Filosofia Crista e o Sentido Da - Herman Dooyeweerd
Filosofia Crista e o Sentido Da - Herman Dooyeweerd
Filosofia Crista e o Sentido Da - Herman Dooyeweerd
Herman Dooyeweerd
Copyright © 2013, de Paideia Press
Publicado originalmente em inglês sob o título
Christian Philosophy and the Meaning of History [Série B, Volume 13]
pela Paideia Press,
Grand Rapids, MI, 40507 Estados Unidos.
Introdução
O termo “filosofia calvinista”, usado para descrever o movimento
filosófico que se desenvolveu em torno da “filosofia da ideia cosmonômica”
desde a década de 1930, pode, em muitos aspectos, gerar um entendimento
equivocado.
O termo só pode ser explicado historicamente pelo fato de que o
movimento se originou no reflorescimento calvinista que, em fins do século
XIX, conduziu a uma reflexão renovada sobre a relação da religião cristã com
a ciência, cultura e sociedade. Abraham Kuyper, cuja inspiradora liderança
orientou essa nova reflexão, assinalava que o grande movimento da Reforma
não poderia continuar restrito à reforma da igreja e da teologia. Seu ponto de
partida bíblico tocava a raiz religiosa da totalidade da vida temporal e tinha
de reivindicar sua validade em todos seus setores. Kuyper considerava que o
entendimento quanto a essas implicações foi mais bem expresso por Calvino,
e portanto, por falta de um termo mais apropriado, começou a falar do
“calvinismo” como uma cosmovisão todo-abrangente que era claramente
distinguível do catolicismo romano e do humanismo.
Kuyper estava bastante ciente das objeções que poderiam ser
levantadas contra esse termo. Poderia, por exemplo, facilmente levar à
percepção equivocada de que um sistema teológico particular estava sendo
canonizado, dando ao pensamento de Calvino uma autoridade que, na visão
bíblica-reformacional, jamais pode ser atribuída a um ser humano. Ao mesmo
tempo, implicaria um estreitamento duvidoso da base para a discussão, o qual
contradiria a importância universal — de fato, ecumênica ou católica —
dessa perspectiva, e levaria inevitavelmente à formação de seitas cristãs.
Kuyper rejeitou vigorosamente essa confusão. A experiência desde
então demonstrou que o termo pejorativo “calvinismo” é amplamente
entendido como uma designação para a formação de um grupo específico,
uma designação que antes obscurece que ilumina as verdadeiras intenções do
movimento reformacional ao qual se refere.
O que Kuyper tinha em mente quando trouxe novamente à tona o
princípio reformacional que estimulou Calvino e que, conforme ensinava,
abarcava toda a vida? O que o incentivou, em oposição a toda divisão
dualista entre um domínio “cristão” e outro “mundano”, a clamar pelo
reconhecimento do reinado de Cristo em todas as áreas da vida?
Seu interesse mais profundo era uma vida e pensamento enraizados na
unidade central das Sagradas Escrituras que está acima da divergência das
ideias e interpretações humanas. Está acima delas porque não procede do ser
humano, mas, antes, enquanto força condutora espiritual (dynamis) da divina
Palavra, toma posse de uma pessoa e exige autoentrega incondicional. A
operação central desse dynamis espiritual afeta o coração humano, por
atração ou repulsa, antes de qualquer reflexão teórica da mente humana. O
controle possessivo sobre o coração da existência humana deve ser
transmitido a partir dessa base central para toda orientação do pensamento e
vida.
O foco de interesse aqui não é apenas o indivíduo, mas a comunhão da
nova comunidade enraizada em Cristo; é o reino de Deus que está
incansavelmente em guerra com o reino das trevas. O mundo em sua
totalidade, em todos seus diversos setores, é a arena desse conflito, um
conflito que espraia de sua raiz religiosa no coração humano para a totalidade
da vida no tempo.
Deus não abandonou sua criação ao espírito da apostasia. A criação
pertence a ele. É sujeita à sua soberania absoluta. Por essa razão, o controle
dinâmico central da Palavra de Deus não afeta somente a vida pessoal do
cristão, não apenas a igreja como uma comunhão institucional, mas todos os
relacionamentos sociais humanos, a política, cultura, ciência e filosofia.
O reconhecimento da relevância radical[2] e integral da religião cristão
não deveria ser apresentado como um ponto de vista especificamente
calvinista. Pelo contrário, a relevância da religião cristã se impõe,
irresistivelmente, sobre nós, a partir do interior do motivo básico central[3]
das Sagradas Escrituras: o da criação, queda e redenção por meio de Jesus
Cristo em sua comunhão do Espírito Santo. Quando esse reconhecimento
abre caminho para a aceitação de uma “autonomia” da vida “natural” ou
“terrena”, isto se deve exclusivamente à influência de motivos não bíblicos.
Kuyper adentrou nas questões teológicas e filosóficas de sua época até
às forças espirituais mais profundas e integralmente centrais que colocam a
vida e pensamento humanos em movimento. Essas forças não podem ser
analisadas no nível dos problemas teóricos ou científicos, porque toda
reflexão teórica já está, de início, sob seu controle. Esses motivos básicos
espirituais centrais são expostos em sua verdadeira natureza somente quando
uma pessoa é interiormente transformada pela Palavra na qual Deus se revela
aos seres humanos e os leva à descoberta de si próprios.
