Irmão Do Jorel Como Expressão Do Imaginário
Irmão Do Jorel Como Expressão Do Imaginário
Irmão Do Jorel Como Expressão Do Imaginário
PORTO ALEGRE
2018
THÉA PEREIRA DA CRUZ
PORTO ALEGRE
2018
THÉA PEREIRA DA CRUZ
__________________________________________
Prof.ª Dr.ª Adriana Coelho Borges Kowarick – UFRGS
Examinadora
__________________________________________
Ms. Andriolli de Brites da Costa – UFRGS
Examinador
__________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ana Taís Martins Portanova Barros – UFRGS
Orientadora
AGRADECIMENTOS
Adult’s audience interest and self-recognition with cartoon shows is increasing every
day, and this behavior can be noticed specially on young adults. A cartoon show, as
any other cultural product, articulates symbolic images and moves the imaginary of
the society in which these symbols are inserted. Starting from the curiosity about
adult’s identification with cartoon shows, this research presents Brazilian cartoon
show Jorel’s Brother, which takes place in Brazil between 1980 and 1990, making a
retrospective of it since its creation as a comic in 2002, until its premier on TV’s
channel Cartoon Network, and its consequent success with both adult and children’s
audiences. After that, the cartoon will be analyzed under Gilbert Durand’s Theory of
Imaginary, searching for the main symbolic images, and its inherent motivations, that
emerge from the show. Therefore, it is possible to identify the main recurrences
within Jorel’s Brother show, and to organize them on Durand’s three distinct groups
of the imaginary expression, aiming to get closer to the symbol’s original archetypes.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
2 IRMÃO DO JOREL ................................................................................................ 14
2.1 Criação e História ............................................................................................. 14
2.2 Personagens..................................................................................................... 16
3 TEORIA GERAL DO IMAGINÁRIO E ÁRVORE DE IMAGENS ............................ 26
3.1 A Imagem Simbólica ......................................................................................... 26
3.2 Teoria Geral do Imaginário ............................................................................... 28
3.3 Árvore de Imagens ........................................................................................... 33
4 METODOLOGIA .................................................................................................... 36
4.1 A Mitodologia .................................................................................................... 36
4.2 Corpus de Pesquisa ......................................................................................... 38
5 ANÁLISE DOS EPISÓDIOS .................................................................................. 40
5.1 Gangorras da Revolução .................................................................................. 40
5.2 Jornal do Quintal............................................................................................... 44
5.3 Aterrorizante Vida Adulta .................................................................................. 48
5.4 Profissão: Palhaço ............................................................................................ 52
5.5 Os Caçadores da Figurinha Perdida................................................................. 57
5.6 Análise Geral .................................................................................................... 62
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 66
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 69
MATERIAL ANALISADO.......................................................................................... 71
10
1 INTRODUÇÃO
1
Charles S. Peirce (1839-1914) e Ferdinand de Saussure (1857-1913), principais pensadores da
Semiologia.
11
2
Juliano Enrico nasceu em 1984 e mais tarde se tornou animador, ator e apresentador de televisão.
Apesar de os primeiros rascunhos do desenho terem sido criados em 2002, apenas em 2014 ocorreu
sua estreia no canal de televisão por assinatura Cartoon Network.
12
3
Carl G. Jung (1875-1961), importante autor da psicologia, lido indiretamente através de Durand
(2012) e, principalmente, através da dissertação de mestrado de Fantinel (2015).
13
2 IRMÃO DO JOREL
Irmão do Jorel é uma série de desenho animado brasileira criada por Juliano
Enrico e produzida pelo canal de TV por assinatura Cartoon Network em parceria
com a Copa Studio. De acordo com a Revista Exame (SANFELICE, 2014), é a
primeira série de animação original do Cartoon Network feita no Brasil e na América
Latina e mostra o cotidiano de uma família brasileira entre os anos 1980 e 1990.
