Tese 48
Tese 48
Tese 48
RIO DE JANEIRO
2015
ISABELA TORRES DE CASTRO INNOCENCIO
RIO DE JANEIRO
2015
Innocencio, Isabela Torres de Castro.
Memória de Afrodescendentes no Vale do Paraíba: de Colônia
Agrícola Nossa Senhora da Piedade a Bairro de Vila Isabel.
Lugar de Memória, História e Esquecimento em Três Rios, 1882-
1951 / Isabela Torres de Castro Innocencio. -- 2015.
369 f. : il.
Resultado:_________________________
BANCA EXAMINADORA:
Em 1931, a Colônia Agrícola Nossa Senhora da Piedade estava sendo aforada. Para
não perder o restante de suas terras, herdadas dos libertos da Condessa do Rio Novo,
os seus descendentes resistiram durante duas décadas (1930 e 1940) até que, em
1951, conseguiram as escrituras das terras que eram suas por direito, através de uma
ação de usucapião iniciada em 1940. As terras nessas décadas sofreram
transformações. A Colônia Agrícola Nossa Senhora da Piedade tornou-se bairro
Colônia e, posteriormente, bairro Vila Isabel. Nesta tese percorremos os caminhos da
memória dos libertos da Condessa do Rio Novo, bem como a de seus descendentes.
Para isso, transitamos pelas terras de Paraíba do Sul, quando foram ocupadas no final
do século XVII, narrando as lutas, as resistências e os conflitos empreendidos naquele
espaço onde se desenvolveu essa história e conhecendo um pouco do ambiente
senhorial e escravista em que a Condessa do Rio Novo estava inserida. Analisamos o
período de 1882 a 1932, que compreendeu a alforria dos escravos da Condessa do
Rio Novo, a criação da Colônia Agrícola Nossa Senhora da Piedade, o seu
funcionamento e a sua decadência. Mostramos as transformações sociais,
econômicas, culturais e políticas ocorridas naquele espaço, nas décadas de 1930,
1940, até o início da década de 1950, quando o bairro Colônia se transforma em bairro
Vila Isabel. Entrevistamos afrodescendentes dos libertos e moradores antigos que
acompanharam as mudanças no bairro. Assim, a história que procuramos narrar
transita por três caminhos: a memória, o silêncio e o esquecimento.
Key words: Nossa Senhora da Piedade Colony. Vila Isabel borough. Memory.
Silence. Forgetfulness. Afro-descendants.
LISTA DE TABELAS
INTRODUÇÃO...................................................................................................14
1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS..................................................................25
1.1 PROCESSO DE OCUPAÇÃO DAS TERRAS EM PARAÍBA DO SUL E A
FORMAÇÃO DA FAZENDA DE CANTAGALO.................................................25
1.2 PARAÍBA DO SUL E O CONTEXTO HISTÓRICO A PARTIR DE MEADOS
DO SÉCULO XIX: LUGAR DE FUGAS, RESISTÊNCIA E CONQUISTAS
ESCRAVAS.......................................................................................................38
CONCLUSÃO..................................................................................................269
REFERÊNCIAS...............................................................................................273
ANEXOS..........................................................................................................283
Anexo I – Plano da Capitania do Rio de Janeiro – Levantado 1784-Copiado em
1803.................................................................................................................283
Anexo II – Parte do Caminho Novo para Minas – 1803...................................284
Anexo III – Mapa da Província do Rio de Janeiro – 1830................................285
Anexo IV – Área do Caminho Novo para Minas..............................................286
Anexo V – Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro – 1858-
1861.................................................................................................................287
Anexo VI – Tabela de Dados de Escravos Fugitivos – 1868/1869..................288
Anexo VII – Tabela de Dados de Escravos Fugitivos – 1873/1874.................293
Anexo VIII – Trechos do Artigo sobre a Colônia de Nova Lousã.....................298
Anexo IX – Relação dos Escravos Declarados Livres da Fazenda de
Cantagalo.........................................................................................................301
Anexo X – Relação dos Ingênuos da Fazenda de Cantagalo.........................306
Anexo XI – Relações do Acrescentamento dos Ingênuos; dos Escravos
Libertados; dos Escravos Falecidos; e dos Ingênuos Falecidos da Fazenda de
Cantagalo.........................................................................................................307
Anexo XII – Nota do Jornal “Gazeta de Notícias”............................................309
Anexo XIII – Boletim nº 3 da Sociedade Central de Imigração – RJ...............311
Anexo XIV – Nota do Jornal “O Provinciano”...................................................316
Anexo XV – Nota do Jornal “O Provinciano” – Paraíba do Sul à S. M. O
Imperador e ao Sr. Ministro da Justiça............................................................317
Anexo XVI – Ata da Câmara Municipal de Paraíba do Sul, 26 de Junho de
1892.................................................................................................................319
Anexo XVII – Análise do Dr. Antonio Luz dos Santos Werneck......................320
Anexo XVIII – Capítulo XIV – Da Administração dos Bens e Patrimônio da Casa
de Caridade.....................................................................................................321
Anexo XIX – Relatório de 1916 – Irmandade de Nossa Senhora da
Piedade............................................................................................................322
Anexo XX – Relatório de 1929 – Irmandade de Nossa Senhora da
Piedade............................................................................................................323
Anexo XXI – Notas do “Entre-Rios Jornal” – PMPS – Seção de Obras – Edital;
PMPS – Estrada de Entre-Rios à Colônia; Foi inaugurada a Escola da
Colônia.............................................................................................................324
Anexo XXII – Nota do “Entre-Rios Jornal” – Foram incineradas, em Entre-Rios,
23.129 saccas de café.....................................................................................325
Anexo XXIII – Nota do “Entre-Rios Jornal” – Uma Embaixada do Collegio
Universitário visitou Entre-Rios........................................................................326
Anexo XXIV – Nota do “Entre-Rios Jornal” – Inaugurada no Bairro da Colônia a
illuminação pública...........................................................................................327
Anexo XXV – Nota do “Entre-Rios Jornal” – Comarca de Paraíba do
Sul....................................................................................................................329
Anexo XXVI – Juntada do Inventário do Espólio da Condessa do Rio
Novo.................................................................................................................332
Anexo XXVII – Nota do “Entre-Rios Jornal” – O Colônia Esporte Clube
concretiza uma de suas caras aspirações.......................................................334
Anexo XXVIII – Nota do “Entre-Rios Jornal” – Um grande Festival Esportivo dia
15 deste mês, na Colônia, com uma sensacional corrida
atlética..............................................................................................................335
Anexo XXIX – Escritura de Doação de D. Nair Pereira de Oliveira.................336
Anexo XXX - Ata da Câmara Municipal de Três Rios, 22 de Janeiro de
1951.................................................................................................................338
Anexo XXXI – Figuras......................................................................................343
Anexo XXXII – Roteiro de Entrevista...............................................................368
INTRODUÇÃO
Mikhail Bakhtin
1
INNOCENCIO, Isabela Torres de Castro. Liberdade e acesso à terra: Fazenda de
Cantagalo – Paraíba do Sul (1882-1932). Dissertação de Mestrado – USS/Vassouras, 2002.
2
Atualmente, a região onde se localizava a colônia agrícola, pertence à cidade de Três
Rios/RJ, que até 1938 era 2º distrito de Paraíba do Sul/RJ. “Três Rios possui uma área de 288
quilômetros quadrados. A altitude de sede corresponde a 160m. O clima é tropical de altitude,
quente e úmido com chuvas de verão, os solos predominantes são argilosos, sendo uma
temperatura máxima de 40° (quarenta graus) e mínima de 17° (dezessete graus), Temperatura
de bulbo úmido 28° e índice pluviométrico de 47 mm/ média anual. O município limita-se a
Noroeste com o município de Levy Gasparian/RJ; a Nordeste, com o estado de Minas Gerais,
14
Posteriormente, o projeto para o ingresso no curso de doutorado tinha
como objetivos: promover e proteger a sua memória, de uma colônia formada
por libertos da Condessa do Rio Novo e, posteriormente, conseguir o
reconhecimento da história da colônia, como um “patrimônio cultural imaterial”
de nossa região. Partimos do princípio de que seria preciso valorizá-la para
utilizá-la como objeto de conscientização. Isso porque,
sendo o rio Paraibuna o limite natural; ao Sul, com o município de Areal/RJ; a Sudeste, com o
município de São José do Vale do Rio Preto/RJ; a Leste, com o município de Sapucaia/RJ, e, a
Oeste, como o município de Paraíba do Sul/RJ. Possui uma população aproximada de 80.000
habitantes. Fonte: “Panorama Sócio-Econômico do Município de Três Rios” /PMTR – Prefeitura
Municipal de Três Rios, 2002.
15
Ao assimilarmos tais informações, por continuarmos envolvidos com
aquela história, começamos a relacionar a colônia ao conceito de “patrimônio
cultural imaterial”. Imaterial, pois ela foi extinta através de arrendamentos e
aforamentos feitos pela Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, responsável
pela sua administração, além de questões políticas e econômicas do final do
século XIX e início do XX. Após 1932, a colônia agrícola foi se transformando,
tornou-se bairro3 Colônia e, posteriormente, bairro de Vila Isabel4.
3
“O bairro é, quase por definição, um domínio do ambiente social, pois ele constitui para o
usuário uma parcela conhecida do espaço urbano na qual, positiva ou negativamente, ele se
sente reconhecido. Pode-se portanto apreender o bairro como esta porção do espaço público
em geral (anônimo, de todo o mundo) em que se insinua pouco a pouco um espaço privado
particularizado pelo fato do uso quase cotidiano desse espaço. A fixidez do habitat dos
usuários, o costume recíproco do fato da vizinhança, os processos de reconhecimento – de
identificação – que se estabelecem graças à proximidade, graças à coexistência concreta em
um mesmo território urbano, todos esses elementos ‘práticos’ se nos oferecem como imensos
campos de exploração em vista de compreender um pouco melhor esta grande desconhecida
que é a vida cotidiana.” Para maior compreensão sobre “bairro”, ver: CERTEAU; GIARD;
MAYOL, 2012, p. 37- 45.
4
“A troca de nome se deu através do projeto de lei apresentado em plenário pelo professor
Monerat (então vereador), em 26 de novembro de 1951 e sancionado como lei Nº 106, de 06
de dezembro de 1951”. www.associartbrasil.com.br. Acesso em: 14.06.2013.
16
Entendemos que o conceito de memória social “[...] se trata de um
conceito complexo, inacabado, em permanente processo de construção”, pois
a memória “[...] está inserida em um campo de lutas e de relações de poder,
configurando um contínuo embate entre lembrança e esquecimento”.
(GONDAR e DODEBEI, 2005, p. 7)
Para Bourdieu (1990, p. 28), muitas vezes o “campo de lutas” é o próprio
objeto do pesquisador. Este pretende revelar fatos e relações que nem sempre
são explícitos, pois muitas questões aparentam naturalidade, uma vez que, as
lutas e as relações de poder são aspectos pouco revelados da realidade social.
Bourdieu (1988, p. 19) acredita no interesse do pesquisador em produzir
um discurso verdadeiro, para desvendar o que está escondido e censurado no
mundo social.
Sendo assim, nosso objeto de pesquisa se insere no conceito de
“campo” de Bourdieu (1988, p. 86), pois ele o define como um espaço
estruturado de posições, onde dominantes e dominados lutam pela obtenção e
pela manutenção de determinados postos. Com as suas características
próprias, os campos possuem propriedades que lhes são particulares, onde
existem os mais variados tipos.
Nos processos de diferenciação social se formam os campos com os
seus “seres” e os seus modos de conhecerem o mundo. Neles, se apresentam
as relações de força entre os agentes (indivíduos e grupos) e as instituições
que lutam pela hegemonia, isto é, o monopólio da autoridade, que possui o
poder de ditar as regras e de repartir o capital específico de cada campo.
(BOURDIEU, 1988, p. 114)
A estrutura dos campos envolve lutas e tensões pela conquista de
posições e de capital. Desigualmente distribuído e acumulado, o capital
específico do campo, motiva os seus agentes a buscarem a sua posse
elaborando estratégias de luta. Aqueles que monopolizam a autoridade
específica ao campo tendem a organizar estratégias de conservação, opondo-
se aos dominados que detêm menos capitais e que procuram subverter a
dominação, articulando estratégias de subversão. Os momentos de crise
surgem quando a posição dos antigos dominantes é questionada pelos
dominados que procuram alterar as posições de poder. (BOURDIEU, 1988, p.
114)
17
Sendo assim, consideramos o bairro de Vila Isabel como um “campo de
lutas” e também como um “lugar de memória” do afrodescendente, porque,
segundo Nora,
5
“Cartas Patrimoniais são documentos, cartas, recomendações referentes à proteção e
preservação do patrimônio cultural, elaborados em encontros em diferentes épocas e partes do
mundo. São políticas de preservação do Patrimônio Nacional desenvolvidas por órgãos de
preservação que referenciam os valores patrimoniais quanto a seus aspectos sócio-culturais.
Na Carta de Atenas marca-se a primazia atribuída à definição dos contornos urbanos pelos
princípios do urbanismo e a necessidade de construções funcionais amplas e ensolaradas. O
documento caracteriza-se como referência para fundamentações ideológicas principalmente na
América Latina, ditando os projetos de urbanismo de muitas gerações.” www.portaliphan.gov.br
e www.trabalhosfeitos.com/ensaios/cartas_patrimoniais/736478.html Acesso em: 10.04.2012.
18
políticas de patrimônio são intrinsecamente conservadoras e elitistas,
uma vez que os critérios adotados para o tombamento terminam por
privilegiar bens que referem os grupos sociais de tradição européia,
que, no Brasil, são aqueles identificados com as classes dominantes.
19
reconhecimento e de valorização da história, cultura e identidade da população
afrodescendente.
Concordamos com Paul Ricoeur6 (2010, p. 17) quando defende a “[...]
ideia de uma política de justa memória [...]”, como também reconhecemos que
há um excesso de memória, um excesso de esquecimento e de erros de
memória, com os quais nos identificamos e contribuímos para continuar
construindo um registro mais justo. Através das pesquisas se percebe as
práticas de esquecimento, de silêncio e de apagamento em Três Rios. Sendo
assim, nos esforçamos em buscar esse passado, uma vez que Ricoeur (2010,
p. 71) nos diz:
Isso posto, este trabalho apresenta alguns objetivos, quais sejam: (a)
compreender os caminhos percorridos pelos libertos da Condessa do Rio Novo
e de seus descendentes, como também as suas relações com outros sujeitos
sociais; (b) perceber a “invisibilidade” destes no pós-abolição; (c) registrar para
promover e proteger a memória da Colônia Agrícola de Nossa Senhora da
Piedade; (d) apresentar as trajetórias de vida dos descendentes dos libertos e
suas relações com os habitantes do bairro de Vila Isabel, mostrando que estes
tentaram ampliar os espaços de construção de cidadania, em uma sociedade
que lhes negava o direito de serem cidadãos e; (e) valorizar a “memória
afrodescendente”, reconhecendo a sua importância na “memória social” de
Três Rios.
O recorte temporal selecionando o período de 1882 a 1951 se fez
necessário, uma vez que, estender a pesquisa além desse período, não era de
nosso interesse, pois o recorte ficaria muito longo para atender ao projeto que
apresentamos ao ingressar no curso de Doutorado. Sendo assim, o tema
comporta pesquisas futuras para além do referido recorte.
6
Para uma análise sobre “lembranças”, “memória”, “história” e “esquecimentos”, vide:
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp,
2010.
20
O trabalho está organizado em cinco capítulos. O primeiro apresenta o
processo de ocupação das terras em Paraíba do Sul e a formação da fazenda
de Cantagalo, destacando-se os estudos de Motta (1996) nos quais se percebe
que, desde o início de sua ocupação, essas terras foram palco de lutas e
conflitos. Localizou-se o espaço e conheceu-se um pouco do ambiente
senhorial e escravista em que Mariana Claudina Pereira Barroso cresceu e se
tornou a Condessa do Rio Novo. No mesmo capítulo analisa-se o contexto
histórico relacionado aos movimentos de fuga dos escravos e às outras formas
de busca pela sua liberdade. Nesse segmento se destacam as informações
obtidas nos periódicos “Parahybano” e “O Agricultor” e a contribuição de
autores como Machado (2010), Chalhoub (2003), Botelho (2005), Gomes
(2006), entre outros, para conhecer e analisar com mais clareza o contexto no
qual a pesquisa se insere.
Os segundo e terceiro capítulos consistem de uma releitura à pesquisa
empreendida no mestrado, a qual analisou o período de 1882 a 1932, que
compreendeu a alforria dos escravos da Condessa do Rio Novo, a criação da
Colônia Agrícola de Nossa Senhora da Piedade, o seu funcionamento e a sua
decadência. Machado (2010) contribuiu nas reflexões atuais a respeito dos
movimentos a favor da abolição nos anos de 1880. Jorge (2012) apresentou
notas de periódicos, que puderam ser analisadas e inseridas nas discussões
sobre o funcionamento da colônia e as dificuldades enfrentadas pelos libertos.
Rios e Mattos (2005) informaram sobre o “universo rural do século XIX”; assim
como Couceiro e Araújo (2003), entre outros, contribuíram na reinterpretação
de documentos analisados anteriormente. A inserção desses dois capítulos
após uma revisão da literatura e das análises dos documentos, além de
modificações na sua apresentação, foi imprescindível ao trabalho, uma vez que
estes complementam o atual momento de nossa pesquisa sobre os libertos da
fazenda de Cantagalo.
O quarto capítulo trata da continuação da pesquisa sobre a colônia nos
seus aspectos históricos, mostrando as transformações sociais, econômicas,
culturais e políticas ocorridas naquele espaço, nas décadas de 1930, 1940 até
o início da década de 1950, quando se transforma em bairro de Vila Isabel;
como também apresenta a definição dos conceitos de “memória coletiva”,
“memória histórica”, “memória do grupo nacional”, por Halbwachs (2006);
21
“memórias subterrâneas”, “lembranças traumatizantes”, “esquecimento”,
“silêncio”, por Pollak (1989); “abusos de esquecimento”, por Ricoeur (2010) e
de “identidade”, por Silva (2009). No início do capítulo, foram feitas algumas
considerações baseadas nos estudos de Schwarcz (2012) sobre o advento da
República no Brasil, identificando as influências desse regime nos sujeitos da
região pesquisada, na constituição do bairro Colônia (ex-colônia agrícola) e na
cidade de Três Rios. Posteriormente, com base nos estudos de Giarola (2010),
de Domingues (2002) e de Barros (2009), foram analisados alguns aspectos
sobre a política de branqueamento no início do século XX. Para construir os
segmentos das décadas de 1930 e 1940, foram utilizadas atas das
assembleias da Câmara Municipal de Paraíba do Sul e de Três Rios;
periódicos da Casa de Cultura de Três Rios (Jornal “A Tribuna”, “Jornal
Arealense” e “Entre-Rios” Jornal) e documentos cartoriais (Juntada do
inventário da Condessa do Rio Novo e Escritura de Doação de D. Nair Pereira
de Oliveira). Através dos estudos de Ribeiro (2009), percebe-se a definição das
identidades individuais e coletivas de Três Rios como modernistas,
progressistas, desenvolvimentistas. O capítulo encerra-se informando a troca
de nome do “bairro da Colônia” para “Vila Isabel”, em 1951.
O quinto capítulo foi construído a partir de entrevistas individuais, feitas
com descendentes dos libertos e com “informantes-chaves”, moradores antigos
que acompanharam as mudanças no bairro. Gomes e Duarte (2007)
forneceram elementos para a análise das relações sociais entre as famílias de
classes populares. As suas “trajetórias de vida” mostram os obstáculos, as
lutas e as dificuldades que se levantaram devido às “desigualdades sociais” no
país. Este capítulo, não teve a continuidade da contextualização histórica
empreendida nos capítulos anteriores, que avançaria para os anos de 1950 até
os dias atuais, pois, como dissemos anteriormente, o período se tornaria muito
longo para este trabalho. Nosso objetivo consistiu em registrar aquelas
trajetórias incluindo-as na “memória social” de Três Rios.
Ecléa Bosi (2010, p. 82) defende a importância da “memória dos velhos”,
pois através dela, podemos chegar a “[...] um mundo social que possui uma
riqueza e uma diversidade que não conhecemos”. Com isso, procuramos
descrever aquelas lembranças, pois “[...] momentos desse mundo perdido
22
podem ser compreendidos por quem não os viveu e até humanizar o presente.
A conversa evocativa do velho é sempre uma experiência profunda”.
Segundo Thompson (2002, p. 44),
23
Procuramos, seguindo as orientações de Gil, após a leitura dos dados,
interpretá-los e “integrá-los num universo mais amplo” para que fizessem algum
sentido; iniciando uma fundamentação teórica acerca das questões abordadas.
(GIL, 2011, p. 178-179)
Mediante o auxílio de uma teoria pode-se verificar que por trás dos
dados existe uma série complexa de informações, um grupo de
suposições sobre o efeito dos fatores sociais no comportamento e um
sistema de proposições sobre a atuação de cada grupo. (GIL, 2011,
p. 179)
24
1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS
7O Caminho Novo saía das margens da Baía da Guanabara, atravessava o rio Paraíba do Sul
e a Serra da Mantiqueira e atingia as lavras auríferas de Minas Gerais. Substituiu o Caminho
Velho para Minas, “[...] parcialmente marítimo da Guanabara até Parati, de onde se galgava a
Serra pela garganta do Cunha na alargada trilha dos Goianás, indo-se a Taubaté,
Pindamonhangaba e Guaratinguetá, a um tempo servindo a capital paulista e as lavras
mineiras”. LAMEGO, Alberto. O Homem e a Serra. 2ª edição. Rio de Janeiro: IBGE, 1963, p.
126. (apud, MOTTA, 1996, p. 29)
8 Vide Mapas – ANEXOS I a IV (apud, MOTTA, op. cit., p. 30).
25
concedida uma grande gleba de terras oficialmente devolutas, no sertão da
Paraíba, para que erigisse uma vila no “rio das águas claras”, sendo, então,
agraciado como donatário.9
Antonil (1711)10, no “Roteiro do Caminho Novo da Cidade do Rio de
Janeiro para Minas”, descreve a viagem mencionando as roças existentes no
trajeto, ressaltando as que pertenciam a Garcia Paes.
Ao longo do tempo, inúmeras fazendas foram abertas naquela região,
que se tornou palco de muitas lutas pela posse das terras. Garcia Paes formou
ali mais duas fazendas: a da Várzea e a da Paraibuna. Esta última adquirida
por um ex-arrendatário de Garcia: Christovão Rodrigues de Andrade, pai de
Hilário Joaquim de Andrade, futuro Barão do Piabanha. Posteriormente, o
Marquês de São João Marcos e seus irmãos, herdaram as outras fazendas,
terras e roças pertencentes ao desbravador do Caminho Novo.
A Fazenda da Farinha e a Fazenda do Silva foram abertas por volta de
1830, em terras herdadas pelo Marquês e arrendadas posteriormente. A
Fazenda da Serraria e a Fazenda do Travessão originaram-se das terras
herdadas pelo Barão do Piabanha; Francisco Rodrigues de Andrade, irmão do
Barão, denominou o seu quinhão de: Fazenda São João do Deserto.
Fazendo parte de nossos estudos, a Fazenda de Cantagalo11,
pertencente a Antonio Barroso Pereira, limitava-se com a Fazenda da Paraíba,
a Fazenda da Serraria e a Fazenda dos Embargos, de José Agostinho de
Abreu Castelo Branco, localizando-se às margens do rio Paraíba. Nessas
mesmas margens, encontrava-se ainda a Fazenda da Cachoeira, de Francisco
Antonio da Costa Barradas, herdada por volta de 1820 de seu sogro. (MOTTA,
1996, p. 31-32)
9 Foi, em 14 de agosto de 1711, “[...] avantajado com uma data com a natureza de sesmarias
como se houvesse de dar repartidas a quatro pessoas, nas formas das Reais Ordens, e que
não seriam contíguas à Vila senão na parte em que não pudessem haver contendas e que se
concederia mais a cada um de seus doze filhos uma data”. C.M.P.S. – Ata da Sessão de 26 de
janeiro de 1836. Vide Mapa 2 (apud, MOTTA, op. cit., p. 30). Vide Mapa - ANEXO II.
10 ANTONIL, André João. Cultura e Opulência no Brasil. 1711, 3ª edição. Belo Horizonte, Ed.
Itatiaia; São Paulo, Ed. USP, 1982, p. 184-185. (apud, MOTTA, op. cit., p. 31)
11
Ver: ANEXO XXXI, Figura 21, páginas 3 a 10, “Aspectos Históricos e Geográficos – Evolução
Social, Evolução Política, Distritos Componentes, Descrição do Território”, do município de Três
Rios – Estado do Rio de Janeiro. IBGE, 1948.
26
A ocupação de terras em Paraíba do Sul também foi registrada por Saint
Hilaire, em sua viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas (1816-
1822):
12SAINT HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Belo Horizonte, Itatiaia, São Paulo: USP, 1975, p. 43. (apud, MOTTA, op. cit., p. 38-39)
27
sistema de sesmarias, recorriam-se constantemente aos artigos das
Ordenações Filipinas13. (MOTTA, 1996, p. 39-40)
Em 1834, Antonio Barroso Pereira, senhor da Fazenda de Cantagalo, foi
acusado pelo Marquês, através de um procurador, de estar fazendo ranchos e
roças para pretos em uma das fazendas de suas terras, a da Paraíba.
Em um processo14 rápido e de poucas páginas, Antonio Barroso alegou
que possuía, além do lugar chamado Cantagalo, posse pacífica de duas
sesmarias havia mais de vinte anos. Mesmo não apresentando documentos ou
testemunhas que provassem o seu direito à terra, conseguiu suspender o
embargo de suas plantações, pois o Juiz entendeu que o Marquês de São João
Marcos não provou, na forma da lei, ser o verdadeiro senhor das referidas
terras.
Além dos processos jurídicos, a violência, os desmandos e os
assassinatos entre os fazendeiros, expressavam tragicamente a luta pelo
poder, envolvida com a ocupação, a expansão e a conquista das terras
naquela região.
Outra maneira de possuir força e poder consistia nos fazendeiros
assumirem o papel de Juízes de Paz. Nos anos de 1836 e 1837, Antonio
Barroso Pereira tornou-se Juiz de Paz15. (MOTTA, 1996, p. 48-49)
Os Juízes de Paz não conseguiam, na maioria das vezes, solucionar
litígios potenciais, mesmo porque muitas vezes estavam envolvidos nas
13
O sistema jurídico que vigorou durante todo o período do Brasil Colonial foi o mesmo que
existia em Portugal, ou seja, as Ordenações Reais, compostas pelas Ordenações
Afonsinas (1446), Ordenações Manuelinas (1521) e, por último, fruto da união das
Ordenações Manuelinas com as leis extravagantes em vigência, as Ordenações Filipinas, que
surgiram como resultado do domínio castelhano. Ficaram prontas ainda durante o reinado de
Filipe I, em 1595, mas entraram efetivamente em vigor em 1603, no período de governo de
Filipe II. As Ordenações Filipinas foram a base do direito no Período Colonial e também
durante a época do Império no Brasil. Fonte: http://pt.scribd.com/doc/33881697/Ordenacoes-
Filipinas. Acesso em: 02.09.2014.
14 A.J.R.J./P.E., 1834. Autor: Marquês de São João Marcos/Réu: Antonio Barroso Pereira.
(apud, MOTTA, op. cit., p. 45)
15 “Criado em 1827, o cargo de Juiz de Paz expressou -em teoria- o anseio dos liberais, que
viam na descentralização política a concretização de seus desejos. Com a autonomia
corporificada na pessoa do juiz eleito, responsável pela conciliação de litígios potenciais, o Juiz
de Paz tornar-se-ia símbolo daqueles que vislumbravam, em sua figura, uma independência
frente à justiça profissional. Após 1831, com a abdicação de D. Pedro e o consequente período
regencial, as responsabilidades do Juiz de Paz foram aumentadas através do Código
Processual de 1832.” (MOTTA, op. cit., p. 49)
28
questões. A sociedade, bastante complexa, não se resumia em senhor/escravo
ou grande fazendeiro/pequeno arrendatário. Formada por muitos personagens,
estes lutavam por terras, contra a pobreza e os preconceitos que lhes eram
imputados. (MOTTA, 1996, p. 51-52)
Naquela época, para se tornar senhor e possuidor de terras, os
interessados deveriam ocupá-las, exercer um poder efetivo, praticar atos
possessórios (cultivo; edificação de benfeitorias) para assegurar, na prática, o
direito e legitimidade sobre elas, não somente disputá-las na justiça colocando-
se como proprietários. (MOTTA, 1996, p. 57)
Motta (1996, p. 70) afirma que, na região de Paraíba do Sul, revelava-se
uma sociedade rural extremamente complexa no século XIX. O Marquês de
São João Marcos, que não mediu e nem demarcou as suas terras, presenciou
o apossamento sucessivo entre pequenos e grandes posseiros (sesmeiro com
situação de comisso) e arrendou outra grande parte delas. Outros fazendeiros
ficavam do lado de pequenos posseiros, procurando limitar o desejo de
expansão de seus pares, fazendo com que a pequena gleba apossada fosse
transformada em marco territorial das terras de outrem. Os pequenos
posseiros, aproveitando os embates, utilizavam o argumento de que teriam
sido os primeiros a cultivarem as referidas terras.
29
sua autonomia perante os senhores, pois como agregados ficava enfatizada a
sua condição de dependência.
Até a década de 1850 existiam terras devolutas e matas virgens na
região. Sendo assim, os fazendeiros, como também, outros agentes sociais
buscavam expandir os limites das terras originais ou ter acesso a elas.
O viajante Burmeister registra a sua viagem através das Províncias do
Rio de Janeiro e Minas Gerais, em 1852, informando sobre as matas virgens,
ao longo do Rio Paraíba:
Idem, p. 92)
30
desocupadas eram, na verdade, habitadas, ocupadas por nações indígenas.
Herdeiros de Garcia Paes não conseguiram deter a onda migratória vinda de
Minas e de outras regiões da Província do Rio de Janeiro. Poucos fazendeiros
ocuparam terras com a concessão de sesmarias, mas não se identificavam
legalmente como posseiros. Nos processos judiciais, inicialmente não podiam
afirmar que eram posseiros, começavam a argumentação informando a
ocupação mansa e pacífica, isto é, “[...] reafirmavam – mas não diretamente
sua condição de posseiro”. (MOTTA, 1996, p. 60) Grandes e pequenos
arrendatários questionavam os limites territoriais das fazendas de seus
senhores ou os conteúdos dos contratos. Outras vezes, vendiam as
benfeitorias realizadas nas terras arrendadas. Lavradores, vistos como
posseiros, na maioria das vezes, não conseguiam o direito à terra, mas outros
conseguiram declarar e registrar suas terras no Registro Paroquial. “Muitos
deles [...] se tornaram parte integrante da comunidade, [...] puderam, aos
poucos, transformarem-se em fazendeiros, numa trajetória de ascensão social”.
(MOTTA, 1996, p. 109). Existiam, ainda, lavradores roçando terras arrendadas.
31
O projeto de José Bonifácio obrigaria os sesmeiros a cultivarem a terra,
caso contrário, elas voltariam à massa dos bens nacionais; incluía uma política
de venda de terras; proibia novas doações, entre outros. Esse projeto jamais
saiu do papel, uma vez que “[...] feria claramente os interesses dos grandes
fazendeiros (sesmeiros ou grandes posseiros)”.19
No projeto de lei agrária de Padre Feijó, a proposta era ambiciosa, “[...]
pretendia democratizar o acesso à terra – ao defender uma nova orientação na
distribuição de terra no país-, e também tentava lidar com a questão da defesa
do direito de propriedade”. 20 Assim como o projeto de José Bonifácio, o projeto
de Padre Feijó também não saiu do papel.
As propostas
32
resolve também que “[...] as terras devolutas seriam definidas por exclusão das
terras particulares[...]” e que “[...] haveria uma reserva de terras devolutas para
fins de colonização, fundação de povoações, abertura de estradas, construção
naval”. (MOTTA, 1996, p. 201)
Ficou também estabelecido com a lei, sobre a legitimidade e a
revalidação das terras possuídas que: seriam revalidadas, aquelas nas quais
houvesse cultivo, seja nas sesmarias, seja nas posses mansas e pacíficas
daqueles primeiros ocupantes. Assim, em um prazo determinado, deveriam ser
demarcadas “[...] as terras adquiridas por posses, sesmarias ou outras
concessões [...]”. (MOTTA, 1996, p. 202) Seria conservada a posse, somente
da área cultivada, daquelas terras caídas em comisso, porque seus
possuidores não procederam à medição; os possuidores ficaram obrigados a
tirar títulos de suas terras, além do fato de que o registro paroquial22 de terras
possuídas tenha ficado organizado por freguesia.23
Os grandes fazendeiros eram, na verdade, os posseiros que a lei
tentava beneficiar e legalizar; embora também dela se beneficiassem os muitos
pequenos posseiros. Sendo assim, a lei permitia uma “[...] possibilidade de
democratizar o acesso à terra, ao salvaguardar os interesses dos lavradores
que haviam ocupado pequenas parcelas de terras, antes da aprovação da lei”.
24
22 Esses registros “tornaram-se obrigatórios para ‘todos os possuidores de terras, qualquer que
seja o título de sua propriedade ou possessão’. Eram os vigários de cada freguesia os
encarregados de receber as declarações para o registro de terras. Cada declaração deveria ter
duas cópias iguais, contendo: ‘o nome do possuidor, designação da Freguesia em que estão
situadas; o nome particular da situação, se o tiver; sua extensão, se for conhecida; e seus
limites’”. (MOTTA, op. cit., p. 211)
23Lei número 61, de 18 de setembro de 1850. Brasil. Ministério Extraordinário para Assuntos
Fundiários. Coletânea: legislação de registro públicos, jurisprudência. Maria Jovita Wolney
Valente (elaboração). Brasília, 1983, p. 357-361. (Idem, p. 201-202)
24 Para maior entendimento sobre a legitimização das terras e os significados da Lei de 1850,
vide: (MOTTA, p. 204-227)
33
Após vinte anos, nos anos de 1870, a visibilidade do fracasso da Lei, no
que tange à política de regularização fundiária era possível, devido aos
Relatórios Oficiais do Ministério da Agricultura. Um deles apontava para a
necessidade de ela ser revista, porque não tinha impedido, sequer, “[...] o
abuso da invasão das terras públicas”. Elas continuavam a ser invadidas e a
madeira de lei, existentes em suas matas, vendidas, possuídas ilegalmente.
(MOTTA, 1996, p. 218)
Outra dificuldade encontrada era de “[...] discriminar as terras públicas
das privadas [...]”, pelos órgãos responsáveis. Essa questão somava-se “[...] à
união de interesses dos grandes fazendeiros para impedir que parte das terras
devolutas servisse para os aldeamentos indígenas [...]”, de acordo com a lei.
As Câmaras Municipais da Província do Rio de Janeiro, não respondiam aos
ofícios do Presidente “[...] sobre o número de índios nas aldeias e extensão e
valor de suas propriedades [...]” e também “[...] tendiam a não responder às
solicitações referentes à existência de terrenos devolutos em seus respectivos
municípios”. (MOTTA, 1996, p. 219-220)
Em março de 1885, as Câmaras Municipais receberam uma circular do
Governo solicitando informações sobre a existência de terrenos devolutos.
