475-Texto Do Artigo-1657-1-10-20190713

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Revista Metalinguagens, n. 1, p.

79-89, Valdeci Luiz Fontoura dos Santos

O USO DA ENTREVISTA NÃO-DIRETIVA NA PESQUISA EM


FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ALGUNS PONTOS PARA A
REFLEXÃO DE PESQUISADORES E PESQUISADORAS

Valdeci Luiz Fontoura dos SANTOS1


Mestre em Educação/UNESP (FCT/Presidente Prudente/SP)
Docente UFMS/Campus de Três Lagoas

RESUMO: O presente artigo tematiza a questão da não-diretividade em procedimento de enquete


(entrevista) em pesquisas na área de formação de professores. Contextualiza-se a questão na pesquisa em
educação, desenvolvendo-a primeiro sobre sua suposta não-diretividade e depois tematiza-se o
planejamento da mesma orientando-se sua aplicação. Por fim, defende-se sua adoção como estratégia para
constituição do corpo de dados na já referida área de pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa na área de formação de professores. Técnica de pesquisa. Enquete.


Entrevista não-diretiva.

O fenômeno educacional foi estudado por muito tempo


como se pudesse ser isolado, como se faz com um
fenômeno físico, para uma análise acurada, se
possível feita em laboratório, onde as variáveis que o
compõem pudessem também ser isoladas, a fim de
constatar a influência que cada uma delas exerceria
sobre o fenômeno em questão. (LÜDKE, 1986, p. 3)

As reflexões sobre como fazer uma pesquisa na área de formação de professores tem
ganhado espaço na academia brasileira, notadamente nos programas de pós-graduação em
educação. A partir das décadas finais do século passado, este debate meta-científico volta-se, ora
para os pressupostos e ora para as formas de execução das pesquisas, e, evidentemente, são o alvo
das discussões em um, ainda, declarado antagonismo entre os paradigmas quantitativo e
qualitativo.
Como resultados parciais deste confronto, há aqueles que acreditam na possível síntese
dos paradigmas mencionados e, também, os que justificam a impossibilidade de síntese, mesmo
que superadora. É bem verdade que o mote de tal antagonismo remonta a busca para um método
próprio para as Ciências Humanas em oposição ao modelo das Ciências Naturais, bem como a

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Endereço eletrônico: [email protected]
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partir da constatação da impossibilidade de existir um método único para as várias áreas das
pesquisas feitas pelo homem.
Destacamos, sem esgotar esta questão, dentro das pesquisas qualitativas, a forte
necessidade de dar aos sujeitos de pesquisa “a palavra”, valorizando assim a linguagem enquanto
meio para melhor desvelar os fenômenos nas ciências humanas e sociais, o que se confirma na
fala de Martins (2001, p. 51), quando afirma que

... só haverá Ciência Humana se nos dirigirmos a maneira como os


indivíduos ou os grupos representam palavras para si mesmos utilizando
suas formas de significados, compõem discursos reais, revelam e ocultam
neles o que estão pensando ou dizendo, talvez desconhecido para eles
mesmos, mais ou menos o que desejam mas, de qualquer forma, deixam
um conjunto de traços verbais daqueles pensamentos que devem ser
decifrados e restituídos, tanto quanto possível, na sua vivacidade
representativa. (MARTINS, 2001, p. 51)

Tanto os pressupostos e a epistemologia quanto às formas e ferramentas são discussões


meta-científicas importantes e precisam ser feitas por aqueles que pesquisam com a intenção de
melhor caminhar durante o desenvolvimento de uma pesquisa. Neste cenário, é objetivo deste
artigo recortar uma das formas de coleta de dados que goza de certo prestígio dentre aqueles que
pesquisam em educação: a entrevista não-diretiva.
Desfocando o antagonismo entre quantidade e qualidade, procuramos contribuir, em um
esforço meta-metodológico, buscando a origem da entrevista não-diretiva, passando logo a seguir
a tematizar o seu planejamento e execução em um processo de pesquisa.
Salientamos que não será abordada a pseudo-rivalidade entre entrevistas não-diretivas,
diretivas e ainda outras técnicas de enquete como formulários e questionários, posto que temos
como pressuposto que todas as formas de enquete2 têm sua necessidade e colaboram enquanto
ferramentas para que o pesquisador compreenda o fenômeno que estuda.

A origem da entrevista não-diretiva, alguns pontos para o debate...

