Tese 48

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO

Centro de Ciências Humanas e Sociais – CCH

Programa de Pós-Graduação em Memória Social – PPGMS

ISABELA TORRES DE CASTRO INNOCENCIO

MEMÓRIA DE AFRODESCENDENTES NO VALE DO


PARAÍBA: DE COLÔNIA AGRÍCOLA NOSSA SENHORA
DA PIEDADE A BAIRRO DE VILA ISABEL. LUGAR DE
MEMÓRIA, HISTÓRIA E ESQUECIMENTO EM
TRÊS RIOS, 1882-1951

RIO DE JANEIRO
2015
ISABELA TORRES DE CASTRO INNOCENCIO

MEMÓRIA DE AFRODESCENDENTES NO VALE DO


PARAÍBA: DE COLÔNIA AGRÍCOLA NOSSA SENHORA
DA PIEDADE A BAIRRO DE VILA ISABEL. LUGAR DE
MEMÓRIA, HISTÓRIA E ESQUECIMENTO EM
TRÊS RIOS, 1882-1951

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Memória Social da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro como
requisito para obtenção do título de Doutora em
Memória Social.

Orientadora: Regina Abreu

Linha de Pesquisa: Memória e Patrimônio.

RIO DE JANEIRO
2015
Innocencio, Isabela Torres de Castro.
Memória de Afrodescendentes no Vale do Paraíba: de Colônia
Agrícola Nossa Senhora da Piedade a Bairro de Vila Isabel.
Lugar de Memória, História e Esquecimento em Três Rios, 1882-
1951 / Isabela Torres de Castro Innocencio. -- 2015.
369 f. : il.

Orientadora: Regina Abreu

Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Estado do Rio de


Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Memória Social, Rio de
Janeiro, BR-RJ, 2015.

1. Colônia Nossa Senhora da Piedade. 2. Bairro Vila Isabel.


3. Memória. 4. Silêncio. 5. Esquecimento. 6. Afrodescendentes.
I. Título. II. Abreu, Regina, orient. III - Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
ISABELA TORRES DE CASTRO INNOCENCIO

MEMÓRIA DE AFRODESCENDENTES NO VALE DO


PARAÍBA: DE COLÔNIA AGRÍCOLA NOSSA SENHORA
DA PIEDADE A BAIRRO DE VILA ISABEL. LUGAR DE
MEMÓRIA, HISTÓRIA E ESQUECIMENTO EM
TRÊS RIOS, 1882-1951

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Memória Social da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro como
requisito para obtenção do título de Doutora em
Memória Social.
Linha de Pesquisa: Memória e Patrimônio.

Data de defesa: 05 de maio de 2015.

Resultado:_________________________

BANCA EXAMINADORA:

Andrea Lopes da Costa Vieira Prof. Dra. ______________________________


Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

José Ribamar Bessa Freire Prof. Dr.________________________________


Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Martha Campos Abreu Prof. Dra._______________________________


Universidade Federal Fluminense

May Telles Ribeiro Waddington Prof. Dra._______________________________


Universidade Federal do Sul da Bahia
In memorian
Aylton Torres de Castro

À Isabel Maria de Castro, exemplo de


amor, força e fé.

Ao Marcelo Innocencio, companheiro,


incentivador, amor e amigo.

Aos meus filhos Vanessa e Gabriel,


amores que me impulsionam, que nutrem
a minha vida de energias positivas e me
realizam em nosso convívio.
Ao concluir este trabalho, quero agradecer:

- a Deus, que me fortalece e me faz confiar na capacidade de vencer os


obstáculos que se apresentam nas pequenas e nas grandes realizações de
minha vida.

- a minha orientadora, Professora Drª Regina Abreu, pela paciência, dedicação


e compreensão nos momentos difíceis; e por sua orientação minuciosa e
competente.

- aos meus professores do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da


UNIRIO, pela sabedoria e contribuição dada à minha formação e à minha tese.

- ao coordenador do curso, Professor Dr. Francisco Ramos de Farias, por sua


solicitude e competência ao se relacionar com os discentes.

- aos funcionários da Câmara Municipal de Paraíba do Sul, da Câmara


Municipal de Três Rios, da Casa de Cultura de Três Rios; ao Vicente Torres do
Instituto Histórico e Geográfico de Paraíba do Sul; aos moradores do bairro de
Vila Isabel que colaboraram na pesquisa, pelo carinho e auxílio no
levantamento de fontes.

- aos meus colegas da FAETERJ/Três Rios, compreensivos e dispostos a


colaborar para a realização deste trabalho.

- à professora Mariângela Innocencio, pela revisão do texto final e ao professor


Anrafel do Centro Vocacional Tecnológico de Três Rios, pela contribuição dada
à formatação das tabelas.

- a todas as pessoas que me incentivaram, entenderam e contribuíram para o


término desta pesquisa.
RESUMO

Em 1931, a Colônia Agrícola Nossa Senhora da Piedade estava sendo aforada. Para
não perder o restante de suas terras, herdadas dos libertos da Condessa do Rio Novo,
os seus descendentes resistiram durante duas décadas (1930 e 1940) até que, em
1951, conseguiram as escrituras das terras que eram suas por direito, através de uma
ação de usucapião iniciada em 1940. As terras nessas décadas sofreram
transformações. A Colônia Agrícola Nossa Senhora da Piedade tornou-se bairro
Colônia e, posteriormente, bairro Vila Isabel. Nesta tese percorremos os caminhos da
memória dos libertos da Condessa do Rio Novo, bem como a de seus descendentes.
Para isso, transitamos pelas terras de Paraíba do Sul, quando foram ocupadas no final
do século XVII, narrando as lutas, as resistências e os conflitos empreendidos naquele
espaço onde se desenvolveu essa história e conhecendo um pouco do ambiente
senhorial e escravista em que a Condessa do Rio Novo estava inserida. Analisamos o
período de 1882 a 1932, que compreendeu a alforria dos escravos da Condessa do
Rio Novo, a criação da Colônia Agrícola Nossa Senhora da Piedade, o seu
funcionamento e a sua decadência. Mostramos as transformações sociais,
econômicas, culturais e políticas ocorridas naquele espaço, nas décadas de 1930,
1940, até o início da década de 1950, quando o bairro Colônia se transforma em bairro
Vila Isabel. Entrevistamos afrodescendentes dos libertos e moradores antigos que
acompanharam as mudanças no bairro. Assim, a história que procuramos narrar
transita por três caminhos: a memória, o silêncio e o esquecimento.

Palavras-chave: Colônia Nossa Senhora da Piedade. Bairro Vila Isabel. Memória.


Silêncio. Esquecimento. Afrodescendentes.
SUMMARY

In 1931, the Nossa Senhora da Piedade Agriculturial Colony was being


transfered . Not to lose the rest of the lands inherited from those who were set
free by Condessa do Rio Novo, the descendantes resisted during two decades
(1930 and 1940) so that, in 1951, they got the land’s contracts that were theirs
right, through na adverse possession law suit initiated in 1940. The lands on
those days suffered transformations . The Nossa Senhora da Piedade
Agriculturial Colony, turned into Colony borough and, after, Vila Isabel borough.
On this thesis we went through the memories of the Condessa do Rio Novo’s
freeds., as well as their descendantes and for this we roamed through Paraíba
do Sul’s lands when they were occupied at the end of the XVII century, to
narrate the fights, the resistances and the conflicts undertook on that space
where the history was developed and know a little of the manorial atmosphere
and slave which Condessa do Rio Novo was inserted.We analyzed the 1882
through 1932 period, that comprehended the Condessa do Rio Novo slaves’
emancipation, the Nossa Senhora da Piedade Agriculturial Colony foundation,
and its operation and its decadence. We showed the social, economics,
cultural and political transformations occurred on that space, on the 1930,1940
and in the beginning of the 1950 decade, when it turns into Vila Isabel borough.
We interviewed freed’s afro-descendantes and old dwellers that followed the
borough changes. This way, the history we tried to narrate, goes through three
ways: memory, silence and forgetfulness.

Key words: Nossa Senhora da Piedade Colony. Vila Isabel borough. Memory.
Silence. Forgetfulness. Afro-descendants.
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Relação de escravos africanos que deveriam ser livres..................80

Tabela 2 – Escravos nascidos na província do Rio de Janeiro – de 10 a 30


anos de idade....................................................................................................82

Tabela 3 – Escravos nascidos na província do Rio de Janeiro – de 31 a 70


anos de idade....................................................................................................82

Tabela 4 – Distribuição por sexo e faixa etária..................................................84

Tabela 5 – Número de ingênuos existentes na fazenda de Cantagalo.............85

Tabela 6 – Escravos comprados de outras províncias......................................87


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – D. Nair Pereira de Oliveira no quintal de sua casa no bairro Vila


Isabel...............................................................................................................199
Figura 2 – Documento do pai de D. Nair Pereira de Oliveira (Sr. João
Pereira)............................................................................................................201
Figura 3 – D. Nair Pereira de Oliveira na porta de sua casa no bairro Vila
Isabel...............................................................................................................203
Figura 4 – Escritura dos terrenos de D. Nair Pereira de Oliveira no bairro Vila
Isabel...............................................................................................................204
Figura 5 – Área dos terrenos de D. Nair Pereira de Oliveira no bairro Vila Isabel
(escritura).........................................................................................................205
Figura 6 – Terrenos de D. Nair Pereira de Oliveira no bairro Vila Isabel
(escritura).........................................................................................................206
Figura 7 – Lei Municipal reconhecendo a utilidade pública do movimento
comunitário Grupo dos Treze..........................................................................209
Figura 8 – “Prêmio Mãe Preta” ao Grupo dos Treze “pelos relevantes serviços
prestados à comunidade de Vila Isabel”..........................................................211
Figura 9 – Destaque do ano de 2004 ao “Movimento Comunitário Grupo dos
Treze”...............................................................................................................215
Figura 10 – Sede do Grupo dos Treze no bairro Vila Isabel............................215
Figura 11 – Sede do Grupo dos Treze (à esquerda, o Sr. Hélio Silva)...........216
Figura 12 – D. Maria da Glória Cerqueira de Carvalho e sua filha Angela Maria
em sua casa no bairro Vila Isabel....................................................................217
Figura 13 – Sr. Feliciano Cerqueira de Carvalho (de chapéu, terno e bengala,
ao centro) em suas terras no bairro Vila Isabel...............................................218
Figura 14 – D. Maria da Glória Cerqueira de Carvalho e sua filha Angela Maria
na varanda de sua casa no bairro Vila Isabel..................................................219
Figura 15 - Sr. Feliciano Cerqueira de Carvalho em suas terras no bairro Vila
Isabel...............................................................................................................220
Figura 16 – Sr. Valdir Neves de Lima e sua esposa, D. Ana...........................222
Figura 17 – Fachada do prédio do Sr. Valdir Neves de Lima no bairro Vila
Isabel (residência e loja) – à esquerda Praça Ambrozina Bastos...................227
Figura 18 – Busto da “Mãe Preta” na Praça Ambrozina Bastos......................227
Figura 19 – D. Jane Machado da Costa..........................................................229
Figura 20 – Rossi Meleide, Wilson e Vilma Bastos.........................................239
Figura 21 – Documento do filho de D. Ambrozina Bastos – Sr. Porfírio de Lima
Bastos (Pipiu)...................................................................................................240
Figura 22 – D. Ambrozina Bastos (ao centro de casaco preto) e amigos em
suas terras no bairro Vila Isabel......................................................................244
Figura 23 – Sr. José Ferreira da Costa............................................................250
Figura 24 – Sr. José Ferreira da Costa e D. Sebastiana.................................253
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................14

1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS..................................................................25
1.1 PROCESSO DE OCUPAÇÃO DAS TERRAS EM PARAÍBA DO SUL E A
FORMAÇÃO DA FAZENDA DE CANTAGALO.................................................25
1.2 PARAÍBA DO SUL E O CONTEXTO HISTÓRICO A PARTIR DE MEADOS
DO SÉCULO XIX: LUGAR DE FUGAS, RESISTÊNCIA E CONQUISTAS
ESCRAVAS.......................................................................................................38

2. LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS E FORMAÇÃO DA COLÔNIA AGRÍCOLA


NOSSA SENHORA DA PIEDADE EM 1882.....................................................62
2.1 OS SIGNIFICADOS: RELIGIOSO, POLÍTICO-SOCIAL E DA LIBERDADE
NO TESTAMENTO E NO INVENTÁRIO DA CONDESSA DO RIO NOVO.......64
2.1.1 O Significado Religioso.............................................................................64
2.1.2 O Significado Político-Social.....................................................................72
2.1.2.1 A escravidão como modelo político-social.............................................73
2.1.2.2 As listas dos libertos..............................................................................76
2.1.2.3 Libertos e a questão do tráfico...............................................................78
2.1.2.4 Filhos de africanos que deveriam ser livres...........................................81
2.1.2.5 Reprodução de escravos.......................................................................83
2.1.2.6 Escravos de outras províncias...............................................................86
2.1.2.7 As ideias abolicionistas no século XIX...................................................88
2.1.3 Os Significados da Liberdade...................................................................98

3. O LIBERTO NA COLÔNIA AGRÍCOLA NOSSA SENHORA DA


PIEDADE.........................................................................................................107
3.1 DE ESCRAVO A COLONO.......................................................................107
3.2 OS PRIMEIROS ANOS DA COLÔNIA AGRÍCOLA...................................124
3.3 AS MUDANÇAS NA COLÔNIA ................................................................132
3.3.1 O Arrendamento da Terra.......................................................................132
3.3.2 Os Aforamentos......................................................................................143
4. DE COLÔNIA AGRÍCOLA NOSSA SENHORA DA PIEDADE A BAIRRO
DE VILA ISABEL: HISTÓRIA, ESQUECIMENTO E SILÊNCIO.....................150
4.1 ABOLIÇÃO E REPÚBLICA: MUDANÇAS, PERMANÊNCIAS E
EMBRANQUECIMENTO DA POPULAÇÃO....................................................150
4.2 HISTÓRIA, ESQUECIMENTO E SILÊNCIO..............................................162
4.2.1 A Década de 1930..................................................................................163
4.2.2 A Década de 1940..................................................................................174

5. MEMÓRIAS DA VILA ISABEL....................................................................195


5.1 LEMBRANÇAS DE TRAJETÓRIAS DE VIDA...........................................196
5.1.1 Nair Pereira de Oliveira...........................................................................199
5.1.2 Aurélio de Oliveira...................................................................................206
5.1.3 Hélio Silva...............................................................................................210
5.1.4 D. Maria da Glória Cerqueira de Carvalho..............................................216
5.1.5 Sr. Valdir Neves de Lima........................................................................220
5.1.6 D. Jane Machado da Costa....................................................................228
5.1.7 Rossi Meleide Bastos.............................................................................238
5.1.8 Wilson Bastos.........................................................................................244
5.1.9 Vilma Lima Bastos..................................................................................245
5.1.10 Sr. X conta a história do Sr. “João Caetano” (João Pereira da Silva): uma
versão..............................................................................................................247
5.1.11 Sr. José Ferreira da Costa....................................................................250
5.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TRAJETÓRIAS DE VIDA.......................254

CONCLUSÃO..................................................................................................269

REFERÊNCIAS...............................................................................................273

ANEXOS..........................................................................................................283
Anexo I – Plano da Capitania do Rio de Janeiro – Levantado 1784-Copiado em
1803.................................................................................................................283
Anexo II – Parte do Caminho Novo para Minas – 1803...................................284
Anexo III – Mapa da Província do Rio de Janeiro – 1830................................285
Anexo IV – Área do Caminho Novo para Minas..............................................286
Anexo V – Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro – 1858-
1861.................................................................................................................287
Anexo VI – Tabela de Dados de Escravos Fugitivos – 1868/1869..................288
Anexo VII – Tabela de Dados de Escravos Fugitivos – 1873/1874.................293
Anexo VIII – Trechos do Artigo sobre a Colônia de Nova Lousã.....................298
Anexo IX – Relação dos Escravos Declarados Livres da Fazenda de
Cantagalo.........................................................................................................301
Anexo X – Relação dos Ingênuos da Fazenda de Cantagalo.........................306
Anexo XI – Relações do Acrescentamento dos Ingênuos; dos Escravos
Libertados; dos Escravos Falecidos; e dos Ingênuos Falecidos da Fazenda de
Cantagalo.........................................................................................................307
Anexo XII – Nota do Jornal “Gazeta de Notícias”............................................309
Anexo XIII – Boletim nº 3 da Sociedade Central de Imigração – RJ...............311
Anexo XIV – Nota do Jornal “O Provinciano”...................................................316
Anexo XV – Nota do Jornal “O Provinciano” – Paraíba do Sul à S. M. O
Imperador e ao Sr. Ministro da Justiça............................................................317
Anexo XVI – Ata da Câmara Municipal de Paraíba do Sul, 26 de Junho de
1892.................................................................................................................319
Anexo XVII – Análise do Dr. Antonio Luz dos Santos Werneck......................320
Anexo XVIII – Capítulo XIV – Da Administração dos Bens e Patrimônio da Casa
de Caridade.....................................................................................................321
Anexo XIX – Relatório de 1916 – Irmandade de Nossa Senhora da
Piedade............................................................................................................322
Anexo XX – Relatório de 1929 – Irmandade de Nossa Senhora da
Piedade............................................................................................................323
Anexo XXI – Notas do “Entre-Rios Jornal” – PMPS – Seção de Obras – Edital;
PMPS – Estrada de Entre-Rios à Colônia; Foi inaugurada a Escola da
Colônia.............................................................................................................324
Anexo XXII – Nota do “Entre-Rios Jornal” – Foram incineradas, em Entre-Rios,
23.129 saccas de café.....................................................................................325
Anexo XXIII – Nota do “Entre-Rios Jornal” – Uma Embaixada do Collegio
Universitário visitou Entre-Rios........................................................................326
Anexo XXIV – Nota do “Entre-Rios Jornal” – Inaugurada no Bairro da Colônia a
illuminação pública...........................................................................................327
Anexo XXV – Nota do “Entre-Rios Jornal” – Comarca de Paraíba do
Sul....................................................................................................................329
Anexo XXVI – Juntada do Inventário do Espólio da Condessa do Rio
Novo.................................................................................................................332
Anexo XXVII – Nota do “Entre-Rios Jornal” – O Colônia Esporte Clube
concretiza uma de suas caras aspirações.......................................................334
Anexo XXVIII – Nota do “Entre-Rios Jornal” – Um grande Festival Esportivo dia
15 deste mês, na Colônia, com uma sensacional corrida
atlética..............................................................................................................335
Anexo XXIX – Escritura de Doação de D. Nair Pereira de Oliveira.................336
Anexo XXX - Ata da Câmara Municipal de Três Rios, 22 de Janeiro de
1951.................................................................................................................338
Anexo XXXI – Figuras......................................................................................343
Anexo XXXII – Roteiro de Entrevista...............................................................368
INTRODUÇÃO

Se eu mesmo sou um ser acabado e


se o acontecimento é algo acabado,
não posso nem viver nem agir; para
viver, devo estar inacabado, aberto
para mim mesmo – pelo menos no
que constitui o essencial da minha
vida-, devo ser para mim mesmo um
valor ainda por-vir, devo não coincidir
com a minha própria atualidade.

Mikhail Bakhtin

A conclusão do curso de graduação em História pela Faculdade de


Filosofia, Ciências e Letras de Vassouras, em 1991, foi o ponto de partida de
nossa busca. Para o trabalho de conclusão do curso, a proposta era de que os
discentes fizessem uma pesquisa sobre história local, de suas cidades de
origem.
Nosso trabalho consistiu em analisar o testamento da Condessa do Rio
Novo, proprietária da Fazenda de Cantagalo, em Paraíba do Sul. Chamou a
nossa atenção que, em seu testamento, ela, tendo libertado seus escravos,
propôs que fosse formada, em sua fazenda, uma “colônia agrícola”. Assim, foi
criada a Colônia Agrícola Nossa Senhora da Piedade.
A nossa busca iniciada ao final do curso de graduação encontra-se,
atualmente, em seu momento de conclusão. A seguir iremos descrever a
trajetória e as etapas de nossa pesquisa.
Continuando os estudos, tendo ingressado no mestrado1 continuamos a
pesquisa sobre a Colônia Agrícola Nossa Senhora da Piedade, situada em
Paraíba do Sul (1882-1932), Vale do Paraíba Fluminense2.

1
INNOCENCIO, Isabela Torres de Castro. Liberdade e acesso à terra: Fazenda de
Cantagalo – Paraíba do Sul (1882-1932). Dissertação de Mestrado – USS/Vassouras, 2002.
2
Atualmente, a região onde se localizava a colônia agrícola, pertence à cidade de Três
Rios/RJ, que até 1938 era 2º distrito de Paraíba do Sul/RJ. “Três Rios possui uma área de 288
quilômetros quadrados. A altitude de sede corresponde a 160m. O clima é tropical de altitude,
quente e úmido com chuvas de verão, os solos predominantes são argilosos, sendo uma
temperatura máxima de 40° (quarenta graus) e mínima de 17° (dezessete graus), Temperatura
de bulbo úmido 28° e índice pluviométrico de 47 mm/ média anual. O município limita-se a
Noroeste com o município de Levy Gasparian/RJ; a Nordeste, com o estado de Minas Gerais,

14
Posteriormente, o projeto para o ingresso no curso de doutorado tinha
como objetivos: promover e proteger a sua memória, de uma colônia formada
por libertos da Condessa do Rio Novo e, posteriormente, conseguir o
reconhecimento da história da colônia, como um “patrimônio cultural imaterial”
de nossa região. Partimos do princípio de que seria preciso valorizá-la para
utilizá-la como objeto de conscientização. Isso porque,

[...] os seres humanos usam seus símbolos sobretudo para agir, e


não somente para se comunicar. O patrimônio é usado não apenas
para simbolizar, apresentar ou comunicar: é bom para agir. Essa
categoria faz a mediação sensível entre seres humanos e divindades,
entre mortos e vivos, entre passado e presente, entre o céu e a terra
e entre outras oposições. Não existe apenas para representar ideias
e valores abstratos e ser contemplado. O patrimônio, de certo modo,
constrói, forma as pessoas. (GONÇALVES, In: ABREU e CHAGAS,
2009, p. 31)

Acreditamos que ampliar o conhecimento sobre a cultura dos


afrodescendentes, em especial a história dos libertos na colônia agrícola,
produziria um efeito positivo na vida de seus descendentes, e nos demais
segmentos da sociedade, no que diz respeito às redes de relações. O
antropólogo Claude Lévi-Strauss (1960, apud, ABREU, In: ABREU e CHAGAS,
2009, p. 37), afirma que “[...] o relacionamento entre as culturas seria a forma
mais positiva de atualizar o ideário da igualdade dos homens, em suas
realizações particulares”.
Segundo Abreu, com a afirmação de Lévi-Strauss,

[...] delineava-se a ideia de que havia um patrimônio cultural a ser


preservado e que incluía não apenas a história, em suas mais
diversas expressões. A noção de cultura incluía hábitos, costumes,
tradições, crenças; enfim, um acervo de realizações materiais, e
imateriais, da vida em sociedade. (ABREU, In: ABREU e CHAGAS,
2009, p. 37)

sendo o rio Paraibuna o limite natural; ao Sul, com o município de Areal/RJ; a Sudeste, com o
município de São José do Vale do Rio Preto/RJ; a Leste, com o município de Sapucaia/RJ, e, a
Oeste, como o município de Paraíba do Sul/RJ. Possui uma população aproximada de 80.000
habitantes. Fonte: “Panorama Sócio-Econômico do Município de Três Rios” /PMTR – Prefeitura
Municipal de Três Rios, 2002.

15
Ao assimilarmos tais informações, por continuarmos envolvidos com
aquela história, começamos a relacionar a colônia ao conceito de “patrimônio
cultural imaterial”. Imaterial, pois ela foi extinta através de arrendamentos e
aforamentos feitos pela Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, responsável
pela sua administração, além de questões políticas e econômicas do final do
século XIX e início do XX. Após 1932, a colônia agrícola foi se transformando,
tornou-se bairro3 Colônia e, posteriormente, bairro de Vila Isabel4.

A noção de patrimônio imaterial ou intangível começa a penetrar no


discurso ocidental de patrimônio por meio das criações populares, na
primeira expansão tipológica do conceito, ocorrida nos anos 60. Em
nível internacional, o primeiro documento a introduzir a importância
de sua valorização foi a Carta de Veneza, de 1964, ao estabelecer,
em seu artigo 1º, que a noção de monumento histórico se estende
“não só às grandes criações, mas também às obras modestas, que
tenham adquirido, com o tempo, significação cultural”. Foi então,
mediante a valorização do caráter dos pequenos povoados, que a
chamada “cultura tradicional e popular” foi se tornando objeto
patrimonial. (SANT’ANNA, 2001, p. 153)

Pensamos em contribuir para a “memória social”, em especial para a


memória da cidade de Três Rios/RJ; continuando a pesquisa e o registro da
memória daquele grupo que viveu em um “lugar de memória”, na expressão de
Pierre Nora, apresentando trajetórias de vida dos seus descendentes;
trajetórias de vida de antigos moradores do bairro de Vila Isabel, e de
documentação histórica referente ao período pesquisado.

3
“O bairro é, quase por definição, um domínio do ambiente social, pois ele constitui para o
usuário uma parcela conhecida do espaço urbano na qual, positiva ou negativamente, ele se
sente reconhecido. Pode-se portanto apreender o bairro como esta porção do espaço público
em geral (anônimo, de todo o mundo) em que se insinua pouco a pouco um espaço privado
particularizado pelo fato do uso quase cotidiano desse espaço. A fixidez do habitat dos
usuários, o costume recíproco do fato da vizinhança, os processos de reconhecimento – de
identificação – que se estabelecem graças à proximidade, graças à coexistência concreta em
um mesmo território urbano, todos esses elementos ‘práticos’ se nos oferecem como imensos
campos de exploração em vista de compreender um pouco melhor esta grande desconhecida
que é a vida cotidiana.” Para maior compreensão sobre “bairro”, ver: CERTEAU; GIARD;
MAYOL, 2012, p. 37- 45.
4
“A troca de nome se deu através do projeto de lei apresentado em plenário pelo professor
Monerat (então vereador), em 26 de novembro de 1951 e sancionado como lei Nº 106, de 06
de dezembro de 1951”. www.associartbrasil.com.br. Acesso em: 14.06.2013.

16
Entendemos que o conceito de memória social “[...] se trata de um
conceito complexo, inacabado, em permanente processo de construção”, pois
a memória “[...] está inserida em um campo de lutas e de relações de poder,
configurando um contínuo embate entre lembrança e esquecimento”.
(GONDAR e DODEBEI, 2005, p. 7)
Para Bourdieu (1990, p. 28), muitas vezes o “campo de lutas” é o próprio
objeto do pesquisador. Este pretende revelar fatos e relações que nem sempre
são explícitos, pois muitas questões aparentam naturalidade, uma vez que, as
lutas e as relações de poder são aspectos pouco revelados da realidade social.
Bourdieu (1988, p. 19) acredita no interesse do pesquisador em produzir
um discurso verdadeiro, para desvendar o que está escondido e censurado no
mundo social.
Sendo assim, nosso objeto de pesquisa se insere no conceito de
“campo” de Bourdieu (1988, p. 86), pois ele o define como um espaço
estruturado de posições, onde dominantes e dominados lutam pela obtenção e
pela manutenção de determinados postos. Com as suas características
próprias, os campos possuem propriedades que lhes são particulares, onde
existem os mais variados tipos.
Nos processos de diferenciação social se formam os campos com os
seus “seres” e os seus modos de conhecerem o mundo. Neles, se apresentam
as relações de força entre os agentes (indivíduos e grupos) e as instituições
que lutam pela hegemonia, isto é, o monopólio da autoridade, que possui o
poder de ditar as regras e de repartir o capital específico de cada campo.
(BOURDIEU, 1988, p. 114)
A estrutura dos campos envolve lutas e tensões pela conquista de
posições e de capital. Desigualmente distribuído e acumulado, o capital
específico do campo, motiva os seus agentes a buscarem a sua posse
elaborando estratégias de luta. Aqueles que monopolizam a autoridade
específica ao campo tendem a organizar estratégias de conservação, opondo-
se aos dominados que detêm menos capitais e que procuram subverter a
dominação, articulando estratégias de subversão. Os momentos de crise
surgem quando a posição dos antigos dominantes é questionada pelos
dominados que procuram alterar as posições de poder. (BOURDIEU, 1988, p.
114)

17
Sendo assim, consideramos o bairro de Vila Isabel como um “campo de
lutas” e também como um “lugar de memória” do afrodescendente, porque,
segundo Nora,

[...] os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não


há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso
manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios
fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais. É
por isso que a defesa, pelas minorias, de uma memória refugiada
sobre focos privilegiados e enciumadamente guardados, nada mais
faz do que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de
memória. (NORA, 1993, p. 13)

Concordando com o pensamento de Bourdieu e de Pierre Nora, o nosso


trabalho consistiu no registro de uma memória que permanece obscurecida,
uma vez que, também em nossa região, o “foco” da história privilegiou os
grupos dominantes em detrimento dos grupos dominados.
Na Carta5 de Atenas, de novembro de 1933, encontramos a seguinte
afirmação: “[...] a morte atinge tanto as obras como os seres [...]”; como
também a seguinte indagação: “[...] quem fará a discriminação entre aquilo que
deve subsistir e aquilo que deve desaparecer?”
Observando os patrimônios históricos das cidades de Paraíba do Sul e
de Três Rios, como, por exemplo, o que restou da estação Ferroviária de Três
Rios; a Capela de Nª Sª da Piedade; o palacete do Barão Ribeiro de Sá (ex-
provedor da Irmandade de Nª Sª da Piedade); a Câmara Municipal de Paraíba
do Sul; a ponte sobre o rio Paraíba do Sul, entre outros, percebe-se que estes
são testemunhos materiais, expressões de cultura de uma época, dos barões,
do Império. Foram os patrimônios escolhidos para subsistir.
Segundo Fonseca (In: ABREU e CHAGAS, 2009, p. 64),

[...] o termo “preservação” costuma ser entendido exclusivamente


como tombamento. Tal situação veio reforçar a ideia de que as

5
“Cartas Patrimoniais são documentos, cartas, recomendações referentes à proteção e
preservação do patrimônio cultural, elaborados em encontros em diferentes épocas e partes do
mundo. São políticas de preservação do Patrimônio Nacional desenvolvidas por órgãos de
preservação que referenciam os valores patrimoniais quanto a seus aspectos sócio-culturais.
Na Carta de Atenas marca-se a primazia atribuída à definição dos contornos urbanos pelos
princípios do urbanismo e a necessidade de construções funcionais amplas e ensolaradas. O
documento caracteriza-se como referência para fundamentações ideológicas principalmente na
América Latina, ditando os projetos de urbanismo de muitas gerações.” www.portaliphan.gov.br
e www.trabalhosfeitos.com/ensaios/cartas_patrimoniais/736478.html Acesso em: 10.04.2012.

18
políticas de patrimônio são intrinsecamente conservadoras e elitistas,
uma vez que os critérios adotados para o tombamento terminam por
privilegiar bens que referem os grupos sociais de tradição européia,
que, no Brasil, são aqueles identificados com as classes dominantes.

Pensamos, inicialmente, a colônia agrícola Nossa Senhora da Piedade


como patrimônio cultural. Todavia, com as leituras e as discussões promovidas
pelo curso, resolvemos mudar a perspectiva trabalhando outros conceitos
ligados à memória e ao esquecimento. Tal mudança se deu, pois entendemos
que estávamos defendendo a colônia como bem cultural, por conta do nosso
envolvimento e interesse com a pesquisa. Isso ocorreu por causa da vivência,
das experiências sociais, que nos fizeram buscar uma maneira de incluí-la na
totalidade cultural do nosso país. (GONÇALVES, 2002)
A mudança de perspectiva ocorreu, principalmente, ao conhecermos a
obra: “A Retórica da Perda”, um estudo sobre o “patrimônio cultural” no Brasil
que apresenta referências à formulação e à implementação de leis, de projetos,
isto é, de políticas oficiais para a sua preservação. Nela aparecem ainda, os
discursos de personagens que foram importantes na organização do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), além de análises sobre a
forma como os indivíduos pensam e reagem diante de “bens” culturais que
podem se tornar patrimônios, dependendo da sua aceitação e de seu
reconhecimento social. (GONÇALVES, 2002)
A partir dessas questões, percebe-se que há um longo percurso para
que a “Colônia Agrícola de Nossa Senhora da Piedade” seja aceita e
reconhecida socialmente como “patrimônio cultural”. O interesse por ela tem se
resumido aos nossos estudos; à publicação da dissertação; às palestras as
quais apresentamos o conteúdo da pesquisa; à divulgação entre os alunos do
curso de Pedagogia da Faculdade Faeterj ao lecionarmos a disciplina História e
Cultura afro-brasileira, para que eles possam inseri-la no conteúdo de história
local nas escolas, entre outras ações. Enfim, nota-se que estamos procurando
promover esse reconhecimento.
Nesse contexto, a pesquisa contribui para o registro da memória
daqueles libertos e de seus descendentes, no momento em que as “políticas de
ações afirmativas” se apresentam como políticas de reparações, de

19
reconhecimento e de valorização da história, cultura e identidade da população
afrodescendente.
Concordamos com Paul Ricoeur6 (2010, p. 17) quando defende a “[...]
ideia de uma política de justa memória [...]”, como também reconhecemos que
há um excesso de memória, um excesso de esquecimento e de erros de
memória, com os quais nos identificamos e contribuímos para continuar
construindo um registro mais justo. Através das pesquisas se percebe as
práticas de esquecimento, de silêncio e de apagamento em Três Rios. Sendo
assim, nos esforçamos em buscar esse passado, uma vez que Ricoeur (2010,
p. 71) nos diz:

[...] lembrar-se é não somente acolher, receber uma imagem do


passado, como também buscá-la, “fazer” alguma coisa. O verbo
“lembrar-se” faz par com o substantivo “lembrança”. O que esse
verbo designa é o fato de que a memória é “exercitada”.

Isso posto, este trabalho apresenta alguns objetivos, quais sejam: (a)
compreender os caminhos percorridos pelos libertos da Condessa do Rio Novo
e de seus descendentes, como também as suas relações com outros sujeitos
sociais; (b) perceber a “invisibilidade” destes no pós-abolição; (c) registrar para
promover e proteger a memória da Colônia Agrícola de Nossa Senhora da
Piedade; (d) apresentar as trajetórias de vida dos descendentes dos libertos e
suas relações com os habitantes do bairro de Vila Isabel, mostrando que estes
tentaram ampliar os espaços de construção de cidadania, em uma sociedade
que lhes negava o direito de serem cidadãos e; (e) valorizar a “memória
afrodescendente”, reconhecendo a sua importância na “memória social” de
Três Rios.
O recorte temporal selecionando o período de 1882 a 1951 se fez
necessário, uma vez que, estender a pesquisa além desse período, não era de
nosso interesse, pois o recorte ficaria muito longo para atender ao projeto que
apresentamos ao ingressar no curso de Doutorado. Sendo assim, o tema
comporta pesquisas futuras para além do referido recorte.

6
Para uma análise sobre “lembranças”, “memória”, “história” e “esquecimentos”, vide:
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp,
2010.

20
O trabalho está organizado em cinco capítulos. O primeiro apresenta o
processo de ocupação das terras em Paraíba do Sul e a formação da fazenda
de Cantagalo, destacando-se os estudos de Motta (1996) nos quais se percebe
que, desde o início de sua ocupação, essas terras foram palco de lutas e
conflitos. Localizou-se o espaço e conheceu-se um pouco do ambiente
senhorial e escravista em que Mariana Claudina Pereira Barroso cresceu e se
tornou a Condessa do Rio Novo. No mesmo capítulo analisa-se o contexto
histórico relacionado aos movimentos de fuga dos escravos e às outras formas
de busca pela sua liberdade. Nesse segmento se destacam as informações
obtidas nos periódicos “Parahybano” e “O Agricultor” e a contribuição de
autores como Machado (2010), Chalhoub (2003), Botelho (2005), Gomes
(2006), entre outros, para conhecer e analisar com mais clareza o contexto no
qual a pesquisa se insere.
Os segundo e terceiro capítulos consistem de uma releitura à pesquisa
empreendida no mestrado, a qual analisou o período de 1882 a 1932, que
compreendeu a alforria dos escravos da Condessa do Rio Novo, a criação da
Colônia Agrícola de Nossa Senhora da Piedade, o seu funcionamento e a sua
decadência. Machado (2010) contribuiu nas reflexões atuais a respeito dos
movimentos a favor da abolição nos anos de 1880. Jorge (2012) apresentou
notas de periódicos, que puderam ser analisadas e inseridas nas discussões
sobre o funcionamento da colônia e as dificuldades enfrentadas pelos libertos.
Rios e Mattos (2005) informaram sobre o “universo rural do século XIX”; assim
como Couceiro e Araújo (2003), entre outros, contribuíram na reinterpretação
de documentos analisados anteriormente. A inserção desses dois capítulos
após uma revisão da literatura e das análises dos documentos, além de
modificações na sua apresentação, foi imprescindível ao trabalho, uma vez que
estes complementam o atual momento de nossa pesquisa sobre os libertos da
fazenda de Cantagalo.
O quarto capítulo trata da continuação da pesquisa sobre a colônia nos
seus aspectos históricos, mostrando as transformações sociais, econômicas,
culturais e políticas ocorridas naquele espaço, nas décadas de 1930, 1940 até
o início da década de 1950, quando se transforma em bairro de Vila Isabel;
como também apresenta a definição dos conceitos de “memória coletiva”,
“memória histórica”, “memória do grupo nacional”, por Halbwachs (2006);

21
“memórias subterrâneas”, “lembranças traumatizantes”, “esquecimento”,
“silêncio”, por Pollak (1989); “abusos de esquecimento”, por Ricoeur (2010) e
de “identidade”, por Silva (2009). No início do capítulo, foram feitas algumas
considerações baseadas nos estudos de Schwarcz (2012) sobre o advento da
República no Brasil, identificando as influências desse regime nos sujeitos da
região pesquisada, na constituição do bairro Colônia (ex-colônia agrícola) e na
cidade de Três Rios. Posteriormente, com base nos estudos de Giarola (2010),
de Domingues (2002) e de Barros (2009), foram analisados alguns aspectos
sobre a política de branqueamento no início do século XX. Para construir os
segmentos das décadas de 1930 e 1940, foram utilizadas atas das
assembleias da Câmara Municipal de Paraíba do Sul e de Três Rios;
periódicos da Casa de Cultura de Três Rios (Jornal “A Tribuna”, “Jornal
Arealense” e “Entre-Rios” Jornal) e documentos cartoriais (Juntada do
inventário da Condessa do Rio Novo e Escritura de Doação de D. Nair Pereira
de Oliveira). Através dos estudos de Ribeiro (2009), percebe-se a definição das
identidades individuais e coletivas de Três Rios como modernistas,
progressistas, desenvolvimentistas. O capítulo encerra-se informando a troca
de nome do “bairro da Colônia” para “Vila Isabel”, em 1951.
O quinto capítulo foi construído a partir de entrevistas individuais, feitas
com descendentes dos libertos e com “informantes-chaves”, moradores antigos
que acompanharam as mudanças no bairro. Gomes e Duarte (2007)
forneceram elementos para a análise das relações sociais entre as famílias de
classes populares. As suas “trajetórias de vida” mostram os obstáculos, as
lutas e as dificuldades que se levantaram devido às “desigualdades sociais” no
país. Este capítulo, não teve a continuidade da contextualização histórica
empreendida nos capítulos anteriores, que avançaria para os anos de 1950 até
os dias atuais, pois, como dissemos anteriormente, o período se tornaria muito
longo para este trabalho. Nosso objetivo consistiu em registrar aquelas
trajetórias incluindo-as na “memória social” de Três Rios.
Ecléa Bosi (2010, p. 82) defende a importância da “memória dos velhos”,
pois através dela, podemos chegar a “[...] um mundo social que possui uma
riqueza e uma diversidade que não conhecemos”. Com isso, procuramos
descrever aquelas lembranças, pois “[...] momentos desse mundo perdido

22
podem ser compreendidos por quem não os viveu e até humanizar o presente.
A conversa evocativa do velho é sempre uma experiência profunda”.
Segundo Thompson (2002, p. 44),

A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela


lança a vida para dentro da própria história e isso alarga o seu campo
de ação.[...] Traz a história para dentro da comunidade e extrai a
história de dentro da comunidade. Ajuda os menos privilegiados, e
especialmente os idosos, a conquistar dignidade e autoconfiança.
Propicia o contato -e, pois, a compreensão – entre classes sociais e
entre gerações. E para cada um dos historiadores e outros que
partilhem das mesmas intenções, ela pode dar um sentimento de
pertencer a determinado lugar e a determinada época.

Para a construção dos capítulos citados acima, realizamos, inicialmente,


uma pesquisa bibliográfica, que, segundo Gil (2011, p. 50) é aquela “[...]
desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de
livros e artigos científicos”.
Posteriormente, no período de agosto de 2012 a maio de 2013,
pesquisamos as atas da Câmara Municipal de Paraíba do Sul, analisadas de
1928 a 1937, livros 19 e 20; as atas da Câmara Municipal de Três Rios,
analisadas de 1949 a 1951; os periódicos da Casa de Cultura de Três Rios
(“Entre-Rios Jornal”, de 1932 a 1957; “Jornal Arealense”, de 1937 a 1938;
“Jornal A tribuna”, de 1932 a 1951). Além disso, foram entrevistados 11 idosos,
com idade entre 60 a 85 anos, com os quais conseguimos fotos e documentos
antigos.
Segundo Tesh (apud, GIL, 2011, p. 176), os dados coletados nos
documentos devem ser analisados de forma reflexiva, a fim de promover algum
tipo de explicação dos fatos descritos nos mesmos, comparando-os com “[...]
modelos já definidos, com dados de outras pesquisas e também com os
próprios dados”.
Sendo assim, na análise da documentação coletada, procuramos fazer
uma interpretação reflexiva, por considerarmos que essa interpretação tem o
papel principal na pesquisa documental.
“O que se procura na interpretação é a obtenção de um sentido mais
amplo para os dados analisados, o que se faz mediante sua ligação com
conhecimentos disponíveis.” (GIL, 2011, p. 178)

23
Procuramos, seguindo as orientações de Gil, após a leitura dos dados,
interpretá-los e “integrá-los num universo mais amplo” para que fizessem algum
sentido; iniciando uma fundamentação teórica acerca das questões abordadas.
(GIL, 2011, p. 178-179)

Mediante o auxílio de uma teoria pode-se verificar que por trás dos
dados existe uma série complexa de informações, um grupo de
suposições sobre o efeito dos fatores sociais no comportamento e um
sistema de proposições sobre a atuação de cada grupo. (GIL, 2011,
p. 179)

Após o levantamento dos dados documentais, como dissemos


anteriormente, as entrevistas foram iniciadas, a fim de procedermos a um
aprofundamento nas questões propostas.

Enquanto técnica de coleta de dados, a entrevista é bastante


adequada para a obtenção de informações acerca do que as pessoas
sabem, crêem, esperam, sentem ou desejam, pretendam fazer,
fazem ou fizeram, bem como acerca das suas explicações ou razões
a respeito das coisas precedentes.(SELLTIZ et al, apud, GIL, 2011, p.
109)

Embora, nas entrevistas, tenhamos utilizado um roteiro (Anexo XXXII)


com o objetivo de orientar o entrevistado, no seu desenrolar, não raro, surgiam
outras perguntas em relação ao tema. Em alguns momentos, os entrevistados
tiveram a oportunidade de construir as suas próprias narrativas.

24
1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

O presente capítulo tem por objetivo apresentar a origem de Paraíba do


Sul e da Fazenda de Cantagalo; o contexto histórico no que tange aos
movimentos de fuga dos escravos e às outras formas de busca pela liberdade.
Assim, o leitor terá um melhor entendimento das questões que posteriormente
analisaremos no segundo e no terceiro capítulos respectivamente: a libertação
dos escravos de Mariana Claudina Pereira Barroso, Condessa do Rio Novo, e
a formação da Colônia Agrícola de Nossa Senhora da Piedade, concedidas no
seu testamento em 1882.

1.1 PROCESSO DE OCUPAÇÃO DAS TERRAS EM PARAÍBA DO SUL E A


FORMAÇÃO DA FAZENDA DE CANTAGALO

O crescimento da circulação de mercadorias e de homens, no final do


século XVII, na região entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro, foi motivado pela
abertura do Caminho Novo7. Com isso, começaram as disputas pelas terras
localizadas ao longo do percurso, intensificando os pedidos de sesmarias e de
desbravamentos. As terras ocupadas por várias nações indígenas8, em matas
virgens, passaram a ser cobiçadas por homens e mulheres oriundos de Minas
ou do Rio de Janeiro.
A abertura daquele caminho, por volta de 1683, pelos fundos da serra
dos Órgãos, teve como responsável: Garcia Rodrigues Paes que, descendo
uma trilha indígena na serra da Mantiqueira, descobriu um remanso no rio
Paraíba. Instalou ali alguns de seus agregados, após formar uma fazenda
chamada Paraíba. Acreditando ter descoberto ouro e pedras preciosas,
solicitou uma ordem real à Coroa para abrir o referido caminho. Foi-lhe

7O Caminho Novo saía das margens da Baía da Guanabara, atravessava o rio Paraíba do Sul
e a Serra da Mantiqueira e atingia as lavras auríferas de Minas Gerais. Substituiu o Caminho
Velho para Minas, “[...] parcialmente marítimo da Guanabara até Parati, de onde se galgava a
Serra pela garganta do Cunha na alargada trilha dos Goianás, indo-se a Taubaté,
Pindamonhangaba e Guaratinguetá, a um tempo servindo a capital paulista e as lavras
mineiras”. LAMEGO, Alberto. O Homem e a Serra. 2ª edição. Rio de Janeiro: IBGE, 1963, p.
126. (apud, MOTTA, 1996, p. 29)
8 Vide Mapas – ANEXOS I a IV (apud, MOTTA, op. cit., p. 30).

25
concedida uma grande gleba de terras oficialmente devolutas, no sertão da
Paraíba, para que erigisse uma vila no “rio das águas claras”, sendo, então,
agraciado como donatário.9
Antonil (1711)10, no “Roteiro do Caminho Novo da Cidade do Rio de
Janeiro para Minas”, descreve a viagem mencionando as roças existentes no
trajeto, ressaltando as que pertenciam a Garcia Paes.
Ao longo do tempo, inúmeras fazendas foram abertas naquela região,
que se tornou palco de muitas lutas pela posse das terras. Garcia Paes formou
ali mais duas fazendas: a da Várzea e a da Paraibuna. Esta última adquirida
por um ex-arrendatário de Garcia: Christovão Rodrigues de Andrade, pai de
Hilário Joaquim de Andrade, futuro Barão do Piabanha. Posteriormente, o
Marquês de São João Marcos e seus irmãos, herdaram as outras fazendas,
terras e roças pertencentes ao desbravador do Caminho Novo.
A Fazenda da Farinha e a Fazenda do Silva foram abertas por volta de
1830, em terras herdadas pelo Marquês e arrendadas posteriormente. A
Fazenda da Serraria e a Fazenda do Travessão originaram-se das terras
herdadas pelo Barão do Piabanha; Francisco Rodrigues de Andrade, irmão do
Barão, denominou o seu quinhão de: Fazenda São João do Deserto.
Fazendo parte de nossos estudos, a Fazenda de Cantagalo11,
pertencente a Antonio Barroso Pereira, limitava-se com a Fazenda da Paraíba,
a Fazenda da Serraria e a Fazenda dos Embargos, de José Agostinho de
Abreu Castelo Branco, localizando-se às margens do rio Paraíba. Nessas
mesmas margens, encontrava-se ainda a Fazenda da Cachoeira, de Francisco
Antonio da Costa Barradas, herdada por volta de 1820 de seu sogro. (MOTTA,
1996, p. 31-32)

9 Foi, em 14 de agosto de 1711, “[...] avantajado com uma data com a natureza de sesmarias
como se houvesse de dar repartidas a quatro pessoas, nas formas das Reais Ordens, e que
não seriam contíguas à Vila senão na parte em que não pudessem haver contendas e que se
concederia mais a cada um de seus doze filhos uma data”. C.M.P.S. – Ata da Sessão de 26 de
janeiro de 1836. Vide Mapa 2 (apud, MOTTA, op. cit., p. 30). Vide Mapa - ANEXO II.
10 ANTONIL, André João. Cultura e Opulência no Brasil. 1711, 3ª edição. Belo Horizonte, Ed.
Itatiaia; São Paulo, Ed. USP, 1982, p. 184-185. (apud, MOTTA, op. cit., p. 31)
11
Ver: ANEXO XXXI, Figura 21, páginas 3 a 10, “Aspectos Históricos e Geográficos – Evolução
Social, Evolução Política, Distritos Componentes, Descrição do Território”, do município de Três
Rios – Estado do Rio de Janeiro. IBGE, 1948.

26
A ocupação de terras em Paraíba do Sul também foi registrada por Saint
Hilaire, em sua viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas (1816-
1822):

Para evitar os incômodos das passagens contínuas, esses


proprietários se fixam a alguma distância do caminho; fazem vender
o milho por homens de poucos recursos, e, embora não possam
cultivar senão uma porção de terrenos infinitamente pequena,
dificilmente toleram que outros aí se venham estabelecer. Já tem
sucedido que gente pobre e sem asilo levante choupanas sobre
terras incultas e que pareciam desprezadas pelos proprietários;
esses, porém, destroem essas miseráveis moradas. Às vezes, é
verdade, eles permitem a um protegido, um compadre, fixar-se à
margem da estrada, e não exigem nenhuma retribuição. Se,
entretanto, o agregado, é o nome que se dá ao colono a quem é
permitido estabelecer-se por esse modo, nas terras de outro; se o
agregado, digo, não presta ao proprietário todas as homenagens que
este exige, corre o risco de ser expulso, e proprietários houve que
mandaram atear fogo à casa de seus agregados.12

Segundo Motta (1996, p. 39), obter domínio sobre a terra possibilitava


outras prerrogativas. Entre elas, podemos citar a de dominar os homens, que
nela habitavam ou que desejassem habitar. Inicialmente, aqueles fazendeiros,
não mediam e nem demarcavam as suas terras, pois limitar o território
significaria não apenas se subordinar à Coroa; como também diminuir o seu
poder sobre os posseiros e os seus vizinhos. “Ser senhor de terras significava,
antes de mais nada, ser senhor – e era sobretudo este domínio senhorial que
não podia ser medido ou limitado”.
A extensão do poder senhorial era possibilitada pela existência de matas
virgens, que poderiam ser ocupadas por fazendeiros ou lavradores, isto é, que
poderiam ser disputadas com os senhores que tentariam impedir esse acesso
a terceiros. As coisas e as pessoas tinham que permanecer sob o domínio, de
fato ou potencialmente, daqueles senhores citados anteriormente.
A política agrária que permaneceu por todo o século XIX consistia em
conflitos diários e lutas pelo acesso à terra, pois não havia legislação agrária
brasileira, o que permaneceu até 1850. Antes disso, desde 1822 com o fim do

12SAINT HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Belo Horizonte, Itatiaia, São Paulo: USP, 1975, p. 43. (apud, MOTTA, op. cit., p. 38-39)

27
sistema de sesmarias, recorriam-se constantemente aos artigos das
Ordenações Filipinas13. (MOTTA, 1996, p. 39-40)
Em 1834, Antonio Barroso Pereira, senhor da Fazenda de Cantagalo, foi
acusado pelo Marquês, através de um procurador, de estar fazendo ranchos e
roças para pretos em uma das fazendas de suas terras, a da Paraíba.
Em um processo14 rápido e de poucas páginas, Antonio Barroso alegou
que possuía, além do lugar chamado Cantagalo, posse pacífica de duas
sesmarias havia mais de vinte anos. Mesmo não apresentando documentos ou
testemunhas que provassem o seu direito à terra, conseguiu suspender o
embargo de suas plantações, pois o Juiz entendeu que o Marquês de São João
Marcos não provou, na forma da lei, ser o verdadeiro senhor das referidas
terras.
Além dos processos jurídicos, a violência, os desmandos e os
assassinatos entre os fazendeiros, expressavam tragicamente a luta pelo
poder, envolvida com a ocupação, a expansão e a conquista das terras
naquela região.
Outra maneira de possuir força e poder consistia nos fazendeiros
assumirem o papel de Juízes de Paz. Nos anos de 1836 e 1837, Antonio
Barroso Pereira tornou-se Juiz de Paz15. (MOTTA, 1996, p. 48-49)
Os Juízes de Paz não conseguiam, na maioria das vezes, solucionar
litígios potenciais, mesmo porque muitas vezes estavam envolvidos nas

13
O sistema jurídico que vigorou durante todo o período do Brasil Colonial foi o mesmo que
existia em Portugal, ou seja, as Ordenações Reais, compostas pelas Ordenações
Afonsinas (1446), Ordenações Manuelinas (1521) e, por último, fruto da união das
Ordenações Manuelinas com as leis extravagantes em vigência, as Ordenações Filipinas, que
surgiram como resultado do domínio castelhano. Ficaram prontas ainda durante o reinado de
Filipe I, em 1595, mas entraram efetivamente em vigor em 1603, no período de governo de
Filipe II. As Ordenações Filipinas foram a base do direito no Período Colonial e também
durante a época do Império no Brasil. Fonte: http://pt.scribd.com/doc/33881697/Ordenacoes-
Filipinas. Acesso em: 02.09.2014.

14 A.J.R.J./P.E., 1834. Autor: Marquês de São João Marcos/Réu: Antonio Barroso Pereira.
(apud, MOTTA, op. cit., p. 45)
15 “Criado em 1827, o cargo de Juiz de Paz expressou -em teoria- o anseio dos liberais, que
viam na descentralização política a concretização de seus desejos. Com a autonomia
corporificada na pessoa do juiz eleito, responsável pela conciliação de litígios potenciais, o Juiz
de Paz tornar-se-ia símbolo daqueles que vislumbravam, em sua figura, uma independência
frente à justiça profissional. Após 1831, com a abdicação de D. Pedro e o consequente período
regencial, as responsabilidades do Juiz de Paz foram aumentadas através do Código
Processual de 1832.” (MOTTA, op. cit., p. 49)

28
questões. A sociedade, bastante complexa, não se resumia em senhor/escravo
ou grande fazendeiro/pequeno arrendatário. Formada por muitos personagens,
estes lutavam por terras, contra a pobreza e os preconceitos que lhes eram
imputados. (MOTTA, 1996, p. 51-52)
Naquela época, para se tornar senhor e possuidor de terras, os
interessados deveriam ocupá-las, exercer um poder efetivo, praticar atos
possessórios (cultivo; edificação de benfeitorias) para assegurar, na prática, o
direito e legitimidade sobre elas, não somente disputá-las na justiça colocando-
se como proprietários. (MOTTA, 1996, p. 57)
Motta (1996, p. 70) afirma que, na região de Paraíba do Sul, revelava-se
uma sociedade rural extremamente complexa no século XIX. O Marquês de
São João Marcos, que não mediu e nem demarcou as suas terras, presenciou
o apossamento sucessivo entre pequenos e grandes posseiros (sesmeiro com
situação de comisso) e arrendou outra grande parte delas. Outros fazendeiros
ficavam do lado de pequenos posseiros, procurando limitar o desejo de
expansão de seus pares, fazendo com que a pequena gleba apossada fosse
transformada em marco territorial das terras de outrem. Os pequenos
posseiros, aproveitando os embates, utilizavam o argumento de que teriam
sido os primeiros a cultivarem as referidas terras.

A existência de disputa por uma parcela de terra, às vezes um


pequeno quinhão ou um córrego d’água, poderia significar o
rompimento do frágil equilíbrio entre fazendeiros e subordinados,
entre o chefe de família e seus parentes. Assegurar a vitória no
processo não dizia respeito apenas à manutenção da parcela como
parte integrante das terras pertencentes a um dos litigantes.
Significava também, no caso dos fazendeiros, reforçar as relações
de dominação sobre sua parentela. Ou seja, a disputa pela terra era
também uma disputa por gente. A manutenção da área ocupada se
consubstanciava na luta por preservar a condição de senhor e
possuidor de terras ou no desejo de se constituir como um lavrador.
(MOTTA, 1996, p. 79-80)

Outras desavenças originavam-se na morte de algum fazendeiro. Na


formulação da partilha, os parentes defendiam “[...] aquilo que julgavam lhes
pertencer [...]”; como também, na ameaça de um invasor. Neste caso, uniam-se
para defender a terra ameaçada. (MOTTA, 1996, p. 81-82)
Nesses jogos de poder, Motta (1996, p. 90) também percebe que, os
trabalhadores arrendatários se autodenominavam assim, para demonstrar a

29
sua autonomia perante os senhores, pois como agregados ficava enfatizada a
sua condição de dependência.
Até a década de 1850 existiam terras devolutas e matas virgens na
região. Sendo assim, os fazendeiros, como também, outros agentes sociais
buscavam expandir os limites das terras originais ou ter acesso a elas.
O viajante Burmeister registra a sua viagem através das Províncias do
Rio de Janeiro e Minas Gerais, em 1852, informando sobre as matas virgens,
ao longo do Rio Paraíba:

Prosseguindo em nosso caminho, tivemos de entrar novamente na


mata, e foi somente aí que vimos em toda a sua grandeza e
perfeição. As impressões profundas que ali recebi fizeram
empalidecer qualquer outra até ali sentida. Mesmo hoje, ao escrever
estas linhas e ao rememorar o aspecto majestoso da paisagem, não
posso deixar de sentir-me impressionado. Lembro-me ainda do
êxtase que de mim se apoderou quando contemplei e senti a
profunda paz daquela mata silenciosa, através da qual a vereda
seguia sinuosa, ora mergulhando nas sombras, atrás de uma árvore,
ora surgindo mais nítida, a pouca distância, fazendo mil e uma voltas
e perdendo-se de vista a cada instante, devido à meia luz e à
impenetrabilidade da Selva.16

Homens e mulheres ocuparam pequenas faixas de matas virgens em


todo o Vale do Paraíba, em um processo de imigração após a abertura do
Caminho Novo17. Com o tempo, porém, a ocupação de terras devolutas foi
ficando cada vez mais difícil, pois os fazendeiros forjavam, através de
processos jurídicos, a “[...] inexistência de matas virgens, incorporando-as às
suas grandes glebas de terras”. (MOTTA, 1996, p. 98)
Motta (1996, p. 105) através de suas pesquisas, afirma ainda que “[...]
as fronteiras das fazendas dependiam do poder dos fazendeiros, e nada tinham
a ver com delimitações físicas precisas e inquestionáveis”.
Destacamos os estudos de Motta (1996) para atentar ao fato de que a
ocupação das terras na região de Paraíba do Sul por Garcia Paes, desde o seu
início, foi cercada de lutas e conflitos. Muitas terras consideradas devolutas,

16 BURMEISTER, Hermann. Viagem ao Brasil através das Províncias do Rio de Janeiro e


Minas Gerais (1850-1852). São Paulo: Livraria Martins Editora, s/d, p. 150. (apud, MOTTA, op.
cit., p. 90-92)
17 STEIN, Stanley. Vassouras. (1ª ED. 1957). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. (apud,

Idem, p. 92)

30
desocupadas eram, na verdade, habitadas, ocupadas por nações indígenas.
Herdeiros de Garcia Paes não conseguiram deter a onda migratória vinda de
Minas e de outras regiões da Província do Rio de Janeiro. Poucos fazendeiros
ocuparam terras com a concessão de sesmarias, mas não se identificavam
legalmente como posseiros. Nos processos judiciais, inicialmente não podiam
afirmar que eram posseiros, começavam a argumentação informando a
ocupação mansa e pacífica, isto é, “[...] reafirmavam – mas não diretamente
sua condição de posseiro”. (MOTTA, 1996, p. 60) Grandes e pequenos
arrendatários questionavam os limites territoriais das fazendas de seus
senhores ou os conteúdos dos contratos. Outras vezes, vendiam as
benfeitorias realizadas nas terras arrendadas. Lavradores, vistos como
posseiros, na maioria das vezes, não conseguiam o direito à terra, mas outros
conseguiram declarar e registrar suas terras no Registro Paroquial. “Muitos
deles [...] se tornaram parte integrante da comunidade, [...] puderam, aos
poucos, transformarem-se em fazendeiros, numa trajetória de ascensão social”.
(MOTTA, 1996, p. 109). Existiam, ainda, lavradores roçando terras arrendadas.

O jogo de forças entre grandes arrendatários, pequenos


arrendatários, fazendeiros e lavradores nos revela também como a
luta pelo domínio da posse da terra era dinâmico. Esta luta está
permeada por interpretações conflitantes sobre as práticas de
arrendamentos e por esforços no sentido de subjugar arrendatários.
(MOTTA, 1996, p. 120)

Nessa região conflituosa, destaca-se a grande região de Cantagalo,


onde se encontravam as fazendas de Antonio Barroso Pereira e de Hilário
Joaquim de Andrade, Barão de Entre Rios e Barão do Piabanha,
respectivamente. “Entre os anos de 1857 e 1858, arrendatários esforçaram-se
por se constituir enquanto lavradores, ocupando terras que alegavam estar fora
dos limites destas fazendas.” (MOTTA, 1996, p. 122-123)18
Tantos conflitos poderiam ter sido em parte evitados, lembra-nos Motta
(1996, p. 177), caso os projetos como o de José Bonifácio de Andrada e Silva,
com uma nova lei agrária, em 1821, e o de Padre Antonio Diogo Feijó, em
1828, tivessem sido levados a efeito.

18 Vide Mapa – ANEXO V.

31
O projeto de José Bonifácio obrigaria os sesmeiros a cultivarem a terra,
caso contrário, elas voltariam à massa dos bens nacionais; incluía uma política
de venda de terras; proibia novas doações, entre outros. Esse projeto jamais
saiu do papel, uma vez que “[...] feria claramente os interesses dos grandes
fazendeiros (sesmeiros ou grandes posseiros)”.19
No projeto de lei agrária de Padre Feijó, a proposta era ambiciosa, “[...]
pretendia democratizar o acesso à terra – ao defender uma nova orientação na
distribuição de terra no país-, e também tentava lidar com a questão da defesa
do direito de propriedade”. 20 Assim como o projeto de José Bonifácio, o projeto
de Padre Feijó também não saiu do papel.
As propostas

[...] demonstram que os problemas relacionados à ocupação


territorial no Brasil se traduziram em propostas legislativas, bem
antes do projeto que resultou na Lei de Terras de 1850. Apesar dos
projetos nunca terem sido discutidos na Câmara dos Deputados ou
no Senado, algumas das questões mais importantes defendidas
pelos dois autores não deixariam de estar também presentes na
discussão que deu origem àquela lei. (MOTTA, 1996, p. 177)

Nas medidas postas em prática sobre a distribuição de terras no país,


nos anos de 1830, e nas propostas legislativas que perduraram durante os
anos de 184021 até 1850, percebe-se que “[...] era preciso fazer um acerto com
o passado, regularizar a distribuição de terras e definir – de uma vez por todas
– os critérios legitimadores do direito à terra daqueles que a ocuparam.”
(MOTTA, 1996, p. 187) A partir da Lei de Terras de 1850, a única forma legal
de adquiri-las seria através da compra, não mais se aceitando a sua posse.
(MOTTA, 1996, p. 201)
A lei aprovada em 18 de setembro de 1850, além de estabelecer que
“[...] a compra era a única forma legal de aquisição de terras devolutas [...]”;

19Para maior conhecimento sobre o projeto, vide: Lembranças e Apontamentos do Governo


Provisório da Província de São Paulo, para os seus Deputados. Instruções redigidas por
José Bonifácio de Andrada e Silva, 1821. (apud, MOTTA, 1996, p. 170-171)
20Para conhecer os artigos, vide: Proposta do Senhor Feijó sobre Datas e Terras, 12 de
setembro de 1828 apud: Catálogo do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. São
Paulo: 1976, p. 313. (apud, MOTTA, op. cit., p. 172)
21 Maiores detalhes estão nos debates dos deputados e dos senadores até a promulgação da

Lei de Terras em 1850, vide: Motta, 1996, p. 178-200.

32
resolve também que “[...] as terras devolutas seriam definidas por exclusão das
terras particulares[...]” e que “[...] haveria uma reserva de terras devolutas para
fins de colonização, fundação de povoações, abertura de estradas, construção
naval”. (MOTTA, 1996, p. 201)
Ficou também estabelecido com a lei, sobre a legitimidade e a
revalidação das terras possuídas que: seriam revalidadas, aquelas nas quais
houvesse cultivo, seja nas sesmarias, seja nas posses mansas e pacíficas
daqueles primeiros ocupantes. Assim, em um prazo determinado, deveriam ser
demarcadas “[...] as terras adquiridas por posses, sesmarias ou outras
concessões [...]”. (MOTTA, 1996, p. 202) Seria conservada a posse, somente
da área cultivada, daquelas terras caídas em comisso, porque seus
possuidores não procederam à medição; os possuidores ficaram obrigados a
tirar títulos de suas terras, além do fato de que o registro paroquial22 de terras
possuídas tenha ficado organizado por freguesia.23
Os grandes fazendeiros eram, na verdade, os posseiros que a lei
tentava beneficiar e legalizar; embora também dela se beneficiassem os muitos
pequenos posseiros. Sendo assim, a lei permitia uma “[...] possibilidade de
democratizar o acesso à terra, ao salvaguardar os interesses dos lavradores
que haviam ocupado pequenas parcelas de terras, antes da aprovação da lei”.
24

Em um debate de várias interpretações, percebe-se que a

[...] Lei de Terras não deixou de expressar aquela arena de lutas. E


sua aplicação, como registrar ou não a sua terra, concretizou a
continuidade refeita desta mesma arena, na qual combatiam os que
a queriam como a possibilidade real ou apenas imaginária para
regularizar o seu acesso à terra. (MOTTA, 1996, p. 209)

22 Esses registros “tornaram-se obrigatórios para ‘todos os possuidores de terras, qualquer que
seja o título de sua propriedade ou possessão’. Eram os vigários de cada freguesia os
encarregados de receber as declarações para o registro de terras. Cada declaração deveria ter
duas cópias iguais, contendo: ‘o nome do possuidor, designação da Freguesia em que estão
situadas; o nome particular da situação, se o tiver; sua extensão, se for conhecida; e seus
limites’”. (MOTTA, op. cit., p. 211)

23Lei número 61, de 18 de setembro de 1850. Brasil. Ministério Extraordinário para Assuntos
Fundiários. Coletânea: legislação de registro públicos, jurisprudência. Maria Jovita Wolney
Valente (elaboração). Brasília, 1983, p. 357-361. (Idem, p. 201-202)
24 Para maior entendimento sobre a legitimização das terras e os significados da Lei de 1850,
vide: (MOTTA, p. 204-227)

33
Após vinte anos, nos anos de 1870, a visibilidade do fracasso da Lei, no
que tange à política de regularização fundiária era possível, devido aos
Relatórios Oficiais do Ministério da Agricultura. Um deles apontava para a
necessidade de ela ser revista, porque não tinha impedido, sequer, “[...] o
abuso da invasão das terras públicas”. Elas continuavam a ser invadidas e a
madeira de lei, existentes em suas matas, vendidas, possuídas ilegalmente.
(MOTTA, 1996, p. 218)
Outra dificuldade encontrada era de “[...] discriminar as terras públicas
das privadas [...]”, pelos órgãos responsáveis. Essa questão somava-se “[...] à
união de interesses dos grandes fazendeiros para impedir que parte das terras
devolutas servisse para os aldeamentos indígenas [...]”, de acordo com a lei.
As Câmaras Municipais da Província do Rio de Janeiro, não respondiam aos
ofícios do Presidente “[...] sobre o número de índios nas aldeias e extensão e
valor de suas propriedades [...]” e também “[...] tendiam a não responder às
solicitações referentes à existência de terrenos devolutos em seus respectivos
municípios”. (MOTTA, 1996, p. 219-220)
Em março de 1885, as Câmaras Municipais receberam uma circular do
Governo solicitando informações sobre a existência de terrenos devolutos.
Algumas delas responderam: “[...] temos a honra de informar que neste
município não há terrenos devolutos”. 25
Os vereadores das Câmaras Municipais da Província do Rio de Janeiro
eram os grandes fazendeiros. Estes conseguiram se consagrar os senhores
das terras. Criaram a ficção de que não havia mais terras devolutas e
continuaram, como também os lavradores, “[...] a expandir suas terras pelas
portas dos fundos de suas fazendas e sítios”. (MOTTA, 1996, p. 221)
Motta (1996, p. 222) esclarece que, provavelmente os senhores de
terras não quisessem cumprir a determinação legal por ter “[...] uma dúvida, ou
seja, se o registro de suas terras lhes seria vantajoso ou não”.

25 Os seguintes municípios responderam à circular: “Barra Mansa, Barra de São João, Cabo
frio, Cantagalo, Capivari, Iguassú, Itaguaí, Niterói, Nova Friburgo, Paraíba do Sul, Parati, São
Fidelis, São João da Barra, Sapucaia e Vila do Carmo). A.P.R.J. Correspondência recebida
pela Presidência das Câmara Municipais, 12 de março de 1885”. (apud, MOTTA, 1996, p. 220-
221)

34
Segundo o Almanaque Laemmert de 1858, em Paraíba do Sul, 40% dos
fazendeiros inventariados não registraram as suas terras, até aquela data; e
cerca de 80% destes “[...] ocultaram a forma como as haviam adquirido”.
(MOTTA, 1996, p. 228)
Para que houvesse o reconhecimento de um posseiro como senhor e
possuidor de determinada terra era preciso ter prestígio, poder e sorte, pois
todos os seus confrontantes deveriam reconhecer fielmente a realidade da área
ocupada ao registrarem as suas respectivas terras. Os barões do café, por
exemplo, “[...] tinham mais chances de salvaguardar o seu domínio registrando-
o e vendo-o reconhecido por outros”. (MOTTA, 1996, p. 236) Todos os barões
possuidores de terras em Paraíba do Sul (Barão do Piabanha, Barão da
Paraíba, Barão de Entre Rios, Barão do Rio Novo, Barão de Lages e Barão de
Diamantina) registraram-nas, seguindo as determinações legais.
Entre os barões citados pela autora, encontra-se o Barão de Entre-Rios,
Antonio Barroso Pereira, cujo registro de sua fazenda nos interessa observar.
Seu genro, o Barão do Rio Novo, como seu procurador, registrou a Fazenda de
Cantagalo, em fevereiro de 1857, enumerando dois confrontantes: ele próprio e
o fazendeiro Albino Lúcio de Figueiredo Lima, sendo que este não tinha
registrado as suas terras. Antonio Barroso registrou também a sua outra
fazenda. Nesse registro, os limites foram reconhecidos por três dos seis
confrontantes: o Barão do Piabanha, o fazendeiro José Antonio Henriques e
seu genro. “Para além do rio Paraíba, em frente a sua casa no Porto [...]”, onde
tinha rancho e pasto, registrou um terreno, não declarando a sua extensão e
nem citando os seus confrontantes. Com relação à extensão, não as declarou
em nenhum dos três casos.
Motta (1996, p. 238-239) acredita que não foi por descuido que o Barão
de Entre Rios tenha registrado com tanta imprecisão as suas terras. Um
ajudante de piloto de corda, Antonio Bernardes de Oliveira, conhecido como
Antonio Pascoal, que participou da medição das referidas terras, desafiou-o
alegando que parte delas não lhe pertencia. Na tentativa de não permitir a
apropriação de terrenos por Antonio Bernardes, na região onde trabalhara, o

35
Barão foi autor de um processo contra este, em janeiro do mesmo ano, quando
procedeu ao registro das terras.26
Antonio Pascoal saiu derrotado em setembro de 1858, depois de muitos
esforços e interpretações da Corte que, salvaguardou os direitos do Barão de
Entre Rios. (MOTTA, 1996, p. 263)
Durante o processo, contudo, a decisão da justiça municipal em aceitar
os argumentos do Barão de Entre Rios contra Antonio Pascoal, teve
desdobramentos graves entre os agregados, arrendatários e fazendeiros da
região.
Para Motta (1996, p. 286), não foi coincidência que os agregados do
Barão do Piabanha tenham se sublevado, em 17 de março de 1858, ocupando
a Fazenda Travessão, que pertencia ao seu filho, o qual ficou mantido em
cativeiro. Somente “[...] 10 dias depois de ter sido iniciada, a revolta foi
sufocada e o chefe de polícia pôde ter a certeza de que a ordem pública no
município de Paraíba do Sul havia sido restabelecida”. O Barão do Piabanha
saiu vitorioso e “[...] em nenhum momento foi posta em dúvida a extensão
territorial de suas terras”. 27
Aquele levante foi o “[...] conflito mais explosivo de uma série de conflitos
agrários ocorridos na região [...]”; resultado de “[...] um processo de lutas pelo
direito à terra, que permitiu a consolidação de uma comunidade de agregados
que se esforçavam por se constituírem como pequenos posseiros”. (MOTTA,
1996, p. 292)
Após esse breve relato sobre dois entre os diversos conflitos que se
travaram na região de Paraíba do Sul, voltamos a recordar que “[...] a região do
Cantagalo e as fazendas e sítios ali localizados estavam em terras que
anteriormente haviam pertencido aos herdeiros de Garcia Rodrigues Paes”.
Portanto, uma área que vivenciara várias tentativas e lutas pela posse de
terras. A fazenda do Barão de Entre Rios, no Sertão do Cantagalo, localizava-
se nos “[...] fundos da sesmaria de Fernando Dias Paes Leme”. (MOTTA, 1996,
p. 281)

26Para maiores detalhes do conflito de terras entre o Barão de Entre Rios e o seu agregado
Antonio Bernardes, vide: Motta, 1996, p. 251-263.
27 Para saber mais sobre a sublevação em 1858, vide: Motta, op. cit. p. 286-289.

36
Em Paraíba do Sul,

Os fazendeiros haviam construído uma sociedade na qual o limite


das terras estava intimamente ligado à criação e recriação de uma
rede de relações pessoais. Para defender-se de um invasor, um
fazendeiro precisava reafirmar sua condição de senhor e possuidor,
no momento da escolha de suas testemunhas. Da mesma forma, ao
vender sua terra – com os limites territoriais que afirmava possuir-,
ele precisava contar também com sua rede de relações pessoais
para forjar, nos cartórios locais, a extensão alegada e seu respectivo
preço. Ao vendê-la ainda, o fazendeiro não somente transferia a
terra em si, mas também seu poder sobre os homens que ali
habitavam. E isso não mudou com a promulgação da Lei de Terras.
(MOTTA, 1996, p. 300)

Dentro desse contexto, o fazendeiro Antonio Barroso Pereira formou o


seu patrimônio territorial, fundando cinco fazendas: a de Cantagalo, Piracema,
Rua Direita, Boa União e Cachoeira.
Para a construção da Estrada União e Indústria, inaugurada em 23 de
junho de 1861, Antonio Barroso vendeu 81.480 braças quadradas de suas
terras, que foram compradas de volta por sua filha, em 1881, após a liquidação
da companhia responsável pelo empreendimento. (JORGE, 2012, p. 44-45)
O povoado de Entre Rios, que se formou às margens daquela rodovia,
recebeu em 1867 os trilhos da Estrada de Ferro D. Pedro II. Em 13 de agosto
de 1890, pelo decreto 114, foi elevado a 2º Distrito de Paraíba do Sul. 28
Procuramos, ao apresentar esse contexto histórico do povoamento e do
domínio das terras em Paraíba do Sul, no final do século XVII até meados do
século XIX e, ao apontar a origem do povoado de Entre Rios e posteriormente
sua elevação a 2º Distrito, localizar o espaço onde se desenvolveu a história
que pretendemos registrar. Foi importante, também, conhecer um pouco do
ambiente (senhorial e escravista) em que Mariana Claudina Pereira Barroso
cresceu e se tornou a Condessa do Rio Novo, filha do Barão de Entre Rios.
Quando se casou com seu primo José Antonio Barroso de Carvalho, recebeu
então a Fazenda Boa União, fundada a partir do desmembramento de parte da
propriedade de seu pai.
Após o falecimento do pai em 1862 e do marido em 1869, Mariana
Claudina muda-se para a Fazenda de Cantagalo, onde fica morando com sua

28 Informação retirada do texto de Ezilma Maria Teixeira. www.tresrios.rj.gov.br/historia-de-tres-


rios/ Acesso em: 03.09.2014.

37
mãe e dedicando-se à administração de suas propriedades. Eram de sua
propriedade então: a Fazenda Boa União; a Fazenda de Cantagalo; imóveis
em São João Del Rei; uma residência na Rua 1º de Março no Rio de Janeiro e;
duas casas de veraneio na Rua do Imperador, em Petrópolis. (JORGE, 2012,
p. 34-39)
Entre aquelas propriedades, a Fazenda de Cantagalo era constituída de

225 (duzentos e vinte e cinco) alqueires de terras, parte em campo e


parte em cafezais, noventa e cinco alqueires de terras, em mata
virgem; nove alqueires que constituem o Sítio “Santana”. Benfeitorias
constantes de dez casas, cobertas de telhas, inclusive a da sede;
três casas cobertas de telhas, denominadas respectivamente “Sítio
do Vicente”, “Sítio do Germano”, “Sítio dos Caxinquentes”; duas
casas cobertas de sapé; cinco ranchos, cobertos de telhas, paióis,
currais para gado, galinheiros, coberto de telhas, terreiro com
lavador de café, cocheiras, fornos para cerâmica e para doces,
tulhas para café, hospitais para escravos, olarias, muralhas de pedra
dividindo as diversas dependências da fazenda, moinhos, duzentos e
setenta e sete (277) mil pés de café, horta, pomares, etc. Em Entre
Rios: quatorze casas cobertas de zinco, digo, de telhas; um sobrado
onde funciona um hotel e mais duas casas laterais, cobertas de
zinco, com noventa e oito metros de frente por quatro de fundos;
uma cocheira coberta de zinco, com cinco lances, uma casa
arruinada, coberta de feno.29

A partir de 1882, após a morte da Condessa do Rio Novo, no dia 05 de


junho, em Londres, após uma cirurgia mal sucedida, a Fazenda de Cantagalo
volta a ser palco de uma longa disputa por terras, tendo como atores sociais
outros personagens em um outro contexto histórico.
Analisaremos, a seguir, a época que precede a morte da Condessa, na
tentativa de entender o contexto histórico que a motivou a doar, em testamento,
a sua fazenda de Cantagalo para a Irmandade de Nossa Senhora da Piedade,
que foi fundada em Paraíba do Sul, a libertar seus escravos e a desejar que
eles constituíssem uma colônia agrícola na propriedade.

1.2 PARAÍBA DO SUL E O CONTEXTO HISTÓRICO A PARTIR DE MEADOS


DO SÉCULO XIX: LUGAR DE FUGAS, RESISTÊNCIA E CONQUISTAS
ESCRAVAS

29“De acordo com o livro 2-AP, fls 292, registro 11.724 do Cartório de Registro do 1º Ofício de
Justiça de Três Rios”. (JORGE, 2012, p. 45-46)

38
Na busca por fontes30 e bibliografia que pudessem contribuir na
construção do trabalho, procuramos um membro do Instituto Histórico e
Geográfico de Paraíba do Sul, que relatou estar preocupado com o futuro de
documentos históricos que se encontravam sob sua responsabilidade. Não
existe um local formal para que o referido instituto realize as suas funções.
Segundo o informante, os outros membros também possuem documentos
históricos em seu poder. Tais documentos despertaram nosso interesse uma
vez que poderiam conter dados importantes para a pesquisa.
O senhor chamado Vicente Torres de Castro, também conhecido como
Timvicente Torres, armazenou em nove Compact Disc (CD-ROM) os seguintes
dados: dois CD-ROM do periódico “Parahybano”, de julho a dezembro de 1868
e julho a dezembro de 1869; sete CD-ROM do periódico “O Agricultor”, de
janeiro de 1873 a agosto de 1873 e de novembro de 1873 a janeiro de 1874.
A despeito de se tratar de um período bem anterior à formação da
colônia agrícola e da libertação dos escravos da Condessa do Rio Novo,
poderia haver algum indício de resistência escrava na região pesquisada. Por
isso, debruçamo-nos sobre aqueles arquivos na tentativa de encontrar algum
fato ligado aos movimentos de contestação à escravidão.
No jornal “Parahybano”31, pudemos constatar ter havido uma quantidade
considerável de casos de fugas de escravos, que ocorriam recorrentemente,
durante o período analisado. 32
Chamou a atenção a quantidade de fugas e de escravos fugidos. No
total foram 17 (dezessete) casos de fugas em um período de 1 (um) ano.
Sendo que 7 (sete) casos de julho a dezembro de 1868 e 10 (dez) casos de
julho a dezembro de 1869. Nos sete casos de fugas de 1868, somou-se um
total de oito escravos, sendo que, em um dos casos, dois escravos fugiram
juntos da mesma fazenda. Nos dez casos de 1869, somou-se um total de

30
Para auxílio no levantamento de fontes, ver: Guia Brasileiro de Fontes para a História da
África, da Escravidão Negra e do Negro na Sociedade Atual. Fontes
Arquivistas/Coordenação do Arquivo Nacional. 2 v. Rio de Janeiro – Sergipe. Brasília, 1988.
31“Jornal Político, Litterário e Noticioso. Publica-se às quartas-feiras e sábbados. Subscreve-se
na Rua do Imperador. Preço Adiantado – Parahyba do Sul – Por um anno...12$000. Preço
Adiantado – Para Fora – Por um anno...14$000”.
32
Vide: Tabela de Dados de Escravos Fugitivos-1868/1869 – ANEXO VI.

39
quatorze escravos. Em dois casos, houve fuga de dois escravos da mesma
fazenda e em outro, três escravos fugiram juntos também. Todos do sexo
masculino. O número de escravos fugidos de um ano para o outro quase que
dobrou.
Embora a média de escravos fugidos girasse em torno de um a dois por
mês, chama a atenção o fato de que, em dezembro de 1869, oito escravos
tenham fugido.
Apesar de serem oferecidas gratificações para aqueles que porventura
capturassem escravos fugidos, nos jornais pesquisados, não encontramos
menção se, naqueles casos, algum escravo foi capturado. Dos dezessete
casos, onze ofereciam gratificações sem mencionar a quantia; cinco ofereciam
50$000 (cinquenta mil réis), parecendo um valor com o qual os fazendeiros
concordavam em pagar para terem seus escravos de volta; somente um
ofereceu 100$000 (cem mil réis), pois, provavelmente, poderia tratar-se de um
escravo de valor considerável. Em quatro casos apareceram ameaças de
punição com o rigor da lei a quem porventura acoitasse um escravo fugido, ou
seja, a prática de acoitamento aos fugitivos ocorria.
Dos vinte e dois escravos listados e analisados, quatorze eram crioulos,
isto é, escravos nascidos em seu país de cativeiro, oposto ao de Nação
(SIMON, 1996, p. 128), sendo que seis deles aparecem com os locais de suas
origens: Minas, Sergipe, Bahia, Guaratyba, Villa da Estrella e Norte. Os outros
oito não aparecem com as informações de suas origens. Cinco eram africanos,
de nação, sendo que quatro aparecem com as suas origens: dois do Congo,
um de Moçambique e um Inhambane. Parecido com o caso anterior, um
escravo não aparece com a informação de sua origem. A quantidade de
crioulos fugidos era bem superior, mais do que o dobro do número de
africanos.
Com relação às fazendas de onde aqueles escravos eram provenientes,
interessante observar que cinco casos de fugas se deram na região de
Bemposta33; duas na de Parahybuna; uma na do Piabanha; uma na de
Serraria; uma na de Entre Rios; uma na de Areal e uma na de Sant’Anna do

33 Atualmente, 2º Distrito de Três Rios.

40
Deserto. Toda essa região ficava próxima ao povoado de Entre Rios, onde se
localizava a Fazenda de Cantagalo, mas não houve notícia de que algum
escravo tivesse fugido dessa fazenda.
Quanto à idade, cinco tinham de 18 a 24 anos; seis de 27 a 38 anos;
quatro tinham 40 anos; sete não constam a idade. A maioria então, em idade
produtiva. Quanto às profissões, somente de seis constavam: oficial de alfaiate;
preto de ganho; oficial de carpinteiro; pedreiro; de roça e arreiador; e de roça,
que faz telha. Dezesseis estavam sem registro de profissão. Nos registros
consta que um deles sabia ler e outro era considerado inteligente.
Quatro deles apresentavam feridas no corpo: um com sinais de castigo;
um com feridas no peito e nas costas; um nos pés e outro nas pernas.
Ao analisar e descrever todos os dados acima inferiu-se que uma
atmosfera de subversão com relação à escravidão se fazia sentir naqueles
acontecimentos.
Ainda naqueles periódicos, aparecem mais duas notícias mostrando um
ambiente movimentado por sujeitos sociais subvertendo a ordem, como
podemos observar abaixo:

A Pedido
Jury
Desta vez entrarão em julgamento os escravos que estão sendo
processados como assassinos do capitão Lino Manoel da Costa?! A
demora da justiça é injustiça.
Um jurado (Jornal “Parahybano”, 03.11.1868)

Um capitão sendo assassinado por escravos; um jurado pedindo por


justiça e, no mesmo mês, no dia 25 de novembro de 1868, o inconformismo
com os maus tratos sofridos por um escravo doente, fugido e capturado:

Mao trato – Houve quem visse passar nesta villa um escravo, que,
tendo fugido e sendo capturado, ia conduzido por modo selvagem :
os condutores davão puxões nas partes delicadas para o fazerem
caminhar mais depressa, entretanto que o pobre crioulo estava
visivelmente doente. Esta scena causou riso a alguns des-humanos;
mas geralmente indignação. Não é o primeiro caso: já vimos dous
destes conductores que querião que um crioulo algemado e velho
seguisse ao passo largo das bestas que os mesmos cavalgavão; e
só por intervenção nossa e de companheiros de viagem, tiverão de
ceder. (Jornal “Parahybano, 25.11.1868)

41
Dissemos anteriormente que, daqueles escravos fugidos, analisados nos
anos de 1868 e 1869, não se encontram notícias sobre sua captura. Contudo,
pela notícia acima, conclui-se que outros escravos foram capturados e
maltratados e que pessoas comuns interferiam no processo de violência contra
eles.
A interferência daqueles atores sociais se expandiu das ruas para as
próprias casas dos senhores de escravos, caso a violência fosse ouvida ou
presenciada.

Barbaridade
Sr Redactor – Tenha a bondade de levar ao conhecimento do
público, dando inserção nas colunnas de seu muito acreditado jornal
ao seguinte e horroroso facto:
No domingo próximo passado, à vista de Deos e todo mundo, e
em pleno dia, foi barbaramente castigado em uma casa desta villa
um pobre escravo, que, por ser muito notório o facto, não declinamos
o nome do calcanico senhor, que só faltou bater com um malho,
como em uma bigorna, nas fontes de sua vítima!...
É sabido, Sr. Redactor, que taes castigos não podem ser
infligidos em um lugar civilisado, onde há humanidade, e autoridades
a quem se deve recorrer, quando os escravos commeterem grandes
faltas, a fim de dar-se o competente correctivo.
Assim, Sr. Redactor, V., como defensor da humanidade, há de
permitir que eu me sirva deste meio para chamar a attenção das
mesmas autoridades, a fim de que não se reproduzão factos tão
bárbaros, que fazem lembrar os tempos inquisitoriaes, e que a
civilização do século repelle.
Fazendo-me este favor, Sr Redactor, muito obrigará ao seu
constante leitor e
Amigo da Humanidade (Jornal “Parahybano”, 23.12.1868)

Embora o “Amigo da Humanidade” não defendesse o fim dos castigos


físicos aos escravos, este chamava a atenção do público e das autoridades
quanto aos excessos de violência dos senhores escravistas.
Aparecem também, críticas aos atos dos chamados “humanitários”, no
mesmo jornal, pois suas ideias, para a época, eram consideradas “imprudentes
e intempestivas”. Na notícia, “a ideia” era a libertação de um escravo.

Alforria – O Commendador Jacintho Alves Barbosa e seu irmão o


capitão Francisco Alves Barbosa derão 2.000$ para a liberdade do
creoulo Joaquim, antigo boleeiro do Sr. Tigre, e hoje escravo do Sr.
Joaquim Lucio. Este e outros actos fazem mais do que imprudentes
e intempestivas idéas dos chamados humanitários. (Jornal
“Parahybano”, de 25.08.1869)

42
Já o Jornal “O Agricultor”34, destacam-se as análises a seguir. 35
O número de casos de fugas continuou alto na região. Foram 18
(dezoito) casos, envolvendo 22 (vinte e dois) escravos nos dez meses
analisados. Uma média de dois escravos por mês.
Comparando o conteúdo dos dois jornais analisados, percebe-se que,
quatro anos depois, as fugas se generalizaram para outras fazendas de
Paraíba do Sul. Já não se concentravam próximas à Fazenda de Cantagalo,
mas se espalharam para outros locais mais distantes. Até mesmo duas fugas,
uma de dois escravos do município de Valença, e outra, de um escravo que
fugira no Rio de Janeiro, mas pertencia a uma senhora de Juiz de Fora,
também foram noticiadas. Cinco casos de fugas aconteceram em Santo
Antonio da Encruzilhada. Foi o local onde apareceram mais casos, sendo que
em um deles, fugiram quatro escravos de uma só vez. Dos outros onze casos,
somente dois continuaram próximos à Fazenda de Cantagalo: um em Serraria
e outro em Bemposta. Os nove restantes aconteceram nos locais seguintes:
Cebolas; Fazenda de Santo Amaro; Fazenda de Cachambú; Grama; Sítio
Recreio; Fazenda do Capitão João Gomes de Aguiar; Fazenda Santo Elias;
Fazenda Santa Innocencia e Fazenda de João Jacintho. Novamente contata-se
que, não fora noticiada nenhuma fuga de escravos da Fazenda de Cantagalo.
Dos vinte e dois escravos fugidos, oito eram crioulos, mas somente três
aparecem com origem, sendo um de Pernambuco, um do Pará e uma da Côrte;
oito africanos, sendo que seis aparecem com as seguintes nações:
Moçambique (2), Benguela (2), Rebolo (1), Cabinda (1), os outros dois
africanos aparecem como de nação; três aparecem como pardos; e três sem
origem. Diversamente do primeiro grupo analisado anteriormente, o número de
africanos fugidos se iguala ao de crioulos, aumentando, assim, a quantidade de
africanos fugitivos. Duas escravas aparecem nesse grupo, diferentemente do
primeiro grupo analisado que era formado somente por homens.