Conforme a revista explica, Jorel é o filho do meio, com o cabelo sedoso e muito
liso, é o orgulho da família e o garoto mais popular do bairro. No entanto, o show
não gira em torno dele, mas em torno de seu irmão mais novo, um garoto de 8 anos
tímido e sem nunca ter seu nome citado, sempre chamado de Irmão do Jorel. Sendo
quase sempre ofuscado pela fama e popularidade de seu irmão mais velho, Irmão
do Jorel tenta ganhar sua própria identidade e ser alguém importante na família,
protagonizando muitas situações típicas do ambiente familiar brasileiro das décadas
de 1980 e 1990.
Ainda segundo a Revista Exame (SANFELICE, 2014), seu principal público
são crianças de 9 a 12 anos, mas como as histórias se passam no contexto do final
do século XX, muitos jovens adultos se identificam com a animação. As situações
mostradas na série foram, em sua maioria, vividas por esse público, os cenários e os
contextos são muito familiares e até os ídolos presentes em Irmão do Jorel fazem
alusão aos ídolos dessa geração; muitos são os elementos que despertam nostalgia
e geram identificação nesse público.
A ideia de criar uma série de histórias com essa temática nasceu na época
em que Juliano Enrico publicava fotos de sua própria família em seu fotolog, no
início dos anos 2000. Muitas das fotos retratam momentos típicos das famílias
brasileiras e não foi à toa que geraram muita identificação entre os seguidores de
Juliano, os provocando a também compartilhar suas histórias. Assim, Juliano Enrico,
em entrevista à Revista Superinteressante (D'ANGELO, 2016), disse que percebeu
que “todo mundo tinha essas fotos constrangedoras: a mãe com um cabelo bizarro,
a prima com jaqueta de ombreiras, aquelas festas toscas de aniversário” e começou
a fazer alguns desenhos baseados nessas fotografias e nas situações do seu dia a
dia como irmão caçula. Como esse conteúdo era publicado apenas em seu fotolog
15
2.2 Personagens
4
<http://www.facebook.com/irmaodojoreloficial>. Acesso em: 26 de março de 2018.
17
Sua mãe, Dona Danuza (fig. 4), proativa, carinhosa e sempre preocupada
com seus filhos, é dona de uma escola de dança onde dá aulas de balé.
Compreensiva, tenta encorajar Irmão do Jorel em suas aventuras, muitas vezes o
comparando a Jorel e usando-o de exemplo em suas lições. Dona de uma moto e
muito parecida com a mãe de Juliano Enrico, vista nas fotos de seu fotolog, Dona
Danuza foi primeiramente desenhada como “Mamãe cabeleira style” e de lá para cá
seu desenho mudou muito pouco. Na série, ela é filha da Vovó Gigi (fig. 5), uma
senhora vaidosa, sarcástica e muito estressada, que passa os dias em frente à
televisão assistindo aos filmes de Steve Magal, sempre com um pirulito na boca -
que originalmente era um cigarro, mas precisou ser adaptado a pedido do Cartoon
Network.
5
<http://www.facebook.com/irmaodojoreloficial>. Acesso em 26 de março de 2018
18
Já Seu Edson (fig. 6 e 7), que no início era pensado como “Seo Tadeu”, é um
jornalista idealista que vive contando histórias da sua época rebelde em que
combatia a ditadura militar. Dedica seu tempo livre ao cinema conceitual e ao teatro
6
<http://www.facebook.com/irmaodojoreloficial>. Acesso em: 26 de março de 2018.
7
<http://www.facebook.com/irmaodojoreloficial>. Acesso em: 26 de março de 2018.
19
8
<http://www.facebook.com/irmaodojoreloficial>. Acesso em: 26 de março de 2018.
20
9
<http://www.facebook.com/irmaodojoreloficial>. Acesso em: 26 de março de 2018
10
<http://www.facebook.com/irmaodojoreloficial>. Acesso em: 26 de março de 2018
21
Figura 9 – Fabrício, Gesonel e Danúbio, patos da Vovó Juju, com Irmão do Jorel
Fonte: vídeo O maior mestre dos disfarces que você respeita | Irmão do Jorel | Cartoon Network11
Os irmãos Nico (fig. 10) e Jorel (fig. 11) são muito diferentes entre si. Nico é o
irmão mais velho, considerado perfeito até sofrer um pequeno acidente de bicicleta.