O primeiro ponto é conceitual e nos remete a pensar sobre o conceito que muitos
pesquisadores construíram sobre entrevista não-diretiva: o que é uma entrevista não-diretiva? É

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bem possível que, em nossas trajetórias enquanto pesquisadores, muito do que aprendemos se dá
por imitação, entretanto deveria se dar por elaboração conceitual; tendo isto como verdade, em
muitos processos de pesquisa, ‘são empunhados gravadores’ sob o rótulo de entrevista não-
diretiva. Será que toda entrevista gravada é uma entrevista não-diretiva? Em que pesem estas
indagações e também uma certa crítica, faz-se necessário buscar a origem deste tipo de
ferramenta para coletar dados.
A entrevista não-diretiva configura-se, em um primeiro momento, em oposição ao uso dos
questionários na confluência de áreas como a psiquiatria e psicologia, tendo como pressuposto a
intenção de não intervir no processo de autoconhecimento dos sujeitos analisados. Ela é elemento
integrante do chamado método não-diretivo aperfeiçoado pelo psiquiatra americano Carl Rogers
durante o fim da primeira metade do século XX.
Utilizando o método não-diretivo, Rogers

preconizava seu uso principalmente nas situações de tipo terapêutico.


Teoricamente, o objetivo é o de minimizar – ou mesmo suprimir totalmente –
qualquer intervenção do psicólogo ou do psiquiatra capaz de “influenciar” o
sujeito, para que este possa aprofundar, explicitar e esclarecer, ele próprio, suas
atitudes a respeito dos problemas que se colocam para ele. (KANDEL, 1987 p.
172)

Cabe salientar que, ao contrário do que uma leitura superficial possa inferir, Rogers não
objetivava manter-se distante dos sujeitos (pacientes), contudo, procurava aproximar-se aceitando
incondicionalmente os sentimentos e opiniões e demonstrando profundo interesse sobre os
mesmos. O método não-diretivo deixa como princípio, analogamente, o papel do terapeuta
enquanto catalisador, ou até mesmo enquanto espelho que, para aproximar-se de seu cliente,
escuta-o sem demonstrar suas percepções particulares.
Torna-se interessante explicitar que Rogers afirmava existir em cada ser humano uma
tendência à autorregulação e ao autoconhecimento, cabendo à psicoterapia auxiliar no exercício
destas tendências.
O meio para realizar tal atividade dentro do método não-diretivo foi denominado de
entrevista não-diretiva, e tal modelo foi importado para a pesquisa em ciências humanas,

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Não existe uma única maneira de se aplicar uma enquete que nada mais é do que uma ferramenta de investigação
para o pesquisador, as mais tradicionais são os questionários e as entrevistas, definindo-se e distinguindo-se, na
primeira, as modalidades com perguntas abertas e fechadas e, na segunda, as modalidades diretiva e não-diretiva.
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mantendo-se os princípios postulados por Rogers e buscando oportunizar aos sujeitos


entrevistados a maior liberdade possível para darem os seus testemunhos, sendo permitido ao
entrevistador, no máximo, auxiliá-lo a melhor formular suas opiniões com intervenções que
indaguem e não que coloquem em discussão o que está sendo relatado pelo sujeito entrevistado.
Deixando a forma de execução de uma entrevista não-diretiva para um pouco mais adiante
neste artigo, tem-se aqui um outro ponto para reflexão: como importar para a prática da pesquisa
uma prática terapêutica? Os objetivos de um terapeuta seriam os mesmos de um pesquisador?
Com toda certeza, a entrevista não-diretiva ao migrar para a prática da pesquisa de opinião
na área da sociologia – durante o início da segunda metade do século passado – sofreu
adaptações, todavia sua justificativa era a possibilidade de evitar distorções por parte dos
pesquisadores e garantir também que fosse ultrapassada a suposta superficialidade a que fosse
conduzido um pesquisador que fizesse uso dos questionários para coletar os seus dados. É fácil
perceber que a introdução das entrevistas não-diretivas em processos de pesquisa se dá por
antagonização ao modelo de coleta na época vigente e mais usual.
Cabe aqui um outro ponto: quanto não-diretiva são as entrevistas não-diretivas? Existiria
não-diretividade absoluta em um processo de pesquisa?
O pesquisador, munido de seus objetivos, procura através do entrevistado compreender
melhor o seu fenômeno o que, em tese, descarta a ideia de não-diretividade absoluta3. Ao
convidar os sujeitos para uma entrevista não-diretiva, já não se estaria dirigindo o processo de
coleta de dados, isto é, o simples convite já dirige o olhar e o pensamento do sujeito para a
questão fontal4 do pesquisador. Em sendo assim, a não diretividade absoluta não existe. Ora, uma
ferramenta adjetivada de não-diretiva que pressupõe a diretividade do pesquisador. Há com
certeza aqui, no mínimo, uma contradição.
Ainda sobre este ponto, caberia anexar outro: Existe mesmo não diretividade no
planejamento e execução das entrevistas não-diretivas?
Detendo-nos aos limites da origem da entrevista não-diretiva, dentro da própria área da
psicoterapia, questionou-se a não-diretividade, afirmando-se que, por meio da interação verbal, o