34 “Jornal de Agricultura e Commercio. Redação e propriedade de Soares de Souza Júnior.


Publica-se às quintas e domingos. Subscreve-se na Typographia do Agricultor, rua de D.
Izabel, n. 7. Assignaturas: para a cidade, por um anno, 12$000. Para Fora, por um anno,
14$000”.
35
Vide: Tabela de Dados de Escravos Fugitivos – 1873/1874 – ANEXO VII.

43
Com relação à idade, oito tinham de 20 a 26 anos; dois tinham 30; um
tinha 40; um, que fugia pela segunda vez, tinha 50, e dez aparecem sem a
idade especificada. Não se pode afirmar quantos estavam em idade produtiva,
mas pelo menos a metade do grupo tinha entre 20 a 30 anos.
Quanto às gratificações, o valor de 50$000 (cinquenta mil réis) ainda era
um valor consensual entre os senhores para ter de volta os escravos fugidos,
uma vez que, em oito casos, foi esta a quantia oferecida. Em onze notícias,
falou-se apenas que seriam gratificadas as pessoas as quais prendessem os
fugitivos. Em um desses casos ofereceu-se pagar as despesas com o
transporte. Em três fugas ofereceram 100$000 por cada escravo, sendo que
em um destes era uma escrava que estava há sete meses desaparecida. O
seu senhor dizia que ela não tinha motivos para fugir, como se a condição de
escrava não fosse motivo suficiente para isso, e que, provavelmente, deveria
ter sido seduzida. Em quatro casos havia ameaças de punir com todo o rigor da
lei a quem acoitasse os ditos escravos.
Um escravo aparece com a profissão de pedreiro; uma escrava tinha
sido mucama, mas fazia o trabalho na roça quando fugiu. Dos demais não são
mencionadas as profissões.
Um deles aparece com cicatrizes de pancadas nas costas.
Nos casos acima, percebe-se que os anos de 1860 e 1870, com relação
à fugas na região, foram movimentados. Seus corpos com feridas; com marcas
de pancadas; vestidos em sua maioria com roupas de algodão; descalços ou
poucos deles, calçados; com seus chapéus e japonas. Enfim, saíam daquelas
fazendas apenas com as roupas do corpo. Em nenhum dos fatos citados
mencionou-se que tenham levado algo para dar início a uma vida não se sabia
onde. O mais importante é observar que fugiram, tentaram mudanças na sua
condição cativa, reagiram.
Continuando com a proposta de perceber mudanças na mentalidade dos
sujeitos sociais da região, outra notícia no jornal “O Agricultor”, de 23 de janeiro
de 1873, demonstra claramente uma simpatia pelas ideias emancipacionistas:

Emancipação
Com este título, lê-se no Mercantil de Petrópolis: “Uma
senhora, mui distincta por suas virtudes e das mais estimadas da
sociedade fluminense, D. Carolina Souto, cuja perda lamentamos,

44
libertou por testamento cincoenta dos seus captivos, a muitos dos
quaes fez consideráveis legados.
D’Entre os casos de alforria voluntária que frequentemente se
publicão, é esse um dos casos dignos de louvor. (Jornal “O
Agricultor”, 23.01.1873)

Seria esse “caso digno de louvor”, de D. Carolina Souto, uma influência


do “Abolicionismo Católico”? Posteriormente, no segundo capítulo, falaremos
sobre esse assunto.
Em 26 de janeiro de 1873, a notícia chama a atenção para uma fuga de
escravos da prisão, após serem capturados. O texto sugere que tais escravos
tivessem tido ajuda para fazê-lo.

Evasão
Na noite de 22 para 23, conseguirão evadir-se da cadeia desta
cidade, quatro escravos do commendador Bastos e um que estava a
muito tempo detido por fugido; do exame que se fez na prisão onde
elles estavão deprehende-se que alguém da parte de fora, protegido
pela escuridão que reinava [...]36 (Jornal “O Agricultor”, 26.01.1873)

Todas as considerações acima concordam com os estudos de Machado


(2010, p. 27-28), segundo a qual, um dos maiores desafios para controlar e
conservar a ordem escravista consistia em combater as solidariedades entre
escravos, libertos, plebe e abolicionistas radicalizados. Esse potencial nas lutas
contra a escravidão foi percebido pelas autoridades naquela época.
No período das décadas de 1870 e 1880, Machado (2010, p. 35)
constata que a consciência dos fazendeiros aumentava no que diz respeito à
identificação do escravo como inimigo doméstico e dos riscos que isso
acarretava à sua família, a ele próprio, como também “[...] a viabilidade
econômica de suas plantações”. Particularmente violentas eram as áreas
cafeeiras do Oeste Paulista por conta dos crimes cometidos pelos escravos,
fazendo com que a escravidão passasse a ser vista como empresa de risco.
Mesmo sendo informações advindas de outra região, percebe-se a
importância de apresentá-las, uma vez que permitem ampliar a visão quanto à
movimentação dos escravos junto à ordem senhorial, baseada nas mesmas
leis em todo o país. Portanto, apresentam semelhanças que fornecem um

36
O restante da frase foi danificado.

45
arcabouço de comportamentos percebidos nas fazendas de cafeicultura, seja
no Oeste Paulista, seja no Vale do Paraíba fluminense.
Alguns historiadores defendem a ideia de que o aumento daqueles
crimes esteve ligado aos escravos vindos em massa nos anos de 1870, recém-
chegados, desenraizados, através do tráfico interprovincial.
Segundo Machado (2010, p. 36-37), analisando os autos criminais, o
conflito era muito mais complexo nos crimes cometidos “[...] contra a figura
senhorial e os fiscalizadores do trabalho”. Estes estavam ligados a “[...]
questões cruciais atinentes à autonomia escrava e à problemática do trabalho
fiscalizado no processo de transição.”
Os ataques violentos contra os senhores e os feitores tinham como
justificativa os castigos injustos e o não cumprimento das obrigações
senhoriais, que se percebia existirem naquelas fazendas. Entre elas podemos
citar: roças próprias, pequeno comércio dos produtos advindos das mesmas,
“[...] um ritmo de trabalho próprio ao grupo [...]”, folga semanal, remuneração
pelo trabalho a mais que se realizava, alimentação e vestuário.

À medida que as muralhas defensivas da ordem escravocrata foram


sendo minadas e o consenso ideológico em relação à propriedade
escrava tornava-se mais e mais problemático, o arcabouço
disciplinar e a efetiva manutenção do sistema de exploração do
trabalho escravo surgiam como o último bastião de resistência da
instituição peculiar. Era esta uma conjuntura que havia povoado as
fazendas com escravos ansiosos por prover pecúlios, por libertos
condicionais que sistematicamente negavam-se a cumprir os
contratos, dando margem a intermináveis autos jurídicos, por cativos
fugitivos e indisciplinados, apoiados por um crescente número de
advogados abolicionistas e por cada vez mais ousados golpes de
propaganda antiescravocrata; toda essa conjuntura eludia, com
rapidez crescente, as fronteiras entre o escravo e o homem livre.
(MACHADO, 2010, p. 37)

Com relação aos castigos injustos, entre os escravos fugidos em


Paraíba do Sul, aparecem alguns com feridas e marcas de pancadas nas
costas.
Entre os escravos fugidos, gostaríamos de destacar alguns que
chamaram a atenção, pois seus casos, por serem mais detalhados, levam a
querer conhecê-los um pouco mais.
João fugiu do Piabanha, era congo e tinha um sinal bem no meio do
peito, atravessado de feridas nas costas e outro sinal de ferida bem no meio

46
das costas, Caetano era crioulo, fugiu do Registro do Parahybuna, e tinha na
garganta uma cicatriz de uma ferida que tivera. Todos os dois com aparência
de bem castigados. 37
Ignácio Mineiro, que fugira com João da fazenda do Retiro, tinha
parentes em Pitangui – MG e desconfiava-se que tinha seguido para lá. Ignácio
deveria mostrar-se saudoso de sua província de origem, daí a desconfiança de
que poderia ter voltado para lá. Os fatos narrados levam a pensar que Ignácio
e João agiram sigilosamente, partiram para a ação, ou seja, estabeleceram
laços de solidariedade em relação ao projeto conjunto.
Firmino fugiu da fazenda Laranjeiras em Entre Rios, levando uma argola
no pescoço e uma carapuça de preto do ganho. Era provável que tivesse
fugido para a Corte, pois fora preso lá uma vez, na rua do Aterrado. Esse
escravo transferido de Sergipe pelo tráfico interprovincial deixara para trás as
suas experiências vivenciadas naquele lugar. Como também, tivera
experiências como escravo do ganho na Corte. Provavelmente não se
conformara em estar trabalhando na roça, longe de Sergipe e em um trabalho
diferenciado do que fazia na Corte. Além disso, a argola no pescoço indicava
que estava cumprindo pena, conforme o Artigo 60 do Código Criminal do
Império38, provavelmente depois de ter sido preso na Corte. Contra tudo isso,
reagiu fugindo novamente.
Fellipe, de Nação e Daniel, crioulo do Norte, que possuía sinais de
queimadura em uma das pernas, fugiram juntos em 1869. Novamente
observam-se laços de solidariedade e possíveis castigos em um escravo vindo
através do tráfico interno.
Antonio, originário da Bahia, também apresentava marcas de ferida no
peito do pé. Contudo, fugiu, talvez tentando voltar para o seu lugar de origem.
Pela recompensa que ofereciam, 100$000 (cem mil réis), o dobro das demais,
provavelmente era um escravo valoroso.

37
Vide: Tabela de dados de Escravos Fugitivos – 1869/1869 – ANEXO VI.
38“Estabelecia que ‘Se o réo fôr escravo, e incorrer em pena, que não seja a capital, ou galés,
será condenado na de açoites, e, depois de os soffrer, será entregue a seu senhor, que se
obrigará a traze-lo com um ferro, pelo tempo e maneira que o Juiz designar’. Código Criminal
do Império, p. 150”. (GUIMARÃES, 2011, p. 10)
bdjur.stj.jus.br?xmlui/bitstream/handle/2011/65405/criminalidade_escravidao_guimaraes.pdf?se
quence=1 Acesso em: 25.09.2014.

47
Marcos, que fugiu de Valença, tinha no corpo alguns sinais de castigo.
José Miguel e Laurindo; João e Martinho, duas duplas fugitivas e,
provavelmente, solidárias.
Domiciano, de Nação; Norberto, de Pernambuco, e Manuel, pardo,
tinham feridas na canela, nas pernas e cicatrizes de pancadas nas costas,
respectivamente. Nos dois primeiros, as feridas eram sinais de castigo? Na
notícia da fuga, assim como em outras também, falam de feridas, mas não as
explicam. Mas, a informação das cicatrizes de pancadas nas costas de Manuel,
explicitara o motivo de ele ter fugido. 39
Domingas, “creoula”, fora mucama na Corte, tornando-se roceira em
Paraíba do Sul. Fugiu, muito provavelmente, por não estar satisfeita com a
mudança radical de vida. Mudara de cidade, de um contexto urbano para um
contexto rural e para uma função muito mais exaustiva. Seu senhor dizia que
ela deveria ter sido seduzida, porque não tinha motivo algum para fugir.
Eulália nascera em Paraíba do Sul, não sofrera as agruras do tráfico
interprovincial, mas, segundo a descrição do jornal, tinha, na cabeça, “uma
brecha velha”. Assim, fugir significaria não ser mais castigada.
Joze, Pedro, Frederico e Jacintho; quatro africanos solidários, que
fugiram juntos. E, finalmente, Messias e José, outra dupla de fugitivos.
Os demais: Tiburcio, Lazaro, Mariano, Galdino, Manoel Moçambique,
Bento, Marianno Moçambique, Cesário, Paulino, Jacob, Martins, José, Pedro
Germano, Manoel Moçambique de Juiz de Fora, Bueno, Vicente, Augusto e
Benedito; que constam nas duas tabelas, não tiveram revelados, nas suas
notas de fuga, detalhes como os demais que citamos acima, mas seus nomes
aparecem aqui para que fiquem registrados como sujeitos sociais que tentaram
livrar-se do cativeiro.
Vimos que os casos de violência no meio rural multiplicavam-se. E no
meio urbano? Embora os sujeitos sociais analisados na pesquisa deste
trabalho pertençam ao meio rural, não poderíamos deixar de citar a
contribuição de Sidney Chalhoub em sua obra: “Visões da Liberdade: uma
história das últimas décadas da escravidão na Corte” (2003, p. 20).

39
Vide: Tabela de Dados de Escravos Fugitivos – 1873/1874 – ANEXO VII.

48
Concordamos com o autor já no início de sua fala, quando diz preferir o termo
“processo histórico” em vez de “transição”, ao se referir aos últimos anos da
escravidão, pois os rumos da história não estavam previamente determinados.
Seu esforço foi o de “[...] recuperar a indeterminação, a imprevisibilidade dos
acontecimentos [...].” O autor diz que isso é crucial “[...] se quisermos
compreender adequadamente o sentido que as personagens históricas de
outra época atribuíam as suas próprias lutas”.
Chalhoub (2003, p. 23) interpreta as concessões ou doações da classe
dominante desse período como uma conquista dos escravos. Essas práticas
tornaram-se uma “[...] ‘necessidade’ diante das condições históricas específicas
do exercício da dominação”.
O autor faz parte daquele grupo de historiadores, citados por Machado
anteriormente, que atribui ao tráfico interno, as reações violentas dos negros
aos seus novos senhores, aos ”[...] donos das casas de comissões – lojas de
compra e venda de escravos [...]”, na tentativa de fugir e voltar para a sua
província de origem, onde deixaram as suas famílias. Não queriam ir para as
fazendas de café, e nem desempenhar tarefas com as quais não estavam
acostumados. (CHALHOUB, 2003, p. 27)

Segundo as estimativas de Robert Slenes, esse movimento de


população despejou no Sudeste, a partir de 1850, cerca de 200 mil
escravos. O auge desse movimento de transferência interna de
cativos ocorreu entre 1873 e 1881, quando 90 mil negros, numa
média de 10 mil por ano, entraram na região, principalmente através
dos portos do Rio de Janeiro e de Santos. Só a polícia do porto do
Rio registrou a entrada de quase 60 mil escravos nos nove anos de
apogeu do tráfico interprovincial. (CHALHOUB, 2003, p. 43)

Mas, e antes do auge desse movimento de transferência interna,


ocorrido entre 1873 e 1881, como se apresentava a população da província do
Rio de Janeiro?
Segundo Botelho (2005, p. 77)40, a população livre, na província do Rio
de Janeiro, formada por homens, em 1823, era de 122.546, por mulheres,
119.007, somando um total de 241.553. A população escrava de homens era

40 O autor, a partir de levantamentos censitários, acompanhou a evolução demográfica

brasileira ao longo do século XIX.

49
de 63.571, e a de mulheres, 37.754, somando um total de 101.325. A
população livre somada à população escrava era de 342.878 habitantes.
Ao longo do século XIX, nas províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais,
São Paulo e Espírito Santo, o café se tornara o motor da economia brasileira
como um todo. “Coerente com o forte crescimento econômico, houve um rápido
incremento da população. [...] O apoio na mão de obra escrava fez com que na
região ela se apresentasse em altos índices.” Sendo assim, vindos do Nordeste
açucareiro através do tráfico interno, “[...] o grosso da população mancípia [...]”
se concentrou no Sudeste, após 1850. (BOTELHO, 2005, p. 70-71)
Com isso, a população da província do Rio de Janeiro, em 1854,
apresentava os seguintes números: homens livres = 268.924; mulheres livres =
255.282; total = 524.206; escravos = 311.294; escravas = 212.725; total =
524.018. A população total somava 1.048.224 habitantes. (BOTELHO, 2005, p.
78)
Observa-se, então, que a população escrava na província do Rio de
Janeiro saltara de 101.325, em 1823, para 524.018, em 1854. Um aumento de
422.693 escravos em 31 anos; 13.635 escravos por ano. Essa população
praticamente se igualou à população livre que era de 524.206. Uma população
escrava muito alta, considerando que, no Brasil, no mesmo ano, a população
total de escravos era de 1.840.138. Quase 30 % dos escravos do Brasil
estavam concentrados somente na província do Rio de Janeiro. (BOTELHO,
2005, p. 77-78)
Nos estudos de Botelho (2005, p. 80), o auge da população escrava na
província do Rio de Janeiro aparece no ano de 1854. Em relação ao ano de
1872, o autor nos fornece as seguintes informações: homens livres = 256.296;
mulheres livres = 234.283; total = 490.579; escravos = 162.394; escravas =
130.243; total = 292.637. População total = 783.216. A população diminuíra em
265.008 habitantes, denotando uma queda significativa de habitantes da
província e do número de escravos, dezesseis anos antes do fim da
escravidão, além de uma queda pequena da população livre.
Como se explica esse decréscimo da população? A movimentação
quanto às alforrias aumentaram, uma parte da população escrava se tornara
livre, é verdade, mas a população livre teve o seu número de habitantes

50
diminuído também. Como explicar a queda da população escrava em 231.381
e a população livre em 33.627 habitantes?
Gomes (2006, p. 30-31) informa que, entre os anos de 1855 e 1856, o
Cólera “[...] provocou alta mortalidade na população escrava tanto no centro da
cidade como no interior da província. Na Corte Imperial, das 4.899 vítimas do
Cólera, 2.523 eram escravas.” Os cativos foram mais atingidos ainda, nas
áreas rurais.

Em meados de 1856, em apenas oito dias o Cólera matou mais de


trinta escravos na fazenda do Rio Seco, no município de Rio Bonito.
Em Barra Mansa, das 372 pessoas mortas, 311 eram escravos. Já na
Vila de São João do Príncipe, em apenas um mês e meio – no final
do ano de 1855 e início de 1856 – cerca de 498 pessoas foram
infectadas, sendo 164 livres e 334 cativos. Dos 160 mortos, 108 eram
escravos.[...] Também africanos recentemente comprados – que
seguiam para as áreas cafeeiras de Vassouras e Valença por
estradas que cortavam Iguaçu – eram vitimados pelo Cólera.
(GOMES, 2006, p. 30-31)

Sendo assim, a manutenção da mão de obra escrava na cafeicultura não


foi prejudicada somente pelo fim da sua reposição pelo tráfico Atlântico. O
índice de mortalidade alta entre os cativos explica-se pelas doenças pelas
quais eram atingidos, demonstrando a fragilidade a qual estavam expostos no
modo de vida proposto pela sociedade escravocrata. Houve mudanças no
tratamento dado aos cativos no que tange não apenas aos maus tratos, mas
também nas questões de saúde. Como exemplo, temos a fazenda de
Cantagalo onde existiam hospitais para o tratamento médico de escravos,
como informado anteriormente.
Ainda com relação à diminuição da população na província do Rio de
Janeiro entre 1854 e 1872, atentamos para o fato de que em 01 de março de
1870 terminava a Guerra do Paraguai (1864-1870), que “[...] foi tratada pelo
Estado Imperial como uma questão nacional e, dessa forma, a adesão social
foi buscada mediante o Decreto n. 3.371, de 7 de janeiro de 1865.” Com isso,
os chamados “Voluntários da Pátria” foram constituídos. “O esforço envolveu
aproximadamente um contingente recrutado entre 150 e 200 mil pessoas,
chocando-se com os limites sociais da sociedade escravista”. (SALLES, 1990,
apud, RODRIGUES, 2009, p. 123)

51
Os cenários político e social do país se modificaram, pois, durante
cinco anos, as famílias perderam filhos, irmãos, pais, esposos, parentes ou
amigos. “Nas prisões públicas encontramos ex-escravos reconduzidos ao
cativeiro pelos seus senhores.” Muitos escravos morreram nessa guerra.
(RODRIGUES, 2009, p. 212)

A participação de escravos na guerra foi resultado de diversos


fatores: falta de contingentes regulares para atender às exigências de
uma guerra externa, difícil campanha de mobilização de tropas
militares no vasto Império e as estratégias montadas por homens de
cor permitindo-lhes subtrair-se à condição de escravos. Assim, o
Império recorreu ao expediente de antigas leis, as quais permitiram o
engajamento de negros libertos nas tropas para fazer a campanha.
(RODRIGUES, 2009, p. 213)

O Imperador recebera recomendação de Joaquim Nabuco para que


recrutasse os escravos das capitais, mas nos processos pesquisados por
Rodrigues (2009, p. 220), “[...] foram encontrados escravos provenientes do
interior das províncias, que chegavam recrutados e prontos para o embarque
para a guerra, o que permite supor a existência de uma rede de sociabilidade
[...]” e de laços de comunicabilidade, entre os recrutadores e os homens de cor
e das capitais com a zona rural. Uns ganhavam dinheiro com os recrutados e
outros a possibilidade de liberdade.

Escravos rurais fugiam com o propósito de assentar praça no


Exército, e assim livrar-se dos maus tratos a que estavam sujeitos, ao
contrário do que ocorria nas cidades, pois, nestas, os maus tratos
poderiam implicar punições aos seus senhores. (RODRIGUES, 2009,
p. 220)

Nesse contexto, podemos nos perguntar: alguns daqueles escravos


fugidos de Paraíba do Sul fizeram parte dessa empreitada?
O autor nos informa que, um dos recursos utilizados pelos “[...]
proprietários de escravos fugidos para reaver seus cativos [...]”, consistia em
publicar nos jornais, “[...] características que pudessem identificar o negro
fujão”. (RODRIGUES, 2009, p. 222)
Aquela prática de publicação de notas, nos jornais, sobre os escravos
fugidos, descrevendo-os com o máximo de características possíveis, conferem
exatamente com as fontes que utilizamos. Sendo assim, acreditamos que um

52
percentual daqueles escravos fugidos pode ter ingressado nas fileiras do
Exército para lutar na Guerra do Paraguai, almejando a sua liberdade.

Os escravos depois de fugirem do cativeiro e alistar-se nas tropas, o


retorno ao Brasil após anos de luta, embora não representasse uma
efetiva conquista da liberdade com o fato de lutarem e destacarem-se
na campanha, condecorados por gestos de bravura e heroísmo,
poderia representar uma possibilidade de livrar-se do cativeiro.
O governo Imperial apelou para o ingresso de escravos nas fileiras
oferecendo para eles a liberdade. Assim, assentaram praça escravos
da Nação, escravos procedentes da Casa Imperial e de conventos,
por doação de particulares, prevalecendo, todavia, um número maior
de libertos que chegaram ao Exército como substitutos de pessoas
livres e mediante o pagamento de indenização a seus senhores pelo
governo. (RODRIGUES, 2009, p. 230)

Segundo Rodrigues (2009, p. 230-231), o recrutamento e o ingresso de


escravos no Exército e Armada se faziam mediante vista grossa de autoridades
que, não verificavam a identidade e nem a condição servil dos mesmos. Muitos
escravos mudavam o nome e eram aceitos por conta da necessidade de
aumentar os efetivos para a guerra.
Terminada a guerra, muitos proprietários que não tinham recebido
indenização por aqueles escravos, “[...] tentaram reconduzir ao cativeiro os
seus cativos reconhecidos nas ruas, mesmo que a farda lhe garantisse a
liberdade”. Com isso, os debates sobre a emancipação desses escravos
exacerbou-se, “[...] chegando às Câmaras de Deputados e Senado, às
Associações Libertadoras que se reproduziam na Corte e nas Províncias, aos
Ministérios, ao Imperador [...]”, sendo uma situação constantemente
denunciada na imprensa. (RODRIGUES, 2009, p. 231)
Rodrigues (2009, p. 235-236) apresenta um caso de um escravo
chamado José Maria Joaquim Soares, apreendido em Entre-Rios:

[...] escravo fugido que lutou na guerra. [...] Trouxe no peito 3


medalhas quando voltou da campanha, atestando sua bravura. A
liberdade, prerrogativa do decreto imperial, conquistada pelos
serviços prestados à pátria, e as honrarias concedidas para os herois
de nada lhe valeram. Na estação de Entre Rios, no Rio de Janeiro, o
voluntário José Maria foi retido [...] para que fosse conduzido à
residência do seu senhor, a quem havia prestado serviços antes de
ser recrutado.

E aqueles não interessados em deixar suas roças próprias ou algo que


já os fazia se sentirem menos escravos e, por isso, não queriam substituir as

53
pessoas livres convocadas? Provavelmente fugiam também, ou se rebelavam
contra os seus senhores. Mas fugiam para onde?
Percebemos que muitas eram as saídas encontradas pelos cativos para
escaparem do cativeiro, ou para diminuir as agruras que lhes eram imputadas.
Além das saídas já apresentadas, temos as fugas para as matas, para a Corte
e para os quilombos.
Em sua etimologia bantu, quilombo significa “acampamento guerreiro na
floresta”, referia-se “[...] às unidades de apoio mútuo criadas pelos rebeldes ao
sistema escravista e às suas reações, organizações e lutas pelo fim da
escravidão no país.” A administração colonial no Brasil o popularizou em suas
leis, relatórios, atos e decretos. Para os libertos teve um significado especial,
conquista e liberdade, com amplas dimensões e conteúdos. (LEITE, 2008, p.
965)

[...] A legislação Ultramarina (1740) em sua fase áurea definiu como


sendo um quilombo a reunião de mais de cinco negros – tal era o
potencial de revolta contido na união dos escravos. [...] “como toda
habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte
despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se
achem pilões neles”. [...] Com o recrudescimento do escravismo, a
Lei n. 236, de 20 de agosto de 1847, sancionada pelo Presidente da
Província, Joaquim Franco de Sá, diminuiria o número de escravos
fugidos: “Art 12 – Reputa-se-há escravo aquilombado, logo que esteja
no interior das matas, vizinho ou distante de qualquer
estabelecimento, em reunião de dois ou mais com casa ou rancho”.
(ROCHA, 2005, apud, LEITE, 2008, p. 970)

A palavra quilombo foi re-significada, através dos processos de luta dos


movimentos e ações dos sujeitos sociais, somente um século depois da
abolição, na Constituição de 1988. Contudo, respeitando a cronologia de nosso
estudo, falaremos desses novos significados no capítulo cinco. A seguir,
apresentamos os estudos de Gomes (2006), cuja pesquisa contempla, em
parte, a região de Paraíba do Sul no que tange às fugas e a presença de um
quilombo.
Gomes (2006, p. 62), ao analisar “[...] as narrativas e experiências,
marcadas por confrontos, embates e solidariedades [...]” em processos-crimes
das áreas de café do Vale do Paraíba (Paraíba do Sul, Barra Mansa, Valença e
Vassouras), percebe que aqueles homens e mulheres envolvidos nos casos,
apresentam o cotidiano das tentativas de fugas; a convivência nas senzalas; a

54
formação de comunidades; a cultura sendo recriada; as relações entre
senhores e escravos; “[...] as redes de solidariedade e os conflitos que podiam
proteger os fugitivos ou mesmo denunciá-los”; isto é, percebe-se naquelas
falas que os cativos inventavam as suas liberdades ou suas escravidões.
Os processos consistiam em conflitos, mortes e ofensas físicas advindas
da “[...] tentativa de senhores e autoridades capturarem fugitivos”. Feitores,
agregados, outros cativos, capitães-do-mato, as autoridades locais,
perseguiam escravos que porventura pudessem estar escondidos nas matas
das fazendas vizinhas.
Tanto se manter escondido nas matas quanto tentar se dirigir à Corte
era muito perigoso. Arriscados eram os roubos e furtos de dinheiro, roupas ou
alimentos, cometidos pelos escravos, pois fazendeiros e os próprios cativos
desconfiavam. Roubar produtos das roças de escravos ou assaltar senzalas
poderia gerar conflitos ou solidariedades. (GOMES, 2006, p. 63)
O autor descreve um conflito ocorrido na Paraíba do Sul em 1876, cujo
registro apresenta interesse:

Foi na freguesia de Sant’Ana de Cebolas. Dois escravos fugidos


estavam escondidos na Fazenda São Romão do dr. Jerônimo
Macário Figueira de Melo. Este enviou o seu feitor Antonio Gonçalves
para capturá-los. [...] Houve lutas e ferimentos. Mais tarde um dos
escravos faleceu, não sabendo ‘se das contusões recebidas ou de
outro qualquer incômodo’. [...] A melhor parte desse episódio surge
mesmo no depoimento do preto Abraão. Era ele e o preto Damásio
que estavam escondidos nos “terrenos” da Fazenda São Romão.
(GOMES, 2009, p. 68-69)

Daquele depoimento, podemos destacar as seguintes informações:


Abraão disse que fugira para os lados do Cavaru, porque quisera, havia muitos
anos; que não fora punido e nem ameaçado por ninguém, mas fugira por ter
medo do feitor e por ter sido tentado pelo diabo fugido. Esteve muitas vezes no
mato, roubando, ora em um lugar ora no outro, e que certa vez tinha resolvido
voltar para o seu senhor. Antes disso, em uma noite, encontrara com Damásio
que estava fugido há mais de 12 anos. Este estava forte e gordo, pois vivia
num “[...] quilombo na Fazenda de São Romão, em uma capoeira41 acima do

41
A palavra capoeira é originária da língua tupi-guarani, usada para designar a vegetação que
nasce após a derrubada de uma floresta. Significa o que foi mata, através da junção dos
termos ka’a (mata) e pûer (que foi), "mato que foi cortado". (PORTO, 2010)

55
cafezal, onde já tinha um rancho, aí continuaram a habitar escondendo-se de
dia e saindo de noite.” Roubavam mandioca e milho em vários lugares e
apanhavam café para vender. Em uma dessas noites, encontraram dois
escravos fugitivos pertencentes ao senhor chamado Vicente Antonio.
Juntaram-se os quatro escravos fugidos, seguiram para o quilombo, onde
continuaram habitando e roubando para comer e viver.
“O resto dessa incrível história é previsível. O feitor Antonio Gonçalves,
da Fazenda São Romão, realizou uma expedição nos matos e prendeu alguns
escravos.[...] Na ocasião Damásio acabou ferido e morreu.” (GOMES, 2009, p.
69)
Gomes (2009, p. 71) acredita que Damásio por ser forte e esperto,
permanecendo fugido por tanto tempo sem ser capturado, “[...] talvez fosse um
ídolo dos escravos locais”. Com isso, estimulava as fugas de outros escravos.
O sucesso de sua fuga estava em ter conseguido proteção não só dos matos,
mas “[...] roubando, permutando produtos e prestando pequenos serviços para
taberneiros e lavradores, já fazia parte da paisagem local”. Para o autor,
Abraão “[...] articulou-se com as redes socioeconômicas que Damásio e outros
fugidos já tinham.” Comerciavam com as vendas locais os seus produtos.
Naqueles matos eram montados e desmontados os seus ranchos.
“Fazendeiros e autoridades não viam os fugitivos, mas encontravam os rastros
de seus roubos.”
Outro caso relatado por Gomes (2009, p. 72) informa a capacidade dos
escravos em permanecer fugidos, por muitos anos, sem serem capturados:

Roubando para sobreviver era o que fazia o fugido Sebastião, em


Paraíba do Sul, em 1880. Acabaria ferido, tendo que amputar a
perna. Tudo porque recebera um tiro do escravo Pascoal, quando
vagava pelos ‘terrreiros’ da fazenda. No inquérito, perguntado se era
seu ‘costume’ roubar porcos, café e outros produtos, disse que era
fugido havia muito tempo e quanto a ‘isso fez há muitos anos, mas
que esta era a primeira vez que vinha na fazenda, mas não com o fim
de roubar’.

Após todos os relatos e estudos imprescindíveis ao trabalho, que deram


maior clareza ao contexto histórico em que estamos nos inserindo e maior
percepção da movimentação imprevisível daqueles cativos, como disse
Chalhoub, voltamos às análises no Jornal “O Agricultor”.

56
Observa-se que, em meio às notícias de fugas, às propagandas, entre
outros, continuavam as demonstrações de simpatia aos atos a favor da
emancipação dos escravos, como foi vista a “boa ação” dos Srs Penna e
Bastos, que, segundo o jornal, eram artistas de circo.

Boa Acção
Consta-nos que os Srs Penna e Bastos concederão um
benefício para a libertação de uma escrava alugada ao Sr. Veríssimo
Joaquim Pacheco.
Os nomes destes senhores, já se achavam gravados em
nossos corações como artistas de mérito e agora ficará também
como apóstolos da caridade. (Jornal “O Agricultor”, de 16.03.1873)

Já em 03 de abril de 1873, a notícia apontava para outra vertente, a do


suicídio que, atribuído à alucinação e à embriaguez, não era visto como um ato
voluntário objetivando um ponto final à opressão:

Suicídio
Hoje, 28 uma escrava do Sr. Jorge Mathias de Oliveira Junior,
atirou-se à corrente impetuosa do rio, e foi submergida pelas águas.
Tem sido baldados os esforços feitos pelos habitantes desta
localidade em procura do cadáver. Atribui-se este crime a
allucinação, e à embriaguez, a que quase sempre se entregava
aquella infeliz. (Jornal “O Agricultor”, de 03.04.1873)

Destacamos também a formação da “Junta de emancipação” em


Paraíba do Sul, publicada em 06 de abril de 1873:

Junta de emancipação
A Junta de emancipação do município de Parahyba do Sul, [...]:
Faz público que no dia 6 do corrente mez de Abril, reunir-se-há no
paço da Câmara Municipal desta cidade, para tratar da classificação
para alforria dos escravos do município, e continuará em seus
trabalhos até o dia 6 de maio, reunindo-se nas quintas feiras e
domingos de cada semana. Faz saber outro-sim que aceitão-se
informações de qualquer pessoa do povo para os trabalhos a seu
cargo, tudo na forma do decreto n. 5135 de Novembro de 1872.
Parahyba do Sul, 1 de abril de 1873 – O presidente interino da
Câmara, Ladislau Accrisio de Almeida Fortuna. (Jornal “O Agricultor”,
de 06.04.1873)

O trecho acima foi selecionado com o objetivo de registrar que, na


segunda metade do século XIX, surgiram sociedades e associações de ajuda
mútua para promover o abolicionismo no Brasil. A conhecida “Lei do Ventre
Livre”, nº 2040, de 28 de setembro de 1871, demonstrou a intenção do Estado
Imperial em garantir uma transição segura e gradual do trabalho escravo para o

57
livre. Juntamente com a decisão de tornar livres os filhos das escravas
nascidos a partir de 1871, a mesma lei criou o Fundo de Emancipação de
Escravos estabelecido em seu artigo 3º.42
A atuação desse Fundo, considerado como instrumento libertador, pode
ser definida assim:

- O Fundo reuniria recursos pecuniários a serem destinados a cada


província do País e ao Município Neutro para a libertação de quantos
escravos fosse possível.
- A cota recebida por província e pelo Município Neutro seria
proporcional ao número de escravos ali residentes.
- Para a execução das cartas de liberdade, deveria se proceder à
matrícula dos escravos de todo o império brasileiro. Por meio do
decreto 4.835, de 1º de dezembro de 1871, ficou instituído que na
matrícula especial deveria conter dados como nome, sexo, cor,
idade, estado civil, filiação, aptidão para o trabalho e a profissão do
escravo.
- Em todas as províncias e no Município Neutro seria estabelecida
uma Junta Classificadora de Escravos que seria responsável pelos
critérios de classificação e de exclusão de escravos. (DAUWE, apud:
SANTOS, 2009, p. 19)

Sobre os critérios de classificação e exclusão, o artigo 27 do decreto de


nº 5.135 de 13 de novembro de 1872, priorizava as famílias, seguidas dos
indivíduos. Deveriam ser respeitados, para os escravos com famílias
constituídas, os critérios abaixo:

- os cônjuges que fossem escravos de senhores diferentes e seus


filhos;
- os cônjuges com filhos ingênuos em função da lei e menores de 8
anos;
- os cônjuges com filhos livres menores de vinte e um anos;
- os cônjuges com filhos escravos menores de vinte e um anos;
- as mães solteiras com filhos menores;
- os cônjuges sem filhos. (DAUWE, apud: SANTOS, 2009, p. 20)

Os critérios para os indivíduos consistiam nos seguintes: “os que


tivessem filhos livres; e os de entre doze a cinquenta anos, começando pelas
mulheres mais jovens e homens mais idosos”.

O objetivo principal desses critérios de classificação era,


portanto, o de manter unidas as famílias ou de tornar possível essa
união, o que requeria garantir a liberdade a todos os seus membros
de uma só vez. (DAUWE, apud: SANTOS, 2009, p.20)

42 www.revistahistoria.ufba.br/2009_2/a02.pdf. Acesso em: 06.09.2014.

58
Os critérios de exclusão eram os seguintes:

- os escravos sujeitos a cláusula de serviço ou alguma condição para


alforria;
- os suspeitos de crime ou de indicativo de crime, mesmo fugitivo ou
“habituado à embriaguez”;
- os escravos que estivessem buscando judicialmente a liberdade; e
- os escravos egressos de outro município, no ano da migração.
(DAUWE, apud: SANTOS, 2009, p. 21)

O parágrafo primeiro do artigo terceiro da Lei de 1871 dizia que o Fundo


seria composto financeiramente pela taxa de escravos; pelos impostos gerais
sobre transmissão de propriedade de escravos; pelo produto de 6 loterias
anuais, isentas de impostos, e da décima parte das que fossem concedidas da
data do regulamento em diante para concorrerem na capital do império; pelas
multas impostas em virtude dessa lei; pelas cotas que fossem marcadas no
Orçamento Geral e nas províncias e municípios e pelas subscrições, doações e
legados com esse destino. (DAUWE, apud: SANTOS, 2009, p. 21)
Menos preocupado com a sua eficácia, em termos de número de
escravos libertados por este Fundo, Dauwe (apud: SANTOS, 2009, p 22)
defende a ideia de que ele foi importante por embalar as expectativas de
liberdade de muitos escravos, como também porque o Estado retirava da
classe senhorial parte da prerrogativa de libertar seus escravos, dando-lhes
alguns direitos.
Foi observada também, nessa medida institucional, a preocupação em
indenizar os proprietários. (DAUWE, apud: SANTOS, 2009, p. 38)
Nove anos antes da liberdade condicional dada pela Condessa do Rio
Novo aos seus escravos, em 1882, o processo de emancipação em Paraíba do
Sul já estava sendo largamente discutido, colocado em prática e entendido pela
população como um processo irreversível. Como podemos observar abaixo:

Alforria
O Sr. José Cordeiro Couto negociante desta cidade, acaba de
passar carta de liberdade a Alb...(ilegível) escravo seu, pela quantia
de 600$000 que foi avaliado o dito escravo. (Jornal “O Agricultor”, de
10.08.1873)

Por fim, outras informações que chamaram a atenção relacionavam-se à


defesa do sistema de colonização em substituição ao trabalho escravo, em um
artigo que foi dividido em diversas edições do jornal “O Agricultor”, escrito por

59
João Elisiário de Carvalho Monte-Negro. Tratava-se de um artigo que se
dedicava a explicar o funcionamento da “Colônia de Nova Lousã”, fundada em
1867 na província de São Paulo. Na primeira publicação em 03 de abril de
1874 o autor afirmava que aquele sistema iria se generalizar na província para
interesse dos imigrantes e dos próprios lavradores. (Vide Anexo VIII)
Como o colonato foi o sistema escolhido pela Condessa do Rio Novo,
em seu testamento, para ser implantado em sua fazenda após a sua morte,
selecionamos alguns trechos do artigo que podem ter possibilitado certa
influência nas decisões da testadora.
Outros trechos foram selecionados, por nos mostrarem mais um pouco
da mentalidade da época, ainda que não a tenham influenciado. Como
exemplo, temos a escolha da mão de obra para a formação da colônia agrícola,
como podemos observar a seguir.
O artigo43 defende a colonização com imigrantes europeus, em oposição
à colonização chinesa. De forma preconceituosa e racista, apresenta interesse
no “[...] predomínio da raça caucásica – mais inteligente, industriosa,
progressiva do que todas as outras [...]”; em detrimento do chinês, pois nada se
podia “[...] esperar de um povo tão estacionário, tão alheio aos progressos da
humanidade, tão supersticioso e mal educado”.44
O autor do artigo afirmava que o tráfico de escravos era um ato infame,
mas não mencionava a mão de obra de libertos após a abolição, nem mesmo
os considerava como os mais dedicados aos trabalhos agrícolas. Segundo ele,
os predicados de um bom agrônomo só poderiam ser vistos, nos alemãs,
suíços, holandeses, “[...] não somente por serem os filhos destas nações muito
dedicados ao trabalho, e de costumes muito sérios, mas principalmente por
serem elles os que mais se dedicam a indústria agrícola.”
No que tange à remuneração do trabalho, defendia a parceria, pois
acreditava que os colonos sentir-se-iam como proprietários, o que os animaria
e consolaria quanto à pátria perdida. Outra vantagem do núcleo de colonização
consistia na reunião de muitas famílias, sendo assim mais estável e seguro.

43
ANEXO VIII.
44 Questões sobre a política de branqueamento no Brasil serão discutidas posteriormente.

60
Nesse ponto da opinião do Sr. João Elisiário percebe-se semelhança com o
desejo da Condessa que analisaremos no capítulo a seguir.
Antes, porém, devemos considerar o seguinte comentário do
antropólogo Roberto da Matta (apud: BARROS, 2002, p. 35):

A eventos distantes no tempo corresponde uma predominância de


interpretações acadêmicas em contraste com interpretações políticas;
o evento está mais “frio”, para usarmos um qualificativo inventado por
Lévi-Strauss. Concomitantemente, um evento mais próximo no tempo
é um fato ainda se desenrolando entre nós. Um episódio que não
esgotou suas ondas de impacto. Daí, certamente, as dificuldades de
uma interpretação “fria” acadêmica e a multiplicidade de
interpretações políticas. Trata-se de um episódio “quente”, que se
desenrola diante dos nossos olhos, e que ainda depende de nossa
ação sobre ele.

Barros (2002, p. 35-36) orienta que muitos eventos considerados “frios”,


por estarem distantes no tempo em relação ao pesquisador, parecem não
esgotar “as suas ondas de impacto”. Como exemplo, a escravidão negra do
Brasil, que “[...] continua estalando seus chicotes sob a forma do preconceito, e
as estratégias discursivas do ‘senhor de escravos’ parecem estender sua
ideologia até o tempo presente.”
Portanto, apresentamos alguns momentos desse período muito distante,
na tentativa de iluminar a reflexão sobre o nosso estudo, de forma ética e
crítica, mas de modo a contribuir à maior compreensão acerca da construção
da sociedade brasileira.

61
2 LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS E FORMAÇÃO DA COLÔNIA AGRÍCOLA
NOSSA SENHORA DA PIEDADE EM 1882

No Brasil, o sistema político imperial sofreu, no decorrer da década de


1880, um aceleramento de sua derrocada. Entre as questões que levaram ao
fim do regime encontra-se a Abolição da Escravatura.
Desde a Lei do Ventre Livre, cresceu e intensificou-se a campanha
abolicionista. A abolição passou a ser exigida sem delonga, de uma forma
imediata. O movimento uniu associações e clubes espalhados pelo país.
Joaquim Nabuco publica em 1883 “O Abolicionismo”, considerada a
“maior obra abolicionista brasileira”. A abolição imediata e sem indenização era
programa de reformas capaz de recuperar e reintegrar o ex-escravo na
sociedade. Não aprovava ações que promovessem agitações nas cidades, nas
senzalas ou nos quilombos, não estimulava a resistência ou as revoltas. Seus
meios eram legais e pacíficos.
Nabuco fazia parte de um grupo moderado que temia os efeitos
fragmentários das agitações de ruas e das revoltas nas senzalas, pretendendo
que o movimento abolicionista fosse de conscientização da opinião pública,
dentro da lei e da ordem, pela via parlamentar.
O movimento abolicionista ganhou, no início da década de 1880, uma
vertente mais radical, a favor de uma participação popular mais ativa,
patrocinando fugas das senzalas e incentivando pequenas insurreições de
escravos.
A partir de 1882 em São Paulo, começa a atuação dos caifazes,
organizados pelo advogado Antonio Bento de Souza e Castro, que movia
ações de liberdade e promovia fugas coletivas de escravos das fazendas.
Contava com a colaboração de advogados, jornalistas, escritores, estudantes,
tipógrafos, ferroviários, comerciantes, ex-escravos e até alguns proprietários.
A campanha abolicionista se espalhou para várias regiões do Brasil.
Nesse contexto, abordaremos neste capítulo, a partir da história regional, a
libertação dos escravos da fazenda de Cantagalo/Vale do Paraíba fluminense e
a formação da colônia agrícola com libertos em 1882.
Naquele período, os discursos abolicionistas convenciam cada vez mais
a opinião pública, com propostas de acesso à terra no pós-abolição, na

62
tentativa de inserir os ex-escravos na sociedade, dando-lhes condições para
sua sobrevivência. Com o advento da Abolição e da Proclamação da
República, essas propostas foram esquecidas. As oligarquias foram cada vez
mais ampliando o seu poder e domínio locais, paralelamente à crise e à
decadência do café na região estudada, que culminaram com transformações
políticas e econômicas sociais nos anos da década de 1930.
No processo histórico de transformação do trabalho escravo para o livre,
não foram dadas aos ex-escravos as condições para o seu ajustamento na
sociedade, e ainda se forjou uma imagem preconceituosa de liberdade
significando o “não-trabalho”. Sendo assim, procuramos abordar o liberto como
agente social, colocando-o em uma situação não apenas de subjugado, nem
de perdedor, mas como parte de uma comunidade que foi construindo sua
história em meio a forças políticas, que pouco a pouco foram lhes retirando o
direito ao usufruto da terra.
A liberdade e o acesso à terra foram conseguidos pelos escravos da
Fazenda de Cantagalo através do testamento da proprietária, Mariana Claudina
Pereira de Carvalho, Condessa do Rio Novo, que a herdara de sua mãe, a
Baronesa de Entre Rios, viúva de Antonio Barroso Pereira Jr., Barão de Entre
Rios. Era uma extensa área de terras entre os rios Paraíba, Piabanha e
Paraibuna. A sede localizava-se na atual cidade de Três Rios.
A Condessa deixou, entre outros legados, a Fazenda de Cantagalo para
a Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, que foi fundada em Paraíba do
Sul, de acordo com as determinações existentes no testamento.
Os libertos formariam, naquela fazenda, uma colônia agrícola sob a
denominação de Nossa Senhora da Piedade, onde seriam estabelecidas duas
escolas para a educação dos menores da colônia e da circunvizinhança. Foram
distribuídos lotes de terras aos adultos para o cultivo de cereais, para a sua
subsistência, e lotes de cafezais. A metade do café produzido pertenceria aos
libertos e a outra metade à Irmandade. A administração e o governo da colônia
ficaram sob a responsabilidade da mesa da respectiva Irmandade e a
fiscalização seria feita pelo Juiz de Direito e pelo presidente da Câmara
Municipal, para manter a ordem, a disciplina, a regularidade dos serviços e a
fiscalização da receita e da despesa.

63
Este capítulo analisa os significados religioso, político-social e da liberdade
existentes no testamento e no inventário da Condessa do Rio Novo.

2.1 OS SIGNIFICADOS: RELIGIOSO, POLÍTICO-SOCIAL E DA LIBERDADE


NO TESTAMENTO E NO INVENTÁRIO DA CONDESSA DO RIO NOVO

2.1.1 O Significado Religioso

No passado, um testamento feito por pessoas abastadas, mas não


exclusivamente por elas, significava tomar providências para que, chegado o
momento da morte, estivessem preparadas. Prestavam contas, instruíam
quanto ao seu cadáver, à sua alma e aos seus bens terrenos. (REIS, 1991, p.
92)
Os testamentos possuíam diferentes fórmulas, mas a maioria era
iniciada com algum preceito religioso. O preceito escolhido pela Condessa do
Rio Novo, que costumava ser comum, dizia assim: “Em nome de Deus. Amém!
Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho e Espírito Santo.”45
Como testemunho de sua passagem pelo mundo, ela preparou um tipo
de ficha pessoal, alegando os motivos que a levaram testar, reconhecendo a
incerteza da vida:

Eu, Dona Mariana Claudina Pereira de Carvalho, atual Condessa do


Rio Novo, achando-me em meu perfeito juízo, inteira liberdade e
plena capacidade cível, e considerando que é incerta a duração da
vida e que por não ter herdeiros necessários me cumpre dispor, por
modo agradável a Deus e útil ao próximo, de alguns bens da fortuna,
com que a bondade divina recompensou o trabalho honrado e bem
entendida economia de meus prezados pais e marido, e que tenho
conseguido conservar e aumentar durante o período de viuvez,
resolvi fazer, pelo modo seguinte, o meu testamento e disposição de
última vontade, às quais peço e espero que as justiças de meu País
darão inteira validade e execução.(Testamento da Condessa do Rio
Novo)

Em meados do século XIX, uma “Cartilha da Doutrina Christã”,


recomendava aos fiéis que fizessem seus testamentos enquanto estivessem

45 Testamento de Mariana Claudina Pereira de Carvalho – Condessa do Rio Novo. 1881.

Fórum de Paraíba do Sul.

64
com boa saúde. Porém, normalmente, quando se adquiria uma doença grave é
que a morte passava a ser temida ou lembrada. (PORTO, apud, REIS, 1991, p.
95) Sendo assim, a Condessa fez seu testamento, em 11 de agosto de 1881,
tendo falecido em 5 de julho de 1882, após uma intervenção cirúrgica. Não
apresentava problemas de saúde no período em que o fez, estava com “saúde,
em seu juízo perfeito”, segundo o termo de aprovação contido no testamento.
Talvez tenha pressentido sua morte e isso era “muito útil para um bom morrer”.
Na verdade, saudáveis ou enfermos, quase todos temiam a morte. Temiam que
chegasse de surpresa, sem que não tivessem organizado a vida de seus
parentes ou limpado a sua consciência para entrar na vida após a morte.
Mesmo que o testador se considerasse bom o bastante para ir ao
encontro de Deus, a morte nunca deixava de ser algo a ser enfrentado com
muitas apreensões. A ideia da existência de um Tribunal Divino, de um
julgamento por Deus, com “desígnios indecifráveis” provocava uma enorme
tensão. O medo não era sem controle. Pior do que a morte era morrer sem ter
feito “um plano”, incluindo o testamento. Planejar a morte facilitava a sua
espera e “[...] aliviava a apreensão da passagem para o além”. (REIS, 1991, p.
95)
O testamento da Condessa procurou traçar o seu perfil moral, a sua fé
católica, a crença e o respeito pelos santos:

Declaro que minha religião é a Católica Apostólica Romana, em cuja


fé tenho vivido e espero morrer. Sou irmã remida das Ordens de S.
Francisco de Paula, Santa Teresa de Jesus e de Nossa Senhora da
Piedade, na Corte, das de S. Francisco e Nossa Senhora do Carmo
em S. João Del-Rei, da de Nossa Senhora de Sant’Ana na freguesia
de Cebolas, e do Santíssimo Sacramento na da cidade da Paraíba do
Sul. (Testamento da Condessa do Rio Novo)

Pertencer a várias confrarias era símbolo de prestígio na sociedade


escravocrata, “[...] além de congregar a elite, também serviam como canais de
ascensão social”. Segundo Reis (1991, p. 49),

As confrarias, divididas principalmente em irmandades e ordens


terceiras, existiam em Portugal desde o século XIII pelo menos,
dedicando-se a obras de caridade voltadas para seus próprios
membros ou para pessoas carentes não associadas. Tanto as
irmandades quanto as ordens terceiras, embora recebessem
religiosos, eram formadas sobretudo por leigos, mas as últimas se
associavam a ordens religiosas conventuais (franciscana,
dominicana, carmelita), daí se originando seu maior prestígio.

65
Vivendo naquele contexto, resolveu inserir no testamento a fundação de
uma Casa de Caridade, a qual seria administrada por uma Irmandade.

A Casa de Caridade tomará por Padroeira Nossa Senhora da


Piedade, e instituirá uma Irmandade encarregada dos atos do culto,
da administração do patrimônio, e dos estabelecimentos a seu cargo,
esforçando-se por criar uma confraria de senhoras brasileiras à
semelhança da Instituição das Irmãs de Caridade, tendo por fim
principal o exercício desta virtude cristã, em relação aos pobres,
enfermos, à infância desvalida, para o que a mesma Casa de
Caridade procurará, na medida de seus recursos, fundar asilos ou
recolhimentos para criação e educação de meninos desamparados,
de ambos os sexos, hospício de loucos e hospitais de lázaros.
(Testamento da Condessa do Rio Novo)

Reis (1991, p. 50) afirma que, no Brasil, havia irmandades de brancos,


de negros e de pardos. As de maior prestígio eram aquelas formadas pela
classe social dominante, com sucesso material. Assim explica como funcionava
a administração das confrarias:

A administração de cada confraria ficava a cargo de uma mesa,


presidida por juízes, presidentes, provedores ou priores – a
denominação variava -, e composta por escrivães, tesoureiros,
procuradores, consultores, mordomos, que desenvolviam diversas
tarefas: convocação e direção de reuniões, arrecadação de fundos,
guarda dos livros e bens da confraria, visitas de assistência aos
irmãos necessitados, organização de funerais, festas, loterias e
outras atividades. A cada ano se renovavam, por meio de votação, os
integrantes da mesa, e as Constituições primeiras (c.872) proibiam
expressamente a reeleição, proibição nem sempre respeitada.

Representavam, implicitamente, os diversos grupos sociais e políticos.


Os compromissos regulavam a administração das irmandades, estabeleciam a
condição social ou racial dos sócios, os seus direitos e seus deveres. Algumas
exigiam que “[...] seus membros possuíssem, além de adequada devoção
religiosa, bastantes bens materiais”.
As orações e as missas eram outras formas de salvar, ou pelo menos
abreviar, a presença das almas no purgatório. Serviam, também, para que elas
não ficassem vagando na Terra de maneira errante. Geralmente, em
testamento, deixava-se uma quantia em dinheiro, para que fossem tomadas as
providências em relação às missas que poderiam ser de corpo presente, de
sétimo dia, pelas almas de parentes ou até mesmo pelas almas de escravos.
Embora a Igreja Católica negligenciasse o tratamento dado aos escravos em

66
vida, fazia distinção do “bom” ou “mau” senhor, de acordo com o tratamento
dado quando mortos. (REIS, 1991, p. 213)
As recomendações da Cartilha da Doutrina Christã consistiam:

E porque hé alheyo da razão, e piedade Christã, que os Senhores,


que se servirão de seus escravos em vida, se esqueção delles em
sua morte, lhes encomendamos muyto, que pelas almas de seus
defuntos escravos mandem dizer missas, e pelo menos sejão
obrigados a mandar dizer por cada um escravo, ou escrava que lhe
morrer, sendo de quatorze annos para cima, a Missa de corpo
presente, pela qual se dará a esmola costumada. (PORTO, apud,
REIS, 1991, p. 206)

Observamos, no testamento da Condessa, que ela seguiu aquelas


recomendações:

Deixo que se digam vinte missas por alma de meu pai, vinte pela de
minha mãe, dez pela de meu marido, dez pelas de meus avós e dez
pelas de meu sogro e sogra. Sou filha dos finados Barão e Baronesa
de Entre-Rios, e fui casada com o meu primo o finado Visconde do
Rio Novo, de cujo consórcio nunca tivemos filhos, e por isso não me
restam herdeiros descendentes ou ascendentes.[...] A Casa de
Caridade terá a seu cargo a conservação da Capela de Nossa
Senhora da Piedade, fundada por minha finada mãe nas terras da
mesma fazenda, e manterá um capelão para celebrar missa ao
menos duas vezes por mês, e nos aniversários do falecimento de
meus pais, de meu marido, e do meu; zelará o jazigo das pessoas de
minha família e fará mais celebrar todos os anos missa pelo eterno
descanso de meus parentes e outra pela de meus escravos falecidos.
(Testamento da Condessa do Rio Novo)

A quantidade maior de missas para os pais da Condessa demonstra


maior importância destes nas relações de parentesco. O marido e os avós
estavam no mesmo nível de consideração, mas era menor do que o nível de
consideração dos pais. Já aos sogros, a metade dessa consideração.
Acreditamos serem estes os motivos das diferenças nas quantidades de
missas, e não que uns precisassem de maior ajuda do que os outros pelos
seus pecados, para se livrarem do purgatório.
As missas poderiam, também, “[...] acrescentar a glória dos que já se
encontravam no paraíso”. Não havia limites para as celebrações.
Outro meio de resolver as questões relativas ao purgatório, era mostrar
piedade cristã, dando auxílio às instituições religiosas de devoções e de
pobres, altamente valorizadas para a salvação. Caso tivessem parentes
necessitados, estes não poderiam ser esquecidos. Como dizia o padre

67
português Bernardo Queirós, em suas “Prácticas Exhortatorias para socorro
dos moribundos”: “Muitos por essa causa lá estão ardendo nas eternas
chamas, sem huma só gota de água para refrigério da sua abrazada língua”.
Sendo assim, uma das “[...] razões por que tantos senhores libertavam alguns
ou até muitos escravos na hora da morte [...]” era para evitar o fogo do inferno.
(QUEIRÓS, apud, REIS, 1991, p. 95-96)
A Condessa, além daquelas influências e de necessidades da época
acabou libertando os seus escravos. Certamente compartilhava aquele
pensamento religioso.

Os meus mais próximos colaterais são, meu irmão, o atual Barão de


Entre Rios e os seus filhos, meus sobrinhos, os quais todos se acham
em boas circunstâncias de fortuna, o que me deixa, sem prejuízo da
estima e a afeição que me merecem, a liberdade de dispor de uma
parte de meus bens em favor de algumas pessoas a quem voto
amizade, e em obras de caridade, beneficência em prol dos meus
escravos e dos enfermos e desvalidos a quem devo caridade. [...]
Deixo livres todos os escravos que eu possuir ao tempo da minha
morte. (Testamento da Condessa do Rio Novo)

Naquele trecho esclarece que, como seus parentes não eram pobres,
ela poderia dispor de suas riquezas com pessoas necessitadas, não havendo
risco de ir para o inferno, e, mais ainda, ampliando sua generosidade com as
instituições religiosas, que certamente era uma forma mais valorizada de servir
ao Senhor. Teriam muito mais valor aqueles que dividissem as suas riquezas
com os pobres e com a Igreja, e não com os ricos, os quais não necessitavam
de nenhuma ajuda material.
Quanto à libertação de seus escravos, tal atitude era muito comum nos
testamentos, como informa Freyre (2001, p. 490):

Em 1886, escreveu Perdigão Malheiro, no seu “ensaio histórico-


jurídico-social” A Escravidão no Brasil: “Em testamentos e codicilos é
comum a concessão de alforrias; posso mesmo atestar como
Procurador dos Feitos nesta Corte que raro é aquele de pessoa que
possui escravos, em que algum não seja libertado, e melhor o atesta
o registro da Provedoria.” O mesmo podemos dizer dos testamentos
do século XIX que nos foi possível examinar em Pernambuco, não só
em arquivos de engenhos, como em cartórios mais antigos, de
regiões escravocratas.

68
Segundo Silva (1991, p. 130), o Visconde do Rio Novo, marido da
Condessa, fizera o mesmo processo anteriormente, deixando livres os seus
escravos e verbas para alguns atos de caridade.

O Visconde nasceu na freguesia de Sebolas em 1816 e faleceu a 17 de


outubro de 1869, na Corte, com 53 anos, deixando libertos todos os
seus escravos, cujos nomes enumerou, e bem assim os que herdara
do seu falecido pai. E a cada um deles doou dois alqueires de terra
para plantação, ou 50$000 aos que não quisessem viver da lavoura.
Deixou muitas verbas de caridade, especialmente 10:000$000 para
uma Casa de Caridade que se edificasse em Paraíba do Sul.

Para além do que Reis (1991) afirma, de que os senhores acreditavam


ter contas a acertar ao se aproximar a morte, estando apreensivos na questão
de enfrentar o purgatório, e por isso alforriavam os seus escravos, Pereira
(2011) nos diz que houve um “abolicionismo católico” no Brasil.
Conhecida como “ultra montana” ou “romanizadora”, por pregar uma
aproximação do Catolicismo brasileiro com as diretrizes provenientes do Papa
(Roma), a elite eclesiástica brasileira “[...] advogou por um projeto
emancipacionista próprio, por meio de discursos, cartas pastorais ou da
imprensa católica, em que defendiam uma abolição gradual”. (PEREIRA, 2011,
p. 17)
Interessante observar que, havia uma semelhança do projeto libertador
da condessa com o projeto que aquele grupo católico pretendia alcançar.
Segundo Pereira (2011, p. 17-18), para eles, a abolição deveria ser “[...]
gradual, mantenedora da ordem e das relações de dependência”. Criticavam a
imigração e defendiam a educação dos libertos. “O Apóstolo” foi um dos jornais
utilizados, durante muito tempo, como o porta-voz do clero ultra montano da
diocese do Rio de Janeiro. A partir da década de 1870, passaram a publicar
artigos sobre os acontecimentos que envolviam a escravidão, mostrando a
visão católica a respeito do processo abolicionista. Este jornal “[...] tornou-se,
assim, uma peça chave para a compreensão da abolição, na perspectiva dos
clérigos brasileiros.”
Para a autora, a Igreja Católica não se manteve afastada da discussão
abolicionista do fim do século XIX.

[...] com publicação em jornais católicos, cartas pastorais e até em


encíclica papal, o clero brasileiro manifestou-se sobre o processo

69
abolicionista e o rumo que o Brasil deveria seguir após aniquilar o
escravismo em seu território. No entanto, poucas informações foram
dadas sobre o envolvimento desse grupo na questão servil. A
historiografia apresentou-se silenciada em relação à participação dos
eclesiásticos na abolição da escravidão. (PEREIRA, 2011, p. 24)

Em seu trabalho, Pereira (2011, p. 29) dá visibilidade à encíclica In


Plurimis, de 5 de maio de 1888, enviada ao Brasil, pelo Papa Leão XIII, sobre a
abolição da escravatura. O documento chegou após o dia 13 de maio e nele
“[...] foram apresentados os horrores da escravidão e feita uma defesa da
participação da Igreja no combate aos males da escravidão no Brasil.”
Martha Abreu (2001, apud: PEREIRA, 2011, p. 131) afirma que as
publicações daquele jornal católico “[...] sustentaram ideologicamente um
processo de abolição gradual, hierarquizado, dentro da ordem e garantidos os
laços de dependência que uniam senhores e escravos.”

Esse processo seria alcançado por meio de incentivos à concessão


de alforrias e a gratidão como uma forma de manter a obediência do
ex-escravo para com o seu ex-senhor. Para o pensamento católico
antiescravista, era essencial a manutenção das relações de
dependência pela gratidão, pois eram essas relações que
garantiriam a harmonia das relações raciais no Brasil. (PEREIRA,
2011, p. 131)

A elite eclesiástica nacional se posicionou contrariamente a redução do


escravo à condição de coisa, que provocara a degradação dos negros
entregues aos vícios e ao ócio. Para ela, a escravidão degenerava moralmente
o escravo. Sendo assim, paralelamente à conquista da liberdade, o escravo
abandonava o trabalho, entregando-se aos vícios, à ociosidade e à
libertinagem. (PEREIRA, 2011, p. 132)

Com esse discurso, ao mesmo tempo em que reforçava os


preconceitos raciais sofridos pela população de cor, o clero também
adotou discurso favorável à integração e educação dos libertos. A
defesa de políticas educacionais voltadas para a população liberta
expressava a crença na capacidade intelectual dos negros [...] Os
ocupantes dos altos cargos eclesiásticos pregavam a adoção de um
ensino moral e religioso destinado aos libertos, um ensino capaz de
lhes ensinar o bom uso da liberdade. Sem essa instrução, os ex-
escravos não saberiam utilizar a liberdade que “receberam”, pois a
experiência do cativeiro semeou a imoralidade em seus espíritos.
(PEREIRA, 2011, p. 132)

Um ano antes da abolição, “[...] em 1887, parte do clero abandona o


gradualismo e passou a defender uma abolição imediata, mas sem qualquer

70
medida que pudesse alterar a ordem social estabelecida.” (PEREIRA, 2011, p.
131)
O testamento da condessa do Rio Novo reflete a sua sensibilidade e a
sua fidelidade ao pensamento da elite eclesiástica da sua época, como
observamos nos estudos de Pereira (2011). Posteriormente, nos outros
segmentos deste capítulo, ao analisar outros trechos do testamento, o leitor
poderá também constatar, o que acabamos de afirmar. A condessa seguiu os
passos orientados pelos clérigos ao fazer o seu testamento, não esperando
que fosse morrer um ano depois. A fazenda de Cantagalo encontrava-se bem
administrada, sem fugas, sem rebeliões, preparava-se para a abolição e para
as mudanças que se dariam no país.
Quanto aos seus bens, no que diz respeito à caridade cristã, a
Condessa deixou as seguintes determinações:

Deixo à Casa de Caridade de Paraíba do Sul a minha fazenda de


Cantagalo, com todas as terras, edifícios e benfeitorias, cafesais,
animais, instrumentos e utensílios agrícolas, e móveis à mesma
pertencentes.[...] Deixo à Casa de Caridade de Paraíba do Sul, cem
apólices da Dívida Pública no valor nominal de conto de réis cada
uma.[...] Deixo todas as minhas jóias de brilhantes e as
condecorações que foram de meu marido, bem como toda a prata
existente na casa da fazenda de Cantagalo para serem vendidas ou
arrematadas pelo melhor preço que puderem alcançar, e o seu
produto entregue à Santa Casa de Misericórdia de São João Del-Rei,
em Minas Gerais, para aumento de seu patrimônio. [...] Deixo à minha
escrava Camila, em gratificação dos bons serviços que me tem
prestado, a minha casa sita em Entre-Rios, digo, na Estação de Entre
Rios [...] e também mais em dinheiro a quantia de um conto de réis,
com a condição porém de que só terá o usufruto da sobredita casa
durante sua vida, e por sua morte passará a pertencer à sobredita
Casa de Caridade.-Deixo para patrimônio do estabelecimento de
surdos e mudos desta Corte, a quantia de três contos de réis.
(Testamento da Condessa do Rio Novo)

Ressaltemos que nos abstemos de mostrar os bens deixados para os


herdeiros legítimos (suas sobrinhas: D. Josina, D. Carolina e Antonio Barrozo
Pereira e, na falta deles, os seus herdeiros), destacando aqueles deixados para
instituições religiosas, de caridade e aos escravos (somente em usufruto), pois
são as analisadas no presente capítulo. Legalmente, o testador poderia dispor
de um terço dos bens (sua terça) para quem quisesse. O restante,
obrigatoriamente, iria para os herdeiros legítimos. (REIS, 1991, p. 93)

71
Com relação ao funeral, não fez nenhuma exigência, mas quanto ao
sepultamento, pediu que fosse enterrada junto de seus pais e de seu marido.

O meu funeral deixo à vontade de meus testamenteiros e parentes,


desejando que, se for possível, os meus restos mortais descansem
junto a de meus pais e de meu marido, no jazigo da capela de Nossa
senhora da Piedade, sita na fazenda de Cantagalo.(Testamento da
Condessa do Rio Novo)

Segundo Reis (1991, p. 171-173), os mortos deveriam ser enterrados


nas igrejas, pois eram a “Casa de Deus”, onde, junto aos anjos e aos santos,
ficariam à espera da ressurreição prometida para o fim dos tempos. Ficar
próximo das imagens divinas era o desejo dos fiéis, que acreditavam ser a
Igreja “[...] uma das portas de entrada do Paraíso”. Todo católico tinha o direito
de escolher a igreja na qual seria enterrado. Caso não escolhesse, seria
automaticamente enterrado junto aos seus parentes. O sepultamento na igreja
também era uma forma de manter certa ligação com o mundo dos vivos, pois
estes, em suas orações, lembrar-se-iam dos que haviam partido.
Por fim, a Condessa escolheu quatro testamenteiros para executarem as
suas últimas determinações.

Nomeio para meus testamenteiros, gerais administradores e


inventariantes do meu acervo, em primeiro lugar a meu irmão o atual
Barão de Entre-Rios, em segundo ao Conselheiro Francisco Januário
da Gama Cerqueira, em terceiro ao meu primo o Doutor Eduardo
Ernesto da Gama Cerqueira, e em quarto a Pedro Gracie, que
servirão na ordem em que são mencionados, e de cuja amizade
espero o caridoso obséquio de aceitarem o encargo, dando o inteiro
cumprimento às minhas disposições, para o que marco o prazo de
três anos. (Testamento da Condessa do Rio Novo)

Os testamentos feitos do próprio punho do testador eram raros.


Geralmente eram ditados para o escrivão. Mesmo que houvesse influência
deste ou de outras pessoas na redação, eles revelam um pouco da alma do
testador, ou, no mínimo, “[...] representam algo da mentalidade da época”.
(REIS, 1991, p. 93)

2.1.2 O Significado Político-Social

72
Deixo livres todos os escravos que eu possuir ao tempo da minha
morte, e desobrigados da prestação de serviços até aos vinte e um
anos, os ingênuos filhos de minhas escravas nascidas depois da Lei
de vinte e oito de Dezembro de mil oitocentos e setenta e um.
(Testamento da Condessa do Rio Novo)

Redigido em 11 de agosto de 1881, na cidade do Rio de Janeiro, dentro


de um período marcado por debates políticos no Parlamento; projetos para a
transformação irreversível do trabalho escravo para o livre; artigos favoráveis à
abolição na imprensa; fugas; revoltas; formação de quilombos; enfim, em um
momento de grande reflexão e expectativa por parte de diversos setores da
sociedade sobre o fim da escravidão, o testamento demonstra que a testadora
encontrava-se influenciada pelas ideias de sua época.
Entretanto, para compreendermos o testamento, precisamos analisar as
questões básicas da escravidão, do tráfico e das ideias abolicionistas que
estão inseridas naquele documento.

2.1.2.1 A escravidão como modelo político-social

A escravidão negra no Brasil foi explorada pelos europeus, como a mão


de obra necessária e indispensável na colonização de suas terras na América.
Tanto nos Estados Unidos (algodão), como nas Antilhas e no Brasil (engenhos
e canaviais), a escravidão e a grande lavoura monocultora foram os meios
utilizados para desenvolver os produtos tropicais que gerassem lucros para a
metrópole, que por sua vez, fornecia manufaturas para as colônias. (COSTA;
In: HOLLANDA, 1997, p. 135)
O antigo sistema colonial entra em crise no século XIX. A Revolução
Industrial na Europa; o desenvolvimento do capitalismo; as ideias liberais; a
emancipação das colônias europeias na América fizeram com que surgissem
novos modelos de domínio e exploração, substituindo as antigas relações
coloniais.
Nos países onde se deu a Revolução Industrial, o grupo ligado a esse
novo tipo de produção, assumiu o poder político. Desvinculado do trabalho
agrícola, condenava a escravidão, pois achava que esse modelo dificultava a
expansão dos mercados consumidores e a modernização dos meios de
produção.

73
Muitos países recém-independentes na América, incluindo o Brasil,
continuaram mantendo sua estrutura econômica e social, pois, com o fim do
monopólio e a consequente liberdade mercantil, as exportações para a Europa
aumentaram, havendo necessidade de aumentar a mão de obra nas fazendas
produtoras, onde os proprietários ainda preferiam o trabalho escravo.
Dessa forma, a desagregação do sistema escravista no Brasil, se deu de
forma longa e gradativa. Em algumas regiões, de forma pacífica; noutras, de
maneira violenta. Isso dependia das condições sociais, econômicas, políticas e
ideológicas de cada região. “A emancipação dos escravos dependerá
principalmente do ritmo de transformação do sistema colonial de produção”.
(COSTA; In: HOLLANDA, 1997, p. 136)
Na fazenda de Cantagalo, na província do Rio de Janeiro, o fim do
trabalho escravo deu-se com a morte da Condessa do Rio Novo, através de
seu testamento, libertando 244 escravos no total, sendo que oito já haviam
falecido, quando se procedeu à leitura do documento, entre eles, cinco
ingênuos.
No primeiro capítulo, defendemos a ideia de que na região de Paraíba
do Sul havia uma movimentação abolicionista percebida através das fugas, das
alforrias, de atitudes de algumas pessoas da população a favor dos escravos,
da formação de quilombos, entre outros. No item anterior deste segundo
capítulo analisamos questões religiosas no que diz respeito à escravidão e à
morte dos senhores para perceber em que medida as influências sócio-
históricas e culturais, podiam fazer parte do pensamento da Condessa. A
seguir, veremos algumas questões econômicas e políticas da época para
compreender aquela libertação.
Machado (2010, p. 24-25) contribui com as reflexões ao resgatar os
movimentos a favor da abolição nos anos de 1880, pois procura “[...] recuperar
o alarido dessas vozes do passado, procurando os meios corretos de fazê-las
falar”.
Sendo assim, seu trabalho busca

[...] resgatar, das sombras do esquecimento e dos silêncios dos


discursos oficiais, movimentos, ideias e projetos a respeito da
abolição e do papel social do negro liberto e dos desclassificados
sociais em geral – sobre os quais pesava a marca do passado
escravista - , na construção de uma nação que buscava desvencilhar

74
sua imagem das feridas da instituição servil. (MACHADO, 2010,
p.25)

Segundo Machado (2010, p. 25-26), nesse período, a segurança da


população e da ordem era uma preocupação constante, por causa de
acontecimentos abolicionistas violentos, como as frequentes sedições de
escravos. Considerados perigosos, foram descaracterizados, censurados46,
como estratégia das autoridades policiais, com a aprovação dos governos
provincial e imperial. Com isso, evitariam o “pânico das populações” e a “[...]
discussão generalizada sobre a deterioração dos mecanismos de controle
social e a urgência da resolução da instituição servil”.
A autora afirma que os escravos, no século XIX, lutavam por certa
autonomia, a qual se concretizaria em uma organização social e econômica
independente, caso pudessem usufruir de períodos de tempo livres.
Assim, tornaram-se constantes os confrontos entre os senhores e seus
escravos quando havia uma ameaça aos “espaços de autonomia conquistados”
nessa relação.
Ao longo do tempo e, principalmente a partir de 1850, percebe-se uma
melhoria no tratamento, na alimentação, no modo de vida dos escravos do
Sudeste.
Entre os anos de 1881 a 1883, pesquisas comprovam uma tendência
senhorial mais humanitária, como por exemplo, patrocinar o atendimento
médico a escravos doentes, preocupados em aumentar a sua longevidade,
incentivados pelas restrições ao tráfico e o consequente encarecimento da mão
de obra. (MACHADO, 2010, p. 32 - 33)
Nesse período, a preocupação com as condições sanitárias e
epidemiológicas se fazia sentir com relação a toda população. Machado (2010,
p. 34) sugere que, provavelmente, a melhoria no tratamento dos escravos
fosse a expressão desse momento, não podendo comprovar se houve
efetivamente melhoras significativas no padrão de vida dos escravos.

46
A autora pesquisou em fontes manuscritas do Departamento do Arquivo do Estado de São
Paulo (ofícios diversos, autos crimes, telegramas, entre outros); do Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro (ofícios, avisos, registros, entre outros); Arquivo Público do Rio de Janeiro-Niterói
(Secretaria de Segurança Pública e Presidente da Província); entre outros. (MACHADO, 2010,
p. 231-234).

75
No capítulo 1, ao analisar os jornais de 1868 e 1873, apresentamos uma
realidade que condiz categoricamente com a afirmação de Machado (2010, p.
34):

Parece certo, porém, ter ocorrido, no período em questão, um


paulatino aumento da sensibilidade em relação às condições de vida
da população escrava. As contingências pelas quais passava a
instituição na segunda metade do século, o surgimento de uma
incipiente opinião pública nas cidades, as denúncias dos jornais, o
maior alcance da atuação policial e judiciária e, anos mais tarde, a
atuação dos abolicionistas, podem ter exercido certa influência
benéfica no tratamento dispensado aos escravos de forma geral.

Contudo, era fundamental, para que a ordem escravista continuasse


eficiente, reprimir e castigar escravos capturados após as fugas e aos crimes
cometidos por estes. Dentro da lei de 183047, nos últimos vinte anos de
escravidão no Brasil, “[...] o sistema de exploração da mão de obra escrava e o
arcabouço disciplinar a ele atinente não só se manteve intocado como
recrudesceu.” (MACHADO, 2010, p. 34)
Entretanto, as propagandas abolicionistas ganhavam força e os
fazendeiros protestavam contra as mudanças propostas. Uma dessas
propostas consistia na anulação do artigo 60 do Código Criminal do Império,
defendida por Nabuco, com a substituição da pena de morte pela prisão com
trabalhos que, era vista pelos senhores como uma quase extinção da
escravidão.
Ao longo dos anos 1870 e 1880, como apontamos anteriormente, o
processo de transformação das relações entre escravos e senhores se acelera.
Com a extinção da pena de açoites em 1886, também um exemplo dessas
mudanças, percebia-se claramente que a ordem escravista estava chegando
ao fim. (MACHADO, 2010, p. 35)

2.1.2.2 As listas dos libertos

47 No seu “artigo 60 do Código Criminal do Império de 1830”, regulamentava a violência

particular dos senhores. “Comutava em açoites e ferros as penas dos escravos criminosos. A
lei n. 4 de 1835, em seu artigo 1º, impunha a pena de morte para os que matassem ou ferissem
seus senhores, prepostos e familiares”. (MACHADO, 2010, p. 34)

76
Os documentos sobre a história dos escravos no Brasil, mesmo tendo
sido escritos por outros segmentos da sociedade, fornecem informações que
podem tornar-se reveladores de dados importantes sobre suas vidas.
Sendo assim, os documentos cartoriais tornaram-se imprescindíveis
para a busca das confirmações de nossas hipóteses. Foi como se pudéssemos
ouvir através deles, as vozes desses homens, mulheres e crianças, mudos por
mais de 130 anos, e que agora puderam ser ouvidos, dando um sentido para
as suas trajetórias.
A relação dos escravos libertos, contida no inventário da Condessa do
Rio Novo possui: número de matrícula; nome; cor; idade; estado civil;
naturalidade e profissão. O Barão de Entre Rios, irmão da Condessa do Rio
Novo, Primeiro Testamenteiro, foi quem comunicou à “Collectoria”, a relação
dos escravos que foram declarados livres.
Os itens estado civil, idade e naturalidade foram importantes à análise,
pois possibilitaram um entendimento sobre as possíveis soluções para manter
e suprir a mão de obra após a proibição do tráfico e sobre alguns escravos
africanos que, na realidade, deveriam ser livres.
As relações dos escravos no inventário eram variadas48. A primeira
continha uma lista de 194 escravos de diversas idades; nas segunda e terceira,
constavam 42 e 4 ingênuos, respectivamente, que, pela Lei de 1871, tornaram-
se livres por serem filhos de escravas, nascidos depois daquela data. Segundo
essa Lei, os proprietários poderiam criá-los até os 8 anos e depois entregá-los
ao governo, que lhes pagaria 600$000 (mil réis) ou os manteria utilizando os
seus serviços até os 21 anos, “como retribuição aos ônus de seu sustento”.
(BEIGUELMAN. In: HOLLANDA, 1997, p. 210)49 Na quarta lista, houve um
acréscimo de mais quatro escravos libertados e, na quinta e sexta listas, 3
escravos adultos falecidos e 5 ingênuos falecidos, respectivamente.

48 Vide: Tabelas com as Relações dos Escravos da Fazenda de Cantagalo – ANEXOS IX A XI.
49
“Segundo dados obtidos no Relatório do Ministro da Agricultura de 1885, do total de
quatrocentos mil ingênuos registrados até aquele momento, apenas cento e dezoito foram
entregues ao Estado em troca da indenização, número que não correspondia a 0,5 do total de
crianças nascidas livres de mãe escrava em todo o país”. (CONRAD, 1978, p. 144, apud:
TEIXEIRA, 2008, p. 59)

77
Mas o que significavam essas declarações de libertação? Como
podemos inseri-las nas questões do fim da escravidão no Brasil?
Quais observações pode-se fazer, quanto ao estado civil, a idade, a
nacionalidade e a naturalidade dos escravos no período de declínio da
escravidão?

2.1.2.3 Libertos e a questão do tráfico

Após a independência brasileira, o governo comprometeu-se com a


Inglaterra, após 4 anos de negociações (1826), em suspender o comércio de
escravos. Com esse acordo, tornou-se ilegal o comércio de escravos para os
brasileiros, a partir de 13 de março de 1830. No ano seguinte, um novo
governo liberal no Rio, em 7 de novembro, decidiu que os africanos que
entrassem no Brasil, a partir dessa data, seriam livres.
Poucos africanos traficados ilegalmente, após 1830, conseguiram a
libertação através dessa lei de proibição do tráfico atlântico e,
consequentemente, os seus filhos não foram considerados livres também. O
tráfico permaneceu, mesmo com as ameaças do governo aos importadores.
(CONRAD, 1978, p.32)
Quase meio milhão de escravos foram traficados ilegalmente após a
proibição, segundo estimativas inglesas. Embora o governo imperial tenha
tomado algumas medidas entre 1831 e 1837 e, novamente, em 1840 e 1848, o
tráfico continuava com o conhecimento das autoridades.
A lei tornou-se ineficaz. O poder das elites agrárias e dos traficantes
fazia-se sentir nas representações do governo. As oligarquias dominantes
defendiam a necessidade da mão de obra escrava em suas fazendas.
Mantidos em cativeiro injustamente, os escravos não eram propriedades
daqueles escravocratas. As fazendas cafeeiras do Sudeste estavam povoadas
de descendentes de africanos traficados ilegalmente após 1831. Segundo
Nabuco (1883, p. 83, apud: MACHADO, 2010, p. 38), em sua obra “O
Abolicionismo”,

Com efeito, a grande maioria desses homens, sobretudo no Sul, ou


são africanos importados depois de 1831, ou descendentes destes.
Ora, em 1831 a lei de 7 de novembro declarou no seu artigo 1º:
“Todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil
vindos de fora ficam livres”. Como se sabe, essa lei nunca foi posta

78
em execução, porque o Governo brasileiro não podia lutar com os
traficantes; mas nem por isso deixa ela de ser carta de liberdade de
todos os importados depois dessa data.

Dentro desse contexto, na Fazenda de Cantagalo, segundo os dados da


relação dos escravos libertos pela Condessa do Rio Novo, em seu inventário,
encontravam-se 53 africanos que deveriam ser livres, mantidos ilegalmente em
cativeiro.
Percebe-se que permaneceu, por mais de 130 anos, esse equívoco, isto
é, pensava-se que a Condessa havia libertado 244 escravos, mas na realidade,
53 deles não deveriam estar nessa condição. Isso se a lei de proibição do
tráfico não fosse tão violada pela classe dominante que, mantinha seus
interesses acima de tudo e de todos.
Segundo Salles (2008, p. 53),

[...] a classe senhorial foi um acontecimento histórico complexo, e


seus modos de ser e produzir se impuseram como modos de ser,
como estilo de vida, tanto interna quanto externamente, a outros
grupos sociais subalternos. Transformou-se em classe dominante
controlando áreas e regiões específicas.

Analisando a idade desses homens e mulheres mantidos em cativeiro


até 1882, os que estavam acima dos 70 anos tinham idade ideal para serem
utilizados na lavoura no ano de 1831. Podem ter sido traficados com 19, 20 e
21 anos.
Os africanos de 40 a 65 anos, com certeza, foram traficados no período
de proibição do tráfico. Aqueles que estavam com 40 a 51 anos, nasceram
posteriormente à lei. Os outros, de 52 a 60 anos, eram demasiadamente jovens
para terem entrado no Brasil antes de 1831. Um escravo, com 65 anos, pode
ter chegado aos 14 anos no Brasil. Contudo, o mais provável é que todos
tenham entrado através do comércio ilegal de escravos. Sendo assim, todos
poderiam ter vivido livremente, se a lei fosse respeitada.

79
Tabela 1

Relação de escravos africanos que deveriam ser livres


Nº de Escravos Idade em 1882 Idade em 1831 Idade em 1850
01 40 anos Não tinha nascido 8 anos
01 42 anos “ 10 anos
01 46 anos “ 14 anos
01 48 anos “ 16 anos
02 49 anos “ 17 anos
14 50 anos Não tinham nascido 18 anos
02 51 anos “ 19 anos
06 52 anos 1 ano 20 anos
06 53 anos 2 anos 21 anos
03 54 anos 3 anos 22 anos
02 55 anos 4 anos 23 anos
02 56 anos 5 anos 24 anos
01 57 anos 6 anos 25 anos
01 58 anos 7 anos 26 anos
03 60 anos 9 anos 28 anos
01 62 anos 11 anos 30 anos
01 65 anos 14 anos 33 anos
03 70 anos 19 anos 38 anos
01 71 anos 20 anos 39 anos
01 72 anos 21 anos 40 anos
Fonte: Inventário da Condessa do Rio Novo (1884)

Os funcionários públicos, a justiça, a fiscalização do tráfico eram


vencidos pelo poder local. Os processos raros envolvendo traficantes e
fazendeiros que fossem pegos com escravos contrabandeados, não surtiam
efeito, sempre eram absolvidos de qualquer acusação, e em alguns casos, os
acusados possuíam parentes em determinados cargos que os favoreciam. A
população era conivente, ninguém se atrevia a denunciar; e a vasta extensão
da costa brasileira tornava a fiscalização muito difícil.
Com a necessidade de mão de obra nas fazendas de café, o tráfico
prosseguiu. Muitos pedidos de revogação da lei chegavam ao Parlamento. A lei
foi mantida, mas o tráfico continuou intensamente. De 1840 a 1850, 30 a 40 mil
negros por ano, em média, eram traficados. Africanos livres vendidos como
escravos para os fazendeiros. O tráfico era altamente lucrativo,
consequentemente, muitos traficantes fizeram fortunas nesse período. Em
1843, os capitães dos barcos pagavam na África, de 30$000 a 40$000 (mil
réis) por negro, os armadores compravam por 140$000 e revendiam a
500$000, 600$000, 700$000. (COSTA, 1997, p. 144)

80
Os brasileiros sentiam-se lesados pela Inglaterra. Cresceu a antipatia
em relação a esse país, devido à rigidez fiscal ao tráfico. Essa animosidade
entre os dois países vinha desde os tratados de 1810, reiterados em 1826, que
favoreceram o comércio inglês no Brasil. Um sentimento de xenofobia foi sendo
estimulado pelos que tinham interesse no tráfico, o que deu origem a revoltas.
Em 1845, a lei de Bill Aberdeen, decretada pelo Parlamento Inglês, decidia que
os infratores da embarcação que fosse aprisionada traficando escravos, seriam
acusados de pirataria e julgados pela justiça inglesa.
Várias vezes, os navios britânicos invadiram as águas brasileiras, na
tentativa de evitar o tráfico. Mesmo assim, a partir de 1845, 50.000 escravos
entravam no Brasil por ano. O país se agitava, de norte a sul, contra os
ingleses, ao mesmo tempo em que a Câmara debatia o assunto, considerando
a intervenção britânica um desrespeito à soberania nacional. O Senado, então,
resolveu discutir novas propostas de repressão ao tráfico.
As opiniões com relação à cessação do tráfico dividiam-se entre:
aqueles que achavam que o escravo teria o seu valor aumentado (os que
estavam abarrotados de escravos ou endividados com a compra deles ficaram
mais complacentes com a ideia); os fazendeiros das novas regiões de café que
ainda não tinham formado toda a mão de obra necessária em suas fazendas;
os políticos sentindo que a questão apaixonava a opinião pública e os ingleses
que se equipavam cada vez mais para aumentar a eficácia da vigilância. Em 4
de setembro de 1850, definiram-se medidas severas de repressão ao tráfico.
Os traficantes foram expulsos do Brasil, as autoridades reforçaram a
fiscalização, o contrabando foi diminuindo e o último desembarque de que se
tem notícia foi o de 1856. (COSTA, 1997, p. 145)
Dentro desse cenário, apresentaram-se 53 africanos que deveriam ser
livres, adultos, vivendo, trabalhando escravizados ilegalmente na Fazenda de
Cantagalo.

2.1.2.4 Filhos de africanos que deveriam ser livres

Percebem-se, ainda, na relação dos libertos, 52 escravos nascidos na


Província do Rio de Janeiro, com faixa etária entre 10 a 30 anos. Considerando

81
o longo período do tráfico ilegal no Brasil, muitos desses escravos poderiam
ser filhos de africanos que deveriam ser livres.

Tabela 2

Escravos nascidos na província do Rio de Janeiro – de 10 a 30 anos de idade


Nº de Escravos Idade Nº de Escravos Idade
02 10 anos 04 20 anos
02 11 anos 04 21 anos
01 12 anos 03 22 anos
01 13 anos 06 23 anos
02 14 anos 04 25 anos
02 15 anos 03 26 anos
02 17 anos 04 28 anos
03 18 anos 04 29 anos
02 19 anos 03 30 anos
Fonte: Inventário da Condessa do Rio Novo (1884)

Outros 43 escravos naturais da Província do Rio de Janeiro estavam na


faixa etária entre 31 a 70 anos. Embora não estejam na relação acima, os mais
novos dentro dessa faixa poderiam ser filhos de africanos que deveriam ser
livres.