Em seu agravamento — o escândalo (“skandalon”) dessa exposição
que culmina na cruz do Gólgota —, é revelada a crise de um conflito
inevitável entre o espírito da apostasia e o dynamis espiritual da Palavra de
Deus que expõe a todos. Nesse ponto, na esfera inteiramente central da
religião, a antítese final torna-se manifesta — uma antítese que exige uma
escolha inevitável da posição na vida e pensamento do indivíduo.
Ao seguir Abraham Kuyper em sua linha de pensamento inteiramente
bíblica, a filosofia da ideia cosmonômica aceita, em razão do motivo básico
integral, radical e central das Sagradas Escrituras (isto é, o da criação-queda-
redenção por Jesus Cristo, a Palavra Encarnada), que “a chave do
conhecimento” não é dependente dos seres humanos; pelo contrário, assume
o controle sobre eles. Seu sentido espiritual radical é diretamente revelado à
humanidade pela operação do Espírito Santo e não por intermédio de uma
exegese teológica falível de textos bíblicos e de um sistema de dogmática
teológica.
O conhecimento desse sentido radical é uma percepção adquirida por
meio da confissão, não uma conclusão obtida como resultado da reflexão
teológica. Por essa razão, esse motivo central pode também ser o ponto de
unificação ecumênica real para aqueles que, a despeito de sua afiliação
denominacional, vivem no espírito bíblico da Reforma e levam a sério o
controle radical e integral da Palavra de Deus sobre a totalidade da vida
temporal. É por isso que Kuyper divergiu das tendências sectárias do
paroquialismo eclesiástico no grande conflito cultural de sua época. E,
embora se opusesse ao “romanismo” em princípio, continuou fiel ao ponto de
partida cristão católico que não exclui ninguém da militia Christi por causa
de sua afiliação eclesiástica.
O MOTIVO FORMA-MATÉRIA
O MOTIVO NATUREZA-GRAÇA
O MOTIVO NATUREZA-LIBERDADE
O motivo básico humanista da natureza e liberdade implica uma ruptura
completa com o motivo escolástico cristão da graça sobrenatural. Origina-se
de uma reversão copernicana da imagem bíblica de pessoa, de um
deslocamento radical que nos leva diretamente a uma religião da
personalidade humana, na qual todo o motivo básico bíblico é humanizado. O
movimento da Renascença italiana foi de fato vitalizado e dirigido pelo
motivo religioso de um renascimento, no qual um indivíduo renasce para ser
uma personalidade inteiramente autônoma e livre que remodela sua ideia
sobre Deus e natureza segundo a sua [do indivíduo] própria imagem. Esse
ideal humanista de personalidade difunde-se a partir da Itália para outros
países da Europa. O novo motivo da liberdade, no qual o motivo bíblico da
redenção e renascimento humano é secularizado, também incorporou, de
início, o motivo da criação num sentido humanizado.
O Criador divino torna-se então o reflexo deificado do impulso criativo
que o novo motivo da liberdade traz à tona em um ser humano. Quando, pois,
Leibniz chama o Criador divino de “o grande Geômetra”, essa ideia de Deus
é simplesmente o reflexo deificado do intelecto humano que criou o cálculo
infinitesimal. Isso demanda um ídolo do intelecto criativo que pode carregar a
análise matemática do cosmos diretamente à esfera contingente dos
fenômenos.
O motivo humanista da liberdade evoca a nova imagem da natureza
macrocósmica, que se torna um segundo “ídolo” e obtém maestria sobre o
indivíduo moderno. A “descoberta da natureza” no período renascentista
sinaliza uma nova atitude para com o cosmos que circunda — dentro do
horizonte temporal — o indivíduo. Os indivíduos modernos se emanciparam
de toda fé na autoridade e desejam, em total autonomia, tomar seu destino em
suas próprias mãos. Buscam na natureza um campo infindável para seu
próprio impulso de expansão e contemplam-na com o otimismo ilimitado
dessa nova visão para o futuro. A natureza, como o reflexo macrocósmico do
novo ideal da personalidade religiosa, é deificada. “Deus sive Natura” torna-
se um motivo religioso que é simplesmente o correlato do motivo humanista
da liberdade, e portanto fundamentalmente diferente da deificação da physis
(natureza). Esta é vista na filosofia natural jônica sob o primado do motivo da
matéria.
Nesse ínterim, tanto no motivo da liberdade quanto no seu correlato (o
novo motivo da natureza) reside uma multiplicidade básica de sentidos, uma
que abriga muitas tendências diferentes. Nascido de uma secularização do
motivo básico bíblico, o ideal humanista da liberdade carece do caráter
profundo peculiar à liberdade cristã, que toca a unidade radical da existência
humana. Embora a humanidade autônoma moderna tenha estado em contato
com a Palavra de Deus que descerra a raiz de sua existência, ela mais uma
vez busca a si própria dentro do horizonte temporal e concentra seus
impulsos religiosos sobre a diversidade temporal do sentido de sua existência.
A humanidade autônoma pode buscar seu centro religioso em sua função
moral, estética ou emotiva, mas pode também buscá-la no pensamento
científico autônomo. A mesma multiplicidade de sentidos está presente no
motivo humanista da natureza.
