Anpuh - Xxiii Simpósio Nacional de História - Londrina, 2005
Anpuh - Xxiii Simpósio Nacional de História - Londrina, 2005
Anpuh - Xxiii Simpósio Nacional de História - Londrina, 2005
Fábio Ferreira
onde é, inclusive, ferido gravemente 2 e, ainda, das campanhas contra Napoleão Bonaparte,
Findo os conflitos na Europa, Lecor, nesta altura já general, chega ao Rio de Janeiro em
ocupação da Banda Oriental, que, neste momento, está sob o controle de Artigas.
Após dois meses e meio no Rio, em 12 de junho Lecor e as suas tropas partem para o
deste núcleo urbano é negociado com o seu Cabildo. Figuras como o Padre António
Dámaso Larrañaga, Jerónimo Pío Bianqui, Francisco Llambí e Juan José Durán 5 fazem
parte do grupamento oriental que articula a entrada de Lecor em Montevidéu, apóia a sua
Sobre o Congresso, ele é ordenado por D. João VI em 16 de abril de 1821, dez dias
antes do monarca retornar para Portugal, estando inserido no contexto liberal vivido no
Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. O Congresso é estipulado para que os orientais
decidam o futuro do território ocupado. Como alternativas, pode-se votar pela anexação a
algum outro governo, como, por exemplo, Buenos Aires ou Entre Rios; pela independência,
constituindo, deste modo, um novo país; ou, ainda, pela incorporação à monarquia lusa.
Lecor não teria aceito as alternativas que significariam o abandono da Banda Oriental e,
assim, articula com orientais a votação pela incorporação à monarquia portuguesa. 6 Dentre
Observa-se que Durán, nesta altura Governador Intendente Interino da Província, é quem
1
ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
organiza o congresso: em 15 de junho de 1821, Lecor dirige-lhe oficio informando que para
Lecor e Durán fazem com que o Congresso seja composto por aliados seus e, deste
população dos pueblos, estabelece-se o número fixo de 18 deputados, sendo que eleitos
seriam somente cinco, não pelo voto popular, e sim pelos respectivos Cabildos. 7
O Congresso inicia a sua atividade no dia 15 de julho, contando, entretanto, com doze
de abertura
Juan José Durán, Diputado por parte de esta Capital [Montevidéu], Presidente
en esta Junta, como Gefe político de la Província: el Sor. Cura y Vicario D.or
D. Dámaso Antonio Larrañaga, y el Sor. D. Tomás Garcia de Zúñiga también
Diputados por esta Ciudad, así como su Síndico procurador general D.
Gerónimo Pío Bianqui – el Sor. D. Fructuoso Rivera, y el Sor D.or D.
Francisco Llambí, Diputado por el vecindario de extramuros – el Sor D. Luis
Pérez, Diputado por el Departamento de S. José – el Sor D. José Alagón,
Diputado por el de la Colonia del Sacramento – el Sor D. Romualdo Gimeno,
diputado p.r el de Maldonado el Sor D. Loreto de Gomenzoro, Diputado por
Mercedes como su Alcalde territorial: el Sor D. Vizente Gallegos, que lo es de
Soriano y D. Manuel Lagos, del Cerro-Largo [...] 8
Colônia do Sacramento. No dia 18, Alejandro Chucarro, deputado pela vila de Guadalupe,
Salvador García, síndico suplente da mesma, Manuel Antonio Silva, síndico de Maldonado e
Mesmo com o atraso desses congressistas, elege-se a mesa diretiva no primeiro dia do
atas do Congresso. Outras questões podem ser analisadas através das atas, pois são
2
ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
possibilidade do retorno dos conflitos bélicos ao território oriental, pois este foi assolado,
desde 1811, por vários confrontos. Montevidéu, por exemplo, entre 1811 e 1817 foi
controlada pelos espanhóis, pelos portenhos, pelos artiguistas e, por fim, pelos portugueses.
Esta mensagem de Lecor destaca-se pelo fato de que, a partir dela, desencadeia-se
toda uma discussão onde o temor e a afirmação da possibilidade do retorno aos conflitos
bélicos estão presentes, vindo, inclusive, a ser argumentação dos deputados a favor de
3
ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
autoridades locais que anelam a união com a monarquia portuguesa, vinculando este desejo
“[...] agitar o espectro da guerra com Buenos Aires, ou da nova invasão de Artigas [...]” 13 .
instabilidade em função dos conflitos bélicos que afligiram anteriormente esta sociedade.
