários, sem degraus ou iluminação.
Outra questão percebida pelos técnicos foi o sentimento presente de pertencimento
e solidariedade; todos se conheciam e se ajudavam. Os participantes disseram que uma
das melhores condições do bairro era o relacionamento construído entre eles, sendo que a
maioria mora ali há mais de vinte anos, e que vivenciaram toda a formação do bairro. Apesar
da deficiente rede de equipamentos públicos (escolas, creches, hospitais, etc.) e da precária
infraestrutura urbana, os participantes, durante o percurso, expressam uma preocupação
maior com a ausência de áreas verdes e de lazer no bairro, bem como com a preservação da
Serra da Cantareira.
Após o passeio, os participantes registraram o percurso, suas impressões e colaram objetos
colhidos (flores, frases, etc.) no Mapa dos Afetos.
Figura 10 - Trabalhando no Mapa dos Afetos, as referências colocadas pelos moradores
(MENDES, 2011).

Fonte: Dados do autor.

Na terceira oficina, momento em que se realizou a reflexão sobre o território, foram utilizadas
as fotografias da caminhada e outras trazidas pelos moradores. Foram colocadas todas as
fotos numa mesa e solicitado que escolhessem três fotos e discutissem em grupo os temas
propostos em três questões sobre o bairro: O que eu transformaria? O que eu manteria no
bairro? O que não pode mais haver no bairro?
Solicitou-se então que respondessem as questões por escrito e também apresentassem
as fotos escolhidas, o porquê da escolha e, em seguida, que as colocassem no mapa onde
achassem melhor sua inserção. As respostas assemelharam-se: o foco foi o saneamento
146 Gestão Social Urbana

básico, as áreas de risco, a segurança, melhoria nas casas, área de lazer, preservação da Serra
da Cantareira, escolas de ensino médio, hospital, posto de saúde, ausência de calçadas, entre
outros. Das respostas apresentadas, a que mais chamou a atenção foi a preocupação com a
Serra da Cantareira e a ausência de verde no bairro, ressentem que o bairro é ausente de cor,
considerado cinza por eles.
As áreas verdes e a Serra foram o quê os três grupos concordaram em manter no bairro.
Outra questão que chamou atenção foi a de um grupo que manteria as casas do jeito que
elas estão, apesar do tamanho e da precariedade das instalações e ausência do verde, tão
valorizado por eles. A casa não é um espaço qualquer, é um lugar de experimentação de
emoções, onde as histórias afetivas ocorrem e se constroem as relações (TUAN, 1983).
Para aprofundar a reflexão, foram apresentados aos participantes os demais instrumentos:
a Cartografia e o Retrato do Lugar. Colocou-se em duas mesas os materiais de cada
instrumento: as cartolinas e as fotografias para fazer o Retrato do Lugar, o tecido, retalhos e
linhas para fazer a cartografia. Explicou-se o significado de cada instrumento e foi solicitado
ao grupo escolher um deles, em qual gostaria de trabalhar: no Mapa dos Afetos, Retrato do
Lugar ou Cartografia do Lugar.
As mulheres, enquanto maioria, ficaram vidradas pela cartografia e começaram a escolher os
panos e a proposta a ser desenvolvida, tanto que os outros grupos acabaram ficando menores.
Dessa forma, a cartografia precisou de pouca orientação: os moradores apreenderam
rapidamente a ideia e começaram construindo em volta do rio um parque linear e uma
ciclovia gerando mais uma proposta a partir de uma modalidade amplamente utilizada para
se locomover no bairro.
Figura 11 - As mulheres trabalhando na cartografia (MENDES, 2011).

Fonte: Dados do autor.


© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 147

Figuras 12 e 13 - Os moradores registrando as questões do bairro e criando uma legenda de


leitura no Mapa de Afetos (MENDES, 2011).

Fonte: Dados do autor.

A escolha do Mapa dos Afetos foi feita pelos participantes mais articulados politicamente.
Iniciaram construindo uma legenda: rota do seu cotidiano (escola, comércio, trabalho, etc.),
lugares para transformar, lugares de convívio, áreas de lazer, serviços de apoio (ONGs,
serviços públicos, etc.). Os participantes se envolveram e se debruçaram no mapa iniciando
148 Gestão Social Urbana

primeiro a rota do cotidiano e a área de lazer. Foi muito interessante vê-los descobrindo o
percurso diário, discutindo entre si onde poderia ser um lugar de lazer ou escola em áreas
que se apresentavam vazias. Outras áreas para os equipamentos eram eles que informavam
à equipe técnica da SEHAB, áreas que os técnicos desconheciam a disponibilidade. A
preocupação com a Serra da Cantareira volta a aparecer, pontuam a fragilidade da vigilância
sobre ela, das invasões clandestinas no mapa. Conversam com os técnicos da SEHAB sobre
as áreas que poderiam ter um jardim, uma praça, apontam áreas que, apesar de pertencerem
tanto à SABESP como à CESP, são faixas de servidão.
Figuras 14 e 15 - Os recortes e as montagens (MENDES, 2011).

Fonte: Dados do autor.


© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 149

Para o Retrato do Lugar foram dispostas cartolinas de várias cores para que o grupo
escolhesse uma delas como fundo do retrato. Aqui aparece o verde, mais uma vez, como a
cor preferida. Essa atividade teve duas funções: uma, fazer uma reflexão/ desconstrução e
reconstrução do bairro e um stop motion (uma animação de fotografias de curta duração)
do processo, para ser apresentado na Bienal. Foi solicitado aos membros do grupo que
recortassem as coisas de que mais gostavam nas fotografias espalhadas na mesa (o ipê, o
rio, as pessoas, crianças, etc.) e, com esses recortes, montassem um retrato do bairro. Essa
atividade durou 4 oficinas.
Figura 16 - As frases formando um trajeto no mapa (MENDES, 2011).

Fonte: Dados do autor.

Com os recortes em mãos, eles iam montando uma história do bairro. Por ser um exercício
para pensar sobre o bairro, as fotos só foram coladas na última oficina. Esse processo de
escolher as fotos, recortá-las, colocá-las na cartolina, retirar, trocar, colocar um recorte sobre
o outro e discutir no grupo levou-os a refletir  a potencialidade dos lugares e o que eles
queriam para o bairro. Essas configurações feitas com os recortes de fotografia foram sendo
modificadas ao longo das oficinas e formaram uma história do lugar. Esse processo foi
fotografado (mais de 400 fotos) e no final foi feito um filme - stop motion - de 2:33 minutos.
Todos adoraram o filme, pois identificaram o cotidiano vivenciado, mais colorido e mais
bonito. No final das oficinas, todos os participantes ganharam um DVD com o filme feito
por eles. Esse filme (stop motion) foi apresentado também na Bienal.
Na continuidade das oficinas, foi reservado um tempo de síntese retrospectiva do processo
realizado, pedindo que escrevessem frases e depois as fixassem em forma de um trajeto
no Mapa dos Afetos. As discussões sobre os problemas no bairro foram produtivas; os
participantes introduziram novas informações pesquisadas no intervalo de cada oficina,
perceberam o quanto caminharam na troca de informações e na construção do conhecimento
150 Gestão Social Urbana

sobre o bairro. No final dessa reflexão, foi solicitado aos participantes que escrevessem, para
a próxima oficina, sobre a sua história de vida no bairro, as histórias seriam compartilhadas
nas oficinas.
Na quinta oficina, a temática foi a percepção de risco dos participantes: qual era o nível de
informação e de entendimento que eles possuíam das situações de perigo no bairro. Esse
encontro iniciou-se com a leitura da história de vida escrita por uma das participantes,
solicitada na oficina anterior. A moradora apresentou sua trajetória pessoal, iniciada no
bairro em 1982. Retoma, em sua história, a formação do bairro partilhada por muitos dos
presentes: a ocupação de áreas; a ausência de saneamento básico e equipamentos públicos;
as enchentes, as conquistas feitas (água e luz no bairro e nas favelas). Não percebia relação
de risco nas enchentes vivenciadas no passado; passa a considerar área de risco as áreas dos
morros depois que a prefeitura fez o alerta, há pouco tempo. Teve dificuldade de acreditar,
pois nunca a Prefeitura tinha se manifestado antes.
A percepção de risco dos participantes sobre as áreas mostrou-se muito próxima das
avaliações técnicas feitas pela SEHAB, revelando o grau de informação e conhecimento
que possuem sobre as questões do bairro. Sabiam que a remoção das casas nas áreas de
risco é necessária, mas não concordavam com a forma como a SEHAB tratava a remoção
das famílias desabrigada, oferecendo R$300,00 de aluguel e o lugar para morar deveria
ser procurado pela própria família. Não ofereciam nenhum acompanhamento ou mesmo
orientação/informação para as famílias quanto à existência de habitações em áreas mais
próximas. Muitos tem que buscar uma outra região para reiniciar a vida, isso significa
fragilizar relações e redes de enfrentamento no seu cotidiano. Essa era uma preocupação de
todos.
Mostram preocupação com as enchentes e, conhecimento de causa, a falta de verde, o
adensamento e a topografia do lugar propiciam que algumas áreas inundem na época das
chuvas. Sinalizam o que pode ser feito: o alargamento ou um coletor no Rio Piqueri, traçam
suas hipóteses e a necessidade de remoção de famílias para outras áreas no bairro.
Na continuidade, o grupo do Mapa dos Afetos teve como missão pontuar as áreas de risco no
mapa e propor ações. Apresentaram várias situações de risco: as habitações no morro perto
do Rio Piqueri, as áreas de enchentes tanto as próximas ao rio como as de fundo de vale para
onde correm as águas, os terrenos baldios que servem de descarte de lixo clandestino, a rota
de droga nos fundos das favelas, a falta de iluminação nas ruas, etc.
Refletiram sobre a necessidade de remoção dos imóveis construídos na margem do Rio
Piqueri e propuseram outra área próxima, onde poderia ser construída as novas residências; a
necessidade do alargamento do córrego e a construção de uma calha de drenagem; a criação
de área verde ao longo das margens do rio; a construção de uma estação de tratamento
de esgoto na Vila Zilda e outra próxima ao CEU Jaçanã. Destacaram igualmente, na área
próxima ao Jardim Filhos da Terra, a necessidade de remanejamento das famílias das áreas
de risco para outra área no bairro, a construção de muro de arrimo para proteger as famílias
remanescentes.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 151

Propuseram também a revitalização de toda a área que passa pela torre de alta tensão, com
projetos de agricultura comunitária; a recuperação da área do CDM que hoje se encontra em
poder da guarda metropolitana. Fizeram a indicação de áreas para as famílias que precisam
ser remanejadas das áreas de risco e indicação de áreas para os serviços públicos necessários
para a região: UBS, hospital, creches, praças. Reafirmaram que a região em que vivem é
carente de serviços de saúde. Apresentaram um projeto (com planta e detalhamento) de
horta comunitária para um terreno baldio hoje utilizado para descarte de lixo clandestino.
Na sexta e na sétima oficina, foram finalizados os produtos com os participantes e os
gestores da Secretaria de Habitação. Foram divididos em três grupos. Cada grupo elaborou
uma pauta para ser discutida nessa reunião sobre o lugar onde vivem: demandas, sugestões
de revitalização urbana, serviços necessários, etc. Um grupo resolveu abordar a questão da
saúde e educação, outro sobre habitação, saneamento e as áreas verdes, outro sobre projetos
que eles já têm para o bairro. Cada grupo elegeu seu porta voz. O grupo de moradores fez
uma lista de convidados, moradores do bairro atuantes nas questões do território. A pauta
do encontro: apresentação do plano de urbanização da SEHAB com as sugestões colhidas
nas oficinas para serem discutidas com os moradores. Discussão do plano e apresentação das
demandas pelos participantes dos grupo.
Na oitava oficina, último encontro, foram convidados vários gestores de várias secretarias
(Saúde, Habitação, Meio Ambiente), consultores nacionais e internacionais (grupo de
holandeses da Bienal) e os escritórios de arquitetura que ganharam a licitação para fazer
o plano. Um total de 80 pessoas. O encontro ocorreu no CIC Norte, no mesmo local
onde foram feitas as oficinas. Iniciou-se pela apresentação de um plano urbanístico para
a área pela secretaria. Havia uma preocupação dos técnicos da SEHAB que os moradores
não conseguissem acompanhar a explanação do plano de urbanização. Contudo, eles não
tiveram problemas de compreensão das inúmeras plantas apresentadas; fizeram perguntas
pertinentes indicando que estavam entendendo tudo. A apresentação dos moradores, por
sua vez, deixou todos os gestores impressionados com a fluência argumentativa e com os
dados apresentados que seriam impossíveis de se prever pelo projeto técnico.

Resultados Substantivos
A população detém um saber vivido, decorrente de aprendizados acumulados em suas
trajetórias de vida urbana, sabendo se valer dele para diagnosticar e propor. Esse saber é
imprescindível na formatação de projetos urbanísticos e habitacionais. No entanto, essa
ação nem sempre ocorre, seja pela presunção do conhecimento técnico que os profissionais
da produção urbana detêm, e que desqualifica o saber vivido dos moradores do território;
seja porque não se sabe buscar a adesão da população. Os moradores são competentes na
produção de um diagnóstico urbano social quando há espaço para fruição e intercâmbio
entre conhecimento vivido e conhecimento técnico.
Quando a população vivencia um processo participativo horizontal (democrático) com
técnicos e gestores da política pública, ela é capaz de contribuir significativamente nas
152 Gestão Social Urbana

proposições da política urbana. As oficinas permitiram a produção coletiva e evidenciaram


a capacidade de interlocução igualitária de propostas a serem incluídas no projeto
de urbanização do bairro. E, sobretudo, fortaleceram as relações entre os moradores,
reconstruindo uma rede social local.
O processo realizado revelou claramente as interfaces entre um programa habitacional e as
demandas de inclusão dos moradores na cadeia produtiva; permitiu reconhecer inúmeras
oportunidades até então obscurecidas no cotidiano de vida. Nessa produção coletiva, ocorreu
um processo de negociação social da maior importância: um canal de escuta de mão dupla,
a troca de informações e experiências entre moradores e técnicos. Quase sempre os técnicos
apresentam-se defensivos ou pouco abertos a uma negociação social, a qual é cada vez mais
necessária para se enfrentar/dirimir conflitos na condução das mudanças urbanas.
A negociação social tem sempre caráter multidimensional; a reflexão religa interfaces entre
as diversas dimensões do viver urbano: trabalho, mercado, educação, saúde, qualidade de vida,
meio ambiente, entre outros, de tal modo que não é possível pensar a habitação descolada
de uma proposta integrada. A negociação social faz-se presente por tempo indeterminado
desde antes do empreendimento até seu final. As relações e experiências vivenciadas nas
oficinas fortaleceram o grupo e produziram uma rede organizada no local para pensar a
produção do território.

Considerações Finais
Todo e qualquer planejamento urbano feito com a comunidade tem mais condições de
ser efetivo à medida em que conjuga as demandas e as dinâmicas do ambiente vivido,
propiciando o engajamento dos moradores na construção do futuro de seu bairro. Permite
também a mudança de percepção dos urbanistas sobre a potencialidade das áreas periféricas
quando interagem com a comunidade e vivenciam mais de perto o território.
Explorar o território por meio de oficinas reflexivas-propositivas foi uma estratégia acertada.
A metodologia utilizada nas oficinas permitiu desvelar a particularidade das questões
urbanas no microterritório. Assegurou:
yy Espaço de reflexão e empoderamento dos moradores, levando-os a articular e
repensar o território coletivamente;
yy Espaço de conhecimento da dinâmica do ambiente vivido pelos moradores e pelos
técnicos urbanistas;
yy Espaço de diálogo entre os dois saberes: dos técnicos e dos moradores, permitindo
conhecer as demandas e proposições dos moradores para determinadas áreas no
microterritório;
yy Espaço de acolhimento dos desejos coletivos;
yy Espaço de integração e articulação das redes sociais locais.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 153

O saber-fazer social na intervenção pública faz-se no entrelaçamento de redes alimentadas


por fluxos contínuos de conhecimento, informação e interação. Movimenta processos e ações
multidimensionais; potencializa o agir público, porque retira cada ação do seu isolamento e
assegura uma intervenção agregadora, totalizante e inclusiva.
Nenhuma negociação social ocorre sem insumos. Neste projeto, consubstanciado em
diálogo nas oficinas, deu-se aos moradores os insumos necessários (motivação, informações,
escuta, troca, protagonismo, resolutividade possível, confiança e uso de recursos. tais como o
Mapa dos Afetos, a Cartografia do Lugar, a pesquisa em campo, ...) a um debate qualificado,
perspectivando o coletivo e o território como um todo. Não mais uma reação de resistência
subserviente, desapossada de informações e de debates reflexivos prévios.

NOTAS
1 O desenho e a coordenação dessa negociação por meio das oficinas foi feito pela equipe social
externa, contratada para esse fim. Essa equipe foi composta por duas assistentes sociais e
uma artista plástica. A coordenadora dessa equipe foi a Prof. Dra. Maria do Carmo Brant de
Carvalho.
2 Os planos de Ação Integrada fazem parte da proposta de planejamento urbano pensada pela
SEHAB.
3 Os programas municipais PROMORAR (retirada de famílias de favelas para um novo
loteamento, com terrenos de meio lote 6/12m2, com habitações de 43m2 para serem concluídas
pelos proprietários) e PROPERIFERIA (a regularização dos loteamentos clandestinos, com
a introdução de meio lote (6 por 12m2) e a introdução de equipamentos sociais e áreas verdes
nos projetos regularizados). Esses programas foram desenvolvidos na administração Reinaldo
de Barros, 1979-1983.
4 CIC-Norte - Centro de Integração da Cidadania – Secretaria da Justiça e da Cidadania –
Governo do Estado de São Paulo.
5 Os instrumentos foram desenhados pela equipe social externa, especialmente para este projeto,
a partir da demanda da Secretaria e da Bienal (esta queria produtos para serem expostos).
Partiram de suas referências e experiências profissionais.
6 Metodologia utilizada por Thibaud ( 2004) para capturar as ambiências urbanas vivenciadas
pelos habitantes in loco.
7 Uma técnica da equipe social externa que coordenava a atividade e um técnico (arquiteto) da
equipe da SEHAB como observador.

REFERÊNCIAS
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urbain Paris: Éd. du Seuil, 1979.
CARVALHO, M. C. B. Desenvolvimento Social e o Impacto nas Políticas Públicas.
Conferência CEPAM, São Paulo, 2010.
154 Gestão Social Urbana

MARCATTO, F. S. A participação pública na gestão de área contaminada: uma análise


de caso baseada na Convenção de Aarhus. 2005. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de
Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
MENDES, P. B. M. T.; PAGANINI, W.; AMARAL E SILVA, C. C.; QUEVEDO, C.
M. G. Audiências públicas: limites e possibilidades nos processos decisórios. In: GALVÃO
JUNIOR, A. C.; XIMENES, M. (Coord.). Regulação: Controle social da prestação dos
serviços de água e esgoto. Fortaleza: ABES/ABAR, 2007.
MENDES, Patricia B. M. T. Gerenciamento do risco em habitações precárias: percepções,
novas ambiências, novos ambientes. São Paulo: Editora Annablume, 2011.
PEREC, Georges. Espèces d’espaces. 2ª edição. Paris: Éd. Galilée, 2000.
SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova. São Paulo: EDUSP, 2002.
____________. A Natureza do Espaço. São Paulo: HUCITEC, 3ª ed., 1999.
Teixeira, R. R. Acolhimento num serviço de saúde entendido como uma rede de
conversações. In: Pinheiro, R.; Mattos, R. A. (Org.). Construção da Integralidade
– cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: IMS-UERJ/ABRASCO, 2003.
TIXIER, Nicholas. Morphodynamique des Ambiances Construites. 2001. Tese
(Doutorado) - École d’Architecture de Grenoble, França, 2001.
THIBAUD, Jean-Paul. Une approche pragmatique des ambiances urbaines. In:
AMPHOUX, P.; THIBAUD, Jean-Paul;CHELKOFF, G. (Org.). Ambiances au débats.
França: Editions À la Croisée/ CRESSON, 2004.
______________. O ambiente sensorial das cidades: para uma abordagem de ambiências
urbanas. In: TASSARA, E.; RABINOVICH, E.; GUEDES, M. C. (Org.). Psicologia e
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TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência, São Paulo: DIFEL, 1983.
VARGAS, Heliana C. Qualidade ambiental urbana: em busca de uma nova ética. In: VII
Encontro Nacional da ANPUR, 1999, Porto Alegre. Anais... .
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 155

Maria do Assistente Social, doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade


Carmo Brant Católica de São Paulo (PUCSP) e pós-doutorada em Ciência Política
de Carvalho pela École des Hautes Études em Sciences Sociales de Paris. Professora
aposentada no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUCSP.
Consultora de Projeto Sociais.

Patricia Assistente social, doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública
Brant da Universidade de São Paulo (USP), pós-doutora em Sociologia Urbana
Mourão pelo Laboratoire Cresson-CNRS, França, pesquisadora colaboradora do
Teixeira Centro de Memória da UNICAMP.
Mendes
156 Gestão Social Urbana

Foto: Helio Filho


s e t . /d e z . 2013
v.2n.3 p .157 -177
ISSN: 2317-2428
copyright@2013
www.rigs.ufba.br

Performance and Development: Some Reflections


on the Relationship Between Theatre, Community
and Social Change
Dan Friedman

Abstract A version of this paper was originally written in 2004 to be studied by volunteer
teaching artists working with the Youth Onstage! Community Performance
School in New York City. Youth Onstage!, which recruits its participants
from New York City’s poorest neighborhoods, is a youth program of the
All Stars Project, Inc. (ASP) and grows out of the Castillo Theatre. It was
meant to introduce these teachers to the history and methodology of these
organizations. This is essentially a subjective, experiential paper, a reflection,
by an active participant, on 30 years of community organizing, theatre
making and discovery. It unpacks some of the history and practice—along
with the self-study and reflection—that has gone into building the Castillo
Theatre and some of its sister organizations in the United States. Although
the experience it describes has been informed by theory (in particular, that
of Karl Marx, Lev Vygotsky, Fred Newman and Lois Holzman), it is not
a theoretical or research paper, and makes no claim to being a scholarly or
objective work. To the extent it has been researched, the research consists
primarily of what has come to be called “participatory research.” As such, its
stance is clearly subjective—and the gaze of that subjective stance is itself
somewhat variable. The first person plural “we” that is used throughout
sometimes refers to the author, sometimes to the Castillo Theatre where he
now serves as artistic director, sometimes to the All Stars Project, and, most
often, to the larger network of organizations and activities that calls itself the
“development community,” of which Castillo and the All Stars are a part. In
the end, the views expressed here are those of the author and are not meant
to represent the institutional views of either Castillo or the All Stars.

