O Crime de Burla Comum

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§ 16º — O crime de burla comum

Guarte sempre d'enganar a outro. Nem enganar te


deixes nunca d'outro. Hum faz o malicioso, outro
o imprudente. —Diogo de Teive, Epodos.

A. Generalidades
I. O modelo napoleónico
No que diz respeito ao crime de burla, o actual CP distanciou-se significativamente do
anterior (Código de 1852/1886) que se inspirara no código francês de 1810.
Segundo o artigo 451º do CP português de 1886, era punido quem defraudasse a outrem,
fazendo que se lhe entregasse dinheiro ou móveis, ou quaisquer fundos ou títulos, “por
algum dos seguintes meios: 1º — Usando de falso nome ou de falsa qualidade; 2º —
Empregando alguma falsificação de escrito; 3º — Empregando artifício fraudulento para
persuadir a existência de alguma falsa empresa, ou de bens, ou de crédito, ou de poder
supostos, ou para produzir a esperança de qualquer acidente”.
O artigo 313-1 do CP francês (“De l’escroquerie”), na linha do desenho da burla dos
tempos napoleónicos e a exemplo do que acontecia com o anterior artigo 405, continua
ainda hoje a referir o uso de falso nome ou de uma falsa qualidade, o abuso de uma
qualidade verdadeira, ou o emprego de manobras fraudulentas. O agente engana, por esses
meios, outra pessoa, “determinando-a a entregar fundos, valores ou um bem (…), em seu
prejuízo ou de um terceiro”.

1. A posição limitativa da maquinação ou mise-en-scène impôs-se no séc. XIX como


condição necessária do engano fraudulento
Para a doutrina francesa ( ) são precisos "actos externos, actos materiais, uma mise-en-
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scène destinada a confirmar a mentira" do burlão. Na interpretação do art. 405 do ancien


Code Pénal atendia-se ao revestimento exterior do engano, incriminando-se o que
estivesse construído com uma certa riqueza de formas e de meios. Não bastava que o
motivo fraudulento fosse simplesmente enunciado, exigia-se que estivesse acompanhado
de maquinações aptas a abrir uma brecha na defesa do sujeito passivo. Em suma,
reservavam-se para a burla apenas os comportamentos enganosos que fossem teatralmente
representados — as simples dissimulações ou reticências ficariam para o campo mais
amplo do direito civil, pois só aqueles têm um índice de gravidade suficiente para justificar
a punição à sombra da lei penal.

1 Garçon, Code Pénal annoté, I, p. 1288.

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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2. Estabeleceu-se assim uma distinção entre a mentira verbal, que não deveria ser
punida, e a manobra fraudulenta como "obra" material e exterior, de carácter
positivo
Acrescentava-se ainda a necessidade da constatação do engano, que será mais fácil de
obter quando o agente se serve de actos exteriores que aparentam uma falsa realidade pois,
neste caso, a possibilidade de verificar o engano fica facilitada pela sua produção material
no mundo exterior. Deste modo, será responsável por "escroquerie" o indivíduo que criou
sociedades fictícias e que, para persuadir terceiros a comprar partes dessas sociedades,
recorreu a uma publicidade intensiva e mentirosa destinada a convencer os eventuais
subscritores da realidade e da prosperidade dessas sociedades. Mas as simples afirmações
mentirosas não constituem, por si só e desacompanhadas de qualquer outra circunstância,
as manobras fraudulentas previstas no art. 405. Além disso, a "escroquerie", só podendo
resultar de um acto positivo, não se coaduna com a simples omissão, pelo que não comete
o crime quem se abstém de revelar a sua situação de insolvência à pessoa a quem solicita
um empréstimo ( ). 2

No nouveau Code Pénal, a simples mentira só integrará um meio fraudulento (art. 313-1)
se consistir no uso de falso nome ou de falsa qualidade. E do mesmo modo que no antigo
art. 405, não há manobras fraudulentas por simples omissão, nem por simples mentira. Se
alguém cala os defeitos ou os gravames da coisa não faz mais que omitir algo, sem
reflexos externos, que também não existem nos enganos implícitos, quando se adopta uma
conduta ou atitude que leva implícita a ideia do cumprimento de uma contrapartida. Só
haverá manobra fraudulenta se à mentira do agente se associar, por ex., a intervenção de
um terceiro destinada a dar-lhe crédito, como já pretendia Carrara no seu tempo. A mentira
tem que sair reforçada por um facto exterior que a ratifique, o qual consistirá, na maior
parte das vezes, ou numa mise-en-scène (v. g., se o burlão começa pela instalação fictícia
de escritórios, encenando a existência duma actividade comercial), no uso dum
documento, em actos publicitários ou na já sublinhada intervenção de um terceiro que
corrobora ou ampara o discurso mentiroso. ( ) 3

As objecções que se fazem a estas posturas radicam especialmente no facto de que, mesmo
a simples mentira, desvinculada de qualquer aparato ratificante, pode ser perigosa para
alguém facilmente sugestionável. A questão estará então em saber se, de um ponto de vista
de política criminal, deverão punir-se unicamente as fraudes de maior gravidade ou as
mais perigosas.

II. Outras legislações adoptaram fórmulas abertas e elásticas


Na sequência das críticas doutrinais à redução do engano típico às maquinações ou
manobras fraudulentas, outras legislações adoptaram fórmulas abertas. A susceptibilidade
da conduta enganosa para conduzir à disposição patrimonial por erro não dependerá então,
forçosamente, duma mise-en-scène, já que, em determinados contextos e em concretas
condições, a manifestação falsa ou mentirosa pode ser perfeitamente adequada para
alcançar o injusto proveito económico. Por outro lado, não é razoável que se estabeleça o

2 Code Pénal. Nouveau Code Pénal. Ancien Code Pénal, Dalloz, 93ª ed., 1995-96, p. 1981.
3 J. Larguier / A-M. Larguier, Droit pénal spécial, 9ª ed., p. 158; G. Giudicelli-Delage, Droit pénal des
affaires, 2ª ed., 1994, p. 92.

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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carácter fraudulento de uma qualquer conduta a partir dos meios empregados — seria o
mesmo que definir as lesões pela natureza da arma com que o agressor as produz.
Por ex., no Código Penal alemão (§ 263), a conduta supõe um engano sobre factos por
meio de uma afirmação mentirosa do burlão ou através de qualquer outro procedimento
com o valor de uma determinada declaração e que sirva para induzir alguém em erro. É
pelo engano que se provoca ou mantém um erro na outra pessoa e este erro deve prejudicar
o património do enganado ou de terceiro. O engano é um comportamento dirigido a
provocar um erro e tanto pode ser manifestado por declarações verbais como por
manipulações enganosas (apresentação de documento falso; manipulação do contador da
água, gás ou electricidade; troca da etiqueta com o preço de uma mercadoria), sendo
sempre necessária no agente a consciência de que entre o facto praticado e a realidade
existe uma discrepância. Há quem afirme que, nessa medida, o engano envolve já um
factor de ordem subjectiva. Tratando-se de factos ou procedimentos concludentes —
inequívocos—, o agente tem consciência, não obstante a via mediata ou oblíqua por que se
exterioriza a vontade, de que o seu comportamento corresponde a um determinado
conteúdo declarativo. Dispondo-se no § 263 que o objecto do erro podem ser apenas
factos, sejam eles internos ou externos, nega-se virtualidade típica aos meros juízos de
valor, às simples incorrecções e aos comportamentos usualmente permitidos no tráfico
jurídico e económico, com especial incidência na actividade comercial.

III. O actual modelo português


No direito português a burla (artigo 217º, nº 1) é na essência um prejuízo patrimonial
causado a outrem através de um engano, com a intenção de o agente obter um
enriquecimento. A lesão patrimonial é realizada pelo próprio burlado de modo
inconsciente, enquanto actua motivado por erro. Na burla, como dizia um clássico (Diogo
de Teive, Epodos): “Um faz o malicioso, outro o imprudente”.
É a partir destes elementos que a burla se distancia, primeiro, do furto, marcado por um
comportamento, que é simultaneamente acção e resultado, consistente em subtrair a coisa
móvel alheia; depois, do abuso de confiança, onde a violação da propriedade alheia se faz
pela apropriação, ou seja, pelo descaminho ou dissipação da coisa móvel que se encontra
já na posse do agente, a quem foi entregue e assim por ele recebida.
A principal característica da burla reside no uso da mentira como meio de defraudar o
património alheio. O burlão dolosamente usa da astúcia, acabando por provocar um
prejuízo patrimonial.
A descrição típica dos crimes de burla especial dos artigos 219º a 222º deve a sua origem e
existência nomeadamente ao facto de que determinadas formas de comportamento não
entram na descrição típica do artigo 217º. Neste artigo, para além do emprego de um
processo astucioso, releva sobretudo o facto de o agente determinar outrem (e não por
exemplo um dispositivo electrónico ou um computador, que seguramente não é
determinável… no sentido que lhe dá a norma) à prática de actos causadores de prejuízo.
No caso especial do artigo 219º (burla relativa a seguros), se o comportamento do agente
corresponder a qualquer das variantes típicas (alíneas a) e b) do nº 1) não se segue a
averiguação ou determinação do carácter astucioso do meio que determina a burla. Por
outro lado, o crime só se concebe na sua modalidade dolosa, mas não se trata de crime de
intenção. A burla relativa a seguros é no direito português um crime de lesão, bastando o
dano patrimonial sofrido pela seguradora. Ao contrário, o crime de burla para obtenção de

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alimentos, bebidas ou serviços, configura-se como crime de intenção. Se alguém entra no


restaurante com intenção de não pagar comete o crime, desde que concorram os restantes
elementos típicos. Mas se o comensal só quando vai para pagar se dá conta que lhe
furtaram a carteira, não se preenche a incriminação, pois não agiu com intenção de não
pagar. Outro elemento essencial consiste em o agente se negar a solver a dívida contraída.
Como se trata de uma pequena infracção, o legislador aceita que pagar ou até a
manifestação da intenção de pagar apague a infracção. Basta portanto a vontade de pagar.
No artigo 221º, nº 1 (burla informática), determinante é a intervenção no resultado de um
processamento de dados com imediato prejuízo do património de outrem. As duas
primeiras modalidades típicas que levam a esse resultado assemelham-se ao que acontece
na burla comum ( ); às duas últimas, que alargam o tipo de ilícito, falta-lhes essa
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semelhança. Há quem se lhes refira acentuando a sua indeterminação. O crime é de lesão e


não simplesmente de perigo. Inclui-se aqui a utilização abusiva de caixas automáticos, que
abrange a utilização para além do saldo da conta. No artigo 221º, nº 2, não se trata
propriamente da estrutura própria da burla, as condutas aqui previstas mostram-se
reconduzíveis aos tipos legais do furto, do abuso de confiança ou da infidelidade. A
infracção esgota-se numa ofensa ao bem jurídico do património produzida através da
interferência nos serviços de telecomunicações. ( ) A burla relativa a trabalho ou emprego
5

é crime previsto no artigo 222º. O agente deve actuar com intenção de obter para si ou
para terceiro enriquecimento ilegítimo, causando a outra pessoa prejuízo patrimonial
através de aliciamento ou promessa de trabalho ou emprego no estrangeiro, aplicando-se
tanto à emigração legal como à clandestina. Sempre que o aliciamento não implique o
abandono do país da residência, o agente preenche, consoante os casos, os tipos legais dos
artigos 217º ou 218º, mas não este.
O bem jurídico protegido é exclusivamente o património (o património como um todo,
não é a boa fé nas trocas negociais; nem é simplesmente a protecção da vítima). Para a
doutrina tradicional, tutela-se o património, globalmente considerado, enquanto conjunto
de utilidades com expressão económica, cujo exercício ou fruição a ordem jurídica não
desaprova. Adiante nos confrontaremos com as limitações impostas por este entendimento
e com a maneira de as ultrapassar.
A tentativa é punível, mesmo na burla (simples) do artigo 217º, nº 1, ficando o
procedimento criminal, neste caso, mas não no de qualquer das hipóteses de burla
agravada, dependente de queixa.
O artigo 206º contém agora dois regimes distintos de privilegiamento para situações de
furto ou de apropriação ilegítima de coisa alheia.( ) 6

4(?) “O processo “finalisticamente” utilizado de tratamento de dados corresponde no homem ao processo


de raciocínio e de decisão típicos do erro. Essa forma de processamento de dados com utilização dos meios
descritos no tipo conduz necessariamente a um resultado “errado”, que na burla corresponde à disposição
patrimonial” (Manfred E. Möhrenschlager, loc. cit., p. 116).
5 Vd., sobretudo, A. M. Almeida Costa, Conimbricense II, p. 333.
6 Relativamente à disciplina dos artigos 206º e 207º, tenha-se em qualquer caso presente as remissões dos
artigos 208º, nº 3, 213º, nºs 3 e 4, 216º, nº 3, 217º, nº 4, 218º, nºs 3 e 4, 219º, nº 5, 220º, nº 3, 221º, nº 5,
222º, nº 3, 224º, nº 4, 225º, nºs 4 e 6, 231º, nº 3, e 232º, nº 2. No respeitante à usura (artigo 226º), as penas
dos nºs 1 e 4 são especialmente atenuadas ou o facto deixa de ser punível se o agente, até ao início da
audiência em 1ª instância: a) Renunciar à entrega da vantagem pecuniária pretendida; b) Entregar o
excesso pecuniário recebido, acrescido da taxa legal desde o dia do recebimento; c) Modificar o negócio,
de acordo com a outra parte, em harmonia com as regras da boa fé.