A Natureza, em sua imensidade, que desde a revolução copernicana na
imagem astronômica do mundo parecia intimamente ligada à revolução
religiosa da imagem do ser humano, pôde ser contemplada como um reflexo
macrocósmico da liberdade estética criativa de uma pessoa. Nesse caso, a
“Natureza” é vista como o criador de formas sempre novas de beleza e de
centros de individualidade livre. Nessa conjuntura, o indivíduo moderno
ainda não estava consciente de qualquer tensão dialética no motivo básico da
natureza e liberdade. É ainda o traço estético predominante na glorificação
renascentista da natureza que reaparece na filosofia da natureza de Giordano
Bruno. Mas a natureza também pode ser vista com base no motivo fáustico
da maestria que permeou o ideal humanista de personalidade desde o
princípio. Nesse caso, a ciência autônoma contempla a natureza apenas como
um objeto gigante de dominação, e a natureza se torna o motivo do poder do
indivíduo autônomo moderno.
E é esse motivo do poder que, pouco tempo depois, obteve a
predominância. Galileu e Newton lançaram os fundamentos para a física
matemática, que de fato mostrou o caminho para o domínio científico dos
fenômenos naturais em seus aspectos matemáticos e físicos. Tão logo eles o
fizeram, a nova filosofia, dirigida pelo motivo básico humanista, lançou-se
com dedicação religiosa sobre o novo método científico e o elevou a um
modelo universal para o pensamento, como a fundação de toda a visão
filosófica da realidade.
O ideal da ciência humanista clássica exigia uma imagem determinista
do mundo que, como um sistema fechado de causalidades, correspondia
completamente a seu motivo da dominação. A ruptura metodológica de todas
as estruturas dadas da realidade serviu a esse propósito. Hobbes, no prefácio
de seu De Corpore, exigiu essa destruição metódica em nome da tarefa
criativa do pensamento lógico matemático.
Mas agora a tensão dialética inerente ao motivo básico humanista
também se torna manifesta. No quadro determinista da natureza — ele
próprio evocado pelo motivo humanista da liberdade —, não há mais espaço
para um indivíduo livre, autônomo. A natureza e a liberdade tornam-se
adversárias. A partir desse ponto, o pensamento humanista é capturado num
processo dialético incansável.
A destronização do ideal da ciência matemática e a mudança
rousseauniana da primazia ao motivo da liberdade dá-se no mesmo período
iluminista em que a crítica psicologista de Hume ao conhecimento solapou os
fundamentos da matemática e física modernas, bem como a nova metafísica
neles baseada. Na crítica do conhecimento kantiana, o pensamento humanista
entra na fase da autorreflexão crítica.
A natureza e liberdade são agora nitidamente separadas, com o auxílio
do antigo contraste metafísico entre fenômeno e númeno.[13] Atribui-se a
primazia ao motivo da liberdade que opera na razão prática. A natureza é
degradada ao nível de um mundo de fenômeno dos sentidos que são então
constituídos pela consciência transcendental. Kant chegou mesmo a recusar-
se a atribuir origem divina a ela [à natureza]. Sua ideia de Deus torna-se
moralista. Deus é um “postulado da razão prática” e o verdadeiro cerne da
personalidade livre é buscada na “pura vontade” moral.
O ideal de ciência não pode mais ameaçar a liberdade autônoma da
vontade, já que, com o auxílio do esquema forma-matéria (transformado num
sentido humanista), esse ideal é então restringido ao domínio da natureza
sensível; liberdade, pertencente ao reino suprassensível do “deve ser”, torna-
se uma matéria de fé prática na razão. Assim, a separação que Kant faz entre
fé e ciência prova ser governada pela dialética religiosa do motivo básico
humanista.
O período da Restauração inaugura a conversão dialética do conceito de
liberdade ainda racionalista e individualista de Kant num conceito
irracionalista e universalista. Volta-se da absolutização racionalista da lei, a
regra geral, para a absolutização da individualidade subjetiva e o evento
“singular” e irrepetível na história.
Surge assim o modo histórico de raciocínio. Nascido da conversão
irracionalista e universalista do motivo da liberdade, é elevado ao status de
um novo modelo universal para o pensamento, que leva a uma visão histórica
da realidade. Simultaneamente, iniciou-se uma tentativa de renunciar à
separação crítica de Kant entre natureza e liberdade, por meio de uma lógica
dialética e a pensar ambas como dialeticamente unificadas numa síntese
superior (Fichte, Schelling e Hegel). Voltando-se contra esse idealismo pós-
kantiano da liberdade, o positivismo (Comte, cum suis) atribuiu primazia
novamente ao motivo da dominação sobre a natureza, e enxergou a liberdade
da natureza humana autônoma como uma consequência natural do progresso
científico. O modo histórico de raciocínio passa pois a ser racionalizado e
visto como o plano superior do modo de raciocínio científico natural. O
darwinismo naturaliza o modo histórico de raciocínio num modo
evolucionista. O marxismo transforma o idealismo dialético de Hegel num
materialismo dialético histórico. O historicismo, nascido da conversão
irracionalista do motivo da liberdade, distancia-se, portanto, do idealismo
pós-kantiano que o havia restringido.