Keywords Performance. Community. Development. Alienation. Practical-Critical


Activity.
158 Performance and Development

Resumo Uma versão deste artigo foi originalmente escrita em 2004, para servir na
capacitação de professores/artistas voluntários, que trabalhavam junto ao
projeto “Youth Onstage!” ( Jovens no Palco!) da Escola Comunitária de
Performance em Nova Iorque. “Youth Onstage!”, o qual recruta os seus
participantes nos bairros mais pobres de Nova Iorque, é um programa para
jovens do “All Stars Project, Inc.” (ASP) e nasce da extensa experiência do
Castillo Theatre (Teatro Castillo). O artigo foi concebido para introduzir
esses professores à história e metodologia dessas organizações.
Trata-se, em sua essência, de uma contribuição experiencial e subjetiva,
baseada na reflexão e nas descobertas de um participante ativo de trinta
anos de organização de teatro comunitário. Ela revela um pouco da
história e da prática, junto com o autoestudo e reflexão, que alimentam
a construção do Teatro Castillo e de algumas de suas organizações irmãs
nos Estados Unidos. Embora a experiência que ele descreve seja informada
pela teoria (em particular, a de Karl Marx, Lev Vygotsky, Fred Newman e
Lois Holzman), não é um trabalho teórico e não tem pretensão de ser um
trabalho acadêmico ou objetivo. Na medida em que tem sido pesquisado,
o que apresentamos consiste basicamente no que veio a ser chamado de
“pesquisa participativa”. Como tal, a sua abordagem é claramente subjetiva
e os pontos de vista assumidos, dentro dessa abordagem, são também um
pouco variáveis. Assim, a primeira pessoa do plural “nós”, que é usada ao
longo do texto, pode se referir ao autor, ao Teatro Castillo onde ele agora
atua como diretor artístico, ou, por vezes, ao “All Stars Project”; na maioria
das vezes, refere-se à maior rede de organizações e atividades que se
autodefine de “comunidade de desenvolvimento”, da qual o Castillo e o All
Stars Projects são partes. As conclusões tiradas no final pertencem ao autor
e não representam a visão institucional do Castillo Theatre ou do All Star
Project.

Palavras-chave Performance. Desenvolvimento. Comunidade. Alienação. Atividade


Prático-Crítica.

Performance as Everyday Activity


While the Castillo Theatre has a 30-year history as a community-based experimental
political theatre and recognition in the theatre world, it is also the case that both Castillo
and its performance training school, Youth Onstage!, are programs of a larger international
non-profit organization, the All Stars Project (ASP). The ASP has sponsored experimental
theatre and performance-based development programs for youth and adults for over three
decades. All Stars offers a wide range of programs that include hip-hop talent shows,
training in theatre and the arts, and programs partnering with the business community to
help young people become more worldly. The All Stars approach to human development,
as will be unpacked here, utilizes performance and play to help young people, their families
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 159

and their communities to create new possibilities.


The All Stars Project takes no government money. Approximately 75% of its operating
budget comes from donations from thousands of individuals, who have been joined in
recent years by hundreds of corporations and dozens of foundations. The ASP’s independent
model of private sector funding has emphasized individual giving and the involvement of
affluent professionals in program and community building activities that are focused on
the development of poor youth and communities. It has allowed ASP to generate artistic
and educational innovation and to approach community-building and theatre-making as
a unity.
Many of those, including the author, who played significant roles as decades-long builders
of the projects that make up the All Stars Project Inc. — the Castillo Theatre, Youth
Onstage!, the All Stars Talent Show Network, the Development School for Youth, the
Talented Volunteer Program, Operation Conversation: Cops & Kids and UX — came to
this work as progressive political organizers, as grassroots activists who believed that, to be
effective changers of the world, we also had to change ourselves. Thus, from the beginning,
we were as interested in psychology and culture as we were in the traditional activities
classified as “political.” We believe that human beings and the world are inseparable and
need to be engaged as a unity.
The methodological/theoretical breakthroughs discussed here are, essentially, the work of
the late Fred Newman who provided creative, intellectual and political leadership to the
building of the “development community.” Newman was born to a poor Jewish working
class family in the Bronx, New York City, in 1935. He went on to earn a doctorate in the
philosophy of science and the foundations of mathematics from Stanford University, and to
teach philosophy in a number of U.S. universities until 1968 when he left the academy to
devote himself full-time to grassroots community and political organizing. Over the next
four decades, he was involved in welfare organizing, trade union organizing, independent,
left-of-center electoral politics, and developed social therapy, a non-psychological,
performatory approach to therapy which is practiced at a network of social therapy centers
and individual practitioners in a number of cities around the United States (as well as at the
Fred Newman Center for Social Therapy in Juarez, Mexico) and has influenced educators,
social workers, and other helping professionals all over the world. He also was the artistic
director and playwright-in-residence of the Castillo Theatre from 1989 to 2005, during
which time he shaped the theatre and the understanding of performance and development
discussed here.
From the outset, the major concern of Newman and those who worked with him was, and
remains, human development and addressing the impact of economic, social and cultural
underdevelopment. We were, and are, working to find ways to empower ordinary people
to grow individually and collectively. In this concern, we are of the “Left.” We are also of
the Left historically. Most of the All Stars’ founders emerged from the mass movements
of the 1960s and ’70s — the civil rights, anti-war, women’s, gay, Black Power and socialist
movements. We remain radical in that we think fundamental change is necessary if human
160 Performance and Development

development is to remain possible. On the most basic level, we, in the development
community, have come to understand development as the activity of being able to see new
possibilities and having the willingness (and support) to act on them. Performance, as we
understand it, is what makes it possible to go from here to there. When performing, we are
who we are (because we can’t help but be who we are) and at the same time, we are who we
are not, who we are becoming.
Thus, our efforts to create a more democratic, developmental society, to transform what
it means to be human, to develop, have led us to performance. For us, performance is not
primarily an artistic category, although it can be done beautifully. It is better understood,
we believe, as a sociological or anthropological or (as I hope to demonstrate) revolutionary
activity. Performance is not a rarified craft requiring special training (acting), nor is it
institutionally limited to the stage (theatre, film, television). It can be done by any of us;
it is a day-to-day activity with the potential to be transformative of day-to-day life. We
understand performance to be the universal human capacity to be both who we are and
who we are not at the same time. It is this ability, we believe, that allows human beings to
develop beyond instinctual and patterned behavior.
This understanding of performance, while extremely radical in its implications, is not totally
unprecedented. The anthropologists Arnold van Gennep, at the turn of the last century,
and building on his work, Victor Turner and Brian Sutton-Smith, working at mid-century,
identified performance as an activity that could result in individual and social change. They
called it “liminal” activity, that is, activity that passes through (or beyond) the threshold of
traditional or conventional behavior.
Van Gennep (1960) first noticed this liminality in the performatory rituals that usually
accompany social changes in tribal societies (from peace to war, change of season, etc.), as
well as socially recognized transformations in individual lives (from child to adult, single to
married, etc.).
Turner expanded the concept of the liminal (he called it liminoid) to explain what he
called “social drama,” that is, the transformative activities of social groups, whether they be
inter-clan disputes in tribes or revolutions in modern nation-states. Turner (1957, 1969,
1974, 1984a, 1984b) identified performance as that activity which allowed social groups to
go beyond established relations and old ways of doing things. Sutton-Smith emphasized
the inherent subversiveness of performance. He suggested that individuals and groups had
much to learn from the “disorderliness” of performance, which he called “the source of new
culture” (Sutton-Smith, 1972).
Starting in the mid-1970s, this group of anthropologists, particularly Turner, began to have a
significant impact on theatre researchers, prompting them to look at performance outside of
the theatre. This movement, in which Richard Schechner (1977, 1985) has played a key role,
has led to the development of performance studies as an academic discipline distinct from
theatre history and dramatic theory. Both anthropology and performance studies continue,
however, to view performance as a special category of human life, studying performance
in sports, weddings, political rallies, etc. — but not, for the most part, examining it within
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 161

day-to-day life or linking it with human development.


The centrality of performance in everyday life was first pointed out by Nicolas Evreinoff
(1879-1953), a Russian actor, director, playwright, composer, musician and theorist.
Evreinoff was a supporter of the Bolshevik revolution and directed many of the “Mass
Spectacles” staged in the early years of the revolution, which involved thousands of ordinary
people reenacting recent (and not so recent) historical events. In his book, The Theatre in
Life, published in 1927, Evreinoff identified performance (which he called “theatricality”)
as a human instinct that allowed for transformation.
“Man has one instinct about which, in spite of its inexhaustible vitality, neither history nor
psychology nor aesthetics have so far said a single word,” wrote Evreinoff.
I have in mind the instinct of transformation, the instinct of opposing to im-
ages received from without images arbitrarily created from within, the instinct
of transmuting appearances found in nature into something else, an instinct
which clearly reveals its essential character in the conception of what I call the-
atricality[…]The instinct of theatricalization which I claim the honour to have
discovered may be best described as the desire to be ‘different,’ to do something
that is ‘different,’ to imagine oneself in surroundings that are ‘different’ from the
commonplace surroundings of our everyday life. It is one of the mainsprings of
our existence, of that which we call progress, of change, evolution and develop-
ment in all departments of life. We are all born with this feeling in our soul, we
are all essentially theatrical beings (EVREINOFF, 1927).

While Evreinoff implied a connection between performance and development, his writings
are anecdotal and romantic. A more systematic look at the role of performance in human
development comes not from the theatre, but from the research of Russian psychologist
Lev Vygotsky (1896-1934), a contemporary of Evreinoff. Among his many important
discoveries, Vygotsky noted that infants and young children develop by performing. They
learn language and all the other social skills that constitute being human by creatively
imitating the adults and older children around them, in Vygotsky’s words they perform “a
head taller than they are.” (VYGOSTSY, 1978, p. 102).
It was Vygotsky’s discovery of the link between performance and development that was
the most direct and important influence on Newman’s approach to performance. All of
development community’s work — in psychology, culture and electoral politics — taught
us that adults could continue to develop if they continued to find ways of performing
“a head taller than they are.” We also learned quickly that performance was much more
difficult for adults than for babies and small children. Newman noted a dilemma that
Vygotsky never directly grappled with — the fact that, although performance was necessary
for basic socialization, successful socialization in our society led to the end of performance.
As soon as we learn how to perform in ways appropriate to our gender, class and ethnicity
we are pressured (by the very caretakers who at first encouraged performance, indeed who
performed with us) to stop playing/performing. We are told to “act our age,” to “grow up,”
to “act like a young lady,” etc. Except for the tiny handful who become professional actors,
162 Performance and Development

most of us stop performing, and hence stop developing, by early adolescence. (Actors are
supposed to only perform on stage; off-stage their behavior is as prescribed as anyone else’s.)
“A lot of what we have learned (through performance) becomes routinized and rigidified
into behavior,” writes Lois Holzman in a 1997 article in Special Children. (It is Holzman,
a developmental psychologist, who introduced the work of Vygotsky to Newman and the
development community.) “We become so skilled at acting out roles that we no longer keep
creating new performances of ourselves. We develop an identity as ‘this kind of person’ —
someone who does certain things and feels certain ways” (HOLZMAN, 1977, p. 33).
The kind of people we become are, among other things, alienated individuals within a social
framework upon which we apparently have no significant impact—most of us never even
question that the world we live in might, in fundamental ways, be changeable. The early
21st century alienated individual has become a passive object (as distinct from an active
subject) in our social narrative. S/he behaves (and feels) within the context of a ready-made
discursive setting, a setting that by its very nature is in the service of those in power.
This passive behavior is, of course, non-developmental. As long as we “behave ourselves”, we
are trapped as atomized individuals in basically unchanging roles, fossilized performances,
that have been pre-determined for us over the last 500 years of history, and before.
By passive, I do not necessarily mean non-violent or non-aggressive. The passivity I refer to
is relative to the framework of the social structure. Some prescribed social roles, for example,
those given to young Black men in America today, are “written” to be aggressive and violent.
The aggression however is internally directed — internal to the individual, his immediate
community, or others from the broader society — it is not directed at established social
relations. Today’s “thug”, unlike the Black revolutionary of 40 years ago, is no threat to the
status quo.
Given the intense alienation and relative stasis of this moment in history, performance, we
are convinced, has become the only way out of the trap of alienated (socialized, dead-in-life)
behavior. Here is where the connection between performance and social transformation
begins to become evident.

Performance as Revolutionary Activity


To understand the connection between human development and performance, it is useful
to ask: what/who are we when we perform?
When we perform, we are someone in-between who we are/were and who we are not (yet);
we are becoming. It is in performance that our existence not as things (fixed, static, self-
contained) but as activity (moving, changing, relational) is clearest.
Human life as transformational activity was first clearly articulated in the early writings
of Karl Marx. In his “Thesis on Feuerbach” (1846), Marx uses the terms “revolutionary
activity” and “practical-critical activity” interchangeably. He calls them “the changing of
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circumstances and […] human […] self-changing”, which he regards as two aspects of the
same activity (MARX, 1974, p. 121).
As people who passionately felt the world needed to change radically (and that to do
so people needed to change radically), we asked ourselves: what does this commonplace
transformative activity, this “practical-critical activity” consist of ? What distinguishes it
from other daily activities and behaviors? And how does it relate to qualitative social change?
Our understanding of performance as revolutionary activity, as the method of liberation,
grew out of Newman’s and Holzman’s study of Vygotsky and our experience of creating a
theatre while, at the same time, building support for it in communities throughout the New
York metropolitan area. The long hours we spent on the streets and subway platforms and
canvassing door to door, raising money to maintain our financial (and hence creative and
political) independence, posed many challenges. Some of us found the work humiliating;
asking for money on the street, no matter how much we believed in the cause, felt, to some
of us, like begging. For others (particularly men), it was difficult not to be reactive when
people on the street were dismissive or hurtful. Those involved in this work came with
various levels of social skill, and for some of us it was hard to even look a stranger in the eye,
never mind engage them in a cultural/political conversation.
It gradually occurred to us, or, more accurately, to Newman, who pointed it out to the
rest of us, that what we were doing on the street (“street work” as we called it then) was
a performance. On stage, we were doing all sorts of odd things, performing characters
wildly different from ourselves. Why couldn’t we do that on the street? Why did we have
to “be ourselves,” to be stuck in our already formed social roles, when we were organizing
on the street? Couldn’t we create characters that built on our friendliness, humor and
passion for what we were trying to build? We could and did. We began to approach this
organizing activity as a performance and that is what allowed us to sustain and develop it
for so long. This turn towards performance as a method led us toward a more playful and
joyous activity in which there were designated “directors” for each performance responsible
for leading the creation of an ensemble; the emphasis shifted from each individual’s skill at
raising money to the collective creation of a performance of meeting new supporters. Even
more importantly, it led us to discover the connection between performance and social (and
personal) change — and we gathered more support (and money) than before.
Newman’s grounding in philosophy, along with his study of Vygotsky, his decades of work as
an innovative psychotherapist and his experience as a theatre director, playwright (he wrote
44 plays and musicals) and actor at Castillo, combined with the development community’s
street fundraising experience, led him to conclude, much as Turner did earlier and in a
much different context, that performance was a transformative social activity. For Turner,
however, performance always remained an object of study, something to be watched and
analyzed. For Newman and those of us who followed him, performance became something
to do.
“We understand performance very broadly,” Newman (1996, p. 6) said:
164 Performance and Development

From our point of view performance might have nothing to do with being on
the stage. We think you can perform at home, at work, in any social setting […]
With the proper kind of support, people discover that they can, that we can, do
things through performance that we never thought we could do […] In a sense,
we’re trying to broaden each person’s notion of ‘what you’re allowed to do’.

That articulation is both mundane and revolutionary — and it is that contradiction that
makes performance so powerful. We have come to regard performance as a common human
activity that allows human beings to act and to be self-reflective of our actions at the same
time (what Marx called “practical/critical”), whether we are on a stage or on a street corner
or at the dinner table. When performing, the activity and the thought about the activity are
inseparable. In the process of performance, there is no separation of practice and theory;
we are the practical and the critical simultaneously. Given its inherent self-reflective nature,
performance consistently transforms its “theory” through the activity of its practice, and
theory (self-reflectivity) constantly impacts on practice. (Although those terms, as distinct
entities, lose much of their received meaning within the unified activity of performance.)
Performance, we have come to believe, is not only the way out of the alienation of the
postmodern world; it is, at one and the same time, the practical-critical activity, the
revolutionary activity, of our epoch. It is the practice of dialectics in everyday life. Given
the highly developed alienation of contemporary society and the weight of tradition and
convention, revolutionary activity has increasingly become performatory.
As early as 1989, just as he was taking on the responsibilities of artistic director at Castillo,
Newman (1989) wrote: “In a world so totally alienated as ours doing anything even
approaching living requires that we perform. To be natural in bourgeois society is to be
dead-in-life. Unnaturalness is required if we are to live at all.”

Performance and Community


Implicit in all I have been saying about performance is its social, ensemble, nature.
We are a performing species, and performance is, by its nature, something we do together.
We owe this insight first to Marx, the methodologist, who posited that both human activity
and human mind are social, not just in their origins, but in their content. As noted earlier, for
Marx, the transformation of the world and the transformation of ourselves as human beings
is one and the same task. We who founded Castillo have come to understand performance
as the ensemble activity that transforms our world and ourselves. For us, revolutionary
activity is the creation of environments that maximize the becoming-ness of human life —
and human life is social; it is lived/performed together.
An individual does not perform, a group does. Even if you are doing a “one-person show”
on stage, you are performing the social processes that have impacted on you, not to mention,
that in most cases, you are performing more than one character in collaboration with
designers and tech people, as well as the audience. This is just as true off-stage. You may live
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alone and do many tasks without others around, but your performance is none-the-less a
social activity. That the nature of that social activity may be lonely makes it no less social.
This is where the activity of community building becomes critical. After all, if performance
is an ensemble activity, the question of what the ensemble is that we are performing
in—and how that ensemble is built—is extremely important. We at Castillo have come
to understand our community as ever-evolving; it is creating itself as it performs. For us
community is not so much a thing as an activity, a mass improvisational performance.
Obviously this differs from the more conventional understanding of community as the
people who live in a particular geographic area (such as a town or a neighborhood) or the
people of a particular ethnic group (as in the “Black community”) or people engaged in a
particular profession (as in the “commercial real estate community”). Those understandings
of community are inherently conservative because they are based in the past (who we are
as shaped by history, i.e. “Black”) or based only on what is (who we are by virtue of where
we live or work, i.e., a “New Yorker” or a “real estate broker”). The conventional concept of
community provides us, at best, with a pre-scripted performance or, at worst, with dead-in-
life behavior.
The broad performance community of which Castillo and the All Stars is a part is, of course,
like all communities, a social construct. Being a social species, we human beings have
always organized ourselves into social constructs—tribes, religious groups, nation states,
classes, etc. These groupings were/are not institutions imposed from the outside, by God,
gods or anyone else; we human beings created them.
The difference between the development community and these other social constructs is
that they are closed and organized around the past (received identity) and/or the dynamics
and needs of that which already exists (such as being “working class” based on the social and
economic circumstance you were born into). Our activity of community is, we have become
convinced, a breakthrough social construct because, unlike other social constructs, it is not
based on the past or simply what exists, what is, but on what-is-becoming. It is created and
shaped by anyone who chooses to join its performance, and its performance is development.
It is therefore dynamic in a way that the older concepts of community cannot be. It is
continually transforming itself through its continually changing performance. It is, among
other ways of describing it, a performance community.
As with our approach to performance, this concept/practice of community was first
articulated by Newman. In a talk called “Community as a Heart in a Havenless World,”
delivered in 1990, he said:
I want to introduce a whole new concept of community […] What I mean by
community […] is a community which takes responsibility for defining what
community is. The folks who run this cruel world usually do the defining […]
They do it with big dollars. They do it with major institutions that control the
newspapers and television stations; they control the schools […] We will be an
activist community of people and no one, least of all the people who control the
heartless institutions, is going to tell us what our community is (NEWMAN,
1991, p. 144-147).
166 Performance and Development

This “activist community”was started by political activists working in the poorest communities
of New York City in the 1970s, who have gone on to organize middle class and wealthy
people to work with them to support poor people to develop and provide leadership to the
process of positive social change, free of government, corporate or university dependence.
Today, this activist community is often talked about as the “development community” and
is identified with organizations and programs for which “development” is central to their
mission: the All Stars Project and its youth development programs (the All Stars Talent
Show Network, the Development School for Youth and Youth Onstage!), a free university-
style development school, UX (“U” for university, “X” for the unknown), and the Castillo
Theatre; a community based research and training center, the East Side Institute for Group
and Short Term Psychotherapy (ESI); the Social Therapy Group in New York City and
social therapy affiliates in other cities; independentvoting.org, which co-ordinates the
organizing of activists in electoral politics working outside the two historically dominant
parties in the U.S.; and the bi-annual Performing the World conferences, co-sponsored
by the ESI and the ASP, which bring together performance activists from around the
world and from various disciplines and walks of life. These organizations have national
and international reach, with the direct participation of tens of thousands who impact on
hundreds of thousands. Along with their varied foci is a shared methodology that involves
people of all ages in the ongoing collective activity of creating new kinds of environments
where they can be active performers of their lives.
People become involved in this development community for many reasons—to get help
with their emotional pain, to perform in a talent show, because they want to work with
young people, because they want to do theatre, because they are looking to do something
meaningful. The reasons are endless; whatever the motivation, their performance of
participating/building the community changes not only themselves, it changes the
community, which is, after all, not a thing-in-itself, but a work in progress. Participating in
the building of this community, therefore, is opting to embrace the unknown, to take risks,
to do beyond one’s self, to impact on others, to provide leadership; that is, to perform in an
improvisational ensemble.
Becoming a part of this ensemble does not take one out of the complex of communities
(static and/or dynamic) that make up the larger world society. The identities of race,
ethnicity, nationality, religion, profession, gender and sexual preference obviously assert a
tremendous grip on us all. However, for those involved in the All Stars community, these
received identities and social constructs are not the end; they are simply the beginning. They
are the backstories that we, as performers, as changers of the world-historic play, take as the
material we need to work with, not unlike the script of a play is to an actor on stage.
Thus, participating in this community is not an alternative to the larger world; it is not a
“counter-culture.” It is a mainstream activity. Those involved in the community still earn
livings, raise families, pursue hobbies, etc. Yet, by creating a community without formal
membership, we are bringing a new thing into the world, which, of course, impacts on all
the established institutions to which it has a relationship.
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The establishment of the ASP’s youth theatre training program, Youth Onstage!, in 2003
when the organization moved to its 42nd Street youth development and performing arts
complex (in New York City’s commercial theatre district) is an example. By virtue of the
existence of the ASP center, Forty-Second Street is no longer a place where young people
come solely to play video games in the arcades or go to films in the movie complexes. It is
also a place where young people create politically-engaged theatre, which connects them to
the broader cultural community. This fact changes what 42nd Street as a social institution is.
It also changes the possibilities for youth and for youth theatre.
Our community’s performance is thus connected to and transformative of other communities
and social activity in the world. This is precisely why the development community has such
transformative potential. Our performance and growth impacts on every other social unit
(family, school, job, union, class, church) with which we are involved.