Algumas delas responderam: “[...] temos a honra de informar que neste
município não há terrenos devolutos”. 25
Os vereadores das Câmaras Municipais da Província do Rio de Janeiro
eram os grandes fazendeiros. Estes conseguiram se consagrar os senhores
das terras. Criaram a ficção de que não havia mais terras devolutas e
continuaram, como também os lavradores, “[...] a expandir suas terras pelas
portas dos fundos de suas fazendas e sítios”. (MOTTA, 1996, p. 221)
Motta (1996, p. 222) esclarece que, provavelmente os senhores de
terras não quisessem cumprir a determinação legal por ter “[...] uma dúvida, ou
seja, se o registro de suas terras lhes seria vantajoso ou não”.
25 Os seguintes municípios responderam à circular: “Barra Mansa, Barra de São João, Cabo
frio, Cantagalo, Capivari, Iguassú, Itaguaí, Niterói, Nova Friburgo, Paraíba do Sul, Parati, São
Fidelis, São João da Barra, Sapucaia e Vila do Carmo). A.P.R.J. Correspondência recebida
pela Presidência das Câmara Municipais, 12 de março de 1885”. (apud, MOTTA, 1996, p. 220-
221)
34
Segundo o Almanaque Laemmert de 1858, em Paraíba do Sul, 40% dos
fazendeiros inventariados não registraram as suas terras, até aquela data; e
cerca de 80% destes “[...] ocultaram a forma como as haviam adquirido”.
(MOTTA, 1996, p. 228)
Para que houvesse o reconhecimento de um posseiro como senhor e
possuidor de determinada terra era preciso ter prestígio, poder e sorte, pois
todos os seus confrontantes deveriam reconhecer fielmente a realidade da área
ocupada ao registrarem as suas respectivas terras. Os barões do café, por
exemplo, “[...] tinham mais chances de salvaguardar o seu domínio registrando-
o e vendo-o reconhecido por outros”. (MOTTA, 1996, p. 236) Todos os barões
possuidores de terras em Paraíba do Sul (Barão do Piabanha, Barão da
Paraíba, Barão de Entre Rios, Barão do Rio Novo, Barão de Lages e Barão de
Diamantina) registraram-nas, seguindo as determinações legais.
Entre os barões citados pela autora, encontra-se o Barão de Entre-Rios,
Antonio Barroso Pereira, cujo registro de sua fazenda nos interessa observar.
Seu genro, o Barão do Rio Novo, como seu procurador, registrou a Fazenda de
Cantagalo, em fevereiro de 1857, enumerando dois confrontantes: ele próprio e
o fazendeiro Albino Lúcio de Figueiredo Lima, sendo que este não tinha
registrado as suas terras. Antonio Barroso registrou também a sua outra
fazenda. Nesse registro, os limites foram reconhecidos por três dos seis
confrontantes: o Barão do Piabanha, o fazendeiro José Antonio Henriques e
seu genro. “Para além do rio Paraíba, em frente a sua casa no Porto [...]”, onde
tinha rancho e pasto, registrou um terreno, não declarando a sua extensão e
nem citando os seus confrontantes. Com relação à extensão, não as declarou
em nenhum dos três casos.
Motta (1996, p. 238-239) acredita que não foi por descuido que o Barão
de Entre Rios tenha registrado com tanta imprecisão as suas terras. Um
ajudante de piloto de corda, Antonio Bernardes de Oliveira, conhecido como
Antonio Pascoal, que participou da medição das referidas terras, desafiou-o
alegando que parte delas não lhe pertencia. Na tentativa de não permitir a
apropriação de terrenos por Antonio Bernardes, na região onde trabalhara, o
35
Barão foi autor de um processo contra este, em janeiro do mesmo ano, quando
procedeu ao registro das terras.26
Antonio Pascoal saiu derrotado em setembro de 1858, depois de muitos
esforços e interpretações da Corte que, salvaguardou os direitos do Barão de
Entre Rios. (MOTTA, 1996, p. 263)
Durante o processo, contudo, a decisão da justiça municipal em aceitar
os argumentos do Barão de Entre Rios contra Antonio Pascoal, teve
desdobramentos graves entre os agregados, arrendatários e fazendeiros da
região.
Para Motta (1996, p. 286), não foi coincidência que os agregados do
Barão do Piabanha tenham se sublevado, em 17 de março de 1858, ocupando
a Fazenda Travessão, que pertencia ao seu filho, o qual ficou mantido em
cativeiro. Somente “[...] 10 dias depois de ter sido iniciada, a revolta foi
sufocada e o chefe de polícia pôde ter a certeza de que a ordem pública no
município de Paraíba do Sul havia sido restabelecida”. O Barão do Piabanha
saiu vitorioso e “[...] em nenhum momento foi posta em dúvida a extensão
territorial de suas terras”. 27
Aquele levante foi o “[...] conflito mais explosivo de uma série de conflitos
agrários ocorridos na região [...]”; resultado de “[...] um processo de lutas pelo
direito à terra, que permitiu a consolidação de uma comunidade de agregados
que se esforçavam por se constituírem como pequenos posseiros”. (MOTTA,
1996, p. 292)
Após esse breve relato sobre dois entre os diversos conflitos que se
travaram na região de Paraíba do Sul, voltamos a recordar que “[...] a região do
Cantagalo e as fazendas e sítios ali localizados estavam em terras que
anteriormente haviam pertencido aos herdeiros de Garcia Rodrigues Paes”.
Portanto, uma área que vivenciara várias tentativas e lutas pela posse de
terras. A fazenda do Barão de Entre Rios, no Sertão do Cantagalo, localizava-
se nos “[...] fundos da sesmaria de Fernando Dias Paes Leme”. (MOTTA, 1996,
p. 281)
26Para maiores detalhes do conflito de terras entre o Barão de Entre Rios e o seu agregado
Antonio Bernardes, vide: Motta, 1996, p. 251-263.
27 Para saber mais sobre a sublevação em 1858, vide: Motta, op. cit. p. 286-289.
36
Em Paraíba do Sul,
37
mãe e dedicando-se à administração de suas propriedades. Eram de sua
propriedade então: a Fazenda Boa União; a Fazenda de Cantagalo; imóveis
em São João Del Rei; uma residência na Rua 1º de Março no Rio de Janeiro e;
duas casas de veraneio na Rua do Imperador, em Petrópolis. (JORGE, 2012,
p. 34-39)
Entre aquelas propriedades, a Fazenda de Cantagalo era constituída de
29“De acordo com o livro 2-AP, fls 292, registro 11.724 do Cartório de Registro do 1º Ofício de
Justiça de Três Rios”. (JORGE, 2012, p. 45-46)
38
Na busca por fontes30 e bibliografia que pudessem contribuir na
construção do trabalho, procuramos um membro do Instituto Histórico e
Geográfico de Paraíba do Sul, que relatou estar preocupado com o futuro de
documentos históricos que se encontravam sob sua responsabilidade. Não
existe um local formal para que o referido instituto realize as suas funções.
Segundo o informante, os outros membros também possuem documentos
históricos em seu poder. Tais documentos despertaram nosso interesse uma
vez que poderiam conter dados importantes para a pesquisa.
O senhor chamado Vicente Torres de Castro, também conhecido como
Timvicente Torres, armazenou em nove Compact Disc (CD-ROM) os seguintes
dados: dois CD-ROM do periódico “Parahybano”, de julho a dezembro de 1868
e julho a dezembro de 1869; sete CD-ROM do periódico “O Agricultor”, de
janeiro de 1873 a agosto de 1873 e de novembro de 1873 a janeiro de 1874.
A despeito de se tratar de um período bem anterior à formação da
colônia agrícola e da libertação dos escravos da Condessa do Rio Novo,
poderia haver algum indício de resistência escrava na região pesquisada. Por
isso, debruçamo-nos sobre aqueles arquivos na tentativa de encontrar algum
fato ligado aos movimentos de contestação à escravidão.
No jornal “Parahybano”31, pudemos constatar ter havido uma quantidade
considerável de casos de fugas de escravos, que ocorriam recorrentemente,
durante o período analisado. 32
Chamou a atenção a quantidade de fugas e de escravos fugidos. No
total foram 17 (dezessete) casos de fugas em um período de 1 (um) ano.
Sendo que 7 (sete) casos de julho a dezembro de 1868 e 10 (dez) casos de
julho a dezembro de 1869. Nos sete casos de fugas de 1868, somou-se um
total de oito escravos, sendo que, em um dos casos, dois escravos fugiram
juntos da mesma fazenda. Nos dez casos de 1869, somou-se um total de
30
Para auxílio no levantamento de fontes, ver: Guia Brasileiro de Fontes para a História da
África, da Escravidão Negra e do Negro na Sociedade Atual. Fontes
Arquivistas/Coordenação do Arquivo Nacional. 2 v. Rio de Janeiro – Sergipe. Brasília, 1988.
31“Jornal Político, Litterário e Noticioso. Publica-se às quartas-feiras e sábbados. Subscreve-se
na Rua do Imperador. Preço Adiantado – Parahyba do Sul – Por um anno...12$000. Preço
Adiantado – Para Fora – Por um anno...14$000”.
32
Vide: Tabela de Dados de Escravos Fugitivos-1868/1869 – ANEXO VI.
39
quatorze escravos. Em dois casos, houve fuga de dois escravos da mesma
fazenda e em outro, três escravos fugiram juntos também. Todos do sexo
masculino. O número de escravos fugidos de um ano para o outro quase que
dobrou.
Embora a média de escravos fugidos girasse em torno de um a dois por
mês, chama a atenção o fato de que, em dezembro de 1869, oito escravos
tenham fugido.
Apesar de serem oferecidas gratificações para aqueles que porventura
capturassem escravos fugidos, nos jornais pesquisados, não encontramos
menção se, naqueles casos, algum escravo foi capturado. Dos dezessete
casos, onze ofereciam gratificações sem mencionar a quantia; cinco ofereciam
50$000 (cinquenta mil réis), parecendo um valor com o qual os fazendeiros
concordavam em pagar para terem seus escravos de volta; somente um
ofereceu 100$000 (cem mil réis), pois, provavelmente, poderia tratar-se de um
escravo de valor considerável. Em quatro casos apareceram ameaças de
punição com o rigor da lei a quem porventura acoitasse um escravo fugido, ou
seja, a prática de acoitamento aos fugitivos ocorria.
Dos vinte e dois escravos listados e analisados, quatorze eram crioulos,
isto é, escravos nascidos em seu país de cativeiro, oposto ao de Nação
(SIMON, 1996, p. 128), sendo que seis deles aparecem com os locais de suas
origens: Minas, Sergipe, Bahia, Guaratyba, Villa da Estrella e Norte. Os outros
oito não aparecem com as informações de suas origens. Cinco eram africanos,
de nação, sendo que quatro aparecem com as suas origens: dois do Congo,
um de Moçambique e um Inhambane. Parecido com o caso anterior, um
escravo não aparece com a informação de sua origem. A quantidade de
crioulos fugidos era bem superior, mais do que o dobro do número de
africanos.
Com relação às fazendas de onde aqueles escravos eram provenientes,
interessante observar que cinco casos de fugas se deram na região de
Bemposta33; duas na de Parahybuna; uma na do Piabanha; uma na de
Serraria; uma na de Entre Rios; uma na de Areal e uma na de Sant’Anna do
40
Deserto. Toda essa região ficava próxima ao povoado de Entre Rios, onde se
localizava a Fazenda de Cantagalo, mas não houve notícia de que algum
escravo tivesse fugido dessa fazenda.
Quanto à idade, cinco tinham de 18 a 24 anos; seis de 27 a 38 anos;
quatro tinham 40 anos; sete não constam a idade. A maioria então, em idade
produtiva. Quanto às profissões, somente de seis constavam: oficial de alfaiate;
preto de ganho; oficial de carpinteiro; pedreiro; de roça e arreiador; e de roça,
que faz telha. Dezesseis estavam sem registro de profissão. Nos registros
consta que um deles sabia ler e outro era considerado inteligente.
Quatro deles apresentavam feridas no corpo: um com sinais de castigo;
um com feridas no peito e nas costas; um nos pés e outro nas pernas.
Ao analisar e descrever todos os dados acima inferiu-se que uma
atmosfera de subversão com relação à escravidão se fazia sentir naqueles
acontecimentos.
Ainda naqueles periódicos, aparecem mais duas notícias mostrando um
ambiente movimentado por sujeitos sociais subvertendo a ordem, como
podemos observar abaixo:
A Pedido
Jury
Desta vez entrarão em julgamento os escravos que estão sendo
processados como assassinos do capitão Lino Manoel da Costa?! A
demora da justiça é injustiça.
Um jurado (Jornal “Parahybano”, 03.11.1868)
Mao trato – Houve quem visse passar nesta villa um escravo, que,
tendo fugido e sendo capturado, ia conduzido por modo selvagem :
os condutores davão puxões nas partes delicadas para o fazerem
caminhar mais depressa, entretanto que o pobre crioulo estava
visivelmente doente. Esta scena causou riso a alguns des-humanos;
mas geralmente indignação. Não é o primeiro caso: já vimos dous
destes conductores que querião que um crioulo algemado e velho
seguisse ao passo largo das bestas que os mesmos cavalgavão; e
só por intervenção nossa e de companheiros de viagem, tiverão de
ceder. (Jornal “Parahybano, 25.11.1868)
41
Dissemos anteriormente que, daqueles escravos fugidos, analisados nos
anos de 1868 e 1869, não se encontram notícias sobre sua captura. Contudo,
pela notícia acima, conclui-se que outros escravos foram capturados e
maltratados e que pessoas comuns interferiam no processo de violência contra
eles.
A interferência daqueles atores sociais se expandiu das ruas para as
próprias casas dos senhores de escravos, caso a violência fosse ouvida ou
presenciada.
Barbaridade
Sr Redactor – Tenha a bondade de levar ao conhecimento do
público, dando inserção nas colunnas de seu muito acreditado jornal
ao seguinte e horroroso facto:
No domingo próximo passado, à vista de Deos e todo mundo, e
em pleno dia, foi barbaramente castigado em uma casa desta villa
um pobre escravo, que, por ser muito notório o facto, não declinamos
o nome do calcanico senhor, que só faltou bater com um malho,
como em uma bigorna, nas fontes de sua vítima!...
É sabido, Sr. Redactor, que taes castigos não podem ser
infligidos em um lugar civilisado, onde há humanidade, e autoridades
a quem se deve recorrer, quando os escravos commeterem grandes
faltas, a fim de dar-se o competente correctivo.
Assim, Sr. Redactor, V., como defensor da humanidade, há de
permitir que eu me sirva deste meio para chamar a attenção das
mesmas autoridades, a fim de que não se reproduzão factos tão
bárbaros, que fazem lembrar os tempos inquisitoriaes, e que a
civilização do século repelle.
Fazendo-me este favor, Sr Redactor, muito obrigará ao seu
constante leitor e
Amigo da Humanidade (Jornal “Parahybano”, 23.12.1868)
42
Já o Jornal “O Agricultor”34, destacam-se as análises a seguir. 35
O número de casos de fugas continuou alto na região. Foram 18
(dezoito) casos, envolvendo 22 (vinte e dois) escravos nos dez meses
analisados. Uma média de dois escravos por mês.
Comparando o conteúdo dos dois jornais analisados, percebe-se que,
quatro anos depois, as fugas se generalizaram para outras fazendas de
Paraíba do Sul. Já não se concentravam próximas à Fazenda de Cantagalo,
mas se espalharam para outros locais mais distantes. Até mesmo duas fugas,
uma de dois escravos do município de Valença, e outra, de um escravo que
fugira no Rio de Janeiro, mas pertencia a uma senhora de Juiz de Fora,
também foram noticiadas. Cinco casos de fugas aconteceram em Santo
Antonio da Encruzilhada. Foi o local onde apareceram mais casos, sendo que
em um deles, fugiram quatro escravos de uma só vez. Dos outros onze casos,
somente dois continuaram próximos à Fazenda de Cantagalo: um em Serraria
e outro em Bemposta. Os nove restantes aconteceram nos locais seguintes:
Cebolas; Fazenda de Santo Amaro; Fazenda de Cachambú; Grama; Sítio
Recreio; Fazenda do Capitão João Gomes de Aguiar; Fazenda Santo Elias;
Fazenda Santa Innocencia e Fazenda de João Jacintho. Novamente contata-se
que, não fora noticiada nenhuma fuga de escravos da Fazenda de Cantagalo.
Dos vinte e dois escravos fugidos, oito eram crioulos, mas somente três
aparecem com origem, sendo um de Pernambuco, um do Pará e uma da Côrte;
oito africanos, sendo que seis aparecem com as seguintes nações:
Moçambique (2), Benguela (2), Rebolo (1), Cabinda (1), os outros dois
africanos aparecem como de nação; três aparecem como pardos; e três sem
origem. Diversamente do primeiro grupo analisado anteriormente, o número de
africanos fugidos se iguala ao de crioulos, aumentando, assim, a quantidade de
africanos fugitivos. Duas escravas aparecem nesse grupo, diferentemente do
primeiro grupo analisado que era formado somente por homens.
43
Com relação à idade, oito tinham de 20 a 26 anos; dois tinham 30; um
tinha 40; um, que fugia pela segunda vez, tinha 50, e dez aparecem sem a
idade especificada. Não se pode afirmar quantos estavam em idade produtiva,
mas pelo menos a metade do grupo tinha entre 20 a 30 anos.
Quanto às gratificações, o valor de 50$000 (cinquenta mil réis) ainda era
um valor consensual entre os senhores para ter de volta os escravos fugidos,
uma vez que, em oito casos, foi esta a quantia oferecida. Em onze notícias,
falou-se apenas que seriam gratificadas as pessoas as quais prendessem os
fugitivos. Em um desses casos ofereceu-se pagar as despesas com o
transporte. Em três fugas ofereceram 100$000 por cada escravo, sendo que
em um destes era uma escrava que estava há sete meses desaparecida. O
seu senhor dizia que ela não tinha motivos para fugir, como se a condição de
escrava não fosse motivo suficiente para isso, e que, provavelmente, deveria
ter sido seduzida. Em quatro casos havia ameaças de punir com todo o rigor da
lei a quem acoitasse os ditos escravos.
Um escravo aparece com a profissão de pedreiro; uma escrava tinha
sido mucama, mas fazia o trabalho na roça quando fugiu. Dos demais não são
mencionadas as profissões.
Um deles aparece com cicatrizes de pancadas nas costas.
Nos casos acima, percebe-se que os anos de 1860 e 1870, com relação
à fugas na região, foram movimentados. Seus corpos com feridas; com marcas
de pancadas; vestidos em sua maioria com roupas de algodão; descalços ou
poucos deles, calçados; com seus chapéus e japonas. Enfim, saíam daquelas
fazendas apenas com as roupas do corpo. Em nenhum dos fatos citados
mencionou-se que tenham levado algo para dar início a uma vida não se sabia
onde. O mais importante é observar que fugiram, tentaram mudanças na sua
condição cativa, reagiram.
Continuando com a proposta de perceber mudanças na mentalidade dos
sujeitos sociais da região, outra notícia no jornal “O Agricultor”, de 23 de janeiro
de 1873, demonstra claramente uma simpatia pelas ideias emancipacionistas:
Emancipação
Com este título, lê-se no Mercantil de Petrópolis: “Uma
senhora, mui distincta por suas virtudes e das mais estimadas da
sociedade fluminense, D. Carolina Souto, cuja perda lamentamos,
44
libertou por testamento cincoenta dos seus captivos, a muitos dos
quaes fez consideráveis legados.
D’Entre os casos de alforria voluntária que frequentemente se
publicão, é esse um dos casos dignos de louvor. (Jornal “O
Agricultor”, 23.01.1873)
Evasão
Na noite de 22 para 23, conseguirão evadir-se da cadeia desta
cidade, quatro escravos do commendador Bastos e um que estava a
muito tempo detido por fugido; do exame que se fez na prisão onde
elles estavão deprehende-se que alguém da parte de fora, protegido
pela escuridão que reinava [...]36 (Jornal “O Agricultor”, 26.01.1873)
36
O restante da frase foi danificado.
45
arcabouço de comportamentos percebidos nas fazendas de cafeicultura, seja
no Oeste Paulista, seja no Vale do Paraíba fluminense.
Alguns historiadores defendem a ideia de que o aumento daqueles
crimes esteve ligado aos escravos vindos em massa nos anos de 1870, recém-
chegados, desenraizados, através do tráfico interprovincial.
Segundo Machado (2010, p. 36-37), analisando os autos criminais, o
conflito era muito mais complexo nos crimes cometidos “[...] contra a figura
senhorial e os fiscalizadores do trabalho”. Estes estavam ligados a “[...]
questões cruciais atinentes à autonomia escrava e à problemática do trabalho
fiscalizado no processo de transição.”
Os ataques violentos contra os senhores e os feitores tinham como
justificativa os castigos injustos e o não cumprimento das obrigações
senhoriais, que se percebia existirem naquelas fazendas. Entre elas podemos
citar: roças próprias, pequeno comércio dos produtos advindos das mesmas,
“[...] um ritmo de trabalho próprio ao grupo [...]”, folga semanal, remuneração
pelo trabalho a mais que se realizava, alimentação e vestuário.
46
das costas, Caetano era crioulo, fugiu do Registro do Parahybuna, e tinha na
garganta uma cicatriz de uma ferida que tivera. Todos os dois com aparência
de bem castigados. 37
Ignácio Mineiro, que fugira com João da fazenda do Retiro, tinha
parentes em Pitangui – MG e desconfiava-se que tinha seguido para lá. Ignácio
deveria mostrar-se saudoso de sua província de origem, daí a desconfiança de
que poderia ter voltado para lá. Os fatos narrados levam a pensar que Ignácio
e João agiram sigilosamente, partiram para a ação, ou seja, estabeleceram
laços de solidariedade em relação ao projeto conjunto.
Firmino fugiu da fazenda Laranjeiras em Entre Rios, levando uma argola
no pescoço e uma carapuça de preto do ganho. Era provável que tivesse
fugido para a Corte, pois fora preso lá uma vez, na rua do Aterrado. Esse
escravo transferido de Sergipe pelo tráfico interprovincial deixara para trás as
suas experiências vivenciadas naquele lugar. Como também, tivera
experiências como escravo do ganho na Corte. Provavelmente não se
conformara em estar trabalhando na roça, longe de Sergipe e em um trabalho
diferenciado do que fazia na Corte. Além disso, a argola no pescoço indicava
que estava cumprindo pena, conforme o Artigo 60 do Código Criminal do
Império38, provavelmente depois de ter sido preso na Corte. Contra tudo isso,
reagiu fugindo novamente.
Fellipe, de Nação e Daniel, crioulo do Norte, que possuía sinais de
queimadura em uma das pernas, fugiram juntos em 1869. Novamente
observam-se laços de solidariedade e possíveis castigos em um escravo vindo
através do tráfico interno.
Antonio, originário da Bahia, também apresentava marcas de ferida no
peito do pé. Contudo, fugiu, talvez tentando voltar para o seu lugar de origem.
Pela recompensa que ofereciam, 100$000 (cem mil réis), o dobro das demais,
provavelmente era um escravo valoroso.
37
Vide: Tabela de dados de Escravos Fugitivos – 1869/1869 – ANEXO VI.
38“Estabelecia que ‘Se o réo fôr escravo, e incorrer em pena, que não seja a capital, ou galés,
será condenado na de açoites, e, depois de os soffrer, será entregue a seu senhor, que se
obrigará a traze-lo com um ferro, pelo tempo e maneira que o Juiz designar’. Código Criminal
do Império, p. 150”. (GUIMARÃES, 2011, p. 10)
bdjur.stj.jus.br?xmlui/bitstream/handle/2011/65405/criminalidade_escravidao_guimaraes.pdf?se
quence=1 Acesso em: 25.09.2014.
47
Marcos, que fugiu de Valença, tinha no corpo alguns sinais de castigo.
José Miguel e Laurindo; João e Martinho, duas duplas fugitivas e,
provavelmente, solidárias.
Domiciano, de Nação; Norberto, de Pernambuco, e Manuel, pardo,
tinham feridas na canela, nas pernas e cicatrizes de pancadas nas costas,
respectivamente. Nos dois primeiros, as feridas eram sinais de castigo? Na
notícia da fuga, assim como em outras também, falam de feridas, mas não as
explicam. Mas, a informação das cicatrizes de pancadas nas costas de Manuel,
explicitara o motivo de ele ter fugido. 39
Domingas, “creoula”, fora mucama na Corte, tornando-se roceira em
Paraíba do Sul. Fugiu, muito provavelmente, por não estar satisfeita com a
mudança radical de vida. Mudara de cidade, de um contexto urbano para um
contexto rural e para uma função muito mais exaustiva. Seu senhor dizia que
ela deveria ter sido seduzida, porque não tinha motivo algum para fugir.
Eulália nascera em Paraíba do Sul, não sofrera as agruras do tráfico
interprovincial, mas, segundo a descrição do jornal, tinha, na cabeça, “uma
brecha velha”. Assim, fugir significaria não ser mais castigada.
Joze, Pedro, Frederico e Jacintho; quatro africanos solidários, que
fugiram juntos. E, finalmente, Messias e José, outra dupla de fugitivos.
Os demais: Tiburcio, Lazaro, Mariano, Galdino, Manoel Moçambique,
Bento, Marianno Moçambique, Cesário, Paulino, Jacob, Martins, José, Pedro
Germano, Manoel Moçambique de Juiz de Fora, Bueno, Vicente, Augusto e
Benedito; que constam nas duas tabelas, não tiveram revelados, nas suas
notas de fuga, detalhes como os demais que citamos acima, mas seus nomes
aparecem aqui para que fiquem registrados como sujeitos sociais que tentaram
livrar-se do cativeiro.
Vimos que os casos de violência no meio rural multiplicavam-se. E no
meio urbano? Embora os sujeitos sociais analisados na pesquisa deste
trabalho pertençam ao meio rural, não poderíamos deixar de citar a
contribuição de Sidney Chalhoub em sua obra: “Visões da Liberdade: uma
história das últimas décadas da escravidão na Corte” (2003, p. 20).
39
Vide: Tabela de Dados de Escravos Fugitivos – 1873/1874 – ANEXO VII.
48
Concordamos com o autor já no início de sua fala, quando diz preferir o termo
“processo histórico” em vez de “transição”, ao se referir aos últimos anos da
escravidão, pois os rumos da história não estavam previamente determinados.
Seu esforço foi o de “[...] recuperar a indeterminação, a imprevisibilidade dos
acontecimentos [...].” O autor diz que isso é crucial “[...] se quisermos
compreender adequadamente o sentido que as personagens históricas de
outra época atribuíam as suas próprias lutas”.
Chalhoub (2003, p. 23) interpreta as concessões ou doações da classe
dominante desse período como uma conquista dos escravos. Essas práticas
tornaram-se uma “[...] ‘necessidade’ diante das condições históricas específicas
do exercício da dominação”.
O autor faz parte daquele grupo de historiadores, citados por Machado
anteriormente, que atribui ao tráfico interno, as reações violentas dos negros
aos seus novos senhores, aos ”[...] donos das casas de comissões – lojas de
compra e venda de escravos [...]”, na tentativa de fugir e voltar para a sua
província de origem, onde deixaram as suas famílias. Não queriam ir para as
fazendas de café, e nem desempenhar tarefas com as quais não estavam
acostumados. (CHALHOUB, 2003, p. 27)
49
de 63.571, e a de mulheres, 37.754, somando um total de 101.325. A
população livre somada à população escrava era de 342.878 habitantes.
Ao longo do século XIX, nas províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais,
São Paulo e Espírito Santo, o café se tornara o motor da economia brasileira
como um todo. “Coerente com o forte crescimento econômico, houve um rápido
incremento da população. [...] O apoio na mão de obra escrava fez com que na
região ela se apresentasse em altos índices.” Sendo assim, vindos do Nordeste
açucareiro através do tráfico interno, “[...] o grosso da população mancípia [...]”
se concentrou no Sudeste, após 1850. (BOTELHO, 2005, p. 70-71)
Com isso, a população da província do Rio de Janeiro, em 1854,
apresentava os seguintes números: homens livres = 268.924; mulheres livres =
255.282; total = 524.206; escravos = 311.294; escravas = 212.725; total =
524.018. A população total somava 1.048.224 habitantes. (BOTELHO, 2005, p.
78)
Observa-se, então, que a população escrava na província do Rio de
Janeiro saltara de 101.325, em 1823, para 524.018, em 1854. Um aumento de
422.693 escravos em 31 anos; 13.635 escravos por ano. Essa população
praticamente se igualou à população livre que era de 524.206. Uma população
escrava muito alta, considerando que, no Brasil, no mesmo ano, a população
total de escravos era de 1.840.138. Quase 30 % dos escravos do Brasil
estavam concentrados somente na província do Rio de Janeiro. (BOTELHO,
2005, p. 77-78)
Nos estudos de Botelho (2005, p. 80), o auge da população escrava na
província do Rio de Janeiro aparece no ano de 1854. Em relação ao ano de
1872, o autor nos fornece as seguintes informações: homens livres = 256.296;
mulheres livres = 234.283; total = 490.579; escravos = 162.394; escravas =
130.243; total = 292.637. População total = 783.216. A população diminuíra em
265.008 habitantes, denotando uma queda significativa de habitantes da
província e do número de escravos, dezesseis anos antes do fim da
escravidão, além de uma queda pequena da população livre.
Como se explica esse decréscimo da população? A movimentação
quanto às alforrias aumentaram, uma parte da população escrava se tornara
livre, é verdade, mas a população livre teve o seu número de habitantes
50
diminuído também. Como explicar a queda da população escrava em 231.381
e a população livre em 33.627 habitantes?
Gomes (2006, p. 30-31) informa que, entre os anos de 1855 e 1856, o
Cólera “[...] provocou alta mortalidade na população escrava tanto no centro da
cidade como no interior da província. Na Corte Imperial, das 4.899 vítimas do
Cólera, 2.523 eram escravas.” Os cativos foram mais atingidos ainda, nas
áreas rurais.
51
Os cenários político e social do país se modificaram, pois, durante
cinco anos, as famílias perderam filhos, irmãos, pais, esposos, parentes ou
amigos. “Nas prisões públicas encontramos ex-escravos reconduzidos ao
cativeiro pelos seus senhores.” Muitos escravos morreram nessa guerra.
(RODRIGUES, 2009, p. 212)
52
percentual daqueles escravos fugidos pode ter ingressado nas fileiras do
Exército para lutar na Guerra do Paraguai, almejando a sua liberdade.
53
pessoas livres convocadas? Provavelmente fugiam também, ou se rebelavam
contra os seus senhores. Mas fugiam para onde?
Percebemos que muitas eram as saídas encontradas pelos cativos para
escaparem do cativeiro, ou para diminuir as agruras que lhes eram imputadas.
Além das saídas já apresentadas, temos as fugas para as matas, para a Corte
e para os quilombos.
Em sua etimologia bantu, quilombo significa “acampamento guerreiro na
floresta”, referia-se “[...] às unidades de apoio mútuo criadas pelos rebeldes ao
sistema escravista e às suas reações, organizações e lutas pelo fim da
escravidão no país.” A administração colonial no Brasil o popularizou em suas
leis, relatórios, atos e decretos. Para os libertos teve um significado especial,
conquista e liberdade, com amplas dimensões e conteúdos. (LEITE, 2008, p.
965)
54
formação de comunidades; a cultura sendo recriada; as relações entre
senhores e escravos; “[...] as redes de solidariedade e os conflitos que podiam
proteger os fugitivos ou mesmo denunciá-los”; isto é, percebe-se naquelas
falas que os cativos inventavam as suas liberdades ou suas escravidões.
Os processos consistiam em conflitos, mortes e ofensas físicas advindas
da “[...] tentativa de senhores e autoridades capturarem fugitivos”. Feitores,
agregados, outros cativos, capitães-do-mato, as autoridades locais,
perseguiam escravos que porventura pudessem estar escondidos nas matas
das fazendas vizinhas.
Tanto se manter escondido nas matas quanto tentar se dirigir à Corte
era muito perigoso. Arriscados eram os roubos e furtos de dinheiro, roupas ou
alimentos, cometidos pelos escravos, pois fazendeiros e os próprios cativos
desconfiavam. Roubar produtos das roças de escravos ou assaltar senzalas
poderia gerar conflitos ou solidariedades. (GOMES, 2006, p. 63)
O autor descreve um conflito ocorrido na Paraíba do Sul em 1876, cujo
registro apresenta interesse:
41
A palavra capoeira é originária da língua tupi-guarani, usada para designar a vegetação que
nasce após a derrubada de uma floresta. Significa o que foi mata, através da junção dos
termos ka’a (mata) e pûer (que foi), "mato que foi cortado". (PORTO, 2010)
55
cafezal, onde já tinha um rancho, aí continuaram a habitar escondendo-se de
dia e saindo de noite.” Roubavam mandioca e milho em vários lugares e
apanhavam café para vender. Em uma dessas noites, encontraram dois
escravos fugitivos pertencentes ao senhor chamado Vicente Antonio.
Juntaram-se os quatro escravos fugidos, seguiram para o quilombo, onde
continuaram habitando e roubando para comer e viver.
“O resto dessa incrível história é previsível. O feitor Antonio Gonçalves,
da Fazenda São Romão, realizou uma expedição nos matos e prendeu alguns
escravos.[...] Na ocasião Damásio acabou ferido e morreu.” (GOMES, 2009, p.
69)
Gomes (2009, p. 71) acredita que Damásio por ser forte e esperto,
permanecendo fugido por tanto tempo sem ser capturado, “[...] talvez fosse um
ídolo dos escravos locais”. Com isso, estimulava as fugas de outros escravos.
O sucesso de sua fuga estava em ter conseguido proteção não só dos matos,
mas “[...] roubando, permutando produtos e prestando pequenos serviços para
taberneiros e lavradores, já fazia parte da paisagem local”. Para o autor,
Abraão “[...] articulou-se com as redes socioeconômicas que Damásio e outros
fugidos já tinham.” Comerciavam com as vendas locais os seus produtos.
Naqueles matos eram montados e desmontados os seus ranchos.
“Fazendeiros e autoridades não viam os fugitivos, mas encontravam os rastros
de seus roubos.”
Outro caso relatado por Gomes (2009, p. 72) informa a capacidade dos
escravos em permanecer fugidos, por muitos anos, sem serem capturados:
56
Observa-se que, em meio às notícias de fugas, às propagandas, entre
outros, continuavam as demonstrações de simpatia aos atos a favor da
emancipação dos escravos, como foi vista a “boa ação” dos Srs Penna e
Bastos, que, segundo o jornal, eram artistas de circo.
Boa Acção
Consta-nos que os Srs Penna e Bastos concederão um
benefício para a libertação de uma escrava alugada ao Sr. Veríssimo
Joaquim Pacheco.
Os nomes destes senhores, já se achavam gravados em
nossos corações como artistas de mérito e agora ficará também
como apóstolos da caridade. (Jornal “O Agricultor”, de 16.03.1873)
Suicídio
Hoje, 28 uma escrava do Sr. Jorge Mathias de Oliveira Junior,
atirou-se à corrente impetuosa do rio, e foi submergida pelas águas.
