TESE - Hidráulica Nos Jardins Barrocos
TESE - Hidráulica Nos Jardins Barrocos
TESE - Hidráulica Nos Jardins Barrocos
Júri:
Presidente: Doutor Luís Paulo Faria Ribeiro, Professor Auxiliar do Instituto Superior de
Agronomia da Universidade de Lisboa
Vogais: Doutora Maria Cristina da Fonseca Ataíde Castel-Branco, Professora Associada
com Agregação do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa
Doutora Maria Leonor Morgado Ferrão de Oliveira, Professora Auxiliar da Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa
2015
A realização desta dissertação de mestrado marca o fim de uma importante etapa na minha vida
estudantil e profissional e não poderia deixar de agradecer a todos os que, direta ou indiretamente,
contribuíram para a sua concretização.
Um especial agradecimento à minha orientadora e professora, Arquiteta Paisagista Cristina Castel-
Branco, pela disponibilidade, colaboração e entusiasmo, tal como pela transmissão de conhecimentos
e a capacidade de estímulo ao longo de todo o trabalho.
Agradeço também à Arquiteta Paisagista Maria João Dias Costa, pela hospitalidade e simpatia com
que me recebeu no Mosteiro de Tibães, tal como pelo interesse demonstrado e por toda a ajuda e
material que me disponibilizou, que dificilmente conseguiria sozinha;
Ao técnico do serviço educativo do Mosteiro de Tibães, José Loureiro, pela visita guiada que me
proporcionou ao mosteiro e pela explicação simples e esclarecedora;
Ao Arquiteto Paisagista Rodrigo Dias, pela disponibilidade e pela visita guiada à Quinta Real de
Caxias em conjunto com uma explicação clara e concisa da história e funcionamento do jardim;
Aos meus colegas de curso, sobretudo meus amigos, que me acompanharam e partilharam
comigo este momento final das nossas formações. Queria deixar um agradecimento especial à Rita
pelo companheirismo e troca de ideias, à Joana pela companhia e apoio nas últimas semanas e ao
João pela grande ajuda e pelas opiniões;
Aos meus amigos fora do curso, que sempre me apoiaram, especialmente à Nelinha pelas palavras
amigas e de incentivo;
À equipa do atelier ACB Paisagem por me terem recebido tão bem e terem criado um ambiente
de trabalho divertido e tranquilo;
Por fim, a toda a minha família, que sempre me incentivou. Queria agradecer especialmente ao
meu tio Kevin pela ajuda no inglês e sobretudo aos meus pais, Isabel e Paulo, e ao meu irmão Manel,
pelo apoio e pelo interesse que sempre mostraram pelos meus estudos.
I
Durante os séculos XVI e XVII a Europa cresceu através de novos conhecimentos científicos, novas
doutrinas filosóficas e políticas e com uma conceção diferente do universo. No século XVII, em
paralelo com este desenvolvimento científico, surge uma nova expressão artística – o barroco - que
vai englobar todas estas premissas e saberes. Os jardins barrocos, espelhos desta sociedade, vão
funcionar como autênticos laboratórios ao ar livre. A água, que vai tomar um papel central na
composição dos jardins, vai servir como peça de experimentação científica e expoente artístico,
utilizando as novas descobertas e invenções hidráulicas com proveito estético. Uma das figuras
principais desta época é André Le Nôtre (1613-1700), que vai revolucionar a arte dos jardins com eixos
de simetria infinitos, parterres e uma grande abundância de água e efeitos derivados dos novos
conhecimentos científicos. No caso de Portugal, o barroco chega com algumas décadas de atraso
ocasionado por problemas internos. O país, distinto pelas suas características biofísicas, culturais,
económicas e históricas, vai revelar um barroco diferente e singular, em que a água, condicionada por
fatores externos e influenciada pelos saberes herdados da tradição portuguesa, é usada com um outro
cuidado e tratada esteticamente com um menor formalismo, rigor e abundância. A expressão barroca
aparece tanto num âmbito cortesão, caso do Palácio de Queluz e da Quinta de Caxias, como num
ambiente eclesiástico, caso do Mosteiro de Tibães, exemplos utilizados como casos de estudo. Tal
como no barroco francês, a água vai ocupar nestes três casos um papel primordial na composição e
traçado do espaço exterior, tendo em conta tanto o lado estético como o funcional. No entanto há
diferenças substanciais entre o jardim de Le Nôtre, ligado às descobertas científicas de Torricelli,
Descartes e Pascal, e o jardim português, que continua a usar os sistemas de tradição romana e árabe
e a água movida pela gravidade. Pode concluir-se que Portugal vai copiar a França nas formas e
elementos que compõem os jardins, mas não nos processos hidráulicos.
II
The 16th and 17th centuries in Europe were marked by new scientific knowledge, a different
conception of the universe and new philosophical and political doctrines. In this period, a new artistic
expression – baroque – emerged, which embraced all these new premises. The baroque gardens are
the mirrors of this new society, of the absolutism and of the scientific revolution, working as an
authentic open-air laboratory. Water, which occupies a dominant position in the garden’s layout, will
be manipulated to a maximum extent, taking advantage of the new discoveries and hydraulic
inventions. One of the main personalities of this time was André Le Nôtre, who brought innovation to
the composition of French gardens, with infinite symmetrical axes, large areas of parterres, and an
abundance of water and effects. In the particular case of Portugal, this particular artistic expression
arrived some years later, mainly caused by internal problems. The country presents a distinct
environment with different biophysical, cultural, economic and historic characteristics. These will
reveal a particular and unique baroque, more confined and smaller, with a use of water more carefully
and aesthetically treated with less formality, rigor and abundance. The baroque expression in Portugal
will appear in a monarchical environment, for example in the case of Palácio de Queluz (Palace of
Queluz) and Quinta Real de Caxias (Royal Estate of Caxias), as well in an ecclesiastical environment,
such as in the case of Mosteiro de Tibães (Monastery of Tibães). While these two entities are quite
different, nevertheless they come to express the same preoccupation about water. This element
occupied a dominant place in the gardens’ composition and design, with a recurrent concern about its
availability, storage and use, combining functional and aesthetical concerns.
III
Water is an indispensable element for human life and is one of the fundamental elements for the
development of civilization. Many different cultures contributed to hydraulic development and
cooperated with new hydraulic devices previously confined to the baroque era. This last one appears
to have been the culmination of a history lasting more than five thousand years.
The 16th and 17th centuries were marked in Europe by new scientific knowledge, a different
conception of the universe and new philosophical and politic doctrines. During this period, a new
artistic expression – baroque – emerged, which embraced all these new premises. The baroque
gardens are the mirrors of this new society, of the absolutism and of the scientific revolution, working
as an authentic open-air laboratory. One of the main personalities of this time was André Le Nôtre,
who brought innovation to the composition of French gardens, with infinite symmetrical axes, large
areas of parterres, and an abundance of water and effects. Water, with its versatility, flexibility and
ductility, will become the image of a new world, of progress and development, becoming the primary
exceptional element to give motion to the spaces. The hydraulic devices started to gain new shapes,
becoming more elaborate, creating new effects and occupying more significant positions in the
gardens. Names such as Evangelista Torricelli, Marin Mersenne, René Descartes and Blaise Pascal will
contribute with several studies and will be decisive in creating the bases of hydrodynamics. In
addition, new studies in the science of optics and the physics of reflection will also be incorporated
and manipulated in the usage of the water in Le Nôtre’s gardens. This larger control of the water and
its effects will lead to a growing enthusiasm for aquatic extravagances. In the baroque gardens, the
fixed plans will be replaced by a metamorphic, active and theatrical environment. The water will be
sculpted in several shapes that will explore different visual and aesthetical effects, such as enhanced
emotional and intellectual characteristics. The French gardens will adopt ideas and fantasies inspired
in the Italian models, adapting them to a society of splendor and refining them to the French
formalism. The use of water, aesthetically and technically, will appear in epoch treatise, that will be
used as reference works for the rest of Europe.
In the particular case of Portugal, this particular artistic expression arrives some years later, mainly
caused by internal issues. Portugal has a climate which is composed of a significant annual dry period
of the year and rainfall mainly between the months of November and April. Also, Portugal is
characterized by a morphological contrast, presenting mountainous areas above the Tagus River, and
elsewhere composed of areas of vast plains and little elevations. In addition, the Portuguese tradition
and artistic expression had itself been enriched throughout history by several cultures and
civilizations. These instilled habits, objects and elements that became both indispensable and defining
to the Portuguese way of life. These combined to produce a particular and unique baroque, more
IV
confined and smaller, with a use of water more carefully and aesthetically treated with less formality,
rigor and abundance.
In the beginning of the 18th century, the Portuguese, with D. João V as king, will start to explore
the Brazilian territories that will contribute with the inclusion of large quantities of precious metals.
These circumstances created a perfect environment to recover from the marks left by the wars and by
the years of isolation from the rest of Europe.
The center and south of Portugal are characterized by a court and by a new nobility that will
contribute to the artistic development of the country, as well the implementation of certain baroque
principles in their properties. In the Casa do Infantado - a collection of properties and estates
belonging to the royal family - it is possible to find excellent examples of Portuguese baroque gardens.
The Palace of Queluz and Royal Estate of Caxias were characterized by a prosperous and festive
baroque ambiance, where the garden functions as one of the main spaces of the ensemble. One of
the most significant elements in the composition of the gardens of Queluz is the Canal dos Azulejos.
This canal is one hundred and fifteen meters long and was decorated with blue and white tiles in the
interior and colorful ones on the exterior. The canal was limited downstream by a floodgate that
retains the water and was designed to create a water feature to allow boat trips. In the gardens of
Caxias, the central element is a big cascade that occupies the entire width of the formal garden. In
addition, this one has a composition of sculptures representing the Bath of Venus, an iconographic
image popular in the baroque gardens. The topographical nature of these two proprieties was directly
linked to the resource of water, which revealed a profound knowledge of the hydric conditions and
the means to collect it.
The North of Portugal is characterized by a construction of an exuberant and scenography
baroque where the religious works will be constructed in a monumental architecture. The location for
the Mosteiro de Tibães was chosen based on the availability of water allowing the convent to work as
an independent and self-sufficient entity. One of the central elements of the ensemble is the stairway
composed by seven fountains, representing the human virtues that culminate in the chapel of Saint
Benedict. Here, the water has a more symbolical use, than a complexity in its use.
However there are considerable differences between the gardens of André Le Nôtre, closely
linked to scientific discoveries of Evangelista Torricelli, Marin Mersenne, René Descartes and Blaise
Pascal, and of the Portuguese gardens, which continues to use the Roman and Arabic tradition water
systems, moved by gravity. Thus, it can be concluded that Portugal copied France in the forms and
elements that constitute the gardens (lakes, waterfalls, etc.), but it will not copy the French hydraulic
processes and progresses.
V
......................................................................................................................... 1
Enquadramento geral .......................................................................................................................... 1
Objetivos e temas de investigação ...................................................................................................... 1
Estrutura da dissertação ...................................................................................................................... 2
....................................... 4
A revolução científica e a nova corrente de pensamento a partir do século XVI ................................. 4
Filosofia, ciência e política do século XVII ............................................................................................ 5
Os princípios fundamentais da estrutura e composição dos jardins de André Le Nôtre ..................... 6
Os jardins barrocos transcritos em tratados ........................................................................................ 8
................ 10
A ciência do movimento das águas, a tecnologia e o jardim como laboratório................................. 10
A luz, a sombra e os espelhos como objeto da imaginação barroca ................................................. 17
Implicações estéticas e filosóficas do uso da água nos jardins barrocos ........................................... 20
......................... 27
.......................... 31
Jardins do Palácio de Queluz ............................................................................................................. 32
Enquadramento Geológico e Hidrográfico ................................................................................................... 34
Análise dos Sistemas Hidráulicos ................................................................................................................. 34
Canal dos Azulejos ........................................................................................................................................ 38
Quinta Real de Caxias ........................................................................................................................ 44
Enquadramento geológico e Hidrográfico ................................................................................................... 45
Análise dos Sistemas Hidráulicos ................................................................................................................. 46
Cascata Monumental do Jardim Novo ......................................................................................................... 48
............... 53
Cerca do Mosteiro de São Martinho de Tibães.................................................................................. 54
Enquadramento Geológico e Hidrográfico ................................................................................................... 55
Análise dos Sistemas Hidráulicos ................................................................................................................. 56
Escadório da Capela de São Bento ............................................................................................................... 61
....................................................................................................................... 64
............................................................................ 67
VI
FIGURAS:
Figura III.1 Fontana dell’Organo. Órgão de água da Villa d’Este. Por Giovanni Francesco Venturini,
1691. .................................................................................................................................... 11
Figura III.2 Esboços de Schikhardt dos mecanismos hidráulicos que animavam o jardim de Pratolino. 11
Figura III.3 Engenhos hidráulicos desenhados por Salomon de Caus em 1612. .................................... 12
Figura III.4 Experiências realizadas por vários cientistas que introduzem o novo conceito de pressão
atmosférica. ......................................................................................................................... 14
Figura III.5 Traje de um fontainier.......................................................................................................... 16
Figura III.6 René Descartes estuda o percurso que os raios luminosos tomam numa gota de água e as
leis da reflexão e da refração. .............................................................................................. 18
Figura III.7 Jardins de Chantilly de André Le Nôtre. ............................................................................... 18
Figura III.8 Desenhos de Jean du Breuill representando a reflexão de objetos em superfícies aquáticas
e dos jogos de luz e sombra. ................................................................................................ 19
Figura III.9 Exemplos de canais no barroco europeu. ............................................................................ 22
Figura III.10 Exemplos de cascatas no barroco europeu ........................................................................ 23
Figura III.11 Exemplos de grottos no barroco de André Le Nôtre .......................................................... 24
Figura III.12 Exemplos do uso da estatuária no barroco europeu ......................................................... 25
VII
Figura V.12 Comporta do Canal dos Azulejos com as duas portas de madeira abertas em 1954.......... 40
Figura V.13 Interior do Canal dos Azulejos com os painéis de azulejaria azuis e brancos da autoria de
João Nunes de Oliveira e com a vala central para a drenagem da água nos períodos mais
secos. ................................................................................................................................... 41
Figura V.14 Exterior do Canal dos Azulejos com os painéis de azulejaria policromados de Manuel da
Costa Rosado ..................................................................................................................... 41
Figura V.15 Casa da Música. .................................................................................................................. 42
Figura V.16 Tanque da Cartuxa atualmente........................................................................................... 46
Figura V.17 Escultura fontenária representando a Primavera, 1961. .................................................... 47
Figura V.18 Lago de Hércules................................................................................................................. 47
Figura V.19 Pavilhão da Cegonha atualmente. ...................................................................................... 49
Figura V.20 Vista do pavilhão da Cegonha atualmente ......................................................................... 49
Figura V.21 Vista dos três patamares da cascata de Caxias ................................................................... 50
Figura V.22 Pavilhão lateral da cascata de Caxias. ................................................................................. 50
Figura V.23 Fonte interior da cascata de Caxias. ................................................................................... 50
Figura V.24 Tanque da cascata atualmente ........................................................................................... 51
Figura V.25 Cascata monumental de Caxias com o conjunto escultórico representa o Banho de Diana.
............................................................................................................................................. 51
Figura V.26 Pormenor do conjunto escultórico do Banho de Diana. ..................................................... 51
Figura VI.1 Muro da Cerca com os aquedutos da Mina da Preguiça (em baixo)e da Mina da Cabrita (em
cima). ................................................................................................................................... 57
Figura VI.2 Poça do Olival. ..................................................................................................................... 57
Figura VI.3 Fonte de São Beda ............................................................................................................... 58
Figura VI.4 Grande Lago com cascata .................................................................................................... 58
Figura VI.5 Adufa do Grande Lago. ........................................................................................................ 58
Figura VI.6 Fonte de São Bento.............................................................................................................. 60
Figura VI.7 Tanque de São Bento. .......................................................................................................... 60
Figura VI.8 Fonte de São Pedro ou do Galo. .......................................................................................... 60
Figura VI.9 Capela de São Bento e o chafariz ........................................................................................ 62
Figura VI.10 Tanque da Capela de São Bento ........................................................................................ 62
Figura VI.11 Chafariz do Chuveiro da Capela de São Bento.. ................................................................. 63
Figura VI.12 Eixo barroco do Escadório ................................................................................................. 63
Figura VI.13 Réplica da figura que simbolizava a virtude da Prudência ................................................. 63
VIII
Anexo 1 Planta das Minas e Encanamento da Água do Almoxarifado de Queluz, 1901.
Anexo 2 Plano do Sistema Hidráulico dos jardins do Palácio de Queluz.
Anexo 3 Corte e Plano do Canal dos Azulejos.
Anexo 4 Planta, Alçado em Perspetiva e Corte da Casa da Música na Quinta Real Velha em Queluz,
1874.
Anexo 5 Planta das Minas e Encanamento da Água do Almoxarifado de Queluz, 1901.
Anexo 6 Plano do Sistema Hidráulico da Quinta Real de Caxias
Anexo 7 Corte e Plano da Cascata Monumental do Jardim Novo.
IX
André Le Nôtre (1613-1700), ao inovar e transformar o modelo de jardins clássicos, contribui com
um desenvolvimento da maestria na utilização de recursos hídricos, que funcionavam como um dos
elementos centrais e principais do jardim barroco. Com o seu saber multidisciplinar, conseguiu aliar a
necessidade de drenar e armazenar a água com a estética e a espetacularidade. André Le Nôtre foi
uma figura emblemática na história da arte dos jardins e do ordenamento da paisagem não só em
França, mas um pouco por todo o mundo. O seu talento reside em grande parte na sua aproximação
pluridisciplinar aos projetos, conciliando desde saberes hortícolas, a técnicos e estéticos. As inovações
no traçado, na composição, no uso da perspetiva, nos jogos de ótica tal como no campo da hidráulica
vão ser transcritos em tratados e vão ser difundidos para outros países.
A partir de 1640, Portugal recuperava de um período conturbado da sua história e encontrava-se
enfraquecido economicamente e politicamente, vindo a adotar mais tardiamente a expressão barroca
nos seus jardins. Com uma envolvente e uma ambiência muito distintas, tanto a nível biofísico, como
social e cultural, político e económico, Portugal vai criar um barroco com características particulares. A
nível de recursos hídricos apresenta uma grande limitação e irregularidade e, para além disto, tinha
uma base muito rica de conhecimentos hidráulicos herdados de outras culturas que vão influenciar e
marcar fortemente a tradição portuguesa do uso da água nos jardins.
Para atingir estes objetivos são investigados vários temas que permitem construir uma análise
metódica, partindo de um contexto mais generalista para um caso específico, o de Portugal. A história
da arte dos jardins está intrinsecamente ligada à sociedade que os criou, funcionando como
testemunhos da história, das políticas, das inovações científicas e das filosofias que marcaram a época
1
em questão. Logo para a melhor compreensão da sua origem e conceção é necessário analisar em que
contexto surgiu o barroco, quais as inovações científicas, personalidades, filosofias e políticas que o
marcaram. Quanto à água, elemento cujo uso alia conhecimentos técnicos e estéticos, propõe-se um
estudo mais aprofundado das ciências que contribuíram para a evolução no seu uso, tal como as
imposições estéticas e filosóficas que vai tomar nos jardins. Com uma compreensão dos fatores chave
e contexto que marcaram o desenvolvimento do barroco em França, passa-se para o entendimento de
como este se exprimiu em Portugal. Neste caso mais particular torna-se necessário o estudo da
situação do país, das suas características biofísicas e as tradições características da cultura portuguesa.
Esta análise permite compreender melhor as especificidades e contornos que o barroco vai tomar em
Portugal, com destaque na forma de utilizar a água. Para permitir uma melhor apreensão destas
características foram escolhidos três casos de estudo: o Palácio de Queluz, a Quinta Real de Caxias e o
Mosteiro de São Martinho de Tibães. Foi feita esta escolha, de mais do que um exemplo, para poder
dar uma abordagem mais ampla do uso da água, e permitindo também uma comparação entre um
barroco mais cortesão e um barroco mais eclesiástico. Em cada um dos exemplos escolheu-se um
elemento-chave, onde a água funciona como um dos agentes principais. No estudo de cada um dos
casos pretende-se compreender o seu funcionamento e as suas características, abordando três formas
diferentes de utilizar a água e permitindo, posteriormente, uma comparação com exemplos
estrangeiros, possibilitando a conclusão das especificidades e diferenças do uso da água nos jardins
portugueses, tal como possíveis semelhanças e inspirações.
Para atingir os objetivos propostos e organizar os temas de investigação de forma clara e precisa
dividiu-se esta dissertação em cinco capítulos:
- Antecedentes e Bases do Barroco: neste capítulo pretende-se contextualizar o aparecimento da
expressão artística do barroco, e esclarecer quais são os seus princípios fundamentais. Para isso
estudou-se a revolução científica e as novas correntes de pensamento que marcaram o século XVI e
que contribuíram para uma mudança na forma do homem ver e relacionar-se com o mundo e com o
universo. Com isto, criam-se as bases para compreender e analisar as principais características dos
jardins barrocos de André Le Nôtre.
- Ciência, Tecnologia e Arte nas Águas do Século XVII: este capítulo tem como propósito o
aprofundamento do estudo da água, incidindo nos vários progressos ocorridos nos vários campos da
ciência que irão influenciar o seu uso nos jardins. Esta investigação tem como base os vários tratados
históricos deste século, tanto científicos como artísticos, que possibilitaram uma melhor análise do
tema. Este capítulo divide-se em três campos: primeiro, o estudo dos progressos ocorridos no campo
2
da hidráulica, as novas invenções hidráulicas e a reinterpretação de conhecimentos clássicos e
renascentistas; num segundo plano, a análise da ciência da ótica, ligada ao movimento da luz e aos
efeitos dos espelhos que vão alimentar a imaginação barroca; e por fim, as implicações estéticas e
filosóficas que marcaram o uso da água nos jardins barrocos.
- O Panorama em Portugal nos Séculos XVII e XVIII: ao entrar no caso mais particular de Portugal
faz-se uma introdução e contextualização das características do seu clima, topografia, disponibilidade
em água e das heranças transmitidas por outros povos, contribuindo para a cultura hidráulica
portuguesa. De seguida sumariza-se a situação do país no século XVII, abordando as questões políticas
e sociais que contribuíram para o atraso da entrada da expressão barroca em Portugal. Por fim, ao
entrar no século XVIII, caracteriza-se o ambiente vivido e as condições que possibilitaram a adoção do
barroco, tratando de uma forma sintética algumas das características prementes na utilização e
manipulação da água.
- O Uso da Água no Barroco Cortesão de Portugal: neste capítulo abordam-se dois dos três casos de
estudo. Encontram-se no mesmo capítulo por terem sido construídos no mesmo âmbito e a pedido da
mesma entidade – a Casa do Infantado. Assim, são estudados os jardins do Palácio de Queluz e a
Quinta Real de Caxias, em que se estudam as razões das suas construções, fazendo-se depois uma
breve descrição dos seus traçados e composições e, por fim, uma análise dos sistemas hidráulicos que
serviam estes jardins. Para cada um foi escolhido um elemento-chave (no caso de Queluz o Canal de
Azulejos e no de Caxias, a Cascata Monumental) que vai permitir a análise mais aprofundada de um
lado mais técnico e outro mais estético, dando espaço para uma interpretação e posterior
comparação com o barroco de Le Nôtre.