Performance and Alienation


In positing the development/performance community as the ensemble capable of
revolutionary activity and transformation, we are, at the same time, acutely aware of the
human capacity to separate that which we create from the activity of creating it.
This tendency, which Marx, called “alienation,” is perhaps most obvious in the case of
religion and morality, structural frames created by human beings that appear to be universal
and imposed from above with a power separate from ours.
However, our capacity to separate our creations from the process of creation, Marx argued,
has grown more pronounced as capitalism has developed over the last 500 years. As
Holzman (2003, p. 24-25) articulates it:
We have come to see people and things as separate and distinct entities. We
tend not to see process or connections. We don’t see that we, the people, cre-
ated and continue to create the stuff of the world, whether that be a box of corn
flakes, a CD, a language, a ‘drug problem,’ a family, a global economy, a political
party, the Brooklyn Bridge, a love affair, a war, wealth, poverty or our emotions.
Instead, we relate to all these things as having an independent existence, as if
they came from nowhere and just ‘are.’ Seeing and relating to things in this
way—torn away from the process of their creation and their creators—is the
normal way of seeing things in our society.

Alienation is the result, Marx first pointed out, of the fact that, under capitalist economic
relations, the bulk of humanity (the working class) is not directly connected to the product
of their labor. Instead of creating for use (or for immediate exchange), workers create
products that belong to others. Work is no longer, for the most part, connected to the
product it creates or to the life of the producer. In Marx’s words, work under capitalism “is
not the satisfaction of a need, but only a means for satisfying other needs” (MARX, 1966,
p. 98). People work to “make a living,” that is, they sell their labor power as a commodity
168 Performance and Development

(an item of exchange). Their labor power creates other commodities to which they have no
connection, except, perhaps, as consumers, in which case they must buy back what they have
(collectively) built, as in the case, for example, of the autoworker who buys a car.
Thus, work — and life in general — becomes, Marx noted, increasingly “alienated.” This
alienation applies not only to material things, such as cars, but to social constructs, such as
communities, and to the process of creation itself.
Marx’s term “alienation” is most often understood today as a psychological state. Such
an understanding, we believe, minimizes its importance and, in fact, alienates it from the
process of its creation. As Newman (1991, p. 30) puts it:
[...] we don’t take the notion of alienation to be psychological. We take it to be
sociological. What we mean by that is that alienation is not simply a state of
mind; it’s not how people feel. Rather, it’s how people are. And people get to be
that way by virtue of how the entire system and activity of production (which
influences more than simply the narrow acts of industry, but rather influences
the total process of human production and human life in our society) creates a
fundamentally alienated society.

How does alienation impact on the creation of community? Profoundly. Despite the best
of intentions and despite an attempt to be conscious of the fact that we are creators of our
community, as the products of 500 years of capitalist development, we are nonetheless apt
to fetishize our activity and become alienated from it. There is always a strong pull to relate
to “The Community” as something finite and other than our own activity, something over
and above our ongoing creation of it.
This is analogous to what happens when the creative performance of childhood becomes
hardened into the behavior of teenagers and adults. We become alienated from the activity
of creating new performances and accept the fixed role, the “personality” we have created
with others as a given, static reality that we have no power to fundamentally alter.
The same alienation happens to social constructs. The American sociologist Erving Goffman,
writing in the 1950s and ’60s, pointed out that although all social constructs are created in
response to a social need and begin as activity, once created, they have a tendency to become
self-perpetuating institutions, that is, to look out for the security and continuation of the
construct as a thing-in-itself (GOFFMAN, 1961). He wrote specifically about mental
hospitals and prisons, but the same thing can be seen in everything from marriage to trade
unions, from schools to revolutionary parties.
Our community came into being and continues to build in an alienated culture and as
such it/we are vulnerable to alienation and fetishization. The challenge is to keep the
improvisation going and not fall into the trap of becoming reified and self-perpetuating.
Once bureaucracy or “proper procedure” or tradition becomes dominant over creative
revolutionary activity, it is time to try a new performance. That is why the history of our
community is characterized by the nearly constant reorganization of groups, projects and
activities. One of Newman’s many skills as an organizer and leader was to accept failure and,
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in fact, to build with it.


How are the decisions to make these reorganizations, these new improvisations, arrived
at? Typically, they are not abstract decisions, but emerge from the performance itself.
Since performance is both active and reflexive at the same time, it allows for the ongoing
revaluation of itself. Hence, performance is itself the method by which the ensemble can
avoid getting stuck in a deadening repetition of itself. Performance, our experience teaches,
is the only effective means of engaging/transcending/transforming our society’s constant
pull toward fetishization and alienation.
Given the community’s overriding concern with human development, the question we have
asked ourselves as we have performed is: does this activity seem to be fostering/furthering/
intensifying development? To borrow a term from Stanislavsky, development is our “super
objective.”

Performance and Development


But what is the nature of that super objective? What sort of change are we talking about
when we talk of development?
Here we must more deeply examine another fundamental concept–development. Our work
is based on the belief that there is a connection between performance and development. Yet
development, like performance and community, is a disputed term, a word that is used very
differently by different people.
In the world of non-profit organizations, the “development officer” is the person who raises
the money; the organization’s ability to raise funds is equated with its ability to grow and
develop. In the world of political economy, there are “underdeveloped” nations, usually
agrarian and poor, and “developed” nations, those that are industrial (or, increasingly, post-
industrial) and rich.
In psychology, the dominant understanding of development derives from the work of the
Swiss biologist/psychologist Jean Piaget. Piaget shaped what is today called developmental
psychology, the discipline that studies the cognitive, social and emotional growth of children.
According to Piaget, the child goes through a series of developmental stages that are linked
to her or his biological age; what a child can/will learn is determined by her or his age and
subsequent developmental stage. In this understanding, development becomes fixed at a
certain age and unchanged after that.
Similarly, in the orthodox Marxist theory of history, the human race goes through a series
of developmental stages — savagery, barbarism, slavery, feudalism, capitalism, socialism,
communism. What the species can achieve is determined by what stage of historical
development they are in.
Implicit in all of these concepts of development is progress. Hence, in political discourse,
“progressives” are those who support continued human development, a label embraced by this
170 Performance and Development

development community. Yet the underlying assumption in conventional understandings of


development is that development brings with it a more advanced state — from poor to rich,
from agrarian to industrial, from child to adult, from exploitation to harmony. While we
share the hope that development brings with it advance (a richer, more fulfilling species
life), we don’t assume it. More to the point, we don’t assume to know what an “advance” is,
since our only touchstone for such a concept lies in already existing social constructs.
Our approach to development is far more improvisational. Human development seems to
us far less scripted, far less predetermined than Piaget, the biologist/psychologist, or Marx,
the political economist, dreamed of in their philosophies.
Like our approach to performance, our understanding of development owes much to
Vygotsky, who challenged Piaget’s (and Freud’s) working assumptions that development
was predetermined and internal to the individual. Vygotsky saw human development as a
cultural activity that people engage in together, rather than as the external manifestation
of an individualized, internal process. Development, according to Vygotsky, is not internal
to the individual. It is, instead, something that we create together. The child’s development
is not primarily based on a biological clock, it grows out of the nature and quality of her/
his interaction with other human beings. Nor does development end with the maturity of
the body; development, Vygotsky implied (and Newman and Holzman made explicit) is,
potentially, an open-ended, life-long activity.
This understanding of development — as social as opposed to individual, created through
activity as opposed to biologically determined, and open-ended as opposed to following
a prescribed formula — marks a fundamental break with other notions of development.
For us, development is not an internal maturation process; it is a community performance
activity.
Holzman (1997, p. 98) expresses it this way:
Which picture comes to mind when you hear the phrase ‘stages of life’? A
stepladder or a theatre? If you’re like most people, it’s probably the former or
some other step-like image. After all, from the late and great experts on human
nature — Freud, Piaget and Erikson — to their lesser known contemporaries,
researchers have told us that the human life process is best understood as a se-
ries of progressively ‘higher’ stages that people pass through. I prefer the theatre
image and here’s why. I believe that we human beings create our development
— it’s not something that happens to us. And we create it by creating stages
on which we can perform our growth. So, to me, developmental stages are
like performance spaces that we can set up anywhere — at home, school, the
workplace, all over.

These performances spaces are ones that we create, just as we create the performances that
take place on them. The youth programs of the All Stars Project, for example, are self-
consciously built to be just such “performances spaces.” Thus, development, as we understand
it, is not predetermined by ideology (or religion or science or any other script), but created
continuously by our shared improvisational activity
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Performance Instead of Ideology


Since at least the American and French revolutions, political activists have been motivated
and guided by ideology. Their ideologies have varied, but they stubbornly held onto
a systemized set of ideas (ideology) as a means of understanding/relating to the world.
Ideology, no matter how radical its advocates may fancy it, is inherently conservative in that
it proceeds not from activity, but from a pre-conceived set of ideas, and where could those
ideas come from but from the past?
Here is where the link between performance and development is clearest. You behave as an
ideology dictates, but performance is, by its nature, non-ideological, and therefore not over-
determined by the past. Why? Because when it comes to the qualitative transformations
that performance makes possible, we cannot know in advance where we’re going (what
we’re becoming).
If Louis Armstrong had simply followed the rules of New Orleans jazz as he learned it,
there would be no swing. If Charlie Parker had only played what was known musically and
passed on by Armstrong, there would be no be-bop. If Chuck Berry just played the blues,
we wouldn’t have rock ’n’ roll. If the young people of the Bronx had not begun messing with
the funk beats passed on to them by James Brown, we would not have hip-hop. Music, as a
creative activity, evolves through performance, not from a set of pre-conceived notions. The
same creative process can be seen, our experience indicates, when ordinary people, that is,
non-artists, consciously perform the mundane activities of daily life.
Thus, development, and the performance that makes it possible, calls for a certain kind of
courage – the courage to do without knowing. This is true onstage and, particularly, off.
Certainly it takes courage to fight and die for what you know is right. And millions of
dedicated revolutionaries (and reactionaries) have done so. A different kind of courage is
required if we are to live day-in and day-out not knowing — not knowing where we are
going, not knowing what we are doing, not knowing, at any given time, who we are. Yet this
state of not knowing (and the rebellion against epistemology which it implies) is necessary
for performance, including the mass performance of social transformation. If you know
exactly who you are, where you’re going, what you are doing, then you are not performing or
developing, you are behaving, that is, proceeding as society has conditioned you to proceed.
There are those, particularly those influenced by orthodox politics (of the Left, Right
and Center), who fear that social organizing that is not guided by ideology might lead to
developments that they don’t like, that don’t conform to their values.
That’s true—and, we feel, it is a necessary and growthful risk. The alternative is stagnation
or ideologically imposed change, which, as the communist revolutions of the 20th Century
indicate, in the long run, results in further stagnation or worse. This is not to say that
those engaged in social activism should (or could) do their work without values, dreams, or
ethics. A performer brings who she or he is, including her or his history and values, to the
performance.
172 Performance and Development

Many of those of us who launched the development community are supporters of radical,
participatory democracy and of collective (as opposed to atomized, alienated, individuated)
life. We passionately hope that the human race can find ways of reorganizing the processes of
production and distribution to eliminate the obscene disparities of wealth (and opportunities
for development) within the various nation-states and between the industrialized north and
the rest of the world. It follows from the inclusive nature of this development community
that not everyone in it shares the same values or worldviews. However, the values and
dreams of the community’s most active builders remain an important part of the mix.
No doubt all improvisers (on stage and off ) bring with them what Pierre Bourdieu (1977)
and other sociologists and anthropologists call “habitus,” that is, patterns of thought and
behavior, sensibilities and tastes acquired from family, ethnicity, class and the overall culture
they grew up in. That may be where the improv starts; the point is that it is not where it
has to end. We all bring our baggage to the improv process, and recognizing this baggage
as the material we’re creating with is a very important part of the process. In Newman’s
words, it is helpful to “radically accept” where you’re starting from, because it allows you
to more productively move forward. However, being aware of the habitus you bring to the
process is not the same as short-circuiting the process by imposing a solution, a resolution,
a conclusion. What is potentially transformative about the created performance “space” is
that it provides the people involved with permission to pretend and play beyond who they
“are,” to move through a liminal process that takes them beyond the ideology and habitus
they bring to the performance. If that were not the case, human culture(s) would never
change.
The history of 20th century politics teaches that the imposing of “solutions” is a far greater risk
than trusting the performance process. In fact, the founders of the development community
have come to distrust the very concept of “solution.” We trust, instead, in the activity of
performance, in the human capacity to create, through improvisation, new scenes, new
plays, new worlds. As improvisational performers, we believe in building with everything
(including all the “backward” habitus) that is offered. That is how a scene is constructed
and a world reconstructed.
Thus, on the most basic level, what differentiates the founders of the development community
from orthodox leftists is that we don’t believe the answers to the challenges facing humanity
can be known in advance. Answers, or perhaps more accurately, new ways of living may (or
may not) emerge through the social activity of performance. All performance, even when
scripted on a stage, is essentially an improvisationary “in the moment” activity that people
do together. There is a vast difference between having a moral/political orientation (which
the founders and leaders of the development community do) and “knowing the answer”
(which they don’t). Ideology and performance are very different things; one is a thing
(fixed, static, dead), the other, an activity.
For us development is neither inevitable nor imposed from above or from the outside. It is
what emerges from the creative process of performance.
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Theatre and Community


What then, is the role of theatre, specifically, in this case, the Castillo Theatre, in a community
dedicated to liberating performance from the confines of the institution of Theatre?
The building of a theater — a formal place where the explicit ritualized enactment of social
conflict is sanctioned — has played a significant role in the building of this community.
The connection to community has a lot to do with the Castillo Theatre being funded from
the grassroots instead of from the top down, as is more typical in the U.S. and Europe,
with foundation, corporate or government grants. The Castillo fundraising model not only
ensures an independent financial base; it also creates an audience that is actively linked with
and directly invested in its theatre. People who give money and/or volunteer their time and
skills to make the theatre possible are not only motivated to see what they helped to build,
they also relate to theatre-going differently, not primarily as a commodity or a diversion,
but as a community forum which they have helped to build (FRIEDMAN, 1999, 2007).
Further, if the development community is indeed a self-defining social construct based on
what it’s becoming, then the very act of giving money or volunteering labor to the theatre
becomes a community-building activity. The tens of thousands of people who have made
the choice to do something as weird as giving money to strangers on the street or phone
and/or coming to see this odd, political theatre have, in a small but significant way, moved
beyond their prescribed social roles, and in so doing have become a part of creating the
community. The building of the theatre and the building of the community are thus linked,
in the Castillo model, from the get-go.
The building of the Castillo Theatre has also helped to consolidate and deepen the
development community by providing a socially sanctioned (and hence relatively safe)
performatory context for the exploration of the community’s social, political, and
philosophical questions and issues.
Castillo’s earliest experiments, in the 1980s, brought non-actors (activists and people from
the city’s poor communities) on stage to play with issues directly related to the organizing
they were involved in. Among the early experiments, were: A Demonstration: Common
Women, the Uncommon Lives of Ordinary Women (1986) which brought together non-actors
from the community — specifically welfare activists, mostly Black women, and white
radical lesbians — for a performed confrontation between two demonstrations that spun
off into a montage of scenes, poems, songs and video clips; From Gold to Platinum (1986),
a political science fiction play about a second American Revolution which was compiled/
written through a series of meetings and improvisations with community organizations
throughout New York City; All My Cadre (1987), a soap opera about a group of young and
restless leftists in New York City; and a seven-hour interactive production/conversation/
communal meal exploring Heiner Müller’s Description of a Picture/Explosion of a Memory
(1992). While professionally trained actors have been a part of Castillo from the beginning,
and in many productions today they make up most of the cast, the mix of trained actors and
non-trained community performers on stage remains an important part of what Castillo is.
174 Performance and Development

When Newman began writing plays for Castillo in the late 1980s, his plays broadened the
lens and deepened the philosophical depth of Castillo’s work while continuing to explore
the ethical and political issues of concern to the development community and the larger
world. Sally and Tom (The American Way) (1995), for example, is a musical that looks at the
relationship between Thomas Jefferson and his slave and mistress Sally Hemings, a 35-year-
long relationship which embodied the contradiction between democracy and slavery and
the legacy of racism that continues to define so much American history and culture. Lenin’s
Breakdown (1994) portrays Lenin, leader of the Russian Revolution, as an old homeless
man who checks himself into Bellevue, a mental hospital in New York City, looking to
understand the failure of his life (and of 20th Century Communism). In Sessions With Jesus
(2002), Jesus returns to earth (the Upper West Side of Manhattan to be precise) looking
for a therapist. He needs a therapist, because he is hearing the voice of Osama bin Laden
asking for forgiveness. Jesus, of course, is all about forgiveness, but he’s having a hard time
forgiving the mass murderer.
As these examples illustrate, Castillo creates theatre that functions as a social forum. While
theatre, at its best, has always done this, in recent times it has done so less and less. As
theatre has been commodified over the last few centuries and evolved into a (increasingly
minor) branch of “show business”, its function as a social forum has decreased. For society
as a whole, film and television have taken over this role. Given the vast amount of capital
necessary to create and distribute film and television, it is no surprise that, to the extent that
serious social, political, ethical and philosophical issues are explored on the large and small
screen, they tend to be presented in conventional ways and resolved on terms favorable to
the status quo.
For social constructs — classes, ethnic groups, communities — with little or no power in
American society, there has been no performatory forum, for much of the 20th century, in
which social conflict could be explored from their experiential perspective. To the extent
that live theatre has a future in the United States beyond the spectacles of Broadway or
as an elitist specialty niche, it lies in being connected to a community and providing that
community with a performatory means of exploring its conflicts, dreams and values.
As part of a very specific community, one that is constantly redefining itself as it is coming
into being, one whose method of growth is based on not knowing, our theatre has played
a very particular role in helping people in the community grapple with the developmental,
political and philosophical issues that arise from the very activity of creating the community.
Community members come to our theatres to struggle with these issues. Since we work
seeking to disengage from the certainties of ideology, we don’t presume to teach through the
theatre. Most of the plays produced by Castillo — in particular the 44 plays and musicals
written by Newman — entertaining though they are, are exercises in asking questions, not
answering them, challenging our audiences, not comforting them.
The conventional concept of good theatre is conditioned by the theatre’s two and a half
millennium history, and for much of that history, theatre has played the role of resolving,
through ritualistic performance on stage, social conflict that had no resolution in society1.
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Unlike earlier theatre (“political” or otherwise), Castillo is not primarily concerned with
resolving social conflict on stage. Indeed, we have come to consider theatrical resolution
to be conservatizing. This is significantly different from Augusto Boal’s “Theatre of the
Oppressed,” the other major trend in political theatre. As its name suggests, Theatre of the
Oppressed starts with a pre-defined social category, “the oppressed”, and works to bring
members of this category onto the stage to, in Boal’s words, “rehearse the revolution”. Our
long-term perspective is not to get more people (oppressed or otherwise) into the theatre,
but to bring performance off stage into the daily lives of people from all social strata, to do
away with the very distinction between theatre and life, rehearsal and revolution.
Castillo, as the theatre of a community that approaches performance as developmental, has
another, very specific function. Theatre is a 2,500-year-old institution deeply embedded in
our culture. Theatre gives social legitimacy to what is going on, in different ways, throughout
the development community: performance. Because of its societal legitimacy, theatre — in
our case, Castillo — is an environment in which the community can experiment with its
most radical ideas in the most outrageous ways — it is theatre, after all!
Thus, our theatre has become, in effect, a laboratory, or perhaps more appropriately, a
playground, in which new performances can be experimented with and where, through
performance, we can explore issues and ideas that are taboo or that would be ignored or not
taken seriously in other contexts.
The aim of those of us who have built Castillo is to create environments in our city, country
and world which can generate hundreds, indeed thousands, of Castillos, all of them playing
with new possibilities, including the possibility of liberating performance itself from the
confines of the theatre. Community building and theatre building are, for us, inextricable.
Our dream has never been to build one or two “great” theatres in New York City; it is to
generate hundreds of “mediocre” theatres everywhere.
This statement, made by Fred Newman years ago, is purposely provocative to trained theatre
professionals, myself included. “Mediocre” is a difficult term for artists to deal with; after all,
artists dedicate years of training and lifetimes of effort to transcending the mediocre and
achieving the beautiful. I use the word here not because our community is committed to
mediocrity in art, but because we are committed first and foremost to community building.
For us, the “beautiful” is not an abstract set of aesthetic criteria, it is what helps performers
and audiences develop.
Which brings us back around to development, community and social change. It is Castillo’s
conviction that theatre, qua theatre, can change very little. Theatre as part of a larger
development community that uses performance as a way to grow and transform can play
a vital role. In this context, it is neither a commodified entertainment nor a rarified and
contained aesthetic activity. It becomes, instead, an environment for doing practical-critical
experiments in everyday living. Castillo is at once and the same time a theatre and not a
theatre.
176 Performance and Development

Nota
1 For a historical study of the emergence of theatre as an institution of social stabilization, see
Thomson (1968).