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O regime do nº 1 é aplicável aos casos previstos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e na alínea
a) do n.º 2 do artigo 204.º e no n.º 4 do artigo 205.º, tendo como pressupostos:
— A restituição da coisa furtada ou ilegitimamente apropriada ou a reparação integral
dos prejuízos causados; e
— A concordância do ofendido e do arguido, sem dano ilegítimo de terceiro, até à
publicação da sentença da 1.ª instância.
Verificados todos estes pressupostos, o arguido vê a sua responsabilidade criminal extinta.
O regime do nº 2, já em vigor antes das alterações de 2007, leva à atenuação especial da
pena, desde que:
— A coisa furtada ou ilegitimamente apropriada seja restituída ou tiver lugar a
reparação integral do prejuízo causado;
— A restituição ou reparação se façam sem dano ilegítimo para terceiro até ao início
da audiência de julgamento em 1ª instancia.
Quanto a estas situações de privilegiamento, veja-se, através das devidas remissões (nºs 4
doa artigos 217º e 218º), o que se escreveu atrás, no parágrafo sobre crimes patrimoniais.

B. Os diversos elementos da burla do artigo 217º, nº 1


I. O tipo objectivo
1. Linhas gerais
A partir do artigo 217º, nº 1, a estrutura típica da burla pode ser esquematizada como
segue: a) Engano sobre factos astuciosamente provocado; b) Erro; c) Disposição
patrimonial; d) Prejuízo patrimonial. O tipo subjectivo, moldado pelo dolo, contém ainda
a intenção de obter (para o agente ou para terceiro) um enriquecimento ilegítimo, ou seja,
um engrandecimento patrimonial à custa do lesado.
A burla (como outros tipos legais, por ex., a usura), é crime de execução vinculada ou de
meios determinados, em que é a própria lei que descreve a actividade do agente com maior
ou menor cópia de dados. Os autores acentuam a necessidade dum nexo de causalidade
entre os diversos elementos objectivos da burla, mas alguns preferem, com razão, adoptar
a designação de causalidade psíquica (por oposição a causalidade material) ou a de
motivação. Sendo o erro elemento do tipo, tem este que estar em relação, dum lado, com
os meios astuciosos empregados pelo burlão; do outro, com os actos de que resulta
prejuízo (duplo nexo de causalidade). A conduta astuciosa do burlão motiva o erro do
enganado; em consequência do erro, o burlado passa ao acto gerador do prejuízo
patrimonial. ( ) Para além do dolo (dolo-do-tipo), como conhecimento e vontade referidos
7

7 A consumação do crime depende da verificação do prejuízo. "O prejuízo patrimonial representa o centro
dogmático da burla moderna" (Kienapfel, BT II, 3ª ed., 1993, p. 227). Como já noutro lugar acentuámos,
na sua conformação actual, a burla é produto de uma sociedade evoluída, “é filha do século dezanove”.
Desprendeu-se a certa altura de uma específica actuação (por ex., a falsificação de um documento) e fixou-
se num resultado — o prejuízo patrimonial. Reconheceu-se que era essencial agir “con altrui dano” (cf.,
por ex., o artigo 640 do Código Penal italiano de 1930). Quando, a seguir, se chegou à conclusão de que “il
danno deve avere indole economica”, o ilícito passou a situar-se inequivocamente na órbita dos crimes
patrimoniais.

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a todos os pressupostos do tipo objectivo, a burla exige ainda a verificação de um outro


(específico) momento subjectivo, referido como a “intenção de obter para si ou para
terceiro enriquecimento ilegítimo”. Quer isto significar que o enriquecimento, que tem de
estar presente como referente da motivação do agente, não tem de ser efectivamente
alcançado ou produzido. “O que empresta ao tipo da Burla um desenho singular: é um
crime material ou de resultado na direcção do prejuízo; e é, simultaneamente, um crime de
resultado cortado na direcção do enriquecimento”. ( ) A intenção de obter um
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enriquecimento ilegítimo não tem de ser realizada, embora o seja muitas vezes. ( ) Entra na 9

designação de tendência interior transcendente (überschießende Innentendenz) que


permite qualificar a burla como crime de resultado cortado, não havendo inteira
correspondência (“congruência”) entre o lado objectivo e o subjectivo do ilícito. Como
observa Jescheck, “o agente tem em vista um resultado [um enriquecimento ilegítimo], que
há-de ter presente para a realização típica, mas que não é preciso alcançar”.
Acórdão do STJ de 24 de Abril de 2008, no processo nº 06P3057. Burla e mandato forense. É sabido
como no crime de burla intervém um duplo nexo de causalidade. Entre a astúcia e o aparecimento na
vítima de um estado de erro ou engano e entre este estado e a prática de actos lesivos do património.
Começando pela abordagem da astúcia, causa do erro ou engano, importa ver em que é que ela se analisa:
já se defendeu, sobretudo no tempo do CP de 1886, e tendo em conta a redacção do art. 405.º do CP
francês, a necessidade de uma determinada mise en scène, como procedimento do agente (na linha da
doutrina e jurisprudência francesas, ao tempo mais relevantes para nós, dadas as afinidades entre os dois
códigos penais); ou seja, a necessidade da prática de actos materiais, considerando-se insuficiente a simples
mentira; mas, já então, para outra corrente, a exigência se circunscrevia a uma “mentira qualificada”
denunciadora de particular engenho ou habilidade (Beleza dos Santos e Luís Osório); com o Código de
1982, passou a ser maioritariamente entendido que, face à nova redacção do crime de burla (na versão de
1982, do art. 313.º, hoje, do art. 217.º), a problemática em foco perdera actualidade; no sentido de que a
falsa representação da realidade, em que o erro ou engano se traduz, pode derivar da mentira simplesmente
verbalizada (assim, na jurisprudência, por exemplo, o Ac. deste STJ de 12-03-1992, Proc. n.º 42155, e, na
doutrina, Almeida Costa, em Comentário Conimbricense, tomo II, pág. 296, Simas Santos e Leal-
Henriques em Código Penal Anotado, 2.º vol.. pág. 837, Marques Borges em Crimes Contra o Património
em Geral, pág. 22); além fronteiras, também a não exigibilidade de actos materiais configuradores de uma
mise en scène, vem sendo defendida (assim, por exemplo, Cobo del Rosal et alteri em Derecho Penal –
Parte Especial, vol. II, pág. 207, Munõz Conde em Derecho Penal – Parte Especial, pág. 411 e nota 16 ou
F. Mantovani em Diritto Penale – Delitti Contra Il Patrimonio, pág. 192). Tudo para se concluir que, não
seria por, no caso dos autos, o eventual erro ou engano ter sido provocado por mentiras, que deixaria de
poder verificar-se o crime de burla. Não é por haver um contrato de mandato e a necessidade de
transferência lícita de verbas, de cliente para advogado, que se tem que arredar sempre a possibilidade de
prática, nesse específico contexto, de burlas. É perfeitamente possível configurar a verificação de um
artifício fraudulento, que tem por consequência uma disposição patrimonial do cliente a favor do seu
advogado, estando o dito advogado ciente de que essa entrega se não mostra necessária, ou seja em
montante muito superior ao necessário. Quanto à astúcia, que não tem que se traduzir em mais do que o
suficiente para enganar uma concreta vítima, pode ela corporizar-se apenas em mentiras, a que acrescerão
ou não «actos concludentes». Ou seja, actos que o cliente erroneamente pensa estarem a ser necessários, e
para os quais o advogado não dá a pertinente justificação. Verifica-se então «uma reserva mental dolosa,
em que o agente explora a ambiguidade da sua conduta, induzindo, por essa via o sujeito passivo em estado
de erro. Nesse condicionalismo, coloca-se porém um maior grau de exigência, devendo falar-se de burla
sempre que a concludência da acção se reporte a um aspecto subtraído ao conhecimento da generalidade
das pessoas e que, à luz das aludidas considerações de boa fé (…), fosse esperar ver esclarecido» (cf.

8Costa Andrade, “A Fraude Fiscal — Dez anos depois, ainda um crime de resultado cortado?”, RLJ ano
135º, nº 3939, Julho – Agosto 2006.
9 Esta intenção de obter um enriquecimento ilegítimo é um dos conceitos de disposição
(Dispositionsbegriffe) de que fala Hassemer: não se revelam por si mesmos, é necessário deduzi-los de
outros dados. Estes é que são empiricamente verificáveis, funcionam como indicadores da existência dos
primeiros.

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Almeida Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo II, pág. 306). Só haverá burla se a
disposição patrimonial toda ela, ou uma disposição patrimonial para além de certo montante, tiverem por
única causa o erro ou engano, por sua vez provocado pela astúcia do agente (cf. Ac. do STJ de 21-05-1998,
Proc. n.º 179/98). Por último, o crime de burla é um crime de resultado «parcial ou cortado», porque não se
exige o enriquecimento efectivo do agente, antes sendo suficiente o empobrecimento do burlado ou
terceiro (cf. Ac. do STJ de 04-06-2003, Proc. n.º 1528/03).

2. Nem a doutrina nem a jurisprudência se limitaram à tese restritiva da mise-en-


scène
Os esforços para encontrar uma figura unitária, capaz de abranger as diversas actividades
astuciosas, mostram-se infrutuosos. Nem a doutrina nem a jurisprudência se limitaram à
tese restritiva da mise-en-scène, ainda que em muitos casos se acolhessem às vantagens e à
força desta figura para confirmar a natureza da mentira astuciosa. Eis um exemplo
relativamente bem conhecido, em que estavam em causa dinheiros do Estado:
Caso nº 1 “Toda a actuação do A demonstra um complexo estratagema destinado a enganar o sujeito
passivo, iludindo a sua boa fé e levando-o a uma falsa representação da realidade. Nessa
actuação está patente o urdimento com exteriorização enganatória, significante da astúcia. As
manobras foram colimadas a criar junto do ministério a ‘aparência’ de uma determinada
realidade não existente. (…) O agente convence o sujeito passivo de uma falsa representação
da realidade (e o erro ou engano nisso consistem), mediante manobras (e estas podem ser as
mais variadas, desde a simples mentira que as circunstâncias envolventes são de molde a
tornar credível perante o homem médio até aos mais elaborados artifícios) adrede realizadas”.
Cf. o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, BMJ 454, p. 531; também publicado e
anotado na RPCC 6 (1996).
Na praxis dos tribunais não faltam outros enredos possíveis, capazes de desencadear, da
mesma forma, o erro no espírito do sujeito passivo:
— “Integra o elemento enganoso”, escreve-se no acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 1996, processo
nº 48746 - 3ª Secção, “o facto de os arguidos após prévio acordo se dirigirem ao ofendido,
fazendo-lhe crer que eram pessoas sérias e de boa capacidade económica, prontificando-se a
emitir cheques e letras, tendo com base nisso obtido a entrega do veículo por parte do ofendido”.
— “Comete o crime de burla o arguido que induz o ofendido em erro tendo-lhe referido que mediante
a entrega de uma quantia monetária podia falar com o examinador para que este lhe facilitasse a
feitura do exame de condução (acórdão do STJ de 14 de Fevereiro de 1996, processo nº 48597 - 3ª
Secção).
— “O ofendido entregou ao arguido a quantia de quatro mil contos, sabendo que este, na altura,
aceitava depósitos em dinheiro, sobre os quais pagava o mesmo juro da D. Branca (10 % ao mês)
e este aceitou esse depósito comprometendo-se a pagar os juros mensais de 10% sobre a quantia
depositada. O engano utilizado pelo réu para se apropriar de bens do ofendido consistiu
precisamente no facto de lhe prometer pagar juros de 10 por cento ao mês, sabendo de antemão
que tal lhe era impossível, estando numa situação económica difícil e tendo vendido muitos dos
seus bens de raiz” (acórdão do STJ, de 19 de Dezembro de 1991/12/91, BMJ 412, p. 234).
— Em Espanha, um indivíduo conseguiu 200 mil pesetas de uma mulher para adquirir uma moradia
mediante promessa de casamento e ocultando a sua condição de casado, tendo sido condenado por
estafa. (TS 12.12.1981).
— A, com a afirmação de que as notas emitidas no tempo do ditador Franco tinham sido substituídas,
conseguiu que B lhe entregasse todas as que tinha “para serem substituídas por dinheiro novo”. Foi
igualmente condenado por estafa. (TS 24.3.1981).
— Em França, muita gente ainda sorri ao ouvir falar do affaire Vrain-Lucas, um engenhoso falsário
dos finais do séc. XIX que anos a fio ridicularizou um respeitável homem de ciência, vendendo-
lhe cartas fictícias de Pascal, de Galileu e de outras figuras da História.