Torna-se um ideal da nova ciência que se desenvolve numa tensão
dialética com o ideal humanista de personalidade e mostra-se um adversário
bem mais perigoso do motivo da liberdade que o modelo científico de
pensamento do determinismo clássico. Leva a um relativismo universal que,
embora ainda descrito por Wilhelm Dilthey como um último passo para a
liberação do ser humano autônomo em relação a preconcepções dogmáticas,
começa a afetar, no entanto, os fundamentos religiosos do próprio
pensamento humanista.
Nietzsche já havia visto o niilismo no horizonte como o abismo no qual
o pensamento ocidental, sob a influência do historicismo, perigava cair. O
niilismo emergente é também promovido pela tecnocracia moderna e por seu
concomitante tratamento da pessoa como parte das massas. Isso escraviza a
personalidade livre ao motivo da dominação, que se desloca pois do
mandamento religioso e central do amor e de sua relação para com a raiz da
existência humana. Durante esse processo de desarraigamento espiritual do
pensamento moderno, sobrepujado pelo historicismo, surge o existencialismo
como um protesto contra o declínio interno da personalidade humana
autônoma. Søren Kierkegaard, seu fundador, estava completamente preso na
tensão dialética entre sua fé cristã e a posição isolada do indivíduo autônomo
suspenso no tempo. O indivíduo rebela-se contra a dialética de Hegel, porque
esta faz dele uma marionete do desvelamento dialético da Ideia.
Mas com Karl Jaspers, Martin Heidegger (em sua famosa obra Sein und
Zeit, Ser e Tempo) e Jean-Paul Sartre, o existencialismo é totalmente
humanizado e torna-se um escape final do processo de despersonalização
moderna da personalidade ocidental, que é reduzida ao “ser humano geral” e
impessoal (os “homens”). Torna-se uma tentativa, por meio da autorreflexão
filosófica, de restaurar ao motivo da liberdade humanista um conteúdo que
esteve em perigo de perder-se sob a influência do historicismo radical. O
motivo da liberdade existencialista, em oposição dialética ao “dado” como o
produto objetivo de uma dominação humanista completamente despida de
valores na ciência e tecnologia, dirige-se agora à existência do ego, mas em
sua “temporalização” histórica individual.
Contudo, com Heidegger e Sartre, essa liberdade existencial não tem
outra perspectiva senão a morte e o “nada”. É uma transcendência do “ser”
em direção ao “nada”. E na “fé filosófica” de Jaspers, o pensamento
existencial admite seu fracasso em apreender o transcendente que, no tempo,
continuamente se oculta em cifras (“Chiffren”).
O curto espaço nos impossibilita uma discussão mais extensa da
importância central desses motivos ao pensamento ocidental além do diorama
extremamente limitado apresentado acima. Contudo, é possível advertir com
frequência contra a confusão — que é autoevidente a partir da perspectiva da
imanência — entre esses motivos básicos centrais e os chamados temas
filosóficos que naturalmente poder ser encontrados em grande diversidade
dentro de um mesmo sistema filosófico e que não são redutíveis a um simples
tema filosófico. A coerência da rica diversidade dos temas filosóficos
somente se torna transparente levando-se em consideração o motivo básico
central. A posição cristã escolástica amiúde levanta vigorosas objeções à
crítica transcendental do pensamento, porque esta procede de um motivo
básico central na revelação da Palavra. As pessoas veem [na crítica
transcendental] uma seleção arbitrária da grande diversidade de “verdades de
fé” reveladas nas Sagradas Escrituras, e continuam a apegar-se à ideia de que
a filosofia pode apenas extrair seus “princípios cristãos” da Bíblia por
intermédio da teologia.
Uma teologia escolástica sente-se justamente ameaçada por uma crítica
transcendental que expõe seu motivo básico dialético, mas não pode ignorar a
incontornável questão concernente à “chave do conhecimento” que a exegese
teológica não pode oferecer. O motivo básico escolástico da natureza e do
sobrenatural afasta o pensamento teológico do controle radical e integral da
Palavra de Deus, excluindo com isso o foco na raiz da existência humana.
Isso também explica por que as pessoas são capazes de ver o motivo central
da criação, queda e redenção apenas como uma seleção arbitrária de
“verdades de fé” bíblicas.
O motivo da natureza e graça é, ex origine, um motivo de síntese.
Introduziu uma dualidade dialética dentro do pensamento cristão ao prover
alternadamente um ponto religioso de entrada para os motivos básicos grego
e humanista moderno. Entretanto, as pessoas acreditavam que poderiam ainda
manter-se em seu ponto de vista cristão.[14]
OBSERVAÇÕES FINAIS
A REAÇÃO DO POSITIVISMO
O romantismo e o hegelianismo começaram a introduzir suas
construções especulativas também em vários ramos da ciência. Na segunda
metade do século XIX, isso provocou uma reação poderosa dessas ciências
contra a interferência, por parte de qualquer filosofia (independentemente de
seu tipo), na “pesquisa factual”.
Essa tendência “positivista” moderna não se satisfez, contudo, em
separar a filosofia das ciências especiais. Num primeiro momento, essa
tendência opôs-se a toda filosofia, identificando-a com especulação. Seus
proponentes exigiam um modo puramente empírico do pensamento na
ciência, um que se apegaria aos “fatos”.