Tabela 3

Escravos nascidos na província do Rio de Janeiro – de 31 a 70 anos de idade


Nº de Escravos Idade Nº de Escravos Idade
02 31 anos 01 42 anos
06 32 anos 01 45 anos
05 33 anos 02 46 anos
03 34 anos 01 47 anos
03 35 anos 03 50 anos
01 36 anos 01 51 anos
03 37 anos 01 52 anos
02 39 anos 02 60 anos
04 40 anos 01 70 anos
01 41 anos - -
Fonte: Inventário da Condessa do Rio Novo (1884)

A Fazenda de Cantagalo possuía, então, no total, 95 escravos nascidos


na província do Rio de Janeiro e vários deles, pela inferência que fizemos
poderiam ser livres.
Com o fim do tráfico, a escravidão se extinguiria, porque o índice de
natalidade era pequeno e o de mortalidade muito alto. Para que isso não
ocorresse, fazia-se necessário uma melhoria no tratamento e no modo de vida

82
do escravo e, ao mesmo tempo, pensar em uma solução para resolver o
problema da mão de obra que substituiria a escrava. (CONRAD, 1978, p. 145)

2.1.2.5 Reprodução de escravos

A Condessa do Rio Novo, assim como os fazendeiros típicos do Vale do


Paraíba, convictos de que a grande lavoura excluía a interferência do trabalho
livre, resolveu incrementar em sua fazenda, a população escrava50. Sua
escravaria estava formada de acordo com o pensamento de Lacerda Werneck,
em seu livro: “Ideias sobre a colonização”, o qual analisa o problema da
colonização estrangeira, afirmando que esta “[...] encerrava, a seu ver, o germe
de toda prosperidade [...]”, recomendando a criação de escravos. (CONRAD,
1978, p. 174-175)
Lacerda Werneck reconhecia que isso era uma triste necessidade, mas
aconselhava aos fazendeiros que a utilizassem, seguindo o exemplo da
Virgínia, nos Estados Unidos, que comerciavam o escravo ainda no ventre
materno. Dizia aos lavradores que fossem solícitos com os escravos adultos e
cuidadosos com os recém-nascidos e crianças.
Alguns historiadores advogam a ideia da reprodução de escravos após
1870. No trabalho: “Escravidão e Reprodução no Piauí”, os autores Marcondes
e Falci provam o fato para aquela província. (MARCONDES & FALCI, 2001)

50
“A historiografia referente ao período posterior ao tráfico transatlântico revela evidências que
apontam para o aumento da capacidade de reprodução da população escrava. Os senhores
passaram a levar em conta a necessidade de melhorar o tratamento dos cativos, afinal tratava-
se de garantir o crescimento de seus investimentos e a manutenção de uma população que
não poderia ser facilmente reposta. Relatos dos viajantes que percorreram Minas no século
XIX descrevem as mulheres escravas como “reprodutoras” de braços escravos. A reprodução
fazia parte da condição trabalhadora dessas mulheres. Observando esses relatos, Ilka
Boaventura Leite afirma que ‘com o fim do tráfico, sobretudo, recai sobre as escravas a
imposição de aumentar o contingente de trabalhadores, mesmo enquanto libertos. [...] As
primeiras medidas para pôr fim ao tráfico valorizavam as mulheres negras por sua
potencialidade reprodutiva’. (LEITE, 1996, p.133) A autora menciona, ainda, através da leitura
dos viajantes, imagens humanizadas da escravidão medidas pelos cuidados que os
proprietários estavam tomando com a maternidade – trabalhos mais leves, contato mais
estreito entre mãe e filho ou incentivo aos casamentos entre escravos. João Fragoso e Manolo
Florentino, através dos inventários post-mortem, também perceberam duas realidades
demográficas para a população escrava da região agrofluminense: uma anterior a 1850 e outra
que iria daí até 1888. Entre as transformações ocorridas após 1850 estavam aquelas que
apontavam no sentido da melhoria das condições para a reprodução endógena da escravidão”.
(FRAGOSO; FLORENTINO, 1987, p.156, apud: TEIXEIRA, 2008, p. 64-65)

83
Sendo assim, como dissemos anteriormente, os escravos tiveram uma
melhoria no vestuário, na habitação e na nutrição; maior assistência às
doenças que, anteriormente à proibição do tráfico, eram em geral desprezadas.
As condições de vida dos escravos melhoraram, em função da necessidade de
mantê-los vivos e saudáveis por mais tempo. Já não havia as facilidades do
passado na substituição da mão de obra quando esta perecia. Além disso,
ficaram valendo um alto preço no mercado.
Durante as facilidades do tráfico, inúmeras pesquisas constataram um
número alto de escravos traficados do sexo masculino e um pequeno número
do sexo feminino, assim como de crianças também, indicando a preferência
pelo sexo masculino, o qual suportava melhor a dura realidade do sistema
escravista. Os castigos violentos impostos aos escravos, levando-os muitas
vezes à morte, comprovam a facilidade em adquiri-los. A substituição era cruel,
e não havia interesse na criação dos filhos de escravos, pois isso traria novas
despesas.
Ao longo do tempo, porém, novas ideias foram surgindo para solucionar
o problema.
Nota-se que, na Fazenda de Cantagalo, aconteceram mudanças na
manutenção de mão de obra. Observemos os números da tabela abaixo na
qual demonstramos a possibilidade da formação de casais que poderiam gerar
seus filhos e, assim, mais braços para o trabalho naquela fazenda. Apesar da
quantidade de homens ser um pouco maior do que a de mulheres, na faixa de
20 a 40 anos, quase se iguala.

Tabela 4

Distribuição por sexo e faixa etária


10 a 20 anos (Nº) 20 a 40 anos (Nº) 40 a 71 anos (Nº)
Sexo Feminino 08 44 30
Sexo Masculino 18 48 49
Fonte: Inventário da Condessa do Rio Novo (1884)

Certamente aumentou a natalidade, se levarmos em conta a quantidade


de ingênuos que existia na fazenda, no ano da abertura do testamento.

84
Tabela 5

Número de ingênuos existentes na Fazenda de Cantagalo


Ingênuos Nº
Masculino 21
Feminino 24
Fonte: Inventário da Condessa do Rio Novo (1884)

Não havia um número muito superior de homens entre os escravos, o


que nos leva a perceber que a Condessa equilibrava o número de homens e de
mulheres para que formassem famílias.
Decerto, o conceito de família escrava51 necessita de explicitação.
Segundo José Flávio Motta (1999, p. 229),

Tal conceito vai além do entendimento de família enquanto resultado


das ligações sancionadas pelo ato religioso. Considera-se, pois,
família, como: o casal, unido perante a igreja ou não, com sua prole,
se houver; as pessoas solteiras com filhos; os viúvos ou viúvas com
filhos. Nos três casos, os filhos devem ser solteiros, não ter prole e
viver junto a pelo menos um de seus pais. Por fim, levam-se em
conta, igualmente atribuindo-se-lhes a classificação de “pseudo-
famílias”, os viúvos sem filhos presentes, e os viúvos ou solteiros
vivendo junto com filho (ou filhos) que possuíam eles próprios
famílias.

Em nosso estudo, observa-se que as ligações familiares na Fazenda de


Cantagalo, em sua maioria, não eram sancionadas pelo ato religioso, isto é,
naquelas listagens constam somente 18 escravos casados, 8 do sexo
masculino e 10 do sexo feminino, entre estas uma viúva. Entre os homens
casados, a idade ficava em torno de 50 a 72 anos e entre as mulheres
casadas, em torno de 39 a 60 anos. Por que esse grupo de idade avançada
casou-se e os demais escravos continuaram solteiros?
Embora esteja claro que na Fazenda de Cantagalo existiam inúmeras
famílias escravas em nível de documentação oficial, de acordo com as listas
dos escravos libertados, os 226 escravos restantes eram solteiros.

51
Podemos citar alguns autores para que o leitor possa se aprofundar no estudo sobre família
escrava como: Florentino e Góes (1997), cujo estudo conclui que a família escrava permitiu a
paz nas senzalas, através de concessões dos senhores, possibilitando o casamento e a
constituição familiar; Hebe Mattos (1998), que trouxe evidências da formação familiar cativa em
seus estudos nos inventários post mortem de algumas regiões, como Campos, Capivari e
Recôncavo da Guanabara, na Baixada Fluminense e o estudo de Slenes (1999), apontando
para o incentivo dos senhores de Campinas ao casamento religioso de seus escravos.

85
Quando em 1873, a Junta de emancipação52 começa a classificação
para a alforria dos escravos do município e a matrícula de todos os escravos
para a execução das cartas de liberdade, um dos critérios de classificação que
deveria ser respeitado era a prioridade às famílias, isto é, os escravos para
serem libertados deveriam ser casados. Percebe-se que, a partir desse
período, os casamentos deixaram de acontecer na Fazenda de Cantagalo,
dificultando, assim, a possibilidade de serem alforriados pelo “Fundo de
Emancipação”. Mais uma estratégia de manutenção da mão de obra escrava
pela Condessa.

2.1.2.6 Escravos de outras províncias

Outra tentativa para solucionar o problema da mão de obra na fazenda


de Cantagalo, após a lei de 1850, foi a compra de escravos de outras
províncias.
Mesmo antes da proibição do tráfico, a procura por mão de obra para o
cultivo de café fez com que escravos do Nordeste brasileiro chegassem aos
mercados do Rio de Janeiro.

Em 1842, o movimento de escravos entre as províncias já era


suficientemente amplo para precisar de regulamentos e, em 1847,
uma grande seca, na província do Ceará e em sua volta, já
aumentara grandemente o fluxo espontâneo dos escravos do norte
para o sul. (CONRAD, 1978, p. 65)

O tráfico interprovincial era legal, mas o governo fiscalizava, para que o


tráfico africano não se aproveitasse dele como disfarce.
A descrição desse tráfico não é encontrada com frequência, mas sabe-
se que se assemelhava aos horrores do tráfico africano. Como relata o Sr.
Cowper, Cônsul Britânico em Pernambuco (1852): “[...] o tráfico interno era
realizado com todos os horrores de seu protótipo, envolvendo milhares de
pessoas que anualmente saíam do norte para o Rio de Janeiro”. Com a partida
de cada navio do Recife, cenas dolorosas eram testemunhadas. O tráfico

52O subtítulo 1.2 PARAÍBA DO SUL E O CONTEXTO HISTÓRICO A PARTIR DE MEADOS


DO SÉCULO XIX: LUGAR DE FUGAS, RESISTÊNCIA E CONQUISTAS ESCRAVAS mostra
os critérios de classificação do Fundo de emancipação.

86
interprovincial causou a separação de muitos pais de suas mulheres e de seus
filhos. (CONRAD, 1978, p. 68)
Na Fazenda de Cantagalo, a falta de mão de obra foi solucionada tanto
com o tráfico ilegal de africanos, quanto com o tráfico interprovincial.

Tabela 6

Escravos comprados de outras províncias


Nº de Escravos Ceará Bahia Minas Maranhão Paraíba do Norte
02 X
08 X
11 X
11 X
03 X
Fonte: Inventário da Condessa do Rio Novo (1884)

Sentia-se a necessidade dos escravos na indústria do café e, por isso, a


tentativa de favorecer os fazendeiros do Norte, detendo o tráfico, foi quase
nula. A província do Piauí, por exemplo, exportou centenas de escravos.
Apesar de alguns presidentes daquela província terem declarado que a mão de
obra estava desaparecendo, parecia que outros presidentes até ficaram
satisfeitos, com os ganhos que o imposto de exportação dera aos cofres
públicos. (KNOX, 1973, p. 355-370)
Os preços dos escravos aumentaram e a população de escravos
decresceu no Nordeste. Houve uma preocupação quanto ao que estava
ocorrendo, mas mesmo com o aumento dos impostos sobre a venda dos
escravos nordestinos para o sul, uma proibição direta não foi possível. Essa
medida foi tomada, primeiramente em Pernambuco, logo depois foi sendo
imitada por outras assembleias legislativas de outras províncias, o que todavia
não deteve o tráfico.
Durante trinta anos o tráfico interno permaneceu quase sem restrições,
combinando-se os “[...] efeitos do envelhecimento e da morte para alterar a
quantidade e a qualidade dos escravos”. Como consequência, as regiões
perderam seus trabalhadores para o sul, vendo-se obrigadas “[...] a efetuarem
uma transição prematura para um sistema de trabalho livre”. (CONRAD, 1978,
p. 83)
Os 35 escravos, vindos de outras províncias para a Fazenda de
Cantagalo, alcançaram a merecida liberdade, depois das agruras que haviam

87
sofrido com o “[...] comércio que era tão escandaloso quanto aquele que viera
substituir”, segundo o jornal antitráfico: O Philantropo, em abril de 1852.
(CONRAD, 1978, p. 66)
Os 244 escravos, entre eles os africanos que deveriam ser livres, os
escravos do tráfico interprovincial e os naturais do Rio de Janeiro, eram
representados por 81 mulheres, 117 homens e 46 ingênuos, incluindo duas
escravas que aparecem na listagem sem o item idade, além de 11 escravos
adultos sem naturalidade.
Ao estudarmos a libertação desses escravos, foi preciso fazer todas as
considerações possíveis, na tentativa de perceber as intenções da Condessa
no testamento. Como qualquer outro proprietário de terra interessado no
desenvolvimento de sua produção e de sua riqueza, adaptou-se às mudanças
que vinham ocorrendo, preservou a sua escravaria e manteve a mão de obra
necessária para a sua fazenda.
Assim como buscou soluções para manter a escravatura por mais
tempo, acabou acompanhando também, as ideias que surgiam para substituir o
sistema, quando não fosse mais possível preservá-lo.
Preparando-se para as mudanças, pois sabia que, em um futuro não
muito distante, a escravidão se extinguiria; acabou morrendo nesse ínterim.
Como consequência, sua estratégia de manutenção de mão de obra
transformou-se em um projeto social para a nova geração de trabalhadores.
Com isso, uma adequação mais humanizada desses homens e mulheres na
sociedade poderia, de fato, ter se concretizado, não fossem os fatos ocorridos
posteriormente.

2.1.2.7 As ideias abolicionistas no século XIX

As ideias abolicionistas eram conhecidas de longa data, principalmente


pela elite letrada. Aqueles que tiveram a oportunidade de entrar em contato
com a cultura europeia foram influenciados pelas teorias da Ilustração. Esses
homens tornaram-se os líderes da independência e familiarizaram-se com os
argumentos que apareciam no Parlamento Inglês.
Era pequeno o número de pessoas com acesso a esses conhecimentos
naquela época. Entre alguns líderes da geração da independência, podemos

88
citar: Maciel da Costa (1821), José Bonifácio (1823), José Eloy Pessoa da Silva
(1826) e Leopoldo César Burlamaque (1837). Todos denunciaram os malefícios
e inconveniências do sistema escravista. Para eles, o trabalho escravo dava
rendimentos inferiores ao do trabalho livre; inibia o processo de
industrialização; aviltava a própria ideia de trabalho; punha em risco a
segurança nacional; dividia a sociedade em grupos antagônicos; gerava o
regime da violência; degradava os costumes; corrompia a sociedade; era
responsável pela instabilidade das fortunas e pelo abastardamento da raça
portuguesa; contrariava as leis da moral, o direito natural e os preceitos do
Evangelho. (COSTA et al., 1988, p. 9-61)
João Severiano Maciel da Costa, em 1821, publicava: “Memória sobre a
necessidade de abolir a introdução de escravos africanos no Brasil, sobre o
modo e condições com que esta abolição se deve fazer e sobre os meios de
remediar a falta de braços que ela pode ocasionar”, José Bonifácio, em 1823,
apresentara um projeto de emancipação gradual de escravos à Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa do Império Brasileiro, que foi publicado em
1825. Nesse projeto, argumentava:

Não vos iludais, Senhores, a Propriedade foi sancionada para o bem


de todos, e qual é o bem que tira o escravo de perder todos os seus
direitos naturais e se tornar de pessoa a coisa? Não é o direito de
propriedade que querem defender, é o direito da força. (COSTA et al.,
1988, p. 61-79)

Aquele projeto propunha que o tráfico cessasse e em um período de


quatro a cinco anos, pois a abolição, se feita de repente, poderia trazer grandes
males à sociedade. Tentava convencer os fazendeiros de que, cessado o
tráfico, seus escravos valeriam mais e assim se tornariam mais ricos. Valendo
mais, os escravos deveriam ser bem tratados; incentivados a constituir famílias
através de casamentos, a população escrava cresceria. Pequenas porções de
terras deveriam ser dadas aos forros para que ganhassem a vida. Os bens
rurais seriam estáveis.
Outras propostas estavam contidas no projeto. Nelas, estavam boa parte
do pensamento abolicionista que atuaria no Brasil até a abolição da
escravatura em 1888.

89
Em “Memória sobre a escravatura e projeto de colonização dos
europeus e pretos da África no Império do Brasil”, José Eloy Pessoa da Silva
(1826) propõe a extinção do tráfico de forma gradual, e a colonização de
índios, europeus e africanos da Costa Ocidental. Sugeria que o governo
oferecesse garantias aos colonos, e condecorasse os fazendeiros que
adotassem a colonização durante três anos, com cem colonos, além de lhes
conceder regalias, se pagassem salários. (COSTA et al., 1988, p. 79-101)
Em 1837, Frederico Leopoldo César Burlamaque divulga as ideias de
Charles Conte no livro: “Memória analítica acerca do comércio de escravos e
acerca dos males da escravidão doméstica”. (COSTA et al, 1988, p. 101-222)
Participando de um concurso instituído pela “Sociedade Defensora da
Liberdade e Independência Nacional no Rio de Janeiro”, procura não somente
condenar o tráfico, mas considerar os males “permanentes e duradouros” da
escravidão doméstica.

[...] reduzindo o Ente feito à semelhança de Deus, de pessoas a


cousa, de tudo a nada! Já o tráfico é desumano! Amontoar indivíduos
da espécie humana no interior de um navio, carregá-los de ferros,
exterminá-los ao menor sinal de resistência, dar-lhes um sustento
insalubre e mesquinho, negar-lhes as vestimentas que cubram a
nudez, trazê-los ao mercado como brutos animais e vender para
sempre a sua liberdade, de seus filhos e descendentes, degradar
assim uma parte do gênero humano, negando a seu respeito a
existência de todos os deveres morais, e entregá-la ao exercício
contínuo de todas as violências de que a mais refinada tirania pode
ser suscetível: eis o quadro resumido dos crimes de que são
responsáveis perante Deus e os homens, os primeiros introdutores de
escravos, e seus imitadores! (COSTA et al., 1988, p. 119-125)

Burlamaque mostrava as desvantagens e pontos negativos da


escravidão, mas defendia a ideia de que as medidas a serem tomadas
deveriam ser graduais. Aconselhava a colonização utilizando o “[...] sistema de
colonos proprietários [...]”, distribuindo terras devolutas, chamando a atenção
quanto “[...] à superioridade dos trabalhadores suíços, alemães e açorianos”.
(COSTA et al., 1988, p. 175-208)
A obra de Burlamaque foi considerada a mais completa da época e,
embora todas essas ideias tivessem clareza e lucidez, não conseguiram muita
repercussão.

90
O desembargador da Relação de Pernambuco, Veloso de Oliveira,
escrevia, em 1845, sobre a substituição do trabalho escravo pelo livre, sob o
ângulo dos dominadores:

A escravidão pode convir às metrópoles que querem desfrutar as


colônias, reduzindo-se a cultura de um ou outro gênero que lhes
convenha, e vendendo-lhes tudo o mais, conservando-as por esse
modo na estupidez e no serviço e tornando-as impróprias para a
produção e residência de varões ilustres e patriotas que advoguem os
seus interesses ou as queiram separar, quando se lhes não
concedem vantagens reclamadas; mas um povo livre deve ter outras
idéias e muito mofino seria e miserável se não atrevesse a responder
pela sua existência, e confessasse que não era capaz de viver senão
à custa do trabalho alheio, como os estúpidos ou paralíticos.
(COSTA, 1997, p. 408)

A favor do desenvolvimento do trabalho livre, Veloso criticava a


escravidão e propunha medidas que acabassem com esse sistema. Entre
essas medidas, sugeria:

[...] a imposição de uma taxa sobre as terras desaproveitadas, que


excedessem uma certa extensão, a multiplicação das estradas, a
distribuição de mercês aos grandes proprietários que mais se
distinguissem no aproveitamento de braços livres, a criação de
organizações de crédito destinadas a auxiliar a lavoura. Chega a falar
na criação de cidades, com o objetivo de estimular o comércio e a
formação de um exército de trabalhadores rurais que seriam
recrutados para prestar serviços em colônias agrícolas espalhadas
por todo o país. (COSTA, 1997, p. 408)

Ainda em meados do século XIX, a sociedade contra o tráfico de


africanos e promotora da colonização da civilização dos indígenas (1852)
contribuía com várias sugestões para extinguir o tráfico e a escravidão no
Brasil. Propunha:

[...] a formação de depósitos de colonos ou trabalhadores livres nos


lugares centrais e apropriados, designados de antemão pelo governo,
aos quais pudessem ir os fazendeiros buscar e contratar os colonos
de que necessitavam para o trabalho de suas fazendas. [...] que a
legislação se ocupasse em garantir os locadores e locatários, e que
se promovesse a divisão das grandes propriedades territoriais,
“utilidade esta que”, no seu entender, “só por si compensaria
abundantemente qualquer sacrifício de dinheiro à Fazenda Pública,
pelo estímulo ao desenvolvimento do trabalho livre e extinção
progressiva da escravatura”. (COSTA, 1997, p. 408)

Na teoria, os argumentos utilizados quase vinte anos antes do


movimento abolicionista do final do século XIX eram os mesmos, com a

91
diferença de que os primeiros concordavam que o processo de transformação
para o trabalho livre deveria ser feita, na prática, gradativamente. Enquanto o
sistema escravista não fosse extinto, “[...] segundo a moral e a religião que
professava que todos eram iguais perante Deus”, poderiam elaborar regras que
melhorassem a vida miserável dos escravos.
No pensamento de José Bonifácio (1823) ou de Burlamaque (1837)
estavam contidos todos os argumentos que seriam utilizados pelos
abolicionistas a partir de 1870. Repetiam-se quando esclareciam sobre os
males da escravidão, ou quando pediam que se observasse a moral cristã e os
ideais do liberalismo. A mudança será em relação à comiseração pública, a
qual vai aumentando cada vez mais em relação aos escravos. Discursos que,
no passado, não afetaram a opinião pública, cada vez mais passam a ser
assimilados por multidões. Bem articulados no Parlamento, provocam o avanço
na solução drástica da questão.
O pensamento escravista, com o tempo, vai perdendo a sua força, sofre
alterações, esvazia-se perante o avanço abolicionista. Os interessados na
permanência do escravismo, mesmo antes da extinção do tráfico, defendiam a
instituição. Diziam que os africanos ao serem transportados para a América
estavam sendo salvos da selvageria e iniciados na verdadeira religião, a cristã.
Até mesmo Maciel da Costa em sua “Memória” escrita em 1821, ao defender a
abolição do tráfico, afirmava:

Conquanto contrário à humanidade, não é tão horrível como o


figuram os seus antagonistas. Comprar e vender homens ofende sem
dúvida a humanidade, porque os homens nascem livres. Mas que
argumento se pode tirar daqui? Nós sabemos, pela história, que de
todo o tempo eles abusaram dessa liberdade original e até com ela
traficaram. Tais são as fraquezas, miséria e calamidades que eles
estão sujeitos sobre a terra... Nações houve que instituíram a
escravidão, incorporando-a à sua organização política...Que é muito
pois, que os bárbaros ferozes africanos sejam transportados de seus
areais ardentes para o belo clima do Brasil, e aí empregados no
suave trabalho da agricultura? (COSTA, 1997, p. 410)

Argumentava criticando o tráfico, mas deixando bem claro que este


deveria continuar por mais algum tempo, “por amor à causa pública”.
Para justificar a escravidão, eram utilizados, ainda, argumentos que
pretendiam provar a inferioridade racial do negro. As classes senhoriais nutriam
o preconceito, mesmo assistindo à “[...] ascensão de mulatos e de um pequeno

92
número de negros na sociedade imperial”. Este preconceito atingia, também, a
alguns indivíduos letrados, como Silvio Romero e Pereira Barreto, os quais
acreditavam ser o cativeiro benéfico e civilizador, para uma raça considerada
inferior.
Mesmo entre os abolicionistas, existiam os que não hesitavam em
acreditar na inferioridade do negro, na sua “incapacidade intelectual”. Mas,
desde o início do século XIX, abolicionistas ingleses opuseram-se a esse
pensamento, servindo-se “[...] das informações de Mungo Park53, entre outras,
para demonstrar que tudo não passava de preconceitos”. (COSTA, 1997, p.
414)
Complementando as teorias, desenvolvia-se outro tipo de pensamento
que colocava a escravidão como um mal necessário, e a mão de obra escrava
insubstituível nas condições em que se encontrava o Brasil. Achavam que a
população branca era “diminuta” em relação à negra e que, se esta faltasse de
repente, poderia haver uma “desordem incalculável”.
Em 1870, Peixoto de Brito escrevia, em Lisboa, que a escravidão era
“tutela benéfica” do senhor sobre o escravo, pois, sem ela, o escravo não teria
a capacidade de se sustentar, não teria condições de cuidar de si mesmo.
Defendia, também, a indenização ao proprietário do escravo, caso a abolição
se efetuasse. Brito (COSTA, 1997, p. 416) dizia:

A lei criou o direito de propriedade do senhor sobre o escravo, a lei


pode tirar-lhe este direito como pode expropriar qualquer propriedade
para benefício público, mas a lei não o pode fazer senão mediante a
devida indenização; se a lei fizer o contrário será a lei do roubo da
propriedade particular, a lei do roubo da riqueza nacional.

Ao mesmo tempo, afirmava como isso seria impraticável pelo grande


número de escravos existentes. Teria que ser uma abolição lenta e gradual,
começando pelos nascituros, pois se feita bruscamente, muitos negros “[...]

53Médico escocês que chegou à África em 1795, aos 23 anos com a missão de percorrer o
curso do rio Níger. Em seu relato, “reconhecia os rigores e as dificuldades do clima e das
febres, ao mesmo tempo em que reafirmava os aspectos positivos do interior da África, tropical
em sua alteridade mas certamente adequada à acomodação e à aclimatação”. Ver: “Os
Trópicos na rota do Império britânico: a visão de Mungo Park sobre a África em fins do século
XVIII”. Larissa Vianna. Hist. Cienc. Saude-Manguinhos vol 18 nº 1. Rio de Janeiro Mar.2011.
www.scielo.br/scielo.php.?script=sci_arttext&pid=S0104-59702011000100003 Acesso em:
20.09.2014.

93
abandonariam o trabalho, procurariam asilo nas matas e muitos se dedicariam
ao roubo e ao assalto”.
Numerosas publicações surgiram nos anos de 1870 e 1871 sobre a
questão servil, depois da Lei do Ventre Livre. Umas se apresentavam contra a
emancipação e outras, a favor.
José de Alencar, considerado o “arauto da manutenção escravista”,
descrevia quanto os escravos eram bem tratados pelos senhores, estando em
condições melhores do que os assalariados europeus dos grandes centros
industriais. Argumentava “romanticamente” que, antes de libertar o escravo,
este deveria ser bem educado, preparado para a vida. De forma
preconceituosa e discriminatória afirmava:

É preciso esclarecer a inteligência embotada, elevar a consciência


humilhada para que um dia, no momento de conceder-lhes a
liberdade, possamos dizer: Vós sois homens, sois cidadãos. Nós vos
remimos não só do cativeiro como da ignorância, do vício e da
miséria, da animalidade em que jazeis. (COSTA, 1997, p. 420)

Ao longo do tempo, reduzia-se o número de pessoas que procuravam


defender os benefícios da escravidão, aumentando o número daqueles que
defendiam o seu fim.
Entre os que se posicionaram a favor da abolição estavam os
positivistas, que acrescentavam outros elementos para condenar a escravidão.
Influenciados por ideias de Augusto Comte, afirmavam que:

[...] nenhuma ordem real poderia surgir nem perdurar se não fosse
plenamente compatível com o progresso, e que nenhum progresso se
realizaria efetivamente se não tendesse, finalmente, à consolidação
da ordem. (COSTA, 1997, p. 428)

Assim, em 1865, Brandão Júnior publicou um trabalho “[...] aplicando à


realidade brasileira a lei geral da evolução humana” em que propunha a
transformação da escravidão num regime de servidão. Dizia estar o Brasil,
economicamente, em um processo correspondente à “organização feudal” e
que, portanto, deveria evoluir como aquele sistema. Os escravos deveriam ser
transformados em servos, os proprietários estipulariam os salários e o preço da
sua liberdade. Aos poucos, sem revoluções ou crises, o trabalho escravo se
transformaria em livre.

94
Nos anos de 1870, o ex-escravo Luís Gama, liderava um grupo de
pessoas que, apoiadas na Lei de 1831, tentavam libertar os escravos que
haviam entrado no país depois dessa data. Conseguindo libertar certo número
de escravos, colocaram em debate o direito dos “africanos livres” viverem em
liberdade. (COSTA, 1997, p. 463)
Na década de 1880, os positivistas brasileiros se manifestaram com
maior frequência em relação à abolição, refletindo inevitavelmente a respeito
de seus interesses e compromissos com a “ordem social vigente”. Miguel
Lemos, representando o setor urbano, sem vínculos com o meio rural,
condenou radicalmente a escravidão; enquanto Pereira Barreto e Ribeiro de
Mendonça assumiram uma posição mais moderada, por estarem ligados aos
interesses agrários.
Miguel Lemos não aceitava a ideia de transformar a escravidão em uma
servidão, pois achava impossível ser feita “qualquer fiscalização”,
permanecendo, assim, o status quo sob nova situação.
Pereira Barreto, ainda em 1880, escreve artigos em “A província de São
Paulo”. Neles afirma que:

[...] qualquer reforma antes de se tornar um fato, precisa ser por muito
tempo uma ideia assimilada, uma parte integrante da circulação
mental da época. O passado não se refaz, não se modifica, não se
anula, o presente não pode ser modificado senão nos limites da
esfera das tradições, leis e costumes, que nos legou o passado e
mais ou menos nos limites do ideal que fazemos do futuro. Por tudo
isso, para realizar uma reforma, há necessidade de preparação
psicológica e econômica. (COSTA, 1997, p.431)

É difícil avaliar até que ponto as ideias positivistas ou abolicionistas


influenciaram a testadora, porém, a partir de sua atitude em relação à
libertação de seus escravos e à criação da colônia agrícola, percebe-se que
pode ter sido influenciada pelas publicações da época. Nota-se, também, a
crença de que os libertos não seriam capazes de assumirem, sozinhos, a
administração das terras e, assim, cumprirem a sua proposta.
Um dos projetos que pode tê-la influenciado também foi publicado em
1880, na Gazeta da Tarde, pelos abolicionistas: Teixeira Mendes, Aníbal
Falcão e Teixeira de Sousa, com o título de “Apontamentos para a solução do
problema social no Brasil”. Propunham:

95
[...] a supressão imediata do sistema escravista, e a adstrição ao solo
do ex-trabalhador escravo, sob a direção dos respectivos
proprietários, supressão de todos os castigos corporais e de toda
legislação especial, constituição de um regime moral pela adoção
sistemática da monogamia, fixação do número de horas de trabalho
quotidiano, descanso no sétimo dia, criação de escolas de instrução
primária, mantidas nos centros agrícolas às expensas dos grandes
proprietários rurais e estabelecimento de salário razoável. (COSTA,
1997, p. 429)

Dois anos antes, em 1878, Henrique Pedro Carlos de Beaurepaire-


Rohan publicara “O futuro da grande lavoura e da grande propriedade”, em que
previa que em 10 anos a escravidão estaria extinta no Brasil. Sugeria que os
escravos fossem convertidos em colonos e que as fazendas fossem
transformadas em “colméias agrícolas” através do “[...] retalhamento da grande
propriedade, pelo qual o fazendeiro cederia o domínio útil da terra aos foreiros
perpétuos”. Os produtos que fossem colhidos deveriam ser preparados em
fábricas centrais, que seriam criadas nas fazendas. (COSTA, 1997, p. 175)
Ao analisar o testamento no que se refere à libertação dos escravos e à
criação da colônia agrícola, percebe-se a semelhança desse projeto com as
ideias de Teixeira Mendes, Aníbal Falcão, Teixeira de Sousa e de Beurepaire
Rohan, que antecedem o testamento em 1 e 3 anos, respectivamente. Tempo
suficiente para que houvesse um amadurecimento daquelas ideias por parte da
testadora.
Observemos o trecho do testamento abaixo:

[...] Esses libertos e ingênuos, e seus descendentes formarão em


minha fazenda denominada de Cantagalo – uma colônia agrícola –
com a denominação de “Nossa Senhora da Piedade”, que será a
protetora do estabelecimento. Na mesma fazenda e a expensas do
rendimento dela serão estabelecidas duas escolas para educação
dos menores da colônia, de ambos os sexos, que serão franqueadas
também aos menores da circunvizinhança, se não houver
inconveniente. Aos adultos serão distribuídos lotes de terras a fim de
cultivarem cereais para a sua subsistência e lotes de cafesais para
beneficiá-los e colher os frutos: destes, depois de convenientemente
preparados e vendidos, lhes pertencerá a metade, e a outra metade à
casa de caridade, que se fundar na cidade de Paraíba do Sul.
(Testamento da Condessa do Rio Novo)

Na tentativa de buscar o caminho que possa ter percorrido a Condessa


até a tomada de sua decisão, na libertação e no acesso à terra de seus
escravos, conclui-se que ela acompanhou e assimilou os debates políticos de
sua época. Decerto absorveu o ideal daqueles que se preocupavam com uma

96
libertação acompanhada de uma reforma no sistema de propriedade da terra,
como por exemplo, André Rebouças com o projeto de “democracia rural”. Nele
propunha “[...] a inserção do liberto enquanto pequeno produtor [...]”, rompendo
com a ideia de que, para o escravo, liberdade significava o “não-trabalho”. Não
queriam continuar trabalhando na grande propriedade, mas não desejavam a
ociosidade. (SANTOS; In: FILHO, 2000, p. 63)
Entre os abolicionistas abundavam críticas ao “latifúndio”, às “estruturas
feudais da economia e da sociedade brasileiras”, à “grande lavoura” e à
“aristocracia rural”.

Essas expressões, entre aspas, são utilizadas na época, não só por


Rebouças, mas por Patrocínio, Joaquim Nabuco, pelos publicistas
dos jornais O Paiz, O Jornal dos Economistas, por certos membros da
Sociedade Central de Imigração etc. Cf. por exemplo essa carta de
Nabuco onde ele identifica os “adversários” da luta abolicionista: “os
homens ricos do país, os representantes do feudalismo que o cobre,
os donos da terra em suma-minoria [...] cuja força vem do monopólio
do trabalho”. O Abolicionista, 15 de dezembro de 1880. Ou ainda o
jornal Lucros e Perdas, que no seu número 6 (Nov. 1883) critica a
entrada dos chineses, criticando, ao mesmo tempo, a “grande
lavoura”: “ A grande lavoura quer o chin. Ele é a sua magna
esperança. Vem salvar o latifúndio e eternizar essa cultura extensiva
que é o sonho da aristocracia rural”. (SANTOS; In: FILHO, 2000, p.
72)

Para eles, a abolição da escravatura nunca era vista como “[...] mera
emancipação jurídica do escravo”.
Jornais que pareciam não ter vínculos com os abolicionistas publicavam
artigos referentes à “reforma agrária” no pós-abolição, isto é, à transformação
da “[...] estrutura fundiária do país e à associação entre abolição e
democratização do solo”. (SANTOS; In: FILHO, 2000, p. 72)
Na verdade, existiam atores desconhecidos comprometidos com a
abolição e com as reformas sociais. Entre eles, podemos destacar: João Clapp,
representante do Club dos Libertos de Niterói contra a escravidão, que se
envolveu não só na luta pela abolição, como também na promoção da
educação dos ex-escravos; Ennes de Souza, um dos fundadores da Sociedade
Central de Imigração; Cardoso de Menezes, Belmiro V. da Silva, João Augusto
de Pinho, representantes do Centro José de Alencar e do Club Abolicionista
dos Empregados do Comércio. (SANTOS; In: FILHO, 2000, p. 65)

97
Por ter sido escrito em 1881, o testamento antecipa os debates
abolicionistas mais exaltados dos momentos finais da escravidão, mas
demonstra que a condessa acompanhou a transformação do pensamento
sobre a emancipação. Libertou os seus escravos dando-lhes condições para a
sua instrução, participação no mercado interno, acesso à terra, porém,
“acorrentando-os” a um grupo da classe dominante, a quem os confiou para
uma transformação crucial em suas vidas.

2.1.3 Os Significados da Liberdade

Desde o início da escravidão no Brasil, a liberdade era atributo do


“branco”, que potencializava a inserção social e a propriedade. Essa
representação da liberdade começa a ter as suas “bases solapadas”, durante a
segunda metade do século XIX.

Relações familiares e comunitárias entre os cativos dos grandes


plantéis, formados até a primeira metade do século XIX, forjaram um
dos eixos de sociabilidade básica sobre o qual se construíram as
expectativas dos cativos em relação à liberdade nas últimas décadas
da escravidão. (MATTOS, 1998, p. 110)

Um espírito de resistência e violência desenvolveu-se nos escravos,


quando suas famílias foram separadas pelo tráfico interno. O cativeiro
concentrou homens de experiências diversas, com “[...] expectativas distintas
das que orientavam a ação de seus novos senhores”. A venda de escravos de
pequenos proprietários para grandes senhores, “[...] muitas vezes provocava
tensões específicas nas últimas décadas da escravidão”. (MATTOS, 1998, p.
115)
Adaptar ao cativeiro os africanos livres, sempre foi uma tarefa difícil,
devido à sua resistência. Cessado o tráfico Atlântico, a continuidade do tráfico
interno redefiniu aquele problema fundamental, que era “[...] adaptar um cativo,
arrancado de sua comunidade de origem, a uma disciplina de cativeiro, às
vezes bastante distinta”. (COSTA, 1997, p. 334) Os senhores sentiam-se
ameaçados de um levante diante de escravos estranhos nos quais não tinham
confiança.

98
Dos escravos esperava-se humildade, obediência, fidelidade. Do
senhor, autoridade benevolente. Nem sempre as expectativas eram
satisfeitas: o escravo roubava, era infiel, fugia, quando não praticava
desatinos. O senhor excedia-se nos castigos, era violento e cruel
[...]. Não faltaram senhores benévolos e dedicados que tratavam
seus escravos com humanidade, nem escravos que revelaram sua
devoção, às vezes de forma patética, mas a instituição escravista
propiciava os excessos, os crimes, a espoliação de um grupo pelo
outro. A idealização da escravidão no Brasil, o retrato do escravo fiel
e do senhor benevolente e amigo do escravo que acabaram por
prevalecer na literatura e na história foram alguns dos mitos forjados
pela sociedade escravista na defesa do sistema que não julgava
possível prescindir. (COSTA, 1997, p. 334-335)

Para evitar eventos sangrentos, uma lei geral de 1835 previa a pena de
morte para os escravos que atentassem contra a vida de seus senhores e
feitores. Mesmo assim, devido à grande concentração de negros nos fins da
década de 1860, a disciplina e o controle tornavam-se cada vez mais difíceis.
Em 1857, as galés perpétuas substituíram a pena de morte, constituindo
a pena máxima do Império. Muitos escravos preferiam a prisão à escravidão,
com isso, os crimes continuaram.
A Lei de 1871 também teve seus efeitos, mesmo não significando
mudanças concretas, visto que o ingênuo trabalharia até os 21 anos de idade
para o senhor, mas decretou “o fim do caráter absoluto da instituição
escravista”. Os senhores e os escravos percebiam a sua temporalidade.
(AZEVEDO, 1987, p. 181-182)
Machado (2010, p. 32), em seus estudos sobre a “criminalidade escrava
nas áreas cafeeiras paulistas no século XIX”, informa-nos que os escravos
lutavam pela possibilidade de possuir autonomia no “sistema de trabalho
vigiado”, isto é, tempo livre para as suas atividades sociais e econômicas
independentes.

Tratava-se, segundo o ponto de vista dos escravos, de defender, das


investidas senhoriais, os espaços de autonomia conquistados através
de constantes confrontos: uma cadência de trabalho orgânica ao
grupo, uma organização social independente, uma incipiente
produção de subsistência na forma de roças e de uma
microeconomia monetária, provenientes tanto do pequeno comércio
de gêneros – produzidos ou roubados -, quanto pelo recebimento de
gratificações pelo trabalho realizado a mais ou nos dias de folga.
(MACHADO, 2010, p. 32)

Os anos de 1870 foram marcados pela visibilidade da “[...] fragilidade do


sistema de dominação escravista e a base legal que o sustentava”. Ao mesmo

99
tempo em que era preciso negociar com os escravos, “[...] fazia-se necessário
estabelecer as bases legais e costumeiras que separavam os homens em
escravos e livres.” Como podemos observar abaixo, quanto às “obrigações
senhoriais não cumpridas”:

Art. 6º, par. 4 da Lei n. 2040 de 28.09.1871, e Art. 76 do Decreto n;


5135 de 13.11.1872 declaram que: “Considera-se abandonado o
escravo cujo senhor residindo no lugar e sendo conhecido, não o
mantém em sujeição, e não manifesta querer mantê-lo sob sua
autoridade”. Criat, TRSP, AC de 1884, fl.149. (MACHADO, 2010, p.
44-45)

A “[...] satisfação das necessidades básicas dos escravos, a oferta de


alimentação e cuidados médicos ou o efetivo controle e estímulo do trabalho
independente na forma das roças de subsistência [...]” caracterizava o poder
dominial, assim como a exploração fiscalizada do trabalho em grupo.
(MACHADO, 2010, p. 46)
A exploração fiscalizada do trabalho em grupo permanecia, mesmo com
o sistema escravista declinando. Como os escravos fugiam e a indisciplina
aumentava, houve a necessidade de intensificar a disciplina através de
castigos rigorosos para manter o controle das fazendas, isto é, evitar as
deserções e acelerar o ritmo do trabalho daqueles escravos que permaneciam,
a fim de que pudessem repor o trabalho dos que partiam. Em contrapartida,
quando as obrigações senhoriais não eram cumpridas, os cativos reagiam
violentamente. (MACHADO, 2010, p. 47)
Sendo assim, com a crescente necessidade de reforçar sua
“ascendência moral sobre os cativos”, outra experiência foi colocada em prática
tratava-se de os senhores utilizarem a experiência de alforriar seus escravos,
dando-lhes liberdade condicional ou negociando benefícios. (MATTOS, 1998,
p. 190)
A política de negociação aprendida, principalmente, pelos cativos
nascidos no Brasil, era largamente utilizada com o objetivo de “[...] produzir
fidelidades e potencializar o nível de autoridade [...]” entre senhores e
escravos. A alforria geraria “[...] uma dívida de gratidão a que o liberto sempre
se manteria ligado”. (MATTOS, 1998, p. 192)

100
Nesse período, quando a escravidão perdia a sua legitimidade, as
alforrias aumentavam. Os senhores temiam frustrar as expectativas dos cativos
para o alcance da sua liberdade.
Raramente a alforria era desejada em um caráter individual. No meio
rural, a família ”[...] sempre foi pressuposto básico desta possibilidade”. Se todo
o grupo perdesse os elos do cativeiro com a escravidão, do ponto de vista
senhorial, isso, sendo bem administrado, poderia engendrar cativos de
confiança e dependentes leais. (MATTOS, 1998, p. 192)
Além do aumento do número de alforrias as reivindicações dos escravos
para que os senhores cumprissem as suas “obrigações” tornaram-se mais
abertas e mais frequentes. Recebimento de salários, moradia, roças de
subsistência, alimentação eram vistos como “direitos”, concessões entendidas
como “[...] legítimas contrapartidas pelo trabalho realizado”. Essa
transformação no sistema disciplinar das fazendas tinha um caráter preventivo,
isto é, era para evitar os “[...] ataques violentos dos plantéis contra os senhores
e seus feitores”. (MACHADO, 2010, p. 37)
A partir desse pensamento e comportamento da época, percebe-se que
o testamento da Condessa do Rio Novo era uma tentativa de “produzir
fidelidades”. Com a promessa de liberdade e de acesso à terra depois de sua
morte (liberdade condicional), os escravos reconheceriam a legitimidade da
senhora, comportar-se-iam bem no trabalho, seriam o exemplo do “bom
cativeiro”. Do ponto de vista da Condessa, essa promessa seria como prêmio
para os cativos, mas, do ponto de vista dos escravos, isso os fazia sentirem-se
um pouco menos escravos do que os outros. Tinham adquirido esses
privilégios através de sua própria luta, para alcançar “[...] espaços de
autonomia ampliados dentro do cativeiro”. (MATTOS, 1998, p. 157)
Segundo Machado (2010, p. 42), nota-se que a maioria dos senhores
que doavam uma parte ou todos os seus bens, incluindo terras, para os
escravos, não tinham herdeiros diretos, isto é, não tinham filhos, eram viúvos,
solteirões ou padres. Estes “[...] parecem ter sido muito mais sensíveis à ideia
de recompensarem seus escravos pelos serviços prestados, do que aqueles
que possuíam herdeiros diretos.“ A Condessa do Rio Novo era viúva e sem
filhos.

101
Diversas pesquisas já demonstraram que os escravos, mesmo antes da
extinção do tráfico, souberam “[...] reinterpretar e reverter a seu favor as
estratégias senhoriais”.
Os senhores investiram também, inúmeras vezes, na diferenciação
interna da experiência do cativeiro para o controle social estratégico de seus
escravos.

Era socialmente interessante que ‘africanos’ disputassem com


‘crioulos’, que cativos se esforçassem para se tornarem feitores ou
terem acesso privilegiado às roças de subsistência. (MATTOS, 1998,
p. 131)

Na Fazenda de Cantagalo aparecem alguns casos similares ao


apresentado por Mattos. Observando a Relação dos Escravos Declarados
Livres (Anexo IX), João (Matr. 6.627), 48 anos, solteiro, natural da África e João
(Matr. 6.628), 50 anos, solteiro, natural do Rio de Janeiro, eram feitores. Nesse
caso, a Condessa procurou agradar os dois grupos de escravos existentes na
fazenda, o dos africanos e o dos crioulos. O que os senhores esperavam dos
escravos feitores é que a sua solidariedade aos interesses senhoriais fosse
maior do que a identificação com os seus parceiros.
Na relação dos imóveis na avaliação dos bens da Fazenda de
Cantagalo, de 14.08.1882, no inventário da Condessa, aparecem, entre outros,
moradias privativas, algumas separadas da senzala coletiva54, como a casa
“para cômodos de pretas”; outra servindo de “senzala, hospital e morada dos

54
“Baseando-se em relatos de viajantes que percorreram o Centro-Sul do Brasil ao longo do
século XIX, Slenes distingue três tipos de vivenda escrava: as senzalas "pavilhão", edifício
único com pequenos recintos ou cubículos separados para os escravos solteiros e casados, as
senzalas "barracão", onde viveriam escravos e escravas solteiros em grandes recintos
separados, e as senzalas "cabana", onde viveriam escravos casados ou solteiros de um
mesmo sexo. Ao sintetizar sua análise sobre a questão, Slenes escreve que o que chama a
atenção na maioria destes depoimentos é que o casar-se [...] conferia acesso a um espaço
construído próprio, seja um cubículo num barracão/pavilhão, seja num barraco separado.
Mesmo não sendo necessariamente maior do que os cubículos [nos barracões], os
compartimentos [nos pavilhões] ou os casebres dos solteiros, a moradia da pessoa casada –
ou pelo menos da recém-casada, sem filhos – geralmente congregava menos gente [...]. Além
disso, e mais importante, era uma habitação dividida com um parceiro de vida, não apenas de
roça. Enfim, o casar-se frequentemente implicava para o escravo ganhar mais espaço
construído; mas, sobretudo, significava apoderar-se do controle desse espaço, junto com o
cônjuge, para a implementação de seus próprios projetos”. (SLENES, 1999, p. 159, apud:
MARQUESE, 2005)

102
empregados”; “Sítio do Vicente”; “Sítio do Germano”; “Pedra e Morro do João
Cabra”; demonstrando as concessões feitas a fim de garantir a obediência,
melhorar as condições de vida do cativo e, até mesmo, evitar crimes que eram
justificados quando era mau o cativeiro.
Vejamos o trecho do inventário:

Uma casa coberta de telhas de 15 lances e varanda, para cômodo de


pretas...................................................................................4:000.000
Uma casa denominada Sítio do Vicente...................................300.000
Uma casa coberta de telhas e varandas de dezesseis lancez, outra
dita com varanda, de 12 lancez para senzallas de pretoz, coberta de
telha, sendo quatro para...ilegível...de café, nove para hospital e
morada dos empregados......................................................9:000.000
Uma casa com 9 lances no sítio do Germano, com cosinha, telhas
com 4 lances assoalhados....................................................1:500.000
20.000 pés de café novos começando nos Pinheiros e terminando na
pedra do João Cabra............................................................6:400.000
15.000 ditos no Morro do João Cabra vertendo para a linha
férrea....................................................................................1:200.000
(Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho,
Condessa do Rio Novo)

A casa para “cômodos de pretas” era separada da outra casa destinada


à senzala coletiva. É possível que essa separação seja um indício de que
essas “pretas” tenham conseguido uma concessão da Condessa, que
privilegiou esse grupo. Senzala “cabana”? Seriam essas pretas, solteiras?
Os locais denominados “Sítio do Vicente”, “Sítio do Germano” e “Pedra e
Morro do João Cabra55”, possivelmente eram terras concedidas a esses
escravos para exploração de roças próprias, muitas vezes conseguidas por
antiguidade ou através do casamento (legal ou consensual). (FLORENTINO;
GÓES, 1997, p. 90)
Vicente aparece na relação dos escravos libertados (Anexo IX) com
matrícula 2.242, cor parda56, 43 anos, solteiro, natural do Ceará, profissão:
carpinteiro; Germano, com matrícula 6.660, cor preta, 50 anos, solteiro, natural
da África, profissão: lavoura. Nesse caso, a Condessa privilegiou novamente
um escravo de cada grupo (africano e crioulo). Como dissemos anteriormente,

55
Mestiço de mulato e negro. (SIMON, 1996, p. 43)
56
“Ainda nos dias de hoje, os mestiços são denominados pardos, palavra imprecisa, de uso
generalizado.” (SIMON, op. cit, p. 41)

103
era socialmente interessante, a disputa entre africanos e crioulos para terem
acesso privilegiado às roças de subsistência.

Os escravos frequentemente brigaram e conseguiram obter dos


senhores o direito a um pedaço de terra para sua subsistência e até o
direito de vender algum excedente da produção. [...] o barão de Pati
do Alferes e os cafeicultores fluminenses em geral tinham uma
consciência cristalina de manipulação da brecha57 como mecanismo
de dominação ideológica. [...] o que aparentava ser concessão
senhorial resultava de barganhas cheias de malícias de ambas as
partes. Se os barões cedem e concedem, é para melhor controlar.
Onde os escravos pedem e aceitam, é para melhor viver, algo mais
que o mero sobreviver. (REIS; SILVA, 1999, p. 8)

João Cabra não aparece naquela relação. Teria sido alforriado antes?
Pode ter comprado a sua alforria ou pode ter sido concedida acompanhada de
um lote de terra onde pudesse cultivar produtos para a sua subsistência. Com
isso, continuaria trabalhando na fazenda, obedecendo e reconhecendo a
autoridade de sua senhora.

Mesmo a abrangência da instituição familiar entre os cativos, do


pecúlio do escravo e da própria prática das alforrias remuneradas
sugiram muito fortemente que estes foram movimentos que os
senhores não seriam capazes de conter, mas tão somente de tentar
disciplinar, a manutenção destas práticas, no espaço costumeiro, ou
seja, em tese, na dependência do arbítrio senhorial, permitia que
grande parte do esforço cativo para transformar suas condições de
cativeiro e, mesmo, para dele se libertar fosse possível de uma leitura
que reforçava, em última análise, a autoridade senhorial. (MATTOS,
1998, p. 154)

A senzala coletiva aparece junto a um hospital e à morada de


empregados. A existência de um hospital próximo à senzala reforça a ideia de
que, nessa fazenda, o tratamento dado aos escravos tinha o objetivo não só de
otimizar a produtividade, mas também de aumentar o tempo de vida útil dos
cativos, dando-lhes condições para o tratamento de suas enfermidades.
Percebe-se que a Fazenda de Cantagalo organizou-se, moldando-se às
novas necessidades, para que a produção não fosse prejudicada e o trabalho,
em geral, tivesse um bom funcionamento.

57 Para um melhor entendimento sobre a “brecha camponesa” ver o estudo de: CARDOSO,

Ciro Flamarion S. Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas Américas. São


Paulo: Editora Brasiliense, 1987.

104
Desde 1850 e especialmente após a promulgação da lei do Ventre
Livre, políticas públicas e estratégias privadas tentavam encaminhar
de maneira segura a chamada transformação do trabalho. Por parte
dos cidadãos ativos envolvidos no processo, seja como agentes
econômicos (fazendeiros escravistas), seja como atores políticos, os
esforços se concentraram na busca de controlar a transformação, no
sentido de evitar a desorganização da produção. (MATTOS, 1998, p.
210)

Reconhecemos, anteriormente, que a Condessa acompanhou as


mudanças de sua época, articulando estratégias de dominação e de
negociação. Por fim, na tentativa de organizar a mão de obra a qual tornaria
liberta, buscou uma forma de controle com relação aos escravos. Colocou-os
nas mãos de uma irmandade, constituída por pessoas com interesses
completamente diversos daqueles que iriam inserir na sociedade.
Esse “controle da transformação”, do trabalho escravo para o livre,
aparece claramente em seu testamento. A permanência dos libertos na
Fazenda de Cantagalo, com acesso a lotes de terra, não fez desaparecer a
dependência, visto que essa era a chave da dominação dos brancos sobre os
libertos. Observemos no trecho do testamento abaixo, o que diz respeito à
produção do café:

[...] a metade da produção de café ficará pertencendo à mesa da


respectiva irmandade, sob a fiscalização do juiz de direito e do
presidente da Câmara Municipal, a administração e o governo da
colônia, por modo que dela resulte o maior proveito para o País, para
os colonos e para a casa de Caridade, organizando-se o necessário
regulamento para manutenção da ordem e disciplina, regularidade
dos serviços e fiscalização da receita e despesa. Os libertos e
ingênuos que não quiserem permanecer na colônia, e os que dela
forem expulsos por viciosos, desordeiros e vadios incorrigíveis,
perderão o direito a todos os favores e vantagens, podendo a
administração admitir em lugar deles pessoas livres por sua pobreza,
bons costumes e hábito de trabalho se tornarem dignos dessa
proteção, e bem assim os ingênuos que o Governo quiser para ali
enviar, a fim de serem educados e aplicados ao trabalho nas
condições acima declaradas. (Testamento da Condessa do Rio
Novo)

A liberdade e o acesso à terra, concedidos em testamento, além do


sentimento de caridade cristã e da transformação no pensamento sobre a
emancipação, foi também uma estratégia para garantir a “paz na senzala”58,

58 As expectativas de liberdade e de acesso à terra fariam um “papel estabilizador” para o


sistema nos grupos familiares, pois “[...] as expectativas de conflito, indefinidamente recriadas

105
pois o trabalho podia ser desorganizado por motivos diversos (fugas, rebeliões,
crimes, formação de quilombos).
As condições impostas no testamento aos libertos garantiram a
subordinação aos brancos, dependentes do julgamento destes pelas suas
ações, para manterem-se ou não nas terras “herdadas”. (AZEVEDO, 1987, p.
205-206)
Como vimos, uma documentação pode fazer emergir informações que,
interpretadas analisando-se o seu contexto, demonstram sentimentos,
necessidades, intenções, entre outros.

pela escravidão deviam tender a tornarem-se mais modestas”. (FLORENTINO; GÓES, 1997, p.
90).

106
3 O LIBERTO NA COLÔNIA AGRÍCOLA NOSSA SENHORA DA PIEDADE

Neste capítulo abordaremos o cotidiano dos libertos na colônia agrícola,


bem como as relações com as suas famílias, com a sociedade e com a
administração empreendida pela Irmandade ou Casa de Caridade. Além de
analisar o contexto fundiário no Brasil, os poderes políticos e econômicos dos
fazendeiros do final do século XIX e início do século XX e a questão dos
arrendamentos e dos aforamentos das terras.

3.1 DE ESCRAVO A COLONO

A maioria dos libertos após a abertura do testamento permaneceu na


Fazenda de Cantagalo, formando a colônia agrícola proposta pela Condessa,
condição assentada para o acesso à terra. Ficariam com os lotes para produzir
cereais de subsistência e comercializar, aqueles que trabalhassem pelo
sistema de parceria59, dividindo a produção de café com a Irmandade Nossa
Senhora da Piedade, fundada com o objetivo de administrar a colônia.
Nas discussões com relação à abolição da escravatura, a maior
preocupação que se instalava referia-se à necessidade de mão de obra nas
lavouras. Os senhores de escravos só conseguiam ver a solução através da
imigração, isto é, na mão de obra estrangeira. (COSTA, 1997, p. 109)
Desde o governo de D. João VI, tentativas de colonização com
imigrantes alemães, suíços ou açorianos foram feitas, com o objetivo de povoar
o Brasil60. A maior parte dessas experiências não deu certo, o que acabou

59 “Por parceria entende-se uma reunião de indivíduos para um fim de interesse comum; um
contrato pelo qual alguém cede a outro uma terra para ser cultivada, repartindo-se os frutos
entre ambos na proporção que estipularem. É uma combinação entre proprietário e
trabalhador, onde o uso da terra feito pelo parceiro é pago com parte da produção. Para saber
mais sobre esse sistema utilizado pela primeira vez no Brasil, em São Paulo, ler Thomaz
Davatz. I (1850). São Paulo: Ed. Itatiaia, 1980; apud: CARVALHO, Rosane Aparecida
Bartholazzi de. Imigrantes italianos em uma Nova Fronteira – Noroeste Fluminense (1896-
1930). Dissertação de Mestrado. Vassouras: USS, 2001, p. 86.
60
O sistema de colonato “[...] esteve associado à imigração pelo menos até meados do século
XX, com participação limitada da população nacional”.[...] A imigração africana, assim como a
mão de obra liberta, era considerada inapta, desqualificada para o trabalho livre na condição de
pequenos proprietários rurais. Sobre o assunto ver: SEYFERTH, Giralda. Colonização,
imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 117-149,
março/maio 2002.

107
reforçando a opinião dos que eram contra essa iniciativa. Defendia-se a ideia
de que o país precisava de braços para a lavoura e não de núcleos de
povoamento, alegando serem estes, altamente dispendiosos para o governo.
Em contrapartida, existiam aqueles favoráveis à colonização em larga
escala, possibilitando o acesso à terra aos imigrantes. O governo continuou
tentando introduzir colonos estrangeiros no Brasil, apesar dos insucessos.
Em São Paulo e no Rio de Janeiro, os pequenos núcleos coloniais que
se formaram enfrentavam dificuldades maiores do que os fundados em Santa
Catarina ou no Rio Grande do Sul. Faltavam mercados, não conseguiam
progredir em meio a grandes propriedades que funcionavam de maneira
autossuficiente, sem possibilidades de fazer escoar seus produtos para centros
urbanos mais próximos.
As melhores terras, as mais férteis, com o melhor acesso, estavam nas
mãos dos grandes proprietários, monopolizadas. (COSTA, 1997, p. 116)
Para combater o monopólio da terra, muitos sugeriam uma reforma
agrária, substituindo o latifúndio monocultor pela pequena propriedade de
policultura. Lacerda Werneck criticou o monopólio do solo em 1855, dizendo
que o desenvolvimento da pequena propriedade necessitava da ampliação do
crédito rural.
Em 1868, Quintino Bocaiúva falava da necessidade de uma lei que
taxasse as terras baldias, de uma reforma nos costumes e tradições do
trabalho agrícola, para facilitar a subdivisão das grandes propriedades e a
instalação de grupos coloniais.
Henrique de Beaurepaire Rohan, em 1878, afirmava:

O retalhamento da grande propriedade territorial é, com efeito, uma


condição indispensável ao desenvolvimento de nossa lavoura, muito
mais quando estiver de toda extinta a escravidão. (COSTA, 1997, p.
36)

A experiência com os núcleos de colonização estrangeira não deu certo,


em parte, porque os fazendeiros, em sua maioria, só tinham interesse em
explorar a mão de obra imigrante. Os latifundiários no Brasil nunca
pretenderam perder essa posição na sociedade; e os imigrantes vinham para o
Brasil com a expectativa de se tornarem pequenos proprietários. Nem mesmo
Vergueiro, pioneiro das colônias de parceria, inicialmente com imigrantes

108
portugueses, posteriormente com italianos na sua fazenda em Ibicaba,
pensava de maneira diferente. Pretendia, antes de tudo, resolver a falta de
braços em sua propriedade. Depois de muita discussão sobre o assunto
(pensou-se inclusive no imigrante chinês), os cafeicultores e os poderes
públicos, provincial e federal, passaram a incentivar a imigração europeia.
(IANNI, In HOLLANDA, 1997, p. 306-307)
A Fazenda de Cantagalo não tinha carência de mão de obra, pois
possuía mais de 200 escravos, isto é, um alto valor de capital investido, sujeito
a um grande risco: a abolição. Qual seria a maneira de não perder todo esse
capital, mão de obra, propriedade, patrimônio, como bem quiseram denominar
os escravos?
Mesmo com todos os argumentos sobre as vantagens da imigração e do
trabalho livre, até 1880, a maioria dos fazendeiros acreditava ser impossível
substituir a mão de obra escrava. (COSTA, 1997, p. 36-37)
A condessa pretendeu utilizar aquela mão de obra, fazendo “arranjos”
que pudessem mantê-la na fazenda, mesmo após a abolição. Foi uma forma
de “amarrar” o liberto. “Tratava-se de mudar para manter”. Assim como os
imigrantes, os escravos também tinham as suas expectativas com relação à
terra, como observamos no capítulo anterior. A possibilidade de possuir terras,
em uma sociedade que não possibilitava essa prerrogativa aos pobres, era o
suficiente para que permanecessem depois de sua libertação naquela
fazenda.61
Por pertencer à zona antiga de café, considerada decadente, aquele tipo
de fazenda não atraía os imigrantes, que escolhiam zonas de maior
produtividade para se estabelecerem. (COSTA, 1997, p. 36)
Sobre a afirmação acima, percebe-se no inventário alguns dados que
trouxeram questionamentos sobre a “baixa produtividade” da Fazenda de
Cantagalo, pois a propriedade ainda possuía matas virgens e muitos pés de

61
“A Lei de Terras de 1850” determinava que, a partir daquela data, a terra só poderia ser
adquirida por compra, proibindo-se o acesso via posse. O país, no entanto não foi
transformado em uma imensa região de fronteira fechada (terras apropriadas). Mas em áreas
de ocupação antiga, ela solidificou um monopólio anteriormente constituído. (MOTTA, In:
SILVA, 1989, p. 112)

109
café novos. Observemos abaixo o trecho do inventário da condessa, no que diz
respeito aos bens imóveis.

Duzentos e vinte e cinco alqueirez de terras parte em campo parte


em cafesaes....................................................................33:750.000.
Nove ditos occupados por 36.000 péz de café no Sítio de
Sant’Anna............................................................................1:800.000.
95 alqueirez de terras em mata virgem..............................38:000.000.
25.000 pés de café velho, vertendo para a Estrada União e Indústria,
no lugar denominado duas porteiras....................................1:500.000.
25.000 ditos novos dividindo com o Valle da Companhia União e
Indústria e terminando na caixa da água.............................5:000.000.
50.000 ditos começando da caixa da água ao Sítio do Germano até
aos Pinheiros.....................................................................15:000.000.
20.000 ditos começando nos Pinheiros e terminando na pedra do
João Cabra...........................................................................6:400.000.
100.000 ditos até a grota do Domingos Serra....................24:000.000.
15.000 ditos no Morro do João Cabra vertendo para a linha
férrea................................................................................1:200.000.
20.000 ditos de deiz annoz no Sítio de Sant’Anna...............6:400.000.
36.000 ditos de trez annoz no mesmo sítio........................10:080.000.
(Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho,
Condessa do Rio Novo)

As informações demonstram que “[...] as imagens interligadas do cafezal


velho e improdutivo, do fazendeiro pré-capitalista e do escravocrata
empedernido [...]”, utilizadas para caracterizar a economia e a sociedade do
Vale do Paraíba, no final do Império têm sido refutadas pelas novas pesquisas.
(SLENES, In: COSTA, 1986, p. 106)

Segundo Fragoso, nas propriedades agrícolas de Paraíba do Sul,


descritas em inventários post-mortem de 1880, 57% dos cafezais
tinham menos de 16 anos de idade (isto é, eram novos ou na sua
idade mais produtiva) e 25% das terras ainda eram matas.
(FRAGOSO, apud, SLENES, In: COSTA, 1986, p. 137)

A fazenda de Cantagalo não estava decadente na década de 1880,


possuindo no total, 327.000 pés de café. Estratégias de manutenção da
produção deveriam ser pensadas, a fim de uma preparação para o advento da
abolição da escravatura, pois este era inevitável.
Assim a condessa, enquanto viveu, conseguiu garantir a mão de obra
em sua fazenda, pois prometeu a liberdade e o acesso à terra aos seus
escravos. A questão foi colocada, registrada em testamento.

110
Consta, no inventário, uma análise feita pelo Dr. Antonio Luz dos Santos
Werneck62, com as seguintes considerações em relação aos direitos dos
libertos:

[...] a testadora ordena o estabelecimento, n’essa colônia, de duas


escolas para educação dos menores d’ella e da circunvizinhança;
determina a distribuição entre os colonos de lotes de terras e de
cafesaes, metade de cujo producto líquido lhes pertence,
pertencendo a outra metade à Casa de Caridade, expõe a maneira
por que deve ser feita a administração da mesma colônia, regula os
casos de expulsão e os de admissão de novos colonos, que poderão
ser pessoas livres. Esta última circunstância denota evidentemente
que “os libertos e ingênuos e seus descendentes” não são
proprietários da fazenda de Cantagallo, mas simplesmente – colonos
privilegiados, como que emphytheutas ou senhorios do domínio útil
da mesma fazenda transformada pelo testamento em colônia
agrícola. [...] (Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de
Carvalho, Condessa do Rio Novo)

Como dissemos anteriormente, à primeira vista parecia que os libertos e


os seus descendentes tinham conseguido a propriedade das terras. Passados
os 50 anos estipulados no testamento para a duração da colônia, eles seriam
os donos da terra. Portanto, era só uma questão de tempo. Mas qual a garantia
de que os administradores, por outros motivos, não aqueles descritos no
testamento (vadiagem, desordem, vícios), não se aproveitariam dessa
disposição para colocá-los fora das terras e fazer o que bem quisessem? O
que a condessa poderia ter feito para evitar que os futuros administradores não
se preocupassem mais com a instituição “Casa de Caridade”, do que com o
grupo de libertos, o qual, por merecimento, dívida moral e social, conseguiu o
acesso a uma parcela de terra, para evitar a sua desagregação e a de seus
descendentes na sociedade? Observemos ainda mais, a análise do testamento
feita pelo Dr. Werneck:

[...] As seguintes disposições posteriores do testamento não deixam a


menor dúvida sobre a verdade da primeira deducção e accentuam
suficientemente a segunda: “Si o poder legislativo negar a necessária

62
Na folha 6 do inventário consta a seguinte informação sobre a necessidade dessa
interpretação: “O testamenteiro só deseja que em vista de ampla e lúcida discussão entre os
herdeiros e a legatária o meritíssimo juiz decida dos direitos d’elles de modo a ver respeitada a
vontade da testadora quando diz: que o testamento seja cumprido de modo que de suas
disposições não resultem prejuísos ou incommodos aos seus parentes e herdeiros.”

111
dispensa para que possa a Casa de Caridade adquirir e possuir estes
bens de raiz, passará a fazenda com todos os seus acessórios a ser
propriedade em comum de todos os meus libertos e de seus
descendentes” “ficando obrigados a constituírem-se durante esse
tempo (50 annos) em colônia” “findos os 50 annos ficará emancipada
a colônia e poderão os meus libertos e seus descendentes, que então
existirem partilhar entre si as terras...” É pois, líquido que assim como
não podem os colonos dispor da fazenda como bem queiram, não é
também d’ella senhora absoluta a Casa de Caridade, pois não pode,
por autoridade do próprio domínio expulsar os colonos, salvo em
hyppothese determinada. Os direitos de uma parte limitam os direitos
da outra e os de ambos se completam.63 (Inventário do espólio de
Mariana Claudina Pereira de Carvalho, Condessa do Rio Novo)

A condessa utilizou a expressão “meus libertos”, mostrando como era


forte a noção de domínio e de posse do poder senhorial. As terras em que iriam
trabalhar pertenciam à condessa, ambos eram suas propriedades, tendo ela o
poder de determinar o futuro das suas terras e dos seus libertos.
Sendo assim, determinou que os libertos fossem os proprietários de toda
a fazenda e que se instalasse o regime de colonato por 50 anos se “[...] o
Poder Legislativo negasse a necessária dispensa para que a Casa de Caridade
adquirisse e possuísse os bens de raiz”. Depois desse tempo, poderiam
usufruir a terra sem a interferência de terceiros, mas deixou claro que a
expulsão poderia ser feita pelos motivos descritos no testamento. Como o
Poder Legislativo reconheceu a Casa de Caridade como a real proprietária da
fazenda, os libertos seriam apenas colonos em propriedade transferida de
mãos, por 50 anos, permanecendo subordinados. Esse poder colocado nas
mãos da Irmandade, ou Casa de Caridade, dava a chance de descartar os
libertos da terra quando sua mão de obra não se fizesse necessária, ou quando
se apresentassem outros interesses mais rentáveis que o agrícola. Mas, caso
conseguissem expulsar uma parte desses libertos da terra, esta não poderia
ser “[...] alienada, mas perpetuamente conservada como patrimônio da Santa
Casa e fundo da colônia agrícola [...]”, conforme dizia o testamento. Expulsar a
totalidade dos libertos seria improvável e os que permanecessem poderiam
reclamar e o fizeram como veremos nos capítulos seguintes.

63
Retiramos da interpretação do Dr. Antonio Luz dos Santos Werneck, somente os trechos
referentes aos libertos e à Casa de Caridade os quais constavam os direitos e os deveres de
ambas as partes.

112
Mas será que seriam ouvidos? O que significava ser liberto na sociedade
brasileira, no final do século XIX? Na vivência concreta, não apenas na lei,
eram considerados e respeitados como indivíduos livres? O que se esperava
deles?
Os libertos da fazenda de Cantagalo ganharam a liberdade, mas a
condição para continuarem na terra era a submissão aos desejos da condessa.
Seus deveres na terra eram maiores do que os seus direitos. Deixaram de ser
escravos, mas mergulharam na “desigualdade liberta”. “O estigma da
escravidão estava irredutivelmente associado à cor de sua pele e, sobretudo, à
sua origem”. (REIS, 1999, p. 105-106)

Não raramente o escravo alforriado de forma gratuita acabava


recebendo, na prática, uma espécie de “alforria futura” (palavra que
não existe nos documentos), assinalando que a alforria estava
concedida ao negro e a seus filhos mas que, por alguns anos, ou
mesmo por uma vida, eles ainda teriam de servir ao dono, ou aos
filhos e à mulher do senhor. Isso implica que somente depois disto
estariam estes falsos forros realmente livres para enfrentar o mundo
da desigualdade pura, não mais uma desigualdade escrava. Para a
contabilidade escrava, por assim dizer, estes casos constituem mero
lançamento futuro, visto que o forro continua literalmente vivendo a
mesma vida, os mesmos vínculos de dependência, e não raro a
mesma sensação de insegurança com relação aos seus próprios
destinos.[...] (BARROS, 2009, p. 130)

Com os escravos da Fazenda de Cantagalo aconteceu que, após a


morte da condessa, tornaram-se livres. Entretanto, com relação às terras,
tornaram-se “falsos proprietários”. Do mesmo modo que Barros apontou a
situação dos “[...] falsos forros” quanto à “sensação de insegurança aos seus
próprios destinos [...]”, percebe-se que, na experiência dos libertos na colônia
agrícola, deu-se o mesmo com relação ao destino da propriedade da terra.
Curvaram-se ao sistema de parceria64. Embora esse sistema não tenha
dado certo com os imigrantes, anos antes nas fazendas da província de São
Paulo e em alguns núcleos coloniais da província do Rio de Janeiro, foi
escolhido pela condessa para a organização do trabalho livre em sua fazenda,
após a sua morte. A despeito do fato de que esse sistema tenha se
apresentado como solução ideal para o problema de mão de obra no Brasil, por

64
Não faz parte de nossa pesquisa, um estudo detalhado da parceria no Brasil. Já realizado por
inúmeros autores.

113
volta dos anos de 1860, estava desmoralizado no país e no exterior. (COSTA,
In: HOLLANDA, 1997, p. 147)
É preciso destacar que, embora o sistema de parceria não tenha tido
sucesso, a imigração estrangeira continuava a ser vista como a solução para a
mão de obra, e a escravidão, como um dos entraves à sua promoção.

Em 1875 escrevia João Elisário de Carvalho Montenegro,


proprietário das Colônias Nova Louzã e Nova Colômbia –
consideradas, na época, modelares – que enquanto existisse no
Brasil “essa mancha negra chamada escravidão” não poderia haver
imigração. Comentava que os estrangeiros tinham certa repugnância
e prevenção em trabalhar lado a lado com escravos e afirmava que a
permanência do sistema escravista dava azo para que na Europa se
espalhasse uma série de ideias desmoralizadoras sobre o Brasil.
Concluía afirmando que a falta de braços para a grande lavoura
decorria, em parte, da permanência da escravidão. (COSTA, In:
HOLLANDA, 1997, p. 178)

A “mancha negra” não era só a escravidão, mas também os escravos,


pois aquele senhor não cogitara a ideia sobre o aproveitamento da mão de
obra liberta, mesmo porque a mão de obra que a substituiria sentia
“repugnância” ao trabalhar a seu lado. Não se incomodavam pelo escravo, pelo
seu destino ou situação, mas sim com a sua presença.
Para José de Souza Martins (1986, p. 18)

As novas relações de produção, baseadas no trabalho livre,


dependiam de novos mecanismos de coerção, de modo que a
exploração da força de trabalho fosse considerada legítima, não
mais apenas pelo fazendeiro, mas também pelo trabalhador que a
ela se submetia. Nessas relações não havia lugar para o trabalhador
que considerasse a liberdade como negação do trabalho; mas,
apenas para o trabalhador que considerasse o trabalho como uma
virtude da liberdade.

Segundo aquele autor, o trabalhador que via o trabalho como virtude


tinha que ser buscado em outro lugar, pois, entre os escravos, não haveria
possibilidade de aparecer um trabalhador desse tipo, uma vez que, para o
escravo, liberdade significava o “não-trabalho”. (CARDOSO, apud, MARTINS,
1986, p. 17)65

65
A historiografia paulista da década de 1970 se destaca entre os inúmeros trabalhos que
abordaram os libertos como incapazes de se integrarem à sociedade de forma positiva. Ver
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na

114
Essa afirmação foi desmentida pela experiência da Colônia Agrícola
Nossa Senhora da Piedade. O sistema de parceria não foi positivo para os
libertos, por motivos que apresentaremos no segundo segmento deste capítulo.
Contudo, a experiência da colônia agrícola foi importante para demonstrar e
comprovar que eles tinham condições de se ajustarem na sociedade.66 Esse
ajustamento se daria, não fosse o preconceito que os colocaram muito abaixo
de suas possibilidades e a falta de interesse político nacional em reformar o
sistema agrário latifundiário e monopolista, em uma sociedade elitista, com
total domínio econômico e político, arraigada na defesa de seus interesses.
Alguns meses após a sua libertação, os libertos foram mencionados67 no
Jornal “Gazeta de Notícias”, em 30 de outubro de 188268. (JORGE, 2012, p. 93-
95) Em um relato de proporção considerável, o referido jornal informava as
condições pelas quais receberam da “benemérita doadora” as suas “alforrias
gratuitas”. Elogiava a administração da Irmandade, bem como o
comportamento deles, os quais se encontravam dedicados ao trabalho e
disciplinados. Não levavam uma vida desordenada e nem fugiam do trabalho. A
Irmandade tinha fundado um hospital para os antigos escravos e para
quaisquer pobres. Na época, 21 doentes encontravam-se internados.
Segundo Jorge (2012, p. 95), aquele “[...] jornal carioca foi fundado em
agosto de 1875 por Manuel Carneiro, Elysio Mendes e Ferreira de Araújo.[...]”
Tendo circulado até 1942, recebeu a colaboração de “[...] Machado de Assis,
Euclides da Cunha, Capistrano de Abreu e José do Patrocínio, com o
pseudônimo de Prudhome iniciando a sua campanha pela Abolição.” 69

sociedade do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. FERNANDES,
Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática, 1978.
66
Mostrando a capacidade dos escravos na inserção e luta pelos seus ideais, em uma
historiografia mais recente (1980 a 2005), ver CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade:
uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Cia das Letras,
2003 e MATTOS, Hebe Maria. Das Cores do Silêncio. Os significados da liberdade no
Sudeste Escravista. Brasil, Séc. XIX. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1998.
67
ANEXO XII.
68
Acervo Biblioteca Nacional.
69
“Lançou-se no jornalismo em 1877, quando entrou para a Gazeta de Notícias, como redator,
tendo a seu cargo a ‘Semana Parlamentar’, que assinava com o pseudônimo Prudhome. Dois
anos depois iniciou nesse periódico a campanha pela Abolição, juntamente com outros
jornalistas, tais como: Ferreira de Meneses, na Gazeta da Tarde, Joaquim Nabuco, Lopes

115
Embora José do Patrocínio seja considerado um abolicionista mais
radical do que Joaquim Nabuco, percebemos através daquela notícia, que
circulava no jornal em que promoveu campanha abolicionista, a intenção clara
de defender a libertação dos escravos inserindo-os na sociedade com o
acompanhamento e a delegação da classe dominante, no caso, da Irmandade
administrada por representantes dessa classe.
Dois anos se passaram, chegamos a 1884. O Boletim nº 3 da Sociedade
Central de Imigração do Rio de Janeiro70 registra, através de um relatório do Sr.
Dr. Ennes de Souza71, mais informações sobre a colônia pesquisada. O
documento é extremamente importante por ser um dos poucos que informam
sobre o cotidiano dessas pessoas que, se mostram como “seres humanos”,
com anseios, desejos e sentimentos.
Segundo aquele documento, a liberdade não modificou o interesse pelo
trabalho e o acesso à terra contribuiu para que esse interesse se ampliasse.
Acreditavam que as condições para expandir as suas potencialidades e
capacidades tinham-lhes sido verdadeiramente concedidas. A liberdade não
significava o “não-trabalho”. Isso se tornava realidade onde não havia
perspectivas, investimentos e nem oportunidades. O “não-trabalho” existe,
geralmente, quando há barreiras construídas pela própria sociedade.
Alguns libertos exerciam outros ofícios, não de lavradores, fora da
colônia. Contudo, mantinham “suas terras” em cultivo, trabalhadas por eles ou
por trabalhadores livres (negros ou brancos). Inclusive, quatro libertos, que
tinham uma dupla jornada, trabalhavam na administração da colônia,
juntamente com a irmandade da Casa de Caridade.

[...] o universo rural do século XIX gerava inúmeros espaços comuns


de socialização entre livres, forros e escravos. Nesse sentido, o
espaço das vendas aparece como privilegiado. Neles, os escravos
vendiam boa parte do que produziam, compravam o que precisavam,
negociavam serviços com livres e forros que, na maioria das vezes,

Trovão, Ubaldino do Amaral, Teodoro Sampaio, Paula Nei, todos da Associação Central
Emancipadora.” http://www.letras.ufmg.br/literafro/data1/autores/84/dados2.pdf Acesso em:
15.10.2014.
70
ANEXO XIII.
71
Segundo Santos (In: FILHO, 2000, p. 65), o Dr. Ennes de Souza era comprometido com a
abolição e com as reformas sociais.

116
eram tão negros ou mulatos quanto eles mesmos. Assim, não seria
surpresa verificar que as crianças que viveram nos últimos anos da
escravidão e as primeiras décadas da liberdade já contassem com
fortes alianças no mundo dos livres. (RIOS e MATTOS, 2005, p. 163)

Provavelmente, por fazerem parte daquele “universo rural do século


XIX”, informado pelas autoras acima, os libertos da colônia agrícola Nossa
Senhora da Piedade já possuíam ligações com indivíduos livres no que tange
às questões econômicas de produção familiar e da prática de alguns ofícios,
antes mesmo da libertação. Após terem sido libertados deram continuidade.
Outro fato percebido pelo visitante foi com relação à forma como os
libertos se agrupavam nos lotes. Dividiam-se em africanos e crioulos, unindo-se
por famílias, afeições e interesses mútuos. Com isso, em cada lote edificavam
uma casa ou mais.
Essa divisão na colônia agrícola entre os dois grupos: africano e crioulo
requer uma análise mais aprofundada, além da informação fornecida naquele
documento. Sendo assim, faremos algumas considerações a seguir.
Os africanos na fazenda de Cantagalo perfaziam um total de 53 adultos
e 1 ingênuo. O número de mulheres era de 19 e o de homens, 34. 16 mulheres
e 29 homens trabalhavam na lavoura; 3 homens eram pedreiros; 3 mulheres
faziam o trabalho de cozinheira, engomadeira e serviço doméstico; outros 2
homens eram carreiro e feitor. 6 africanos tinham de 40 a 49 anos (3 homens e
3 mulheres) ; 37, de 50 a 59 anos (23 homens e 14 mulheres); e 10, de 60 a 72
anos (8 homens e 2 mulheres). Trabalhando na lavoura, encontravam-se 5
escravos de 40 a 49 anos; trinta e dois de 50 a 59 anos e oito de 60 a 72 anos.
Os pedreiros tinham 55, 60 e 70 anos. O carreiro tinha 52 anos; a cozinheira,
53 anos; a engomadeira, 54 anos; o feitor, 48 anos e o de serviço doméstico,
53 anos.
A idade dos africanos variava de 40 a 72 anos, sendo que os
trabalhadores da lavoura, em sua maioria, tinham mais de 50 anos. Para uma
atividade agrícola que estava para ser iniciada na colônia, possuíam idade
avançada, ou seja, havia um número baixo de mão de obra para um trabalho
eficiente em suas parcelas de terra.
Quanto aos crioulos, atingiam o número de 141 adultos e 45 ingênuos,
sendo 82 homens e 59 mulheres. Suas idades variavam de 10 a 70 anos. De

117
10 a 20 anos: 19 homens e 10 mulheres; de 21 a 30 anos: 26 homens e 20
mulheres; de 31 a 40 anos: 20 homens e 21 mulheres; de 41 a 50 anos, 12
homens e 4 mulheres; de 51 a 60 anos, 3 homens e 4 mulheres; de 61 a 70
anos, 2 homens. As mulheres tinham em média somente 1 filho (22 mulheres);
10 tiveram 2 filhos e somente uma teve 3 filhos. Na lavoura trabalhavam 67
homens e 52 mulheres; pedreiros eram 2; carreiro, 1; cozinheiros, 3; alfaiate, 1;
feitor, 1; carpinteiros, 6; e em serviços domésticos, 1 homem e 7 mulheres.
Os crioulos, em sua maioria, eram jovens com potencial produtivo
inversamente alto em relação aos africanos. Somente 25 escravos possuíam
mais de 41 anos. Os 116 escravos restantes tinham de 10 a 40 anos, sendo
que 88 destes eram maiores de 21 anos.
Conclui-se que a separação em africanos e crioulos no interior da
colônia teve como explicação um confronto de gerações que, já deveria existir
na ex-comunidade escrava da fazenda de Cantagalo; como também um
interesse dos crioulos em se separar do grupo com menor capacidade
produtiva.
A idade avançada do plantel africano se explica pela paralisação do
tráfico atlântico. Como não havia mais renovação, esse grupo envelhecia
naturalmente.
Já o número de crioulos aumentava, abastecido pelo tráfico
interprovincial e, como inferimos anteriormente, pela reprodução incentivada
não só pela condessa, mas por outros fazendeiros do Vale do Paraíba, os
quais poderiam também negociar entre si, os escravos nascidos antes de 1870.
A segunda opção pode ser observada nas listas dos escravos libertados com a
quantidade de ingênuos (quarenta e seis), mas também com o número de
escravos nascidos na província do Rio de Janeiro (noventa e seis). Quase 60%
dos escravos da fazenda de Cantagalo tinham nascido nessa província.
Quanto às mudanças citadas acima, Rios e Mattos (2005, p. 153) nos
dizem que,

[...] a historiografia tem privilegiado as mudanças internas aos


grandes plantéis decorrentes do fim do tráfico transatlântico, que
tiveram fundamental importância para as comunidades escravas.[...]
a contínua chegada de diferentes nacionalidades, muitas vezes
rivais, criava uma fonte de conflitos que se reiterava no tempo. Os
escravos tiveram que criar e recriar inúmeras estratégias para lidar
com suas rivalidades internas, que eram essenciais à sua própria

118
sobrevivência, e regrar o acesso aos recursos e à família. O
parentesco e as estratégias de aliança, dentre as quais o compadrio
foi a mais visível, deveram muito a essa necessidade de superação
dos conflitos internos às escravarias. Com o fim do contínuo afluxo
de estrangeiros, normalmente homens jovens, as comunidades
escravas tenderam a se cristalizarem e ampliarem o acesso à família
para os já estabelecidos nas fazendas, já que a relação entre
homens e mulheres se normalizava para as gerações nascidas no
cativeiro. Os novos “estrangeiros” passaram a ser os provenientes
do tráfico interno, que não reviviam nenhuma rivalidade ancestral, e
para os quais o acesso à comunidade já estabelecida, indispensável
para o novo cativeiro, deveria ser feito com a aceitação desta.

Segundo Couceiro e Araújo (2003, p. 283), o número de crioulos em


relação aos africanos aumentava a cada ano que se passava. O aumento dos
plantéis nas fazendas escravocratas se fazia necessário não só pela
necessidade de mão de obra, mas também para que os cafeicultores
conseguissem empréstimos mais vultosos. “[...] Vários bancos emprestavam
dinheiro a longo prazo – 15 anos -, e sob juros bem favoráveis aos fazendeiros
[...]”, pois o retorno financeiro ficava garantido pelo número de escravos que
possuíam.

Nas regiões do Vale do Paraíba e do Oeste Paulista, a partir de


1870, foi feita a mais intensa movimentação de compra e venda de
escravos, uma vez que os cafeicultores já anteviram a queda dos
lucros com o café: tinham um tempo “definido” para conseguirem
buscar o máximo que pudessem com sua mercadoria, necessitando
cada vez mais da mão de obra escrava. [...] Definitivamente, o
escravo havia se tornado a mais cara “mercadoria” nestas terras,
pois a mão de obra cativa continuava a ser lucrativa. (SLENES,
apud, COUCEIRO e ARAÚJO, 2003, p. 283)

Embora crioulos e africanos passassem por martírios parecidos na


escravidão, isso “[...] não fazia com que [...] fossem ‘parceiros’ em todos os
momentos, pois interesses distintos faziam com que [...] escravos entrassem
em confronto.” (COUCEIRO e ARAÚJO, 2003, p. 286)
Em uma comunidade escrava, as diferenciações geravam barganhas,
alianças e conflitos. Na origem do escravo: africano ou crioulo se dava a
primeira grande divisão. Mas, “[...] quando interesses maiores estavam em
jogo, ser crioulo ou africano não se tornava o mais importante e sim a parceria
que se estabelecia pelo interesse comum.” (COUCEIRO e ARAÚJO, 2003, p.
287)

119
[...]como as regras socioculturais não conseguem impor ao
comportamento dos agentes sociais um eterno padrão, o
aparecimento de um acontecimento inesperado, de uma variante
comportamental pode ser a chave de compreensão de relações
sociais no interesse de um determinado grupo. (MALINOWSKI,
1984, apud, COUCEIRO e ARAÚJO, 2003, p. 294)

Na comunidade liberta que estava se formando na colônia agrícola de


Nossa Senhora da Piedade, percebe-se que os dois grupos se separaram
então, como dissemos anteriormente, por um confronto de gerações, como
também pelo risco de prejuízos que poderia advir do ritmo de trabalho dos
africanos que possuíam mais idade.
Outra questão que chamou atenção foi quanto ao Dr. Ennes reconhecer
as terras ocupadas pelos libertos, como se estas realmente lhes pertencessem,
pois afirmava que se comportavam como pequenos proprietários. Destacara
que a Irmandade herdara outras porções de terra e somente assumira o dever
de administrar a colônia, uma vez que defendia a vinda de imigrantes para as
terras da Irmandade, de modo que estes pudessem se fixar ao lado das terras
trabalhadas pelos libertos.
O Dr. Ennes informava que, no dia de sua visita, os homens, em sua
maior parte, achavam-se trabalhando no campo e as mulheres estavam em
casa cuidando das crianças e de sua economia doméstica, modesta e
rudimentar. Adentrando suas habitações, reconhecera o contentamento
daqueles colonos por sua nova condição.
Segundo Rios e Mattos (2005, p. 169-174),

[...] a apropriação do trabalho infantil e das mulheres para a esfera


doméstica e de subsistência, com sua conseqüente retirada do
trabalho coletivo no eito (“gangs”) tem sido apontado como um traço
comum do pós-emancipação nas Américas.[...] retirar
progressivamente as meninas do trabalho no eito, trazendo-as para
a esfera doméstica, sugere que um projeto de família e de trabalho já
estava sendo gestado nas senzalas.[...] a proteção das crianças e da
família não foi o único valor a ser transmitido à geração que nascia
livre. A herança dos pequenos incluiu também a ilustração de
estratégias para obter respeito, aceitação, dignidade e até mesmo
admiração onde viviam.[...] Além da defesa dos filhos e da família, a
valorização do trabalho e da reputação apareceram como
importantes para a geração que conheceria a liberdade.