Referências
Bourdieu, Pierre. Outline of a Theory of Practice. Cambridge: Cambridge University
Press, 1977.
Evreinoff, Nicolas. The Theatre in Life. New York: Brentano’s, p. 22-23, 1927.
Friedman, Dan. Everyone’s an Angel. In: SCHANKE, Robert A. (ed.). Angels in the
American Theatre: Patrons, Patronage and Philanthropy. Carbondale: Southern Illinois
University Press, 2007.
______________. Models of Non-Profit Theatre Funding in the United States in the
20th Century and the Emergence of a New Model for the 21st. In: 19th Annual Mid-America
Theatre Conference, mar. 1999, Minneapolis, Minnesota. Anais…
Goffman, Erving. Asylums: Essays on the Social Situation of Mental Patients and
Other Inmates. Chicago: Aldine, 1961.
Holzman, Lois. The Developmental Stage. Special Children, p. 32-35, jun./jul. 1997.
_______________. Psychological Investigations: A Clinician’s Guide to Social Therapy.
New York: Brunner Routledge, 2003.
Marx, Karl. Theses on Feuerbach. In: ARTHUR, C. J. (ed.). The German Ideology. New
York: International Publishers, 1974.
___________. Economic and Philosophical Manuscripts. In: FROMM, E. Marx’s Concept
of Man. New York: Frederick Ungar Publishing Co., 1966.
Newman, Fred. Seven Theses on Revolutionary Art. Stono, v. 1, n. 1, p. 6, 1989.
_____________. The Myth of Psychology. N.Y.:Castillo International, 1991.
NEWMAN, Fred. Introdução da apresentação  Trouble, peça improvisada dirigida por
Fred Newman no Performance of a Lifetime, New York City, 1 jun. 1996. 1 cassete sonoro.
Schechner, Richard. Between Theatre and Anthropology. Philadelphia: University
of Pennsylvania Press, 1985.
_____________. Essays on Performance Theory, 1970-76. New York: Drama Book
Specialists, 1977.
SUTTON-SMITH, Brian. Games of Order and Disorder. In: Simpósio Forms of
Symbolic Inversion, 1 dez. 1972, Toronto, Canadá. Apud: TURNER, Victor. From Ritual
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 177

to Theatre, Performing Arts Journal Publications, p. 28, 1982.


Thomson, George. Aeschylus an Athens: A Study in the Social Origins of Drama.
New York: Grosset & Donlap, 1968.

TURNER, Victor. Liminality and the Performance Genres. In: MACALOON,


John J. (ed.). Rite, Drama, Festival, Spectacle: Rehearsals Toward a Theory of
Cultural Performance. Philadelphia: Institute for the Study of Human Issues, 1984.
____________. Drama, Fields, and Metaphors. Ithaca, N.Y.: Cornell University
Press, 1974.
____________. From Ritual to Theatre. New York: Performing Arts Journal
Publications, 1984.
____________. Schism and Continuity. Manchester: Manchester University
Press, 1957.
____________. The Ritual Process: Structure and Anti-Structure. Chicago: Aldine
Publishing Co., 1969.
VAN GENNEP, Arnold. The Rites of Passage. Chicago: Chicago University Press,
1960.
Vygotsy, Lev. Mind in Society. Cambridge, MA: Harvard University Press,
1978.

Dan Director artístico do Teatro Castillo, em Nova Iorque, o qual ajudou a


Friedman fundar em 1984. Diretor associado de UX, uma livre escola comunitária de
desenvolvimento contínuo para pessoas de todas as idades também em Nova
Iorque. Doutorado em história do teatro pela Universidade de Wisconsin.
Atuação ativa no teatro político, experimental e comuntário desde o final da
década de 1960. Editor ou co-editor de vários livros e autor ou co-autor de
15 peças teatrais.
Foto: Helio Filho
s e t . /d e z . 2013
v.2n.3 p .179 -188
ISSN: 2317-2428
copyright@2013
www.rigs.ufba.br

Metodologias Integrativas: Abrindo Novos


Caminhos para a Criação Coletiva na Gestão
Social
Maria Suzana Moura

Resumo “Buscamos trabalhos que promovam a religação de várias dimensões […]


da criatividade, arte e ciência […] do corpo, da emoção e da intuição dentro
da análise e da pesquisa”. Esta chamada para o número da RIGS sobre
Metodologias Integrativas (MI) instigou-nos a trazer uma narrativa e
reflexão sobre o tema com base no que temos vivenciado com grupos, na
universidade e em outros contextos. A nossa intenção é abrir o diálogo
sobre as possibilidades de gerarmos coletivamente “novos” conhecimentos,
nas salas de aula e em ambientes de gestão social, a partir da “religação de
várias dimensões” do ser humano, incluindo o contato com o corpo e o deixar
vir o sensível e o intuitivo. A narrativa está estruturada da seguinte forma:
após a introdução, descrevemos o modo como temos abordado o tema
das Metodologias Integrativas (MI) na sala de aula e nas oficinas fora da
universidade, o que denominamos, nesta narrativa, de trilha; em seguida,
tecemos um breve diálogo entre as definições geradas nos grupos com os
quais temos trabalhado e o conceito de MI que encontramos em Giannella
(2008) e Giannella e Moura (2009), momento em que podemos ver as
convergências e o conhecimento novo gerado; encerramos a narrativa com
algumas considerações visando o aprofundamento da reflexão.

Palavras-chave Metodologias Integrativas. Gestão Social.

Abstract “We seek papers that promote the reconnection of various dimensions [...]
creativity, art and science [...] body, emotion and intuition within the analysis
and research.” This call for papers of the number of RIGS on Integrative
Methodologies (MI) instigated us to submit a narrative and reflection on
the topic, based on what we have experienced with groups in universities
and other contexts. Our intention is to dialogue about the possibilities of
collectively generate “new” knowledge, in the classroom as well as in the
180 Metodologias Integrativas: Abrindo Novos Caminhos ....

context of social management, based on the “reconnection of multiple


dimensions” of human beings, including the contact with the body and
the openness to sensitiveness and intuition. The narrative is structured as
follows: after the introduction, we describe how we addressed the issue of
Integrative Methodologies (MI) in the classroom and in workshops outside
the university, what we call “path” in this paper. We entwine a brief dialogue
between the definitions generated in the groups with whom we have
worked and the concept of MI found in Giannella (2008) and Giannella
and Moura (2009), at which time we can see the convergence and new
knowledge generated. We ended the narrative with some considerations
aimed at further reflection.
keywords Integrative Methodology. Social Management.

ABERTURA AO DIÁLOGO
A percepção da gestão social enquanto liderança coletiva remete-nos a uma vontade
partilhada por muitos que vivenciam este campo1 - a aprendizagem e a prática de valores
emancipatórios (solidariedade, cooperação, justiça, respeito à diferença, democracia
participativa e zelo com a vida) no próprio processo de gestão; onde quer que essa se realize,
em organizações da sociedade civil, estatais, empreendimentos econômicos, territórios,
redes colaborativas, entre outras (Moura, Moura e Calil, 2009).
Podemos dizer que a prática dessa gestão social requer metodologias que estimulem o
diálogo, o reconhecimento e respeito das diversidades; que fortaleçam as capacidades de
escuta e fala integradas, e de (cri)ação coletiva de planos, projetos e ações de desenvolvimento
ecossocioterritorial. Trata-se de uma mudança significativa frente aos modelos de gestão
dominantes, baseados na hierarquia, nas tomadas de decisão centralizadas e na separação
entre quem decide e quem executa.
Observando muitas das nossas reuniões e salas de aula vamos nos deparar com pessoas
presentes ausentes, um ou poucos falando, reproduzindo a verticalidade e as relações
de mando, obediência e absenteísmo. Isso tende a acontecer, inclusive, nos processos
participativos fomentados desde o Estado e/ou a Sociedade Civil.
A esse respeito, Giannella (2008) fala-nos da necessária virada paradigmática frente aos
dilemas que se apresentam nos processos participativos, na medida em que se mostram
insuficientes os códigos tecnocientíficos baseados, essencialmente, na racionalidade lógico-
analítica-verbal. Virada paradigmática que pode ser propiciada pela integração, no âmbito
da formação e da gestão, de dimensões esquecidas do humano, do ser fazer humano –
corpo, emoção, intuição, arte… . É aqui que encontramos um campo fértil para dialogar
sobre as experimentações que muitos de nós temos trilhado – o campo das Metodologias
Integrativas. E é desse lugar que falamos e que tecemos as experiências que propiciaram a
narrativa/reflexão que segue, sendo este um convite ao diálogo.
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As experiências que vamos abordar aqui são duas oficinas sobre Metodologias Integrativas2
e uma atividade em sala de aula na universidade3; embebidas pelas vivencias anteriores com
estudantes da graduação e da pós-graduação, desde 2008. Tais experiências têm evidenciado
o quão fecunda é a conexão com a nossa natureza mais próxima, o nosso corpo, aliada
à interação das pessoas e à disposição das cadeiras em círculos. Esses dois elementos de
conexão pessoal e coletiva propiciam um caminho de encontro com o sensível e o intuitivo
e de mobilização das pessoas para a produção compartilhada do conhecimento, para criar
coletivamente.
E como isso acontece? Através de diferentes chaves: toques, movimentos corporais,
respiração, sons, ativação dos sentidos no contato com a natureza exterior a nós; integração
de múltiplas linguagens de percepção e expressão, olhar e partilha com o outro e com o
coletivo, entre outras dinâmicas de grupo.
Com base nesse tipo de dinâmica, temos observado a emergência de campos de unidade e
(in)formação que favorecem a mudança de percepção sobre nós mesmos e o nosso entorno
e, também, a co-criação coletiva. Esse é um ponto que merece ser aprofundado no âmbito
das metodologias integrativas, sendo este ensaio um passo nessa direção.
Encontramos em Maria Cândida Moraes (2004, p. 66) um caminho de diálogo fecundo,
quando nos fala da “importância do clima gerado nos ambientes de ensino-aprendizagem”
através da integração do corpo, das emoções, do diálogo e da convivência humana. Isso
porque, ainda de acordo com a autora, o ambiente de aprendizagem, assim como todo lugar
“onde a vida acontece”, pode ser percebido como um “campo energético e vibracional de
diferentes frequências, moldado pelas relações, intenções, decisões e consciência daqueles
que o habitam” (p. 66).
A partir dessa indicação, evidencia-se a possibilidade de gerarmos ambientes que favoreçam
a co-criação coletiva, conforme veremos a seguir com o caminho que temos trilhado com
os grupos para deixar vir as percepções sobre o que são Metodologias Integrativas (ou
quaisquer outros temas), sem nenhuma leitura ou exposição prévia sobre o tema.

A TRILHA
Ponto de Partida
Um ambiente harmonizado e que favoreça a interação é um dos elementos básicos que
caracterizam o campo das MI. Um passo é colocar as cadeiras (ou almofadas, ou bancos...)
em círculo, seja numa sala na universidade ou num centro de convenções, ou, ainda, em
uma varanda ou um jardim. O centro pode ser constituído com um ou mais objetos ou,
simplesmente, com um papel onde escrevemos/desenhamos o tema, para ajudar na formação
do círculo e na coesão do grupo.
A chegada das pessoas vai compondo o cenário e, a depender da hora e do ânimo com o qual
chegam, podemos dispor de um ou mais recursos para auxiliar no despertar das pessoas e na
182 Metodologias Integrativas: Abrindo Novos Caminhos ....

criação de um ambiente mais harmonizado, a exemplo da utilização de músicas apropriadas


e de essências aromáticas (óleo essencial de laranja doce, de tangerina...)4.
À medida que as pessoas iam chegando sentiam o cheiro, olhavam, e recebiam uma gota da
essência na mão, ativando o olfato de forma prazerosa5.
O encontro (a oficina, a aula…) inicia no momento em que as pessoas vão chegando, inclusive
pelas interações que vão acontecendo.

O Corpo, Ativando a Presença


Estando todos aconchegados, partimos para reafirmar porque estamos ali e, conforme
o grupo, para a apresentação dos participantes. Expressar o nome ou outra informação é
mais um passo para que as pessoas se tornem presentes, no momento presente. No entanto,
não é suficiente.
Nessa parte da trilha, resgatamos uma das dimensões esquecidas de nós nos ambientes
da educação, da administração…, ou seja, o nosso corpo que é a Natureza mais próxima
de nós. Esse é outro passo fundamental para ativar o sensível e o intuitivo e expandir a
nossa Presença. Para isso, convidamos as pessoas a uma prática corporal: automassagem,
alongamento, respiração, caminhada, dança, movimentos livres ou outros que permitam
trazer a consciência para o momento presente e para as sensações de conforto, desconforto,
conforto. Esse é um portal para adentrar, em seguida, ao tema.
Fomos para o corredor onde fizemos um grande círculo ovalado e realizamos
um exercício de desbloqueio, revitalização e percepção dos meridianos, baseado
no Chi Kung6. Damos seguimento no despertar da sensibilidade e conexão
com a Teia da Vida em cada um de nós, solicitando para cada um tocar na
superfície do corpo, sentir o interior e fazer movimentos que normalmente não
faz; percorrendo uma trilha de reconhecimento desta Natureza mais próxima;
percebendo sensações e sentimentos (os vários sentidos foram sendo ativados
desde o início da oficina)7.

Fomos conduzidos a tomar consciência corporal, fazendo movimentos de auto


massagem e de alongamento, para depois sairmos andando pela grama a fim de,
à medida que andávamos, fazer reflexão sobre o tema Metodologias Integrati-
vas - foram sendo dados comandos para parar e compartilhar com a primeira
que encontrasse à sua frente8.

Tanto nas oficinas, como na sala de aula, temos percebido que esse tipo de prática permite
criar um campo de unidade, um campo fecundo para o fluir da intuição e de outros
níveis de percepção. Após uma breve pausa no processo de caminhada introduzimos uma
pergunta, por exemplo: O que são as Metodologias Integrativas?
Vamos caminhar e sentir que estamos adentrando num campo de informação sutil das MI.
Qual a palavra, frase ou imagem que vem quando perguntamos: o que são as MI?
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Deixando Fluir a Intuição, Co-Criando


As percepções geradas em cada um dos participantes podem ser compartilhadas no encontro
com uma ou duas pessoas e/ou registradas no papel. É interessante quando dispomos de
lápis e pinceis de várias cores, pois estimula a expressão. A depender do tamanho do grupo,
podemos registrar em um único papel (tipo papel metro) ou em folhas individuais (tipo
A4).
Após estes momentos fomos solicitados a registrar, em um papel metro comum, as
imagens e palavras que vieram e que foram partilhadas (uma mandala conceitual). E, na
sequência, fomos convidados a observar a mandala e escrever uma definição do nosso novo
entendimento sobre Metodologias Integrativas9.
Os registros individuais levam à tecitura de uma espécie de mandala conceitual10, que
integra as percepções de cada pessoa sobre o tema, em forma de palavras, frases, símbolos e
outras imagens. Ao observarmos o conjunto dos registros (em um único papel ou nos papeis
individuais dispostos em círculo no chão), os participantes são estimulados a fazer conexões
e sínteses. Esse é um caminho para a elaboração coletiva do conhecimento que integra o
sensível, o intuitivo e o intelecto.
É interessante observar que os movimentos corporais anteriores, focados no sensorial e no
sentimento, assim como o posicionamento em círculos, têm o potencial de gerar um campo
fecundo para a primeira aproximação com o tema. As percepções intuitivas geradas nas
oficinas e na sala de aula, quando se faz a pergunta “O que são as Metodologias Integrativas?”
tem convergido em alguns aspectos: integração em vários níveis, do pessoal ao coletivo; o
poder de pacificação; a presença da arte e do lúdico; entre outros. Todos são aspectos do
campo das MI.
Um grande desafio que temos encontrado é a tecitura de uma síntese coletiva que integre
o sensorial, o sentimento, a intuição e o conhecimento prévio, sem que a nossa maneira
corriqueira de pensar/falar, lógica e analítica, domine a cena. Nos grupos, procuramos
chamar a atenção para esse ponto. Uma possibilidade é iniciar com uma breve síntese do
que observamos dos registros e, a partir daí, as pessoas agregam e criam outras sínteses.
Outra possibilidade é a elaboração individual de definições a partir do observado por cada
pessoa e, posteriormente, a reunião em pequenos grupos para gerar novos significados.

SIGNIFICADOS GERADOS NAS OFICINAS


As definições elaboradas como síntese verbal nos subgrupos, em cada uma das vivências,
revelam-nos convergências com o conceito que encontramos em Giannella (2008) e em
Giannella e Moura (2009) a respeito das Metodologias Integrativas e, ao mesmo tempo,
trazem aspectos que agregam ao conhecimento já sistematizado. É interessante observar
que isso acontece sem que as pessoas tenham lido anteriormente sobre o tema.
Em Giannella e Moura (2009, p. 6) encontramos que as MI “visam propiciar a produção
184 Metodologias Integrativas: Abrindo Novos Caminhos ....

do conhecimento interativo, [...] pretendem valorizar as competências reais dos sujeitos


envolvidos em cada processo e mobilizar na esfera pública toda riqueza do humano [...].”E
mais, “São meios que nos levam a integrar as nossas múltiplas inteligências, como, por
exemplo, a analítico-racional com a estética, a intuitiva, a sensível […]” (idem).Nesse
campo, o “Recurso às artes e ao lúdico são instrumentos potencialmente poderosos, porque
tocam teclas, despertam e legitimam sensibilidades outras com respeito àquelas puramente
racionais” (idem).
Ainda com as autoras temos que “o respirar, o movimentar-se, o tocar-se […] são recursos
que nos ajudam a relaxar, a nos centrarmos, a nos mantermos mais inteiros, um caminho
para integrarmos pensamento, sentimento, ação, para integrarmos a percepção sensorial no
processo de ensino-aprendizagem e de gestão social” (idem, p. 23-24).
A seguir, destacamos as sínteses elaboradas nos eventos aqui relatados e, como veremos
adiante, encontramos muitos pontos de contato com as definições acima e alguns acréscimos
que vêm enriquecer esse campo de conhecimento e práticas.

Sínteses Elaboradas pelos Subgrupos na Oficina de Outubro de 2011


Metodologias Integrativas são “ferramentas” (recursos) simples e naturais que
trabalham o corpo, a mente e o espírito, criando um caminho de integração
do ser nos âmbitos individual e coletivos (na teia da vida/na natureza). Tais
metodologias possibilitam a troca de saberes, resgatam a sabedoria dos círculos
e abrem para espirais de consciência e síntese. Fortalecem os vínculos de coop-
eração e comunhão com o sagrado, chamando o SER para a Presença no aqui e
agora, através do diálogo, da escuta ativa, do ancoramento e alinhamento.

Após vivenciar várias metodologias e experiências, o ser humano, no seu


caminho evolutivo em direção ao centro de si mesmo e ao processo de percep-
ção da unidade, busca um caminhar de reintegração do corpo, mente e espírito,
se integra ao todo, formando grandes redes interconectadas espiralizadas numa
forma de viver; através da união, harmonia, acolhimento, solidariedade, ilumi-
nação e paz [...]

Não é nossa intenção aqui aprofundar a análise das definições acima. Queremos destacar
o fato de que, sem leitura prévia ou qualquer exposição sobre o tema, os grupos criaram
sínteses a partir das percepções individuais, que convergem e acrescentam ao conceito de
Metodologias Integrativas, conforme as autoras citadas trazem. Esse fato coloca-nos diante
de um potencial de construção coletiva do conhecimento quando integramos o sensível e
o intuitivo tendo como elementos catalisadores a observação e movimentos corporais, o
posicionamento do grupo em círculo, as artes e o lúdico.
Vamos seguir adiante com o registro das sínteses elaboradas pelos subgrupos na oficina de
março de 2012.
Metodologias Integrativas constituem um campo de Sabedoria-legítima, com
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 185

poder de gerar conexões entre pessoas, da pessoa consigo, com o meio e com
o Divino, ativa e integra conhecimentos individuais e coletivos e sentimentos
de paz, harmonia e unidade. O corpo e a arte são chaves para criar e agir em
coletivo, com base em propósitos comuns.

Metodologia Integrativa é sensibilidade no pensar e agir criativo frente a um


objetivo comum.

Metodologia Integrativa é um campo epistemológico que estabelece conexões


intrapessoais (amor, harmonia, paz) e interpessoais (amor, harmonia, paz, uni-
dade) em prol da construção de objetivos comuns, utilizando a arte como sa-
ber criativo, expresso nos elementos da natureza e na relação do homem com
Deus11.

Agora, vamos às definições sobre MI elaboradas pelos estudantes na sala de aula (abril/2012).
Propiciam a união dos sentidos e do intelecto [...] diversas formas de saberes
e expressões.

Novas formas de construção em Grupo […] Favorece o Criar Juntos.

Metodologias Integrativas são recursos provindos de diferentes racionalidades,


que se unem, complementando umas às outras, e potencializam a formação de
novos conhecimentos, numa lógica de inovação e aprendizados contínuos.

Favorece o aprendizado e o advento da imaginação para transformar a reali-


dade.

Formas de reunir subjetividades com harmonia, cores e unicidade, numa con-


vergência e cooperação, para o intuito maior que será a transformação do ser
social, na sua beleza maior que é a habilidade de viver em grupo/comunidade,
para seu fortalecimento.

MI é trabalhar, construir ações em conjunto, aprender com o outro, assumindo


que todos somos aprendizes, que há várias realidades.

Partindo das convergências, é interessante observar que uma primeira aproximação ao


tema, com base no sensível e no intuitivo, possibilita que os grupos destaquem uma série
de elementos que caracterizam as MI, conforme encontramos em Giannella (2008) e
Giannella e Moura (2009):
yy Trabalham o corpo, a mente; o corpo e a arte; o diálogo e a escuta ativa.
yy Integram os sentidos e o intelecto; diversas formas de saberes e expressões; diferentes
racionalidades.
yy Propiciam e contribuem para integrar o ser nos âmbitos individual e coletivo;
estabelecem conexões entre pessoas e da pessoa consigo; fortalecem os vínculos de
cooperação; ativam e integram conhecimentos individuais e coletivos.
186 Metodologias Integrativas: Abrindo Novos Caminhos ....

yy Permitem, ainda, elaborar novos conhecimentos; criar e agir em coletivo; e construir


objetivos comuns.
É interessante observar, também, que essa mesma trilha de co-criação coletiva contribui
para que novos significados emerjam, enriquecendo o conhecimento e a prática das MI.
Destacamos a seguir alguns desses novos elementos:
yy Trabalham o espírito, além do corpo e da mente, e resgatam a sabedoria dos círculos.
yy Propiciam um caminho de integração na teia da vida/na natureza; de integração
com o meio e com o Divino; a comunhão com o sagrado, chamando o SER para
a Presença no aqui e agora; abrem para espirais de consciência e síntese; conexões
intrapessoais (amor, harmonia, paz) e interpessoais (amor, harmonia, paz, unidade).
yy Geram sensibilidade no pensar e agir criativo, frente a um objetivo comum; e
sentimentos de paz, harmonia e unidade.
yy É um campo epistemológico, um campo de Amor-Sabedoria.
Com esses pontos, deixamos vir à tona, na formação e na gestão social, mais uma dimensão
esquecida do humano, a dimensão espiritual, a dimensão sutil que perpassa e é base da nossa
existência. Muitos de nós estranhamos quando trazemos essa dimensão nos espaços da
tecnociência e, portanto, da educação, da gestão, da política, entre outras. Esse estranhamento
é compreensível, pois essa dimensão foi negada ou vivida apenas nos espaços privados e
religiosos, desde que fizemos a necessária cisão entre ciência e religião no Ocidente, lá pelos
idos do século XVI.
Recentemente, a dimensão do sutil e espiritual vem sendo tocada e reinserida e um novo
diálogo fecundo se estabelece, com as contribuições da física quântica, da teoria dos sistemas
vivos, da psicologia transpessoal, do movimento da transdisciplinaridade, entre outras
abordagens. Assim, a própria ciência tem tocado no que vivenciamos enquanto experiência
transcendente (Divino, Espírito, Prana, Chi, Tao…) e tem evidenciado, conforme Braden
(2008, p. 43), “a existência de um campo de energia permeando nosso mundo […]. Liga
tudo o que existe […], afeta-nos de maneiras que só agora principiamos a compreender”.
E, ainda com o autor, “Em vez de considerarmos o campo como algo separado da nossa
realidade do dia a dia, o que os experimentos nos dizem é que o mundo visível, na realidade,
é a origem do campo […] todas as coisas são apenas ondulações do campo” (p. 43).
E, ao que parece, deixamos esse campo vir à consciência quando nos entregamos, em
coletivo, à experiência da respiração, do movimento, da arte e do lúdico. O que chamamos
anteriormente de campo de unidade, um campo fecundo para o fluir da intuição e de outros
níveis de percepção. Pudemos observar nos grupos com os quais trabalhamos, um processo
de co-criação do conhecimento sobre Metodologias Integrativas.