- O Uso da Água no Barroco Eclesiástico de Portugal: neste último capítulo, seguindo o mesmo
esquema que o anterior, é estudado o último caso de estudo – a Cerca do Mosteiro de Tibães.
Construída numa outra ambiência e a mando de uma outra entidade vai apresentar uma vivência e
simbolismo diferentes. Neste caso de estudo foi escolhido como elemento-chave o Escadório da
Capela de São Bento.
3
A água, como elemento imprescindível à vida terrestre, é «a chave de toda a civilização»1. É um
recurso cuja gestão decorre das suas dimensões, utilitária, simbólica, mítica, artística, e revela grande
conhecimento científico e tecnológico. Muitos foram os povos que contribuíram para o
desenvolvimento da hidráulica e que cooperaram com novos artifícios hidráulicos para a melhoria de
sistemas anteriores ao período barroco, sendo este o culminar de uma história com mais de cinco mil
anos. De facto, a água foi um elemento essencial na cultura barroca, desde a sua maior
disponibilidade nas cidades, até ao seu uso artístico nos jardins e na paisagem. A forma, o som e a arte
que os sistemas hidráulicos permitiram obter com o tratamento elaborado da água criou novas formas
de fruição e novos modos de a utilizar nos espaços exteriores, tanto públicos e privados.
1
VIOLLET, P. L. - L’hydraulique dans les civilisations anciennes: 5000 ans d’histoire. Paris: Presses École Nationale Point
Chausses, 2005. «L’eau est la clé de toute civilisations» P. 11.
2
BARIDON, M. - L’eau dans les jardins d’Europe. Bruxelas: Éditions Mardaga, 2008. P. 36.
3
BLAY, M. - La révolution scientifique, XVIIe-XVIIIe siècles. Sciences Humaines. Nº 31 (2000-2001). [Consult. 19/04/2014]
Disponível em WWW: <http://www.scienceshumaines.com/la-revolution-scientifique-xviie-xviiie-siecles_fr_12276.html>
4
Kepler (1571-1630), o francês René Descartes (1596-1650), o italiano Evangelista Torricelli (1608-
1647), o francês Blaise Pascal (1623-1662) e o inglês Isaac Newton (1643-1727).4
Uma nova corrente de pensamento vai marcar a vida intelectual, incentivando à utilização de um
maior senso crítico e com uma grande vontade e curiosidade na restituição e readaptação do estilo e
da cultura da antiguidade clássica.5 Marca uma época de conhecimento, de incentivo às artes e às
ciências.
Desde o renascimento que os jardins começam a ser reconhecidos como uma arte específica e
com um estatuto teórico.6 Com o desenvolvimento de uma nova relação focada no próprio homem, o
jardim começa a ser feito com vista à celebração deste, numa busca cultural e numa recuperação dos
valores da antiguidade clássica. O jardim é carregado de conotações metafóricas e fabulísticas, que
fazem com que os seus componentes percam de alguma forma a sua qualidade mais natural, para
jogarem sobretudo com o lado cultural e simbólico.7 No tratamento da água vão ser criados
principalmente cenários alegóricos com um simbolismo cultural associado. Nestas construções são
utilizadas técnicas hidráulicas cada vez mais sofisticadas, provindo dos avanços científicos observados
na altura, tal como a readaptação de conhecimentos hidráulicos da antiguidade clássica.8
No caminho para o século XVII a nova física do movimento estudada e aprofundada vai triunfar
nas artes, sendo um elemento decisivo na composição dos jardins. A água com a sua versatilidade,
flexibilidade e ductilidade vai tornar-se a imagem de um mundo novo, de progresso e
desenvolvimento, tornando-se o componente primordial e excecional para conferir movimento ao
espaço.9 A água vai ser trabalhada, então, de forma admirável com a ajuda de engenhos hidráulicos e
de autómatos. Fontes, cascatas, giocchi d’acqua, grottos, casas de fresco animam-se com a água em
movimento, aliando as várias sensações humanas que esta desperta, como visuais, tácteis e auditivas.
As peças de água tinham, assim, como objetivo surpreender e intrigar o visitante.10
O século XVII vai ser marcado por novas descobertas e pela aquisição de novos conhecimentos
que vão afetar e influenciar a sociedade, a cultura e as artes. A adoção de um novo tipo de política, a
mudança da perceção do sistema metafísico, a assimilação de novos conhecimentos nas ciências
4
JELLICOE, G.; JELLICOE S. - The landscape of man. [3.ª edição] Londres: Thames and Hudson, 1996. P. 192.
5
CARITA, H. - Tratado da grandeza dos jardins em Portugal: ou da originalidade e desaires desta arte. [2.ª edição] Venda
Nova: Bertrand Editora, 1998. P. 45.
6
BARIDON, M. - L’eau dans les jardins d’Europe. Bruxelas: Éditions Mardaga, 2008. P. 36.
7
CORREIA, C. P.; CASTEL-BRANCO, C.; FURTADO, J. A. Os quatro rios do paraíso. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1994. P. 20.
8
CORREIA, C. P.; CASTEL-BRANCO, C.; FURTADO, J. A. op. cit.. P. 20.
9
BARIDON, M. - op. cit. P. 49.
10
BARIDON, M. - op. cit.. P. 47.
5
naturais e matemáticas, são alguns exemplos das mudanças. É um século verdadeiramente
apaixonado pelo conhecimento e que tem um desejo profundo de expandi-lo.11
No século XVI, o astrónomo e matemático polaco Nicolau Copérnico reúne os seus estudos sobre
a cosmologia numa obra intitulada Das revelações das esferas terrestres (1543). Nesta obra, Copérnico
propõe uma nova conjetura para o universo, a teoria heliocêntrica, que nega o geocentrismo,
definindo que o Sol é o centro do universo e que os planetas, incluindo a Terra, se movem em torno
dele. Com estas descobertas e com a invenção do telescópio começa-se a ter uma imagem mais clara
do universo, dando azo a uma nova conceção e a uma nova escala de pensamento que considerava
que o universo poderia ser infinito.12 Cria-se então uma nova atitude no homem, que deixa de estar
apenas ligado ao que o rodeava, para se relacionar com o universo, com o todo, com o
desconhecido.13
Ao teorizarem o mundo palpável, em teorias e cálculos, entende-se assim o porquê da
matemática ser considerada pelo filósofo, físico e matemático francês René Descartes, como a
«linguagem do universo»14. Com recurso à matemática vai ser possível criar uma lógica e um raciocínio
que permitem traduzir o universo em fórmulas, teoremas e criar leis que traduzem a natureza e os
seus fenómenos.
No campo social e político, o exercício de várias monarquias absolutistas, em simultâneo com um
engrandecimento do poder da nobreza em vários países da Europa, vai fazer com que haja uma maior
procura de formas novas de impressionar e de expressar o seu poder e triunfo.
A este programa, já pesado, que combina a física e a política, vem juntar-se a perspetiva, cujas
regras foram descobertas ainda no Renascimento. A perspetiva pode ser metaforicamente comparada
com a metafísica, ou seja, com a visão que se tem do universo.15 Assim, com a mudança de conceção
do universo, a perspetiva vai ser utilizada para o representar, manipulando-a de forma a jogar com a
ideia do infinito.
No século XVII, a França destaca-se na arte dos jardins. Fortalecida por bases e influências do
renascimento e barroco italiano, vai florescer e desenvolver-se de uma forma autónoma, influenciada
pelas descobertas científicas e respondendo a práticas de sociabilidade políticas e sociais.16
11
ORSENNA, E. - O jardineiro do Rei-Sol: retrato de um homem feliz. Lisboa: Livros Horizonte, 2003.
12
BARIDON, M. - Les jardins: paysagistes, jardiniers, poètes. Paris: Robert Laffont, Collection Bouquins, 1998. P. 713.
13
JELLICOE, G.; JELLICOE S. - The landscape of man. [3.ª edição] Londres: Thames and Hudson, 1996. P. 164-165.
14
ORSENNA, E. - op. cit. P. 32.
15 th
WEISS, A. S. - Mirrors of infinity: the French formal garden and 17 century metaphysics. Nova Iorque: Princeton
Architectural Press, 1995.
16
GOTHEIM, M. L. - A history of garden art (Volume II). Nova Iorque: Hacker Art Books, 1928 P. 51.
6
A revolução dada na arte dos jardins no século XVII em França deve-se, principalmente, a André Le
Nôtre. Nascido a 1613 em Paris, provinha de uma família de jardineiros, de quem herdou muitos dos
seus conhecimentos. Formado na Academia de Artes nas Tuilleries teve contacto com várias áreas de
conhecimento, o que se vai refletir nos seus projetos.
Os jardins à francesa nascem a partir do esquema renascentista, mantendo o gosto pela
regularidade e pelas formas geométricas, o gosto pela ordem e pela simetria, contudo apresentando
uma relação com a paisagem e com a envolvente completamente diferentes, observando-se uma
passagem «do finito clássico ao infinito barroco»17.
Aparece uma nova distribuição e uma nova relação do jardim com o palácio, criando uma unidade
entre os dois, tanto espacial como visual, sendo a arte dos jardins utilizada como uma extensão
natural da arquitetura. Os jardins funcionam como uma grande avenida de monumentalidade e
grandiosidade e definitivamente como uma afirmação da asserção política de poder. Estes são
símbolos de uma monarquia absolutista e de uma vida faustosa e luxuosa. Para jogar com estes
conceitos vai utilizar-se a ciência como «uma aliada do poder»18, o que também se vai refletir no
domínio da natureza, já que o homem se torna num «mestre e proprietário da natureza»19, moldando-
a de acordo com as suas vontades, caprichos e manias.20
Le Nôtre cria um espaço infinito, dando a ideia de ser apercebido na sua totalidade apenas num
olhar. Estes jardins, matematicamente realizados, criam efeitos e escondem maravilhas que
surpreendem os visitantes. Para criar o efeito de infinito são utilizadas as ciências da geometria e da
ótica, jogando com os pontos de fuga, a perspetiva linear, as larguras e alturas dos objetos, iludindo o
observador. As grandes perspetivas dos jardins, caracterizadas por eixos longos de sequências
ordenadas e articuladas de parterres, terraços, fontes, tapis verts, canais e avenidas, vão resultar de
uma aplicação original das técnicas de perspetiva em conjunto com as leis óticas. A colimação e a
anamorfose vão ser dois instrumentos diretores na realização destes grandes eixos: o primeiro, por
explorar os alinhamentos visuais coordenando distâncias e níveis, e o segundo, ligado à deformação
ótica dos objetos, para compensar a diminuição aparente dos elementos e assim dar uma sensação de
17
JELLICOE, G.; JELLICOE S. - The landscape of man. [3.ª edição] Londres: Thames and Hudson, 1996. P. 164.
18
BARIDON, M. - Les jardins: paysagistes, jardiniers, poètes. Paris: Robert Laffont, Collection Bouquins, 1998. P. 713.
19
BARIDON, M. - op. cit. P. 713.
20
JELLICOE, G.; JELLICOE S. – op. cit. P. 179.
7
aumento de escala.21 Com a conquista do infinito nos jardins barrocos cria-se uma unidade de toda a
paisagem complementada também com a envolvente e com o céu.
Os jardins começam a ser tratados com base numa tridimensionalidade, abandonando a
geometria bidimensional e substituindo-a por uma geometria axial. Este domínio da
tridimensionalidade vai criar uma maior competência do homem para manipular o terreno e os
objetos de forma a criar uma paisagem dinâmica.
A revolução da imprensa na Europa, iniciada por Johannes Gutenberg, no século XV, vai ser o
impulso necessário para a mais fácil divulgação e comunicação dos novos saberes. Numa época em
que o conhecimento estava em constante crescimento e expansão, estas novas descobertas e
conclusões começam a ser traduzidas e anotadas em papel, teorizando e abrangendo vários temas e
atividades, tal como a arte dos jardins. Estes tratados vão tornar-se verdadeiros manuais de
aprendizagem e de execução, que vão ajudar a expandir os novos conceitos e técnicas de jardinagem,
de desenho e de engenharia mais facilmente e fluidamente por toda a Europa.22
No ramo da arte dos jardins podem distinguir-se alguns tratadistas que contribuíram com obras de
grande relevância para esta área. Estes são Salomon de Caus, Jacques Boyceau e, mais tarde, Dézallier
d’Argenville.
Salomon de Caus trabalhou como engenheiro hidráulico no reinado de Luís XIII e, também
projetou e construiu jardins em Inglaterra e na Alemanha. Escreveu várias obras tal como La
Perspective avec la Raison des Ombres et des Mirroirs (1611), Les Raisons des Forces Mouvantes
(1615) e Hortus Palatinus (1620). Nestas obras, o autor fala do Sol como fonte luminosa e criadora de
uma dinâmica entre luz e sombra, dando ênfase à força que as sombras dão aos objetos e às
paisagens, descreve os vários jogos de ótica que podem ser inseridos nos jardins, tal como algumas
ilusões que ajudem a expandir visualmente pequenos espaços fechados.
Jacques Boyceau escreveu Traité du Jardinage selon les Raisons de la Nature et de l’Art (1638), que
apenas foi publicado cinco anos após a sua morte. Esta é uma obra que descreve a teoria dos jardins
barrocos no seu início. Divide este livro em três tomos, sendo o primeiro dedicado a elementos como
a água, a luz, o sol, entre outros. No segundo, aborda principalmente o uso da vegetação, e por fim,
no terceiro, formula, com grande precisão os critérios estéticos dos jardins barrocos.
Já mais tarde, no século XVIII, Dézallier d’Argenville, muito interessado pelas artes e pelas ciências,
elabora várias obras em diversos campos, mostrando um principal interesse e curiosidade em relação
21
FARHAT, G. - Les grandes perspectives dans l’œuvre de Le Nôtre. Em: BOUCHENOT-DÉCHIN, P.; FARHAT, G. - André Le
Nôtre en perspectives. (P. 171-187) Paris: Éditions Hazan, 2013.
22
BARIDON, M. - L’eau dans les jardins d’Europe. Bruxelas: Éditions Mardaga, 2008.
8
à jardinagem e à hidráulica.23 É neste contexto que vai aparecer a obra de La Théorie et la Pratique du
Jardinage (1747) associada ao seu nome. Porém não há certezas quanto ao seu real autor, visto que
esta obra foi publicada de forma anónima no ano de 1709. Nas décadas seguintes foi republicada
várias vezes apresentando o nome de Dézallier ou as suas iniciais, mas também aparecendo por vezes
com o nome do arquiteto Le Blond.24 Este manual descreve com pormenor vários aspetos e
componentes dos jardins, com representações e exemplos. O livro divide-se em quatro partes: a
primeira, que discute a escolha do terreno, tal como a distribuição e disposição geral de um jardim, a
posição de eixos e de outros elementos na composição dos jardins. Já na segunda parte fala da
modelação de terreno e de várias soluções para diferentes fisionomias, como os terraços e as escadas.
A terceira parte aprofunda o conhecimento da vegetação e o tipo de vegetação e, por fim, a quarta
parte, e a mais importante para o corrente trabalho, é a discussão sobre a hidráulica e os
funcionamentos e desenhos dos elementos.
Não era só pelos tratados e pelas fontes teóricas que as informações sobre os jardins eram
propagadas. Os romances, poemas, pinturas, relatos de viajantes, vão também servir como obras de
referência para a divulgação dos desenhos, das características e simbologias glosadas nas
composições barrocas.
23
ARGENVILLE, D. - La théorie et la pratique du jardinage. Paris: J. Mariette, 1713. Fonte: Bibliothèque Nationale de France,
département Estampes et Photographie (4-HD-86). P .18.
24
Informação retirada da conferência de Sabine Cartuyvels, no dia 30 de setembro de 2013 em Sceaux, intitulada de La
diffusion de la théorie et pratique du jardinage de Dézallier D’Argenville dans l’Europe du XVIII siècle, no contexto das
conferências realizadas nesse dia com o tema de L’héritage d’André Le Nôtre.
9
Com as premissas de um novo mundo em movimento, matematizado e transcrito em princípios,
também os seus vários constituintes vão ser analisados e estudados tendo em conta a sua dinâmica. O
movimento da água, já representado em algumas obras do século XVI, vai ganhar um reforço teórico
no início do século XVII, quando o estudo e as experiências de vários cientistas vão permitir
estabelecer os principais fundamentos da hidrostática e da hidrodinâmica. Estes ensaios científicos
coincidem com um século que «tem um grande amor pela água»25, o que vai resultar numa relação
muito estreita entre o progresso científico e a arte dos jardins, pois são os jardins que vão funcionar
como os principais palcos de ensaio e de experiência das novas invenções hidráulicas.
25
ORSENNA, E. - O jardineiro do rei-sol: retrato de um homem feliz. Lisboa: Livros Horizonte, 2003. P. 89.
10
instrumentos, criando uma melodia que soava pelo jardim.26 Quanto ao jardim de Pratolino,
funcionando como uma das principais referências para o resto da Europa, foi descrita nos relatos do
viajante inglês Fynes Moryson como um local repleto de visões raras nunca observadas em mais lado
algum27, mostrando um grande entusiamo pelos inúmeros autómatos que animavam o jardim, como
por exemplo as «imagens de Ninfas [que eram] carregadas pela água para fora da gruta, e outra vez
para dentro, como se tivessem vida»28 (Figura III.2).
Esta reinterpretação dos conhecimentos clássicos, da sua integração nos jardins e o seu
desenvolvimento, utilizando os jardins como laboratórios, vão criar bases tecnológicas hidráulicas
muito ricas e que servirão de modelo e de base na construção dos jardins do século XVII por toda a
Europa, sendo a França o primeiro país a adaptar e a aperfeiçoar estas novas ideias.
Figura III.1 (esquerda) | Fontana dell’Organo. Órgão de água na Villa d’Este. Por Giovanni Francesco Venturini, 1691.
(Fonte: Cornell University Library. Disponível em WWW: <http://libcudl.colorado.edu:8180/luna/servlet/detail/BardBar~1~1~
4947~100789:-Fountain-of-the-organ-on-the-right>)
Figura III.2 (direita) |Esboços de Schikhardt dos mecanismos hidráulicos que animavam o jardim de Pratolino.
(Fonte: KLUCKERT,E. – Parcs Et Jardins En Europe: De L’Antiquité Á Nos Jours. Toulouse: Tandem Verlag GmbH, 2005. P. 63)
Em 1615, o engenheiro e arquiteto francês Salomon de Caus publica a obra Les Raisons des Forces
Mouvantes onde reúne todas estas obras e máquinas hidráulicas, explicando o seu funcionamento, a
sua arte e a sua utilidade. Esta obra sobre a aplicação da maquinaria nos jardins exibe uma grande
riqueza em termos gráficos e técnicos, apresentando inúmeros esboços que vão servir de base à
construção dos elementos dos futuros jardins barrocos. Entre os vários desenhos, Salomon de Caus
apresenta inúmeras máquinas que têm como objetivo a elevação da água através de bombas ou de
grandes rodas ativadas pela força de cavalos (Figura III.3); apresenta também máquinas que utilizam a
água para atividades práticas mais pesadas como a de serrar madeira ou para fazer funcionar outro
26
GREENBERG, M.; SCHACHTERLE, L. - Literature and technology. Bethlehem: Lehigh University Press, 1992. P. 113.
27
GREENBERG, M.; SCHACHTERLE, L. - op. cit. P. 112.
28
GREENBERG, M.; SCHACHTERLE, L. - op. cit. P. 113.
11
tipo de mecanismos, como relógios, ou imitar o canto dos pássaros (Figura III.3). Por fim, representa
alguns exemplos de cenários de fontes e grottos que utilizam vários mecanismos hidráulicos para o
seu funcionamento e para o seu dinamismo. 29
Paralelamente verifica-se um contínuo crescimento na investigação científica e uma maior
sabedoria sobre diversos conceitos, o que vai possibilitar tirar proveito diferente destes mecanismos,
tornando-os mais eficientes, mais grandiosos e de uma certa forma controlar e moldar cada vez mais a
natureza.
(a) (b)
Figura III.3 | Engenhos hidráulicos desenhados por Salomon de Caus em 1612. (a) Bomba para levantar
água acionada pela força de cavalos. (b) Artifício hidráulico que imitava o canto dos pássaros. (Fonte:
CAUS, Salomon de. - La Perspective Avec La Raison Des Ombres Et Miroirs. Londres: I. Norton, 1612. Fonte:
Bibliothèque Nationale de France, département Réserve des Livres Rares (RES-V-442))
Desde a Antiguidade que vários conceitos e teorias eram discutidas e questionadas, sendo que no
virar do século XVII surge um esforço para encontrar respostas para muitas destas interrogações,
como provas para a validação ou a refutação de algumas conjeturas. Este período de revolução
científica vai marcar o início da ciência moderna e muitos são os nomes que protagonizam um papel
de relevo nestes avanços. Relativamente à água, já com um saber prático mais desenvolvido, começa
a procura de um percurso de teorização, explicação e esclarecimento do seu movimento.
Estabelecem-se os fundamentos da hidrostática e da hidrodinâmica e exploram-se vários conceitos no
vocabulário científico que permitem uma maior compreensão da interação da água, possibilitando
progredir com novas técnicas e artifícios de manipulação de água, mais eficientes e poderosos.
29
CAUS, Salomon de. - La perspective avec la raison des ombres et miroirs. Londres: I. Norton, 1612. Fonte: Bibliothèque
Nationale de France, département Réserve des Livres Rares (RES-V-442).
12
Com um aparecimento recorrente de dúvidas associadas à construção dos jardins, nomes como os
de Evangelista Torricelli (1608 - 1647), Marin Mersenne (1588 - 1648), René Descartes (1596 – 1650) e
Blaise Pascal (1623 – 1662) contribuem com respostas a algumas destas questões. Numa procura de
dominar os conhecimentos sobre o escoamento da água, tal como sobre a sua energia, Torricelli,
baseando-se nos estudos de Galileu sobre a força da gravidade, enuncia, na sua obra intitulada De
Motum Aquarum (1644) a lei (posteriormente conhecida como sua homónima) considerada como a
primeira lei do movimento de fluidos, que diz que a velocidade de escoamento de um líquido por um
orifício, situado no fundo de um reservatório, é proporcional à raiz quadrada da altura que separa o
orifício da superfície livre do líquido. Embora esta lei apenas refira o nome de Torricelli, outros
estudiosos contribuíram para a validação e estudo desta premissa e para a sua aplicação em
diferentes campos práticos. Um destes casos é o de Mersenne que vai elaborar inúmeras experiências
e investigações relacionadas com o movimento e a velocidade da água, criando diferentes cenários,
onde variava alturas e pressões, para assim observar as variações de comportamento da água. As
investigações de Mersenne, principalmente caracterizadas pelo seu teor mais prático, vão ser
estudadas e teorizadas por Descartes, com quem trocava correspondência regular. Este último vai
concentrar-se nas propriedades dos jatos, tanto verticais como horizontais, assim como os diferentes
movimentos que intervêm nas trajetórias dos jatos. Várias são as conclusões que estes cientistas
conseguiram retirar destes estudos e que vão servir de base aos vários fundamentos da
hidrodinâmica, que irão ser desenvolvidos um século mais tarde por Daniel Bernoulli (1700-1782).