120
Percebe-se que, entre os libertos na colônia agrícola, em 1884, antes da
abolição, mas depois da alforria conseguida no testamento da condessa, os
valores familiares citados pelas autoras estavam presentes.
Como observou o Dr. Ennes de Souza, as “profecias apocalípticas” não
se concretizaram, pois houve a esperança de uma vida melhor e mais digna,
do que a vivência escravocrata. Os laços familiares concretizavam-se, o
respeito mútuo e a honestidade eram percebidos por visitantes, vizinhos e pela
própria administração. Parecia mesmo que as “reformas profundas”, tão
necessárias naquele contexto, tinham sido levadas a efeito.
Os libertos queixavam-se da “escassez de meios para realizarem seus
desejos de melhoramentos”, pois “pensavam” que as terras lhes pertenciam.
Esses desejos refletem as suas preocupações com a preservação da terra,
com o desgaste do solo pela reprodução extensiva (derrubada da mata e
incorporação de mais terra); adotada na região, desde o início de sua
ocupação. Esta necessitava ser modificada, já que nesse período a fronteira
agrícola encontrava-se fechada. Mas essas decisões de melhoramentos não
lhes competiam, visto que eram obrigados a obedecer à administração da
Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, se quisessem permanecer em seus
lotes.
O intelectual da Sociedade de Imigração informa ainda que 8 indivíduos
do sexo masculino se retiraram da fazenda após a libertação, preferindo
exercer os ofícios de “carapinas, ferreiros, pedreiros e cozinheiros” fora da
colônia, interessados em uma maior renda. Com isso, perderam o direito aos
lotes de terras concedidos pela condessa, em “harmonia com as disposições
testamentárias”. Alguns libertos voltaram, inclusive, um deles voltou no dia da
visita do Dr. Ennes. Deixara o ofício de cozinheiro na casa do Visconde de
Entre Rios, e queria um lote de terra para dedicar-se à lavoura, pois tinha se
casado e estava com um filho. Aqueles que permaneceram cultivando a terra
estavam em melhor situação comparados aos que foram embora. Como as
expectativas não foram atingidas, arrependidos, tentavam voltar.
Na última parte do documento, percebemos que a nova condição dos
libertos incentivou-os a constituírem famílias legais, sendo que, no capítulo
anterior, defendi a ideia sobre a existência da reprodução de escravos na
fazenda de Cantagalo, e das muitas famílias que já existiriam antes da

121
libertação. O fato de se realizarem 62 casamentos, no espaço de um ano,
legitimando os filhos que já possuíam antes do casamento, comprova o que
defendi anteriormente.
Outra informação importante fornecida pelo Boletim consistiu na
afirmação quanto à “boa índole” dos libertos que permaneceram na fazenda,
durante os meses que se seguiram após a leitura do testamento. Mesmo sem
um planejamento ou organização imediata da colônia, continuaram trabalhando
até a sua fundação, no dia 20 de janeiro de 1884, quando adotaram o sistema
de parceria.
A data da fundação da colônia coincide com o dia de São Sebastião,
padroeiro da cidade de Três Rios. No dia 20 de janeiro, comemora-se o dia do
padroeiro, que foi instituído como feriado. A fundação da colônia

[...] não foi instituída como uma data importante a ser comemorada,
impedindo-se que a memória fosse inscrita no tempo. Para
Benjamim, esse era um tipo de supressão, pois “o homem para quem
a experiência se perdeu se sente banido do calendário”. (BENJAMIM,
1989, apud: RODRIGUES, 2009, p. 307)

Chama atenção o registro de que os cafezais eram na maioria novos,


confirmando as informações do inventário e das pesquisas citadas
anteriormente.
Ao descrever as plantações de cana, afirma que as sementes foram
obtidas em fazendas vizinhas, com muitas dificuldades; denotando que a
administração promovida pela Irmandade, que deveria atender às
necessidades da colônia, como designado no testamento, não atendia à
demanda dos colonos que tinham que buscar os seus próprios meios para
desenvolver as suas culturas.
Quanto à produção de milho, de preferência dos libertos, foi a que mais
se desenvolveu. Isso demonstra igualdade de comportamento a qualquer outra
pessoa, independente de sua etnia ou de seu passado. A sua vontade de
trabalhar dependia de estímulos interiores que os impulsionavam a dar o
melhor de si naquilo que realmente lhes interessava.
O feijão, antes importado, triplicou a sua produção, demonstrando
também que a colônia poderia ter se tornado uma abastecedora de alimentos

122
para o mercado interno, uma vez que a população sofria e sofre com os altos
preços dos produtos.
Plantavam, ainda, amendoim, arroz, mandioca, batata, inhame e
banana. Destinado ao consumo dos colonos e de seus animais, esses
alimentos começaram a ser produzidos depois de fundada a colônia.
O tratamento que davam às plantações era bom, segundo o Dr. Ennes,
os cafezais estavam limpos, capinados e bem tratados. Plantavam milho entre
as plantas de café e o feijão entre os intervalos, para o bem da lavoura. As
laranjeiras eram abundantes por entre os cafezais, por toda a orla do caminho.
A estrada que percorria a colônia estava no melhor estado e desembocava na
Estrada União e Indústria, em Entre Rios.
Por fim, no documento aparece a construção de 58 casas pelos colonos,
em um período de um ano. As casas foram construídas separadas umas das
outras e independentes. Constituíam um povoado único, mas cada uma dentro
dos diversos lotes de terra.
Além de construírem as casas, produzirem as roças, cultivarem o café e
de alguns saírem da colônia para trabalhar em outros ofícios, deixou-nos a
impressão de que encaravam o trabalho como uma “virtude”, não como uma
tortura, desde que houvesse perspectivas.
Essas informações pertencem à primeira parte do relatório, em que pese
o fato de a continuação ter sido mutilada, segundo a observação encontrada no
documento, mesmo assim, tais informações nos fornecem uma imagem muito
clara daquela realidade tão pouco conhecida.
Os libertos da fazenda de Cantagalo mostraram que os imigrantes
estrangeiros não eram os únicos que poderiam assumir as novas relações de
trabalho, por não ter a escravidão como herança. A mão de obra existente no
país, se tratada com a responsabilidade social e política que o momento exigia,
certamente não teria em mente o “não-trabalho”. Mas exigir que continuasse
nos latifúndios, sendo explorada, sem direitos, sem mudanças, seria inviável.
Sendo assim, houve a necessidade, por parte da maioria dos latifundiários, de
se “forjar” uma imagem, tanto do ex-cativo quanto do trabalhador livre pobre
de: preguiçoso, ocioso, vicioso, caipira, ignorante, incapaz, lerdo, ou de outras
tantas denominações que fossem preciso, para explicar a vinda dos imigrantes.
Estes seriam mais adequados à “nova realidade” agrária brasileira.

123
Suas formas de vida e concepções de trabalho eram lidas, ora como
tendência inata ao ócio e à vadiagem, por causa das limitações
étnicas (raciais) da população (formada por negros e índios,
considerados, então “cientificamente” como raças inferiores), ora a
deformação da escravidão que “desvalorizava o trabalho”.
(CASTRO, apud, SILVA, 1989, p. 97-98)

Aqueles discursos visavam aperfeiçoar “mecanismos de controle social”


sobre aquelas camadas. O processo de encaminhamento do trabalho escravo
para o livre deveria ser, sob o ponto de vista dos proprietários, bem lento,
gradual e o mais seguro possível. Sendo esse processo inevitável, os arranjos
necessários para o aproveitamento da mão de obra existente nas fazendas
deveriam ser bem planejados, como já dissemos anteriormente, prorrogando a
utilização de imigrantes, principalmente nas regiões do Vale do Paraíba.
Percebemos que a Condessa do Rio Novo seguiu os elementos comuns
existentes, por exemplo, nos projetos defendidos por fazendeiros
(especialmente mineiros) no Congresso Agrícola realizado no Rio de Janeiro,
em 1878:

- educação básica profissionalizante para órfãos e ingênuos libertos,


de forma a forjar uma nova concepção de trabalho nas novas
gerações;
- formas de coerção legal para o trabalho, especialmente mediante a
obrigatoriedade de apresentação de contrato de trabalho para evitar
a incorporação compulsória em milícias rurais, polícias e tropas do
exército ou em “fazendas-escola” que o Estado deveria formar;
- formação de milícias rurais para a repressão à ociosidade;
- formas legais que impedissem que os próprios fazendeiros
oferecessem proteção a moradores em suas terras ou em áreas
vizinhas que não se tornassem em força de trabalho. (CASTRO,
apud, SILVA, 1989, p. 98-99)

E foi assim que os escravos da Fazenda de Cantagalo, libertados


condicionalmente, transformaram-se em colonos-parceiros em terras
administradas pela Irmandade de Nossa Senhora da Piedade.

3.2 OS PRIMEIROS ANOS DA COLÔNIA AGRÍCOLA

Da Irmandade e seus fins

[...] § 5º Distribuir aos adultos dessa colônia lotes de terreno a fim de


cultivarem cereais para sua subsistência, e lotes de cafesais para
beneficiarem e colherem os frutos, fazendo reverter a metade do
produto da venda em favor da Casa de Caridade.

124
§ 6º Admitir na referida fazenda pessoas que preencham as
condições declaradas no testamento da veneranda benfeitora, a
Condessa do rio Novo. (Compromisso da Irmandade de Nossa
Senhora da Piedade de Paraíba do Sul – 1903)

No segmento anterior viu-se a transformação dos escravos da Condessa


do Rio Novo em colonos-parceiros da Irmandade de Nossa Senhora da
Piedade, ao mesmo tempo em que avançava a decomposição do regime
escravista. Com o fim da escravidão, originou-se a “servidão”, consistindo o
sistema de parceria no aspecto mais expressivo desse sistema de exploração.
Foi nesse contexto que os libertos se inseriram.
Para as pessoas com conhecimento dessa história em nossa região com
as quais tivemos contato no início da pesquisa, a colônia agrícola consistiu em
uma reforma agrária que não deu certo, pois os libertos não queriam trabalhar
e, assim, entregaram-se à cachaça e aos batuques. Como os motivos
apresentados foram estes, não outros, muitos elogios são dispensados à
condessa, e pouco ou quase nenhum interesse foi dispensado aos libertos e à
sua trajetória nessa colônia agrícola.
Essa trajetória foi difícil e conturbada. O cenário descrito no segmento
anterior e a opinião do meio jornalístico sobre o cotidiano dos libertos na
colônia mudaram rapidamente. Em 1885, o jornal “O Provinciano”72, de Paraíba
do Sul, publicava uma notícia informando que os libertos da colônia agrícola de
Entre Rios73 não estavam agindo como “era de se esperar”, depois de terem
recebido “benefícios e auxílios de diversas ordens”. Não entregaram a metade
da produção de café à Irmandade, de acordo com a parceria; devastaram
matas, vendendo madeiras e lenhas. Compareceram à mesa administrativa e
declararam que iriam se apoderar das matas e que não entregariam o café
naquele ano novamente.

72
“Jornal bissemanal, editado em Paraíba do Sul, RJ, desde 01.07.1874, por Julio Alberto
Machado, impresso em formato tablóide na Typographia do Provinciano, na mesma cidade.”
Fonte: Biblioteca Nacional. (JORGE, 2012, p. 96) ANEXO XIV.
73
A Colônia Agrícola Nossa Senhora da Piedade passa a ser chamada de “Colônia de Entre
Rios” ou “Colônia de Cantagalo”. Tratava-se da mesma colônia. Veremos estas denominações
em vários documentos que utilizaremos aqui.

125
O jornal condenava a ação dos libertos, julgando ser uma intimidação,
um tumulto em massa, uma insubordinação, uma ousadia. Pedia providências
para combater o perigo público.
Se os libertos não estavam agindo como “era de se esperar”, a
Irmandade também não, pois em 1884 na visita do Dr. Ennes, citada
anteriormente, há o registro de que “[...] todos se queixavam do que todos se
queixam...da escassez de meios para realizarem seus desejos de
melhoramentos.” E assim como os libertos receberam “benefícios e auxílios de
diversas ordens”, a Irmandade também recebera, ou seja os dois grupos
tinham deveres a cumprir. Segundo o testamento da condessa,

[...] Da renda bruta da Colônia se deduzirá anualmente uma quota de


cinco por cento destinada à aquisição de animais, utensílios e
renovação de máquinas e obras que se inutilizarem. Os terrenos
próximos à estação de Entre Rios poderão ser divididos em prazos e
aforados ou arrendados, revertendo a renda a benefício da Casa de
Caridade.

Observamos que, do próprio trabalho dos libertos, da renda bruta da


colônia, seriam deduzidos 5% para investimentos necessários ao seu
desenvolvimento. Sendo assim, as reclamações dos colonos, anteriores à
acusação de “insubordinação”, estavam corretas, de acordo com o testamento.
Importante destacar, no trecho do testamento acima, os terrenos de
Entre Rios, próximos à estação, os quais a Irmandade teve o direito de aforar
ou arrendar, revertendo a renda para o seu benefício, a fim de cumprir com
outros desejos da condessa.
Mas, assim como havia críticas aos libertos, outros os defendiam. Um
impresso se dirigindo ao Imperador e ao Ministro da Justiça74, distribuído na
Corte dizia que o principal redator ou inspirador do Jornal “O Provinciano” era o
responsável pela má administração da colônia. As reclamações enérgicas junto
à Mesa da Irmandade e ao Presidente da Câmara tinham fundamento, uma vez
que “os pobres negrinhos” eram vítimas de espoliação, uma vez que não
tinham recebido o dinheiro que lhes era de direito. Nas duas vezes que um
“número crescido” de colonos estivera na cidade, não houve atos de

74
“Acervo Roberval Bezerra de Menezes – Titulares do Império – IHGB.” (JORGE, 2012, p. 97-
99) ANEXO XV.

126
turbulência, tanto que a sua estada nem fora percebida pela população que se
achava indignada com os abusos da Irmandade, segundo o autor do impresso.
A notícia de desacato ao Juiz de Direito era falsa, já que se acreditava que ele
nem mesmo fora procurado. Acusava-se o juiz de cúmplice “[...] pela inércia
com que se recusa a cumprir o dever que lhe impõe a lei, de fiscalizar a
Irmandade e fazer cumprir as disposições testamentárias dos beneficiados da
Casa de Caridade.” Estava se tentando burlar a opinião pública, abafar a “voz
das vítimas”. Denunciava-se que, nos livros da secretaria da Irmandade, não
constava o lançamento do pagamento dos lucros pertencentes aos libertos.
Pedia que o Imperador, “[...] o protetor dos fracos e oprimidos [...]”, lançasse as
“[...] suas vistas paternais sobre os pobres libertos.” O impresso termina
informando que “o advogado e seu fiel consórcio, o administrador da colônia”,
resolveram dar todo o dinheiro existente na tesouraria da Irmandade aos
reclamantes, por terem ficado “[...] aterrados e receosos da energia com que os
colonos gritam e denunciam e espoliação que sofrem [...]”, e mais, que aquele
dinheiro não era do café, pois “[...] este de há muito nutrem as roletas desta
cidade.”
Os libertos aparecem nessa narrativa como trabalhadores que
conheciam os seus direitos, exigiam que estes fossem cumpridos, sabendo a
quem recorrer.
No mesmo ano outra denúncia do mesmo teor da anterior, agora no
“Jornal do Comércio”, contra a Irmandade e o Juiz de Direito de Paraíba do Sul.
Afirma-se que o patrimônio deixado pela condessa encontrava-se

[...] Fundido e comido está ele, de há muito. Se alguma coisa sobrou,


foi, com certeza, consumida de parceria com os arrendamentos dos
prédios de Entre Rios; lance o governo de S.M. suas vistas para os
pobres colonos ex-escravos da Condessa do Rio Novo. Inquira ao
Juiz de Direito porque assiste impassível aos desmandos da mesa
regedora da Irmandade? Não consinta S.M. o Imperador que o
riquíssimo patrimônio dos infelizes e dos desgraçados, obra meritória
de tantos varões ilustres desta terra, e que os bens deixados aos
colonos pela ex-senhora tenha a sorte (sic), que teve a fortuna do Dr.
Ferraz de Abreu. A voracidade do administrador da colônia é
enorme, mais feliz que a jibóia, aquele estômago nunca conhece os
trabalhos da digestão. Quanto mais come, mais quer. Paraíba, 16 de
maio. (19.05.1885, p. 2; JORGE, 2012, p. 101)

Assim como apresentamos no primeiro capítulo, o ponto de vista de


populares, rejeitando comportamentos violentos com relação à escravidão,

127
novamente se faz presente na defesa do reconhecimento dos direitos dos
libertos da Condessa do Rio Novo. Não nos estranha a “energia” daqueles
libertos, pois vimos anteriormente o quanto os escravos negociavam e exigiam
que as suas conquistas fossem respeitadas. Caso contrário, as reações contra
os seus senhores seriam diversas. Uma vez libertos, davam continuidade às
suas lutas por permanências e por novas conquistas.

[...] Se a mobilidade espacial e o trabalho familiar aparecem como os


principais marcos definidores da nova experiência de liberdade, o
trabalho duro nos campos e a continuidade do poder dos fazendeiros
aparecem como os principais eixos de continuidade entre o tempo do
cativeiro e o tempo da liberdade. (RIOS e MATTOS, 2005, p. 121)

Com a afirmação de Rios e Mattos acima, entende-se o discurso em


plenário do Senador Martinho de Campos, comentado pelo Jornal “Diário do
Brazil”, sobre a “situação dos escravos no país”. Associava a “miséria” dos
libertos na colônia agrícola Nossa Senhora da Piedade à liberdade conseguida,
como podemos observar abaixo:

Para mostrar como muitas vezes a liberdade não faz mais do que
piorar a condição dos captivos, cita o orador o que tem ocorrido com
os que foram libertos por verba testamentária da Condessa do Rio
Novo. Hoje todo o empenho da instituição a quem pelo testamento
incumbe tratar de sorte desses libertos, constituídos em colônia é
que sejam elles remettidos para qualquer colônia militar. Quando por
lá andou o Sr. Conde d’Eu, os libertos cercaram-n’o, declarando que
nunca sofreram tanta miséria como depois que foram livres. E na
vontade, faz pena vel-os, sobretudo a quem os conheceu felizes e
contentes quando captivos.75

Defende a instituição responsável pela administração da colônia por ter


se empenhado na incumbência de “tratar da sorte” dos libertos, acusando-os
de que, mesmo assim, são fracassados. Mas o que está por trás dessa
narrativa? Por que o empenho não deu certo? Sofrem a “miséria” com a
liberdade, perdendo a “felicidade” de quando eram cativos? O senador tentava
convencer sobre a incapacidade do liberto em “tratar” da própria “sorte”, e quer
convencer que se, no “cativeiro”, eram felizes, o melhor era permanecer como
tal, ou sendo inevitável a abolição, que continuassem sob a “proteção” de seus
antigos senhores.

75
“Jornal ‘Diário do Brazil’, 19.09.1885- Acervo Biblioteca Nacional.” (JORGE, 2012, p. 99-100)

128
Na realidade, sabemos que a primeira administração da Irmandade,
como apontava o impresso distribuído na Corte, apresentava problemas. A
administração foi nefasta desde os primeiros anos da formação da colônia.
Segundo Sá (1944, p. 53), o provedor, Dr. Leandro Bezerra,

[...] não deixou relatório de seus atos e despesas nem escrita


regular, mas deixou a pagar, dívidas superiores a 76:000.000. Em
caixa só foram encontrados 180.000, que era todo o dinheiro livre e
disponível que havia.

O compromisso da Irmandade, a nossa breve explicação sobre o


sistema de parceria, e as notícias da época esclarecem que não houve
“reforma agrária” e tampouco os libertos agiram como ingratos que não
souberam aproveitar a oportunidade de se inserirem na sociedade como
sujeitos livres, de forma honesta e digna. Como dissemos anteriormente,
durante um período, acreditaram que estavam recebendo a “propriedade” da
terra. Todavia na verdade, apenas se transformaram em “colonos”, posição
intermediária entre o escravizado e o trabalhador assalariado.
Observemos a disposição do testamento:

[...] Os libertos e ingênuos que não quiserem permanecer na colônia,


e os que dela forem expulsos por viciosos, desordeiros e vadios
incorrigíveis, perderão o direito a todos os favores e vantagens,
podendo a administração admitir em lugar deles pessoas livres que
por sua pobreza, bons costumes e hábito de trabalho se tornarem
dignos dessa proteção, e bem assim os ingênuos que o Governo
quiser para ali enviar, a fim de serem educados e aplicados ao
trabalho nas condições acima declaradas. (Testamento da Condessa
do Rio Novo)

Um dos objetivos, então, era adequar o trabalho naquela fazenda ao


sistema de parceria, que poderia ser feito por qualquer um, pois o interesse em
uma mão de obra “obediente” recaía tanto no trabalhador livre, quanto no
liberto. O que mudou fora o sistema de trabalho que, de escravista, tornou-se
livre, na tentativa de adequação a uma nova realidade porvir (a abolição). O
que se oferecia, no testamento, eram “favores e vantagens”. Ficariam aqueles
que, por gratidão, se comportassem conforme os anseios da condessa.
Permanecia a dependência, a liberdade controlada e a submissão transferida
da condessa para a Irmandade.

129
O liberto (parceiro) não era um trabalhador independente. Poderia ser
visto como um trabalhador assalariado, que recebera em pagamento, por seu
trabalho na propriedade da Irmandade, um pedaço de terra e uma parte da
safra que cultivava. Teoricamente, pode-se falar em “posse da terra”, mas, na
prática, o liberto ficou ligado ao empreendimento, não se tornou proprietário da
terra.
Sendo assim, o relatório de 1884, do Dr. Ennes de Souza, demonstra as
dificuldades que os libertos enfrentaram desde o início da criação da colônia,
pois se queixavam da “escassez de meios para realizarem seus desejos de
melhoramentos” e, referindo-se à cana, informaram sobre as dificuldades que
encontraram para conseguir as sementes com a vizinhança. Tornou-se
impossível aquele projeto da condessa, devido, entre outros fatores, à falta de
investimentos necessários para o seu êxito.
A decadência da colônia agrícola, concomitante à decadência da
província fluminense, entre outros fatores que mostraremos mais tarde,
decorreu também do sistema de cultivo da terra, considerado o principal
causador da crise. (TEIXEIRA, In: SILVA, 1989, p. 61)
A empresa agrária constituída pelos cafeicultores em Paraíba do Sul,
independente da questão servil, “por suas características intrínsecas”, levaria à
sua crise. “Crise de esgotamento, local e de cunho destruidor, impossibilitando
a reprodução ‘ampliada’ na unidade produtora.” (FRAGOSO, apud, TEIXEIRA,
In: SILVA, p. 75)
Segundo Fragoso (apud TEIXEIRA, In: SILVA, 1989, p. 75):

A repetição no tempo de reprodução extensiva do sistema agrário


criaria progressivamente, na região do Paraíba do Sul, uma
disjunção entre dois movimentos que a formam. A esta situação
chamaremos de definhamento do sistema agrário. Em outras
palavras, gradativamente a fazenda de café veria a sua capacidade
de realização do segundo movimento – a reprodução através de
incorporação de novas terras – do processo de reprodução exaurido,
até chegar ao ponto de vivenciar, apenas devido à longevidade do
café uma reprodução anual, que no tempo já possuía seus limites.
Por conseguinte, a repetição em larga escala do sistema de uso da
terra e das técnicas a ele correspondente, levaria à ruína da
agricultura do café na região.

A fertilidade do solo não pode ser tratada “[...] tão somente como um
favor da natureza concedido a certas porções do solo uma vez e para sempre”.

130
Ela é variável e está estreitamente associada a “[...] mudanças de densidade
de população e relacionada com mudanças de métodos agrícolas”.
(BOSERUP, 1987, p. 10)
No caso da colônia agrícola, o problema da fertilidade do solo estava
associado aos investimentos para as mudanças dos métodos agrícolas,
somado à insegurança quanto à posse e ao uso da terra.
As populações da província fluminense destruíram mais do que
aperfeiçoaram as técnicas para o cultivo das terras cuja esterilidade foi
promovida pela não utilização de métodos e técnicas de preservação do solo.
Isso não quer dizer, porém, que não se pudesse recuperar a sua fertilidade,
estas não se tornariam estéreis para sempre. (BOSERUP, 1987, p. 21)
Portanto, as terras da colônia agrícola tinham condições favoráveis de
cultivo e de desenvolvimento, desde que: os libertos fossem “verdadeiramente”
os proprietários, não correndo o risco de perdê-las; a comercialização do
excedente de produção fosse feita para um mercado, onde o acesso fosse
facilitado pelos transportes possíveis de utilização, e feita diretamente pelos
libertos, pois intermediários costumavam extrair lucros excessivos de colonos
de uma maneira geral; os recursos financeiros estivessem disponíveis para
expandir suas culturas, modificando a reprodução extensiva não cabível em
uma região de fronteira fechada; a “Grande Tradição” da agricultura brasileira,
produção de safras comerciais e monocultora, fosse substituída pela policultura
para o abastecimento do mercado interno; não padecessem de fatores
ecológicos; não houvesse especuladores de terras e o Governo Brasileiro
estivesse, na época, propondo e aprovando leis de incentivo à reforma agrária.
Em que pese o fato de os insumos sistemáticos serem primordiais para
a colônia, muitas vezes o retorno sobre os investimentos em lavouras de
alimentos não era o suficiente para garanti-los. O custo para manter a colônia
era muito grande e sem investimento tornou-se inviável. (FORMAN, 1979, p.
178)
Enfim, simplificar a explicação do mau êxito da Colônia Agrícola de
Nossa Senhora da Piedade é não analisá-la com seriedade. É uma prática
preconceituosa, racista, discriminatória, com um total desconhecimento dos
problemas enfrentados por trabalhadores rurais do nosso país.

131
3.3 AS MUDANÇAS NA COLÔNIA

3.3.1 O Arrendamento da Terra

Vimos, anteriormente, que a condessa, como administradora,


demonstrou ser uma fazendeira experiente e conhecedora das estratégias,
para a manutenção do bom funcionamento do trabalho na fazenda de
Cantagalo.
A Irmandade comprometeu-se a cumprir as determinações do
testamento, através do compromisso firmado pelos Irmãos, como podemos
observar abaixo:

Capítulo 1 – Da Irmandade e seus fins:


Art. 1º - A Irmandade instituída nesta cidade, sob a invocação de
Nossa Senhora da Piedade, tem por fim:
[...] § 3º Fundar e manter na Fazenda “Cantagalo”, que foi de
propriedade da veneranda testadora, uma colônia agrícola formada
por seus ex-escravos, com a denominação de Nossa Senhora da
Piedade, que será a padroeira do estabelecimento.
§ 4º Estabelecer na mesma fazenda, e a expensas dos rendimentos
dela, duas escolas para a educação dos menores da colônia, de
ambos os sexos, as quais serão franqueadas também aos menores
da circunvizinhança, se não houver inconveniente.
§ 5º Distribuir aos adultos dessa colônia lotes de terreno a fim de
cultivarem cereais para sua subsistência, e lotes de cafesais para
beneficiarem e colherem os frutos, fazendo reverter a metade do
produto da venda em favor da Casa de Caridade. (Compromisso da
Irmandade de Nossa Senhora da Piedade de Paraíba do Sul –
1903)76

Enquanto a colônia produzia o café em larga escala e gerava lucros para


a Irmandade, havia interesse em administrá-la e mantê-la. Quando os cafezais
começaram a envelhecer, sem terras a incorporar, situação fatal para a
agricultura extensiva, os lucros provenientes do café foram diminuindo até se
extinguirem. O que os administradores deveriam fazer? Deveriam continuar

76
O compromisso com data de 1903 se firmara após o início dos arrendamentos em 1892.
Percebe-se a falta de seriedade daqueles “irmãos” (administradores da Irmandade) em manter
o desejo da condessa expresso em seu testamento. Anteriormente o engenheiro Nicomedes
Dié, em 1886, apresentara a planta topográfica da colônia agrícola de Nossa Senhora da
Piedade, como “Colônia Canta e Gallo de propriedade da Irmandade de N. S. da Piedade”.
(ANEXO XXXI, Figura 4) Na planta não se vê nenhuma alusão aos libertos.

132
administrando a colônia, buscando estratégias, isto é, mecanismos que
pudessem mantê-la dentro da crise que se instalava, mantendo o compromisso
firmado anteriormente. Mas não foi o que aconteceu.
A paisagem agrária do Vale do Paraíba fluminense, após a decadência
do café, passou a ser dominada pela pecuária extensiva. Algumas famílias de
antigos fazendeiros emigraram para o oeste paulista; outros, mesmo antes da
abolição, investiram em “[...] atividades menos arriscadas como a compra de
imóveis urbanos e apólices públicas.” (FRAGOSO, In: LINHARES, 2000, p.
161-162)
As terras da colônia agrícola, mesmo antes de a produção de café se
extinguir por completo, foram arrendadas a particulares, segundo a ata da
Câmara Municipal de Paraíba do Sul, de 26 de junho de 189277, na qual
podemos ver dois fatos que dizem respeito ao poder político da Irmandade, em
Paraíba do Sul. No primeiro, a Irmandade invade terrenos municipais, dizendo-
se autorizada a isso, tomando posse à força de terrenos, que pertenciam ao
poder público. No segundo, e que realmente importa à nossa análise, os
colonos se queixam e reclamam do arrendamento feito a Juão Melo pela Mesa
da Irmandade.78 O presidente da Câmara, fiscal da execução do testamento,
alega que o país necessitava de “[...] calma e concórdia que de sua parte não
criaria agitações e lutas estéreis [...].” O que o presidente pretendia com esse
discurso era deixar claro a posição de “lutadores inglórios” dos libertos e a
manutenção da “ordem” social dominante do império e sua continuidade na
república. Dizia que as reclamações deveriam vir “[...] oficialmente por meio de
requerimentos, representações ou ofícios para poder intervir[...]”; aconselhando
a procura das “justiças ordinárias”, duvidando se os abusos eram reais. A
Câmara, concordando com a opinião do Presidente, deliberou que “[...] nada se
fizesse até que a sua intervenção fosse solicitada ou requerida.” Dificultavam o
movimento empreendido pelos colonos com exigências documentais, difíceis
de serem cumpridas, diante das perspectivas educacionais apresentadas aos

77
ANEXO XVI.
78
Esse primeiro arrendatário, possivelmente, era o administrador da fazenda, João Pedro de
Mello, que aparece na lista de despesa da Fazenda de Cantagalo (31 de 0utubro de 1882) no
documento 30 do inventário da condessa. Junto com sua mulher, que também era empregada
da fazenda, receberam pelo seu trabalho, 345.000 réis.

133
libertos no pós-abolição.79 Entretanto, na vivência daqueles colonos, lutar
diante das dificuldades que emergiam em sua nova condição, era um exercício
inicial de cidadania, em busca da qual teriam uma longa jornada de “perdas e
ganhos”, perdurando até os dias atuais com os seus descendentes.
O arrendamento a “Juão Melo” não era permitido, de acordo com o
testamento, como foi analisado pelo Dr. Antonio Luz dos Santos Werneck80,
citado anteriormente. Nesta análise, ele redigiu que a testadora não desejava
que a colônia agrícola fosse algum dia alienada, desejava que o todo complexo
(fazenda com os bens agrícolas) ficassem perpetuamente unidos, queria que a
colônia fosse sempre a mesma, “[...] perpetuamente conservada com todos os
bens apontados, seus acessórios.”
Obviamente, o arrendatário assumiu as terras com a mão de obra
liberta, que possuía seus lotes para produzir e comercializar os seus produtos.
Os libertos não conseguiram evitar o arrendamento, tiveram que se adaptar a
mais uma mudança, como podemos observar na ata de 2 de agosto de 1894,
da Câmara Municipal de Paraíba do Sul:

Offícios [...] De Emygdio Rispoly notificando a Câmara de que não


tem casa de negócio na Colônia de Cantagalo e que quanto a
denúncia que a Câmara foi dada de que comprava o café assevera
que o fez porém da parte que coube aos mesmos colonos. N’este
acto pelo – Q – Presidente forão apresentados dois autos de infração
de posturas lavrados pelo Guarda Fiscal de Entre-Rios João de
Azevedo Leal por ter negócio sem licença, não ter os pesos aferidos,
ser emprezario de moinho e comprar café. A Câmara resolveu
isentá-lo do imposto de emprezario de moinho, e mandar os autos ao
Procurador para proceder a cobrança. [...] (Atas da Câmara
Municipal de Paraíba do Sul. Livro 12 – 1893/1895)

Nota-se que os colonos vendiam a sua metade do café diretamente ao


comprador. A outra metade produzida, antes entregue à administração da
colônia, passa para as mãos do arrendatário que só teria direito ao cultivo do
café.

79
“[...] os não-brancos foram adquirindo o direito à escola muito lentamente, no pós-abolição.
Formalmente excluídos os escravos, os libertos tinham acesso à escola na medida de suas
possibilidades – inexistiu, durante a escravidão ou depois dela, uma política de massas voltada
explicitamente para garantir aos ex-escravos o acesso à escola.” (MENEZES e FILHO, 2008, p.
17)
80
ANEXO XVII.

134
A fiscalização feita pela Câmara acerca da venda do café era no sentido
de cobrar impostos, e não com relação a proteger os colonos contra
especuladores ou exploradores. Caso não procedesse assim, aquele senhor
não teria a chance de arrendá-la. Observemos a ata de 28 de fevereiro de
1895:

[...] De Emygdio Rispoli como arrendatário da Colônia de Cantagalo


dando parte de abusos que são commetidos em relação aos
enterramentos effectuados nos cemitérios d’aquela colônia.
Providencie-se opportunamente. (Atas da Câmara Municipal de
Paraíba do Sul. Livro 13. 1895-1897)

Os colonos tornaram-se empregados do arrendatário, pois todos os


serviços eram feitos por eles, a Irmandade se comporta de forma absenteísta
devendo as roças de subsistência ter sido prejudicadas com essa nova
administração.
O Sr. Emygdio Ryspoli, posteriormente ao arrendamento, passou a
possuir casa de negócios na fazenda de Cantagalo. Vejamos abaixo:

[...] De Emygdio Ryspoli pedindo digo baixa de sua casa de negócio


na Fazenda de Cantagalo em Entre-Rios sendo, dispensado do
segundo semestre visto ter em tempo feito pedido, à Câmara por ter
se estraviado no correio juntando uma certidão de escriptura de
acordo com a Casa de Caridade; indeferido. (Atas da Câmara
Municipal de Paraíba do Sul. Livro 14. 1897-1899. 11.10.1897)

O arrendamento demonstrava a falta de comprometimento da


Irmandade com a colônia agrícola, uma vez que descumpria as cláusulas do
testamento, e trazia outras consequências aos colonos, visto que os negócios
do arrendatário não se resumiam ao café, como podemos observar a seguir:

[...] De Emygdio Ryspoli pedindo diminuição no lançamento de


aguardente e transferência de firma, indeferido quanto a primeira
parte e no mais deferido. (Atas da Câmara Municipal de Paraíba do
Sul. Livro 14. 1897-1899. 23.04.1898)

Vimos que os libertos aumentaram a produção de cana, após a


formação da colônia e que a previsão era de que a produção continuaria a
aumentar.
A aguardente produzida pelo arrendatário demonstra que o
arrendamento fora feito com a aprovação de que o Sr. Ryspoli pudesse

135
explorar a parte da produção agrícola (cana) que deveria pertencer unicamente
aos colonos ou ele não obedecera ao contrato firmado com a Irmandade.
Achamos improvável a segunda opção uma vez que o fato de as terras terem
sido arrendadas comprova o desrespeito aos direitos dos colonos.81
Para continuarmos a nossa análise, será necessário entender como
funciona o contrato de arrendamento.

A grande maioria dos arrendatários detêm pequenas glebas, ou são


minifundiários, que recebem um pedaço de terra em troca de
pagamento em dinheiro e da promessa inevitável de trabalho
adicional na propriedade. (FORMAN, 1979, p. 85)

Os contratos de arrendamento variam de uma região para outra e


dependem dos diversos tipos de lavouras. O proprietário da terra, ao combinar
os termos do contrato, faz com que lhe seja sempre favorável, sendo as
decisões relativas ao cultivo de safras para a subsistência ou a venda, “[...]
condicionados pela duração estipulada no contrato, sempre sob constante
ameaça de expulsão sumária do arrendatário”. (FORMAN, 1979, p. 89)
O valor a ser pago pelo arrendamento depende “[...] do valor da terra, da
sua qualidade, produtividade e proximidade dos mercados urbanos e indústrias
rurais”. Nos arrendamentos é comum o cambão ou condição, que consiste em
dias de trabalho que o arrendatário tem que dar ao proprietário da terra. Esses
serviços são destinados geralmente à manutenção da propriedade. (FORMAN,
1979, p. 86)
Quanto à manutenção da fazenda de Cantagalo, durante o
arrendamento de Emygdio Ryspoli, encontramos a seguinte informação:

O arrendatário da fazenda, Emídio Rispoli, em 1897 já estava em


demanda com a Irmandade, que custou a desalojá-lo da propriedade
que espoliara totalmente. A sede se assentava onde está o trevo de
Cantagalo. (SILVA, 1991, p. 129)

81
Interessante observar que, os documentos referentes à administração da Colônia Agrícola
foram queimados, em um incêndio que destruiu a Casa de Caridade, em 1955. (SÁ, 1970, p.
42) Visitamos o atual edifício onde se reinstalou a Casa de Caridade, no mesmo local do
edifício incendiado, ainda no período da pesquisa para o mestrado. O funcionário, Sr Waldir,
nos atendeu informando que não havia documento algum sobre o período de nosso interesse e
nos mostrou as fotos do incêndio, alegando que possuía somente aquilo para nos mostrar. Por
isso, utilizamos documentos de arquivos públicos.

136
Entende-se que nem sempre os contratos são seguidos pelo
arrendatário, mesmo que as cláusulas favoreçam o proprietário. No caso desse
arrendamento, o Sr. Ryspoli “espoliou” a propriedade da Irmandade, em vez de
mantê-la em bom estado.
Se a sede da fazenda encontrava-se espoliada, o que teria acontecido
com os colonos? Mesmo antes do arrendamento, Emygdio Rispoli não “aferia
seus pesos”, nas transações comerciais feitas a eles. Acreditamos que diante
deste e de uma série de problemas que analisamos antes, uma situação de
precariedade se instalou. Essa precariedade os levaria a uma situação de
pobreza e de necessidades, que dificultaria a manutenção da colônia agrícola.
Os colonos não se negaram a trabalhar, fizeram-no, mas continuaram sendo
explorados de outras formas, caracterizando a realidade rural brasileira.
Podemos notar que o trabalho deu frutos para quem os explorava:

[...] De Emygdio Ryspoli pedindo ser relevado na multa em que


incorreo indeferido; no mesmo pedindo que a Câmara mande lotar o
imposto de todas as suas casas na avenida nos Campos Elisios em
Entre-Rios visto que nem sempre as tem alugadas e vice-versa,
allegando que só pode informar o Snr. Vereador Districtal e fiscal do
Districto. (Atas da Câmara Municipal de Paraíba do Sul. Livro 14.
1897-1899. 12.03.1898)

Anteriormente afirmamos que, muitos fazendeiros começaram a investir


em imóveis urbanos, em vez de continuar investindo em negócios de risco.
Podemos incluir entre eles, o arrendatário da fazenda de Cantagalo, que
possuía várias casas de aluguel em Entre Rios.
A história da colônia agrícola de Nossa Senhora da Piedade, um
acontecimento local, reflete a estrutura de poder do Estado brasileiro. Segundo
Forman (1979, p. 195):

Dadas as realidades da política brasileira ao decorrer dos séculos,


talvez o melhor denominador comum para a nossa análise seja o
município, o centro administrativo local e as suas redondezas. Na
realidade, é em torno da distribuição de recursos entre as elites
comerciais (depois industriais) e agrárias que se têm disputado a
batalha entre as forças do centralismo e do localismo, e é pelo
controle destes recursos, antes dispersos, que a luta política se faz.

Sendo o desejo da condessa manter a colônia agrícola para um fim


social (dar condições de sobrevivência aos libertos e seus descendentes, ou

137
aos pobres que nela quisessem trabalhar), como explicar que, em 1892, a
colônia já se encontrava arrendada?
Em sua análise o Dr. Werneck afirma: “[...] não se faz revogação
expressa de testamento sinão em outro testamento ou um documento escripto,
onde o testador declara que revoga”. (Inventário da Condessa do Rio Novo)
Então, como explicar tanto poder nas mãos dos homens que administravam a
Irmandade e que decidiram não dar cumprimento ao testamento?
Os libertos reclamaram ao presidente da Câmara, conscientes de que
este era o caminho para buscar uma solução para o problema, pois a condessa
deliberara em seu testamento que ele e o juiz de direito seriam os fiscais da
mesa da respectiva Irmandade.
Passados dez anos desde a formação da colônia, o que pode ter
acontecido? Desde o relatório da Sociedade de Imigração, em 1884, até 1892,
como a colônia deve ter enfrentado as transformações econômicas, políticas e
sociais pelas quais passou o país?
Uma história local e limitada pode fornecer uma visão válida do
campesinato brasileiro, esse complexo fenômeno social, ou permitir uma
explicação do fenômeno mais geral? Podemos responder que sim, pois
Forman (1979, p. 23) diz que há uma

[...] diversidade de tipos camponeses que aparece no panorama


brasileiro, constituindo uma parte do sistema sócio-econômico e
político rural que é, por sua vez, parte de um sistema social e cultural
mais amplo.

Sendo assim, essas ocorrências locais devem ser consideradas, em


relação a outras ocorrências de nível regional, nacional ou mesmo,
internacional. Realidades mais amplas afetam a extensão e o significado da
ação política em localidades específicas do Brasil rural. Por isso, devemos
desvendar o “[...] campo dinâmico no qual se desenvolvem acontecimentos e
relações concretas”. (FORMAN, 1979, p. 23)
Faremos, então, uma série de considerações a respeito do que estava
acontecendo no Brasil e nos países com os quais mantinha relações que
afetavam aquele cotidiano.
Durante a década de 1880, acelerou-se o processo de decadência do
sistema político imperial. O movimento abolicionista cresceu, multiplicando os

138
seus defensores, fundando clubes e associações pelo país, fragilizando cada
vez mais o Império. Inúmeras ações foram organizadas e, diante de tantas
pressões, o projeto de emancipação dos escravos foi votado e aprovado pela
maioria dos deputados abolicionistas. A lei Áurea foi assinada pela regente
Isabel, libertando cerca de setecentos mil escravos. (BASILE; In: LINHARES,
2000, p. 288)
Os fazendeiros escravistas, que se irritaram com a abolição sem
indenização, passaram, em grande parte, a se desinteressarem pelo destino da
monarquia. Muitos aderiram ao movimento republicano, unindo-se aos
abolicionistas, que eram republicanos e seus inimigos de véspera.
Como as indenizações eram rejeitadas nacionalmente, o Gabinete Ouro
Preto, preocupado com a possibilidade de todo o setor agrário conservador
voltar-se para a República, fez um projeto de auxílio à lavoura. O Gabinete
conseguiu levantar junto à casa dos banqueiros Rotschild, em Londres, 86 mil
contos (quarta parte de todo o orçamento imperial de 1889) que seriam
colocados à disposição “[...] dos setores agrários em crise, com juros
garantidos pelo governo e prazo de cinquenta anos para tomadores do
empréstimo”. Procurava-se ativar a economia fluminense e a mineira, em “[...]
contraponto ao ascenso paulista [...]”, mantendo assim o apoio daquelas elites
ao Império”.
Essas medidas vieram tarde, pois os paulistas, que ficaram insatisfeitos
com “[...] a política imperial de indenização disfarçada paga à lavoura
fluminense [...]”, aderiram majoritariamente à República. (LINHARES; SILVA,
1999, p. 70)
Não foi só entre os civis que o movimentou se expandiu, mas também
nos meios militares.
Segundo Basile (In: LINHARES, 2000, p. 294), com as transformações
ocorridas nas décadas de 1870 e 1880, e

[...] o descompasso criado entre o poder político e o poder


econômico, com a ascensão dos cafeicultores do Oeste Paulista, das
pretensões políticas assumidas pelos militares, após o prestígio
adquirido com a guerra, e da emergência política das camadas
médias urbanas, alterando a tradicional composição de forças no
interior dos partidos imperiais, as críticas à centralização e à ficção
do sistema representativo tomaram um novo vulto.

139
O movimento republicano crescia na medida em que a monarquia perdia
o seu prestígio. Na verdade, não havia uma “[...] crença geral e efetiva nas
vantagens daquele regime”. (MONTEIRO, In: LINHARES, 2000, p. 303) A
monarquia foi incapaz de articular “as velhas e novas demandas” tendo sido,
por isso, substituída pela República.
Com o advento da República, houve a tentativa de renovar a prática
econômica do país nos seus primeiros anos, tentativa principalmente de Rui
Barbosa, no curto período em que foi Ministro das Finanças, no governo de
Deodoro da Fonseca (1889-1891). Tentou elevar “[...] as tarifas aduaneiras e
facilitar o crédito industrial através da criação de bancos regionais, assim como
suspender os empréstimos à lavoura cafeeira decadente”. (MONTEIRO, In:
LINHARES, 2000, p. 304) Um Banco Hipotecário Nacional e um Cadastro de
Terras seriam criados para substituir aqueles empréstimos. O novo setor
agrário de São Paulo, e o antigo do Rio de Janeiro, atacaram duramente essa
proposta.
As tarifas aduaneiras elevadas, com o objetivo de industrializar o país
(sendo que o objetivo principal era o fiscal), dificultavam a venda dos produtos
agrícolas brasileiros, pois atingiam o “[...] pacto que unia os plantadores, casas
comerciais e interesses imperialistas [...]”, irritando profundamente os
plantadores. Transformar a terra em um bem executável não agradava os
velhos e nem os novos proprietários. Suas dívidas, desde o período colonial,
eram pagas sobre “os frutos, e não sobre a terra”. O ministro foi afastado,
principalmente por esse motivo, ascendendo ao poder o grupo plantacionista.
(MONTEIRO, In: LINHARES, 2000, p. 304)
Os setores agrários fizeram surgir uma nova proposta contra o projeto
modernizante de Rui Barbosa:

crédito fácil, redução dos impostos de exportação, estabilidade


financeira e cambial ao lado de obras de infra-estrutura (viabilizadas
pelo capital financeiro multinacional), principalmente em portos e
ferrovias. De forma obsessiva, os novos senhores da República
lançar-se-ão em um amplo projeto de estabilização do preço do café,
numa vastíssima operação de defesa de seus interesses
econômicos. Caberá aos estados federados, em especial São Paulo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro, a formulação de uma política capaz
de, em comum acordo com o grande capital internacional, garantir o
preço de seu principal produto: o café. (LINHARES e SILVA, 1999, p.
73-74)

140
O predomínio da hegemonia da burguesia do café, no plano interno, e
sua dependência do capitalismo internacional, no plano externo, caracterizaram
a economia e a política durante a Primeira República.
Na primeira Constituição da República, de 1891, percebe-se uma
“cidadania seletiva”, em que os cidadãos seriam separados em dois grupos:
ativos, exercendo direitos civis e políticos, e passivos, possuindo somente os
direitos civis, privando a maior parte da população de participação da vida
política do país.
Com tudo isso, podemos entender por que as reclamações dos libertos
foram ouvidas, visto que tinham o direito de expressão. Todavia não foram
tomadas as providências para o impedimento do arrendamento da terra entre a
Irmandade e Juão Mello. Não houve a justiça para um grupo politicamente e
economicamente “dominado”.

O estabelecimento da República, a bem da verdade, o


estabelecimento da federação, permitiu que as diversas oligarquias
locais ascendessem ao poder, no seu âmbito regional, assumindo o
controle da máquina administrativa, em particular da fiscalidade,
construindo mecanismos para sua eternização no poder. Essa era a
alma do coronelismo. (MONTEIRO, In: LINHARES, 2000, p. 302)

O coronel exige “[...] a vida, a obediência e a fidelidade [....]” daqueles


que ele “[...] protege, socorre, homizia e sustenta materialmente”. O grupo
dominante, que possui as suas raízes na posse da terra, tem o monopólio do
poder. O cidadão era apenas um elemento que legitimava as decisões da “elite
oligárquica”, era ausente da vida política. (MONTEIRO, In: LINHARES, 2000, p.
303)
Outro fato que chamou atenção, na questão de que os libertos não
tinham a proteção jurídica necessária para a solução dos problemas que
surgiram na colônia agrícola, e a amplitude do poder local, dos proprietários de
terras, foi em relação a uma provável sublevação, citada por Pedro Gomes da
Silva (1991, p. 63):

Pedro de Araújo (1851-1899) foi na parte militar o principal esteio em


Paraíba da Revolução de 1891, que derrubou o governador Portela.
Isso porque chefiou o armamento dos revoltosos [...] utilizando a
própria fazenda (Rio Novo) e a de correligionários [...].
Era enteado do barão de Ribeiro de Sá. [...]
Eleito vereador à Câmara de 1883 a 86 [...] exerceu ainda, pouco
tempo, o cargo de juiz-de-paz do distrito do Espírito Santo-Jatobá

141
(março de 1891). [...] Quando administrador da Colônia de
Cantagalo, dominou prontamente a sublevação dos colonos,
insuflados por especuladores dos prazos de terra dos ex-escravos,
contra a Irmandade Nossa Senhora da Piedade.

Procuramos, sem sucesso, documentos que pudessem comprovar o que


Pedro Gomes afirmou, como também descobrir em que ano esse fato ocorreu,
pois o autor não forneceu a data. Como Pedro de Araújo morreu em 1899, é
possível que essa suposta sublevação tenha ocorrido próximo ao período do
arrendamento, em 1892, quando os libertos reclamaram ao presidente da
Câmara e este preferiu não interferir no assunto. Na ata de junho de 1892,
junto às reclamações, o presidente afirmava que o país necessitava de “calma
e concórdia” e que não criaria “agitações e lutas estéreis” (sabia que os libertos
lutariam inutilmente). O administrador Pedro de Araújo citado acima, também
participou da luta travada no estado do Rio de Janeiro, em dezembro de
1891.82 Foi o fenômeno das “derrubadas”, em que Floriano destituía os homens
de Deodoro nas situações estaduais. (CARDOSO, apud, FAUSTO, 1997, p. 42)
Parecia que o presidente da Câmara, desconhecendo a sua função de
fiscal da colônia agrícola, exagerou nos perigos que os apelos dos colonos
ofereciam ao país.
A quebra dos direitos adquiridos pelos libertos em testamento, resultante
das mudanças sócio-econômicas e políticas, levou-os às reclamações.
Na tentativa de acompanhar a trajetória desses colonos, deparamo-nos,
depois daquelas informações sobre os arrendamentos, com um profundo
silêncio. Após muita procura, encontramos outros documentos que
analisaremos no próximo tópico.
Sendo assim, citaremos uma definição de Paulo Freire, para encerrar a
nossa análise da “cultura do silêncio” derivada “[...] das relações estruturais
entre os setores subordinados e superiores do sistema social”: “Na cultura do
silêncio...existir é somente viver. O corpo executa as ordens que vêm de cima.
Pensar é difícil, falar a palavra, é proibido”. (FREIRE, apud. FORMAN, 1979, p.
271)

82
“Petrópolis, Vassouras, Bemposta, Campos e outros pontos, forçaram a deposição do
governador Dr. Francisco Portela, que renunciou o cargo aos 10 de dezembro de 1891”. (SÁ,
1944, p. 105)

142
3.3.2 – Os Aforamentos

Na administração do Barão de Ribeiro de Sá, em 1886, foi feito o


primeiro aforamento83, de acordo com a quinta condição do
testamento, citada anteriormente, onde a condessa autorizava o
arrendamento ou aforamento somente dos terrenos próximos à
Estação de Entre-Rios.
Na verdade, em menos de um mês afluíram à Secretaria da
Irmandade 71 pedidos para aforamentos de lotes, sendo certo que
no dia 13 de setembro do mesmo ano, só o cidadão João Pedro
Guimarães requereu o aforamento de 53 outros. (SÁ, 1944, p. 12)

A multiplicação da pequena propriedade fez parte da dinâmica da


economia cafeeira. Nas fazendas com terras esgotadas fazia-se o
retalhamento do solo, loteando e vendendo parte da propriedade.
(CARVALHO, 2001, p. 103)
O aforamento de 1886 serviu para,

[...] além de restaurar as finanças da Irmandade, melhorou sobre


modo as acomodações do Asilo, comprou uma casa para residência
do capelão, como também os terrenos e as benfeitorias existentes
na base do Morro de Santo Antonio, em cujo cimo está assentado o
Asilo e deixou um saldo superior a 15:000.000. (SÁ, 1944, p. 57)

Observamos que não houve uma preocupação em utilizar o dinheiro do


aforamento para investir na colônia agrícola. Parece que, para a Irmandade, o
objetivo da colônia seria sustentar a Casa de Caridade. Com o tempo, a colônia
transforma-se em um “negócio” que não condizia com o objetivo social do
projeto.
No regulamento da Irmandade, aprovado em 190484, não há referência a
nenhuma proposta de investimento na colônia agrícola.
Operando com poucos recursos, a produção tornar-se-ia limitada. O
destino dado à colônia agrícola pelos seus administradores impediu o seu
desenvolvimento, aumentando assim as dificuldades dos colonos.
Os colonos mantinham uma relação não-capitalista com a Irmandade,
cujo “ingrediente de relações de poder” estava fortemente presente. Aquela

83
Contrato pelo qual o proprietário transmite o domínio útil de um imóvel a outra pessoa,
ficando esta obrigada a pagar-lhe anualmente o foro.
84
ANEXO XVIII.

143
forma de organização do trabalho encerrava certo componente camponês; sua
base era o trabalho familiar e parte de seu produto era de sua propriedade,
podendo ser comercializado. Sua base familiar permitia à Irmandade e,
posteriormente, ao arrendatário o uso de uma mão de obra não remunerada
(mulheres e crianças).

Os traços dessas relações demonstram que elas foram organizadas


em um ambiente de frágil circulação de mercadorias e de moedas,
ou seja, em um mercado restrito que se erguia sobre uma divisão
social do trabalho ainda pouco desenvolvida. (FRAGOSO; In:
LINHARES, 2000, p. 165)

Essas relações de produção se desenvolveram em um ambiente


republicano. A elite republicana era mais representativa do que a do Estado
Imperial, os interesses regionais e de classe tinham maior acesso ao centro do
poder. Longe de serem democráticas, mantiveram as “[...] classes subalternas
destituídas de parte substancial dos seus direitos de cidadania”.
Com relação à decadência do café na antiga província do Rio de
Janeiro, “[...] esse foi um fenômeno regional, circunscrito a algumas áreas, não
sendo, portanto, algo geral que abrangesse toda a antiga província
fluminense”. (FRAGOSO; In: LINHARES, 2000, p. 165)
Enquanto as terras da colônia não se esgotaram para o café e este
proporcionava lucros à Irmandade, seja através de sua administração, seja de
um arrendatário, havia um interesse na manutenção da mão de obra dos
colonos naqueles lotes. Mas deixá-los naquelas terras produzindo somente
para a sua subsistência, não fazia parte dos planos da Casa de Caridade.
A renda dos colonos, resultante da meação do café somada ao
excedente da produção de subsistência, era consumida pelas terras, pois
acreditavam que estas lhes pertenciam. Pensavam estar consolidando sua
nova posição social.
Quanto aos preços do café, estes começaram a declinar a partir de
1896, devido à superprodução. Isso aconteceu em face da expansão da
lavoura cafeeira em regiões de fronteira agrícola aberta, que utilizavam a mão
de obra do imigrante, com preferência pela formação de novas lavouras. A
agricultura, nas primeiras décadas do século XX, é desestabilizada pela

144
supersafra brasileira de 1896, forçando a baixa nos preços do café.
(CARVALHO, 2001, p. 94)
Somando-se à problemática decorrente da crise cafeeira, nos primeiros
momentos da república, ascenderam ao poder, os grupos oligárquicos
regionais com autonomia local, impondo seus interesses, dissolvendo uma
visão mais ampla da nação, impossibilitando os oprimidos de buscarem apoio e
proteção em instâncias superiores. (LINHARES; SILVA, 1999, p. 95)
Nesse contexto, incluímos os libertos que se encontravam em uma
situação de total dependência em relação à Irmandade, formada pela elite
local. Dependiam da boa vontade dos “irmãos”, para que mantivessem o que
estava estabelecido no testamento e no compromisso da Irmandade.
Com o esgotamento do solo, estando com a fronteira agrícola fechada,
mantendo-se as formas de produção extensivas85, somando-se à queda do
preço do café, nem mesmo o arrendamento era interessante. Restava, então, o
aforamento com a consequente tentativa de retirada dos colonos das terras.
(LINHARES; SILVA, 1999, p 75)
Durante a primeira década da República, o poder federal não tomou
iniciativas para atuar na questão agrária. Foi omisso na incorporação dos ex-
escravos à vida nacional. A política geral da República foi “extremamente
conservadora”, legitimando a “[...] arbitrariedade dos grandes fazendeiros na
apropriação de terras [...]” e confirmando “[...] à Igreja e ordens religiosas a
posse de suas propriedades”. (LINHARES; SILVA, 1999, p. 76-77)
Quanto à apropriação de terras públicas, encontramos novamente uma
denúncia contra a Casa de Caridade, em 1899:

[...]Offício do Vereador Cap. Freixeiro Júnior, comunicando a invasão


em terrenos municipais, pela Administração da Casa de Caridade e

85
“[...] Imensas plantações aproveitando-se da grande fertilidade dos solos, formada a partir do
humos e das cinzas deixadas após a derrubada da floresta.[...] A forma de cultivo dos cafezais,
baseada na agricultura de roça e queima era semelhante àquela praticada pelos índios, sendo,
porém, realizada em grandes extensões de terras, muitas delas em encostas. Isto levaria a
perda da fertilidade do solo da região, exauridos, entrariam num processo de erosão.” Para
uma reflexão a respeito da cultura do café e a questão ambiental no século XIX, ver: GOMES,
Mauro Leão. A Cultura do Café e o Debate Ambiental no Século XIX. O caso de Cantagalo
na Província do Rio de Janeiro. Dissertação apresentada ao Curso de Desenvolvimento,
Sociedade e Agricultura, CPDA/UFRRJ, 2000.
Fonte: www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/.../Gomes%20Mauro%20Leão.doc. Acesso em
02.10.2014.

145
pedindo providências à Câmara. A Câmara autorisa o Sr. Presidente
a entender-se com o advogado da mesma Câmara. (Atas da Câmara
Municipal de Paraíba do Sul. Livro 15. 1899-1908. 20.11.1899)

A Administração da Casa de Caridade, Irmandade de Nossa Senhora da


Piedade, invadira terrenos municipais, tendo sido denunciada pelo vereador
acima citado. Interessante notar a forma tradicional com que grupos
dominantes, representados principalmente por fazendeiros, continuavam se
apoderando das terras em Paraíba do Sul, nos remetendo ao período
analisado no primeiro capítulo deste trabalho.
A associação que podemos fazer da Irmandade com as oligarquias
locais decorre dos elementos que formavam a Mesa Administrativa, na sua
maioria fazendeiros. Como exemplo, observemos abaixo a Mesa Administrativa
de 1904 que possui, além de fazendeiros, dois comerciantes, um professor e
um padre.

Pe. Teófilo Bento Dutra – Capelão e Assistente Eclesiástico.


Cel. Randolfo Penna Júnior – Provedor – Fazendeiro.
Zózimo Guimarães – Professor.
João Marques de Almeida – Comerciante.
Pedro José Ferreira – Comerciante.
Cel. Eduardo de Souza Leite – Fazendeiro.
Cel. Irineu Werneck dos Passos – Fazendeiro.
Cel. José Lino Ribeiro de Sá – Vice- Provedor – Fazendeiro. (SÁ,
1944, p. 32)

Os anos passaram e não fora dada a importância necessária à


manutenção da colônia agrícola, nas reuniões dos “irmãos”, membros da mesa
administrativa da Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, como podemos
observar a seguir.
No relatório da Casa de Caridade, de 1909, não há referência à colônia.
Silenciam, esquecem. O provedor, Coronel Randolpho Penna Júnior, destaca a
questão das dúvidas que surgiram entre os contribuintes sobre os terrenos em
Entre Rios, que estavam sendo resolvidas com o auxílio da planta cadastral,
confeccionada em 1908, pelo “hábil engenheiro Dr. Maurício Eugênio Giron”.
(Jornal Arealense, 06.01.1910, p. 3)
As informações sobre os lucros para os cofres da Irmandade cujo
patrimônio, em 1910, foi aumentado com duas apólices de um conto de réis,
foram as preocupações centrais do Coronel Randolpho Penna Jr, em seu

146
relatório de 1910. Não menciona a colônia. De novo, o esquecimento, o
apagamento. (Jornal Arealense, 08.06.1911, p. 2)
Posteriormente, encontramos os dados do relatório de 191686,
apresentado pelo Coronel Provedor Randolpho Penna Jr ao “Exmo Revmo Snr.
D. Agostinho Francisco Benassi. DD. Bispo de Nictheroy”. O Provedor não fez
nenhuma referência à colônia agrícola. Estava esquecida, mais uma vez. A
preocupação maior consistia no investimento em apólices da dívida da União,
no aumento do patrimônio e manter um saldo em caixa. Nem mesmo a
manutenção da sede da fazenda de Cantagalo, que poderia ser um patrimônio
histórico e cultural na atualidade, foi preocupação daquela Irmandade. Em vez
disso, fizeram a demolição e a venda de seus materiais. Entre as despesas
para a manutenção de internato, externatos, hospital e asilo aparece uma
despesa de R$6:797$400 em “obras e melhoramentos” não especificados.
A Casa de Caridade continuou por um longo tempo, sob a administração
do Coronel Provedor Randolpho Penna Jr. Em 192987, os irmãos em mais um
relatório, não se lembram da colônia agrícola nos assuntos tratados pela
Irmandade.
Encontramos a “voz” dos libertos, somente em 1930. Passados 48 anos,
após a formação da colônia agrícola, dois libertos reclamaram o direito ao
usufruto da terra. Para estes, a terra ainda era um sonho possível de ser
alcançado. Vejamos no relatório, que apresentou as queixas deles, além da
venda de prédios; compra de apólices da dívida pública na Bolsa de Título da
Capital Federal; obras na Escola Condessa do Rio Novo, no asilo, no hospital;
outras informações e como a Irmandade reagiu às reclamações dos dois
libertos.

[...] O número de foreiros dos terrenos de Entre-Rios tem


augmentado consideravelmente, subindo a 490. Existindo 38
arrendatários de terras e 8 locatários de prédios, o número total de
contribuintes é de 536 pessoas, o que exige constante vigilância da
provedoria ao despachar o expediente, que se avoluma de anno
para anno. [...]
Colônia de Cantagallo de Entre-Rios

86
ANEXO XIX.
87
ANEXO XX.

147
Tendo o egrégio tribunal da Relação do Estado do Rio, com grande
surpreza nossa, negado provimento à appelação que formulamos em
1925 da sentença do emérito Juiz de Direito da Parahyba do Sul,
manutenindo dois intitulados ex-escravos da veneranda Condessa
do Rio Novo na posse de terrenos, cujo domínio, indubitavelmente,
pertence à Casa de Caridade, não me conformei o accordão,
convencido de que ainda lograremos indefectível justiça. “A Deus o
que é de Deus”. [...](Jornal Arealense, 11.01.1930, p. 2)

Percebe-se que, embora a Casa de Caridade reconhecesse a


manutenção de escolas, asilo e hospital, negava a sua maior e mais importante
função que, dera origem à sua existência: a de eximir da dependência aqueles
que conseguiram o acesso à terra.
O Juiz de Direito de Paraíba do Sul manteve o direito de posse da terra
aos libertos, mas foi feita a apelação pelo Provedor Randolpho Penna Jr,
posteriormente. O Coronel ainda os acusa de estarem querendo tomar a terra
que pertencia a “Deus”. Como Randolpho Penna tinha outros planos para as
terras, em 1931, a Irmandade decide aforar as terras da colônia, pois esta
completaria os 50 anos de sua formação, em 1932.

Secção Livre
Casa de Caridade de Parahyba do Sul
(Nova Zona Foreira)
Resolução da assembléia geral de irmãos em 14 de julho de 1931.
A creação da nova zona foreira, que poderá ser considerada
suburbana, por achar-se situada muito distante da sede do districto,
deverá ser demarcada da forma seguinte: a partir dos limites da
antiga zona foreira de um e de outro lado da Estrada União e
Indústria, prolonga-se de um e de outro lado até a ponte das Garças,
tendo do lado direito todo o terreno aproveitado até o rio e do lado
esquerdo da Estrada da ponte até a curva do rio, só deverá ser
aforada uma faixa de terreno com 132 metros de fundos e d’ahi do
ponto onde existe uma pequena casa (onde reside Antonio
Simplício) partirá uma linha divisória em direcção ao signal fixo da
Estrada de Ferro Leopoldina (linha Piracema), atravessando a dita
linha férrea, bem como a estrada de rodagem da Rua Direita
(Fazenda) até a cerca da Estrada de Ferro Central, ramal de Porto
Novo, linha essa que estabelecerá a divisa entre a nova zona foreira
e a arrendatária.
Os arrendatários terão preferência ao aforamento dos terrenos pelo
preço de 10 a 20 réis, desde que abranja toda a extensão do terreno,
isto é, do primeiro prazo da frente até ao limite da nova zona foreira;
porém se elles abandonarem os prazos de fundo e somente
pretenderem aforar os de frente, o aforamento será de 30 réis o
metro quadrado. No caso de transferência de parte ou de todo o
terreno aforado, nos prazos de frente, o foro será cobrado a 30 réis,
sendo canceladas as cartas respectivas e extraídas outras.
Caso aos actuaes arrendatários não convenha aforar todos os
prazos de frente, estes podem ser aforados a terceiros, mediante
praça e pelo preço de 30 réis o metro quadrado.

148
No aforamento da nova zona foreira a ser estabelecida, serão
respeitados os contractos de arrendamento actualmente existentes,
até a sua terminação, bem como os direitos às benfeitorias, por
ventura existentes nos terrenos respectivos, que serão indemnisados
mediante avaliação prévia, a aprazimento das partes interessadas.
Fica o Sr. Provedor autorisado a promover, quando julgar opportuno,
o levantamento da planta da nova zona foreira, abrindo-se, para
isto, o necessário crédito. (Jornal Arealense, 08.08.1931, p. 2)

Somente com a Revolução de 1930 se dá o afastamento dos setores até


então dominantes, em especial a elite agrária de Minas Gerais, São Paulo e
Rio de Janeiro, criando condições para alterar o ordenamento agrário do país.
A perspectiva de acesso à terra, isto é, a “Terra Prometida” continuou a
ser o sonho dos trabalhadores rurais, em especial dos descendentes dos
colonos. Mesmo com a formação da “Nova Zona Foreira” pela Irmandade nas
terras da colônia, um grupo de descendentes não desistiu, tendo permanecido,
acabou preservando a memória dos libertos em seu meio, como veremos nos
capítulos a seguir.

149
4 DE COLÔNIA AGRÍCOLA NOSSA SENHORA DA PIEDADE A BAIRRO DE
VILA ISABEL: HISTÓRIA, ESQUECIMENTO E SILÊNCIO

Nos capítulos anteriores, apresentamos os acontecimentos em nível local,


principalmente, no que tange à colônia agrícola Nossa Senhora da Piedade até
os anos de 1930.
Neste primeiro segmento faremos algumas considerações baseadas
nos estudos de Lília Moritz Schwarcz sobre o início da República no Brasil,
identificando as influências desse regime nos sujeitos da região pesquisada, na
constituição do bairro Colônia (ex-colônia agrícola) e na cidade de Três Rios.
No segundo segmento abordaremos as décadas de 1930 e 1940,
contextualizando as mudanças ocorridas no espaço onde existiu a colônia
agrícola às transformações políticas, sociais, culturais e econômicas do país,
analisando esse processo histórico contendo estratégias de esquecimento e de
silêncio.

4.1 ABOLIÇÃO E REPÚBLICA: MUDANÇAS, PERMANÊNCIAS E


EMBRANQUECIMENTO DA POPULAÇÃO

Com o fim da escravidão, em 1888, e a deposição de d. Pedro II, em


1889, surge um cenário propício a todo tipo de utopias e projeções. O recém-
instituído regime republicano gerou enormes expectativas. Imaginava-se que
após a abolição do trabalho escravo seria possível construir um país mais
justo, “[...] não mais cerceado pela estrita hierarquia social do Império ou por
critérios de origem ou nascimento.” (SCHWARCZ, 2012, p. 19-20)
Schwarcz (2012, p. 36-39) afirma que os primeiros anos do regime
republicano foram marcados pelo entusiasmo com o futuro progresso do país.
As cidades em transformação e a chegada do imigrante eram associadas ao
“melhoramento”, à ideia do trabalho como um valor e ao branqueamento da
população. Conhecida como época de “regeneração”, o perfil das grandes
cidades foi construído expulsando os pobres dos centros urbanos e

150
privilegiando uma “[...] conformação arquitetônica e urbanística à moda
francesa do barão de Haussmann88.
A vida urbana foi marcada pela instabilidade decorrente de uma economia
ainda fortemente ligada à exportação agrária e à industrialização incipiente. Às
crises cíclicas de carestia somava-se o aumento constante dos alimentos,
moradia, transporte e aluguel. Com o crescimento da inflação, multiplicou-se a
pobreza, havendo um “[...] rebaixamento social e das condições de vida [...]”,
como também o surgimento de inúmeras moradias irregulares e o aumento de
“[...] figuras inusitadas89 que transitavam pela cidade. Estes conviviam com a
nova burguesia separada do campo, que transformava as cidades no seu
“quartel-general”. (SCHWARCZ, 2012, p. 39)
A higienização era um projeto amplo e abrangente, gerado a partir da
concepção de civilização e de controle, duas palavras de ordem articuladas
veementemente no período.

A marginalização das populações do interior diante das


transformações impostas em nome do progresso não foi ignorada.
[...] O choque entre populações com costumes diversos é
sobremaneira, as novas ilusões do progresso e da modernidade.
Modernização e tradição eram conceitos fortes nesse momento que
previa mudanças, mas experimentava continuidades de toda ordem.
(SCHWARCZ, 2012, p. 41)

Da década de 1880 aos anos de 193090, o processo de transformação da


sociedade brasileira foi dinâmico. O aumento geral da população somou-se à

88
Seu nome “[...] é sinônimo das transformações observadas em Paris, durante o Segundo
Império, que deram à capital francesa o rosto que, de uma forma geral, hoje ainda apresenta.
[...] Foi responsável pela reforma urbana de Paris, determinada por Napoleão III, e tornou-se
muito conhecido na história do urbanismo e das cidades.[...] Advogado, funcionário público,
político e administrador francês. Nomeado prefeito de Paris por Napoleão III, remodelou esta
cidade durante 17 anos, com a colaboração de arquitetos e engenheiros de renome da época.
Haussmann planejou uma nova cidade, modificando parques parisienses e criando outros,
construindo vários edifícios públicos, como a L’Opéra. Melhorou também o sistema de
distribuição de água e criou a grande rede de esgotos, quando em 1861 iniciou a instalação
dos esgotos entre La Villette e Les Halles, supervisionada pelo engenheiro Belgrand.
http://estoriasdahistoria12.blogspot.com.br/2013/10/as-transformacoes-na-vida-urbana-o.html
Acesso em: 04.11.2014.
89
“A preta-mina cozinheira, os engraxates mestiços, os carregadores, as doceiras, os
capoeiras, os vendedores de leite em domicílio, o baleiro ou o cura a oferecer proteção”.
(SCHWARCZ, 2012, p. 39)
90
O surgimento da favela no Rio de Janeiro, em 1897, também marca as transformações
sociais desse período. “[...] O Morro da Favela, considerado a primeira favela do Brasil, a partir

151
“[...] política agressiva de incentivo à imigração estrangeira”. Como
possibilidades reais e dominantes, as cidades e as indústrias se impunham
como novos fenômenos sociais e econômicos. Voltado para a região Sudeste,
o eixo econômico era representado, principalmente, pelas cidades do Rio de
Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. (SCHWARCZ, 2012, p. 42)
Mesmo com todo o dinamismo daquele período, até 1930, o Brasil ainda
era agrícola, segundo o censo de 192091.

Ao lado nas novas tecnologias, das atividades econômicas e


ocupações sociais mais recentes – e propriamente urbanas –
permaneciam os rastros de um passado revigorado, em que as
hierarquias sociais eram dadas por padrões rígidos de nascimento e
inserção. (SCHWARCZ, 2012, p. 47)

Quanto aos libertos, no período pós-abolição, não foram contemplados


com uma política social para construir o seu aprendizado tão necessário à vida
nas cidades, para que pudessem ter igualdade na competição com imigrantes
ou trabalhadores livres nacionais. (SCHWARCZ, 2012, p. 61)
A propagação das teorias raciais (influentes até 1930) condenando a
mestiçagem de nosso país, a interpretação social determinista estabelecendo
hierarquias entre as raças, tornara a vida daqueles grupos “um fardo pesado” a
carregar. Negros e libertos sem “sucesso profissional ou social” eram vistos
como incapazes e inferiores biologicamente, ignorando-se as causas no seu
passado ou nas suas condições de vida. O debate após a abolição se afastou
“[...] da questão da cidadania92 e da igualdade em nome das razões e

do ano de 1897 abrigou remanescentes dos cortiços do centro do Rio, ex-escravos do Vale do
Paraíba e os soldados desamparados da Guerra de Canudos e todos aqueles que jamais
seriam retratados na poesia de Olavo Bilac. A favela erigia-se como monumento na região
central do Brasil em frente à praça da Aclamação (hoje Praça da República). [...] Hoje,
conhecemos o antigo Morro da Favela como Favela da Providência, que ainda pode ser vista
atrás da Central do Brasil, entre os bairros do Santo Cristo e da Gamboa.”
www.jornalplasticobolha.com.br/pb24/quartodedespejo.htm. Acesso em: 09.04.2014. Ver
também: VALLADARES, Licia. A Gênese da Favela Carioca. A produção anterior às
Ciências Sociais. RBCS. Vol. 15 nº 44 outubro/2000. www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v15n44/4145.
Acesso em 09.04.2014.
91
“Dos 9,1 milhões de pessoas em atividade, 6,3 milhões (69,7 %) se dedicavam à agricultura;
1,2 milhão (13,8 %) à indústria; e 1,5 milhão (16,5 %) aos serviços de uma maneira geral.”
(SCHWARCZ, 2012, p. 43)
92
Enquanto fenômeno histórico, o avanço da cidadania no Brasil não atrelou as suas três
dimensões políticas: direitos civis (direito à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a
lei); direitos políticos (direito à participação do cidadão no governo da sociedade-voto) e direitos

152
argumentos da biologia. A ciência naturalizava a história e transformava
hierarquias sociais em dados imutáveis.” (SCHWARCZ, 2012, p. 61)

E o movimento era duplo: de um lado [...] a inferioridade


presente no componente negro e mestiço de nossa população; de
outro tentava-se escamotear o passado escravocrata e sua
influência na conjuntura do país. Bom exemplo é o hino da
proclamação da República. Criado em 1890, [...] conclamava: “Nós
nem cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre país.”
Ora, a libertação mal ocorrera e já se silenciava (oficialmente) sobre
ela ou a transformava em “passado remoto”. (SCHWARCZ, 2012, p.
61)

Na população do Brasil, contavam-se espanhóis, portugueses, negros,


mulatos livres e libertos. Estes últimos foram os mais prejudicados nos
aglomerados urbanos (cortiços) formados às pressas, com o “preconceito
silencioso” diante de sua raça formada por populações apresentando uma
gradação de cores diferenciadas, mas, ao mesmo tempo, igualadas como
populações oriundas do escravismo.

Nas áreas rurais, os ex-escravos misturaram-se à população pobre,


constituindo a imagem de país mestiçado, tão comentada quanto
criticada pelas teorias raciais do início do século XX, mas
transformada em símbolo do Estado Novo, já nos anos 1930. [...]
Nomadismo dessas populações, que evitavam se fixar em algum
lugar restrito. [...] após a abolição era possível observar ex-escravos
isolados ou comunidades inteiras vagando pelos campos, ou
estabelecendo-se por curto tempo, para voltar a perambular. [...]
Mobilidade [...] encontrada na experiência prolongada da escravidão,
que jamais conheceu o sentido de propriedade. (SCHWARCZ, 2012,
p. 63)

Os trabalhadores negros passaram a viver nas fazendas do interior dos


estados, como Minas Gerais, São Paulo e também no Nordeste; misturando-se
aos camponeses e imiscuindo-se nos trabalhos agrícolas. Ao contato com a
“[...] vasta população de caipiras, sertanejos, caboclos, paulistas ou mineiros

sociais (direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde e à aposentadoria). Sendo


assim, esses direitos por terem sido negados, em muitos momentos do processo histórico do
país, gerou uma “cidadania inconclusa”. Sobre esse assunto ver CARVALHO, José Murilo de.
Cidadania no Brasil – o longo caminho. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. O
autor afirma que somente o exercício pleno de um direito pode redundar na aquisição de outros
direitos.

153
habituara-se a formar roças volantes e deslocar-se sazonalmente.”
(SCHWARCZ, 2012, p. 63) Eles adotaram o “modo de vida caipira”, evitando a
fixidez e produzindo pequenas roças, “[...] uma sociabilidade que se utilizava
das relações de vizinhança e dos grupos que se reuniam em arraiais, vilas e
bairros rurais.” (SCHWARCZ, 2012, p. 63)
A inevitável e crescente miscigenação “convivia” com o discurso
científico93 sobre as diferenças raciais no século XIX legitimando o imperialismo
europeu, hierarquizando a humanidade e possibilitando ao homem branco a
ocupação do “[...] topo da evolução da espécie, símbolo maior do progresso e
da civilização.” Com ampla difusão na Europa, essas ideias se espalharam
para inúmeros países do mundo, dentre eles, o Brasil. (GIAROLA, 2011, p. 72)
Para o grupo dirigente do final do século XIX no Brasil, a publicação de
“A Origem das Espécies”, com “a teoria da evolução” de Charles Darwin (1809-
1882) subsidiava a definição dos seus conceitos de nação e de cidadania.
(GIAROLA, 2011, p. 72)
O discurso científico, que tanto agradava aos brasileiros, ao mesmo
tempo era utilizado por vários viajantes que representavam “[...] o Brasil como
exemplo de nação degenerada de raças mistas [...], modelo da falta e atraso
em função de sua composição étnica e racial.” (GIAROLA, 2011, p. 72)
Gobineau (1816-1882) foi o principal nome entre os teóricos racistas
que condenava a hibridação, o qual julgava “[...] o Brasil como culturalmente
estagnado e como um risco permanente para a saúde”. Para ele, a
miscigenação manchara os brasileiros de forma irrevogável e, por isso, achava-
os desprezíveis. (GIAROLA, 2011, p. 72)
Segundo Giarola (2010, p. 74), “[...] os intelectuais brasileiros tiveram
seu próprio modo de ver a composição racial do país. Ressaltando que não
houve uma tradução aleatória de textos, mas antes um trabalho de seleção.”

93
Não temos a intenção de nos aprofundar nas questões raciais no Brasil, uma vez que isto
poderia nos desviar dos objetivos deste trabalho, no entanto, entraremos em alguns aspectos
relevantes sobre o assunto. Para uma análise mais detalhada, ver as análises de Giarola
(2011), sobre as obras: SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: Cientistas,
Instituições e Questão Racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Cia das Letras, 1993 e
SEYFERTH, Giralda. Construindo a Nação: Hierarquias raciais e o papel do racismo na
política de imigração e colonização. In: MAIO, Marcos Chor: SANTOS, Ricardo Ventura
(Org). Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996.

154
Aqueles intelectuais ocupavam-se com a seguinte questão: “Como
conviver com o paradoxo da aceitação de uma teoria que levava à inviabilidade
futura da nação?” A miscigenação no Brasil “[...] não despertava a oposição
instintiva da elite branca.” O processo era reconhecido e aprovado, pois fora
assim que alguns mestiços (quase sempre mulatos claros) ascenderam “[...] ao
topo da hierarquia social e política.” (SKIDMORE, apud, GIAROLA, 2011, p. 74)

Em busca da negação da ideia de inferioridade inata dos mestiços, a


intelectualidade brasileira forjou uma conclusão otimista baseada na
afirmação chave de que a miscigenação não produzia
inevitavelmente “degenerados”, mas uma população branca, tanto
cultural quanto fisicamente. A tese do branqueamento se apoiava na
hipótese de que a mistura racial, da forma em que ocorria no Brasil,
produzia “naturalmente” uma população mais clara, em parte porque
o gene branco era mais forte e em parte porque as pessoas
procurassem parceiros mais claros do que elas. (SKIDMORE, apud,
GIAROLA, 2011, p. 75)

Para que o país avançasse moral, intelectual e progredisse


materialmente, seria necessário o branqueamento da nação. Nesse contexto, a
imigração europeia impulsionaria a purificação étnica.
Com os argumentos levantados e descritos acima, não resta dúvida de
que, para os negros no Brasil após a abolição, não havia ainda a aceitação de
sua própria existência. Tinham que conquistar o direito de existir. As
dificuldades enfrentadas para a sua sobrevivência não eram atribuídas à
nulidade de projetos políticos sociais. Um longo caminho estava por vir e este
prometia ser de esquecimento, silêncio, mas também de “adaptação”, desejos
de participação social e de justiça.
Nosso esforço neste capítulo consiste em continuar analisando o
aspecto do branqueamento na política e na sociedade brasileira do início do
século XX, a fim de perceber o ambiente no qual os descendentes dos libertos
da colônia agrícola Nossa Senhora da Piedade estavam sendo “forjados”.
Como estavam construindo a sua identidade? Como eles se viam e como viam
os “outros”?
Mesmo extinta a desigualdade escrava pela abolição, a continuidade da
diferença negra herdada do passado escravista apresentava novos
significados.

155
Continuando a análise daquele período, utilizamos os estudos de
Domingues (2002), inicialmente afirmando que:

[...] o branqueamento ora é visto como a interiorização dos modelos


culturais brancos pelo segmento negro, implicando a perda do seu
ethos de matriz africana, ora é definido pelos autores como o
processo de “clareamento” da população brasileira, registrado pelos
censos oficiais e previsões estatísticas do final do século XIX e início
do XX. (HOFBAUER, apud, DOMINGUES, 2002, p. 565-566)

O estudo de Domingues94 (2002) foi importante para o presente trabalho,


pois apresenta preocupações em compreender o papel do negro na fase
posterior à abolição. Como, para eles, a sobrevivência tenha se tornado um
desafio, o autor nos ajuda a conhecer o ambiente de rejeição que foi sendo
construído em torno das famílias descendentes de escravos e de menor
rejeição ou aceitação aos grupos que se adaptavam aos “modelos culturais
brancos”.
Para ele, “[...] as reflexões sobre essa temática carecem de uma
distinção rigorosa entre análise do discurso ideológico e análise da realidade
empírica.” (DOMINGUES, 2002, p. 566)
No “racismo à brasileira”95 o fenômeno era visto como algo irreversível.
Estimativas “confiáveis”, isto é, documentos oficiais do governo previam que a
extinção do negro se daria entre 50 a 200 anos. “O objetivo era menos o
branqueamento genotípico e mais o ‘clareamento’ fenotípico da população.”
(DOMINGUES, 2002, p. 566).
No contato com aquelas informações, relacionamo-las ao fato de que a
colônia agrícola pensada pela condessa teria uma duração de 50 anos, para
que pudesse ser transformada em propriedade dos libertos e de seus
descendentes. Sempre tentamos entender o significado desse tempo. Teria
fundamento pensarmos que ela acreditava no fenômeno de supressão

94
Para defender a sua dissertação de mestrado em História Social (USP), o autor reuniu
documentos e analisou arquivos da prefeitura de São Paulo, de museus da saúde pública, do
tribunal judiciário de São Paulo, da Universidade de São Paulo, jornais e atas da comunidade
negra, jornais da grande imprensa, relatórios de polícia e a legislação da cidade (final do século
XIX e primeiras décadas do século XX).
95
Para maior entendimento sobre o assunto ver reflexões de Domingues (2002, p. 565) sobre a
obra: HOFBAUER, Andreas. Uma História de Branqueamento ou o Negro em Questão.
Tese de Doutorado. São Paulo: FFLCH/USP, 1999.

156
progressiva do negro e por isso estipulou esse prazo? Ou, na verdade, a
condessa pensava que um período de 50 anos, seria tempo suficiente para que
as elites, no poder, pudessem empreender uma política social ampla,
contemplando também os negros?
Domingues (2002, p. 569) analisa o comportamento da classe
dominante paulista nas décadas de 1910 e 1920, que acreditava no “[...]
‘clareamento’ gradual e permanente da pessoa, mas jamais se cogitava a
hipótese de que a mestiçagem gerava o ‘enegrecimento’ da população”.
O autor esclarece abaixo a razão da diminuição da população negra em
São Paulo naquele período. Sua diminuição, atribuída à inferioridade biológica,
defendida por muitos, era na realidade em

[...] decorrência dos problemas sociais que assolavam este povo, os


quais os principais eram: as condições desumanas de moradia, as
doenças, o desemprego, o alcoolismo, o abandono do menor, dos
velhos, a mendicância, subnutrição, criminalidade e a mortalidade
infantil. [...] a desigualdade racial nos indicadores da saúde pública
quanto aos índices de natalidade e mortalidade (tanto infantil quanto
adulta) era abissal, penalizando terrivelmente a população negra em
São Paulo no início do século XX. (DOMINGUES, 2002, p. 572-573)

Mas, a “ideologia do branqueamento no meio negro” também foi


analisada por Domingues (2002, p. 573) nos seguintes aspectos:
branqueamento de ordem moral e/ou social; branqueamento estético e
branqueamento biológico.
O autor apresenta a seguinte hipótese: a ideologia de branqueamento
imposta pela elite paulistana no início do século XX foi aceita por uma parcela
da população negra, porque esta a avaliou como um “fenômeno natural e
inevitável”. (DOMINGUES, 2002, p. 573)
A assimilação de comportamentos e atitudes dos brancos, considerados
“positivos” pelo negro, fundava o branqueamento moral e/ou social. Domingues
(2002, p. 574) nos apresenta a fala de um “articulista que se apresentava como
antigo militante negro”, em um artigo no Jornal da “imprensa branca”,
enaltecendo as ações políticas dos brancos e diminuindo a importância das
lutas dos negros no processo de abolição:

157
Seguir os brancos nas suas conquistas e iniciativas felizes [...] será o
marco inicial da segunda redempção dos negros. [...] Salientamos
que a sua liberdade não foram elles [negros] que conseguiram. As
tentativas que emprehenderam malograram desastrosamente. E da
mão do branco que odiavam receberam a liberdade dos seus
sonhos! (Folha da Manhã, São Paulo, 12.01.1930, apud.
DOMINGUES, 2002, p. 574)

Sendo assim, a ideia era de que os negros sentissem a necessidade de


se “[...] espelharem nas ações políticas dos brancos”. Deveriam “[...] seguir
todas as normas do código de conduta moral do ‘branco’”. (DOMINGUES,
2002, p. 574)
Os negros “branqueados socialmente” recusavam a herança cultural
africana e não conviviam com os negros da “plebe”. Para se tornarem “negros
de essência branca” negavam tudo que tivesse referência ao mundo negro.
(DOMINGUES, 2002, p. 576)

[...] Pelo prisma de Roger Bastide, a imprensa negra vai ser no Brasil
o principal instrumento do puritanismo “preto”. [...] Historicamente, o
comportamento puritano está vinculado ao desenvolvimento da
burguesia e sua adoção tornou-se um critério de ingresso dos
indivíduos na pequena burguesia. [...] O puritanismo da elite negra
paulista, reiteramos, foi um mecanismo sobretudo de distinção
social, que é típico de grupos em ascensão. (BASTIDE, 1951, p. 71 e
72, apud DOMINGUES, 2002, p. 577)

Quanto ao branqueamento estético, Domingues (2002, p. 577) diz que,


para se aproximarem do “modelo branco de beleza”, os negros deveriam
mudar comportamentos e atitudes. Eliminar os “traços negróides” através de
pentes de aço ou cremes que pudessem alisar os cabelos, aderir ao “pó de
arroz” ou cremes para clarear a pele se tornaram formas de se aproximarem do
branco no plano das aparências.
A brancura foi oficializada como “padrão de beleza” e a negritude como
“padrão de fealdade”. (DOMINGUES, 2002, p. 578)

A negação da ancestralidade africana deve ser entendida como um


mecanismo simbólico de fuga étnica. Combinado à alienação, o
recurso do “branqueamento estético” transmitia à subjetividade do
negro a sensação de estar cada vez mais parecido com o modelo
sancionado como superior. Portanto, foi uma tentativa de superação
da inferioridade que sua cor e seus caracteres físicos
representavam. (DOMINGUES, 2002, p. 581)

158
No terreno biológico, a ideologia do branqueamento partia da premissa
de que, casando-se com pessoas mais claras, o negro melhoraria a sua raça.
Os pais incentivavam os seus filhos a se casarem com “pessoas não negras” a
fim de se desvencilharem dos recalques. (DOMINGUES, 2002, p. 581)
Através de seus estudos, Domingues (2002, p. 581) percebeu que nessa
modalidade de branqueamento, a doutrinação não tinha a intenção de se tornar
pública, esta “[...] apenas se registrava no âmbito da vida privada, ou seja, na
sociabilidade do lar, nos ensinamentos dos pais, nos exemplos de parentes.”
No imaginário social, a ascensão do negro estava vinculada ao
“branqueamento via casamento”.