ENCERRANDO A NARRATIVA
As percepções intuitivas e as sínteses sobre Metodologias Integrativas que foram geradas
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 187

nos grupos revelam a ponta do iceberg do potencial que temos e vivenciamos. O trabalho a
partir do dos círculos, mobilizando o corpo-natureza, a arte e o lúdico, desperta teclas que
estavam adormecidas em nossa consciência de humanidade e abre possibilidades de novas
conexões neurais e de integração em vários níveis (do pessoal ao coletivo e com a Teia da
Vida).
O poder de harmonização e de pacificação que podemos experimentar com as Metodologias
Integrativas cria canais para que possamos lidar de forma mais criativa com os conflitos e
tensões que presenciamos, com os desafios que encontramos em termos do relacionamento
entre pessoas, da escolha dos caminhos a seguir e da sustentabilidade dos projetos e grupos,
na sala de aula e em outros âmbitos.
Certamente, limitações e paradoxos também se revelam nessa caminhada. Destacamos aqui
o que nos parece um corte na passagem dos estados de sensibilização, quietude, alegria e/
ou celebração em grupo, para o momento de atribuição de significados/sentidos, integrando
os códigos da racionalidade lógica e verbal. Parece-nos que a riqueza do que se vivencia e se
percebe a partir da intuição e da expressão com símbolos, palavras, cenas, poesia e/ou música,
se perde, em parte, quando adentramos o momento da compreensão intelectiva – que tende
a se realizar através da associação, correlação, análise crítica e síntese verbal. Seria esse um
paradoxo entre o sensível e substantivo e o instrumental (a delimitação de objetivos/ações e
alcance de resultados) no âmbito da gestão? Essa é uma questão que merece ser aprofundada
e, para isso, precisamos recorrer e dialogar com outros campos de conhecimento e teorias,
alguns que são afins à gestão social (aprendizagem organizacional, por exemplo) e outros
que, ainda, estão distantes (estudos transpessoais, psicologia social, dinâmica de grupos e
teoria dos sistemas vivos, por exemplo). Este é um convite para seguirmos adiante com o
campo das Metodologias Integrativas na formação e na gestão social.

NOTAS
1 A Gestão Social é um campo de práticas diversas, antigas e novas, que vem se constituindo
como campo de conhecimento, que se manifesta, entre outros, através de cursos de graduação
e pós-graduação e do Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social, o qual acontece
desde 2007. Encontramos nos Anais desses encontros um amplo debate conceitual sobre
Gestão Social, mas esse não é nosso objetivo aqui.
2 Falamos, especificamente, da oficina realizada em outubro de 2011 a pedido dos integrantes
do Programa Ecobairro do Instituto Roerich de Salvador, e da realizada em março de 2012 no
Fórum Nacional de Educação Ambiental, também em Salvador/BA.
3 Na graduação e na pós-graduação, encontro com estudantes da graduação sobre o tema das
MI, em abril de 2012.
4 Óleo essencial de laranja doce e de tangerina podem ser encontrados em lojas de produtos
naturais.
5 Relato da oficina realizada no Fórum Nacional de Educação Ambiental (março/2012).
6 Exercícios de harmonização e desbloqueio que permitem o fluir da energia vital – parte dos
ensinamento da medicina tradicional chinesa.
188 Metodologias Integrativas: Abrindo Novos Caminhos ....

7 Ver nota 4.
8 Relato da Oficina realizada em outubro de 2011 com integrantes do Ecobairro/Instituto
Roerich (Salvador).
9 Ver nota 7.
10 Uma das técnicas que utilizamos na formação do RYE (Rede de Investigação sobre Yoga na
Educação.
11 Esta última definição foi escrita por uma pessoa ao final da reflexão do primeiro grupo.

REFERÊNCIAS
BRADEN, Gregg. A matriz divina: Uma Jornada através do Tempo, do Espaço, dos
Milagres e da Fé. São Paulo, Cultrix, 2008.
CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: Ciência para uma Vida Sustentável. São Paulo:
Editora Pensamento-Cultrix Ltda, 2003.
GIANNELLA, Valéria. Base Teórica e Papel das Metodologias Não Convencionais para
Formação em Gestão Social. In: CANÇADO, Airton et al. (Org.). Os desafios da formação
em gestão social. Palmas, Tocantins: Nesol; UFT; Católica do Tocantins; UNITINS, 2008.
p. 11-36, (Coleção ENAPEGS; v. 2).
GIANNELLA, Valéria; MOURA, Maria Suzana. Gestão em rede e metodologias não
convencionais para a gestão social. Salvador: Editora CIAGS, 2009. v. 2. (Série Editorial
CIAGS / Roteiros Gestão Social).
MORAES, Maria Cândida. Pressupostos Teóricos do Sentipensar. In: MORAES, Maria
Cândida; DE LA TORRE, Saturnino. Sentipensar: Fundamentos e Estratégias para
Reencantar a Educação. Petrópolis/RJ: Vozes, 2004.
MOURA, Maria Suzana; MOURA, Solange; CALIL, Monica. Sala em Cena: Jogos Teatrais
na Formação do/a Gestor/a Social. Revista Terceiro Incluído: Transdisciplinaridade
e Educação Ambiental. Goiânia, v. 1, n. 1, p. 57-74, jan./jun. 2011. ISSN 2237079X.
Disponível em: < www.revistas.ufg.br/index.php/teri/article/view/14389>. Acesso em: 15
maio 2013.

Maria Suzana Doutora em Administração Pública pela UFBA. Mestre em Planejamento


Moura Urbano e Regional pela UFRGS. Graduada em Arquitetura pela UFBA.
Integra o Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Metodologias Integrativas
para a Formação e Gestão Social e o Centro Interdisciplinar em
Desenvolvimento e Gestão Social (CIAGS). [email protected]
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 189
190 Metodologias Integrativas: Abrindo Novos Caminhos ....

Foto: André Magalhães


s e t . /d e z . 2013
v.2n.3 p. 191 -203
ISSN: 2317-2428
copyright@2013
www.rigs.ufba.br

Tempo de Bordar
Beth Ziani

Resumo Bordar em conjunto, compartilhar processos e resultados, trocar experiências,


vivenciar a criação coletiva são novos paradigmas da arte de bordar, integrando
a tradição e o moderno de forma singular. Neste trabalho, abordaremos
projetos relacionados ao bordado, apresentando os métodos desenvolvidos
como forma de reflexão sobre essa linguagem que vem tomando espaços
significativos em propostas culturais, artísticas e pedagógicas.

Palavras-chave Bordar. Atividade Coletiva. Memória.

Abstract Embroidering together, sharing processes and results, exchanging experiences


and living collective creation are the new paradigms of needlework, which
integrate tradition and modernity in a unique way. This article will cover
embroidery related projects, presenting the developed methods as a reflection
upon this language that has been increasingly important for cultural, artistic
and pedagogical proposals.

Keywords Embroidery. Collective Activity. Memory.

Tempo de bordar – um tempo que se esquiva do cotidiano, reúne, integra e cria.


Tempo do bordar – resistência e silêncio, pois bordar é também compartilhar silêncios.
Beth Ziani
192 Tempo de Bordar

A evolução do homem mostra a linha e a agulha como meios de suprir as necessidades


de proteção e de organização. O bordado aparece num outro estágio dessa relação, além
das necessidades básicas, e passa pelo desejo do homem de aproximar-se da beleza e de
ornamentar o que está ao seu redor e a si mesmo. Nessa perspectiva, o bordado mantém
uma relação direta com experiências estéticas do homem.
Atividade quase sempre restrita às mulheres, bordar tinha como objetivos ornamentar e
embelezar a casa, as roupas, os enxovais e algumas vezes era geradora de renda familiar.
Atualmente, essa linguagem vem sendo difundida de outra forma, estimulando reflexões
e representações, aproximando-se de uma linguagem artística. Bordar, hoje, tornou-se
sinônimo de encontro, do fazer coletivo, de compartilhamento, enfim uma atividade que
possibilita a experiência do contato com o outro e de criação.
Bordar em conjunto, compartilhar processos e resultados, trocar experiências, vivenciar
a criação coletiva e definir conceitos estéticos são novos paradigmas da arte de bordar,
integrando tradição e o moderno de forma singular. Neste trabalho, abordaremos algumas
ações, como forma de reflexão sobre essa nova linguagem que vem tomando espaços
importantes em processos coletivos.
Nossa experiência com bordar surgiu através da literatura, especificamente no Grupo Teia
de Aranha. A sua origem foi a partir da obra do escritor João Guimarães Rosa e, nessa
perspectiva, passamos a incluir o bordado como um dos nossos objetos de estudo, pensando
a literatura e outras linguagens artísticas.
O Teia de Aranha nasceu na cidade de São Paulo em 2001 e faz da arte de bordar uma
maneira de valorizar a tradição popular, estimular a leitura e compartilhar experiências.
É um grupo que, além de desenvolver seus projetos, também multiplica a experiência de
bordar ministrando oficinas e desenvolvendo projetos em comunidades.
Figura 1 - Exposição – Brasil Fio a Fio.

Fonte: Acervo do autor.


© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 193

Da integração com o Grupo Teia de Aranha e do contato com outros grupos de bordadeiras,
especialmente em Minas Gerais1, percebemos que essa linguagem tomara uma dimensão
expressiva e criamos o Projeto Brasil Fio a Fio, bordar criar compartilhar2, com o objetivo
de proporcionar um espaço de reflexão, criação e uma mostra dessa linguagem. A estrutura
do encontro refletiu a proposta expressa no nome do evento (bordar criar e compartilhar) e
tornou possível apresentar os métodos de trabalho utilizados pelos catorze grupos reunidos.
Organizamos uma exposição coletiva; oficinas; bate-papos com os grupos e palestras, enfim
todos expuseram, dividiram e trocaram suas experiências, refletindo sobre convivência,
integração e criação.
Neste encontro, foi possível perceber as várias funções dessa linguagem, as formas de
trabalhá-la e destacar alguns aspectos, tendo em vista os objetivos dos grupos reunidos.
Como aspecto comum a todos os grupos, tínhamos a proposta de compartilhamento e
convivência entre as pessoas. Portanto, o bordado quase sempre se apresentava como
linguagem de integração e união. Para quase todos os grupos, havia também a perspectiva
de estimular processos criativos.
Figura 2 - Oficina – Brasil Fio a Fio.

Fonte: Acervo do autor.

A partir desses aspectos, pudemos apontar outras funções do bordado:


yy Bordado como meio de celebrar acontecimentos da vida (nascimentos, aniversários,
casamentos, datas importantes). Processos mais particulares dos integrantes.
yy Bordado como representação da história de vida, elaboração da memória particular
e coletiva.
yy Bordado como estímulo a reflexões particulares e coletivas de comunidades; locais,
associações, enfim a elaboração de questões pessoais e sociais.
yy Bordado como expressão da vida, das dificuldades, como forma de valorização do
194 Tempo de Bordar

indivíduo e reflexão em torno da inclusão.


yy Bordado como representação da cultura, da educação e da própria arte. Trabalhos
temáticos desenvolvidos para espaços públicos e projetos educativos.
yy Bordado como manutenção e multiplicação do bordado tradicional.
A maioria dos grupos reunidos, usavam o bordado de maneira não tradicional, denominada
Bordado Livre.
Figuras 3 e 4 - Bordado Livre.

Fonte: Acervo do autor.

O Bordado Livre consiste em manter a tradição como base e os pontos tradicionais


são utilizados com o objetivo de ultrapassar as regras básicas. Preencher espaços sem
uniformidade, dimensionar profundidade, compor desenhos e tramas, enfim dar efeitos
sensíveis que fazem da tradição do bordar a base para transformar e colocar essa linguagem
entre as artes visuais. A opção por não utilizar bastidores, a possibilidade de criar o próprio
desenho e bordá-lo, também são aspectos que compõem a técnica do bordado livre.
O Encontro Brasil Fio a Fio concretizou uma nova dimensão para o bordado e gerou
reflexões importantes para a manutenção dessa antiga tradição, além de ressaltar como essa
linguagem possibilita, efetivamente, a experiência, a troca e a criação.
Outro projeto que merece destaque pelo método e integração foi o Manto do Vaqueiro -
bordado itinerante3, que teve a participação de aproximadamente 200 pessoas. Num rico
processo coletivo, foi possível, além de integrar pessoas, criar um elo de ligação entre lugares
e comunidades. Realizado em cidades de Minas Gerais envolvidas no Circuito Literário
Guimarães Rosa, este projeto foi realizado através do Museu Casa Guimarães, situado em
Cordisburgo/MG4.
O principal objetivo era registrar a memória do sertão ainda viva e estabelecer diálogos
entre literatura e outras áreas. A proposta foi bordar com as comunidades a tradicional
capa do vaqueiro (Capa Ideal) e transformá-la em um objeto-síntese da memória coletiva
daquela região. O vaqueiro em Minas Gerais, e em quase todo o Brasil, teve uma função
importante tanto para a economia quanto para a difusão da cultura, e é um personagem
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 195

muito significativo no imaginário coletivo. A própria vestimenta já era objeto de memória,


bastava ser exposta para as histórias surgirem. Assim, a capa-piloto teve uma função muito
importante, pois estimulou a narração de histórias de vida, acontecimentos, referências
coletivas, enfim uma forma de estabelecer os paralelos desejados no projeto.
Além do objeto a ser bordado, outro aspecto positivo foi a participação das comunidades
em um projeto relacionado a uma instituição pública – Museu Casa Guimarães Rosa,
representativa em toda a região por ser detentor de informações e multiplicador de
experiências relacionadas à literatura e à cultura sertaneja. Esse aspecto foi bastante
estimulador, uma vez que os participantes foram inseridos em um processo coletivo com
visibilidade no próprio museu. Outra singularidade deste projeto foi a experiência estética
proposta, aspecto que abordaremos mais adiante.
Assim, tínhamos como premissas para o desenvolvimento do projeto elementos desafiadores:
yy a concretização da memória através de um objeto comum – Capa do Vaqueiro;
yy a proposta de participação em um projeto coletivo ligado a uma instituição com
força representativa na região;
yy a participação em um processo criativo.
Importante destacar que este projeto é resultado de um contato de mais de uma década
na região, através de atividades culturais e educacionais realizadas nas cidades envolvidas
(Cordisburgo, Morro da Garça e Andréquicé/Três Marias).

Composição da Capa
A impressão da capa foi elaborada na perspectiva de compor o sertão em várias dimensões.
Destacamos a atmosfera dessa paisagem, imprimindo as suas cores características: do azul
celeste do céu ao ocre da terra batida. O cuidado com a tonalidade buscou representar a
atmosfera local desse espaço.
A literatura de Guimarães Rosa concretizou-se no tecido através de imagens de um artista
plástico também nascido na cidade do escritor, Cordisburgo, e que desenvolveu diferentes
leituras sobre a região e a obra do autor, entre elas, Grande Sertão: Veredas. José Murilo
Batista de Oliveira ( J. Murilo) é um artista que traz em sua pintura a singularidade dos
intertextos da prosa de Rosa, em uma profusão de detalhes de cenas e temas do sertão.
Desse trabalho, selecionamos alguns episódios que foram impressos na parte de trás da
capa: o julgamento de Zé Bebelo, o pacto e o cortejo de morte de Diadorim. Na parte da
frente, foram impressas algumas cenas do sertão.
Imprimimos também na capa o próprio texto do autor. Selecionamos duas páginas do
seu diário de viagem (viagem ao sertão de Minas realizada em 1952) e a primeira página
de Grande Sertão: Veredas, de um dos rascunhos da obra. Assim, texto e pesquisa foram
registrados na parte interna da capa e apresentam o processo criativo do escritor.
196 Tempo de Bordar

Frente e verso, dentro e fora, foram compostos representando o espaço, a geografia, o texto e
a sua tradução em outra linguagem, criando assim uma composição a ser trabalhada através
de outra linguagem, o bordado.
Figuras 5 e 6 - Capa Ideal - referência da memória sertaneja e recriada a partir de referências
da literatura de João Guimarães Rosa.

Vista da Capa em vários angulos.


Fonte: Acervo do autor.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 197

Miniaturas
Três miniaturas foram criadas como réplicas da capa maior para comporem o acervo das
cidades que participaram do processo das oficinas. Percebemos a importância de concretizar,
para cada local, sua participação no processo através de algo que ficasse nas cidades. Nas
três capinhas, foram impressos elementos da capa maior, com espaço na parte de trás para
registrar aspectos da identidade de cada cidade. A proposta era que essas miniaturas ficariam
nas respectivas cidades como memória do projeto.
Figura 7 - Miniatura de Cordisburgo.

Fonte: Acervo do autor.

Figura 8 - Miniatura de Morro da Garça.

Fonte: Acervo do autor.


198 Tempo de Bordar

Assinaturas
Para registrar a participação de todos no processo sem que isso ficasse restrito ao bordado,
propusemos que cada participante deixasse a sua identificação pessoal e desenvolvesse a sua
assinatura. Utilizamos o alfabeto criado por Ariano Suassuna a partir de marcas de gado
e cada integrante compôs, com duas ou três letras, a sua marca de vaqueiro/vaqueira para
assinar o objeto. O resultado foi um painel com mais de 170 assinaturas que acompanha o
projeto.
Figura 9 - Painel de assinaturas baseado no alfabeto criado por Ariano Suassuna.

Fonte: Acervo do autor.

Oficinas
O nosso principal objetivo foi integrar e compor a memória do sertão com o estímulo
da obra de Guimarães Rosa. Bordar era um pretexto para compor imagens e o pano de
fundo das paisagens impressas, mas especialmente queríamos representar esse fio que unia
as comunidades através da literatura, para que essa integração fosse registrada não apenas
nos projetos culturais realizados nas cidades5, mas que a capa fosse um símbolo desse
Movimento. As oficinas concretizaram a união entre os espaços e as comunidades.
Tínhamos o desejo de compor um diálogo entre o bordado e as artes plásticas com os
desenhos de J. Murilo. A proposta foi estimular essa comunicação sem que o bordado
fosse apenas instrumento de preenchimento dos desenhos e que não concorresse com as
imagens impressas, enfim teríamos que achar uma forma de compartilhar linguagens com
um objetivo bastante estimulador: achar o belo nessa composição.
Realizamos cinco oficinas em cidades diferentes. A capa partiu da cidade de São Paulo para
Cordisburgo, Andrequicé, Três Marias e Morro da Garça. Cada local teve um processo
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 199

diferenciado. Em Cordisburgo, as oficinas foram realizadas no próprio Museu Casa


Guimarães Rosa. Tivemos a presença constante do grupo de bordadeiras Estrelas do Sertão
e outros integrantes. Em Andrequicé, tivemos também a contribuição do grupo de bordado
Bordadeiras de Andrequicé e, especialmente, a participação de crianças e jovens. Em Três
Marias, o grupo de artesãs, agentes culturais e funcionários da Secretaria de Cultura tiveram
presença marcante. Em Morro da Garça, bordaram conosco bordadeiras e membros do
grupo da maior idade e jovens. São Paulo foi a última oficina e uma atividade rápida, mas
com a participação de mais de 50 pessoas.
Tínhamos várias estratégias a serem realizadas nas oficinas e um púbico bastante heterogêneo.
Desenvolvemos:
yy Atividades diretamente na capa;
yy Experimentos têxteis - pequenos desenhos do artista plástico J. Murilo impressos
separadamente. Atividade onde foram trabalhadas e discutidas a relação entre
linguagens;
yy Bordar e conceber a miniatura da capa;
yy Bordar a assinatura de cada participante.

A Capa foi trabalhada em seis partes e tínhamos a peça piloto à disposição para observar
a sua composição. Com a intensa participação das bordadeiras nas localidades, algumas
orientações em relação aos destaques a serem compostos eram discutidas e depois elas
assumiam a composição entre a linguagem do desenho e do bordado.
Figuras 10 e 11 - Capa impressa: cores, imagens e textos (seis partes).

Fonte: Acervo do autor.

A principal preocupação era como intervir nos desenhos, destacar algumas partes, quais
seriam as partes bordadas. Assim, além da imagem representada, tínhamos que avaliar
e retomar os episódios literários. Como exemplo, nas figuras 12 e 13: Cortejo de morte
Diadorim e o Pacto, com detalhes bordados.
200 Tempo de Bordar

Figura 12 e 13 - Detalhes Bordados: Cortejo de Morte Diadorim e o Pacto.

Fonte: Acervo do autor.

Experimentos têxteis foram estratégias propostas pensando nas pessoas que tinham
pouco ou nenhum contato com o bordado. Iniciávamos atividades em panos individuais
onde foram impressos alguns desenhos do artista J. Murilo. A proposta foi proporcionar o
contato com o bordado, mas também trazer, através desses fragmentos têxteis, a memória do
sertão. Neles imprimimos bois, carros de boi, veredas, buritis, cenas de pessoas caminhando
e vaqueiros andando a cavalo. Essa etapa foi essencial, pois estimulávamos a reflexão sobre
as imagens, cores, situações. Era o momento em que o processo de criação participativo era
intenso, para que posteriormente, cada um fizesse escolhas em seu próprio pano. Crianças e
jovens participaram intensamente dessa etapa.
Figura 14 e 15 -Intervenções de bordado nos desenhos de J. Murilo.

Fonte: Acervo do autor.