Uma das conclusões mais importante e determinante foi perceber que a altura dos jatos verticais,
teoricamente, atingia a altura do nível a que está a superfície livre, tal como a compreensão da
velocidade do escoamento como um valor não constante, variando com a intervenção de outros
fatores e, por fim, as trajetórias dos jatos de água em forma de parábola, mais ou menos extensas
dependendo da velocidade de saída da água.30
A maioria dos pensadores da Antiguidade duvidava da ideia da existência de vácuo, ao que
Aristóteles, aliás, acrescentaria que «a natureza [tinha] horror ao vácuo», i.e. que todo o espaço livre
tinha que ser ocupado por uma determinada matéria, nunca podendo estar vazio. Com o início do
século XVII, vários são os cientistas que contribuem para provar e revolucionar a ideia de vácuo e
consequentemente introduzir o conceito de pressão atmosférica. Galileu escreve numa das suas obras
que, segundo as indicações dos mestres em fontes, a água aspirada pelas bombas não se elevava mais
do que dez metros, concluindo que o ar tinha um peso.31 Salomon de Caus, em 1615, também
30
CORDONNIER, Marie-Neige. - Les débuts de la science du mouvement des eaux. pour la science: les génies de la science.
Paris: n.º 22, fevereiro-maio 2005. P. 110-119.
31
CORDONNIER, Marie-Neige. - Les débuts de la science du mouvement des eaux. pour la science: les génies de la science.
Paris: n.º 22, fevereiro-maio 2005. P. 110-119.
13
transcreve esta observação, em que as bombas de aspiração eram capazes de elevar água até a uma
altura limite fixa. Estas observações vão contrariar a ideia de que a água era elevada em consequência
do «horror ao vácuo», pois esta premissa não se justificava nem se observava a partir dos dez metros.
Para esclarecer este fenómeno, Gasparo Berti realiza em 1640 uma experiência baseada nas
observações de Galileu, montando numa das paredes de sua casa um grande tubo de chumbo de onze
metros de comprimento (Figura III.4). Este tubo encontrava-se mergulhado num tanque cheio de
água. Ao aspirar a água observou que esta nunca ultrapassava a altura de dez metros. Quatro anos
mais tarde, Torricelli repete esta experiência mas com um líquido mais denso, o mercúrio, facilitando
desta forma a realização da experiência e a observação dos resultados, pois a altura do tubo podia ser
mais curta e o chumbo podia ser substituído por vidro (Figura III.4). O mercúrio colocado no tubo,
mergulhado num recipiente também com mercúrio, vai atingir uma altura de 760 milímetros contados
a partir da superfície livre. Torricelli observa que esta altura se mantém constante,
independentemente da inclinação dada ao tubo ou da profundidade a que este se encontra
mergulhado.
Estas observações vão abrir um novo campo de investigação em que vão participar com novos
ensaios cientistas como Blaise Pascal e Florin Périer, sendo o mais importante a chamada experiência
do Puy de Dôme (Figura III.4). Com a qual se pretendia provar que os 760 milímetros de altura que o
mercúrio mantinha dependia do peso do ar. Ao realizar o mesmo ensaio de Torricelli, mas no topo da
montanha de Puy de Dôme, observou-se uma variação nesta altura do mercúrio. Estas experiências
vão introduzir o novo conceito da pressão atmosférica relacionado com o estudo do peso do ar, o que
14
vai iniciar um debate em torno deste novo conceito e vai funcionar como um dos passos decisivos na
fundamentação das ciências da hidrodinâmica e da hidrostática.
Marin Mersenne refere que «a estática, a hidráulica, e a pneumática produzem efeitos tão
prodigiosos, que parece que os homens podem imitar as obras mais admiráveis de Deus»32, mostrando
o contributo que a evolução dos conhecimentos científicos vão trazer ao uso da água, à sua
manipulação e antecipando a ideia de grandiosidade e de controlo sobre a natureza. Um exemplo
desta maestria que o conhecimento científico incute nos elementos hidráulicos, e em conformidade
com o uso dos jardins como palco de verificação destas experiências, pode observar-se na fonte de La
Gerbe no jardim de Vaux-le-Vicomte. As recentes descobertas sobre a pressão atmosférica, sobre o
efeito do vácuo e sobre a diferença de alturas entre a superfície livre e a altura atingida por um jato,
foram postas à prova no grande jato central que compunha esta fonte;33 este foi calculado de forma a
atingir mais de cinco metros de altura e de possuir um diâmetro do tamanho de um ser humano,
sendo descrito pelo escritor André Félibien como «uma das coisas mais belas da Europa no seu
género»34.
Com este maior controlo e manipulação da água e dos seus efeitos desenvolve-se um entusiasmo
crescente pelas extravagâncias aquáticas, originando um desejo que se torna «uma obsessão»35.
Mudanças conceptuais e inovações estavam constantemente a ser requeridas, introduzidas e testadas
nos jardins, sendo que com estes novos requisitos a «ambição dos engenheiros muda de escala»36, tal
como o seu protagonismo, passando a ser entidades indispensáveis na realização dos jardins. As
questões aferentes aos jogos de água vão ser um dos fios condutores ao longo da história dos jardins
barrocos franceses, com um crescimento exponencial a partir do início da construção de Versalhes em
1661, que vai exigir uma aceleração nos estudos e na resolução de problemas.
Com esta necessidade de se desenvolverem investigações teóricas relacionadas com os
mecanismos e o seu aperfeiçoamento, o rei Luís XIV cria a Academia de Ciências em 1666, de forma a
promover a investigação científica francesa. Dos vários estudos elaborados por esta academia surge o
Traité du mouvement des eaux et des autres corps fluides (1686) por Edmé Mariotte, onde estão
reunidos uma série de resultados experimentais que posteriormente irão servir de referência para
outros países. Desde cálculos e teoremas relacionados com as propriedades dos corpos fluidos, com o
32
CORDONNIER, Marie-Neige. - Les débuts de la science du mouvement des eaux. pour la science: les génies de la
science. Paris: n.º 22, fevereiro-maio 2005. P. 112.
33
CASTEL-BRANCO, C. - Os jardins dos vice-reis: Fronteira. Alfragide: Oceanos, 2008. P. 40.
34
FÉLIBIEN, A. - Relation des magnificences faites par M. Fouquet a Vaux-Le-Vicomte lorsque le roi y alla, le 17 aôut
1661, et de la somptuosité ce lieu. «une des plus belles choses qui soit dans l’europe de cette façon» [Consult. 9/07/2014].
Disponível em WWW: <http://moliere.paris-sorbonne.fr/base.php?Relation_des_magnificences_faites_par_M._Fouquet_
%C3%A0_Vaux-le-Vicomte>
35
ORSENNA, E. - O jardineiro do rei-sol: retrato de um homem feliz. Lisboa: Livros Horizonte, 2003. P. 90.
36
ORSENNA, E. - op. cit. P. 91.
15
seu equilíbrio, com a medição da quantidade de água e com as propriedades dos jatos de água, esta
obra agrupa toda uma série de princípios sustentados por diversas experiências. No prefácio escrito
por La Hire salienta-se a importância de se usar a água corrente, como a proveniente de aquedutos,
em detrimento da água parada, evitando assim, quando possível, as máquinas. Contudo sem
depreciar a potência das máquinas e a sua mais-valia em algumas situações, apenas acrescenta que
estas, quando utilizadas, devem ser escolhidas com base em cálculos de forma a escolher a máquina
mais eficiente para cada situação. Estas observações mostram como os novos avanços científicos
incentivaram o cuidado matemático e físico das novas obras hidráulicas, procurando tirar o máximo
partido destas, calculando todos os pormenores com o propósito de criar os efeitos e grandiosidades
desejadas. Já salientada a importância dos jardins como laboratórios ao ar livre para confirmação de
muitas destas experiências, nesta obra reforça-se esta faculdade, destacando o caso do jardim de
Chantilly como o espaço que reúne as condições necessárias para se realizarem experiências
relacionadas com a água, pois «a abundância de água e a altura dos reservatórios fornecem todos os
meios necessários»37.
Ao estudar este uso amplo que a água teve nos jardins barrocos
e as extravagâncias e efeitos que lhe eram dados, tem que se ter
sempre em mente a grande complexidade de mecanismos de
engenharia que eram necessários para tal efeito. Para além de
todos estes avanços científicos, que permitiam dotar os jardins de
artifícios hidráulicos de grande magnificência, há que referir uma
entidade de grande importância na gestão e manutenção da água
nos jardins – os fontainiers (Figura III.5). Estes, que podem ser
designados como mestres em água, deixam de seguir uma
abordagem mais empírica para pôr em prática os novos
conhecimentos que vinham sendo experimentados e transcritos em Figura III.5 | Traje de um fontainier.
tratados. Os projetos de Le Nôtre de grande complexidade (Fonte: LARMESSIN, N. – Costumes
Grotesques et Métiers. Paris: chez N. de
requeriam a estes mestres competências e instrumentos l’Armessin, [s.d.]. Bibliothèque des Arts
Decoratifs)
inovadores e um grande domínio sobre as características da água.
Alguns nomes destes mestres podem ser referidos, como a família Francini, Feuillastre, Muzard,
Diesses, Hérmant e Joly.38
37
MARIOTTE, E. C.; LA HIRE, P. - Traité du mouvement des eaux et des autres corps fluides. Paris: chez Claude-Jombert,
1718. Fonte: ETH – Bibliotek Zurich (Rar 1405).
38
SANTINI, C. - Les artistes de l’eau: fontainiers a Versailles au grand siècle. Publicado em: Projets de Paysage, 23/12/2009.
16
O século XVII mostra uma grande paixão pela ilusão e vai consagrar-se aos amplos efeitos que a
água pode tomar nos jardins, sendo que a compreensão da interação da luz e da sombra, da ótica, da
física catóptrica e da fantasia anamórfica virão a ter uma grande utilidade no delineamento dos
elementos de água nos jardins.
A partir de 1630, o físico e matemático francês Descartes introduz inovações nos conceitos de luz
e da ótica, publicando inúmeros estudos, podendo destacar-se a obra intitulada Dióptrica (1637), em
que se debruça sobre vários temas, como o comportamento e o movimento da luz em diferentes
materiais, como a luz como criadora das cores e de outros efeitos. Utilizando estudos balísticos para a
compreensão do movimento da luz, Descartes regista os diferentes comportamentos e direções que
as balas tomam relativamente a diferentes obstáculos, meios e formas, simbolizando analogicamente
os raios luminosos. Com este estudo debatem-se conceitos como o da refração e o da reflexão,
características que estão intrinsecamente ligadas à água. No caso da reflexão «o ângulo de incidência
é o mesmo que o ângulo de reflexão»39 e no caso da refração a luz vai sofrer uma mudança na sua
direção (Figura III.6). A maior maestria sobre o efeito de reflexão, diretamente relacionada com o
grande fascínio pelos espelhos, e os estudos realizados no campo da física catóptrica vão permitir
utilizar o espelho com grande preciosismo, transformando o mundo numa representação e
redobrando as perceções dos espetadores.40 Os espelhos ganham um protagonismo, sobretudo no
campo artístico, a partir do Renascimento, em que vários artistas se rendem ao mistério dos reflexos
dos espelhos planos e curvos, refletindo e distorcendo a realidade e criando cenários enigmáticos. Nos
jardins barrocos esta qualidade será transposta nos grandes espelhos de água e canais, tendo como
exemplo o jardim de Chantilly, «a derradeira celebração da água de Le Nôtre»41, em que aproveita
unicamente os efeitos da reflexão e da ótica nas grandes superfícies aquáticas, não sobrepondo
outros artifícios, como a estatuária (Figura III.7). A água, como fluido instável, cria uma série de
reflexos, onde a imagem refletida ganha vida, transformando o objeto refletido e libertando-o das
suas formas fixas.
39
CASTEL-BRANCO, C. - Os jardins dos vice-reis: Fronteira. Alfragide: Oceanos, 2008. P. 39.
40 th
WEISS, A. S. - Mirrors of infinity: the french formal garden and 17 -century metaphysics. Nova Iorque: Princeton
Architectural Press, 1995.
41
GOTHEIM, M. L. - A history of garden art (volume II). Nova Iorque: Hacker Art Books, 1928 P. 83.
17
Figura III.6 (esq.) | René Descartes estuda o percurso que os raios luminosos tomam numa gota de
água e as leis da reflexão e da refração. Como se pode observar o ângulo de reflexão é igual ao de
incidência (i=i) e no caso de refração o raio mudando de direção, também altera o seu ângulo (i≠r)
(Fonte: CORDONNIER, Marie-Neige. - Pour La Science: Les Génies De La Science. Paris: n.º 22, fevereiro-maio 2005)
Figura III.7 (dir.) | Jardins de Chantilly de André Le Nôtre. (Fonte: JELLICOE, G.; JELLICOE, S. - The
Landscape Of Man. [3.ª edição] Londres: Thames and Hudson, 1996)
No estudo sobre a luz, outros fenómenos são realçados, como a sombra, característica inerente à
luz. Com o surgimento de um grande interesse pela ótica a partir do Renascimento, considera-se a luz,
e consequentemente a sombra, como as fontes reveladoras da presença dos objetos e da sua
tridimensionalidade, sendo realçadas por Leonardo da Vinci como as mais fundamentais das dez
qualidades percebidas pelo olho.42 Caravaggio vai impor a este jogo entre luz e sombra uma natureza
diferente, conferindo-lhe uma nova teatralidade e dramatismo, em que se perde o equilíbrio
renascentista, para uma luta pelo protagonismo entre as duas, criando uma profundidade e
intensidade diferentes. Estes novos efeitos do claro-escuro vão ser explorados na Europa do século
XVII, fazendo com que a arte transcenda o decorativo, dando movimento e intensidade aos cenários,
tendo também presença nos jardins, conferindo-lhes dramatismo e movimento. Jean du Breuil
descreve a sombra como a concessora «da força dada aos objetos»43, subordinando o olho tanto a
realidades como a aparências. A sombra, caracterizada pela sua mobilidade e diversidade, cria
diferentes formas e ocupa diferentes posições, originando um grande leque de opções, de efeitos e de
realces.
A compreensão destes fenómenos, a que se somam os novos progressos realizados nos campos
da geometria e da perspetiva, abre o mundo a novos tipos de representação e de expressão. Os
espaços geométricos adotados do Renascimento vão animar-se e dramatizar-se com novas dinâmicas,
42
BIRD, Michel. - Cem ideias que mudaram a arte (volume I). Lisboa: Público, Comunicação Social, S.A., 2014. P. 85
43
BREUIL, J. - La perspective pratique nécessaire a tous peintres, sculpteurs, architectes, orfèvres, brodeurs, tapissiers et
autre se servons du dessein. Paris: chez Melchior Tavernier et chez François Anglois, 1642. Fonte: Bibliothèque Nationale de
France, département Littérature et Art (4-IA-11(B)).
18
que têm a luz como principal interveniente.44 É neste ambiente que cresce e se forma Le Nôtre. Nas
suas obras cria um jogo de sombras e de reflexos que vão criar um cenário idealístico com movimento,
em que os elementos de água, principalmente os espelhos de água, funcionam como o elemento mais
ativo da imaginação barroca, ocasionado pela volubilidade dos seus reflexos, pelas suas distorções,
pelos seus exageros, originando uma «forma mutável que expressa os limites da imaginação»45.
Figura III.8. | Desenhos de Jean du Breuil representando a reflexão de objetos em superfícies aquáticas e dos jogos de luz e
sombra. (Fonte: BREUIL, J. - La Perspective Pratique Nécessaire A Tous Peintres, Sculpteurs, Architectes, Orfèvres, Brodeurs, Tapissiers Et
Autre Se Servons Du Dessein. Paris: chez Melchior Tavernier et chez François Anglois, 1642. Fonte: Bibliothèque Nationale de France,
département Littérature et Art (4-IA-11(B))
Várias obras surgem no século XVII interpretando o tema da luz, da sombra e da reflexão. E é de
novo Salomon de Caus que na sua obra La perspective avec la raison des ombres et miroirs (1611)
reúne um conjunto de desenhos e de observações que explicam a execução e o traçado destes
elementos. O autor explica em primeiro lugar qual é o funcionamento do olho, qual é o seu alcance,
quais são os vários ângulos de visão. Com estas premissas segue para uma explicação da formação das
sombras, da sua localização, da sua extensão e direção. Quanto ao tema dos espelhos, o autor apenas
aborda os reflexos de objetos geométricos num espelho plano. Alguns anos mais tarde, Jean du Breuil
publica a obra La perspective pratique (1642) onde já revela um maior aprofundamento
principalmente da matéria da reflexão (Figura III.8). Esta obra é indispensável a todos os pintores,
escultores, arquitetos, entre outros, de forma a compreenderem todos estes «efeitos admiráveis»46 e
qual a forma correta de os transporem para a sua arte. Explica várias táticas para descobrir as sombras
44
BARIDON, M. - Les jardins: paysagistes, jardiniers, poètes. Paris: Robert Laffont - Collection Bouquins, 1998. P. 719.
45 th
WEISS, A. S. - Mirrors of infinity: the french formal garden and 17 -century metaphysics. Nova Iorque: Princeton
Architectural Press, 1995.
46
BREUIL, J. - La perspective pratique nécessaire a tous peintres, sculpteurs, architectes, orfèvres, brodeurs, tapissiers et
autre se servons du dessein. Paris: chez Melchior Tavernier et chez François Anglois, 1642. Fonte: Bibliothèque Nationale de
France, département Littérature et Art (4-IA-11(B)).
19
e as perspetivas de planos verticais, horizontais e oblíquos, tal como esclarece o fenómeno da reflexão
nos espelhos, explorando diferentes superfícies especulares, tanto planas como curvas, como quando
constituídas por superfícies aquáticas.
47
SANTOS, B. S. - A imortalidade da alma no fédon de platão: coerência e legitimidade do argumento final. Porto Alegre:
Edipucrs, 1999. P. 61.
48 th
WEISS, A. S. - Mirrors of infinity: the french formal garden and 17 -century metaphysics. Nova Iorque: Princeton
Architectural Press, 1995. P. 21.
49
WEISS, A. S. – op. cit. P. 27.
50
WEISS, A. S. – op. cit.
51
ARGENVILLE, D. - La théorie et la pratique du jardinage. Paris: J. Mariette, 1713. Fonte: Bibliothèque Nationale de France,
département Estampes et Photographie (4-HD-86). P. 192.
52
BOYCEAU, J. - Traité du jardinage selon les raisons de la nature et de l’art. Paris: M. Vanlochom, 1638. Fonte:
Bibliothèque Nationale de France, département Réserve des Livres rares (S-1033). P. 75.
53
BOYCEAU, J. - op. cit. P.75.
54
LA FONTAINE, J. - La songe de vaux – éloge des jardins. França: 1671.
55
ADAMS, W. H. - The french garden 1500-1800. Londres: Scolar Press, 1979. P. 46.
20
teatral. Este fenómeno vai fazer com que a natureza seja transformada num símbolo e num palco,
revelada através da geometrização e da ciência, com o propósito de preencher um simbolismo político
e social.
Os jardins franceses vão adotar ideias e fantasias inspiradas nos modelos italianos, adaptando-os a
uma sociedade de grande sumptuosidade e refinando-as em função do formalismo francês.56 Para a
sua manipulação era necessário uma fusão de conhecimentos que permitissem a sua boa gestão e
controlo, sendo que os responsáveis deviam «conciliar o desenho, a escultura, a arte e a técnica»57.
As superfícies de água, que podiam ser extensos canais ou parterres de água, são uma das grandes
inovações do período barroco, sendo uma reinterpretação de elementos tradicionais franceses, como
os fossos que rodeavam os castelos.58 Caracterizados como «puros e transparentes»59, funcionavam
como grandes espelhos, instrumentos «de uma magia universal que muda coisas em espetáculo»60,
refletindo os céus e a envolvente, transformando o mundo numa representação sempre móvel ao
longo do dia e ao longo do ano.61 Refletiam o caminho do Sol, as diferentes cores do céu, as nuvens, as
cores das árvores, os edifícios, as pessoas, a chuva que interferia com o plano de água e, em alguns
países, até o gelo podia mudar a sua leitura. A ideia da unidade é potenciada com o uso dos reflexos e
da perspetiva, criando uma união dos jardins com o céu e a envolvente. O mundo transforma-se em
imagens disformes e com um carácter fantasioso, que expandem a imaginação, redobram as
perceções e revelam um outro mundo, um outro microcosmos.62
Como já referido, André Le Nôtre, no jardim de Chantilly, tirou grande proveito dos efeitos óticos
dados pelos planos de água, utilizando-os como os elementos principais dinâmicos desta paisagem.
Este jardim oferece um grande espetáculo apenas baseado nas qualidades refletoras dos espelhos de
água.63 Neste jardim, em que a água era tida em abundância, vários pequenos canais percorriam o
jardim reunindo-se num grande canal que cortava transversalmente o jardim. Em Vaux-le-Vicomte, o
jardim também era cortado por um canal transversal ao palácio que, para além de canalizar um rio já
existente, funcionava como elemento de surpresa, sendo impercetível a quem a ele se dirigia a partir
do castelo. Todavia, ao olhar do fundo do jardim para o palácio, o canal servia como enquadramento,
56
ADAMS, W. H. - The french garden 1500-1800. Londres: Scolar Press, 1979. P. 21.
57
ORSENNA, E. - O jardineiro do rei-sol: retrato de um homem feliz. Lisboa: Livros Horizonte, 2003. P. 94.
58
JELLICOE, G.; JELLICOE, S. - The landscape of man. [3.ª edição] Londres: Thames and Hudson, 1996. P. 183.
59
LA FONTAINE, J. (1669) - Les amours de psyché et de cupidon. Em: CHEVALIER, T. Manières de montrer Versailles. (P.
101-115) Paris: Hermann Éditeurs, 2013.
60
MERLEAU-PONTY, M. (1964) «The mirror itself is the instrument of a universal magic that changes things into a spectacle,
spectacles into things, myself into another, and another in myself». Em: WEISS, A. S. - Mirrors of infinity: the french formal
th
garden and 17 -century metaphysics. (P.69) Nova Iorque: Princeton Architectural Press, 1995.
61
ORSENNA, E. - op. cit. P. 87.
62 th
WEISS, A. S. - Mirrors of infinity: the french formal garden and 17 -century metaphysics. Nova Iorque: Princeton
Architectural Press, 1995.
63
GOTHEIM, M. L. - A history of garden art (volume II). Nova Iorque: Hacker Art Books, 1928. P. 83.
21
como refletor e como enaltecedor de todo o conjunto. Os canais podiam estender-se por vários
quilómetros, sendo que «quanto maior a água, mais bela ela [parecia]»64, enfatizando os eixos dos
jardins e potenciando vistas e perspetivas. O Grande Canal de Versalhes estende-se pelo eixo principal
do palácio percorrendo vários quilómetros (Figura III.9). Este funciona como potenciador da
perspetiva, alargando aos poucos os limites, criando a ideia de um ponto de fuga mais longínquo, logo
de um jardim que se estendia até ao infinito. Os canais, também marcando presença nos restantes
países europeus, vão ser interpretados de formas distintas dependendo dos recursos e da cultura de
cada país. Exemplos como Chastsworth, na Inglaterra, Nymphenburg, na Alemanha (Figura III.9),
Peterhof, na Rússia, La Granja, em Espanha e Het Loo, na Holanda, devem ser tidos em consideração
nesta análise e interpretação, e nesta emulação de Le Nôtre ainda se inclui o caso português do
Palácio de Queluz.