3
Esta categorização é de minha responsabilidade, entretanto devo reconhecer que o acesso aos textos que discutem a
não-diretividade tanto no método não-diretivo como no uso das entrevistas não-diretivas foi restrito para a
sistematização desta reflexão; no entanto e sendo fiel aos princípios de Rogers, chamo de não-diretividade absoluta a
ação que pressupõe a ausência de intervenção durante o planejamento e execução de uma entrevista não-diretiva.
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psicoterapeuta exerce ações de diretividade durante suas entrevistas. Ainda outros aspectos como
raça e religião foram levantados como elementos diretivos na intenção de comprovar que não
existia não-diretividade na prática psicoterapêutica de Rogers, que dizer então do uso desta
ferramenta nas pesquisas em ciências humanas e sociais?
No entanto, a crítica à não-diretividade calcou-se tão somente no fato de existir interação
verbal e não-verbal entre o pesquisador e o sujeito pesquisado, argumentação marcadamente
positivista, por acreditar-se que não é possível que o pesquisador interaja com seus sujeitos para
que não se implique em perda de cientificidade.
Caberia aqui um último ponto: não-diretividade é conceituada igualmente por aqueles que
admitem ou não a interação entre pesquisador e pesquisados?
Concluindo uma breve trajetória da origem da entrevista não-diretiva e de seu uso nas
pesquisas em educação, cabe ressaltar que, na pesquisa em sociologia, de cunho marxista,
organiza-se e difunde-se principalmente nos anos 1980 de 1990 do século XX a pesquisa-ação5,
que tem como forte difusor no Brasil Michel Thiollent6 por ter sido ele professor de Metodologia
no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (UNICAMP).
A pesquisa em educação nos anos 90 de durante os primeiros anos deste novo século tem
buscado na matriz metodológica da pesquisa-ação alternativas para melhor desvelar os
fenômenos atrelados aos diversos objetos de estudo em pauta, difundindo o uso das entrevistas
não-diretivas enquanto ferramenta para a coleta de dados, sob a ótica da pesquisa-ação ou até
mesmo de outros modelos como a etnografia e também o estudo de caso.
Os pontos colocados até aqui devem servir para a reflexão daqueles que venham a optar
pelo uso das entrevistas não-diretivas em seus processos de pesquisa e serão novamente
abordados, neste artigo, durante a tematização de seu planejamento e execução.

Planejamento e execução de uma entrevista não-diretiva, para além do mito não-


intervencionista...

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A questão fontal é o ponto de partida da execução de uma entrevista não-diretiva, precisamente é o tema sobre o
qual se quer coletar os dados tendo maior importância na condução da entrevista em relação a possíveis outros
assuntos que venham a surgir, definidos como questões periféricas. (Cf. CHIZZOTTI,1995).
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A pesquisa-ação é definida por Thiollent como uma linha de pesquisa comprometida com a resolução de um
problema real.
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Partindo do pressuposto de que a grande intenção de uma entrevista não-diretiva é


permitir aos sujeitos de pesquisa que expressem suas opiniões da forma mais livre possível, faz-
se necessário admitir que o não-intervencionismo é um mito. Por que mito? Simplesmente pela
constatação de que, ao definir a sua questão fontal, o pesquisador está dirigindo o processo de
pesquisa, sendo assim, trabalho com a inexistência de não-diretividade absoluta e sim não-
diretividade parcial enquanto elemento facilitador do contato entre o pesquisador e o seu objeto
de estudo.
Sobre a entrevista não-diretiva, Chizzotti afirma que

o informante é competente para exprimir-se com clareza sobre questões de sua


experiência e comunicar representações e análises suas, prestar informações
fidedignas, manifestar em seus atos o significado que têm no contexto em que
eles se realizam, revelando tanto a singularidade quanto a historicidade dos atos,
concepções e ideias. (CHIZZOTTI, 1995, pp. 92-93)