Membro de uma banda de rock de garagem, tem seu rosto propositalmente coberto
pelo próprio cabelo, compondo seu estilo roqueiro. Sendo o irmão mais velho,
também é uma referência para Irmão do Jorel e tem uma participação mais ativa nas
histórias. Já Jorel, que até o acidente de bicicleta era conhecido como Irmão do
Nico, se torna o garoto mais popular da escola, do bairro, da cidade e possivelmente
de todo o universo. Amado e idolatrado por sua beleza exótica descomunal, seus
longos cabelos sedosos e sua incrível capacidade de ser talentoso em tudo, não se
conforma por ter perdido o posto de filho caçula. Contudo, sua participação no
desenho é muito pequena e até sem falas, já que o máximo de expressão que
possui é um sorriso sarcástico e com ares de superioridade. Jorel ainda conta com
um “fã clube” de meninas do colégio, muitas delas colegas do Irmão do Jorel que só
se relacionam com ele por conta de seu irmão popular.
11
<https://www.youtube.com/watch?v=YNQq0Q0rUa0>. Acesso em: 4 de julho de 2018
22
Não se pode dizer que Irmão do Jorel seja um desenho autobiográfico, ainda
que Juliano Enrico tenha um irmão chamado Jor-El e que fotos da sua família
apareçam eventualmente nos cenários da animação. Os personagens foram criados
12
<http://www.facebook.com/irmaodojoreloficial>. Acesso em: 26 de março de 2018.
13
<http://www.facebook.com/irmaodojoreloficial>. Acesso em: 26 de março de 2018.
23
com base na própria família de Juliano, mas também com base nas famílias dos
amigos, em personalidades de filmes e séries e em algumas de suas vivências
pessoais. Juliano disse em entrevista à Revista Superinteressante (D’ANGELO,
2016) que a série é tão autobiográfica quanto qualquer outra obra, já que tudo vem
de alguma experiência pessoal de seu criador, mas que é injusto dizer que a família
retratada em Irmão do Jorel (fig. 12) seja a sua própria.
14
<http://www.facebook.com/irmaodojoreloficial>. Acesso em: 26 de março de 2018.
24
15
<https://youtu.be/inMUsI_8BUg>. Acesso em: 27 de março de 2018.
16
<http://www.facebook.com/irmaodojoreloficial>. Acesso em: 4 de julho de 2018.
25
Ainda, o policial Rambozo (fig. 15) é mais um personagem que aparece com
frequência, mas fora do núcleo principal. Ele é um policial musculoso que dirige uma
escola de palhaços muito rígida, semelhante a um quartel e sempre aparece
fardado. Assim como todos os outros policiais que aparecem na série, ele é um
palhaço mal-humorado e rabugento.
17
<http://www.facebook.com/irmaodojoreloficial>. Acesso em: 26 de março de 2018
26
18
Jung entende os arquétipos enquanto forma dinâmica, estrutura organizadora de imagens que
transvaza sempre para as concretudes individuais, biográficas, regionais e sociais da formação das
imagens. Assim, o arquétipo permanece incognoscível; ele “participa do reservatório, do oceano no
qual o eu está imerso” (THOMAS, 1998b, p. 85 apud BARROS, 2014, p.67).
28
suas implicações manuais e visuais” (2012, p. 58), que traz consigo a tecnologia das
armas, a sociologia do soberano mago e guerreiro e os rituais de elevação e de
purificação. Já para o Regime Noturno cabem os regimes Místico e Dramático, em
que ao primeiro pertencem a dominante digestiva, as técnicas do continente e do
habitat, os valores alimentares e digestivos e a sociologia matriarcal e alimentadora;
já ao segundo, de dominante rítmica, cabem as técnicas do ciclo, do calendário
agrícola e da indústria têxtil, os símbolos naturais ou artificiais do retorno e os mitos
e dramas de conciliação.
Fonte: Organizado pela autora com base no capítulo introdutório de As Estruturas Antropológicas do
Imaginário, de Gilbert Durand (2012).
19
Como aponta Barros (2017), não há uma tradução adequada para schème, apesar de ter sido
traduzido como esquema em todas as edições brasileiras da obra de Durand, gerando possíveis
imprecisões em sua interpretação. Aqui, para fins de clareza e coesão, manteremos o vocábulo
original.