(a) (b)
Figura III.9. | Exemplos de canais no barroco europeu. (a) Grande Canal no jardim de Versalhes. (b) Canal de
Nymphenburg (Fonte: (a) Établissement Public de Versaiiles, Thomas Sagony. (b) Bayerische Schlösserverwaltung,.
Disponível em WWW: <http://www.schloss-nymphenburg.de/englisch/palace/index.htm>)
As cascatas, já muito utilizadas e apreciadas no século XVI na Itália, vão ser engrandecidas e
refinadas pelo barroco francês, que vai salientar, sobretudo, as suas características clássicas,
arquiteturais e humanas - ao invés das características mais naturalizadas - que mais subtilmente se
vão impor nos jardins franceses.65 As cascatas obedecem às regras da ordem, da proporção e da
simetria. Le Nôtre apercebe-se de que o mais importante consistia em criar um cenário conjunto de
grande magnificência que pudesse ser observado como um todo a partir do palácio e por essa razão
as cascatas não precisavam de estar alinhadas com o palácio, tal como sucedia em Saint-Cloud (não a
atual) e Rueil.66 Le Nôtre transforma a cascata de Saint-Cloud numa imponente cascata tripla em que a
água caía por vários degraus finalizando numa grande bacia circular (Figura III.10). Esta cascata, em
64
ARGENVILLE, D. - La théorie et la pratique du jardinage. Paris: J. Mariette, 1713. Fonte: Bibliothèque Nationale de France,
département Estampes et Photographie (4-HD-86). P. 75.
65
ADAMS, W. H. - The french garden 1500-1800. Londres: Scolar Press, 1979. P. 59
66
GOTHEIM, M. L. - A history of garden art (volume II). Nova Iorque: Hacker Art Books, 1928. P. 56.
22
grandiosidade e magnificência, apenas era superada pela grande cascata de Marly. Esta última
situava-se na parte de trás do palácio e conduzia as águas por numerosos degraus até à base do
palácio. A cascata de Sceaux, também constituída por patamares, não tem ligação direta ao palácio,
mas por sua vez liga-se ao canal criando um cenário de surpresa e de imponência. Neste campo
salienta-se a importância que as escadas tomam na magnificência de um conjunto barroco e na
interatividade que estas podem ter com a água, quebrando a água em degraus, criando conjuntos de
grande interesse e espetáculo. As escadas, construídas em locais estratégicos, contribuem para
enfatizar o conjunto, tal como enaltecer a majestosidade e magnificência do jardim. Tal como os
canais, as cascatas vão ter interpretações e expressões distintas por toda a Europa. Exemplos como
Wilhelmshöhe na Alemanha (Figura III.10), Chatsworth em Inglaterra, Caserta em Itália (Figura III.10) e
da Quinta Real de Caxias em Portugal, todas fazem notar as diferentes abordagens que se podem dar
às cascatas. Muitos destes exemplos não se restringem ao formalismo característico do barroco
francês, criando por vezes cascatas com uma estética mais naturalizada. Esta rusticidade e
naturalidade apenas vão ser firmemente adotadas pelos franceses no final do século XVIII, tanto para
as cascatas como para os grottos.67
67
ADAMS, W. H. - The french garden 1500-1800. Londres: Scolar Press, 1979. P. 59.
68
MACDOUGALL, E. B. - Fons sapientiae: renaissance garden fountains. Washington: Dumbarton Oaks Colloquium on the
th
History of Landscape Architecture 5 , 1978. P. 85.
23
grottos fazem parte do espetáculo de ilusão projetado por Le Nôtre (Figura III.11). Enganando o
visitante, dando a impressão que os grottos alimentam uma fonte anterior ao canal, e só quando
ultrapassada esta fonte é que se entende que os grottos, para além de estarem num nível mais baixo,
interagem com o canal.69 Exibindo um desenho de linhas clássicas, os grottos fazem parte do esquema
e do espetáculo dos jardins. O grotto de Tétis, em Versalhes, situando-se próximo do palácio
(atualmente já não existe), apesar de se caracterizar por um desenho mais formal estava no entanto
carregado da simbologia solar própria dos jardins de Versalhes (Figura III.11). Este grotto tinha uma
tripla função, pois para além da faceta simbólica, funcionava como um local fresco, de retiro e
descanso, e como elemento imprescindível ao alimentar de água parte dos extensos jardins de
Versalhes, funcionando como reservatório.
(a) (b)
Figura III.11 | Exemplos de grottos no barroco de André Le Nôtre. (a) Grotto em Vaux-le-Vicomte. (b) Grotto em Versalhes.
(Fonte: (a) Adam Perelle, La Grotte de Vaux. Em: PERELLE, A. Vues Des Belles Maisons De France. Paris: Mariette, 1650. (b) GRANGER,
Versailles: Grotto, 1685)
Para além dos vários elementos hidráulicos já mencionados, existia uma grande profusão de
fontes, que muitas vezes se faziam acompanhar por elementos escultóricos que interagiam com a
água. A grande sedução que no Renascimento se tem pela antiguidade clássica leva à escolha de peças
escultóricas de um repertório metódico de sinais e símbolos, inspirados na mitologia. As esculturas
simbolizavam uma celebração do homem e da natureza, conjugando um universo tanto físico como
moral. Com o barroco observa-se uma perda gradual desta interpretação e celebração. Os
simbolismos mitológicos são reduzidos a meros ornamentos que devem ser compreendidos não como
objetos de adoração e de crença mas como um conjunto ornamental representante do ideal terrestre,
político e intelectual.70 As esculturas povoavam e decoravam os jogos de água, criando com ela uma
grande dinâmica. A água cria um cenário de grandiosidade e movimento em torno destas figuras,
69
ORSENNA, E. - O jardineiro do rei-sol: retrato de um homem feliz. Lisboa: Livros Horizonte, 2003.
70
FRANCASTEL, P. - La sculpture de Versailles: essai sur les origines et l’évolution du goût français classique. Paris:
Mouton, 1970.
24
embelezando e cativando o espetador. O jardim de Versalhes apresenta abundância de estatuária
simbólica, imagem que contrasta com a de Chantilly que é caracterizada pela simplicidade e escassez
de ornamentos. A iconografia escultórica destes jardins, inspirada no simbolismo solar, vai criar um
mundo divino, que associa «a arte mais subtil à propaganda mais descarada»71, pois funciona como
um símbolo de uma monarquia absolutista e uma analogia à figura do Rei-Sol. A água interagindo com
os vários conjuntos de esculturas dá-lhes uma nova vida, criando uma paisagem dinâmica. A fonte de
Apolo, por exemplo, com a interação dos vários jatos que rodeiam a carruagem que o transporta, cria
a ilusão de que os quatro cavalos que a puxam se encontram de facto em movimento (Figura III.12).
Este efeito causado pela dinâmica entre a água e as peças escultóricas tem grande ênfase na Fontana
di Trevi em Roma, que cria um efeito de movimento de grande imponência às várias figuras equestres
e mitológicas que preenchem o local (Figura III.12). Também no Palácio Real de Caserta, em Itália, a
estatuária tem um papel predominante na decoração do jardim e na interação com a água (Figura
III.12). Esta obra, rivalizando com o projeto de Versalhes, projetou uma grande cascata e um grande
canal no seu eixo principal que percorriam todo o comprimento do jardim, sendo dividido por vários
patamares. Cada um destes compunha-se de fontes monumentais decoradas com grandes conjuntos
escultóricos, constituídos por vários corpos contorcidos, que contavam histórias, e que jogavam e
interagiam com os jatos e com os repuxos de água, criando uma sensação de movimento e dinâmica.
(a) (b)
Figura III.12 | Exemplos do uso da estatuária no barroco europeu. (a) Fonte de Apolo em Versalhes. (b) Banho de Diana em
Caserta. (Fonte: (a) Jan Van de Wint, 2008. Disponível em WWW: <https://www.flickr.com/photos/75707766@N00/2371304173/> (b)
Disponível em WWW: <https://stlouispatina.files.wordpress.com/2011/04/naples2b20102b1138.jpg>)
O uso estético da água e dos elementos hidráulicos aparecem referidos em alguns tratados da
época, que servirão como obras de referência para o resto da Europa. Anteriormente às grandes obras
de Le Nôtre serem construídas, Jacques Boyceau publica, em 1638, a obra intitulada Traité du Jardin
selon les raisons de la Nature et de l’Art. Esta obra, dividida em três tomos, aborda os vários elementos
71
ORSENNA, E. - O jardineiro do rei-sol: retrato de um homem feliz. Lisboa: Livros Horizonte, 2003. P. 75.
25
utilizados na composição dos jardins, entre eles, a água. Boyceau discute a importância da água no
embelezamento dos jardins, em que a água com a sua «vivacidade e movimento parece ser o espírito
mais vivo dos jardins»72; escreve sobre os rios, fontes e grottos mas ainda considerando uma estética
influenciada pelos ideais renascentistas, em que os grottos se queriam em superfícies principalmente
rochosas e com aspeto natural, os rios que cruzavam os jardins se preferiam em menores dimensões,
entre outros elementos. Um século mais tarde, depois das grandes evoluções observadas tanto no
campo científico como artístico, Dézallier d’Argenville lança uma obra em seu nome, La théorie et la
pratique du jardinage (1747). Nesta obra nota-se esta evolução, apresentando na quarta parte um
tratado de grande detalhe sobre a água, abordando um lado mais tecnológico mas também estético.
Aqui apresenta-se os vários elementos que podem estar presentes nos jardins e as várias tipologias
que podem tomar, mas também como calcular os diâmetros das tubagens, tal como o caudal e a
pressão necessários para atingir determinados efeitos.
Com esta análise do tratamento da água tanto a nível técnico como estético pode-se concluir que
a água funciona como um grande espelho da sociedade da época, da sua filosofia, da sua estética, das
inovações científicas, sendo que «graças à água, o Grande Século contempla-se por inteiro e sob todas
as suas facetas»73.
72
BOYCEAU, J. - Traité du jardinage selon les raisons de la nature et de l’art. Paris: M. Vanlochom, 1638. Fonte:
Bibliothèque Nationale de France, département Réserve des Livres rares (S-1033). P. 75.
73
ORSENNA, E. - O jardineiro do rei-sol: retrato de um homem feliz. Lisboa: Livros Horizonte, 2003. P. 89.
26
Num olhar pela Europa, distingue-se uma grande manta de texturas, climas e morfologias
diferentes, tal como histórias próprias, diferentes heranças e influências externas. Estas características
biofísicas, históricas e culturais influenciam a expressão da arte dos jardins em cada estado.74
Portugal, localizado entre o mar Mediterrâneo e o oceano Atlântico, tem um clima temperado,
com verões secos e invernos chuvosos, descritos por vários forasteiros que por aqui passaram como
«salubérrimo»75 e «como um dos mais belos, puros e excelentes da Europa»76. Este clima, definido por
um período do ano seco e uma distribuição da chuva reunida principalmente entre os meses de
novembro e abril,77 faz com que a disponibilidade da água e o seu armazenamento seja fundamental
para os restantes meses. Com um papel imprescindível, é valorizada a sua boa gestão e vai marcar
fortemente a forma de fazer agricultura e a composição dos jardins portugueses.78 Para além do tipo
de clima, Portugal caracteriza-se por um contraste no que toca às formas de relevo, apresentando
áreas mais montanhosas e de planaltos a norte do rio Tejo, enquanto que a sul apresenta áreas de
vastas planícies e de pequenas elevações. Estas formas de relevo influenciam a distribuição dos
núcleos populacionais, assim como a implementação e a estrutura dos jardins, limitando, por um lado,
a extensão das construções, mas oferecendo, por outro, um valioso sistema de vistas, que
conjuntamente com a proximidade do mar se torna uma característica única e particular.79
Para além destas influências biofísicas, a cultura, a tradição e a expressão artística portuguesa que
foram sendo enriquecidas ao longo da sua história por vários povos e civilizações, que incutiram
hábitos, objetos e elementos que se tornaram imprescindíveis na vivência portuguesa e que se
tornaram marcos na identidade do povo. A civilização romana, por exemplo, trouxe um grande
progresso relacionado com o abastecimento de água, introduzindo estruturas como os aquedutos que
permitiam a deslocação da água entre dois pontos distantes, criando uma maior independência da
construção. A somar a estes conhecimentos, os portugueses herdaram a sabedoria árabe do uso da
água na agricultura, evidenciando-se o armazenamento da água em tanques ou cisternas, recolhida
em minas e elevada por noras, para possibilitar a rega das plantas nos períodos mais secos. 80 Até à
época dos descobrimentos, estes saberes e novos elementos apareciam nos espaços exteriores,
74
JELLICOE, G.; JELLICOE S. - The landscape of man. [3.ª edição] Londres: Thames and Hudson, 1996. P. 192.
75
CHAVES, C. B. - Os livros de viagens em Portugal no século XVIII e a sua projecção europeia. Lisboa: Instituto de Cultura e
Língua Portuguesa Divisão de Publicações, 1987. P. 42.
76
CHAVES, C. B. - O Portugal de D. João V visto por três forasteiros. [2.ª edição] Lisboa: Biblioteca Nacional, 1989.
77
CASTEL-BRANCO, C. - Os jardins dos Vice-Reis: Fronteira. Alfragide: Oceanos, 2008. P. 123.
78
CASTEL-BRANCO, C. - A água nos jardins portugueses. Lisboa: Scribe, Produções Culturais, Lda., 2010. P. 7.
79
CASTEL-BRANCO, C. - op. cit., 2010. P. 7.
80
CASTEL-BRANCO, C. – op. cit., 2010. P. 8.
27
consoante a sua necessidade e utilidade. Mas com a chegada dos portugueses à Índia e,
consequentemente, com o contacto direto com a cultura mogol, uma cultura de raízes islâmicas, o
uso da água vai alargar-se de forma a servir a arte, criando jardins de maior requinte. A cultura mogol
dotava os seus jardins de grandes superfícies aquáticas, repuxos, lagos, fontes e casas de fresco,
influenciando a composição dos jardins portugueses e ampliando os vários usos que podiam ser dados
à água. Com estas várias influências, os jardins portugueses, a partir do século XVI, ganham uma nova
relevância e tornam-se um elemento fundamental na cultura portuguesa.81
No final da primeira metade do século XVII, Portugal separa-se de Espanha e recupera a sua
independência (1640), perdida durante cerca de oitenta anos. O golpe de estado de 1 de Dezembro
suscitou novas dinâmicas sociais na corte portuguesa, embora a guerra com Espanha tenha perdurado
até 1668. Durante este lapso de tempo, Portugal recrutou muitos militares de várias nacionalidades, o
que contribuiu para um novo clima cultural, com impacto em diversos domínios.
O final do século XVII vai ser marcado pela construção de inúmeros palácios e quintas,
82
principalmente na região de Lisboa. Pode destacar-se a construção do Palácio e jardins dos
Marqueses de Fronteira, construído na década de 60 do século XVII, quase contemporâneo do jardim
pioneiro de André Le Nôtre, de Vaux-le-Vicomte, e na mesma altura que Versalhes se encontrava em
construção. A cultura barroca já ganhava grande predominância pela Europa neste século, mas em
Portugal ainda havia uma grande influência do renascimento italiano. O jardim do Palácio Marquês de
Fronteira vai ser um reflexo desta época em que reflete no seu traçado e composição a influência
italiana e das culturas islâmicas e indianas, mas já incorporando alguns dos traços franceses. Desta
forma, ao combinar todas estas influências, cria-se um jardim muito singular, de grande cunho
nacional e que, juntamente com outros jardins portugueses do século XVI e XVII vai servir de
inspiração e de modelo para futuros jardins portugueses.83 Nestes jardins vão surgir elementos de
composição que vão perdurar nos desenhos dos jardins vindouros, como: os grandes tanques, os
terraços adaptados ao terreno, a utilização de nascentes para alimentar os tanques, a manipulação da
água entre diferentes cotas para animar os repuxos das fontes, as estátuas, os trabalhos de pedra, os
embrechados, as casas de fresco, as escadarias ritmadas por terraços, as laranjeiras e o uso do
azulejo.84
81
CASTEL-BRANCO, C. - A água nos jardins portugueses. Lisboa: Scribe, Produções Culturais, Lda., 2010.
82
CARITA, H. - Tratado da grandeza dos jardins em Portugal: ou da originalidade e desaires desta arte. [2.ª edição] Venda
Nova: Bertrand Editora, 1998. P. 76.
83
CASTEL-BRANCO, C. - Os jardins dos Vice-Reis: Fronteira. Alfragide: Oceanos, 2008. P. 38.
84
CASTEL-BRANCO, C. – op. cit., 2008. P. 27.
28
Com o início do século XVIII iniciou-se o reinado de D. João V, que foi último grande monarca
absoluto de Portugal. D. João V «evidencia[va] uma personalidade forte, teatral e faustosa»85 e
«ama[va] excessivamente a magnificência e a ostentação»86. O monarca procurou deixar a sua marca,
principalmente em Lisboa e nas redondezas, transformando-a numa capital moderna, digna de
riqueza e do peso político do império português. Uma das obras de maior destaque foi o Real
Convento de Mafra, «que viria a converter-se no melhor e mais grandioso resumo das ambições
empreendedoras do monarca»87. Esta obra traduzia uma necessidade do monarca de demonstrar e
exaltar o poder da quarta dinastia, de renovar os padrões estéticos portugueses, de se aproximar de
uma expressão de grandeza empregada pelos reis absolutistas da Europa e, por fim, como a
ostentação do poder e devoção do rei.88 Da fachada principal do convento podia-se desfrutar de uma
ampla vista sobre o mar e, supõe-se que, havia a intenção de «lançar, por esses campos fora, até ao
mar, a avenida do convento»89, que funcionaria como o eixo de simetria do conjunto. Este eixo, que se
prolongaria até ao infinito, nunca chegou a ser construído, podendo encontrar-se uma prova desta
possível intenção no desenho dos alinhamentos dos arruamentos na envolvente do convento, que
mostram um início de um tridente.90
No reinado do seu filho, D. José I, em conjunto com Sebastião José de Carvalho e Melo, a figura de
Marquês de Pombal, vai transformar socialmente o país, impondo um leque de reformas numa
tentativa de modernização, com forte incremento no comércio, na indústria e na agricultura,
assistindo-se a uma tentativa de alterar o modo de vida tradicional português. Com o terramoto de
1755, que abalou Lisboa, a nobreza muda-se para os arredores de Lisboa, construindo casas e jardins
que começam a ter um papel importante na vida social da população. Contrariando o pensamento e
carácter austero da época pombalina vai permanecer paralelamente um determinado estilo de vida
faustoso e de prazer no seio da corte, principalmente através da Casa do Infantado. Esta Casa, criada
em 1654 pelo rei D. João IV reúne património, bens e riquezas, estando destinada ao infante
secundogénito.91
Os jardins barrocos franceses de Le Nôtre aparecem como uma inovação, influenciando a arte dos
jardins de toda a Europa, incluindo Portugal. Estes jardins baseados numa ideia de movimento e de
85
PIMENTEL. A. F. - Arquitectura e poder: o real edifício de Mafra. Coimbra: Gabinete de Gestão Informática da FLUC, 1990.
P. 69.
86
CHAVES, C. B. - O Portugal de D. João V visto por três forasteiros. [2.ª edição} Lisboa: Biblioteca Nacional, 1989.
87
PIMENTEL, A. F. - op. cit., 1993. P.34.
88
PEREIRA, J. F. ; FERRÃO, L. ; ARRUDA, L. C. – Lisbonne: au temps du roi Jean V (1689-1750). Lisboa: Instituto Português de
Museus/Réunion des Musées Nationaux, 1994.
89
CASTEL-BRANCO. C. [coord.] - Plano director de restauro: jardim do Cerco, Mafra. Lisboa: Centro de Ecologia Aplicada
Baeta Neves – Instituto Superior de Agronomia. P. 34.
90
CASTEL-BRANCO. C. [coord.] - op. cit. P. 34.
91
GANDRA, M. J. - O jardim simbólico da Quinta Real de Caxias. Mafra: Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica,
2000.
29
dinâmica, de grande sumptuosidade, promovem uma ideia de recreio e divertimento, surpreendendo
o visitante com jogos e efeitos. Dentro do estilo de Le Nôtre, podem destacar-se três elementos
compositivos: os grandes eixos simétricos, que marcavam a composição dos jardins, jogando com o
infinito e com a perspetiva; a acomodação de grandes áreas com parterres, tapetes verdes, bosquetes,
em que a modelação de terreno funcionava como algo fundamental; e por fim, a arte de trabalhar a
água, aproveitando os seus vários efeitos e formas.92 Estas características do modelo francês vão
ganhar expressão e vigor pela Europa, sendo que em Portugal vai refletir-se sobretudo a um nível
decorativo. Estas circunstâncias refletem as várias diferenças que o país tinha, desde biofísicas, a
culturais e económicas, tal como uma tradição na arte nos jardins já fortemente vinculada, que vai
servir de inspiração e de base para a construção dos novos jardins.93
A água entra nos jardins barrocos como «o elemento que une todo o traçado»94, sendo que na
composição dos jardins se vai observar um enriquecimento a nível da quantidade, da versatilidade e
da majestosidade dos elementos hidráulicos. Em consequência de uma crescente abundância destes
elementos na decoração dos jardins, torna-se necessário a procura de uma maior disponibilidade de
água, dentro e fora das propriedades. Com isto pode relacionar-se uma nova ideia relativa à imagem
da água nos jardins, ligada à passagem de uma «adaptação para [uma] importação pura»95. Esta
necessidade crescente de água, não só ligada aos elementos decorativos, mas como também para a
rega, ou mesmo com um propósito múltiplo, conjugando o fim ornamental com o fim funcional, e
para consumo no palácio e edifícios anexos, leva a uma exploração dos recursos mais próximos, e
consequentemente a sua manipulação em vários sistemas, permitindo a condução da água para as
propriedades e os seus respetivos jardins. Concluindo, o planeamento hidráulico constitui uma das
bases obrigatórias e fundamentais para o desenho, organização e composição dos jardins.
92
CASTEL-BRANCO. C. - Les influences de Le Nôtre au Portugal: grammaire et vocabulaire. L’héritage d’André Le Nôtre: les
jardins à la française, entre tradition et modernité. Paris: Actes Sud, 2014.
93
ARAÚJO, I. - Jardins, parques e quintas de recreio no aro do Porto. Actas do Colóquio «O Porto na Época Moderna». In:
Revista de História. Porto: volume II (1979). P. 379.
94
CASTEL-BRANCO, C. - A água nos jardins portugueses. Lisboa: Scribe, Produções Culturais, Lda., 2010.
95
CORREIA, C. P.; CASTEL-BRANCO, C.; FURTADO, J. A. - Os quatro rios do Paraíso. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1994.