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a) Engano por forma activa; engano por omissão


Os tribunais configuram o comportamento do sujeito activo a partir de manobras, que
podem ser as mais variadas, desde a simples mentira, uma afirmação verbal explícita ( ) 10

que as circunstâncias envolventes são de molde a tornar credível, até às maquinações


complexas e multiformes, aos mais elaborados artifícios, levando a vítima a uma falsa
representação da realidade (a uma contradição entre a representação e a realidade).
Podem acrescer (ou não) actos concludentes, aquelas condutas que não conformam, em si
mesmas, qualquer declaração mas que, atendendo a um critério objectivo, firmado nas
regras da experiência e nos parâmetros ético-sociais vigentes no sector da actividade se
mostram adequadas a criar uma falsa convicção sobre um facto. Por exemplo: um lojista
que adultera a balança; um taxista que faz o mesmo ao taxímetro.
Não será pois necessário que o engano consista em factos materiais ou em cenas teatrais
que corroborem o que o burlão assevera, bastam as palavras enganosas capazes de produzir
a ilusão no espírito da vítima e fazer dobrar-lhe ou encarreirar-lhe a vontade. O engano,
afinal, também se consegue com formas de actuação simples e rudimentares, desde que
bastem para viciar a vontade da vítima.
Caso nº 2 A furtou a B uns patins que depois vendeu a C, que ao comprá-los estava inteiramente de boa-fé.
A não disse expressamente a C: "os patins pertencem-me", "são meus", mas para C os
termos do negócio apresentavam-se-lhe como uma declaração concludente, dado o A lhe
ter proposto a compra dos patins "em seu próprio nome e pelo preço considerado
corrente". É o mesmo que alguém entrar num táxi e mandar seguir para determinada
direcção, pois qualquer utilizador dum táxi sabe que o percurso combinado é a pagar e isso
mesmo resulta do contador e dos demais sinais instalados na viatura.
Caso nº 2-A: pratica o crime de burla o arguido que tenha estacionado a viatura que conduzia num parque
de estacionamento pago, sujeito ao regulamento geral de zonas de estacionamento de duração
limitada, colocando no seu interior um ticket no qual colou parte de um ticket do dia anterior,
no qual constava uma indicação horária superior à do bilhete utilizado. Acórdão da Relação de
Lisboa de 27 de Junho de 2001, CJ, ano XXVI (2001), tomo III, p. 158:
Para enganar, as formas são assim as mais diversas: palavras, gestos (aprovação com sinal
de cabeça), mímica (mostrando entusiasmo por algo sem valor), sinais (etiquetar como
sendo de uísque uma garrafa de chá) ou qualquer outra acção com valor declarativo (mala

10 “[A palavra] não permite apenas a dissimulação (a omissão ou a mentira ingénua), mas também a
dissimulação da dissimulação (a mentira hábil, a manha). Não se limita a fazer acreditar, faz dizer ao outro
a sua verdade: abandona-o ao que ele toma pelo que não é. (…) Não há engano que não procure ter a
aparência da verdade e da boa-fé. Estas constituem uma condição sine qua non da astúcia. (…) Se posso
acreditar no outro mais sob palavra do que sob prova, é apenas na medida em que a relação de posições
que nos liga faz parte das nossas representações partilhadas: dado o que ele é para mim e o que eu sou para
ele, a sua palavra não me pode enganar sem que ele se veja, ao mesmo tempo, diminuído aos meus olhos.
Na medida em que a colocação do seu ser implica que eu o reconheça (ou seja, que as nossas posições
respectivas estejam ligadas e que formulemos algo a partir daí), existe entre nós uma garantia de boa-fé.
Que eu possa acreditar no outro sob palavra supõe o seguinte: que a formulação da relação posicional que
nos liga (na medida em que acedemos a essa formulação) seja o garante que transforma em confiança a
necessidade inelutável que o meu próprio ser dependa do ser do outro. Esta formulação — admitindo que
seja verídica, que seja uma palavra verdadeira — vale ao mesmo tempo como fundamento da ordem
simbólica, ou seja, como único apoio contra a desmesura do desejo, e abismo da falta. Todavia, a boa-fé
não se deve confundir com uma utópica transparência; não exclui o engano: paradoxalmente, coexistem. A
palavra abre-se à violência, à confusão e à morte, só quando a astúcia deixa de ser possível”. Roland
Barthes e François Flahault, Palavra, Enciclopédia Einaudi, 11, p. 131.

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
9

só aparentemente cheia de notas de Banco), etc. ( ) Pode-se recorrer a factos verdadeiros


11

mas deformados, ou ao uso de falso nome ou de falsa qualidade. Pode ser a utilização de
documentos falsos ou falsificados ou de qualquer comportamento em que a mentira sai
reforçada por um facto exterior.
Tudo expressões cuja descrição ou enumeração a lei portuguesa economiza.
Pode inclusivamente dar-se relevância a comportamentos omissivos, como guardar
silêncio — e aqui sempre teria de intervir a possibilidade de o crime ser cometido por
omissão imprópria, nos termos do artigo 10º.
Contudo, na burla "há que notar uma sensível descriminalização, na medida em que o
mero aproveitamento do erro deixou de ser elemento típico suficiente para a sua
verificação”. ( ) 12

A ressalva da primeira parte do nº 1 do artigo 10º do Código Penal ("outra intenção da


lei"), que acresce à exigência de que o tipo legal de crime compreenda "um certo
resultado", tem sido interpretada no sentido de excluir da equiparação da omissão à acção
certos crimes de execução vinculada, como a burla, autorizando essa equiparação desde
logo quanto aos crimes de forma livre, como o homicídio, que pode acontecer por
envenenamento, por aplicação de uma corrente eléctrica, pelo disparo duma arma de fogo,
etc. A recusa da burla omissiva feita por M. Fernanda Palma - Rui Pereira assenta na
interpretação conjugada dos artigos 217º e 10º do CP, que, no entender dos autores, só
atribuem relevância à astúcia que se exprime por acção. Estará em causa o modo de ser
objectivo da acção, atendendo à energia, ao engenho ou à persistência criminosa que ela
revela.
Todavia, na burla a omissão tem significado social idêntico à correspondente acção
descrita no tipo, não está relacionada unicamente com a produção do resultado, está
igualmente implicada no modo típico da sua produção: exige-se, não uma qualquer lesão,
mas uma lesão patrimonial provocada por erro ou engano. ( ) ( ) 13 14

Ponto é que a conduta astuciosa, que na lei portuguesa é elemento típico imprescindível, se
possa então caracterizar.
Caso nº 3 A, que negoceia em viaturas usadas e tem, inclusivamente, uma oficina especialmente
apetrechada para proceder a qualquer tipo de reparações, recebe a visita de B, interessado num
determinado automóvel usado. No meio da conversa, A aponta para o automóvel, esclarecendo
o cliente que aquela viatura interviera uns seis meses antes num acidente sem gravidade, mas
que fora integralmente reparada nas suas próprias instalações. Tal informação era exacta.

11Sobre a viabilidade de a emissão de cheque constituir meio fraudulento do crime de burla, o acórdão do
STJ de 21 de Abril de 1999, BMJ 486 p. 128.
12 Eduardo Correia, As grandes linhas da reforma penal, Jornadas de direito criminal, CEJ 1983.
13 Ebert, p. 163; Haft, p. 206.
14 Ebert, p. 163: A cláusula de equivalência tem a ver com o modo de produção do resultado, diz respeito
somente àqueles tipos que não se limitam a sancionar a simples causação do resultado (desvalor do
resultado), mas que, para além disso, exigem uma determinada modalidade de acção (desvalor da acção). A
equivalência da omissão à acção assenta, nestes tipos de ilícito, na circunstância de a omissão não estar em
relação somente com a produção do resultado, mas também com o modo típico da sua produção. Na burla
exige-se, não uma qualquer causação dum dano mas um dano por erro ou engano; a omissão deverá incluir
portanto a não evitação de um erro.

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
10

Todavia, A omitiu que o anterior proprietário tinha tido um outro acidente com o mesmo carro
que então sofreu graves danos.
Perante condutas exteriormente equívocas ou ambíguas, suscitam-se por vezes questões de
distinção prática entre crimes de acção e de omissão. A solução está ligada à circunstância
de saber se o agente criou ou potenciou o perigo para o bem jurídico ameaçado (conduta
activa) ou antes se não diminuiu ou eliminou um tal perigo (conduta omissiva). A
distinção tem um grande significado porque só nos crimes omissivos impróprios se
pressupõe um “especial dever jurídico de pessoalmente evitar o resultado” no sentido do
dever de garantia (artigo 10º).
No caso anterior pode muito bem ter acontecido que das circunstâncias em que a conversa
ocorreu, o cliente tenha interpretado as palavras do A como querendo significar que o
carro só tinha tido aquele acidente e mais nenhum. A declaração, se bem que em si
correcta, é no entanto incompleta e, inclusivamente, quando conjugada com o
efectivamente acontecido ao carro, falsa. Mas sendo assim o que estará em causa é um
engano na forma activa, o que logo exclui a intervenção da disciplina contida no artigo
10º. ( ) Por outro lado, cumpriria certamente ao cliente certificar-se do estado real da
15

viatura, dada a secura da afirmação produzida pelo dono da oficina, com que de modo
nenhum se deveria contentar.
Caso nº 4 Burla por omissão. J é jogador reputado mas já com 35 anos. Pertence aos Panteras Negras e
interessa aos Panteras Brancas, ambos da primeira liga de futebol. Era sabido que J se tinha
lesionado, de forma que os Panteras Brancas não estavam na disposição de largar mão de um
milhão de euros pela sua contratação por um ano. O jogador concordou por isso que o seu
médico, M, atestasse a sua capacidade para jogar a temporada inteira na primeira liga, tendo-
se ademais combinado que sem isso o ajuste não se faria. M passou o atestado, dando o J como
fisicamente apto e capaz de aguentar o ano inteiro sem problemas. Estes dados todavia não
diziam respeito a J, mas a um outro jogador dos Panteras Negas, o P, de 25 anos. O médico
recorreu ao computador mas, por engano, trabalhou com os dados do P, que havia observado
quando este ingressara no seu actual clube. Acontece que o médico se apercebeu do seu erro,
sem dúvida devido a uma mera desatenção, ainda antes do fecho da contratação do J. Apesar
disso, nada fez no sentido de repor a verdade dos factos, porque tinha interesse próprio na
contratação do J por um novo clube, o que lhe dava a garantia de voltar a ganhar uns largos
milhares como acontecera várias vezes nos anos em que o J era mais jovem e cobiçado no
mundo do futebol. Logo no primeiro jogo pelo seu novo clube se manifestou no J uma lesão
anterior que o pôs no "estaleiro" por toda a temporada. (Adaptado de Mitsch, Strafrecht, BT II,
p. 430).
Responsabilidade penal do médico?
No caso de anterior intervenção geradora de perigos o sujeito é obrigado, como garante, a
impedir a produção do correspondente resultado de dano. Quem cria o perigo tem o dever
de impedir que este venha a converter-se em dano (ingerência). O médico redigiu o seu
relatório baseado em informações falsas de que, por engano, se socorrera, cumprindo-lhe
por isso desfazer o engano, actuando positivamente, explicando o que acontecera (o que só
não terá feito em vista de um enriquecimento da sua parte, que de resto sabia ilegítimo).
Todavia, omitiu esse dever jurídico de pessoalmente evitar o resultado que acabou por se
produzir no património dos Panteras Brancas. Sabia, além disso, que com a verdade
reposta, o clube não teria assinado o contrato. Sendo a omissão dolosa, parece indubitável
a existência de um engano causal do erro em que o clube caiu e igualmente causal da
disposição patrimonial que levou ao prejuízo sofrido. A omissão do médico é punível

15 A este respeito veja-se, sobretudo, Mitsch, p. 427; e Ranft, JA 1984, p. 723.

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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como burla, faltando aferir do valor para eventualmente qualificar o crime. Note-se por
último que para a formação do erro em que se envolveu, o clube não deu qualquer
contributo. ( ) 16

Caso nº 4-B: Factos concludentes. Crime de burla qualificada dos artigos 217º e 218º, nº, 2, a), com
referência ao art. 202º, b). A, agindo sempre em nome da sociedade CC, tinha celebrado, como
locatário, um contrato de locação financeira sobre um determinado prédio rústico.
Posteriormente celebrou com a assistente um contrato-promessa de compra e venda,
prometendo vender-lhe o referido prédio, ao qual se previamente deslocou acompanhado do
gerente da assistente e do advogado desta. Nunca o arguido referiu que o prédio estava sujeito
àquele contrato de locação financeira e que, portanto, a firma por ele representada não era
proprietária do mesmo. Por conta do preço estipulado, o arguido recebeu 47 500 000$00.
Cerca de dois meses depois da celebração do contrato-promessa, a assistente, que celebrou
esse contrato na convicção de serem verdadeiras as disposições nele contidas, veio a saber que
o prédio não era propriedade da firma representada pelo arguido. Tentou então que o arguido
celebrasse a prometida venda ou, ao menos, cedesse a sua posição no contrato de locação, mas
o arguido inviabilizou tal negócio.
Disse o acórdão do STJ, CJ 2008, tomo II, p. 255: "Desta matéria de facto não consta
quem tomou a iniciativa do negócio, nem como foram iniciados os contactos entre as
partes. Certo é, porém, que a assistente outorgou o contrato-promessa de compra e venda
na convicção de que o A representava a proprietária do prédio; e que este, mesmo depois
de se deslocar ao local com o promitente-comprador e o seu advogado, nunca o (ou os)
esclareceu que era apenas locatário financeiro do mesmo. O A sabia que o promitente-
comprador estava agindo de boa-fé, ou seja, estava convencido de que ele representava a
proprietária do prédio, tendo ocultado sempre que o verdadeiro proprietário era outro,
facto que veio a ser conhecido pela assistente de outra fonte (ignora-se qual), já depois da
celebração do dito contrato-promessa. A má-fé negocial do A é, a todos os títulos,
evidente. Ele comportou-se activamente como proprietário (melhor, como representante da
proprietária), iniciando e intervindo activamente nas negociações para a venda do prédio,
ajustando o preço, deslocando-se mesmo ao local acompanhado da outra parte, e
finalmente celebrando o contrato-promessa, como sócio-gerente da sociedade CC, que
declarou então ser proprietária do prédio em referência. E recebendo logo uma primeira
fatia do preço, a que outras se seguiram, até ao montante de 47 500 000$00. Esta sucessão
de actos, embora nunca envolvendo uma declaração expressa por parte do A arrogando-se
ou admitindo a qualidade de proprietário do prédio, constitui sem qualquer dúvida um
conjunto de actos concludentes, pois deles o representante da assistente, na sua boa-fé, só
poderia depreender e concluir que o arguido era de facto o gerente da proprietária do
prédio e consequentemente tinha poderes para o vender, de forma que esses actos encerram
uma idoneidade em tudo idêntica à das declarações expressas para enganar a assistente,
isto é, para a manter na convicção errada de que o prédio pertencia à sociedade gerida pelo
arguido. Aliás, o comportamento subsequente do A, inviabilizando qualquer hipótese de
negociação e composição de interesses (nomeadamente com a transmissão da posição de
locatário do prédio) e apropriando-se das diversas quantias recebidas por conta do
contrato, é demonstrativo de que ele nunca realmente quis celebrar aquele negócio, mas
apenas apropriar-se ilicitamente de valores através de engano ou erro da assistente.
Acresce que é incontestável que foi o erro mantido pelo A que levou a assistente a celebrar
o negócio e a entregar-lhe as quantias referidas. Estão, assim, verificados todos os
elementos típicos do crime de burla (cometido por acção): um prejuízo patrimonial