32
4 METODOLOGIA
4.1 A Mitodologia
constituída por três etapas fundamentais, segundo Durand (1985), que são: (1)
levantamento dos temas redundantes no produto cultural em questão - temas e
motivos que mais aparecem, assim como situações, personagens e combinações de
situações e personagens (elementos simbólicos); (2) convergência desses
elementos simbólicos de acordo com os seus sentidos e funções na narrativa,
levando à identificação de mitemas; e (3) correlação dos mitos presentes na
narrativa com os mitos diretores de uma determinada época e cultura. Nesta
pesquisa cumpriremos apenas as duas primeiras etapas, caracterizando uma
análise mitocrítica, já que para a aplicação da mitanálise, por sua natureza de
estudar uma sociedade, é exigido um tempo de abrangência maior e um material
empírico mais extenso do que o comportado por esta monografia.
A mitocrítica, portanto, é adequada à análise de produções culturais,
primeiramente pensada para análise textual. Segundo Durand (1985, p.251-252), a
mitocrítica é um “método de crítica do discurso que centra o processo de
compreensão no relato de caráter ‘mítico’ inerente à significação de todo e qualquer
discurso”, ou seja, ela vai procurar em um objeto limitado no espaço e no tempo os
mitos diretores e suas oscilações. Assim, a mitocrítica foca-se em recensear
imagens simbólicas em um dado material cultural, expressões do imaginário que
emergem deste material e permitem identificar os temas e situações recorrentes,
agrupando-os por homologia e classificando-os dentro dos regimes de expressão do
imaginário propostos por Durand, a saber: Heroico, Dramático e Místico. De acordo
com Barros,
Neste episódio, Seu Edson conta a seu filho sobre a revolução da qual
participou em sua juventude, em que sua principal estratégia fora montar uma peça
de teatro infantil e que tivera como resultado dissolver o governo dos Palhaços (fig.
16). Irmão do Jorel fica encantado com a história de seu pai, reconhecendo nele o
pai protetor e valente que Durand (2012) aponta quando afirma que a criança recém-
nascida percebe seus pais como instrumentos do mundo.
história de seu pai e seu papel na revolução que derrubou os Palhaços, cuja
veracidade ela questiona. Quando o recreio acaba, Irmão do Jorel convida Lara a
permanecer brincando para protestar contra a repressão exercida pela diretora Lola,
inspirado pelo espírito revolucionário de seu pai.
Para repreendê-los, a diretora Lola os ameaça com sua principal tática de
repressão: contar até três. Lara cede e deixa Irmão do Jorel em seu protesto, visto
que ele insiste desafiando a autoridade. Quando a contagem começa ele muda de
ideia, mas percebe que um fio de seu short o prende à gangorra (fig. 17). Assim, ele
espera a diretora completar, de forma inédita, sua contagem. Nesse ponto, já
podemos perceber a repressão como tema muito presente no episódio, apontando
em direção ao regime Heroico, conforme o definiu Durand (2012).
20
Gil Gomes é um jornalista policial brasileiro conhecido não só por apresentar o programa
jornalístico Aqui Agora, mas também pelos seus gestos e tom de voz na apresentação das notícias,
geralmente sensacionalistas. Vestido invariavelmente com uma camisa de cores berrantes,
posicionava-se com a mão direita empunhando o microfone e a esquerda gesticulando em horizontal.
Narrava os fatos diretamente na cena do crime com voz arrastada e grave, que crescia em volume
45
dizendo: “Sinto cheiro de notícia! Uma inocente mãe de família preparava o café da
manhã de seu filho caçula favorito sem imaginar que a tragédia rondava sua
cozinha.” (fig. 21) ao que segue uma descrição de sucessivos eventos irreais que
teriam deixado uma mulher “lutando pela vida”, como ele diz. Entretanto, ele é
interrompido em sua gravação por sua mãe, que esclarece a origem do cheiro: as
“torradinhas torradas” que ela preparava queimaram no forno.
nos momentos mais dramáticos. Usava frases curtas e, nas entrevistas, não adotava uma posição
neutra: se emocionava diante das vítimas e se indignava diante dos criminosos.