Para uma sociedade de classe com mentalidade racista, o


casamento misto, em particular do negro com alguém do segmento
branco, representava tanto aprimoramento da raça quanto a
premiação pela vitória conquistada: a mobilidade social. A esposa ou
marido brancos simbolizavam, de forma combinada, uma melhoria
dupla: de raça e de classe social. (DOMINGUES, 2002, p. 582)

No final de seu estudo, Domingues (2002, p. 590-591) informa ainda


que, a “imprensa negra” publicou alguns artigos favoráveis ao desaparecimento
do negro. Por isso, em 1921, defendeu as atitudes do presidente do estado do
Mato Grosso que, ao oferecer terras a empresários americanos, soube que
estes estavam recrutando “trabalhadores afro-americanos”. Com isso, cancelou
as concessões a fim de “[...] evitar o enegrecimento do país.” A política
imigratória selecionava racialmente, não importava a origem nacional do
imigrante, e sim “ser de raça branca”.96
Domingues (2002, p. 591- 592) conclui que as relações sociais, no início
do século XX em São Paulo, foram deformadas pela ideologia do
branqueamento. Mesmo sendo relacionado a somente uma região do Brasil,
seu estudo contribui para lembrarmos que muitas questões apresentadas são
percebidas em nossa região. Ele diz, por exemplo, que o branqueamento
desenvolveu no negro um complexo de inferioridade e no branco o de

96
“[...] Dois deputados federais Andrade Bezerra (PE) e Cincinato Braga (SP) apresentaram o
Projeto de Lei nº 209 no Congresso, após o episódio, em 1921, propondo proibição da entrada
de imigrantes negros. Sem apoio político suficiente, o projeto foi arquivado.[...] Dois anos
depois, um outro deputado federal, Fidélis Reis (MG), apresentou uma nova versão do projeto
cuja essência continuava sendo a barreira de cor.” (DOMINGUES, 2002, p. 591)

159
superioridade; produziu no branco uma auto-representação positiva,
independente de classe social, criando seus valores como naturalmente
superiores e fez com que, alguns negros se avaliassem como inferiores por
terem construído uma “auto-imagem negativa”. Foi estabelecido

[...] um círculo vicioso: quanto mais profundos os traumas do


racismo, mais o negro ajustava seu comportamento e atitudes de
acordo com a ideologia do branqueamento; quanto maior os ataques
racistas, mais profundos eram os traumas. Nesse sentido, a
interiorização da ideologia do branqueamento pelo negro deve ser
entendida como um mecanismo psicosocial, utilizado para evitar as
agruras do racismo à paulista. (DOMINGUES, 2002, p. 592)

Apresentados o racismo e os preconceitos de toda ordem, impostos aos


ex-escravos e seus descendentes, assiste-se uma resistência contra essas
opressões sociais. Neste contexto se inicia tentativas “[...] de criação de uma
Federação dos Homens de Cor, por volta de 1910, e finalmente a partir de
1915 começam a se formar no país as primeiras associações e clubes negros”.
(IANNI, 1978, p. 77, apud, BARROS, 2009, p. 201) Inicialmente, os clubes e as
associações geralmente objetivavam os assuntos culturais, posteriormente
estes originaram “verdadeiras associações negras” com objetivos sociais e
políticos, que percebiam os negros em situação de desigualdade em relação
aos outros cidadãos da República Brasileira.
Segundo Barros (2009, p. 201-202), em 1925, no jornal “Clarim da
Alvorada”, os seus editores, Jayme de Aguiar e José Correia Leite, “[...]
propunham a realização de um Congresso da Mocidade dos Homens de Cor.
(GOMES, 2005, p. 46)” A ideia não prosperara naquele ano, mas serviu de
base para um movimento mais organizado no futuro.
Em 1926, foi fundado o Centro Cívico Palmares que desempenhava um
papel de cunho político na defesa dos negros e de seus direitos e não mais
somente o papel de sociedade cultural. (IANNI, 1978, p. 77, apud, BARROS,
2009, p. 201).
O jornal “Clarim da Alvorada” volta, em 1929, a divulgar de forma mais
ampla as ideias sobre a importância de um Congresso da Mocidade Negra no
Brasil, para defender “[...] a diferença negra socialmente organizada.” (GOMES,
2005, p. 48, apud, BARROS, 2009, p. 202)

160
Observando os dados e as informações apresentadas por Barros (2009),
percebe-se que houve uma resposta dos negros ao racismo e à política de
branqueamento apresentados nos estudos de Domingues (2002). Nota-se uma
resposta imediata àquelas ações que pretendiam estender os caminhos
históricos e sociais construídos com desigualdades que foram transformadas
em diferenças.
Barros (2009. p. 217) afirma que “[...] racismo, preconceitos,
discriminações [...]” são construções sociais que existem efetivamente e
defende o fortalecimento da formação e de reatualização de uma consciência
negra, a qual

[...] não é a autoconsciência de que se é negro, enquanto unidade


biológica; é a autoconsciência de que se é negro, enquanto unidade
sociológica. Consciência de que se é construído como negro pelos
poderes institucionais, pelas formas de sociabilidade, pelos modos
de perceber o mundo humano, pelas práticas culturais. E é a
consciência de que, nesta construção social, o indivíduo considerado
negro, autoidentificado como negro ou não, pode estar sujeito a
desigualdades. Consciência negra é construir uma identidade negra
em um mundo dentro do qual o racismo – outra construção – existe
de modo explícito ou encoberto. É construir a identidade negra como
diferença, e exigir que esta diferença seja percebida sem
desigualdade. É dotar essa identidade de força política, de valor
social, de pujança cultural. Para fazer isto, não é necessário
desconhecer que essa identidade negra é – como de resto todas as
identidades – uma construção social, que ela não foi dada pela
natureza, mas sim elaborada pela história. (BARROS, 2009, p. 221)

Vimos anteriormente, que nas décadas de 1920 já existiam movimentos


a favor da diferença para formar uma consciência junto à Mocidade Negra no
Brasil, cuja importância foi analisada acima por Barros. E nos anos de 1930,
como ficaram esses movimentos?
Percebe-se nos estudos de Barros (2009) que aquelas atitudes de
racismo em São Paulo denunciadas nos estudos de Domingues (2002) foram
combatidas pela Frente Negra Brasileira, fundada em 1931, sendo extinta pela
Ditadura de Getúlio Vargas, em 1937 e pela Legião Negra, surgida em 1932. A
finalidade desses grupos organizados era de combater o racismo através de
congregação, educação e orientação aos negros daquela cidade.
(FERNANDES, 1959, p. 281-282, apud, BARROS, 2009, p. 202)

161
Naquela mesma época, surgem os primeiros jornais negros, entre eles
podemos citar o jornal “A Voz da Raça”, que protestava e fomentava a
consciência e a identidade negra. (FERNANDES, 1965, apud, p. 202)
Para Barros (2009, p. 202-203),

O fechamento da Federação Negra Brasileira em 1937 pela ditadura


do Estado Novo, e as dificuldades mais imediatas de ser firmada
uma nova organização – a União Negra Brasileira – não impediriam
que se mantivesse perfeitamente em curso este fenômeno
irreprimível: a consolidação política e social [...] de uma já antiga
diferença, agora singularizada pelos valores da resistência e da
liberdade. A partir desta diferença livremente afirmada, fortalecer-se-
ia definitivamente um movimento negro, enfrentando contextos
políticos diversos e por vezes resistindo às políticas governamentais
e aos poderes dominantes.

Os autores nos apresentaram movimentos de opressões, mas também


de resistências naquele contexto no pós-abolição. Percebe-se que viver em
sociedade na condição de libertos, ora despertava no negro a força da sua
identidade, ora a vontade de sucumbir ao meio. No próximo segmento, a partir
das informações apresentadas, continuaremos as nossas considerações sobre
os “herdeiros” dos libertos, que viviam na colônia agrícola Nossa Senhora da
Piedade, após os 50 anos de sua formação. Objetivamos tornar conhecidas as
suas transformações, tornando-se bairro Colônia e, posteriormente, bairro de
Vila Isabel; as relações sociais, culturais e políticas desses descendentes com
outros grupos e a ideologia modernista da cidade de Três Rios. Com isso,
perceberemos que, a história de nossa região exemplifica a formação da
sociedade brasileira tanto nas ações de opressões quanto nas de resistências
vivenciadas pelos grupos sociais.

4.2 HISTÓRIA, ESQUECIMENTO E SILÊNCIO

A fazenda de Cantagalo e os libertos da Condessa do Rio Novo


passaram por todas aquelas transformações registradas nos capítulos
anteriores (1882-1931). Constituída a colônia agrícola, esta foi arrendada e
aforada. Os libertos e seus descendentes continuaram sendo explorados.
Aquele “nomadismo” e “mobilidade” citados por Schwarcz foram os meios

162
encontrados para continuar buscando formas de sobreviver. Posteriormente,
veremos aqueles que permaneceram e apelaram à justiça, “refazendo” a
caminhada de seus antepassados.
Somado ao que afirmamos acima, vimos a ideologia do
embranquecimento que atingia as populações oriundas do escravismo no
Brasil. Sendo assim, aqueles descendentes dos libertos que permaneceram na
colônia assistiram às transformações e agiram conforme as suas
necessidades, de acordo com as possibilidades daquele período histórico.
Enfrentando dificuldades econômicas, políticas, os preconceitos e as
discriminações, reagiram, ora vencendo ora sendo vencidos.
Nossa intenção consiste em registrar a trajetória desses homens e
mulheres, refletindo sobre os obstáculos que enfrentaram.

4. 2.1 A Década de 1930

A Colônia Agrícola de Nossa Senhora da Piedade, em 1932, ainda


pertencia ao município de Paraíba do Sul, pois Entre Rios era o seu 2º distrito,
como já dissemos anteriormente. A partir de 1938, esse distrito emancipou-se,
surgindo, então, o município de Entre Rios. Por isso, continuamos nossa
pesquisa analisando as atas da Câmara Municipal de Paraíba do Sul até essa
data.
O ano de 1932 estaria inserido no Livro Ata nº 19, o qual se inicia com o
ano de 1928. Contudo as sessões da Câmara do período de 12 de junho de
1930 a 08 de agosto de 1936 não se encontram registradas.
Lembremos que o ano de 1932 marca o tempo determinado nas
disposições do testamento da Condessa do Rio Novo – “Findos os 50 annos,
ficará emancipada a colônia e poderão os meus libertos e seus descendentes,
que então existirem partilhar entre si as terras”.
O que fazer diante de todas as dificuldades encontradas naquele
contexto? Como manter as terras ou fazer algum investimento nelas, se até a
Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, responsável pela administração da
colônia, estava pedindo ajuda em 1937?

163
[...] requerimento da Casa de Caridade de Parahyba do Sul, pela sua
mesa administrativa, pedindo auxílio de 20:000.000, para a
construção em 1938 de um pavilhão para maternidade, sala de
operações, etc... (Atas da Câmara Municipal de Paraíba do Sul. Livro
20. 27.07.1937)

Mesmo com os aforamentos feitos em Entre Rios, a administração da


Casa de Caridade não conseguia capital suficiente para manter as “obras de
caridade” pensadas pela condessa em seu testamento. Sendo assim, apelava
ao poder público.
As atas da Câmara Municipal de Paraíba do Sul foram interrompidas
novamente em 10 de novembro de 1937 e seus registros só retornaram dez
anos depois, em 1947. Entre as lacunas de 1930 a 1936 e 1937 a 1947,
totalizam-se, então, 16 anos de silêncio político na Câmara.
As Câmaras Municipais foram fechadas, obedecendo ao Decreto
19.398, de 11 de novembro de 1930, Art. 2º, editado por Getúlio Vargas que
liderou o movimento para assumir o poder central, com o apoio das forças
armadas, instituindo o governo provisório e assumindo a sua chefia. Depois
disso, criou o interventor municipal, um prefeito nomeado para legislar e
administrar o município.
Um ano antes de expirar o seu mandato, implantou o Estado Novo, em
1937. Ampliado o seu poder, promoveu a destruição de arquivos e documentos
municipais. Encerrada a ditadura, em 1945, uma nova constituição
restabeleceu a democracia e o pluripartidarismo.97
Com isso, a busca nas atas da Câmara Municipal de Paraíba do Sul
teve fim, diante do silêncio forçado da fonte, a qual nos serviu em momentos
importantes da pesquisa.
Continuando o objetivo de responder às nossas indagações, dirigimo-
nos à Casa de Cultura de Três Rios, para pesquisar os periódicos locais
existentes das décadas de 1930, 1940 e 1950.
Logo de início, no jornal “A Tribuna”98, encontramos duas notas da
Prefeitura Municipal de Paraíba do Sul. A primeira (05.06.1932) abrindo

97
www.camaralp.mg.gov.br/histotia-do-legislativo.html. Acesso em: 03.11.2014.
98
ANEXO XXI.

164
concorrência pública para a reconstrução da estrada ligando a sede de Entre
Rios à Colônia de Cantagalo, com 1.000 metros de extensão e a construção de
um bueiro de pedras para substituir um pontilhão estivado99 e a segunda
(08.07.1932), um mês depois, autorizando a obra para a execução dos
consertos. A colônia agrícola aos poucos foi sendo integrada à zona urbana.
Com os aforamentos, a colônia recebia inúmeros moradores que iniciam um
povoamento que lentamente modifica o espaço e as atividades até então
desenvolvidas naquele lugar.
Ainda em 1932, a colônia recebia mais um “melhoramento”, a primeira
escola. Após 50 anos de sua formação, uma escola estava sendo fundada.
Essa prerrogativa aos filhos dos libertos, que era um dos desejos da condessa,
também constava em seu testamento.

[...] Na mesma fazenda e a expensas do rendimento dela serão


estabelecidas duas escolas para educação dos menores da colônia,
de ambos os sexos, que serão franqueados também aos menores da
circunvizinhança, se não houver inconveniente. (Testamento da
Condessa do Rio Novo)

Entretanto, só depois de meio século, no dia 18 de junho de 1932, a


primeira escola foi inaugurada no “lugar” pertencente aos libertos, sem
nenhuma participação da Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, pois fora
fruto de uma iniciativa privada, feita pelo proprietário do imóvel. Segundo o
Jornal “A Tribuna” (26.06.1932)100, tanto a professora quanto a escola estavam
sob a responsabilidade desse proprietário, para que pudesse funcionar. A
inauguração da Escola Municipal da Colônia de Cantagalo contou com a
participação de um grande número de moradores locais e de autoridades
municipais. Foram matriculados cerca de 60 alunos, com funcionamento
previsto para dois turnos, um deles exclusivo para meninas.
O baixo investimento em educação para a população brasileira, em
especial para os ex-escravos e seus descendentes, foi uma das inúmeras

99
Ponte feita de um só pau, sobre forquilhas, em terrenos alagadiços ou pantanosos.
(FERREIRA, 2009, p. 831)
100
ANEXO XXI.

165
causas que levaram à precariedade na qual se encontra a população pobre
que, desde o início do século XX, passou a viver nas cidades.
Essa realidade também se estendia a Entre Rios, onde, após a sua
emancipação, eram feitos muitos investimentos, sobretudo em construções.
Em tais investimentos a educação101 para as camadas mais pobres não era
prioridade.102
Quanto à autonomia de Entre Rios103, esta foi proposta pelo projeto lei nº
50. A criação do município se deu em 29 de maio de 1937, pela Assembleia
Legislativa Fluminense, conforme noticiado no Jornal “Arealense”, de 05 de
junho de 1937104.
Alguns meses depois, a empolgação pela nova situação do lugar podia
ser percebida no mesmo jornal:

Entre-Rios progride

101
Posteriormente, no quinto capítulo, veremos nas entrevistas dos afrodescendentes e de
moradores antigos da Vila Isabel que, estes nasceram em 1927 (D. Nair), por volta de final dos
anos de 1920 (D. Maria da Glória), 1930 (Sr. Valdir), 1938 (Sr. José Ferreira), 1942 (Sr.
Wilson), 1943 (D. Jane), 1944 (Sr. Aurélio e D. Vilma), 1946 (Sr. Hélio), 1950 (Rossi Meleide).
Aqueles que nasceram entre as décadas de 1920 a 1940 não estudaram ou fizeram algumas
séries do antigo primário, atualmente, primeiras séries do ensino fundamental. O Sr. Hélio,
nascido em 1946, também estudou até a quarta série. Os outros entrevistados nascidos após
1940 estudaram um pouco mais. D. Jane, porque recebeu ajuda de uma família, proprietária de
uma escola particular em Três Rios, conseguiu formar-se no ensino superior. O Sr. Aurélio por
ter se mudado de Três Rios, estudara até a quinta série e fez cursos profissionalizantes em
Petrópolis. Os irmãos: Vilma, Wilson e Rossi Meleide, nasceram fora de Três Rios. Nasceram,
respectivamente, em Cachoeira/MG, Três Corações/MG e Nilópolis/RJ; Vilma estudou até a
sexta série, Wilson terminou o ginasial e Rossi Meleide estudara até o segundo ano do ensino
médio.

102
A pobreza era bem visível entre os negros, habitantes de Entre Rios, como podemos
observar no ANEXO XXXI, Figura 13, onde a “Casa da Mãe Pobre (1936) atendia a população
carente da região. Na foto são todos negros.
103
“O início do processo de emancipação municipal no Brasil ocorreu por volta da década de
1930. Esse processo se intensificou nas décadas de 1950 e 1960 e foi restringido pelos
governos militares entre 1970 e 1980. Após o término do regime militar, as emancipações se
intensificaram novamente.” Sobre “emancipação política-administrativa de municípios no
Brasil”, ver: www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/pdfs/livros/Capítulo 1-30.pdf. Acesso em:
03.11.2014.
104
“O Decreto Estadual nº 634, de 14 de dezembro de 1938, criou o município de Entre Rios,
com território desmembrado do município de Paraíba do Sul, tendo sido confirmado pelo
Decreto Estadual nº 641, de 15 de dezembro de 1938, [...] constituído por 4 distritos: Entre
Rios, Areal, Bemposta e Monte Serrat.” Fonte: IBGE-Conselho Nacional de Estatística. Sinopse
Estatística do Município de Três Rios. Estado do Rio de Janeiro. 1948.

166
É o refrão alviçareiro que se ouvem a cada passo. E é o que a
cada passo verificam todos.
[...] O Sr. José da Silva Vaz pretende dotar Entre-Rios de um
cine-teatro de grandes proporções, instalado à moderna e à altura de
nossa evolução.
Não menos auspiciosa é a notícia que hoje veiculamos.
Principalmente para os que amam verdadeiramente esta terra e a
querem engrandecida, sempre na vanguarda do progresso. [...]
E assim, aquele quarteirão, dos principais da cidade, vai em
breve começar sua metamorfose.
Outros edifícios surgirão sem dúvida substituindo antiquado
casario que tanto enfeia nossa artéria melhor e mais importante, em
modelos estilisados, de belas linhas arquitetônicas, transformando-a
num logradouro atraente e fixador da iniciativa operosa e audaz dos
mais decididos amigos desta futurosa cidade.[...] (“Jornal Arealense”,
16.10.1937, p. 1)

Entre Rios passava por transformações, almejando um “status” de


cidade desenvolvida e progressista. Na fala acima podemos observar esse
fenômeno através das locuções: “moderna”, “evolução”, “engrandecida”,
“vanguarda do progresso”, “metamorfose”, “edifícios”, em um esforço de
convencer que a cidade estava “antiquada”, merecendo uma arquitetura
“futurista” e “estilosa”.
Ao mesmo tempo havia outra realidade: as dificuldades enfrentadas
pelos produtores de café, no final da década de 1930, as quais podem ser
percebidas através das notícias publicadas pelos jornais.
O “Entre-Rios Jornal”, no dia 12 de janeiro de 1939105, informava que
tinham sido incineradas, em Entre Rios, 23.129 sacas de café das safras de
1936 a 1939.
Como se sentiram os trabalhadores rurais com relação à “queima dos
frutos” de seu trabalho? Que efeito pode ter causado a esses trabalhadores o
início de uma conscientização na qual podiam perceber que o seu trabalho,
“braçal” era o de “gente atrasada”? O que fazer com as suas habilidades?
Como assumir uma realidade que passava por uma grande transformação?
Rios e Mattos (2005, p. 194-195) em suas pesquisas sobre os “[...] filhos
e netos da última geração de escravos e as diferentes trajetórias do
campesinato negro [...]” nas fazendas de café do Sudeste, informam que estes
nasceram entre 1910 e 1935 e que sobreviveram, como os seus avós e pais,

105
ANEXO XXII.

167
na agricultura. Seus modos de vida e as suas trajetórias eram bem
diferenciados. Mesmo sendo considerado equivocadamente atrasado, o
trabalho com a agricultura permanecia, também, em pequena escala, na
colônia analisada, como veremos posteriormente, de acordo com o que
informaram as autoras.
Contudo, os anos de 1930 foram considerados importantes na definição
dos rumos do desenvolvimento do país, segundo dados relativos à evolução da
estrutura produtiva. A principal mudança no plano da economia foi o
deslocamento de seu eixo do polo agro exportador para o polo urbano
industrial. Politicamente, houve um “[...] esvaziamento do poder dos grupos
interessados na preservação da preponderância do setor externo no conjunto
da economia [...]”, com a ascensão paralela dos interesses ligados à produção
para o mercado interno. Esse processo de transição foi administrado pelo
primeiro governo de Getúlio Vargas, de 1930 a 1945. (DINIZ, apud,
SZMRECSÁNYI; GRANZIERA, 2004, p. 41)
Paralelamente, o café, principal produto da colônia agrícola, entrou em
decadência. Não houve investimentos e incentivos às roças de outros produtos
agrícolas, nem pela Irmandade, que a administrava, tampouco um projeto
político com relação à produção agrícola de pequenos proprietários para o
mercado interno.
Os arrendamentos e os aforamentos feitos no passado, nas terras da
colônia agrícola, que, findos os 50 anos de sua formação, deveriam ser de
propriedade dos descendentes dos escravos libertados pela Condessa do Rio
Novo, promoveram conflitos e especulações imobiliárias.
Em 1939, naquelas terras, vendia-se uma chácara, mas não era
apresentada a identificação do proprietário. Parte das terras estava sendo
negociada, estava nas mãos de outras pessoas, através do aforamento feito
pela Irmandade.

VENDE-SE, na rua da Colônia, um bungalow com 5 commodos


assoalhados e coberto com telhas francezas. Chácara e boa água.
Entender-se com Trajano Bomfim, guarda-chaves.(“Entre-Rios
Jornal” – 19.01.1939, p. 3)

As terras passando para as mãos de outrem eram uma realidade local.


E em nível nacional? O que estava ocorrendo no país naquele contexto?

168
O país tinha propostas de crescer, de se industrializar. Para isso, seria
necessário que as pessoas se qualificassem. O passado agrário, rural, fazia
parte do “atraso”, constantemente “denunciado” em muitas ocasiões de nossa
história. Desde o início da República, pensava-se no desenvolvimento urbano
seguindo os moldes europeus, “civilizados”. As pessoas precisavam se
desenvolver, “progredir”.

Ao final da Primeira República, o termo “desenvolvimento” começa a


aparecer na retórica oficial, ainda algum tempo sem abandonar de
vez a palavra “progresso” – o que ajuda a evidenciar o positivismo
como uma das matrizes ideológicas do desenvolvimento brasileiro a
partir de 1930. (FONSECA, apud, SZMRECSÁNYI; GRANZIERA,
2004, p. 170)

Esse discurso oficial, já bem conhecido, foi estruturado na história de


nosso país e na história de Três Rios. Mesmo antes de sua emancipação, em
1938, era reconhecida pela sua mobilidade econômica, o que justificava a
criação do município e “[...] identificada como progressista e se orgulhava de
estar na vanguarda industrial [...]”, diferenciando-se de Paraíba do Sul, a
“cidade de origem”. (RIBEIRO, 2009, p. 30)

Trata-se de um distrito próspero com cerca de 1849 casas de


moradia, 11.094 habitantes, onde existem em franco
desenvolvimento indústrias diversas... Ponto do encontro de 3
estradas de ferro. O Distrito de Entre-Rios está ligado por rápidas
conduções aos grandes centros do país, o que lhe empresta
invejáveis possibilidades de progresso ininterrupto. (“Entre-Rios
Jornal”, 22.12.1938, apud, RIBEIRO, 2009, p. 55-56)

Segundo Ribeiro, no processo de definição das identidades individuais


e/ ou coletivas de Três Rios, percebe-se que a cidade, contextualizada com a
“era Vargas”, tinha “[...] como referência o mito da modernidade e as questões
simbólicas ligadas ao progresso e que apontavam para o desenvolvimento, a
partir do entroncamento rodo-ferroviário que a cidade possui”. (RIBEIRO, 2009,
p. 30)
Foi assim que Três Rios superando a noção do tempo histórico negava
o seu passado atrelado a Paraíba do Sul, considerando-o ultrapassado,
reforçando ideologicamente a emancipação da cidade no final da década de
1930, como o seu momento fundador.

169
Quando os historiadores falam em formação, referem-se não só as
determinações econômicas, sociais e políticas que produzem um
acontecimento histórico, mas também pensam em transformações e,
portanto, na continuidade ou na descontinuidade dos
acontecimentos, percebidos como processos temporais. Numa
palavra, o registro da formação é a história propriamente dita, aí
incluída suas representações, sejam aquelas que conhecem o
processo histórico, sejam as que o ocultam (isto é, as ideologias)
(CHAUÍ, 2000, p. 9, apud, RIBEIRO, 2009, p. 32)

Além das questões acima, Ribeiro (2009, p. 32) nos informa que,

[...] completando as funções do mito fundador, foram ressaltadas as


sagrações a natureza (encontro dos três rios, montanhas, e de forma
mais específica o ente geográfico do próprio local do entroncamento)
e o próprio desenrolar histórico como próspero (indústrias
exportadoras, e a importância na logística de transportes).

Segundo Chauí (2000, apud, RIBEIRO, 2009, p. 32), para a produção de


novos sentidos na sociedade, os discursos dos sujeitos sociais buscam inverter
valores, através de seus mitos formadores, buscando “[...] apontar novas
diretrizes e os rumos, com discursos voltados para o futuro.”
Com a função de detalhar as coisas e os lugares e por que são como se
apresentam, os mitos formadores aparecem “[...] representados pelas pessoas
e discursos que compõem a própria formação histórica”. (RIBEIRO, 2009, p.
32)
Sendo assim, podemos perceber, nos discursos dos jornais locais, o que
se pretendia quanto ao futuro da cidade. Nesse futuro, dentro do contexto que
se apresentou aos afrodescendentes após a abolição, sua sobrevivência e o
seu cotidiano seriam um desafio difícil de ser enfrentado. As palavras de ordem
eram “progresso” e “desenvolvimento industrial”. Entretanto, “desenvolvimento
humano”, que seria prioritário para toda a população, não só para os
afrodescendentes, era mencionado com pouca força, se comparado aos
discursos quanto aos transportes, às rodovias, às construções, às indústrias.
A notícia do “Entre Rios” Jornal, intitulada “Uma Embaixada do Collegio
Universitário visitou Entre-Rios”, de 29.06.1939106, tratava de algo relacionado
ao progresso, e principalmente ao desenvolvimento industrial, daí o destaque
especial dado à notícia. Percebe-se também que aquela “embaixada” fizera

106
ANEXO XXIII.

170
menção à necessidade de uma escola agro pecuária na cidade, mostrando que
tais atividades ainda estavam muito presentes no seu cotidiano.
Diferentemente do que ocorria quando a notícia tratava de um crime, por
exemplo, um acontecimento que ameaçava o “perfil civilizado” que se tentava
empreender à cidade. A notícia de pouco destaque não informava nem o
motivo do crime acontecido no “bairro da Colônia”.

Crime no bairro da colônia


Condenado a 6 anos
Jayme da Silva Fabrício – réu.
Vítima – Jair José do Valle.
Adv. – Waldemar Moraes
Promotor – Jayme Ponce de Leon.
(“Entre-Rios Jornal” – 13.07.1939, p. 1)

Em seus estudos, Ribeiro (2009) percebe que, por conta de se querer


forjar uma visão modernista da cidade, houve a tentativa de rompimento com o
passado ligado a Paraíba do Sul.

[...] Nos livros consultados de Guimarães (1988), Coutinho


(1976) e Kling (1969) são mencionados barões e baronesas,
fazendas, irmandades religiosas e de caridade, grupos culturais e até
a liga autonomista, mas a riqueza e o período áureo da cidade de
origem, que foi uma das mais importantes durante um determinado
período cafeeiro em meados do século XIX, são omitidos os registros
ou encontradas apenas em informações artificiais.
Essa tentativa de rompimento com o passado é percebida pela
negação e repercute em forma de rivalidade apresentada em
situações corriqueiras até os dias atuais, mesmo com a
interdependência entre as duas cidades. A partir da emancipação de
Paraíba do Sul, a cidade de Três Rios incorpora o mito de formação,
indicando uma nova guinada em direção ao progresso, ao moderno,
como única explicação para a sua gênese. Essa situação é
comprovada até mesmo na própria estrutura urbana com novas
características arquitetônicas e peculiaridades diferentes da cidade
de origem. (RIBEIRO, 2009, p. 32)

Na citação acima, percebe-se que Ribeiro silencia quanto ao


esquecimento da memória dos afrodescendentes, não menciona o passado
escravista e tampouco a sua memória no pós-abolição naqueles livros, falando
somente da omissão da história das elites cafeeiras sul paraibanas.
O que fazer para que a história e a memória dos libertos da Condessa
do Rio Novo possam ser incluídas nos registros da história e da memória de
Três Rios?

171
Segundo Halbwachs (2006, p. 72), existe uma memória histórica, a
memória do grupo nacional. Embora muitos acontecimentos não tenham sido
assistidos por todos, seus membros foram envolvidos por algum fator externo.
Mesmo não assistindo, os “[...] fatos ocupam um lugar na memória da nação
[...]” aumentadas por meio de conversas ou de leituras; como também existe
uma memória coletiva ligada ao espaço, pois

[...] não há memória coletiva que não aconteça em um contexto


espacial. O espaço é uma realidade que dura: nossas impressões se
sucedem umas às outras, nada permanece em nosso espírito e não
compreenderíamos que seja possível retomar o passado se ele não
estivesse conservado no ambiente material que nos circunda. É ao
espaço, ao nosso espaço – o espaço que ocupamos, por onde
passamos muitas vezes, a que sempre temos acesso e que, de
qualquer maneira, nossa imaginação ou nosso pensamento a cada
instante é capaz de reconstruir – que devemos voltar nossa atenção,
é nele que nosso pensamento tem de se fixar para que essa ou
aquela categoria de lembranças reapareça. (HALBWACHS, 2006, p.
170)

Três Rios rompera com o seu passado ligado às elites cafeeiras de


Paraíba do Sul, como analisara Ribeiro (2009) e com o passado da Colônia
Agrícola de Nossa Senhora da Piedade, ressaltado por nós. Mas, apesar de
tudo, Halbwachs (2006, p. 174) afirma que as lembranças reaparecem porque
os outros nos fazem recordá-las. Assim se pode falar de memória coletiva
quando evocamos um fato, que vemos ainda no momento sob o mesmo ponto
de vista do grupo do qual fazemos parte. “Não há lembranças que reaparecem
sem que de alguma forma seja possível relacioná-las a um grupo”.
No texto: “Memória, Esquecimento, Silêncio”; Michael Pollak cita
inicialmente Maurice Halbwachs, Pierre Nora e Émile Durkheim para mostrar
que, nas análises sobre a memória coletiva, podemos relacionar as
contribuições desses três teóricos, compreendendo assim, os fenômenos que
ocorrem em um contexto de memoração. Halbwachs afirma que a memória
coletiva constrói-se a partir de pontos de referência observados e assimilados
individualmente e, ao mesmo tempo, coletivamente. Pollak fala que os
monumentos, sendo um desses pontos de referência, foram analisados por
Pierre Nora, como um “lugar de memória”, utilizado para nos relembrar.
(POLLAK, 1989, p. 1).

172
Durkheim enfatiza que a memória coletiva apresenta “[...] uma força
quase institucional [...]” promovendo a duração, permitindo a continuidade e a
estabilidade de determinado grupo. (POLLAK, 1989, p. 1)
Segundo Halbwachs, a memória coletiva reforça a “coesão social” pela
“adesão afetiva ao grupo”, concordando com Durkheim, pois este acredita que
ela promove, através dos fatos sociais, sentimentos de pertencimento e
fronteiras sócio-culturais. Por isso, existem fatos comuns a um grupo e fatos
diferentes em outros grupos. Contudo, Halbwachs mostra que existem
seletividade e negociação conciliando a memória coletiva e a memória
individual. Com isso, devem existir “pontos de contato” concordantes para se
reconstruir a lembrança “sobre uma base comum”. (POLLAK, 1989, p. 1-2)
Portanto, em nossa história há “memória, esquecimento e silêncio”,
segundo Michael Pollak. 107
Pollak percebe um problema que se apresenta quando queremos
analisar determinados grupos, com o intuito de promover a constituição de
suas memórias – existe seletividade e negociação. Em se tratando de minorias
nas sociedades, a história oral ressalta “[...] a importância de memórias
subterrâneas que se opõem à ‘memória oficial’, no caso a memória nacional”.
Essa abordagem metodológica mostra uma empatia com os grupos
dominados, acentuando a opressão da memória coletiva nacional, que surge
em “momentos de crise”, fazendo com que as memórias “subterrâneas” e a
“memória oficial” entrem em disputa. (POLLAK, 1989, p. 4)
“Memórias subterrâneas”, passadas de uma geração a outra, emergem
de “lembranças traumatizantes” que permaneceram vivas, silenciadas, não
publicadas, não esquecidas, que sobreviveram com o passar dos anos à
espera de uma oportunidade para virem à tona. Denotam a resistência de civis
impotentes diante do “excesso de discursos oficiais”. Muitas delas fazendo com
que os dirigentes de determinados países tenham que revisar o passado,
através de uma (auto) crítica, ao pretenderem a promoção de mudanças
políticas.

107
Pesquisou a memória de sobreviventes dos campos de concentração nazista.

173
Essa separação entre “memória oficial” e “memória subterrânea” pode
acontecer também, e até com maior frequência, entre as minorias e a
sociedade como um todo, além de existir entre o “Estado dominador e a
sociedade civil”. (POLLAK, 1989, p. 5)
Ao analisar a visão de Pollak sobre “memórias subterrâneas” e
“lembranças traumatizantes”, podemos observar que as lembranças da
escravidão, do período pós-abolição, entre outras questões enfrentadas pelos
negros no Brasil se encontram nesse contexto.
A Colônia Agrícola Nossa Senhora da Piedade, por ser formada por um
grupo de libertos, isto é, pertencentes ao passado agrário, escravista em uma
cidade que, paulatinamente, foi mudando as suas características, inserida em
uma ideologia progressista e industrial, faz parte de uma história deturpada e
mal compreendida. Ainda que a trajetória dos libertos e a sua história tenham
sido desprezadas pela “história oficial” de Três Rios, as lembranças dos
descendentes daquele grupo permaneceram, assim como as de outros grupos
com os quais conviveram, como veremos posteriormente.

4.2.2 A Década de 1940

Dando continuidade à história da colônia, chegamos a 1940, período de


muitas dificuldades para estes que permaneciam em áreas agrícolas, agora
próximas à cidade em “desenvolvimento”.

Esse é um tempo de grandes transformações para o país, que altera


de forma profunda e decisiva sua “vocação” e lhe dá uma nova face,
desde muito almejada: uma face urbana, industrial, moderna e
civilizada, não mais colonizada e atrasada, finalmente... Ao menos,
era isso o que movia o pensamento e a ação de grande parte das
elites políticas, econômicas e culturais do período que, mesmo
estando em disputa – quanto ao como e em que ritmo e direção esse
processo devia seguir-, estavam de acordo em relação à tarefa de
“organizar” o Brasil, acreditando que, para tanto, o Estado tinha um
papel incontornável a cumprir. (GOMES, In: SCHWARCZ, 2013, p.
42)

Além de “organizar”, era preciso “desenvolver” o país. Para tanto, era


necessário “modernizar”, o que significava investir em “[...] transportes,
terrestres e marítimos, em meios de comunicação modernos, e em melhor

174
educação, saúde etc.” (GOMES, In: SCHWARCZ, 2013, p. 43) A integração do
território era vista como fator fundamental de retirada do povo de um passado
colonial para um futuro urbano e industrial.
Considera-se o período entre 1930 a 1960 no Brasil como aquele de
“transição demográfica”, o que significa a demarcação de uma sociedade
quando esta se torna industrializada e passa a crescer baixando as taxas de
mortalidade e mantendo “índices estáveis de natalidade” como também de
mudanças nas condições de vida.108 (GOMES, In: SCHWARCZ, 2013, p. 43)
No termo “organizar” havia um sentido político que era o de “[...]
conhecer os problemas do Brasil e enfrentá-los com diretrizes científicas.”
(GOMES, In: SCHWARCZ, 2013, p. 43) Deveria ser um conhecimento
sociológico, geográfico, histórico e estatístico.
Nesse sentido, Getúlio Vargas, em 1936, cria o Instituto Nacional de
Estatística (INE), que ganha novo formato em 1938, no Estado Novo, como
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De 1930 a 1960, tanto o
Brasil quanto o IBGE cresceram, e este último “[...] realizou proezas, a começar
pela feitura dos censos populacionais, prática que não mais seria interrompida
e que,[...] corrobora a máxima de que não é possível governar sem números.”
(GOMES, In: SCHWARCZ, 2013, p. 45-46)
Era preciso “[...] produzir um novo tempo, que acelerasse o ritmo de
crescimento do Brasil, tirando-o do atraso e projetando-o para a modernidade,
agora sustentada em bases mensuráveis quantitativamente.” (GOMES, In:
SCHWARCZ, 2013, p. 48)
Nesse contexto, observemos abaixo a nota sobre o Censo Agrícola
publicada pelo jornal local, informando sobre as dificuldades enfrentadas por
aqueles dedicados à economia rural cuja finalidade consistia em
“cooperativismo e crédito”. Inclusive cita a necessidade da cultura intensiva. A
“ajuda” chegava com um atraso de quase 60 anos, pois os libertos da colônia

108
“As razões que explicam esse fenômeno internacional, que naturalmente tem uma datação
fluida e variável nos percursos nacionais, são muitas, abarcando descobertas e melhorias nas
áreas de saúde, habitação e transportes, que incidem sobre os níveis de expectativa de vida
que, com a expansão e o acesso à educação e outros serviços, produzem o crescimento da
população.” (GOMES, In: SCHWARCZ, 2013, p. 43-44)

175
de Nossa Senhora da Piedade apontaram esses problemas no final do século
XIX, como vimos anteriormente.

Censo Agrícola no Brasil


Finalidade de censo agrícola – cooperativismo e crédito rural –
Em 1940
[...] O Censo agrícola que se realizará em 1940 tem por objecto
conhecer quantitativamente as principais modalidades da vida rural
brasileira.[...]
Cooperativismo e Crédito Rural
- Todos sabemos que a agricultura nacional enfrenta grandes e
graves problemas, sobretudo nos centros de maior população onde o
trabalho agrícola está a exigir medidas urgentes que o façam mais
nacional e econômico. Nesses centros, a agricultura tem de ser
antes de tudo intensiva e não extensiva; os méthodos de plantar e
colher precisam aproximar-se da technica agronômica; a arte de
vender os produtos colhidos reclama outros processos mais
compatíveis com os ensinamentos da economia rural. Dahi, a
necessidade das adubações chimicas, de motocultura109, do
cooperativismo ou do crédito rural. (“Entre-Rios Jornal” – 22.02.1940,
p. 1)

A necessidade de melhorias na agricultura apontadas pelos libertos,


nunca foram atendidas. A zona urbana cada vez mais avançava em direção ao
lugar da colônia, que pouco a pouco adquiria novas características, sofria
transformações.

Luz no bairro Colônia


Deverá ser inaugurada, dentro de poucos dias, pelo prefeito, dr.
Walter Francklin, a iluminação pública no próspero bairro da Colônia
que conta um núcleo de população bem apreciável. (“Entre-Rios
Jornal” – 14.03.1940, p. 1)

Em 1940, a colônia agrícola estava modificada, tornara-se bairro


Colônia, considerado um bairro próspero, populoso, digno de iluminação
pública.
O “Entre-Rios Jornal” dava um grande destaque à notícia sobre a
iluminação pública inaugurada no “bairro Colônia” ou “bairro da Colônia”.
Percebemos que havia uma preocupação com “o progresso, a ordem e o
trabalho” naquele lugar. A sua iluminação foi relacionada aos outros avanços

109
Cultura mecânica, que consiste na utilização dos motores inanimados, substituindo os
animais.
Fonte:http://www.cna.pt/artigostecnicos/filipesaruga/06%20vtjulho2002_filipesaruga.pdf
Acesso em: 12.11.2014.

176
que estavam acontecendo no restante da cidade, tendo sido as construções
daquela gestão consideradas “obras de arte”. 110
Outro aspecto destacado foi quanto à origem da “menina” que ligou a
chave da iluminação, era uma “colona nata”. Uma trirriense nascida naquele
lugar, mas em um outro tempo, considerado como uma “nova era” (era da
modernidade).
Por fim, esclarece quanto aos impostos, que já eram uma preocupação
da época, que o Estado pudesse majorá-lo; prevê a valorização das
propriedades do bairro e informa que ele era mais populoso que todas as
sedes dos outros três distritos de Entre Rios.
Em nenhum trecho da notícia há alguma referência ao passado daquele
lugar. A única pista de que, um dia, ali existira uma colônia agrícola, era com
relação ao nome do bairro, que mais tarde desapareceria também.
Pollak (1989, p. 6) diz que, em situações traumatizantes, encontramos
silêncios que ocorrem pela necessidade de viver lado a lado com pessoas que
consentiram ou assistiram a determinadas violências sem nada fazer, como
também silêncios pelo sentimento de culpa do grupo, por participações de
alguns de seus membros, em organizações administrativas que geriam os atos
violentos, na tentativa de mudança política, de limitar agressões e mortes e de
negociações. O grupo evita culpar as vítimas que, por sua vez, preferem
também “guardar silêncio”.
Aquele autor, embora compreenda o silêncio dos dominadores violentos,
expõe as dificuldades em apurar o silêncio das vítimas.
O silêncio das vítimas é bastante complexo. Estas precisam de que
alguém ouça os relatos de seu sofrimento. Contudo mesmo que encontrem
esse alguém durante um tempo, a vida segue seu rumo, necessitando de muita
energia para lhe dar continuidade, exaurindo a vontade de ouvir. Outra razão
do silêncio, que não é política, mas pessoal, refere-se a uma questão
relacionada aos filhos. Estes, pelo desejo dos pais, devem crescer poupados
das lembranças de suas feridas. Com o passar dos anos, corre-se o risco de
que as “testemunhas oculares” desapareçam. Sendo assim, tanto as

110
ANEXO XXIV.

177
testemunhas “[...] querem inscrever suas lembranças contra o esquecimento
[...]”; quanto seus filhos podem querer saber as suas origens, e até mesmo
pesquisá-las. (POLLAK, 1989, p.6)
A despeito de as “testemunhas oculares” da história da colônia agrícola
estarem desaparecendo, seus descendentes, que não apareciam nos
discursos oficiais, estavam ali, presentes, acompanhando aquelas mudanças,
as transformações nas propriedades que lhes pertenciam por direito adquirido
pelo testamento da Condessa do Rio Novo.
Observemos o pensamento de Halbwachs (2006, p. 172):

[...] um homem ou muitos homens só adquirem um direito de


propriedade sobre uma terra ou sobre uma coisa a partir do
momento em que a sociedade da qual são membros admite a
existência de uma relação permanente entre eles e essa terra ou
essa coisa, ou se esta relação for tão imutável quanto a coisa em si.
[...] Qualquer princípio que invoquemos para fundamentar o direito
de propriedade não adquire nenhum valor se a memória coletiva não
intervir para garantir sua aplicação.[...] quem poderia se opor ao fato
no qual baseio meu direito às pretensões dos outros, se o grupo não
conservasse a sua lembrança? A memória que garante a
permanência desta situação se baseia na permanência do espaço,
ou, pelo menos, na permanência da atitude adotada pelo grupo
diante dessa porção do espaço.

Por saberem de suas origens, através das lembranças das gerações


anteriores, contra o esquecimento e lutando pelos seus direitos, fazem uma
“aparição pública” no mesmo periódico, em 1940. 111
Liderando o grupo estava a Sra Ambrozina de Lima Bastos, cujo nome
era o primeiro que aparecia no início da ação, requerendo os seus direitos
juntamente com os outros. Depois do seu nome, os outros descendentes foram
escritos em ordem alfabética, seguidos de seus cônjuges, os que eram
casados ou de seus filhos. Havia ainda solteiros e viúvos. Foram citados:
Alcides Ferreira de Almeida e Izabel de Almeida; Albino Gorgonha da Silva;
Alcides Fabrício; Albano Fabrício; Alfredo Albino e Teodora Albino; Antero Leite
da Costa; Aquiles Felicidade; Benvinda Pereira; Bárbara Firmino; Benedita
Valeriana de Castro; Camila de Almeida Costa e Nestor Leite da Costa;
Caetano Pereira; Inácio Xavier; Ivete Silva e Eugênio dos Santos; Izolina

111
ANEXO XXV.

178
Felicidade; Joana e Juventina Maria da Conceição; João Francisco da Silva e
Claudina Moura da Silva; João Fabrício José e Josina Maria José; João Pereira
da Silva e Maria da Luz Pereira; João Felicidade; Jovelina Barbosa da Silva;
José Ferreira de Almeida e Luiza Conceição de Almeida; Luiza do Nascimento
Lima e Tomaz de Lima; Manoel Pinheiro e Maria Raymunda Pinheiro; Manoel
Ferreira de Almeida e Maria Lutt de Almeida; Manoel Nascimento; Maria Corrêa
do Carmo e Maria de Lourdes do Carmo; Maria Felicidade; Maria Carlota do
Nascimento; Mateus Dionísio da Silva e Apolinária Dionísio da Silva; Maria da
Silva; Maria Eugenia da Silva e José Carvalho; Minervina Maria da Conceição;
Olímpio João da Silva e Lucinda Felicidade da Silva; Perciliana Figueiredo;
Sebastião Ferreira de Almeida e Jacyra Ferreira de Almeida e Umbelina
Pereira.
Registrar o nome de cada um deles aqui tem o objetivo de torná-los
conhecidos, como também de que sejam reconhecidos por seus familiares.
Cada um deles representa a presença, a ação e a busca pelos seus direitos.
Mesmo com o direito adquirido em testamento, trinta e nove famílias
descendentes dos libertos precisaram reclamá-lo na justiça, agora através da
lei de usucapião112. Demonstram, através daquela ação, que, além de
conhecedores da lei, percebiam a importância de declararem que promoveram
“benfeitorias de vulto” em suas propriedades e que, por causa delas,
receberam “iluminação pública” e “serviço de rádio”. Dessa forma, inseriam-se
na “onda” progressista da cidade.

O ente moral aqui chamado de “família” corresponde a uma rede de


“parentes entre si” que se consideram descendentes, em parte, de
ancestrais comuns e que entendem que isso lhes propiciou também
algum tipo de comunhão de experiência de vida e de circunstâncias
sócio-históricas que pode ser rememorada, revivida, celebrada ou
transmitida a outros descendentes. (GOMES e DUARTE, 2007, p.
161)

112
“Código Civil de 1916 – Lei 3071/16 – Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. [...] Seção IV –
Do Usucapião. Art. 550. Aquele que, por 20 (vinte) anos, sem interrupção, nem oposição,
possuir como seu um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de título de boa fé
que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a
qual lhe servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº
2.437 de 7.3.1955). [...]” www.jusbrasil.com.br/legislacao/103251/codigo-civil-de-1916-lei-3071-
16. Acesso em: 12.06.2013.

179
Parecia que estavam colaborando para a formação do “mito
progressista”, para o projeto dos “dominadores”. Sabemos, porém, que muitas
situações, mesmo acompanhadas de revolta, resistência e desobediência,
foram vistas como colaboração, renegadas e excluídas da “memória oficial”.
Para nós, aquelas trinta e nove famílias estavam resistindo ao avanço
do domínio sobre as suas terras, desobedeciam à Casa de Caridade que, já
havia transformado toda a área da colônia agrícola em “nova zona foreira”, mas
se apropriaram do discurso progressista para alcançarem os seus objetivos.
Ao mesmo tempo, assumiam ser descendentes de escravos, seus
antepassados eram os “primitivos ocupantes dessas mesmas terras”, ou seja,
em um mesmo discurso encontra-se o “passado escravista” e o “presente
progressista”.
Pollak (1989, p. 7) afirma que situações ambíguas podem levar a “mal-
entendidos” e também ao silêncio. Isso acontece quando, em uma memória
nacional, vão se formando os mitos, não dando chance a memórias de
situações concretas, ocorrem então, as memórias criadas por razões
coercitivas. São as memórias permitidas pelos opressores, pelos dominadores.
“O longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento é
a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos
oficiais.” (POLLAK, 1989, p. 3-15, apud, RODRIGUES, 2009)
As vítimas do silêncio, do “não-dito”; “mal compreendidas e
vilipendiadas”, podem contestar e tentar eliminar o “estigma da vergonha”,
através de suas memórias subterrâneas, contra aqueles que forjaram os mitos.
As lembranças subterrâneas, transmitidas por famílias e associações
afetivas ou políticas, “[...] são zelosamente guardadas em estruturas de
comunicação informais e passam despercebidas pela sociedade englobante”.
(POLLAK, 1989, p. 8)
Naquele momento, as vozes daquelas trinta e nove famílias, tiveram que
ser ouvidas, tendo sido a lembrança da história de vida de seus antepassados
trazida à tona para que a sociedade percebesse a sua presença.
Paul Ricoeur (2010, p. 93) chama de “abusos de esquecimento” quando
os detentores de poder manipulam a memória e o esquecimento de forma
“concertada”. Com isso, temos a insuficiência da memória.

180
Para resolver o problema é preciso que se mobilize a memória para a
busca, para a ação, a fim de reivindicar a identidade.

É na problemática da identidade que se deve buscar a causa de


fragilidade da memória assim manipulada. Essa fragilidade se
acrescenta àquela propriamente cognitiva que resulta da proximidade
entre imaginação e memória, e nesta encontra seu incentivo e seu
adjuvante. (RICOEUR, 2010, p. 94)

Sabendo que a identidade é relacional, percebemos que a identidade


“modernista” de Três Rios dependia de outra identidade para existir, outra que
ela não era, mas que fornecia condições para que ela existisse. Ser um “sujeito
moderno” e ser um “não rural”. A identidade, então, marcava a diferença.
A afirmação da diferença entre “modernos” e “rurais (descendentes de
ex-escravos); “civilizados” e “atrasados”, envolve a negação de que não
existem quaisquer semelhanças entre os dois grupos. A diferença é sustentada
pela exclusão: se você é “moderno”, você não pode ser “rural” e vice-versa.
“A construção da identidade é tanto simbólica quanto social. A luta para
afirmar as diferentes identidades tem causas e consequências materiais”.
(WOODWARD, In: SILVA, 2009, p. 10)
Apelar aos antecedentes históricos consiste em uma das formas de
reivindicações das identidades, como vimos na “ação de usucapião” dos
descendentes dos libertos.
Ao buscarem e reafirmarem as suas identidades do passado produzem
novas identidades naquele momento.

Aquilo que parece ser simplesmente um argumento sobre o passado


e a reafirmação de uma verdade histórica pode nos dizer mais sobre
a nova posição-de-sujeito [...] do século XX que está tentando
defender e afirmar o sentimento de separação e de distinção de sua
identidade nacional no presente do que sobre aquele suposto
passado. [...] Essa redescoberta do passado é parte do processo de
construção da identidade que está ocorrendo neste exato momento e
que, ao que parece, é caracterizado por conflito, contestação e uma
possível crise. (WOODWARD, In: SILVA, 2009, p. 12)

A “nova posição-de-sujeito” dos descendentes dos libertos era de


“resistente”, no sistema que os excluía. Um sistema que tornara o trabalho livre
abolindo a escravidão, mas que pretendia ser não-negro, moderno, ligado ao

181
urbano, industrial, excluindo os libertos, ligados ao passado rural, atrasado,
agro-pecuário.
Segundo Silva (2009, p. 81)

Na disputa pela identidade está envolvida uma disputa mais ampla


por outros recursos simbólicos e materiais da sociedade. A afirmação
da identidade e a enunciação da diferença traduzem o desejo dos
diferentes grupos sociais assimetricamente situados, de garantir o
acesso privilegiado aos bens sociais. A identidade e a diferença
estão, pois, em estreita conexão com relações de poder. O poder de
definir a identidade e de marcar a diferença não pode ser separado
das relações mais amplas de poder. A identidade e a diferença não
são, nunca, inocentes.

Sendo assim, as “lembranças subterrâneas” emergiram com força, e a


Casa de Caridade reage contra as “vítimas do silêncio”. O processo transcorreu
por dez anos e, durante esse período, muitos fatos ocorreram que serão
mostrados a seguir.
A Casa de Caridade, quatro anos depois da publicação da ação de
usucapião por parte dos descendentes dos libertos, contrata advogados lhes
concedendo uma procuração para representá-la a fim de requerer a expedição
do Formal de Partilha113. Interessante notar que o provedor da Casa de
Caridade, nesse período, o Sr. Antonio Garcia Filho, era “serventuário da
justiça”. Com certeza sabia interpretar um testamento.
Percebe-se o “esquecimento” da Casa de Caridade, Irmandade de
Nossa Senhora da Piedade, da sua função e de uma das razões de sua
existência, que era: passados os cinquenta anos de funcionamento da colônia
agrícola, esta ficaria emancipada, para que os libertos e seus descendentes
partilhassem entre si as terras. O provedor Antonio Garcia Filho solicita a
expedição do Formal de Partilha antes da resolução da “ação de usucapião”

113
Vide ANEXO XXVI. “O Formal de Partilha, de natureza pública, é um título judicial extraído
dos autos e expedido pelo juiz do qual tramitou, e, depois de finalizado, o processo de
inventário, divórcio, separação, nulidade e anulação de casamento. Regula os deveres e
regulariza os direitos dos herdeiros após o término do inventário, ou após o término dos
processos de separação, divórcio, anulação e nulidade de casamento. Além de regido pelo
Código de Processo Civil, é aceito para fins de registro junto aos Cartórios extrajudiciais, haja
vista que também possui regimento pela Lei Federal 6.015/73, Lei denominada de Registros
Públicos, até mesmo por ser um título judicial, conforme anteriormente mencionado.” Fonte:
www.artigonal.com/direito-artigos/formal-de-partilha-1522841.html. Acesso em: 12.06.2013.

182
promovida pelos descendentes dos libertos, bem como o registro dos imóveis
deixados pela condessa do Rio Novo, “principalmente quanto à Fazenda de
Cantagalo”. Sendo assim, paga o Imposto de transmissão Inter-vivos114:

Coletoria de Três Rios – 6.210.


Imposto de transmissão Inter-vivos. 25.09.1944
Conhecimento nº 40725.

Fica debitado o Coletor pela quantia de duzentos e quarenta


cruzeiros e oitenta centavos recebida de Casa de Caridade de P. do
Sul pagou pelo imposto sobre Cr$218.435,00 (0,1)% valor dos bens
de raiz partilhados à mesma Casa de Caridade no inventário da
finada Condessa do Rio Novo, pela transcrição no Registro de
Imóveis da Comarca de Três Rios – Guia do Tabelião Jarbas Alves
de Souza.
(Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho)

A “vergonha” de um passado escravista, em uma sociedade que estava


envolvida com o “progresso”, com o “desenvolvimento”, deu lugar a uma
consciência que se fortaleceu para um bem comum, maior do que o desprezo
dispensado por muitos, às suas origens, agora “confessadas” publicamente.
Essa é outra questão discutida por Pollak (1989, p, 8), a qual diz
respeito ao “discurso interior” do sujeito, que separa aquilo que pode transmitir
ao exterior, daquilo que só se confessa a si mesmo. Segundo o autor,

[...] a fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o


inconfessável, separa, em nossos exemplos, uma memória coletiva
subterrânea da sociedade civil dominada ou de grupos específicos,
de uma memória coletiva organizada que resume a imagem que uma
sociedade majoritária ou o Estado desejam passar e impor.

Percebe-se que as lembranças subterrâneas, de “memórias


marginalizadas”, emergem dando ênfase a determinados aspectos,
dependendo da conjuntura histórica, que lhe parece ser favorável. As
lembranças de um passado traumático ou violento, remetidas ao presente,
podem ser deformadas ou reinterpretadas. O sujeito viveu, aprendeu e

114
“É um imposto de competência dos Municípios, que incide sobre operações de transmissão
de bens imóveis entre vivos (“Inter Vivos”). É conhecido, popularmente, por ITBI. Deve ser
recolhido na ocasião do registro da escritura Pública de Transmissão (por exemplo, na
Escritura Pública de Compra e Venda), no Serviço Registral de Imóveis da situação do imóvel”.
www.idtl.com.br/artigos/176.pdf Acesso em: 14.06.2013.

183
transmitiu a sua memória: individual, coletiva, familiar, nacional e de grupos.
Para que não ocorra uma “simples ‘montagem’ ideológica”, as memórias
clandestinas devem ser organizadas de modo que, juntando-se com a memória
oficial, tenham “um fundo comum de referências” nos discursos políticos; e
assim, possam constituir uma memória nacional. (POLLAK, 1989, p. 9)
O discurso da Casa de Caridade nos documentos oficiais afirmando que
estava assegurando os seus direitos, usando de recursos legais, faz com que,
à primeira vista, pensemos estar ela mesma, sofrendo alguma injustiça ou
alguma arbitrariedade. Por isso, nosso esforço consiste em analisar essa
“história deformada”, uma vez que “a conjuntura histórica” atual permite que
possamos combater visões distorcidas do passado.
O tempo passava sem que houvesse uma resolução definitiva da justiça,
quanto ao registro das terras pertencentes aos descendentes dos libertos da
Condessa do Rio Novo.
O bairro Colônia continuava a crescer e a vida naquele lugar transcorria
como em qualquer outro lugarejo de uma cidade interiorana. Abastecimento de
água, estrada ligando ao centro, cemitério, fábrica de espulas115, casas, entre
outros, eram os melhoramentos assinalados pelo “Entre-Rios Jornal”, em 1947,
considerando-o um “promissor núcleo”, “um grande subúrbio da cidade”.
Voltando aos estudos de Pollak (1989, p. 9), este diz que ao estudar a
memória nacional, primeiramente devemos analisar a sua função. Conclui que
“[...] a referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das
instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo,
sua complementaridade, mas também as oposições irredutíveis”.
Sendo assim, utiliza o termo “memória enquadrada”, cunhado por Henry
Rousso (apud, POLLAK, 1989, p. 9), ao analisar que as duas funções da
memória comum são: “[...] manter a coesão interna e defender as fronteiras
daquilo que um grupo tem em comum, em que se inclui o território (no caso de
Estado)[...]”, fornecendo então, “[...] um quadro de referências e de pontos de
referência [...]” reforçando sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais

115
Bobinas ou carretéis de fios; tubos de pequeno diâmetro que se acondiciona o fio que sai
para as lançadeiras ou agulhas para tecer. Fonte:
http://pt.slideshare.net/coopermoda/tecnologia-textil-apostilha-tecnica Acesso em: 08.10.2014.

184
entre coletividades. (POLLAK, 1989, p. 9) Na verdade, Pollak (1989, p. 9) diz
que é um “trabalho de enquadramento”, com limites à memória do grupo, para
que não seja arbitrária. Um trabalho que não admite a injustiça e a violência,
uma vez que exige justificação, possibilitando coordenar as condutas humanas.
A partir dessa visão de Pollak, esforçamo-nos para enquadrar a
memória dos descendentes dos libertos na formação do bairro de Vila Isabel,
em Três Rios, apontando para uma realidade que, mesmo apresentando uma
desigualdade social com relação aos “vultos” considerados nobres na cidade,
pertencem à sua história.
Suas memórias são percebidas sutilmente, suas presenças nos
acontecimentos cotidianos, na vida social, que aos poucos se construiu
naquele lugar, formaram as redes de relacionamentos existentes.
Como exemplo podemos citar, a fundação do “Colônia Esporte Clube”,
por um “[...] grupo de amigos desportistas, em 1942”. Considerado de
“importância histórica”, por ter se destacado nas “[...] memoráveis partidas de
futebol. Recebeu personalidades e times consagrados na modalidade e se
transformou num ícone da memória do esporte em Três Rios”116.
Cinco anos depois de sua fundação, aparecia com destaque no “Entre-
Rios Jornal”:

O Colônia venceu por 3-2 o Monte Real no seu festival esportivo


do dia 25
O populoso e aprazível bairro da Colônia esteve domingo, dia 25,
engalanado para a realização do grande festival esportivo
simpaticamente promovido pelo Colônia E. C. em favor da
Campanha Pró-Lar da Criança Pobre, encetada para finalizar a
construção do prédio próprio do asilo <<Manoel Pessoa de
Campos>>.[...]
A caravana de Monte Real F.C., de Petrópolis [...] foi recebida pela
seguinte comissão, chefiada pelo sr. Afonso Cabral, presidente da
Colônia, d. Ambrosina Bastos, Srta Ana Caiafa (madrinha do clube),
sra. Alípio Cabral, José Rosa de Oliveira, João Vieira Chaves,
Alcides Machado, Desarmando Ribeiro, Geraldo Pereira e Edmar
Tavares. (“Entre-Rios Jornal” – 05.06.1947, p. 2)

O bairro da Colônia, considerado “aprazível”, promovia eventos para


ajudar as “crianças pobres”, mantendo uma característica dos tempos da
“colônia agrícola”: o vínculo com os pobres, os necessitados de ajuda, os quais

116
www.tresrioscriativa.com.br/espacoeventos/1330. Acesso em: 14.06.2013.

185
tinham sido lembrados pela condessa no passado e agora eram ajudados
pelos habitantes do bairro que ali se desenvolvia.
Nota-se a presença, na comissão de recepção ao clube de Petrópolis,
de “d. Ambrosina Bastos”, a descendente de libertos que liderou a ação de
usucapião em 1940. Foi a segunda pessoa a ser citada como participante da
comissão, logo depois do presidente do clube. Percebe-se a sua importância e
a sua participação ativa naquele contexto.
A “comissão de recepção” receberia, em outras “tardes esportivas”,
outros times. Foi atribuída a essa comissão “[...] um grande impulso ao esporte
menor da cidade [...]”, nas palavras do periódico local, o qual destacava a
“disciplina” nos jogos promovidos pelo clube. (“Entre-Rios Jornal” – 12.06.1947,
p. 3)
Após cinco anos promovendo eventos esportivos, o “Colônia Esporte
Clube” lança a “pedra fundamental” de sua sede.117
Considerado o “maioral dos subúrbios”, o Colônia Esporte Clube recebe,
para o lançamento de sua pedra fundamental, pessoas consideradas
importantes na cidade, atraindo políticos locais, já interessados pelo “populoso”
bairro e “um dos mais progressistas” de Três Rios. O clube possuía dois times:
um principal e o outro secundário, os quais promoveram as partidas de futebol
naquele dia de festa, recebendo atletas de Bemposta.
Em meio aos eventos, eram feitas obras na estrada da Colônia, reforma
no cemitério, modificando a paisagem e os moradores. Sendo assim,
juntamente com todas as mudanças, percebe-se que, em nenhum momento
desses eventos, o passado era trazido à tona. Nos discursos dos jornais, não
se mencionava sobre a memória do lugar. Com a memória se “apagando”,
houve a tentativa de também mudar o nome do local.

Reuniões da Câmara
7ª Reunião – 31.10.1947
[...] Pela bancada trabalhista foram apresentados 3 requerimentos
pedindo: [...] a mudança da denominação do Bairro da Colônia para
Vila Darcy Vargas e do Bairro Cantagalo para Vila Carmela Dutra.[...]
(“Entre-Rios Jornal” – 06.11.1947, p. 1)

117
ANEXO XXVII.

186
Na 9ª reunião, de 05 de novembro de 1947, contudo, o vereador Aquiles
Rodrigues Coutinho, apresentou um “dispositivo do Instituto de Geografia e
História” que proibia homenagens a pessoas vivas. Com isso, o pedido da
mudança de nome do bairro Colônia teve que ser retirado pela “bancada
trabalhista”. (“Entre-Rios Jornal” – 13.11.1947, p. 1)
O que chamou a atenção, além da tentativa do apagamento do nome
“Colônia”, foi que, emancipada a cidade desde 1938, era a nona reunião da
Câmara Municipal.
Ao iniciarmos a pesquisa na Câmara Municipal de Três Rios,
constatamos que ela só possui o registro das atas a partir de novembro de
1949. Anterior a esse período, o pesquisador deve consultar os periódicos
locais, mas sabendo que, em nove anos (1938 a 1947), a Câmara só se reunira
nove vezes, denotando que até mesmo a “memória política” de Três Rios
apresentava problema.
Quanto à memória do bairro Colônia no que diz respeito ao seu papel de
incentivo ao esporte e à cultura, através do “Colônia Esporte Clube”, percebe-
se que ele contribuía também para a comemoração de dias cívicos.
O “Entre-Rios Jornal”118, de 06.11.1947, noticiou que uma “comissão
organizadora”, considerada de destaque no bairro, preparou uma grande
comemoração para festejar o dia de aniversário da proclamação da República.
Não se dedicavam somente a incentivar o “esporte menor da cidade”, mas
promoviam uma “corrida atlética”, um “programa de calouros” e uma peça de
teatro: “Sobre o túmulo”. Percebe-se que eventos esportivos e culturais como
esses, tinham um papel importante para o progresso e o desenvolvimento do
bairro, segundo a visão daquele periódico.
Ainda no ano de 1947, encontramos dois resumos de reuniões da
Câmara Municipal (16ª e 17ª reuniões), citando o bairro Colônia. Na 16ª
reunião (21.11.1947), a “bancada trabalhista” pede ao “sr. Prefeito” que “tome
providências para a instalação de uma escola primária no local denominado
<<Ju<<queira>>119, no bairro da Colônia do Cantagalo” e na 17ª reunião

118
ANEXO XXVIII.
119
Atualmente existe um sub-bairro na Vila Isabel chamado “Jaqueira”. Acreditamos que o
nome foi impresso de forma incorreta no jornal. Os sub-bairros são denominados: Morro do

187
(24.11.1947), um “ofício do Colônia Esporte Clube (CEC)” apóia a “pretensão
do América Futebol Clube, de obter doação do terreno destinado à construção
do Estádio Municipal”, demonstrando, assim, o quanto o CEC era reconhecido
como um importante clube da cidade, cuja opinião era ouvida e registrada no
meio político. (“Entre-Rios Jornal” – 27.11.1947, p. 2)
Ao descrever os acontecimentos sociais do bairro Colônia, registra-se a
memória dos relacionamentos humanos existentes naquele lugar, a vida
cotidiana que fluía onde a população crescia a cada dia, com a chegada dos
novos moradores que compravam os lotes aforados pela Casa de Caridade.
Mas, mesmo assim, como podemos ver na propaganda abaixo, o bairro ainda
era chamado de “Colônia de Cantagalo”.

Lotes de terras à venda

Vendem-se lotes de terras, ótimas para construções, terreno


plano. Os lotes serão vendidos no tamanho que o pretendente
desejar. Preço a combinar com José Facres, Colônia de Cantagalo.
(“Entre-Rios Jornal” – 11.12.1947, p. 1)

E como estava a questão jurídica, com relação às terras reclamadas


pelos descendentes dos libertos da Condessa do Rio Novo?
Passados oito anos da entrada da ação de usucapião na justiça pelas
trinta e nove famílias, lideradas por “d. Ambrozina de Lima Bastos”, o juiz de
direito de Três Rios, Dr. Adherbal de Oliveira, ex-juiz de Paraíba do Sul, toma a
seguinte providência:

Juízo de Direito da Comarca de Três Rios


Em 26 de novembro de 1948.

Exmo Snr. Dr. Rubens Rodrigues da Silva.


DD Juiz de Direito da Comarca de Paraíba do Sul.

Solicito de V. Excia as necessárias providências no sentido de


ser remetido a este Juízo os autos de inventário da Viscondessa do
Rio Novo, em virtude de uma arrecadação que aqui está sendo feita
da Colônia de Cantagalo, a requerimento do Dr. Promotor de Justiça.
Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Excia, os
protestos de minha elevada estima e distinta consideração.
Adherbal de Oliveira
Juiz de Direito

Sargento, Morro do São Carlos, Morro dos Caetanos, Residencial Vila Nova, Loteamento Santa
Cecília, Palmital, Jaqueira, Barros Franco, Morada do Sol e Cariri. Fonte: www.tresrios.rj.gov.br
Acesso em: 03.09.2014.

188
(Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho)

Nos meios jurídicos, a “colônia de Cantagalo” ainda era um assunto não


resolvido. Os “autos de inventário” da Condessa do Rio Novo, encerrados em
1884, necessitavam de averiguação por parte da promotoria de justiça.
Passados sessenta e quatro anos, a Casa de Caridade procurava uma maneira
de não cumprir o testamento. Para isso, a “Irmandade” contava com o apoio
político e jurídico na região.

Juízo de Direito da Comarca de Paraíba do Sul.


Em 6 de Dezembro de 1948.

Exmo Snr. Dr. Adherbal de Oliveira, digno


Juiz de Direito de Três Rios.

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício de 26 de


Novembro, em que V. Exa. solicita a remessa a esse Juízo dos autos
de inventário da Viscondessa do Rio Novo.
Cumpre-se esclarecer a V. Exa. que se trata de autos findos,
pertencentes ao arquivo do cartório do 1º Ofício desta Comarca, o
que me impede poder atender à solicitação de V. Exa., pois estou
em que não me é dado ordenar ao escrivão que disponha, por essa
forma, dos autos, sob sua responsabilidade.
Creia-me V. Exa. que somente a sincera convicção de que não
devo retirar os autos já incorporados ao Arquivo do Cartório, é que
me obriga a fazer, com todo o acatamento, a ponderação que ora
faço, lamentando não poder atender à solicitação dum dos mais
dignos e ilustres magistrados, que me merece o maior respeito e
toda a consideração.
Renovo a V. Exa. os meus protestos de alto apreço e distinta
consideração.

Rubem Rodrigues Silva


Juiz de Direito
(Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho)

O Doutor Adherbal de Oliveira presenciou o início da ação de usucapião


pelos descendentes dos libertos em 1940. Em 1948 era-lhe negado o acesso
aos autos do inventário da condessa, por uma questão de “ponderação”, por
parte do juiz Rubem Rodrigues Silva.
Nem a consideração e nem o reconhecimento de que o Doutor Adherbal
era um “digno e ilustre magistrado” bastou para que o juiz de Paraíba do Sul
dispusesse os autos solicitados.
Por que o Doutor Rubem tinha tanta “convicção” de que não deveria
retirar os autos do arquivo?

189
Acompanhando a trajetória dos libertos e todas as dificuldades que
encontraram para assumir e ter o direito às terras, lutando contra uma
Irmandade formada pelos “donos do poder” na época, não é difícil perceber
que ela estava por trás de tal negativa. Essa negativa, decerto, prejudicaria o
andamento do processo por mais algum tempo.
Entretanto, toda a insistência de “usurpação” das terras dos libertos e de
seus descendentes, que atravessou décadas, tem o seu final em 1950, quando
a ação de usucapião teve fim, embora muitas parcelas, de muitos que
abandonaram a luta ou desistiram da disputa com os “dominadores”, tenham
realmente mudado de mãos.
Através da escritura de doação120 de D. Maria da Luz Pereira para a sua
filha, Nair Pereira de Oliveira, conseguimos chegar à conclusão da ação de
usucapião de 1940.
Dona Maria da Luz Pereira era filha de Dona Bárbara Firmino da Silva,
ex-escrava da Condessa do Rio Novo, liberta em 1882. D. Bárbara e D. Maria
da Luz haviam entrado, juntamente com os outros descendentes de escravos,
em 1940, com a ação de usucapião. De acordo com o documento citado
acima, D. Maria da Luz tornou-se “senhora e legítima possuidora” das terras
em 10 de junho de 1950, dez anos depois do início da ação; sessenta e oito
anos depois da libertação de D. Bárbara; dezoito anos depois da data
estipulada em testamento (1932), para que as terras da antiga colônia
passassem a ser propriedade legítima dos libertos. Mas esse tempo todo, não
foi impedimento para que resistissem. Dona Nair Pereira de Oliveira, já da
terceira geração, recebia, então, as terras de sua avó, liberta, através de
doação feita por sua mãe, que apesar de não saber “ler nem escrever”, soube
fazer valer a lei e ser reconhecida como a verdadeira herdeira daquelas terras.
Em 1950, não obstante a questão ter sido resolvida, a “invisibilidade”
dos libertos e de seus descendentes na história de Três Rios foi real e
percebida em diversos momentos da pesquisa. Até o final deste capítulo,
comprova-se essa afirmativa, fortalecendo a convicção de que a memória é um

120
ANEXO XXIX.

190
direito de todos os cidadãos. Todos têm o “direito ao passado”. Por isso, o
trabalho contribui para a luta contra

[...] uma sociedade destituída de cidadania em sentido pleno, se por


esta palavra entendemos a formação, a informação e a participação
múltiplas na construção da cultura, da política, de um espaço e um
tempo coletivos.[...] Fazer com que nossa produção incida sobre a
questão da cidadania implica fazer passar a história e a política de
preservação e construção do passado pelo crivo de sua significação
coletiva e plural. [...] A construção de um outro horizonte
historiográfico se apóia na possibilidade de recriar a memória dos
que perderam não só o poder, mas também a visibilidade de suas
ações, resistências e projetos. (PAOLI, apud: CHAUÍ, Marilena,
2006, p. 123-124)

Percebe-se, na ata da Câmara Municipal de Três Rios, de 22.01.1951121,


que os descendentes dos libertos perderam a “visibilidade de suas ações e
resistências”, pois, mesmo depois de terem ganhado o processo judicial em
1950, as terras da “colônia”, consideradas “terras de ninguém”, ainda eram alvo
de discussões na assembleia de vereadores.
Analisaremos a discussão, principalmente entre os vereadores Joaquim
J. Ferreira e João Pedro da Silveira para

[...] tornar visível a disputa pela memória social, deixando aparecer


ações até então invisíveis, capazes de questionar as significações
institucionalizadas com que a sociedade constrói para si mesma seu
próprio significado. (CHAUÍ, 2006, p. 124)

Na fala dos vereadores, defendendo a construção de casas populares


para os trabalhadores que vinham “construindo a grandeza de nossa terra”,
não aparece qualquer manifestação de reconhecimento ao trabalho dos
escravos que “construíram a grandeza de nossa terra” no passado.
A primeira discussão sobre a desapropriação de terrenos, para a
construção de tais casas, demonstra uma preocupação do Sr. João Pedro da
Silveira, por não ser de interesse político, que fossem desapropriados os
terrenos do Cantagalo. Estes tinham “proprietários” que poderiam contestar.
Reconhece que uma “Cia proprietária” poderia tentar anular o ato de
desapropriação da Câmara. Porém, em contrapartida, também reconhece que
a “Casa de Caridade se tornara a legítima proprietária da Colônia”, fato com o

121
ANEXO XXX.

191
qual não se importa. Para ele, sendo proprietária ou não, a “lei de
desapropriação regularizaria toda a situação de propriedade da parte
desapropriada”. Por que desapropriar os terrenos da “Casa de Caridade” seria
possível legalmente, mas desapropriar os terrenos da “Cia proprietária” não?
Percebe-se que a emancipação de Três Rios fez com que os políticos da
cidade, com o passar do tempo, não quisessem mais sofrer a influência e o
poderio daquela Irmandade cuja sede ficava em Paraíba do Sul. O desejo de
“rompimento com a cidade de origem” se fazia sentir na fala desse vereador.
A segunda discussão consiste na defesa pela construção das casas
populares nos terrenos de Cantagalo, empreendida pelo vereador Joaquim
Ferreira, não desejando as terras da colônia. Ele diz que a “Colônia é
considerada ‘terra de ninguém’”. Isso demonstrava o “esquecimento” histórico,
social e jurídico dos libertos e de seus descendentes naquele contexto. Será
que ele não tinha qualquer conhecimento sobre o passado da colônia agrícola?
Ou tinha o conhecimento, mas não o reconhecia, achando-se no direito de
negá-lo, apagá-lo? Achava “insegura a propriedade de qualquer imóvel naquele
local”, pois não se conheciam “os seus verdadeiros donos”. Aqui, ele nega a
propriedade tanto da Casa de Caridade quanto a dos descendentes dos
libertos. Por que o vereador não se esforçou em conhecer? Em sua fala
percebe-se que conhecia bem o “desprezo”, a “antipatia”, a “forma pejorativa”
com que os trabalhadores falavam do “local denominado Colônia”, pois estes
se sentiram desprezados quando um engenheiro da administração municipal
disse a um trabalhador (ferroviário) que se não tivesse condições de construir
no centro da cidade, que fosse construir na Colônia. Como podemos perceber
era considerado um verdadeiro acinte, um xingamento, mandar alguém
construir naquele lugar que, no passado, fora uma colônia agrícola de ex-
escravos. Embora isso não fosse dito, percebe-se que era sabido.
Mesmo com todo o esforço político e ideológico, que foi apresentado no
início deste segmento, das práticas discursivas nos jornais locais, o bairro
Colônia possuía um passado, silenciado pelo descaso, mas latente.
O nome do bairro fazia “lembrar” um passado que se tentava “apagar”.
O silêncio com o objetivo de “esquecer” não resolveu a questão. Então de que
forma se “esqueceria” o passado do bairro?

192
Após a abolição, inúmeras tentativas foram feitas para esquecer, apagar
ou transformar a herança africana em nosso país, em todos os aspectos, até
mesmo no aspecto biológico. Seguindo então a “onda” embranquecedora, o
nome do bairro Colônia foi trocado para Vila Isabel. Uma homenagem à
“princesa redentora”. Tal troca sofreu algumas críticas por não terem pensado
no nome da Condessa do Rio Novo. Afinal, a cidade de Três Rios surgira a
partir do seu testamento e a libertação dos escravos da fazenda de Cantagalo
através do mesmo documento.
A troca de nome de “bairro da Colônia” para “bairro de Vila Isabel” deu-
se “[...] através do projeto de lei apresentado em plenário pelo professor
Monerat (então vereador) em 26 de novembro de 1951 e sancionado como lei
nº 106 de 06 de dezembro de 1951”.122
O recorte temporal o qual nos propomos neste trabalho, encerra-se com
a transformação da antiga colônia agrícola em bairro de Vila Isabel.
Acreditamos que estamos contribuindo para a construção de parte da memória
e da história dos afrodescendentes em Três Rios e para a visão de que a Vila
Isabel é um “lugar de memória”. Sendo assim, encerramos este capítulo com a
seguinte afirmação:

Memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos consciência


que tudo opõe uma à outra. A memória é a vida, sempre carregada
por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução,
aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de
suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e
manipulações, suceptível de longas latências e de repentinas
revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e
incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno
sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma
representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória
não se acomoda a detalhes que a confortam: ela se alimenta de
lembranças vagas, telescopias, globais, flutuantes, particulares ou
simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou
projeções. A história, porque operação intelectual e laicizante,
demanda análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança
no sagrado, a história a liberta e a torna sempre prosaica. A memória
emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs
o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é,
por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e
individualizada. (NORA, 1993, p. 9)

122
www.associartbrasil.com.br. Acesso: 14.06.2013.

193
Isso posto, no próximo capítulo apresentaremos as trajetórias de vida,
as lembranças que contribuíram no reconhecimento da Vila Isabel como o
“lugar de memória” dos afrodescendentes em Três Rios.

194
5 MEMÓRIAS DA VILA ISABEL

Um mundo social que possui uma riqueza e uma diversidade


que não conhecemos pode chegar-nos pela memória dos velhos.
Momentos desse mundo perdido podem ser compreendidos por
quem não os viveu e até humanizar o presente. A conversa evocativa
de um velho é sempre uma experiência profunda: repassada de
nostalgia, revolta, resignação pelo desfiguramento das paisagens
caras, pela desaparição de entes amados, é semelhante a uma obra
de arte. Para quem sabe ouvi-la, é desalienadora, pois contrasta a
riqueza e a potencialidade do homem criador de cultura com a mísera
figura do consumidor atual. (BOSI, 2010, p. 82 e 83)

A memória do bairro Vila Isabel consiste em um entrelaçamento das


memórias sociais: das memórias dos afrodescedentes de nossa região; dos
grupos dominantes políticos e econômicos; dos trabalhadores escravos e dos
livres.
Essas memórias imersas nos documentos, nos periódicos e nas
lembranças de alguns afrodescendentes e moradores mais antigos da Vila
Isabel foram trabalhadas para que pudessem “[...] fortalecer os sentidos de
seus pertencimentos [...]” à história de Paraíba do Sul e de Três Rios, pois “[...]
entre grupos oprimidos, silenciados ou discriminados [...]”, faz-se necessário
construir uma memória identificada com a justiça. (JELIN, 2002, p. 9-14) Para
tanto, a memória precisa trabalhar, ser ativa, criar, ter responsabilidade e
construir um processo que vise à transformação.
Jelin (2002, p. 29) defende a existência de uma “vontade de memória”
que faz com que ela possa voltar lembrando-se dos esquecimentos como
“vontade política de esquecer”. Com isso, alerta “[...] que toda política de
memória implica uma seleção, do que se preserva e do que se esquece.”
Concordando com Jelin (2002, p. 68), abordamos a memória dos libertos
e de seus descendentes, através das falas daqueles que aceitaram romper o
silêncio e confiando em nossa vontade de escutar, com a percepção de que
estas se referem “[...] às lembranças, esquecimentos, narrativas e atos,
silêncios e gestos, aos buracos e as fraturas, aos saberes e as emoções”.
Unimos em nosso trabalho a história e a memória, pois a história é uma
construção ativa, político-ideológica, que se relaciona com a memória. Sendo
assim, os testemunhos que apresentaremos neste capítulo narraram as suas

195
memórias, as suas lembranças, mas temos consciência de que nestas existem
“[...] esquecimentos, silêncios, ambiguidades e buracos”. (Jelin, 2010, p. 68-69)
Através do diálogo e da interação em um processo subjetivo, ativo e de
construção social, interrogamos o passado e construímos, ao longo de nossa
trajetória, uma história de orientação ideológica, como diz Jelin (2010, p. 96-
97).
Esperamos que, ao terminar a leitura deste último capítulo, o leitor
consiga perceber a nossa vontade de mostrar a importância da história e da
memória dos libertos e de seus descendentes contemplados nesta pesquisa,
como sujeitos sociais em construção, enfrentando obstáculos, lutando,
buscando soluções, tentando vencer as dificuldades decorrentes dos lugares
ocupados por eles em uma sociedade marcada pela desigualdade social.

5.1 LEMBRANÇAS DE TRAJETÓRIAS DE VIDA

Para dar início à pesquisa desta tese, fizemos contato com o Sr. Hélio
no “Grupo dos Treze”, que nos pareceu o lugar mais indicado para a procura
de dados sobre os libertos e seus descendentes. Anteriormente, na pesquisa
para a dissertação do mestrado, fizemos contato, através de telefonema, na
tentativa de conseguir uma entrevista com ele, pois soubemos por terceiros
que o “Grupo dos Treze” possuía fotos dos libertos e que o Sr.Hélio poderia
nos ajudar. Na época, por telefone, ele achou melhor não nos encontrarmos,
pois não poderia ajudar no que estávamos pretendendo. Decidimos, então,
fazer somente a pesquisa em documentos e periódicos, além de pesquisa
bibliográfica. Depois que publicamos o livro sobre a dissertação, tivemos a
oportunidade de nos encontrar com ele e o Sr Aurélio, ocasião em que lhes
entreguei dois volumes para que pudessem conhecer o nosso trabalho.
Passados vários anos, quando retornamos aos nossos estudos no curso de
doutorado, voltamos a procurar o Sr. Hélio na sede do “Grupo dos Treze”.
Depois de marcarmos por telefone, fomos ao seu encontro para conversarmos.
Em nosso primeiro encontro, conhecemos a sede onde pudemos fotografar os
quadros que estavam na parede e a foto dos descendentes dos libertos na
porteira, que se encontram no corpo da tese, como veremos no próximo

196
segmento. O Sr. Hélio nos prometera, então, marcar uma entrevista com a D.
Nair e o Sr. Aurélio. Passados alguns dias, marcamos um novo encontro e ele
nos levou à casa de D. Nair, onde fizemos as entrevistas com os dois
descendentes dos libertos. Posteriormente, outro encontro, e, dessa vez, foi
para ir à casa de D. Maria da Glória, na Jaqueira. Sem a colaboração do Sr.
Hélio, não conseguiríamos chegar ao endereço dela. Durante a entrevista, ela
citara que sua filha, Neuza, sabia de coisas da família e que ela saberia contar
muito melhor sobre esse assunto. Na hora da entrevista, outro filho de D. Maria
da Glória chegou, fomos apresentados, falamos sobre a pesquisa, pedimos os
telefones dele e de D. Neuza, ele nos fornecera os dois números dos telefones.
Depois daquele dia, fizemos muitas ligações. Na primeira ligação o filho de D.
Maria da Glória atendeu e disse estar com muitos compromissos,
principalmente com a sua igreja e que não poderia marcar nada naquele
período. Insistimos inúmeras vezes e não fomos atendidos. A filha Neuza, na
primeira ligação não estava em casa e depois não atendera mais os
telefonemas. Não tendo sucesso, ligamos para o Sr. Hélio novamente para
tentar um contato através dele, buscando facilitar o processo. O Sr. Hélio tinha
ficado doente e ficou impossibilitado de nos ajudar. Agradecemos e desejamos
melhoras para ele, através de sua esposa.
Como a pesquisa não avançasse nas entrevistas, resolvemos percorrer
outros caminhos e começamos a pesquisar os periódicos na Casa da Cultura
de Três Rios. Quando observamos as diversas referências ao Colônia Esporte
Clube, pensamos em fazer uma visita ao clube. Chegando lá, conhecemos o
Sr. José “Rendão”, morador da Vila Isabel, não descendente dos libertos, muito
conhecido no meio do futebol em Três Rios. Ele, muito agradável, dissera-nos
que, não sabendo nada muito preciso sobre a colônia, indicar-nos-ia uma
pessoa que poderia nos ajudar - o Sr. Valdir “bola branca” - que morava em
frente à praça da “Mãe Preta” . Pedimos para, então, olhar as dependências do
clube. Vimos a placa de reinauguração, os retratos dos jogadores de futebol e
outro retrato de quando o Garrincha visitara o clube. Deixou que
fotografássemos o que tínhamos encontrado e nos levou à casa do Sr. Valdir.
Chegando lá, ele nos recebeu de forma muito amigável e marcou uma
entrevista em um outro dia.

197
Marcamos um encontro na casa dele. Durante a entrevista, chegara a
sua vizinha D. Jane, moradora antiga da Vila Isabel, não descendente dos
libertos, que já havia sido avisada por ele da minha presença naquele dia em
sua casa. Ela também se interessou e marcamos a entrevista dela para a
semana seguinte.
Depois de entrevistados, o Sr. Valdir nos telefonara marcando mais uma
entrevista, agora com os irmãos Rosse Meleide, Wilson e Vilma, netos de
Ambrozina Bastos, descendente dos libertos. Marcamos de buscá-lo em sua
casa e ele nos levara ao encontro deles. Ele fora em seu carro nos guiando até
a casa deles, apresentara-nos, retornando ao seu trabalho.
Passados mais alguns dias, o Sr. Valdir consegue outra entrevista, com
o Sr. X. Colocamo-nos à disposição, compreendendo que ele não quisesse se
identificar e assim o fizemos.
Um tempo depois, o Sr. Valdir nos liga novamente informando que
conseguira uma entrevista com o Sr. José Ferreira, bisneto de Bárbara Firmino,
liberta da colônia agrícola. Buscamos o Sr. Valdir em sua casa e, novamente,
ele foi conosco até a casa dele, apresentara-nos e permaneceu ouvindo a
entrevista.
Depois disso, o Sr. Valdir nos dissera que tentara convencer outros
descendentes dos libertos que viviam na Vila Isabel ainda, porém eles haviam
dito ter vergonha de falar sobre a escravidão de suas famílias. Respondemos
que ele continuasse tentando, pois tentaríamos outras pessoas também.
Nossas tentativas não surtiram efeito.
Sendo assim, procuramos trabalhar as memórias dessas onze pessoas
que se dispuseram a ajudar, dispensando um tempo da vida deles para
rememorar conosco as suas trajetórias no bairro Vila Isabel, de forma livre,
seguindo um roteiro simples. Nosso objetivo fora a de que se sentissem à
vontade para selecionar o que devem se lembrar e o que preferem se
esquecer, pois a memória é seletiva, como já dissemos anteriormente.
A transcrição das trajetórias de vida neste segmento foi produzida da
forma exata como foram registradas nas gravações das entrevistas, embora os
nomes de algumas pessoas citadas tenham sido trocados por pseudônimos,
por estarem envolvidos em assuntos constrangedores. A ordenação foi feita de
acordo com a sequência da concessão das entrevistas.

198
5.1.1 Nair Pereira de Oliveira

Dona Nair nasceu em 18 de março de 1927, em Três Rios-RJ. Filha de


João Pereira da Silva e Maria da Luz Pereira. Neta de Bárbara Firmino da Silva
(ex-escrava) e Fernando Firmino da Silva - maternos e Manoel Caetano Pereira
e Manuela Pereira – paternos. Moradora na Rua Fagundes Varela, 291 – Bairro
Vila Isabel (Servidão Santa Terezinha).