Tem sido baldados os esforços feitos pelos habitantes desta
localidade em procura do cadáver. Atribui-se este crime a
allucinação, e à embriaguez, a que quase sempre se entregava
aquella infeliz. (Jornal “O Agricultor”, de 03.04.1873)
Junta de emancipação
A Junta de emancipação do município de Parahyba do Sul, [...]:
Faz público que no dia 6 do corrente mez de Abril, reunir-se-há no
paço da Câmara Municipal desta cidade, para tratar da classificação
para alforria dos escravos do município, e continuará em seus
trabalhos até o dia 6 de maio, reunindo-se nas quintas feiras e
domingos de cada semana. Faz saber outro-sim que aceitão-se
informações de qualquer pessoa do povo para os trabalhos a seu
cargo, tudo na forma do decreto n. 5135 de Novembro de 1872.
Parahyba do Sul, 1 de abril de 1873 – O presidente interino da
Câmara, Ladislau Accrisio de Almeida Fortuna. (Jornal “O Agricultor”,
de 06.04.1873)
57
livre. Juntamente com a decisão de tornar livres os filhos das escravas
nascidos a partir de 1871, a mesma lei criou o Fundo de Emancipação de
Escravos estabelecido em seu artigo 3º.42
A atuação desse Fundo, considerado como instrumento libertador, pode
ser definida assim:
58
Os critérios de exclusão eram os seguintes:
Alforria
O Sr. José Cordeiro Couto negociante desta cidade, acaba de
passar carta de liberdade a Alb...(ilegível) escravo seu, pela quantia
de 600$000 que foi avaliado o dito escravo. (Jornal “O Agricultor”, de
10.08.1873)
59
João Elisiário de Carvalho Monte-Negro. Tratava-se de um artigo que se
dedicava a explicar o funcionamento da “Colônia de Nova Lousã”, fundada em
1867 na província de São Paulo. Na primeira publicação em 03 de abril de
1874 o autor afirmava que aquele sistema iria se generalizar na província para
interesse dos imigrantes e dos próprios lavradores. (Vide Anexo VIII)
Como o colonato foi o sistema escolhido pela Condessa do Rio Novo,
em seu testamento, para ser implantado em sua fazenda após a sua morte,
selecionamos alguns trechos do artigo que podem ter possibilitado certa
influência nas decisões da testadora.
Outros trechos foram selecionados, por nos mostrarem mais um pouco
da mentalidade da época, ainda que não a tenham influenciado. Como
exemplo, temos a escolha da mão de obra para a formação da colônia agrícola,
como podemos observar a seguir.
O artigo43 defende a colonização com imigrantes europeus, em oposição
à colonização chinesa. De forma preconceituosa e racista, apresenta interesse
no “[...] predomínio da raça caucásica – mais inteligente, industriosa,
progressiva do que todas as outras [...]”; em detrimento do chinês, pois nada se
podia “[...] esperar de um povo tão estacionário, tão alheio aos progressos da
humanidade, tão supersticioso e mal educado”.44
O autor do artigo afirmava que o tráfico de escravos era um ato infame,
mas não mencionava a mão de obra de libertos após a abolição, nem mesmo
os considerava como os mais dedicados aos trabalhos agrícolas. Segundo ele,
os predicados de um bom agrônomo só poderiam ser vistos, nos alemãs,
suíços, holandeses, “[...] não somente por serem os filhos destas nações muito
dedicados ao trabalho, e de costumes muito sérios, mas principalmente por
serem elles os que mais se dedicam a indústria agrícola.”
No que tange à remuneração do trabalho, defendia a parceria, pois
acreditava que os colonos sentir-se-iam como proprietários, o que os animaria
e consolaria quanto à pátria perdida. Outra vantagem do núcleo de colonização
consistia na reunião de muitas famílias, sendo assim mais estável e seguro.
43
ANEXO VIII.
44 Questões sobre a política de branqueamento no Brasil serão discutidas posteriormente.
60
Nesse ponto da opinião do Sr. João Elisiário percebe-se semelhança com o
desejo da Condessa que analisaremos no capítulo a seguir.
Antes, porém, devemos considerar o seguinte comentário do
antropólogo Roberto da Matta (apud: BARROS, 2002, p. 35):
61
2 LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS E FORMAÇÃO DA COLÔNIA AGRÍCOLA
NOSSA SENHORA DA PIEDADE EM 1882
62
tentativa de inserir os ex-escravos na sociedade, dando-lhes condições para
sua sobrevivência. Com o advento da Abolição e da Proclamação da
República, essas propostas foram esquecidas. As oligarquias foram cada vez
mais ampliando o seu poder e domínio locais, paralelamente à crise e à
decadência do café na região estudada, que culminaram com transformações
políticas e econômicas sociais nos anos da década de 1930.
No processo histórico de transformação do trabalho escravo para o livre,
não foram dadas aos ex-escravos as condições para o seu ajustamento na
sociedade, e ainda se forjou uma imagem preconceituosa de liberdade
significando o “não-trabalho”. Sendo assim, procuramos abordar o liberto como
agente social, colocando-o em uma situação não apenas de subjugado, nem
de perdedor, mas como parte de uma comunidade que foi construindo sua
história em meio a forças políticas, que pouco a pouco foram lhes retirando o
direito ao usufruto da terra.
A liberdade e o acesso à terra foram conseguidos pelos escravos da
Fazenda de Cantagalo através do testamento da proprietária, Mariana Claudina
Pereira de Carvalho, Condessa do Rio Novo, que a herdara de sua mãe, a
Baronesa de Entre Rios, viúva de Antonio Barroso Pereira Jr., Barão de Entre
Rios. Era uma extensa área de terras entre os rios Paraíba, Piabanha e
Paraibuna. A sede localizava-se na atual cidade de Três Rios.
A Condessa deixou, entre outros legados, a Fazenda de Cantagalo para
a Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, que foi fundada em Paraíba do
Sul, de acordo com as determinações existentes no testamento.
Os libertos formariam, naquela fazenda, uma colônia agrícola sob a
denominação de Nossa Senhora da Piedade, onde seriam estabelecidas duas
escolas para a educação dos menores da colônia e da circunvizinhança. Foram
distribuídos lotes de terras aos adultos para o cultivo de cereais, para a sua
subsistência, e lotes de cafezais. A metade do café produzido pertenceria aos
libertos e a outra metade à Irmandade. A administração e o governo da colônia
ficaram sob a responsabilidade da mesa da respectiva Irmandade e a
fiscalização seria feita pelo Juiz de Direito e pelo presidente da Câmara
Municipal, para manter a ordem, a disciplina, a regularidade dos serviços e a
fiscalização da receita e da despesa.
63
Este capítulo analisa os significados religioso, político-social e da liberdade
existentes no testamento e no inventário da Condessa do Rio Novo.
64
com boa saúde. Porém, normalmente, quando se adquiria uma doença grave é
que a morte passava a ser temida ou lembrada. (PORTO, apud, REIS, 1991, p.
95) Sendo assim, a Condessa fez seu testamento, em 11 de agosto de 1881,
tendo falecido em 5 de julho de 1882, após uma intervenção cirúrgica. Não
apresentava problemas de saúde no período em que o fez, estava com “saúde,
em seu juízo perfeito”, segundo o termo de aprovação contido no testamento.
Talvez tenha pressentido sua morte e isso era “muito útil para um bom morrer”.
Na verdade, saudáveis ou enfermos, quase todos temiam a morte. Temiam que
chegasse de surpresa, sem que não tivessem organizado a vida de seus
parentes ou limpado a sua consciência para entrar na vida após a morte.
Mesmo que o testador se considerasse bom o bastante para ir ao
encontro de Deus, a morte nunca deixava de ser algo a ser enfrentado com
muitas apreensões. A ideia da existência de um Tribunal Divino, de um
julgamento por Deus, com “desígnios indecifráveis” provocava uma enorme
tensão. O medo não era sem controle. Pior do que a morte era morrer sem ter
feito “um plano”, incluindo o testamento. Planejar a morte facilitava a sua
espera e “[...] aliviava a apreensão da passagem para o além”. (REIS, 1991, p.
95)
O testamento da Condessa procurou traçar o seu perfil moral, a sua fé
católica, a crença e o respeito pelos santos:
65
Vivendo naquele contexto, resolveu inserir no testamento a fundação de
uma Casa de Caridade, a qual seria administrada por uma Irmandade.
66
vida, fazia distinção do “bom” ou “mau” senhor, de acordo com o tratamento
dado quando mortos. (REIS, 1991, p. 213)
As recomendações da Cartilha da Doutrina Christã consistiam:
Deixo que se digam vinte missas por alma de meu pai, vinte pela de
minha mãe, dez pela de meu marido, dez pelas de meus avós e dez
pelas de meu sogro e sogra. Sou filha dos finados Barão e Baronesa
de Entre-Rios, e fui casada com o meu primo o finado Visconde do
Rio Novo, de cujo consórcio nunca tivemos filhos, e por isso não me
restam herdeiros descendentes ou ascendentes.[...] A Casa de
Caridade terá a seu cargo a conservação da Capela de Nossa
Senhora da Piedade, fundada por minha finada mãe nas terras da
mesma fazenda, e manterá um capelão para celebrar missa ao
menos duas vezes por mês, e nos aniversários do falecimento de
meus pais, de meu marido, e do meu; zelará o jazigo das pessoas de
minha família e fará mais celebrar todos os anos missa pelo eterno
descanso de meus parentes e outra pela de meus escravos falecidos.
(Testamento da Condessa do Rio Novo)
67
português Bernardo Queirós, em suas “Prácticas Exhortatorias para socorro
dos moribundos”: “Muitos por essa causa lá estão ardendo nas eternas
chamas, sem huma só gota de água para refrigério da sua abrazada língua”.
Sendo assim, uma das “[...] razões por que tantos senhores libertavam alguns
ou até muitos escravos na hora da morte [...]” era para evitar o fogo do inferno.
(QUEIRÓS, apud, REIS, 1991, p. 95-96)
A Condessa, além daquelas influências e de necessidades da época
acabou libertando os seus escravos. Certamente compartilhava aquele
pensamento religioso.
Naquele trecho esclarece que, como seus parentes não eram pobres,
ela poderia dispor de suas riquezas com pessoas necessitadas, não havendo
risco de ir para o inferno, e, mais ainda, ampliando sua generosidade com as
instituições religiosas, que certamente era uma forma mais valorizada de servir
ao Senhor. Teriam muito mais valor aqueles que dividissem as suas riquezas
com os pobres e com a Igreja, e não com os ricos, os quais não necessitavam
de nenhuma ajuda material.
Quanto à libertação de seus escravos, tal atitude era muito comum nos
testamentos, como informa Freyre (2001, p. 490):
68
Segundo Silva (1991, p. 130), o Visconde do Rio Novo, marido da
Condessa, fizera o mesmo processo anteriormente, deixando livres os seus
escravos e verbas para alguns atos de caridade.
69
abolicionista e o rumo que o Brasil deveria seguir após aniquilar o
escravismo em seu território. No entanto, poucas informações foram
dadas sobre o envolvimento desse grupo na questão servil. A
historiografia apresentou-se silenciada em relação à participação dos
eclesiásticos na abolição da escravidão. (PEREIRA, 2011, p. 24)
70
medida que pudesse alterar a ordem social estabelecida.” (PEREIRA, 2011, p.
131)
O testamento da condessa do Rio Novo reflete a sua sensibilidade e a
sua fidelidade ao pensamento da elite eclesiástica da sua época, como
observamos nos estudos de Pereira (2011). Posteriormente, nos outros
segmentos deste capítulo, ao analisar outros trechos do testamento, o leitor
poderá também constatar, o que acabamos de afirmar. A condessa seguiu os
passos orientados pelos clérigos ao fazer o seu testamento, não esperando
que fosse morrer um ano depois. A fazenda de Cantagalo encontrava-se bem
administrada, sem fugas, sem rebeliões, preparava-se para a abolição e para
as mudanças que se dariam no país.
Quanto aos seus bens, no que diz respeito à caridade cristã, a
Condessa deixou as seguintes determinações:
71
Com relação ao funeral, não fez nenhuma exigência, mas quanto ao
sepultamento, pediu que fosse enterrada junto de seus pais e de seu marido.
72
Deixo livres todos os escravos que eu possuir ao tempo da minha
morte, e desobrigados da prestação de serviços até aos vinte e um
anos, os ingênuos filhos de minhas escravas nascidas depois da Lei
de vinte e oito de Dezembro de mil oitocentos e setenta e um.
(Testamento da Condessa do Rio Novo)
73
Muitos países recém-independentes na América, incluindo o Brasil,
continuaram mantendo sua estrutura econômica e social, pois, com o fim do
monopólio e a consequente liberdade mercantil, as exportações para a Europa
aumentaram, havendo necessidade de aumentar a mão de obra nas fazendas
produtoras, onde os proprietários ainda preferiam o trabalho escravo.
Dessa forma, a desagregação do sistema escravista no Brasil, se deu de
forma longa e gradativa. Em algumas regiões, de forma pacífica; noutras, de
maneira violenta. Isso dependia das condições sociais, econômicas, políticas e
ideológicas de cada região. “A emancipação dos escravos dependerá
principalmente do ritmo de transformação do sistema colonial de produção”.
(COSTA; In: HOLLANDA, 1997, p. 136)
Na fazenda de Cantagalo, na província do Rio de Janeiro, o fim do
trabalho escravo deu-se com a morte da Condessa do Rio Novo, através de
seu testamento, libertando 244 escravos no total, sendo que oito já haviam
falecido, quando se procedeu à leitura do documento, entre eles, cinco
ingênuos.
No primeiro capítulo, defendemos a ideia de que na região de Paraíba
do Sul havia uma movimentação abolicionista percebida através das fugas, das
alforrias, de atitudes de algumas pessoas da população a favor dos escravos,
da formação de quilombos, entre outros. No item anterior deste segundo
capítulo analisamos questões religiosas no que diz respeito à escravidão e à
morte dos senhores para perceber em que medida as influências sócio-
históricas e culturais, podiam fazer parte do pensamento da Condessa. A
seguir, veremos algumas questões econômicas e políticas da época para
compreender aquela libertação.
Machado (2010, p. 24-25) contribui com as reflexões ao resgatar os
movimentos a favor da abolição nos anos de 1880, pois procura “[...] recuperar
o alarido dessas vozes do passado, procurando os meios corretos de fazê-las
falar”.
Sendo assim, seu trabalho busca
74
sua imagem das feridas da instituição servil. (MACHADO, 2010,
p.25)
46
A autora pesquisou em fontes manuscritas do Departamento do Arquivo do Estado de São
Paulo (ofícios diversos, autos crimes, telegramas, entre outros); do Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro (ofícios, avisos, registros, entre outros); Arquivo Público do Rio de Janeiro-Niterói
(Secretaria de Segurança Pública e Presidente da Província); entre outros. (MACHADO, 2010,
p. 231-234).
75
No capítulo 1, ao analisar os jornais de 1868 e 1873, apresentamos uma
realidade que condiz categoricamente com a afirmação de Machado (2010, p.
34):
particular dos senhores. “Comutava em açoites e ferros as penas dos escravos criminosos. A
lei n. 4 de 1835, em seu artigo 1º, impunha a pena de morte para os que matassem ou ferissem
seus senhores, prepostos e familiares”. (MACHADO, 2010, p. 34)
76
Os documentos sobre a história dos escravos no Brasil, mesmo tendo
sido escritos por outros segmentos da sociedade, fornecem informações que
podem tornar-se reveladores de dados importantes sobre suas vidas.
Sendo assim, os documentos cartoriais tornaram-se imprescindíveis
para a busca das confirmações de nossas hipóteses. Foi como se pudéssemos
ouvir através deles, as vozes desses homens, mulheres e crianças, mudos por
mais de 130 anos, e que agora puderam ser ouvidos, dando um sentido para
as suas trajetórias.
A relação dos escravos libertos, contida no inventário da Condessa do
Rio Novo possui: número de matrícula; nome; cor; idade; estado civil;
naturalidade e profissão. O Barão de Entre Rios, irmão da Condessa do Rio
Novo, Primeiro Testamenteiro, foi quem comunicou à “Collectoria”, a relação
dos escravos que foram declarados livres.
Os itens estado civil, idade e naturalidade foram importantes à análise,
pois possibilitaram um entendimento sobre as possíveis soluções para manter
e suprir a mão de obra após a proibição do tráfico e sobre alguns escravos
africanos que, na realidade, deveriam ser livres.
As relações dos escravos no inventário eram variadas48. A primeira
continha uma lista de 194 escravos de diversas idades; nas segunda e terceira,
constavam 42 e 4 ingênuos, respectivamente, que, pela Lei de 1871, tornaram-
se livres por serem filhos de escravas, nascidos depois daquela data. Segundo
essa Lei, os proprietários poderiam criá-los até os 8 anos e depois entregá-los
ao governo, que lhes pagaria 600$000 (mil réis) ou os manteria utilizando os
seus serviços até os 21 anos, “como retribuição aos ônus de seu sustento”.
(BEIGUELMAN. In: HOLLANDA, 1997, p. 210)49 Na quarta lista, houve um
acréscimo de mais quatro escravos libertados e, na quinta e sexta listas, 3
escravos adultos falecidos e 5 ingênuos falecidos, respectivamente.
48 Vide: Tabelas com as Relações dos Escravos da Fazenda de Cantagalo – ANEXOS IX A XI.
49
“Segundo dados obtidos no Relatório do Ministro da Agricultura de 1885, do total de
quatrocentos mil ingênuos registrados até aquele momento, apenas cento e dezoito foram
entregues ao Estado em troca da indenização, número que não correspondia a 0,5 do total de
crianças nascidas livres de mãe escrava em todo o país”. (CONRAD, 1978, p. 144, apud:
TEIXEIRA, 2008, p. 59)
77
Mas o que significavam essas declarações de libertação? Como
podemos inseri-las nas questões do fim da escravidão no Brasil?
Quais observações pode-se fazer, quanto ao estado civil, a idade, a
nacionalidade e a naturalidade dos escravos no período de declínio da
escravidão?
78
em execução, porque o Governo brasileiro não podia lutar com os
traficantes; mas nem por isso deixa ela de ser carta de liberdade de
todos os importados depois dessa data.
79
Tabela 1
80
Os brasileiros sentiam-se lesados pela Inglaterra. Cresceu a antipatia
em relação a esse país, devido à rigidez fiscal ao tráfico. Essa animosidade
entre os dois países vinha desde os tratados de 1810, reiterados em 1826, que
favoreceram o comércio inglês no Brasil. Um sentimento de xenofobia foi sendo
estimulado pelos que tinham interesse no tráfico, o que deu origem a revoltas.
Em 1845, a lei de Bill Aberdeen, decretada pelo Parlamento Inglês, decidia que
os infratores da embarcação que fosse aprisionada traficando escravos, seriam
acusados de pirataria e julgados pela justiça inglesa.
Várias vezes, os navios britânicos invadiram as águas brasileiras, na
tentativa de evitar o tráfico. Mesmo assim, a partir de 1845, 50.000 escravos
entravam no Brasil por ano. O país se agitava, de norte a sul, contra os
ingleses, ao mesmo tempo em que a Câmara debatia o assunto, considerando
a intervenção britânica um desrespeito à soberania nacional. O Senado, então,
resolveu discutir novas propostas de repressão ao tráfico.
As opiniões com relação à cessação do tráfico dividiam-se entre:
aqueles que achavam que o escravo teria o seu valor aumentado (os que
estavam abarrotados de escravos ou endividados com a compra deles ficaram
mais complacentes com a ideia); os fazendeiros das novas regiões de café que
ainda não tinham formado toda a mão de obra necessária em suas fazendas;
os políticos sentindo que a questão apaixonava a opinião pública e os ingleses
que se equipavam cada vez mais para aumentar a eficácia da vigilância. Em 4
de setembro de 1850, definiram-se medidas severas de repressão ao tráfico.
Os traficantes foram expulsos do Brasil, as autoridades reforçaram a
fiscalização, o contrabando foi diminuindo e o último desembarque de que se
tem notícia foi o de 1856. (COSTA, 1997, p. 145)
Dentro desse cenário, apresentaram-se 53 africanos que deveriam ser
livres, adultos, vivendo, trabalhando escravizados ilegalmente na Fazenda de
Cantagalo.
81
o longo período do tráfico ilegal no Brasil, muitos desses escravos poderiam
ser filhos de africanos que deveriam ser livres.
Tabela 2
Tabela 3
82
do escravo e, ao mesmo tempo, pensar em uma solução para resolver o
problema da mão de obra que substituiria a escrava. (CONRAD, 1978, p. 145)
50
“A historiografia referente ao período posterior ao tráfico transatlântico revela evidências que
apontam para o aumento da capacidade de reprodução da população escrava. Os senhores
passaram a levar em conta a necessidade de melhorar o tratamento dos cativos, afinal tratava-
se de garantir o crescimento de seus investimentos e a manutenção de uma população que
não poderia ser facilmente reposta. Relatos dos viajantes que percorreram Minas no século
XIX descrevem as mulheres escravas como “reprodutoras” de braços escravos. A reprodução
fazia parte da condição trabalhadora dessas mulheres. Observando esses relatos, Ilka
Boaventura Leite afirma que ‘com o fim do tráfico, sobretudo, recai sobre as escravas a
imposição de aumentar o contingente de trabalhadores, mesmo enquanto libertos. [...] As
primeiras medidas para pôr fim ao tráfico valorizavam as mulheres negras por sua
potencialidade reprodutiva’. (LEITE, 1996, p.133) A autora menciona, ainda, através da leitura
dos viajantes, imagens humanizadas da escravidão medidas pelos cuidados que os
proprietários estavam tomando com a maternidade – trabalhos mais leves, contato mais
estreito entre mãe e filho ou incentivo aos casamentos entre escravos. João Fragoso e Manolo
Florentino, através dos inventários post-mortem, também perceberam duas realidades
demográficas para a população escrava da região agrofluminense: uma anterior a 1850 e outra
que iria daí até 1888. Entre as transformações ocorridas após 1850 estavam aquelas que
apontavam no sentido da melhoria das condições para a reprodução endógena da escravidão”.
(FRAGOSO; FLORENTINO, 1987, p.156, apud: TEIXEIRA, 2008, p. 64-65)
83
Sendo assim, como dissemos anteriormente, os escravos tiveram uma
melhoria no vestuário, na habitação e na nutrição; maior assistência às
doenças que, anteriormente à proibição do tráfico, eram em geral desprezadas.
As condições de vida dos escravos melhoraram, em função da necessidade de
mantê-los vivos e saudáveis por mais tempo. Já não havia as facilidades do
passado na substituição da mão de obra quando esta perecia. Além disso,
ficaram valendo um alto preço no mercado.
Durante as facilidades do tráfico, inúmeras pesquisas constataram um
número alto de escravos traficados do sexo masculino e um pequeno número
do sexo feminino, assim como de crianças também, indicando a preferência
pelo sexo masculino, o qual suportava melhor a dura realidade do sistema
escravista. Os castigos violentos impostos aos escravos, levando-os muitas
vezes à morte, comprovam a facilidade em adquiri-los. A substituição era cruel,
e não havia interesse na criação dos filhos de escravos, pois isso traria novas
despesas.
Ao longo do tempo, porém, novas ideias foram surgindo para solucionar
o problema.
Nota-se que, na Fazenda de Cantagalo, aconteceram mudanças na
manutenção de mão de obra. Observemos os números da tabela abaixo na
qual demonstramos a possibilidade da formação de casais que poderiam gerar
seus filhos e, assim, mais braços para o trabalho naquela fazenda. Apesar da
quantidade de homens ser um pouco maior do que a de mulheres, na faixa de
20 a 40 anos, quase se iguala.
Tabela 4
84
Tabela 5
51
Podemos citar alguns autores para que o leitor possa se aprofundar no estudo sobre família
escrava como: Florentino e Góes (1997), cujo estudo conclui que a família escrava permitiu a
paz nas senzalas, através de concessões dos senhores, possibilitando o casamento e a
constituição familiar; Hebe Mattos (1998), que trouxe evidências da formação familiar cativa em
seus estudos nos inventários post mortem de algumas regiões, como Campos, Capivari e
Recôncavo da Guanabara, na Baixada Fluminense e o estudo de Slenes (1999), apontando
para o incentivo dos senhores de Campinas ao casamento religioso de seus escravos.
85
Quando em 1873, a Junta de emancipação52 começa a classificação
para a alforria dos escravos do município e a matrícula de todos os escravos
para a execução das cartas de liberdade, um dos critérios de classificação que
deveria ser respeitado era a prioridade às famílias, isto é, os escravos para
serem libertados deveriam ser casados. Percebe-se que, a partir desse
período, os casamentos deixaram de acontecer na Fazenda de Cantagalo,
dificultando, assim, a possibilidade de serem alforriados pelo “Fundo de
Emancipação”. Mais uma estratégia de manutenção da mão de obra escrava
pela Condessa.
86
interprovincial causou a separação de muitos pais de suas mulheres e de seus
filhos. (CONRAD, 1978, p. 68)
Na Fazenda de Cantagalo, a falta de mão de obra foi solucionada tanto
com o tráfico ilegal de africanos, quanto com o tráfico interprovincial.
Tabela 6
87
sofrido com o “[...] comércio que era tão escandaloso quanto aquele que viera
substituir”, segundo o jornal antitráfico: O Philantropo, em abril de 1852.
(CONRAD, 1978, p. 66)
Os 244 escravos, entre eles os africanos que deveriam ser livres, os
escravos do tráfico interprovincial e os naturais do Rio de Janeiro, eram
representados por 81 mulheres, 117 homens e 46 ingênuos, incluindo duas
escravas que aparecem na listagem sem o item idade, além de 11 escravos
adultos sem naturalidade.
Ao estudarmos a libertação desses escravos, foi preciso fazer todas as
considerações possíveis, na tentativa de perceber as intenções da Condessa
no testamento. Como qualquer outro proprietário de terra interessado no
desenvolvimento de sua produção e de sua riqueza, adaptou-se às mudanças
que vinham ocorrendo, preservou a sua escravaria e manteve a mão de obra
necessária para a sua fazenda.
Assim como buscou soluções para manter a escravatura por mais
tempo, acabou acompanhando também, as ideias que surgiam para substituir o
sistema, quando não fosse mais possível preservá-lo.
Preparando-se para as mudanças, pois sabia que, em um futuro não
muito distante, a escravidão se extinguiria; acabou morrendo nesse ínterim.
Como consequência, sua estratégia de manutenção de mão de obra
transformou-se em um projeto social para a nova geração de trabalhadores.
Com isso, uma adequação mais humanizada desses homens e mulheres na
sociedade poderia, de fato, ter se concretizado, não fossem os fatos ocorridos
posteriormente.
88
citar: Maciel da Costa (1821), José Bonifácio (1823), José Eloy Pessoa da Silva
(1826) e Leopoldo César Burlamaque (1837). Todos denunciaram os malefícios
e inconveniências do sistema escravista. Para eles, o trabalho escravo dava
rendimentos inferiores ao do trabalho livre; inibia o processo de
industrialização; aviltava a própria ideia de trabalho; punha em risco a
segurança nacional; dividia a sociedade em grupos antagônicos; gerava o
regime da violência; degradava os costumes; corrompia a sociedade; era
responsável pela instabilidade das fortunas e pelo abastardamento da raça
portuguesa; contrariava as leis da moral, o direito natural e os preceitos do
Evangelho. (COSTA et al., 1988, p. 9-61)
João Severiano Maciel da Costa, em 1821, publicava: “Memória sobre a
necessidade de abolir a introdução de escravos africanos no Brasil, sobre o
modo e condições com que esta abolição se deve fazer e sobre os meios de
remediar a falta de braços que ela pode ocasionar”, José Bonifácio, em 1823,
apresentara um projeto de emancipação gradual de escravos à Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa do Império Brasileiro, que foi publicado em
1825. Nesse projeto, argumentava:
89
Em “Memória sobre a escravatura e projeto de colonização dos
europeus e pretos da África no Império do Brasil”, José Eloy Pessoa da Silva
(1826) propõe a extinção do tráfico de forma gradual, e a colonização de
índios, europeus e africanos da Costa Ocidental. Sugeria que o governo
oferecesse garantias aos colonos, e condecorasse os fazendeiros que
adotassem a colonização durante três anos, com cem colonos, além de lhes
conceder regalias, se pagassem salários. (COSTA et al., 1988, p. 79-101)
Em 1837, Frederico Leopoldo César Burlamaque divulga as ideias de
Charles Conte no livro: “Memória analítica acerca do comércio de escravos e
acerca dos males da escravidão doméstica”. (COSTA et al, 1988, p. 101-222)
Participando de um concurso instituído pela “Sociedade Defensora da
Liberdade e Independência Nacional no Rio de Janeiro”, procura não somente
condenar o tráfico, mas considerar os males “permanentes e duradouros” da
escravidão doméstica.
90
O desembargador da Relação de Pernambuco, Veloso de Oliveira,
escrevia, em 1845, sobre a substituição do trabalho escravo pelo livre, sob o
ângulo dos dominadores:
91
diferença de que os primeiros concordavam que o processo de transformação
para o trabalho livre deveria ser feita, na prática, gradativamente. Enquanto o
sistema escravista não fosse extinto, “[...] segundo a moral e a religião que
professava que todos eram iguais perante Deus”, poderiam elaborar regras que
melhorassem a vida miserável dos escravos.
No pensamento de José Bonifácio (1823) ou de Burlamaque (1837)
estavam contidos todos os argumentos que seriam utilizados pelos
abolicionistas a partir de 1870. Repetiam-se quando esclareciam sobre os
males da escravidão, ou quando pediam que se observasse a moral cristã e os
ideais do liberalismo. A mudança será em relação à comiseração pública, a
qual vai aumentando cada vez mais em relação aos escravos. Discursos que,
no passado, não afetaram a opinião pública, cada vez mais passam a ser
assimilados por multidões. Bem articulados no Parlamento, provocam o avanço
na solução drástica da questão.
O pensamento escravista, com o tempo, vai perdendo a sua força, sofre
alterações, esvazia-se perante o avanço abolicionista. Os interessados na
permanência do escravismo, mesmo antes da extinção do tráfico, defendiam a
instituição. Diziam que os africanos ao serem transportados para a América
estavam sendo salvos da selvageria e iniciados na verdadeira religião, a cristã.
Até mesmo Maciel da Costa em sua “Memória” escrita em 1821, ao defender a
abolição do tráfico, afirmava:
92
número de negros na sociedade imperial”. Este preconceito atingia, também, a
alguns indivíduos letrados, como Silvio Romero e Pereira Barreto, os quais
acreditavam ser o cativeiro benéfico e civilizador, para uma raça considerada
inferior.
Mesmo entre os abolicionistas, existiam os que não hesitavam em
acreditar na inferioridade do negro, na sua “incapacidade intelectual”. Mas,
desde o início do século XIX, abolicionistas ingleses opuseram-se a esse
pensamento, servindo-se “[...] das informações de Mungo Park53, entre outras,
para demonstrar que tudo não passava de preconceitos”. (COSTA, 1997, p.
414)
Complementando as teorias, desenvolvia-se outro tipo de pensamento
que colocava a escravidão como um mal necessário, e a mão de obra escrava
insubstituível nas condições em que se encontrava o Brasil. Achavam que a
população branca era “diminuta” em relação à negra e que, se esta faltasse de
repente, poderia haver uma “desordem incalculável”.
Em 1870, Peixoto de Brito escrevia, em Lisboa, que a escravidão era
“tutela benéfica” do senhor sobre o escravo, pois, sem ela, o escravo não teria
a capacidade de se sustentar, não teria condições de cuidar de si mesmo.
Defendia, também, a indenização ao proprietário do escravo, caso a abolição
se efetuasse. Brito (COSTA, 1997, p. 416) dizia:
53Médico escocês que chegou à África em 1795, aos 23 anos com a missão de percorrer o
curso do rio Níger. Em seu relato, “reconhecia os rigores e as dificuldades do clima e das
febres, ao mesmo tempo em que reafirmava os aspectos positivos do interior da África, tropical
em sua alteridade mas certamente adequada à acomodação e à aclimatação”. Ver: “Os
Trópicos na rota do Império britânico: a visão de Mungo Park sobre a África em fins do século
XVIII”. Larissa Vianna. Hist. Cienc. Saude-Manguinhos vol 18 nº 1. Rio de Janeiro Mar.2011.
www.scielo.br/scielo.php.?script=sci_arttext&pid=S0104-59702011000100003 Acesso em:
20.09.2014.
93
abandonariam o trabalho, procurariam asilo nas matas e muitos se dedicariam
ao roubo e ao assalto”.
Numerosas publicações surgiram nos anos de 1870 e 1871 sobre a
questão servil, depois da Lei do Ventre Livre. Umas se apresentavam contra a
emancipação e outras, a favor.
José de Alencar, considerado o “arauto da manutenção escravista”,
descrevia quanto os escravos eram bem tratados pelos senhores, estando em
condições melhores do que os assalariados europeus dos grandes centros
industriais. Argumentava “romanticamente” que, antes de libertar o escravo,
este deveria ser bem educado, preparado para a vida. De forma
preconceituosa e discriminatória afirmava:
[...] nenhuma ordem real poderia surgir nem perdurar se não fosse
plenamente compatível com o progresso, e que nenhum progresso se
realizaria efetivamente se não tendesse, finalmente, à consolidação
da ordem. (COSTA, 1997, p. 428)
94
Nos anos de 1870, o ex-escravo Luís Gama, liderava um grupo de
pessoas que, apoiadas na Lei de 1831, tentavam libertar os escravos que
haviam entrado no país depois dessa data. Conseguindo libertar certo número
de escravos, colocaram em debate o direito dos “africanos livres” viverem em
liberdade. (COSTA, 1997, p. 463)
Na década de 1880, os positivistas brasileiros se manifestaram com
maior frequência em relação à abolição, refletindo inevitavelmente a respeito
de seus interesses e compromissos com a “ordem social vigente”. Miguel
Lemos, representando o setor urbano, sem vínculos com o meio rural,
condenou radicalmente a escravidão; enquanto Pereira Barreto e Ribeiro de
Mendonça assumiram uma posição mais moderada, por estarem ligados aos
interesses agrários.
Miguel Lemos não aceitava a ideia de transformar a escravidão em uma
servidão, pois achava impossível ser feita “qualquer fiscalização”,
permanecendo, assim, o status quo sob nova situação.
Pereira Barreto, ainda em 1880, escreve artigos em “A província de São
Paulo”. Neles afirma que:
[...] qualquer reforma antes de se tornar um fato, precisa ser por muito
tempo uma ideia assimilada, uma parte integrante da circulação
mental da época. O passado não se refaz, não se modifica, não se
anula, o presente não pode ser modificado senão nos limites da
esfera das tradições, leis e costumes, que nos legou o passado e
mais ou menos nos limites do ideal que fazemos do futuro. Por tudo
isso, para realizar uma reforma, há necessidade de preparação
psicológica e econômica. (COSTA, 1997, p.431)
95
[...] a supressão imediata do sistema escravista, e a adstrição ao solo
do ex-trabalhador escravo, sob a direção dos respectivos
proprietários, supressão de todos os castigos corporais e de toda
legislação especial, constituição de um regime moral pela adoção
sistemática da monogamia, fixação do número de horas de trabalho
quotidiano, descanso no sétimo dia, criação de escolas de instrução
primária, mantidas nos centros agrícolas às expensas dos grandes
proprietários rurais e estabelecimento de salário razoável. (COSTA,
1997, p. 429)
96
libertação acompanhada de uma reforma no sistema de propriedade da terra,
como por exemplo, André Rebouças com o projeto de “democracia rural”. Nele
propunha “[...] a inserção do liberto enquanto pequeno produtor [...]”, rompendo
com a ideia de que, para o escravo, liberdade significava o “não-trabalho”. Não
queriam continuar trabalhando na grande propriedade, mas não desejavam a
ociosidade. (SANTOS; In: FILHO, 2000, p. 63)
Entre os abolicionistas abundavam críticas ao “latifúndio”, às “estruturas
feudais da economia e da sociedade brasileiras”, à “grande lavoura” e à
“aristocracia rural”.