Na verdade, esse positivismo não era mais que uma reação moderna do
ideal natural de ciência contra a metafísica romântica e idealista do ideal
humanista da personalidade. Essa reação se evidenciou claramente na
ascensão do darwinismo, à época. O darwinismo mudou, num sentido
mecanicista e individualista, a noção romântica organológica e idealista de
desenvolvimento, que estava orientada para a teoria da história. Adquiriu
influência enorme em todas as ciências especiais e mesmo na psicologia, na
ciência da história, etnologia, econômica, na teoria do direito, teoria moral e
teologia.
Em sua famosa palestra intitulada “Evolution” [Evolução], Abraham
Kuyper descreveu a imensa influência das teorias darwinistas nesta
esplêndida abertura: “O século XIX está desvanecendo sob a hipnose do
dogma da evolução”.
Pouco depois, o ideal humanista de ciência construiu uma nova
filosofia naturalista (Haeckel, Ludwig Büchner e Moleschott) sobre a suposta
teoria puramente factual da evolução. E, mais uma vez, o pensamento cristão
buscou um compromisso com o novo dogma, particularmente nas ciências
naturais. A narrativa da criação apresentada nas Sagradas Escrituras foi
colocada, de todas as maneiras possíveis, no leito de Procusto da
acomodação. Mesmo alguns estudiosos cristãos da natureza falharam em
reconhecer de imediato que a ideia de uma pessoa ter evoluído dos
organismos mais simples num processo ininterrupto e mecânico de
desenvolvimento era um produto naturalista e especulativo do ideal
humanista da ciência.
No princípio do século XX, surgiu a inevitável reação contra esse
naturalismo evolucionista. A pesquisa científica contínua não ofereceu um
único fato que confirmasse a hipótese básica da teoria darwinista, isto é, que
as espécies reais, como formas completamente variáveis, evoluem num
processo contínuo de “adaptação” mecânica.
Espero que esses meus comentários tenham sido úteis, até aqui, para
dar-vos uma ideia de algumas realizações de Dooyeweerd e alguns aspectos
pessoais de sua vida. Contudo, deveria mencionar mais uma coisa: suas
viagens para o exterior que o levaram a turnês de palestras na Suíça, África
do Sul, França, Estados Unidos da América e Canadá. Sua turnê norte-
americana, em particular, foi longa e bastante árdua. Acompanhada por sua
esposa, ele esteve em atividade por muitos meses contínuos e falou em
inúmeras universidades e faculdades importantes de uma costa à outra, tanto
nos Estados Unidos quanto no Canadá. As palestras e inumeráveis eventos
menores e reuniões sociais criaram um seguimento de pessoas neste
continente. Muitos deles ainda se lembram, de tempos em tempos, do
primeiro encontro com Dooyeweerd, que era, segundo todos os relatos, um
orador dinâmico.
A viagem, embora tenha sido um sucesso em muitos aspectos, exigiu
dele um imenso esforço físico do qual jamais se recuperou plenamente. A
morte prematura de sua esposa também o afetou profundamente. De meu
longo “esboço em miniatura”, pode ser que tenhais a impressão de que me
esforcei em colocar Dooyeweerd em um tipo de “pedestal”. Se assim
pareceu, meu pai teria desaprovado fortemente. Pelo contrário, espero que
tenha sido capaz de mostrar que Dooyeweerd foi um homem talentoso, mas,
em muitos aspectos, uma pessoa bastante pé no chão. Em nossa família, o
amávamos profundamente e temos — cremos que justificadamente —
orgulho dele. Lembramo-nos dele como alguém que era bastante humilde
perante Deus e sempre se esforçava para apresentar-se ao serviço dele.
Poucos dias antes de sua morte, testemunhei pessoalmente como ele lutava
com o fato de que, a seus próprios olhos, ele não havia feito tudo para o qual
sentia que Deus lhe havia chamado.
Ora, antes de concluir minhas observações, gostaria de aproveitar esta
oportunidade, falando como Presidente da The Herman Dooyeweerd
Foundation e em nome da família Dooyeweerd, e, por este meio, expressar
publicamente minha estima ao Redeemer College, especialmente seu novo
Presidente, Dr. Justin Cooper, ao seu antigo Presidente, Reverendo Henry De
Bolster, aos membros da Diretoria, aos membros e ex-membros do Comitê
Diretor e à faculdade e funcionários que ajudaram que o Dooyeweerd Center
for Christian Philosophy se tornasse uma realidade.
Obrigado.
Glossário
O glossário de termos técnicos e neologismos de Dooyeweerd, produzido por Albert M.
Wolters, foi inicialmente publicado em L. Kalsbeek, Contours of a Christian Philosophy
(Toronto: Wedge, 1975), p. 346-354.[37] Em seguida, foi adaptado e reproduzido em C. T.
McIntire (ed.), The Legacy of Herman Dooyeweerd (Lanham MD, 1985), p. 167-171, e
finalmente editado e reproduzido de forma resumida pelo editor geral Daniel F. M. Strauss
em The Collected Works of Herman Dooyeweerd, com permissão do autor. Para a versão
em português, a versão final foi usada como base, sendo incluídos quase todos os verbetes
da primeira versão omitidos pela versão final. O texto de alguns verbetes foi expandido e
uns poucos novos verbetes foram incluídos para facilitar a compreensão.