16 Veja-se, sobretudo, Cramer, in S/S, 25ª ed., p. 1839 e ss.

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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motivado por erro astuciosamente provocado (por meio de actos concludentes) pelo
agente".

b) A linha divisória entre a fraude, constitutiva da burla, e o simples ilícito civil


Diz-se em aresto recente (acórdão do STJ de 2 de Março de 2005, no processo nº 04P4745): "é usada
astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou são referidos pelo
burlão factos falsos ou este altera ou dissimula factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende
enganar e surpreender a boa fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu
património ou de terceiro. Esses actos, além de astuciosos, devem ser aptos a enganar [17], podendo o
burlão utilizar expedientes constituídos ou integrados também por contratos civis. (…) Nos negócios, em
que estão presentes mecanismos de livre concorrência, o conhecimento de uns e o erro ou ignorância de
outros, determina o sucesso, apresentando-se o erro como um dos elementos do normal funcionamento da
economia de mercado, sem que se chegue a integrar um ilícito criminal; mas pode também a fraude penal
pode manifestar-se numa simples operação civil, quando esta não passa de engodo fraudulento usado para
envolver e espoliar a vítima, com desprezo pelo princípio da boa fé, traduzindo-se num desvalor da acção
que, por sua intensidade ou gravidade, tem como única sanção adequada a pena. Há mera reserva mental só
relevante no plano civil, quando o arguido queria efectivamente comprar determinadas mercadorias e só
entrega como garantia um cheque correspondente a parte do preço, de que anteriormente havia comunicado
o extravio, o que não foi determinante da entrega dos bens por parte do vendedor”. Acórdão do STJ de 2 de
Março de 2005, no processo nº 04P4745, Relator: Cons. Simas Santos.

3. O erro causado pelo engano

a) A conduta fraudulenta como antecedente ou causa do erro


A actuação do burlão não se fica por uma simples alteração da verdade, deve antes
projectar-se, de forma injustificada, numa falsa representação da realidade por parte da
vítima, enganando-a ou induzindo-a em erro (sobre factos, diz a lei). A conduta astuciosa
terá que ser de molde a motivar o erro, de tal forma que, por um lado, se registe entre os
dois segmentos típicos uma relação de causalidade; por outro, que tal conduta fraudulenta
seja antecedente ou causal desse erro ou engano (e deste modo da disposição patrimonial
que causa um prejuízo) e não meramente acidental.

b) O engano é a respeito de factos


Tratando-se de uma falsa representação da realidade, ficam de fora os autênticos juízos de
valor ( ), o engano é a respeito de factos, que são acontecimentos, eventos e situações que
18

pertencem ao passado ou ao presente. Com efeito, na burla, objecto do erro ou engano

17 Alguns são de opinião que se deverá excluir da tutela penal quem não pôs um mínimo de cuidado na sua
própria protecção, por não merecerem protecção aquelas situações em que o erro podia ter sido evitado
com um mínimo de atenção, empenho ou diligência próprias do homem médio. Não basta assim para haver
burla, que alguém se apresente com um automóvel visivelmente amolgado e a revelar bastantes anos de
uso e o venda “como novo”. A ultima ratio do direito penal começa por valer logo em relação às
possibilidades de auto-tutela ao dispor de uma vítima “normal”, não chocantemente crédula ou ingénua
(Costa Andrade). A postura restritiva baseada na necessidade de um engano objectivo materializado e
capaz de induzir um “homem médio” em erro é hoje em dia recusada, por ex., por Conde-Pumpido, para
quem, objectivamente, a conduta deverá valorar-se em função do âmbito da confiança ou boa fé em que se
desenrola. Subjectivamente, entram em jogo quer as condições pessoais do sujeito enganado — que pela
sua falta de cultura, situação, idade, ou défice intelectual, é mais sugestionável ou aparece mais indefeso
relativamente e enganos grosseiros — quer as relações em que o ofensor desperta a confiança da vítima
determinando o enfraquecimento do cuidado habitual. Nesta perspectiva, as condições de suficiência do
engano devem ser valoradas intuitu personae, fazendo-se uso de critérios pessoais individualizadores, e em
função do caso concreto

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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podem ser apenas factos, sejam eles externos ou internos: o agente comete o crime "[...]
por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou [...]", diz-se no
artigo 217º, nº 1. O convencimento sobre o que vai acontecer no futuro, por ex., que o
preço de umas acções na Bolsa vai subir, não é um facto, independentemente do grau de
certeza que se ponha na afirmação. Também não é um facto a solvabilidade futura de
quem consegue um empréstimo, não obstante o convencimento empenhado do mutuante.
Não é nenhum facto a futura capacidade de pagar de quem compra a crédito ou pede
dinheiro emprestado (em tais casos, facto será o convencimento actual de quem compra a
crédito ou do mutuário sobre a sua capacidade de vir a pagar ou a intenção de o fazer no
futuro). Na prática, surgem porém dificuldades. No exemplo de Stratenwerth, se alguém
diz falsamente que um empresário acaba de realizar um importante invento que vai fazer
com que suas acções subam em flecha, engana a respeito de um facto. Facto é, por ex., “o
conjunto das características de uma máquina, bem como o modo por que ela é fabricada, o
conteúdo duma conversa da véspera ou a ideia que alguém hoje faz de algo determinado”
( ), o preço ou a data de fabrico de uma mercadoria. A razão da burla não é o facto
19

enquanto tal mas a afirmação do facto (suposto). Esta afirmação é descrita na norma alemã
como a referência a “factos falsos ou alteração ou dissimulação de factos verdadeiros”.

c) Quem paga a um curandeiro, a um exorcista ou a uma bruxa será vítima de um


crime de burla?
Requerendo-se uma certa magnitude objectiva ( ), não haverá da parte dessa gente uma
20

actividade que baste para enganar — seriam condutas atípicas. A menos que a actividade
reflicta um processo astucioso, montado para levar a uma disposição patrimonial que
produza um prejuízo, estando presentes os restantes elementos objectivos e subjectivos.
Por idênticas contas, também não haverá burla quando alguém solicita um empréstimo
com a simples afirmação de ser proprietário de imóveis, ou no caso da obtenção de
dinheiro com a promessa de enriquecimento por meios sobrenaturais. Aliás, sempre se
poderia acrescentar que o erro não é produto da actividade do curandeiro ou da bruxa, mas
de crenças prévias e irracionais do suposto enganado. Ou que quando o sujeito passivo
leva a cabo a disposição patrimonial sem qualquer erro, conhecendo a mentira ou por puro
passatempo ou liberalidade, também não existe burla: videntes, falsos adivinhos, etc., não
enganam ninguém mas obtêm proveitos deste modo.
Cabem aqui os enganos em que caem pessoas especialmente indefesas, como os incapazes
(incapazes de conhecer e de entender): alguns menores ou deficientes mentais. Tratando-se
de um doente mental, o facto de se determinar uma pessoa nesta situação a entregar uma
coisa constitui furto, segundo uma parte da doutrina. O engano, diz-se, não é meio idóneo
para influenciar uma vontade inexistente no âmbito jurídico, sem que esta conclusão
implique a impunidade da conduta. O caso seria de subtracção, na impossibilidade de se
afirmar um verdadeiro acto de disposição. Tratando-se duma pessoa parcialmente incapaz,
a burla é contudo possível.

18 A afirmação de que um determinado produto "lava mais branco" não integra um facto mas tão só um
juízo de valor.
19 Blei, p. 221.
20 Bajo Fernández.

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A burla do mendigo é um tema debatido na doutrina alemã que alguns autores introduzem
no âmbito dos enganos socialmente tolerados. Na medida em que o dador procede de
forma completamente indiferente quanto às supostas necessidades de quem pede e só quer
livrar-se deste o mais depressa possível, o facto deverá ficar impune, mesmo quando na
mendicidade se alegam necessidades ou situações que podem ser fictícias ou exageradas.

d) O aproveitamento do erro
Quase seria desnecessário insistir em que a conduta enganosa deverá anteceder o erro —
só quando forem prévias é que as actividades do burlão poderão declarar-se causais ou
motivadoras do erro em que a vítima caiu. É neste quadrante que convirá rever aspectos
das implicações penais de certas atitudes omissivas, sabendo-se que alguns ordenamentos,
como o suíço, contam expressamente com o aproveitamento dum erro preexistente da
vítima entre as modalidades da burla. Pode certamente falar-se de casos de erro
preexistente noutra pessoa, mas dificilmente se justificará que esse erro seja causado ou
induzido por um nada fazer ou por um continuar calado — como quando um comerciante,
no exercício da sua actividade, não desfaz determinado equívoco, embora se aguardasse
dele outro procedimento. Há, no entanto, autores (por ex., Conde-Pumpido) que apontam
uma concausa para o erro quando a conduta do agente se dirige à confirmação ou à
reafirmação do erro preexistente, maxime se o sujeito passivo está numa posição em que é
de confiar que o agente desfaça qualquer equívoco sobre o tema — quem, no acto da
compra, exprime a sua equivocada crença de que o objecto que lhe interessa é de prata, ou
que as pedras que o adornam são autênticas, tem o direito a confiar em que, se assim não
for, o comerciante vendedor lho esclareça. E conclui. “Estamos de novo no terreno das
omissões e das acções esperadas: estando o agente obrigado, juridicamente ou por um uso
social, a clarificar a situação, se assim não fizer estará a determinar a actuação em erro do
sujeito passivo”. Mas esta é uma conclusão muito discutível e em todo o caso de dimensão
e alcance reduzidos.
Entre nós, logo na discussão do Projecto Eduardo Correia se considerou que a solução
proposta ("quem, com intenção de obter (…) um enriquecimento, através de erro ou
engano sobre factos que astuciosamente provocou ou aproveitou…") "levaria a um
alargamento excessivo do tipo" (Actas, p. 139). O termo "aproveitou" não chegou a ser
introduzido na redacção final do preceito, pelo que a possibilidade de um crime por
omissão ficou reduzida à articulação com o artigo 10º do CP, ainda que, também aqui, haja
quem se oponha à sua aplicação, a nosso ver sem razão, como vimos supra, em 2 a). ( ) 21

e) Erro e simples ignorância, nomeadamente os casos de polizonagem


Tratando-se de ignorantia facti, não chega mesmo a desenhar-se uma falsa representação
da realidade: assim, se alguém vai retirando mercadorias de um determinado armazém,
sem que o prejudicado se dê conta de que alguns lotes em existência foram diminuindo; ou
no caso do passageiro clandestino. Vem isto a propósito das noções de erro e ignorância.
Alguns autores negam que sejam equivalentes, afirmando que a vontade só pode estar
viciada quando se provoca uma representação equivocada da realidade. “Mientras que el
error va referido a un conocimiento equivocado o juicio falso, la ignorancia nos señala,
precisamente, la ausencia total de conocimiento” (Valle Muñiz). Ora, a ignorância carecerá

21 Uma exposição sucinta mas clara sobre o assunto pode ser vista em Helena Moniz, O Crime de
Falsificação de Documentos, 1993, p. 81, nota 144.

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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de eficácia para motivar a vontade, por corresponder a uma ausência de representação, a


um vazio psicológico. O artigo 220ª CP veio obviar a algumas destas dificuldades,
punindo, em certas condições, quem, com intenção de não pagar, entrar em qualquer
recinto público sabendo que tal supõe o pagamento de um preço. Antes da introdução deste
artigo 220º no Código impunha-se que se averiguasse se a conduta dum passageiro
clandestino, que utiliza um meio de transporte público iludindo o pagamento da passagem,
merece uma resposta penal a título de burla. Se o indivíduo conscientemente entra sem
pagar bilhete numa zona de acesso restrito (polizonagem) e o controlador continua a
ignorar a sua presença, não haveria burla da sua parte, por se não verificar qualquer
hipótese de erro. Noutro ex., o revisor do comboio não terá sido induzido em erro, quando
um passageiro inicia viagem sem se ter munido previamente de bilhete e o revisor pensa
que tudo está em ordem. Mas há autores que aderem a uma compreensão ampla do erro,
em termos de abranger os casos de simples ignorância, de forma que o erro será então
qualquer falsa visão — tanto a falsa visão positiva como a ignorância da verdade. Em
ambos os casos existirá uma contradição entre a representação e a realidade.