Para eles, a abolição da escravatura nunca era vista como “[...] mera
emancipação jurídica do escravo”.
Jornais que pareciam não ter vínculos com os abolicionistas publicavam
artigos referentes à “reforma agrária” no pós-abolição, isto é, à transformação
da “[...] estrutura fundiária do país e à associação entre abolição e
democratização do solo”. (SANTOS; In: FILHO, 2000, p. 72)
Na verdade, existiam atores desconhecidos comprometidos com a
abolição e com as reformas sociais. Entre eles, podemos destacar: João Clapp,
representante do Club dos Libertos de Niterói contra a escravidão, que se
envolveu não só na luta pela abolição, como também na promoção da
educação dos ex-escravos; Ennes de Souza, um dos fundadores da Sociedade
Central de Imigração; Cardoso de Menezes, Belmiro V. da Silva, João Augusto
de Pinho, representantes do Centro José de Alencar e do Club Abolicionista
dos Empregados do Comércio. (SANTOS; In: FILHO, 2000, p. 65)
97
Por ter sido escrito em 1881, o testamento antecipa os debates
abolicionistas mais exaltados dos momentos finais da escravidão, mas
demonstra que a condessa acompanhou a transformação do pensamento
sobre a emancipação. Libertou os seus escravos dando-lhes condições para a
sua instrução, participação no mercado interno, acesso à terra, porém,
“acorrentando-os” a um grupo da classe dominante, a quem os confiou para
uma transformação crucial em suas vidas.
98
Dos escravos esperava-se humildade, obediência, fidelidade. Do
senhor, autoridade benevolente. Nem sempre as expectativas eram
satisfeitas: o escravo roubava, era infiel, fugia, quando não praticava
desatinos. O senhor excedia-se nos castigos, era violento e cruel
[...]. Não faltaram senhores benévolos e dedicados que tratavam
seus escravos com humanidade, nem escravos que revelaram sua
devoção, às vezes de forma patética, mas a instituição escravista
propiciava os excessos, os crimes, a espoliação de um grupo pelo
outro. A idealização da escravidão no Brasil, o retrato do escravo fiel
e do senhor benevolente e amigo do escravo que acabaram por
prevalecer na literatura e na história foram alguns dos mitos forjados
pela sociedade escravista na defesa do sistema que não julgava
possível prescindir. (COSTA, 1997, p. 334-335)
Para evitar eventos sangrentos, uma lei geral de 1835 previa a pena de
morte para os escravos que atentassem contra a vida de seus senhores e
feitores. Mesmo assim, devido à grande concentração de negros nos fins da
década de 1860, a disciplina e o controle tornavam-se cada vez mais difíceis.
Em 1857, as galés perpétuas substituíram a pena de morte, constituindo
a pena máxima do Império. Muitos escravos preferiam a prisão à escravidão,
com isso, os crimes continuaram.
A Lei de 1871 também teve seus efeitos, mesmo não significando
mudanças concretas, visto que o ingênuo trabalharia até os 21 anos de idade
para o senhor, mas decretou “o fim do caráter absoluto da instituição
escravista”. Os senhores e os escravos percebiam a sua temporalidade.
(AZEVEDO, 1987, p. 181-182)
Machado (2010, p. 32), em seus estudos sobre a “criminalidade escrava
nas áreas cafeeiras paulistas no século XIX”, informa-nos que os escravos
lutavam pela possibilidade de possuir autonomia no “sistema de trabalho
vigiado”, isto é, tempo livre para as suas atividades sociais e econômicas
independentes.
99
tempo em que era preciso negociar com os escravos, “[...] fazia-se necessário
estabelecer as bases legais e costumeiras que separavam os homens em
escravos e livres.” Como podemos observar abaixo, quanto às “obrigações
senhoriais não cumpridas”:
100
Nesse período, quando a escravidão perdia a sua legitimidade, as
alforrias aumentavam. Os senhores temiam frustrar as expectativas dos cativos
para o alcance da sua liberdade.
Raramente a alforria era desejada em um caráter individual. No meio
rural, a família ”[...] sempre foi pressuposto básico desta possibilidade”. Se todo
o grupo perdesse os elos do cativeiro com a escravidão, do ponto de vista
senhorial, isso, sendo bem administrado, poderia engendrar cativos de
confiança e dependentes leais. (MATTOS, 1998, p. 192)
Além do aumento do número de alforrias as reivindicações dos escravos
para que os senhores cumprissem as suas “obrigações” tornaram-se mais
abertas e mais frequentes. Recebimento de salários, moradia, roças de
subsistência, alimentação eram vistos como “direitos”, concessões entendidas
como “[...] legítimas contrapartidas pelo trabalho realizado”. Essa
transformação no sistema disciplinar das fazendas tinha um caráter preventivo,
isto é, era para evitar os “[...] ataques violentos dos plantéis contra os senhores
e seus feitores”. (MACHADO, 2010, p. 37)
A partir desse pensamento e comportamento da época, percebe-se que
o testamento da Condessa do Rio Novo era uma tentativa de “produzir
fidelidades”. Com a promessa de liberdade e de acesso à terra depois de sua
morte (liberdade condicional), os escravos reconheceriam a legitimidade da
senhora, comportar-se-iam bem no trabalho, seriam o exemplo do “bom
cativeiro”. Do ponto de vista da Condessa, essa promessa seria como prêmio
para os cativos, mas, do ponto de vista dos escravos, isso os fazia sentirem-se
um pouco menos escravos do que os outros. Tinham adquirido esses
privilégios através de sua própria luta, para alcançar “[...] espaços de
autonomia ampliados dentro do cativeiro”. (MATTOS, 1998, p. 157)
Segundo Machado (2010, p. 42), nota-se que a maioria dos senhores
que doavam uma parte ou todos os seus bens, incluindo terras, para os
escravos, não tinham herdeiros diretos, isto é, não tinham filhos, eram viúvos,
solteirões ou padres. Estes “[...] parecem ter sido muito mais sensíveis à ideia
de recompensarem seus escravos pelos serviços prestados, do que aqueles
que possuíam herdeiros diretos.“ A Condessa do Rio Novo era viúva e sem
filhos.
101
Diversas pesquisas já demonstraram que os escravos, mesmo antes da
extinção do tráfico, souberam “[...] reinterpretar e reverter a seu favor as
estratégias senhoriais”.
Os senhores investiram também, inúmeras vezes, na diferenciação
interna da experiência do cativeiro para o controle social estratégico de seus
escravos.
54
“Baseando-se em relatos de viajantes que percorreram o Centro-Sul do Brasil ao longo do
século XIX, Slenes distingue três tipos de vivenda escrava: as senzalas "pavilhão", edifício
único com pequenos recintos ou cubículos separados para os escravos solteiros e casados, as
senzalas "barracão", onde viveriam escravos e escravas solteiros em grandes recintos
separados, e as senzalas "cabana", onde viveriam escravos casados ou solteiros de um
mesmo sexo. Ao sintetizar sua análise sobre a questão, Slenes escreve que o que chama a
atenção na maioria destes depoimentos é que o casar-se [...] conferia acesso a um espaço
construído próprio, seja um cubículo num barracão/pavilhão, seja num barraco separado.
Mesmo não sendo necessariamente maior do que os cubículos [nos barracões], os
compartimentos [nos pavilhões] ou os casebres dos solteiros, a moradia da pessoa casada –
ou pelo menos da recém-casada, sem filhos – geralmente congregava menos gente [...]. Além
disso, e mais importante, era uma habitação dividida com um parceiro de vida, não apenas de
roça. Enfim, o casar-se frequentemente implicava para o escravo ganhar mais espaço
construído; mas, sobretudo, significava apoderar-se do controle desse espaço, junto com o
cônjuge, para a implementação de seus próprios projetos”. (SLENES, 1999, p. 159, apud:
MARQUESE, 2005)
102
empregados”; “Sítio do Vicente”; “Sítio do Germano”; “Pedra e Morro do João
Cabra”; demonstrando as concessões feitas a fim de garantir a obediência,
melhorar as condições de vida do cativo e, até mesmo, evitar crimes que eram
justificados quando era mau o cativeiro.
Vejamos o trecho do inventário:
55
Mestiço de mulato e negro. (SIMON, 1996, p. 43)
56
“Ainda nos dias de hoje, os mestiços são denominados pardos, palavra imprecisa, de uso
generalizado.” (SIMON, op. cit, p. 41)
103
era socialmente interessante, a disputa entre africanos e crioulos para terem
acesso privilegiado às roças de subsistência.
João Cabra não aparece naquela relação. Teria sido alforriado antes?
Pode ter comprado a sua alforria ou pode ter sido concedida acompanhada de
um lote de terra onde pudesse cultivar produtos para a sua subsistência. Com
isso, continuaria trabalhando na fazenda, obedecendo e reconhecendo a
autoridade de sua senhora.
57 Para um melhor entendimento sobre a “brecha camponesa” ver o estudo de: CARDOSO,
104
Desde 1850 e especialmente após a promulgação da lei do Ventre
Livre, políticas públicas e estratégias privadas tentavam encaminhar
de maneira segura a chamada transformação do trabalho. Por parte
dos cidadãos ativos envolvidos no processo, seja como agentes
econômicos (fazendeiros escravistas), seja como atores políticos, os
esforços se concentraram na busca de controlar a transformação, no
sentido de evitar a desorganização da produção. (MATTOS, 1998, p.
210)
105
pois o trabalho podia ser desorganizado por motivos diversos (fugas, rebeliões,
crimes, formação de quilombos).
As condições impostas no testamento aos libertos garantiram a
subordinação aos brancos, dependentes do julgamento destes pelas suas
ações, para manterem-se ou não nas terras “herdadas”. (AZEVEDO, 1987, p.
205-206)
Como vimos, uma documentação pode fazer emergir informações que,
interpretadas analisando-se o seu contexto, demonstram sentimentos,
necessidades, intenções, entre outros.
pela escravidão deviam tender a tornarem-se mais modestas”. (FLORENTINO; GÓES, 1997, p.
90).
106
3 O LIBERTO NA COLÔNIA AGRÍCOLA NOSSA SENHORA DA PIEDADE
59 “Por parceria entende-se uma reunião de indivíduos para um fim de interesse comum; um
contrato pelo qual alguém cede a outro uma terra para ser cultivada, repartindo-se os frutos
entre ambos na proporção que estipularem. É uma combinação entre proprietário e
trabalhador, onde o uso da terra feito pelo parceiro é pago com parte da produção. Para saber
mais sobre esse sistema utilizado pela primeira vez no Brasil, em São Paulo, ler Thomaz
Davatz. I (1850). São Paulo: Ed. Itatiaia, 1980; apud: CARVALHO, Rosane Aparecida
Bartholazzi de. Imigrantes italianos em uma Nova Fronteira – Noroeste Fluminense (1896-
1930). Dissertação de Mestrado. Vassouras: USS, 2001, p. 86.
60
O sistema de colonato “[...] esteve associado à imigração pelo menos até meados do século
XX, com participação limitada da população nacional”.[...] A imigração africana, assim como a
mão de obra liberta, era considerada inapta, desqualificada para o trabalho livre na condição de
pequenos proprietários rurais. Sobre o assunto ver: SEYFERTH, Giralda. Colonização,
imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 117-149,
março/maio 2002.
107
reforçando a opinião dos que eram contra essa iniciativa. Defendia-se a ideia
de que o país precisava de braços para a lavoura e não de núcleos de
povoamento, alegando serem estes, altamente dispendiosos para o governo.
Em contrapartida, existiam aqueles favoráveis à colonização em larga
escala, possibilitando o acesso à terra aos imigrantes. O governo continuou
tentando introduzir colonos estrangeiros no Brasil, apesar dos insucessos.
Em São Paulo e no Rio de Janeiro, os pequenos núcleos coloniais que
se formaram enfrentavam dificuldades maiores do que os fundados em Santa
Catarina ou no Rio Grande do Sul. Faltavam mercados, não conseguiam
progredir em meio a grandes propriedades que funcionavam de maneira
autossuficiente, sem possibilidades de fazer escoar seus produtos para centros
urbanos mais próximos.
As melhores terras, as mais férteis, com o melhor acesso, estavam nas
mãos dos grandes proprietários, monopolizadas. (COSTA, 1997, p. 116)
Para combater o monopólio da terra, muitos sugeriam uma reforma
agrária, substituindo o latifúndio monocultor pela pequena propriedade de
policultura. Lacerda Werneck criticou o monopólio do solo em 1855, dizendo
que o desenvolvimento da pequena propriedade necessitava da ampliação do
crédito rural.
Em 1868, Quintino Bocaiúva falava da necessidade de uma lei que
taxasse as terras baldias, de uma reforma nos costumes e tradições do
trabalho agrícola, para facilitar a subdivisão das grandes propriedades e a
instalação de grupos coloniais.
Henrique de Beaurepaire Rohan, em 1878, afirmava:
108
portugueses, posteriormente com italianos na sua fazenda em Ibicaba,
pensava de maneira diferente. Pretendia, antes de tudo, resolver a falta de
braços em sua propriedade. Depois de muita discussão sobre o assunto
(pensou-se inclusive no imigrante chinês), os cafeicultores e os poderes
públicos, provincial e federal, passaram a incentivar a imigração europeia.
(IANNI, In HOLLANDA, 1997, p. 306-307)
A Fazenda de Cantagalo não tinha carência de mão de obra, pois
possuía mais de 200 escravos, isto é, um alto valor de capital investido, sujeito
a um grande risco: a abolição. Qual seria a maneira de não perder todo esse
capital, mão de obra, propriedade, patrimônio, como bem quiseram denominar
os escravos?
Mesmo com todos os argumentos sobre as vantagens da imigração e do
trabalho livre, até 1880, a maioria dos fazendeiros acreditava ser impossível
substituir a mão de obra escrava. (COSTA, 1997, p. 36-37)
A condessa pretendeu utilizar aquela mão de obra, fazendo “arranjos”
que pudessem mantê-la na fazenda, mesmo após a abolição. Foi uma forma
de “amarrar” o liberto. “Tratava-se de mudar para manter”. Assim como os
imigrantes, os escravos também tinham as suas expectativas com relação à
terra, como observamos no capítulo anterior. A possibilidade de possuir terras,
em uma sociedade que não possibilitava essa prerrogativa aos pobres, era o
suficiente para que permanecessem depois de sua libertação naquela
fazenda.61
Por pertencer à zona antiga de café, considerada decadente, aquele tipo
de fazenda não atraía os imigrantes, que escolhiam zonas de maior
produtividade para se estabelecerem. (COSTA, 1997, p. 36)
Sobre a afirmação acima, percebe-se no inventário alguns dados que
trouxeram questionamentos sobre a “baixa produtividade” da Fazenda de
Cantagalo, pois a propriedade ainda possuía matas virgens e muitos pés de
61
“A Lei de Terras de 1850” determinava que, a partir daquela data, a terra só poderia ser
adquirida por compra, proibindo-se o acesso via posse. O país, no entanto não foi
transformado em uma imensa região de fronteira fechada (terras apropriadas). Mas em áreas
de ocupação antiga, ela solidificou um monopólio anteriormente constituído. (MOTTA, In:
SILVA, 1989, p. 112)
109
café novos. Observemos abaixo o trecho do inventário da condessa, no que diz
respeito aos bens imóveis.
110
Consta, no inventário, uma análise feita pelo Dr. Antonio Luz dos Santos
Werneck62, com as seguintes considerações em relação aos direitos dos
libertos:
62
Na folha 6 do inventário consta a seguinte informação sobre a necessidade dessa
interpretação: “O testamenteiro só deseja que em vista de ampla e lúcida discussão entre os
herdeiros e a legatária o meritíssimo juiz decida dos direitos d’elles de modo a ver respeitada a
vontade da testadora quando diz: que o testamento seja cumprido de modo que de suas
disposições não resultem prejuísos ou incommodos aos seus parentes e herdeiros.”
111
dispensa para que possa a Casa de Caridade adquirir e possuir estes
bens de raiz, passará a fazenda com todos os seus acessórios a ser
propriedade em comum de todos os meus libertos e de seus
descendentes” “ficando obrigados a constituírem-se durante esse
tempo (50 annos) em colônia” “findos os 50 annos ficará emancipada
a colônia e poderão os meus libertos e seus descendentes, que então
existirem partilhar entre si as terras...” É pois, líquido que assim como
não podem os colonos dispor da fazenda como bem queiram, não é
também d’ella senhora absoluta a Casa de Caridade, pois não pode,
por autoridade do próprio domínio expulsar os colonos, salvo em
hyppothese determinada. Os direitos de uma parte limitam os direitos
da outra e os de ambos se completam.63 (Inventário do espólio de
Mariana Claudina Pereira de Carvalho, Condessa do Rio Novo)
63
Retiramos da interpretação do Dr. Antonio Luz dos Santos Werneck, somente os trechos
referentes aos libertos e à Casa de Caridade os quais constavam os direitos e os deveres de
ambas as partes.
112
Mas será que seriam ouvidos? O que significava ser liberto na sociedade
brasileira, no final do século XIX? Na vivência concreta, não apenas na lei,
eram considerados e respeitados como indivíduos livres? O que se esperava
deles?
Os libertos da fazenda de Cantagalo ganharam a liberdade, mas a
condição para continuarem na terra era a submissão aos desejos da condessa.
Seus deveres na terra eram maiores do que os seus direitos. Deixaram de ser
escravos, mas mergulharam na “desigualdade liberta”. “O estigma da
escravidão estava irredutivelmente associado à cor de sua pele e, sobretudo, à
sua origem”. (REIS, 1999, p. 105-106)
64
Não faz parte de nossa pesquisa, um estudo detalhado da parceria no Brasil. Já realizado por
inúmeros autores.
113
volta dos anos de 1860, estava desmoralizado no país e no exterior. (COSTA,
In: HOLLANDA, 1997, p. 147)
É preciso destacar que, embora o sistema de parceria não tenha tido
sucesso, a imigração estrangeira continuava a ser vista como a solução para a
mão de obra, e a escravidão, como um dos entraves à sua promoção.
65
A historiografia paulista da década de 1970 se destaca entre os inúmeros trabalhos que
abordaram os libertos como incapazes de se integrarem à sociedade de forma positiva. Ver
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na
114
Essa afirmação foi desmentida pela experiência da Colônia Agrícola
Nossa Senhora da Piedade. O sistema de parceria não foi positivo para os
libertos, por motivos que apresentaremos no segundo segmento deste capítulo.
Contudo, a experiência da colônia agrícola foi importante para demonstrar e
comprovar que eles tinham condições de se ajustarem na sociedade.66 Esse
ajustamento se daria, não fosse o preconceito que os colocaram muito abaixo
de suas possibilidades e a falta de interesse político nacional em reformar o
sistema agrário latifundiário e monopolista, em uma sociedade elitista, com
total domínio econômico e político, arraigada na defesa de seus interesses.
Alguns meses após a sua libertação, os libertos foram mencionados67 no
Jornal “Gazeta de Notícias”, em 30 de outubro de 188268. (JORGE, 2012, p. 93-
95) Em um relato de proporção considerável, o referido jornal informava as
condições pelas quais receberam da “benemérita doadora” as suas “alforrias
gratuitas”. Elogiava a administração da Irmandade, bem como o
comportamento deles, os quais se encontravam dedicados ao trabalho e
disciplinados. Não levavam uma vida desordenada e nem fugiam do trabalho. A
Irmandade tinha fundado um hospital para os antigos escravos e para
quaisquer pobres. Na época, 21 doentes encontravam-se internados.
Segundo Jorge (2012, p. 95), aquele “[...] jornal carioca foi fundado em
agosto de 1875 por Manuel Carneiro, Elysio Mendes e Ferreira de Araújo.[...]”
Tendo circulado até 1942, recebeu a colaboração de “[...] Machado de Assis,
Euclides da Cunha, Capistrano de Abreu e José do Patrocínio, com o
pseudônimo de Prudhome iniciando a sua campanha pela Abolição.” 69
sociedade do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. FERNANDES,
Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática, 1978.
66
Mostrando a capacidade dos escravos na inserção e luta pelos seus ideais, em uma
historiografia mais recente (1980 a 2005), ver CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade:
uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Cia das Letras,
2003 e MATTOS, Hebe Maria. Das Cores do Silêncio. Os significados da liberdade no
Sudeste Escravista. Brasil, Séc. XIX. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1998.
67
ANEXO XII.
68
Acervo Biblioteca Nacional.
69
“Lançou-se no jornalismo em 1877, quando entrou para a Gazeta de Notícias, como redator,
tendo a seu cargo a ‘Semana Parlamentar’, que assinava com o pseudônimo Prudhome. Dois
anos depois iniciou nesse periódico a campanha pela Abolição, juntamente com outros
jornalistas, tais como: Ferreira de Meneses, na Gazeta da Tarde, Joaquim Nabuco, Lopes
115
Embora José do Patrocínio seja considerado um abolicionista mais
radical do que Joaquim Nabuco, percebemos através daquela notícia, que
circulava no jornal em que promoveu campanha abolicionista, a intenção clara
de defender a libertação dos escravos inserindo-os na sociedade com o
acompanhamento e a delegação da classe dominante, no caso, da Irmandade
administrada por representantes dessa classe.
Dois anos se passaram, chegamos a 1884. O Boletim nº 3 da Sociedade
Central de Imigração do Rio de Janeiro70 registra, através de um relatório do Sr.
Dr. Ennes de Souza71, mais informações sobre a colônia pesquisada. O
documento é extremamente importante por ser um dos poucos que informam
sobre o cotidiano dessas pessoas que, se mostram como “seres humanos”,
com anseios, desejos e sentimentos.
Segundo aquele documento, a liberdade não modificou o interesse pelo
trabalho e o acesso à terra contribuiu para que esse interesse se ampliasse.
Acreditavam que as condições para expandir as suas potencialidades e
capacidades tinham-lhes sido verdadeiramente concedidas. A liberdade não
significava o “não-trabalho”. Isso se tornava realidade onde não havia
perspectivas, investimentos e nem oportunidades. O “não-trabalho” existe,
geralmente, quando há barreiras construídas pela própria sociedade.
Alguns libertos exerciam outros ofícios, não de lavradores, fora da
colônia. Contudo, mantinham “suas terras” em cultivo, trabalhadas por eles ou
por trabalhadores livres (negros ou brancos). Inclusive, quatro libertos, que
tinham uma dupla jornada, trabalhavam na administração da colônia,
juntamente com a irmandade da Casa de Caridade.
Trovão, Ubaldino do Amaral, Teodoro Sampaio, Paula Nei, todos da Associação Central
Emancipadora.” http://www.letras.ufmg.br/literafro/data1/autores/84/dados2.pdf Acesso em:
15.10.2014.
70
ANEXO XIII.
71
Segundo Santos (In: FILHO, 2000, p. 65), o Dr. Ennes de Souza era comprometido com a
abolição e com as reformas sociais.
116
eram tão negros ou mulatos quanto eles mesmos. Assim, não seria
surpresa verificar que as crianças que viveram nos últimos anos da
escravidão e as primeiras décadas da liberdade já contassem com
fortes alianças no mundo dos livres. (RIOS e MATTOS, 2005, p. 163)
117
10 a 20 anos: 19 homens e 10 mulheres; de 21 a 30 anos: 26 homens e 20
mulheres; de 31 a 40 anos: 20 homens e 21 mulheres; de 41 a 50 anos, 12
homens e 4 mulheres; de 51 a 60 anos, 3 homens e 4 mulheres; de 61 a 70
anos, 2 homens. As mulheres tinham em média somente 1 filho (22 mulheres);
10 tiveram 2 filhos e somente uma teve 3 filhos. Na lavoura trabalhavam 67
homens e 52 mulheres; pedreiros eram 2; carreiro, 1; cozinheiros, 3; alfaiate, 1;
feitor, 1; carpinteiros, 6; e em serviços domésticos, 1 homem e 7 mulheres.
Os crioulos, em sua maioria, eram jovens com potencial produtivo
inversamente alto em relação aos africanos. Somente 25 escravos possuíam
mais de 41 anos. Os 116 escravos restantes tinham de 10 a 40 anos, sendo
que 88 destes eram maiores de 21 anos.
Conclui-se que a separação em africanos e crioulos no interior da
colônia teve como explicação um confronto de gerações que, já deveria existir
na ex-comunidade escrava da fazenda de Cantagalo; como também um
interesse dos crioulos em se separar do grupo com menor capacidade
produtiva.
A idade avançada do plantel africano se explica pela paralisação do
tráfico atlântico. Como não havia mais renovação, esse grupo envelhecia
naturalmente.
Já o número de crioulos aumentava, abastecido pelo tráfico
interprovincial e, como inferimos anteriormente, pela reprodução incentivada
não só pela condessa, mas por outros fazendeiros do Vale do Paraíba, os
quais poderiam também negociar entre si, os escravos nascidos antes de 1870.
A segunda opção pode ser observada nas listas dos escravos libertados com a
quantidade de ingênuos (quarenta e seis), mas também com o número de
escravos nascidos na província do Rio de Janeiro (noventa e seis). Quase 60%
dos escravos da fazenda de Cantagalo tinham nascido nessa província.
Quanto às mudanças citadas acima, Rios e Mattos (2005, p. 153) nos
dizem que,
118
sobrevivência, e regrar o acesso aos recursos e à família. O
parentesco e as estratégias de aliança, dentre as quais o compadrio
foi a mais visível, deveram muito a essa necessidade de superação
dos conflitos internos às escravarias. Com o fim do contínuo afluxo
de estrangeiros, normalmente homens jovens, as comunidades
escravas tenderam a se cristalizarem e ampliarem o acesso à família
para os já estabelecidos nas fazendas, já que a relação entre
homens e mulheres se normalizava para as gerações nascidas no
cativeiro. Os novos “estrangeiros” passaram a ser os provenientes
do tráfico interno, que não reviviam nenhuma rivalidade ancestral, e
para os quais o acesso à comunidade já estabelecida, indispensável
para o novo cativeiro, deveria ser feito com a aceitação desta.
119
[...]como as regras socioculturais não conseguem impor ao
comportamento dos agentes sociais um eterno padrão, o
aparecimento de um acontecimento inesperado, de uma variante
comportamental pode ser a chave de compreensão de relações
sociais no interesse de um determinado grupo. (MALINOWSKI,
1984, apud, COUCEIRO e ARAÚJO, 2003, p. 294)
120
Percebe-se que, entre os libertos na colônia agrícola, em 1884, antes da
abolição, mas depois da alforria conseguida no testamento da condessa, os
valores familiares citados pelas autoras estavam presentes.
Como observou o Dr. Ennes de Souza, as “profecias apocalípticas” não
se concretizaram, pois houve a esperança de uma vida melhor e mais digna,
do que a vivência escravocrata. Os laços familiares concretizavam-se, o
respeito mútuo e a honestidade eram percebidos por visitantes, vizinhos e pela
própria administração. Parecia mesmo que as “reformas profundas”, tão
necessárias naquele contexto, tinham sido levadas a efeito.
Os libertos queixavam-se da “escassez de meios para realizarem seus
desejos de melhoramentos”, pois “pensavam” que as terras lhes pertenciam.
Esses desejos refletem as suas preocupações com a preservação da terra,
com o desgaste do solo pela reprodução extensiva (derrubada da mata e
incorporação de mais terra); adotada na região, desde o início de sua
ocupação. Esta necessitava ser modificada, já que nesse período a fronteira
agrícola encontrava-se fechada. Mas essas decisões de melhoramentos não
lhes competiam, visto que eram obrigados a obedecer à administração da
Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, se quisessem permanecer em seus
lotes.
O intelectual da Sociedade de Imigração informa ainda que 8 indivíduos
do sexo masculino se retiraram da fazenda após a libertação, preferindo
exercer os ofícios de “carapinas, ferreiros, pedreiros e cozinheiros” fora da
colônia, interessados em uma maior renda. Com isso, perderam o direito aos
lotes de terras concedidos pela condessa, em “harmonia com as disposições
testamentárias”. Alguns libertos voltaram, inclusive, um deles voltou no dia da
visita do Dr. Ennes. Deixara o ofício de cozinheiro na casa do Visconde de
Entre Rios, e queria um lote de terra para dedicar-se à lavoura, pois tinha se
casado e estava com um filho. Aqueles que permaneceram cultivando a terra
estavam em melhor situação comparados aos que foram embora. Como as
expectativas não foram atingidas, arrependidos, tentavam voltar.
Na última parte do documento, percebemos que a nova condição dos
libertos incentivou-os a constituírem famílias legais, sendo que, no capítulo
anterior, defendi a ideia sobre a existência da reprodução de escravos na
fazenda de Cantagalo, e das muitas famílias que já existiriam antes da
121
libertação. O fato de se realizarem 62 casamentos, no espaço de um ano,
legitimando os filhos que já possuíam antes do casamento, comprova o que
defendi anteriormente.
Outra informação importante fornecida pelo Boletim consistiu na
afirmação quanto à “boa índole” dos libertos que permaneceram na fazenda,
durante os meses que se seguiram após a leitura do testamento. Mesmo sem
um planejamento ou organização imediata da colônia, continuaram trabalhando
até a sua fundação, no dia 20 de janeiro de 1884, quando adotaram o sistema
de parceria.
A data da fundação da colônia coincide com o dia de São Sebastião,
padroeiro da cidade de Três Rios. No dia 20 de janeiro, comemora-se o dia do
padroeiro, que foi instituído como feriado. A fundação da colônia
[...] não foi instituída como uma data importante a ser comemorada,
impedindo-se que a memória fosse inscrita no tempo. Para
Benjamim, esse era um tipo de supressão, pois “o homem para quem
a experiência se perdeu se sente banido do calendário”. (BENJAMIM,
1989, apud: RODRIGUES, 2009, p. 307)
122
para o mercado interno, uma vez que a população sofria e sofre com os altos
preços dos produtos.
Plantavam, ainda, amendoim, arroz, mandioca, batata, inhame e
banana. Destinado ao consumo dos colonos e de seus animais, esses
alimentos começaram a ser produzidos depois de fundada a colônia.
O tratamento que davam às plantações era bom, segundo o Dr. Ennes,
os cafezais estavam limpos, capinados e bem tratados. Plantavam milho entre
as plantas de café e o feijão entre os intervalos, para o bem da lavoura. As
laranjeiras eram abundantes por entre os cafezais, por toda a orla do caminho.
A estrada que percorria a colônia estava no melhor estado e desembocava na
Estrada União e Indústria, em Entre Rios.
Por fim, no documento aparece a construção de 58 casas pelos colonos,
em um período de um ano. As casas foram construídas separadas umas das
outras e independentes. Constituíam um povoado único, mas cada uma dentro
dos diversos lotes de terra.
Além de construírem as casas, produzirem as roças, cultivarem o café e
de alguns saírem da colônia para trabalhar em outros ofícios, deixou-nos a
impressão de que encaravam o trabalho como uma “virtude”, não como uma
tortura, desde que houvesse perspectivas.
Essas informações pertencem à primeira parte do relatório, em que pese
o fato de a continuação ter sido mutilada, segundo a observação encontrada no
documento, mesmo assim, tais informações nos fornecem uma imagem muito
clara daquela realidade tão pouco conhecida.
Os libertos da fazenda de Cantagalo mostraram que os imigrantes
estrangeiros não eram os únicos que poderiam assumir as novas relações de
trabalho, por não ter a escravidão como herança. A mão de obra existente no
país, se tratada com a responsabilidade social e política que o momento exigia,
certamente não teria em mente o “não-trabalho”. Mas exigir que continuasse
nos latifúndios, sendo explorada, sem direitos, sem mudanças, seria inviável.
Sendo assim, houve a necessidade, por parte da maioria dos latifundiários, de
se “forjar” uma imagem, tanto do ex-cativo quanto do trabalhador livre pobre
de: preguiçoso, ocioso, vicioso, caipira, ignorante, incapaz, lerdo, ou de outras
tantas denominações que fossem preciso, para explicar a vinda dos imigrantes.
Estes seriam mais adequados à “nova realidade” agrária brasileira.
123
Suas formas de vida e concepções de trabalho eram lidas, ora como
tendência inata ao ócio e à vadiagem, por causa das limitações
étnicas (raciais) da população (formada por negros e índios,
considerados, então “cientificamente” como raças inferiores), ora a
deformação da escravidão que “desvalorizava o trabalho”.
(CASTRO, apud, SILVA, 1989, p. 97-98)
124
§ 6º Admitir na referida fazenda pessoas que preencham as
condições declaradas no testamento da veneranda benfeitora, a
Condessa do rio Novo. (Compromisso da Irmandade de Nossa
Senhora da Piedade de Paraíba do Sul – 1903)
72
“Jornal bissemanal, editado em Paraíba do Sul, RJ, desde 01.07.1874, por Julio Alberto
Machado, impresso em formato tablóide na Typographia do Provinciano, na mesma cidade.”
Fonte: Biblioteca Nacional. (JORGE, 2012, p. 96) ANEXO XIV.
73
A Colônia Agrícola Nossa Senhora da Piedade passa a ser chamada de “Colônia de Entre
Rios” ou “Colônia de Cantagalo”. Tratava-se da mesma colônia. Veremos estas denominações
em vários documentos que utilizaremos aqui.
125
O jornal condenava a ação dos libertos, julgando ser uma intimidação,
um tumulto em massa, uma insubordinação, uma ousadia. Pedia providências
para combater o perigo público.
Se os libertos não estavam agindo como “era de se esperar”, a
Irmandade também não, pois em 1884 na visita do Dr. Ennes, citada
anteriormente, há o registro de que “[...] todos se queixavam do que todos se
queixam...da escassez de meios para realizarem seus desejos de
melhoramentos.” E assim como os libertos receberam “benefícios e auxílios de
diversas ordens”, a Irmandade também recebera, ou seja os dois grupos
tinham deveres a cumprir. Segundo o testamento da condessa,
74
“Acervo Roberval Bezerra de Menezes – Titulares do Império – IHGB.” (JORGE, 2012, p. 97-
99) ANEXO XV.
126
turbulência, tanto que a sua estada nem fora percebida pela população que se
achava indignada com os abusos da Irmandade, segundo o autor do impresso.
A notícia de desacato ao Juiz de Direito era falsa, já que se acreditava que ele
nem mesmo fora procurado. Acusava-se o juiz de cúmplice “[...] pela inércia
com que se recusa a cumprir o dever que lhe impõe a lei, de fiscalizar a
Irmandade e fazer cumprir as disposições testamentárias dos beneficiados da
Casa de Caridade.” Estava se tentando burlar a opinião pública, abafar a “voz
das vítimas”. Denunciava-se que, nos livros da secretaria da Irmandade, não
constava o lançamento do pagamento dos lucros pertencentes aos libertos.
Pedia que o Imperador, “[...] o protetor dos fracos e oprimidos [...]”, lançasse as
“[...] suas vistas paternais sobre os pobres libertos.” O impresso termina
informando que “o advogado e seu fiel consórcio, o administrador da colônia”,
resolveram dar todo o dinheiro existente na tesouraria da Irmandade aos
reclamantes, por terem ficado “[...] aterrados e receosos da energia com que os
colonos gritam e denunciam e espoliação que sofrem [...]”, e mais, que aquele
dinheiro não era do café, pois “[...] este de há muito nutrem as roletas desta
cidade.”