Nas Miniaturas da Capa, o bordado foi trabalhado num processo bastante integrado, pois
o desafio foi torná-las a referência da cidade. Portanto, a parte de trás de cada capinha
caracterizou as cidades:
• Em Cordisburgo, foi registrada a frase pronunciada por Guimarães Rosa
no seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras sobre a cidade
que nasceu “Cordisburgo, pequenina terra sertaneja...”;
• Em Morro da Garça, foi trabalhada uma lenda da região sobre um dragão.
História registrada por um escritor local, além de elementos da cidade;
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 201

• Andrequicé/Três Marias destacaram o Rio São Francisco, Manuelzão e a


Igrejinha da Sirga.

As Assinaturas firmaram a particularidade de cada integrante do projeto. O universo do


vaqueiro foi fortalecido, uma vez que o alfabeto fora criado a partir de marcas de gado.
Dessa maneira, a participação de todos ficou registrada em um painel com mais de 170
assinaturas bordadas pelos interventores no projeto.
Como o objetivo da capa era tornar-se uma expressão da memória coletiva e representação
da participação de muitas pessoas, tivemos nas oficinas grupos heterogêneos, mas constantes.
Entretanto, abrimos espaço para a participação pontual daqueles que queriam apenas
conhecer o projeto e compartilharam apenas algumas horas. Esses deixaram suas marcas
através de alguns pontos bordados na capa grande. Dessa forma, pudemos incluir no trabalho,
muitos homens, alguns ex-vaqueiros, crianças e pessoas com necessidades especiais.
Figura 16 - Inclusão, no trabalho de bordado de homens, ex-vaqueiros, crianças e pessoas com
necessidades especiais.

Fonte: Acervo do autor.

A capa tornou-se Manto pela força da criação coletiva e pelo significado que adquiriu no
processo, compondo não apenas linguagens artísticas, mas intenções e afetos na experiência
de bordar a memória. Ela integrou realidade com ficção, literatura narrada à vida das
pessoas, e assim a memória local encontrou um suporte para se manter viva e preservada.
O Manto de Vaqueiro é a representação do sertão mineiro e uma homenagem aos nossos
vaqueiros, personagens tão importantes na história do Brasil. É também uma possível leitura
202 Tempo de Bordar

da literatura de João Guimarães Rosa, mas acima de tudo é expressão de uma experiência
coletiva de tecer a beleza de muitas histórias.
Diante dessa mostra de atividades, fica perceptível como o bordado criou um espaço
significativo e tem traduzido expressões importantes relacionadas à memória particular e
coletiva, à literatura, à cultura popular, entre tantos outros temas, e também se colocado
como expressão artística. Especificamente, achamos singular e importante essa abertura a
uma linguagem tradicional e antiga que possibilita diálogos entre gerações, gêneros, além de
ter um potencial inclusivo surpreendente.
As referências particulares da linha e da agulha são os instrumentos facilitadores para que
as pessoas experimentem bordar. E aqui nos reportamos à Larrosa6, quando nos oferece
a reflexão em torno da experiência e do saber experiência, uma vez que hoje o excesso de
informação e opinião, a falta de tempo, entre outros aspectos da vida, nos afastam do contato
mais direto, pois, para Larrosa, a experiência
é a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque e requer um gesto de
interrupção [...] requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar,
pensar mais devagar, escutar mais devagar, parar para sentir, sentir mais devagar,
demorar-se nos detalhes, suspender a opinião [...] suspender o automatismo
da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre
o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do
encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA,
2002, grifo nosso).

O tempo do bordar é esse tempo descrito por Larrosa, processual e forte. O que conta é a
disposição de cada bordador para se relacionar com a linha, com a agulha, com o tecido e
com o outro. Nessa pulsação entre particular e coletivo, entre o eu e o outro, entre a fala e o
silêncio, surge esse novo tempo, um tempo necessário para cultivarmos a nossa sensibilidade
e estimular a criação.

NOTAS
1 Desde 1995, participamos e apoiamos a organização de semanas culturais em cidades do
Circuito Literário Guimarães Rosa. Nessa longa experiência, convivemos com a idealização e
constituição de grupos de bordados de Cordisburgo, Morro da Garça e Andrequicé.
2 Brasil Fio a Fio foi um evento realizado no SESC Pinheiros/SP em 2011 e reuniu catorze grupos
de bordado com curadoria de Beth Ziani. http://www.youtube.com/watch?v=hMs3LFcuEl0
3 A criação do Manto do Vaqueiro faz parte do projeto Memória Viva do Sertão com curadoria
de Beth Ziani, estudiosa da obra do escritor Guimarães Rosa, em parceria com a figurinista
Joana Salles. Esse projeto integra a Nova Exposição do Museu Casa Guimarães Rosa de
Cordisgurgo/MG, onde o Manto está exposto.
yy https://www.youtube.com/watch?v=qxyJhFGVSiU&feature=player_embedded
yy www.jornalwebminas.com.br/notas_novo.php?coluna=224
4 Museu Casa Guimarães Rosa é situado em Cordisburgo/MG, cidade natal do escritor. O
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 203

Circuito Literário Guimarães Rosa é composto por cidades com referências sobre a vida ou a
obra do escritor.
5 As cidades que participaram do projeto realizam Semanas Culturais anualmente, quando
reúnem artistas, pesquisadores, críticos e apaixonados pela literatura do escritor mineiro.
6 Bondía, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de
Educação, n.19, 2002

Referências
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista
Brasileira de Educação, n. 19, 2002.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
ZIANI, Beth. Texto de abertura do evento Brasil Fio a Fio/SESC Pinheiros, 2011.

Referências na internet dos projetos citados:


Brasil Fio a fio – Sesc Pinheiros/SP - http://www.youtube.com/watch?v=hMs3LFcuEl0.
Manto do Vaqueiro - https://www.youtube.com/watch?v=qxyJhFGVSiU&feature=player_
embedded.
www.jornalwebminas.com.br/notas_novo.php?coluna=224.
Bordar São Paulo - http://tvbrasil.ebc.com.br/reporterbrasil/video/19091.
Blog – Fio a fio - http://brasilfioafio.wordpress.com.

Beth Ziani Doutoranda pela USP/SP na área de Estudos Comparados de Literaturas


de Língua Portuguesa. Professora. Idealizadora do projeto Memória Viva
do Sertão . Desde 1997 participa das Semanas Culturais em Cordisburgo,
Morro da Garça e Andrequicé, ministrando oficinas, cursos e na Participa
do grupo Teia de Aranha(grupo de bordadeiras de São Paulo). Idealizadora
do projeto De Danúbio ao São Francisco – Guimarães Rosa para todos,
iconografia bordada sobre a vida e a obra do escritor Guimarães Rosa.
Criadora e curadora do projeto Manto do vaqueiro- bordado itinerante,
com participação de 200 bordadeiras. Atualmente desenvolve o Núcleo de
Estudos – Literatura Viva.

Vencedora do Proac/2009 e publicou o livro: Sequência, nossa vida na rua e


em 2011 – Proac - Circulação Literária: Projeto Literatura Viva.
Foto: Valéria Gilannella
s e t . /d e z . 2013
v.2n.3 p. 205 -221
ISSN: 2317-2428
copyright@2013
www.rigs.ufba.br

Pedagogia da Criatividade: Percursos de


Arteducação no Empoderamento de Sujeitos
para a Gestão Social Integrativa
Valéria Giannella, Dan Baron e José de Jesus Marques de Sousa

Resumo Queremos refletir, nesse texto, sobre a “pedagogia da criatividade” como


estratégia para o empoderamento de sujeitos, especialmente (mas não
apenas) em contextos de exclusão extrema. Propomo-nos a indagar o poder
transformador de vivências focadas no resgate e valorização do potencial
criativo de sujeitos comunitários e usaremos, para tanto, do caso do “Rio
de Encontros”, em curso de implementação em Marabá, PA. Trataremos
do empoderamento como objetivo dos processos descritos e, cientes da
polissemia de tal conceito, procuraremos esclarecer o sentido que a ele
atribuímos. O referencial teórico das Metodologias Integrativas e da
Pedagogia da Transformance serão os dispositivos teórico-práticos que nos
permitem qualificar esses caminhos de busca de autonomia. Os conceitos
de Inteligências Múltiplas e de Escuta Ativa, assim como o respeito pela
autonomia dos sujeitos que pretendemos envolver nos processos, e que
apreendemos com Paulo Freire, são mais alguns marcos conceituais que
o leitor verá em ação. Os procedimentos metodológicos usados são os da
pesquisa bibliográfica, além do recurso a material empírico oriundo de
relatórios de projeto e da reflexão ativa em torno da experiência de gestor
social e cultural de um dos autores. Em suma, o caso apresentado permite-
nos formular a tese seguinte: o se recorrer à valorização das capacidades
expressivas e criativas é uma estratégia crucial em processos que visam o
empoderamento, especialmente de sujeitos marginalizados e excluídos.
Nosso auspício é lançar mão de um diálogo que nos parece urgente e que
tem como objeto o aumento da eficácia das práticas de intervenção em
gestão social, para a inclusão social e ampliação da cidadania.

Palavras-chave Empoderamento. Metodologias Integrativas. Transformance.

Abstract We want to reflect in this text about the “pedagogy of creativity” as a


206 Pedagogia da Criatividade

strategy for empowering individuals, especially (but not only) in contexts


of extreme exclusion. We propose to investigate the transformative power
of experiences focused on the rescue and valorisation of the creative
potential of community subjects, and will use, therefore, the case of  “Rio
de Encontros” (River of Meetings), being implemented in Marabá, PA. We
see empowerment as a goal of the processes described and, being aware of
the multiple meanings of this concept, we sought to clarify the meaning we
attribute to it. The theoretical framework of Integrative Methodologies and
Pedagogy of Transformance will be the theoretical and practical devices
that allow us to qualify these paths of seeking autonomy. The concepts of
Multiple Intelligences and Active Listening, as well as the respect for the
autonomy of the subjects we want to involve in the process, as we learn from
Paulo Freire, are a few more strong references that the reader will observe
reflected in the paper. The methodological procedures used are those of the
bibliographical research, the use of empirical material coming from project
reports and active reflection on the experience pertaining to the social and
cultural manager of one of the authors. Summarising, the case presented
allows us to formulate the following thesis: the choice of valuing expressive
and creative abilities is a crucial strategy in processes of empowerment,
especially (but not only) when marginalized and excluded subjects are
concerned. Our hope is to establish a dialogue, which we believe is urgent,
aiming to increase the effectiveness of our practices in social management,
in order to achieve social inclusion and expansion of citizenship.
Keywords Empowerment. Integrative Methodologies. Transformance.

Introdução
No campo da Gestão Social, é frequente deparar-se com um paradoxo ao trabalharmos com
sujeitos “radicalmente excluídos”: enquanto objetivamos o empoderamento, a assunção de
responsabilidade consigo mesmo e com a coletividade, o cuidado com uma ideia de bem
comum que alude a um futuro melhor, esses sujeitos estão presos, na maior parte dos casos,
em um círculo vicioso de descrença (com relação ao seu próprio potencial), delega e falta de
responsabilização, individualismo competitivo, reprodução irrefletida dos mesmos modelos
culturais que os excluem (GIANNELLA, 2009).
É comum que se identifique a dimensão econômica como crucial para reverter essa situação.
Os projetos direta ou indiretamente relacionados à geração de renda, através do circuito
convencional ou solidário, são, provavelmente, os que mais concentram esforços de ação
no campo da Gestão Social. No entanto, avançamos a dúvida, baseada em observações
repetidas e vivências pessoais, de que o apoio na geração de renda não consegue, por si
só, desativar o círculo vicioso citado logo acima. A própria tentativa de se instalar, nesses
contextos, iniciativas de economia solidaria esbarra, frequentemente, no fato de que os
sujeitos envolvidos estão tão longe quanto se possa imaginar dos princípios que a sustentam
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 207

(cooperativismo, visão do bem comum e de interdependência), voltados muito mais para


alcançar um estilo de vida individualista/consumista do que concretizar princípios de
solidariedade e coletivismo.
Nestas notas, avançamos a hipótese de que a visão linear e instrumental, que identifica
na falta de dinheiro o cerne da marginalidade/exclusão, não procede. O empoderamento
desses sujeitos é um processo complexo, tortuoso, dificultoso, especialmente porque os leva
a colocar em discussão o único jeito conhecido de organização do mundo para sonhar, e
paulatinamente realizar, outros jeitos possíveis. Ao colocar em dúvida a necessidade de o
mundo ser de um jeito só (aquele pelo qual são excluídos), eles colocam, ao mesmo tempo,
perigosamente em dúvida o único jeito deles mesmos se reconhecerem, o que não acontece,
evidentemente, sem resistências e medos.
Com base em vivências e pesquisas em curso, além de casos de prática relativamente bem
conhecidos, estamos aqui levantando a ideia de que o complexo percurso de construção do
empoderamento, incluindo a autoestima, a assunção de responsabilidade consigo próprios
e com o coletivo, tem chances de ser construído de forma mais sólida e eficaz recorrendo
a processos que chamaremos de “pedagogia da criatividade”. Queremos aludir, com esta
locução, à possibilidade de que todo processo educativo faça das inteligências múltiplas
(GARDNER, 2000) e, especificamente, das capacidades criativas, expressivas e reflexivas do
sujeito, o seu fulcro. Essas (inteligências e capacidades) foram, e ainda são, sistematicamente
censuradas e menosprezadas pelo nosso sistema educativo tradicional. No entanto, a partir
do recurso possível ao ritmo, à música, ao canto, à dança, ao desenho e à encenação, teatral
e performática da realidade vivenciada, imaginada ou apreendida, a partir do resgate de sua
capacidade expressiva, de suas raízes culturais, ressignificadas e reinterpretadas, os sujeitos
ressignificam sua existência no mundo, vislumbram novas formas de atuação nele, novas
geografias, mapas, referências. Cabe ressaltar que o focalizar as linguagens qualificadas
como “artísticas” não implica de forma alguma que sejam negligenciados ou esquivados os
problemas sociais, econômicos, culturais, que afetam o dia a dia dos sujeitos. A tentativa é
encontrar um ponto de abordagem diferente desses problemas, um ponto de valorização do
sujeito pelo que ele/a traz de único e positivo, ao invés de assumir como ponto de partida
um estado de fracasso social, individualmente introjetado e aceito.
Para essa reflexão usaremos do referencial teórico das Metodologias Integrativas
(GIANNELLA, 2009; GIANNELLA, MOURA, 2009; GIANNELLA, ARAUJO,
OLIVEIRA NETA, 2011), as quais dialogam com a pedagogia de Transformance (BARON,
2011) em nortear o Projeto “Rios de Encontro: Quintais de Culturas Solidárias”1, em curso
de implementação na comunidade afrodescendente de Cabelo Seco (bairro fundador de
Marabá, PA). Não será possível, pelo espaço limitado dessas notas, adicionar mais materiais
empíricos, mas não esquecemos a existência de inúmeras pesquisas relativas ao poder
transformador do fazer criativo na alquimia do espírito humano2.
O que essas histórias nos permitem é avançar a tese seguinte: o recorrer à valorização
das capacidades expressivas e criativas é uma estratégia crucial em processos que visam o
empoderamento, especialmente de sujeitos marginalizados e excluídos.
208 Pedagogia da Criatividade

Figura 1 - Banner site da Fundação Casa Grande.

Fonte: Ilustração extraída do site da Fundação Casa Grande3

Levar esses sujeitos a exercitar sua capacidade expressivo-criativa e estética; levá-los a se


perceberem, de repente, capazes de realizar algo bonito, apreciável por outros; o poder
chegar a compartilhar seu íntimo, se manifestar e atuar em um “palco público” (diante dos
olhos de terceiros) e a ter um reconhecimento igualmente público, são passos de inigualável
valor no processo de reconstrução da autoimagem pessoal, da autoestima, e de transformar
o imaginário coletivo. São os blocos básicos para qualquer sujeito se empoderar e assumir
suas responsabilidades consigo mesmo e com seu coletivo.
No momento em que o sujeito se percebe diferente do que sempre achou ser e se abre para a
existência de uma (ou mais) outras possibilidades individuais e coletivas (cfr. FRIEDMAN,
neste número), também se abre espaço para diversas outras transformações sustentadas,
não apenas em algum projeto externo ou racionalidade alheia, e sim em micromudanças
endógenas, que podem alavancar novos desejos e sonhos em sujeitos e comunidades.

Empoderamento
Em nosso campo da Gestão Social, assim como em outros contíguos, preocupados com o
desenho e implementação de políticas públicas mais inclusivas, o conceito de empoderamento
ganhou destaque nas últimas décadas. No entanto, como relatado por diversos autores
(COSTA, 2000; HOROCHOVSKY; MIRELLES, 2007; VIERA et al., 2009), o significado
do conceito, é assumido, em muitos casos, como autoevidente, sem que seja explorada a sua
proximidade com outros de grande complexidade. Assim, como sabemos que o conceito de
poder (para falar apenas do mais evidentemente ligado ao objeto) se presta a interpretações
múltiplas, é pelo menos provável que o de empoderamento também possa sofrer a mesma
sorte. Até a sua origem não parece segura, sendo o movimento negro norte-americano e o
das mulheres os dois âmbitos que reivindicam sua procedência originária. É evidente, no
entanto, que se trata de contextos de marcada exclusão com relação às condições sociais e
econômicas, mas, também, culturalmente discriminados e simbolicamente estigmatizados.
É claro que aqui não vai ser possível uma análise extensa da complexidade embutida no
conceito. Apenas tentaremos apontar alguns possíveis significados alternativos e o que
privilegiamos como mais relevante para os nossos fins.
Um primeiro modo de conceber o empoderamento está vinculado a uma visão substantiva
de poder, entendido como “poder sobre”. Nessa visão mais tradicional, o poder é uma
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 209

substância, algo que se tem ou não se tem. Para que um sujeito destituído de poder possa
chegar a ganhá-lo, alguém deve perder a posição de poder anteriormente possuída. Assim, por
exemplo, se as mulheres ganharem poder é porque, necessariamente, os homens o perderão.
O poder implica especialmente em capacidade de mandar, coagir outros, obrigá-los a agir
conforme a sua vontade. O poder é enquadrado assim num esquema do tipo “jogo de soma
zero”, onde os ganhos sempre equivalem às perdas e, no caso do poder, ele simplesmente
passaria dos sujeitos anteriormente poderosos para os que eram dele destituídos (IORIO,
apud VIERA et al., 2009). O conceito de empoderamento não seria, nesse caso, muito mais
do que se levar algum sujeito já desprovido de poder a tê-lo, apoiando, através disso, uma
inversão de papeis.
Uma visão alternativa a essa primeira costuma-se denominar como visão relacional do
poder e reconhecer como sua matriz primária a obra do autor francês Michel Foucault. Ele,
a partir de obras como “Microfísica do poder” (2005) e “Vigiar e punir” (2007), desperta a
atenção para o caráter molecular e capilarmente presente do poder, o que já não seria um
atributo do sujeito e sim das relações humanas que são por ele entremeadas. Ele “rompe com
essa noção de poder como algo que se detém e o propõe como algo que se exerce e se efetua
nas relações. Partindo desta concepção, o poder não “surge” frente ao homem, sendo próprio
de seu caráter humano” (VIERA et al., 2009, p. 136). “Pode-se afirmar que o poder está
presente do leito conjugal de um casal à sala presidencial do Palácio do Planalto” (COSTA,
2000, s/p).
Ora, é nessa visão relacional do poder, que o reconhece enquanto consubstancial a toda
relação humana, que o conceito de empoderamento assume mais relevância e que se
propõem algumas reflexões instigantes. A saber: a) não existe relação de poder sem que
haja uma, pelo menos parcial, colaboração dos sujeitos que estão na relação; b) não existe
relação que não implique, de alguma forma, uma relação de poder.
Com relação ao ponto a, podemos fazer, como exemplo extremo, o caso de um ditador.
Diante dessa figura autoritária, poderia se discutir a noção de existência, do outro lado,
de uma forma de colaboração com a relação ditatorial. No entanto, como mostrado por
vários exemplos históricos, até nesse caso, podemos admitir que existe colaboração ou,
pelo menos, certa condescendência entre quem exerce e quem sofre a relação autoritária,
como demonstrado pelas formas igualmente extremas de reação de quem, para se subtrair
definitivamente à relação de poder e demonstrar a sua radical discordância com ela, chega a
tirar sua própria vida, ou criar movimentos de oposição que colocam em risco as vidas dos
envolvidos (e, infelizmente, até de outros que não queriam se envolver).
Quanto ao ponto b, se chegamos a admitir que não existe relação humana que não implique
relação de poder, será mais fácil evitar visões ingênuas. Reconheceremos assim, por um lado,
que não existe sujeito completamente desempoderado, e, por outro, que a própria relação
de empoderamento nos coloca diante de um problema de difícil solução. Parafraseando o
que dizia Paulo Freire com relação à educação, podemos afirmar que ninguém se empodera
sozinho, mas também, que ninguém empodera ninguém. A única saída para esse quebra
cabeça é que: os homens se empoderam partilhando, em comunhão (FREIRE, 1987); isto
210 Pedagogia da Criatividade

é, existe uma solução dialética pela qual, sujeitos relativamente empoderados se dispõem
a facilitar a busca de sujeitos relativamente desempoderados por caminhos autônomos de
valorização individual e solidariedade coletiva.

