475-Texto Do Artigo-1657-1-10-20190713
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As reflexões sobre como fazer uma pesquisa na área de formação de professores tem
ganhado espaço na academia brasileira, notadamente nos programas de pós-graduação em
educação. A partir das décadas finais do século passado, este debate meta-científico volta-se, ora
para os pressupostos e ora para as formas de execução das pesquisas, e, evidentemente, são o alvo
das discussões em um, ainda, declarado antagonismo entre os paradigmas quantitativo e
qualitativo.
Como resultados parciais deste confronto, há aqueles que acreditam na possível síntese
dos paradigmas mencionados e, também, os que justificam a impossibilidade de síntese, mesmo
que superadora. É bem verdade que o mote de tal antagonismo remonta a busca para um método
próprio para as Ciências Humanas em oposição ao modelo das Ciências Naturais, bem como a
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partir da constatação da impossibilidade de existir um método único para as várias áreas das
pesquisas feitas pelo homem.
Destacamos, sem esgotar esta questão, dentro das pesquisas qualitativas, a forte
necessidade de dar aos sujeitos de pesquisa “a palavra”, valorizando assim a linguagem enquanto
meio para melhor desvelar os fenômenos nas ciências humanas e sociais, o que se confirma na
fala de Martins (2001, p. 51), quando afirma que
O primeiro ponto é conceitual e nos remete a pensar sobre o conceito que muitos
pesquisadores construíram sobre entrevista não-diretiva: o que é uma entrevista não-diretiva? É
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bem possível que, em nossas trajetórias enquanto pesquisadores, muito do que aprendemos se dá
por imitação, entretanto deveria se dar por elaboração conceitual; tendo isto como verdade, em
muitos processos de pesquisa, ‘são empunhados gravadores’ sob o rótulo de entrevista não-
diretiva. Será que toda entrevista gravada é uma entrevista não-diretiva? Em que pesem estas
indagações e também uma certa crítica, faz-se necessário buscar a origem deste tipo de
ferramenta para coletar dados.
A entrevista não-diretiva configura-se, em um primeiro momento, em oposição ao uso dos
questionários na confluência de áreas como a psiquiatria e psicologia, tendo como pressuposto a
intenção de não intervir no processo de autoconhecimento dos sujeitos analisados. Ela é elemento
integrante do chamado método não-diretivo aperfeiçoado pelo psiquiatra americano Carl Rogers
durante o fim da primeira metade do século XX.
Utilizando o método não-diretivo, Rogers
Cabe salientar que, ao contrário do que uma leitura superficial possa inferir, Rogers não
objetivava manter-se distante dos sujeitos (pacientes), contudo, procurava aproximar-se aceitando
incondicionalmente os sentimentos e opiniões e demonstrando profundo interesse sobre os
mesmos. O método não-diretivo deixa como princípio, analogamente, o papel do terapeuta
enquanto catalisador, ou até mesmo enquanto espelho que, para aproximar-se de seu cliente,
escuta-o sem demonstrar suas percepções particulares.
Torna-se interessante explicitar que Rogers afirmava existir em cada ser humano uma
tendência à autorregulação e ao autoconhecimento, cabendo à psicoterapia auxiliar no exercício
destas tendências.
O meio para realizar tal atividade dentro do método não-diretivo foi denominado de
entrevista não-diretiva, e tal modelo foi importado para a pesquisa em ciências humanas,
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Não existe uma única maneira de se aplicar uma enquete que nada mais é do que uma ferramenta de investigação
para o pesquisador, as mais tradicionais são os questionários e as entrevistas, definindo-se e distinguindo-se, na
primeira, as modalidades com perguntas abertas e fechadas e, na segunda, as modalidades diretiva e não-diretiva.
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Esta categorização é de minha responsabilidade, entretanto devo reconhecer que o acesso aos textos que discutem a
não-diretividade tanto no método não-diretivo como no uso das entrevistas não-diretivas foi restrito para a
sistematização desta reflexão; no entanto e sendo fiel aos princípios de Rogers, chamo de não-diretividade absoluta a
ação que pressupõe a ausência de intervenção durante o planejamento e execução de uma entrevista não-diretiva.
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psicoterapeuta exerce ações de diretividade durante suas entrevistas. Ainda outros aspectos como
raça e religião foram levantados como elementos diretivos na intenção de comprovar que não
existia não-diretividade na prática psicoterapêutica de Rogers, que dizer então do uso desta
ferramenta nas pesquisas em ciências humanas e sociais?
No entanto, a crítica à não-diretividade calcou-se tão somente no fato de existir interação
verbal e não-verbal entre o pesquisador e o sujeito pesquisado, argumentação marcadamente
positivista, por acreditar-se que não é possível que o pesquisador interaja com seus sujeitos para
que não se implique em perda de cientificidade.
Caberia aqui um último ponto: não-diretividade é conceituada igualmente por aqueles que
admitem ou não a interação entre pesquisador e pesquisados?
Concluindo uma breve trajetória da origem da entrevista não-diretiva e de seu uso nas
pesquisas em educação, cabe ressaltar que, na pesquisa em sociologia, de cunho marxista,
organiza-se e difunde-se principalmente nos anos 1980 de 1990 do século XX a pesquisa-ação5,
que tem como forte difusor no Brasil Michel Thiollent6 por ter sido ele professor de Metodologia
no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (UNICAMP).