30
A corte e uma nova nobreza, ligada principalmente à figura do Marquês de Pombal, instaladas no
centro e sul de Portugal, vão contribuir para o desenvolvimento artístico do país, assim como para a
implementação dos princípios barrocos nas suas propriedades. A vivência portuguesa evidenciava um
espírito intimista, dando aos jardins um ambiente mais privado, estendendo-se apenas a este círculo
social mais limitado. Esta característica que se observava principalmente nos jardins do centro e sul de
Portugal vai contrapor-se à teatralidade urbana que caracterizava alguns dos melhores exemplos
barrocos da Europa. Todavia estes espaços também vão funcionar como símbolos de riqueza e
sofisticação, aproveitando elementos como as escadarias e os terraços para criar um efeito de
majestosidade e grandiosidade, evidenciando também o aumento do número de elementos
hidráulicos presentes nos jardins.
Na Casa do Infantado, já referido anteriormente como o conjunto de bens e de propriedades
pertencentes à família real, podem-se encontrar alguns dos mais excelentes exemplos de jardins
barrocos portugueses. D. Pedro de Bragança (1717-1786), futuro rei consorte D. Pedro III e terceiro
Senhor do Infantado, vai ser um dos principais intervenientes na construção destas obras, que se
encontram sobretudo próximas da região de Lisboa. Os Jardins do Palácio de Queluz e a Quinta Real
de Caxias são dois destes exemplos e que vão ser, de seguida, analisados tendo em conta a utilização
dada à água, interpretando as várias fases da recolha ao seu destino.
As quintas de recreio do século XVIII tinham a particularidade de associar espaços lúdicos, matas e
jardins, aos espaços produtivos, com exploração agrícola - «na verdade, estes espaços de prazer
simbolizavam, em simultâneo, outra importante norma estética a que obedece a representação da
natureza: a fecundidade»96. Em Portugal, as quintas de recreio eram já uma moda que provinha de
séculos passados. A disposição topográfica das quintas de recreio nos arredores de Lisboa e o
parcelamento do território estavam diretamente ligados ao recurso da água, o que revelava um
conhecimento profundo dos recursos hídricos e das possibilidades da sua obtenção. Muitas destas
quintas funcionavam como núcleos independentes e autónomos em relação ao recurso água,
apresentando os seus próprios sistemas de aquedutos e minas. 97
96
CANAVEIRA, M. F. Os jardins do Palácio de Queluz: orientações de gosto, utência e simbólica. Lisboa: Revista de História
Económica e Social, 1988.
97
MARAT-MENDES, T. - Do aqueduto de Lisboa aos novos vazios. Lisboa: Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da
Empresa. Publicado em: InfoHabitar, 25/12/2009. [Consult. 21/11/2014]
Disponível em WWW: < http://infohabitar.blogspot.pt/2009_01_01_archive.html>
31
«Logo que se apromptaram n’este paço as accommodações indispensáveis para a família real, foi
esta ahi passar os mezes do verão: e assim continuou todos os annos, apesar da progressão das obras
no palácio, por quanto os jardins concluíram-se em poucos annos.»98
Em 1582, a propriedade estava em nome de D. Cristóvão de Moura, primeiro Marquês de Castelo
Rodrigo, que aí vai mandar construir uma casa de campo. Em 1640, com a Restauração da
Independência de Portugal, a família de Castelo Rodrigo, acusada de ser partidária de Castela, vê a sua
propriedade confiscada pela coroa.99 A quinta vai então ser integrada nos bens da Casa do Infantado,
passando pelos vários senhores do Infantado e culminando na figura de D. Pedro de Bragança, sob a
qual o palácio vai ganhar um novo impulso, adquirindo o carácter de uma residência real.100 D. Pedro,
atraído pela estética francesa, pelo luxo e pela opulência, vai adaptar a propriedade de Queluz a estas
ideias, criando um «espaço de alegre e despreocupada ociosidade»101.
A primeira fase de construção (1747-1758) do Palácio de Queluz fica a cargo do arquiteto Mateus
Vicente de Oliveira (1706-1786), discente do arquiteto e ourives alemão João Frederico Ludovice,
responsável pelas obras de Mafra. O projeto apresentado para Queluz foi de relativa simplicidade,
todavia adequado ao estatuto de príncipe e mantendo o carácter de quinta de recreio. Numa segunda
fase de construção (1758-1785) procede-se a um alargamento do projeto original, passando a 10 de
novembro de 1794 a propriedade passa a residência permanente da família real.102 Esta segunda fase,
atribuída ao arquiteto, escultor e ourives francês Jean-Baptiste Robillion (1704-1782), destina-se à
expansão do paço e à realização dos jardins reais. Por fim, segue-se a terceira e última fase de
construção (1786-1807), consistindo em alterações mais pequenas, dedicada principalmente à
edificação do Pavilhão D. Maria I, ficando a cargo do arquiteto Manuel Caetano de Sousa (1738-
1802).103
Nesta propriedade vivia-se o ambiente barroco da festa e da prosperidade, funcionando o jardim
como um dos espaços principais do conjunto. A fachada do palácio, que se encontrava virada para os
jardins, tinha uma decoração mais rica do que as restantes, evidenciando a importância dada aos
espaços verdes como peça integrante do conjunto e como um prolongamento dos interiores do
98
BARBOSA, I. V. - Fragmentos de um roteiro de Lisboa inédito: arrabaldes de Lisboa. Archivo Pittoresco. Lisboa: Castro
Irmão e Companhia, 1863. Vol. 6. P. 241.
99
VALE, A.; SEQUEIRA, M. J. - Acompanhamento arqueológico da empreitada «Recuperação do sistema de abastecimento
de água aos jardins do Palácio Nacional de Queluz». Queluz: 2.ª Campanha, 2006/2007.
100
CARITA, H. - Tratado da grandeza dos jardins em Portugal: ou da originalidade e desaires desta arte. [2.ª edição]
Venda Nova: Bertrand Editora, 1998. P. 173.
101
CHAROLA, A. E; RODRIGUES, J. D. - Os jardins do Palácio Nacional de Queluz: intervenção de conservação. [S.I.]:
Associação World Monuments Fund Portugal e World Monuments Fund, 2012. P. 18.
102
AFONSO, S. L.; DELAFORCE, A. - Palácio de Queluz: jardins. Lisboa: Quetzal, D. L., 1989.
103
CARITA, H. - op. cit. P. 171.
32
palácio. O barroco europeu caracterizado pelos grandes eixos geradores da paisagem comandando a
sua organização, vai aqui representar-se de uma forma mais discreta, entrelaçando o seu desenho
com as características de um ambiente mais intimista, humanista e vivencial.104
Os jardins «são muitos, mui grandes e variados»105 servindo de espaço de descanso mas,
principalmente, de divertimento e de entretenimento, apresentando uma zona de jardins mais
formais e de aparato, contíguos às fachadas do palácio, compostos por parterres de broderie e
acompanhados por fontes, lagos e conjuntos escultóricos (Jardim Pênsil e Jardim de Malta). Estes
jardins, limitados por balaustradas, abrem-se para o restante parque pelo Pórtico da Fama, de onde
surgem várias alamedas pontuadas por fontes e lagos. Uma destas alamedas, usualmente considerada
como o eixo principal dos jardins, inicia-se na Fachada das Cerimónias terminando na Grande Cascata
– um dos pontos focais principais do jardim. O barroco é caracterizado por uma procura constante do
surpreendente e um meio de promoção de uma vida faustosa e festiva, o que se vai expressar nos
inúmeros pavilhões e espaços destinados ao recreio, que ocupam os jardins de Queluz. Pode destacar-
se como elemento central o Canal dos Azulejos ou Grande Lago, onde os infantes podiam passear de
barco enquanto escutavam a música tocada por uma orquestra na Casa da Música (designada
também como a Casa do Lago ou Casa Chinesa). Para além deste conjunto, espalhavam-se ao longo do
canal outros espaços lúdicos, como o Jardim dos Cavalinhos, o Jogo da Pela e da Bola, ou mesmo a
Casa da Água. Por fim, para completar a breve descrição dos jardins ainda se pode destacar a faceta
agrícola e hortícola, em que uma parte dos jardins era ocupada por pomares, por hortas, por um
jardim botânico e estufas.106 107
Todos estes espaços de diferentes morfologias e propósitos tinham um elemento em comum – a
água. Desde cascatas, a um canal navegável, a fontes e lagos, a água era um marco em todos estes
espaços, conferindo-lhes movimento e refrescando o ambiente.108 Para além do uso meramente
decorativo, ainda existia a faceta funcional, onde a água era necessária para a rega dos vários espaços.
Para o funcionamento deste novo centro cortesão com a água suficiente para abastecer os numerosos
elementos de água e ainda proceder à rega, tal como para consumo, foram necessárias importantes
obras hidráulicas.109
104
CARITA, H. - Tratado da grandeza dos jardins em Portugal: ou da originalidade e desaires desta arte. [2.ª edição]
Venda Nova: Bertrand Editora, 1998. P. 172.
105
BARBOSA, I. V. - Fragmentos de um roteiro de Lisboa inédito: arrabaldes de Lisboa. Archivo Pittoresco. Lisboa: Castro
Irmão e Companhia, 1863. Vol. 6. P. 241-243.
106
CHAROLA, A. E; RODRIGUES, J. D. - Os jardins do Palácio Nacional de Queluz: intervenção de conservação. [S.I.]:
Associação World Monuments Fund Portugal e World Monuments Fund, 2012.
107
AFONSO, S. L.; DELAFORCE, A. - Palácio de Queluz: jardins. Lisboa: Quetzal, D. L., 1989.
108
CHAROLA, A. E; RODRIGUES, J. D. - op. cit.
109
CAETANO, J. - Aquedutos em Portugal. [S.I.]: Liber, 1991. P. 75.
33
O espaço do Palácio de Queluz encontra-se em terrenos originados do Complexo Vulcânico de
Lisboa, constituídos principalmente por escoadas basálticas, com intercalações de materiais
piroclásticos, e calcários. Ao longo das linhas de água que atravessam e limitam a propriedade (rio
Jamor e ribeira de Carenque) apresentam-se depósitos aluvionares cenozoicos. Na área envolvente do
palácio pode ainda observar-se camadas de calcários e margas (constituindo as formações mais
antigas), e precedidas por uma estreita faixa de calcários com rudistas. Estas áreas de calcários e
margas relacionam-se com os locais de maior abundância de minas de água, que foram utilizadas para
o abastecimento do palácio e dos seus jardins. A área de estudo caracteriza-se pela sua riqueza hídrica
subterrânea, daí provavelmente a escolha deste local.110
A bacia hidrográfica de Queluz tem como principal linha de água o rio Jamor, ou ribeira da
Carvoeira como referido em alguns planos mais antigos, que circula na zona de maior depressão do
vale que atravessa os jardins de Queluz. Este rio recebe água de numerosos afluentes, como a ribeira
das Forcadas na margem direita, contando no total cerca de cento e oitenta ribeiros e regatos. Este rio
juntando-se à ribeira de Carenque, que limita a propriedade do Palácio de Queluz a sul, vai desaguar
finalmente no Rio Tejo.111 O regime hidrológico é irregular, próprio do clima mediterrânico, chovendo
pouco nas estações secas, mas apresentando precipitações elevadas nas estações mais frias. Esta
situação contribui para episódios de cheias rápidas.112
A obtenção de água em quantidade suficiente para abastecer os jardins e o palácio foi um dos
principais requisitos e tarefas a proceder anteriormente e durante as fases de construção. A adução
de água à propriedade inicia-se por volta de 1752, tendo sido realizados ao longo de vários anos
inúmeros acréscimos a este sistema devido à expansão dos jardins do palácio e ao aumento
consequente dos componentes de água.113 Um dos principais responsáveis por estes projetos
hidráulicos e pela direção da sua execução foi o engenheiro do reino Manuel da Maia (1677-1768).
Mais tarde, após a sua morte, e ao ser necessária a dotação da propriedade de mais água, o arquiteto
Francisco António Ferreira Cangalhas acrescenta mais algumas obras hidráulicas em Queluz.114
110
GUERRA, F.; AZEVEDO, M. R. - O Cretácico na região de Queluz: património natural em torno da escola. In: Revista
Electrónica de Ciências da Terra. VIII Congresso Nacional de Geologia: volume 15, n.º 29 (2010). P. 2-3.
111
FIALHO, J.; RIBAS, S.; ALMEIDA, V. - Plano de restauro do sistema hidráulico dos jardins do Palácio Nacional de Queluz.
[Texto policopiado] Lisboa: História de Arte dos Jardins II, Instituto Superior de Agronomia, 2009. P. 8.
112
GUERRA, F.; AZEVEDO, M. R. –op. cit. P. 2-3.
113
PEREIRA, D.; LUCKHURST, G. - Relatório hidráulico (vol. II) – o canal de Queluz. Lisboa, 2005. Cit. por: FIALHO, J.; RIBAS,
S.; ALMEIDA, V. - Plano de restauro do sistema hidráulico dos jardins do Palácio Nacional de Queluz. Lisboa: História de
Arte dos Jardins II, Instituto Superior de Agronomia, 2009.
114
CAETANO, J. - Aquedutos em Portugal. [S.I.]: Liber, 1991. P. 75.
34
Para melhor entender a complexidade do sistema hidráulico que foi necessário para abastecer
toda a propriedade de Queluz pode observar-se a Planta das Minas e Encanamentos d’Agua do
Almoxarifado de Queluz de 1901 (Anexo 1). Nesta estão assinaladas todas as minas, nascentes e
aquedutos utilizados para recolher e transportar a água necessária, podendo ainda concluir desta
análise a grande riqueza hídrica deste local.115 Para facilitar a explicação e a compreensão deste
sistema hidráulico procede-se a uma divisão do jardim em duas partes, servindo o rio Jamor de
elemento divisor, assim considerando-se a margem direita e a esquerda. (Anexo 2)
Na margem direita do rio Jamor destacam-se quatro minas: a mina da Terra Grande, a mina do
Tijolo, a mina do Olheiro e a mina de José Francisco. Para além destas minas podem-se destacar ainda
a ribeira das Forcadas e a nascente de Tascoa. A ribeira das Forcadas, na qual vem aduzida água
proveniente da mina da Terra Grande, entra na área dos jardins de Queluz sendo direcionada por um
canal aberto em cantaria, assente num muro de alvenaria, em direção ao Jardim Botânico e à zona da
horta com destino a rega. A água captada das minas do Tijolo e do Olheiro, juntamente com a água
proveniente da nascente de Tascoa, vai ser direcionada por um cano de chumbo até à zona da
Vacaria, tal como para o Tanque do Curro (Figura V.1). Este tanque vai distribuir a água para o Lago de
Neptuno e o Lago das Medalhas, tal como servir de adução para outros ramais que vão ter destino a
rega das áreas verdes mais próximas. Por último, a água proveniente da mina de José Francisco
desloca-se num canal de alvenaria tendo como destino o Tanque do Leão (Figura V.2). Este tanque,
que também recebia as águas sobrantes da Casa do Almoxarifado, da Casa de Malta e da Casa de
Alambique, servia a Abegoaria e o Curral de Ovelhas.116
Figura V.1 |. Tanque do Curro atualmente. (Fonte: Figura V.2 |. Tanque do Leão atualmente. (Fonte: Autora)
Autora)
115
CANAVEIRA, M. F. - Os jardins do Palácio de Queluz: orientações de gosto, utência e simbólica. Lisboa: Revista de
História Económica e Social, 1988.
116
FIALHO, J.; RIBAS, S.; ALMEIDA, V. - Plano de restauro do sistema hidráulico dos jardins do Palácio Nacional de Queluz.
[Texto policopiado] Lisboa: História de Arte dos Jardins II, Instituto Superior de Agronomia, 2009. P. 6.
35
Na margem esquerda do rio Jamor pode observar-se um sistema hidráulico mais complexo
constituído, para além de minas, nascentes e ribeiras, por dois aquedutos. O Aqueduto da Ponte da
Pedrinha ou do Pendão (Figura V.3), iniciado quando a propriedade ainda se encontrava em nome do
segundo Senhor da Casa do Infantado, D. Francisco de Bragança, abastecia o Pavilhão de Caça de
Queluz. Este aqueduto, que se inicia na margem direita do rio Jamor, recolhe a água de várias minas
situadas no sopé do Monte Abraão tendo como destino um grande tanque – o Tanque do Miradouro
(Figura V.4).117
Entre 1752 e 1757, com o início do alargamento da propriedade, surge a necessidade de se
realizarem novas captações que satisfaçam as novas necessidades hidráulicas do palácio. As terras do
Casal de Albergaria, no Pendão, são adquiridas com o intuito de se realizarem novas captações em
diversas minas para melhorar o caudal que corria no Aqueduto da Ponte da Pedrinha.118 Este
aqueduto funcionava como o principal fornecedor de água para as fantasias aquáticas do Jardim Pênsil
e do Jardim de Malta, tal como da Grande Cascata. O Tanque do Miradouro, com trinta e cinco metros
de comprimento por vinte metros de largura, tem a capacidade de armazenar cerca de mil cento e
trinta metros cúbicos de água e situa-se fora do perímetro do palácio, a uma cota superior.
Figura V.3 | Aqueduto da Ponte da Pedrinha ou do Pendão. (Fonte: António Passaporte. Em: Arquivo Municipal de Lisboa. Cota:
PT/AMLSB/PAS/000637)
Figura V.4 | Vista aérea da envolvente do Palácio de Queluz. À esquerda, no canto inferior, pode observar-se o tanque do
miradouro e mais acima o aqueduto da Ponte da Pedrinha. (Fonte: Queluz Antiga. Disponível em WWW: < https://www.
facebook.com/pages/Queluz-Antiga/768612623156358?fref=ts>)
A água «destinada às regas dos jardins que garantiam a pressão necessária para fazer trabalhar os
jogos de água e o aparato da Grande Cascata»119 era conduzida através de uma canalização de ferro
até ao Jardim Pênsil. Este jardim com quatro fontes via os seus repuxos e jogos de água funcionarem
117
MARQUES, M. L. Percursos d’água em Queluz. Notícias do GCQ. Queluz: n.º 24, setembro 2013. P. 10.
118
MARQUES, M. L. op. cit.. P. 11.
119
PEREIRA, D.; LUCKHURST, G. - Relatório hidráulico (vol. II) – o canal de Queluz. Lisboa, 2005. Cit. por: FIALHO, J.; RIBAS,
S.; ALMEIDA, V. - Plano de restauro do sistema hidráulico dos jardins do Palácio Nacional de Queluz. Lisboa: História de
Arte dos Jardins II, Instituto Superior de Agronomia, 2009. P. 18.
36
com a pressão hidrostática correspondente à diferença de cotas entre o nível de armazenamento no
tanque e o nível de saída. Quanto à água excedente destes lagos caía na cisterna abobada situada sob
este jardim (por essa razão foi-lhe dado o nome de Jardim Pênsil, significando jardim suspenso). Esta
água ficava armazenada em dois grandes reservatórios situados dos dois lados do Pórtico da Fama
(Figura V.5). Por fim, a água proveniente do Tanque do Miradouro ainda se deslocava até ao tanque
sobrelevado da Grande Cascata (Figura V.6), onde ficava armazenada. Quando este tanque era aberto,
a água jorrava de uma carranca «que em amplos lençóes se despenha de degrau em degrau até ao
lago»120.
Figura V.5 | Reservatório cheio de água nos limites do Jardim Pênsil. (Fonte: SIPA – Sistema de Informação
para o Património Arquitetónico – Forte de Sacavém)
Figura V.6 | Grande Cascata. (Fonte: RODRIGUES, A. D. – Os Jardins Do Palácio Nacional De Queluz. Lisboa:
INCM, 2011)
Com o progressivo alargamento dos jardins e o maior número de elementos de água tornou-se
necessária uma maior quantidade de água para além da já adquirida. Desta forma, entre os anos de
1758 e 1769, procede-se a novas captações nos arredores do Palácio e à construção de novas
condutas para a sua distribuição.121 A aquisição da nascente da Gargantada e do Casal de Carenque,
levou à construção de um novo aqueduto, entre 1790 e 1794, o Aqueduto Príncipe da Beira ou da
Gargantada (Figura V.7) com origem na ribeira de Carenque que conduzia as águas até ao Chafariz das
Quatro Bicas situado no largo do Palácio de Queluz (já não existe atualmente). A água era então
conduzida através de um encanamento para as cozinhas do Palácio tal como para o Lago dos Jardins
dos Embrechados, dos Cavalinhos, a Cascata das Conchas e o Lago do Pátio da Lontra. Para além
120
CANAVEIRA, M. F. - Os jardins do Palácio de Queluz: orientações de gosto, utência e simbólica. Lisboa: Revista de
História Económica e Social, 1988.
121
MARQUES, M. L. - Percursos d’Água em Queluz. Notícias do GCQ. Queluz: n.º 24, setembro 2013. P. 11.
37
destes destinos tinha ainda ramais para a Capela e para a Torre do Relógio. Posteriormente, em 1896,
foi construído um ramal entre o Chafariz das Quatro Bicas e o Chafariz da Carranca (Figura V.8), que
anteriormente apenas era abastecido pela Mina da Quinta Nova e pelas Minas de Soeirãs. Este
chafariz conduzia a água para os reservatórios situados no limite do Jardim Pênsil e para o Lago do
Jardim Botânico.122
Com esta análise ao sistema hidráulico do jardim de Queluz podem retirar-se algumas conclusões.
Em primeiro lugar, o papel decisivo que a água toma na escolha de um local para a implantação de um
palácio e jardim deste esplendor. De seguida, a presença da água como elemento central e unificador
de todos os espaços, marcando presença em todo o jardim, seja numa vertente funcional, como para
a rega, ou numa vertente ornamental, nos lagos e fontes. Depois, o uso da água por gravidade.
Percebe-se que todo o sistema hidráulico funciona com base na diferença de cotas, não existindo
outros artifícios hidráulicos que ajudem ou potenciem os efeitos de água deste jardim. Por fim, de
destacar a importância dada tanto ao uso da água funcional como ornamental. Num país com
períodos do ano secos, torna-se necessário a sua boa gestão, não se podendo privilegiar um uso
meramente estético. Chama-se a atenção para o exemplo dos reservatórios de água que se
encontram nos limites do Jardim Pênsil que, ao recolherem o excesso de água proveniente dos lagos
deste jardim e da sua drenagem, mostram a importância que tinha aproveitar-se toda a água possível.
Um dos elementos mais significativos na composição dos jardins de Queluz é sem dúvida o Canal
dos Azulejos ou Grande Lago (Anexo 3), que aqui vai merecer especial destaque pelo seu interesse,
122
FIALHO, J.; RIBAS, S.; ALMEIDA, V. Plano de restauro do sistema hidráulico dos jardins do Palácio Nacional de Queluz.
[Texto policopiado] Lisboa: História de Arte dos Jardins II, Instituto Superior de Agronomia, 2009. P. 7.
38
singularidade e originalidade, combinando características lúdicas e sociais com elementos tradicionais
portugueses, mas adaptando-se ao gosto e à estética barroca.