4. A deslocação patrimonial
Como consequência do erro, a vítima deverá realizar o outro requisito da burla: um acto
de disposição. Os actos de disposição são o elemento do tipo que em pertinente relação
causal estão em contacto, dum lado, com o elemento intelectual que é o erro ou engano de
quem os pratica; do outro, com a consequência exterior — patrimonial — da burla, que é o
prejuízo do enganado ou de terceiro. Esse nexo causal “deve essere concretamente
accertato”, avisa Delpino.
O desenho da burla, que é crime de relação, envolve dois comportamentos, mas só se
pune o do burlão. A figura da vítima é certamente imprescindível no iter criminis da burla
mas nunca se assume como punível. A própria actividade do enganado não se segue de
modo necessário à actividade do burlão: este pode ter praticado todos os actos tendentes ao
fim em vista, sem que rigorosamente se possa afirmar que vai ter lugar o acto de
disposição pretendido, ou que este vai gerar, de forma inelutável, um prejuízo patrimonial.
No desenvolvimento do processo defraudatório, esta dupla circunstância repercute-se na
questão da tentativa acabada e na definição da desistência activa (artigo 24º, nº 1, do
Código Penal), como de forma pertinente observam Fernanda Palma-Rui Pereira.
Referindo-se ao papel da vítima — ao modo como a vítima “participa” no processo
executivo — a lei limita-se à expressão "determinar outrem à prática de actos que lhe
causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial". O prejuízo, a lesão do bem
jurídico tutelado, será produto de uma actuação do próprio sujeito induzido em erro. É
aqui que reside o que de essencial tem esta matéria: a conduta do sujeito passivo, omissiva
ou comissiva, de simples permissibilidade ou de tolerância, deverá ser consequência do
erro — de forma que “o erro deverá ser analisado como motor do acto de disposição da
vítima” (Pérez Manzano). É o erro que deverá provocar no sujeito passivo uma vontade de
disposição, sendo indiferente que tal vontade se traduza num comportamento activo ou
passivo. No fundo, é indiferente a modalidade da conduta. Trata-se de qualquer
comportamento voluntário (por conseguinte: com carácter de autorização ou mesmo só
omissivo do enganado) que provoca uma diminuição patrimonial ao próprio ou em
património alheio. Deste modo, representa uma disposição patrimonial a renúncia a um
crédito por parte do credor que a isso é induzido enganosamente.

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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Para negar a burla, aponta-se o exemplo do médico que alta noite é chamado à residência
distante de um paciente mediante telefonema falso, aproveitando os delinquentes a sua
ausência provocada para lhe pilharem a casa. Na hipótese, não houve qualquer disposição
patrimonial do médico, não obstante a tramóia em que caiu: os ladrões é que subtraíram as
coisas e cometeram um furto.
Esta característica de ser a disposição patrimonial voluntária deixa à vítima a possibilidade
de escolha, de forma que se M se intitula falsamente funcionário do tribunal e consegue
que F lhe entregue alguns bens, alegadamente “penhorados”, dir-se-á que este acto só foi
voluntário na aparência, na medida em que ao pretenso executado "só" restava entregar os
bens. Terá havido furto, ainda que a solução seja discutível. A diferença entre a burla e os
crimes de apropriação estriba-se em que, na burla, o prejuízo resulta do acto de disposição
realizado pelo próprio sujeito passivo voluntariamente, ainda que com a vontade viciada.
Decisiva é aqui a margem de liberdade de que a vítima dispõe e não a forma como
exteriormente se molda a actuação (subtracção, entrega).
É este elemento estrutural da burla, a disposição patrimonial, que permite distingui-la, já
se vê, de outros ilícitos vizinhos, por ex., do abuso de confiança. Desde logo: no abuso de
confiança, a entrega da coisa não ocasiona nenhum dano ao disponente, o acto de entrega
obedece aos seus próprios interesses, como reflexo de uma relação contratual determinada,
assente numa relação de fidúcia, de empréstimo, de depósito, etc. O resultado prejudicial
não deriva da disposição prévia mas de uma apropriação posterior do sujeito activo do
delito. Observe-se ainda que no abuso de confiança a detenção da coisa é originariamente
lícita e só depois surge a respectiva apropriação ilegítima — falta, por isso, o engano
prévio que é essencial na burla. Quanto à distinção com o furto, citam-se alguns casos de
fronteira, nomeadamente aqueles em que o crime aparece associado a um engano ou à
astúcia do sujeito activo, que, ainda assim, subtrai uma coisa ao seu legítimo dono. Mas o
nervo distintivo estará porventura em que, na burla, a diminuição patrimonial típica é
consequência directa da própria disposição patrimonial realizada pelo enganado — entre
esta conduta e o resultado não deverá mediar uma actividade do agente que se possa
classificar como de subtracção, o dano é dano provocado pelo próprio agente. O prejuízo
patrimonial tem lugar directamente, sem outra actuação delituosa do burlão. ( ) No furto, o
22

dano do lesado ocorre a arbítrio do ataque do ladrão sobre a coisa, isto é, através da
subtracção. Se um falso empregado da empresa fornecedora da luz eléctrica bate à porta e
a pretexto de ter de consultar o contador no interior da habitação aproveita para fazer mão
baixa de alguns objectos, do que se trata é de furto, não obstante o erro em que foi
induzido quem lhe facultou a entrada.
Geralmente há duas pessoas envolvidas no crime consumado, o burlão e a vítima, mas
podem envolver-se três e até quatro. O burlão é sempre uma pessoa física determinada,
sendo errado afirmar que alguém foi “burlado” por um Banco ou por uma companhia de
seguros. Por outro lado, não se duvida hoje da burla a favor de terceiro, nem
legitimamente se colocam problemas a propósito da falta de coincidência entre a
identidade do enganado e a do prejudicado. A disposição patrimonial tem que ser feita
pelo enganado (sem o que faltaria a necessária relação causal) mas pode prejudicar o
património de terceiro, quiçá uma pessoa colectiva (burla em triângulo; Dreiecksbetrug).
Ainda aqui podem colocar-se questões de autoria mediata e problemas de fronteira com o
furto, inclusive porque a subtracção de uma coisa pode ser acompanhada de processos
22 Wessels, p. 143.

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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astuciosos (Trickdiebsthal). Se alguém muda a etiqueta com o preço de um artigo exposto


para venda, será caso de burla, mas se voltarmos ao caso do falso encarregado de verificar
o contador ou se um cúmplice com qualquer truque desvia a atenção do vendedor para
outro subtrair a coisa exposta para venda, haverá furto. E se numa joalharia alguém leva a
jóia verdadeira deixando uma falsa no lugar daquela?
O que se exige é uma especial relação entre quem prejudica outrem, actuando, e o próprio
prejudicado. As figuras do procurador, do executor testamentário, do gerente duma
sociedade, ou do administrador da falência não levantam especiais problemas, movem-se
num espaço onde as relações são de natureza jurídica. A disposição não tem, porém, que se
identificar com um negócio jurídico ( ), pois não se exige na burla que o disponente tenha
23

a faculdade jurídica de dispor. Essas relações podem ser apenas fácticas. Se uma
empregada doméstica entrega uma coisa valiosa a quem diz falsamente vir de mando do
dono da casa, não haverá um acto dispositivo juridicamente entendido, nem sequer o acto
de entrega constitui um negócio jurídico. Os penalistas resolveram adoptar por isso um
conceito amplo de acto dispositivo, sem que seja necessário que a transferência ocorra
conforme o modelo do negócio jurídico patrimonial. Por conseguinte, não se exige que o
disponente tenha juridicamente a faculdade e a capacidade para dispor — mas então
podem surgir problemas.
Caso nº 5 A sublocou um dos quartos da sua casa a B. Durante uma ausência de B, A entrega a chave do
carro deste a C, que falsamente se lhe apresenta como vindo a mando do inquilino.
Caso nº 6 Alguém convence astuciosamente o encarregado de uma garagem de recolhas a entregar-lhe a
chave do carro de um terceiro (Parkgaragenfall); ou convence a encarregada do vestiário de
uma casa de espectáculos a deixar-lhe levar o sobretudo de outrem.
Caso nº 7 Alguém, dizendo-se falsamente dono de umas toneladas de lenha que se encontram à beira da
estrada convence outrem a transportá-las para um seu armazém.
O tratamento destes casos é discutível. ( ) Podemos partir da ideia de que só haverá burla
24

se o encarregado da garagem de recolhas já antes dos acontecimentos estava "na posição"


do dono do carro, de acordo com a chamada teoria da esfera da detenção (Lagertheorie).
Faltando essa relação de proximidade poderá incriminar-se como furto, por corresponder a
uma “usurpação unilateral”, i. e., a uma subtracção, na perspectiva de um autor italiano.
No último exemplo, o do camionista que transporta a lenha, não se verifica certamente tal
relação de proximidade — e quando numa estação dos caminhos de ferro alguém convence
com ardis o bagageiro a "levar-lhe" a mala de um terceiro que disso se não dá conta, o
enganado (bagageiro) não está "na posição" do prejudicado, é instrumento de um furto. A
situação resolve-se nos quadros da autoria mediata. Voltando ao encarregado da oficina: se
ele não estava certo de que entregava o carro ao dono ou a quem legitimamente o
representava, ou se isso, de qualquer forma, lhe era indiferente, parece que terá sido
instrumento da subtracção de uma coisa. Há um factor de ordem subjectiva que não deverá
ser desdenhado.
Em suma. A deslocação patrimonial tanto pode derivar duma aceitação passiva, como
duma omissão. Pode ser consciente ou inconscientemente feita, como quando o empregado
do café dá um troco inferior, na esperança de que o cliente não se aperceba, provocando-
lhe um erro e levando-o a omitir a conferência das contas. O cliente burlado procedeu a

23 Wessels, p. 125; Bajo Fernández, p. 283.


24 Haft, p. 211.

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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uma disposição patrimonial induzido directamente pelo erro, sem minimamente se ter
apercebido do que acontecera, mas ainda assim há burla. Quando alguém assina sem ler
um documento de assunção de dívida, cujas características nem sequer conhece, por lhe ter
sido apresentado como uma petição para melhoria das condições prisionais, procede
inconscientemente, sem saber que se vincula a uma disposição patrimonial com o
correspondente prejuízo. Para que se possa afirmar a burla em casos com esses, basta, no
entanto, quanto a nós, que o sujeito esteja consciente da realidade material do seu acto, da
simples materialidade do mesmo.
A burla em triângulo convoca igualmente a chamada burla processual (Prozeßbetrug):
casos em que a parte num processo, com a sua conduta enganosa, realizada com ânimo de
lucro, induz o juiz em erro e este, em consequência do erro, dita uma sentença injusta que
causa um prejuízo à parte contrária ou a terceiro. Uma parte no processo provoca o erro do
juiz apresentando conscientemente dados ou meios de prova falsos para conseguir uma
decisão desfavorável à outra parte. Quem procede à disposição de um valor patrimonial é
quem labora em erro (o juiz), o prejudicado é outra pessoa, por exemplo, o fisco. Na maior
parte das vezes, os factos integrarão uma falsificação de documentos ou falso testemunho.
Muñoz Conde (p. 280) admite que o tribunal é utilizado em certos casos como um
instrumento de comissão do crime de burla, em autêntica autoria mediata; se não se
admitir a “estafa procesal” haverá factos que ficariam impunes, como quando se trata de
cobrar dívidas já cobradas ou se fingem incapacidades para alcançar uma indemnização
maior. Existe um princípio de boa fé processual que se impõe às partes, mas devem estar
presentes todos os elementos da burla, incluindo a finalidade patrimonial da actuação. Na
Suíça, a jurisprudência entende que não comete o crime de burla aquele que induz o juiz
em erro e consegue por isso uma decisão prejudicial à parte que se lhe opõe ( ). Também 25

em Portugal se recusa a incriminação da burla consumada através de expedientes


processuais, para a qual as leis processuais contêm sanções adequadas, e cujo
enquadramento criminal foi recusado pelos acs. do STJ de 17 de Junho de 1953; 6 de
Outubro de 1960; 3 de Outubro de 1962 e 16 de Janeiro de 1974, no BMJ 37, p. 121; 100,
p. 441; 120, p. 207 e 233, p. 67, respectivamente, com abundantes fundamentos. ( ) A 26

actividade judicial não pode ser considerada meio idóneo para o cometimento do crime de
burla (ac. do STJ de 6 de Outubro de 1960, BMJ 100, p. 449).
Recentemente, porém, o Supremo ocupou-se dum caso de burla processual. ( ) A e B 27

usaram um contrato de promessa de compra e venda numa acção cível destinada a obter de
C a entrega dos bens, falsamente prometidos vender e falsamente já pagos. Da parte de A e
B nunca houve vontade de realizar o negócio correspondente, mas antes tão só uma
decisão pré-concebida de não cumprir o contrato de promessa, utilizando-o exclusivamente
na acção judicial, como elemento do engano.
Ainda quanto à litigância de má fé em processo penal e os outros meios de que os tribunais
penais podem e devem usar quando os sujeitos processuais e os advogados usam de

25 RO 78 84 JT 1952 85, in A. Panchaud, Code Pénal suisse, p. 151.


26 Maia Gonçalves, p. 732.
27 Acórdão do STJ de 04.10.2007, proc. n.º 2599/07-5. Relator: Cons. Simas Santos. Acção judicial -
Elementos - Fraude civil - distinção. Publicado no blog "Cum grano salis". Negando a "punibilidade" da
burla processual no nosso ordenamento jurídico, o acórdão da Relação do Porto de 11 de Abril de 2007 CJ
2007, tomo I, p. 218.

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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expedientes manifestamente dilatórios para obstarem ao trânsito em julgado das decisões,


cf. o acórdão do STJ de 20 de Novembro de 2008, no processo nº 08P3708.