Não discordando do fato explicitado acima, porém, chamando a atenção para a dimensão
de não-diretividade parcial, pergunta-se: como planejar uma entrevista não-diretiva? Por onde
iniciar? Destacamos que Chizzoti, em sua reflexão meta-metodológica, não explicita tais
questões, exercitamos, então, a partir disto, a reflexão sobre como planejar e executar uma
entrevista não-diretiva.
Antes de tudo, é preciso definir qual é a questão fontal da entrevista, o que se quer saber e
isto difere enormemente do planejamento de um questionário. Observe-se que muitos
pesquisadores elaboram perguntas e simplesmente gravam as respostas dos seus sujeitos
denominando isto de entrevista não-diretiva, ora, tal prática somente difere de um questionário
tradicional pela presença do gravador e, depois, pelo exercício da transcrição dos dados
coletados.
Definir a questão fontal consiste em um belo desafio para o pesquisador, pensemos em
uma situação hipotética, em um pesquisador que tenha delimitado como problema de pesquisa a
relação entre professor e estudante a partir do cenário teórico da indisciplina em sala de aula, qual
seria sua questão fontal para uma entrevista não-diretiva junto aos professores-sujeitos? Definir
tal questão implica saber claramente quais objetivos se pretende atingir, admitindo nesta situação
que o objetivo principal seja o de categorizar as concepções sobre disciplina e indisciplina dos
sujeitos, a questão fontal poderia ser assim estabelecida: o que os professores entendem sobre

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disciplina e indisciplina. Entretanto, se o objetivo é descrever tais manifestações no lócus eleito


para a pesquisa, a questão fontal seria outra, como por exemplo: quais manifestações de
indisciplina você percebe em sua sala de aula?
Observe-se que a questão fontal, mesmo elaborada como uma interrogação, não é uma
simples pergunta, mas sim, o mote para a realização da entrevista, em linhas gerais, a não-
diretividade parcial neste tipo de entrevista se dá à medida que o pesquisador, intencionalmente,
não obtém o controle sobre o andamento da entrevista.
Qual seria então a diferença entre uma entrevista não-diretiva e uma conversa informal e
descontraída? Perceba-se que uma conversa informal não é planejada enquanto que esta forma de
entrevista sim. Junto à definição da questão fontal, o pesquisador necessita esboçar estratégia
para voltar a sua questão quando aparecerem questões periféricas durante a execução da
entrevista não-diretiva.
Retomando nosso primeiro exemplo, poderíamos ver surgir durante a entrevista questões
relacionadas às condições de trabalho do professor, que por mais interessantes que sejam, não
estão diretamente relacionadas aos objetivos eleitos pelo pesquisador. Como agir então para
retornar à questão fontal terminando assim por coletar os dados relacionados ao seu objeto de
estudo e não a outro? Tal pergunta pode ter mais de uma resposta porque é necessário
temporalizar o uso desta ferramenta no processo de execução de uma pesquisa, se estamos
falando do início da execução de uma pesquisa-ação, não é necessário o esforço para retornar à
questão fontal, até mesmo porque o objeto de estudo em uma pesquisa-ação pode ser mudado,
todavia, se estamos coletando dados em uma fase decisiva para continuidade de uma pesquisa
que objetive auxiliar na resolução de um problema coletivo, justifica-se a necessidade de retornar
a questão fontal da entrevista por meio de intervenções. Para tanto, é necessário durante o
planejamento de uma entrevista não-diretiva definir ‘pontos de apoio’ para executá-la, perceba-se
que os que chamamos de pontos de apoio não podem ser entendidas como simples perguntas, este
reducionismo pode nos conduzir a gravar a aplicação de um questionário, o que efetivamente não
é a nossa intenção.
Voltamos a exemplificar para não deixar dúvidas sobre o que aqui se encontra em
questão. Caso se tenha definido que a questão fontal de uma entrevista seja a categorização de
crenças/representações de professores sobre as manifestações de indisciplina na sala de aula, uma
possível questão periférica que surgiria durante a entrevista seriam os conceitos sobre os papéis