O significado da mensagem de Lecor pode ser mais que uma ameaça aos
congressistas, que, segundo grande parte da historiografia, estão alinhados com o general.
A atitude de Lecor pode ser entendida como um meio de legitimar o já acordado resultado
pela opção que impediria uma invasão ou uma revolução. Em decorrência, cria-se a idéia de
que os congressistas escolhem a opção que não teria conseqüências dolorosas, mantendo
o território oriental “sob o império das leis” e guardando, deste modo, “a ordem interna e a
oriental temeroso ao retorno dos conflitos, pode ser um meio de ratificar a argumentação
dos congressistas que viriam a votar pela incorporação, conforme será mostrado.
[...] se propuso por el Sor Presidente, como el punto principal p.a que había
sido reunido este Congreso – si segun el presente estado de las
circunstancias del Pais, convendría la incorporacion de esta Provincia á la
Monarquía Portuguesa, y sobre que bases o condiciones; ó si por el contrario
le sería más ventajoso constituirse independiente ó unirse á cualquiera otro
Gobierno, evacuando el territorio las tropas de S.M.F. 14
expondo os seus argumentos sempre fazendo menção à guerra. Bianqui afirma que tornar a
4
ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
população nem recursos para que seja governado pacificamente. Os orientais não teriam
como impedir a guerra civil, nem ataques externos, nem conquistar o respeito das outras
nações, além de que haveria a emigração dos capitalistas, voltando, assim, a ser o “teatro
aos conflitos, pois se este medo não fosse presente, não haveria razão de Bianqui
independente do congressista acreditar nela ou não, está a ser trabalhada por ele no
Congresso Cisplatino.
segundo o deputado os Pueblos já votaram contra ela e, também, por ser incapaz de
manter a província em paz. Deste modo, para o congressista, não há outra opção que
não seja a incorporação à monarquia portuguesa sob uma constituição liberal. Com a
“arruaceiros” teriam que dedicar-se ao trabalho ou então sofrer o rigor das leis.
Em seguida, Llambí discursa, abordando a possibilidade de que com a saída das tropas
de Lecor o território oriental provavelmente sofreria novas invasões ou cairia em uma guerra
civil. Corroborando com Bianqui, o secretário retoma os conflitos que a Banda Oriental
sofreu nos anos anteriores, afirmando, inclusive, que mais da metade da população foi
dizimada, bem como as suas riquezas, e que perderam o pouco armamento que tinham.
Deste modo, Llambí aponta a devastação em que a província encontra-se e utiliza este
5
ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
independiente pues entre nosotros, sería tan insubsistente, como lo es, el del que no puede
congressista levanta a possibilidade da Espanha, Buenos Aires, Entre Rios e o Reino Unido
província entre partidários a favor e contra a Espanha. As guerras em que Buenos Aires e
Entre Rios estão envolvidas impossibilitam, segundo Llambí, a união da Banda Oriental a
estes estados. Assim, o congressista expõe que “A cualquier parte que vuelvo la vista me
veo amenazado de los efectos de esta [a guerra]; y si à todos se les presenta con el
horroroso aspecto que á mí, ningún mal deberémos temer tanto como él.” 17
Llambi ainda afirma que, de fato, a Banda Oriental está em poder das tropas
portuguesas, o que não se pode evitar, e que qualquer resolução dos orientais, por melhor
que seja, pode ser destruída por alguém que possa agrupar um pequeno número de
combatentes. O aventurar-se nestas contingências seria uma imprudência que eles teriam
que responder para sempre aos pueblos. Percebe-se no discurso de Llambí uma certa dose
em torno da opção acordada com Lecor, pode-se entendê-lo como meio de identificar uma
sociedade com imaginário temeroso no que tange o retorno das guerras ao seu território.
altamente persuasivo para uma população que sofreu por anos em virtude de questões
bélicas. Além disso, por mais que a participação popular tenha sido vetada no Congresso,
provavelmente o que é discutido ali tem a sua repercussão junto à população oriental,
6
ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
território oriental à monarquia lusa, bem como a presença de Lecor e suas tropas na região.
conflitos. O sacerdote diz que encontravam-se, desde 1814, abandonados pela Espanha.