O glossário não oferece definições técnicas exaustivas, mas pistas e indicadores para uma
melhor compreensão. Verbetes marcados com asterisco são aqueles usados por
Dooyeweerd com um sentido incomum em contextos filosóficos tradicionais, sendo, assim,
fonte potencial de confusão. Palavras em VERSALETE referem-se a outros verbetes neste
glossário.
[1]
Este ensaio constitui o capítulo I em Verkenningen (“Calvinistische Wijsbegeerte”), Buijten & Schipperheijn,
Amsterdã, 1962. Foi publicado pela primeira vez em 1956 em Scientia (W. de Haan, Zeist, 1956, pp.127-159).
Tradutor: John Vriend; Editores: T. Grady Spires, Natexa Verbrugge.
[2]
Ver a explicação do termo “radical” no Glossário. [N. do E., DFMS]
[3]
Ver a explicação do termo “motivo básico” no Glossário. [N. do E.]
[4]
Isto é, uma crítica que não deixa de levar em conta mesmo os axiomas filosóficos. [N. do T.]
[5]
Ver a explicação do termo “motivo básico” no Glossário. [N. do E.]
[6]
A investigação transcendental dessas estruturas de individualidade é, ao lado da investigação das estruturas modais,
certamente a parte positiva mais importante da filosofia da ideia cosmonômica. [N. do E.]
[7]
Esses termos em geral causam confusões desnecessárias, já que utilizam, com outro sentido, conceitos já
solidificados na tradição filosófica ocidental. É por isso que Roy Clouser, um dos principais intérpretes
contemporâneos do pensamento de Herman Dooyeweerd, opta pelas expressões “função ativa” (para a função-sujeito) e
“função passiva” (para função-objeto). [N. do T.]
[8]
Vejas as notas, no Glossário, sobre “estrutura de individualidade”. [N. do E.]
[9]
Ver, no Glossário, a definição de Gegenstand e os usos particulares que Dooyeweerd faz do termo. [N. do T.]
[10]
Para a filosofia cosmonômica, uma antinomia só se dá na atitude teórica; pois quando esta abstrai uma modalidade
de sua intercoerência temporal, é possível (embora não necessário) que leve à confusão entre as leis que se aplicam à
modalidade abstraída e as leis das demais modalidades. É, mais especificamente, uma contradição lógica originada pela
confusão ou indistinção entre as leis que regem cada aspecto modal (as esferas de lei). Conforme definição do
Glossário: Trata-se de “uma contradição lógica que surge de uma falha em distinguir os diferentes tipos de leis válidas
em diferentes modalidades. Uma vez que leis ônticas não conflitam (ver Principium Exclusae Antinomiae), uma
antinomia é sempre um sinal lógico de Reducionismo ontológico. Exemplo: os paradoxos de Zeno, causados por uma
confusão entre o aspecto espacial e o aspecto cinético (do movimento)”. [N. do T.]
[11]
Isso não significa que a estrada para a crítica transcendental esteja fechada à filosofia da imanência. Nesse caso, a
crítica transcendental teria de romper com a comunidade do pensamento filosófico à qual se dispõe a servir. Ao nível
da reflexão filosófica-teórica, a filosofia da ideia cosmonômica faz um constante apelo às situações estruturas
universalmente válidas que permaneceriam ocultas enquanto a atitude teórica do pensamento não as considerasse
criticamente. O fato de que a filosofia da imanência, por si, não é capaz de romper seu próprio ponto de vista
dogmático não demonstra que não seja capaz, de acordo com nossa crítica transcendental, de ser trazida a uma
autorreflexão crítica sobre seu próprio ponto de partida central. Somente impede, na medida em que seus aderentes
rejeitem conscientemente o motivo básico bíblico, que cheguem em algum momento a um autoconhecimento radical
que lhes revele o sentido apóstata de seu ponto de partida central. A declaração no texto busca simplesmente enfatizar
esse ponto.
[12]
Bos questiona o modo com que Dooyeweerd explica a gênese da tensão dialética inconciliável presente no
pensamento grego (cf. Bos, A.P.: Dooyeweerd en de wijsbegeerte van de oudheid, in: Herman Dooyeweerd 1894-1977,
Breedte en actualiteit van zijn filosofie, editado por H.G. Geertsema, J. Zwart, J. de Bruin, J. van der Hoeven & A.
Soeteman, Kok, Kampen 1994, p.197-227. De acordo com Bos, no entanto, o valor da análise dooyeweerdiana dessa
tensão dialética permanece inteiramente intacto: “Naar onze mening blijft de waarde daarvan overeind” [Em nossa
opinião, seu valor permanece inteiramente intacto] — p. 220. [N. do E.]
[13]
Essa contraposição metafísica é também conhecida como a oposição entre essência e aparência. [N. do E.]