A sua construção teve início pouco antes de 1755, (todavia o rio Jamor já teria sido canalizado a
céu aberto muito antes de entrar na posse da família real) podendo observar-se em algumas plantas e
gravuras de 1750 a construção de muros de alvenaria a acompanharem as margens do Rio Jamor,
mostrando a intenção da construção deste conjunto.123 Este canal atravessa os jardins de Queluz, por
vezes em troços subterrâneos, abobadados assim como em troços descobertos, com uma direção de
nordeste para sudoeste. O rio Jamor entra na propriedade por um canal aberto, podendo ser
denominado como o canal de entrada (Figura V.9). Este troço é caracterizado pelo seu chão
construído em degraus, com o intuito de reduzir a velocidade e a força com que a água entrava na
propriedade e com que chegava ao Canal dos Azulejos, e foi reforçado também com a ajuda de uma
comporta localizada no limite superior dos jardins (Figura V.10).
Figura V.9 | Canal de entrada drenado em 1954. Chão construído em degraus que serviam para
amortizar a força da água do rio Jamor. (Fonte: SIPA – Sistema de Informação para o Património
Arquitetónico – Forte de Sacavém)
Figura V.10 | Comporta localizada na entrada do rio Jamor na propriedade de Queluz. (Fonte:
Queluz Antiga. Disponível em WWW: < https://www.facebook.com/pages/ Queluz-
Antiga/768612623156358?fref=ts>)
É ainda de notar a decoração modesta de azulejaria neste troço, embelezando esta extensão e
criando uma ligação com o restante conjunto.124 De seguida a água do rio entrava num troço coberto,
passando por baixo do Largo dos Plátanos e indo desembocar, já a céu aberto, no Canal dos Azulejos,
onde se acumulava a água num grande espelho de água, graças a um sistema de comportas situado a
123
FIALHO, J.; RIBAS, S.; ALMEIDA, V. - Plano de restauro do sistema hidráulico dos jardins do Palácio Nacional de Queluz.
[Texto policopiado] Lisboa: História de Arte dos Jardins II, Instituto Superior de Agronomia, 2009. P. 8.
124
CHAROLA, A. E; RODRIGUES, J. D. - Os jardins do Palácio Nacional de Queluz: Intervenção de conservação. [S.I.]:
Associação World Monuments Fund Portugal e World Monuments Fund, 2012. P. 114.
39
jusante.125 Depois desta comporta, o rio Jamor, recolhendo a água da Ribeira das Forcadas, continua a
percorrer os jardins num canal já mais naturalizado, apenas com as margens regularizadas, até sair da
propriedade, onde recebe a água de mais outro afluente, a Ribeira de Carenque.126
O Canal dos Azulejos, com cerca de cento e quinze metros de comprimento, era composto por
paredes de contenção com dois metros de altura a montante do troço, atingindo mais de três metros
de altura a jusante, junto à comporta. Esta comporta, destruída nos anos cinquenta do século XX,
tinha como função a retenção da água (Figura V.11), com o objetivo estético de criação de uma
superfície de água, um lago que, mantendo uma corrente diminuta e com uma profundidade
suficiente, possibilitava passeios de barco. A comporta, construída em 1753, estava suportada numa
estrutura de blocos maciços de cantaria em que a base era mais larga que o topo, criando uma forma
trapezoidal, por motivos de segurança e estabilidade. Na parte superior abriam-se seis janelas que
permitiam a descarga da água em excesso, mantendo desta forma mantinha um nível constante da
água. Por fim, esta estrutura suportava duas portas de madeira encaixadas em calhas de cantaria
sendo manobráveis a partir da ponte que se encontrava no topo da estrutura, permitindo a sua
abertura para a descarga da água represada no canal, principalmente quando ocorriam grandes fluxos
de água.127 Para reforçar esta estratégia, com o intuito de melhor controlar e gerir estes caudais, três
janelas foram abertas na parede poente do canal para que a água excedente pudesse sair para a
ribeira das Forcadas (Figura V.12).128
Figura V.11 | Comporta do Canal dos Azulejos com as duas portas de madeira abertas.
Figura V.12 | Canal dos Azulejos drenado com a comporta no fundo. Na parede da direita vêem-se as três
janelas para a saída da água excedente. (Fonte: SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitetónico)
125
AFONSO, S. L.; DELAFORCE, A. - Palácio de Queluz: jardins. Lisboa: Quetzal, D. L., 1989. P. 19
126
CHAROLA, A. E; RODRIGUES, J. D - Os jardins do Palácio Nacional de Queluz: Intervenção de conservação. [S.I.]:
Associação World Monuments Fund Portugal e World Monuments Fund, 2012. P. 114.
127
FIALHO, J.; RIBAS, S.; ALMEIDA, V. - Plano de restauro do sistema hidráulico dos jardins do Palácio Nacional de Queluz.
[Texto policopiado] Lisboa: História de Arte dos Jardins II, Instituto Superior de Agronomia, 2009. P. 8.
128
FIALHO, J.; RIBAS, S.; ALMEIDA, V. - op. cit. P. 8.
40
O leito do canal foi construído em alvenaria de pedra, de forma a evitar a erosão da água
corrente, e encontra-se transversalmente inclinado na direção de uma vala central que recolhe e
conduz a água nas estações mais secas (Figura V.13).129 Nas paredes deste canal, construídas em
alvenaria de pedra tradicional, foram aplicados painéis de azulejaria, tanto no seu interior como no
seu exterior. O interior do canal tem azulejos azuis e brancos encomendados a João Nunes de Oliveira,
somando trinta e cinco mil azulejos, entre 1755 e 1756. Estes cobriam as paredes interiores, o arco de
suporte da Casa da Música (Anexo 4) e das escadas de acesso ao rio (Figura V.13).130 Os painéis, cujo
limite inferior correspondia ao limite máximo de água quando o canal estava cheio, criavam efeitos de
tridimensionalidade e de profundidade, através de uma sequência cenográfica para quem navegava
nestas águas, representando palácios, portos, castelos, ruínas da antiguidade, jardins, entre outros. O
exterior do canal é também decorado por painéis de azulejaria, mas estes de várias cores e
representando maioritariamente cenas de caça, que cobrem as paredes exteriores do canal e da Casa
da Música, tal como os alegretes e plintos que se encontravam ao longo do canal. Uma parte desta
encomenda, de quase dezasseis mil azulejos, aparece documentada em nome de Manuel da Costa
Rosado entre 1777 e 1784 (Figura V.14).131 132
Figura V.13 | Interior do Canal dos Azulejos com os painéis de azulejaria azuis e brancos da autoria de João Nunes de Oliveira
e com a vala central para a drenagem da água nos períodos mais secos (foto atual). (Fonte: Autora)
Figura V.14 | Exterior do Canal dos Azulejos com os painéis de azulejaria policromados de Manuel da Costa Rosado (foto
atual). (Fonte: Autora)
A Casa da Música (atualmente já não existente, tendo sido destruída pela altura da construção da
Sala dos Tronos e em 1900 substituída pelo arranjo atual a mando de D. Carlos) conferia uma
129
CHAROLA, A. E; RODRIGUES, J. D. - Os jardins do Palácio Nacional de Queluz: Intervenção de conservação. [S.I.]:
Associação World Monuments Fund Portugal e World Monuments Fund, 2012. P. 115.
130
CARITA, H. - Tratado da grandeza dos jardins em Portugal: ou da originalidade e desaires desta arte. [2.ª edição]
Venda Nova: Bertrand Editora, 1998. P. 192.
131
PIRES. A. C. - História do Palácio Nacional de Queluz. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1924-1926. P.403-405.
132
CARITA, H. – op. cit. P. 192.
41
aparência de maior monumentalidade ao conjunto, tal como dinamizava a vivência deste espaço
lúdico e recreativo. Este pavilhão (Figura V.15), atribuído a Mateus Vicente, e edificado entre maio e
junho de 1760, foi construído em madeira e encontrava-se suspenso sobre o canal, suportado por um
arco abobadado.133 Este edifício tinha como destino «uma orquestra que ali se fazia ouvir em ocasiões
de festas dadas nas noites de verão, ou quando a família real se recreava, vogando um pequeno barco
em forma de gôndola»134.
Figura V.15 | Casa da Música. (Fonte: RODRIGUES, A. D. – Os Jardins Do Palácio Nacional De Queluz. Lisboa: INCM, 2011)
Jacques Boyceau, na sua obra Traité du Jardinage, refere que o uso dos canais de água nos jardins
não segue um conjunto de regras específicas, pois a sua utilização vai depender da natureza do lugar e
da disponibilidade da água. Porém, o autor remata escrevendo que a única ideia que se deve ter em
mente é que quanto maior for a superfície aquática, mais bela será.135 Outras características dos
canais de Le Nôtre vão ser os jogos de reflexos e ilusões e o seu posicionamento chave, sendo que a
maior parte das vezes se encontravam alinhados com os eixos principais e de certa forma ditavam a
composição dos jardins. Ao comparar o canal de Queluz com o uso do canal no barroco de Le Nôtre,
podem tecer-se várias considerações. Em primeiro lugar, a extensão do Canal de Azulejos não pode
ser comparado com o grande eixo aquático de Le Nôtre, que chega a atingir mais de um quilómetro
no caso de Versalhes. De seguida, o canal dos azulejos não apresenta nenhuma ligação e relação
direta com o palácio, não marcando eixos nem enfatizando vistas. Estas diferenças estão sobretudo
ligadas à morfologia do terreno do Palácio de Queluz. Com uma planimetria irregular não permitiu a
construção de eixos à Le Nôtre neste jardim, estando a construção do canal diretamente ligada ao
133
AFONSO, S. L.; DELAFORCE, A. Palácio de Queluz: jardins. Lisboa: Quetzal, D. L., 1989. P. 20.
134
PIRES, A. C. História do Palácio Nacional de Queluz (volume II). Coimbra: Imprensa da Universidade, 1924. Cit. por:
CARITA, H. Tratado da grandeza dos jardins em Portugal: ou da originalidade e desaires desta arte. [2.ª edição] Venda
Nova: Bertrand Editora, 1998. P. 177.
135
ARGENVILLE, D. - La théorie et la pratique du jardinage. Paris: J. Mariette, 1713. Fonte: Bibliothèque Nationale de
France, département Estampes et Photographie (4-HD-86). P. 75.
42
aproveitamento de um curso de água já existente numa situação mais baixa do jardim, adaptando-o a
um canal para o recreio e divertimento da família real. Estas características todavia não fazem com
que o canal de Queluz não se enquadre na estética barroca; a realidade é que a implementação de um
canal à Le Nôtre seria inviável numa morfologia e numa escala como a de Queluz, tal como seria
inviável pela insuficiência de recursos hídricos. Porém, pode destacar-se a vivência barroca que estava
enfatizada no canal dos azulejos. O uso dado ao canal para passeios de barco acompanhados da
música da orquestra enquadra-se no cenário barroco de festa que se vivia por toda a Europa,
destacando-se usos idênticos nos canais do Palácio de Aranjuez, em Espanha e de Versalhes, em
França.
43
A Quinta Real de Caxias situa-se próximo do rio Tejo e da ribeira de Barcarena e está implantada
nos aluviões férteis e planos da várzea. «É summamente aprazivel a situação d’este logar, edificado
junto ao Tejo, na extremidade de um valle, onde vem desaguar a ribeira da Barcarena»136, o que criava
ótimas condições de conforto e de acolhimento, tornando-se um dos locais de eleição para a família
real passar as suas tardes de verão.137 A Quinta Real de Caxias foi mandada construir pelo Infante D.
Francisco de Bragança, segundo Senhor do Infantado, na primeira metade do século XVIII. Com a
morte deste infante em 1742, a propriedade vai passar para a posse de D: Pedro III, que a vai alargar e
enriquecer com um grande jardim. D. Pedro III, habituado à vida esplendorosa e aos requintes dos
jardins de Queluz, pretende criar nos jardins de Caxias uma ambiência semelhante, de luxo e
opulência, embora numa dimensão mais pequena e menos dispendiosa.138
O paço de tamanho modesto vai contrastar com um espaço exterior grande, majestoso e
exuberante.139 O jardim, considerado como a «divisão principal»140 do conjunto, funciona como um
prolongamento do edificado, sendo nele que se concentra o luxo e a riqueza. Este jardim,
encomendado ao arquiteto Mateus Vicente, na qualidade de arquiteto da Casa Infantado, vai ser
enobrecido por lagos e tanques, por jardins de buxo, por estátuas, por uma grande cascata, por vários
pavilhões e por mobiliário de jardim.141 A composição e o traçado do jardim sujeitavam-se às regras da
simetria e seguiam uma morfologia semelhante à de Le Nôtre, mas incorporando ideias italianas,
inglesas e características do jardim português.142 A Quinta Real de Caxias, na condição de quinta de
recreio, vai combinar uma vertente recreativa com uma vertente agrícola. Esta última, caracterizada
como um pomar real, era estruturada numa malha geométrica, composta por alinhamentos de sebes
e de árvores.143 Quanto à parte recreativa e de convivência, tem maior destaque o Jardim Novo;
porém outros elementos do jardim vão contribuir para este fim. Um exemplo é a inclusão do jogo da
pela ou da bola na composição da quinta, e outro é a adaptação de elementos funcionais, como os
tanques, em locais de estada e convivência.
136
BARBOSA, I. V. - Fragmentos de um roteiro de Lisboa inédito: arrabaldes de Lisboa. Archivo Pittoresco. Lisboa: Castro
Irmão e Companhia, 1863. Vol. 6. P. 378.
137
BELOTO, C. [et al.] - Quinta Real de Caxias: restauro do património escultórico. Oeiras: Câmara Municipal, 2009. P. 24.
138
BELOTO, C. [et al.] – op. cit. P. 24.
139
BARBOSA, I. V. – op. cit. P. 379.
140
BELOTO, C. [et al.] - op. cit. P. 25.
141
BELOTO, C. [et al.] - op. cit. P. 25.
142
GANDRA, M. J. - O jardim simbólico da Quinta Real de Caxias. Mafra: Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica,
2000. P. 2.
143
AFONSO, A. [et al.] – Quinta Real de Caxias: o reviver do barroco. [Texto policopiado] Lisboa: Recuperação e Gestão do
Património Cultural, Instituto Superior de Agronomia, 2012. P. 12.
44
O Jardim Novo, iniciado na década de 70 do século XVIII, corresponde à zona mais formal da
quinta. Este organiza-se segundo dois eixos principais, um eixo central de direção este-oeste, que
parte da cascata até ao lago de Hércules – rua de Hércules – e um eixo transversal, de direção sul-
norte –rua da Imperatriz. A partir destes dois eixos o jardim desdobra-se simetricamente, desde os
parterres de buxo aos caminhos ensaibrados, que constroem uma malha ortogonal. O jardim,
ricamente ornamentado, é constituído por sete lagos, pela grande cascata, por pavilhões e por
numerosas peças de estatuária.144 As esculturas, da autoria de Joaquim Machado de Castro (1731-
1822), foram trabalhadas em barro e pintadas de branco de forma a imitar a pedra, tendo grande
presença neste jardim, que para além de contarem histórias, interagiam com os jogos de água criando
uma dinâmica, assim como acentuavam eixos e perspetivas. Os grupos escultóricos não pretendiam
apenas ter um interesse narrativo, mas também transmitir um exotismo, um sensualismo e uma
dinâmica. Na cascata encontrava-se o grupo escultórico principal, que representava o episódio da
iconografia mitológica do Banho de Diana; nos quatro lagos mais próximos estavam representadas as
quatro estações do ano, figuradas por grupos de meninos que seguravam e rodeavam elementos
caracterizadores de cada uma das estações; nos dois lagos próximos da entrada encontravam-se
grupos de tritões; e por fim no lago de Hércules, encontrava-se o próprio guerreiro, representado em
cima de dois pilares, acompanhado de várias esculturas de guardas romanos e animais exóticos.145
144
BELOTO, C. [et al.] - Quinta Real de Caxias: restauro do património escultórico. Oeiras: Câmara Municipal, 2009. P. 26.
145
BELOTO, C. [et al.] – op. cit. P. 27.
146
CÂMARA MUNIPAL DE OEIRAS – Reserva Ecológica Nacional: Memória descritiva e justificativa. Oeiras: Câmara
Municipal, 2013. P. 62-65.
45
A bacia hidrográfica de Barcarena tem como principal linha de água a ribeira de Barcarena, com
origem no concelho de Sintra, na serra da Carregueira e tributária do rio Tejo. A ribeira limita a
propriedade de Caxias a oeste, desaguando na praia de Caxias, que a limita a sul.
Para além da proximidade desta quinta à água, pelo rio Tejo e pela ribeira de Barcarena, pode
ainda identificar-se na sua composição um grande número de elementos com ela relacionados, desde
a grande cascata aos lagos, aos vários tanques, à casa do poço e ao telheiro da nora. Estes mostram a
abundância de água que percorria o jardim; porém não deixam evidente e claro de onde é que aquela
água vinha. A água, que enfeitava e regava toda a quinta, derivava de várias minas: duas que se
localizavam nas imediações da propriedade, a nascente, e outras localizadas em Queijas, na serra de
Carnaxide, a dois quilómetros de distância de Caxias para norte. (Anexo 6)
O primeiro troço do sistema hidráulico iniciava-se nas duas minas mais próximas do jardim, sendo
a sua água conduzida para dois tanques: o tanque das Cláudias e o tanque da Cartuxa, onde ficava
armazenada. A partir destes tanques, a água percorria vários canais de rega a céu aberto, que seguiam
uma malha geométrica e que regavam os pomares. O tanque da Cartuxa (Figura V.16), de destacar
tanto pela sua originalidade tal como pelo mistério que o envolve, era composto por dois pisos,
estando a água situada na parte superior. Este tanque, à semelhança da casa de fresco da Tapada das
Necessidades em Lisboa, criava uma espécie de inversão do conceito de casa de fresco, pois a água
que refrescava situava-se na parte superior e exterior.147
Figura V.16 | Tanque da Cartuxa atualmente. (Fonte: AFONSO, A. [et al.] – Quinta Real de Caxias: o Reviver do Barroco. [Texto
policopiado] Lisboa: Recuperação e Gestão do Património Cultural, Instituto Superior de Agronomia, 2012.)
O segundo troço começava nas minas de Queijas. A água que daqui provinha era conduzida pelo
aqueduto de Queijas (atualmente destruído) até ao tanque da Vinha, que teria este nome
147
CASTEL-BRANCO, C. – Necessidades: jardins e cerca. Lisboa: Livros Horizonte, 2004. P. 62.
46
provavelmente pela existência de uma vinha nas suas imediações.148 Este tanque, com cerca de cento
e quinze metros cúbicos de capacidade, situa-se no exterior dos limites dos jardins e seria
acompanhado de um miradouro ou mirante de onde se tinha uma vista muito ampla sobre o rio Tejo
(Anexo 8). A água proveniente de Queijas era de grande abundância, o que permitiu disponibilizar
água suficiente para o funcionamento da cascata e dos seus jatos e repuxos, assim como para o
abastecimento das várias fontes e tanques que enfeitam o jardim. O sistema hidráulico que sustentava
o funcionamento da cascata será explicado posteriormente com maior detalhe. Desta forma, para
além da cascata, esta água dirigia-se para os quatro lagos das quatro estações (Figura V.17), os dois
lagos dos tritões e ainda para o lago de Hércules (Figura V.18). A água em excesso deste último seria
lançada diretamente para a ribeira de Barcarena.149
Figura V.17 | Escultura fontenária representando a Primavera, 1961. (Fonte: SIPA – Sistema de Informação para o
Património Arquitetónico – Forte de Sacavém)
Figura V.18 | Lago de Hércules. (Fonte: SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitetónico – Forte de
Sacavém)
Por último, existia o tanque da Várzea que armazenava água vinda da própria ribeira de
Barcarena. A água era captada fora da propriedade, a norte, e vinha encanada até ao tanque. Este por
sua vez ia servir para a rega.
Nesta análise sucinta do funcionamento hidráulico do jardim de Caxias, de maior simplicidade que
o de Queluz, podem destacar-se algumas considerações idênticas às de Queluz. Em primeiro lugar, a
insistência no pré-conhecimento de um local e da sua disponibilidade em água para a construção de
jardins deste aparato. De seguida, há outra vez um uso privilegiado da gravidade para a condução e
criação de efeitos, não recorrendo a outros artifícios. Ainda, a forma de tratar a água sempre com
uma preocupação funcional evidente, caso de alguns dos tanques presentes neste jardim, que
armazenavam a água para a rega dos espaços ajardinados e agrícolas. Por fim, é de destacar a ideia de
148
BELOTO, C. [et al.] - Quinta Real de Caxias: restauro do património escultórico. Oeiras: Câmara Municipal, 2009. P. 139.
149
BELOTO, C. [et al.] – op. cit. P. 143.
47
que a água tinha que ser importada do exterior, não se limitando o seu estudo aos limites da
propriedade.
A Cascata da Quinta Real de Caxias (Anexo 7), «que dá celebridade a esta quinta»150, vai funcionar
como um dos símbolos de maior destaque deste jardim, ocupando um papel sumptuoso e grandioso,
criando uma grande dinâmica e suscitando grande admiração a quem por aqui passava.
A Cascata começou a ser construída na década de setenta do século XVIII, obra da
responsabilidade artística dos irmãos Mathias Francisco.151 Em 1781 encontram-se registados os
trabalhos do empreiteiro Manuel Vicente nas cantarias das varandas da cascata e, em 1794, a
conclusão das obras principais da cascata, com a realização da sua pintura pelo mestre Joaquim José e
pelo oficial Francisco Xavier.152 Vários são os nomes de diferentes trabalhadores que contribuíram
para a construção deste conjunto, iniciando-se pelo arquiteto responsável pelos jardins Mateus
Vicente de Oliveira, passando pelo empreiteiro Manuel Vicente, e por outros que contribuíram para
acabamentos, como Matias José, o pedreiro Miguel José, o canteiro Miguel da Silva e António
Marques.
A cascata ergue-se ao fundo do Jardim Novo, ocupando toda a sua largura e separando-o da via
pública. Esta obra de arte é composta por uma cascata central, que apresenta uma queda livre de
água numa estrutura composta por duas taças de mármore, a diferentes cotas, assentes numa
superfície decorada por pedras de tufo calcário. Estas taças com uma superfície muito polida fazem
com que a água crie um efeito de cortina espelhada, caindo a água de uma taça para a outra e por fim
para o Lago da Cascata, que recolhe esta água. Este lago acolhia o conjunto escultórico que
representa a cena mitológica Diana e Actéon, que será abordado mais à frente.153 No topo da cascata
existe um pavilhão de planta quadrada – o Pavilhão da Cegonha – em que a cúpula exibe uma
escultura metálica desta ave, que bateria as asas com a ajuda do vento, conferindo a característica de
movimento tão apreciada pelo barroco, dando a impressão de ir levantar voo (Figura V.19). Este
pavilhão, com três janelas e uma porta todas vidradas tinha um aquário no seu interior, e dele «(…)
[gozava-se] uma vista encantadora, que tem por primeiro plano o jardim e a quinta, depois o Tejo com
150
BARBOSA, I. V. - Fragmentos de um roteiro de Lisboa inédito: arrabaldes de Lisboa. Archivo Pittoresco. Lisboa: Castro
Irmão e Companhia, 1863. Vol. 6. P. 378-379.
151
GANDRA, M. J. - O jardim simbólico da Quinta Real de Caxias. Mafra: Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica,
2000. P. 2.
152
BELOTO, C. [et al.] – Quinta Real de Caxias: restauro do património escultórico. Oeiras: Câmara Municipal, 2009. P. 27.