Buenos Aires e as demais províncias fizeram o mesmo, deixando a Banda Oriental sozinha
em uma guerra muito superior as suas forças e, por esta razão, Larrañaga anula qualquer
ligação do território oriental com as províncias limítrofes e com a Espanha. Assim, a questão
dos conflitos bélicos vem a estar presente na argumentação de mais um dos congressistas.
Outro ponto a se observar é que o padre afirma que após dez anos de revolução, a
província está distante do ponto de partida e que o dever dos congressistas é, neste
verdadeiros patriotas.
território oriental como um estado separado, conservando-se, por exemplo, as suas leis e
autoridades.
Entónces por una aclamacion general los S.S. Diputados dijeron: Este es el
único medio de salvar la Provincia; y en el presente estado à ninguno pueden
ocultàrse las ventajas que se seguiran de la Incorporac.n bajo condiciones
que aseguren la libertad civil [...] En este estado, declaràndose
suficientemente discutido el punto, acordaron la necesidad de incorporar esta
Provincia, al Reyno Unido de Portugal, Brasil y Algarbes, Constitucional, y
bajo la precisa circuntancia de que sean admitidas las condiciones que se
propondrán y acordarán por el mismo Congreso en sus ulteriores sesiones,
como bases principales y esenciales de este acto [...] 18
7
ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
sendo o temor ao retorno dos conflitos bélicos o grande argumento para a opção pela
incorporação.
No dia 23, denomina-se a província recém anexada aos domínios lusos de Estado
Nacional. No dia 31, Lecor aceita a incorporação em nome de D. João VI. No quinto dia de
Cisplatino, conforme estabelecido por Durán, nas instruções de junho. As últimas ordens do
Congresso são no sentido de enviar cópia das atas a Lecor, para assim informar ao rei D.
1
DUARTE. Paulo de Q. Lecor e a Cisplatina 1816-1828. 3v. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1985.
2
Pasta: Antonio Pedro Lecor, I – 19 – 70, AHEx.
3
SOUZA, J.A. Soares de. O Brasil e o Prata até 1828. In: BARRETO, Célia de Barros. O Brasil monárquico: o
processo de emancipação. HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira, t.II, v.3. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p.359.
4
Sobre a composição das tropas, doze mil homens compõem seus quadros, sendo quatro mil portugueses e oito
mil oriundos do Brasil. (DONGHI, Tulio Halperin. Historia Argentina de la Revolución de Independencia a la
confederación rosista, volume III. Buenos Aires: Editorial Piados, 2000.)
5
Quando ocorre a ocupação, Durán não encontra-se em Montevidéu. No entanto, é membro do Cabildo que
entrega as chaves da cidade a Lecor. “Três atas do cabildo de Montevidéu sobre a entrada ali de tropas
portuguesas e posse dada ao general Lecor do governo da Praça e capitania”. Localização: 07,4,062. Seção:
Manuscrito. Biblioteca Nacional.
6
GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e
a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002.
7
CASTELLANOS, Alfredo. La Cisplatina, la independência y la república caudillesca. Historia Uruguaya,, tomo 3.
1998. Buenos Aires: Ediciones de La Banda Oriental, 1998, p.18.
8
ACTAS DEL CONGRESSO CISPLATINO. Montevidéu, 1821. Archivo General de la Nación.
9
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, 2002.
10
RIBEIRO, Ana. Montevideo, la malbienquerida. Montevidéu: Ediciones de la Plaza, 2000, p.43.
11
RIBEIRO, op. cit., p.44.
12
ACTAS, Op. cit., p.4v.
13
CALÓGERAS, J. Pandiá. A política exterior do Império. Edição fac-similar. Brasília: Senado Federal, 1998,
p.453.
14
ACTAS, op. cit., f. 8v e 9.
15
Op. cit., f.9
16
Op. cit., f.10 v e 11.
17
Op. cit., f.10 v e 11.
18
Op. cit., f.12v.
19
Op. cit., f.39 e 39v.