Educação
Sumarizando então, entendemos o conceito de empoderamento como o que leva pessoas
e comunidades a serem “protagonistas de sua própria história” (GOHN, 2004). Porém,
um ponto fundamental a se responder nos parece o seguinte: qual ou quais são, hoje, os
principais fatores de desempoderamento e, portanto, quais seriam os pontos estratégicos a
se enfrentar para contrastar esse problema? Uma resposta comum a essa pergunta é que a
pobreza desempodera (FRIEDMAN, apud HOROCHOVSKY; MIRELLES, 2009), pois
retira dos pobres a condição de usufruir substantivamente dos direitos de cidadania. É esse
tipo de resposta que justifica a grande quantidade de projetos de gestão social, voltados à
geração de trabalho e renda.
Contudo, essa constatação, em sua força contundente, ainda obscurece algumas considerações
mais sutis ligadas às características que se costumam destacar, hoje em dia, ao se procurar
descrever as nossas sociedades contemporâneas. Sociedades do conhecimento (SQUIRRA,
2005), complexas, “líquido-modernas” (BAUMANN, 2007), são algumas das definições
as quais, com acentos diversos, frisam elementos comuns, convergentes, inclusive com
a experiência que nós mesmos, enquanto atores e gestores sociais, temos dos contextos
de nossa ação. O fato de “as mesmas coisas terem sentidos diferentes” (SCLAVI, 2000)
conforme o contexto onde elas acontecem e a significação cultural que se opera nelas; a
rapidez das mudanças tecnológicas, mas também sociais e culturais que tornam arriscada
qualquer previsão, assim como as tentativas de controlar os acontecimentos futuros que
já pautaram disciplinas classicamente modernas como os vários tipos de planejamento; o
nível de interconexão dos sistemas (informacional, econômico e cognitivo, mas também das
migrações, das doenças, etc.), todos esses fatores levam muitos autores a considerarem que o
elemento crucial para se navegar com êxito nesses mares turbulentos é a educação.
Uma educação, no entanto, redefinida com relação ao padrão tradicional que a queria
voltada principalmente à aquisição de informações e técnicas. A educação para o século XXI
deve ajudar os sujeitos a encontrar as chaves de interpretação do mundo global e de suas
multíplices versões locais. Será uma educação da visão crítica e da autonomia ou não será.
Será uma educação que reconhece os limites da racionalidade linear e instrumental típica
da modernidade e busca reintegrá-la com outras fontes de sabedoria e outras racionalidades;
uma educação que move do reconhecimento de que muitas são as maneiras de ler e
interpretar o mundo, e que reconhece lucidamente que esse mundo, por mais que nos pareça
o único mundo possível (pelo vício que temos de naturalizar o que nós mesmos, enquanto
seres humanos, fizemos (VIERA et al., 2009)), é apenas uma das muitas configurações
existentes. Aliás, uma configuração que está manifestando, com sinais alarmantes, os seus
pontos de crise.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 211

Ora, chegamos aqui em um ponto interessante de reflexão, pois, quem se interessa e está
envolvido no campo da educação sabe muito bem que, por mais que se reclame das taxas
de evasão escolar ou das percentagens de crianças que não acessam as escolas, os processos
formais de educação estão longe de assegurar, hoje, respostas adequadas ao problema em
pauta. Os modelos epistemológicos e pedagógicos que fundamentam o sistema educativo
em muitos países, até centrais do sistema-mundo e no Brasil, com certeza, são ultrapassados
e não dialogam com os desafios que a história humana nos propõe. Nessa situação, além
da busca imprescindível pela atualização desses modelos, é possível até que os múltiplos
processos de educação informal que vêm sendo desenvolvidos em campos como a
Gestão Social apontem caminhos relevantes e pertinentes para as respostas que estamos
procurando. Assim, parece-nos que a afirmação do potencial criativo de todo educando,
esteja ele envolvido em processos formais ou informais de educação, é um ponto de partida
fundamental no processo de aquisição de uma visão crítica e de uma postura autônoma e
não simplesmente reprodutiva com relação ao mundo.
É nesse intuito que avançamos a proposta de uma pedagogia da criatividade, especificamente
relacionada à questão do empoderamento enquanto processo intrinsecamente educativo que
nos leva à busca de novas formas do sujeito, individual e coletivo, estar em, e se relacionar
com, o mundo.
Voltando à pergunta inicial deste tópico sobre os fatores principais de desempoderamento
em nosso mundo contemporâneo, podemos adicionar, agora, a ideia de que o estigma
social e cultural que acomete sujeitos como moradores de favelas e bairros periféricos,
mulheres e jovens que nelas moram, sujeitos marginalizados por condições de vida (sem
teto, desempregados, dependentes químicos, presidiários,...) e o olhar depreciativo que esses
sujeitos muitas vezes introjetam, nos parece um fator crucial de desempoderamento, sobre
o qual a dita pedagogia da criatividade nos permite operar.

Projeto Rios de Encontro: Quintais de Culturas Solidárias


Não é fácil descrever o Projeto Rios de Encontro pela quantidade de atividade que ele
germina, desde 2009 e até hoje, assim como pela complexidade de nexos que estabelece
com o território ao redor: Marabá, sudeste do Pará, região de intenso desenvolvimento
econômico, especialmente a partir das últimas décadas do século passado e com acirrados
conflitos, ligados ao próprio processo de desenvolvimento. Aqui, em seguida, tentaremos
descrever a trajetória e os desafios desse projeto, baseando-nos em excertos significativos
dos relatórios devidos ao Prêmio Itaú-Unicef - Pequeno Porte - Educação Integral –
Experiências que Transformam, anos de 2011 e 2012.

Fase 2009-2010.
O projeto iniciou-se em colaboração com o Ponto de Cultura, GAM (Galpão das Artes de
Marabá), e em colaboração com a comunidade pioneira de Marabá, Cabelo Seco. O objetivo
212 Pedagogia da Criatividade

inicial era criar um monumento comunitário nacional sobre a história e o imaginário da


região, através de duas colaborações, de formação de gestores, arteducadores, educadores
e produtores culturais, e de produção cultural comunitária. Concebido em conexão com
diversos projetos comunitários artístico-pedagógicos, o projeto iniciou criando dois processos
principais e paralelos: um curso de formação de 6 meses na Escola Judith Gomes Leitão,
acerca da pedagogia artística de Transformance, para 70 gestores, artistas comunitários e
professores, dedicado à transformação social sustentável; e uma colaboração com Cabelo
Seco, bairro popular afrodescendente socialmente estigmatizado, baseado num processo
comunitário chamado ‘Quintais de Cultura’ e liderado por seu mestre Zequinha. Esse
processo, gradativamente, gerou a banda afroindígena de crianças e jovens, ‘As Latinhas de
Quintal’, que hoje produz sua própria música e dança em busca de uma nova cultura popular
no bairro e na cidade. Um terceiro processo, o ‘1° Fórum de Cultura Solidária’ realizado em
novembro de 2009, no corredor cultural da região Carajás, juntou as duas colaborações
paralelas, cujo grande final aconteceu em Cabelo Seco, coordenado pelos jovens e mães do
grupo ‘As Latinhas de Quintal’. Esse fórum objetivou a celebração autônoma da cultura do
bairro e um encontro entre culturas dos bairros vizinhos em conflito.
Na reflexão final dessa primeira fase do projeto, avaliamos que, apesar de não realizarmos
uma obra comunitária nacional, o projeto já transbordou as expectativas originais e criou
uma plataforma adequada para justificar uma segunda fase: a proposta de continuidade,
premiada a nível nacional na edição 2010 do Edital Interação Estética, Funarte. Nessa
segunda fase, de 2011, as atividades realizadas seguiram três eixos organizadores: formação
artística, gestão e produção artístico-cultural, e intervenção artístico-cultural local e
intercomunitária.

2010-2011: Formação artística de jovens como gestores e produtores


culturais
Na segunda fase do projeto, desenvolvemos apresentações com o grupo ‘As Latinhas de
Quintal’ em quatro eventos culturais na cidade e quatro eventos culturais na comunidade.
As apresentações geraram grandes matérias no Jornal Correio de Tocantins, ressignificando
o olhar preconceituoso da sociedade de Marabá sobre a comunidade Cabelo Seco e
transformando a percepção de um bairro violento e excluído em uma comunidade ética,
com um projeto visionário, ecológico e socioeducativo de co-responsabilidade comunitária.
Ao longo do primeiro semestre, desenvolvemos uma parceria com a turma de Pedagogia do
Campo na Universidade Federal do Pará (UFPA-Campus Marabá), trocando manifestações
culturais que culminaram na construção de um Jardim de Paz (horta criativa e comunitária)
no terreno do Casarão da Cultura no bairro de Cabelo Seco.
As ações de gestão e produção cultural e apresentações musicais geraram a autoconfiança
no grupo ‘As Latinhas de Quintal’ de aceitar dois convites para realizar colaborações de
‘cultura viva comunitária’ (formação e troca de saberes e apresentações artístico-culturais)
entre o mestre Zequinha, uma jovem liderança da banda musical, e um projeto comunitário
em Medellin, Colômbia, e em Capão de Canoa e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 213

acúmulo dessas realizações culturais estimulou um convite para desenvolver uma parceria
artístico-pedagógica com a Escola de Ensino Fundamental Judith Gomes Leitão, ao criar
um modelo de colaboração para 2012 com todas as escolas que atendem as crianças e jovens
do bairro Cabelo Seco. A colaboração pioneira dessa parceria gerou uma apresentação
artística diante de 500 alunos e duas apresentações artísticas diante de 200 mães e pais,
catalisando o Prêmio Nacional do Itaú-Unicef 2011, na categoria de ‘Pequeno Porte’ para
‘Educação Integral: experiências que transformam’.
Finalizamos o ano e a fase com uma festa solidária de celebração de todos os gestores jovens
e adultos do projeto, cujo tema de solidariedade se concretizou a partir da ressignificação
de um cachê da Vale do Rio Doce (realizadora-financiadora do Festival Giro Cultural) em
uma moeda solidária para 15 membros da comunidade de Cabelo Seco com necessidades
especiais. Na reflexão final dessa segunda fase do projeto, percebemos uma popularização das
músicas e o potencial gestor cultural do grupo ‘As Latinhas de Quintal’ como base possível
de uma cultura popular emergente da comunidade de Cabelo Seco; e uma obra cultural
imaterial capaz de sensibilizar a cidade, a região amazônica do sudeste do Pará e o país,
sobre a necessidade de repensar os conceitos dominantes de juventude e desenvolvimento
acelerado.
Avaliamos que o reconhecimento municipal do grupo juvenil como gestores e produtores de
uma nova comunidade ética, solidária e sustentável possível afirmou a proposta pedagógica
que aplica as artes como linguagem de transformação socioeducativa e cultural. Também
justificou o uso do prêmio do Itaú-Unicef para realizar uma terceira fase: a continuidade do
projeto da autotransformação comunitária, baseada nos três eixos organizadores de formação
artística; gestão e produção cultural; e intervenção intercomunitária e transcultural.
Sentindo-nos mais preparados para ampliar o projeto ao alcançar a comunidade inteira,
decidimos estender nossas ações culturais para além dos quintais de seus integrantes, a fim
de incluir as cozinhas e os quartos da comunidade. Acreditamos que um CD das músicas
das ‘As Latinhas de Quintal’ poderia sensibilizar a comunidade e divulgar os valores do
projeto, para cultivar autoestima e autoconfiança. Também, sentimos a possibilidade de
convidar artistas, educadores e gestores solidários de fora, para diversificar a experiência
cultural da comunidade, estimular o olhar através do outro e inspirar a troca de saberes,
como iguais, entre convidados de respaldo e os artistas e gestores de Cabelo Seco. Essas
reflexões geraram a proposta de um programa de residência artística em colaboração com o
Instituto Heinrich Boll da Alemanha.
Finalmente, refletimos sobre a vulnerabilidade econômica do grupo ‘As Latinhas de Quintal’,
o qual chegou a aceitar o cachê da Vale (que está bancando a exploração e devastação do
Sudeste da Amazônia), mesmo depois de uma decisão coletiva de participar no seu festival
de Cultura para propor uma Amazônia sustentável, sem aceitar remuneração. Refletimos
também sobre a vulnerabilidade da comunidade em geral à sedução de grandes empresas.
Definimos um quarto eixo organizador: o cultivo da economia solidária. Essa decisão gerou
três novos objetivos específicos para o Casarão de Cultura para demonstrar à comunidade sua
capacidade de autossustentação e criar uma base para uma economia solidária comunitária
214 Pedagogia da Criatividade

possível: integrar uma placa solar; integrar um sistema de reciclagem de chuva; e criar uma
moeda solidária.
Porém, dois acontecimentos na comunidade provocaram os núcleos gestores a repensar
sua estratégia de como realizar esses objetivos: a inesperada gravidez em novembro de uma
integrante de 14 anos do grupo ‘As Latinhas de Quintal’, uma das mais comprometidas
jovens do projeto; e o espancamento na rua do filho adulto do Diretor Musical do projeto
por mulheres da comunidade, provocadas pela sua ameaça e violência sexual. Mesmo sendo
um músico reconhecido, ele não havia conseguido evitar uma vida sem teto, viciada em
drogas e cachaça.
O primeiro acontecimento reforçou a resistência do grupo mais articulado e conservador na
comunidade, o qual já desacreditava no poder transformador da formação cultural e advogava
soluções socioeconômicas a partir do mercado de trabalho e repressão decisiva policial. O
segundo acontecimento transpareceu a necessidade de ampliar a base de colaboradores
qualificados e de instituições parceiras para lidar com o grau de sequelas psicoemocionais
de séculos de exclusão e violência socioeconômica.
Ambos acontecimentos machucaram a autoconfiança de uma parte do núcleo adulto gestor
e, nas últimas reuniões dos dois núcleos gestores em 2011, geraram duas novas prioridades
para o projeto: cuidar da questão de gênero e sexualidade para cultivar a autoconfiança das
meninas e moças em Cabelo Seco; e integrar parceiros solidários em cada espaço do projeto.

Reflexões em antecipação do segundo semestre


O assassinato, em junho do Alexandre, jovem de Cabelo Seco, cadeirante, uma das pessoas
com necessidades especiais que ganhou um presente solidário na Festa de Cultura Solidária
de 2011, nos abalou. “O projeto estava chegando a ele”, disseram as bolsistas do Projeto,
“mas chegou tarde demais”. A rua cochichou que ele comandava o tráfico de drogas de
sua cadeira de rodas e coordenava a morte de outros envolvidos. Porém, estava também no
limiar de uma escolha, entre dois projetos opostos: um pôr do sol de sangue jovem, viciado
e autoconsumidor, e um nascer do sol de nova liderança e comunidade sustentável.
Tentamos praticar a dica do Paulo Freire, a “paciência impaciente”. O mestre Zequinha,
Diretor Musical do projeto e pai do rapaz espancado, sente isso na pele: “Necessitamos
de soluções imediatas, mas sabemos que as únicas soluções que vão garantir uma
transformação profunda e sustentável necessitam de tempo” para cicatrizar as sequelas
de séculos de violência e ressignificar a cultura poderosa do mercado, com seus valores
individualistas e alienados do dinheiro, em uma cultura de solidariedade com seus valores
sociais de cuidado e comunidade. Esse é o foco do segundo semestre de nosso projeto. Se
conseguirmos aprofundar e demonstrar nossa proposta alternativa como uma nova política
possível, baseada em uma cultura viva e comunitária e colaborações solidárias, o prêmio do
Itaú-Unicef terá contribuído muito para nossa prática transformadora e humanizadora “da
rua para as instituições”.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 215

Reflexões em antecipação a 2013


Um segundo semestre intenso, rico e inovador, que transparece novos desafios profundos,
inevitáveis, no processo de transformação.
Lamentamos muito que, assim como nosso primeiro relatório, nosso segundo semestre
encerra com uma reflexão sobre mais um assassinato, em dezembro, do Everton, filho
do diretor musical do projeto e mestre popular, Zequinha. Entretanto, em contraste com
Alexandre, assassinado em junho, Everton havia começado a atravessar o limiar entre o
mundo viciado no refúgio crítico-prazeroso das crueldades do atual paradigma e o mundo
comprometido com sua autorreabilitação e autossustentabilidade de um paradigma
emergente.
Na noite antes de sua morte, o Everton conversou sobre seus planos para montar uma
exposição fotográfica da comunidade, “História Viva”, para o Natal. Depois foi para lavar
suas roupas, mas, de repente, foi chamado por pessoas fora do projeto, e voltou a sua casa
com 13 balas no rosto. “A droga precisa enraizar-se nos mais inteligentes de nossos jovens
para manter sua agilidade”, refletiu Zequinha, na madrugada depois da morte. “Temos que
oferecer um prazer desconhecido, de autorrealização admirada”.
Aumentar nossa festa de final de ano para um festival de quatro dias de “beleza amazônica”
possibilitou este prazer social que muitos na comunidade comentaram nos dias depois.
Sem uma sustentação dessa convivência com autorrealização social alternativa, nosso
projeto (assim como Everton), continua vulnerável à violência e conivência popular que
caracterizam a cidade. Apesar de todos nossos resultados positivos durante 2012, o Projeto
Rios de Encontro pode vir a ser arrastado e desconstruído no “tsunami de consumismo”
agendado para 2013-14 (a construção de dois mega shoppings, da hidrovia-barragem no
Rio Tocantins e da Siderúrgica em Marabá), em nome da “democratização da riqueza”.
O Festival, no entanto, é fruto de nossa terceira fase de transformação artístico-pedagógica,
guiada por décadas de experimentos sustentados. Essa fase ampliou cuidadosamente nossa
base de colaboração e co-produção interinstitucional, radiando da cultura popular de raiz
de rua, para alcançar outros bairros, as escolas vizinhas e a economia local. A participação
pró-ativa dessas instituições não foi à toa. Manifesta a busca desesperada, mas corajosa,
visionária e lúcida, de um bem estar, um bem viver sustentável, ou, em outras palavras, um
novo paradigma humano, generoso e celebrativo para garantir a vida digna, em particular
para aqueles mais vulneráveis: toda criança, jovem e idoso na terra. As instituições que
atualmente mais carecem e sofrem essa falta são a família e a escola.
Todos nossos colaboradores, os que concluíram um de nossos projetos e 25 jovens e crianças
(sorteados) do desfile e da bicicletada, ganharam a camiseta do festival, “vivo pela paz”,
como ação final de 2012.
2012 afirmou o poder transformador das linguagens de performance (dança, teatro e música),
num palco democrático, inclusivo e afirmativo. Mas destacou duas performances dominantes
e invasivas que ainda ficam no segundo plano de nossa pedagogia: a memória viva da fome
216 Pedagogia da Criatividade

e a fome psicoemocional que alimenta o atual individualismo promovido pelo celular e


pelas ilhas de comunicação, em casa, na escola e na rua. Dedicaremo-nos a entender e
experimentar com cuidado para transformar essas novas ditaduras, resgatando e criando
rituais, ações e projetos adequados.
Paradoxalmente, quanto mais as residências artísticas, projetos de ação-pesquisa juvenis
e cursos de formação e transformação do imaginário (pelo Cine e pelo Festival) geraram
resultados significativos, mais transparecem os desafios significativos que vão estruturar a
quarta fase de nosso projetão. Não fomos contemplamos para um terceiro prêmio nacional de
Interações Estéticas em 2012 (Funarte, Ministério da Cultura), refletindo talvez a mudança
nas políticas do governo, comprometidas com a economia criativa, para financiar essa quarta
fase de nosso projeto. Isso propulsionará a busca de nossa própria economia solidária.

Falando em resultados, desafios: conclusões inconcludentes


A abordagem de uma pedagogia criativa, fundamentada na adoção de Metodologias
Integrativas e da Transformance nos anima diante dos resultados alcançados no contexto de
projeto, assim como em outros que praticam os mesmos princípios. Eis em ação o potencial
da “performance”, aquela atividade que nos permite experimentar ser algo que ainda não
somos, ou que acreditamos que não somos, mas que podemos nos tornar se apenas algumas
condições objetivas e subjetivas assim permitirem (FRIEDMAN, neste número). É
o potencial da “transformance”, o processo de criação de um imaginário em performance
popular, de uma nova identidade e estética transculturais, que constituam um novo palco
possível para cultivar uma comunidade de opção e corresponsabilidade (BARON, 2011).
A autoimagem que cada sujeito possui de se mesmo é uma dessas condições; outras são as
predispostas pelos contextos nos quais agimos, que nos autorizam a novas performances ou,
ao contrário, nos censuram e imobilizam nas performances consolidadas.
Ao mesmo tempo, a crônica do projeto nos abala com a força e crueldade das reações às
tentativas inovadoras de estabelecer novos modelos de convivência. Conscientes do tamanho
do desafio que aceitamos em querer desconstruir o paradigma posto de interpretação e ação,
diante da marginalidade e exclusão, tentamos, dentre outras estratégias, adentrar o espaço de
produção do saber acadêmico. Contamos, ao fazer isso, com uma abertura dele, em nada óbvia,
para escutar palavras e apreciar formas de mobilização não regidas por uma racionalidade
clássica, objetiva, linear ou instrumental. Ao contrário, essa ação, de Escuta Ativa (SCLAVI.
2000), é movida pela razão apaixonada, pela afirmação de valores, pelo compromisso com a
convivência pacífica e harmoniosa entre seres humanos e natureza, pela afirmação da beleza
dos rios, que estão sendo devastados, pela afirmação do poder da arte, como expressão não
elitista e sim radicalmente humana, de transformação do mundo. Sabemos, ao mesmo
tempo, que até que encontremos a abertura da escuta, as formas acadêmicas de produção
de discurso e conhecimento são alheias aos sujeitos nossos parceiros: os jovens e adultos
envolvidos no processo de transformação e ressignificação do bairro de Cabelo Seco em
Marabá, apesar de toda contradição, conflito, avanço e retrocesso, estão se apropriando de
sua voz, através de suas atuações em palcos públicos de afirmação individual e solidariedade
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 217

coletiva e de toda preparação que isso comporta. Estão se tornando, entre alegria e dor,
sujeitos públicos, chamados a se posicionar em conflitos de porte global (a relação entre
empresas multinacionais como a Vale e a comunidade de Marabá), a vislumbrar caminhos
futuros, antagônicos com o dominante, e a reconhecer na sua própria pele o tamanho do
desafio que isso tudo implica.
Figura 2 - Uma página do calendário de 2013, produzido como forma de divulgação das ações
do projeto.

Fonte: Arquivo do Instituto Transformance.


218 Pedagogia da Criatividade

Figura 3 - Boi ‘Flor do Campo’ no festival em Cabelo Seco, Marabá, Pará.

Fonte: Arquivo do Instituto Transformance .

Figura 4 - Dança afrocontemporânea do AfroMundi inspira e provoca o público do festival.

Fonte: Arquivo do Instituto Transformance.


© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 219

Essa voz, no entanto, não chega até as páginas das revistas, nem ao fórum das conferências,
a não ser levada por mediadores, “intérpretes”, que se encarreguem de traduzir as formas das
palavras deles nos formatos aceitos. Esquecer-se das fronteiras e barreiras existentes entres
códigos distintos de comunicação seria ingênuo e, de fato, culposo de perpetuar a crença
de que o discurso científico seja a única forma válida de descrever o mundo, para pensar e
escolher as formas de sua transformação.
Para finalizar estas páginas, podemos afirmar que a proposta aqui apresentada, de uma
“Pedagogia da Criatividade”, fundamentada na adoção de Metodologias Integrativas
e de Transformance aponta para percursos de autoafirmação criativa dos sujeitos, como
elementos chave de processos de empoderamento, autonomia, responsabilização, com
relação ao presente e futuro, individual e coletivo. Sabemos da inércia dos paradigmas e
da força intrínseca das modalidades consolidadas de interpretar o mundo. No entanto,
parece-nos que continuar focalizando a dimensão material da falta de dinheiro como a
principal que determina a condição de marginalidade e exclusão de sujeitos e comunidades
seja uma manifestação do poder ainda exercido por uma visão simplória e instrumental dos
fenômenos de inclusão/exclusão social. Nosso auspício, com este trabalho, é lançar mão
de um diálogo que nos parece urgente e que tem como objetivo o aumento da eficácia das
práticas de intervenção em gestão social, para a inclusão social e ampliação da cidadania.