Os libertos aparecem nessa narrativa como trabalhadores que
conheciam os seus direitos, exigiam que estes fossem cumpridos, sabendo a
quem recorrer.
No mesmo ano outra denúncia do mesmo teor da anterior, agora no
“Jornal do Comércio”, contra a Irmandade e o Juiz de Direito de Paraíba do Sul.
Afirma-se que o patrimônio deixado pela condessa encontrava-se
127
novamente se faz presente na defesa do reconhecimento dos direitos dos
libertos da Condessa do Rio Novo. Não nos estranha a “energia” daqueles
libertos, pois vimos anteriormente o quanto os escravos negociavam e exigiam
que as suas conquistas fossem respeitadas. Caso contrário, as reações contra
os seus senhores seriam diversas. Uma vez libertos, davam continuidade às
suas lutas por permanências e por novas conquistas.
Para mostrar como muitas vezes a liberdade não faz mais do que
piorar a condição dos captivos, cita o orador o que tem ocorrido com
os que foram libertos por verba testamentária da Condessa do Rio
Novo. Hoje todo o empenho da instituição a quem pelo testamento
incumbe tratar de sorte desses libertos, constituídos em colônia é
que sejam elles remettidos para qualquer colônia militar. Quando por
lá andou o Sr. Conde d’Eu, os libertos cercaram-n’o, declarando que
nunca sofreram tanta miséria como depois que foram livres. E na
vontade, faz pena vel-os, sobretudo a quem os conheceu felizes e
contentes quando captivos.75
75
“Jornal ‘Diário do Brazil’, 19.09.1885- Acervo Biblioteca Nacional.” (JORGE, 2012, p. 99-100)
128
Na realidade, sabemos que a primeira administração da Irmandade,
como apontava o impresso distribuído na Corte, apresentava problemas. A
administração foi nefasta desde os primeiros anos da formação da colônia.
Segundo Sá (1944, p. 53), o provedor, Dr. Leandro Bezerra,
129
O liberto (parceiro) não era um trabalhador independente. Poderia ser
visto como um trabalhador assalariado, que recebera em pagamento, por seu
trabalho na propriedade da Irmandade, um pedaço de terra e uma parte da
safra que cultivava. Teoricamente, pode-se falar em “posse da terra”, mas, na
prática, o liberto ficou ligado ao empreendimento, não se tornou proprietário da
terra.
Sendo assim, o relatório de 1884, do Dr. Ennes de Souza, demonstra as
dificuldades que os libertos enfrentaram desde o início da criação da colônia,
pois se queixavam da “escassez de meios para realizarem seus desejos de
melhoramentos” e, referindo-se à cana, informaram sobre as dificuldades que
encontraram para conseguir as sementes com a vizinhança. Tornou-se
impossível aquele projeto da condessa, devido, entre outros fatores, à falta de
investimentos necessários para o seu êxito.
A decadência da colônia agrícola, concomitante à decadência da
província fluminense, entre outros fatores que mostraremos mais tarde,
decorreu também do sistema de cultivo da terra, considerado o principal
causador da crise. (TEIXEIRA, In: SILVA, 1989, p. 61)
A empresa agrária constituída pelos cafeicultores em Paraíba do Sul,
independente da questão servil, “por suas características intrínsecas”, levaria à
sua crise. “Crise de esgotamento, local e de cunho destruidor, impossibilitando
a reprodução ‘ampliada’ na unidade produtora.” (FRAGOSO, apud, TEIXEIRA,
In: SILVA, p. 75)
Segundo Fragoso (apud TEIXEIRA, In: SILVA, 1989, p. 75):
A fertilidade do solo não pode ser tratada “[...] tão somente como um
favor da natureza concedido a certas porções do solo uma vez e para sempre”.
130
Ela é variável e está estreitamente associada a “[...] mudanças de densidade
de população e relacionada com mudanças de métodos agrícolas”.
(BOSERUP, 1987, p. 10)
No caso da colônia agrícola, o problema da fertilidade do solo estava
associado aos investimentos para as mudanças dos métodos agrícolas,
somado à insegurança quanto à posse e ao uso da terra.
As populações da província fluminense destruíram mais do que
aperfeiçoaram as técnicas para o cultivo das terras cuja esterilidade foi
promovida pela não utilização de métodos e técnicas de preservação do solo.
Isso não quer dizer, porém, que não se pudesse recuperar a sua fertilidade,
estas não se tornariam estéreis para sempre. (BOSERUP, 1987, p. 21)
Portanto, as terras da colônia agrícola tinham condições favoráveis de
cultivo e de desenvolvimento, desde que: os libertos fossem “verdadeiramente”
os proprietários, não correndo o risco de perdê-las; a comercialização do
excedente de produção fosse feita para um mercado, onde o acesso fosse
facilitado pelos transportes possíveis de utilização, e feita diretamente pelos
libertos, pois intermediários costumavam extrair lucros excessivos de colonos
de uma maneira geral; os recursos financeiros estivessem disponíveis para
expandir suas culturas, modificando a reprodução extensiva não cabível em
uma região de fronteira fechada; a “Grande Tradição” da agricultura brasileira,
produção de safras comerciais e monocultora, fosse substituída pela policultura
para o abastecimento do mercado interno; não padecessem de fatores
ecológicos; não houvesse especuladores de terras e o Governo Brasileiro
estivesse, na época, propondo e aprovando leis de incentivo à reforma agrária.
Em que pese o fato de os insumos sistemáticos serem primordiais para
a colônia, muitas vezes o retorno sobre os investimentos em lavouras de
alimentos não era o suficiente para garanti-los. O custo para manter a colônia
era muito grande e sem investimento tornou-se inviável. (FORMAN, 1979, p.
178)
Enfim, simplificar a explicação do mau êxito da Colônia Agrícola de
Nossa Senhora da Piedade é não analisá-la com seriedade. É uma prática
preconceituosa, racista, discriminatória, com um total desconhecimento dos
problemas enfrentados por trabalhadores rurais do nosso país.
131
3.3 AS MUDANÇAS NA COLÔNIA
76
O compromisso com data de 1903 se firmara após o início dos arrendamentos em 1892.
Percebe-se a falta de seriedade daqueles “irmãos” (administradores da Irmandade) em manter
o desejo da condessa expresso em seu testamento. Anteriormente o engenheiro Nicomedes
Dié, em 1886, apresentara a planta topográfica da colônia agrícola de Nossa Senhora da
Piedade, como “Colônia Canta e Gallo de propriedade da Irmandade de N. S. da Piedade”.
(ANEXO XXXI, Figura 4) Na planta não se vê nenhuma alusão aos libertos.
132
administrando a colônia, buscando estratégias, isto é, mecanismos que
pudessem mantê-la dentro da crise que se instalava, mantendo o compromisso
firmado anteriormente. Mas não foi o que aconteceu.
A paisagem agrária do Vale do Paraíba fluminense, após a decadência
do café, passou a ser dominada pela pecuária extensiva. Algumas famílias de
antigos fazendeiros emigraram para o oeste paulista; outros, mesmo antes da
abolição, investiram em “[...] atividades menos arriscadas como a compra de
imóveis urbanos e apólices públicas.” (FRAGOSO, In: LINHARES, 2000, p.
161-162)
As terras da colônia agrícola, mesmo antes de a produção de café se
extinguir por completo, foram arrendadas a particulares, segundo a ata da
Câmara Municipal de Paraíba do Sul, de 26 de junho de 189277, na qual
podemos ver dois fatos que dizem respeito ao poder político da Irmandade, em
Paraíba do Sul. No primeiro, a Irmandade invade terrenos municipais, dizendo-
se autorizada a isso, tomando posse à força de terrenos, que pertenciam ao
poder público. No segundo, e que realmente importa à nossa análise, os
colonos se queixam e reclamam do arrendamento feito a Juão Melo pela Mesa
da Irmandade.78 O presidente da Câmara, fiscal da execução do testamento,
alega que o país necessitava de “[...] calma e concórdia que de sua parte não
criaria agitações e lutas estéreis [...].” O que o presidente pretendia com esse
discurso era deixar claro a posição de “lutadores inglórios” dos libertos e a
manutenção da “ordem” social dominante do império e sua continuidade na
república. Dizia que as reclamações deveriam vir “[...] oficialmente por meio de
requerimentos, representações ou ofícios para poder intervir[...]”; aconselhando
a procura das “justiças ordinárias”, duvidando se os abusos eram reais. A
Câmara, concordando com a opinião do Presidente, deliberou que “[...] nada se
fizesse até que a sua intervenção fosse solicitada ou requerida.” Dificultavam o
movimento empreendido pelos colonos com exigências documentais, difíceis
de serem cumpridas, diante das perspectivas educacionais apresentadas aos
77
ANEXO XVI.
78
Esse primeiro arrendatário, possivelmente, era o administrador da fazenda, João Pedro de
Mello, que aparece na lista de despesa da Fazenda de Cantagalo (31 de 0utubro de 1882) no
documento 30 do inventário da condessa. Junto com sua mulher, que também era empregada
da fazenda, receberam pelo seu trabalho, 345.000 réis.
133
libertos no pós-abolição.79 Entretanto, na vivência daqueles colonos, lutar
diante das dificuldades que emergiam em sua nova condição, era um exercício
inicial de cidadania, em busca da qual teriam uma longa jornada de “perdas e
ganhos”, perdurando até os dias atuais com os seus descendentes.
O arrendamento a “Juão Melo” não era permitido, de acordo com o
testamento, como foi analisado pelo Dr. Antonio Luz dos Santos Werneck80,
citado anteriormente. Nesta análise, ele redigiu que a testadora não desejava
que a colônia agrícola fosse algum dia alienada, desejava que o todo complexo
(fazenda com os bens agrícolas) ficassem perpetuamente unidos, queria que a
colônia fosse sempre a mesma, “[...] perpetuamente conservada com todos os
bens apontados, seus acessórios.”
Obviamente, o arrendatário assumiu as terras com a mão de obra
liberta, que possuía seus lotes para produzir e comercializar os seus produtos.
Os libertos não conseguiram evitar o arrendamento, tiveram que se adaptar a
mais uma mudança, como podemos observar na ata de 2 de agosto de 1894,
da Câmara Municipal de Paraíba do Sul:
79
“[...] os não-brancos foram adquirindo o direito à escola muito lentamente, no pós-abolição.
Formalmente excluídos os escravos, os libertos tinham acesso à escola na medida de suas
possibilidades – inexistiu, durante a escravidão ou depois dela, uma política de massas voltada
explicitamente para garantir aos ex-escravos o acesso à escola.” (MENEZES e FILHO, 2008, p.
17)
80
ANEXO XVII.
134
A fiscalização feita pela Câmara acerca da venda do café era no sentido
de cobrar impostos, e não com relação a proteger os colonos contra
especuladores ou exploradores. Caso não procedesse assim, aquele senhor
não teria a chance de arrendá-la. Observemos a ata de 28 de fevereiro de
1895:
135
explorar a parte da produção agrícola (cana) que deveria pertencer unicamente
aos colonos ou ele não obedecera ao contrato firmado com a Irmandade.
Achamos improvável a segunda opção uma vez que o fato de as terras terem
sido arrendadas comprova o desrespeito aos direitos dos colonos.81
Para continuarmos a nossa análise, será necessário entender como
funciona o contrato de arrendamento.
81
Interessante observar que, os documentos referentes à administração da Colônia Agrícola
foram queimados, em um incêndio que destruiu a Casa de Caridade, em 1955. (SÁ, 1970, p.
42) Visitamos o atual edifício onde se reinstalou a Casa de Caridade, no mesmo local do
edifício incendiado, ainda no período da pesquisa para o mestrado. O funcionário, Sr Waldir,
nos atendeu informando que não havia documento algum sobre o período de nosso interesse e
nos mostrou as fotos do incêndio, alegando que possuía somente aquilo para nos mostrar. Por
isso, utilizamos documentos de arquivos públicos.
136
Entende-se que nem sempre os contratos são seguidos pelo
arrendatário, mesmo que as cláusulas favoreçam o proprietário. No caso desse
arrendamento, o Sr. Ryspoli “espoliou” a propriedade da Irmandade, em vez de
mantê-la em bom estado.
Se a sede da fazenda encontrava-se espoliada, o que teria acontecido
com os colonos? Mesmo antes do arrendamento, Emygdio Rispoli não “aferia
seus pesos”, nas transações comerciais feitas a eles. Acreditamos que diante
deste e de uma série de problemas que analisamos antes, uma situação de
precariedade se instalou. Essa precariedade os levaria a uma situação de
pobreza e de necessidades, que dificultaria a manutenção da colônia agrícola.
Os colonos não se negaram a trabalhar, fizeram-no, mas continuaram sendo
explorados de outras formas, caracterizando a realidade rural brasileira.
Podemos notar que o trabalho deu frutos para quem os explorava:
137
aos pobres que nela quisessem trabalhar), como explicar que, em 1892, a
colônia já se encontrava arrendada?
Em sua análise o Dr. Werneck afirma: “[...] não se faz revogação
expressa de testamento sinão em outro testamento ou um documento escripto,
onde o testador declara que revoga”. (Inventário da Condessa do Rio Novo)
Então, como explicar tanto poder nas mãos dos homens que administravam a
Irmandade e que decidiram não dar cumprimento ao testamento?
Os libertos reclamaram ao presidente da Câmara, conscientes de que
este era o caminho para buscar uma solução para o problema, pois a condessa
deliberara em seu testamento que ele e o juiz de direito seriam os fiscais da
mesa da respectiva Irmandade.
Passados dez anos desde a formação da colônia, o que pode ter
acontecido? Desde o relatório da Sociedade de Imigração, em 1884, até 1892,
como a colônia deve ter enfrentado as transformações econômicas, políticas e
sociais pelas quais passou o país?
Uma história local e limitada pode fornecer uma visão válida do
campesinato brasileiro, esse complexo fenômeno social, ou permitir uma
explicação do fenômeno mais geral? Podemos responder que sim, pois
Forman (1979, p. 23) diz que há uma
138
seus defensores, fundando clubes e associações pelo país, fragilizando cada
vez mais o Império. Inúmeras ações foram organizadas e, diante de tantas
pressões, o projeto de emancipação dos escravos foi votado e aprovado pela
maioria dos deputados abolicionistas. A lei Áurea foi assinada pela regente
Isabel, libertando cerca de setecentos mil escravos. (BASILE; In: LINHARES,
2000, p. 288)
Os fazendeiros escravistas, que se irritaram com a abolição sem
indenização, passaram, em grande parte, a se desinteressarem pelo destino da
monarquia. Muitos aderiram ao movimento republicano, unindo-se aos
abolicionistas, que eram republicanos e seus inimigos de véspera.
Como as indenizações eram rejeitadas nacionalmente, o Gabinete Ouro
Preto, preocupado com a possibilidade de todo o setor agrário conservador
voltar-se para a República, fez um projeto de auxílio à lavoura. O Gabinete
conseguiu levantar junto à casa dos banqueiros Rotschild, em Londres, 86 mil
contos (quarta parte de todo o orçamento imperial de 1889) que seriam
colocados à disposição “[...] dos setores agrários em crise, com juros
garantidos pelo governo e prazo de cinquenta anos para tomadores do
empréstimo”. Procurava-se ativar a economia fluminense e a mineira, em “[...]
contraponto ao ascenso paulista [...]”, mantendo assim o apoio daquelas elites
ao Império”.
Essas medidas vieram tarde, pois os paulistas, que ficaram insatisfeitos
com “[...] a política imperial de indenização disfarçada paga à lavoura
fluminense [...]”, aderiram majoritariamente à República. (LINHARES; SILVA,
1999, p. 70)
Não foi só entre os civis que o movimentou se expandiu, mas também
nos meios militares.
Segundo Basile (In: LINHARES, 2000, p. 294), com as transformações
ocorridas nas décadas de 1870 e 1880, e
139
O movimento republicano crescia na medida em que a monarquia perdia
o seu prestígio. Na verdade, não havia uma “[...] crença geral e efetiva nas
vantagens daquele regime”. (MONTEIRO, In: LINHARES, 2000, p. 303) A
monarquia foi incapaz de articular “as velhas e novas demandas” tendo sido,
por isso, substituída pela República.
Com o advento da República, houve a tentativa de renovar a prática
econômica do país nos seus primeiros anos, tentativa principalmente de Rui
Barbosa, no curto período em que foi Ministro das Finanças, no governo de
Deodoro da Fonseca (1889-1891). Tentou elevar “[...] as tarifas aduaneiras e
facilitar o crédito industrial através da criação de bancos regionais, assim como
suspender os empréstimos à lavoura cafeeira decadente”. (MONTEIRO, In:
LINHARES, 2000, p. 304) Um Banco Hipotecário Nacional e um Cadastro de
Terras seriam criados para substituir aqueles empréstimos. O novo setor
agrário de São Paulo, e o antigo do Rio de Janeiro, atacaram duramente essa
proposta.
As tarifas aduaneiras elevadas, com o objetivo de industrializar o país
(sendo que o objetivo principal era o fiscal), dificultavam a venda dos produtos
agrícolas brasileiros, pois atingiam o “[...] pacto que unia os plantadores, casas
comerciais e interesses imperialistas [...]”, irritando profundamente os
plantadores. Transformar a terra em um bem executável não agradava os
velhos e nem os novos proprietários. Suas dívidas, desde o período colonial,
eram pagas sobre “os frutos, e não sobre a terra”. O ministro foi afastado,
principalmente por esse motivo, ascendendo ao poder o grupo plantacionista.
(MONTEIRO, In: LINHARES, 2000, p. 304)
Os setores agrários fizeram surgir uma nova proposta contra o projeto
modernizante de Rui Barbosa:
140
O predomínio da hegemonia da burguesia do café, no plano interno, e
sua dependência do capitalismo internacional, no plano externo, caracterizaram
a economia e a política durante a Primeira República.
Na primeira Constituição da República, de 1891, percebe-se uma
“cidadania seletiva”, em que os cidadãos seriam separados em dois grupos:
ativos, exercendo direitos civis e políticos, e passivos, possuindo somente os
direitos civis, privando a maior parte da população de participação da vida
política do país.
Com tudo isso, podemos entender por que as reclamações dos libertos
foram ouvidas, visto que tinham o direito de expressão. Todavia não foram
tomadas as providências para o impedimento do arrendamento da terra entre a
Irmandade e Juão Mello. Não houve a justiça para um grupo politicamente e
economicamente “dominado”.
141
(março de 1891). [...] Quando administrador da Colônia de
Cantagalo, dominou prontamente a sublevação dos colonos,
insuflados por especuladores dos prazos de terra dos ex-escravos,
contra a Irmandade Nossa Senhora da Piedade.
82
“Petrópolis, Vassouras, Bemposta, Campos e outros pontos, forçaram a deposição do
governador Dr. Francisco Portela, que renunciou o cargo aos 10 de dezembro de 1891”. (SÁ,
1944, p. 105)
142
3.3.2 – Os Aforamentos
83
Contrato pelo qual o proprietário transmite o domínio útil de um imóvel a outra pessoa,
ficando esta obrigada a pagar-lhe anualmente o foro.
84
ANEXO XVIII.
143
forma de organização do trabalho encerrava certo componente camponês; sua
base era o trabalho familiar e parte de seu produto era de sua propriedade,
podendo ser comercializado. Sua base familiar permitia à Irmandade e,
posteriormente, ao arrendatário o uso de uma mão de obra não remunerada
(mulheres e crianças).
144
supersafra brasileira de 1896, forçando a baixa nos preços do café.
(CARVALHO, 2001, p. 94)
Somando-se à problemática decorrente da crise cafeeira, nos primeiros
momentos da república, ascenderam ao poder, os grupos oligárquicos
regionais com autonomia local, impondo seus interesses, dissolvendo uma
visão mais ampla da nação, impossibilitando os oprimidos de buscarem apoio e
proteção em instâncias superiores. (LINHARES; SILVA, 1999, p. 95)
Nesse contexto, incluímos os libertos que se encontravam em uma
situação de total dependência em relação à Irmandade, formada pela elite
local. Dependiam da boa vontade dos “irmãos”, para que mantivessem o que
estava estabelecido no testamento e no compromisso da Irmandade.
Com o esgotamento do solo, estando com a fronteira agrícola fechada,
mantendo-se as formas de produção extensivas85, somando-se à queda do
preço do café, nem mesmo o arrendamento era interessante. Restava, então, o
aforamento com a consequente tentativa de retirada dos colonos das terras.
(LINHARES; SILVA, 1999, p 75)
Durante a primeira década da República, o poder federal não tomou
iniciativas para atuar na questão agrária. Foi omisso na incorporação dos ex-
escravos à vida nacional. A política geral da República foi “extremamente
conservadora”, legitimando a “[...] arbitrariedade dos grandes fazendeiros na
apropriação de terras [...]” e confirmando “[...] à Igreja e ordens religiosas a
posse de suas propriedades”. (LINHARES; SILVA, 1999, p. 76-77)
Quanto à apropriação de terras públicas, encontramos novamente uma
denúncia contra a Casa de Caridade, em 1899:
85
“[...] Imensas plantações aproveitando-se da grande fertilidade dos solos, formada a partir do
humos e das cinzas deixadas após a derrubada da floresta.[...] A forma de cultivo dos cafezais,
baseada na agricultura de roça e queima era semelhante àquela praticada pelos índios, sendo,
porém, realizada em grandes extensões de terras, muitas delas em encostas. Isto levaria a
perda da fertilidade do solo da região, exauridos, entrariam num processo de erosão.” Para
uma reflexão a respeito da cultura do café e a questão ambiental no século XIX, ver: GOMES,
Mauro Leão. A Cultura do Café e o Debate Ambiental no Século XIX. O caso de Cantagalo
na Província do Rio de Janeiro. Dissertação apresentada ao Curso de Desenvolvimento,
Sociedade e Agricultura, CPDA/UFRRJ, 2000.
Fonte: www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/.../Gomes%20Mauro%20Leão.doc. Acesso em
02.10.2014.
145
pedindo providências à Câmara. A Câmara autorisa o Sr. Presidente
a entender-se com o advogado da mesma Câmara. (Atas da Câmara
Municipal de Paraíba do Sul. Livro 15. 1899-1908. 20.11.1899)
146
relatório de 1910. Não menciona a colônia. De novo, o esquecimento, o
apagamento. (Jornal Arealense, 08.06.1911, p. 2)
Posteriormente, encontramos os dados do relatório de 191686,
apresentado pelo Coronel Provedor Randolpho Penna Jr ao “Exmo Revmo Snr.
D. Agostinho Francisco Benassi. DD. Bispo de Nictheroy”. O Provedor não fez
nenhuma referência à colônia agrícola. Estava esquecida, mais uma vez. A
preocupação maior consistia no investimento em apólices da dívida da União,
no aumento do patrimônio e manter um saldo em caixa. Nem mesmo a
manutenção da sede da fazenda de Cantagalo, que poderia ser um patrimônio
histórico e cultural na atualidade, foi preocupação daquela Irmandade. Em vez
disso, fizeram a demolição e a venda de seus materiais. Entre as despesas
para a manutenção de internato, externatos, hospital e asilo aparece uma
despesa de R$6:797$400 em “obras e melhoramentos” não especificados.
A Casa de Caridade continuou por um longo tempo, sob a administração
do Coronel Provedor Randolpho Penna Jr. Em 192987, os irmãos em mais um
relatório, não se lembram da colônia agrícola nos assuntos tratados pela
Irmandade.
Encontramos a “voz” dos libertos, somente em 1930. Passados 48 anos,
após a formação da colônia agrícola, dois libertos reclamaram o direito ao
usufruto da terra. Para estes, a terra ainda era um sonho possível de ser
alcançado. Vejamos no relatório, que apresentou as queixas deles, além da
venda de prédios; compra de apólices da dívida pública na Bolsa de Título da
Capital Federal; obras na Escola Condessa do Rio Novo, no asilo, no hospital;
outras informações e como a Irmandade reagiu às reclamações dos dois
libertos.
86
ANEXO XIX.
87
ANEXO XX.
147
Tendo o egrégio tribunal da Relação do Estado do Rio, com grande
surpreza nossa, negado provimento à appelação que formulamos em
1925 da sentença do emérito Juiz de Direito da Parahyba do Sul,
manutenindo dois intitulados ex-escravos da veneranda Condessa
do Rio Novo na posse de terrenos, cujo domínio, indubitavelmente,
pertence à Casa de Caridade, não me conformei o accordão,
convencido de que ainda lograremos indefectível justiça. “A Deus o
que é de Deus”. [...](Jornal Arealense, 11.01.1930, p. 2)
Secção Livre
Casa de Caridade de Parahyba do Sul
(Nova Zona Foreira)
Resolução da assembléia geral de irmãos em 14 de julho de 1931.
A creação da nova zona foreira, que poderá ser considerada
suburbana, por achar-se situada muito distante da sede do districto,
deverá ser demarcada da forma seguinte: a partir dos limites da
antiga zona foreira de um e de outro lado da Estrada União e
Indústria, prolonga-se de um e de outro lado até a ponte das Garças,
tendo do lado direito todo o terreno aproveitado até o rio e do lado
esquerdo da Estrada da ponte até a curva do rio, só deverá ser
aforada uma faixa de terreno com 132 metros de fundos e d’ahi do
ponto onde existe uma pequena casa (onde reside Antonio
Simplício) partirá uma linha divisória em direcção ao signal fixo da
Estrada de Ferro Leopoldina (linha Piracema), atravessando a dita
linha férrea, bem como a estrada de rodagem da Rua Direita
(Fazenda) até a cerca da Estrada de Ferro Central, ramal de Porto
Novo, linha essa que estabelecerá a divisa entre a nova zona foreira
e a arrendatária.
Os arrendatários terão preferência ao aforamento dos terrenos pelo
preço de 10 a 20 réis, desde que abranja toda a extensão do terreno,
isto é, do primeiro prazo da frente até ao limite da nova zona foreira;
porém se elles abandonarem os prazos de fundo e somente
pretenderem aforar os de frente, o aforamento será de 30 réis o
metro quadrado. No caso de transferência de parte ou de todo o
terreno aforado, nos prazos de frente, o foro será cobrado a 30 réis,
sendo canceladas as cartas respectivas e extraídas outras.
Caso aos actuaes arrendatários não convenha aforar todos os
prazos de frente, estes podem ser aforados a terceiros, mediante
praça e pelo preço de 30 réis o metro quadrado.
148
No aforamento da nova zona foreira a ser estabelecida, serão
respeitados os contractos de arrendamento actualmente existentes,
até a sua terminação, bem como os direitos às benfeitorias, por
ventura existentes nos terrenos respectivos, que serão indemnisados
mediante avaliação prévia, a aprazimento das partes interessadas.
Fica o Sr. Provedor autorisado a promover, quando julgar opportuno,
o levantamento da planta da nova zona foreira, abrindo-se, para
isto, o necessário crédito. (Jornal Arealense, 08.08.1931, p. 2)
149
4 DE COLÔNIA AGRÍCOLA NOSSA SENHORA DA PIEDADE A BAIRRO DE
VILA ISABEL: HISTÓRIA, ESQUECIMENTO E SILÊNCIO
150
privilegiando uma “[...] conformação arquitetônica e urbanística à moda
francesa do barão de Haussmann88.
A vida urbana foi marcada pela instabilidade decorrente de uma economia
ainda fortemente ligada à exportação agrária e à industrialização incipiente. Às
crises cíclicas de carestia somava-se o aumento constante dos alimentos,
moradia, transporte e aluguel. Com o crescimento da inflação, multiplicou-se a
pobreza, havendo um “[...] rebaixamento social e das condições de vida [...]”,
como também o surgimento de inúmeras moradias irregulares e o aumento de
“[...] figuras inusitadas89 que transitavam pela cidade. Estes conviviam com a
nova burguesia separada do campo, que transformava as cidades no seu
“quartel-general”. (SCHWARCZ, 2012, p. 39)
A higienização era um projeto amplo e abrangente, gerado a partir da
concepção de civilização e de controle, duas palavras de ordem articuladas
veementemente no período.
88
Seu nome “[...] é sinônimo das transformações observadas em Paris, durante o Segundo
Império, que deram à capital francesa o rosto que, de uma forma geral, hoje ainda apresenta.
[...] Foi responsável pela reforma urbana de Paris, determinada por Napoleão III, e tornou-se
muito conhecido na história do urbanismo e das cidades.[...] Advogado, funcionário público,
político e administrador francês. Nomeado prefeito de Paris por Napoleão III, remodelou esta
cidade durante 17 anos, com a colaboração de arquitetos e engenheiros de renome da época.
Haussmann planejou uma nova cidade, modificando parques parisienses e criando outros,
construindo vários edifícios públicos, como a L’Opéra. Melhorou também o sistema de
distribuição de água e criou a grande rede de esgotos, quando em 1861 iniciou a instalação
dos esgotos entre La Villette e Les Halles, supervisionada pelo engenheiro Belgrand.
http://estoriasdahistoria12.blogspot.com.br/2013/10/as-transformacoes-na-vida-urbana-o.html
Acesso em: 04.11.2014.
89
“A preta-mina cozinheira, os engraxates mestiços, os carregadores, as doceiras, os
capoeiras, os vendedores de leite em domicílio, o baleiro ou o cura a oferecer proteção”.
(SCHWARCZ, 2012, p. 39)
90
O surgimento da favela no Rio de Janeiro, em 1897, também marca as transformações
sociais desse período. “[...] O Morro da Favela, considerado a primeira favela do Brasil, a partir
151
“[...] política agressiva de incentivo à imigração estrangeira”. Como
possibilidades reais e dominantes, as cidades e as indústrias se impunham
como novos fenômenos sociais e econômicos. Voltado para a região Sudeste,
o eixo econômico era representado, principalmente, pelas cidades do Rio de
Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. (SCHWARCZ, 2012, p. 42)
Mesmo com todo o dinamismo daquele período, até 1930, o Brasil ainda
era agrícola, segundo o censo de 192091.
do ano de 1897 abrigou remanescentes dos cortiços do centro do Rio, ex-escravos do Vale do
Paraíba e os soldados desamparados da Guerra de Canudos e todos aqueles que jamais
seriam retratados na poesia de Olavo Bilac. A favela erigia-se como monumento na região
central do Brasil em frente à praça da Aclamação (hoje Praça da República). [...] Hoje,
conhecemos o antigo Morro da Favela como Favela da Providência, que ainda pode ser vista
atrás da Central do Brasil, entre os bairros do Santo Cristo e da Gamboa.”
www.jornalplasticobolha.com.br/pb24/quartodedespejo.htm. Acesso em: 09.04.2014. Ver
também: VALLADARES, Licia. A Gênese da Favela Carioca. A produção anterior às
Ciências Sociais. RBCS. Vol. 15 nº 44 outubro/2000. www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v15n44/4145.
Acesso em 09.04.2014.
91
“Dos 9,1 milhões de pessoas em atividade, 6,3 milhões (69,7 %) se dedicavam à agricultura;
1,2 milhão (13,8 %) à indústria; e 1,5 milhão (16,5 %) aos serviços de uma maneira geral.”
(SCHWARCZ, 2012, p. 43)
92
Enquanto fenômeno histórico, o avanço da cidadania no Brasil não atrelou as suas três
dimensões políticas: direitos civis (direito à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a
lei); direitos políticos (direito à participação do cidadão no governo da sociedade-voto) e direitos
152
argumentos da biologia. A ciência naturalizava a história e transformava
hierarquias sociais em dados imutáveis.” (SCHWARCZ, 2012, p. 61)
153
habituara-se a formar roças volantes e deslocar-se sazonalmente.”
(SCHWARCZ, 2012, p. 63) Eles adotaram o “modo de vida caipira”, evitando a
fixidez e produzindo pequenas roças, “[...] uma sociabilidade que se utilizava
das relações de vizinhança e dos grupos que se reuniam em arraiais, vilas e
bairros rurais.” (SCHWARCZ, 2012, p. 63)
A inevitável e crescente miscigenação “convivia” com o discurso
científico93 sobre as diferenças raciais no século XIX legitimando o imperialismo
europeu, hierarquizando a humanidade e possibilitando ao homem branco a
ocupação do “[...] topo da evolução da espécie, símbolo maior do progresso e
da civilização.” Com ampla difusão na Europa, essas ideias se espalharam
para inúmeros países do mundo, dentre eles, o Brasil. (GIAROLA, 2011, p. 72)
Para o grupo dirigente do final do século XIX no Brasil, a publicação de
“A Origem das Espécies”, com “a teoria da evolução” de Charles Darwin (1809-
1882) subsidiava a definição dos seus conceitos de nação e de cidadania.
(GIAROLA, 2011, p. 72)
O discurso científico, que tanto agradava aos brasileiros, ao mesmo
tempo era utilizado por vários viajantes que representavam “[...] o Brasil como
exemplo de nação degenerada de raças mistas [...], modelo da falta e atraso
em função de sua composição étnica e racial.” (GIAROLA, 2011, p. 72)
Gobineau (1816-1882) foi o principal nome entre os teóricos racistas
que condenava a hibridação, o qual julgava “[...] o Brasil como culturalmente
estagnado e como um risco permanente para a saúde”. Para ele, a
miscigenação manchara os brasileiros de forma irrevogável e, por isso, achava-
os desprezíveis. (GIAROLA, 2011, p. 72)
Segundo Giarola (2010, p. 74), “[...] os intelectuais brasileiros tiveram
seu próprio modo de ver a composição racial do país. Ressaltando que não
houve uma tradução aleatória de textos, mas antes um trabalho de seleção.”
93
Não temos a intenção de nos aprofundar nas questões raciais no Brasil, uma vez que isto
poderia nos desviar dos objetivos deste trabalho, no entanto, entraremos em alguns aspectos
relevantes sobre o assunto. Para uma análise mais detalhada, ver as análises de Giarola
(2011), sobre as obras: SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: Cientistas,
Instituições e Questão Racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Cia das Letras, 1993 e
SEYFERTH, Giralda. Construindo a Nação: Hierarquias raciais e o papel do racismo na
política de imigração e colonização. In: MAIO, Marcos Chor: SANTOS, Ricardo Ventura
(Org). Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996.
154
Aqueles intelectuais ocupavam-se com a seguinte questão: “Como
conviver com o paradoxo da aceitação de uma teoria que levava à inviabilidade
futura da nação?” A miscigenação no Brasil “[...] não despertava a oposição
instintiva da elite branca.” O processo era reconhecido e aprovado, pois fora
assim que alguns mestiços (quase sempre mulatos claros) ascenderam “[...] ao
topo da hierarquia social e política.” (SKIDMORE, apud, GIAROLA, 2011, p. 74)
155
Continuando a análise daquele período, utilizamos os estudos de
Domingues (2002), inicialmente afirmando que:
94
Para defender a sua dissertação de mestrado em História Social (USP), o autor reuniu
documentos e analisou arquivos da prefeitura de São Paulo, de museus da saúde pública, do
tribunal judiciário de São Paulo, da Universidade de São Paulo, jornais e atas da comunidade
negra, jornais da grande imprensa, relatórios de polícia e a legislação da cidade (final do século
XIX e primeiras décadas do século XX).
95
Para maior entendimento sobre o assunto ver reflexões de Domingues (2002, p. 565) sobre a
obra: HOFBAUER, Andreas. Uma História de Branqueamento ou o Negro em Questão.