46
Na festa, Irmão do Jorel recebe presentes de sua família: de sua mãe, uma
escova de dentes para deixar o hálito sempre fresco para sua “namoradinha”, se
referindo a Lara; e de seu pai, um barbeador elétrico com várias funções já que está
“virando um adulto”. Aqui, os pais de Irmão do Jorel expressam bem o que foi dito
por Durand (2012) sobre a criança ver seus pais como instrumentos do mundo: sua
mãe o ajudando em assuntos amorosos, íntimos, e, portanto, digestivos; e seu pai o
49
Billy Doidão pede para rejuvenescer junto a dois amigos, mas para isso ele
precisa roubar a juventude de outras três crianças. Billy escolhe Irmão do Jorel, Lara
e Marcinho, que viram adultos. As três crianças - agora adultas - decidem, então,
recuperar o carro de Seu Edson perseguindo o bandido que o levou. Para isso,
Marcinho rouba a viatura de Rambozo (fig. 26), ainda que Irmão do Jorel esteja com
medo da responsabilidade de ser adulto, evidenciando o reflexo digestivo presente
em seu personagem. A perseguição proposta por Marcinho se encaixa no regime
Heroico, de luta e combate; já o medo de Irmão do Jorel se encaixa no regime
Místico, pois faz com que ele queira fugir da situação e se encolher, imagens típicas
do reflexo digestivo; por último, a atitude de Lara, que se questiona sobre ser criança
50
Mesmo relutante, Irmão do Jorel vai com Lara e Marcinho em busca do carro
de seu pai, na viatura de Rambozo. Eles encontram o bandido e Lara faz de tudo
para pará-lo, enquanto Irmão do Jorel está apenas tentando não se responsabilizar,
ainda que a perseguição pareça divertida - nesse momento, Irmão do Jorel está
inserido no regime Dramático, pois harmoniza imagens opostas de medo e de
enfrentamento sem colocá-las em choque (fig. 27). Irmão do Jorel fica alguns
minutos oscilando entre o medo e a coragem, até que a lembrança do discurso da
professora sobre os testes da vida adulta o motiva (fig. 28) e ele vai ajudar Lara -
usando a coragem para enfrentar seu medo, nesse momento o regime mais
presente em Irmão do Jorel passa a ser o Heroico -, mas o bandido escapa mesmo
assim, deixando para trás um convite de aniversário.
51
Pode-se afirmar que neste episódio Irmão do Jorel expressa imagens que
passam pelos três regimes propostos por Durand (2012), ainda que o Heroico tenha
maior relevância para a história: no primeiro momento o medo, de dominante
digestiva e portanto, pertencente ao regime Místico; a seguir a ponderação, de
dominante rítmica, inserindo-se no regime Dramático; e por último a ação, de
dominante postural e, portanto, dentro do regime Heroico. Ainda, pode-se perceber
em Lara seu perfil questionador - e, portanto, heroico -, algo que permeia toda a
série e faz o contraponto com Irmão do Jorel, quase sempre oscilante entre o medo
e a coragem.
Na cena seguinte, Irmão do Jorel está junto a outros alunos, que vestem
verde-musgo e coturno, ouvindo Rambozo falar sobre a importância da profissão e
sobre o seu passado como “Palhaço de guerra”: “Aqui na Escola de Aprendizes de
Palhaço formamos um exército de Palhaços para combater a tristeza e a seriedade
do mundo. Em minha trajetória como Palhaço de guerra, me destaquei como
soldado infiltrado em território inimigo executando manobras ousadas de distração,
socorrendo soldados feridos e aniquilando pelotões inteiros com minhas pantomimas
de combate. Nossa missão é botar um sorriso na cara de todas as pessoas, mesmo
que elas resistam.” Palavras como ‘exército’, ‘combater’ e ‘soldado’ evidenciam,
novamente, as características que encaixam este episódio no regime Heroico, visto
que é neste regime que imagens de autoridade, enfrentamento e militarização se
encontram.