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de professor e estudante no processo de ensino e aprendizagem. Partindo desta hipótese, seria


prudente para o pesquisador elaborar formas para retornar à questão fontal, como por exemplo:
Independente disto (dos papéis do professor e do estudante), que outras manifestações de
indisciplina você tem percebido em sua sala de aula?
Atente-se para o fato de que uma interação verbal se dá também através da troca de
opiniões, o que se pretende evitar em uma entrevista não-diretiva é que a troca se processe do
entrevistador para o entrevistado como que reproduzindo a relação entre aquele que sabe e aquele
que não sabe, deve ser o inverso, o pesquisador é que não sabe, por isto ele coleta os dados.
Retomando, quantas mais forem previstas as possíveis questões periféricas e forem elaboradas as
estratégias de retorno à questão fontal, melhor terá sido a execução da entrevista não-diretiva.
Nesse ponto, diferentemente do planejamento de um questionário, planejar uma entrevista
não-diretiva requer que o pesquisador já esteja inserido na matriz conceitual do objeto de estudo
que foi eleito, pois assim ele fará com maior competência a previsão das possíveis questões
periféricas que poderão surgir durante a execução da coleta.
Esquematicamente, planejar uma entrevista não-diretiva implica construir uma mapa
conceitual ao redor de uma questão fontal eleita; em outras palavras, o pesquisador precisa estar
atento para a forma como vai intervir sem prejudicar o relato do entrevistado, porém sem deixar
que o entrevistado se distancie da questão tematizada.
Sendo assim, para além da “escuta ativa” apontada por Chizzotti, o pesquisador precisa
estar preparado para conduzir a entrevista voltando para sua questão fontal. Parece-nos ser este o
ponto dificultador na execução das entrevistas não-diretivas por ser necessário superar o mito da
não-diretividade absoluta, sem o qual uma entrevista não passaria de um diálogo descontraído e
informal.
Chizzotti chama a atenção para a necessidade de o pesquisador estar preparado para
orientar o discurso para sua questão fontal, contudo, não aponta direções para se fazer isto.
Acreditamos que a projeção das possíveis questões periféricas que venham a surgir em torno de
uma questão fontal eleita previamente pode auxiliar o pesquisador durante a execução de suas
entrevistas, garantindo assim que ele atinja os seus objetivos: coletar dados relativos ao seu
objeto de estudo.
O planejamento de uma entrevista não-diretiva, em síntese, deve garantir ao pesquisador
como um roteiro não-linear – posto que não está se usando questões prontas e acabadas para

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serem perguntadas ao entrevistado – que consiga garantir a coleta dos dados que são necessários
para a compreensão do fenômeno evitando assim que, em uma fase decisiva da pesquisa,
coletem-se dados difusos em relação ao objeto de estudo eleito.
Coletados os dados, surge uma outra questão: que tratamento dar a eles? Como analisá-
los? São questões pertinentes e de elevada importância para o pesquisador que elegeu a entrevista
não-diretiva como sua ferramenta para a coleta de dados. A prática da transcrição não se resume a
“rew/pause/play”, visto que não é um ato mecânico, mas sim, uma interpretação do material
registrado nas fitas; a transcrição é a composição de um texto onde devem ser registrados os
silêncios, as exitações que muito podem dizer sobre as representações do sujeito entrevistado.
Deve-se, então, proceder da forma mais rica possível ao registro fidedigno das informações
contidas nas entrevistas, percebendo-se que esta fase ainda não é a análise dos dados coletados, e
sim, a preparação para que a análise venha a acontecer respeitando-se a opinião, posições e
representações dos sujeitos entrevistados.
Reiteramos que a entrevista não-diretiva não se resume à interação verbal entre
pesquisador e sujeito pesquisado, mas também à interação não-verbal é muito importante, sendo
assim, é indispensável para a execução de uma entrevista não-diretiva ‘caneta e bloco’ para
registrar as impressões coletadas pelo entrevistador que não serão registradas nas fitas, dados
estes que poderão enriquecer a tarefa de transcrição e registro das fitas.
Sobre a análise dos dados, reservamo-nos ao direito de deixar tal tema para uma outra
reflexão à medida que tal questão não fazia parte dos objetivos deste artigo, mas adiantamos que
a análise categorial nos parece a melhor opção para tal tarefa.

Em favor do uso da entrevista não-diretiva nas pesquisas na área de formação de


professores: uma possível conclusão...