5. O prejuízo
A burla completa-se, quanto aos seus elementos objectivos, com o prejuízo — prejuízo
patrimonial, já se vê. Sem prejuízo, poderá haver burla, mas só na forma tentada. Já
anteriormente vimos que a disposição patrimonial estabelece o cordão umbilical entre erro
e prejuízo patrimonial e releva como causa do dano patrimonial. De forma que o prejuízo,
seja ele do enganado ou de terceira pessoa, há-de ser consequência desse acto dispositivo.
O princípio fundamental para a determinação de qualquer prejuízo patrimonial consiste, de
acordo com o que é corrente na Alemanha, na comparação da situação patrimonial da
vítima antes e depois do acto de disposição efectuado. Haverá prejuízo patrimonial se, na
sequência dessa disposição, o património, encarado como um todo, se mostrar diminuído.
Se utilizarmos a noção jurídico-económica de património, como conjunto de bens e
interesses económicos juridicamente protegidos, haverá prejuízo sempre que se verifique
diminuição do activo, aumento do passivo ou perda do ganho devido. Pode até o prejuízo
consistir na privação duma vantagem económica certa, a qual teria permitido um aumento
patrimonial ou evitar que a vítima sofresse uma diminuição do passivo. ( ) 28

O acórdão do STJ de 7 de Outubro de 1991, CJ 1991, tomo 4, p. 34; BMJ 410, p. 305,
entendeu que a determinação do valor do prejuízo do burlado é feita pelo valor do dano no
momento da prática do facto.
Caso nº 8 No exemplo (adaptado) de Wessels, um marroquino aparece à porta da senhora A, propondo-se
vender-lhe um tapete persa com o valor de venda de 500 euros por esses mesmos 100 contos.
Afirma a pés juntos, mas mentirosamente, que se trata de um preço especial, apenas possível
porque a sua firma está a fazer uma promoção, mas só durante mais uma semana. O preço
normal do tapete, afiança o vendedor, é de mil e cem euros. A, para não perder a oportunidade
de comprar o tapete, que lhe é útil, mas perfeitamente dispensável, paga por ele os 500 euros
pedidos. Se não tivesse sido enganada, A não teria comprado o tapete.
A questão que se põe é a de saber se A sofreu um prejuízo patrimonial. No domínio dos
contratos sinalagmáticos torna-se difícil a definição dum prejuízo por a diferença entre a
prestação devida e a realmente executada ser praticamente inexistente. A disposição
patrimonial realizada pela A vem na sequência de um erro produzido na conclusão de um
contrato mediante o qual se obrigou a pagar o preço acordado. Esta prestação tem, porém,
valor idêntico ao da contraprestação.
A posição que proclama a inexistência da burla em casos como estes remete para a
aplicação de critérios objectivos, pondo-se de lado a avaliação da situação feita pela
própria vítima. Se esta pretendia uma camisa de seda natural e acaba por levar uma camisa
de seda artificial, mas paga por ela o preço justo, não poderá contabilizar-se um prejuízo.
Há circunstâncias, porém, em que não será desajustado contar com factores individuais,
rejeitando-se a ideia abstracta do “homo oeconomicus” e operando-se com critérios de
razoabilidade, como no caso do jardineiro que, enganado, aceita pagar o preço de uma
enciclopédia sobre jardinagem mas acaba por receber uma outra sobre a agricultura nas

28 Este tipo de considerações leva à discussão sobre se a compensação patrimonial afasta o prejuízo
enquanto elemento da burla. Se considerarmos o património como um todo, é justo atender não só às
desvantagens, mas também às vantagens resultantes. No entanto, só haverá compensação quando a perda
da coisa, como valor económico, se compense com outro valor económico.

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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regiões alpinas que para nada lhe serve. “A maior parte dos objectos não têm o mesmo
valor patrimonial para toda a gente, porque não servem para todos de igual maneira.
Portanto, avaliação objectiva, mas olhando-se às relações individuais do património
concretamente afectado”. ( ) Em suma, deverá ter-se em conta a finalidade patrimonial
29

pretendida pelo titular que se for frustrada gera um prejuízo patrimonial, de forma que
quem recebe uma coisa que não reúne as condições prometidas e que estão na base da
realização do correspondente negócio jurídico, sofre um prejuízo, mesmo que o valor da
coisa seja equivalente ao despendido. A quem compra um livro pelo preço justo, é
indiferente saber se o dinheiro pago é efectivamente para obras de caridade.
Mas até onde poderá ir a protecção do património por intermédio da incriminação da burla
quando estão em causa actividades ilícitas? Farão parte do património os objectos que
alguém obteve por forma criminalmente ilícita?
O prejuízo patrimonial, que é elemento de outros tipos de crime, suscita um elevado
número de questões, a maioria delas conexionadas com a noção de património. A
disposição patrimonial deverá conduzir à diminuição do património do enganado ou de
terceiro, deverá ser razão de um dano patrimonial. O conceito de património tem aqui a
sua principal área de intervenção. Uma coisa é certa: a doutrina maioritária considera o
património como o bem jurídico protegido no crime de burla e define-o de acordo com as
suas características mistas: “soma dos bens economicamente valiosos que uma pessoa
detém com a aprovação do ordenamento jurídico”.
A noção mista de património é afeiçoada por A. M. Almeida Costa, Conimbricense, p.
282, com “correctores” tendentes a compaginá-la com a teleologia do direito penal”,
adoptando-se um procedimento que conduz “a um específico conceito jurídico-criminal de
património”. “Quer dizer, a um conceito aberto, cuja determinação compete à
jurisprudência e à doutrina ao nível das decisões concretas”. Com efeito, a aplicação pura e
simples da noção mista de património, abrangendo o conjunto dos valores ou utilidades
económicas “protegidas pela ordem jurídica”, suscita “algumas reservas”, determinantes de
“correcções” excepcionais. Por ex., “à semelhança do que sucede noutros ordenamentos,
de harmonia com o disposto no art. 280º do CC, a orientação em análise terá de excluir do
conceito de património as pretensões ou posições económicas decorrentes de negócios cujo
fim se revele contrário à “moral social”, rectius aos “bons costumes”. Trata-se, porém, no
entender do mesmo autor, “de uma consequência inadmissível” em face da ideia
(subjacente ao próprio art. 18º, nº 2, da CRP) de que, num Estado de direito democrático, a
intervenção penal não se dirige à tutela de pressupostos de carácter ideológico-político,
moralista (aí incluídos os da moral social e dos bons costumes) ou religiosos”.
Caso nº 9 Burla do conto do vigário: B procedeu à entrega, aos arguidos, de uma mala contendo doze mil
contos, no pressuposto de que receberia como contrapartida notas falsas de grande qualidade,
enquanto muito idênticas às notas verdadeiras e, por isso, susceptíveis de passar com
facilidade como estas. Os 12 mil contos, de que o ofendido ficou desapossado, não tiveram
qualquer contrapartida. Verifica-se então que os arguidos agiram com intuito de enriquecerem
à custa do património do requerente (desiderato que alcançaram); por outro lado, que o
requerente praticou actos que se repercutiram negativamente no seu património, determinando
uma perda. Acórdão do STJ de 23 de Maio de 2002, CJ 2002, tomo II, pág. 212.
A noção de património assume aqui especial relevo. Tenha-se em conta, sobretudo, a
natureza ilícita do negócio (artigos 265º e 266º do Código Penal). Os arguidos foram

29 Blei, p. 233; e Hurtado Pozo, p. 284.

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absolvidos na 1ª instância, que concluiu pela inexistência de lesão patrimonial relevante,


enquanto protegida pela ordem jurídica, e portanto pela não verificação do crime de burla.
O STJ teve entendimento contrário e decretou a condenação.
Aproveitemos um exemplo de Wessels: A e B são vizinhos e dão-se muito mal. Sabendo
disso, C oferece-se ao primeiro prometendo partir os vidros das janelas de B, mediante a
paga de 50 contos que A, satisfeito, lhe entrega. C porém gasta o dinheiro sem fazer o
“trabalho”. A entrega do dinheiro representa uma disposição patrimonial feita por erro, já
que o A fica 50 contos mais pobre, sem ver satisfeita a contraprestação equivalente. A
conversa entre ambos incidiu num negócio ilícito, cuja realização constitui um crime. Dir-
se-á, todavia: estas circunstâncias não impedem a afirmação de um dano patrimonial no
sentido do ilícito da burla. Acontece que o ofensor não recebeu carta branca do enganado
para se enriquecer à sua custa. Além disso, o prejuízo do A não está no facto de a prestação
versar sobre um acto criminoso, mas numa disposição patrimonial determinada por um
erro. Numa tal hipótese, independentemente do eventual concurso de outras infracções,
observa-se um efectivo dano patrimonial e, por consequência, desde que verificados os
demais requisitos da figura, um delito de burla.
Uma das áreas afectadas por estes negócios ilícitos tem a ver com os estupefacientes.
Suponha-se alguém que é induzido em erro acerca dos termos de um negócio de aquisição
de heroína. O sujeito passivo sofre um prejuízo no seu legítimo património se em troca do
pagamento da soma convencionada lhe for entregue uma mala com papéis.
Consideremos agora outro caso de escola: o da prestação de serviços de carácter sexual a
cujo pagamento o cliente se nega. É um domínio que comporta a violação da moral social
ou dos bons costumes. Todavia, não constituindo a prostituição, enquanto tal, uma
actividade criminosa, o incumprimento por uma das “partes”, por ex., o cliente, pode
integrar a fattispecie da burla. ( ) 30

Fala-se por vezes, e ainda a propósito, em burla sobre negócio com causa ilícita,
acrescentando-se o exemplo da cobrança por um aborto ilegal que acabou por se não
realizar por não se encontrar grávida a mulher. Explica Pérez Manzano que a valoração
penal do facto como burla, por realizar um engano e produzir um prejuízo, não depende do
carácter lícito ou não da prestação pretendida pela vítima.
O Supremo Tribunal espanhol condenou por burla um médico que aceitou praticar um
aborto mas, estando a mulher já anestesiada, descobriu que o aborto era afinal
desnecessário por não haver gravidez. Mesmo assim, o médico cobrou o preço, fingindo
ter levado a cabo o acto abortivo ilegal. É uma posição que no país vizinho tem os seus
adeptos incondicionais, afirmando-se que sempre que mediante engano se produza uma
diminuição patrimonial com ânimo de enriquecimento haverá burla, mesmo que o
enganado se proponha também obter um benefício ilícito ou imoral.
Não falta quem sustente que igualmente há burla no caso do burlão burlado, parente
próximo do ladrão que rouba a ladrão. Afirma-se que se incluem no património as coisas
que alguém possui ilicitamente (apesar de as ter obtido pela prática de um crime anterior),
em primeiro lugar, porque as mesmas têm valor económico, e em segundo lugar porque a
sua detenção está juridicamente protegida, no sentido de que seu possuidor não pode ser
privado delas a não ser por meios lícitos (cf., por ex., Valle Muñiz, p. 228). Outros

30 Cf., neste sentido, A. M. Almeida Costa, p. 289, e Sousa Brito.

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autores, contudo, não aceitam que estes casos se adaptem ao conceito de burla, uma vez
que a coisa ou o valor detidos não contam com a aprovação ou a tolerância do direito, não
havendo lugar à afirmação de um prejuízo patrimonial. A. M. Almeida Costa propende no
sentido de tratar a hipótese dentro dos quadros da burla, procedendo à análise do sentido
que reveste a detenção do valor ou coisa pelo autor do primeiro delito. Não exclui,
inclusivamente, a possibilidade de a conduta do agente lesar o próprio património do
titular originário dos bens ou valores.

II. O elemento subjectivo


a) O dolo
O tipo subjectivo da burla assenta em duas características distintas. O dolo (artigo 14º) e
a”intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo". Se o facto não é
doloso ou não se prova a intenção de enriquecimento ilegítimo, não haverá burla
consumada nem sequer tentada.
Quanto ao dolo, basta o dolo eventual, tal como decorre do artigo 14º, nº 3.
Por outro lado, não pode o dolo deixar de abranger todas as circunstâncias pertencentes ao
tipo de ilícito objectivo

b) A intenção de obter um enriquecimento ilegítimo


Para além do dolo (dolo-do-tipo), como conhecimento e vontade referidos a todos os
pressupostos do tipo objectivo, a burla exige ainda a verificação de um outro (específico)
momento subjectivo, referido como ”intenção de obter para si ou para terceiro
enriquecimento ilegítimo.
A intenção de obter um enriquecimento ilegítimo não tem de ser realizada, embora o seja
muitas vezes. ( ) Entra na designação de tendência interior transcendente
31

(überschießende Innentendenz) que permite qualificar a burla como crime de resultado


cortado, não havendo inteira correspondência (“congruência”) entre o lado objectivo e o
subjectivo do ilícito. Como observa Jescheck, “o agente tem em vista um resultado [um
enriquecimento ilegítimo], que há-de ter presente para a realização típica, mas que não é
preciso alcançar”.
Conclusão: a burla é um crime material ou de resultado na direcção do prejuízo; e é,
simultaneamente, um crime de resultado cortado na direcção do enriquecimento”. ( ) 32

O enriquecimento ilegítimo consiste num acréscimo do valor patrimonial. Tem como


contrapartida a perda do prejudicado. De qualquer forma, não representam qualquer papel
as simples vantagens imateriais. Decisivo é o acréscimo de valor, mas não a diminuição da
situação patrimonial. A determinação do enriquecimento ilegítimo tem necessariamente a
ver com a noção de património oportunamente examinada.