Tese de Doutorado. São Paulo: FFLCH/USP, 1999.
156
progressiva do negro e por isso estipulou esse prazo? Ou, na verdade, a
condessa pensava que um período de 50 anos, seria tempo suficiente para que
as elites, no poder, pudessem empreender uma política social ampla,
contemplando também os negros?
Domingues (2002, p. 569) analisa o comportamento da classe
dominante paulista nas décadas de 1910 e 1920, que acreditava no “[...]
‘clareamento’ gradual e permanente da pessoa, mas jamais se cogitava a
hipótese de que a mestiçagem gerava o ‘enegrecimento’ da população”.
O autor esclarece abaixo a razão da diminuição da população negra em
São Paulo naquele período. Sua diminuição, atribuída à inferioridade biológica,
defendida por muitos, era na realidade em
157
Seguir os brancos nas suas conquistas e iniciativas felizes [...] será o
marco inicial da segunda redempção dos negros. [...] Salientamos
que a sua liberdade não foram elles [negros] que conseguiram. As
tentativas que emprehenderam malograram desastrosamente. E da
mão do branco que odiavam receberam a liberdade dos seus
sonhos! (Folha da Manhã, São Paulo, 12.01.1930, apud.
DOMINGUES, 2002, p. 574)
[...] Pelo prisma de Roger Bastide, a imprensa negra vai ser no Brasil
o principal instrumento do puritanismo “preto”. [...] Historicamente, o
comportamento puritano está vinculado ao desenvolvimento da
burguesia e sua adoção tornou-se um critério de ingresso dos
indivíduos na pequena burguesia. [...] O puritanismo da elite negra
paulista, reiteramos, foi um mecanismo sobretudo de distinção
social, que é típico de grupos em ascensão. (BASTIDE, 1951, p. 71 e
72, apud DOMINGUES, 2002, p. 577)
158
No terreno biológico, a ideologia do branqueamento partia da premissa
de que, casando-se com pessoas mais claras, o negro melhoraria a sua raça.
Os pais incentivavam os seus filhos a se casarem com “pessoas não negras” a
fim de se desvencilharem dos recalques. (DOMINGUES, 2002, p. 581)
Através de seus estudos, Domingues (2002, p. 581) percebeu que nessa
modalidade de branqueamento, a doutrinação não tinha a intenção de se tornar
pública, esta “[...] apenas se registrava no âmbito da vida privada, ou seja, na
sociabilidade do lar, nos ensinamentos dos pais, nos exemplos de parentes.”
No imaginário social, a ascensão do negro estava vinculada ao
“branqueamento via casamento”.
96
“[...] Dois deputados federais Andrade Bezerra (PE) e Cincinato Braga (SP) apresentaram o
Projeto de Lei nº 209 no Congresso, após o episódio, em 1921, propondo proibição da entrada
de imigrantes negros. Sem apoio político suficiente, o projeto foi arquivado.[...] Dois anos
depois, um outro deputado federal, Fidélis Reis (MG), apresentou uma nova versão do projeto
cuja essência continuava sendo a barreira de cor.” (DOMINGUES, 2002, p. 591)
159
superioridade; produziu no branco uma auto-representação positiva,
independente de classe social, criando seus valores como naturalmente
superiores e fez com que, alguns negros se avaliassem como inferiores por
terem construído uma “auto-imagem negativa”. Foi estabelecido
160
Observando os dados e as informações apresentadas por Barros (2009),
percebe-se que houve uma resposta dos negros ao racismo e à política de
branqueamento apresentados nos estudos de Domingues (2002). Nota-se uma
resposta imediata àquelas ações que pretendiam estender os caminhos
históricos e sociais construídos com desigualdades que foram transformadas
em diferenças.
Barros (2009. p. 217) afirma que “[...] racismo, preconceitos,
discriminações [...]” são construções sociais que existem efetivamente e
defende o fortalecimento da formação e de reatualização de uma consciência
negra, a qual
161
Naquela mesma época, surgem os primeiros jornais negros, entre eles
podemos citar o jornal “A Voz da Raça”, que protestava e fomentava a
consciência e a identidade negra. (FERNANDES, 1965, apud, p. 202)
Para Barros (2009, p. 202-203),
162
encontrados para continuar buscando formas de sobreviver. Posteriormente,
veremos aqueles que permaneceram e apelaram à justiça, “refazendo” a
caminhada de seus antepassados.
Somado ao que afirmamos acima, vimos a ideologia do
embranquecimento que atingia as populações oriundas do escravismo no
Brasil. Sendo assim, aqueles descendentes dos libertos que permaneceram na
colônia assistiram às transformações e agiram conforme as suas
necessidades, de acordo com as possibilidades daquele período histórico.
Enfrentando dificuldades econômicas, políticas, os preconceitos e as
discriminações, reagiram, ora vencendo ora sendo vencidos.
Nossa intenção consiste em registrar a trajetória desses homens e
mulheres, refletindo sobre os obstáculos que enfrentaram.
163
[...] requerimento da Casa de Caridade de Parahyba do Sul, pela sua
mesa administrativa, pedindo auxílio de 20:000.000, para a
construção em 1938 de um pavilhão para maternidade, sala de
operações, etc... (Atas da Câmara Municipal de Paraíba do Sul. Livro
20. 27.07.1937)
97
www.camaralp.mg.gov.br/histotia-do-legislativo.html. Acesso em: 03.11.2014.
98
ANEXO XXI.
164
concorrência pública para a reconstrução da estrada ligando a sede de Entre
Rios à Colônia de Cantagalo, com 1.000 metros de extensão e a construção de
um bueiro de pedras para substituir um pontilhão estivado99 e a segunda
(08.07.1932), um mês depois, autorizando a obra para a execução dos
consertos. A colônia agrícola aos poucos foi sendo integrada à zona urbana.
Com os aforamentos, a colônia recebia inúmeros moradores que iniciam um
povoamento que lentamente modifica o espaço e as atividades até então
desenvolvidas naquele lugar.
Ainda em 1932, a colônia recebia mais um “melhoramento”, a primeira
escola. Após 50 anos de sua formação, uma escola estava sendo fundada.
Essa prerrogativa aos filhos dos libertos, que era um dos desejos da condessa,
também constava em seu testamento.
99
Ponte feita de um só pau, sobre forquilhas, em terrenos alagadiços ou pantanosos.
(FERREIRA, 2009, p. 831)
100
ANEXO XXI.
165
causas que levaram à precariedade na qual se encontra a população pobre
que, desde o início do século XX, passou a viver nas cidades.
Essa realidade também se estendia a Entre Rios, onde, após a sua
emancipação, eram feitos muitos investimentos, sobretudo em construções.
Em tais investimentos a educação101 para as camadas mais pobres não era
prioridade.102
Quanto à autonomia de Entre Rios103, esta foi proposta pelo projeto lei nº
50. A criação do município se deu em 29 de maio de 1937, pela Assembleia
Legislativa Fluminense, conforme noticiado no Jornal “Arealense”, de 05 de
junho de 1937104.
Alguns meses depois, a empolgação pela nova situação do lugar podia
ser percebida no mesmo jornal:
Entre-Rios progride
101
Posteriormente, no quinto capítulo, veremos nas entrevistas dos afrodescendentes e de
moradores antigos da Vila Isabel que, estes nasceram em 1927 (D. Nair), por volta de final dos
anos de 1920 (D. Maria da Glória), 1930 (Sr. Valdir), 1938 (Sr. José Ferreira), 1942 (Sr.
Wilson), 1943 (D. Jane), 1944 (Sr. Aurélio e D. Vilma), 1946 (Sr. Hélio), 1950 (Rossi Meleide).
Aqueles que nasceram entre as décadas de 1920 a 1940 não estudaram ou fizeram algumas
séries do antigo primário, atualmente, primeiras séries do ensino fundamental. O Sr. Hélio,
nascido em 1946, também estudou até a quarta série. Os outros entrevistados nascidos após
1940 estudaram um pouco mais. D. Jane, porque recebeu ajuda de uma família, proprietária de
uma escola particular em Três Rios, conseguiu formar-se no ensino superior. O Sr. Aurélio por
ter se mudado de Três Rios, estudara até a quinta série e fez cursos profissionalizantes em
Petrópolis. Os irmãos: Vilma, Wilson e Rossi Meleide, nasceram fora de Três Rios. Nasceram,
respectivamente, em Cachoeira/MG, Três Corações/MG e Nilópolis/RJ; Vilma estudou até a
sexta série, Wilson terminou o ginasial e Rossi Meleide estudara até o segundo ano do ensino
médio.
102
A pobreza era bem visível entre os negros, habitantes de Entre Rios, como podemos
observar no ANEXO XXXI, Figura 13, onde a “Casa da Mãe Pobre (1936) atendia a população
carente da região. Na foto são todos negros.
103
“O início do processo de emancipação municipal no Brasil ocorreu por volta da década de
1930. Esse processo se intensificou nas décadas de 1950 e 1960 e foi restringido pelos
governos militares entre 1970 e 1980. Após o término do regime militar, as emancipações se
intensificaram novamente.” Sobre “emancipação política-administrativa de municípios no
Brasil”, ver: www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/pdfs/livros/Capítulo 1-30.pdf. Acesso em:
03.11.2014.
104
“O Decreto Estadual nº 634, de 14 de dezembro de 1938, criou o município de Entre Rios,
com território desmembrado do município de Paraíba do Sul, tendo sido confirmado pelo
Decreto Estadual nº 641, de 15 de dezembro de 1938, [...] constituído por 4 distritos: Entre
Rios, Areal, Bemposta e Monte Serrat.” Fonte: IBGE-Conselho Nacional de Estatística. Sinopse
Estatística do Município de Três Rios. Estado do Rio de Janeiro. 1948.
166
É o refrão alviçareiro que se ouvem a cada passo. E é o que a
cada passo verificam todos.
[...] O Sr. José da Silva Vaz pretende dotar Entre-Rios de um
cine-teatro de grandes proporções, instalado à moderna e à altura de
nossa evolução.
Não menos auspiciosa é a notícia que hoje veiculamos.
Principalmente para os que amam verdadeiramente esta terra e a
querem engrandecida, sempre na vanguarda do progresso. [...]
E assim, aquele quarteirão, dos principais da cidade, vai em
breve começar sua metamorfose.
Outros edifícios surgirão sem dúvida substituindo antiquado
casario que tanto enfeia nossa artéria melhor e mais importante, em
modelos estilisados, de belas linhas arquitetônicas, transformando-a
num logradouro atraente e fixador da iniciativa operosa e audaz dos
mais decididos amigos desta futurosa cidade.[...] (“Jornal Arealense”,
16.10.1937, p. 1)
105
ANEXO XXII.
167
na agricultura. Seus modos de vida e as suas trajetórias eram bem
diferenciados. Mesmo sendo considerado equivocadamente atrasado, o
trabalho com a agricultura permanecia, também, em pequena escala, na
colônia analisada, como veremos posteriormente, de acordo com o que
informaram as autoras.
Contudo, os anos de 1930 foram considerados importantes na definição
dos rumos do desenvolvimento do país, segundo dados relativos à evolução da
estrutura produtiva. A principal mudança no plano da economia foi o
deslocamento de seu eixo do polo agro exportador para o polo urbano
industrial. Politicamente, houve um “[...] esvaziamento do poder dos grupos
interessados na preservação da preponderância do setor externo no conjunto
da economia [...]”, com a ascensão paralela dos interesses ligados à produção
para o mercado interno. Esse processo de transição foi administrado pelo
primeiro governo de Getúlio Vargas, de 1930 a 1945. (DINIZ, apud,
SZMRECSÁNYI; GRANZIERA, 2004, p. 41)
Paralelamente, o café, principal produto da colônia agrícola, entrou em
decadência. Não houve investimentos e incentivos às roças de outros produtos
agrícolas, nem pela Irmandade, que a administrava, tampouco um projeto
político com relação à produção agrícola de pequenos proprietários para o
mercado interno.
Os arrendamentos e os aforamentos feitos no passado, nas terras da
colônia agrícola, que, findos os 50 anos de sua formação, deveriam ser de
propriedade dos descendentes dos escravos libertados pela Condessa do Rio
Novo, promoveram conflitos e especulações imobiliárias.
Em 1939, naquelas terras, vendia-se uma chácara, mas não era
apresentada a identificação do proprietário. Parte das terras estava sendo
negociada, estava nas mãos de outras pessoas, através do aforamento feito
pela Irmandade.
168
O país tinha propostas de crescer, de se industrializar. Para isso, seria
necessário que as pessoas se qualificassem. O passado agrário, rural, fazia
parte do “atraso”, constantemente “denunciado” em muitas ocasiões de nossa
história. Desde o início da República, pensava-se no desenvolvimento urbano
seguindo os moldes europeus, “civilizados”. As pessoas precisavam se
desenvolver, “progredir”.
169
Quando os historiadores falam em formação, referem-se não só as
determinações econômicas, sociais e políticas que produzem um
acontecimento histórico, mas também pensam em transformações e,
portanto, na continuidade ou na descontinuidade dos
acontecimentos, percebidos como processos temporais. Numa
palavra, o registro da formação é a história propriamente dita, aí
incluída suas representações, sejam aquelas que conhecem o
processo histórico, sejam as que o ocultam (isto é, as ideologias)
(CHAUÍ, 2000, p. 9, apud, RIBEIRO, 2009, p. 32)
Além das questões acima, Ribeiro (2009, p. 32) nos informa que,
106
ANEXO XXIII.
170
menção à necessidade de uma escola agro pecuária na cidade, mostrando que
tais atividades ainda estavam muito presentes no seu cotidiano.
Diferentemente do que ocorria quando a notícia tratava de um crime, por
exemplo, um acontecimento que ameaçava o “perfil civilizado” que se tentava
empreender à cidade. A notícia de pouco destaque não informava nem o
motivo do crime acontecido no “bairro da Colônia”.
171
Segundo Halbwachs (2006, p. 72), existe uma memória histórica, a
memória do grupo nacional. Embora muitos acontecimentos não tenham sido
assistidos por todos, seus membros foram envolvidos por algum fator externo.
Mesmo não assistindo, os “[...] fatos ocupam um lugar na memória da nação
[...]” aumentadas por meio de conversas ou de leituras; como também existe
uma memória coletiva ligada ao espaço, pois
172
Durkheim enfatiza que a memória coletiva apresenta “[...] uma força
quase institucional [...]” promovendo a duração, permitindo a continuidade e a
estabilidade de determinado grupo. (POLLAK, 1989, p. 1)
Segundo Halbwachs, a memória coletiva reforça a “coesão social” pela
“adesão afetiva ao grupo”, concordando com Durkheim, pois este acredita que
ela promove, através dos fatos sociais, sentimentos de pertencimento e
fronteiras sócio-culturais. Por isso, existem fatos comuns a um grupo e fatos
diferentes em outros grupos. Contudo, Halbwachs mostra que existem
seletividade e negociação conciliando a memória coletiva e a memória
individual. Com isso, devem existir “pontos de contato” concordantes para se
reconstruir a lembrança “sobre uma base comum”. (POLLAK, 1989, p. 1-2)
Portanto, em nossa história há “memória, esquecimento e silêncio”,
segundo Michael Pollak. 107
Pollak percebe um problema que se apresenta quando queremos
analisar determinados grupos, com o intuito de promover a constituição de
suas memórias – existe seletividade e negociação. Em se tratando de minorias
nas sociedades, a história oral ressalta “[...] a importância de memórias
subterrâneas que se opõem à ‘memória oficial’, no caso a memória nacional”.
Essa abordagem metodológica mostra uma empatia com os grupos
dominados, acentuando a opressão da memória coletiva nacional, que surge
em “momentos de crise”, fazendo com que as memórias “subterrâneas” e a
“memória oficial” entrem em disputa. (POLLAK, 1989, p. 4)
“Memórias subterrâneas”, passadas de uma geração a outra, emergem
de “lembranças traumatizantes” que permaneceram vivas, silenciadas, não
publicadas, não esquecidas, que sobreviveram com o passar dos anos à
espera de uma oportunidade para virem à tona. Denotam a resistência de civis
impotentes diante do “excesso de discursos oficiais”. Muitas delas fazendo com
que os dirigentes de determinados países tenham que revisar o passado,
através de uma (auto) crítica, ao pretenderem a promoção de mudanças
políticas.
107
Pesquisou a memória de sobreviventes dos campos de concentração nazista.
173
Essa separação entre “memória oficial” e “memória subterrânea” pode
acontecer também, e até com maior frequência, entre as minorias e a
sociedade como um todo, além de existir entre o “Estado dominador e a
sociedade civil”. (POLLAK, 1989, p. 5)
Ao analisar a visão de Pollak sobre “memórias subterrâneas” e
“lembranças traumatizantes”, podemos observar que as lembranças da
escravidão, do período pós-abolição, entre outras questões enfrentadas pelos
negros no Brasil se encontram nesse contexto.
A Colônia Agrícola Nossa Senhora da Piedade, por ser formada por um
grupo de libertos, isto é, pertencentes ao passado agrário, escravista em uma
cidade que, paulatinamente, foi mudando as suas características, inserida em
uma ideologia progressista e industrial, faz parte de uma história deturpada e
mal compreendida. Ainda que a trajetória dos libertos e a sua história tenham
sido desprezadas pela “história oficial” de Três Rios, as lembranças dos
descendentes daquele grupo permaneceram, assim como as de outros grupos
com os quais conviveram, como veremos posteriormente.
174
educação, saúde etc.” (GOMES, In: SCHWARCZ, 2013, p. 43) A integração do
território era vista como fator fundamental de retirada do povo de um passado
colonial para um futuro urbano e industrial.
Considera-se o período entre 1930 a 1960 no Brasil como aquele de
“transição demográfica”, o que significa a demarcação de uma sociedade
quando esta se torna industrializada e passa a crescer baixando as taxas de
mortalidade e mantendo “índices estáveis de natalidade” como também de
mudanças nas condições de vida.108 (GOMES, In: SCHWARCZ, 2013, p. 43)
No termo “organizar” havia um sentido político que era o de “[...]
conhecer os problemas do Brasil e enfrentá-los com diretrizes científicas.”
(GOMES, In: SCHWARCZ, 2013, p. 43) Deveria ser um conhecimento
sociológico, geográfico, histórico e estatístico.
Nesse sentido, Getúlio Vargas, em 1936, cria o Instituto Nacional de
Estatística (INE), que ganha novo formato em 1938, no Estado Novo, como
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De 1930 a 1960, tanto o
Brasil quanto o IBGE cresceram, e este último “[...] realizou proezas, a começar
pela feitura dos censos populacionais, prática que não mais seria interrompida
e que,[...] corrobora a máxima de que não é possível governar sem números.”
(GOMES, In: SCHWARCZ, 2013, p. 45-46)
Era preciso “[...] produzir um novo tempo, que acelerasse o ritmo de
crescimento do Brasil, tirando-o do atraso e projetando-o para a modernidade,
agora sustentada em bases mensuráveis quantitativamente.” (GOMES, In:
SCHWARCZ, 2013, p. 48)
Nesse contexto, observemos abaixo a nota sobre o Censo Agrícola
publicada pelo jornal local, informando sobre as dificuldades enfrentadas por
aqueles dedicados à economia rural cuja finalidade consistia em
“cooperativismo e crédito”. Inclusive cita a necessidade da cultura intensiva. A
“ajuda” chegava com um atraso de quase 60 anos, pois os libertos da colônia
108
“As razões que explicam esse fenômeno internacional, que naturalmente tem uma datação
fluida e variável nos percursos nacionais, são muitas, abarcando descobertas e melhorias nas
áreas de saúde, habitação e transportes, que incidem sobre os níveis de expectativa de vida
que, com a expansão e o acesso à educação e outros serviços, produzem o crescimento da
população.” (GOMES, In: SCHWARCZ, 2013, p. 43-44)
175
de Nossa Senhora da Piedade apontaram esses problemas no final do século
XIX, como vimos anteriormente.
109
Cultura mecânica, que consiste na utilização dos motores inanimados, substituindo os
animais.
Fonte:http://www.cna.pt/artigostecnicos/filipesaruga/06%20vtjulho2002_filipesaruga.pdf
Acesso em: 12.11.2014.
176
que estavam acontecendo no restante da cidade, tendo sido as construções
daquela gestão consideradas “obras de arte”. 110
Outro aspecto destacado foi quanto à origem da “menina” que ligou a
chave da iluminação, era uma “colona nata”. Uma trirriense nascida naquele
lugar, mas em um outro tempo, considerado como uma “nova era” (era da
modernidade).
Por fim, esclarece quanto aos impostos, que já eram uma preocupação
da época, que o Estado pudesse majorá-lo; prevê a valorização das
propriedades do bairro e informa que ele era mais populoso que todas as
sedes dos outros três distritos de Entre Rios.
Em nenhum trecho da notícia há alguma referência ao passado daquele
lugar. A única pista de que, um dia, ali existira uma colônia agrícola, era com
relação ao nome do bairro, que mais tarde desapareceria também.
Pollak (1989, p. 6) diz que, em situações traumatizantes, encontramos
silêncios que ocorrem pela necessidade de viver lado a lado com pessoas que
consentiram ou assistiram a determinadas violências sem nada fazer, como
também silêncios pelo sentimento de culpa do grupo, por participações de
alguns de seus membros, em organizações administrativas que geriam os atos
violentos, na tentativa de mudança política, de limitar agressões e mortes e de
negociações. O grupo evita culpar as vítimas que, por sua vez, preferem
também “guardar silêncio”.
Aquele autor, embora compreenda o silêncio dos dominadores violentos,
expõe as dificuldades em apurar o silêncio das vítimas.
O silêncio das vítimas é bastante complexo. Estas precisam de que
alguém ouça os relatos de seu sofrimento. Contudo mesmo que encontrem
esse alguém durante um tempo, a vida segue seu rumo, necessitando de muita
energia para lhe dar continuidade, exaurindo a vontade de ouvir. Outra razão
do silêncio, que não é política, mas pessoal, refere-se a uma questão
relacionada aos filhos. Estes, pelo desejo dos pais, devem crescer poupados
das lembranças de suas feridas. Com o passar dos anos, corre-se o risco de
que as “testemunhas oculares” desapareçam. Sendo assim, tanto as
110
ANEXO XXIV.
177
testemunhas “[...] querem inscrever suas lembranças contra o esquecimento
[...]”; quanto seus filhos podem querer saber as suas origens, e até mesmo
pesquisá-las. (POLLAK, 1989, p.6)
A despeito de as “testemunhas oculares” da história da colônia agrícola
estarem desaparecendo, seus descendentes, que não apareciam nos
discursos oficiais, estavam ali, presentes, acompanhando aquelas mudanças,
as transformações nas propriedades que lhes pertenciam por direito adquirido
pelo testamento da Condessa do Rio Novo.
Observemos o pensamento de Halbwachs (2006, p. 172):
111
ANEXO XXV.
178
Felicidade; Joana e Juventina Maria da Conceição; João Francisco da Silva e
Claudina Moura da Silva; João Fabrício José e Josina Maria José; João Pereira
da Silva e Maria da Luz Pereira; João Felicidade; Jovelina Barbosa da Silva;
José Ferreira de Almeida e Luiza Conceição de Almeida; Luiza do Nascimento
Lima e Tomaz de Lima; Manoel Pinheiro e Maria Raymunda Pinheiro; Manoel
Ferreira de Almeida e Maria Lutt de Almeida; Manoel Nascimento; Maria Corrêa
do Carmo e Maria de Lourdes do Carmo; Maria Felicidade; Maria Carlota do
Nascimento; Mateus Dionísio da Silva e Apolinária Dionísio da Silva; Maria da
Silva; Maria Eugenia da Silva e José Carvalho; Minervina Maria da Conceição;
Olímpio João da Silva e Lucinda Felicidade da Silva; Perciliana Figueiredo;
Sebastião Ferreira de Almeida e Jacyra Ferreira de Almeida e Umbelina
Pereira.
Registrar o nome de cada um deles aqui tem o objetivo de torná-los
conhecidos, como também de que sejam reconhecidos por seus familiares.
Cada um deles representa a presença, a ação e a busca pelos seus direitos.
Mesmo com o direito adquirido em testamento, trinta e nove famílias
descendentes dos libertos precisaram reclamá-lo na justiça, agora através da
lei de usucapião112. Demonstram, através daquela ação, que, além de
conhecedores da lei, percebiam a importância de declararem que promoveram
“benfeitorias de vulto” em suas propriedades e que, por causa delas,
receberam “iluminação pública” e “serviço de rádio”. Dessa forma, inseriam-se
na “onda” progressista da cidade.
112
“Código Civil de 1916 – Lei 3071/16 – Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. [...] Seção IV –
Do Usucapião. Art. 550. Aquele que, por 20 (vinte) anos, sem interrupção, nem oposição,
possuir como seu um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de título de boa fé
que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a
qual lhe servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº
2.437 de 7.3.1955). [...]” www.jusbrasil.com.br/legislacao/103251/codigo-civil-de-1916-lei-3071-
16. Acesso em: 12.06.2013.
179
Parecia que estavam colaborando para a formação do “mito
progressista”, para o projeto dos “dominadores”. Sabemos, porém, que muitas
situações, mesmo acompanhadas de revolta, resistência e desobediência,
foram vistas como colaboração, renegadas e excluídas da “memória oficial”.
Para nós, aquelas trinta e nove famílias estavam resistindo ao avanço
do domínio sobre as suas terras, desobedeciam à Casa de Caridade que, já
havia transformado toda a área da colônia agrícola em “nova zona foreira”, mas
se apropriaram do discurso progressista para alcançarem os seus objetivos.
Ao mesmo tempo, assumiam ser descendentes de escravos, seus
antepassados eram os “primitivos ocupantes dessas mesmas terras”, ou seja,
em um mesmo discurso encontra-se o “passado escravista” e o “presente
progressista”.
Pollak (1989, p. 7) afirma que situações ambíguas podem levar a “mal-
entendidos” e também ao silêncio. Isso acontece quando, em uma memória
nacional, vão se formando os mitos, não dando chance a memórias de
situações concretas, ocorrem então, as memórias criadas por razões
coercitivas. São as memórias permitidas pelos opressores, pelos dominadores.
“O longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento é
a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos
oficiais.” (POLLAK, 1989, p. 3-15, apud, RODRIGUES, 2009)
As vítimas do silêncio, do “não-dito”; “mal compreendidas e
vilipendiadas”, podem contestar e tentar eliminar o “estigma da vergonha”,
através de suas memórias subterrâneas, contra aqueles que forjaram os mitos.
As lembranças subterrâneas, transmitidas por famílias e associações
afetivas ou políticas, “[...] são zelosamente guardadas em estruturas de
comunicação informais e passam despercebidas pela sociedade englobante”.
(POLLAK, 1989, p. 8)
Naquele momento, as vozes daquelas trinta e nove famílias, tiveram que
ser ouvidas, tendo sido a lembrança da história de vida de seus antepassados
trazida à tona para que a sociedade percebesse a sua presença.
Paul Ricoeur (2010, p. 93) chama de “abusos de esquecimento” quando
os detentores de poder manipulam a memória e o esquecimento de forma
“concertada”. Com isso, temos a insuficiência da memória.
180
Para resolver o problema é preciso que se mobilize a memória para a
busca, para a ação, a fim de reivindicar a identidade.
181
urbano, industrial, excluindo os libertos, ligados ao passado rural, atrasado,
agro-pecuário.
Segundo Silva (2009, p. 81)
113
Vide ANEXO XXVI. “O Formal de Partilha, de natureza pública, é um título judicial extraído
dos autos e expedido pelo juiz do qual tramitou, e, depois de finalizado, o processo de
inventário, divórcio, separação, nulidade e anulação de casamento. Regula os deveres e
regulariza os direitos dos herdeiros após o término do inventário, ou após o término dos
processos de separação, divórcio, anulação e nulidade de casamento. Além de regido pelo
Código de Processo Civil, é aceito para fins de registro junto aos Cartórios extrajudiciais, haja
vista que também possui regimento pela Lei Federal 6.015/73, Lei denominada de Registros
Públicos, até mesmo por ser um título judicial, conforme anteriormente mencionado.” Fonte:
www.artigonal.com/direito-artigos/formal-de-partilha-1522841.html. Acesso em: 12.06.2013.
182
promovida pelos descendentes dos libertos, bem como o registro dos imóveis
deixados pela condessa do Rio Novo, “principalmente quanto à Fazenda de
Cantagalo”. Sendo assim, paga o Imposto de transmissão Inter-vivos114:
114
“É um imposto de competência dos Municípios, que incide sobre operações de transmissão
de bens imóveis entre vivos (“Inter Vivos”). É conhecido, popularmente, por ITBI. Deve ser
recolhido na ocasião do registro da escritura Pública de Transmissão (por exemplo, na
Escritura Pública de Compra e Venda), no Serviço Registral de Imóveis da situação do imóvel”.
www.idtl.com.br/artigos/176.pdf Acesso em: 14.06.2013.
183
transmitiu a sua memória: individual, coletiva, familiar, nacional e de grupos.
Para que não ocorra uma “simples ‘montagem’ ideológica”, as memórias
clandestinas devem ser organizadas de modo que, juntando-se com a memória
oficial, tenham “um fundo comum de referências” nos discursos políticos; e
assim, possam constituir uma memória nacional. (POLLAK, 1989, p. 9)
O discurso da Casa de Caridade nos documentos oficiais afirmando que
estava assegurando os seus direitos, usando de recursos legais, faz com que,
à primeira vista, pensemos estar ela mesma, sofrendo alguma injustiça ou
alguma arbitrariedade. Por isso, nosso esforço consiste em analisar essa
“história deformada”, uma vez que “a conjuntura histórica” atual permite que
possamos combater visões distorcidas do passado.
O tempo passava sem que houvesse uma resolução definitiva da justiça,
quanto ao registro das terras pertencentes aos descendentes dos libertos da
Condessa do Rio Novo.
O bairro Colônia continuava a crescer e a vida naquele lugar transcorria
como em qualquer outro lugarejo de uma cidade interiorana. Abastecimento de
água, estrada ligando ao centro, cemitério, fábrica de espulas115, casas, entre
outros, eram os melhoramentos assinalados pelo “Entre-Rios Jornal”, em 1947,
considerando-o um “promissor núcleo”, “um grande subúrbio da cidade”.
Voltando aos estudos de Pollak (1989, p. 9), este diz que ao estudar a
memória nacional, primeiramente devemos analisar a sua função. Conclui que
“[...] a referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das
instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo,
sua complementaridade, mas também as oposições irredutíveis”.
Sendo assim, utiliza o termo “memória enquadrada”, cunhado por Henry
Rousso (apud, POLLAK, 1989, p. 9), ao analisar que as duas funções da
memória comum são: “[...] manter a coesão interna e defender as fronteiras
daquilo que um grupo tem em comum, em que se inclui o território (no caso de
Estado)[...]”, fornecendo então, “[...] um quadro de referências e de pontos de
referência [...]” reforçando sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais
115
Bobinas ou carretéis de fios; tubos de pequeno diâmetro que se acondiciona o fio que sai
para as lançadeiras ou agulhas para tecer. Fonte:
http://pt.slideshare.net/coopermoda/tecnologia-textil-apostilha-tecnica Acesso em: 08.10.2014.
184
entre coletividades. (POLLAK, 1989, p. 9) Na verdade, Pollak (1989, p. 9) diz
que é um “trabalho de enquadramento”, com limites à memória do grupo, para
que não seja arbitrária. Um trabalho que não admite a injustiça e a violência,
uma vez que exige justificação, possibilitando coordenar as condutas humanas.
A partir dessa visão de Pollak, esforçamo-nos para enquadrar a
memória dos descendentes dos libertos na formação do bairro de Vila Isabel,
em Três Rios, apontando para uma realidade que, mesmo apresentando uma
desigualdade social com relação aos “vultos” considerados nobres na cidade,
pertencem à sua história.
Suas memórias são percebidas sutilmente, suas presenças nos
acontecimentos cotidianos, na vida social, que aos poucos se construiu
naquele lugar, formaram as redes de relacionamentos existentes.
Como exemplo podemos citar, a fundação do “Colônia Esporte Clube”,
por um “[...] grupo de amigos desportistas, em 1942”. Considerado de
“importância histórica”, por ter se destacado nas “[...] memoráveis partidas de
futebol. Recebeu personalidades e times consagrados na modalidade e se
transformou num ícone da memória do esporte em Três Rios”116.
Cinco anos depois de sua fundação, aparecia com destaque no “Entre-
Rios Jornal”:
116
www.tresrioscriativa.com.br/espacoeventos/1330. Acesso em: 14.06.2013.
185
tinham sido lembrados pela condessa no passado e agora eram ajudados
pelos habitantes do bairro que ali se desenvolvia.
Nota-se a presença, na comissão de recepção ao clube de Petrópolis,
de “d. Ambrosina Bastos”, a descendente de libertos que liderou a ação de
usucapião em 1940. Foi a segunda pessoa a ser citada como participante da
comissão, logo depois do presidente do clube. Percebe-se a sua importância e
a sua participação ativa naquele contexto.
A “comissão de recepção” receberia, em outras “tardes esportivas”,
outros times. Foi atribuída a essa comissão “[...] um grande impulso ao esporte
menor da cidade [...]”, nas palavras do periódico local, o qual destacava a
“disciplina” nos jogos promovidos pelo clube. (“Entre-Rios Jornal” – 12.06.1947,
p. 3)
Após cinco anos promovendo eventos esportivos, o “Colônia Esporte
Clube” lança a “pedra fundamental” de sua sede.117
Considerado o “maioral dos subúrbios”, o Colônia Esporte Clube recebe,
para o lançamento de sua pedra fundamental, pessoas consideradas
importantes na cidade, atraindo políticos locais, já interessados pelo “populoso”
bairro e “um dos mais progressistas” de Três Rios. O clube possuía dois times:
um principal e o outro secundário, os quais promoveram as partidas de futebol
naquele dia de festa, recebendo atletas de Bemposta.
Em meio aos eventos, eram feitas obras na estrada da Colônia, reforma
no cemitério, modificando a paisagem e os moradores. Sendo assim,
juntamente com todas as mudanças, percebe-se que, em nenhum momento
desses eventos, o passado era trazido à tona. Nos discursos dos jornais, não
se mencionava sobre a memória do lugar. Com a memória se “apagando”,
houve a tentativa de também mudar o nome do local.
Reuniões da Câmara
7ª Reunião – 31.10.1947
[...] Pela bancada trabalhista foram apresentados 3 requerimentos
pedindo: [...] a mudança da denominação do Bairro da Colônia para
Vila Darcy Vargas e do Bairro Cantagalo para Vila Carmela Dutra.[...]
(“Entre-Rios Jornal” – 06.11.1947, p. 1)
117
ANEXO XXVII.
186
Na 9ª reunião, de 05 de novembro de 1947, contudo, o vereador Aquiles
Rodrigues Coutinho, apresentou um “dispositivo do Instituto de Geografia e
História” que proibia homenagens a pessoas vivas. Com isso, o pedido da
mudança de nome do bairro Colônia teve que ser retirado pela “bancada
trabalhista”. (“Entre-Rios Jornal” – 13.11.1947, p. 1)
O que chamou a atenção, além da tentativa do apagamento do nome
“Colônia”, foi que, emancipada a cidade desde 1938, era a nona reunião da
Câmara Municipal.