A informação conseguida pela entrevista não-diretiva


é considerada como correspondendo (sic) a níveis
mais profundos, isto porque parece existir uma
relação entre o grau de liberdade deixado ao
entrevistado e o nível de profundidade das
informações que ele pode fornecer. (Guy Michelat)

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A afirmação de Michelat6 nos serve de auxílio no momento em que, mesmo considerando


a não-diretividade absoluta como um mito, mas admitindo a existência de uma não-diretividade
parcial, defendemos o uso das entrevistas não-diretivas como estratégia valiosa para a coleta de
dados na pesquisa em educação.
Justificamos esta defesa na perspectiva em que o lócus escolar constitui-se em um círculo
de cultura que, mesmo influenciado por uma mídia e também pelo senso comum, não pode ser
visto como mera reprodução do social. Há uma especificidade nas relações que, na escola,
processam-se e também como o conhecimento transita em seu tempo e seu espaço.
As representações dos professores, coordenadores, diretores e supervisores de ensino
sobre suas condições de trabalho, sobre seus desafios profissionais e, sobretudo, acerca do
cotidiano da escola podem ser mais bem coletados por meio das entrevistas não-diretivas do que
por questionários, não queremos dizer, com isto, que os questionários não têm utilidade, muito
pelo contrário, podemos até utilizá-los para melhor conhecer o cenário em que é realizada a
pesquisa ou até mesmo para eleger os sujeitos a quem se quer entrevistar; entretanto, não há
como deixar de perceber que, através das entrevistas não-diretivas, o pesquisador tem acesso a
muitas outras variáveis do seu fenômeno, seja pela vantagem do contato imediato com as
questões por ele eleitas ou até mesmo pela aproximação – tão repelida no paradigma quantitativo
– entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados.
A defesa do uso desta ferramenta implica reconhecer que a coleta de dados “não é um
processo acumulativo e linear” (CHIZZOTTI, 2001, p. 89), mas sim, um conjunto de
significações, práticas e representações sobre aquilo que se faz, pensa e oculta-se no espaço
escolar que pode ser representado por uma teia em que os fenômenos se inter-relacionam e
influenciam-se. Diante disso, parece-nos, mais uma vez, ser a entrevista não-diretiva uma boa
opção para coleta de dados, já que valoriza o que é sentido e percebido por um sujeito que se
encontra inserido em um contexto que foi recortado e eleito por um pesquisador enquanto objeto.
Percebe-se que a valorização da singularidade das opiniões e sentimentos de um sujeito é
reveladora de aspectos relevantes do fenômeno pesquisado que, para além da valorização do que
é subjetivo, pode inferir ao pesquisador o que é mais representativo sobre a questão fontal
abordada na entrevista.

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Guy Michelat discutiu o uso da entrevista não-diretiva em sociologia defendendo sua utilização para a
reconstituição de modelos culturais da nossa sociedade.
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A partir de mais de uma singularidade, de mais de uma opinião sobre determinada


questão, as entrevistas constituem uma rede que pode oportunizar uma reflexão multi-
dimensional sobre um determinado fenômeno, o que pode garantir, em uma pesquisa qualitativa,
uma abordagem mais assertiva do problema estudado, ainda mais se considerarmos as
possibilidades da pesquisa-ação enquanto prática de transformação da realidade escolar, mas isto
já é questão para uma outra reflexão.

Referências bibliográficas

CHIZZOTTI, A. C. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1995.

FAZENDA, I. C. A. (org). Metodologia da pesquisa educacional. 7.ed. São Paulo: Cortez, 2001.

KANDEL, L. Reflexões sobre o uso da entrevista, especialmente sobre a não-diretiva, e sobre as


pesquisa de opinião. In: THIOLLENT, M. Crítica metodológica, investigação social e enquete
operária. 5.ed. São Paulo: Editora Pólis, 1987.

LÜDKE, M. Evolução da pesquisa em educação. In: LÜDKE, M. e ANDRÉ, M. E. D. A.


Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MARTINS, J. A pesquisa qualitativa. In: FAZENDA, Ivani. Metodologia da Pesquisa


Educacional. São Paulo: Cortez, 2001.

MICHELAT, G. Sobre a utilização da entrevista não-diretiva em sociologia. In: THIOLLENT,


M. Crítica metodológica, investigação social e enquete operária. 5.ed. São Paulo: Editora Pólis,
1987.

ROGERS, K. Grupos de Encontro. 8.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

ABSTRACT: The current article discusses the non-directivity question in interviews procedures in
teachers' formation researches. It contextualizes the question in education research, developing it, at first,
about its probable non-directivity and, afterwards, about its planning towards its aplication. Finally, this
article defends its adoption as a strategy to the constitution of the the data body in the alreadry referred
area of research.

KEYWORDS: research in the teachers' formation area. Research technique. Interview. Non-directive
interview.

Envio: Maio/2014
Aceito para publicação: Maio/2014
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