Figura 1 – D. Nair Pereira de Oliveira no quintal de sua casa no bairro Vila Isabel

Eu tive oito irmãos. Já morreram todos. Só tem eu. Eu sou a quinta filha
de 15 irmãos. Sete morreram ainda pequenos, oito criaram. Morreram com
mais idade. Uns morreram com 44, 50 e o último com 70 e poucos anos.
Eu convivi com a minha família. Eu era bem pequena ainda, a gente
morava perto da granja, meu pai tinha uma casa pequena, depois fez uma casa
maior pra parte de baixo. Meus pais nasceram aqui e se criaram aqui mesmo.
Meu pai trabalhava na roça, depois na Central do Brasil. Trabalhava na
roça pra casa mesmo. Trabalhava aqui na Vila, na roça e minha mãe ajudava
ele. Ajudava a capinar também. Não sei como eles se conheceram. Eles se
casaram somente no civil. Se conheceram aqui na Vila. As crianças também

199
ajudavam a fazer o serviço em casa e na roça, colher as plantas que
plantavam...tudo agente ajudava.
Meu pai era uma pessoa boa, era um pouco nervoso, mas trabalhava
muito, sempre trabalhou. Autoritário, exigente. Ele era guarda freio e viajava
pra fora. Ia num dia voltava no outro, às vezes uns dois dias. Sempre assim.
Nunca queria que faltasse nada em casa.
Minha mãe era uma pessoa muito boa, calma, obediente ao marido,
antigamente a mulher era muito obediente, cuidava de casa e dos filhos.
Sempre com filho pequeno. Cuidava muito bem dos filhos. Era carinhosa. Meu
pai não gostou que os filhos saíssem pra trabalhar fora. Tudo ele fazia pra
gente. Pra não faltar nada dentro de casa pra gente.
Eu nasci, morei até casar aqui. A granja só foi feita depois que o meu pai
morreu. Meu pai sempre trabalhou na roça e na Central. Onde a gente morava
era tudo nosso. Ele sempre trabalhou na Central, começou na soca, na linha e
também na roça. Nossa casa era grande, tinha oito cômodos... 4 quartos, sala,
cozinha, hoje a gente fala copa, mas de primeiro a gente falava sala de jantar,
tinha despensa pra botar as coisas. Essa casa meu pai construiu, ele mesmo
junto com os pedreiros. Ele juntava o dinheiro em todo pagamento que ia
ganhando, guardando e ia construindo, fazia de adobe, não era de tijolo. Na
casa que eu nasci, era barreada que tinha antigamente, de barro. Barro batido,
pau a pique. Já tinha bastante filho e todos viviam lá. Quando fui morar na casa
maior, eu já tinha de 4 a 5 anos. Aqui não tinha rua não, era uma trilha só pra
gente passar, a gente mesmo que fez. Todo mundo passava por ali. Era uma
trilha pequena. Do lado assim era mato e casas. Via as pessoas passar na rua,
brincava na rua...de roda, de pular corda. Esse era o brinquedo da gente. Não
tinha muito vizinho, era um aqui, outro lá longe, um distante do outro. Tinha as
crianças da nossa casa. Brincava de boneca, fazia boneca de pano em casa.
Todo dia levantava, minha mãe fazia o serviço dela, ela é que
cozinhava, a gente não cozinhava. A gente com uns treze anos ajudava a lavar
roupa, varrer o quintal, arrumava a casa, fazia as tarefas de casa e ajudava na
roça. Em casa todo mundo ajudava, todo mundo trabalhava.
Estudei numa escolinha da Vila, do Triângulo e na Escola Condessa.
Estudei até a 4ª série. Naquele tempo era só até a quarta série. A primeira
escola era numa casa grande, uma sala de aula, uma turma só, tinha um lugar

200
onde a gente brincava. Lá tinha rua perto da escola da Vila e do Triângulo.
Formaram uma escola ali, as crianças estudavam. Minha professora chamava
Geralda. Gostei mais da escola lá de fora. Eu gostava muito de estudar, mas
minhas vistas não dá mais pra escrever. Minhas professoras foram a D. Dulce
do Triângulo e D. Estela (pseudônimo) da escola lá de fora, parente do Nélson
Borges (pseudônimo). A que eu mais gostei foi a D. Dulce, porque ela gostava
muito das crianças, era carinhosa. Tinham crianças de outros lugares que
estudavam lá, porque tinha pouco colégio.

Figura 2 – Documento do pai de D. Nair Pereira de Oliveira – Sr. João Pereira da Silva

Fonte: Acervo de D. Nair Pereira de Oliveira

Passei minha juventude aqui. A gente não saía pra lugar nenhum não. O
pai da gente não deixava sair. A gente ia na missa com a mãe da gente. No
carnaval via as escolas de samba passar. Quando eu tinha uns 10 anos já
tinha escola de samba em Três Rios.
O meu primeiro namorado, eu casei com ele. Naquele tempo não
deixavam namorar muito. Ele morava lá pra cima. Ele passava na rua, a gente
via. Ele ia trabalhar na Central, eu via ele. Tinha os dias certos pra namorar.
Namorei pouco tempo e casei em pouco tempo. Tive um noivado sem festa,
sem nada. O namorado pedia os pais e pronto. O meu casamento teve doce,

201
bolo pequeno...não é como esses bolos de hoje em dia, jantar, muita comida.
Casei no civil, em casa. Eu não perdia uma missa, eu era filha de Maria, mas
nem sei por que não casei na igreja.
Tive seis filhos. Com o meu primeiro marido tive 3 e depois tive mais três
com o segundo marido. Fiquei viúva com 22 anos, me casei com 16 anos. Ele
morreu de anemia. Tinha 34 anos. Vivi com ele só 6 anos. Depois de 2 anos
casei de novo. Conheci meu segundo marido aqui mesmo. Ele era de Minas,
trabalhava lá em Petrópolis e fazia feira aqui. Depois fui embora, morar em
Petrópolis. E minha família continuou aqui no mesmo lugar.
Eu nunca trabalhei fora. Meu pai não deixava e depois de casar não
trabalhei também.
Quando eu me casei pela primeira vez, morei perto do Caça e Pesca.
Hoje nem existe mais a casa. Ele fez a casa pra gente morar. O terreno era do
meu tio.
Eu graças a Deus sempre tive saúde. Não lembro de nenhuma
dificuldade.
Em Petrópolis, meu marido trabalhava com laticínio. Fiquei viúva pela
segunda vez, mas quando ele morreu, eu já tinha largado ele e já tinha vindo
embora pra cá.
Quando tinha festa perto do laticínio, no Natal, nós levávamos as
crianças. Eles davam brinquedos pras crianças. Fiquei com 5 filhos, porque
perdi uma menina.
Ele trabalhava lavando ônibus primeiro, nas garagens, depois
entregando leite.
Quando voltei pra cá, voltei com os meus 5 filhos. Já eram maiores.
Voltei e vim morar aqui nessa mesma casa. Recebi essa casa de herança do
meu pai. Meu pai que fez.
Neste terreno tinha outros irmãos que moravam aqui (Thiago, Laureano,
Manuela). Meus irmãos: Antonio, Thiago, Laureano, Manuela, Elói, Joaquim e
Francisca.
Quando voltei, eu tinha uns 42 anos. Tinha outras pessoas morando,
fizeram a rua, a rua passou por dentro das terras do meu pai. As pessoas iam
comprando os terrenos, nossos, dos meus irmãos. Já não tinham mais as
roças. Mas ainda não tinha luz e nem água. A água era de poço.

202
Figura 3 – D. Nair Pereira de Oliveira na porta de sua casa no bairro Vila Isabel

Eu fui ficando aqui, meus filhos foram para as escolas. Não estudaram
muito, mas estudaram. Uns estudaram em Petrópolis. Voltaram tudo grande.
A cidade mudou alguma coisa. Foram fazendo mercado, porque não
tinha, foram mudando tudo. A igreja mudou de lugar.
Dos meus irmãos só tem eu. Moram aqui sobrinhos, cunhadas, meus
filhos. Eu moro aqui com as minhas 2 filhas, netos e meus bisnetos pequenos.
Nenhuma casou, as que estão aqui. Só uma casou e foi embora daqui. Meu
filho Aurélio mora aqui do lado, com a mulher e dois filhos solteiros dos quatro
que teve. Meu outro filho morreu, que morava aqui do lado.
Das terras do meu pai o que sobrou foi a casa do Aurélio, essa casa
daqui. E a casa aqui do lado, do meu outro filho. Eu herdei muitos terrenos e fui
vendendo. Antigamente quando precisava vendia. Era bastante terra.
Minha avó arrendava as terras junto com o meu avô, depois ele morreu.
Minha avó arrendou uma grande parte da terra para o Benedito Boi e o homem
ficou com tudo. Parou de pagar e foi no cartório e registrou no nome dele. A
gente, quando era criança, escutava. Ela não tinha nenhum papel. Nunca
reclamou na justiça, nem ninguém da família. Não tinha como reclamar, todo

203
mundo confiava na palavra. Toda aquela parte de cima da Morada do Sol até
fazer rumo com a Rua Direita, tudo era da minha avó. Ela não conseguiu de
volta. Teve só esse caso, o pedaço maior foi esse que ela perdeu. O restante
ela ficou.
Depois que ela morreu, ficou para os filhos.
Continuo fazendo trabalho dentro de casa. Em Petrópolis, lavei roupa
pra fora, pra ajudar. Aqui não.

Figura 4 – Escritura dos terrenos de D. Nair Pereira de Oliveira no bairro Vila Isabel

Fonte: Acervo de D. Nair Pereira de Oliveira

Quando estou bem, lavo uma roupa. Gosto de capinar. Está cheio de
mato e eu queria limpar, mas não estou conseguindo limpar.
Meu sonho agora era poder arrumar a minha casa, fazer uma limpeza
nela, ela está bem cavucada.
Na minha vida não queria mudar nada. Quero viver com meus filhos,
netos, bisnetos, gosto muito deles, pra mim eles são tudo.
Antigamente a gente não se metia nas coisas de pai e mãe. Pra minha
avó receber as terras foi bom, pra ela foi muito bom. Ela plantava as roças
dela, tinha frutas na casa dela, ela tinha as terras dela. Ela morou e morreu na
casa dela. As terras ajudaram pra nós, mas sei lá.

204
A gente se sente bem contando a história. Pra mim graças a Deus tá
tudo bem, estando todo mundo com saúde, reunida aí. A família tem dia que
briga, mas é assim. Meus filhos sempre foram bons pra mim. Nunca falaram
um palavrão perto de mim. Eu também com a minha mãe era assim, mas hoje
está tudo mudado. O modo de viver já está tudo diferente.

Figura 5 – Área dos terrenos de D. Nair Pereira de Oliveira no bairro Vila Isabel
(escritura)

Fonte: Acervo de D. Nair Pereira de Oliveira

Eu nunca fui no baile do Grupo dos Treze. Eles ajudaram e ajudam até
hoje. Foi muito bom. Alguma coisa de bom eles estão fazendo. Mas não sei
como eles surgiram não. Eu não tenho muito envolvimento com o grupo.
Desanimei com os bailes.
Desculpe alguma coisa...se eu não falei certo.

205
Figura 6 – Terrenos de D. Nair Pereira de Oliveira no bairro Vila Isabel (escritura)

Fonte: Acervo de D. Nair Pereira de Oliveira

5.1.2 Aurélio de Oliveira

Nasceu em 31 de março de 1944, em Três Rios – RJ. Filho de Manoel


de Oliveira e Nair Pereira de Oliveira. Neto de João Pereira da Silva e Maria da
Luz Pereira (maternos); José Maria de Oliveira e Euzébia da Conceição de
Oliveira (paternos).
Tive 6 irmãos. O que eu sei da origem da minha família é que eles são
descendentes de escravos. Viveram aqui, na colônia, hoje bairro de Vila Isabel.
E meu avô além de ferroviário era um pequeno agricultor, tinha uma pequena
lavoura, criava alguns animais e isso era mais pra consumo. Eu estava sempre
em contato com a minha avó, que era meiga, carinhosa e ela fazia um
excelente feijão. Eu via as pessoas ordenhando vacas. Ela contava algumas
histórias...Algumas pessoas iam lá comprar leite. As verduras era pro gasto de
casa. Ela nunca contou a história de escravos não. Ela gostava de contar
estórias mirabolantes, lendas. Mas não lembro das estórias. Ela uma vez
cochilou contando uma estória e depois não sabia contar o resto. Sou filho do

206
primeiro casamento e não me lembro do meu pai. Eu tinha apenas 5 anos
quando ele morreu. O meu padrasto João que me criou, trabalhava numa
empresa de ônibus e eu levava comida pra ele algumas vezes. Ele encontrava
objetos de valor nos ônibus. Encontrou um relógio de ouro maciço uma vez.
Eu vim para Três Rios antes da minha mãe. Vim fazer um serviço de
experiência. Quando ela veio eu já estava aqui. Trabalhava no Triângulo, onde
é a UPA. Ali era um depósito e eu morava no anexo desse depósito. Eu era
solteiro. Às vezes dormia aqui na casa de parentes.
Minha mãe é ótima pessoa, não mede sacrifícios, faz coisas até demais
Faz coisas que outros talvez não faria. Dava muitas palmadas, apanhava
muito. Antigamente era assim. Era muito festeira. Adorava um baile. Ela
pegava a gente e rodava a cidade atrás de um baile. Ela era alegre. Vivia a
vida numa boa.
Daqui lembro que primeiro nós moramos numa casa pequena, perto da
casa do falecido vovô mesmo e fomos depois para a entrada do Cariri. Lembro
um pouco da casa de Petrópolis. Era uma casa geminada. Parede e meia.
Lembro do vizinho, Ademar, que trazia pão gostoso da padaria aonde ele
trabalhava. Me dava bem com os filhos dele também. Tenho uma lembrança
boa.
Me marcou mais a minha vida em Petrópolis. Tudo era mais
movimentado. Achei melhor ter ido pra lá.
Brincava de bola de gude, futebol, soltar pipa.
Levantava com aquele frio, Tomava café, ia para o colégio, fazia os
deveres, às vezes de má vontade. À noite ouvia programas de rádio, novelas,
um seriado muito bom chamado “Jerônimo, o herói do sertão”, dormia cedo, 8,
9 horas já estava todo mundo dormindo.
Estudei o primário até a quinta série, depois fiz déia, fiz cursos
profissionalizantes. Curso Técnico, fiz tudo isso enquanto trabalhava.
Estudei na Escola Nossa Senhora do Sion. Era uma escola de freiras.
Uma parte para pessoas de posse e outra pra pessoas pobres. Era gratuito.
Era um prédio enorme. Tinha capela e igreja. Aprendemos religião, fiz primeira
comunhão. Nas missas, auxiliava nas missas, coroinha. Foi minha única
escola. Lembro de uma professora Nilda. Ela me marcou porque gostava muito
de mim. Ela me dava reforço. Tinha muito carinho e paciência comigo.

207
Eu vim pra cá com 21 anos. Antes de vir pra cá, lá em Petrópolis, eu ia
em cinema, saía no carnaval, rodava Petrópolis inteira na madrugada, ia num
clube aqui, outro ali. Aqui em Três Rios, em termos de diversão, ia no cinema,
futebol, bailes. Tinham vários times de várzea. Aqui na Vila tinham dois times.
Aqui tinha o Colônia...Rodávamos tudo. Cantagalo, Moura Brasil...
Eu tive várias namoradas. Principalmente quando vim pra cá. Tive uma
namorada a Rosa, que eu me lembro mais por conta de algumas
circunstâncias da vida.
Minha esposa veio trabalhar aqui e nos conhecemos. Ela trabalhava de
doméstica. O noivado foi com a patroa dela que nos levou em Além Paraíba
com a família dela. Teve um almoço na casa da mãe dela. Fiquei uns 6, 7 anos
namorando. Casei na Igreja de São Sebastião. Não fizemos festa. Só bolo e
champanhe na casa da patroa dela. Tive três filhos com ela e um anterior a ela.
A qual me relaciono pouco. Tive com ela (Márcia) há pouco tempo e disse que
ela pode contar comigo. Tenho uma filha casada. Tenho dois filhos solteiros
que moram aqui.
Meu primeiro trabalho foi numa firma chamada Produtos Alimentícios
Flayshman Royal, firma muito conhecida, em Petrópolis. Comecei com 15 para
16 anos, primeiro como aprendiz e terminei como encarregado. Trabalhei 30
anos, me aposentei lá. Vim pra Três Rios e fiquei onze anos, mas depois
terminei meu tempo de serviço em Petrópolis mesmo. Tinha alguns problemas
de relacionamento com colegas, talvez por inveja, por estar crescendo na
empresa e outros pensavam que estava tirando a oportunidade deles. Com o
patrão em si nunca, por sinal nunca conheci, pois era uma empresa grande. O
local de trabalho era muito bom. Tínhamos um departamento de esporte com
futebol, vôlei e praticava esses esportes porque sou alto e meus filhos
participavam também. Nas festinhas também levava os meus filhos. Eu morava
a dois minutos do trabalho. Entrava lá e mostrava a empresa para os meus
filhos.
A minha filha é professora formada e os meus filhos são técnicos de
contabilidade e em computação. Trabalham em escritórios de contabilidade.
Recebia meu pagamento quinzenalmente na própria empresa, depois
passei a receber via banco. Não me lembro de nenhuma crise, nunca meu
pagamento atrasou um dia sequer.

208
Com o Grupo dos Treze passei a me envolver há pouco tempo, quer
dizer quando já estava quase me aposentando, já fazia parte. Onde era a
APAE agora, trabalhávamos lá. Trabalho Social. Quem me chamou foi o Hélio
Fumaça, o Waldir “bola branca”, que tem uma loja do outro lado da cidade e o
Walter Jerônimo. Me procuraram porque sou filho de uma família ilustre da
cidade que deveria fazer parte do grupo. As nossas reuniões eram no “Quem é
bom não se mistura”, na Jaqueira, pois não tínhamos sede. Desde que entrei
não saí mais.
O espaço de hoje tem mais ou menos uns 10 anos.

Figura 7 – Lei Municipal reconhecendo a “utilidade pública” do movimento comunitário Grupo


dos Treze

Fonte: Acervo do Grupo dos Treze

O grupo foi fundado porque antigamente morria alguém aqui na Vila


Isabel era um problema pra enterrar. Posteriormente a prefeitura atendeu
através da Assistência Social. Tivemos uma participação no Sase, um posto de
saúde, pois estava praticamente abandonado. Com o governo do Raleigh
Ramalho ficamos administrando e depois mudou a política e a parceria
terminou. Arrecadamos do sócio uma pequena quantia que é destinada à
assistência de saúde e para os enterros. No Sase acabamos utilizando a renda
do Clube dos 13.

209
Atendemos pouca coisa hoje na nossa sede, com somente dois
médicos. Não temos muitos sócios mais. Ficamos mais com atividade cultural.
No espaço do clube fazemos serestas, alugamos para festas, mas
continuamos ajudando em enterros quando alguém precisa.
A nossa déia era fazer um ambulatório médico, naquele espaço,
queríamos fazer também um “mini SENAI”, mas está difícil.
A cidade modernizou muito, aos poucos, mas desenvolveu muito. Tem
muitas fábricas boas aqui, a Beira Rio melhorou. Aqui na Vila Isabel nem
asfalto, nem calçamento tinha, quando chovia nem ônibus passava. Teve até
agência bancária, pessoas de classe média mudaram pra cá.
Quanto ao busto da “Mãe Preta”, não sei contar não, quem pode te falar
bem é o Hélio.
Quanto ao futuro eu gostaria que meus filhos tivessem um emprego
melhor. Tem bons empregos, mas não tem excelentes empregos. Não só para
os meus filhos, mas para todos.
Não querendo ser egoísta...mas queria isso para os meus filhos.
Eu se pudesse mudar algo, eu gostaria que tivesse mais amor e união
entre os meus filhos, porque infelizmente eles são muito desunidos, um não
gosta deste, o outro não gosta do outro.
Eu gostei de contar a minha história porque achei bacana, uma válvula
de escape.
Acho legal quererem saber da vida de pessoas simples, valorizando as
classes menores.
Eu fico envaidecido com isso porque a gente contribui pra melhorar
alguma coisa.
(Não quis tirar foto, dizendo que a mãe dele é que deveria ser
fotografada).

5.1.3 Hélio Silva

Nascido em 26 de junho de 1946, em Três Rios-RJ. Filho de Geraldo


Silva e Altina Rosa da Silva. Neto de Maria Rosa (materno).
Tenho 8 irmãos comigo. Francisco, Silvio, José, João, Maria Serrat, Vera
Lúcia e Carlos Roberto.

210
Figura 8 – “Prêmio Mãe Preta” ao Grupo dos Treze “pelos relevantes serviços prestados à
comunidade de Vila Isabel’

Fonte: Acervo do Grupo dos Treze

A minha família é traçada. A avó da minha mãe é da Itália, veio num


navio cargueiro, a avó da minha mãe era italiana; meu pai era mineiro, de
família escrava, meu bisavô era escravo em Minas, ali em Mathias Barbosa,
Simão Pereira, trabalhavam naquelas fazendas antigamente e a mãe do meu
pai era baiana.
Meu pai era lavrador, minha mãe era doméstica. Trabalhava em casa
pra ajudar meu pai. Era lavrador na Fazenda Sto Antonio, aqui em Três Rios,
trabalhou lá durante 40 anos. Depois trabalhou em outra fazenda aqui em Três
Rios, onde morreu trabalhando como lavrador, de derrame cerebral.
Minha família não se abria em muita coisa pra gente, o pessoal do
passado era meio seguro, muito reservado.
Igual ao meu pai nessa terra era difícil, era trabalhador, se dedicava à
família, criou 8 filhos, trabalhando em lavoura, roçando pasto, matando formiga,
cortando lenha e ainda conseguiu construir uma casa pra gente na Vila Isabel,
comprar um terreno e fazer uma casa. Ele deixava de comer pra dar as coisas
pra gente. Meu pai era um moreno fechado, olhos verdes, meio puxado dos
baianos e muito trabalhador.

211
O avô da minha mãe era descendente de índio, tinha o cabelo pretinho.
Eu tenho primo de 70 anos com o cabelo pretinho, minhas tias todas também.
Minha mãe tinha o cabelo longo e preto. Ela costurava pra fora. Na fazenda
tinha muito café, apanhava café, caía no chão e a gente quando era criança,
pegava o café no chão e trazia pra casa.
Quando nasci morávamos na Fazenda Sto Antonio. Até hoje sonho com
a casa. Uma casa modesta, de chão, tinha fogão à lenha, em volta da casa
tinha um paiol de milho, tinha muita criação, porco, galinha, meu pai fazia
plantação de milho, feijão. A casa era dentro da fazenda. O fazendeiro tirava
um pedaço de terra e separava para os colonos na época. Era quase um
alqueire de terra. O dono era o Seu Carlos Simão Louro.
Dessa casa nós viemos aqui para a Vila Isabel. Aqui na Vila Isabel, na
rua onde eu morava, nós éramos uma das famílias mais pobres. De 52 para 54
aqui na Vila, aqui em Três Rios, tinha muitos ferroviários. E nos dias do
pagamento, eu via que eles faziam compra e compravam manteiga. Comiam
pão com manteiga, que a manteiga saía até entre os dedos. E a gente não
tinha dinheiro pra comprar uma rosca. A rua que eu morava tinha só ferroviário,
o único que não era, era o meu pai, que tinha comprado uma casa pra gente.
Ele foi trabalhar em outra fazenda. Naquela época os maiores investidores que
existiam eram os fazendeiros. Os fazendeiros faziam assim, se você era
casado, da roça e tinha 8, 10, 12 filhos, viravam tudo empregados da fazenda.
Como os meus irmãos foram crescendo e foram saindo, o fazendeiro não
gostava das pessoas que nasceram na fazenda, se formaram na fazenda,
saíssem das fazendas. Meu pai pra não cortar a carreira da gente, saiu dessa
fazenda, foi vendendo galinha, ovos, porcos, pra fazer essa casa pra gente.
Quase todos chefes de família que moravam na roça e vieram pra cidade, não
foi por causa dele, foi por causa dos filhos. Ele foi trabalhar então numa
fazenda do Seu Baiano que já acabou também, que era na Boa União e que
fazia cachaça. Ele não se importava que ele trabalhasse e os filhos não,
porque meu pai não morava na fazenda.
Na infância, quando era moleque de rua, brincava de bater carniça,
pique. Teve uma diferença muito grande de quando eu morava na fazenda.
Porque na fazenda a gente morava tudo distante. À noite, pra você chegar
numa casa, era muito difícil. Já aqui na Vila era muito fácil. Era uma casa perto

212
da outra. Era tudo pertinho. A criançada brincava na rua escura, não tinha luz
aonde a gente morava. A luz veio depois.
Meu pai levantava de manhã, fazia o café, chamava todo mundo pra
trabalhar, e aí que ele ia embora pro serviço dele. À noite, quando ele voltava
da fazenda...era uma vida pesada, ele trazia um pau que vinha nas costas, um
feixe de lenha pra dentro de casa, pra diminuir a despesa e minha mãe
costurava pra ajudar meu pai.
A minha irmã mais velha fazia comida. Os meus irmãos foram crescendo
e foram trabalhando.
Estudei até a quarta série, porque naquela época o patrão mandava
você escolher, se queria trabalhar ou estudar. Você olhava pra trás e via a
situação em casa, você tinha que trabalhar, como é que ia estudar? Quase
todo mundo era assim.
A minha primeira escola foi boa. Era na roça, perto da Estação de
Fernandes Pinheiro. Andava de pé no chão, calça rasgada, calça de saco.
Comia broa de milho. Era assim a nossa vida. Era uma sala só, com duas
turmas. Uma escola pequena. Tinha pátio.
A professora mais marcante foi a Dna Dalva, ela morava aqui fora. Ela
era muito brava, mas dava atenção à gente. Então, o pouquinho que eu
aprendi, aprendi com ela.
Passei minha juventude aqui. Gostava de futebol, pois podia fazer e não
pagava nada. Ia jogar no Campo Grande no Rio. Joguei em vários times em
Três Rios, mas sofri um acidente e tive que parar.
A minha primeira namorada... o pai dela obrigou ela a namorar um
funcionário da Rede Ferroviária.
Tenho três filhos. Me casei com uma mulher que me ajudou muito. O pai
dela era ferroviário e falou para eu entrar na Central do Brasil, quando a pedi
em casamento. Não teve festa no meu noivado. No dia que estava marcado o
meu casamento, foi o enterro do meu pai. Desmarquei e casei seis meses
depois. Tenho 2 filhos e uma filha. Trabalhei numa tinturaria, foi meu primeiro
emprego. Um colega arrumou pra mim.
Da turma toda o mais pobre era eu. Com o tempo achei que não era
trabalho de homem. Fui trabalhar numa oficina, de serralheiro. Minhas roupas
eram velhas, remendadas. Dos meus colegas também. Trabalhei lá uns dois

213
anos, depois fui para outras serralherias, para outros lugares. Até ir trabalhar
na COMAFER, durante 14 anos. Quando faliu, eu saí, me chamaram pra
trabalhar em outras cidades, mas não fui não. Completei meu tempo aqui em
Três Rios. Paguei meu tempo de serviço como autônomo e me aposentei.
Montei minha própria serralheria. No início, passei até necessidade para pagar
o INPS. Minha mulher trabalhava para me ajudar. Trabalhava com costura.
Em 1992, comecei com o Grupo dos 13. Sempre tive vontade de ajudar
alguém, mas não tinha situação financeira. Com um amigo comentei sobre a
associação de moradores. Resolvi então montar algo aqui na Vila, pois era
uma comunidade grande que precisava de ajuda. Formamos um grupo com
treze pessoas para ajudar os outros.
Sempre ajudamos os menos favorecidos. Remédios, sepultamentos,
obras em escolas (municipais e estaduais), no cemitério... o Grupo ajuda a
melhorar as instituições da comunidade. Até hoje, quando nos pedem ajuda,
damos a ajuda.
A comunidade sempre foi pobre e a maioria negra.
O grupo criou uma caixa de ajuda, com contribuições. Todo final do mês
muitas pessoas ajudavam, quando era necessário, usávamos o dinheiro.
Ajudamos até pessoas de outros bairros. A credibilidade do grupo é muito
grande.
Compramos a sede em 2004-2005. Moacir Saraiva era o dono do
terreno. As terras daqui era dos Caetanos.
Quando a condessa deu as terras pros escravos, eram uns dez donos. Na
década de 50, os brancos da ferrovia foram comprando as terras.
Comerciantes compravam. A colônia não deu certo. Os posseiros quando
conheci, só queriam andar bonitão. Arrendavam uma quadra, mas os
arrendatários iam registrar as terras nos nomes deles. Conheci uns 5 ou 6
escravos, ou até mais. Andavam tudo alinhado, eram os posseiros. Quando
mudei, tinha muita roça, canavial, que faziam cachaça. Os velhos conversavam
e nós não chegávamos perto. Era muito difícil chegar numa sala de adultos e
ouvir as conversas. Muitos descendentes não sabem da história, porque não
era passado pra eles.
Nos fins de semana, a sede do grupo funciona com festas, nos dias de
semana existem promoções como dança, capoeira, pintura, etc.

214
Figura 9 – Destaque do ano de 2004 ao “Movimento Comunitário Grupo dos Treze”

Fonte: Acervo do Grupo dos Treze

Figura 10 – Sede do Grupo dos Treze no bairro Vila Isabel

215
Figura 11 – Sede do Grupo dos Treze (à esquerda, o Sr. Hélio Silva)

Gostaria de promover cursos profissionalizantes para os jovens, mas


não temos dinheiro pra isso. Temos espaço, mas não temos como investir.
Meu maior sonho é fazer um “SENAI”. Se eu formasse dez jovens,
nunca mais ninguém tiraria isso deles. Mas não queremos nos envolver com
política.
Não mudaria nada na minha vida. De onde eu vim e como eu estou...
Meus filhos estão bem...tenho cinco netos...estou bem. Só preciso de
saúde. Gostei muito de contar a minha história, um pouquinho da vida de um
caipira.
Entrei na Vila, de calça de saco, camisa de saco...e hoje estou aqui
conversando com você, contando a minha vida. Estou me vendo indo pro
colégio e estou aqui contando a minha vida. (Não quis posar para a fotografia).

5.1.4 D. Maria da Glória Cerqueira de Carvalho


Nascida na Jaqueira. Nome do pai: Feliciano Cerqueira de Carvalho e da
mãe: Palmira Rosa. (Nem ela e nem a filha sabem os nomes dos avós).
Não sei quantos irmãos tinha. Sabino, Norival...(Sr. Hélio diz que eram
oito com ela).

216
Figura 12 – D. Maria da Glória Cerqueira de Carvalho e sua filha Ângela Maria em sua casa no
bairro Vila Isabel

Nascida na Jaqueira. Nome do pai: Feliciano Cerqueira de Carvalho e da


mãe: Palmira Rosa. (Nem ela e nem a filha sabem os nomes dos avós).
Não sei quantos irmãos tinha. Sabino, Norival...(Seu Hélio diz que eram
oito com ela).
Morava aqui pertinho. Meus pais trabalhavam na roça aqui pertinho.
Esqueci do casamento deles.
Meu pai era muito alegre, trabalhava até tarde, à noite. Gostava de tocar
acordeon, velhinho, ele tocava direitinho. Todo mundo ria quando ele tocava.
Eles não brigavam. Minha mãe era alegre, dançava e a gente ria muito, sabe.
Nós morávamos naquela casinha ali embaixo. Tenho quatro retratos que
estão com a minha filha. A casa era de sapé, parede de barro. Tinha sala, não
lembro quantos quartos. Tinha um quintal bom, era uma chácara. Não tinha
rua. Tinha plantas, manga, quintal era grande. A gente fazia umas trilhas para
passar. Tinha algumas casas em volta, filhos e filhas moravam ali. À noite
passeavam, iam em baile.
Quando era criança brincava, fazia boneca em casa.

217
Figura 13 – Sr. Feliciano Cerqueira de Carvalho (de chapéu, terno e bengala, ao centro) em
suas terras no bairro Vila Isabel

Fonte: Acervo do Sr. Hélio Silva

Eu acordava primeiro pra fazer café, trabalhava muito. Plantava horta,


capinava e minha mãe trabalhava muito. Dizia pra ela não trabalhar tanto que
ela ia ficar doente. Ela dizia que não. Plantávamos para nós. Sobrevivíamos da
roça. Todo mundo tinha roça, parreira de chuchu. Não levávamos para o centro
de Três Rios.
Não estudei, não tinha nem rua pra ir. Até chorava porque queria
aprender. Minha mãe tinha medo de deixar a gente ir. Tinha cachorro bravo.
Passei minha juventude aqui. Saía com minhas irmãs à noite. Ia no baile
com meu irmão mais velho. O baile era nas casas de outras vizinhas. Meu pai
já estava muito velhinho e só tocava em casa, não nos bailes. Eu sei das
músicas que tocava, só não lembro pra cantar, estão na ideia.
Meu primeiro namorado, casei com ele. Tinha 20 anos quando casei.
Conheci num baile. Teve noivado com festa, foi na minha casa. Teve bolo,
muita coisa. Teve almoço. Casei na igreja em Três Rios, aqui na Vila. Tive uns
10 filhos. Casei uma vez só.

218
Depois trabalhei muito, lavava roupa pra fora, trabalhava cantando.
Lavava, passava...tudo aqui na Vila. Cuidava dos filhos e da casa. Não mais da
roça. Depois parei de lavar, quando meu marido passou a ganhar melhor. Ele
era ferroviário. O nome dele era João de Oliveira. Ele voltava todo dia pra casa.
Eu costurava também.
Depois que casei continuei morando aqui no mesmo lugar. Este lugar
era muito grande.

Figura 14 – D. Maria da Glória Cerqueira de Carvalho e sua filha Ângela Maria na varanda de
sua casa
no bairro Vila Isabel

(Quando perguntada sobre as terras, se pertenciam à condessa, ela e a


filha dizem que não sabem. A Neuza, a outra filha, sabe que foi. A que estava
com ela, nunca ouvira falar)
Muita coisa mudou. Agora ficou muito melhor. Tem rua, tem ônibus, tem
televisão. Acho muito melhor agora. Posso ir na igreja.
Eu queria ser conforme eu era, pra fazer muita coisa que fazia antes.
Não volta mais.
Lembrar da minha vida foi bom, não foi ruim não. Minha filhas
conversam mais sobre isso.

219
Figura 15 – Sr. Feliciano Cerqueira de Carvalho em suas terras no bairro Vila Isabel

Fonte: Acervo do Sr. Hélio Silva

5.1.5 Sr. Valdir Neves de Lima

Nascido em Tristão Câmara, distrito de Petrópolis. Hoje, São José do


Vale do Rio Preto, em 07 de outubro de 1930. Filho de Manoel Dias de Lima e
Galdina Neves de Lima. Neto de Antonio Paulino de Araújo e Rita (paternos) e
Manoel de Lima e Tereza (maternos).
Tive 5 irmãos, o mais velho é falecido. Tenho mais três irmãs. Uma mora
em Juiz de Fora, uma aqui em Três Rios e outra em Paraíba do Sul.

220
Minha família, a parte de meus avós paternos veio de Ilhéus; e a parte
da minha mãe, não tenho certeza, mas dizem que veio de um lugar que
pertencia à Portugal. Meu avô materno era descendente de negro.
Meu pai trabalhava com meu avô num armazém em São José, depois
progrediu e meu avô comprou uma fazenda em Paraíba do Sul. E meu pai
tomava conta da fazenda.
Meus pais eram vizinhos em São José, quando se conheceram,
namoraram e casaram.
Meu pai morreu quando eu tinha um ano e sete meses, de desastre de
cavalo. Minha mãe estava grávida da minha irmã mais nova. Meu pai me fez
muita falta. Minha mãe foi uma heroína. Casou pela segunda vez, tinha que
casar, com 5 filhos e foi uma luta muito grande, que eu participei. Meu padrasto
era boiadeiro e com 7 anos comecei a acompanhar ele na jornada de tocar
boiada. Não sei se é porque gostei, não sei por que, consegui seguir e dar
certo. Com 8 anos já tocava alguma coisa sozinho. Vivi nessa luta muitos anos.
Mudamos muito. Quando meu pai morreu voltamos para São José. Quando
minha mãe casou novamente, mudamos para Areal, depois Alberto Torres,
Paraíba do Sul, onde estudei no Bezerra de Menezes. Mudávamos muito,
porque meu padrasto fazia muitos negócios. Vim em 1942 para Três Rios,
morei do outro lado do rio; Caixa D’Água e depois viemos para a Vila Isabel,
antiga Colônia.
Minha mãe costurava, era uma luta, trabalhava muito. Moramos em
frente ao cemitério. Nessa época estava com 16 anos. Moramos numa casa
comum, com varanda, dois quartos, tinha quintal. Era um alqueire e meio mais
ou menos. Compramos do Sr. Pacheco que tinha um açougue.
Quando nós viemos e conheci a Vila Isabel, alugamos pasto lá no fim da
Vila, então já conhecia isso tudo. As ruas eram trilhas pra passar boi e carroça.
Alugamos pastos, pois tinhamos muitos bois. Mandava boi pro Rio e tudo.
Quando moramos na rua de La Torno, tínhamos um sítio perto do
cabaré, com uma vista privilegiada, o rio era cheio total, perto onde hoje é a
ilha do Sola. Pertence ao bairro Triângulo hoje.
Tinham muitos sítios aqui.

221
Figura 16 – Sr. Valdir Neves de Lima e sua esposa, D. Ana

Estudei muito pouco, muito picado, mudamos muito, meu padrasto era
muito exigente, muito rígido, e não parava empregado em emprego nenhum.
Eu que tinha que segurar tudo. Estudei até o primário. Completei na Condessa
do Rio Novo. Dona Alva era a diretora, ela foi a primeira vereadora aqui. Era
uma pessoa especial. Se não fosse ela, teria ficado talvez analfabeto. Chegava
sempre atrasado. Um dia ela me chamou e perguntou o que estava
acontecendo. Eu disse: “- Dona Alva, eu acordo quatro horas da manhã, vou
tirar leite, entrego na rua, casa por casa.” Vendia meia garrafa naquela época.
Veja como as coisas eram difíceis. Dali eu ia para o colégio. Para estudar à
noite era difícil, porque estava muito cansado à noite. Fazia serviço de um
homem ou dois. Vendíamos leite por uma temporada. Depois a gente vendia a
vaca. Falei com Dona Alva que teria que parar de estudar. Ela disse:
“Absolutamente. Pode continuar.”
Não tinha tempo pra brincar. Bola só jogava no colégio. Fazia esporte,
educação física no colégio. O colégio fazia competições: corrida, pular
obstáculos e tinha uma bola que passávamos embaixo das pernas. Gostava da

222
disciplina. Jogava uma peladinha de vez em quando. Eu tinha muita
velocidade, muita destreza.
Quando chegava em casa, era só pra dormir.
Continuando sobre a Dona Alva, ela me deixou estudar e mandou que
eu lesse jornal. Ela disse: “- Quando você estiver viajando, compra um jornal e
leia aquilo até entender. Se achar um jornal, leva pra casa.” Nunca mais
esqueci isso. Porque a leitura é muito importante e acabei desenvolvendo mais
no comércio.
Em Paraíba, me lembro da professora Dona Madalena, do pessoal do
Alpes Cunha, no Bezerra de Menezes. Fazia esporte, teatro na escola também.
Depois vim pra cá e estudei no Condessa. O prédio era no Fórum antigo, atual
Casa de Cultura. E tinha um terreno grande perto, onde jogávamos pelada.
Depois construíram o colégio e passamos pra lá.
Minha juventude era só trabalhando. Trabalhava até nos sábados e
domingos. Gostava de ir nos bailes de sanfona, de terreiro, aqui na Vila,
quando tinha. Tinha o caxambu. Os bailes eram de aniversários, dia de São
João, Santo Antonio. Era tudo lá na casa do João Caetano (João Pereira). A
família dele vinha para os bailes. Depois, pararam de vir. Parecia que ele tinha
muitos inimigos. E muitos brancos participavam.
Minha primeira namorada era de Santo Antonio. O nome dela era
Rosilda Quintela. Depois foram só namoros rápidos. Namorei bastante, dancei
bastante.
Sou casado pela segunda vez. Com a primeira tive três filhos. Com a
segunda esposa tive um filho. Tenho 43 anos de casado.
A família de minha segunda esposa era conhecida. Tinha 38 anos
quando casei e namorei durante 7 meses. Como eu era desquitado, nos
casamos na Igreja Brasileira, igreja católica, no Rio. O pai dela não aceitava,
porque eu era desquitado. Depois de cinco anos, saiu o divórcio.
Meus filhos se chamam: Valdir Júnior, Rosane, Rosângela e Douglas.
Quando era boiadeiro, aprendi muito rápido a trabalhar. Gostei logo de
início. Com oito anos fui à fazenda da Realeza buscar oito cabeças de boi,
sozinho. A dona da fazenda comentou na época, que meu padrasto não tinha
juízo, pois eu podia cair, me machucar. Mas fui com a maior satisfação.
Levantei de madrugada e pra mim foi uma vitória. Daí pra frente fui apanhando

223
conhecimento, gosto. Na ponte do Lucas passavam as boiadas, o gado bebia
água, e lá conheci os Avelinos e os portugueses.
Negociávamos o gado, muitas vezes vendemos para Santa Cruz, era o
principal cliente. Mas vendíamos também para açougues. Trabalhei até os vinte
anos como peão boiadeiro, pois sofri um desastre e machuquei a perna.
Um dia, meu padrasto mandou que eu matasse um boi, e eu não
gostava de matar. Mas fiz tanta força que a cicatriz abriu novamente. Tive que
operar, e quem pagou a minha cirurgia foi o meu avô. Então vi que tinha que
parar. E depois que eu parei, o meu padrasto não conseguiu continuar.
Eu procurei o meu avô e pedi apoio a ele. Meu avô disse que já estava
na hora de fazer outra coisa, pois aquilo não tinha futuro nenhum. Mas não sai
antes, porque eu achava que deveria ficar com a minha mãe, ajudar a criar
meus outros irmãos. Mesmo ela sendo casada, eu achava que devia ficar
protegendo a minha mãe. Eu era mais novo que o meu irmão, mas ele casou
muito novo e tinha família. Minha mãe morreu aos 103 anos.
Fiquei com meu irmão durante um período até me ajeitar.
Nesse período, eu conheci um alfaiate, Sr. Geraldo Gomes, pois tinha
ido mandar fazer um terno pra mim. Conversando com ele, perguntei se
demorava muito a aprender a fazer aquele trabalho. Ele me respondeu que
dependia da pessoa. Uns demoravam um ano, outros dois ou até três,
dependendo da força de vontade. Ele me disse que se eu ficasse um mês lá,
ele me ensinava. Com um mês aprendi bastante e depois de um ano, eu já era
oficial. Mas ele bebia muito e não deu certo. Fiquei um tempo, mas depois sai.
Chegamos a ir juntos para Paraíba do Sul e morava com ele. Meu avô me
emprestou um dinheiro e investi no negócio, mas ele não me pagou. Ele me
ensinou tudo de alfaiataria. Depois ele parou de beber, entrou para uma igreja
e se regenerou. Depois fui trabalhar com o Sr. João Leal, alfaiate. Trabalhei
uns dois anos com ele e morava na alfaiataria. O dono do cômodo era o Dr.
Alencar, um dentista.
Depois vim para a Vila e abri a minha alfaiataria. Minha mãe se separou
do meu padrasto e no lugar onde ele tinha açougue, o meu avô comprou para a
minha mãe e o espaço estava vazio. Ali eu abri a minha própria alfaiataria,
atrás do açougue, num rancho atrás, nos anos 50. Graças a Deus, ali fui
subindo, subindo. Trabalhei depois no Correio que abriu aqui mesmo na Mãe

224
Preta, ideia de alguns vereadores, a partir de 1959, tomava conta no início sem
ganhar. Os comícios começavam na Vila, aqui em frente. Então conheci os
políticos da época. Ganhava dinheiro como alfaiate. Desenvolvi e construí o
primeiro prédio da Vila, de dois pavimentos (1956-1957). Fiz tudo dentro das
normas, pedi instruções ao cartório. Conheci o João Silveira e Bernardo Bello,
que me instruíram. Depois veio a farmácia e a padaria já estava progredindo
também, aqui perto.
Trabalhei muito mesmo como alfaiate, 16 a 18 horas por dia. Na época
tinha a fábrica Amazonas e fazia ternos pra toda Três Rios.
Mas depois foi ficando cada vez mais difícil ensinar o ofício, ficou
proibido ensinar às crianças e tudo foi mudando. Aposentei nos Correios, pois
depois passei a ter salário.
O primeiro esgoto da Vila foi feito aqui no meu terreno, liberei para
passar aqui. Não tinha rua calçada, era tudo de chão. As construções eram
muito simples. Comprei as três esquinas com o tempo. Recebi uma parte da
mamãe, outras ela me vendeu.
Na esquina tinha um colégio, uma mercearia e uma barbearia; na outra
esquina era o clube Vila Nova. Fiz isso tudo com muito sacrifício. E gosto de
construir, tudo aqui eu planejei.
Depois da revolução, eu fui trabalhar lá no centro de Três Rios.
Quando aposentei foi proporcional e saí porque vi que aquela não era a
minha praia.
Nos anos setenta comecei com o comércio de materiais de construção,
pois gostei muito quando estava construindo.
Antes, tive também um barzinho, onde fiquei por 8 anos, trabalhando
com minha esposa. Meus filhos também tinham obrigações no bar. Minha
esposa ficava na cozinha e tinha também mesa de sinuca. Só que ficamos
muito cansados, por isso abrimos loja de materiais de construção. Hoje, são
duas lojas de materiais de construção, de materiais mais pesados e a outra de
materiais leves.
Três Rios se desenvolveu bastante. A meu ver o que impulsionou a
cidade foi a Indústria Américo Silva, depois Franz Schuller, dono da pedreira,
cerâmica de Cantagalo, em Serraria, a fábrica. Depois veio a Santa Matilde.

225
Trabalho todos os dias. Caminho de manhã, descanso na hora do
almoço.
O que eu mais gosto de fazer é obra. Adoro construir, fazer obras.
O meu maior sonho é continuar fazendo obra, construir.
Tenho oito mil litros de água de captação de água de chuva. Uso para
molhar plantas, lavar calçadas. Fiz uma cisterna.
(Terminou falando das obras que pretende fazer, muitas obras ainda...)
A única coisa que eu não pude fazer foi comprar uma fazenda. Mas não
mudaria nada na minha vida. Fiz seis cirurgias, sendo que quatro por causa de
excesso de trabalho.
Sempre procurei ser honesto com as coisas. Sou maçom também. Uma
pessoa honesta que me inspirou foi o Sr. Bento Gonçalves, de Paraíba do Sul,
que era maçom também. Aprendi muitas coisas boas na maçonaria.
(Quando já estávamos nos despedindo, lembrou-se de falar da estátua
da “Mãe Preta”, colocada em frente à sua casa, na Pça Ambrozina Bastos ou
Pça da “Mãe Preta”).
Um vereador de Três Rios, chamado Armando de Almeida, há muitos
anos atrás, viajou para São Paulo e lá viu que, em alguns lugares, estavam
sendo colocadas estátuas de mães pretas, em homenagem às amas de leite,
escravas que amamentaram os sinhozinhos. Achou interessante a ideia e
comprou uma estátua para ser colocada em Três Rios, pois sabia do passado
escravista da cidade. Quando chegou em Três Rios, teve muita dificuldade
para colocar a “Mãe Preta”. Tentou colocá-la no bairro Caixa D’Água, mas os
moradores de lá, não queriam. Pensou em colocar na frente da Igreja de Stª
Luzia, na Vila Isabel, mas a ideia não agradou às pessoas com quem ele
conversou. Chateado, desabafou comigo, e dei a ideia de colocar na Pça
Ambrozina Bastos, pois é em frente à minha casa e prometi que dali ninguém
tiraria. E foi assim que a “Mãe Preta” se instalou na Vila Isabel. Depois de muita
rejeição.

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Figura 17 – Fachada do prédio do Sr. Valdir Neves de Lima no bairro Vila Isabel (residência e
loja) – à esquerda Praça Ambrozina Bastos

Fonte: Acervo do Sr. Valdir Neves de Lima

Figura 18 – Busto da “Mãe Preta” na Praça Ambrozina Bastos no bairro Vila Isabel

Fonte: Acervo do Sr. Valdir Neves de Lima

227
5.1.6 D. Jane Machado da Costa

Nascida em Três Rios/Vila Isabel, antiga Colônia, em 31 de outubro de


1943. Filha de Alcides Machado e Maria do Carmo Machado. Neta de Carolina
Martins da Costa e Francisco Teles da Costa (maternos); Francisca Machado e
Francisco Machado (paternos).
Éramos quatro irmãos. Perdemos um irmão. Todos nasceram e foram
criados aqui em Vila Isabel.
A minha avó materna e avô vieram morar aqui em Vila Isabel, depois de
casados, originários de São João Nepomuceno, em Minas Gerais. Vieram
morar na rua da Pedreira.
Meu avô era agricultor, depois entrou pra prefeitura como varredor de
rua e se aposentou como varredor de rua. Tinha essa profissão na prefeitura
antigamente e acho que tem até hoje. As pessoas eram responsáveis por
limpar a rua. E ele trabalhava à noite. A minha avó era doméstica, cuidava do
lar.
A minha mãe era lavadeira, trabalhava em casa e meu pai era pedreiro.
Ele trabalhou com um construtor aqui em Três Rios que se chamava Davi
Gonçalves, quase a vida toda. Trabalhou muito com ele. Além de trabalhar com
o Davi Gonçalves, trabalhava também com a família Monnerat. Ele era o faz
tudo no Colégio Entre-Rios...ele era eletricista, era pintor nas horas vagas, na
parte da noite, da tarde. Antigamente o pedreiro trabalhava das sete da manhã
às quatro da tarde. Papai saía do trabalho e ia para o colégio; e aos sábados
ele trabalhava também no Colégio Entre-Rios. A minha mãe lavava a roupa pro
pessoal lá de fora. Ela lavava a roupa para um dentista, o Dr. Odon. Me lembro
que ia com ela levar a trouxa de roupa, aos sábados, perto da Pça da
Autonomia, onde hoje é a Construmil. Era a casa dele, que era irmão do Dr.
Otávio de Freitas.
Parece que meus pais se conheceram aqui na Vila mesmo.
Meus avós paternos, não sei muito da história deles não. Só sei que o
pai do meu pai era português.
Meus pais se casaram aqui e continuaram morando aqui, na mesma rua
que a minha avó Carola morava. Depois, ficaram morando nesse terreno onde
é a minha casa hoje. Minha avó conseguiu aforar esse terreno e o do lado, da

228
Casa de Caridade. Quer dizer, era um terreno que pertencia aos escravos. A
documentação desse terreno ficou em nome da minha avó. Depois esse
terreno foi dividido e parte ficou para o meu tio e a outra para a minha mãe.
Que é essa parte onde é minha casa, era da minha mãe.

Figura 19 – D. Jane Machado da Costa

Fonte: Acervo de D. Jane Machado da Costa

O meu pai, eu não sei o grau, o nível de instrução dele do primário, até
onde ele foi. O que eu sei é que ele lia muito bem, a leitura dele era perfeita. A
letra do meu pai era aquela letra trabalhada sabe, perfeita. Ele lia e escrevia
muito. Ele gostava de ler livros, ele era assim uma pessoa que gostava de
política. Ele até pertenceu a um partido político chamado PSD.
Meu pai era uma pessoa muito boa. Tinha uma visão do futuro muito
grande. Dizia pra gente, por ele ser pedreiro, conhecedor muito grande de
obras, que Três Rios ainda ia se desenvolver muito, que acreditava no

229
desenvolvimento de Três Rios. Apesar da pouca instrução dele, ele era muito
culto. Ele tinha um rádio, até fabricado pelo Sr. Joel Monnerat, que tinha uma
oficina em casa. Ele pegava uma tábua quadrada e botava aquelas válvulas.
Antigamente eram umas válvulas que atarraxavam assim. Ele montava os
rádios, naquela época o chamavam de eletro-técnico, uma coisa assim. Ele
fazia os rádios pro papai. Eram feios os rádios, porque aquelas pilhas ficavam
tudo aparecendo. O papai colocava o rádio em cima de um armário, chamado
guarda comida. Era um armário quadrado, mais ou menos de um metro e
setenta, com as portas fechadas, onde guardavam os mantimentos, era de
madeira. O papai ouvia um jornal chamado A Hora do Brasil. Era todo dia sete
horas da noite. Aquilo era uma hora. O papai ficava em pé do lado do armário.
Ficava mexendo no rádio, porque não pegava bem. Com o ouvido colado, ele
ouvia as notícias do Brasil e do mundo e sabia tudo. Ele conversava com a
gente, ele sabia tudo. Eu me lembro, quando o Getúlio Vargas se suicidou, eu
estava estudando e o papai foi na escola, ele estava trabalhando, mas ficou
com medo de surgir uma revolução. Ele foi no colégio, tirou a gente da escola e
mandou a gente pra casa. Falou pra gente ir pra casa depressa e não sair de
dentro de casa. Ele era cuidadoso.
Mamãe era uma pessoa mais simples, humilde. Sabia escrever, porque
o papai ensinou a ela. Eu me lembro que, quando criança, via o papai
ensinando a minha mãe a escrever. Com aquelas cartilhas antigas, para ela
assinar o nome, fazer contas. A mamãe era muito prendada, as prendas
domésticas dela eram perfeitas, cozinheira de mão cheia. Aprendeu a cozinhar
com a minha avó. Antigamente existiam cozinheiras de festas e casamentos. A
vovó Carola fazia comida para os casamentos. Ela era cozinheira de festas e
casamentos. O casamento ia acontecer no sábado, a vovó ia na quinta-feira
para a casa do casamento. Na quinta matava o porco, a leitoa, os frangos. A
vovó temperava aquilo tudo e depois começava a fritar. Preparava aquela
comida toda, assava as leitoas, os frangos, na quinta e na sexta. No sábado de
manhã é que fazia a comida. Então a vovó era cozinheira famosa na época. A
minha mãe aprendeu com a vovó a cozinhar, embora nunca tenha feito comida
para casamento. A mamãe preparava a nossa roupa, bordava. Tenho uma
lembrança da mamãe... a gente estudava no Colégio Entre-Rios, porque o
papai trabalhava, fazia serviços no colégio e os donos, seu Carlos, seu Joel

230
Monnerat, deixavam a gente estudar sem cobrar nada, davam os livros, faziam
tudo pela gente. Eu me lembro da mamãe bordando os tamancos, porque a
gente usava uns tamancos de sola de madeira, com couro e tecido por cima, e
a mamãe bordava os tecidos do tamanco. A parte de cima era bordada com
sianinhas, com florzinha, ficava aquele tamanquinho lindo. A gente saía aqui da
Vila e ia para o colégio Entre-Rios, passando aqui pela rua Belo Horizonte, mas
tinha muita poeira. Era muita poeira. Quando não era poeira, era lama. Eu e
meu irmão...íamos descalços para o colégio, carregando o calçado na mão,
porque se não sujava o sapato todo. Quando chegava lá na linha do trem, na
Condessa do Rio Novo agora, ali tinha um bebedouro para botar água nas
máquinas, era uma borracha grande, preta, que saía água, aquela água era
para colocar na máquina do trem. Então, a gente chegava lá e aquela borracha
estava sempre saindo um pouquinho de água. Botava os pés embaixo, lavava
os pés bem lavadinho, calçava o tamanco e atravessava pra avenida e ia pro
colégio. A mamãe sempre foi cuidadosa. Fazia umas bolsas de saco branco,
cortava uma bolsa quadrada com uma alça, que usava a tira colo, só que as
nossas eram todas bordadas. Fazia aqueles detalhes pra gente ir arrumadinho
pra escola. Tem um detalhe, eu tenho uma irmã que também é professora,
Janete Machado, ela tem um buffet em Três Rios e o nome do buffet é “Vó
Carola”, em homenagem à nossa vó Carola.
A minha casa não era feita de tijolo comum, era feita de adobe, um tijolo
feito de barro, grosso e quadradinho, devia ter uns quinze por dez centímetros,
a altura era de mais ou menos cinco centímetros, era forte, era alto. Pelo que
eu sei foi o papai que fez a nossa casa. Era de meia água, grande, nós sempre
tivemos casa grande. O piso, quando eu era bem criança, eu me lembro que
era de chão, chão mesmo. Mas a mamãe tinha um truque. Ela cozinhava no
fogão de lenha. Desse fogão de lenha, depois que queimava a lenha, ficava
uma cinza fininha. A mamãe tirava aquela cinza, coava numa peneira de coar
areia, saía uma cinza bem fininha. Aquela cinza fininha era usada para arear as
vasilhas, porque as panelas eram de ferro. A mamãe separava, colocava num
recipiente. Do lado de fora da cozinha, tinha um banco de madeira alto, ali tinha
duas bacias grandes, ali era onde nós lavávamos as vasilhas. A água tirava do
poço, levava aquela lata grande de água pra perto, com um canecão grande
tirava a água da lata e jogava dentro de uma bacia, botava a louça ali e

231
passava o sabão, a cinza. Esfregava com uma bucha vegetal numa bacia e
enxaguava na outra. A vasilha tinha que ficar limpinha. As panelas ficavam
brilhando. Tinha que arear. Essa cinza também era utilizada pra limpar o chão
da casa. A mamãe vinha com aquela cinza para limpar o chão da casa, dentro
de um canecão, pegava com a mão e ia jogando a cinza. Eu fiz muito isso com
ela. Fazia uma camadinha de cinza, vinha com um regadorzinho pequenininho,
que saía aquela biquinha de água e ia molhando a cinza, que ia se assentando,
espalhando pelo chão e secava. Nisso a terra do chão puxava a cinza, ficava
como uma camada. Aí a mamãe vinha com uma vassoura, feita de um mato,
que se chama vassoura. Um mato que dá umas folhinhas pequenas que não
arranhava o chão. Ela amarrava aquele mato, fazia uma vassoura. E ela vinha
varrendo, tirando o excesso daquela cinza e o chão ficava lisinho. Ficava
acinzentado, parecia cimento. Dava a impressão que a nossa casa era
cimentada. Depois o papai cimentou a casa com um cimento bem lisinho. O
nosso banheiro, nem se usava esse nome banheiro, chamava casinha. Era do
lado de fora, separado da casa. Ali, a gente tomava banho e havia um vaso
que era de barro, e era baixo. Tinha uma fossa. Tomávamos banho de bacia
com um canecão e bucha. Tinha que ser banho de bucha, porque a gente
brincava, andava descalço. A gente brincava no quintal, corria, subia na árvore,
ficava sujo. Mamãe mandava a gente tomar banho de bucha e sabão. A casa
tinha um quintal enorme, tinha mangueira, goiabeira. Tinha uma cerca que
dividia o nosso quintal com o da vizinha, que também era utilizada pra plantar
as coisas. Por exemplo: guandu dava numa árvore, é igual feijão e tinha a
vagem. Minha mãe plantava ao longo da cerca, ela guiava os ramos para ir
cobrindo a cerca pra dar os favos. Outra verdura que ela plantava era a
bertalha. Tinha bananeira, era uma soqueira grande, quando cortava o cacho e
a bananeira, já tinha outra muda subindo. As frutas eram da casa. O armazém
para comprar outras coisas era lá fora. Na Pça da Autonomia tinha um
mercado, onde foi o Banerj, pelo que me lembro, chamavam de COAP. Era um
galpão grande. No sábado, o papai trabalhava até onze horas da manhã; eu,
mamãe e meu irmão mais velho, a Janete ainda era pequena, a Janete não ia,
a gente ia levar a roupa que a mamãe lavava. Entregava a roupa no sábado,
ela pegava a roupa na segunda e entregava no sábado. Levava a roupa e
esperava o papai ali, na COAP. Ali, comprava tudo, pois o papai recebia

232
semanalmente. Comprava arroz, feijão, muito macarrão, comprava as carnes,
que era muita carne salgada. A carne que hoje é cara, naquela época era
barata, carne salgada era a carne de pessoas mais humildes. O lombo, carne
seca, bacalhau, mulato velho, que é um irmão do bacalhau, isso tudo
comprava. A carne fresca era só pro domingo. Geralmente a carne que se
comia no domingo era a carne de casa, que era a galinha. A mamãe tinha na
parte alta do nosso quintal, era a parte do morro, era cercada e tinha um
galinheiro. Tinha uma parte livre e tinha um galinheiro com paredes de bambu,
que o meu pai fez. As galinhas dormiam naqueles poleiros. A galinha era uma
carne nobre, só pro domingo.
A nossa casa é aqui na rua Professor Moreira. Tinha um bar dos Caiafa,
que ficava quase em frente à nossa casa. Era uma rua que passava tudo, de
terra e as pessoas vinham lá de dentro da Vila Izabel e passava todo mundo
aqui. Era tão tranquila que a gente brincava na rua de noite. A gente brincava
de pique bandeirinha. Às vezes estávamos na rua brincando e alguém gritava
assim: “- Cachorro arruinado!” E saía todo mundo correndo. Cachorro
arruinado era o cachorro com raiva, porque não tinha vacina. A gente corria
muito, corria pra dentro de casa. E, quando dava tempo, a gente pegava os
cachorros da casa, e botava pra dentro, porque, se o cachorro com raiva
mordesse, o nosso ficava contaminado. E se o cachorro fosse mordido, a
família matava o cachorro, porque ele podia morder a família.
Aqui na nossa rua, passava aqueles carros puxados por boi, carros
grandes, cheios de cana. Ia pra usina, eram puxados por candeeiros.
Candeeiros eram aquelas pessoas que iam na frente andando, levando,
guiando o boi. Gritando: “- Oó o boi. Oó o boi.” Passavam também boiadas,
que eram criadas lá pra dentro, no interior da Vila, que passavam sendo
levadas pro matadouro ou pra outra fazenda. Passava na rua e, de repente, um
boi daqueles estourava, e aquele boi passava maluco. Ou então um boi muito
bravo e que não se sujeitava aquilo ali, ou ia na frente ou voltava, aí os
cavaleiros voltavam pra correr atrás daquele boi. E o boi às vezes vinha
correndo feito louco e as pessoas gritavam: “Boi estourado!” Quando falavam
em boi estourado, todo mundo corria e ia pra casa, porque o boi vinha feito
louco correndo. Entrava nos quintais. Era um pavor o tal do boi.

233
A gente brincava de casinha, juntava as meninas, e as brincadeiras
geralmente eram no nosso quintal. Porque no nosso quintal tinham muitas
árvores, tinha um poço, ficava muito fresquinho. Brincava de fazer comidinha,
fazia um fogãozinho de pedra, de um lado e de outro. Fazia aquele foguinho ali,
botava panela, a mãe sempre dava um pouquinho de arroz, a gente cozinhava,
fazia aquela comidinha, depois comia. Tinha uma coisa muito agradável
também... a umas duas quadras daqui tinha um sítio do Sr. Amâncio, e ao lado
desse sítio, tinha um local chamado barreiro. Chamava barreiro porque a olaria
tirava a terra, o barro dali pra fazer tijolos. Na rua Pde Solano, onde é o prédio
do Sola, era uma olaria. Me parece que a olaria era da família dos Guaraciaba.
Nesse barreiro tinham muitas árvores, muitos passarinhos, tinha um passarinho
que se chama Rolinha. Então os meninos iam lá e pegavam as Rolinhas. Já
traziam as Rolinhas penduradinhas no galho, sem peninha. Eles acertavam a
Rolinha, puxavam o pescoçinho delas pra matar e tiravam as peninhas.
Traziam aquelas Rolinhas, a gente lavava, partíamos elas no meio para tirar os
detritos de dentro e depois partíamos em quatro partes. Depois fazíamos a
Rolinha. Era uma delícia aquilo. Eu gostava quando ia em São Paulo, quando
as minhas filhas trabalhavam lá, porque na feira da Pça da Liberdade, eles
fazem Codornas fritinhas e é uma delícia, aí eu me lembrava das Rolinhas. O
sabor é o mesmo.
Os brinquedos eram fabricados em casa. Eu me lembro que a mamãe
fazia escondida de nós, as bonecas. Ela comprava numa loja no centro, as
cabeças, os pés e as mãozinhas feitas de louça. Na minha infância ainda não
existia de plástico. Ela tinha uma máquina de costura de tocar a mão, falava
máquina de mesa. Ela costurava nossas roupas, fazia tudo naquela máquina.
Então ela fazia o corpinho de tecido, enchia de algodão e fazia vestidos do tipo
dama antiga e a gente ganhava de presente de Natal. O papai fazia uns
carrinhos, uns caminhões pro meu irmão, umas carretinhas, trenzinho. A gente
ganhava balas, uns saquinhos de bala. Era um presente maravilhoso.
Eu sou formada, sou universitária, sou formada em História. Primeiro
estudei numa escolinha que tinha aqui na Vila Isabel, acho que era municipal, e
a professora chamava-se Lúcia. Depois fui pro Colégio Entre-Rios. Na primeira
escola, não tinha pátio. Era uma sala grande, logo na entrada da rua da
Pedreira. Tinha carteiras compridas, onde sentavam três, quatro crianças. Não

234
me lembro do nome. A gente falava que era a escola da Dona Lúcia. Ela era
muito paciente. Mas meu pai, em casa, ensinava a gente a escrever, tomava as
lições, nos obrigava a usar o livro de caligrafia. Ele fazia a gente trabalhar a
letra. Lembro da Dona Lúcia com muito carinho. Ela dava aula de bordados,
levava uns paninhos quadradinhos, levava os tecidos, as linhas e dava pra
gente. Depois dessa escola, fiz o exame de admissão e entrei no Colégio
Entre-Rios. Fiz contabilidade e magistério no Colégio Entre-Rios. Fiz a minha
faculdade na Severino Sombra, em Vassouras.
A principal diversão, na minha juventude, era ir à missa no domingo com
a minha avó, de manhã. De tardinha, íamos na Pça São Sebastião, a pé.
Sempre uma mãe levava as meninas na praça. Ficávamos rodando na praça.
Um grupo rodava para um lado e o outro grupo rodava para o outro, para poder
encontrar. Era muito engraçado, era muito bom. O coração palpitava quando a
gente passava perto de quem a gente queria passar. A gente sempre estava ao
contrário, então as pessoas se encontravam.
Aqui na Vila Isabel tinha um clube, Colônia Esporte Clube, que a minha
avó, meu pai, meu tio, faziam parte da diretoria desse clube. Então,
esporadicamente tinha baile. E eu, menina ainda, ia no baile. Minha avó me
levava no baile. No carnaval, esse clube desfilava. Tinha os carros alegóricos
que desfilavam lá fora. Meu pai fazia as fantasias, fazia máscaras de jornal
com cola, que era feita de farinha de trigo. Esses jornais eram amassados e
com eles se faziam as máscaras e iam moldando as alegorias nos carros. Nos
bailes, eu dançava com um senhor idoso, que tinha o apelido de Pipiu. Ele
dançava tango cruzado, bolero. Ele era amigo da minha família. Eu ia no baile
e ele me ensinava a dançar. Ele era filho da Ambrozina Bastos. O meu tio,
José Martins, era um dos presidentes do Colônia, era músico, tocava violão,
fazia parte do conjunto que fazia o baile. Eu me lembro que me arrumava
todinha e deitava nos pés da cama da vovó, esperando para ir no baile.
Quando a música começava a tocar, eu chamava a minha avó. Eu falava: “-
Começou a música, vovó.” Aí ela me levava.
Na minha adolescência já tinha o cine Glória. Meu pai gostava de
acompanhar umas séries que tinha no cinema: Tarzan, Mandrake, passavam
aos sábados. A família toda ia assistir. Eu frequentava também um clube que
se chamava, acho que Luzo ou Luzio, que ficava na descida do hospital. Tinha

235
uma família que morava aqui perto da gente, seu Austriano e a Dona Honorina
que frequentavam esse clube. Esse clube era mais frequentado por negros,
mas tinham brancos também. E eu ia com eles e as suas duas filhas nesse
clube. Os bailes eram lindos.
Eu me casei muito cedo. Me casei com o meu primeiro namorado.
Comecei a namorar com dezesseis anos e me casei quando ia fazer dezoito. A
família dele morava aqui na Vila, perto da rua Prof. Moreira. Eu conheci ele
aqui, namoramos um pouco e nos casamos. Casamos na Matriz de São
Sebastião e ainda não era formada. Na minha formatura eu já estava casada.
Quando comecei a namorar, ele trabalhava no Rio, era mecânico, ia toda
segunda-feira e voltava no sábado de manhã. Nós namorávamos no sábado e
no domingo. Depois ele veio pra Três Rios, pra trabalhar na Ford. A Ford era
na Condessa do Rio Novo, onde é hoje os escritórios do Sola. Aquele prédio ali
era uma revenda de carros. Quando nos casamos, ele trabalhava ali. Aqui na
casa da minha mãe, o quintal era grande, então meu pai construiu um quarto,
uma sala e uma cozinha. E foi ali que nós começamos a morar, era aqui do
lado. No meu noivado não teve festa, mas no meu casamento teve uma festa
enorme. Teve almoço, bolo de andares, doces. Minha cunhada fez o bolo, ela
morava no Pátio da Estação, já é falecida. O nome do meu ex-marido é José
Maria da Costa. Tive quatro filhos. Eu perdi um filho. A minha filha mais velha
se chama Janice, a minha segunda filha se chama Mariângela, aí eu perdi o
terceiro filho com onze horas de vida, o Jaime. Depois eu tive o meu último
filho, Jefferson. Eles estudaram no Colégio Santo Antonio, pois eu trabalhava
lá. A Janice é enfermeira formada pela UFRJ; a Mariângela também é
enfermeira formada pela Universidade Católica de Petrópolis; o meu filho é
representante comercial da firma ASK. Eu tive também uma filha de criação.
Ela veio pra minha casa com sete anos. Ela é minha prima, filha de uma irmã
do meu pai. O nome dela é Fátima. Veio quando os meus filhos eram
pequenininhos. Ela fez Contabilidade, se casou e teve dois filhos: João Roberto
e Marcele. João Roberto estudou na UFJF, é engenheiro de Computação e a
Marcele fez Engenharia de Produção. Os dois estão em São Paulo. A minha
neta caçula está com treze anos e estuda no Colégio Santo Antonio, é filha do
Jefferson. As minhas duas filhas são solteiras e moramos juntas.

236
Eu estava fazendo Contabilidade, quando consegui o meu primeiro
trabalho. Eu dava aula de mecanografia e processamento de dados. Eram
matérias que tinham na Contabilidade. Eu fui dar essas matérias numa escola
do CNEC, lá em Levy Gasparian. Meu marido me levava e me buscava de
carro no emprego. Minha mãe me ajudou muito com os meus filhos. O tempo
foi passando, a situação financeira foi melhorando, aí eu pude ter uma
funcionária me ajudando em casa e ia trabalhar mais tranquila. Eu fiz o curso
de História na Severino Sombra e fui trabalhar como professora de História no
Colégio Santo Antonio. Trabalhei lá por vinte e dois anos. Trabalhei no Colégio
Entre-Rios e no Colégio Ruy Barbosa. Fiz o concurso do município e passei.
Fiquei com o Colégio Santo Antonio e o município. Depois fiz um segundo
concurso e passei. Saí do Santo Antonio e fiquei com duas matrículas no
município. Nesse período, recebi uma proposta de trabalho do Centro
Universitário Plínio Leite de Niterói. Eles queriam montar aqui em nossa cidade,
uma extensão do centro universitário. Eu trabalhei como coordenadora do
primeiro curso de Normal Superior do Brasil, quando foi legalizado. Montaram
uma turma em Niterói e uma turma aqui em Três Rios. O dono é o professor
Comte, ele é deputado agora. Na época, o prefeito era o Raleigh Ramalho. Ele
deu uma bolsa de cinquenta por cento para os professores do município que
fizessem o curso. A sua sogra deu aula nesse curso. Eram duas turmas de
cem alunos. Depois teve uma pós em Psico-Pedagogia e eu também
coordenei. Quando o Raleigh saiu, o convênio foi cortado pelo prefeito que
assumiu. Trabalhei também com o Centro Educacional de Niterói com cursos
de extensão e na Secretaria de Cultura. Me aposentei com sessenta e cinco
anos.
Depois que me aposentei, entrei para o Grupo da Terceira Idade
chamado “Amigos para Sempre”. Fiquei como sócia, frequentando os bailes, as
reuniões. Logo a seguir, me colocaram na diretoria. Me deram uma função que
estou nela até hoje. Eu sou a diretora social do grupo. A sede é no Cantagalo.
Trabalhamos muito para construir a sede. Tenho um trabalho enorme lá.
A cidade mudou muito e o meu sonho era ver a cidade com faculdades,
como tem hoje. Meus filhos tiveram que estudar fora e eu sofri muito. Ao longo
dos anos, as coisas mudaram muito e o meu maior prazer é ver o prédio da
UFRRJ, ao lado da rodoviária. Eu acho que tudo que aconteceu em Três Rios,

237
primeiro veio dessa parte, dessa parte educacional. A cidade cresceu muito,
principalmente o comércio. Se você for no sábado de manhã lá no centro, você
encontra carro de toda a região, que vem fazer compra aqui. Muitas indústrias
também estão funcionando em Três Rios, é muita coisa. E eu acho que vai
crescer muito mais. O que está faltando é vir outra rede de supermercados.
Meu maior sonho é viajar, já viajei para o exterior, mas pretendo viajar
mais. Estou me preparando para conhecer mais um pouco da Europa. Gostaria
de comprar um apartamento no Rio, em Copacabana.
Eu não mudaria nada na minha vida. Tudo que sempre fiz, fiz bem feito.
Eu gosto de cantar também e faço parte de dois corais. O coral da Matriz e o
coral Municipal. Fazemos apresentações aqui e em outros lugares.
(Terminou falando do prazer de viver e de sua fé em Nossa Senhora,
mostrando suas imagens em cima de um móvel da sala).

5.1.7 Rossi Meleide Bastos

Rossi Meleide nasceu no dia 19 de agosto de 1950, em Nilópolis. Seus


pais se chamavam Porfírio de Lima Bastos e Olivia de Oliveira Bastos. Seus
avós paternos: Ambrozina Lima Bastos e Honório Lima Bastos; e avós
maternos: Teresa Tardeli de Oliveira e Olimpio Marcelino de Oliveira.
Eu tinha cinco irmãos, agora só tenho dois. Wilian, Carlos Alberto,
Wilson e Vilma.
Minha avó era filha de escrava com um feitor, ele era dono de fazenda.
Minha avó era branca, ela não era negra. O pai da minha avó era dono da
fazenda. Não sei que fazenda que era.
Minha avó tinha 3 filhos: Elvira, Porfírio e Mário. Não sei aonde o meu
pai nasceu, mas acho que foi na Vila. Ele foi pra Minas depois que casou com
a minha mãe. Papai era igual cigano. Minha mãe era do lar e meu pai era
jogador de cassino, frequentador de cassino. Trabalhou na Rede (ferroviária)
uma semana só.
Como meu pai não sentava pra conversar com a gente, não sabemos
quase nada sobre a história da minha avó.
Meus pais moraram em Minas, em Nilópolis, onde nasci e depois em
Petrópolis, porque o cassino era melhor.

238
Meu pai perdeu quase todas as terras que a minha avó deixou pra ele.
Ele herdou muitas terras, mas vendeu, perdeu tudo no jogo. Muitas terras
foram invadidas, ele não ligou, porque ele não ficava aqui, não tomava conta
de nada, mas muitas ele perdeu no jogo.
Minha mãe tentava ajudar, falava pra ele, já que você não quer
trabalhar, constrói, que você vai ter a renda do aluguel. Ele dizia pra minha
mãe que não ia deixar nada pra ninguém.
Ele teve terras até mais ou menos 1974, quando vendeu o resto que
tinha.
Os outros irmãos...a tia Elvira morava na Vila e dividiu as terras com os
filhos, meu tio Mário não teve filhos. Era muita terra. Meu pai foi descabeçado,
porque se não ele teria muita coisa, a quantidade de terras era muito grande.
Pela parte que ficou pra ele, eu faço ideia de quantas terras minha avó herdou.

Figura 20 – Rossi Meleide, Wilson e Vilma Bastos

Meus pais moraram em Minas, em Nilópolis, onde nasci e depois em


Petrópolis, porque o cassino era melhor.
Meu pai perdeu quase todas as terras que a minha avó deixou pra ele.
Ele herdou muitas terras, mas vendeu, perdeu tudo no jogo. Muitas terras

239
foram invadidas, ele não ligou, porque ele não ficava aqui, não tomava conta
de nada, mas muitas ele perdeu no jogo.
Minha mãe tentava ajudar, falava pra ele, já que você não quer
trabalhar, constrói, que você vai ter a renda do aluguel. Ele dizia pra minha
mãe que não ia deixar nada pra ninguém.

Figura 21 – Documento do filho de D. Ambrozina Bastos – Sr. Porfírio de Lima Bastos (Pipiu)

Fonte: Acervo dos irmãos Rosse Meleide, Wilson e Vilma Bastos

Ele teve terras até mais ou menos 1974, quando vendeu o resto que
tinha.
Os outros irmãos...a tia Elvira morava na Vila e dividiu as terras com os
filhos, meu tio Mário não teve filhos. Era muita terra. Meu pai foi descabeçado,
porque se não ele teria muita coisa, a quantidade de terras era muito grande.
Pela parte que ficou pra ele, eu faço ideia de quantas terras minha avó herdou.
Hoje na Vila, tem as casas das filhas da tia Elvira, que sei que foram das
terras herdadas. O marido dela trabalhava na Rede Ferroviária.
Meu pai era muito fechado, não falava, não conversava, só abria a boca
pra dar bronca.
Pelo que ouvia da tia Elvira, a minha avó tratava os filhos bem.

240
O apelido do meu pai era Pipiu. Ele foi campeão de dança no CAER, ele
dançava muito bem. Dançava tango.
Ele nunca levou nenhum dos filhos em cassino, mas nos levava nos
bailes. Ele dizia que se a vida de cassino fosse boa, ele levava a gente pra
aprender.
Minha mãe era fora de série, era aquela mulher sofredora, batalhadora,
sofria calada, trabalhadeira. Trabalhava muito em casa. Serviços de casa, meu
pai criava porco e era minha mãe que cuidava. Quando dava cria, era ela que
cuidava. Ele só colocava lá e matava. Mas minha mãe e meus irmãos é que
tinham que cuidar, eu era pequena.
A casa na Vila, tinha 3 quartos, sala, cozinha e banheiro. A casa que nós
moramos, foi a última casa que ele vendeu. Tinha um quintal grande, era bem
grande. Criava porcos, galinhas, mas não plantava. Não adiantava plantar,
porque tinha galinha, que comia tudo.
Nessa rua, tinham os últimos terrenos dele. Ao lado tinham os da irmã
dele. Nessa mesma rua. As terras dela eram no começo, as do meu pai eram,
também, até o morro.
Tinham muitas crianças nessa rua.
Quando éramos crianças, não tínhamos noção que descendíamos de
escravos. Depois de grande é que a mamãe comentava que a minha avó era
descendente de escravo, das terras todas que meu pai tinha herdado. Ela dizia:
tal terra é do seu pai, tal terra é do seu pai. Minha mãe achava aquela história
bonita, então ela contava, tinha orgulho da vovó.
Na rotina da casa, cada um tinha a sua obrigação, um ia pra cozinha,
outra lavava e passava, principalmente depois que a mamãe adoeceu, quando
eu tinha 9 anos. Aí meu pai levava os ternos dele pra lavanderia, pois antes era
só a mamãe que cuidava dos ternos dele. Ela teve tuberculose, mas se curou.
Depois ela voltou às atividades dela, mais devagar. Não pegava friagem, não
lavava mais roupa, quem lavava era eu.
Minha mãe morreu nos anos 90, com 79 anos de idade. Ela morreu aqui,
meu pai morreu em Uberaba. Ela morava comigo, na rua Benjamin Constant,
não era na Vila.
Eu estudei até o 2º ano do ensino médio. Fazia Estudos Gerais.

241
A minha primeira escola foi na Vila. Era Marechal Deodoro, hoje se
chama Walmir Peçanha. Era do mesmo jeito que é hoje.
Tive uma professora que me marcou muito, porque ela era muito ruim.
Dona Mafalda (pseudônimo). Ela tinha uma vara de pescar, que ela batia nos
alunos. Ela não levantava da mesa para bater em ninguém. Da mesa mesmo
ela batia lá no fundo da sala. Além de bater, levava os filhos gêmeos pra gente
tomar conta.
Dona Ladadyr do Condessa, era muito boa. Ela tinha paciência, se a
gente não soubesse alguma coisa, era só pedir a ela. Não se negava a ensinar.
Era muito melhor do que hoje.
A maior parte da minha juventude, passei aqui em Três Rios. Ia em
muitos bailes no clube social Vila Isabel. Primeiro, fui nos bailes do clube
Colônia, em frente à Mãe Preta. Dancei muito com o meu pai. Comecei a
frequentar os bailes aos 13 anos. Só podia ir com o meu pai. A principal
diversão era essa. Ia ao cinema também. Tinha o cinema Glória e o Rex.
O Wilson não dançava bem, os outros filhos puxaram o papai, dançavam
bem.
Meu primeiro namoradinho se chamava Deusdeth, mas coisa de criança,
muito infantil, eu até batia nele. Namorava lá na Pde Solano. Atravessava a
várzea. Não posso nem chamar de namoro...Ele morava na Vila também. Todo
mundo se conhecia, a população não era muito grande.
Sou divorciada. Conheci meu ex-marido no Colônia, jogando bola. O
nome dele é Alceu Ferreira da Costa. Fiquei casada por 15 anos, tenho dois
filhos: Romildo e Rejane. Ele tem 40 anos e ela 37. Rejane é casada e Romildo
é solteiro. Tenho duas netas biológicas e uma de um filho que eu criei.
Eu trabalhei em casa de família, como doméstica, só para pirraçar o meu
pai. Eu queria comprar minhas coisas, ele não queria me dar, eu ficava com
raiva. Aí eu pensei, vou envergonhar ele, vou trabalhar em casa de família. Ele
ficava lá no meio dos riquinhos...porque ele saía de casa às duas horas. Duas
horas ele tomava banho, botava o terno e ia lá para o bar Imperial, que só dava
gente rica. Eu passei lá pra envergonhar ele. Encontrei com um amigo dele e
sentei...falei que estava morta de cansada. Ele me perguntou por que estava
cansada, então eu disse que estava trabalhando na casa de uma família com

242
10 pessoas e que tinha que lavar a roupa toda....meu pai ouviu e queria me
matar.
Na Vila, só me lembro do meu pai usando esses ternos elegantes. A
maior parte dos amigos que ele tinha, ele conheceu no jogo. O irmão do meu
pai, acho que também vivia do jogo.
Trabalhei em outras casas durante uns 5 a 6 anos. Depois que me casei,
só trabalhava em casa.
A cidade de Três Rios mudou muito...não tinha asfalto, não tinha ônibus,
escola, ensino, mudou muito. Indústria. Uma indústria que me lembro é da
fábrica de açúcar Pérola.
Na Vila, hoje, não conheço quase ninguém. Acho que a cidade podia ter
crescido, mas algumas coisas poderiam ter continuado.
Eu me lembro da carroça vendendo leite, passavam todos os dias,
porque não tinha leite de saquinho.
A minha avó Ambrozina não falava sobre a colônia, só me lembro dela
falando: “- Deus te abençoe...Como você está? Cadê a sua mãe?” Só isso.
Conversar não conversava não. Não falava nada.
Hoje, o meu maior sonho é comprar uma casa na Vila e voltar pra lá. Eu
fui criada lá. Tem muito significado pra mim, muito grande. Terra da minha avó,
da minha tia Elvira... ela era festeira, tinha festas... ela morreu no dia de São
João. Ela tinha comprado bombinha, foguete pra gente soltar. Quando nós
chegamos na festa, soubemos da notícia da morte dela. Papai falou: “- Guarda
as bombinhas, guarda os foguetes e vamos voltar.” A festa era num terreirão,
onde é hoje a rua da Apae. A tia Elvira gostava de uma festa, gostava de uma
pinguinha. Ela ajudava a organizar a festa, ela gostava de se meter em tudo
quanto é festa. Ela era festeira igual à mãe. Gostava também de carnaval. Ela
era muito conhecida na Vila. Minha tia morreu no dia de São João e minha avó
morreu no carnaval. E lá em casa era assim, quando morria alguém ninguém
podia participar de festa.
Nós moramos juntos, nós três. Moramos nesta casa (bairro Purys), mas
de invasão, não podemos vender ou se vender é por muito pouco, porque ela
não tem documento.

243
Gostei muito de contar a minha história. Hoje me arrependo de não ter
procurado saber mais da história da minha família, enquanto tinha alguém de
mais idade na família.

Figura 22 – D. Ambrozina Bastos (ao centro, de casaco preto) e amigos em suas terras no
bairro Vila Isabel

Fonte: Acervo do Grupo dos Treze

5.1.8 Wilson Bastos

Nasceu em 03 de novembro de 1942, na cidade de Cachoeira – MG.


Eu não tinha muito contato com a família. Passei muito tempo fora daqui.
Meu pai era muito fechado, não falava quase com a gente. Não conversava
com a gente.
Tinha um cassino em Minas, e por isso meu pai foi pra lá.
Meu pai era muito autoritário. Com a gente ele era muito fechado, mas
com as pessoas em redor dele, ele era muito camarada.
Na infância eu brincava de pique esconde. Jogava bola.
Eu terminei o ginasial, mas minha primeira escola foi em Três Corações.
Não me lembro do nome dela. Era uma escola simples, com um pátio pequeno.
A professora Isabel (pseudônimo) me marcou, era numa escola pública,
não lembro o nome. Ela era atenciosa, brincalhona. Ninguém ficava triste.

244
Vivi a maior parte da minha juventude aqui em Três Rios. Me divertia
jogando bola. De vez em quando ia ao baile, mas não dançava bem.
Joguei bola no Colônia, no Entrerriense, participava de campeonatos
também, além das peladas. Joguei com o Lalá, Tiziu, no Colônia. Vinha muita
gente ver os jogos. A maioria era da Vila mesmo, pois a locomoção naquela
época era difícil. Vinham de bicicleta ou a pé.
Minha primeira namorada foi a Janete Machado, irmã da Dona Jane. Foi
lá na Vila, tudo muito rápido.
Sou separado e tenho 4 filhos. Dois já são casados.
Trabalhei na Central do Brasil e fui para São Paulo, onde trabalhei na
indústria de vidro Santa Marina durante 20 anos, me aposentei lá. Fiz muita
hora-extra. Depois fui para Uberaba, já aposentado.
O meu maior sonho é ver meus filhos e meus netos bem, felizes.
Eu gostei muito de lembrar de coisas antigas.

5.1.9 Vilma Bastos

Nasceu no dia 11 de janeiro de 1944, em Três Corações – MG.


Meu pai morreu nos anos 80, se não me engano em 1988.
Não sei como meus pais se conheceram.
Quando o meu avô morreu, o meu pai tinha 11 anos. Ele teve pouco
contato com o pai dele.
Meu pai só andava de terno de linho acetinado. Ele não gostava que a
gente nem chegasse perto de um baralho.
Quando tínhamos porcos, estávamos na Vila, ainda era colônia. Plantar
dava muito trabalho. Meu pai nunca quis plantar.
O irmão dele...nunca vi trabalhando. Morava em Três Corações, na
mesma época que moramos lá, perto da nossa casa. Ele também andava
muito bem arrumado, não tanto como o meu pai. Mas, quando ele morreu eu
era pequena.
Quando a minha avó morreu, a Quiquinha tinha 5 anos e eu tinha 11
anos.

245
A minha avó quando morreu, estava muito velhinha, na cama. Ela
morreu em 1954, 1955, por aí.
Minha primeira escola foi em Petrópolis. Era uma escola particular e
pequenininha.
Antigamente, a Vila, o bairro inteiro era de terra. Nós morávamos na rua
que hoje é a Nicodemus Rosseli. Na época era a rua da Pedreira. Não tinha
ônibus ainda. Todo mundo tinha que andar a pé mesmo, porque não tinha
como.
Eu não lembro de ter visto produção agrícola na Vila, eu não lembro.
Tinha muita fruta, era muita fartura...e gado. Me lembro de ter visto as pessoas
vendendo os produtos na rua, mas eu acho que eles plantavam lá pra dentro,
lá no interior da Vila.
Na infância, brincamos de pique bandeira.
Eu estudei até a 6ª série. Todas as professoras tinham a varinha dela lá,
podiam usar menos, mas tinham. A professora Isabel (pseudônimo) foi minha
professora também. Eu estudava junto com o meu irmão. Na época, era uma
professora só para todas as séries, para todas as matérias, numa sala só.
Eram idades diferentes e diferentes fases de conhecimento.
Na época do meu pai não tinha escola.
Minha diversão na juventude também era ir aos bailes e no cinema.
Meu primeiro namorado se chamava Mário. Era da Vila também. O
namoro durou uns 5 dias. Foi de brincadeira.
Eu sou solteira e sem filhos.
Meu primeiro trabalho foi na Universidade Gama Filho, durante 3 anos,
como secretária no diretório acadêmico de Direito. Mas quando fui para o Rio,
fui para trabalhar em casa de família, mas depois de uma semana consegui
esse emprego. Trabalhei depois em vários lugares, em oficinas de eletro-
mecânica; em jornal, na Gazeta Carioca; no aeroporto de Jacarepaguá, no Rio.
Depois de um tempo, voltei a Três Rios. Trabalhei muito sem registro e por isso
custei a aposentar. Me aposentei aqui em Três Rios. Aqui, trabalhei no Sola; no
Charque Ideal.
O meu maior sonho também é voltar pra Vila, lá é muito bom.
Eu gostei muito de relembrar.