Irmão do Jorel, ainda sem entender a seriedade da situação em que está
inserido, dá risada de uma parte do discurso de Rambozo e é prontamente
repreendido por ele (fig. 32 e 33). A repressão é outra recorrência presente em
Profissão: Palhaço, sempre junto à Rambozo e aos Palhaços. Seguindo o episódio,
o treinamento de fato começa e Irmão do Jorel aparece em uma sequência de
imagens em que faz exercícios junto a seus colegas e canta palavras de ordem -
55
semelhantes às dos trotes militares. Na hora do almoço ele encontra Billy Doidão,
que já está lá há dois dias, e Billy conta a ele que é proibido se divertir na Escola.
Para completar o álbum, vovó Gigi leva seu neto resistente a um jogo de
Bafo, em que as figurinhas são disputadas, literalmente, no tapa conforme ela
explica: “O tradicional jogo de Bafo [...] você precisa desvirar figurinhas com o
impacto da palma das suas duas mãos juntas sobre a mesa. Se a figurinha desvirar,
é sua; se não desvirar, continua pertencendo ao seu oponente e você volta para
casa humilhado”. Irmão do Jorel vive aqui um conflito entre sua pulsão digestiva - o
medo das disputas de Bafo - e sua pulsão postural - enfrentar os combates para
completar o álbum. Ainda que receoso, Irmão do Jorel decide participar do jogo para
ser o primeiro a completar o álbum - ou seja, a dominante postural vence o conflito -,
o que pensa ter conseguido depois de horas de ‘combates’ acirrados (fig. 37 e 38),
porém percebe a falta de uma figurinha.
59
Jorel por uma corda, e o convence apenas dizendo que é a ocasião perfeita para
que ele use seu Short Camuflado Série Especial Steve Magal para não ser visto -
neste ponto Irmão do Jorel vive novamente o conflito entre os reflexos digestivo
(temer aventuras) e postural (enfrentar a todos para completar o álbum). Sua
estratégia funciona e Irmão do Jorel rouba a figurinha - novamente, vitória para a
dominante postural -, mas seu short rasga quando Vovó Gigi tenta puxá-lo, o
tornando visível para todos.
Profissão: Palhaço, mas que é muito presente ao longo de toda a série. Nesse
contexto, Seu Edson assume atitudes de enfrentamento e de desconfiança, com
uma nostalgia quase palpável. Seu passado revolucionário inspira Irmão do Jorel e
não o abandona em nenhum momento da série. Podemos então afirmar que a
relação de Seu Edson com os Palhaços se encaixa no regime Heroico ao articular
imagens de enfrentamento e luta.
Outra recorrência importante é a amizade de Lara e Irmão do Jorel, em que
cada um configura um complemento ao outro. Lara é sempre questionadora e
corajosa - postural -, pronta para enfrentar qualquer coisa desde que faça sentido
para ela. Já Irmão do Jorel está, na maioria das vezes, inseguro e com medo - de
dominante digestiva -, mas é facilmente inspirado tanto por Lara quanto por Seu
Edson e por vovó Gigi, para enfrentar as adversidades - de dominante postural -,
evidenciando o conflito em que vive e que, nos episódios escolhidos, se resolve com
a afirmação do enfrentamento. Essa dupla de personagens aparece em contextos
como a escola e a rua - já que vão juntos para a escola diariamente - e em
aventuras como a perseguição de Aterrorizante Vida Adulta. Lara sempre procura
ponderar com Irmão do Jorel sobre os fatos, convencendo-o a agir, evidenciando o
regime Heroico presente na dupla.
Outra recorrência importante é a participação de Perdigoto e Rambozo na
série. Sozinho, Perdigoto sempre aparece em contextos de entretenimento,
principalmente na televisão. Porém, quando está com Rambozo o contexto é,
geralmente, de repressão e violência. Nos episódios escolhidos esse contexto se
repetiu apenas em Gangorras da Revolução e Jornal do Quintal, ainda que seja
muito recorrente ao longo de toda a série. Esta dupla representa a junção da mídia
(Perdigoto) e das forças armadas (Rambozo) como método eficaz de repressão, e
por isso se encaixa no regime Heroico, já que movimenta imagens de violência e
autoritarismo.