Ao iniciarmos a pesquisa na Câmara Municipal de Três Rios,
constatamos que ela só possui o registro das atas a partir de novembro de
1949. Anterior a esse período, o pesquisador deve consultar os periódicos
locais, mas sabendo que, em nove anos (1938 a 1947), a Câmara só se reunira
nove vezes, denotando que até mesmo a “memória política” de Três Rios
apresentava problema.
Quanto à memória do bairro Colônia no que diz respeito ao seu papel de
incentivo ao esporte e à cultura, através do “Colônia Esporte Clube”, percebe-
se que ele contribuía também para a comemoração de dias cívicos.
O “Entre-Rios Jornal”118, de 06.11.1947, noticiou que uma “comissão
organizadora”, considerada de destaque no bairro, preparou uma grande
comemoração para festejar o dia de aniversário da proclamação da República.
Não se dedicavam somente a incentivar o “esporte menor da cidade”, mas
promoviam uma “corrida atlética”, um “programa de calouros” e uma peça de
teatro: “Sobre o túmulo”. Percebe-se que eventos esportivos e culturais como
esses, tinham um papel importante para o progresso e o desenvolvimento do
bairro, segundo a visão daquele periódico.
Ainda no ano de 1947, encontramos dois resumos de reuniões da
Câmara Municipal (16ª e 17ª reuniões), citando o bairro Colônia. Na 16ª
reunião (21.11.1947), a “bancada trabalhista” pede ao “sr. Prefeito” que “tome
providências para a instalação de uma escola primária no local denominado
<<Ju<<queira>>119, no bairro da Colônia do Cantagalo” e na 17ª reunião
118
ANEXO XXVIII.
119
Atualmente existe um sub-bairro na Vila Isabel chamado “Jaqueira”. Acreditamos que o
nome foi impresso de forma incorreta no jornal. Os sub-bairros são denominados: Morro do
187
(24.11.1947), um “ofício do Colônia Esporte Clube (CEC)” apóia a “pretensão
do América Futebol Clube, de obter doação do terreno destinado à construção
do Estádio Municipal”, demonstrando, assim, o quanto o CEC era reconhecido
como um importante clube da cidade, cuja opinião era ouvida e registrada no
meio político. (“Entre-Rios Jornal” – 27.11.1947, p. 2)
Ao descrever os acontecimentos sociais do bairro Colônia, registra-se a
memória dos relacionamentos humanos existentes naquele lugar, a vida
cotidiana que fluía onde a população crescia a cada dia, com a chegada dos
novos moradores que compravam os lotes aforados pela Casa de Caridade.
Mas, mesmo assim, como podemos ver na propaganda abaixo, o bairro ainda
era chamado de “Colônia de Cantagalo”.
Sargento, Morro do São Carlos, Morro dos Caetanos, Residencial Vila Nova, Loteamento Santa
Cecília, Palmital, Jaqueira, Barros Franco, Morada do Sol e Cariri. Fonte: www.tresrios.rj.gov.br
Acesso em: 03.09.2014.
188
(Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho)
189
Acompanhando a trajetória dos libertos e todas as dificuldades que
encontraram para assumir e ter o direito às terras, lutando contra uma
Irmandade formada pelos “donos do poder” na época, não é difícil perceber
que ela estava por trás de tal negativa. Essa negativa, decerto, prejudicaria o
andamento do processo por mais algum tempo.
Entretanto, toda a insistência de “usurpação” das terras dos libertos e de
seus descendentes, que atravessou décadas, tem o seu final em 1950, quando
a ação de usucapião teve fim, embora muitas parcelas, de muitos que
abandonaram a luta ou desistiram da disputa com os “dominadores”, tenham
realmente mudado de mãos.
Através da escritura de doação120 de D. Maria da Luz Pereira para a sua
filha, Nair Pereira de Oliveira, conseguimos chegar à conclusão da ação de
usucapião de 1940.
Dona Maria da Luz Pereira era filha de Dona Bárbara Firmino da Silva,
ex-escrava da Condessa do Rio Novo, liberta em 1882. D. Bárbara e D. Maria
da Luz haviam entrado, juntamente com os outros descendentes de escravos,
em 1940, com a ação de usucapião. De acordo com o documento citado
acima, D. Maria da Luz tornou-se “senhora e legítima possuidora” das terras
em 10 de junho de 1950, dez anos depois do início da ação; sessenta e oito
anos depois da libertação de D. Bárbara; dezoito anos depois da data
estipulada em testamento (1932), para que as terras da antiga colônia
passassem a ser propriedade legítima dos libertos. Mas esse tempo todo, não
foi impedimento para que resistissem. Dona Nair Pereira de Oliveira, já da
terceira geração, recebia, então, as terras de sua avó, liberta, através de
doação feita por sua mãe, que apesar de não saber “ler nem escrever”, soube
fazer valer a lei e ser reconhecida como a verdadeira herdeira daquelas terras.
Em 1950, não obstante a questão ter sido resolvida, a “invisibilidade”
dos libertos e de seus descendentes na história de Três Rios foi real e
percebida em diversos momentos da pesquisa. Até o final deste capítulo,
comprova-se essa afirmativa, fortalecendo a convicção de que a memória é um
120
ANEXO XXIX.
190
direito de todos os cidadãos. Todos têm o “direito ao passado”. Por isso, o
trabalho contribui para a luta contra
121
ANEXO XXX.
191
qual não se importa. Para ele, sendo proprietária ou não, a “lei de
desapropriação regularizaria toda a situação de propriedade da parte
desapropriada”. Por que desapropriar os terrenos da “Casa de Caridade” seria
possível legalmente, mas desapropriar os terrenos da “Cia proprietária” não?
Percebe-se que a emancipação de Três Rios fez com que os políticos da
cidade, com o passar do tempo, não quisessem mais sofrer a influência e o
poderio daquela Irmandade cuja sede ficava em Paraíba do Sul. O desejo de
“rompimento com a cidade de origem” se fazia sentir na fala desse vereador.
A segunda discussão consiste na defesa pela construção das casas
populares nos terrenos de Cantagalo, empreendida pelo vereador Joaquim
Ferreira, não desejando as terras da colônia. Ele diz que a “Colônia é
considerada ‘terra de ninguém’”. Isso demonstrava o “esquecimento” histórico,
social e jurídico dos libertos e de seus descendentes naquele contexto. Será
que ele não tinha qualquer conhecimento sobre o passado da colônia agrícola?
Ou tinha o conhecimento, mas não o reconhecia, achando-se no direito de
negá-lo, apagá-lo? Achava “insegura a propriedade de qualquer imóvel naquele
local”, pois não se conheciam “os seus verdadeiros donos”. Aqui, ele nega a
propriedade tanto da Casa de Caridade quanto a dos descendentes dos
libertos. Por que o vereador não se esforçou em conhecer? Em sua fala
percebe-se que conhecia bem o “desprezo”, a “antipatia”, a “forma pejorativa”
com que os trabalhadores falavam do “local denominado Colônia”, pois estes
se sentiram desprezados quando um engenheiro da administração municipal
disse a um trabalhador (ferroviário) que se não tivesse condições de construir
no centro da cidade, que fosse construir na Colônia. Como podemos perceber
era considerado um verdadeiro acinte, um xingamento, mandar alguém
construir naquele lugar que, no passado, fora uma colônia agrícola de ex-
escravos. Embora isso não fosse dito, percebe-se que era sabido.
Mesmo com todo o esforço político e ideológico, que foi apresentado no
início deste segmento, das práticas discursivas nos jornais locais, o bairro
Colônia possuía um passado, silenciado pelo descaso, mas latente.
O nome do bairro fazia “lembrar” um passado que se tentava “apagar”.
O silêncio com o objetivo de “esquecer” não resolveu a questão. Então de que
forma se “esqueceria” o passado do bairro?
192
Após a abolição, inúmeras tentativas foram feitas para esquecer, apagar
ou transformar a herança africana em nosso país, em todos os aspectos, até
mesmo no aspecto biológico. Seguindo então a “onda” embranquecedora, o
nome do bairro Colônia foi trocado para Vila Isabel. Uma homenagem à
“princesa redentora”. Tal troca sofreu algumas críticas por não terem pensado
no nome da Condessa do Rio Novo. Afinal, a cidade de Três Rios surgira a
partir do seu testamento e a libertação dos escravos da fazenda de Cantagalo
através do mesmo documento.
A troca de nome de “bairro da Colônia” para “bairro de Vila Isabel” deu-
se “[...] através do projeto de lei apresentado em plenário pelo professor
Monerat (então vereador) em 26 de novembro de 1951 e sancionado como lei
nº 106 de 06 de dezembro de 1951”.122
O recorte temporal o qual nos propomos neste trabalho, encerra-se com
a transformação da antiga colônia agrícola em bairro de Vila Isabel.
Acreditamos que estamos contribuindo para a construção de parte da memória
e da história dos afrodescendentes em Três Rios e para a visão de que a Vila
Isabel é um “lugar de memória”. Sendo assim, encerramos este capítulo com a
seguinte afirmação:
122
www.associartbrasil.com.br. Acesso: 14.06.2013.
193
Isso posto, no próximo capítulo apresentaremos as trajetórias de vida,
as lembranças que contribuíram no reconhecimento da Vila Isabel como o
“lugar de memória” dos afrodescendentes em Três Rios.
194
5 MEMÓRIAS DA VILA ISABEL
195
memórias, as suas lembranças, mas temos consciência de que nestas existem
“[...] esquecimentos, silêncios, ambiguidades e buracos”. (Jelin, 2010, p. 68-69)
Através do diálogo e da interação em um processo subjetivo, ativo e de
construção social, interrogamos o passado e construímos, ao longo de nossa
trajetória, uma história de orientação ideológica, como diz Jelin (2010, p. 96-
97).
Esperamos que, ao terminar a leitura deste último capítulo, o leitor
consiga perceber a nossa vontade de mostrar a importância da história e da
memória dos libertos e de seus descendentes contemplados nesta pesquisa,
como sujeitos sociais em construção, enfrentando obstáculos, lutando,
buscando soluções, tentando vencer as dificuldades decorrentes dos lugares
ocupados por eles em uma sociedade marcada pela desigualdade social.
Para dar início à pesquisa desta tese, fizemos contato com o Sr. Hélio
no “Grupo dos Treze”, que nos pareceu o lugar mais indicado para a procura
de dados sobre os libertos e seus descendentes. Anteriormente, na pesquisa
para a dissertação do mestrado, fizemos contato, através de telefonema, na
tentativa de conseguir uma entrevista com ele, pois soubemos por terceiros
que o “Grupo dos Treze” possuía fotos dos libertos e que o Sr.Hélio poderia
nos ajudar. Na época, por telefone, ele achou melhor não nos encontrarmos,
pois não poderia ajudar no que estávamos pretendendo. Decidimos, então,
fazer somente a pesquisa em documentos e periódicos, além de pesquisa
bibliográfica. Depois que publicamos o livro sobre a dissertação, tivemos a
oportunidade de nos encontrar com ele e o Sr Aurélio, ocasião em que lhes
entreguei dois volumes para que pudessem conhecer o nosso trabalho.
Passados vários anos, quando retornamos aos nossos estudos no curso de
doutorado, voltamos a procurar o Sr. Hélio na sede do “Grupo dos Treze”.
Depois de marcarmos por telefone, fomos ao seu encontro para conversarmos.
Em nosso primeiro encontro, conhecemos a sede onde pudemos fotografar os
quadros que estavam na parede e a foto dos descendentes dos libertos na
porteira, que se encontram no corpo da tese, como veremos no próximo
196
segmento. O Sr. Hélio nos prometera, então, marcar uma entrevista com a D.
Nair e o Sr. Aurélio. Passados alguns dias, marcamos um novo encontro e ele
nos levou à casa de D. Nair, onde fizemos as entrevistas com os dois
descendentes dos libertos. Posteriormente, outro encontro, e, dessa vez, foi
para ir à casa de D. Maria da Glória, na Jaqueira. Sem a colaboração do Sr.
Hélio, não conseguiríamos chegar ao endereço dela. Durante a entrevista, ela
citara que sua filha, Neuza, sabia de coisas da família e que ela saberia contar
muito melhor sobre esse assunto. Na hora da entrevista, outro filho de D. Maria
da Glória chegou, fomos apresentados, falamos sobre a pesquisa, pedimos os
telefones dele e de D. Neuza, ele nos fornecera os dois números dos telefones.
Depois daquele dia, fizemos muitas ligações. Na primeira ligação o filho de D.
Maria da Glória atendeu e disse estar com muitos compromissos,
principalmente com a sua igreja e que não poderia marcar nada naquele
período. Insistimos inúmeras vezes e não fomos atendidos. A filha Neuza, na
primeira ligação não estava em casa e depois não atendera mais os
telefonemas. Não tendo sucesso, ligamos para o Sr. Hélio novamente para
tentar um contato através dele, buscando facilitar o processo. O Sr. Hélio tinha
ficado doente e ficou impossibilitado de nos ajudar. Agradecemos e desejamos
melhoras para ele, através de sua esposa.
Como a pesquisa não avançasse nas entrevistas, resolvemos percorrer
outros caminhos e começamos a pesquisar os periódicos na Casa da Cultura
de Três Rios. Quando observamos as diversas referências ao Colônia Esporte
Clube, pensamos em fazer uma visita ao clube. Chegando lá, conhecemos o
Sr. José “Rendão”, morador da Vila Isabel, não descendente dos libertos, muito
conhecido no meio do futebol em Três Rios. Ele, muito agradável, dissera-nos
que, não sabendo nada muito preciso sobre a colônia, indicar-nos-ia uma
pessoa que poderia nos ajudar - o Sr. Valdir “bola branca” - que morava em
frente à praça da “Mãe Preta” . Pedimos para, então, olhar as dependências do
clube. Vimos a placa de reinauguração, os retratos dos jogadores de futebol e
outro retrato de quando o Garrincha visitara o clube. Deixou que
fotografássemos o que tínhamos encontrado e nos levou à casa do Sr. Valdir.
Chegando lá, ele nos recebeu de forma muito amigável e marcou uma
entrevista em um outro dia.
197
Marcamos um encontro na casa dele. Durante a entrevista, chegara a
sua vizinha D. Jane, moradora antiga da Vila Isabel, não descendente dos
libertos, que já havia sido avisada por ele da minha presença naquele dia em
sua casa. Ela também se interessou e marcamos a entrevista dela para a
semana seguinte.
Depois de entrevistados, o Sr. Valdir nos telefonara marcando mais uma
entrevista, agora com os irmãos Rosse Meleide, Wilson e Vilma, netos de
Ambrozina Bastos, descendente dos libertos. Marcamos de buscá-lo em sua
casa e ele nos levara ao encontro deles. Ele fora em seu carro nos guiando até
a casa deles, apresentara-nos, retornando ao seu trabalho.
Passados mais alguns dias, o Sr. Valdir consegue outra entrevista, com
o Sr. X. Colocamo-nos à disposição, compreendendo que ele não quisesse se
identificar e assim o fizemos.
Um tempo depois, o Sr. Valdir nos liga novamente informando que
conseguira uma entrevista com o Sr. José Ferreira, bisneto de Bárbara Firmino,
liberta da colônia agrícola. Buscamos o Sr. Valdir em sua casa e, novamente,
ele foi conosco até a casa dele, apresentara-nos e permaneceu ouvindo a
entrevista.
Depois disso, o Sr. Valdir nos dissera que tentara convencer outros
descendentes dos libertos que viviam na Vila Isabel ainda, porém eles haviam
dito ter vergonha de falar sobre a escravidão de suas famílias. Respondemos
que ele continuasse tentando, pois tentaríamos outras pessoas também.
Nossas tentativas não surtiram efeito.
Sendo assim, procuramos trabalhar as memórias dessas onze pessoas
que se dispuseram a ajudar, dispensando um tempo da vida deles para
rememorar conosco as suas trajetórias no bairro Vila Isabel, de forma livre,
seguindo um roteiro simples. Nosso objetivo fora a de que se sentissem à
vontade para selecionar o que devem se lembrar e o que preferem se
esquecer, pois a memória é seletiva, como já dissemos anteriormente.
A transcrição das trajetórias de vida neste segmento foi produzida da
forma exata como foram registradas nas gravações das entrevistas, embora os
nomes de algumas pessoas citadas tenham sido trocados por pseudônimos,
por estarem envolvidos em assuntos constrangedores. A ordenação foi feita de
acordo com a sequência da concessão das entrevistas.
198
5.1.1 Nair Pereira de Oliveira
Figura 1 – D. Nair Pereira de Oliveira no quintal de sua casa no bairro Vila Isabel
Eu tive oito irmãos. Já morreram todos. Só tem eu. Eu sou a quinta filha
de 15 irmãos. Sete morreram ainda pequenos, oito criaram. Morreram com
mais idade. Uns morreram com 44, 50 e o último com 70 e poucos anos.
Eu convivi com a minha família. Eu era bem pequena ainda, a gente
morava perto da granja, meu pai tinha uma casa pequena, depois fez uma casa
maior pra parte de baixo. Meus pais nasceram aqui e se criaram aqui mesmo.
Meu pai trabalhava na roça, depois na Central do Brasil. Trabalhava na
roça pra casa mesmo. Trabalhava aqui na Vila, na roça e minha mãe ajudava
ele. Ajudava a capinar também. Não sei como eles se conheceram. Eles se
casaram somente no civil. Se conheceram aqui na Vila. As crianças também
199
ajudavam a fazer o serviço em casa e na roça, colher as plantas que
plantavam...tudo agente ajudava.
Meu pai era uma pessoa boa, era um pouco nervoso, mas trabalhava
muito, sempre trabalhou. Autoritário, exigente. Ele era guarda freio e viajava
pra fora. Ia num dia voltava no outro, às vezes uns dois dias. Sempre assim.
Nunca queria que faltasse nada em casa.
Minha mãe era uma pessoa muito boa, calma, obediente ao marido,
antigamente a mulher era muito obediente, cuidava de casa e dos filhos.
Sempre com filho pequeno. Cuidava muito bem dos filhos. Era carinhosa. Meu
pai não gostou que os filhos saíssem pra trabalhar fora. Tudo ele fazia pra
gente. Pra não faltar nada dentro de casa pra gente.
Eu nasci, morei até casar aqui. A granja só foi feita depois que o meu pai
morreu. Meu pai sempre trabalhou na roça e na Central. Onde a gente morava
era tudo nosso. Ele sempre trabalhou na Central, começou na soca, na linha e
também na roça. Nossa casa era grande, tinha oito cômodos... 4 quartos, sala,
cozinha, hoje a gente fala copa, mas de primeiro a gente falava sala de jantar,
tinha despensa pra botar as coisas. Essa casa meu pai construiu, ele mesmo
junto com os pedreiros. Ele juntava o dinheiro em todo pagamento que ia
ganhando, guardando e ia construindo, fazia de adobe, não era de tijolo. Na
casa que eu nasci, era barreada que tinha antigamente, de barro. Barro batido,
pau a pique. Já tinha bastante filho e todos viviam lá. Quando fui morar na casa
maior, eu já tinha de 4 a 5 anos. Aqui não tinha rua não, era uma trilha só pra
gente passar, a gente mesmo que fez. Todo mundo passava por ali. Era uma
trilha pequena. Do lado assim era mato e casas. Via as pessoas passar na rua,
brincava na rua...de roda, de pular corda. Esse era o brinquedo da gente. Não
tinha muito vizinho, era um aqui, outro lá longe, um distante do outro. Tinha as
crianças da nossa casa. Brincava de boneca, fazia boneca de pano em casa.
Todo dia levantava, minha mãe fazia o serviço dela, ela é que
cozinhava, a gente não cozinhava. A gente com uns treze anos ajudava a lavar
roupa, varrer o quintal, arrumava a casa, fazia as tarefas de casa e ajudava na
roça. Em casa todo mundo ajudava, todo mundo trabalhava.
Estudei numa escolinha da Vila, do Triângulo e na Escola Condessa.
Estudei até a 4ª série. Naquele tempo era só até a quarta série. A primeira
escola era numa casa grande, uma sala de aula, uma turma só, tinha um lugar
200
onde a gente brincava. Lá tinha rua perto da escola da Vila e do Triângulo.
Formaram uma escola ali, as crianças estudavam. Minha professora chamava
Geralda. Gostei mais da escola lá de fora. Eu gostava muito de estudar, mas
minhas vistas não dá mais pra escrever. Minhas professoras foram a D. Dulce
do Triângulo e D. Estela (pseudônimo) da escola lá de fora, parente do Nélson
Borges (pseudônimo). A que eu mais gostei foi a D. Dulce, porque ela gostava
muito das crianças, era carinhosa. Tinham crianças de outros lugares que
estudavam lá, porque tinha pouco colégio.
Figura 2 – Documento do pai de D. Nair Pereira de Oliveira – Sr. João Pereira da Silva
Passei minha juventude aqui. A gente não saía pra lugar nenhum não. O
pai da gente não deixava sair. A gente ia na missa com a mãe da gente. No
carnaval via as escolas de samba passar. Quando eu tinha uns 10 anos já
tinha escola de samba em Três Rios.
O meu primeiro namorado, eu casei com ele. Naquele tempo não
deixavam namorar muito. Ele morava lá pra cima. Ele passava na rua, a gente
via. Ele ia trabalhar na Central, eu via ele. Tinha os dias certos pra namorar.
Namorei pouco tempo e casei em pouco tempo. Tive um noivado sem festa,
sem nada. O namorado pedia os pais e pronto. O meu casamento teve doce,
201
bolo pequeno...não é como esses bolos de hoje em dia, jantar, muita comida.
Casei no civil, em casa. Eu não perdia uma missa, eu era filha de Maria, mas
nem sei por que não casei na igreja.
Tive seis filhos. Com o meu primeiro marido tive 3 e depois tive mais três
com o segundo marido. Fiquei viúva com 22 anos, me casei com 16 anos. Ele
morreu de anemia. Tinha 34 anos. Vivi com ele só 6 anos. Depois de 2 anos
casei de novo. Conheci meu segundo marido aqui mesmo. Ele era de Minas,
trabalhava lá em Petrópolis e fazia feira aqui. Depois fui embora, morar em
Petrópolis. E minha família continuou aqui no mesmo lugar.
Eu nunca trabalhei fora. Meu pai não deixava e depois de casar não
trabalhei também.
Quando eu me casei pela primeira vez, morei perto do Caça e Pesca.
Hoje nem existe mais a casa. Ele fez a casa pra gente morar. O terreno era do
meu tio.
Eu graças a Deus sempre tive saúde. Não lembro de nenhuma
dificuldade.
Em Petrópolis, meu marido trabalhava com laticínio. Fiquei viúva pela
segunda vez, mas quando ele morreu, eu já tinha largado ele e já tinha vindo
embora pra cá.
Quando tinha festa perto do laticínio, no Natal, nós levávamos as
crianças. Eles davam brinquedos pras crianças. Fiquei com 5 filhos, porque
perdi uma menina.
Ele trabalhava lavando ônibus primeiro, nas garagens, depois
entregando leite.
Quando voltei pra cá, voltei com os meus 5 filhos. Já eram maiores.
Voltei e vim morar aqui nessa mesma casa. Recebi essa casa de herança do
meu pai. Meu pai que fez.
Neste terreno tinha outros irmãos que moravam aqui (Thiago, Laureano,
Manuela). Meus irmãos: Antonio, Thiago, Laureano, Manuela, Elói, Joaquim e
Francisca.
Quando voltei, eu tinha uns 42 anos. Tinha outras pessoas morando,
fizeram a rua, a rua passou por dentro das terras do meu pai. As pessoas iam
comprando os terrenos, nossos, dos meus irmãos. Já não tinham mais as
roças. Mas ainda não tinha luz e nem água. A água era de poço.
202
Figura 3 – D. Nair Pereira de Oliveira na porta de sua casa no bairro Vila Isabel
Eu fui ficando aqui, meus filhos foram para as escolas. Não estudaram
muito, mas estudaram. Uns estudaram em Petrópolis. Voltaram tudo grande.
A cidade mudou alguma coisa. Foram fazendo mercado, porque não
tinha, foram mudando tudo. A igreja mudou de lugar.
Dos meus irmãos só tem eu. Moram aqui sobrinhos, cunhadas, meus
filhos. Eu moro aqui com as minhas 2 filhas, netos e meus bisnetos pequenos.
Nenhuma casou, as que estão aqui. Só uma casou e foi embora daqui. Meu
filho Aurélio mora aqui do lado, com a mulher e dois filhos solteiros dos quatro
que teve. Meu outro filho morreu, que morava aqui do lado.
Das terras do meu pai o que sobrou foi a casa do Aurélio, essa casa
daqui. E a casa aqui do lado, do meu outro filho. Eu herdei muitos terrenos e fui
vendendo. Antigamente quando precisava vendia. Era bastante terra.
Minha avó arrendava as terras junto com o meu avô, depois ele morreu.
Minha avó arrendou uma grande parte da terra para o Benedito Boi e o homem
ficou com tudo. Parou de pagar e foi no cartório e registrou no nome dele. A
gente, quando era criança, escutava. Ela não tinha nenhum papel. Nunca
reclamou na justiça, nem ninguém da família. Não tinha como reclamar, todo
203
mundo confiava na palavra. Toda aquela parte de cima da Morada do Sol até
fazer rumo com a Rua Direita, tudo era da minha avó. Ela não conseguiu de
volta. Teve só esse caso, o pedaço maior foi esse que ela perdeu. O restante
ela ficou.
Depois que ela morreu, ficou para os filhos.
Continuo fazendo trabalho dentro de casa. Em Petrópolis, lavei roupa
pra fora, pra ajudar. Aqui não.
Figura 4 – Escritura dos terrenos de D. Nair Pereira de Oliveira no bairro Vila Isabel
Quando estou bem, lavo uma roupa. Gosto de capinar. Está cheio de
mato e eu queria limpar, mas não estou conseguindo limpar.
Meu sonho agora era poder arrumar a minha casa, fazer uma limpeza
nela, ela está bem cavucada.
Na minha vida não queria mudar nada. Quero viver com meus filhos,
netos, bisnetos, gosto muito deles, pra mim eles são tudo.
Antigamente a gente não se metia nas coisas de pai e mãe. Pra minha
avó receber as terras foi bom, pra ela foi muito bom. Ela plantava as roças
dela, tinha frutas na casa dela, ela tinha as terras dela. Ela morou e morreu na
casa dela. As terras ajudaram pra nós, mas sei lá.
204
A gente se sente bem contando a história. Pra mim graças a Deus tá
tudo bem, estando todo mundo com saúde, reunida aí. A família tem dia que
briga, mas é assim. Meus filhos sempre foram bons pra mim. Nunca falaram
um palavrão perto de mim. Eu também com a minha mãe era assim, mas hoje
está tudo mudado. O modo de viver já está tudo diferente.
Figura 5 – Área dos terrenos de D. Nair Pereira de Oliveira no bairro Vila Isabel
(escritura)
Eu nunca fui no baile do Grupo dos Treze. Eles ajudaram e ajudam até
hoje. Foi muito bom. Alguma coisa de bom eles estão fazendo. Mas não sei
como eles surgiram não. Eu não tenho muito envolvimento com o grupo.
Desanimei com os bailes.
Desculpe alguma coisa...se eu não falei certo.
205
Figura 6 – Terrenos de D. Nair Pereira de Oliveira no bairro Vila Isabel (escritura)
206
primeiro casamento e não me lembro do meu pai. Eu tinha apenas 5 anos
quando ele morreu. O meu padrasto João que me criou, trabalhava numa
empresa de ônibus e eu levava comida pra ele algumas vezes. Ele encontrava
objetos de valor nos ônibus. Encontrou um relógio de ouro maciço uma vez.
Eu vim para Três Rios antes da minha mãe. Vim fazer um serviço de
experiência. Quando ela veio eu já estava aqui. Trabalhava no Triângulo, onde
é a UPA. Ali era um depósito e eu morava no anexo desse depósito. Eu era
solteiro. Às vezes dormia aqui na casa de parentes.
Minha mãe é ótima pessoa, não mede sacrifícios, faz coisas até demais
Faz coisas que outros talvez não faria. Dava muitas palmadas, apanhava
muito. Antigamente era assim. Era muito festeira. Adorava um baile. Ela
pegava a gente e rodava a cidade atrás de um baile. Ela era alegre. Vivia a
vida numa boa.
Daqui lembro que primeiro nós moramos numa casa pequena, perto da
casa do falecido vovô mesmo e fomos depois para a entrada do Cariri. Lembro
um pouco da casa de Petrópolis. Era uma casa geminada. Parede e meia.
Lembro do vizinho, Ademar, que trazia pão gostoso da padaria aonde ele
trabalhava. Me dava bem com os filhos dele também. Tenho uma lembrança
boa.
Me marcou mais a minha vida em Petrópolis. Tudo era mais
movimentado. Achei melhor ter ido pra lá.
Brincava de bola de gude, futebol, soltar pipa.
Levantava com aquele frio, Tomava café, ia para o colégio, fazia os
deveres, às vezes de má vontade. À noite ouvia programas de rádio, novelas,
um seriado muito bom chamado “Jerônimo, o herói do sertão”, dormia cedo, 8,
9 horas já estava todo mundo dormindo.
Estudei o primário até a quinta série, depois fiz déia, fiz cursos
profissionalizantes. Curso Técnico, fiz tudo isso enquanto trabalhava.
Estudei na Escola Nossa Senhora do Sion. Era uma escola de freiras.
Uma parte para pessoas de posse e outra pra pessoas pobres. Era gratuito.
Era um prédio enorme. Tinha capela e igreja. Aprendemos religião, fiz primeira
comunhão. Nas missas, auxiliava nas missas, coroinha. Foi minha única
escola. Lembro de uma professora Nilda. Ela me marcou porque gostava muito
de mim. Ela me dava reforço. Tinha muito carinho e paciência comigo.
207
Eu vim pra cá com 21 anos. Antes de vir pra cá, lá em Petrópolis, eu ia
em cinema, saía no carnaval, rodava Petrópolis inteira na madrugada, ia num
clube aqui, outro ali. Aqui em Três Rios, em termos de diversão, ia no cinema,
futebol, bailes. Tinham vários times de várzea. Aqui na Vila tinham dois times.
Aqui tinha o Colônia...Rodávamos tudo. Cantagalo, Moura Brasil...
Eu tive várias namoradas. Principalmente quando vim pra cá. Tive uma
namorada a Rosa, que eu me lembro mais por conta de algumas
circunstâncias da vida.
Minha esposa veio trabalhar aqui e nos conhecemos. Ela trabalhava de
doméstica. O noivado foi com a patroa dela que nos levou em Além Paraíba
com a família dela. Teve um almoço na casa da mãe dela. Fiquei uns 6, 7 anos
namorando. Casei na Igreja de São Sebastião. Não fizemos festa. Só bolo e
champanhe na casa da patroa dela. Tive três filhos com ela e um anterior a ela.
A qual me relaciono pouco. Tive com ela (Márcia) há pouco tempo e disse que
ela pode contar comigo. Tenho uma filha casada. Tenho dois filhos solteiros
que moram aqui.
Meu primeiro trabalho foi numa firma chamada Produtos Alimentícios
Flayshman Royal, firma muito conhecida, em Petrópolis. Comecei com 15 para
16 anos, primeiro como aprendiz e terminei como encarregado. Trabalhei 30
anos, me aposentei lá. Vim pra Três Rios e fiquei onze anos, mas depois
terminei meu tempo de serviço em Petrópolis mesmo. Tinha alguns problemas
de relacionamento com colegas, talvez por inveja, por estar crescendo na
empresa e outros pensavam que estava tirando a oportunidade deles. Com o
patrão em si nunca, por sinal nunca conheci, pois era uma empresa grande. O
local de trabalho era muito bom. Tínhamos um departamento de esporte com
futebol, vôlei e praticava esses esportes porque sou alto e meus filhos
participavam também. Nas festinhas também levava os meus filhos. Eu morava
a dois minutos do trabalho. Entrava lá e mostrava a empresa para os meus
filhos.
A minha filha é professora formada e os meus filhos são técnicos de
contabilidade e em computação. Trabalham em escritórios de contabilidade.
Recebia meu pagamento quinzenalmente na própria empresa, depois
passei a receber via banco. Não me lembro de nenhuma crise, nunca meu
pagamento atrasou um dia sequer.
208
Com o Grupo dos Treze passei a me envolver há pouco tempo, quer
dizer quando já estava quase me aposentando, já fazia parte. Onde era a
APAE agora, trabalhávamos lá. Trabalho Social. Quem me chamou foi o Hélio
Fumaça, o Waldir “bola branca”, que tem uma loja do outro lado da cidade e o
Walter Jerônimo. Me procuraram porque sou filho de uma família ilustre da
cidade que deveria fazer parte do grupo. As nossas reuniões eram no “Quem é
bom não se mistura”, na Jaqueira, pois não tínhamos sede. Desde que entrei
não saí mais.
O espaço de hoje tem mais ou menos uns 10 anos.
209
Atendemos pouca coisa hoje na nossa sede, com somente dois
médicos. Não temos muitos sócios mais. Ficamos mais com atividade cultural.
No espaço do clube fazemos serestas, alugamos para festas, mas
continuamos ajudando em enterros quando alguém precisa.
A nossa déia era fazer um ambulatório médico, naquele espaço,
queríamos fazer também um “mini SENAI”, mas está difícil.
A cidade modernizou muito, aos poucos, mas desenvolveu muito. Tem
muitas fábricas boas aqui, a Beira Rio melhorou. Aqui na Vila Isabel nem
asfalto, nem calçamento tinha, quando chovia nem ônibus passava. Teve até
agência bancária, pessoas de classe média mudaram pra cá.
Quanto ao busto da “Mãe Preta”, não sei contar não, quem pode te falar
bem é o Hélio.
Quanto ao futuro eu gostaria que meus filhos tivessem um emprego
melhor. Tem bons empregos, mas não tem excelentes empregos. Não só para
os meus filhos, mas para todos.
Não querendo ser egoísta...mas queria isso para os meus filhos.
Eu se pudesse mudar algo, eu gostaria que tivesse mais amor e união
entre os meus filhos, porque infelizmente eles são muito desunidos, um não
gosta deste, o outro não gosta do outro.
Eu gostei de contar a minha história porque achei bacana, uma válvula
de escape.
Acho legal quererem saber da vida de pessoas simples, valorizando as
classes menores.
Eu fico envaidecido com isso porque a gente contribui pra melhorar
alguma coisa.
(Não quis tirar foto, dizendo que a mãe dele é que deveria ser
fotografada).
210
Figura 8 – “Prêmio Mãe Preta” ao Grupo dos Treze “pelos relevantes serviços prestados à
comunidade de Vila Isabel’
211
O avô da minha mãe era descendente de índio, tinha o cabelo pretinho.
Eu tenho primo de 70 anos com o cabelo pretinho, minhas tias todas também.
Minha mãe tinha o cabelo longo e preto. Ela costurava pra fora. Na fazenda
tinha muito café, apanhava café, caía no chão e a gente quando era criança,
pegava o café no chão e trazia pra casa.
Quando nasci morávamos na Fazenda Sto Antonio. Até hoje sonho com
a casa. Uma casa modesta, de chão, tinha fogão à lenha, em volta da casa
tinha um paiol de milho, tinha muita criação, porco, galinha, meu pai fazia
plantação de milho, feijão. A casa era dentro da fazenda. O fazendeiro tirava
um pedaço de terra e separava para os colonos na época. Era quase um
alqueire de terra. O dono era o Seu Carlos Simão Louro.