31 Esta intenção de obter um enriquecimento ilegítimo é um dos conceitos de disposição


(Dispositionsbegriffe) de que fala Hassemer: não se revelam por si mesmos, é necessário deduzi-los de
outros dados. Estes é que são empiricamente verificáveis, funcionam como indicadores da existência dos
primeiros.
32Costa Andrade, “A Fraude Fiscal — Dez anos depois, ainda um crime de resultado cortado?”, RLJ ano
135º, nº 3939, Julho – Agosto 2006.

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C. A burla qualificada
I. Linhas gerais
Rege, para a burla qualificada, o artigo 218º.
A qualificação começa por assentar (nº 1) em ser o prejuízo patrimonial de valor elevado.
De acordo com o nº 2, a burla será qualificada se: a) o prejuízo patrimonial for de valor
consideravelmente elevado; b) o agente fizer da burla modo de vida; c) o agente se
aproveitar de situação de especial vulnerabilidade da vítima, em razão da idade,
deficiência ou doença; ou d) a pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica.

II. Pressupostos de punibilidade


O artigo 218º segue o modelo do furto, sendo determinante para a qualificação o valor do
prejuízo sofrido pela vítima (valor elevado, no nº 1; valor consideravelmente elevado, no
nº 2). O valor a ter em conta não é o do enriquecimento obtido pelo agente, mas o do
prejuízo material causado.
Faz da burla modo de vida quem tem a intenção de conseguir uma fonte contínua de
rendimentos com a repetição mais ou menos regular de factos dessa natureza. Embora a lei
não contenha elementos para avaliar o tempo necessário à definição do que seja o modo de
vida, a agravação não se coaduna com a simples ocasionalidade, podendo até haver
repetição. O rendimento do crime não tem que ser a única fonte nem a maior fatia dos
proventos do burlão que, com sorte, pode até viver do produto duma só burla durante uma
larga temporada sem que isso constitua caso de agravação. Note-se que este modo de vida
criminoso acarreta o perigo da especialização e do domínio de certas "artes" e inculca a
ideia de vadiagem e de marginalidade, aproximando-se duma característica pessoal de
pendor subjectivo. Está mais perto da noção de "profissionalidade" do que da
"habitualidade" ou da simples "dedicação". A habitualidade é diferente do modo de vida,
assenta numa inclinação para a prática do correspondente delito adquirida com a repetição.
( )
33

“Fazer da burla “modo de vida” é a entrega habitual à burla, que se basta com a pluri-reincidência,
devendo ser tomadas em consideração, não as anteriores condenações do agente constantes do seu registo
criminal, mas também as denúncias ou participações policiais existentes, o conteúdo dos ficheiros policiais
e todos os outros elementos testemunhais ou documentais” - Simas Santos e Leal Henriques, p. 567. Sendo
assim, pouco importa que as penas tenham sido de prisão ou de multa, suspensas ou não suspensas,
perdoadas ou não perdoadas, amnistiadas ou não amnistiadas. Embora tenha desaparecido o conceito
normativo de delinquente habitual, mantém-se, no entanto o conceito jurisprudencial e vulgar ou do
conhecimento público consistente na existência de delinquentes especialmente propensos para o crime ou
certos crimes - Acórdão do STJ de 16 de Setembro de 1992, proc. nº 42500. ( 34)

33Jescheck, AT, 4ª ed., p. 651. Veja-se a habitualidade como elemento agravativo no nº 6 do artigo 368º-
A: "se o agente praticar as condutas de forma habitual".
34O acórdão do STJ de 9 de Janeiro de 1992, BMJ 413, p. 182, oferece pertinentes informações sobre os
conceitos de "habitualidade", "profissionalidade", "modo de vida", "plurirreincidência", etc. Cf. também,
quanto ao tratamento da habitualidade, a anotação ao acórdão do STJ de 7 de Fevereiro de 1996, BMJ-454-
368. Cf., ainda, Beleza dos Santos, O fim da prevenção especial das sanções criminais - valor e limites,
BMJ-73, esp. p. 16. E Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade, p. 22. Beleza do Santos. Delinquentes
habituais, vadios e equiparados, RLJ, anos 70 a 73. J. Seabra Magalhães e F. Correia das Neves, Lições de
Direito Criminal, segundo as prelecções do Prof. Doutor Beleza dos Santos, Coimbra, 1955, p. 35 e ss.

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A propósito da difícil situação económica em que a vítima fica: "exige-se que o resultado
seja imputável ao agente, pelo menos a título de mera culpa, e que haja nexo de
causalidade entre o comportamento do autor e o resultado — a difícil situação económica
em que a vítima fica” (Maia Gonçalves). Trata-se de um critério material de valoração, em
que se atende às circunstâncias do sujeito passivo, não se exigindo um prejuízo de especial
gravidade. Mas podem produzir-se importantes prejuízos sem que a vítima fique em grave
situação económica.
Para que o crime de burla possa ser agravado por a pessoa prejudicada ficar em difícil situação
económica, é necessário que o arguido haja previsto que o lesado fique nessa situação e que, mesmo assim,
agisse com intenção de o conseguir, aceitasse tal situação como consequência necessária da sua conduta ou
que a admitisse como possível e com ela se conformasse (acórdão do STJ de 19 de Janeiro de 1995, CJ, III,
tomo 1, 183).
Pratica o crime de burla agravada a arguida que, através de estratagema por si montado, obteve 19 contos
da ofendida, a qual ficou em precária situação económica, pois tinha como única fonte de rendimento a
pensão mensal de 15 contos (acórdão do STJ de 27 de Junho de 1996, CJ, ano IV (1996), t. 2, p. 202).

D. Consumação e tentativa
Tratando-se de um crime material ou de resultado, o prejuízo patrimonial é indispensável à
consumação. Com a produção do dano patrimonial do sujeito passivo do crime ou de
terceiro, fica o ilícito completo. A produção do dano é o elemento fundamentador da
irreversibilidade da burla punível na forma consumada, podendo, ainda assim, extinguir-se
a responsabilidade criminal, nas condições e por força do disposto nos artigos 206º e 217º,
nº 4, e 218º, nº 4.
O enriquecimento é que não tem de ser efectivamente alcançado ou produzido, bastando a
“intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo". Todavia, se esta
intenção logra êxito, se além do prejuízo patrimonial o agente consegue igualmente (com
êxito) o enriquecimento, o crime, além de juridicamente (formalmente) consumado está
também materialmente consumado (exaurido).
Se o património do enganado ou da outra pessoa não fica minimamente afectado, se as
coisas ou os valores não chegam a sair da esfera de "disponibilidade fáctica" do sujeito
passivo ou da vítima ( ), o facto não passa da tentativa.
35

Existirá o crime tentado quando se produziu um engano idóneo na pessoa do sujeito


passivo, mas o prejuízo patrimonial não se verificou por motivos alheios à vontade do
agente. A tentativa de burla do artigo 217º, nº 1, é punível, atento o disposto no nº 2. O
dolo da tentativa é o mesmo do crime consumado, como já várias vezes se advertiu. O
intérprete há-de ter sempre presente a possibilidade de desistência da tentativa, como
decorre dos artigos 24º e 25º.
É enquadrável na figura criminal da burla, sob a forma tentada, a conduta de quem desenvolve todo o
processo astucioso, com invocação de falsas qualidades e poderes para conferir benefícios, nomeadamente
de natureza diplomática e fiscal, mas não consegue que a pessoa visada lhe entregue bens ou valores por a
mesma, depois de ter estado convencida da possibilidade de obtenção de tais benefícios, ter passado a
duvidar dessa mesma possibilidade (acórdão da Relação de Évora de 15 de Janeiro de 1991, CJ, ano XVI,
tomo 1, p. 310).

35 Cf. A. M. Almeida Costa, Conimbricense II, p. 276.

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
25

E. Casos especiais
I. Burla e conta bancária
Trata-se de matéria controvertida. Cf., por exemplo, o acórdão do STJ de 20 de Maio de 1992, BMJ-417-
367, com vários votos de vencido. O acórdão da Relação de Évora de 19 de Julho de 1984, CJ, 1984-IV, p.
150, entendeu que constitui a prática de um crime de abuso de confiança o levantamento para apropriação
do capital de uma conta bancária solidária feita por um dos seus co-titulares quando se demonstre que a
inclusão do seu nome nessa conta não corresponde a qualquer compropriedade do dinheiro e sim, apenas, a
um mero possibilitar da movimentação de tal conta, no exclusivo interesse, e ou por ordem do outro ou
outros titulares dela."
Acórdão do STJ de 23 de Janeiro de 1997, BMJ-463-276: A convence B, sua tia, a transferir todo o
dinheiro que a mesma tinha depositado em duas contas a prazo num banco para outro e a colocá-lo em
nome de ambos, A e B. Posteriormente, A apodera-se do dinheiro, através da execução de um plano, contra
a vontade de B. No caso discutia-se com especial acuidade a noção de "enriquecimento ilegítimo" como
imprescindível na burla.

II. Burla e falsificação documental


"A burla é um crime complexo, em que o meio empregue, a actividade exercida para induzir o outro em
erro, poderá constituir, ela própria, também a prática de um outro tipo legal de crime. Se assim for, quais
os crimes que devem ser imputados ao agente? Só o crime de burla? Ou também o crime de falsificação de
documentos, apesar de ele ter falsificado do documento com o exclusivo intuito de praticar a burla?"
(Helena Moniz, p. 83). Por acórdão de 19 de Fevereiro de 1992 (publicado no Diário da Republica, I Série-
A, de 9 de Abril de 1992, foi estabelecida jurisprudência obrigatória nos seguintes termos: “No caso de a
conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 228ª, nº 1, al. a), e de burla do
artigo 313º, nº 1, respectivamente, do Código Penal, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes”. “São
diversos e autónomos, entre si, o bem jurídico violado pela burla e o bem jurídico protegido pela
falsificação (...), ou sejam, respectivamente, o património do burlado e a fé pública dos documentos
necessária à normalização das relações sociais”. Assento nº 8/2000, de 4 de Maio de 2000, publicado no
DR I-A de 23 de Maio de 2000: No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de
burla do artigo 256º, nº 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo
Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes.

III. Burla e falsificação de moeda


A respeito da concorrência dos crimes de colocação em circulação de moeda falsa ou
actividade equiparada e de burla tem-se o Supremo Tribunal dividido em duas posições,
no sentido de que se verifica uma situação de concurso aparente segundo as regras da
consumpção e no de que existe concurso real entre estes dois ilícitos penais.
O acórdão do STJ de 13 de Outubro de 2004, no processo nº 04P3210, preferiu o concurso
aparente (regra da consumpção), dado tratar "adequadamente, por referência aos crimes de
colocação em circulação de moeda falsa ou actividade equiparada e de burla, a
problemática da distinção do bem jurídico protegido, seu sentido e alcance".
De modo diferente decidiu o acórdão do STJ de 04.10.2007, proc. n.º 2309/07-5, no blog
"cum grano salis". Relator: Conselheiro Simas Santos, "por imposição da jurisprudência
fixada em lugar paralelo, pois que, na questão do concurso entre a falsificação e a burla
decidiu esse Tribunal, em acórdão uniformizador de jurisprudência, que "no caso de a
conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 228º, nº 1,
alínea a), e do artigo 313º, nº 1, respectivamente, do Código Penal, verifica-se concurso
real ou efectivo de crimes" e a moeda falsa não é mais do que falsum específico, pelo que
lhe é aplicável esta mesma doutrina, devendo concluir-se pelo concurso real. Mesmo no
entendimento diverso devem ressalvar-se as situações em que além do uso da moeda falsa,

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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na boa fé dos ofendidos, são introduzidos outros elementos do engano próprio da burla,
caso em que terá lugar o concurso real entre aqueles crimes, como sucede quando é feito
uso de falsa identidade".