Vovó Gigi e Steve Magal configuram outra recorrência importante para o
desenho. Vovó Gigi desafia a autoridade de Dona Danuza ao permitir que Irmão do
Jorel assista aos filmes violentos de Steve Magal, algo que ele adora mesmo não
sendo adequado para a sua faixa etária. Em outro episódio da série, que não foi
analisado nesta pesquisa, descobrimos que vovó Gigi já foi dublê nos filmes de
Steve Magal, o que explica seu fanatismo por ele e por seus filmes. Articulando
64
Fonte: quadro elaborado pela autora a partir da análise de cinco episódios de Irmão do Jorel à luz da
Teoria do Imaginário proposta por Gilbert Durand (2012)
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durand ainda me mostrou que para compreender o que está na base de uma
imagem simbólica é necessário ir muito além dela, em busca de seu arquétipo.
Imagens simbólicas diferentes se agrupam em torno de uma significação comum,
constelam outras imagens simbólicas mais profundas, que por sua vez organizam-se
em torno de novos símbolos ainda mais profundos, cada vez mais próximos de seu
arquétipo fundante. Porém, chegar definitivamente ao arquétipo é impossível, visto
que ele faz parte do inconsciente (tanto coletivo quanto pessoal) e qualquer
racionalização sobre ele resultaria apenas em imagens arquetípicas, simbólicas,
bastante pregnantes de significação.
Em minha pesquisa, consegui perceber em torno de quais significações as
imagens simbólicas presentes em Irmão do Jorel se agrupam. Usei como ferramenta
metodológica a mitocrítica proposta por Durand, que consiste, basicamente, em
identificar símbolos, agrupá-los em torno de um conceito comum, e por fim,
classificá-los por grupos de conceito. Estes grupos maiores de conceitos são o que
Durand chamou de Regimes de Expressão do Imaginário, grupos que organizam
uma variedade grande de imagens em torno de temas comuns. Assim, após
identificar os agrupamentos de imagens simbólicas presentes em Irmão do Jorel,
pude classificá-las dentro dos regimes propostos por Durand.
Compreendi que Irmão do Jorel conta com mais elementos condizentes com
o regime Heroico do que com os outros dois, Dramático e Místico. Ainda que haja
conflitos, medos e inseguranças, as imagens de combate e enfrentamento estão
muito mais presentes. O regime Heroico se funda na dominante reflexa postural,
reflexo do corpo de pôr-se de pé, e por isso agrupa em torno de si imagens de luta,
combate, coragem, enfrentamento, repressão, autoridade. Nos cinco episódios que
foram analisados, imagens simbólicas próximas a essas apareceram com muita
frequência, assim como nos demais episódios da série que não puderam ser
analisados aqui em função da natureza desta pesquisa.
Irmão do Jorel começou a ser criado em 2002 por Juliano Enrico, com base
em fotografias de sua própria família, e em função disso conta com uma grande
relação com a realidade, tanto de sua própria infância quanto do contexto social em
que se vivia à época. Ainda que fuja ao escopo desta pesquisa, fico com o
questionamento acerca da relação deste contexto histórico-social com a dominante
postural frequente em Irmão do Jorel.
68
REFERÊNCIAS
<https://www.vix.com/pt/entretenimento/545904/irmao-do-jorel-sucesso-levou-
primeiro-desenho-brasileiro-da-cartoon-ao-exterior>. Acesso em: 12 mar. 2018.
MATERIAL ANALISADO
JORNAL do Quintal. Roteiro: Arnaldo Branco. São Paulo: Copa Studio, 2014. (11
min.), son., color. Série Irmão do Jorel. Disponível em:
<https://youtu.be/wj0h2W75c30>. Acesso em: 22 maio 2018.
ATERRORIZANTE Vida Adulta. Roteiro: Vini Wolf & Juliano Enrico. São Paulo: Copa
Studio, 2015. (11 min.), son., color. Série Irmão do Jorel. Disponível em:
<https://youtu.be/h44lM-Y0WiA>. Acesso em: 25 maio 2018.
PROFISSÃO: Palhaço. Roteiro: Arnaldo Branco & Juliano Enrico. São Paulo: Copa
Studio, 2015. (11 min.), son., color. Série Irmão do Jorel. Disponível em:
<https://youtu.be/5VxlowpZTeQ>. Acesso em: 27 maio 2018.