A pesquisa em educação nos anos 90 de durante os primeiros anos deste novo século tem
buscado na matriz metodológica da pesquisa-ação alternativas para melhor desvelar os
fenômenos atrelados aos diversos objetos de estudo em pauta, difundindo o uso das entrevistas
não-diretivas enquanto ferramenta para a coleta de dados, sob a ótica da pesquisa-ação ou até
mesmo de outros modelos como a etnografia e também o estudo de caso.
Os pontos colocados até aqui devem servir para a reflexão daqueles que venham a optar
pelo uso das entrevistas não-diretivas em seus processos de pesquisa e serão novamente
abordados, neste artigo, durante a tematização de seu planejamento e execução.
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A questão fontal é o ponto de partida da execução de uma entrevista não-diretiva, precisamente é o tema sobre o
qual se quer coletar os dados tendo maior importância na condução da entrevista em relação a possíveis outros
assuntos que venham a surgir, definidos como questões periféricas. (Cf. CHIZZOTTI,1995).
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A pesquisa-ação é definida por Thiollent como uma linha de pesquisa comprometida com a resolução de um
problema real.
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Não discordando do fato explicitado acima, porém, chamando a atenção para a dimensão
de não-diretividade parcial, pergunta-se: como planejar uma entrevista não-diretiva? Por onde
iniciar? Destacamos que Chizzoti, em sua reflexão meta-metodológica, não explicita tais
questões, exercitamos, então, a partir disto, a reflexão sobre como planejar e executar uma
entrevista não-diretiva.
Antes de tudo, é preciso definir qual é a questão fontal da entrevista, o que se quer saber e
isto difere enormemente do planejamento de um questionário. Observe-se que muitos
pesquisadores elaboram perguntas e simplesmente gravam as respostas dos seus sujeitos
denominando isto de entrevista não-diretiva, ora, tal prática somente difere de um questionário
tradicional pela presença do gravador e, depois, pelo exercício da transcrição dos dados
coletados.
Definir a questão fontal consiste em um belo desafio para o pesquisador, pensemos em
uma situação hipotética, em um pesquisador que tenha delimitado como problema de pesquisa a
relação entre professor e estudante a partir do cenário teórico da indisciplina em sala de aula, qual
seria sua questão fontal para uma entrevista não-diretiva junto aos professores-sujeitos? Definir
tal questão implica saber claramente quais objetivos se pretende atingir, admitindo nesta situação
que o objetivo principal seja o de categorizar as concepções sobre disciplina e indisciplina dos
sujeitos, a questão fontal poderia ser assim estabelecida: o que os professores entendem sobre
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serem perguntadas ao entrevistado – que consiga garantir a coleta dos dados que são necessários
para a compreensão do fenômeno evitando assim que, em uma fase decisiva da pesquisa,
coletem-se dados difusos em relação ao objeto de estudo eleito.
Coletados os dados, surge uma outra questão: que tratamento dar a eles? Como analisá-
los? São questões pertinentes e de elevada importância para o pesquisador que elegeu a entrevista
não-diretiva como sua ferramenta para a coleta de dados. A prática da transcrição não se resume a
“rew/pause/play”, visto que não é um ato mecânico, mas sim, uma interpretação do material
registrado nas fitas; a transcrição é a composição de um texto onde devem ser registrados os
silêncios, as exitações que muito podem dizer sobre as representações do sujeito entrevistado.
Deve-se, então, proceder da forma mais rica possível ao registro fidedigno das informações
contidas nas entrevistas, percebendo-se que esta fase ainda não é a análise dos dados coletados, e
sim, a preparação para que a análise venha a acontecer respeitando-se a opinião, posições e
representações dos sujeitos entrevistados.
Reiteramos que a entrevista não-diretiva não se resume à interação verbal entre
pesquisador e sujeito pesquisado, mas também à interação não-verbal é muito importante, sendo
assim, é indispensável para a execução de uma entrevista não-diretiva ‘caneta e bloco’ para
registrar as impressões coletadas pelo entrevistador que não serão registradas nas fitas, dados
estes que poderão enriquecer a tarefa de transcrição e registro das fitas.
Sobre a análise dos dados, reservamo-nos ao direito de deixar tal tema para uma outra
reflexão à medida que tal questão não fazia parte dos objetivos deste artigo, mas adiantamos que
a análise categorial nos parece a melhor opção para tal tarefa.
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Guy Michelat discutiu o uso da entrevista não-diretiva em sociologia defendendo sua utilização para a
reconstituição de modelos culturais da nossa sociedade.
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Referências bibliográficas
CHIZZOTTI, A. C. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1995.
FAZENDA, I. C. A. (org). Metodologia da pesquisa educacional. 7.ed. São Paulo: Cortez, 2001.
ABSTRACT: The current article discusses the non-directivity question in interviews procedures in
teachers' formation researches. It contextualizes the question in education research, developing it, at first,
about its probable non-directivity and, afterwards, about its planning towards its aplication. Finally, this
article defends its adoption as a strategy to the constitution of the the data body in the alreadry referred
area of research.
KEYWORDS: research in the teachers' formation area. Research technique. Interview. Non-directive
interview.
Envio: Maio/2014
Aceito para publicação: Maio/2014
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