153
BELOTO, C. [et al.] – op. cit. P. 93.
48
os montes que lhe debruam a margem do sul, além a serra da Arrábida, e depois, um pouco para a
direita, o vulto sem fim do Oceano»154 (Figura V.20)
De ambos os lados da cascata central partiam dois conjuntos de três patamares, desenvolvendo-
se de forma simétrica. Estes patamares, enfeitados por floreiras e por bancos do género namoradeiras
ou conversadeiras, conferiam ao visitante que o percorria várias perspetivas sobre o efeito da cascata
e sobre o jardim (Figura V.21). Nos extremos destes patamares erguiam-se duas construções
compostas de três andares, permitindo o acesso aos vários patamares através de vários lanços de
escadas (Figura V.22). Durante a construção do complexo da cascata foram deixadas acessíveis duas
galerias muito estreitas mas visitáveis, localizando-se por baixo dos patamares e percorrendo-os atá
ao centro da cascata.155 A galeria situada do lado esquerdo da cascata culminava num túnel que
permitia o acesso ao tanque da Vinha. Quanto ao lado direito da cascata não existe uma informação
tão detalhada e precisa do que poderia existir no fim da galeria, pois ocorreram várias alterações ao
longo dos anos. Todavia acredita-se que a atual Gruta de Endimião não seja original da construção da
cascata, por apresentar provas de ter cortado uma parte da galeria e pela utilização de betão
descofrado na sua construção.156 Para finalizar a caracterização da cascata pode-se observar no seu
interior uma pequena fonte em mármore, composta por uma taça em forma de concha e por uma
gárgula por onde sairia a água (Figura V.23). Crê-se que esta fonte já existia antes da construção da
154
BARBOSA, I. V. - Fragmentos de um roteiro de Lisboa inédito: arrabaldes de Lisboa. Archivo Pittoresco. Lisboa: Castro
Irmão e Companhia, 1863. Vol. 6. P. 378-379.
155
BELOTO, C. [et al.] - Quinta Real de Caxias: restauro do património escultórico. Oeiras: Câmara Municipal, 2009. P. 94.
156
BELOTO, C. [et al.] – op. cit. P. 94.
49
cascata e que seria alimentada pela água de Queijas, sendo que com a construção da cascata tivesse
sido mantida e conservada no mesmo local.157
Figura V.21 | Vista dos três patamares da cascata de Caxias. (Fonte: Autora)
Figura V.22 | Pavilhão lateral da cascata de Caxias. (Fonte: SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitetónico – Forte
de Sacavém)
Figura V.23 | Fonte no interior da cascata de Caxias. (Fonte: BELOTO, C. [et al.] - Quinta Real de Caxias: restauro do património
escultórico. Oeiras: Câmara Municipal, 2009)
Como já referido, a cascata era abastecida pela água proveniente de Queijas e armazenada
primeiramente no tanque da Vinha. O Tanque da Vinha era composto por três válvulas que, quando
abertas, permitiam a chegada da água a diferentes pontos do jardim. Aberta a primeira válvula, a água
era conduzida por uma canalização em pedra no interior do aqueduto que unia o tanque da Vinha ao
tanque da Cascata, sendo que a meio do percurso a água passava a correr a céu aberto no topo deste,
indo, por fim, descarregar a água no último tanque. Já a segunda válvula, quando aberta, conduzia a
água sob pressão numa manilha pelo interior do aqueduto. Esta água tinha como destino os repuxos
dos dois vasos que ornamentavam a cascata, tal como as cornucópias que os dois faunos seguravam.
O aquário situado no Pavilhão da Cegonha era também abastecido por esta manilha, onde a água
corria por quatro golfinhos colocados cada um num canto do aquário e por um obelisco de onde a
água jorrava por quatro repuxos e por quatro conchas.158 Da última válvula, por sua vez, quando
aberta, saía água para a lança da deusa Diana e para os lagos das Quatro Estações. Em relação ao
tanque da Cascata (Figura V.24), este tinha uma capacidade de cerca de vinte e seis metros cúbicos e
dispunha de uma válvula de oito orifícios que garantia o abastecimento dos vários tabuleiros da
cascata. Esta água que caía pela cascata era recolhida no lago de Diana, situado na sua base. Deste
ponto a água era escoada por uma conduta dirigindo-se para os lagos dos Tritões.159
Na descrição da cascata e dos seus vários componentes é obrigatória a referência às peças
escultóricas que a enfeitam e que lhe conferem dinâmica, teatralidade e ação. Estas obras são da
autoria do escultor Joaquim Machado de Castro (1731-1822) e foram realizadas em barro, e
157
BELOTO, C. [et al.] – Quinta Real de Caxias: restauro do património escultórico. Oeiras: Câmara Municipal, 2009. P. 96.
158
BELOTO, C. [et al.] - op. cit. P. 141.
159
BELOTO, C. [et al.] – op. cit. P. 141.
50
posteriormente pintadas de branco de forma a imitar a pedra. A cascata, com a sua disposição em
anfiteatro, composta pelos três patamares e pelas cortinas de água, que criam um local de destaque
para que estas peças contem uma história e enriqueçam o imaginário dos visitantes (Figura V.25).
Estas várias esculturas vão retratar um episódio da iconografia mitológica sobre Diana e Actéon. Esta
história conta o momento em que o caçador Actéon surpreende Diana e as suas ninfas a tomar banho
(Figura V.26).
Figura V.24 | Tanque da Cascata atualmente. No lado esquerdo pode ver-se a válvula. (Fonte: Autora)
Figura V.25 | Cascata Monumental de Caxias com o conjunto escultórico representando o Banho de Diana. (Fonte: SIPA –
Sistema de Informação para o Património Arquitetónico – Forte de Sacavém)
Figura V.26 | Pormenor do conjunto escultórico do Banho de Diana. (Fonte: BELOTO, C. [et al.] - Quinta Real de Caxias: restauro
do património escultórico. Oeiras: Câmara Municipal, 2009)
Diana, apanhada desprevenida e irritada, transforma Actéon em veado, acabando este por ser
atacado pelos seus próprios cães de caça e, finalmente, por morrer. A composição de Machado de
Castro centra-se na personagem principal da história – Diana – que ocupa o local de destaque no
centro do lago da cascata, acompanhada por duas ninfas. Estas peças, colocadas como se fosse ao
acaso, estão na realidade dispostas em relação a dois eixos imaginários, um vertical e um horizontal. O
primeiro, que partia da escultura da cegonha e ia até Diana no centro do lago, repartia a cascata em
dois lados, podendo-se observar a colocação das estátuas de forma simétrica em cada um dos lados.
Em primeiro lugar, os dois faunos que seguravam cornucópias em cada um de um dos lados do eixo e,
em segundo lugar, do lado direito para quem observa, a personagem de Actéon, já meio transformada
em veado, e do esquerdo, os cães de caça. Quanto ao eixo horizontal, também definido pelo grupo
escultórico de Diana e das duas ninfas, vai encontrar-se, do lado esquerdo de quem observa, um
grupo de outras duas ninfas, e do lado contrário, a figura de Júpiter. A fisionomia, gestos e disposição
destas personagens vão criar uma dinâmica e indicar caminhos que o olho deve seguir, «dirigindo-se a
um espetador em movimento»160. O grupo das duas ninfas que apontam para a figura de Actéon, por
sua vez que olha para a figura de Diana, o grupo de cães que se encontra em posição de ataque em
direção a Actéon, são exemplos dos vários eixos diagonais, que criam interações, ritmando e
160
BELOTO, C. [et al.] – Quinta Real de Caxias: restauro do património escultórico. Oeiras: Câmara Municipal, 2009. P. 50.
51
dinamizando o conjunto. Este episódio da iconografia mitológica era um dos preferidos para a
decoração dos jardins barrocos, podendo também observar a sua representação nos jardins do Palácio
Real de La Granja, em Espanha, e nos jardins do Palácio Real de Caserta, em Itália, que pode ter sido a
principal inspiração para o conjunto escultórico de Caxias.161
A cascata da Quinta Real de Caxias enquadra cenograficamente o jardim de Caxias, resultando na
peça principal e de maior destaque. A partir dela sai o eixo principal que se estende até ao lago de
Hércules. Esta cascata enquadra-se na estética barroca da espetacularidade e de dinâmica, enfatizada
pelo uso da água e pelo conjunto escultórico do Banho de Diana. Ao comparar diretamente este caso
com outros exemplos do barroco europeu, sendo um dos melhores exemplos para esta comparação o
jardim de Caserta, conclui-se que a dimensão do barroco português aparece sempre mais confinado a
uma escala diferente, mais pequena, e com menos abundância de água para a criação de um efeito
ainda mais espetacular e grandioso. Todavia, a cascata de Caxias não deixa de funcionar como um
elemento magnificente, pois em relação à dimensão dos jardins que enfeita, esta acaba por ser uma
figura proeminente e monumental.
161
BELOTO, C. [et al.] - Quinta Real de Caxias: restauro do património escultórico. Oeiras: Câmara Municipal, 2009. P. 44.
52
Em Portugal, com o início do reinado de D. João V e com o enriquecimento das classes dominantes
começam a surgir obras de caráter barroco, aumentando em simultâneo um entusiasmo e fervor
construtor, que contrasta com o século XVII. No norte de Portugal assiste-se à construção de um
barroco exuberante e cenográfico, em que as grandes obras religiosas são caracterizadas por uma
arquitetura monumental, como os santuários do Bom Jesus de Braga e da Nossa Senhora dos
Remédios em Lamego. Conjuntos religiosos como mosteiros, conventos, igrejas e capelas adotam a
estética barroca, para conferirem aos seus programas ornamentais mais riqueza e espetacularidade. A
água vai funcionar como um elemento tanto ornamental e simbólico, como funcional e essencial.162
Esta adaptação do barroco na linguagem religiosa portuguesa vai ser influenciada pelo que estava
em voga na europa católica, mas sempre moldada às tradições portuguesas, tentando suscitar um
apelo aos sentidos, criando emoções, que pretendiam levar as pessoas a viverem de forma mais
fervorosa a fé cristã.163
Apesar de ter origem no século X, o Mosteiro de São Martinho de Tibães é remodelado no século
XVIII introduzindo-se o estilo barroco. Situa-se no norte de Portugal, na freguesia de Mire de Tibães, a
cerca de seis quilómetros de Braga e é composto por uma igreja, pelo grande edifício do mosteiro e
por uma cerca. «Está situado na costa do monte de S. Gens ao Norte, em huma dilatada planicie,
delicioza pellos arvoredos de que se veste e fertillissima pella quantidade de agoas com que se
rega»164.
A Cerca de Tibães começou a ser modelada há mais de seis mil anos, tendo sido substituída parte
da mata climácica que a cobria originalmente por pastagens, clareiras e terras para cultivo. A partir do
século XVII, os monges beneditinos começam a transformar as terras circundantes do mosteiro,
plantando hortas, pomares, campos, soutos e matas e expandindo os seus territórios até ao rio
Cávado. Os monges vão incrementar novas culturas, ensinar à população as técnicas de agricultura, e
projetar um sistema hidráulico eficiente capaz de conduzir e distribuir a água por toda a Cerca e
162
CASTEL-BRANCO, C. – O uso da água no espaço exterior: do sagrado ao profano. Actas Do Simpósio Internacional
Hidráulica Monástica Medieval E Moderna. Lisboa: Fundação do Oriente, 1996.
163
TEDIM, J. M. – O barroco do norte de Portugal. In: Seminário do Barroco. Braga: Festival Internacional de Polifonia
Portuguesa, 2011.
164
IAN/TT – Manuscritos da livraria. Citado por: MATA, A. R. - Fragmentos do Mosteiro de São Martinho de Tibães.
Conjuntos Monásticos: intervenção. In: Património/Estudos. Lisboa: IPPAR, n. º 2 (2002). P. 84.
53
Convento.165 O Mosteiro de Tibães tornou-se, no final do século XI, um dos mosteiros mais ricos e
prestigiados da Arquidiocese de Braga devido ao estatuto de abrigo dado por parte da coroa, doando
várias terras adjacentes ao mosteiro, tal como outorgando Cartas de Couto, que vão colocar o
Mosteiro de Tibães e as suas terras numa situação independente do resto do reino.166 Após o Concílio
de Trento, realizado entre 1545 e 1563, ocorre uma mudança na história e no poder económico do
Mosteiro de Tibães. O Papa Pio V institui a Congregação dos Monges Negros de São Bento dos Reinos
de Portugal através de duas bulas, uma de 1566 e a outra de 1567, e em 1570, o Mosteiro de Tibães é
nomeado como a Casa-Mãe da Ordem Beneditina de Portugal e do Brasil.167 Esta nova função vai levar
à criação de uma nova imagem do Mosteiro e a várias remodelações e expansões. O verdadeiro
território do Mosteiro de Tibães não se limitava aos limites da Cerca e do Mosteiro, pois com grandes
privilégios e autonomia administrativa, a terra coutada estendia-se pelo vale até ao rio Cávado. Este
território tinha as condições necessárias para tornar o núcleo do Mosteiro num «verdadeiro potentado
económico»168: a extensa várzea com solos férteis, as áreas de floresta e mato, um rio com
abundantes recursos e uma população que pagava rendas.169 As obras de remodelação efetuadas no
século XVII e XVIII vão ser possíveis devido a esta força económica, possibilitando a criação de um
conjunto estético e arquitetónico de grande esplendor, tornando o Mosteiro num lugar de excelência
e num centro de aprendizagem para escultores, arquitetos e pedreiros do norte do país. Vários foram
os artistas que trabalharam nas alterações do mosteiro como o arquiteto Manuel Álvares, os
escultores Frei Cipriano de Cruz e António Francisco, os mestres pedreiros Miguel Fernandes e Amaro
da Graça, e outros mais.170
A Cerca ocupa quarenta e três hectares e é limitada por um muro de pedra com um comprimento
de quase três quilómetros. No século XVIII, com a nomeação do Convento como Casa-Mãe Beneditina,
a Cerca vai acompanhar este crescimento com uma adaptação dos seus elementos à expressão
barroca. Os trabalhos de remodelação e de embelezamento iniciam-se no triénio do Frei Paulo da
Assunção (1725-1728), vindo a realizar-se em várias fases, prolongando-se pelos triénios seguintes. O
embelezamento da Cerca vai transformá-la num local de oração, recreação e inspiração a par de uma
vertente produtiva. Estas obras vão dotar a Cerca de fontes, socalcos, aquedutos, bancos, caminhos e
165
DIAS COSTA, M. J. – A cerca do Mosteiro De São Martinho De Tibães. Conjuntos Monásticos: intervenção. In:
Património/Estudos. Lisboa: n. º 2 (2002). P. 87.
166
MATA, A. R. - Fragmentos do Mosteiro de São Martinho de Tibães. Conjuntos Monásticos: intervenção. In:
Património/Estudos. Lisboa: IPPAR, n. º 2 (2002). P. 80.
167
MATA, A. R. – op. cit. P. 83.
168
FONTES, L. São Martinho De Tibães: um sítio onde se fez um mosteiro. Ensaio em arqueologia da paisagem e da
arquitectura. Lisboa: Departamento de Estudos IPPAR, 2005. P. 39.
169
FONTES, L. op. cit. P. 39-40.
170
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES - Fundo Monástico-Conventual (1528-1907): livros de depósito. Braga:
Arquivo Distrital de Braga, 1985.
54
latadas. Vão ser traçados eixos que vão direcionar os percursos às fontes e tanques, aos percursos
pela mata e ao escadório, por onde se alcança a Capela de São Bento e o respetivo jardim. De destacar
o traçado de um caminho que separava as hortas dos pomares e que era pontuada em cada um dos
seus extremos por uma fonte – a fonte de São Bento a poente e a fonte de São Beda a nascente (esta
última já não se encontra na Cerca, estando em exposição no Museu Nogueira da Silva). Dez anos mais
tarde cruzou-se este mesmo caminho com o eixo do escadório ou rua das fontes, funcionando como
um conjunto simétrico de expressão barroca. Entre 1795 e 1798, remetendo para o barroco final, foi
construído o Grande Lago de forma elítica que armazenava água e que fornecia energia hidráulica
suficiente para o funcionamento de um moinho e dois engenhos, um de serrar madeira e outro de
azeite.171 Também no edifício principal do Mosteiro vários vão ser os espaços ajardinados, como o
Claustro do Cemitério, o Claustro do Refeitório, o Jardim de São João e o Jardim do Jericó.172 Todas as
zonas da Cerca, tal como do Mosteiro, vão estar ligadas por um sistema de canalização racional, sendo
um dos elementos primordiais e de referência da composição.173
171
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES - Fundo Monástico-Conventual (1528-1907): livros de depósito. Braga:
Arquivo Distrital de Braga, 1985. P. 606.
172
DIAS COSTA, M. J. – A Cerca do Mosteiro de São Martinho de Tibães. Conjuntos Monásticos: intervenção. In:
Património/Estudos. Lisboa: n. º 2 (2002). P. 86.
173
CASTEL-BRANCO, C. – O uso da água no espaço exterior: do sagrado ao profano. Actas Do Simpósio Internacional
Hidráulica Monástica Medieval E Moderna. Lisboa: Fundação do Oriente, 1996. P. 331.
174
FONTES, L. São Martinho De Tibães: um sítio onde se fez um mosteiro. Ensaio em arqueologia da paisagem e da
arquitectura. Lisboa: Departamento de Estudos IPPAR, 2005. P. 26.
175
FONTES, L. op. cit. P. 25.
55
Com uma forma de viver em consonância com a natureza, a Ordem Beneditina tinha uma política
de vida em que «se ordena que o mosteiro seja uma unidade autossustentada»176, o que levava a uma
escolha de um local de implantação com disponibilidade de água suficiente para a vida e sustento do
Mosteiro, permitindo que funcionasse como um núcleo autónomo e autossuficiente. A partir de 1614
aparecem nos registos dos livros de obras e nos livros de depósitos do Mosteiro referências à procura
de água para o seu abastecimento e da sua Cerca.
Para uma explicação mais simples e clara do funcionamento deste sistema hidráulico vai ignorar-
se uma sequência cronológica e optar por um agrupamento nos vários troços interligados entre si.
Também é importante referir que a descrição se baseia nos séculos XVIII e XIX, sem ter em
consideração as alterações e acréscimos que ocorreram após este período. (Anexo 9)
O primeiro sistema poente começa pela mina da Cabrita, que se situa fora dos limites da Cerca, no
Monte de São Gens, a sudoeste, e fornece bastante água todo o ano. Em 1632 a água proveniente
desta mina é trazida para o interior da Cerca, aduzindo-a até à ermida de São Bento.177 A partir de
1725 aparecem vários registos da construção de elementos para a distribuição da água da Cabrita,
sendo a água conduzida por um aqueduto até ao terreno da Cerca. Ao entrar na propriedade o
aqueduto vinha embutido no muro de pedra e cal que limitava a Cerca a sul (Figura VI.1). A partir do
muro saía num cano de chumbo em direção à Capela.178 Entre 1725 e 1731 vai ser construída uma rua
de sete fontes que descia desde a Capela de São Bento, por entre os pomares, em direção às hortas
localizadas atrás do edifício do Convento.179 Estas fontes, intercaladas por terraços e escadas, vão
formar o escadório da Capela de São Bento, que será descrito com maior detalhe mais adiante neste
trabalho, e que constitui o elemento central do barroco no interior da Cerca de Tibães As sete fontes,
tal como o tanque da Capela de São Bento, mais dois chafarizes construídos neste eixo, um a
montante no pátio da capela e outro a jusante a rematar, o conjunto eram alimentados pela água
proveniente da mina da Cabrita.180 A água que saía do escadório ia então por caleiras capeadas em
direção à horta.181
176
CASTEL-BRANCO, C. A água nos jardins portugueses. Lisboa: Scribe, Produções Culturais, Lda., 2010. P. 18.
177
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES - Fundo Monástico-Conventual (1528-1907) livros de depósito. Braga: Arquivo
Distrital de Braga, 1985. P. 540.
178
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES – op. cit. P. 584.
179
ASCENÇÃO, Marcelino da – Chronica do antigo, Real e Palatino Mosteiro de S. Martinho de Tibães desde a sua
primeira fundação até ao presente. Braga: Mosteiro de Tibães, 1745. Fl. 540-542.
180
Livro das alfayas de todas as officinas e quintas deste mosteiro no ano de 1750. Manuscrito séc. XVIII. Roriz: Arquivo
do Mosteiro de Singeverga. Fl. 43-47.
181
DIAS COSTA, M. J. As águas da cerca do Mosteiro de São Martinho de Tibães: descrição das águas que vão até às
fontes. [não publicado]
56
O segundo sistema inicia-se na mina da Preguiça ou das Malícias, situada próxima da mina da
Cabrita, também no exterior da Cerca, e tem este nome curioso pelo facto de secar no inverno. Esta
água foi captada e encanada a partir de 1772 e vai ser conduzida num aqueduto que percorre o
mesmo muro que a da Cabrita, mas num nível inferior (Figura VI.1), sendo despejada na poça do Olival
(Figura VI.2). A partir desta poça vai ser utilizada para a rega do olival.182
Figura VI.1 | Muro da Cerca com os aquedutos da Mina da Preguiça (em baixo) e da Mina da Cabrita (em cima).
(Fonte: Autora)
Figura VI.2 | Poça do Olival. (Fonte: Autora)
O terceiro sistema começa na mina das Aveleiras, situada a sul do Grande Lago, tem bastante
água durante todo o ano, reduzindo um pouco o seu caudal no verão. As construções associadas a
esta mina começam por volta do ano de 1625, ano em que também é construído um aqueduto
superficial em direção a uma poça situada próxima do escadório. A água vai então em tubagens de
chumbo passando por baixo do escadório, cruzando este eixo na fonte que simbolizava a Justiça e
percorrendo-o até ao chafariz dos chuveiros onde partia em direção à fonte de São Beda (Figura VI.3).
A partir desta, que se situava num nível mais alto, sendo alcançada por escadas, a água partia em
canos de chumbo em direção aos claustros dos conventos, alimentando o chafariz do Claustro do
Refeitório, de seguida o chafariz do Claustro do Cemitério, passando depois pelo chafariz do Jardim do
Jericó e terminando na fonte e tanque da Portaria do Carro.183 184
A água da mina das Aveleiras vai
também servir para abastecer o Lago em conjunto com a água proveniente da mina do Anjo. Esta
182
DIAS COSTA, M. J. As águas da cerca do Mosteiro de São Martinho de Tibães: descrição das águas que vão até às
fontes. [não publicado]
183
DIAS COSTA, M. J. op. cit.
184
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES - Fundo Monástico-Conventual (1528-1907): livros de depósito. Braga:
Arquivo Distrital de Braga, 1985. P. 538 e 586.
57
última recolhia a água de duas minas situadas fora dos limites da Cerca, na Quinta do Anjo, e era a
principal abastecedora do Lago.