[14]
A afirmação de Dooyeweerd não implica que os cristãos que adotaram a síntese com um motivo básico grego ou
humanista moderno deixam de sê-lo; pelo contrário, como o próprio filósofo disse anteriormente neste ensaio, a
filosofia cosmonômica busca não só o diálogo entre as várias tradições cristãs, pois acredita que o motivo básico
bíblico é católico (no sentido de universal) e portanto implode todo sectarismo, mas busca, de igual modo, a inserção na
comunidade filosófica acadêmica, evitando o isolacionismo intelectual, ao mesmo tempo em que expõe seu ponto de
partida, mantendo-se firme nele. Com efeito, segundo Dooyeweerd, é preciso que, na interação científica e teórica, cada
parte explicite seu ponto de partida (os diferentes motivos básicos), de modo que esse diálogo acadêmico (ao qual,
repetimos, a filosofia cosmonômica busca integrar-se) se torne honesto e realmente frutífero. Só assim seria possível de
fato realizar-se um dos objetivos a que a crítica transcendental se propõe, isto é, desmascarar a pretensa autonomia do
pensamento teórico, que confunde hipóteses teóricas com crenças religiosas. Assim, Dooyeweerd critica os diversos
autores da tradição cristã, sobretudo Tomás de Aquino, que, ainda quando movidos por boas intenções, e até sem o
perceberem, introduziram em seus sistemas um motivo básico não cristão ao acomodarem (pretensas) hipóteses
filosóficas sob a justificativa da autonomia da razão. Conforme demonstrado nos três problemas transcendentais,
nenhuma teoria é religiosamente neutra, consciente disto ou não, de forma que essa tentativa de síntese é impossível
(pela própria natureza da antítese religiosa). Entretanto, reforçamos: isto não significa que, para Dooyeweerd, esses
autores não sejam cristãos, nem que não cristãos não ofereçam diversas percepções acertadas no empreendimento
teórico e científico e que, por isso, é preciso rejeitá-las. A bem da verdade, toda a filosofia e ciência são apenas
tentativas falíveis de compreensão do mundo criado por Deus (ou, como Dooyeweerd prefere, a “ordem cósmica de
Deus”); e, conforme reconhecido por Dooyeweerd em diversos outros lugares, a filosofia da ideia cosmonômica não
possui superioridade inata sobre os demais esforços teóricos, nem é infalível. Novamente, o ponto para Dooyeweerd é
de que toda hipótese teórica tem de passar pelo crivo do motivo (e não propriamente das formulações doutrinárias) da
criação, queda e redenção. [N. do T.]
[15]
Na fenomenologia, a intencionalidade é o ato de consciência na apreensão do objeto. Por sua vez, o ato das coisas
de serem suscetíveis à apreensão de uma consciência é o “dado”. [N. do T.]
[16]
“De Zin der Geschiedenis” — retirado de: De Zin der Geschiedenis, editado por J.D. Bierens de Haan et.al., Van
Gorcum & Comp. N.V., Assen, 1942, p.17-27. Tradutores: K.C. and A.L. Sewell; Editor: Magnus Verbrugge.
[17]
Dooyeweerd vê o tempo como uma dimensão abrangente da realidade e que garante uma ordem de sucessão
(anterior e posterior) entre os diferentes aspectos. Inicialmente, ele denominava de “analogias” as referências aos
aspectos modalmente anteriores; e de “antecipações” as referências aos aspectos modalmente posteriores. Por fim, ele
simplificou essa distinção e passou a usar o termo “analogia” para abarcar esses dois “momentos intermodais de
coerência de sentido” — o que implica que temos de distinguir, nestes ensaios, entre analogias retrocipatórias e
analogias antecipatórias (cf. A New Critique of Theoretical Thought, Vol.II, 1955:75).
[18]
Remetemos o leitor à nota 7, para um entendimento mais profundo do uso singular
dessa expressão por Dooyeweerd. [N. do T.]
[19]
Originalmente, uma palestra ministrada na Koninglijke Akademie van Wetenschappen (Royal Academy of
º
Sciences and Humanities) em Amsterdã, por ocasião do 150 aniversário da instituição, em maio de 1958, N.V. Noord-
Hollandse Uitgeversmaatschappij, Amsterdam, p.213-228. Traduzido pela Academia; editado por Magnus Verbrugge.
[20]
Gênesis 1.28: “E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a;
dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra”.
[21]
O aspecto aqui designado “seguridade” é também chamado, mais comumente, de
pístico (do grego: pistis, fé). No caso, para Dooyeweerd, o núcleo modal do aspecto pístico
é a certeza ou segurança. Ver no Glossário o verbete PÍSTICO/PÍSTICA. [N. do T.]
[22]
Sib (ou sippe) é um termo utilizado na antropologia e designava originalmente a
instituição social dominante nas antigas comunidades tribais germânicas. Pode referir-se
tanto a um clã (um amplo grupo familiar que baseia as relações entre seus membros nas
relações de sangue, sendo, também, encabeçado por um chefe e progenitor reconhecido)
quanto a uma família menor, cujos membros ficam sobre a guarda (mund) do chefe de
família, até que, no caso dos rapazes, atinjam a maturidade física e, no caso das moças, se
casem e passem assim à guarda de seus maridos [Nota do Tradutor].
[23] Este ensaio constitui o capítulo IV, “De gevaren van de geestelijke ontwapening der Christenheid op het gebied
van de Wetenschap” no volume intitulado Geestelijk Weerloos of Weerbaar? (Intelectualmente Indefeso ou Armado?),
com introdução de J.H. DeGoede Jr., Ed. (editora não identificada, Amsterdã, 1937, p. 153-212). Tradutor: John
Vriend; Editors: T. Grady Spires, Natexa Verbrugge, Magnus Verbrugge.