F. Casos práticos
Caso nº 10 Burla comum A, no propósito de não pagar aos vendedores a quantia que com eles acordou,
convence estes a declararem perante o notário que já receberam o preço do imóvel
transaccionado, para depois lhe pagar apenas a diferença entre o sinal entregue e o preço feito
constar da escritura de compra e venda.
A cometeu o crime de burla, confirmou o acórdão da Relação do Porto de 16 de Fevereiro
de 2005, CJ 2005, tomo I, pág. 219:
“Conforme resulta do teor literal do art. 217°, n° 1, do CP, o tipo legal de burla tipifica
aquelas situações em que o agente, com a intenção de conseguir um enriquecimento
ilegítimo (próprio ou alheio), induz outra pessoa em erro, fazendo com que a última, por
esse motivo, pratique actos que causam a si mesma (ou a terceiro) prejuízos de carácter
patrimonial. Tanto do seu enquadramento sistemático, como da sua concreta configuração
legal, depreende-se, de forma evidente, que a burla é um crime contra o património. O
bem jurídico protegido é o património, apontando a generalidade da doutrina
contemporânea no sentido da consagração de um específico conceito económico-jurídico
que reconduz o património ao conjunto de todas as “situações” e “posições” com valor
económico, detidas por uma pessoa e protegidas pela ordem jurídica ou, pelo menos, cujo
exercício não é desaprovado pela ordem jurídica patrimonial. Esta concepção implica a
limitação dos bens e direitos patrimoniais aos economicamente avaliáveis e exige, por
outro lado, que sejam possuídos pelo sujeito por causa de uma relação reconhecida pelo
ordenamento jurídico. Não se adere, portanto, às concepções que, de forma isolada ou em
conjunto com o património, reconduzem o bem jurídico da burla à lealdade, transparência,
boa fé ou verdade nas transacções ou, numa outra perspectiva, à confiança da comunidade
nessa mesma lealdade, transparência, boa fé ou verdade das transacções.
Determinados o conceito de burla e o bem jurídico protegido, há que acrescentar que a
burla não se reconduz a uma soma de componentes (ânimo de lucro, engano, erro e acto de
disposição que causa prejuízo) antes exige um nexo entre eles, comummente designado
como relação de causalidade. Tenha-se presente, porém, que o nexo de que se fala não é de
causalidade material, mas de causalidade ideal ou de motivação: o engano há-de motivar
(produzir) um erro que induza a realizar um acto de disposição que determina um prejuízo.
Por isso, também se afirma que a ‘consumação da burla passa por um duplo nexo de
imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos
tendentes a uma diminuição do património [próprio ou alheio] e, depois, entre os últimos e
a efectiva verificação do prejuízo patrimonial’.
O engano é o mais significativo dos elementos definidores da burla porque é por ele que
se individualiza a burla frente às restantes figuras de enriquecimento ilícito. Na linguagem
comum, a expressão “engano” designa a acção e efeito de fazer crer a alguém, com
palavras ou de qualquer outro modo, algo que não é verdade. E é a este significado que a
doutrina e a jurisprudência se têm atido, precisando que a idoneidade do meio enganador
utilizado pelo agente se afere tomando em consideração as características do concreto
burlado. Tendo em conta a particular credulidade ou falta de resistência do burlado (v.g,
mercê de fragilidade intelectual, de inexperiência ou de especiais relações de confiança

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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com o agente) admite-se a possibilidade de concluir pela idoneidade de um meio


enganador via de regra incapaz de persuadir a generalidade das pessoas.
Há que precisar que o engano (causante e bastante) tem de ser antecedente, com exclusão,
portanto, do chamado dolo subsequens.
Para distinguir os pressupostos da burla do mero incumprimento de obrigações civis, o
critério tradicional consiste em assinalar que os negócios civis se criminalizam quando o
propósito de enganar precede a celebração do contrato ou concorre no momento de
celebração do contrato, determinando a vontade da outra parte. O dolo no incumprimento
das obrigações tem, pelo contrário, carácter subsequente e surge posteriormente à
conclusão de um negócio lícito contraído de boa fé, na fase de cumprimento e execução.
Vives Antón refere diversas sentenças do Tribunal Supremo (de Espanha) que fixaram a
linha divisória entre a burla e o incumprimento civil no momento da aparição da vontade
de incumprimento da prestação: se o ânimo de não cumprir existia ab initio haverá burla,
se surge posteriormente, não.
O erro na burla entende-se como um estado psicológico de falsa representação da
realidade, consequência do engano e causa do acto de disposição patrimonial. Tem de ser
provocado astuciosamente, como assinala o art. 217°, n l, expressão que se reconduz ao
domínio do erro por parte do sujeito activo, com o que se quer exprimir a adequação do
comportamento do agente às características do caso concreto. Como acto que cause
prejuízo patrimonial deve entender-se toda a acção ou omissão, realizada pelo enganado,
que implique uma deslocação patrimonial.
O enganado, em consequência do erro, deve realizar uma disposição patrimonial, quer
dizer, a entrega de uma coisa ou a prestação de um serviço; e tanto faz que consista num
fazer (realizar um pagamento) como num omitir (renunciar a um crédito). O que é decisivo
é que o prejuízo se cause por este acto de disposição realizado pelo próprio sujeito passivo
voluntariamente, ainda que com uma vontade viciada.
A disposição patrimonial do enganado deve produzir um prejuízo do enganado ou de
terceiro.
Para a determinação do valor do prejuízo patrimonial [relevante para a qualificação do
crime nos termos do n° 1 e do n° 2, al. a), do art. 218°] deverá atender-se ao valor de
mercado da coisa ou prestação defraudada, ou seja, ao elemento patrimonial concretamente
atingido que é o específico bem jurídico protegido. O prejuízo consiste na diferença de
valor entre o que se atribui a outrem (geralmente o autor do crime) em virtude do acto de
disposição e o que, eventualmente, se recebe como contraprestação: se a contraprestação
que se recebe é de igual valor da que se realiza não há, portanto, crime.
Enquanto crime de dano, a burla só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo
no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro.
Para que se verifique o preenchimento do tipo subjectivo não basta o dolo de causar um
prejuízo patrimonial ao sujeito passivo ou a terceiro, exigindo-se, ainda, que o agente
tenha a intenção de conseguir, através da conduta, um enriquecimento ilegítimo
próprio ou alheio. A burla consubstancia um delito de intenção, categoria que exprime, do
lado do tipo subjectivo, a mesma ideia que, no plano do tipo objectivo, preside à sua
qualificação como um "crime de resultado parcial" ou “cortado": não obstante se requeira
que o sujeito actue com aquela intenção de enriquecimento, a consumação do crime não

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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depende da efectivação do último, verificando-se logo que ocorra o prejuízo patrimonial


da vítima.
Dizem-nos os factos provados que no acordo verbal de compra e venda do prédio foi
estipulado o preço de 3.000.000$00, a pagar pelo arguido aquando da celebração da
escritura, mas que o arguido nunca teve intenção de pagar esse preço pelo prédio. Aqui
reside o engano e o engano antecedente. O arguido, nas negociações prévias à celebração
da escritura, fez crer aos queixosos que o preço por que comprava o prédio seria de
3.000.000$00, embora já estivesse decidido a não o pagar, o que revela que o animo de
não pagar o preço acordado existia ab initio.
Deste modo, fez crer aos queixosos algo que não era verdade, mostrando-se a sua conduta,
no caso concreto de compra e venda de um imóvel e pela relação de confiança existente
entre ele e os queixosos (que os factos provados referem), adequada a enganar os
queixosos.
Verifica-se, por isso, o erro dos queixosos. Em consequência do engano, os queixosos
acreditaram que iam receber 3.000.000$00 pela venda do prédio.
Nesse convencimento, outorgaram a escritura de compra e venda do imóvel. Ou seja,
voluntariamente, embora com a vontade viciada, realizaram uma disposição patrimonial.
De acordo com o art. 874° do Cód. Civil, a compra e venda consiste no contrato pelo qual
se transmite a propriedade de uma coisa, ou direito, mediante um preço. A partir desta
definição é possível identificar com clareza os seguintes efeitos essenciais da compra e
venda, aliás, expressamente enumerados e indicados pelo art. 879° do Cód. Civil: - um
efeito real (a transferência da titularidade de um direito); dois efeitos obrigacionais (a
obrigação que recai sobre o vendedor de entregar a coisa vendida e a obrigação para o
comprador de pagar o preço). No nosso direito a compra e venda tem sempre carácter real.
Um contrato do qual não decorra a transmissão da titularidade da coisa ou direito não
poderá nunca qualificar-se como compra e venda; mesmo quando reunidos e verificados os
demais requisitos e efeitos deste contrato. Esse negócio jurídico causou aos queixosos um
prejuízo patrimonial. O arguido entregou aos queixosos a quantia de 300.000$00, a título
de pagamento do preço do imóvel, importância que é inferior ao valor de mercado do
prédio, conforme resulta da avaliação. Com efeito, o valor do prejuízo não corresponde à
diferença entre o preço acordado e prometido pagar pelo arguido e aquele que ele
efectivamente pagou (3.000.000$00 - 300.000$00 = 2.700.000$00) mas consiste na
diferença de valor entre o valor de mercado do prédio (1.204.597$00) e a contraprestação
paga pelo arguido (300.000$00), ou seja, 904.597$00.
O valor do prejuízo; à data da escritura, momento em que deve ser pago o preço, excede
50 unidades de conta, pelo que tem de ser considerado elevado, para efeitos da
qualificação, nos termos do nº 1 do artigo 218º do CP. Os factos provados preenchem
também o tipo subjectivo”.
Caso nº 11 Crimes contra o património. Bem jurídico protegido. Conceito de património. Prejuízo. Um
comerciante anuncia num dos diários da cidade que tem gabardinas, em “autêntica e pura lã”,
para venda, pelo preço irrecusável de 50 euros. A compra uma dessas gabardinas, mas quando
chega a casa logo soube que tinha sido enganado porque alguém lhe chama a atenção para o
facto de não ser a gabardina de lã, como aliás, o comerciante bem sabia. Este defendeu-se
dizendo que a gabardina vendida ao A valia bem os cinquenta euros que este pagara, o que não
deixava de ser verdade.

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A questão que se põe é se o comerciante, que manifestamente enganou o A, cometeu um


crime de burla. Sendo o prejuízo um elemento do crime (artigo 217º, nº 1), mas valendo a
gabardina comprada os 50 euros, que o A despendeu, sempre se poderá sustentar que um
tal prejuízo se não verifica. Devemos ter presentes os critérios para apurar o prejuízo
patrimonial neste tipo de crimes. Discute-se, nomeadamente, qual a pertinente noção de
património. Deverá adoptar-se um critério jurídico de património? Ou um critério
económico? Deverá dar-se preferência a um critério misto? Ou deverá atender-se
preferencialmente à relação pessoa-coisa? Poderá o comerciante ser condenado por burla
só porque à gabardina falta uma determinada qualidade?

G. Outras indicações de leitura


Crime de concussão — artigo 379º, nº 1, do Código Penal: comete-o o funcionário que, no exercício das
suas funções ou de poderes de facto delas decorrentes, por si ou por interposta pessoa com o seu
consentimento ou participação receber, para si, para o Estado ou para terceiro, mediante indução em
erro ou aproveitamento de erro da vítima, vantagem patrimonial que lhe não seja devida.

Acórdão de fixação de jurisprudência nº 1/2007, de 14 de Fevereiro de 2007: crime de emissão de cheque


sem provisão; prejuízo patrimonial; noção de património adoptada no caso.

Crime de emissão de cheque sem provisão: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2008:
Verificados que sejam todos os restantes elementos constitutivos do tipo objectivo e subjectivo do
ilícito, integra o crime de emissão de cheque sem provisão previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º
do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de
19 de Novembro, a conduta do sacador de um cheque que, após a emissão deste, falsamente comunica
ao banco sacado que o cheque se extraviou, assim o determinando a recusar o seu pagamento com esse
fundamento.

Acórdão do Trib. Const. nº 663/98, de 25 de Novembro de 1998, DR II série, de 15 de Janeiro de 1999:


elementos do crime de burla.

Acórdão do STJ de 6 de Janeiro de 1993: abuso de confiança, burla, infidelidade ou furto? Comete algum
ilícito penal o co-titular de uma conta bancária (no caso o co-titular de diversas contas bancárias a
prazo), não proprietário das respectivas importâncias, que, sem autorização da co-titular proprietária,
levanta o respectivo montante e o dissipa em proveito próprio?

Acórdão do STJ de 23 de Maio de 2002, CJ 2002, tomo II, p. 212: noção de património, prejuízo
patrimonial que mereça a tutela do direito. Promessa de venda de notas falsas. Fraude bilateral.

Acórdão do STJ de 27 de Abril de 2000, BMJ-496-51: burla, valor consideravelmente elevado.

Acórdão do STJ de 24 de Abril de 1997, BMJ-466: possibilidade de cometimento de burla por omissão.

Acórdão do STJ de 21 de Maio de 1998, processo n.º 179/98: para que o crime de burla se verifique, é
necessário que o agente, com intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo,
induza em erro ou engano outrem sobre factos que astuciosamente provocou, conseguindo por via da
criação desse erro ou do engendrar desse engano, que esse outrem pratique factos que lhe causem, ou
causem a mais alguém, prejuízo patrimonial. Assim, é imprescindível que a decisão factualize as
práticas integradoras ou inculcadoras da indução em erro ou engano (que não têm de radicar num
comportamento activo do agente, podendo ser passivo), pois que só da concretização dessa práticas e

M. Miguez Garcia. Direito penal — Parte especial, § 16º (burla comum). Porto, 2009
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das suas cambiantes envolventes, é possível exprimir um juízo seguro sobre a vulnerabilidade do sujeito
passivo da infracção, e consequentemente, sobre a eficácia da relação entre os actos configurativos da
astúcia e do erro ou engano criados, e a cedência do lesado na comissão de actos a ele ou a outrem
prejudiciais, ou por outras palavras, é necessário que se comprove, que só a insídia do agente
determinou a atitude do lesado

Acórdão do STJ de 3 de Maio de 1961, BMJ 107, p. 363: em 1949, o réu dolosamente levou o credor à
convicção de que era suficiente garantia para o empréstimo de 115 contos um terreno que não tinha
valor superior a 8 contos, mostrando-lhe toda uma sua propriedade, de que aquele terreno era somente
uma pequena fracção, como sendo o que daria em hipoteca. Foi dito ao credor que o terreno tinha o
valor de 300 contos e que não existia qualquer hipoteca já constituída, quando o réu sabia que existia
uma anterior, que recaía na sua maior parte, e dizendo que o terreno se encontrava, na matriz e na
Conservatória como um terreno para construção urbana. O Supremo entendeu que o réu, tendo induzido
fraudulentamente o credor em erro sobre a extensão e o valor do terreno, objecto da garantia, assim o
determinando a entregar-lhe numerário, cometeu um crime de burla.

Acórdão da Relação do Porto de 16 de Fevereiro de 2005 CJ 2005, tomo I, p. 219. Comete o crime de
burla qualificada aquele que, no propósito de não pagar aos vendedores a quantia que com eles acordou,
convence estes a declararem perante o notário que já receberam o preço do imóvel transaccionado,
para, depois, lhe pagar apenas a diferença entre o sinal entregue e o preço feito constar da escritura de
compra e venda.

Acórdão da Relação do Porto de 15 de Outubro de 2007, proc. nº 0743325. No crime de burla a disposição
que o enganado deve fazer tanto pode consistir num fazer (realizar um pagamento) como num omitir
(renunciar a um crédito).

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