246
(Ao terminar a entrevista, li a lista dos que entraram com o processo de
usucapião. Quando li o nome do Sr. Caetano Pereira, eles fizeram algumas
observações).
Conhecemos o seu Caetano, Caetano velho. Era muito bravo, não
passava nem perto. Era um senhor muito mau, autoritário, morava mais lá pro
fim da colônia, pra lá da Igreja de Santa Luzia. Tinham muitas histórias, de que
ele fazia mal para os outros. Batia, matava. A gente morria de medo dele. Ele
tinha filhos. Tem um filho dele que mora aqui na Cidade Nova, José Caetano.
Antigamente, as pessoas tinham apelido e a gente não sabia o nome.

5.1.10 Sr. X conta a história do Sr. “João Caetano” (João Pereira da Silva): uma
versão

Em uma de nossas entrevistas, fomos surpreendidos por uma história


que não imaginávamos encontrar com aquele entrevistado. Era um senhor
branco, com mais de 80 anos, morador antigo da Vila Isabel, tranquilo,
sorridente e que se dispôs a colaborar com a nossa pesquisa.
Por ser uma história real, de conteúdo violento, o entrevistado pediu que
modificássemos o seu nome, para que não houvesse constrangimentos dele
com os parentes do Sr. João Caetano, que ainda vivem naquele bairro.
Sendo assim, com o objetivo de proteger a figura do “contador de
histórias”, o chamarei de Sr. X.
O Sr. X nos disse que, o Sr. João Caetano era conhecido na Vila Isabel
como um homem muito violento que fora acusado inúmeras vezes de
violências contra mulheres, espancamentos e até mesmo assassinatos.
Porém, o Sr. X pediu que olhássemos essa história por um outro ângulo,
um outro ponto de vista. Disse que as pessoas falavam dele, mas muitos não o
conheceram de perto e que ele, Sr. X, fora seu amigo.
Contou que, por volta dos anos 40, trabalhava como “peão boiadeiro” e
tivera oportunidade de conhecer o Sr. João Caetano, um senhor negro que
possuía terras na Vila Isabel. Tinha plantações, mas ouvira os seus conselhos
e de seu pai, para fazer negócios com gado que eram mais lucrativos. E assim

247
ele fez, comprou algumas cabeças de gado e colocou para trabalhar algumas
pessoas que o ajudavam.
Ao mesmo tempo, o Sr. João Caetano teve muitos conflitos com
parentes e com estranhos, para fazer valer as fronteiras das terras herdadas
dos ex-escravos da Condessa do Rio Novo.
Alguns descendentes que deixaram Três Rios, para viver em cidades
como o Rio de Janeiro, por exemplo, deixavam também as suas terras para
trás. O Sr. João Caetano tomava conta das terras para que outros não
invadissem. Ao contrário do que muitas pessoas falavam, nunca matara
ninguém. Possuía uma bengala e uma capa preta e assim vestido cometera
espancamentos em pessoas estranhas que entravam nas suas terras e em
outras pessoas que não estivessem se comportando bem.
Ele contara ao Sr. X que tinha arrependimento de certas coisas, como,
por exemplo, de um homem que, certa vez, entrara em suas terras, com uma
bolsa pequena e fora ao seu milharal. O Sr. João Caetano o seguira e, ao
abordá-lo, fez com que retirasse quatro espigas de milho da bolsa e comesse
todas quatro, cruas, bem ali na sua frente. Mais tarde, com o amadurecimento,
dizia que se lembrava dessa história com tristeza, pois se o homem tinha
roubado quatro espigas de milho era para matar a sua fome e que ele não
precisava ter feito aquilo.
O Sr. X relatou que gostaria de falar um pouco desse outro lado do Sr.
João Caetano, porque as pessoas só se lembram dele de uma forma negativa.
Ficara amigo dele, embora no início tivesse um pouco de receio. Ficaram
amigos porque o Sr. João Caetano se impressionou com a forma, a disposição
com que o Sr. X trabalhava com o gado e o elogiou. Confessou que não
gostava de brancos, pois os brancos não gostavam dele, mas que com aqueles
brancos estava sendo diferente.
Sempre se encontravam, durante o trabalho, como também, a partir da
amizade que fizeram, nos bailes de terreiro, de sanfona, que o Sr. João
Caetano promovia na sua casa, que passou a ser frequentada por muitos
brancos. As festas ficavam animadas. Festas muito simples, mas muito
alegres.
Com certa admiração, o Sr. X relata a construção de cerca de 40 casas
de “meia água”, feitas pelo Sr. João Caetano, com a ajuda dos filhos, para

248
alugar. Para a construção, utilizava a própria terra que retirava para acertar o
terreno.
O Sr. João Caetano também fazia um trabalho, quase que de segurança
do bairro, pois enfrentava pessoas estranhas, perigosas, as quais a própria
polícia tinha medo de enfrentar. Ele contou para o Sr. X e mostrou uma carteira
de “comissário” que a polícia lhe dera, para legalizar esse tipo de trabalho.
Falou que aquela carteira fizera mal a ele, pois passara a se sentir com muito
poder.
Com idade mais avançada, mostrava-se arrependido de muitas coisas,
inclusive achava que o período em que participara de alguns trabalhos com
espíritos ruins fora o período em que fizera muitas maldades. Antes de morrer
assassinado por um vizinho de suas terras, com o qual estava tendo
problemas, disse que não queria ser mais violento com ninguém.
O Sr. X disse que acreditava nele e que o vizinho problemático que o
assassinara, também tivera problemas com a sua família.
Os animais que fugiam, entravam nas terras daquele vizinho e comiam
parte da sua horta. O vizinho pegava o animal, matava e o jogava de volta na
terra do dono. E fazia assim com todos.
O Sr. João Caetano, irritado, disse que daria um jeito naquela situação.
Iria assustá-lo para que não importunasse mais ninguém. E assim fez, dirigiu-
se à propriedade do vizinho, armado e na companhia de um de seus filhos.
Quando foi se aproximando mais da casa, deu um tiro para o alto, mas o
vizinho, que já estava esperando, lhe deu um tiro no peito. Quando caiu de
frente, o vizinho lhe deu duas foiçadas na altura do pescoço, nada fazendo com
o filho do Sr. João Caetano.
O Sr. X disse que nada aconteceu com o assassino do Sr. João
Caetano, pois ele fugiu da cidade.
Essa mesma história foi contada para um neto do Sr. João Caetano pelo
Sr. X. Disse ao neto que não pensasse que o avô dele era uma pessoa ruim,
mas que soubesse desse outro lado dele também.
No final, o Sr. X me pergunta: “- As pessoas não tem somente um lado
ruim, todo mundo tem um lado bom também...você não acha?” Respondi que
sim.

249
5.1.11 José Ferreira da Costa

Filho de Sebastião Ferreira da Costa e de Manoela Pereira da Costa


(irmã de D. Nair). Neto de João Pereira da Silva e Maria da Luz Pereira
(maternos).
Nasceu no dia 28 de novembro de 1938.
Nasci em Três Rios, mas fui registrado em Paraíba do Sul. Meus avós
paternos eram do Rio, eu não conheci. Tive um irmão, mas ele faleceu, era o
Jorge. Morreu jovem.

Figura 23 – Sr. José Ferreira da Costa

Minha família era de pessoas boas. Tinham pouco entendimento.


Naquele tempo a civilização estava chegando. Era muita ignorância, essas
coisas. Eles contavam, um pouco, que na família nossa bisavó era escrava. O
meu pai, o meu pai mesmo, eu não conheci ele. Quando eu nasci, uns seis
meses ou um ano depois, ele faleceu. Ele trabalhava na Light, no Rio. A minha
mãe trabalhava no Rio também. Ela foi pra lá depois que nasci. Ela tinha uns
dezoito, dezenove anos mais ou menos. Mas antes, quando eu nasci, ela foi

250
morar em Paraíba do Sul. Meu avô por parte de mãe achou que eu sofria maus
tratos lá, ele tinha um carinho especial comigo, por isso foi me buscar e me
trouxe pra me criar, pra morar com ele na Vila. Fiquei até quando ele faleceu. O
que eu sei do meu pai e da minha mãe é que eles namoravam, e aconteceu
algo que não devia acontecer. Meu avô ficou muito invocado e naquela época
tudo era um absurdo quando acontecia isso na família. Aí ela mudou pra
Paraíba do Sul.
Quando vim morar aqui na Vila, lembro que a minha vida mudou muito
mesmo. Meu avô tinha muito carinho comigo, me tratava muito bem. Mas foi
por pouco tempo, porque logo assim ele faleceu. Eu fiquei na companhia dele
por uns oito a dez anos. Ele perdeu a vida, assassinaram ele brutalmente. A
minha criação foi feita por outras pessoas: minha tia Nair, a minha tia
Francisca, falecida também. A minha família me tratava muito bem.
No período da minha infância eu morei na rua Fagundes Varela, na Vila,
que sai lá perto da fábrica de talco, que liga com o Triângulo. Eu fui criado ali,
onde é o prédio da prefeitura na Vila, porém nessa rua. A rua era de terra, tudo
terra.
A minha vida era normal, como a de uma criança qualquer. Nessa
época, quase não existia tempo pra gente brincar. Meu avô tinha muito
trabalho, tinha porco, tinha gado pra tratar, essas coisas. Quase não tinha
tempo pra brincar. Vendia leite. Meu avô era muito trabalhador sabe. Ele
trabalhava na Rede, se ele não morre, a minha família era a mais rica da Vila
Isabel. Deixou 42 casas de aluguel. Meus tios, por falta de administração, jogou
tudo fora. Quando eu cheguei pra morar com ele, já tinha umas 15 casas
prontas. Com a renda de uma pra outra, ele ia construindo mais casas.
Trabalhava dia e noite. Era muito trabalhador mesmo. Não teve um filho que
puxou a ele sobre trabalho. Ele tinha uma opinião danada. O que ele cismava
assim de fazer, ele fazia. Ele era guarda do depósito, ele não era guarda freio.
Ele era guarda de portaria. Ele trabalhava um dia sim, um dia não. Mas ele não
parava, chegava de lá em casa e começava a trabalhar. Eu prendia bezerro,
tratava de porco. Era muito trabalho mesmo.
Eu estudei até a terceira série primária. Nem terminei o primário. Eu só
tive uma professora, chamava-se Augusta. Era lá no Triângulo, onde eu
estudava. Era uma escola pequena, dava aula só para uns trinta alunos. Essa

251
professora fez parte da minha vida, ela era maravilhosa, me tratava muito bem.
Pra mim, ela tinha muita pena de mim sabe. Era um órfão de família, não
conheci meu pai, não conhecia direito a minha mãe. Quando eu fui conhecer a
minha mãe, na realidade, eu tinha uns dezoito anos de idade, já estava no
quartel. Quando ela foi para o Rio, eu não tive mais contato com ela. Eu fiquei
sendo criado pelas minhas tias.
A principal diversão na minha juventude era o futebol. Era uma
juventude normal. Eu joguei no Cruzeiro, um time existente na época.
A minha primeira namorada se chamava Geralda, mas não me lembro
bem dela não. Ela também morava na Vila, no centro da Vila. Sou casado pela
segunda vez. Com a primeira não tive filhos. Com a segunda, vivo há vinte e
oito anos. O nome dela é Sebastiana. Não tive filho com ela também não. Eu
tive filho com uma outra mulher. O nome do meu filho é Vagner. Ele mora aqui
em Três Rios e tenho sempre contato com ele. Na verdade, eu não me casei
com elas, sou solteiro até hoje. Mas agora eu vou me casar, para dar os
direitos a minha senhora. Ela é viúva.
Eu só trabalhei numa firma, por trinta e cinco anos, o SAAETRI.
Comecei a trabalhar lá em 1966. Entrei como servente, trabalhei como
bombeiro durante muito tempo. Depois, com muito custo, eu fui me
aprimorando. Saí como fiscal, mas fui mal remunerado. Não fui bem
aposentado não, mas graças a Deus, eu estou bem. O trabalho foi muito difícil,
porque o SAAETRI estava se formando quando eu entrei. Eu trabalhei na
estação de tratamento de água, trabalhei na rua. Trabalhei na fiscalização, que
pra mim não foi muito boa não. Quando me aposentei desconsideraram ela.
Não me aposentei bem. Recebia o pagamento no banco Itaú.
A crise que eu mais senti foi no governo de um prefeito chamado
Damasceno. Ele era guarda de trânsito. Tivemos muitas dificuldades.
Depois que aposentei, tive uns três bares. Em Levy Gasparian tive dois
bares. E um aqui. Agora tenho esse, é o meu quarto bar. Na Vila, não tive nada
não. Aqui é a Cidade Nova.
A cidade melhorou muito. Passou por uma grande transformação. As
mudanças foram muito boas, desde que ela se emancipou de Paraíba do Sul.
A minha família jogou tudo fora, tudo o que tinha, o que possuiu. Os
filhos do meu avô não tiveram a boa intenção de produzir. Se produzissem nós

252
seríamos as pessoas mais ricas de Três Rios. Eles venderam, iam vendendo
tudo. Na época que transformou o dinheiro, o cruzeiro em URV, foi a maior
infelicidade pra eles. Porque eles perderam muito dinheiro. Eles não tinham
nem imaginação do que eles tinham. Eram meio leigo. Jogaram tudo fora.
Alguns conservaram alguma coisa, por exemplo, um tio meu, marido da
Tereza, a Nair, conservaram alguma terra.

Figura 24 – Sr. José Ferreira da Costa e D. Sebastiana

Agora, eu continuo trabalhando aqui nesse bar. Fora isso, gosto de


passear um pouco, porque a minha vida foi muito sofrida. Depois que o meu
avô morreu, eu me tornei um escravo da família. Eles tinham um preconceito
comigo, acho que um certo ciúme porque meu avô sempre me tratava muito
bem. Fui criado com ele. Eu era uma criança de oito anos e tirava ele de
qualquer problema. Se eu chegasse em algum lugar que ele tivesse discutindo,
chamava ele de João, eu falava: “- Vamos embora João, vamos pra casa.” E
ele me atendia. Me atendia muito. Então, a minha convivência com ele foi boa,
muito boa mesmo. Mas os filhos, já viu né. Eles chegaram a me abandonar, foi

253
onde eu comecei a minha vida de outra forma. Eu era o primeiro neto dele. Eu
senti muita falta quando ele faleceu.
Ele teve um comerciozinho, mas ele não tinha condições de tocar o
comércio porque ele era meio nervoso, ele discutia, porque nessa época era só
mais cachaçada, bêbados. Fiado era demais, porque achavam que ele tinha
dinheiro. Aí ele ficou meio revoltado. Mas dava pra controlar ele. Ele tinha uma
brincadeira comigo, porque ele dizia que eu ia ser o advogado da família. Isso
criou uma grande guerra dentro da minha família sabe. Quando ele morreu,
meus tios quiseram me escravizar demais, aí eu tive que abandonar eles. Eu
estava com uns quatorze anos.
Eu conheci um delegado que era respeitado na Vila. Ele se chamava
Lorenzo (pseudônimo). Ele mandava entregar a bengala dele pra alguém que
estava dando trabalho, o cara vinha pra devolver a bengala, apanhava, ficava
quieto e obedecia.
Eu sou muito feliz, vou me casar. O meu maior sonho é o meu
casamento. Estou me preparando pra isso. Estou reformando a casa. A vida é
muito corrida. Eu pretendo deixar as minhas coisas pra ela, porque ela me
ajuda muito. Uma parceira minha que eu confio, então a minha ideia é essa.
Eu gostaria de parar de trabalhar, porque eu sempre trabalhei muito.
Parei essa noite passada quase uma hora da manhã. Não gosto de dívida, por
isso sempre trabalhei muito. Nisso eu puxei ao meu avô. Ele era muito correto,
e eu também. Evito comprar fiado, pra não dever ninguém.
Eu me senti feliz de contar a minha história. Pra mim foi uma
demonstração que eu nunca sonhei de ter. Alguém pra me entrevistar, pra eu
conversar com essa pessoa.
Eu gosto muito de Três Rios, mesmo tendo morado em outros lugares,
eu acho que Três Rios é uma grande cidade. Poder falar me alegrou. Eu não
consegui ser aquela pessoa que eu queria ser, mas tá bom. Foi muita luta e
agradeço a Deus.

5.2 – CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TRAJETÓRIAS DE VIDA

254
As lembranças de D. Nair e de seu filho Sr. Aurélio, do Sr. Hélio, de D.
Maria da Glória, do Sr. Valdir, de D. Jane, dos irmãos Rossi Meleide, Wilson e
Vilma, do Sr. José Ferreira e de um entrevistado que não quis se identificar, se
juntaram às outras fontes, compondo um quadro social o qual se percebe
sentimentos de pertencimento à coletividade pesquisada. Embora a memória
deles se confunda com a memória do bairro, as memórias familiares não fazem
parte das suas preocupações essenciais. A lembrança dos antepassados se
restringe aos nomes dos avós e a alguns episódios. Segundo Gomes e Duarte
(2007, p. 163), isso ocorre em famílias de classes populares, pois “[...] os
vínculos com os antepassados são paulatinamente esquecidos, na falta de
recursos formais ou institucionais de memória.”
Poucas são as fotografias e raros os objetos que poderiam preservar
alguns aspectos e referências das gerações passadas. Sendo assim,
conseguimos poucas fotos antigas com os entrevistados. Uma com a D. Nair,
que, ao perguntarmos se possuía alguma foto antiga, disse que sim e foi até ao
seu quarto, de onde trouxe a carteira de identidade de seu pai, emitida pela
empresa Estrada de Ferro Central do Brasil. Outra foto com o “Grupo dos
Treze”, que está em uma moldura, pendurada na parede da recepção da sede
do grupo, onde aparecem D. Ambrozina Bastos entre seis senhores e uma
senhora, todos descendentes dos libertos. Uma terceira foto com o Sr. Hélio,
que possuía uma foto do Sr. Feliciano Cerqueira de Carvalho, pai de D. Maria
da Glória. Na foto podemos observar o Sr. Feliciano vestido de terno de linho,
chapéu, óculos escuros e bengala, vistoriando as obras das casas sendo
construídas nas suas terras. Nota-se, tanto na segunda foto quanto na terceira,
uma paisagem de terras desmatadas pela cultura extensiva, promovida com as
plantações de café desde o século XIX, como descrito nos capítulos anteriores.
Pode-se perceber a inexistência de plantações ou de qualquer criação de
animais.
O Sr. Hélio não sabe a data em que a foto foi tirada, mas podemos
inferir, pelos dados observados, que se trata da década de 1940, quando
entraram com a ação de usucapião e declararam que promoveram “benfeitorias
de vulto” nas terras herdadas dos libertos e que, por isso, receberam
“iluminação pública” e “serviço de rádio”. Tal serviço fora muito utilizado pelo
pai de D. Jane, de quem falaremos mais adiante.

255
Outras duas fotos foram conseguidas com o Sr. Valdir, que prometera
ao Sr. José Ferreira que as digitalizaria, pois estavam muito danificadas. Feito
isso, o Sr. José Ferreira autorizou que o Sr. Valdir me fornecesse cópias delas
para o trabalho, pois se tratava das fotos de seu avô e avó (Sr. João Pereira e
D. Maria da Luz)123 e de sua mãe (D. Manoela Pereira)124.
Com relação às casas construídas no período em que o bairro ainda era
chamado de Colônia, como a de D. Nair e de D. Maria da Glória, “fruto de
autoconstrução”, ambas construídas pelos seus pais, são “espaços de
memória” para a família e ao mesmo tempo “espaço moral”, pois

[...] a casa é o ‘lugar no qual e pelo qual’ os integrantes das famílias


se definem e sustenta sua existência social como pessoa, [...]
demarcado não somente por seu contraste com a rua, mas também
com as demais casas. (MARCELIN, apud GOMES e DUARTE, 2007,
p. 170)

As casas encontram-se distantes uma da outra: a de D. Nair encontra-se


na entrada do bairro e a de D. Maria da Glória, na Jaqueira, sub-bairro no
interior da Vila Isabel. No passado eram chácaras. Mais tarde, com a venda
sucessiva dos lotes e com as construções em torno delas, passaram a possuir
“quintais”, que “[...] constituem um modelo representativo de organização e
reprodução das relações familiares presentes nas camadas populares”.
(GOMES e DUARTE, 2007, p. 171) O Sr. Aurélio mora na casa ao lado de sua
mãe, D. Nair. Esta informou que moram próximos a ela sobrinhos, cunhadas,
filhas, netos e bisnetos. Todos os seus irmãos, que já morreram, moraram ali
também. Segundo ela, sete irmãos morreram quando ainda eram pequenos.
Na casa de barro, de pau a pique, onde D. Nair morava com todos os seus
irmãos, a mortalidade infantil foi alta. Sua mãe tivera quinze filhos, apenas oito
dos quais sobreviveram. Talvez por isso, o Sr. João Pereira ou João Caetano,
como é mais conhecido devido ao sobrenome do seu pai, tivera urgência e
trabalhara tanto até conseguir construir uma casa maior e melhor para a sua
família. Posteriormente, ele construiu a casa onde D. Nair vive atualmente.
Durante um período os filhos saíram dali, mas, posteriormente, todos voltaram.

123
Anexo XXXI, figura 15.
124
Anexo XXXI, figura 16.

256
No “quintal” da casa de D. Maria da Glória moram seus filhos e
permanece a casa de seus pais, que foi reformada. Seus irmãos também
moraram naquele lugar. Seus vínculos persistiram mesmo quando a Colônia
teve fim, isto é, onde suas histórias tiveram origem.

Estas casas são ‘”âncoras na cidade” que funcionam como meios de


criação de identidades num contexto urbano que é entendido como
instável e propenso à erosão dos laços sociais e de identidade
pessoal. (PINA CABRAL, apud GOMES e DUARTE, 2007, p. 186)

O enraizamento em um solo comum transcendeu o sentimento


individual e, “[...] mesmo assumindo o formato nuclear, essas famílias não
deixam de ser famílias extensas, abertas e porosas à relacionalidade
englobante.” (GOMES e DUARTE, 2007, p. 170 - 171)

A proximidade das residências é importante para a manutenção da


reciprocidade entre parentes, consangüíneos ou afins, mas os
vínculos de troca podem permanecer mesmo apesar de considerável
distância espacial. [...] A distância espacial pode contribuir para o
enfraquecimento dos laços, mas não é o principal fator de tensão ou
rompimento com a casa-família, pois o que importa é estar
moralmente ligado à ideologia da casa. (GOMES e DUARTE, 2007,
p. 172)

Na narrativa do Sr. Hélio, no que diz respeito à sua infância,


diferentemente de D. Nair e de D. Maria da Glória, informa que as casas na
Vila Isabel encontravam-se perto umas das outras. A diferença de dados
decorre dos diferentes momentos narrados. D. Nair e D. Maria da Glória estão
descrevendo o bairro Colônia na década de 1930. Já o Sr. Hélio, o bairro Vila
Isabel na década de 1950.
Mesmo não morando na Vila Isabel há muito tempo (mora na Cidade
Nova) e resgatando “lembranças traumáticas” de sua infância e juventude, o
Sr. José Ferreira, sobrinho de D. Nair, neto do Sr. João Pereira, considera a
sua família de “pessoas boas”. Demonstra, também, uma vontade de pertencer
à história de seus antepassados quando diz que sua família contara, um pouco,
que sua bisavó fora escrava. Seu afastamento “afetivo-espacial” se dera de
forma radical, pois houvera um afastamento tanto da rede familiar quanto da
localidade. Segundo Gomes e Duarte (2007, p. 172),

[...] a emergência da auto-afirmação individual, por diferentes vias e


através de diferentes processos, impõe o afastamento da casa

257
original, com rompimento mais ou menos radicais com a ideologia da
casa.

Ao narrar a sua trajetória de vida, informa que se desligou de sua família


após a morte de seu avô materno, que o socorrera na infância. Sua mãe,
quando engravidara, não pôde ficar na Vila e, assim, mudou-se para Paraíba
do Sul. Em sua narrativa percebe-se que a reputação, o comportamento sexual
das mulheres em sua família eram o pivô da honra. (FONSECA, 2004, p. 42-
43). Seu avô, mais tarde, resolveu “cuidar” do neto. “Cuidar” e “ficar” são
verbos que descrevem essas práticas informais, pois, nas camadas populares,
a adoção formal é extremamente rara. (SARTI, 1996, apud GOMES e
DUARTE, 2007, p. 176)
Além de “cuidar”, “ficar” ou “criar” os seus filhos ou parentes, era preciso
prepará-los para as mudanças que ocorriam no país, principalmente nos anos
da década de 1930.
A “modernização” no Brasil, citada neste trabalho inúmeras vezes,
permaneceu a “meio caminho”. Os precários aparelhos de Estado, os quais
prevalecem até hoje, não conseguiram atender às necessidades dos serviços
civis, principalmente no que diz respeito ao ensino público básico.
A partir da afirmativa acima, podemos analisar, nas trajetórias de vida
apresentadas no primeiro segmento deste capítulo, alguns dados que
exemplificam o cotidiano, a educação e o trabalho na região pesquisada.
Na narrativa do Sr. José Ferreira, nota-se que o bairro constantemente
era palco de divergências e que a punição com castigos corporais era utilizada
para resolver os conflitos. A força física era um elemento importante na
organização daquele lugar (FONSECA, 2004, p.34-36), uma vez que o
entrevistado lembra-se de um delegado que se fazia respeitar através de sua
bengala, que era remetida para a pessoa que não estava se comportando bem.
Ao recebê-la, essa pessoa deveria devolvê-la e sabia que ia sofrer umas
bengaladas.
De todos os envolvidos nas narrativas sobre a memória dos
descendentes dos libertos, percebe-se que o Sr. João Pereira foi um dos que
mais persistiu na ideia de permanecer com as terras herdadas da condessa.
Além de trabalhar na Central do Brasil, construía casas e não deixava de
trabalhar em suas roças, criar gado e porcos, com a ajuda dos filhos. Todos

258
tinham que trabalhar. D. Nair lembra que ele era muito nervoso, talvez por
temer que acontecesse com as terras que herdou o que acontecera com a
maior parte das terras de seus sogros as quais foram usurpadas por um
arrendatário chamado Benedito Boi. Ele não pagou o arrendamento e ainda
registrou as terras em seu nome no cartório. Segundo D. Nair, as terras que
Benedito Boi usurpou eram mais extensas do que as terras que herdaram após
a “ação de usucapião”. Correspondiam à “parte de cima da Morada do Sol até
fazer rumo com a Rua Direita”. Como os avós de D. Nair confiavam na palavra,
não tinham nenhum documento sobre o arrendamento, logo julgavam que não
adiantaria reclamar.
Vimos que a geração dos libertos que passara pela experiência da
colônia agrícola, isto é, que vira a Casa de Caridade arrendando e aforando as
suas terras, apesar da presença deles naquele lugar, reclamara junto ao
presidente da Câmara Municipal e ao juiz de direito. Em 1930, com a decisão
do juiz a favor de dois libertos da colônia, a Casa de Caridade recorre da
sentença e, em 1931, iniciam-se os aforamentos.
No capítulo anterior acompanhamos toda a mudança na colônia
agrícola, que foi se transformando em bairro Colônia. Os avós de D. Nair
permaneceram e morreram nas suas terras, apesar do aforamento e da
continuidade da venda dos lotes pela Casa de Caridade. Todavia, os
arrendatários se comportavam com a mesma falta de respeito com que essa
instituição se comportava com os verdadeiros donos das terras. Percebe-se
que esses arrendatários aproveitaram-se daqueles excessos de injustiças
sociais forjados naquele contexto. D. Bárbara Firmino e o Sr. Fernando Firmino
não foram reclamar na justiça. Como não possuíam a escritura das terras, não
adiantava reclamar. Em contrapartida, o Sr. Benedito Boi conseguira registrar
as terras que arrendou. Teria ele conseguido apoio da Casa de Caridade?
Caso a sede dessa instituição não tivesse se incendiado nos anos de 1950 e
seus arquivos estivessem disponíveis ao público, talvez tivéssemos um vasto
material de pesquisa para complementar a história e a memória dos libertos.
O Sr. X explicara que, embora o Sr. João Pereira fosse conhecido na
Vila Isabel como um homem muito violento, conhecera-o e se tornara seu
amigo. Sua violência, conta ele, teve origem nos conflitos com os parentes, que
deixavam as suas terras para trás e iam trabalhar em outras cidades, as quais

259
ele cuidava, tomava conta delas; e com os estranhos, porque fazia valer as
fronteiras contra a invasão. Parece-nos que o Sr. João Pereira aprendera a
aplicar os castigos físicos com o delegado citado anteriormente pelo Sr. José
Ferreira, seu neto, pois adotara a bengala como símbolo de punição aos
infratores do bairro. Interessante notar neste ponto, que a população do bairro
recebia a proteção daquele delegado como também do Sr. João Pereira para a
aplicação de castigos em sujeitos mais perigosos, assumindo o papel de
“segurança do bairro”. O Sr. João Pereira dissera ao Sr. X que nunca matara
ninguém. Contudo, foi brutalmente assassinado por um vizinho de suas terras
que nunca fora punido pelo delito. Sua morte deve ter ocorrido por volta do final
dos anos de 1940 e início dos anos de 1950, pois seu neto José Ferreira,
nascido em 1938, dissera ter vivido uns dez anos junto a ele.
Na realidade, o Sr. João Pereira e outros eram descendentes de
camponeses, embora em todo o processo histórico tenham sido vistos como
colonos, parceiros da Irmandade de Nª Sª da Piedade. Devemos nos lembrar
que “[...] a designação ‘campesinato’ tem uma história política que a reveste,
construída por meio de eventos e experiências coletivas vivenciadas nos
enfrentamentos em defesa do uso do solo e de distribuição justa da terra”.
(CARNEIRO; CIOCCARI, 2010, p. 20)
Embora tenhamos conhecimento das inúmeras lutas no campo
anteriores a 1950, foi a partir desse período que o uso do termo “camponês” se
generalizara no país. Uma ampla gama de categorias (lavradores,
trabalhadores rurais, meeiros, foreiros, agricultores familiares, pequenos
proprietários, posseiros) passara a articular diversas reivindicações como
direitos trabalhistas, acesso à previdência social, direito à posse, reforma
agrária, entre outros. (CARNEIRO; CIOCCARI, 2010, p. 20)

[...] Foi justamente esse sentido político do termo “camponês” que


passou a ser combatido, não apenas pelos agentes da repressão
militar, como também por latifundiários e seus capangas. [...] É
importante se considerar que o termo “camponês” passou a ser
adotado no Brasil em meio às ações do Partido Comunista Brasileiro,
quando este se lançou na “conquista das massas rurais”, a partir de
meados dos anos 40, difundindo ali o linguajar adotado pela III
Internacional Comunista. [...] O campo brasileiro sempre foi um
trágico palco de abusos e assassinatos de trabalhadores rurais. A
violência, como se sabe, atravessou todo o processo de colonização
do país. Estava presente na destruição do território indígena, passou
pela degradação dos quilombos e pelas lutas entre camponeses e o
Exército, em Canudos, nos sertões da Bahia, em 1896 e 1897 –

260
assim como na guerra do Contestado, no Paraná e Santa Catarina,
entre 1912 e 1916. Registre-se aí, ainda, a repressão imposta aos
colonos migrantes durante as greves de 1911 nas fazendas
paulistas, para limitarmo-nos a alguns exemplos. (CARNEIRO;
CIOCCARI, 2010, p. 20-21)

E foi nesse contexto que o Sr. José Pereira fora assassinado em terras
da Vila Isabel, ex-bairro da Colônia, anteriormente colônia agrícola de Nossa
Senhora da Piedade. Terras herdadas pelos libertos da condessa do Rio Novo
e que atualmente, após a constituição de 1988 passam a ser designadas como
quilombos.

Desde a abolição do sistema escravista colonial em 1888, o


quilombo vem sendo, portanto, associado à luta contra o racismo e
às políticas de reconhecimento da população afro-brasileira. [...] A
expressão “comunidade remanescente de quilombos”, no início do
processo constituinte, era pouco conhecida. Ela passou a ser
veiculada no Brasil principalmente no final da década de 1980 para
se referir às áreas territoriais onde passaram a viver os africanos e
seus descendentes no período de transição que culminou com a
abolição do regime do trabalho escravo, em 1888.[...] As terras dos
quilombos foram consideradas parte do patrimônio cultural desses
grupos negros e, como tal, deveriam ser alvo de proteção por parte
do Estado. (LEITE, 2008, p. 969)

A partir da constituição de 1988, segundo a citação acima, as terras


doadas pela condessa do Rio Novo, onde viviam os libertos e seus
descendentes foram consideradas quilombo. Vejamos o que nos diz Leite
(2008, p. 970):

A ressemantização do termo “quilombo” pelos próprios movimentos


sociais e como resultado de um longo processo de luta veio traduzir
os princípios de liberdade e cidadania negados aos
afrodescendentes, corresponde, a cada uma delas, os respectivos
dispositivos legais:
1 – Quilombo como direito a terra, como suporte de residência e
sustentabilidade há muito almejadas nas diversas unidades de
agregação das famílias e dos núcleos populacionais compostos
majoritariamente, mas não exclusivamente de afrodescendentes.
(BRASIL, 1988)
2 – Quilombo como um conjunto de ações em políticas públicas e
ampliação de cidadania entendidas em suas várias dimensões.
(BRASIL, 1988)
3 – Quilombo como um conjunto de ações de proteção às
manifestações culturais específicas. (BRASIL, 1988).
[...] A população negra brasileira – sua existência e persistência – foi,
naquele momento, reconhecida e reafirmada, em vez de ser
subsumida na ideia de embranquecimento do País, tão propalada
nas principais décadas do século XX pela teoria da mestiçagem, que
norteou o pensamento social brasileiro e as políticas públicas ao
longo de todo o século.

261
Mas, a constituição que reconhece aqueles direitos chegou com cem
anos de atraso. Durante esse tempo, até chegar 1988, foi uma longa jornada,
como pudemos ver uma parte dela em nosso trabalho.
Ao fazer as considerações sobre as entrevistas, neste segmento, não
poderíamos deixar de registrar as questões sobre os conceitos de campesinato
e de quilombo, uma vez que estes se encontram muito presentes nas
narrativas daquelas trajetórias de vida.
Nas trajetórias dos descendentes dos libertos, nos anos de 1930 e 1940,
percebe-se que os sujeitos da zona rural foram despidos de seus antigos
atributos sociais e teriam que adquirir uma nova condição.
Adquirir uma nova condição demandava investimentos e, novamente,
isso não fez parte da política nacional voltada para outros interesses, não
incluindo em “seus projetos” as camadas mais pobres da sociedade, e
principalmente os afrodescendentes.
O ensino público, que era imprescindível para a “individualização”, tema
indissociável da “modernização”, encontrava-se precário também na região
pesquisada. Naquele período (anos de 1930-1940), “[...] o ideal do indivíduo
moderno era fundamentalmente o de um desenraizado, alguém que se
afastasse de seu mundo original e construisse um espaço próprio na nova
malha social.” (GOMES e DUARTE, 2007, p. 248-249) Esse foi o caso do Sr.
Aurélio que ao viver em Petrópolis, “desenraizado”, teve acesso a cursos que o
prepararam a trabalhar na empresa “Flayshman Royal”, onde trabalhara até se
aposentar. Os outros entrevistados, vistos anteriormente, em sua maioria só
estudaram as primeiras séries do primário, com exceção de D. Jane que
formara no ensino superior e Rossi Meleide que estudara até o 2º ano do
ensino médio.
Outra característica que se nota quando o bairro estava em expansão
fora a sua procura por pessoas de baixa renda, sendo um lugar acessível aos
trabalhadores rurais, como o pai do Sr. Hélio. Percebe-se em sua narrativa, a
continuidade da exploração no campo, a importância do trabalho infantil e
feminino para a sobrevivência da família e a tentativa de seu pai, colono,
lavrador, em mudar o futuro dos filhos.
D. Maria da Glória morava no interior do bairro Colônia, com difícil
acesso à escola e por isso não estudou. Lavava e passava roupa “pra fora”.

262
Seu marido era ferroviário. Ela e a sua família sobreviviam das roças cultivadas
nas terras daquele lugar. Dizia que trabalhava cantando e que seu pai tocava
acordeon. Em sua narrativa, utiliza o termo “pra fora”, assim como outros
entrevistados, para diferenciar o trabalho das mulheres. Elas permaneciam em
casa fazendo o trabalho doméstico e trabalhavam “pra fora”, ajudando na
subsistência da família.
Assim como a família do Sr. Hélio, a família do Sr. Valdir também era
miscigenada. Seu padrasto alugava pastos no “fim da Vila” onde criava seus
bois. Percebe-se que o “fim da vila” era rural, a urbanização se fazia próxima
ao centro de Três Rios. Foi o período em que se deteve por mais tempo,
enriquecendo os detalhes do seu trabalho na infância e na juventude, da falta
de tempo para brincar, das trilhas onde a boiada e as carroças passavam, dos
lugares e da casa onde morou, dos sítios que existiam no bairro, de sua
relação com o padrasto e com a sua mãe. Ao narrar a sua trajetória de vida no
bairro Vila Isabel, nas décadas de 1940 e 1950, descreve a existência de
cemitério, açougue, cabaré, farmácia, padaria, alfaiataria, colégio, mercearia,
barbearia e o clube Vila Nova. Falara também do baile de sanfona, no terreiro
da casa do Sr. João Pereira, onde se divertia dançando caxambu. As festas
eram de aniversários, dias de São João e de Santo Antonio. Os brancos
participavam e os parentes do Sr. João vinham também para esses bailes.
Contudo, depois, iniciados os conflitos citados anteriormente, não participaram
mais. Nota-se que os bailes no terreiro do Sr. João Pereira ajudaram na
formação de laços de sociabilidade com os novos moradores que chegavam
com a expansão do bairro. Outro fato interessante narrado pelo Sr. Valdir se
refere à estátua da “Mãe Preta” existente na praça Ambrozina Bastos ou praça
da “Mãe Preta”, localizada em frente à sua casa. A estátua fora comprada em
São Paulo pelo vereador chamado Armando de Almeida, que se interessou
pelas homenagens que estavam sendo feitas às escravas, amas de leite dos
sinhozinhos, naquela cidade. O vereador tentou colocá-la em diversos lugares
da cidade, não sendo aceita por nenhuma das pessoas com quem conversava.
A estátua não tinha relação com a história das escravas da condessa, pois ela
não tivera filhos, suas escravas não foram amas de leite e tampouco com a
história da colônia agrícola. Depois de muito rejeitada, a estátua foi aceita pelo
Sr. Valdir, que ouvira o desabafo do vereador e assim prometeu-lhe que

263
ninguém a tiraria da praça Ambrozina Bastos. A estátua começou, então, a
participar de outro contexto ao sair de seu meio original (São Paulo), tendo
outras relações e com outra função, a de ser um monumento que homenageia
a cultura negra de Três Rios, mas ao mesmo tempo diminuiu a visibilidade da
importância de D. Ambrozina Bastos no bairro. (LEMOS, 2009, p. 18)
D. Jane é a única com formação superior. Seu pai trabalhara como
pedreiro e no Colégio Entre Rios. Nesse colégio fazia serviços gerais e os seus
donos deixaram seus filhos estudarem sem pagar as mensalidades,
fornecendo-lhes, ainda, os materiais escolares. Percebem-se laços de
sociabilidade e de solidariedade entre esses moradores do centro da cidade de
Três Rios, com melhores condições de vida e o pai de D. Jane, trabalhador,
com muitas dificuldades financeiras, morador da Vila Isabel. Já sua mãe
trabalhava em casa e lavava roupa “pra fora”, como outras mulheres que
faziam o mesmo na Vila. Sua ascendência também era miscigenada. Seus
avós maternos eram mineiros e seu avô paterno, português. De sua avó,
chamada Carola, lembra-se que fora ela quem aforou o terreno da Casa de
Caridade, onde mora hoje, que pertencera aos “escravos”, querendo dizer, aos
libertos da condessa. Sua avó cuidava do lar e era cozinheira famosa de
festas e casamentos. Observamos que, ao descrever o trabalho de sua avó na
preparação da “comida” do casamento, aquela função não era uma mera
atividade ligada a preparar o “alimento” e, sim, um momento de relações
interpessoais que envolvem a “comida”. D. Carola se hospedava na “casa do
casamento” na quinta-feira antes do casamento que aconteceria no sábado.
Gonçalves (2007, p. 182, apud GOMES e DUARTE, p, 175) afirma que

a comida é assim social e culturalmente significativa e


consequentemente distinta da experiência estritamente fisiológica de
alimentar-se. A ‘comida’ tem a ver com apetite e paladar. No caso do
‘alimento’, o apetite é substituído pela fome.

D. Nair em sua narrativa informou que se casara em casa, somente no


civil, mas que, para a festa, tinham sido feitos doces, bolo e jantar, “com muita
comida”, concordando com o que D. Jane descrevera sobre os casamentos na
Vila Isabel. Novamente os laços de sociabilidade se fortalecendo entre os seus
moradores através das festas de casamento.

264
A irmã de D. Jane, professora Janete Machado, homenageou a avó
colocando o nome de seu buffet, inaugurado em Três Rios, de “Vó Carola”.
Com essa homenagem, a memória do “saber” da culinária da avó de D. Jane e
da Vila Isabel permanece, pois, ao explicar a origem do nome do buffet,
resgata-se a memória dela, além da memória do bairro, com os seus
casamentos e festas. A história do bairro se mistura às memórias familiares.
Descreve com orgulho os detalhes do quintal com galinheiro, verduras e
frutas plantadas, da casa simples em que vivia com seus pais e irmãos, assim
como a dinâmica nas ruas de terra do bairro, com os “cachorros arruinados” e a
passagem das “boiadas”. Chama atenção, em sua narrativa, os bailes onde
dançava com o Sr. Pipiu, pai de Rossi Meleide, Wilson e Vilma, filho de D.
Ambrozina Bastos no Colônia Esporte Clube (José Martins, tio de D. Jane, era
um dos dirigentes do clube e músico do conjunto que animava o baile) e no
clube Luzo, próximo ao hospital, no centro da cidade. Embora esse clube fosse
mais frequentado por negros, brancos também o frequentavam. No carnaval, o
Colônia Esporte Clube promovia desfiles de carros alegóricos no centro da
cidade. O pai de D. Jane confeccionava máscaras artesanalmente. Como D.
Jane nascera em 1943, a memória desses desfiles se remete à década de
1950. D. Nair também recordara que gostava de assistir aos desfiles de
escolas de samba em Três Rios, quando estava com uns 10 anos de idade,
isto é, por volta de 1937. Novamente, aqui, percebemos laços de sociabilidade
entre os moradores da Vila Isabel e desses moradores com outros segmentos
sociais que moravam no centro de Três Rios.
Nota-se que, D. Jane, por ter se formado em um curso superior, assim
como os seus filhos e netos, reconhece a melhoria familiar em termos
educacionais e econômicos, tendo viajado até para o exterior. Ainda, quanto
aos filhos, uma delas é de “criação”, uma sobrinha de seu pai que necessitou
de ajuda dessa “rede familiar”, característica das camadas populares,
repetindo-se a mesma experiência de “cuidar” e de “ficar” citada anteriormente,
sem uma adoção formal. Sua percepção do desenvolvimento de Três Rios está
ligada primeiramente ao índice de desenvolvimento humano promovido pela
chegada das faculdades, seguida do comércio e indústrias.
O Sr. Aurélio também faz menção a Três Rios como uma cidade que se
modernizou e se desenvolveu por ter muitas fábricas, pela melhoria do aspecto

265
da avenida Beira Rio, pelas melhorias no bairro Vila Isabel quanto ao
asfaltamento, pelo fato de ter existido uma agência bancária nos anos de 1980
e pela chegada das pessoas de classe média. Nota-se que, diferentemente de
D. Jane, sua percepção de modernização e desenvolvimento esteve ligada à
industrialização primeiramente e às obras, discurso que se apresentou ao
longo de nosso trabalho, analisando a ideologia progressista da cidade. Já a
visão de que a presença da classe média na Vila Isabel fora uma melhoria
deve-se ao fato de que aquele lugar pertencera a libertos, um lugar de muita
pobreza, tornara-se um lugar onde puderam conviver juntos os pobres e a
classe média.
Já para D. Maria da Glória, tudo é melhor atualmente, pela existência da
rua, do ônibus, da televisão e pelo fato de ela poder ir à igreja.
Importante destacar as dificuldades de Vilma quanto aos seus direitos
civis, uma vez que o seu direito à aposentadoria foi adiado devido à prática
comum dos empregadores de não legalizar a situação do trabalhador. Isso
ocorria, principalmente, com afrodescendentes, mulheres, pessoas com baixa
escolaridade e com aqueles que, por não terem família ou pertencerem a uma
família com extrema pobreza, eram “criados”, trabalhando na casa da família
em troca de sua subsistência.
Os três irmãos são netos de D. Ambrozina Bastos, filha de uma liberta
da colônia agrícola. Rossi Meleide afirma que sua avó era branca, não negra,
mas filha de escrava com um feitor que era fazendeiro. Os três não sabem
muita coisa de sua família, mas quiseram ser entrevistados para que pudessem
colaborar de alguma forma para a pesquisa. O pouco que sabem sobre a
descendência de escravos fora contado pela mãe que tinha orgulho de D.
Ambrozina e achava aquela história bonita. A sua mãe cuidava muito bem dos
ternos de linho acetinado do seu pai, Sr. Porfírio (Pipiu). Quando ela adoeceu
contraindo tuberculose, ele levava os ternos para serem lavados na lavanderia.
O Sr. Porfírio era frequentador assíduo de cassinos, onde perdera muito
dinheiro e praticamente todas as suas terras. Dançava muito bem o tango125,

125
“As marcas da presença africana são relevantes na cultura Argentina – Tango e o
Candombe. Não deixam,porém, de surgir hipóteses, de que os negros contribuíram, sobretudo
através do candombe, de maneira decisiva para a gênese do tango (tango: bailar em Congo).
O tango, de raízes suburbanas, tem também uma ‘história negra’ que se relaciona com os

266
tendo sido campeão de dança no Clube Atlético Entre Rios (CAER), localizado
no centro de Três Rios. Não trabalhava e dizia que não deixaria nada para
ninguém. Gostava de freqüentar o bar Imperial, considerado por Rossi Meleide
como o bar dos “ricos”. Em sua narrativa, frisa que só se lembra do seu pai
usando ternos elegantes. Percebe-se que o terno de linho que ele usava ficou
muito marcante em sua lembrança. O Sr. Hélio também fala dos ternos de linho
usados pelos descendentes dos libertos, dizendo que os “posseiros” eram
alinhados, que arrendavam as suas terras e as perdiam para os arrendatários
que as registravam nos seus nomes. Na foto do Sr. Feliciano Cerqueira e a foto
de D. Ambrozina com outras pessoas, próximos a uma porteira, os homens
estão de terno ou pelo menos de casaco e chapéu. Vimos anteriormente que
os negros, muitas vezes, assimilavam comportamentos e atitudes dos brancos,
considerados “positivos” por eles. (DOMINGUES, 2002, p. 574) O Sr. Porfírio
dançava o tango ignorando as raízes africanas existentes nessa dança, e
talvez dançasse tão bem por ser afrodescendente. Os ternos de linho tinham
um significado para o Sr. Porfírio e para os outros “posseiros”. O fato de se
vestirem com ternos de linho significava que não trabalhavam em roça, não
eram lavradores, eram os donos da terra. O Sr. Porfírio, mudando-se para as
cidades que possuíam cassinos, jogando, perdendo, vendendo as suas terras
para quitar as dívidas, sabendo que suas terras eram invadidas, não se
importando, significava poder e percepção de ser um grande proprietário de
terras que sustentariam a sua vida de perdulário. O que era verdade, uma vez
que Rosse Meleide afirma que as últimas terras ele vendera em 1974, quando
alcançara os seus 74 anos.

ritmos afroargentinos, um ‘segredo’ (uma história intencionalmente ignorada) desvelado pelo


antropólogo Norberto Pablo Círio. ‘Apesar de sempre existir esse rumor sobre a presença
negra no tango, esse assunto nunca foi bem estudado e compreendido’, explica ele, promotor
da exposição ‘Historia negra del tango’, que recentemente (de 23 de Abril a 21 de Maio de
2010) se realizou em Buenos Aires no Museo Casa14 Carlos Gardel.[...] Parece pois certo que
o Tango, elevado recentemente a património imaterial da humanidade, é resultado de encontro
entre culturas que se verificou na Argentina, periferia de Buenos Aires, nos finais do século
XIX, deriva de formas musicais de imigrantes italianos e espanhóis, dos crioulos descendentes
dos conquistadores espanhóis que já habitavam os pampas e do ‘Candombe’ africano. Há
indícios de influência da ‘Habanera cubana’ e do ‘Tango Andaluz’. O Tango nasceu como
expressão das populações pobres, oriundas de todas aquelas origens, que se misturavam nos
subúrbios da crescente Buenos Aires.[...]” Fonte: file:///C:/Users/Windows/Downloads/22-222-1-
PB.pdf. Acesso em: 10.02.2015.

267
Finalizamos as nossas considerações com uma parte das narrativas do
Sr. Hélio e do Sr. Aurélio em que aparecem experiências de solidariedade no
bairro Vila Isabel com a formação do “Grupo dos 13”, em 1992. O Sr. Hélio
narra que sempre pensara em ajudar a comunidade que era grande e formada
por pessoas pobres, sendo a maioria negra. Sua ideia se concretizou com a
formação de um grupo de treze pessoas que passaram a ajudar “os menos
favorecidos” comprando remédios, fazendo sepultamentos, obras de
manutenção em escolas (municipais e estaduais) e no cemitério. Criaram uma
caixa de contribuições cujas doações ajudaram até pessoas de outros bairros.
O Sr. Aurélio fora convidado a fazer parte do clube por ser “filho de uma família
ilustre da cidade”. Das lembranças de sua família, destacamos uma, com
referência à sua avó. Segundo o Sr. Aurélio, D. Bárbara gostava de contar
“estórias mirabolantes”, “lendas”, mas não contava a história dos escravos.
Percebe-se o silenciamento com relação ao passado traumático, ligado à
escravidão. Preferia expressar afeto, sendo meiga, carinhosa, cozinhando um
excelente feijão para o seu neto a rememorar o passado escravocrata.
Sendo neto de libertos, fora chamado, então, para fazer parte do “Grupo
dos 13” pelo Sr. Hélio, pelo Sr. Valdir, conhecido como Valdir “bola branca” e
por um senhor chamado Walter Jerônimo. O grupo se formara com a intenção
de acionar uma rede de socorro mútuo nas mais diversas situações, prática
adotada comumente em grupos de camadas populares existentes nas regiões
mais pobres do país ou entre redes familiares. (GOMES e DUARTE, 2007, p.
172-173)

268
CONCLUSÃO

Depois de dois anos de sua formação, em 1884, a colônia agrícola de


Nossa Senhora da Piedade apresentava problemas.
Os desejos da Condessa do Rio Novo expressados em seu testamento,
no que tange aos destinos dos seus libertos, não deram certo. A Irmandade de
Nossa Senhora da Piedade formada para administrar a colônia agrícola no
sistema de parceria, onde a produção do café seria dividida pela forma de
meação, não cumprira com o que fora determinado.
Apesar das queixas da “escassez de meios para realizarem seus
desejos de melhoramentos” nas terras recebidas, pois esses melhoramentos
dependiam da administração da Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, os
laços e os valores familiares foram construídos. Em um ano realizaram 62
casamentos, legitimando os filhos que possuíam antes do casamento.
Quando o jornal “O Provinciano” (1885) publicou que os libertos da
colônia não estavam agindo como “era de se esperar”, omitiu os dispositivos do
testamento que tratavam das obrigações da Irmandade. Entretanto, impressos
distribuídos na Corte informavam as reclamações dos libertos contra a
espoliação da Casa de Caridade e defendiam as suas ações para fazerem
valer os seus direitos.
Em 1892, a colônia agrícola administrada pela Irmandade encontrava-se
arrendada e novamente os libertos reclamaram junto ao presidente da Câmara
Municipal de Paraíba do Sul por mais um ato de “esquecimento” da entidade
que se furtava da sua principal função a qual constava no testamento da
condessa. O arrendamento não era permitido, pois a condessa desejava “que a
colônia fosse sempre a mesma”. Os libertos eram colonos parceiros da
Irmandade. A relação de trabalho existente entre os libertos e os arrendatários
era mais exploratória do que a existente com a Irmandade, pois, além da
exploração do trabalho relativo à produção de café, produziam aguardente a
partir da produção de cana existente naquelas terras. Esse produto pertencia à
produção nas roças de subsistência, nas quais nem mesmo a Irmandade tinha
o direito de participação.

269
Depois que as terras da colônia esgotaram-se para o café, não
proporcionando lucros à Irmandade, seja com a sua administração, seja com a
de um arrendatário, não houve interesse na manutenção da mão de obra dos
colonos naqueles lotes. Esgotou-se o solo, a expansão de cultivo não era mais
possível, devido ao fechamento da fronteira agrícola. Assim, mantidas as
formas de produção e com a queda do preço do café, restou o aforamento com
a tentativa de retirada dos libertos e de seus descendentes da terra.
No período pós-abolição, os afrodescendentes não construíram o seu
aprendizado necessário para a vida nas cidades, pois não foram contemplados
com uma política social que promovesse a igualdade na competição com
imigrantes ou trabalhadores livres nacionais. Enfrentaram, ainda, a ideologia do
embranquecimento, a qual atingiu as populações oriundas do escravismo.
O distrito de Entre Rios sofreu transformações, modernizou-se. Estas
eram metas almejadas pela sociedade brasileira, a partir da década de 1930.
As palavras de ordem eram “progresso” e “desenvolvimento industrial”. Como a
colônia agrícola Nossa Senhora da Piedade pertencia a um passado agrário,
escravista, sofreu o silenciamento, o esquecimento no processo de construção
da história moderna e desenvolvimentista da cidade de Três Rios, tornando-se
palco de conflitos e especulações imobiliárias. Nos anos de 1940, a colônia
agrícola se transformou em bairro Colônia ou bairro da Colônia, considerado
próspero e populoso, integrou-se à zona urbana através dos aforamentos e
recebeu um povoamento, que modificou o espaço e as atividades
desenvolvidas naquele lugar.
Nos discursos dos sujeitos através dos jornais ou nas atas da Câmara
Municipal de Três Rios, os colonos desaparecem por completo, apagando-se o
seu passado e, consequentemente, os seus direitos quanto às terras. Contudo,
em setembro de 1940, a Sra Ambrozina de Lima Bastos liderou um grupo de
descendentes dos libertos para iniciar uma Ação de Usucapião no Cartório do
1º Ofício da Comarca de Paraíba do Sul. Sabendo de suas origens, por meio
das lembranças de suas famílias, das gerações anteriores, lutaram contra o
esquecimento, lutaram pelos seus direitos.
As “lembranças subterrâneas” emergiram com força e forçaram a Casa
de Caridade a reagir em um processo durante dez anos, uma vez que esta se
esquecera da sua função e de uma das razões da sua existência: passados os

270
cinquenta anos de sua administração, a colônia ficaria emancipada para que os
libertos e seus descendentes partilhassem entre si as terras.
A Irmandade ou Casa de Caridade tentou expedir o Formal de Partilha e
registrar os imóveis deixados pela condessa, antes da resolução do processo,
mas os descendentes dos libertos venceram a Ação de Usucapião, celebrando,
em 18 de abril de 1950, o aforamento direto.
Embora o povoamento e as redes de relacionamentos ocorressem no
bairro de forma pacífica, alegre, festiva, com os eventos promovidos pelo Clube
Colônia, através de seus moradores, e as obras o deixassem mais “aprazível”,
prometendo tornar-se “um dos mais progressistas”, conforme analisado nos
jornais, o bairro também teve tensões, segundo os discursos dos vereadores
de Três Rios e as memórias dos entrevistados.
Em 22 de janeiro de 1951, a discussão na Câmara girava em torno da
desapropriação de terras no bairro Colônia para construção de casas
populares. Os vereadores discutiram sobre as terras, ora referindo-se a estas
como “Colônia”, ora como “bairro Colônia”. Informaram que, no governo do
prefeito Walter Francklin, este havia tentado, através de Decreto-Lei,
desapropriá-las e não obteve sucesso. O vereador Joaquim Ferreira julgou ser
inconveniente e insegura a propriedade da Colônia, por ser considerada “terra
de ninguém”. Segundo ele, não se conheciam os seus donos. Além disso, seria
uma terra antipatizada pelos trabalhadores. De acordo com o vereador João
Silveira, a Casa de Caridade tinha se tornado a legítima proprietária. Mesmo
sabendo disso, defendia a desapropriação das terras.
Os descendentes dos libertos que venceram a Ação de Usucapião em
1950, um ano depois, não eram nem citados na discussão. “Terra de ninguém”
era o termo empregado para falar de um espaço que possuía 67 anos no total
de sua história iniciada em 1884, com a fundação da colônia.
O posicionamento dos políticos em Três Rios, após a sua emancipação
em 1938 da cidade de Paraíba do Sul, era de negar o poderio da Irmandade de
Nossa Senhora da Piedade, que influenciava a organização territorial da
cidade, refletindo na sua administração e na sua economia.
A memória e a história dos descendentes dos libertos no bairro Colônia
sofreu mais um golpe ocasionando o seu esquecimento, a sua negação
quando, em 1951, o seu nome foi trocado para Vila Isabel. O nome

271
“embranquecido” pela homenagem à princesa redentora contribuiu para o
silêncio sobre o seu passado.
Esse passado permaneceu obscurecido, mas as memórias imersas nos
documentos, nos periódicos e nas lembranças de alguns afrodescendentes e
moradores mais antigos da Vila Isabel foram trabalhadas no sentido de vencer
o “esquecimento” e o “silêncio”, como também de registrar essa trajetória na
tentativa de construir um processo visando à transformação.
Essa transformação à qual estamos nos referindo, consiste na forma
como os afrodescendentes veem o seu passado. Percebe-se que muitos
preferem continuar em silêncio.
Sendo assim, terminamos este trabalho com a certeza de que a
memória dos afrodescendentes na Vila Isabel pode ser tema de pesquisas
posteriores, pois, apesar do nosso esforço e de nossas tentativas de buscar
elementos que pudessem enriquecer mais ainda esta tese, não conseguimos
retirar do “silêncio” e das “memórias traumáticas” todas as “lembranças” que
queríamos para que o assunto se aprofundasse ainda mais. Contudo, a
memória e a história dos descendentes dos libertos da Colônia Agrícola de
Nossa Senhora da Piedade encontram-se registradas e, assim, espera-se que
sejam valorizadas, compreendidas, nos vários aspectos que apresentamos
aqui. Com isso, o conhecimento construído pretende contribuir para renovar
pontos de vista, em um comprometimento com as novas gerações, no sentido
de reconhecer as trajetórias de vida de seus ancestrais como um passado de
luta, de resistência, de conquistas, entre outros para possuírem uma nova
maneira de pensar o mundo. Como nos disse Barros (2009, p. 221): “É dotar
essa identidade de força política, de valor social, de pujança cultural.”

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XAVIER, Giovana; FARIAS, Juliana Barreto e GOMES, Flavio (Orgs).


Mulheres Negras no Brasil escravista e do pós-emancipação. São Paulo:
Selo Negro Edições, 2012.

FONTES

a) Documentos Manuscritos:

Testamento de Mariana Claudina Pereira de Carvalho – Condessa do Rio


Novo. 1881. Fórum de Paraíba do Sul.

Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho –


03.11.1882. Fórum de Paraíba do Sul-RJ.

Atas das assembléias da Câmara Municipal de Paraíba do Sul (1882-1932).


Livro 08 – 1879 a 1883
Livro 09 – 1883 a 1886
Livro 10 – 1886 a 1890
Livro 11 – 1890 a 1893
Livro 12 – 1893 a 1895
Livro 13 – 1895 a 1897
Livro 14 – 1897 a 1899
Livro 15 – 1899 a 1908
Livro 16 – 1909 a 1916
Livro 17 – 1916 a 1922
Livro 18 – 1922 a 1928
Livro 19 – 1928 a 1936
Livro 20 - 1936 a 1937 e 1947

Atas das assembléias da Câmara Municipal de Três Rios (1949-1951)


Atas de Novembro de 1949 a Julho de 1951.

278
Escritura de Doação - D. Nair Pereira de Oliveira – entrevistada em
06.03.2012.

b) Publicações Oficiais

“Boletins da Sociedade Central de Imigração”. Rio de Janeiro: Typ.


Universal de Laemmert, 1883-1884. Boletim nº 3. Com notas de A. de
Estragnole Taunay, Barão de Teffé, Barão de Irapuã, Bearepaire Rohan.
Sessão de Obras Raras. Biblioteca Nacional – RJ.

Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora da Piedade de Paraíba do


Sul. Aprovado pelo Exmo e Revmo Sr. Bispo de Petrópolis, por provisão de 22
de dezembro de 1903 e portarias de 8 de fevereiro de 1915 e 9 de agosto de
1916 do Revmo Bispo de Niterói, D. Agostinho F. Benassi.

Guia Brasileiro de Fontes para a História da África, da Escravidão Negra e


do Negro na Sociedade Atual. Fontes Arquivistas/Coordenação do Arquivo
Nacional. 2 v. Rio de Janeiro – Sergipe. Brasília, 1988.

IBGE - Conselho Nacional de Estatística. Sinopse Estatística do Município


de Três Rios. Estado do Rio de Janeiro. 1948.

Regulamento da Irmandade de Nossa Senhora da Piedade – Regedora da


Casa de Caridade de Paraíba do Sul.
Aprovado pela mesa administrativa, nas sessões ordinárias de 1º de maio de
1904, 6 de dezembro de 1908 e 18 de outubro de 1925.

Casa de Cultura de Três Rios - RJ


Jornal “Arealense” – 1909 a 1914; 1917 a 1918; 1921 a 1922; 1929 a 1931;
1937.

Jornal “A Tribuna” – 1929 a 1932.

“Entre-Rios” Jornal – 1939

INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE PARAÍBA DO SUL


Jornal “Parahybano”, de Julho a Dezembro de 1868 e Julho a Dezembro de
1869. (2) Compact Disc (CD-ROM)

Jornal “O Agricultor”, de Janeiro de 1873 a Agosto de 1873 a Novembro de


1873 a Janeiro de 1874. (7) Compact Disc (CD-ROM)

Panorama Sócio-Econômico do Município de Três Rios / PMTR – Prefeitura


Municipal de Três Rios, 2002.

c) Endereços eletrônicos:

279
BOTELHO, Tarcísio R. População e espaço nacional no Brasil do Século
XIX. Belo Horizonte. Cadernos de História, v. 7, n. 8, p. 67-83, 2º sem, 2005.
Disponível em:
periodicos.pucminas.br/índex.php/cadernoshistoria/article/view/1720. Acesso
em: 26.09.2014.

Cartas Patrimoniais. Disponível em: www.portaliphan.gov.br – Acesso em:


10.04.2012.

“Código Civil de 1916 – Lei 3071/16 – Lei nº 3.071”, de 1º de janeiro de


1916. [...] Seção IV – “Do Usucapião”. Art. 550. Disponível em:
www.jusbrasil.com.br/legislacao/103251/codigo-civil-de-1916-lei-3071-16.
Acesso em: 12.06.2013.

COUCEIRO, Luiz Alberto; MOREIRA, Carlos Eduardo. Dimensões cativas e


construção da emancipação: relações morais nas lógicas de
sociabilidade de escravos e livres. Sudeste, 1860-1888. Rio de Janeiro:
Estudos Afro-Asiáticos. Vol. 25. nº 2, 2003. Disponível em: www.scielo.
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21.10.2014.

DOMINGUES, Petrônio José. Negros de almas brancas? A ideologia do


branqueamento no interior da comunidade negra em São Paulo, 1915-
1930. Rio de Janeiro. Estudos Afro-asiáticos. Vol. 24. nº 3, 2002. Disponível
em: www.scielo.br/scielo.php?script=sci-arttext&pid=S0101-
546X2002000300006. Acesso em: 17.11.2014.
_________________________Uma História não contada: negro, racismo e
branqueamento. Disponível em:
https://books.google.com.br/books?isbn=8573593679. Acesso em: 17.11.2014.

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14.11.2014.

GOMES, Mauro Leão. Protocampesinato e Produção Agrária Sustentável


no Brasil do Século XIX. Um estudo de caso em Cantagalo, no Rio de
Janeiro. Disponível em:
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cafeeiro de Minas Gerais – Juiz de Fora, século XIX. Disponível em:
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http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
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Bahia: memória à construção da vida livre”. 2008. Disponível em:
www.books.scielo.org/id/f5jk5/pdf/nascimento-9788523209186-02.pdf. Acesso
em: 31.10.2014.

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histórico. 2010. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd142/a-capoeira-
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Aberta. O Público e o Privado – nº 17 – Janeiro/Junho – 2011. Disponível em:
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10.01.2015.

SANTOS, Lucimar Felisberto dos Santos. Os bastidores da lei: estratégias


escravas e o Fundo de Emancipação. Disponível em:
www.revistahistoria.ufba.br/2009_2/a02.pdf. Acesso em: 06.09.2014.

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Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 117-149, março/maio 2002. Disponível em:
www.usp.br/revistausp/53/12-giralda.pdf. Acesso em: 08.03.2014.

TEIXEIRA, Heloísa Maria. Os filhos das escravas: crianças cativas e


ingênuas nas propriedades de Mariana (1850-1888). Disponível em:
http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoshistoria/article/viewFile/2027/2
413. Acesso em: 03.08.2014.

VALLADARES, Licia. A Gênese da Favela Carioca. A produção anterior às


Ciências Sociais. RBCS. Vol. 15 nº 44 outubro/2000.
www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v15n44/4145. Acesso em: 09.04.2014.

VIANNA, Larissa. Os Trópicos na rota do Império britânico: a visão de


Mungo Park sobre a África em fins do século XVIII. Hist. Cienc. Saude-
Manguinhos vol 18 nº 1. Rio de Janeiro Mar.2011. Disponível em:
www.scielo.br/scielo.php.?script=sci_arttext&pid=S0104-59702011000100003.
Acesso em: 20.09.2014.

281
www.artigonal.com/direito-artigos/formal-de-partilha-1522841.html. Acesso em:
12.06.2013.

www.associartbrasil.com.br. Acesso em: 14.06.2013.

www.camaralp.mg.gov.br/historia-do-legislativo.html. Acesso em: 03.11.2014.

www.cna.pt/artigostecnicos/filipesaruga/06%20vtjulho2002_filipesaruga.pdf.
Acesso em: 12.11.2014.

www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/tresrios.htm. Acesso em:


15.06.2013.

http://estoriasdahistoria12.blogspot.com.br/2013/10/as-transformacoes-na-vida-
urbana-o.html . Acesso em: 04.11.2014.

www.idtl.com.br/artigos/176.pdf. Acesso em: 14.06.2013.

www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/pdfs/livros/Capítulo 1-30.pdf. Acesso


em: 03.11.2014.

http://www.letras.ufmg.br/literafro/data1/autores/84/dados2.pdf . Acesso em:


15.10.2014.

www.patrimoniofluminense.rj.gov.br/patrimonio-cultural/capela-nossa-senhora-
da-piedade-tresrios/ . Acesso em: 15.06.2013.

www.jornalplasticobolha.com.br/pb24/quartodedespejo.htm. Acesso em:


09.04.2014.

http://pt.scribd.com/doc/33881697/Ordenacoes-Filipinas. Acesso em:


02.09.2014.

http://pt.slideshare.net/coopermoda/tecnologia-textil-apostilha-tecnica Acesso
em: 08.10.2014.

www.skyscrapercity.com. Acesso em: 15.06.2013.

www.trabalhosfeitos.com/ensaios/cartas_patrimoniais/736478.html. Acesso em:


10.04.2012.

www.tresrioscriativa.com.br/espacoeventos/1330 . Acesso em: 14.06.2013.

www.tresrios.rj.gov.br/historia-de-tres-rios/. Acesso em: 03.09.2014.

282
ANEXOS

ANEXO I – Plano da Capitania do Rio de Janeiro - 1803

Fonte: MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: Conflitos de Terra e
Direito Agrário no Brasil de Meados do Século XIX. Campinas: UNICAMP, 1996.

283
ANEXO II – Parte do Caminho Novo para Minas

Fonte: MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: Conflitos de Terra e
Direito Agrário no Brasil de Meados do Século XIX. Campinas: UNICAMP, 1996.

284
ANEXO III – Mapa da Província do Rio de Janeiro - 1830

Fonte: MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: Conflitos de Terra e
Direito Agrário no Brasil de Meados do Século XIX. Campinas: UNICAMP, 1996.

285
ANEXO IV – Área do Caminho Novo para Minas

Fonte: MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: Conflitos de Terra e
Direito Agrário no Brasil de Meados do Século XIX. Campinas: UNICAMP, 1996.

286
ANEXO V – Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro – 1858/1861

Fonte: MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: Conflitos de Terra e
Direito Agrário no Brasil de Meados do Século XIX. Campinas: UNICAMP, 1996.

287
ANEXO VI – Tabela de Dados de Escravos Fugitivos – 1868/1869

ESCRAVO SENHOR LOCAL CARACTERÍSTICAS OBSERVAÇÕES DATA


JORNAL/
FUGA
João Claudio Piabanha Congo, estatura Quem o Edição de
José alta, rosto redondo, aprehender e 05.08.1868.
Ferreira desdentado, barba levá-lo a seu
debaixo do queixo, senhor, no
tem um signal bem lugar acima
no meio do peito declarado, será
atravessado de gratificado.
ferida nas costas e
outro signal de
ferida bem no meio
das costas.
Caetano Casa de Registro do Crioulo, official de Quem o Edição de
França e Parahybuna alfaiate, com os aprehender e 26.08.1868.
Irmão signaes seguintes: apresentar aos Fugiu em
estatura regular, seus senhores 23.08.1868.
côr fula, bons acima, será
dentes, pouca bem
barba e alguma gratificado, e
que tem costuma protesta-se
usa-la no queixo, desde já contra
tem na garganta quem o acoute.
uma cicatriz de
uma ferida que
teve, as pernas um
pouco arqueadas,
mas anda
desembaraçado,
falla bem e com
facilidade, e sabe
lêr alguma cousa
letra de imprensa.
Tiburcio João Sítio Santo Crioulo, natural da Quem o Edição de
Paefiro Antonio da Bahia, regulando apprehender e 29.09.1868.
Tabatinga, ter de idade 22 levar ao lugar Fugiu em
perto da anos (pouco mais acima 31.07.1868.
Estação da ou menos), de mencionado ou
Serraria estatura regular, der notícias
corpolento, bem certas será
feito, retinto, com generosamente
principio de ponte gratificado.
de barba, tem um
dente de lado
quebrado, é bem
falante e muito
intelligente.
Lazaro João Fazenda de Crioulo, tendo os Quem o Edição de
Francisco Monte signaes seguintes: apprehender e 02.09.1868.
de Alverne, em é baixo, tem levar à casa de
Mendon- Santa cabellos brancos Domingos José
ça Thereza de na cabeça, barba Machado, no
Valença no queixo e falhada Recreio de
nos lados, e os pés Santa Elias
um pouco grandes. (nesta vila)
receberá a

288
gratificação de
50$000.
Mariano João Bemposta Crioulo, 18 anos de Quem o Edição de
Pereira idade, baixo, apprehender 31.10.1868.
de Souza magro, cara fina e receberá a Fugiu em
Guima- olhos pequenos; é quantia de 29.10.1868.
Rães natural de 50$000.
Guaratyba; levou
uma manta de lã,
uma camisa de
algodão (usada), e
calça e camisa de
riscado escuro.
João e Innocen- Fazenda -Mulato claro, 40 Desconfia-se Edição de
Ignácio cia Retiro annos (mais ou que seguisse 11.11.1868.
Mineiro Pereira menos), estatura para Pitangui. Fugiram
Xavier mais que ordinária, Gratifica-se em
Rabello cheio de corpo, bem a quem os 08.11.1868.
pouca barba, apprehender e
cabello annellado, entrega-los na
e não encara para referida
quem falla. fazenda, ou na
-Cabra escuro, sem Corte, à Albino
barba, alto e Lúcio de
magro, rosto Figueiredo
comprido, olhos Lima, na rua
vivos, 25 annos de dos Pescados,
idade (mais ou 95.
menos), natural da
cidade de Pitangui
(em Minas), onde
tem parentes; foi
alli escravo do
fallecido capitão
Bernardo Xavier
Rabello; tem um
pequeno papo no
pescoço.
Firmino Domin- Fazenda Natural de Sergipe, É provável que Edição de
gos José das com 25 anos de tenha fugido 12.12.1868.
de Laranjeiras idade (pouco mais para a Corte; Fugiu em
Santanna em Entre- ou menos), côr onde já foi 05.12.1868.
Rios preta, sem barba, preso uma vez
estatura alta, na rua do
reforçado de Aterrado. Quem
corpo, peito largo; o apprehender
tem uma orelha e levar a seu
furada e pés senhor, no
grandes; levou lugar acima, ou
uma argola no na Corte, à
pescoço, a qual já Albino Lúcio de
deve ter tirado, e Figueiredo
uma carapuça de Lima, à Rua
preto do ganho. dos Pescados,
95, receberá a
gratificação de
50$000.
Felippe e João Sant’Anna -De nação, idade 35 Estes escravos Edição de
Daniel Domin- do Deserto a 38 annos, pertencerão a 10.07.1869.
gos dos estatura regular, fazenda de

289
Santos bem reforçado, Ericeira, onde
beiços grossos e foram
falla atrapalhada, arrematados
pés bastante altos em praça.
e cumprido, sem Quem os
barba; levarão apprehender e
roupa. levá-los a seu
-Creoulo do Norte, senhor no lugar
idade 35 a 38 acima indicado,
annos, baixo, será gratificado
bastante barba, com a quantia
pés pequenos e um de 50$.
pouco cambeta, em
uma das pernas
tem um signal de
queimadura, côr
retinta e bem
falante.

Galdino Manoel Fazenda do Pardo, natural da Quem o Edição de


José de Barro Alto Villa da Estrella, apprehender 01.09.1869.
Almeida idade 24 annos, será gratificado
altura regular, com a quantia
pouca barba, com de 50$000 e
falta de dentes na protesta-se
frente, corpo com todo o
reforçado, fallante rigor da lei,
e anda contra quem o
desembaraçado; tiver acoutado.
levou vestido calça
de algodão riscado
e camisa de
algodão Santa
Catharina, chapéo
de palha.
Antonio Francisco Fazenda do Pardo, natural da Quem o Edição de
Gomes Sr Bahia, baixo, corpo apprehender e 11.09.1869.
de Aguiar Francisco grosso, pouca leva-lo a seu Fugiu em
Gomes de barba em baixo do senhor, será 03.09.1869.
Aguiar queixo, bons gratificado com
dentes, tem um a quantia de
signal de ferida no 100$000.
peito do pé; levou
roupa fina e
chapéo do Chilis já
usado, levou
também um sacco
de roupa fina.
Manoel João Fazenda Crioullo, idade 30 Quem o Edição de
Nunes de Velha, annos (pouco mais apprehender 27.10.1869.
Oliveira freguesia ou menos), côr será bem Fugiu em
de fula, falla manso e gratificado. 09.10.1869.
Bemposta fino, padece de
cravos de boubas
o que o
impossibilita de
andar
desembaraçado;
levou vestido calça
e camisola de

290
baeta azul.
Marcos Francisco Morador do Côr preta, altura Quem o Edição de
Gonçal- município regular, barba no apprehender e 24.11.1869.
ves de Valença queixo, e tem no leva-lo a seu Fugiu em
Portugal corpo alguns senhor em sua 15.11.1869.
signaes de castigo. fazenda, será
gratificado.
Bento Guilher- Areal De nação Quem o Edição de
me (União e Inhambane, com apprehender 08.12.1869.
Benjamin Indústria) signaes da mesma será bem Fugiu em
e de bexigas; é de gratificado. 06.12.1869.
estatura baixa,
costuma trocar seu
nome e o de seu
senhor.
José, Luiz Registro do -Oficial de Quem os Edição de
Miguel e Cordeiro Parahybuna carpinteiro, pardo apprehender e 22.12.1869.
Laurindo do Couto escuro, 40 annos entregar nesta Fugiram
de idade, com falta Villa a seu em
de dentes, corpo dono, ou José 15.12.1869.
regular e rosto Dionísio
descarado. Ribeiro do Val,
-Preto de roça, ou na Corte aos
arreiador, 30 e Srs. Francisco
tantos annos de Nogueira e
idade, corpo bem Comp., ou
reforçado, barba delles der
cerrada e olhos notícias certas
grandes. será bem
-Idade 27 anos, gratificado.
pardo escuro,
corpo regular, bem
fallante de roça e
faz telha; levarão
diversas
qualidades de
roupas.
João e Luiz Freguesia -Creoulo, alto, Ambos forão Edição de
Martinho Vieira da de cheio de corpo, comprados ao 22.12.1869.
Costa Bemposta falla mansa, olhos Sr. Pinto Braga Fugiram
Machado vermelhos, barba morador no em
não muito cerrada, Maçambará. 19.12.1869.
idade 35 a 40 anos; Gratitica-se
levou roupa de bem a quem os
algodão de Minas, apprehender e
barrete de lã e leva-los a seu
japona de baetão. senhor, ou na
-Creoulo, official de Corte aos Srs.
pedreiro, baixo, Firmino
grosso, pouca Caetano do
barba, aspecto Valle e Irmão.
sisudo, olhos
pequenos, pernas
arcada para fora,
pouco falante,
idade 28 a 34
annos, levou
camisa de riscado,
calça azul, japona
de baetão, chape

291
pequeno, preto já
usado.
Marianno Antonio Bemposta Moçambique, Quem o Edição de
José de estatura regular,
apprehender e 22.12.1869.
Souza corpo reforçado,leva-lo ao dito Fugiu em
rosto comprido, Sr. Na sua 13.12.1869.
côr fula, pés
fazenda será
grandes, foi
bem
vestido com roupa gratificado, e
de algodão de
protesta-se
Santo Aleixo tinto e com todo o
chapéu preto de rigor da lei
lebre. contra quem o
tiver acoutado.
Cesário José Sítio de S. Congo, altura Quem o Edição de
Antonio Lourenço, regular, côr fula, apprehender e 22.12.1869.
de Souza freguesia bons dentes, leva-lo ao Fugiu em
Mello de pouca barba, pés referido sítio ou 11.12.1869.
Bemposta pequenos e bem nesta Villa, será
feito de corpo, bem
idade 40 annos. gratificado,
protestando-se
com todo o
rigor da lei
contra quem o
tiver acoutado.
Relação de escravos fugitivos noticiados no Jornal Parahybano entre Julho a Dezembro
de 1868 e Julho a Dezembro de 1869.

292
ANEXO VII – Tabela de Dados de Escravos Fugitivos – 1873/1874

ESCRAVO SENHOR LOCAL CARACTERÍSTICAS OBSERVAÇÕES DATA


JORNAL/FUGA
Paulino Manoel Sítio do Crioulo, de idade Quem Edição de
Marques Morro do 20 annos pouco aprehender e 12.01.1873.
Cedro, mais, alto, magro, levar a seu Fugiu em
freguesia de com princípio..., dono no sítio 03.01.1873.
Cebolas faltando-lhes os acima
dentes superiores, indicado,
visto no mesmo receberá a
dia, às 10 horas, gratificação de
passando a ponte 50$000.
das Garças.
Jacob Manoel Bocca do De nação, tendo Gratifica-se Edição de
Moreira de Fogo, pouco mais ou com 50$000 a 19.01.1873.
Azevedo freguesia de menos trinta anos, quem o
Santo reforçado, rosto aprehender e
Antonio da largo, pouca levar a seu
Encruzilhada barba, tendo dous senhor e
defeitos: um no protesta-se
dedo grande de com todo o
uma das mãos, rigor da lei
resultante de um contra quem o
pleuriz, e outro no tiver acoutado.
pé, sendo o dedo
grande afastado.
Domiciano Caetano Fazenda de De nação, com os 50$000 de Edição de
José Pereira Santo Amaro signaes seguintes: gratificação a 20.02.1873.
côr preta, alto e quem o Fugiu em
corpulento, aprehender. 03.02.1873.
barbado, olhos
grandes, com a
barba e o cabello
do peito ficando
brancos, tem uma
ferida na canela,
os pés grandes e a
pelle enrugada;
levou calça de
algodão tinta de
preto e camisa de
algodão branco.
Martins Luiz Vieira Freguesia de Crioulo, cor preta, Quem o Edição de
da Costa Bemposta baixo, grosso, aprehender e 20.02.1873.
Machado com falta de levar a seu
alguns dentes, senhor,
pouca barba, receberá a
pernas um tanto gratificação de
arcadas para fora, 50$000 e na
falla manso, levou Côrte aos Srs.
roupa de algodão Almeida
mineiro, chapeo Ramos e C.
preto de lebre e Bemposta.
tem alguma
pratica do offício
de pedreiro.
José Coronel Fazenda do Crioulo, preto, Quem o Edição de
José Pinto Cachambú com os signaes aprehender e 06.03.1873.

293
Tavares seguintes: idade levar à dita Fugiu em
25 annos, sem fazenda será 26.02.1873.
barba, côr fula, gratificado.
pizando um pouco
zambo, levou
vestido calça de
algodão preta e
camisa branca...o
n. 40 de tinta
vermelha.
Domingas Antonio Fazenda de Crioula da Corte, Quem a Edição de
Maria S. Joaquim de idade de 25 aprehender e 27.03.1873.
Duguet da Várzea, annos, pouco mais levar a dita Fugiu em
freguesia de ou menos, alta, fazenda será 20.03.1873.
Santo côr fulla, falla bem
Antonio da pouco, rosto sobre gratificado, ou
Encruzilhada o comprido e bem quem der
parecida, orelhas notícia certa
bastante onde se acha,
pequenas, e protestando-se
quando anda é um com todo o
tanto periquita; rigor da lei
deve ter na mão contra quem a
esquerda signal de tiver acoutado,
um leicenço e por prejuízos,
recentemente perdas e
curado sobre a damnos, e 5$
junta do dedo diários desde o
polegar, foi dia da fuga.
mucama e é
actualmente de
serviço de roça;
costuma pitar
cachimbo, e fugio
com saia de
muscla azul,
camisa de algodão
de Santa Catharina
e lenço amarrado
na cabeça; tem
cabelo curto,
braços grossos, e
cintura delgada e
comprida;
desconfia-se que
foi seduzida, por
ter fugido sem
motivo algum.
Norberto Caetano Campo da Natural de Quem o levar a Edição de
José Pereira Grama Pernambuco, seu senhor ou 10.04.1873.
signaes seguintes, em casa dos Fugiu em
altura mediana, Srs. Moreira & 25.03.1873.
corpo regular, tem Ramos será
a perna direita gratificado.
torta para dentro,
dentes claros,
cara redonda, côr
preta, falla bem,
tem alguns
signaes de feridas

294
nas pernas, levou
vestido roupa de
algodão de S.
Aleixo.
Manuel José Alves Sítio Recreio Pardo, idade de 26 Quem o Edição
da Cruz ou Fazenda annos, com os aprehender e 20.04.1873.
de Santa signaes seguintes: leval-o a seu Fugiu em
Izabel cabello anelado, senhor, na 14.04.1873.
bonito de feições, fazenda acima,
peito robusto e receberá uma
largo, tem um gratificação.
pequeno signal em Protesta-se
uma das faces, com todo o
com princípio de rigor da lei
barba, tem uma contra quem o
perna um pouco tiver acoutado..
torta, pés grandes
e cicatrizes de
pancada nas
costas, levou
chapéu de lebre
preto, roupa
ordinária de
algodão, e uma
faca grande.
Pedro Dr. Bernardo Fazenda de Pardo, de 26 Gratifica-se Edição de
Germano Alves Santo annos, baixo, bem com a quantia 27.04.1873.
Pereira Antonio feito de corpo, de 50$000 a
acaboclado, quem o trouxer
cabellos grandes e na fazenda.
lisos, barba
raspada, bigode
grosso e crescido,
bem fallante, bons
dentes, é natural
do Pará, pagem e
copeiro. Levou
calça azul, paletol
de panno piloto
grosso, chapéo de
palha amarello,
com fita preta
larga, foi descalço,
mas costuma
andar calçado.
Manoel João Gomes Fazenda do Nação Quem o Edição de
de Aguiar capitão João Moçambique, prender e levar 11.05.1873.
Gomes de altura regular, côr à casa de seu Fugiu em
Aguiar fula, barba no dono, será bem 28.04.1873.
queixo (pouca), gratificado.
bem fallante, no
rosto tem algumas
espinhas,
provenientes das
bôbas que sofre,
foi vestido com
camisa de riscado
azul (desbotada), e
calça de algodão
mineiro. Tem de

295
idade 40 annos.
Bueno D. Maria Fazenda de Creoulo, cujos Gratifica-se Edição de
Joaquina da Santo Elias signaes são os com 50$000a 05.07.1873.
Encarnação seguintes: quem o trouxer
estatura alta, bem a esta Fazenda
falante, côr fula, ou delle der
má dentadura, notícia certa e
olhos grandes, protesta-se
bem feito de corpo com todo o
e pés, idade 30 rigor da lei
annos mais ou contra quem o
menos e tem o tiver acoutado.
vicio de
embriaguez; levou
vestido roupa toda
nova sendo calça
de casineta de
xadrez, paletol da
mesma fazenda ou
de brim, camiza de
morim ou de chita,
chapeo de lebre e
prezume-se andar
calçado.
Manoel D. Luiz Estava com Moçambique, 50 Já foi preso em Edição de
Emerenciana José Luiz annos, alto, Parahyba do 06.07.1873.
de Jesus- Pereira, na magro, cabello Sul, indo de
Juiz de Fora Rua dos raro, rosto, passagem de
Andradas, braços, e pernas outra vez que
143 – Rio de compridas, fugio, quem
Janeiro orelhas e bocca der notícias
grandes, falla certas será
grossa e pausada, generosamente
gesto risonho, gratificado.
pisa devagar por
sofre de
rheumatismo nos
pés.
Vicente José Pinto Sítio Idade presumível Quem o Edição de
da Cunha Palmyra, 20 annos, altura aprehender 20.07.1873.
Fernandes perto da regular, rosto será bem
estação da redondo, cabeça gratificado.
Serraria chata e tem barba,
tem as pernas um
pouco arcadas, e
falla muito manso.
Foi comprado há 2
mezes.
Joze, Manoel Joze Fazenda do Nação Benguela; O seu senhor Edição de
Pedro, Alves de Passa- Nação Rebolo; gratificará a 14.08.1873.
Frederico Carvalho tempo, Nação Benguela; quem os Fugiram em
e Jacintho freguezia de Nação Cabinda. trouxer à sua 03.081873.
Santo fazenda.
Antonio da
Encruzilhada
Augusto Manoel Boca do Crioulo, côr preta, Quem o Edição de
Moreira de Fogo altura regular, fino mesmo 17.08.1873.
Azevedo de corpo, sem aprehender e Fugiu em
barba, idade 25 levar ao lugar 09.08.1873.
annos pouco mais acima

296
ou menos. mencionado,
gratifica-se
com a quantia
de cincoenta
mil reis,
fazendo as
despezas do
transporte do
mesmo ao dito
lugar.
Messias e Tenente Fazenda Crioulo, idade 25 a Quem os pegar Edição de
José Coronel Santa Clara, 30 annos, estatura e levar a seu 16.11.1873.
João José município de alto, muito senhor na dita
Vieira Santa fallante, tocador fazenda, ou no
Thereza de de viola, falta um Rio de Janeiro;
Valença dente na frente, ao Sr. Albino
andar de periquito. Lucio de
Pardo, pouca Figueiredo
barba no queixo, Lima, receberá
cabellos a gratificação
emgrinhados, de 200 mil réis.
dentes limados e
pontudos.
Eulália Francisco Fazenda de Desappareceu a Quem a pegar Edição de
Gonçalves Santa sete mezes mais e levar à 01.01.1874.
Portugal Innocencia ou menos, fazenda acima
estatura regular, e será
um pouco gratificados
corcunda, olhos com a quantia
gazeos, tem uma de 100$000.
verruga ao lado do
nariz, uma brexa
velha na cabeça, é
nascida na cidade
da Parahyba do
Sul.
Benedicto José Fazenda de Côr preta, baixo e Quem o Edição de
Cordeiro do João reforçado, tem prender e levar 11.01.1874.
Couto Jacintho do bigodes e barba à dita fazenda
Couto no queixo, olhos terá 50$000 de
pequenos, andar gratificação.
miúdo.
Relação de escravos fugitivos noticiados no Jornal “O Agricultor” entre Janeiro a
Agosto de 1873 e Dezembro de 1873 a Janeiro de 1874.

297
ANEXO VIII – Trechos do Artigo sobre a Colônia de Nova Lousã

Jornal “O Agricultor”

[...] A sábia e humanitária lei de 28 de setembro de 1871, que tão profundo


golpe deu na escravidão, e que considere-se como a precursora de sua
completa emancipação deve ser acompanhada de perto, e com verdadeiro zelo
e empenho, de medidas vantajosas a bem da immigração.

- E dirigindo-me por último a alguns homes de idéias mesquinhas e


ânimos apoucados na sua maneira de verem e ajuizarem do modo porque o
europeu volta ao seu paiz com alguma fortuna, dir-lhe-hemos que elles são os
inimigos mais perigosos da causa da immigração e da prosperidade real do seu
paiz.[...]

[...] Em um ponto combinamos com o Sr. Werneck, e é na opposição por ele a


ser feita à colonização chineza, que tem sido estigmatizada pelo jornalismo
fluminense. [...]