NOTAS
1 http://www.humiliationstudies.org/documents/
BaronCohenRelatoriodoSegundoSemestre2012do16deJaneiroUNICEF2013.pdf
2 Por exemplo, a elaboração de uma dissertação de mestrado que traz a reconstrução de algumas
histórias de vida que retratam o poder da vivência com arte na construção do sujeito (NEVES,
2013), ou projetos exitosos como o da Fundação Casa Grande (Nova Olinda, CE: http://www.
fundacaocasagrande.org.br/); ou de escolas no ensino fundamental no Brasil (a exemplo da
Escola Lumiar, SP: http://www.lumiar.org.br/) ou no exterior (Escola da Ponte, no Portugal:
http://beta.escoladaponte.com.pt/); ou ainda da experiência registrada pelo filme Lixo
Extraordinário, do diretor Lucy Walker, que retrata o trabalho do artista plástico Vik Muniz,
ao longo de dois anos, com catadores de um dos maiores aterros sanitários do mundo, o Jardim
Gramacho (RJ, http://www.lixoextraordinario.net/).
3 http://www.fundacaocasagrande.org.br/principal.php

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Paula Chies; BOULLOSA, Rosana de Freitas. (Org.). Gestão Social como Caminho para
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Interdisciplinares sobre a Mulher. NEIM/UFBA, 2000.
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_______________. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. 34ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
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between theatre and community at the launching of the Youth Onstage! Community
Performance School. Revista Interdisciplinar de Gestão Social, Salvador: v.2 n.3, 2013.
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GIANNELLA, Valéria. Espaço Aberto para Troca: Uma oficina sobre os paradoxos da
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Salvador: série editorial CIAGS/UFBA, v. 1, 2009.
____________; MOURA, Maria, Suzana. Gestão em rede e metodologias não convencionais
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UFBA, v. 2, 2009.
__________; ARAÚJO, Edgilson Tavares de; OLIVEIRA NETA, Vivina Machado
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SCHOMMER, Paula Chies; BOULLOSA, Rosana de Freitas. (Org.). Gestão Social
como Caminho para a Redefinição da Esfera Pública. Florianópolis: Editora UDESC,
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GOHN, M. G. Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. Saúde
e Sociedade, v. 13, n. 2, p. 20-31, 2004.
HOROCHOVSKY, Rodrigo Rossi; MIREILLES, Giselle. Problematizando o conceito de
Empoderamento. II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia,
2007, Florianópolis. Anais... Florianópolis, Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais –
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NEVES, Francisco, Grangeiro, T. Açao cultural para o desenvolvimento sustentável:
trajetórias e percursos na regiao do Cariri/Dissertação (mestrado) – Universidade
Federal do Ceará, Programa de pós-graduação em Desenvolvimento Regional Sustentável
- PRODER, Juazeiro do Norte, 2013.
SCLAVI, Marianella. Arte di Ascoltare e Mondi Possibili. Milano: Le Vespe, 2000.
SQUIRRA, S. Sociedade do Conhecimento. In: MARQUES DE MELO, J. M.;
SATHLER, L. Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do
Campo, SP: Umesp, 2005.
VIERA, Gabriela Teixeira; ANDRADE, Carolina Riente et al.. A Utilização da Ideia de
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 221

“Empoderamento” em Políticas Públicas e Ações da Sociedade Civil. Cadernos de Gestão


Social, Salvador: CIAGS/UFBA, v. 2, n. 1, 2009.

Valéria Formada em Planejamento Urbano e Regional pela Escola de Arquitetura de


Giannella Veneza (Itália), onde também cursou seu Doutorado em Políticas Públicas
do Território. Desde novembro de 2009, tornou-se professora adjunta da
Universidade Federal do Ceará, Campus no Cariri, hoje UFCA (Un. Fed. do
Cariri). Desde 2011, é professora permanente do Mestrado Interdisciplinar
em Desenvolvimento Regional Sustentável e líder do Paidéia, Laboratório
Transdisciplinar de Pesquisa e Extensão sobre Metodologias Integrativas
para a Educação e a Gestão Social, reconhecido pelo CNPq. Hoje está como
coordenadora do Curso de Bacharel em Administração Pública e Gestão
Social da UFCA.

Dan Baron Arteducador popular, escritor, artista plástico e coordenador artístico-


pedagógico do Projeto Rios de Encontro da Universidade Comunitária dos
Rios. Presidente da Aliança Mundial pela Arteducação entre 2006-2010,
vem co-cultivando sua pedagogia de Transformance no Brasil desde 1998.
Mora em Cabelo Seco, Marabá-PA, Amazônia, desde 2009.

José de Mestre da cultura popular (reconhecido pelo MINC), diretor musical


Jesus do projeto amazônico Rios de Encontro, integra o Núcleo gestor da
Marques Universidade Comunitária dos Rios, (Cabelo Seco, Marabá, PA).
de Sousa
(Zequinha)
Foto: Iêdo Lopes
s e t . /d e z . 2013
v.2n.3 p. 223 -230
ISSN: 2317-2428
copyright@2013
www.rigs.ufba.br

Habitar no Tempo: Interações Estéticas na


Produção de Arte
André Magalhães

Resumo O filme “Habitar no Tempo” é o resultado de uma atividade de formação


interdisciplinar com crianças e jovens, sensibilizando-os para ver, ouvir, fazer
e conviver através do contato com conteúdos de qualidade e expansão do
repertório para a produção cultural. André Magalhães, músico e produtor
cultural paulistano, foi residir na pequena cidade de Nova Olinda (CE)
para realizar esta experiência artística junto aos meninos da Fundação
Casa Grande - Memorial do Homem Kariri. Essa é uma organização não
governamental comprometida com a formação de jovens e crianças nas áreas
de arte e comunicação, memória, turismo, esporte e meio ambiente. Este
projeto foi realizado de forma inclusiva e assistiu todas as idades e grupos.
Envolveu iniciantes e artistas veteranos para produzir atividades e reflexões
acerca da produção deste filme. Isso proporcionou o aprofundamento
sobre a criação, a arte, a poesia, através de várias lições vivenciadas pelos
meninos e meninas, integrando atividades de criação coletiva e mostrando
ao jovem suas oportunidades de formação como artista e gestor cultural. As
experiências com diferentes artes foram muito importantes e bem aceitas por
eles. Essas ações adicionaram conteúdo a uma produção já existente de um
acervo grandioso do patrimônio cultural local, composto por documentos
videográficos, fotográficos e fonográficos encontrados nos registros de
entrevistas, imagens, fotos e digitalizados, para o aprofundamento da história
do lugar e das pessoas que ali habitam, como, também, para tratamento
fundamental desse acervo tão precioso. Esse caminho de produção artística
levou a todos para um lugar encantador que é de convivência e crescimento
pessoal através de um modo afetivo de produzir cultura.

Palavras-chave Musicalidade. Produção Artística. Gestão Cultural Participativa. Interações


Estéticas.
224 Habitar no Tempo

Abstract The film “Dwelling in Time” is the result of interdisciplinary educational


activities with youngster, to raise awareness about seeing, listening, making
and living together, giving access to quality content and expanding the
repertoire for cultural production. André Magalhães, musician and cultural
producer from São Paulo, has been living in the town of Nova Olinda (CE)
to create this artistic experience with the youngsters of Fundação Casa
Grande - Memorial of the Kariri Man. This is an organization committed
to training youngsters in the areas of art and communication, memory,
tourism, sport and environment. This project was produced in an inclusive
way and attended all ages and groups. It involved beginners and veteran
artists to produce activities and ideas about the production of this film.
This action provided the deepening of the creation, art, poetry, through
various lessons experienced by the youngsters, integrating collective and
creative activities and showing them training opportunities as an artist and
cultural manager. Experiments with different arts were very important and
very well accepted. These actions have added more content to the great
existing collection of local cultural heritage, consisted of videographic,
photographic and phonographic documents which were found on the
records of interviews, pictures, and at the important historical collection of
the place. This path of artistic production took everyone to an enchanted
place which is one of building up coexistence and personal growth through
an affective way of producing culture.
Keywords Musicality. Artistic Production. Participative Cultural Management.
Aesthetic Interactions.

Link http://www.rigs.ufba.br/videos.php

Figura 1 - Yasmim (9 anos).

Fonte: Foto Iedo Lopes (14 anos).

Os espaços amados nem sempre querem ficar fechados! Eles se desdobram.


Parece que se transportam facilmente para outros lugares, para outros tempos,
para planos diferentes de sonhos e lembranças.
(BACHELARD, A Poética do Espaço, 2008)
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 225

INTRODUÇÃO
A Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri, situada em Nova Olinda,
Sertão do Cariri (CE), é uma organização não governamental comprometida em formar
jovens e crianças nos campos da arte e comunicação, memória, turismo, esporte e meio
ambiente. As atividades formativas em comunicação e artes dividem-se em trabalhos de
campo e laboratoriais, para a captação, produção e edição dos materiais relacionados aos
temas trabalhados. Cada laboratório responsabiliza-se por organizar as ações próprias da
TV, rádio, editora, gibiteca, discoteca, biblioteca e videoteca, e desenvolvem atividades de
complementação escolar através dos laboratórios de Conteúdo e Produção.
“Habitar no Tempo” foi resultado de uma ação formativa, após dois períodos de residências
artísticas vividos por André Magalhães: o primeiro ocorreu em 3 meses, no ano de 2009, e o
segundo em 6 meses, no ano de 2010. Período que proporcionou a formação interdisciplinar
de crianças e jovens na sensibilização do ver, escutar, fazer e conviver mediante o acesso à
qualidade do conteúdo e ampliação do repertório para produção cultural.

A ImportÂncia das ações


Figura 2 - Registros.

Fonte: Foto - Iedo Lopes.

Durante o primeiro processo de residência artística em 2009, o projeto inicialmente


entitulado “Uma Banda de Produção no Cariri” gerou um DVD/show denominado “Rua do
Vidéo” (47 min): um musical do grupo “ABanda” criado e produzido de forma participativa
por integrantes da Fundação Casa Grande.
A produção desse DVD musical provocou os jovens para assumirem um espaço de atuação
mais efetivo e consciente na produção cultural local. A fundação já era desperta para produção
226 Habitar no Tempo

de vídeo, mas também havia demandas para vivenciar com música, teatro, animação, técnica
de audio e luz, gestão cultural e outras atividades.
“Rua do Vidéo” - o primeiro projeto via Prêmio Interações Estéticas 2009, concedido pela
FUNARTE - abordou principalmente a música. O foco foi o grupo “Abanda”, já existente
na casa. O objetivo da intervenção, em forma de direção e produção artística, foi o de
aprofundar a música a fim de criar um musical. Ativamente, todos os meninos envolveram-
se para criar as animações, fotos, poesias, roteiros, transformando-se num DVD musical
com uma participação verdadeiramente coletiva.
Figura 3 - Iedo Lopes Fotografando.

Fonte: Foto - Diana Gandra.

Os procedimentos participativos adotados repercutiram na mobilização artística dos


meninos para produzir seus próprios projetos de intervenção na cidade, revisitando os
bairros mais distantes com atividades culturais e alcançando um maior número de pessoas da
localidade. O contato com a gama de material do acervo fotográfico e videográfico existentes
na fundação despertou necessidades e interesses de aprofundamento no tratamento dos
mesmos, para dar continuidade à produção e difusão da história de um espaço cultural
como a Fundação Casa Grande. Essa “revisitação” aos documentos por eles produzidos foi
de suma importância para novos jovens interessados e para a motivação daqueles que já
estavam em formação para a renovação e transmissão dos saberes ali desenvolvidos.
A produção de cinema assumiu o foco na segunda residência artística, vivida por André
Magalhães, com a renovação do Prêmio Interações Estéticas 2010 – FUNARTE. “Habitar
no Tempo”, assim denominado o novo projeto, proporcionou a interação entre a criação,
técnica, poética e a produção nos diversos laboratórios de formação dos meninos, integrando
e fomentando as atividades de criação coletiva e o despertar do jovem para a arte e suas
possibilidades de formação.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 227

O processo de elaboração do filme deu-se através de diversas atividades que se constituíram


como um mosaico artístico, formando jovens e crianças para interagirem entre si e
propagarem seu conhecimento através de ações que eles próprios desencadeassem.
Sendo assim, foram realizadas oficinas de roteiro, de captação e tratamento de audio,
captação de imagens fotográficas e videográficas, montagem e edição das imagens, de
música, de expressão corporal; além das atividades de pesquisa social e documental
nas expedições de percepção ambiental, entrevistas com moradores da cidade e com
visitantes da fundação.
O projeto foi produzido de forma inclusiva e assistiu todas as idades e grupos. Ele envolveu
iniciantes e artistas veteranos para produzir atividades e reflexões com os métodos adotados
para a produção deste filme. A formação e a vivência de diferentes artes e conceitos
somado a um grandioso acervo histórico que foi gerado com as entrevistas, imagens, fotos e
digitalização de slides e filmes, resultou num feito estremamente valoroso: o processo vivido
por todos; sem intentar tirar o mérito do produto final.
Figura 4 - Céu.

Fonte: Foto - Iedo Lopes.

Concomitante a essa criação, foram feitas sessões de orientação para a elaboração de projetos
culturais, a fim de facilitar aos jovens a comunicação sobre suas potencialidades criativas e
poderem participar de editais, executando atividades em prol de sua autonomia artística. Essa
atividade resultou em conquistas tais como o Edital “Nossa Onda”, lançado pelo MINC,
em que Aécio Diniz recebeu aprovação com seu projeto de radio documentário; também,
o Projeto “Sertão Sonoro”, edital público da Eletrobrás, planejado, escrito e excutado junto
com os jovens, acompanhados por uma coodenação externa de profissionais que se reuniram
para fomentar ainda mais a automonomia desses jovens na gestão cultural daquele espaço.
Tal construção fez fomentar a iniciativa desses meninos e meninas para gerarem
228 Habitar no Tempo

conhecimentos junto a novos grupos no campo cultural, proporciondo encontros dentro


e fora de seu espaço cotidiando. Por isso, esse projeto previu o intercâmbio com alguns
pontos de cultura e escolas públicas das regiões brasileiras. Jovens e crianças viajaram em
quatro situações distintas apresentando um primeiro corte do filme e foram despertando os
espectadores nos debates sobre o conteúdo e as formas apresentadas. Essas ações contaram,
eminentemente, com a participação dos jovens gestores culturais da instituição, a fim de
apoiá-los na propagação de um método participativo de produção artística.
Sendo assim, uma análise cuidadosa de todo o processo repercutiu na demanda de aprofundar
e de propor uma nova e terceira ação que surgiu espontaneamente entre os meninos. Ao
ouvir e ver os dois projetos, descobriram que sabiam inovar, tocando a trilha musical junto à
exibição do filme e, nesse momento, surgiu a ideia de preparar um espetáculo em que filme,
teatro, intervenções e música possam se misturar em uma proposta tal que a trilha sonora
seja realizada “ao vivo” pelos “músicos” da Casa Grande. Esse filme/espetáculo se chamará
“A Casa” e está em fase de produção e amadurecimento conceitual. Habitar no Tempo é
uma semente geradora dessa obra maior.

Impacto social da proposta


É possível prever dois âmbitos de intervenção através desse trabalho: um interno, na
dinâmica da Fundação Casa Grande, e outro externo, que vislumbra interferir na relação
da Fundação com os moradores da cidade e de outras localidades envolvidas. Esse projeto
buscou desencadear uma maior autonomia e ousadia dos jovens gestores na produção
artística e nas ações culturais voltadas ao público local, regional e de outras localidades do
país.
Esse trabalho permitiu a construção de um processo de autoconhecimento e de difusão do
método participativo de produção cultural, desencadeando procedimentos que viabilizassem
aos integrantes da Fundação um olhar para dentro e outro para fora: o primeiro, relacionado
ao potencial criativo e à capacidade de execução de trabalhos culturais de qualidade; e o
segundo, identificando novos jovens interessados em se formar para elaborar ações culturais
pertinentes à realidade contemporânea e a colaborar com o aprimoramento cultural da
localidade através de um processo de abertura para a inovação artística conjunta.
O desenvolvimento de atividades em que a prática perpassa toda a formação é uma
característica da Fundação e dessa forma foram implementadas as ações desse projeto:
um caminho de autoconhecimento e de expansão das ações vividas na instituição e na
cidade; um reconhecimento interno e externo das habilidades e potências da “Casa” e seus
moradores em criar realidade, em sonhar e fazer arte.
O método adotado facilitou a evidenciação das potencialidades dos jovens em promover
a educação artístico-cultural, mediante o usufruto dos contatos com os diversos espaços
disponíveis à interlocução artística e à elaboração de modelos de gestão cultural. A veiculação
dos trabalhos voltados à produção, gestão cultural e processos formativos lhes dá visibilidade
e aprofundamento das habilidades para difundir a importância desse lugar para a Região
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 229

do Cariri, além de se evidenciar como uma das referências em educação para a cultura, no
Brasil e no mundo.
Figura 5 - Teatro Violeta Arraes.

Fonte: Foto - André Magalhães.

NOTAS
1 www.blogfundacaocasagrande.wordpress.com
2 http://www.youtube.com/watch?v=luQZYzLyCBY&feature=relmfu

EQUIPE HABITAR NO TEMPO


Direção Geral - André Magalhães
Assistente de Direção e Roteiro - Vanessa Louise e Diana Gandra
Pesquisa e Produção - Vanessa Louise
Edição e Montagem - Diana Gandra e André Magalhães
Direção de Fotografia - Helio Filho
Câmeras: Helio Filho, Diana Gandra, José Wilson “Momô” e André Magalhães
Som Direto: Meninos da Casa Grande
Direção Trilha Sonora - Aécio Diniz e André Magalhães
Mixagem - André Magalhães e Helio Filho
230 Habitar no Tempo

“Esta atividade integra o Prêmio Interações Estéticas – Residências Artísticas em Pontos


de Cultura”

André é músico baterista/percussionista, pesquisador de cultura tradicional,


Magalhães produtor musical e cultural. Produziu diversos  projetos na área musical,
entre eles os CDs “O seguinte esse” e “Tum Pá” do Grupo Barbatuques,
“Na Eira” do grupo Ponto BR, “Agô: Cantos Sagrados de Brasil e Cuba.
Integrante do Grupo “A Barca”, participou como produtor musical no
Projeto “Turista Aprendiz”, Prêmio Rodrigo Melo Franco (IPHAN), pelo
qual realizou gravações envolvendo mestres e grupos de cultura popular em
9 estados brasileiros, coletando cerca de 300 horas de músicas e imagens
com os mestres e comunidades. Participou do Projeto “Cantos e Imagens
da Terra”, registrando cantos de trabalho nas atividades de campo. Com
povos indígenas, registrou povos Guarani, Kariri Xocó e Timbira. Atua
como coordenador e diretor de palco de enventos nacionais e internacionais
como “Mercado Cultural Bahia”, “Brasil Rural Contemporâneo”, “Semana
da Canção Brasileira”, entre outros. Com o Grupo “Barbatuques” atua como
diretor técnico e engenheiro de áudio, participando de turnês no Brasil e
exterior.
© RIGS revista interdisciplinar de gestão social v.2 n.3 set. / dez. 2013 231

Foto: André Magalhães


Relação dos Avaliadores Rigs Letícia Dias Fantinel
Edições 2013 (Universidade Federal do Espírito
Santo)
Aline Craide Luiz Alex Silva Saraiva
(Universidade Federal da Bahia) (Universidade Federal de Minas
Gerais)
Ana Sílvia Rocha Ipiranga
(Universidade Estadual do Ceará) Marcelo de Souza Bispo
(Universidade Federal da Paraíba)
Claudia Simone Antonello
(Universidade Federal do Rio Maria Amélia Jundurian Cora
Grande do Sul) (Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo)
Claudiani Waiadnt
(Universidade Federal da Bahia) Maria Cândida Bahia
(Universidade Federal da Bahia)
Cleonísia Alves Rodrigues do Vale
(Universidade Federal da Bahia) Maria Tereza Flores-Pereira
(Universidade Federal do Rio
Dan Baron Grande do Sul)
(Instituto Transformance)
Marina Dantas
Debora de Almeida Azevedo (Universidade de Fortaleza)
(Universidade Federal do Rio de
Janeiro) Mônica Carvalho Alves Capelle
(Universidade Federal de Lavras)
Débora Nunes
(Universidade do Estado da Bahia Neusa Rolita Cavedon
e Universidade Salvador) (Universidade Federal do Rio
Grande do Sul)
Edgilson Tavares de Araújo
(Universidade Federal do Recôn- Paula Chies Schommer
cavo da Bahia) (Universidade do Estado de Santa
Catarina)
Fábio Ferreira Batista
(Fundação Getúlio Vargas/Escola Rocío Castro Kustner
Nacional de Administração Públi- (Universidade do Estado da Bahia)
ca)
Susana Kramer de Mesquita
Gelson Silva Junquilho Oliveira
(Universidade Federal do Espírito (Universidade Federal do Ceará)
Santo)
Sylvia Vergara
Helena Tassara (Fundação Getúlio Vargas)
(Universidade de São Paulo)
Verônica Salgueiro do Nascimento
Jader Cristino de Souza-Silva (Universidade Federal do Ceará)
(Universidade Salvador)
Zulmira Áurea Cruz Bomfim
José Oswaldo Soares de Oliveira (Universidade Federal do Ceará)
(Universidade do Vale do Paraíba)

Josiane Silva de Oliveira


(Universidade Federal do Rio
Grande do Sul)
A RIGS – Revista Interdisciplinar de Gestão
Social é uma publicação acadêmica com peri-
odicidade de 4 meses, contando, portanto, com
3 números por ano.

Pressupõe-se que a gestão social situa-se na


contemporaneidade e em territórios pluridis-
ciplinares de prática e investigação acadêmica,
tratando de diversas problemáticas ligadas a
campos de conhecimentos tais como Sociolo-
gia, Antropologia, Administração, Educação,
Geografia, Arquitetura, Ciência Política, den-
tre outras.

Ao valorizar essa concepção abrangente e in-


clusiva da gestão, a RIGS publica documentos
originais para o contexto brasileiro. São tex-
tos, fotos e vídeos que demonstram sua con-
tribuição para o avanço da pesquisa e da prática
com base na interdisciplinaridade.

A RIGS publica documentos inseridos em seis


tipologias de contribuição: tecnológica, teórica,
vivencial, indicativa, fotográfica e audiovisual.

www. rigs .ufba.br

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