[24]
O termo holandês “wetenschap” tem um escopo mais amplo que a palavra em português “ciência”, embora
frequentemente seja a ela associada. A bem da verdade, “wetenschap” se refere a todas as disciplinas acadêmicas, não
apenas às ciências naturais (e.g. matemática e física). [N. do E.]
[25]
No tocante às seções que se seguem, ver meu “De Wijsbegeerte der Wetsidee,” Livro I (Paris, Amsterdã, 1935),
Prolegomena; e o primeiro volume de minha obra A New Critique of Theoretical Thought (Collected Works, A-Series,
Mellen Press, Volumes 1-4).
[26]
Cf. Das Gebot und die Ordnungen (1932), p.76.
[27]
Op.cit., p.246.
[28]
Op.cit., p.664, note 470.
[29]
Conforme Calvino, inclusive, em Opera 49, 38: “nec vero cordis nomen pro sede affectuum, sed tantum pro
intellectu capitur", onde ele segue a concepção que se tornou comumente aceita desde Agostinho. No entanto, Bohatec,
em sua obra Calvin und das Recht (1934, p. 6), demonstrou que Calvino não localizava a "essência" do ser humano na
"razão". Ademais, nas Institutas (III, 2, 33), Calvino acusa os escolásticos de terem se desviado da perspectiva bíblica,
por causa do entendimento que tinham da fé como apenas conhecimento intelectual; ao concebê-la assim, não
perceberam que a fé tinha de estar viva no coração do indivíduo.
[30]
Isto é, a região do inteligível, tal como consta em República, VI, 508c; 509d; VII, 517b. [N. do T.]
[31]
Inicialmente, Dooyeweerd distinguia apenas quatorze aspectos. Em sua primeira designação da modalidade física,
ele usava o termo “movimento” (cf. De Wijsbegeerte der Wetsidee, Vol.II, p.71: “den wetskring der beweging”). Por
fim, depois de 1950, ele percebeu que a ciência da cinemática (foronomia e, atualmente, mecânica) pode “definer um
movimento uniforme sem qualquer referência a uma força causadora” — uma percepção que o inspirou a distinguir
entre aspectos cinemático e físico (cf. A New Critique of Theoretical Thought [NC], Vol. II, p.99). Um ponto histórico
digno de nota associado a isso é o fato de que o cunhado de Dooyeweerd, o falecido professor D.H.Th. Vollenhoven,
apresentou quinze modalidades na primeira edição de sua obra Isagogé Philosophiae em 1930 distinguindo a o aspecto
mecânico do aspecto físico. Contudo, nas edições de 1936, assim como as posteriors, essa distinção desaparece, pois
Vollenhoven reconhece então o aspecto físico (cf. K.A. Bril: A Selected and Annotated Bibliography of D.H.Th
Vollenhoven, in: Philosophia Reformata, 1973, p.216). Dooyeweerd, por outro lado, quanto a isso, menciona
apropriadamente a lei da inércia, conforme formulada por Galileu (cf. New Critique II, p. 99). A. Maier (Die Vorläufer
Galileis im 14. Jahrhundert, Roma 1949, pp.132-215) demonstra, de modo persuasivo, que essa lei havia sido
antecipada por pensadores do século XIV. Num contexto distinto, P. Janich enfatizou uma “rígida distinção entre as
declarações foronômicas (posteriormente chamadas de cinemáticas) e as dinâmicas” (“Tragheitsgesetz und
Inertialsystem”, in: Frege und die modern Grundlagenforschung, ed. Chr. Thiel, Meisenheim am Glan, 1975, p.68).
[32]
Analisei essas questões de modo mais extensivo em meu artigo “De Wetsbeschouwing in Brunner's boek ‘Das
Gebot und die Ordnungen’” (A concepção de lei na obra “O Imperativo Divino”, de Brunner), no periódico
Antirevolutionaire Staatkunde, (órgão trimestral, publicado por Kok, Kampen), 1935, p.1-42.
[33]
Cf. E. Weber, Die philosophische Scholastik des deutschen Protestantismus im Zeitalter der Orthodoxie,
Abhandlugen zur Philosophie und ihrer Geschichte, edited by R. von Falckenberg, 1st Volume, 1907.
[34]
Ver meu: De Wijsbegeerte der Wetsidee, Livro I (Amsterdã, Paris, 1935), Parte II, p. 181 s. (A New Critique of
Theoretical Thought, Vol.I, p. 150 s.).
[35]
“Radical”, aqui, refere-se mais uma vez ao significado particular que o termo adquiriu na filosofia de Dooyeweerd,
conforme definido no Glossário. [N. do T.]
[36] Considerações de Herman Dooyeweerd Jr., Presidente do The Herman Dooyeweerd Foundation, palestra
ministrada na ocasião da inauguração official do “The Dooyeweerd Centre for Christian Philosophy”, no Redeemer
College, em 5 de novembro de 1994.
[37]
Em edição brasileira: Contornos da filosofia cristã, trad. Rodolfo Amorim de Souza (São Paulo: Cultura Cristã,
2015), p. 251-263. [N. do R.]