[...] Nada podemos esperar de um povo tão estacionário, tão alheio aos
progressos da humanidade, tão supersticioso e mal educado; além de tudo
entendemos que é o nosso rigoroso dever e interesse estabelecer por uma vez
o predomínio da raça caucásica – mais inteligente, industriosa, progressiva do
que todas as outras. [...] (Jornal “O Agricultor”, de 10.04.1873)

[...] A questão que devia ocupar todos os pensadores, todos os escriptores, é


certamente a questão da colonisação; questão do futuro do Brasil, e que
necessita de tanto mais urgência, quanto mais se torna cada dia mais sensível
a falta de braços, pelo vigor com que o governo procura impedir seu infame
tráfico. É hoje que a questão da colonisação deve ser estudada com o maior
interesse por todos aqueles que amão o seu paiz, por todos aqueles que
desejão ver florescente a bella terra de Snta Cruz. [...] (Jornal “O Agricultor”, de
22.05.1873)

[...] Deverá o governo intervir na colonisação, ou deixar a solução deste


problema inteiramente entregue aos particulares? [...] (Jornal “O Agricultor”, de
25.05.1873)

298
[...] Mas não devemos deixar de lembrar também que a escolha de colonos
contribue muito para a prosperidade ou não prosperidade de uma colônia. [...]

[...] Convém pois chamar ao Brasil a emigração alemã, suissa, hollandeza, não
somente por serem filhos destas nações muito dedicadas ao trabalho, e de
costumes muito sérios, mas principalmente por serem elles os que mais se
dedicam a industria agrícola, e em mais subido grao possuem todos os
predicados de um bom agrônomo. [...]

[...] Demais, o princípio de parceiragem tem decidida vantagem sobre o


princípio de servidão, porquanto àquelle obriga o colono a empenhar todos os
seus esforços para conseguir os melhores resultados possíveis; e sendo-lhe
entregue uma propriedade que elle desde já olha como sua, elle se anima e se
consola da pátria perdida; o contrato de trabalho porém o rebaixa, ainda
mesmo que os seus resultados pecuniários fossem mais vantajosos, e assim o
desanima e desmoralisa. Todo o homem aspira a liberdade, e a dependência
que elle muitas vezes aceita é somente um meio para por ella se tornar livre. É
pois mui natural que quanto mais nos attingimos a essa liberdade, mais
satisfazemos a sua índole, mais o animamos para vencer todos os obstáculos,
para affrontar todos os perigos tornando-o apto para todos os progressos; e
portanto mais contribuímos para a sua moralisação. Além disto o princípio de
parceiragem tem outra decidida vantagem sobre o princípio de servidão, pois
que tem por fim crear um núcleo de colonisação, em que na mor parte das
vezes se reúnem muitas famílias, todas aparentadas entre si, conseguindo por
este meio maior estabilidade e mais segurança para os próprios colonos e suas
propriedades, no entanto que contractados como trabalhadores, os homens se
dispensão facilmente e assim com mais facilidade preparão a sua própria ruína.
[...] (Jornal “O Agricultor”, de 29.05.1873)

Systema de parceria

[...] Todos os que tem combatido a colonização para o Brazil tem dirigido os
seus principaes ataques contra o systema de parceria, como querendo achar
nelle as causas principaes que possão ter contribuido para o pouco
desenvolvimento da colonisação, sustentando sempre ser este methodo o mais
apto a escravisar os colonos, que chegassem ao Brazil. É pois o nosso fim

299
combater essas idéias, por estarmos convencidos que são ellas inteiramente
errôneas. [...] (Jornal “O Agricultor”, de 19.06.1873)

Colônia

[...] Em S. Paulo, no município de Campinas, o Sr. J. M. de Almeida Barbosa


estabeleceu na sua fazenda do Bom fim, uma colônia agrícola, com o sistema
de salário, seguindo na colônia Nova Louzã, com muito sucesso. [...] (Jornal “O
Agricultor”, de 06.07.1873)

300
ANEXO IX – Relação dos Escravos Declarados Livres da Fazenda de
Cantagalo
O Barão de Entre Rios, morador neste município, communica; a essa
Collectoria, na qualidade de Primeiro Testamenteiro de sua fallecida
irmã a Condessa do Rio Novo que, por testamento desta, aberto em 8
de julho de 1882 forão declarados livres todos os seus escravos
constantes da relação abaixo.
A Saber:

Nº de Nomes Cor Idade Estado Naturalidade Profissão


Matrícula
2.232 Fernando Parda 31 anos Solteiro Rio de Carpinteiro
Janeiro
2.236 Lino Preta 33 anos “ “ “
2.242 Vicente Parda 43 anos “ Ceará “
2.253 Cândido “ 29 anos “ Rio de Lavoura
Janeiro
2.262 Evaristo Preta 28 anos “ “ “
2.263 Firmo “ 30 anos “ “ “
2.264 Florenço “ 40 anos “ “ “
2.273 Izac “ 25 anos “ “ “
2.275 Januário “ 53 anos “ África “
2.277 João “ 54 anos “ “ “
2.279 João “ 33 anos “ Bahia “
Francisco
2.283 José “ 49 anos “ Minas “
Creoulo
2.302 Reginaldo “ 33 anos “ Rio de “
Janeiro
2.306 Simeão “ 65 anos “ África “
2.308 Sérgio “ 57 anos “ “ “
2.310 Thiago “ 25 anos “ Rio de “
Janeiro
2.312 Valeriano Parda 25 anos “ “ “
2.315 Vidal Preta 46 anos “ “ “
2.322 Prudêncio Parda 21 anos “ “ “
2.324 Bernardino “ 19 anos “ “ “
2.325 Augusto Preta 18 anos “ “ “
2.326 Januário “ 18 anos “ “ “
2.331 José “ 15 anos “ “ “
6.543 Joanna “ 50 anos Solteira “ Serv.
Doméstico
6.545 Camilla Parda 36 anos “ “ “
6.546 Natharia “ 29 anos “ “ “
6.549 Cândida Preta 18 anos “ “ “
6.551 Simplício “ 57 anos “ Minas “
6.553 Theodora Parda 25 anos “ “ “
6.554 Perciliana Parda 23 anos Solteira Minas Serv.
Doméstico
6.555 Petronilha “ 21 anos “ Rio de Lavoura
Janeiro
6.556 Marcelina “ 52 anos “ África “
6.557 Idalina “ 32 anos “ Rio de “
Janeiro
6.559 Severiana Parda 34 anos “ “ “
6.562 Gertrudes “ 60 anos Viúva África “
6.561 Sebastiana Parda 42 anos Casada Rio de Lavoura

301
Janeiro
6.563 Ignácia Parda 52 anos Casada África Lavoura
6.564 Fortunata Preta 39 anos “ Rio de “
Janeiro
6.565 Maria “ 32 anos Solteira Minas “
6.566 Rita “ 34 anos “ Rio de “
Janeiro
6.567 Francelina “ 45 anos “ “ “
6.569 Anastácia “ 35 anos “ “ “
6.571 Domingas “ 39 anos “ “ “
6.572 Luiza Maria Parda 40 anos Casada “ “
6.573 Alexandrina Preta 30 anos Solteira “ “
6.574 Jeronyma “ 28 anos “ “ “
6.575 Amália “ 60 anos “ “ “
6.576 Felicidade “ 34 anos “ “ “
6.577 Custódia “ 33 anos “ “ “
6.578 Carolina “ 50 anos Casada África “
6.583 Laurinda “ 35 anos Solteira Rio de “
Janeiro
6.584 Ludugena “ 28 anos “ “ “
6.585 Carlota “ 29 anos “ “ “
6.586 Anna “ 47 anos Casada “ “
6.587 Perpétua “ 52 anos Solteira África “
6.588 Luzia “ 60 anos Casada “ “
6.589 Anninha “ 37 anos Solteira Rio de “
Janeiro
6.590 Brígida “ 54 anos “ África “
6.591 Felisberta “ 56 anos Casada “ “
6.592 Faustina “ 53 anos Solteira “ Serv.
Doméstico
6.593 Bonna “ 25 anos “ Rio de Lavoura
Janeiro
6.595 Carlota “ 32 anos “ “ “
6.596 Dorothéa “ 50 anos “ África “
6.597 Eva “ 40 anos “ Rio de “
Janeiro
6.598 Albana “ 55 anos “ África “
6.599 Rozaria “ 33 anos “ Rio de “
Janeiro
6.600 Luiza “ 60 anos Casada “ “
6.602 Claudina “ 50 anos Solteira “ “
6.603 Leocádia “ 37 anos “ “ “
6.605 Izidora “ 32 anos “ “ “
6.606 Maria “ 33 anos “ “ “
Felicidade
6.607 Antonia “ 29 anos “ “ “
6.608 Fausta “ 50 anos “ África “
6.609 Joanna “ 22 anos “ Rio de “
Janeiro
6.610 Hortencia Preta 20 anos Solteira “ Lavoura
6.611 Luminata Preta 23 anos Solteira Rio de Lavoura
Janeiro
6.612 Perciliana “ 23 anos “ “ “
6.613 Guilhermina “ 20 anos “ “ “
6.614 Bárbara Parda 20 anos “ “ “
6.615 Cecília “ 17 anos “ “ “
6.616 Felisberta Preta 14 anos “ “ “
6.617 Paulina “ 14 anos “ “ “

302
6.620 Simphronia Preta 11 anos Solteira Rio de Lavoura
Janeiro
6.624 Ângela Preta 51 anos Solteira “ Lavoura
6.627 João “ 48 anos Solteiro África Feitor
6.628 João “ 50 anos “ Rio de “
Janeiro
6.629 José Parda 41 anos “ “ Carpinteiro
6.630 Manoel “ 46 anos “ “ Cocheiro
6.631 Luiz “ 43 anos “ Maranhão Carpinteiro
6.632 Martinho Preta 49 anos “ “ “
6.634 Serafim “ 52 anos “ Rio de Pedreiro
Janeiro
6.635 Firmo “ 55 anos Casado África “

6.636 Manoel “ 60 anos Solteiro “ “


6.637 Miguel “ 48 anos “ Bahia “
6.638 Vicente “ 70 anos Casado África “
6.640 Luiz Parda 37 anos Solteiro Maranhão Cozinheiro
6.641 Rufino Preta 40 anos “ Rio de Lavoura
Janeiro
6.645 Mamede “ 31 anos “ Maranhão “
6.646 Martinho “ 52 anos Casado África “
6.650 Domingos “ 53 anos “ “ “
6.651 Marcelino Parda 50 anos Solteiro “ “
6.653 Florêncio Preta 32 anos “ Rio de “
Janeiro
6.654 Justiniano “ 32 anos “ “ “
6.655 Mathias Parda 54 anos “ Minas “
6.656 Alexandre Preta 72 anos Casado África “
6.657 Manoel “ 40 anos Solteiro Bahia “
6.659 Matheus “ 40 anos “ Maranhão “
6.660 Germano “ 50 anos “ África “
6.661 Torquato “ 50 anos Casado “ “
6.663 Braz “ 51 anos Solteiro “ “
6.664 Demetrio “ 52 anos “ “ “
6.666 Sebastião “ 30 anos “ Maranhão “
6.667 Izidro “ 53 anos “ África “
6.668 Faustino “ 42 anos “ “ “
6.669 Egydio “ 50 anos Casado “ “
6.670 Modesto “ 62 anos Solteiro “ “
6.671 Paulino “ 50 anos “ “ “
6.672 Henrique “ 21 anos “ Maranhão “
6.673 Casemiro “ 35 anos “ “ “
6.674 Aleixo “ 52 anos “ África Carreiro
6.675 Manoel da “ 40 anos “ Maranhão Lavoura
Costa
6.676 Simão “ 70 anos “ África “
6.678 Tito “ 44 anos “ Bahia “
6.679 Sérgio Preta 51 anos Solteiro África Lavoura
6.681 Lino “ 58 anos “ “ “
6.683 Serafim Preta 50 anos Solteiro África Lavoura
6.684 Ernesto “ 32 anos “ Maranhão “
6.685 Olegário “ 56 anos Casado África “
6.686 João “ 50 anos Solteiro “ “
6.687 Thiburcio “ 50 anos “ “ “
6.688 Manoel Parda 40 anos “ “ “
Barboza
6.689 Gregório(f) Preta 70 anos “ “ “

303
6.690 Anacleto Preta 37 anos Solteiro Rio de Lavoura
Janeiro
6.691 Felício Preta 71 anos Solteiro África Lavoura
6.693 Adão “ 31 anos “ Rio de “
Janeiro
6.694 José Pires “ 48 anos “ Bahia “
6.695 Luiz Catrais “ 53 anos “ África “
6.696 Manoel “ 30 anos “ Rio de “
Janeiro
6.697 Thimoteo “ 26 anos “ “ “
6.698 Venâncio “ 26 anos “ Bahia “
6.699 Salomão “ 25 anos “ Maranhão “
6.700 Bernardino Parda 28 anos ‘ Rio de “
Janeiro
6.701 Firmino Preta 24 anos “ Bahia “
6.702 Affonso “ 26 anos “ Rio de “
Janeiro
6.711 Alfredo “ 22 anos “ “ “
6.712 Pacomio “ 22 anos “ “ “
6.713 Romão “ 23 anos “ “ “
6.715 Roque “ 23 anos “ “ “
6.716 Eleodoro Parda 20 anos “ “ “
6.717 Procópio Preta 19 anos “ “ “
6.718 Feliciano Parda 17 anos “ “ “
6.719 Emygdio “ 15 anos “ “ “
6.720 Ladislao “ 13 anos “ “ “
6.722 Jenoviano “ 11 anos “ “ “
6.723 Anfrisio “ 12 anos “ “ “
6.724 Leandro Preta 11 anos “ “ “
6.726 Euzébio “ 32 anos “ “ “
6.727 Luiz “ 70 anos “ “ “
13.864 Luiz “ 65 anos “ Minas “
Creoulo
13.865 Antonia Parda 34 anos “ “ Serv.
Doméstico
13.866 Luiza Preta 30 anos “ “ Lavoura
13.867 Maria “ 35 anos “ Rio de “
Beatriz Janeiro
6.581 Cherubina Parda 24 anos “ Minas “
95 Joaquim “ 29 anos “ - “
1.026 Amâncio “ 28 anos “ - “
750 Benedicto Preta 26 anos “ - “
373 Roque Cabra 22 anos “ - “
946 Epifanio Parda 21 anos “ - “
709 Benedicto “ 18 anos “ Creoulo “
146 Venceslao Cabra 18 anos “ “ “
192 Joaquim “ 17 anos “ Ceará “
561 Mathias Parda 17 anos “ Paraíba do “
Norte
311 Cyriaco Pardo 16 anos Solteiro “ Lavoura
332 José Cabra 17 anos Solteiro Paraíba do Lavoura
Norte
17.843 Antonio Preta 29 anos “ Creoulo “
13.113 Maurício Parda 17 anos “ “ Cozinheiro
2.362 Bernarda Preta 46 anos “ África Lavoura
2.379 Felizarda “ 53 anos “ “ Cozinheira
2.389 Hortência “ 23 anos “ Rio de Lavoura
Janeiro

304
2.395 Laurinda “ 49 anos Solteira África “
2.396 Lourença Preta 50 anos “ África Lavoura
2.398 Luiza “ 54 anos “ “ Engomadeira
2.403 Maximiana “ 51 anos “ Rio de Lavoura
Janeiro
2.405 Minelvina “ 21 anos “ “ “
2.409 Perpétua “ 50 anos “ África Lavoura
2.412 Pacífica Parda 23 anos “ Rio de “
Janeiro
2.415 Roza Preta 49 anos “ África “
2.424 Theodora “ 21 anos “ Rio de “
Janeiro
2.425 Flauzina Parda 26 anos “ “ “
2.443 Felisbina Preta 10 anos “ “ “
2.444 Maria Parda 10 anos “ “ “
Salomé
18.183 Affonso Preta 38 anos “ Bahia Alfaiate
479 Guilherme Parda 35 anos “ Minas Cozinheiro
8.933 Francisco Preta 50 anos “ De Nação Lavoura
Fonte: Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho, Condessa do Rio
Novo.

305
ANEXO X – Relação dos Ingênuos da Fazenda de Cantagalo

Declara mais que pela irmã finada forão declarados livres os


ingênuos constantes da relação abaixo:
A Saber:

Nº de Matrícula Nomes Cor Data da Filiação


Matrícula
121 Virginio Parda 26.04.1872 Joaquina (falec)
710 Frederico Parda 11.12.1872 Fausta 6.608
786 Ernesto “ 01.02.1873 Antonia 13.865
874 Lucrécia Preta 22.03.1873 Severiana 6.559
921 Marcos Parda 10.04.1873 Maria Felicid.
6.606
1.198 Mª Julieta Preta 14.08.1873 Sebastiana
(falec.)
1.473 Amélia Preta 14.01.1874 Carlota 6.585
1.602 Eugenio Parda 09.03.1874 Antonia 6.607
1.707 Norberto “ 29.04.1874 Florência
(falec.)
1.997 Rozalina Preta 30.09.1874 Mª Beatriz
13.867
2.198 Benjamim Parda 26.01.1875 Theodora 6.553
2.199 Oscar Preta “ Rita 6.566
2.684 Leonor Parda 08.11.1875 Severina 6.559
3.357 Andreza Preta 09.02.1877 Sebastiana
(falec.)
3.606 Virgilio Parda 07.07.1877 Luiza Mª 6.572
3.607 Octavio Preta 07.07.1877 Hortência 2.389
3.688 Albertina “ 20.08.1877 Rita 6.565
2.142 Randolpho “ 10.07.1878 Severiana 6.559
4.319 Mariano Parda 29.11.1878 Natharia 6.546
4.459 Eleutério Parda 18.03.1879 Ludugena 6.584
4.462 Balbina Preta “ Mª Beatriz
13.867
4.945 Agostinho Parda 03.01.1880 Luiza 13.866
4.946 Verônica “ “ Custódia 6.577
4.947 Cornélia “ “ Theodora 2.424
5.105 Aurora Preta 03.05.1880 Mª Felicid. 6.606
5.184 Bernardina “ 10.06.1880 Rita 6.566
5.185 Palmira “ “ Hortência 2.389
5.375 Olímpio “ 14.10.1880 Severiana 6.560
5.473 Celina “ 30.12.1880 Minelvina 2.405
5.506 Lydia Parda 21.01.1881 Natharia 6.546
5.623 Appolonia Preta 24.03.1881 Guilherm. 6.613
5.625 Alberto “ “ Hortência 6.610
5.940 Lourença “ 21.08.1881 Alexandr. 6.573
6.015 Ephigenia “ 12.10.1881 Perciliana 6.612
6.132 Crospim “ 21.12.1881 Bárbara 6.614
6.176 Cyrillo “ 08.02.1882 Luiza 13.866
6.245 Sancho “ 28.03.1882 Antonia 6.607
6.246 Emilia “ 28.03.1882 Petronª 6.555
6.295 Lucinda “ 20.04.1882 Ludugena 6.584
6.454 Primo Parda 29.07.1882 Cherubina 6.581
6.455 Marcos Preta “ Theodora 2.424
6.456 Magdalena “ “ Bonna 6.593
Fonte: Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho, Condessa do Rio
Novo.

306
ANEXO XI – Relações do acrescentamento dos Ingênuos; dos Escravos
Libertados; dos Escravos Falecidos; e dos Ingênuos Falecidos da Fazenda de
Cantagalo

O Barão de Entre-Rios, morador neste Termo, communica a essa


Collectoria na qualidade de inventariante e testamenteiro de sua
finada irmã a Condessa do Rio Novo, e em additamento de notas já
apresentadas, que pela mesma finada em seu testamento aberto em
8 de julho de 1882 forão declaradas libertas diversas escravas as
quaes acompanharão os ingênuos seguintes:

Nº de Matrícula Nomes Cor Data da Filiação


matrícula
171 Maria Luiza Parda 27.04.1872 Elisa 2.373
1.123 Amélia “ 18.07.1873 Pacífica 2.412
1.530 Idalina Preta 09.02.1874 Minelvina 2.405
5.688 Roberto “ 04.05.1881 Fortunata 4.564
Relação do acrescentamento dos ingênuos
Fonte: Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho, Condessa do Rio
Novo.

O Barão de Entre-Rios morador neste Termo, communica a essa


Collectoria na qualidade de inventariante e testamenteiro de sua
finada irmã a Condessa do Rio Novo, e em additamento as notas já
apresentadas, que pela mesma finada forão também declarados
livres em seu testamento aberto em 8 de julho de 1882 os escravos
seguintes:

Nº de Nomes Cor Idade Estado Profissão


Matrícula
45.911 Violeta Parda 43 anos Solteira Serv.
Domést.
2.292 Marcos Preta 62 anos “ Roceiro
2.408 Paulina “ 70 anos “ Serv.
Domést.
6.550 Maria “ 15 anos “ Roceira
Relação do acrescentamento dos escravos libertados
Fonte: Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho, Condessa do Rio
Novo.

Nº de Nomes Cor Idade Estado Profissão Falecimento


Matrícula
2.265 Florentino Preta 65 Solteiro Foronigº 10.08.1879
6.560 Joaquina “ 54 Casada Roceira 09.05.1878
6.643 Gregório Preta 50 Solteira “ 08.09.1878
Relação dos escravos falecidos
Fonte: Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho, Condessa do Rio
Novo.

307
Nº de Nomes Cor Data da Filiação Falecimento
Matrícula Matrícula
120 Caridade Preta 26.04.1872 Rita 6.566 07.10.1875
3.033 Máximo Parda 30.06.1876 Joaquina 06.08.1877
6.582
4.948 Sabino Preta 03.01.1880 Sebastiana 10.01.1881
6.570
5.104 Thomaz “ 03.05.1880 Felicidade 30.03.1881
6.576
5.183 Antonio Parda 10.06.1880 Perciliana 14.12.1880
6.554
Relação dos ingênuos falecidos
Fonte: Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho, Condessa do Rio
Novo.

308
ANEXO XII – Nota do Jornal “Gazeta de Notícias”

Jornal “Gazeta de Notícias”

Todo o Brasil recorda-se do testamento com que faleceu em Londres a


Condessa do Rio Novo, e no qual, entre pios legados, deixou à Irmandade de
Nossa Senhora da Piedade da Paraíba do Sul, além de 108 apólices de valor
nominal de 1:000$000 (um conto de réis) cada uma, com a condição de manter
um hospital e custear uma capela, a fazenda denominada Cantagalo para ser
cultivada, mediante sistema de parceria, pelos 200 escravos que a benemérita
doadora beneficiou com alforria gratuita.
A antiga fazenda é hoje colônia de Cantagalo situada a três quilômetros da
Estação de Entre-Rios da ferrovia D. Pedro II, acha-se convenientemente
aparelhada para preparo de café, possuindo maquinismos, serrarias, terreiros
cimentados e outros melhoramentos.
Dirigida habilmente, em nome da Irmandade, pelo Sr. Dr. Manuel Ribeiro do
Val, foi dividida em lotes coloniais, onde se acham colocados cerca de 180 dos
antigos escravos e seus descendentes, em número de 40, ocupando cada
família um lote, maior ou menor, segundo o número de pessoas que as
constituem. Cada família possui casa e cafezal tendo a Irmandade fornecido,
para a construção daquelas, os materiais necessários.
Pouco mais de 20 dos antigos escravos deixaram o estabelecimento,
preferindo gozar de sua liberdade em outros pontos, onde se empregaram
como operários de várias profissões. Não consta de nenhum que se haja dado
à vida desordenada, fugindo do trabalho.
Os 180 libertos de Cantagalo cultivam café, cujo produto repartem com a
administração e plantam cereais de que gozam exclusivamente. Começaram a
plantar cana devendo a Irmandade logo que as plantações atinjam certo nível,
colocar na colônia aparelhos para fabricação de açúcar e aguardente. Os
libertos acabam de recolher a sua primeira safra, que se acha avaliada em 50
quilogramas de café, sendo ainda impossível, por se achar em reparte do
gênero, determinar o quantum do lucro geral que terá de ser dividido entre a
administração e os libertos, proporcionalmente à produção de cada família.

309
O sistema de parceria, assim organizado, dá os melhores frutos. Os libertos
têm-se mostrado dedicados ao trabalho e muito disciplinados, honrando a sua
nova condição. Não há notícia de delito perpetuado na colônia, nem queixa
contra a lisura com que os antigos escravos têm vindo trazer à sede do
estabelecimento o café que colhem.
Segundo a vontade da doadora, fundou a Irmandade nas casas da fazenda um
hospital para os antigos escravos e quaisquer pessoas pobres.
Este estabelecimento cujo serviço médico se acha a cargo do Sr. Dr. Joaquim
Dias da Rocha, conta agora 21 doentes. [...] (30.10.1882, p. 2; JORGE, 2012,
p. 93 a 95)

310
ANEXO XIII – Boletim nº 3 da Sociedade Central de Imigração - RJ

A Colônia de Nª Sª da Piedade

Esta colônia compõe-se exclusivamente dos ex-escravos da falecida


Condessa do Rio Novo, que os deixou livres e doou-lhes condicionalmente
(*)as terras de sua fazenda de Cantagallo, em Entre-Rios, no município da
Parahyba do Sul, para serem divididas entre elles, ao mesmo tempo que
deixou à Irmandade de N. S. da Piedade, cuja sede se acha na Parahyba do
Sul, outras porções de terras e os edifícios principaes do estabelecimento e
todos os instrumentos destinados ao benefício ou tratamento industrial dos
productos da lavoura, com a condição de ahi serem sempre beneficiados os
produtos dos colonos, mediante meação do café, que deve ser todo ahi
beneficiado. É das terras legadas à irmandade, e não das da colônia dos
libertos, que trataremos, nos occupando das terras para a fixação de
immigrantes, no correr deste relatório, sendo estas terras contíguas às dos
libertos.
(*) Em um trabalho especial sobre differentes modos de obter-se terras para o
colono, buscaremos discutir o assumpto a fundo, desde a propriedade absoluta
do lote até o usofructo ex-fidei commissa, de maneira a bem orientar o
immigrante.
1º - Consta a colônia de 30 lotes de terra, cada lote contendo um grupo natural
de uma família e adherentes, prefazendo o número total de colonos de ambos
os sexos e de todas as idades pouco mais de duzentas pessoas (o número
exacto será em breve dada por um arrolamento que muito recommendamos à
administração da colônia). O número de libertos da Condessa do Rio Novo era
de 190 adultos e de perto de 40 ingênuos e menores. O facto de não podermos
agora precisar as unidades que excedem de 200 pessoas habitantes da
colônia, acha-se nos recentes nascimentos e no número ainda indeterminado
de ingênuos, porquanto o número exacto dos libertos de ambos os sexos,
actualmente residentes na colônia, podemos dar, sendo estes 170. Entre elles
se contam 70 casaes matrimoniaes, estabelecidos em suas respectivas
habitações independentes, tendo-se ido os outros restantes colonos, segundo
as tendências naturaes de família, de affeições ou de interesses, agregar a
esses núcleos.
311
Afora esses libertos, fixados ao solo da colônia como cultivadores,
existem ainda 4 libertos homens e uma mulher (por doente, imprópria ao
serviço agrícola), que se acham ao serviço da irmandade, no estabelecimento
central da administração.
Nos lotes o agrupamento dos colonos foi feito, conforme eram crioulos e
africanos, como facto geral: no mais seguem elles a gravidade social por
famílias, affeições e interesses mútuos, em geral em cada lote, tendo elles por
isso edificado ou só uma ou mais de uma casa.
2º - Desde a libertação dos escravos da Condessa do Rio Novo até hoje
falleceram sete indivíduos de ambos os sexos e de diversas idades. De entre
os libertos retiraram-se logo após a recepção de sua liberdade 8 indivíduos,
todos do sexo masculino, e estes foram somente dos que tinham offícios e que
preferiram exercel-os fora da colônia, como mais rendosos. Foi interesse e não
outro motivo que os fez emigrar.
Elles eram carapinas, ferreiros, pedreiros e cosinheiros. Estes retirantes
deixaram de obter lotes na colônia, de harmonia com as disposições
testamentárias, de sorte que em qualquer tempo que tenham de voltar à
colônia, não têm direito a lotes de terras.
Não obstante, já se tem dado o facto significativo de volta de alguns
d’esses libertos reclamando sua fixação na colônia e ainda no dia de nossa
estada ali, um d’elles, que retirou-se para exercer o offício de cozinheiro em
casa do Sr. Visconde de Entre-Rios, voltando casado à colônia, instava pela
obtenção de um lote de terra para fixar-se como lavrador, ahi querendo edificar
sua casa e estabelecer sua família, composta apenas de sua esposa e de um
filhinho.
Ainda convém notar que 8 dos libertos, permanecentes na colônia, tendo
ofícios diversos, exercem estes temporariamente fora, attrahidos pelo maior
interesse que isso lhes faz, não obstante serem proprietários de lotes de terras,
onde se acham estabelecidos com suas famílias, lotes que elles
alternativamente cultivam nos intervallos dos exercícios exterior de sua
profissão mecânica, notando-se que alguns d’elles pagam a trabalhadores da
colônia ou mesmo a trabalhadores livres e até brancos de fora para
beneficiarem seus cafesaes e roças durante sua laboriosa e interesseira
ausência.

312
Por estes factos fidedignos, se evidenciará que estamos na Colônia de
N. S. da Piedade um pouco longe das prophecias apocalypticas, que sempre
precedem as reformas profundas.
3º - Não se queixa a administração da colônia de que um único dos libertos
haja sonegado sequer, quanto mais roubado um grão de café, que elles
colhem, e que devem levar ao benefício industrial. Não se queixam os próprios
libertos uns dos outros, da subtracção de objetos de seu uso, de seu cultivo ou
de instrumentos de seu trabalho. Não se queixa nenhum visinho, nem ninguém
da povoação, quer habitante fixo, quer viajante, de que os libertos da colônia
tenham retirado objectos alheios, nem os viajantes se podem queixar de que
elles lhes peçam cousa alguma, e menos que se entreguem à mendicidade nas
ruas e estradas, ou em iludir alguém com trapaças ou armadilhas à boa fé.
Quando visitamos a colônia, os homens achavam-se pela maior parte,
nos trabalhos do campo e as mulheres em casa, occupando-se dos filhos e da
sua economia doméstica, rudimentar e mais que modesta ainda.
Penetramos em algumas habitações e reconhecemos o contentamento
dos colonos por sua nova condição, mas todos se queixavam do que todos se
queixam...da escassez de meios para realizarem seus desejos de
melhoramentos.
Antes da libertação e da constituição da colônia, apezar da extrema
bondade da Condessa do Rio Novo, só havia 8 casaes legítimos na fazenda;
depois, porém de 20 de janeiro de 1883 até hoje, dentro de espaço de um
anno, ou desde a épocha em que foi constituída a colônia, realisaram-se mais
62 casamentos, a mor parte logo após a constituição da colônia, prefazendo ao
todo 70 casamentos, ficando portanto a maioria dos colonos constituída em
famílias legaes e legitimando assim seus filhos aqueles que já os tinham antes
do casamento.
A influência da constituição da família entre elles tem operado em todo
sentido, do modo mais animador e salutar. Seu modo de tratar com o director e
com as pessoas estranhas à colônia é todo cheio de respeito.
No domingo, após o dia da nossa visita à colônia, tivemos occasião de
ver muitos colonos limpos e satisfeitos.
Convém notar-se que a colônia de N. S. da Piedade passou já por uma
phase muito desagradável, e que poderia comprometer o seu futuro.

313
É que desde a leitura do testamento da benemérita Condessa do Rio
Novo, que libertou seus escravos, até o dia 20 de janeiro de 1883, em que se
fundou a colônia, mediaram alguns mezes durante os quaes desorganisou-se o
antigo serviço, isto é, não havia nenhum plano seguido, e após os quaes, como
durante elles, se não fora a boa índole dos negros e a philantrópica e
previdente attitude da Irmandade de N. S. da Piedade, poderia ficar para
sempre comprometido esse núcleo de colonização racional, laboriosa e
honesta.
4º - A área occupada pelas plantações dos colonos é de 110 alqueires
geométricos, mais ou menos, ou 1.100.000 braças quadradas, 5.324.000 m² ou
53.240 hectares.
As plantações constam:
1º - de cafesaes de 2 até 25 annos; sendo a maior parte novos; é o producto
industrial principal, a base da producção da colônia, producto que é beneficiado
no estabelecimento central da irmandade, que para a colônia representa o
papel de um engenho central. Sobe ahi a plantação a 500.000 pés de café.
2º - A canna. No ano passado, a plantação de canna foi de 4 carradas. Neste
anno plantaram mais de 10 carradas de canna, para com aquelas servirem de
sementes, obtendo-se com muitas dificuldades essas sementes nas fazendas
da visinhança.
3º - O milho. É este o cereal preferido pelos colonos. É a base de sua
alimentação e de seus animaes. Sua plantação tem attingido a um
desenvolvimento, que nunca teve antes da emancipação. Outr’ora não excedia
de 40 alqueires o milho: no anno passado, o primeiro da colônia, plantaram-se
70 alqueires, e neste ano sobe a plantação a 110 alqueires. Todo o milho é
producto do colono, não tendo ele de dividir cousa alguma com a administração
nessa colheita; o mesmo dá-se com os demais productos, excepto o café. O
enorme desenvolvimento dado a essa cultura mostra bem, tendo-se em vista
isto, quanto o liberto é susceptível de interessar-se na cultura.
4º - Feijão. A cultura do feijão era quase nulla, antes da fundação da colônia,
sendo essa leguminosa importada então; no anno passado, o 1º da colônia,
plantaram-se porém 40 alqueires, e neste anno, devendo em breve começar a
épocha do seu plantio, vai a administração adiantar aos colonos 80 alqueires,

314
de modo que por ahi vai triplicar a área plantada de leguminosas, incluindo a
área já plantada no anno passado.
5º - O amendoim, o arroz, a mandioca, a batata, o inhame, a banana. Tudo isso
começou a ser plantado em certa escala depois da fundação da colônia, e é
destinado ao consumo dos colonos e seus animaes.
O tratamento que elles dão às plantações é bom; os cafezaes acham-se
limpos e capinados, mormente os cafezaes novos, que verificamos estarem
muito bem tratados. Entre as plantas de café, acha-se plantada grande
quantidade de milho, em cujos intervallos eles plantam o feijão, não plantando
este nos cafezaes, pelos inconvenientes conhecidos na lavoura. Por entre os
cafezaes, na orla do caminho, abundam as laranjeiras. A estrada que percorre
a colônia está mantida no melhor estado, e vai desembocar na da União e
Indústria, em Entre-Rios.
6º - A colônia contém 58 casas, feitas todas pelos colonos, depois de sua
libertação e da constituição da colônia, isto é, de 20 de janeiro de 1883, ou há
um anno exacto.
Estas casas não se acham todas juntas, constituindo um povoado único,
separadas umas das outras e independentes. Elas acham-se de preferência
dentro dos diversos lotes de terra.
Além d’essas casas especiais dos colonos, e por elles feitas, devemos
mencionar 2 casas maiores, já existentes antes da libertação, uma chamada
Sítio e outra, Sant’Anna, constando de 14 lances; ambas são cobertas de
telhas, e ahi moram algumas famílias dos colonos.
Das 58 casas, 11 são cobertas de telhas, e apresentam já certa
comodidade relativa, todas possuindo portas e janellas, a mor parte com
caixilhos e entre ellas já havendo umas duas com portas e janellas pintadas, e
alguns quartos assoalhados. (continua) (Boletins da Sociedade Central de
Imigração. RJ – Boletim nº 3, 1884)

315
ANEXO XIV – Nota do Jornal “O Provinciano”

Jornal “O Provinciano”

[...] Os libertos que formam a Colônia Agrícola sita em Entre-Rios não tem
procedido como era de esperar de homens a quem sua ex-senhora, a
Condessa do Rio Novo, ao par da liberdade que lhes concedeu, outorgou
benefícios e auxílios de diversas ordens.
Além de não haverem entregue, em o ano passado, com lisura a
quota de café destinada em testamento pela Condessa à Irmandade, a fim de
cumprir esta instituição os ônus das disposições testamentárias, terem
devastado as matas, retirando e vendendo madeiras e lenha, que tudo é
propriedade da dita Irmandade. Mais ainda: há dias compareceram perante a
Mesa administrativa e Conselho que funcionavam em sessão e declararam que
estavam dispostos a apoderarem-se das matas e a não entregar este ano a
parte do café pertencente a instituição pia.
Esta intimidação feita tumultuariamente em massa, esta declaração
que imporia a confissão premeditada de um crime contra a propriedade, prova
a evidência à insubordinação dos colonos e uma ousadia, que será funesta, se
providências acertadas se demorarem...Há um perigo público que convém
debelar, já e já... (09.05.1885, p. 2; JORGE, 2012, p. 96-97)

316
ANEXO XV – Nota do Jornal “O Provinciano”

PARAÍBA DO SUL À S.M. O IMPERADOR E AO SR MINISTRO DA JUSTIÇA

O Provinciano, jornal que se publica nesta cidade, afetando isenção


de quem nada tem com o negócio, anda a reclamar da mesa regedora da
Irmandade de N. S. da Piedade, e das autoridades do termo, providências
contra os colonos da fazenda de Cantagalo, ex-escravos da Condessa do Rio
Novo, que no dizer daquela folha, já por duas vezes têm aparecido nesta
cidade em massa turbulenta ameaçando a tranqüilidade pública. Aqui, na
cidade e em todo o município, a ninguém enganou as manobras daquele jornal,
que tem como seu principal redator, ou inspirador, o indivíduo, que, por suas
malversações na gerência da colônia, tem dado causa, não a atos de
turbulência, como adrede se quer inculcar, mas às reclamações enérgicas
porém pacíficas, que por duas vezes têm vindo os ex-escravos da Condessa
do Rio Novo produzir perante a mesa da Irmandade e o digno presidente da
Câmara Municipal. Duas vezes têm vindo a esta cidade aqueles colonos, e em
número crescido; de tal modo se comportaram que sua estada na cidade
passou inteiramente desapercebida. Só o Provinciano se lembrou de imputar-
lhes desordens e turbulência, e até atitude insolente perante o Dr. Juiz de
Direito. A verdade conhecida e notória, sabida de todos, é que os pobres
negrinhos tem carradas de razão. Pelo testamento da Condessa do Rio Novo,
o café da fazenda deve ser vendido e o produto dividido entre a Irmandade e
os colonos. Ora, os pobres pretos não têm recebido o seu dinheiro, e, com o
melhor dos direitos possíveis, por ele procuram. É este simplesmente o objeto
de suas reclamações pacíficas posto que enérgicas, as quais se quer dar cores
de turbulência para aparar o golpe e burlar a opinião pública, justamente
indignada contra a atrevida espoliação. O Provinciano obedece ao
pensamento, ao plano dos redatores, os mesmíssimos interessados em abafar
a voz das vítimas.(...) Os colonos não desrespeitaram ao Juiz de Direito,
cremos que nem sequer foram procurá-lo. Eles sabem, certamente, como
todos no município, aquele magistrado é cúmplice em tudo isso, pela inércia
com que se recusa a cumprir o dever que lhe impõe a lei, de fiscalizar a
Irmandade e fazer cumprir as disposições testamentárias dos beneficiados da
Casa de Caridade.(...) Quem conhece o administrador da colônia sabe de que

317
ele é capaz. Não é portanto de admirar o que sucede aos pobres pretinhos. (...)
Indague o Governo destas coisas, e sobretudo lance suas vistas paternais
sobre os pobres libertos. S.M. o Imperador, o protetor dos fracos e dos
oprimidos. Estes têm sido vítimas de tremenda espoliação. Dos livros da
secretaria da Irmandade não constam que se lhes tenha dado a parte dos
lucros da fazenda que lhes pertence, até o momento em que reclamaram. Só
agora, consta, que aterrados e receosos da energia com que os colonos gritam
e denunciam a espoliação que sofrem, o advogado e seu fiel consórcio, o
administrador da colônia, si et in quantum, ordem para dar-se-lhes todo o
dinheiro existente na tesouraria da Irmandade, a fim de pagarem alguma coisa
aos colonos, com a finalidade de assim abafar-lhes a grita. Não foi porém o
dinheiro do café; este de há muito nutrem as roletas desta cidade. Acervo
Roberval Bezerra de Menezes – Titulares do Império – IHGB (JORGE, 2012, p.
97 a 99)

318
ANEXO XVI - Ata da Câmara Municipal de Paraíba do Sul, 26 de junho de
1892

[...] Sr. Presidente communicou [...] 3º ) que em relação a mesa administrativa


da Irmandade de N. S. da Piedade ocorrião dosi factos sobre os quais
chamava a attenção da Câmara para deliberar como julgasse mais acertado.
Declarou que na ocasião em que era Presidente da Intendência em 1890 teve
de ordenar ao Procurador para requerer manutenção de posse de terrenos
pertencentes a municipalidade e que a mesa da Irmandade havia invadido
mandando cercar dizendo-se autorisado a isso. [...] Declarou mais o Sr.
Presidente que contrapondo para o qual chamava a attenção da Câmara
Municipal é para as queixas e reclamações que havia recebido de várias
pessoas e colonos de Cantagalo em relação ao contrato de arrendamento
celebrado pela mesa administrativa da mesma Irmandade com Juão Mello,
disse que pelas cláusulas do testamento da Condessa do Rio Novo o
Presidente da Câmara era fiscal da execução d’esse testamento e na parte
relativa as relações da Irmandade com os colonos; nas queixas verbais que lhe
havião sido feitas eles se disião celebrados de sua propriedade e pedia-lhe
providências na qualidade de fiscal, mas que na sua opinião o Pais
necessitando sobre tudo de calma e concórdia que de sua parte não criaria
agitações e lutas estéreis in. (ilegível) esperaria que essas reclamações e
queixas viessem officialmente por meio de requerimentos, representações ou
offícios para então poder intervir porquanto antes de chegar a esse ponto
estaria sempre procupeto a aconselhar aos colonos que reclamassem perante
as justiças ordinárias contra os abusos contra eles praticados se com effeito
esses abusos são reais. A Câmara concordando com a opinião do Sr.
Presidente deliberou que nada se fizesse até que a sua intervenção fosse
solicitada ou requerida.[...] (Atas da Câmara Municipal de Paraíba do Sul. Livro
11- 1890/1893)

319
ANEXO XVII - Análise do Dr. Antonio Luz dos Santos Werneck

(continuação)
[...] Para formar, pois, a “colônia agrícola de N. S. da Piedade” não podia a
testadora deixar bens de caracter independente de classificação à parte,
exceptº si o declarasse expressa e nomeadamente; e, sim, bens ou cousas
agrícolas. Assim deixam, para aquelle fim, uma fazenda completa, uma
fazenda com todos os seus accessórios [...] “a fazenda de Cantagallo com
todas as terras, edifícios e benfeitorias, cafesaes, animaes, instrumentos e
utensílios agrícolas e móveis a ella pertencentes”. Taes são as partes
integrantes do legado para a constituição da “colônia agrícola”, tal o seu fundo
ou objecto discriminado [...] é uma fazenda com, isto é, composta de bens
agrícolas por sua situação, por seu destino e pelo objecto a que se aplicam [...]
Temos, portanto, como incontestável, que contendo do legado é também um
objecto agrícola – a formação de uma colônia agrícola.[...] Prohibe a testadora
na 1ª condição que “esses bens sejam jamais alienados por qualque título,
devendo ser, pelo contrário, perpetuamente conservados como patrimônio da
Santa Casa e fundo da colônia agrícola”. O pensamento da illustre finada
transparece sempre igual, sempre idêntico: trata-se ainda da colônia agrícola,
cujo fundo é constituído por esses bens, acima descriptos, deixados como
patrimônio da Casa de Caridade. Não deseja a testadora que esses bens
sejam algum dia alienados, deseja que todos, como partes integrantes de um
todo complexo, fiquem perpetuamente unidos, servindo de fundo, constituindo
a Colônia da Piedade e patrimônio da Santa Casa; quer que a colônia agrícola
seja sempre a mesma, perpetuamente conservada com todos os bens
apontados, seus accessórios. (Inventário do espólio da Condessa do Rio Novo)

320
ANEXO XVIII - Capítulo XIV – Da Administração dos Bens e Patrimônio da
Casa de Caridade

Art. 52 – A Mesa administrará todos os bens e o patrimônio da Casa de


Caridade, de modo que produzam o mais possível para benefício dos fracos e
infelizes, a quem este se propõe socorrer, cumprindo e fazendo cumprir
fielmente as disposições testamentárias da veneranda condessa do Rio Novo.
Art. 53 – A locação de prédios e o aforamento de terrenos serão sempre feitos
em hasta pública, depois de avaliados uns e outros por duas pessoas idôneas
nomeadas pelo Provedor.
Art. 54 – O valor assim determinado servirá de base à arrematação, devendo
ser preferida, para com ela se firmar contrato, a pessoa que mais oferecer
acima da avaliação. [...]
Art. 58 – Os terrenos aforados, que forem destinados à lavoura, não poderão
exceder a meio alqueire geométrico de terra para cada indivíduo, salvo
concessão expressa da Mesa feita a requerimento do interessado, que provar a
necessidade de maior quantidade de terra e que tem meios de cultivá-la.
Art. 59 – A pensão ou foro poderá ser paga em frutos, desde que sejam estes
previamente avaliados e haja expresso consentimento da Meda Administrativa
ou do Provedor. [...]
Art. 61 – Nos contratos de locação será afixado o tempo de duração dos
mesmos e, findo este, se o locatário não tiver requerido sua recondução, serão
os ditos contratos postos de novo em hasta pública. [...]
Art. 63 – O saldo que se verificar será anualmente convertido em apólices da
Dívida Pública da União ou aplicado na compra ou edificação de prédios até
completar a quantia de 400:000.000 em bens de raiz.
Art. 64 – Toda a herança, legado ou doação em moeda corrente será aplicada
na compra de apólices da Dívida Pública da União. [...] (Regulamento da
Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, 1904, p. 26-27)

321
ANEXO XIX – Relatório de 1916 – Irmandade de Nossa Senhora da Piedade

Em 24 de janeiro com o saldo do exercício de 1915, compra de


quatro apólices geraes da dívida da União do valor nominal de um conto de réis
cada uma e juros de 5% para augmento do patrimônio da Irmandade de Nossa
Senhora da Piedade de ns. 401.767 a 401.770 a 780$000 cada uma tendo se
dispendido R$3:138$000, inclusive carretagem e sellos. [...]
De accôrdo com a deliberação da Mesa chamei concorrentes para a
venda de materiaes do prédio principal da fazenda de Cantagallo, que
ameaçava ruína. Proposta de R$3:500$000. [...]
Balanço da receita e despeza em 30 de novembro, com saldo de
R$5:017$289. (doc. N. 3)
A receita para o anno de 1917 foi orçada em R$56:294$164 e a
despeza fixada em igual quantia. (doc. N. 4)
A Irmandade de Nossa Senhora da Piedade mantém actualmente:
a) o internato com 70 meninas asyladas.
b) o externato de Parahyba com a matrícula de 182 alumnos de ambos os
sexos, com a frequência diária de 130 alumnos.
c) o externato<Condessa do Rio Novo> para menores de ambos os sexos, com
a frequência diária de 130 alumnos, estando matriculados 161 alumnos.
d) o hospital de Parahyba com duas enfermarias, onde foram tratadas 147
doentes de ambos os sexos durante o anno de 1916, existindo 30 em
tratamento no dia 30 de novembro. [...]
Resumindo, a mesa administrativa durante o anno compromissal de
1916 conseguiu:
1) manter em dia todos os serviços relativos ao Asylo, aos dois
externatos e ao hospital;
2) empregar em obras e melhoramentos R$6:797$400;
3) augmentar o patrimônio da Instituição em vinte e uma apólices de um
conto de réis, sendo oito adquiridas com as economias e recursos ordinários;
4) deixar em cofre o saldo líquido de R$5:017$289 em dinheiro.
[...](Jornal Arealense, 29.03.1917, p.2)

322
ANEXO XX – Relatório de 1929 – Irmandade de Nossa Senhora da Piedade

[...] Feita a leitura pelo Sr. provedor das contas relativas a 1929, apresentado
pela mesa administrativa com o saldo de R$189$297 (Réis).[...]
A Casa de Caridade de Parahyba do Sul abrange também a
Irmandade de Nossa Senhora da Piedade e a Capella e cemitério de
Cantagallo. Tem asylo com 57 asyladas e mantém internatos e externatos,
dando assim seu concurso à obra patriótica da alphabetização da raça. O
patrimônio está representado por óptimas e valiosas propriedades situadas em
Parahyba do Sul e Entre-Rios. Possue a instituição apólices diversas no valor
de R$267:000$000. O relatório de 1928 acusa saldo de 8:964$000. O coronel
Randolpho Penna Jr sempre com superávit, pratica, digna dos melhores
encômios e a ser seguida pelos bons admnistradores. [...] a Igreja de N. S. das
Graças annexa ao edifício do Asylo de N. S. da Piedade foi mandado construir
a expensas de d. Maria Augusta de Oliveira Penna, que assim realizou um dos
seus maiores desejos, levantando um monumento à fé christã. [...] (Jornal
Arealense, 15.12.1929, p. 3)

323
ANEXO XXI – Notas do Jornal “A Tribuna”

PMPS

[...]Seção de Obras
Edital

[...] concorrência pública para a reconstrução da estrada pública municipal que


liga a sede do 2º districto (Entre-Rios), partindo da margem da Estrada União e
Indústria, à Colônia de Cantagalo, trecho que mede 1000 metros de extensão,
compreendendo também a construção de um bueiro de alvenaria de pedras
para substituir um pontilhão estivado, serviço orçado em R$1:080$000 (um
conto e oitenta mil réis) ... (05.06.1932, p. 4)

PMPS

[...] Estrada de Entre-Rios à Colônia

Na concorrência para execução dos concertos dessa estrada, foi aceita a


proposta do dr. Guilherme Hippert, de R$1:400$000, com o qual foi lavrado
contrato em 30 de junho vindo. [...] (08.07.1932, p. 3)

Foi inaugurada a Escola da Colônia

Com a presença de grande número de moradores locaes e das


autoridades municipaes, foi inaugurada sábado passado 18 do corrente, a
Escola Municipal da Colônia de Cantagalo.
A referida escola conta já com uma matrícula superior a 60 alumnos,
tendo por isso sido necessária a creação de dois turnos, um para meninas, a
fim de melhor ser attendido o serviço escolar.
A escola da colônia está sendo regida pela professora d. Maria da
Conceição Moregola e foi montada em prédio recentemente apparelhado para
o fim a que se destina pelo seu proprietário, Sr. Alfredo Torno. (26.06.1932, p.
4)

324
ANEXO XXII – Nota do “Entre-Rios Jornal”

Foram incineradas, em Entre-Rios, 23.129 saccas de café

Terminou hontem, a queima de café, que o D.N.C. está fazendo


incinerar.
Foram queimadas 23.129 saccas, sendo 10.436 da safra de 1936-37,
1.150, da de 1937-38 e 11.543, da de 1938-39.
Convidados pelo Sr. Dario de Oliveira Cunha, digno fiscal ajudante,
fomos assistir, nos terrenos próximos ao Depósito da Central do Brasil, a
incineração da preciosa rubiácea.
Visitaram o local da queima, o Sr. Dr. Walter Francklin, Prefeito do
Município, Sr. Fernando Alves Pequeno, gerente da Agência do Banco de
Crédito Real de Minas Geraes, nesta cidade, Sr. Eugênio Peralta,
pharmacèutico e altas autoridades.
Estão à frente desse serviço de queima do D.N.C., os srs. Milton
Corrêa Rezende, fiscal itinerante; Dario de Oliveira Cunha, fiscal ajudante;
Zeferino José de Aguiar, fiscal classificador e furador; Adhemar Fraga Moreira,
fiscal entregador; Orlando Bastos, fiscal balanceiro; José Antonio Donato, fiscal
recebedor e Moacyr Cardoso, fiscal conferente. (12.01.1939, p. 4)

325
ANEXO XXIII – Nota do “Entre-Rios Jornal”

Uma Embaixada do Collegio Universitário visitou Entre-Rios

A nossa cidade recebeu nesta semana, a visita de uma


embaixada de estudantes do Collegio Universitário da Universidade do Brasil,
Secção de Direito, que aqui permaneceram durante 3 dias, em estudos das
condições Geographicas e urbanas do nosso município. Todos os pontos
importantes foram visitados pelos estudantes.[...]
Os estudantes deram-nos o prazer de sua visita vindo em
companhia do chefe da embaixada Sr. Prof. José Veríssimo Pereira e do Sr.
Walter Francklin, prefeito do Município.
Alguns dos componentes da embaixada manifestaram a sua
satisfação em verificar o crescente progresso de Entre-Rios, demonstrando que
daqui levavam boa impressão da cidade. [...]
[....] tiveram occasião de testemunhar a necessidade imperiosa da
instalação de 2 escolas, uma agro-pecuária e outra técnico-profissional, as
quais dada a tendência agrícola e industrial do município, constituem elemento
valioso para seu desenvolvimento, não devendo deles descurar o governo do
estado. Outrossim o abastecimento da água, e o serviço adequado de esgotos,
de que tanto se ressente esta cidade, devem, na sua opinião, ser objeto da
atenção mais cuidadosa: além do alcance do ponto de vista higiênico urbano,
interessam ao desenvolvimento econômico do município, pois facilitam as
instalações de novas indústrias. (“Entre-Rios Jornal” – 29.06.1939, p. 1)

326
ANEXO XXIV – Nota do “Entre-Rios Jornal”

Inaugurada no Bairro da Colônia a illuminação pública

Como transcorreu a festividade


Realizou-se, conforme noticiara esta folha, sabbado passado, a
inauguração da iluminação pública da colônia, próspero bairro desta cidade.
A Colônia resentia-se deste melhoramento de grande importância
para o seu progresso e não foi sem intensa alegria que a sua população viu
concretizada esta aspiração de há muito. Vinte e uma lâmpadas ao todo, até o
presente momento, illuminam grande extensão das suas ruas, não se levando
em conta o grande número de residências beneficiadas, por mais este
melhoramento, proporcionado a Entre-Rios, pelo seu incansável Prefeito.
Lenta, mas seguramente, o sr. Dr. Walter Francklin vae
transformando o aspecto da nossa cidade, que se remoça com as suas ruas
claras, calçadas e paralelipípedos, todas obedecendo a um traçado pré-
estabelecido, com suas praças ajardinadas e com o augmento considerável do
número de lâmpadas no perímetro urbano, não se levando em conta, outras
obras de arte, taes como sejam os alargamentos dos antigos pontilhões de
cimento, etc. A luz na Colônia é bem o effeito desta gestão proba e profícua.
A inauguração
Seriam 6 horas da tarde, quando o sr. Dr. Prefeito, acompanhado
pelo juiz dr. José Pellini, dr. Moacyr Duque Estrada e Waldemar Moraes,
respectivamente engenheiro e advogado da Prefeitura e Carlos Ribas, tabelião
do 2º Officio desta cidade, chegaram ao local, sendo recebidos festivamente,
pela população local.
Immediatamente, S. Excia, dirigiu-se para onde estava a chave de
ligação e lá, tomando nos braços a menina Jovelina de Oliveira, <<colona>>
nata, fez com que a mesma ligasse a chave. Estava inaugurada a luz da
Colônia.
A Banda 1º de Maio, enquanto espoucavam foguetes, se fez
ouvir.

327
A seguir, S. Excia, o sr. Dr. Prefeito toma a palavra e, em tom,
não de quem discursa, mas de quem, sentindo-se à vontade, parola com os
seus amigos, se dirige aos seus munícipes presentes e lhes falla sobre o
acontecimento que acabavam de presenciar.
Descreve-lhes as grandes vantagens que lhes porporcionará o
melhoramento, já quanto ao conforto, já quanto a valorização das suas
propriedades e lhes garante que, os boatos espalhados de que semelhante
iniciativa viria sobrecarregar os moradores locaes de pesados impostos, não
representam a realidade, embora seja verdade que o <<Estado>> quando dá,
também tira, pois ainda está para se ver qual o governo que possa prodigalizar
à collectividade as suas necessidades, sem lançar mão de tributos que façam
jus às medidas que se tornarem precisas. Diz mais ainda S. Excia que, no
projeto de Água e Esgotos para Entre-Rios, a Colônia não fora esquecida,
porquanto a Colônia em si, possue mais casas que as sedes todas dos outros
três districtos do Município de Entre-Rios e termina suas palavras,
congratulando-se com os presentes pelo melhoramento recém-inaugurado que
recebiam. Uma salva de palmas cobriu as suas últimas palavras.
Seguiu-lhe com a palavra o exmo. Sr, Dr. José Pellini, que se
dirige aos seus jurisdicionados da Colônia, traçando o perfil rápido da obra que
acabavam de receber e de seu creador o Prefeito dr. Walter Francklin.
Incita os moradores locaes à ordem e ao trabalho e lhes faz ver o
grande significado daquela cerimônia, marcando o início de uma nova era, na
qual, o pioneiro intemerato é o Prefeito presente, dr. Walter Francklin.
Terminando, S. Excia, cumprimenta os habitantes locaes, sendo
vivamente applaudido.
Encerrando a cerimônia fez-se mais uma vez ouvir a Banda
Musical 1º de Maio. Na residência do sr. Domingos Rabelo foram servidos aos
presentes um copo de cerveja e doces finos, sendo todos cumulados das
gentilezas de tão amável cavalheiro.
Á noite, no mesmo local, realizou-se animado baile que se
prolongou até altas horas.
Os nossos parabéns à Colônia. (“Entre-Rios Jornal” – 06.06.1940,
p. 1)

328
ANEXO XXV – Nota do “Entre-Rios Jornal”

Comarca de Paraíba do Sul

Da citação de interessados incertos, com o prazo de 30 dias, na


forma abaixo:
O Doutor Adherbal de Oliveira, Juiz de Direito da Comarca de
Paraíba do Sul, estado do Rio de Janeiro etc.
Faz saber por este Juízo e Cartório do 1º Ofício de Justiça correm
os seus devidos termos os autos de uma Ação de um Usucapião requerida por
Ambrozina de Lima Bastos e outros nos termos da seguinte petição: Exmo
Senhor Dr. Juiz de Direito. Dizem Ambrozina de Lima Bastos, viúva; Alcides
Ferreira de Almeida e sua mulher Izabel de Almeida; Albino Gorgonha da
Silva, solteiro, maior; Alcides Fabrício, solteiro, maior; Albano Fabrício;
Alfredo Albino e sua mulher Teodora Albino; Antero Leite da Costa;
Aquiles Felicidade, solteiro, maior. Benvinda Pereira, viúva; Bárbara
Firmino, viúva; Benedita Valeriana de Castro, viúva, Camila de Almeida
Costa e seu marido Nestor Leite da Costa; Caetano Pereira, solteiro, maior;
Inácio Xavier, viúvo; Ivete Silva dos Santos e seu marido Eugenio dos
Santos; Izolina Felicidade, solteira, maior; Joana, menor, filha da finada
Juventina Maria da Conceição; João Francisco da Silva e sua mulher
Claudina Moura da Silva; João Fabrício José e sua mulher Josina Maria
José; João Pereira da Silva e sua mulher Maria da Luz Pereira; João
Felicidade; Jovelina Barbosa da Silva, viúva; José Ferreira de Almeida e
sua mulher Luiza Conceição de Almeida; Luiza do Nascimento Lima e seu
marido Tomaz de Lima, Manoel Pinheiro e sua mulher Maria Raymunda
Pinheiro; Manoel Ferreira de Almeida e sua mulher Maria Lutt de Almeida;
Manoel Nascimento; Maria Corrêa do Carmo, viúva e sua filha menor
impúbere Maria de Lourdes do Carmo, Maria Felicidade, Maria Carlota do
Nascimento, solteira, maior; Mateus Dionísio da Silva e sua mulher
Apolinária Dionísio da Silva; Maria da Silva, solteira, maior; Maria Eugenia
da Silva, casada com José Carvalho; Minervina Maria da Conceição, viúva;
Olimpio João da Silva, casado com Lucinda Felicidade da Silva; Perciliana

329
Figueiredo, viúva; Sebastião Ferreira de Almeida e sua mulher Jacyra
Ferreira de Almeida e Umbelina Pereira, solteira, maior; dizem que são
possuidores de 35 alqueires de terras, mais ou menos, no lugar denominado
Cantagalo, no município de Entre-Rios, desta comarca; que essa posse é
efetiva e real e vem de seus antepassados, primitivos ocupantes dessas
mesmas terras, nas quais os colocou a condição servil deles, escravos que
foram de D. Mariana Claudina Pereira de Carvalho, Condessa do Rio Novo,
falecida em 5 de julho de 1882; que desde essa data de 1882, portanto, se
pede e se deve computar o tempo dessa posse dos suplicantes; que essa
posse diuturna, de quase 60 anos, lhes assegura plenamente o domínio sobre
as mesmas terras; que essa posse, sempre se exerceu mansa, continuada e
pacificamente, que essa posse além da proteção natural decorrente da sua
diuturnidade, teve já a garanti-la decreto judicial dado na instância desta
comarca; que essas ditas terras assim possuídas tem por limites ou por (...) a
Fazenda da Rua Direita, a Estrada de Ferro Central do Brasil (Ramal do Centro
e Ramal do Porto Novo) e o sítio conhecido por Sítio do Pury, que os
suplicantes ocupam cada um a sua pequena área determinada; que as áreas
correspondentes as deles todos formam no conjunto ou total a área de 35
alqueires, compreendida nos limites ou nas linhas extremas declaradas; que
essas parciais ou parcelas, assim seja julgado por sentença o reconhecimento
do domínio dos suplicantes sobre a área total, serão demarcadas por técnico
agrimensor, tal como se procede em partilha ou divisão geodésica de
propriedade de terras de ocupação coletiva finalmente que a posse dos
suplicantes se exerce, como sempre se exerceu, com o animo deles de donos
dessas terras; tanto que nessas terras os suplicantes têm executado obras e
benfeitorias valiosas; obras e benfeitorias de tal vulto que no local delas
existem já iluminação pública e serviço de rádio, tudo isso constituindo índice
notável do progresso desse mesmo local. Para a declaração do domínio dos
suplicantes sobre os 35 alqueires geométricos mais ou menos das ditas terras,
domínio decorrente de posse diuturna, efetiva, real e até judicial, querem os
suplicantes justificar preliminarmente essa posse. E provada fique essa posse
dos suplicantes, pedem se digne V. Excia de fazer citar a todos os aqueles a
quem interessar possa o presente pedido ou a presente ação de usucapião
para no prazo legal deduzirem defesa ou contestação ou o que lhes parecer,

330
sob pena de revelia. A citação dos interessados deverá ser feita por edital na
forma prescrita do art. 455 do Cod. do Processo Civil. A citação vale para todos
os termos e atos da causa até final; devendo oficiar no presente feito em todos
os seus termos e atos o Dr. Promotor de Justiça. Para a justificação preliminar
da posse dos suplicantes sobre 35 alqueires das ditas terras do Cantagalo,
pedem se digne V. Ex. de designar dia e hora, a fim de deporem as
testemunhas abaixo arroladas, as quais comparecerão independente de
intimação. Dá-se a presente causa o valor de Rs52:500$000 ou de
Rs1:500$000 por alqueire da área que os suplicantes pretendem usucapir.
Testemunhas: I – Tupy Amaral, funcionário público; II – Manoel Duarte
Sobrinho, proprietário; III – Orozimbo Flores, funcionário; IV – Antonio da
Silva Castanheiras, proprietário, Paraíba do Sul, 17 de setembro de 1940. P.p.
Sebastião Tostes de Alvarenga. [...] (“Entre-Rios Jornal” – 19.12.1940, p. 3)

331
ANEXO XXVI – Juntada do Inventário do Espólio da Condessa do Rio Novo

Juntada – 03 de outubro de 1944


Petição – por Jarbas Alves de Souza

Procuração

Outorgante: Casa de Caridade de Paraíba do Sul, regida pela Irmandade N. S.


da Piedade.
Provedor: Antonio Garcia Filho (serventuário da justiça).
Procuradores: Doutores: Cristovam Cláudio da Silveira.
Bernardo Belo Pimentel Barboza, brasileiros,
advogados, casados, o primeiro residente nesta cidade e o segundo na
Comarca de Três Rios, carteiras da Ordem, números 436 e 285, para o foro em
geral em qualquer Juízo, Instância e Tribunal, juntos ou separadamente,
podendo requerer a expedição do Formal de Partilha dos Bens legados à
outorgante, pela Condessa do Rio Novo; promovendo ação de imissão de
posse e as que forem necessárias, para assegurar os direitos da mesma
outorgante ao legado feito pela dita Condessa do Rio Novo, principalmente
quanto à Fazenda de Cantagalo, situada no Município de Três Rios, neste
Estado; usando de todos os recursos legaes e dos poderes da cláusula ad-
juditia a substabelecer.

27 de setembro de 1944
Livro 50 fls 3v. – 1º traslado – Jarbas Alves de Souza – Tabelião do
1º Ofício

Exmo. Snr. Dr. Juiz de Direito da Comarca de Paraíba do Sul

Antonio Garcia Filho, Provedor da Casa de Caridade de Paraíba


do Sul, regida pela Irmandade de N. S. da Piedade, vem, nos autos de
inventário dos bens deixados por falecimento da Condessa do Rio Novo,
cartório do 1º Ofício, requerer digne-se V. Excia ordenar a expedição do formal
de partilha dos bens que lhe foram legados pela inventariada, juntando aos

332
mesmos autos o incluso conhecimento do imposto devido para a transcrição de
imóveis.

P. deferimento.
P. do Sul, 27 de setembro de 1944.
P.P Christovam Cláudio de Silveira
(Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho)

333
ANEXO XXVII – Nota do “Entre-Rios Jornal”

O Colônia Esporte Clube concretiza uma de suas caras aspirações

Coroando os esforços de uma plêiade de dedicados diretores do antigo maioral


dos subúrbios, foi levada a efeito, domingo último, no bairro do Colônia E. C., à
qual estiveram presentes várias pessoas gradas da cidade e da política local,
entre elas o dr. Bernardo Belo, os srs. Jorasil Santos David e João Pedro da
Silveira, diretor desta folha, fazendo uso da palavra o primeiro e o último que
encareceram a notável realização do grêmio suburbano que irá dar grande
desenvolvimento ao bairro que lhe empresta o nome, e que é hoje um dos mais
progressistas de Três Rios. Antes falaram o sr. Afonso Cabral, presidente do
clube, e o senhor Edmar Tavares, também diretor do colônia.
Como parte integrante da festa do dia, houve também uma animada partida de
futebol entre os quadros principais e secundários do Colônia E. C. e do
Bempostense E. C., do distrito de Bemposta, que excursionou a esta cidade
naquele dia. Na preliminar, o clube local perdeu por 1-0, mas na principal
conquistou uma linda vitória sobre o seu leal adversário pela contagem de 3-0,
gols de Dedé, Dondon e Avelino. O quadro do Colônia formou assim
constituído: Washington, Odilon e Osmar; Martins, Geraldo e Fabrício; Avelino,
Geraldo II, Dondon, Nenê (Osmar II) e Dedé. (“Entre-Rios Jornal” – 21.08.1947,
p. 4)

334
ANEXO XXVIII – Nota do “Entre-Rios Jornal”

Um grande Festival Esportivo dia 15 deste mês, na Colônia, com uma


sensacional corrida atlética

O populoso bairro da Colônia assinalará o 15 de novembro, deste ano, com um


grande dia esportivo, começando as provas às 8 horas da manhã com uma
sensacional corrida atlética de velocidade, cujo ponto de saída e chegada será
o Bar Caiafa, desenvolvendo-se o itinerário da corrida pelo bairro da Colônia
até a travessia do cemitério, que será o ponto de volta dos concorrentes,
podendo inscrever-se nessa prova atletas de todos os clubes. (...)
Ás 15:30, no “ground” da colônia será levado à efeito um interessante prélio de
futebol entre as equipes do clube local e do 14º Posto de Consertadores da E.
F. Central do Brasil que deverão realizar uma partida de sensação.
Às 19:00 horas, haverá na sede do Colônia um programa de calouros em que
tomarão parte muitas senhoritas do bairro.
Em seguida, será levado à cena o drama em 3 atos:<<Sobre o túmulo>>.
A comissão organizadora da festa é a seguinte: Ernani Ramos, Professora
Marieta, Afonso Cabral, Mauricio Silva, Alcides Machado, José Martins, Manoel
de Carvalho, Antonio Caiafa, Alcides Francisco e Edmar Tavares, sendo todos
esses elementos pessoas de destaque no cenário esportivo do progressista
bairro que dia a dia mais de desenvolve, graças a iniciativas como essa que
terá logar dia 15 deste mês. (“Entre-Rios Jornal” – 06.11.1947, p. 3)

335
ANEXO XXIX – Escritura de Doação de D. Nair Pereira de Oliveira

Oficial do Registro Comercial


Edifício do Fórum – Pça São Sebastião, 224 – Três Rios
Taytson de Toledo Ribas – Tabelião e Escrivão
Margarida Maria Barbosa Ribas – Substituto
Escritura de Doação
Doadora: Maria da Luz Pereira
Donatária: Nair Pereira de Oliveira
Livro 14, fls 7vº/9vº
ESCRITURA DE DOAÇÃO QUE ENTRE SI FAZEM, COMO OUTORGANTE
DOADORA Dª MARIA DA LUZ PEREIRA E COMO OUTORGADA
DONATÁRIA NAIR PEREIRA DE OLIVEIRA, NA FORMA ABAIXO:
SAIBAM quantos esta pública escritura de doação bastante virem que, no ano
do nascimento de N.S.J.C. de mil novecentos e sessenta e dois, aos vinte e
oito dias do mês de julho do dito ano, nesta cidade e Comarca de Três Rios,
Estado do Rio de Janeiro, em meu cartório, no Fórum, por me haver sido esta
hoje distribuída, pelo bilhete de distribuição que arquivo, compareceram
perante mim Tabelião e as testemunhas adiante nomeadas e no fim assinadas,
partes entre si justas e contratadas, a saber: de um lado como outorgante
doadora Dª MARIA DA LUZ PEREIRA, brasileira, viúva, proprietária e residente
nesta cidade no bairro de Vila Isabel e de outro lado como outorgada donatária
NAIR PEREIRA DE OLIVEIRA, brasileira, viúva, doméstica, residente nesta
cidade; reconhecidos todos como os próprios de que trato de mim Tabelião e
das testemunhas adiante nomeadas e assinadas, do que dou fé. E perante
essas mesmas testemunhas, pela outorgante doadora referida me foi dito que
à justo título e em virtude de aforamento direto celebrado com a Casa de
Caridade de Paraíba do Sul, conforme escritura pública de aforamento
lavrada nas notas do Tabelião Paulo Alves de Souza, do 2º ofício desta
Comarca, no livro – nº 24, fls. 45 a 48, em 18 de abril de 1950, devidamente
transcrita no Cartório do Registro de Imóveis dos distritos ímpares deste
Município, no livro 3-B, fls. 209, sob o nº 2.602, em 10 de junho de 1950,
tornou-se senhora e legítima possuidora, com livre administração e sem
ônus, do domínio útil de uma área de terras, foreira à Casa de Caridade de

336
Paraíba do Sul, ora desmembrada de maior porção, situada nesta cidade, em
uma rua projetada, marginal da Estrada de Ferro Central do Brasil, ramal de
Porto Novo, bairro de Vila Isabel, medindo 6,610,00 m2 (seis mil seiscentos e
dez metros quadrados), ou seja com 55,00ms. de frente, igual largura nos
fundos, por 124,00ms. de um lado e 130,00ms. de outro, confrontando pela
frente com a referida rua Projetada, pelos fundos com Manoela Pereira da
Costa, por um lado com Laureano Pereira e por outro com Eloy Pereira; que
pela presente escritura doada a Nair Pereira de Oliveira, filha dela doadora, o
imóvel acima descrito e confrontado, com todas as benfeitorias e servidões
existentes no dito terreno, e desde já cede e transfere à mesma outorgada
donatária toda a posse, domínio, direitos e ação que sobre o aludido imóvel ora
doado exercia, para que possa o mesmo donatário dele usar, gozar e
livremente dispor, com a restrição abaixo imposta, como seu que é e fica sendo
de hoje em diante, por força desta escritura, obrigando-se ela doadora a fazer a
presente doação sempre boa, firme e valiosa; que a doação ora feita o é com
reserva de usufruto vitalício para ela outorgante doadora, do imóvel doado e da
parte disponível dos bens dela doadora ser trazida a colação e pelo valor de
Cr$ 40.000,00 (quarenta mil cruzeiros), em quanto estima o imóvel ora doado.
Pela outorgada donatária e ante as testemunhas, me foi dito que aceitava esta
escritura em seus expressos termos, por isso que está de inteiro e pleno
acordo com a doação que ora lhe é feita e me apresentou o talão de imposto
do teor seguinte: Armas da República, Estado do Rio de Janeiro. Prefeitura
Municipal de Três Rios. Nair Pereira de Oliveira = transmissão Inter-Vivos por
quanto recebe em doação de sua mãe Dª Maria da Luz Pereira com reserva de
usufruto vitalício para a mesma o domínio útil de uma área de terras com
6.610m2. no Bairro de Vila Isabel.[...] Assim justos e contratados me pediram
que em minhas notas lhes lavrasse esta, o que lhes fiz, lhes li, aceitaram,
outorgaram e assinam com as testemunhas a tudo presentes José Amâncio de
Moraes e Narciso da Costa Barros, assinando o rogo da outorgante doadora
por não saber ler nem escrever o sr. Geraldo Magela Corrêa, perante mim
Tabelião.[...] (Escritura de D. Nair Pereira de Oliveira – entrevistada em
06.03.2012)

337
ANEXO XXX – Ata da Câmara Municipal de Três Rios, 22 de Janeiro de 1951

Presidência: José dos Santos Filho

[...] O primeiro processo levado a discussão foi o que se refere a


desapropriação de terrenos no bairro do Cantagalo, para construção de casas
populares. Feita a leitura de todas as suas peças, o vereador João P. da
Silveira consultou a mesa se o parecer da Comissão de Justiça já havia sido
publicado na forma regimental, tendo o Sr. Presidente respondido, conforme a
informação da Secretaria, que ainda não havia sido em virtude da entrega do
mesmo pela Comissão ter sido feita nesta data. O Sr. Presidente comunicou
que; deu obediência ao regimento Interno, o projeto só iria sofrer a primeira
discussão de vez que a falta de publicidade do parecer da Comissão de Justiça
o inibe de ser votado. O vereador Joaquim J. Ferreira, falou sobre a
importância do problema das casas populares até hoje não solucionado pela
falta de terrenos, e que o presente projeto visa justamente demover o maior
obstáculo à realização desse objetivo que é a falta de terreno. Manifestou
estranheza quanto aos termos do parecer da Comissão de Finanças, pelo fato
deste órgão ter encontrado as dificuldades do preparo do terreno indicado pela
Comissão de Obras como se todos os trabalhos nesse sentido tivessem de ser
realizados imediatamente, quando não é isso que deverá acontecer pois todas
as obras de melhoramento dos dito terrenos terão de ser executados talvez em
dois, três, quatro, cinco anos ou no tempo que for possível. Esclarecem que o
essencial é que se disponha do terreno a fim de que, mesmo sem os requisitos
necessários, se possam acenar aos institutos, caixas ou qualquer entidade que
queira se dispor a patrocinar esse grandioso empreendimento. Disse ainda que
a Comissão de Obras, ao examinar o assunto, já esperava mesmo que o
município não pudesse realizar tudo que era necessário aos citados terrenos,
porque estava certa de que não era com os pequenos recursos do município
que se iria construir num ano todos os melhoramentos, porém, no decorrer de
vários orçamentos era possível conseguir com boa vontade, um resultado
satisfatório. Declarou que, dentro em breve ocupará a governança do Estado
um cidadão que sempre se demonstrou amigo de Três Rios e confiante no
dinamismo e do largo tirocínio administrativo do futuro prefeito João P. da

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Silveira; esperará que esse magno problema será solucionado não só com os
recursos do município mas também com o auxílio dos governos Estadual e
Federal. Logo após, falou o vereador João Pedro da Silveira. Inicialmente Sua
Excia. agradeceu ao vereador Joaquim J. Ferreira as amáveis expressões de
consideração e confiança em sua futura atuação à frente do governo do
município. Em virtude do parecer da Comissão de Finanças haver causado
estranheza ao mesmo colega, declarou que se sentia na obrigação de
esclarecer as razões com que fundamentou o citado parecer de que foi o
relator. Esclareceu que, quando em 1946 ocupou transitoriamente o governo
do município, foi o signatário do convênio com a Fundação da Casa Popular
para construção de 500 casas tipo popular em Três Rios. Nessa ocasião entrou
em contato direto com os dirigentes desta instituição, tendo oportunidade de
conhecer que a Casa Popular só executará a construção de casas nos
municípios que faça a doação de terrenos, cujo preço por lote não exceda de
Cr$5.000,00, exigindo que os mesmos sejam dotados de todos os requisitos de
urbanização e saneamento. Disse que conhece a magnitude e urgência que
reclama a solução da construção de casa para os trabalhadores de Três Rios
e, por isso, desde a organização da comissão interpartidária, vem se batendo
pela realização de nobre e humanitário objetivo, declarando que, constituía
uma das principais preocupações de seu governo. Frizou que quando
providenciou as diligências necessárias ao exame do caso pela Comissão de
Finanças, agiu imbuído do único propósito de dar uma solução objetiva ao
projeto, evitando medidas protelatórias ou inexeqüíveis. Louvou o trabalho
eficiente dispendido pela Comissão de Viação e Obras Públicas, cujo parecer
foi fruto de seu esforço e boa vontade, uma vez que não recebeu do Executivo
a mínima cooperação técnica. Informou que igualmente a Comissão de
Finanças não teve nenhuma colaboração dos técnicos da Prefeitura. Entretanto
foi mais feliz porque poude contar com a preciosa colaboração de dois
técnicos, que são os engenheiros Hélio Loureiro e Alberto Chimelli. Em
companhia desses dois profissionais, compareceram ao local dos terrenos e
tomaram todas as medidas e demais elementos para um estudo cuidadoso do
quanto teria o município que despender para tornar aquela área em condições
de ser nela construída a vila operária. Assim, depois de feitos todos os
levantamentos necessários, chegou à conclusão constante do seu parecer,

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tendo sido, com imenso pezar, obrigado a opinar pela inconveniência do
aproveitamento daquela área, tantos foram os obstáculos encontrados.
Entretanto, não deixou o assunto sem outra solução que viesse atender
objetivamente os ideais de todos os colegas desta casa, de dar ao trabalhador
trirriense o seu lar próprio: apontou os terrenos situados na rua Adélia Torno e
Bairro Colônia, cujas áreas de acham próximas das redes de água e esgoto da
cidade e não possuem as irregularidades que foram encontradas em
Cantagalo. Esclareceu que, examinando mais detidamente esses terrenos,
chegou a conclusão que se os mesmos fossem desapropriados, neles
poderiam imediatamente ser construídas as casas populares. Disse que todo o
trabalho despendido pela Comissão de Finanças, nesse sentido, foi com o fim
de cooperar para que dentro do mais breve possível se tornasse realidade o
problema da casa própria para aqueles que vem construindo a grandeza de
nossa terra. Esclareceu, finalmente, que o parecer da Comissão de Finanças
em nada vem contrariar os propósitos louváveis da bancada trabalhista e, ao
contrário, colabora no mesmo sentido, admirando-se, então, como poderiam os
seus termos causar estranheza ao seu colega Joaquim Ferreira. Continuando,
Sua Excelência disse que estranhável sim, é o parecer da Comissão de Justiça
que, abandonando as ponderações da Comissão de Finanças, baseada no
trabalho de engenheiros que entendem do assunto, resolveu homologar o
parecer da Comissão de Viação e obras Públicas, cujo projeto apresentado, se
convertido em lei, virá cair na mesma situação do Decreto-Lei baixado pelo
então Prefeito Walter Francklin da desapropriação das terras da colônia, o qual
não foi executado por impossibilidade do município. Com relação ao assunto
em tela, falou também o vereador Arsonval Macedo para responder à alusão
feita pelo vereador João Silveira sobre a redação do parecer da Comissão de
Justiça. Sua Excia, demonstrou que a Comissão de Justiça não poderia ter
procedido de outra forma, porquanto a ela compete somente examinar os
projetos do ponto de vista legal. Se não contraria nenhuma lei ou constituição,
nada pode opor à aprovação de um projeto, não lhe sendo lícito invocar
impedimento com interferência nas atribuições de outras comissões. Em
seguida falou o vereador Antonio Gomes de Oliveira que faz uma vasta
explanação sobre a importância das casas populares, procurando demonstrar
que o local sito Bairro de Cantagalo é o mais adequado para esse fim.

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Esclareceu que os obstáculos poderão ser removidos tendo historiado também,
os passos da Comissão de obras no exame do projeto, cuja aprovação
justificou. Novamente falou o vereador Joaquim Ferreira para responder a
alguns pontos do discurso do seu colega João Silveira. Sua Excia declarou que
quanto aos terrenos da Rua Adélia Torno não tem nenhuma objeção, porém, o
mesmo não acontece com os da Colônia que julga inconveniente pelas
seguintes razões: 1º porque a Colônia é considerada “terra de ninguém”, visto
até o momento não se conhecer os seus verdadeiros donos, e , nessa
situação, tornar-se-ia insegura a propriedade de qualquer imóvel naquele local.
Em aparte o vereador João Silveira esclareceu que é conhecedor que mediante
um registro legal a Casa de Caridade já se tornou legítima proprietária da
Colônia e mesmo que ainda não o fosse a lei de desapropriação regularizaria
toda a situação de propriedade da parte desapropriada. Como segunda
objeção citou o vereador Joaquim J. Ferreira a antipatia que o trabalhador
trirriense vota ao local denominado Colônia, pelo fato de um engenheiro que
serviu em administração anterior havia dito a um ferroviário que se achava em
dificuldades de normalizar a planta de um prédio de sua propriedade, a ser
construído no centro da cidade, que os trabalhadores que não pudessem
construir casas na cidade que fosse para a Colônia. Essas palavras proferidas
no sentido pejorativo, causavam revolta a todos os trabalhadores que delas
tiveram conhecimento, mormente quando souberam que as mesmas foram
endossadas pelo então Prefeito, assumindo o caráter de desprezo e acinte ao
trabalhador. Sua Excia ainda fez alusão ao pedido de informações formulado
pelo vereador João Silveira sobre a publicidade do parecer da Comissão de
Justiça, tendo interpretado como uma atitude política e uma precaução a favor
dos interesses do vereador Jorazil David que é locatário dos terrenos em
Cantagalo. Logo em seguida o vereador João Silveira explicou os motivos
porque pediu informações sobre a publicidade do parecer da Comissão de
Justiça, demonstrando não ter havido nenhum objetivo político e sim um
cuidado julgado imprescindível à salvaguarda da legalidade da medida, no
caso de ser aprovada, considerando que a legislação que regula as
desapropriações em todo Brasil assegura aos proprietários dos terrenos o
direito à contestação. Sabendo que a Cia proprietária dos terrenos de
Cantagalo poderá contestar a desapropriação e que apenas o não

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cumprimento dessa formalidade regimental poderia tornar nula o ato da
Câmara, resolveu, então, suscitar a questão da publicidade dos pareceres.
Com essas considerações queria tornar evidente que não houve nenhum
interesse subalterno, como disse o vereador Joaquim Ferreira. Repetiu que os
propósitos da Comissão de Finanças, outros não foram senão o de cooperar
para a realização das casas populares. Declarou ainda que ao assumir o
governo do município, espera realizar esse magno problema quer em
Cantagalo ou em outro local, a menos que possa provar com documento que
não teve a necessária cooperação das entidades responsáveis. [...] (Atas da
Câmara Municipal de Três Rios. 22.01.1951)

342
ANEXO XXXI – Figuras

Figura 1
Fonte: JORGE, Cinara. Pioneiros dos três rios. Três Rios: Ed. Boa União, 2012. p. 77 e 79.

343
Figura 2
Fonte: JORGE, Cinara. Pioneiros dos três rios. Três Rios: Ed. Boa União, 2012. p. 31.

344
Figura 3
Fonte: JORGE, Cinara. Pioneiros dos três rios. Três Rios: Ed. Boa União, 2012. p. 190.

Figura 4
Fonte: JORGE, Cinara. Pioneiros dos três rios. Três Rios: Ed. Boa União, 2012. p. 108.

345
Figura 5
Fonte: TEIXEIRA, Ezilma. Aprendendo Nossa Terra. Três Rios: Editar Editora Associada, 2004. p.
84.

Figura 6 - Distrito de Entre-Rios – Século XIX


Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/tresrios.htm.

346
Figura 7 - Vista parcial de Entre-Rios
Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/tresrios.htm.

Figura 8 - Estação de trens – Entre-Rios


Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/tresrios.htm.

347
Figura 9 - Avenida Condessa do Rio Novo – Década de 20
Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/tresrios.htm.

Figura 10 - Avenida Condessa do Rio Novo – Década de 20


Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/tresrios.htm.

348
Figura 11 - Avenida Condessa do Rio Novo – Década de 20
Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/tresrios.htm.

Figura 12 - Estação de Entre-Rios – Década de 20


Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/tresrios.htm.

349
Figura 13
Fonte: TEIXEIRA, Ezilma. Aprendendo Nossa Terra. Três Rios: Editar Editora Associada, 2004. p.
50.

Figura 14 - Capela de Nossa Senhora da Piedade – Três Rios


Fonte: www.patrimoniofluminense.rj.gov.br/patrimonio-cultural/capela-nossa-senhora-da-piedade-
tresrios/

350
Figura 15 - Sr. João Pereira da Silva e D. Maria da Luz Pereira – pais de D. Nair Pereira de Oliveira.
Avós do Sr. Aurélio de Oliveira e do Sr. José Ferreira da Costa. (Acervo Sr. Valdir Neves de Lima)

351
Figura 16 – D. Manoela Pereira da Costa – irmã de D. Nair Pereira de Oliveira. Mãe de José Ferreira
da Costa. (Acervo Sr. Valdir Neves de Lima)

352
Figura 17 – Placa de Reinauguração do Colônia Esporte Clube

Figura 18 – Visita de Garrincha ao Esporte Clube Colônia – José da Silva, Dedé (José de Oliveira),
Garrincha, Elias Brotinho e José Curió (Anos 70 – Acervo Sr. Valdir Neves de Lima)

353
Figura 19 – Time do Esporte Clube Colônia, s/d – Washington, Odilon, Osmar, Nonô, Geraldo,
Carlinhos, Botina, Geraldo, Damião, Orlando e Dedé. (Acervo do Esporte Clube Colônia)

Figura 20 – Esporte Clube Colônia

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355
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363
364
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Figura 21- Fonte: RIBEIRO, Rosângela de Fátima Campos. Três Rios (RJ) – A crise dos anos 80 e
o mito da “Esquina do Brasil”. Niterói: UFF-Dissertação de Mestrado em Geografia, 2009.

366
Figura 22 - Vista parcial da cidade de Três Rios – Anos 2000.
Fonte: www.skyscrapercity.com

Figura 23 - Fonte: RIBEIRO, Rosângela de Fátima Campos. Três Rios (RJ) – A crise dos anos 80 e
o mito da “Esquina do Brasil”. Niterói: UFF-Dissertação de Mestrado em Geografia, 2009.

367
ANEXO XXXII – Roteiro de Entrevista
Introdução

Identificação:
1. Para começar, gostaria que o(a) senhor(a) dissesse seu nome completo, data
e local de nascimento.
2. Qual o nome de seu pai e de sua mãe? E de seus avós?
3. O (A) senhor (a) tem irmãos? Quantos?

Família:
4. O que o (a) senhor (a) sabe sobre a origem de sua família?
5. O que faziam seus pais?
6. O (A) senhor (a) sabe como eles se conheceram e se casaram?
7. Como o (a) senhor (a) descreveria seu pai? E sua mãe?

Infância:
8. E, quando o (a) senhor (a) nasceu, onde a família estava morando?
9. O que o (a) senhor (a) se lembra dessa casa?
10. Poderia descrever um pouco a rua e o bairro que marcou mais a sua
infância?
11. Quais eram suas brincadeiras favoritas?
12. E, dentro de casa, como era a rotina?

Escola:
13. O (A) senhor(a) estudou? Até qual série?
14. O que o (a) senhor(a) se lembra de sua primeira escola? O (A) senhor (a)
poderia descrever o prédio, o pátio, a sala de aula.
15. E os professores? Algum foi mais marcante para o (a) senhor (a)? Por quê?

Juventude:
16. O (A) senhor (a) passou sua juventude na mesma cidade?
17. Qual era a principal diversão da época?
18. O (A) senhor(a) quer contar da primeira namorada?
19. E sua (eu) esposa (o), como a (o) conheceu?
20. O (A) senhor (a) se lembra como foi o noivado e o dia do casamento?

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21. O (A) senhor (a) teve filhos? Quantos?
Desenvolvimento

Trabalho
22. Qual foi seu primeiro trabalho?
23. Quando começou a trabalhar, o que exatamente o (a) senhor (a) fazia?
24. Quais foram as principais dificuldades no início?
25. Como era o seu trabalho?
26. A família participava da sua rotina? Como era a sua rotina?
27. Como o (a) senhor (a) recebia o seu pagamento?
28. Teve outros empregos, outras atividades?
29. Quais foram as suas maiores dificuldades?
30. Lembra de alguma crise no país? O que aconteceu?
31. O que mudou depois disso?
Finalização

Atualidade
32. Muita coisa mudou na atividade que fazia? O (A) senhor (a) poderia das
alguns exemplos?
33. E na cidade? Quais foram as principais mudanças?
34. Como está a família do (a) senhor (a) atualmente? Com quem o (a) senhor (a)
mora?
35. O (A) senhor (a) continua trabalhando? E, além do trabalho, o que o (a)
senhor (a) gosta de fazer?

Futuro/Avaliação
36. Qual é hoje seu maior sonho?
37. Se o (a) senhor (a) pudesse mudar alguma coisa em sua vida, o que seria?
38. O que o (a) senhor (a) achou de contar um pouco da sua história?
Fonte: WORCMAN, Karen; PEREIRA, Jesus Vasquez. História falada: memória, rede e mudança
social. São Paulo: SESC SP; Museu da Pessoa; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.

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