Figura VI.3 | Fonte de São Beda. (Fonte: Fotografia dada pela Arq. Paisagista Maria João Dias Costa)
Figura VI.4 | Grande Lago com a cascata. (Fonte: Autora)
Figura VI.5 | Adufa do Grande Lago (Fonte: Autora)
O Grande Lago (Figura VI.4), construído entre 1795 e 1797, segue a expressão do barroco final,
apresentando uma forma elítica. Este lago foi construído com o intuito principal de disponibilizar água
suficiente para o funcionamento do engenho da serra que se encontrava a jusante do lago. Para evitar
a entrada da água de enxurradas para o interior do lago foi construída uma parede que o limitava a
sul. Esta parede, para além de resguardar o lago, vai também servir para o decorar e enriquecer
esteticamente. Neste muro vai criar-se uma cascata decorada por dois obeliscos de cada lado e uma
figura de Neptuno (esta última aparece referida nos Livros de Depósitos de Obras em 1795 e 1822,
porém nunca é dada uma certeza da sua construção definitiva e colocação na cascata)185 186
A água
ficava armazenada neste lago sendo represada através do uso de uma adufa (Figura VI.5), que podia
ser totalmente aberta, para um mais rápido escoamento, tal como parcialmente aberta ou totalmente
fechada.
A água a partir do lago dirigia-se num aqueduto feito de pedra até ao engenho de serra. Daqui
esta água junta-se a outras provenientes tanto do lago como de canais de rega, que se acumulam
numa represa – a mina do Moinho d’Água. A partir desta, a água desloca-se numa caleira até ao
engenho do azeite tal como para um moinho de segunda.187 188 Este engenho e moinho localizavam-se
lado a lado, pois «havendo águas bastantes, uma só roda faz trabalhar as pedras de ambos
185
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES - Fundo Monástico-Conventual (1528-1907): livros de depósito. Braga:
Arquivo Distrital de Braga, 1985. P. 606.
186
CONGREGAÇÃO DE SÃO BENTO – Estados dos mosteiros: Tibães. Braga, 1783. P. 113.
187
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES – op. cit. P. 606.
188
CONGREGAÇÃO DE SÃO BENTO – op. cit.. P. 113.
58
engenhos»189. Os moinhos hidráulicos são obras que surgem desde a Roma Antiga, porém a sua
verdadeira expansão e maior utilização deu-se a partir da Idade Média, considerando que mesmo
sendo «uma invenção clássica, o moinho de água é medieval pela época da sua verdadeira
expansão»190. Os sistemas hidráulicos de moagem, moinhos e azenhas eram muito numerosos em
Portugal, surgindo duas tipologias diferentes: os moinhos de roda horizontal (geralmente moinhos de
rodízio ou de rodete submerso) e os moinhos de roda vertical (azenhas).191 No caso do moinho de
Tibães este aparece referido como uma azenha. A roda do moinho ao receber a água movimentavam
o veio e a segurelha que faziam a mó superior (ou andadeira) subir e descer, moendo os cereais que
eram colocados na moega.192 Quanto aos engenhos de serração de madeira e o lagar de azeite não
existe nenhuma referência específica do funcionamento destes dois, devido ao seu atual estado de
ruína. Mesmo assim pode tentar-se perceber a ideia do mecanismo-base que os sustentava. No
engenho de serrar madeira, a água, que viria num canal, movimentava uma roda que ia mover o
serrote para cima e para baixo. Já o engenho de azeite, o funcionamento seria muito similar ao que se
apresentava nos moinhos.
No quarto troço começa-se na mina de São Bento e na mina da Calçada do Pevidal que
abasteciam a fonte de São Bento (Figura VI.6). Em 1725 é construída esta nova fonte em substituição
da fonte dos Tornos que aqui existia anteriormente. Esta fonte vai apresentar uma figura de São Bento
e é antecedida por um átrio limitado por bancos de pedra. A água vai percorrer um caleiro que
atravessa o lajeado situado à sua frente levando a água para um tanque mais adiante. Este último vai
servir para armazenar a água e como viveiro para peixes, e era guarnecido por quatro figuras, cada
uma em cada canto (Figura VI.7).193 A partir do tanque a água percorria parte da horta por um
aqueduto superficial que vai desembocar no Pátio de São Pedro ou do Galo, no primeiro piso do
Convento, próximo da sala do Capítulo. Este pátio era adornado por uma fonte decorada por uma
estátua de São Pedro e outra de um galo pintado a dourado, por onde saía a água que vinha do
aqueduto (Figura V.8). 194 De seguida, a água entrava para dentro do Convento seguindo para a sala da
barbearia e da botica, e depois para a sala das secretas, mais vulgarmente conhecidas como retretes.
Entre 1731 e 1734 é construído um passadiço no convento ornado por alegretes para flores, assentos
e a fonte de Santo Anho. A água desce do passadiço por um cano de chumbo para vir brotar no
189
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES - Fundo Monástico-Conventual (1528-1907): livros de depósito. Braga:
Arquivo Distrital de Braga, 1985. P. 606.
190
BLOCH, M. Cit. por: OLIVEIRA, E., [et al] – Tecnologia tradicional portuguesa: sistemas de moagem. Lisboa: Instituto
Nacional de Investigação Científica – Centro de Estudos de Etnologia, 1983. P. 76.
191
OLIVEIRA, E., [et al] – Tecnologia tradicional portuguesa: sistemas de moagem. Lisboa: Instituto Nacional de
Investigação Científica – Centro de Estudos de Etnologia, 1983. P. 80.
192
OLIVEIRA, E., [et al] – op. cit.
193
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES – op. cit. P. 584.
194
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES – op. cit. P. 584.
59
chafariz de São João, que se encontrava no jardim alto de São João, que se encontrava a um nível
superior ao nível térreo.195 Voltando à fonte de São Pedro existia outro caminho alternativo para a
água. Esta corria por uma caleira escavada no chão do pátio do Galo que a conduzia por pequenos
algerozes fixados na parede exterior do Mosteiro em direção à cozinha.196
195
ASCENÇÃO, Marcelino da – Chronica Do antigo, real e palatino mosteiro de S. Martinho de Tibães desde a sua primeira
fundação até ao presente. Braga: Mosteiro de Tibães, 1745. Fl. 540-542.
196
DIAS COSTA, M. J. As águas da cerca do Mosteiro de São Martinho de Tibães: descrição das águas que vão até às
fontes. [não publicado]
60
época que tinha uma grande obsessão pelo uso da água e por novas técnicas na sua manipulação e
arte.
No século XVI, mais especificamente entre 1550 e 1553, o último Comendatário do Mosteiro de
Tibães, Frei Bernardo da Cruz, manda construir uma ermida no Monte de São Gens, onde colocou uma
imagem do Nosso Padre São Bento (N. P. S. Bento). A ermida foi construída como um sítio de devoção,
onde os monges se podiam refugiar fora das horas de Ofício Divino e tinha como único acesso um
caminho simples oriundo das hortas do Mosteiro.197 Na primeira metade do século XVII esta pequena
capela vai sofrer algumas remodelações, entre as quais a dotação com água proveniente da mina da
Cabrita por canos e arcos de pedra.198
Durante as transformações ocorridas no Mosteiro em consequência da nova função de Casa-Mãe,
a Capela de São Bento é remodelada, sendo decorada com um retábulo, azulejos, talhas e pinturas, e,
na mesma altura, constrói-se o jardim que a antecede, com um chafariz no meio e decorado por
canteiros de murta e por árvores com várias formas, como globos e pirâmides (Figura VI.9).199 Num
plano abaixo do nível da Capela e do seu jardim foi construído um tanque, realizado pelo mestre
Amaro da Graça, e adornado pelas armas de S. Bento, esculpidas por Miguel Fernandes (Figura
VI.10).200, o qual vai recolher a água que provinha da mina da Cabrita e que a partir dele «há de sair
água para sete fontes mais, que hão de vir pelo caminho abaixo»201, começando então a construção
do escadório, sendo que «já ficaram principiados os lugares para duas fontes»202. Neste período, no
Monte de S. Gens é substituída a vegetação arbórea por grandes socalcos de pedra, arrasando um
grande volume de terra para criar o eixo do escadório - «fizeram-se novos caminhos e se arrasou
muita quantidade de terra para ficarem com compostura e arte todos os que vão para a Capela nova
de N.P.S. Bento»203.
197
S. TOMÁS, Frei Leão de. Beneditina Lusitana. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1974. P. 378-391.
198
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES - Fundo Monástico-Conventual (1528-1907): livros de depósito. Braga:
Arquivo Distrital de Braga, 1985. P. 540.
199
ASCENÇÃO, Marcelino da – Chronica do antigo, real e palatino mosteiro de S. Martinho de Tibães desde a sua primeira
fundação até ao presente. Braga: Mosteiro de Tibães, 1745. Fl. 535-548).
200
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES - Fundo Monástico-Conventual (1528-1907): livros de obras. Braga: Arquivo
Distrital de Braga, 1985. P. 460.
201
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES – op. cit. P. 584.
202
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES – op. cit. P. 584.
203
MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES – op. cit. P. 584.
61
Figura VI.9 | Capela de São Bento e o chafariz da Capela de São Bento. (Fonte: Autora)
Figura VI.10 | Tanque da Capela de São Bento. (Fonte: Autora)
As fontes de São Bento e de São Beda vão também ser construídas neste mesmo triénio. A
primeira substitui a fonte dos Tornos e é de grande requinte e majestosidade, com uma moldura rica e
adiantada por um pátio com bancos ao seu redor e com um tanque a rematar. A segunda foi
construída no eixo do escadório das fontes (Anexo 10). Entre 1731 e 1734, no triénio de Frei Manuel
dos Serafins, vão ser construídas as restantes cinco fontes do plano original de Frei Paulo da Assunção.
Com vista a respeitar o efeito de eixo barroco, a fonte de Beda é mudada para nascente do escadório
e no seu lugar constrói-se um majestoso chafariz e um pequeno pátio adornado com assentos e
alegretes, onde terminava o escadório das fontes (Figura V.11).204 Ainda para respeitar o eixo de
simetria, a fonte de S. Beda vai ser reconstruída numa posição simétrica à fonte de S. Bento, localizada
a poente do escadório, criando um conjunto simétrico em que o escadório ocupa o lugar de destaque
no centro. A subida que se faz entre os vários patamares ornamentados por estas sete fontes
simboliza e encena o caminho do Homem até ao Céu ou reino de Deus, aqui representado pelo jardim
e capela de São Bento (Figura VI.12). Cada fonte, trabalhada em pedra lavrada, era encimada por uma
figura em barro (que atualmente já não existem, mas podendo ser vistas réplicas destas figuras na
sacristia do Mosteiro) e acompanhada por um dístico. Estas figuras, e respetivos dísticos,
simbolizavam e explicavam cada uma das sete virtudes (Figura VI.13). Começando pelas quatro fontes
situadas mais abaixo, representavam as virtudes cardeais, dispondo-se pela seguinte ordem (de baixo
para cima): Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança. E as restantes fontes simbolizavam as virtudes
teologais, referidas pela mesma ordem: Fé, Esperança e Caridade. Todas as fontes tinham diferentes
molduras, as primeiras cinco de maior complexidade (talvez pela sua construção mais tardia) e as
últimas duas de desenho mais simples.205 As fontes apresentavam pontuações de dourados nos
remates e nos bicos e as figuras eram douradas ou policromadas. A água neste conjunto pode ser
considerada como um ponto essencial pois tinha um papel vitalizador e dinâmico, criando movimento
204
ASCENÇÃO, Marcelino da – Chronica do antigo, real e palatino Mosteiro de S. Martinho de Tibães desde a sua primeira
fundação até ao presente. Braga: Mosteiro de Tibães, 1745. Fl. 551-556.
205
ASCENÇÃO, Marcelino da – op. cit. Fl. 540-542.
62
entre as várias fontes, tal como elevando esta subida com um simbolismo de pureza e claridade. Por
fim, todo o chão do escadório foi lajeado com um jogo entre xisto e granito, e todo este conjunto era
ladeado por muros brancos e envolto em pomares.
O funcionamento hidráulico deste conjunto não apresenta grande complexidade, a água percorria
o chafariz e o tanque de São Bento, de seguida descia através de sete fontes e desaguava no chafariz,
sempre por gravidade. Ao contrário do jardim francês não são utilizadas novas técnicas para a
manipulação da água; pelo contrário vão manter-se técnicas utilizadas nos séculos anteriores.
No Traité du Jardinage, Dézallier d’Argenville refere que as escadas deveriam ser colocadas em
locais centrais, onde se possam impor na composição como um elemento proeminente, formando os
principais alinhamentos.206 Esta solução paisagista vai ser aperfeiçoada sobretudo na Itália e em
Portugal, estando no caso português principalmente associada a edifícios religiosos.207 Seguindo uma
ideia do eixo barroco, da direção, do espaço e do dinamismo, as obras religiosas começam a ser
dotadas de grandes escadarias que marcam um eixo, muitas vezes animadas e dinamizadas pela água.
Há uma ideia de movimento e de ascensão mística sempre que se sobe um dos lanços de escadas. As
vistas são multiplicadas, havendo vários patamares e vários níveis de visão. Esta solução será também
utilizada no Santuário do Bom Jesus do Monte (1722), em Braga, e no Santuário de Nossa Senhora dos
Remédios (1750), em Lamego. Podem distinguir-se vários casos barrocos europeus em que as escadas
foram usadas como elementos centrais das composições. As escadas são uma solução estratégica que
ajuda a vencer os desníveis e que ao interagir com a água pode formar uma variante às grandes
cascatas características dos jardins franceses de André Le Nôtre.
206
ARGENVILLE, D. La théorie et la pratique du jardinage. Paris: J. Mariette, 1713. Fonte: Bibliothèque Nationale de France,
département Estampes et Photographie (4-HD-86). P. 151.
207
GOTHEIM, M. L. A history of garden art (volume II). Nova Iorque: Hacker Art Books, 1928.
63
O século XVII foi marcado pela maestria na conceção e na utilização dos recursos hídricos nos
jardins de André Le Nôtre, que funcionaram como um dos elementos principais e fundamentais na
política do ordenamento do território e na arte dos jardins. A água vai ter um papel essencial pela sua
versatilidade, maleabilidade e pela variedade de efeitos. O uso da água no barroco de André Le Nôtre
vai aliar a necessidade técnica com a cenografia e a espetacularidade. Com os vários conhecimentos
científicos adquiridos, teorizam-se os conhecimentos práticos e põem-se à prova novos fundamentos
e ideias. As novas descobertas de Torricelli, Descartes e Pascal, por exemplo, vão permitir usar a água
com um maior conhecimento científico e com uma maior eficiência, melhorando o seu controlo e
conseguindo efeitos estéticos de grande espetacularidade. Consolidam-se também conceitos e bases
científicas, como o conceito da pressão atmosférica, as direções e forças dos jatos de água, o cálculo
dos caudais e o dimensionamento das tubagens; outros conhecimentos, adquiridos nomeadamente
na ciência da ótica e na geometria, vão igualmente contribuir para retirar e aproveitar ainda mais os
efeitos cénicos da água. A água vai funcionar como o elemento central e como um dos atributos mais
marcantes na paisagem e nos jardins barrocos por toda a Europa, sendo ela que domina e enfatiza
toda a encenação barroca.
Nos jardins barrocos portugueses, a água também vai ser considerada como elemento central e
primordial nas respetivas composições. A análise de três casos de estudo portugueses - o Palácio de
Queluz, a Quinta Real de Caxias e o Mosteiro de Tibães – permite observar formas de utilização da
água, que são recorrentes nos três casos em análise. A escolha do local acertado para a implantação
dos jardins barrocos, que é algo fundamental em qualquer geografia, surge como elemento primordial
em países como Portugal, em que o recurso da água tem mais restrições e limitações. Nos três casos
de estudo percebe-se a autonomia que tinham em relação ao recurso água, evidenciando-se o estudo
prévio que houve destes locais e da disponibilidade da água, fatores que permitiram a sua construção
nestes locais específicos. Num país com longos períodos secos é determinante conhecer a riqueza
hídrica de um local e da sua envolvente previamente à construção de um edifício e respetivos jardins.
Assim, o estudo prévio iniciava-se pelo reconhecimento da região e da localização das suas nascentes
de forma a garantir fontes de água para abastecer a propriedade, procedendo-se posteriormente à
construção do sistema hidráulico, o que vai comandar a disposição e composição dos componentes
dos jardins. Para além da disponibilidade de água, a topografia era um outro elemento determinante
para o desenho do jardim e para a disposição dos seus elementos, pois os sistemas de irrigação e os
efeitos de água operavam devido à gravidade, fator que também vai limitar a extensão dos jardins,
64
restringindo-os a áreas mais pequenas. Este estudo prévio antes da construção foi fundamental para
que os jardins estudados tenham alcançado um estatuto importante. Veja-se, em contraste, o
exemplo do Real Convento de Mafra, em que se tentou adotar a monumentalidade do modelo
francês, mas sem que tivesse sido feita uma prévia análise do terreno e da disponibilidade de água,
pelo que rapidamente surgiram imposições que impediram a concretização dos planos iniciais. Um
destes parâmetros foi a falta de água que, mesmo tendo sido construído um aqueduto, não foi
suficiente para a construção de grandes fontes e lagos. Pode assim concluir-se que o barroco
português cria algo de singular e único, onde é possível observar a manifestação de uma cultura
hidráulica específica, que foi sendo adquirida ao longo dos vários séculos e por influência dos vários
povos que por aqui passaram, e uma forte combinação entre uma vertente mais prática com uma
vertente estética, na funcionalidade da água, conceção de que os três casos de estudo são exemplo.
Ao comparar os casos portugueses com o barroco francês observa-se que foram adotados
elementos e formas do barroco de Le Nôtre em Portugal, porém limitados a uma escala mais pequena
e a um ordenamento menos rígido e formal. Mesmo com características distintas e particulares,
percebe-se que o canal dos azulejos de Queluz, com a vertente recreativa e de festa, a cascata de
Caxias, ao enquadrar de forma monumental e cenograficamente o jardim, e o escadório de Tibães, ao
marcar o eixo barroco, apresentam características do barroco Lenôtriano. Porém, é ao estudar o
tecnicismo que suporta estes três casos de estudo que se entende que a forma de tratar a água não se
aproxima das inovações científicas e técnicas que caracterizaram o uso da água nos jardins de Le
Nôtre. Portugal, com uma tradição hidráulica marcada pelas culturas romanas e árabes, já bem
consolidadas em jardins do século anterior, vai continuar a tratar a água nos jardins barrocos de forma
idêntica, sendo a gravidade a fonte principal da condução da água e de criação de efeitos. Esta
diferença não desvirtua a complexidade e inteligência dos sistemas hidráulicos portugueses. Bem pelo
contrário, os sistemas hidráulicos presentes nestes três casos de estudo vão aproveitar da melhor
forma a diferença de cotas para poderem conduzir a água para todos os espaços e criar efeitos, não
sendo necessário recorrer a outros tipos de artifícios. Outra diferença entre Portugal e o barroco de Le
Nôtre é a utilização de água com vista sempre à funcionalidade e depois à estética, ao contrário da
França que tinha como principal intenção o seu uso estético e espetacular.
Estas diferentes formas de utilização dos recursos hídricos e, consequentemente, nas formas de
conceção dos jardins, devem-se às particularidades específicas de Portugal e da França. Portugal, com
uma maior sazonalidade do recurso água, uma morfologia mais acidentada e menores recursos
económicos do que a França, nunca poderia adotar totalmente as inovações Lenôtrianas. As
conceções e inovações de Le Nôtre constituíram mais um elemento que se juntou ao leque de
65
influências e características específicas dos jardins portugueses, não tendo assumido um papel
preponderante na utilização da água nos jardins barrocos portugueses.
Estas particularidades, atinentes à conceção e utilização dos recursos hídricos e da hidráulica,
conferem aos jardins barrocos portugueses um lugar singular, quer na comparação com os jardins
barrocos franceses quer mesmo no panorama dos jardins barrocos em geral.
66
LIVROS:
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Disponível em: < http://www.projetsdepaysage.fr/fr/les_artistes_de_l_eau>
70
Anexo 1 | Planta das Minas e Encanamentos da Água do Almoxarifado de Queluz, 1901.
(Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Cota atual: Casa Real, Plantas, Almoxarifado de Queluz, Pasta 11, n.º 309)
LEGENDA:
RECOLHA:
1. Rio Jamor
2. Ribeira das Forcadas
3. Ribeira de Carenque
4. Mina da Terra Grande
5. Mina do Tijolo e do Olheiro
6. Mina da Tascoa
TRANSPORTE:
8. Aqueduto da Ponte da Pedrinha
ARMAZENAMENTO:
10. Tanque do Curro
DESTINO/ORNAMENTO:
14. Lago de Neptuno
15. Lago das Medalhas
16. Grande Cascata
17. Chafariz das Quatro Bicas
18. Chafariz da Carranca
A. Hortas
C. Vacaria
E. Jardim de Malta
8 9
H. Comporta do Canal
120
6
7
5
Estruturas de escoamento superficial
12
C 12
0
2 1
10 11
14
4 15
17
140 21 F
19 100
G
18
20 D E
H
13 Adaptado: Planta das Minas e Encanamento da
(Anexo 1)
3
UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO SUPERIOR DE AGRONOMIA
100
A B 16
0 50 100m
2
2015
5
2 4 4
1
1 4
4
3 5
Anexo 4 | Planta, Alçado em Perspetiva e Corte da Casa da Música na Quinta Real Velha em Queluz,
1874. Levantado por C. Pires.
(Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Cota atual: Casa Real, Plantas, Almoxarifado de Queluz, Pasta 11, n.º 311)
Anexo 5 | Planta das Minas e Encanamentos da Água do Almoxarifado de Caxias, 1901.
(Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Cota atual: Casa Real, Plantas, Almoxarifado de Caxias, Pasta 6, n.º 184)
LEGENDA:
RECOLHA:
1. Ribeira de Barcarena
TRANSPORTE:
2. Aqueduto de Queijas
ARMAZENAMENTO:
4. Tanque da Cartuxa
5. Tanque da Vinha
6. Tanque da Cascata
DESTINO/ORNAMENTO:
8. Cascata Monumental
20
11 20
1
7
10
9 9
4
9 8 9
6 12 3
20
5 2
40
UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO SUPERIOR DE AGRONOMIA
0 50 100m
Real de Caxias
6
2015
1
4 4
5 3 5
2
5 4 4 5
Anexo 8 | Projeto de Reconstrução do Mirante do Alto da Vela de Caxias.
(Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Cota atual: Casa Real, Plantas, Almoxarifado de Caxias, Pasta 6, n.º 184)
LEGENDA:
RECOLHA:
1. Mina da Cabrita
ARMAZENAMENTO:
75
10
0
12. Grande Lago
13. Tanque do Engenho de Serra
DESTINO:
0
10
100
27 28 100
25
23 25. Fonte da Portaria
21 24 7
26. Engenho de Serra
27. Engenho do Azeite
20
A 22
B
19 C A. Secretas
B. Botica e Barbeiro
C. Cozinha
11
6 17 Estruturas de escoamento superficial
12
13
5
5 16 26
18
125
125 125
12
15 9
5
12
10
14 15
0
150 4
150
3
150
8
150
1
2
150
Fonte: Adaptado de Infotop, 1999.
175
UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO SUPERIOR DE AGRONOMIA
200
0 50 100m
9
2015
2 4 5 6 7 8 9 10 11
1 3