Dessa casa nós viemos aqui para a Vila Isabel. Aqui na Vila Isabel, na
rua onde eu morava, nós éramos uma das famílias mais pobres. De 52 para 54
aqui na Vila, aqui em Três Rios, tinha muitos ferroviários. E nos dias do
pagamento, eu via que eles faziam compra e compravam manteiga. Comiam
pão com manteiga, que a manteiga saía até entre os dedos. E a gente não
tinha dinheiro pra comprar uma rosca. A rua que eu morava tinha só ferroviário,
o único que não era, era o meu pai, que tinha comprado uma casa pra gente.
Ele foi trabalhar em outra fazenda. Naquela época os maiores investidores que
existiam eram os fazendeiros. Os fazendeiros faziam assim, se você era
casado, da roça e tinha 8, 10, 12 filhos, viravam tudo empregados da fazenda.
Como os meus irmãos foram crescendo e foram saindo, o fazendeiro não
gostava das pessoas que nasceram na fazenda, se formaram na fazenda,
saíssem das fazendas. Meu pai pra não cortar a carreira da gente, saiu dessa
fazenda, foi vendendo galinha, ovos, porcos, pra fazer essa casa pra gente.
Quase todos chefes de família que moravam na roça e vieram pra cidade, não
foi por causa dele, foi por causa dos filhos. Ele foi trabalhar então numa
fazenda do Seu Baiano que já acabou também, que era na Boa União e que
fazia cachaça. Ele não se importava que ele trabalhasse e os filhos não,
porque meu pai não morava na fazenda.
Na infância, quando era moleque de rua, brincava de bater carniça,
pique. Teve uma diferença muito grande de quando eu morava na fazenda.
Porque na fazenda a gente morava tudo distante. À noite, pra você chegar
numa casa, era muito difícil. Já aqui na Vila era muito fácil. Era uma casa perto
212
da outra. Era tudo pertinho. A criançada brincava na rua escura, não tinha luz
aonde a gente morava. A luz veio depois.
Meu pai levantava de manhã, fazia o café, chamava todo mundo pra
trabalhar, e aí que ele ia embora pro serviço dele. À noite, quando ele voltava
da fazenda...era uma vida pesada, ele trazia um pau que vinha nas costas, um
feixe de lenha pra dentro de casa, pra diminuir a despesa e minha mãe
costurava pra ajudar meu pai.
A minha irmã mais velha fazia comida. Os meus irmãos foram crescendo
e foram trabalhando.
Estudei até a quarta série, porque naquela época o patrão mandava
você escolher, se queria trabalhar ou estudar. Você olhava pra trás e via a
situação em casa, você tinha que trabalhar, como é que ia estudar? Quase
todo mundo era assim.
A minha primeira escola foi boa. Era na roça, perto da Estação de
Fernandes Pinheiro. Andava de pé no chão, calça rasgada, calça de saco.
Comia broa de milho. Era assim a nossa vida. Era uma sala só, com duas
turmas. Uma escola pequena. Tinha pátio.
A professora mais marcante foi a Dna Dalva, ela morava aqui fora. Ela
era muito brava, mas dava atenção à gente. Então, o pouquinho que eu
aprendi, aprendi com ela.
Passei minha juventude aqui. Gostava de futebol, pois podia fazer e não
pagava nada. Ia jogar no Campo Grande no Rio. Joguei em vários times em
Três Rios, mas sofri um acidente e tive que parar.
A minha primeira namorada... o pai dela obrigou ela a namorar um
funcionário da Rede Ferroviária.
Tenho três filhos. Me casei com uma mulher que me ajudou muito. O pai
dela era ferroviário e falou para eu entrar na Central do Brasil, quando a pedi
em casamento. Não teve festa no meu noivado. No dia que estava marcado o
meu casamento, foi o enterro do meu pai. Desmarquei e casei seis meses
depois. Tenho 2 filhos e uma filha. Trabalhei numa tinturaria, foi meu primeiro
emprego. Um colega arrumou pra mim.
Da turma toda o mais pobre era eu. Com o tempo achei que não era
trabalho de homem. Fui trabalhar numa oficina, de serralheiro. Minhas roupas
eram velhas, remendadas. Dos meus colegas também. Trabalhei lá uns dois
213
anos, depois fui para outras serralherias, para outros lugares. Até ir trabalhar
na COMAFER, durante 14 anos. Quando faliu, eu saí, me chamaram pra
trabalhar em outras cidades, mas não fui não. Completei meu tempo aqui em
Três Rios. Paguei meu tempo de serviço como autônomo e me aposentei.
Montei minha própria serralheria. No início, passei até necessidade para pagar
o INPS. Minha mulher trabalhava para me ajudar. Trabalhava com costura.
Em 1992, comecei com o Grupo dos 13. Sempre tive vontade de ajudar
alguém, mas não tinha situação financeira. Com um amigo comentei sobre a
associação de moradores. Resolvi então montar algo aqui na Vila, pois era
uma comunidade grande que precisava de ajuda. Formamos um grupo com
treze pessoas para ajudar os outros.
Sempre ajudamos os menos favorecidos. Remédios, sepultamentos,
obras em escolas (municipais e estaduais), no cemitério... o Grupo ajuda a
melhorar as instituições da comunidade. Até hoje, quando nos pedem ajuda,
damos a ajuda.
A comunidade sempre foi pobre e a maioria negra.
O grupo criou uma caixa de ajuda, com contribuições. Todo final do mês
muitas pessoas ajudavam, quando era necessário, usávamos o dinheiro.
Ajudamos até pessoas de outros bairros. A credibilidade do grupo é muito
grande.
Compramos a sede em 2004-2005. Moacir Saraiva era o dono do
terreno. As terras daqui era dos Caetanos.
Quando a condessa deu as terras pros escravos, eram uns dez donos. Na
década de 50, os brancos da ferrovia foram comprando as terras.
Comerciantes compravam. A colônia não deu certo. Os posseiros quando
conheci, só queriam andar bonitão. Arrendavam uma quadra, mas os
arrendatários iam registrar as terras nos nomes deles. Conheci uns 5 ou 6
escravos, ou até mais. Andavam tudo alinhado, eram os posseiros. Quando
mudei, tinha muita roça, canavial, que faziam cachaça. Os velhos conversavam
e nós não chegávamos perto. Era muito difícil chegar numa sala de adultos e
ouvir as conversas. Muitos descendentes não sabem da história, porque não
era passado pra eles.
Nos fins de semana, a sede do grupo funciona com festas, nos dias de
semana existem promoções como dança, capoeira, pintura, etc.
214
Figura 9 – Destaque do ano de 2004 ao “Movimento Comunitário Grupo dos Treze”
215
Figura 11 – Sede do Grupo dos Treze (à esquerda, o Sr. Hélio Silva)
216
Figura 12 – D. Maria da Glória Cerqueira de Carvalho e sua filha Ângela Maria em sua casa no
bairro Vila Isabel
217
Figura 13 – Sr. Feliciano Cerqueira de Carvalho (de chapéu, terno e bengala, ao centro) em
suas terras no bairro Vila Isabel
218
Depois trabalhei muito, lavava roupa pra fora, trabalhava cantando.
Lavava, passava...tudo aqui na Vila. Cuidava dos filhos e da casa. Não mais da
roça. Depois parei de lavar, quando meu marido passou a ganhar melhor. Ele
era ferroviário. O nome dele era João de Oliveira. Ele voltava todo dia pra casa.
Eu costurava também.
Depois que casei continuei morando aqui no mesmo lugar. Este lugar
era muito grande.
Figura 14 – D. Maria da Glória Cerqueira de Carvalho e sua filha Ângela Maria na varanda de
sua casa
no bairro Vila Isabel
219
Figura 15 – Sr. Feliciano Cerqueira de Carvalho em suas terras no bairro Vila Isabel
220
Minha família, a parte de meus avós paternos veio de Ilhéus; e a parte
da minha mãe, não tenho certeza, mas dizem que veio de um lugar que
pertencia à Portugal. Meu avô materno era descendente de negro.
Meu pai trabalhava com meu avô num armazém em São José, depois
progrediu e meu avô comprou uma fazenda em Paraíba do Sul. E meu pai
tomava conta da fazenda.
Meus pais eram vizinhos em São José, quando se conheceram,
namoraram e casaram.
Meu pai morreu quando eu tinha um ano e sete meses, de desastre de
cavalo. Minha mãe estava grávida da minha irmã mais nova. Meu pai me fez
muita falta. Minha mãe foi uma heroína. Casou pela segunda vez, tinha que
casar, com 5 filhos e foi uma luta muito grande, que eu participei. Meu padrasto
era boiadeiro e com 7 anos comecei a acompanhar ele na jornada de tocar
boiada. Não sei se é porque gostei, não sei por que, consegui seguir e dar
certo. Com 8 anos já tocava alguma coisa sozinho. Vivi nessa luta muitos anos.
Mudamos muito. Quando meu pai morreu voltamos para São José. Quando
minha mãe casou novamente, mudamos para Areal, depois Alberto Torres,
Paraíba do Sul, onde estudei no Bezerra de Menezes. Mudávamos muito,
porque meu padrasto fazia muitos negócios. Vim em 1942 para Três Rios,
morei do outro lado do rio; Caixa D’Água e depois viemos para a Vila Isabel,
antiga Colônia.
Minha mãe costurava, era uma luta, trabalhava muito. Moramos em
frente ao cemitério. Nessa época estava com 16 anos. Moramos numa casa
comum, com varanda, dois quartos, tinha quintal. Era um alqueire e meio mais
ou menos. Compramos do Sr. Pacheco que tinha um açougue.
Quando nós viemos e conheci a Vila Isabel, alugamos pasto lá no fim da
Vila, então já conhecia isso tudo. As ruas eram trilhas pra passar boi e carroça.
Alugamos pastos, pois tinhamos muitos bois. Mandava boi pro Rio e tudo.
Quando moramos na rua de La Torno, tínhamos um sítio perto do
cabaré, com uma vista privilegiada, o rio era cheio total, perto onde hoje é a
ilha do Sola. Pertence ao bairro Triângulo hoje.
Tinham muitos sítios aqui.
221
Figura 16 – Sr. Valdir Neves de Lima e sua esposa, D. Ana
Estudei muito pouco, muito picado, mudamos muito, meu padrasto era
muito exigente, muito rígido, e não parava empregado em emprego nenhum.
Eu que tinha que segurar tudo. Estudei até o primário. Completei na Condessa
do Rio Novo. Dona Alva era a diretora, ela foi a primeira vereadora aqui. Era
uma pessoa especial. Se não fosse ela, teria ficado talvez analfabeto. Chegava
sempre atrasado. Um dia ela me chamou e perguntou o que estava
acontecendo. Eu disse: “- Dona Alva, eu acordo quatro horas da manhã, vou
tirar leite, entrego na rua, casa por casa.” Vendia meia garrafa naquela época.
Veja como as coisas eram difíceis. Dali eu ia para o colégio. Para estudar à
noite era difícil, porque estava muito cansado à noite. Fazia serviço de um
homem ou dois. Vendíamos leite por uma temporada. Depois a gente vendia a
vaca. Falei com Dona Alva que teria que parar de estudar. Ela disse:
“Absolutamente. Pode continuar.”
Não tinha tempo pra brincar. Bola só jogava no colégio. Fazia esporte,
educação física no colégio. O colégio fazia competições: corrida, pular
obstáculos e tinha uma bola que passávamos embaixo das pernas. Gostava da
222
disciplina. Jogava uma peladinha de vez em quando. Eu tinha muita
velocidade, muita destreza.
Quando chegava em casa, era só pra dormir.
Continuando sobre a Dona Alva, ela me deixou estudar e mandou que
eu lesse jornal. Ela disse: “- Quando você estiver viajando, compra um jornal e
leia aquilo até entender. Se achar um jornal, leva pra casa.” Nunca mais
esqueci isso. Porque a leitura é muito importante e acabei desenvolvendo mais
no comércio.
Em Paraíba, me lembro da professora Dona Madalena, do pessoal do
Alpes Cunha, no Bezerra de Menezes. Fazia esporte, teatro na escola também.
Depois vim pra cá e estudei no Condessa. O prédio era no Fórum antigo, atual
Casa de Cultura. E tinha um terreno grande perto, onde jogávamos pelada.
Depois construíram o colégio e passamos pra lá.
Minha juventude era só trabalhando. Trabalhava até nos sábados e
domingos. Gostava de ir nos bailes de sanfona, de terreiro, aqui na Vila,
quando tinha. Tinha o caxambu. Os bailes eram de aniversários, dia de São
João, Santo Antonio. Era tudo lá na casa do João Caetano (João Pereira). A
família dele vinha para os bailes. Depois, pararam de vir. Parecia que ele tinha
muitos inimigos. E muitos brancos participavam.
Minha primeira namorada era de Santo Antonio. O nome dela era
Rosilda Quintela. Depois foram só namoros rápidos. Namorei bastante, dancei
bastante.
Sou casado pela segunda vez. Com a primeira tive três filhos. Com a
segunda esposa tive um filho. Tenho 43 anos de casado.
A família de minha segunda esposa era conhecida. Tinha 38 anos
quando casei e namorei durante 7 meses. Como eu era desquitado, nos
casamos na Igreja Brasileira, igreja católica, no Rio. O pai dela não aceitava,
porque eu era desquitado. Depois de cinco anos, saiu o divórcio.
Meus filhos se chamam: Valdir Júnior, Rosane, Rosângela e Douglas.
Quando era boiadeiro, aprendi muito rápido a trabalhar. Gostei logo de
início. Com oito anos fui à fazenda da Realeza buscar oito cabeças de boi,
sozinho. A dona da fazenda comentou na época, que meu padrasto não tinha
juízo, pois eu podia cair, me machucar. Mas fui com a maior satisfação.
Levantei de madrugada e pra mim foi uma vitória. Daí pra frente fui apanhando
223
conhecimento, gosto. Na ponte do Lucas passavam as boiadas, o gado bebia
água, e lá conheci os Avelinos e os portugueses.
Negociávamos o gado, muitas vezes vendemos para Santa Cruz, era o
principal cliente. Mas vendíamos também para açougues. Trabalhei até os vinte
anos como peão boiadeiro, pois sofri um desastre e machuquei a perna.
Um dia, meu padrasto mandou que eu matasse um boi, e eu não
gostava de matar. Mas fiz tanta força que a cicatriz abriu novamente. Tive que
operar, e quem pagou a minha cirurgia foi o meu avô. Então vi que tinha que
parar. E depois que eu parei, o meu padrasto não conseguiu continuar.
Eu procurei o meu avô e pedi apoio a ele. Meu avô disse que já estava
na hora de fazer outra coisa, pois aquilo não tinha futuro nenhum. Mas não sai
antes, porque eu achava que deveria ficar com a minha mãe, ajudar a criar
meus outros irmãos. Mesmo ela sendo casada, eu achava que devia ficar
protegendo a minha mãe. Eu era mais novo que o meu irmão, mas ele casou
muito novo e tinha família. Minha mãe morreu aos 103 anos.
Fiquei com meu irmão durante um período até me ajeitar.
Nesse período, eu conheci um alfaiate, Sr. Geraldo Gomes, pois tinha
ido mandar fazer um terno pra mim. Conversando com ele, perguntei se
demorava muito a aprender a fazer aquele trabalho. Ele me respondeu que
dependia da pessoa. Uns demoravam um ano, outros dois ou até três,
dependendo da força de vontade. Ele me disse que se eu ficasse um mês lá,
ele me ensinava. Com um mês aprendi bastante e depois de um ano, eu já era
oficial. Mas ele bebia muito e não deu certo. Fiquei um tempo, mas depois sai.
Chegamos a ir juntos para Paraíba do Sul e morava com ele. Meu avô me
emprestou um dinheiro e investi no negócio, mas ele não me pagou. Ele me
ensinou tudo de alfaiataria. Depois ele parou de beber, entrou para uma igreja
e se regenerou. Depois fui trabalhar com o Sr. João Leal, alfaiate. Trabalhei
uns dois anos com ele e morava na alfaiataria. O dono do cômodo era o Dr.
Alencar, um dentista.
Depois vim para a Vila e abri a minha alfaiataria. Minha mãe se separou
do meu padrasto e no lugar onde ele tinha açougue, o meu avô comprou para a
minha mãe e o espaço estava vazio. Ali eu abri a minha própria alfaiataria,
atrás do açougue, num rancho atrás, nos anos 50. Graças a Deus, ali fui
subindo, subindo. Trabalhei depois no Correio que abriu aqui mesmo na Mãe
224
Preta, ideia de alguns vereadores, a partir de 1959, tomava conta no início sem
ganhar. Os comícios começavam na Vila, aqui em frente. Então conheci os
políticos da época. Ganhava dinheiro como alfaiate. Desenvolvi e construí o
primeiro prédio da Vila, de dois pavimentos (1956-1957). Fiz tudo dentro das
normas, pedi instruções ao cartório. Conheci o João Silveira e Bernardo Bello,
que me instruíram. Depois veio a farmácia e a padaria já estava progredindo
também, aqui perto.
Trabalhei muito mesmo como alfaiate, 16 a 18 horas por dia. Na época
tinha a fábrica Amazonas e fazia ternos pra toda Três Rios.
Mas depois foi ficando cada vez mais difícil ensinar o ofício, ficou
proibido ensinar às crianças e tudo foi mudando. Aposentei nos Correios, pois
depois passei a ter salário.
O primeiro esgoto da Vila foi feito aqui no meu terreno, liberei para
passar aqui. Não tinha rua calçada, era tudo de chão. As construções eram
muito simples. Comprei as três esquinas com o tempo. Recebi uma parte da
mamãe, outras ela me vendeu.
Na esquina tinha um colégio, uma mercearia e uma barbearia; na outra
esquina era o clube Vila Nova. Fiz isso tudo com muito sacrifício. E gosto de
construir, tudo aqui eu planejei.
Depois da revolução, eu fui trabalhar lá no centro de Três Rios.
Quando aposentei foi proporcional e saí porque vi que aquela não era a
minha praia.
Nos anos setenta comecei com o comércio de materiais de construção,
pois gostei muito quando estava construindo.
Antes, tive também um barzinho, onde fiquei por 8 anos, trabalhando
com minha esposa. Meus filhos também tinham obrigações no bar. Minha
esposa ficava na cozinha e tinha também mesa de sinuca. Só que ficamos
muito cansados, por isso abrimos loja de materiais de construção. Hoje, são
duas lojas de materiais de construção, de materiais mais pesados e a outra de
materiais leves.
Três Rios se desenvolveu bastante. A meu ver o que impulsionou a
cidade foi a Indústria Américo Silva, depois Franz Schuller, dono da pedreira,
cerâmica de Cantagalo, em Serraria, a fábrica. Depois veio a Santa Matilde.
225
Trabalho todos os dias. Caminho de manhã, descanso na hora do
almoço.
O que eu mais gosto de fazer é obra. Adoro construir, fazer obras.
O meu maior sonho é continuar fazendo obra, construir.
Tenho oito mil litros de água de captação de água de chuva. Uso para
molhar plantas, lavar calçadas. Fiz uma cisterna.
(Terminou falando das obras que pretende fazer, muitas obras ainda...)
A única coisa que eu não pude fazer foi comprar uma fazenda. Mas não
mudaria nada na minha vida. Fiz seis cirurgias, sendo que quatro por causa de
excesso de trabalho.
Sempre procurei ser honesto com as coisas. Sou maçom também. Uma
pessoa honesta que me inspirou foi o Sr. Bento Gonçalves, de Paraíba do Sul,
que era maçom também. Aprendi muitas coisas boas na maçonaria.
(Quando já estávamos nos despedindo, lembrou-se de falar da estátua
da “Mãe Preta”, colocada em frente à sua casa, na Pça Ambrozina Bastos ou
Pça da “Mãe Preta”).
Um vereador de Três Rios, chamado Armando de Almeida, há muitos
anos atrás, viajou para São Paulo e lá viu que, em alguns lugares, estavam
sendo colocadas estátuas de mães pretas, em homenagem às amas de leite,
escravas que amamentaram os sinhozinhos. Achou interessante a ideia e
comprou uma estátua para ser colocada em Três Rios, pois sabia do passado
escravista da cidade. Quando chegou em Três Rios, teve muita dificuldade
para colocar a “Mãe Preta”. Tentou colocá-la no bairro Caixa D’Água, mas os
moradores de lá, não queriam. Pensou em colocar na frente da Igreja de Stª
Luzia, na Vila Isabel, mas a ideia não agradou às pessoas com quem ele
conversou. Chateado, desabafou comigo, e dei a ideia de colocar na Pça
Ambrozina Bastos, pois é em frente à minha casa e prometi que dali ninguém
tiraria. E foi assim que a “Mãe Preta” se instalou na Vila Isabel. Depois de muita
rejeição.
226
Figura 17 – Fachada do prédio do Sr. Valdir Neves de Lima no bairro Vila Isabel (residência e
loja) – à esquerda Praça Ambrozina Bastos
Figura 18 – Busto da “Mãe Preta” na Praça Ambrozina Bastos no bairro Vila Isabel
227
5.1.6 D. Jane Machado da Costa
228
Casa de Caridade. Quer dizer, era um terreno que pertencia aos escravos. A
documentação desse terreno ficou em nome da minha avó. Depois esse
terreno foi dividido e parte ficou para o meu tio e a outra para a minha mãe.
Que é essa parte onde é minha casa, era da minha mãe.
O meu pai, eu não sei o grau, o nível de instrução dele do primário, até
onde ele foi. O que eu sei é que ele lia muito bem, a leitura dele era perfeita. A
letra do meu pai era aquela letra trabalhada sabe, perfeita. Ele lia e escrevia
muito. Ele gostava de ler livros, ele era assim uma pessoa que gostava de
política. Ele até pertenceu a um partido político chamado PSD.
Meu pai era uma pessoa muito boa. Tinha uma visão do futuro muito
grande. Dizia pra gente, por ele ser pedreiro, conhecedor muito grande de
obras, que Três Rios ainda ia se desenvolver muito, que acreditava no
229
desenvolvimento de Três Rios. Apesar da pouca instrução dele, ele era muito
culto. Ele tinha um rádio, até fabricado pelo Sr. Joel Monnerat, que tinha uma
oficina em casa. Ele pegava uma tábua quadrada e botava aquelas válvulas.
Antigamente eram umas válvulas que atarraxavam assim. Ele montava os
rádios, naquela época o chamavam de eletro-técnico, uma coisa assim. Ele
fazia os rádios pro papai. Eram feios os rádios, porque aquelas pilhas ficavam
tudo aparecendo. O papai colocava o rádio em cima de um armário, chamado
guarda comida. Era um armário quadrado, mais ou menos de um metro e
setenta, com as portas fechadas, onde guardavam os mantimentos, era de
madeira. O papai ouvia um jornal chamado A Hora do Brasil. Era todo dia sete
horas da noite. Aquilo era uma hora. O papai ficava em pé do lado do armário.
Ficava mexendo no rádio, porque não pegava bem. Com o ouvido colado, ele
ouvia as notícias do Brasil e do mundo e sabia tudo. Ele conversava com a
gente, ele sabia tudo. Eu me lembro, quando o Getúlio Vargas se suicidou, eu
estava estudando e o papai foi na escola, ele estava trabalhando, mas ficou
com medo de surgir uma revolução. Ele foi no colégio, tirou a gente da escola e
mandou a gente pra casa. Falou pra gente ir pra casa depressa e não sair de
dentro de casa. Ele era cuidadoso.
Mamãe era uma pessoa mais simples, humilde. Sabia escrever, porque
o papai ensinou a ela. Eu me lembro que, quando criança, via o papai
ensinando a minha mãe a escrever. Com aquelas cartilhas antigas, para ela
assinar o nome, fazer contas. A mamãe era muito prendada, as prendas
domésticas dela eram perfeitas, cozinheira de mão cheia. Aprendeu a cozinhar
com a minha avó. Antigamente existiam cozinheiras de festas e casamentos. A
vovó Carola fazia comida para os casamentos. Ela era cozinheira de festas e
casamentos. O casamento ia acontecer no sábado, a vovó ia na quinta-feira
para a casa do casamento. Na quinta matava o porco, a leitoa, os frangos. A
vovó temperava aquilo tudo e depois começava a fritar. Preparava aquela
comida toda, assava as leitoas, os frangos, na quinta e na sexta. No sábado de
manhã é que fazia a comida. Então a vovó era cozinheira famosa na época. A
minha mãe aprendeu com a vovó a cozinhar, embora nunca tenha feito comida
para casamento. A mamãe preparava a nossa roupa, bordava. Tenho uma
lembrança da mamãe... a gente estudava no Colégio Entre-Rios, porque o
papai trabalhava, fazia serviços no colégio e os donos, seu Carlos, seu Joel
230
Monnerat, deixavam a gente estudar sem cobrar nada, davam os livros, faziam
tudo pela gente. Eu me lembro da mamãe bordando os tamancos, porque a
gente usava uns tamancos de sola de madeira, com couro e tecido por cima, e
a mamãe bordava os tecidos do tamanco. A parte de cima era bordada com
sianinhas, com florzinha, ficava aquele tamanquinho lindo. A gente saía aqui da
Vila e ia para o colégio Entre-Rios, passando aqui pela rua Belo Horizonte, mas
tinha muita poeira. Era muita poeira. Quando não era poeira, era lama. Eu e
meu irmão...íamos descalços para o colégio, carregando o calçado na mão,
porque se não sujava o sapato todo. Quando chegava lá na linha do trem, na
Condessa do Rio Novo agora, ali tinha um bebedouro para botar água nas
máquinas, era uma borracha grande, preta, que saía água, aquela água era
para colocar na máquina do trem. Então, a gente chegava lá e aquela borracha
estava sempre saindo um pouquinho de água. Botava os pés embaixo, lavava
os pés bem lavadinho, calçava o tamanco e atravessava pra avenida e ia pro
colégio. A mamãe sempre foi cuidadosa. Fazia umas bolsas de saco branco,
cortava uma bolsa quadrada com uma alça, que usava a tira colo, só que as
nossas eram todas bordadas. Fazia aqueles detalhes pra gente ir arrumadinho
pra escola. Tem um detalhe, eu tenho uma irmã que também é professora,
Janete Machado, ela tem um buffet em Três Rios e o nome do buffet é “Vó
Carola”, em homenagem à nossa vó Carola.
A minha casa não era feita de tijolo comum, era feita de adobe, um tijolo
feito de barro, grosso e quadradinho, devia ter uns quinze por dez centímetros,
a altura era de mais ou menos cinco centímetros, era forte, era alto. Pelo que
eu sei foi o papai que fez a nossa casa. Era de meia água, grande, nós sempre
tivemos casa grande. O piso, quando eu era bem criança, eu me lembro que
era de chão, chão mesmo. Mas a mamãe tinha um truque. Ela cozinhava no
fogão de lenha. Desse fogão de lenha, depois que queimava a lenha, ficava
uma cinza fininha. A mamãe tirava aquela cinza, coava numa peneira de coar
areia, saía uma cinza bem fininha. Aquela cinza fininha era usada para arear as
vasilhas, porque as panelas eram de ferro. A mamãe separava, colocava num
recipiente. Do lado de fora da cozinha, tinha um banco de madeira alto, ali tinha
duas bacias grandes, ali era onde nós lavávamos as vasilhas. A água tirava do
poço, levava aquela lata grande de água pra perto, com um canecão grande
tirava a água da lata e jogava dentro de uma bacia, botava a louça ali e
231
passava o sabão, a cinza. Esfregava com uma bucha vegetal numa bacia e
enxaguava na outra. A vasilha tinha que ficar limpinha. As panelas ficavam
brilhando. Tinha que arear. Essa cinza também era utilizada pra limpar o chão
da casa. A mamãe vinha com aquela cinza para limpar o chão da casa, dentro
de um canecão, pegava com a mão e ia jogando a cinza. Eu fiz muito isso com
ela. Fazia uma camadinha de cinza, vinha com um regadorzinho pequenininho,
que saía aquela biquinha de água e ia molhando a cinza, que ia se assentando,
espalhando pelo chão e secava. Nisso a terra do chão puxava a cinza, ficava
como uma camada. Aí a mamãe vinha com uma vassoura, feita de um mato,
que se chama vassoura. Um mato que dá umas folhinhas pequenas que não
arranhava o chão. Ela amarrava aquele mato, fazia uma vassoura. E ela vinha
varrendo, tirando o excesso daquela cinza e o chão ficava lisinho. Ficava
acinzentado, parecia cimento. Dava a impressão que a nossa casa era
cimentada. Depois o papai cimentou a casa com um cimento bem lisinho. O
nosso banheiro, nem se usava esse nome banheiro, chamava casinha. Era do
lado de fora, separado da casa. Ali, a gente tomava banho e havia um vaso
que era de barro, e era baixo. Tinha uma fossa. Tomávamos banho de bacia
com um canecão e bucha. Tinha que ser banho de bucha, porque a gente
brincava, andava descalço. A gente brincava no quintal, corria, subia na árvore,
ficava sujo. Mamãe mandava a gente tomar banho de bucha e sabão. A casa
tinha um quintal enorme, tinha mangueira, goiabeira. Tinha uma cerca que
dividia o nosso quintal com o da vizinha, que também era utilizada pra plantar
as coisas. Por exemplo: guandu dava numa árvore, é igual feijão e tinha a
vagem. Minha mãe plantava ao longo da cerca, ela guiava os ramos para ir
cobrindo a cerca pra dar os favos. Outra verdura que ela plantava era a
bertalha. Tinha bananeira, era uma soqueira grande, quando cortava o cacho e
a bananeira, já tinha outra muda subindo. As frutas eram da casa. O armazém
para comprar outras coisas era lá fora. Na Pça da Autonomia tinha um
mercado, onde foi o Banerj, pelo que me lembro, chamavam de COAP. Era um
galpão grande. No sábado, o papai trabalhava até onze horas da manhã; eu,
mamãe e meu irmão mais velho, a Janete ainda era pequena, a Janete não ia,
a gente ia levar a roupa que a mamãe lavava. Entregava a roupa no sábado,
ela pegava a roupa na segunda e entregava no sábado. Levava a roupa e
esperava o papai ali, na COAP. Ali, comprava tudo, pois o papai recebia
232
semanalmente. Comprava arroz, feijão, muito macarrão, comprava as carnes,
que era muita carne salgada. A carne que hoje é cara, naquela época era
barata, carne salgada era a carne de pessoas mais humildes. O lombo, carne
seca, bacalhau, mulato velho, que é um irmão do bacalhau, isso tudo
comprava. A carne fresca era só pro domingo. Geralmente a carne que se
comia no domingo era a carne de casa, que era a galinha. A mamãe tinha na
parte alta do nosso quintal, era a parte do morro, era cercada e tinha um
galinheiro. Tinha uma parte livre e tinha um galinheiro com paredes de bambu,
que o meu pai fez. As galinhas dormiam naqueles poleiros. A galinha era uma
carne nobre, só pro domingo.
A nossa casa é aqui na rua Professor Moreira. Tinha um bar dos Caiafa,
que ficava quase em frente à nossa casa. Era uma rua que passava tudo, de
terra e as pessoas vinham lá de dentro da Vila Izabel e passava todo mundo
aqui. Era tão tranquila que a gente brincava na rua de noite. A gente brincava
de pique bandeirinha. Às vezes estávamos na rua brincando e alguém gritava
assim: “- Cachorro arruinado!” E saía todo mundo correndo. Cachorro
arruinado era o cachorro com raiva, porque não tinha vacina. A gente corria
muito, corria pra dentro de casa. E, quando dava tempo, a gente pegava os
cachorros da casa, e botava pra dentro, porque, se o cachorro com raiva
mordesse, o nosso ficava contaminado. E se o cachorro fosse mordido, a
família matava o cachorro, porque ele podia morder a família.
Aqui na nossa rua, passava aqueles carros puxados por boi, carros
grandes, cheios de cana. Ia pra usina, eram puxados por candeeiros.
Candeeiros eram aquelas pessoas que iam na frente andando, levando,
guiando o boi. Gritando: “- Oó o boi. Oó o boi.” Passavam também boiadas,
que eram criadas lá pra dentro, no interior da Vila, que passavam sendo
levadas pro matadouro ou pra outra fazenda. Passava na rua e, de repente, um
boi daqueles estourava, e aquele boi passava maluco. Ou então um boi muito
bravo e que não se sujeitava aquilo ali, ou ia na frente ou voltava, aí os
cavaleiros voltavam pra correr atrás daquele boi. E o boi às vezes vinha
correndo feito louco e as pessoas gritavam: “Boi estourado!” Quando falavam
em boi estourado, todo mundo corria e ia pra casa, porque o boi vinha feito
louco correndo. Entrava nos quintais. Era um pavor o tal do boi.
233
A gente brincava de casinha, juntava as meninas, e as brincadeiras
geralmente eram no nosso quintal. Porque no nosso quintal tinham muitas
árvores, tinha um poço, ficava muito fresquinho. Brincava de fazer comidinha,
fazia um fogãozinho de pedra, de um lado e de outro. Fazia aquele foguinho ali,
botava panela, a mãe sempre dava um pouquinho de arroz, a gente cozinhava,
fazia aquela comidinha, depois comia. Tinha uma coisa muito agradável
também... a umas duas quadras daqui tinha um sítio do Sr. Amâncio, e ao lado
desse sítio, tinha um local chamado barreiro. Chamava barreiro porque a olaria
tirava a terra, o barro dali pra fazer tijolos. Na rua Pde Solano, onde é o prédio
do Sola, era uma olaria. Me parece que a olaria era da família dos Guaraciaba.
Nesse barreiro tinham muitas árvores, muitos passarinhos, tinha um passarinho
que se chama Rolinha. Então os meninos iam lá e pegavam as Rolinhas. Já
traziam as Rolinhas penduradinhas no galho, sem peninha. Eles acertavam a
Rolinha, puxavam o pescoçinho delas pra matar e tiravam as peninhas.
Traziam aquelas Rolinhas, a gente lavava, partíamos elas no meio para tirar os
detritos de dentro e depois partíamos em quatro partes. Depois fazíamos a
Rolinha. Era uma delícia aquilo. Eu gostava quando ia em São Paulo, quando
as minhas filhas trabalhavam lá, porque na feira da Pça da Liberdade, eles
fazem Codornas fritinhas e é uma delícia, aí eu me lembrava das Rolinhas. O
sabor é o mesmo.
Os brinquedos eram fabricados em casa. Eu me lembro que a mamãe
fazia escondida de nós, as bonecas. Ela comprava numa loja no centro, as
cabeças, os pés e as mãozinhas feitas de louça. Na minha infância ainda não
existia de plástico. Ela tinha uma máquina de costura de tocar a mão, falava
máquina de mesa. Ela costurava nossas roupas, fazia tudo naquela máquina.
Então ela fazia o corpinho de tecido, enchia de algodão e fazia vestidos do tipo
dama antiga e a gente ganhava de presente de Natal. O papai fazia uns
carrinhos, uns caminhões pro meu irmão, umas carretinhas, trenzinho. A gente
ganhava balas, uns saquinhos de bala. Era um presente maravilhoso.
Eu sou formada, sou universitária, sou formada em História. Primeiro
estudei numa escolinha que tinha aqui na Vila Isabel, acho que era municipal, e
a professora chamava-se Lúcia. Depois fui pro Colégio Entre-Rios. Na primeira
escola, não tinha pátio. Era uma sala grande, logo na entrada da rua da
Pedreira. Tinha carteiras compridas, onde sentavam três, quatro crianças. Não
234
me lembro do nome. A gente falava que era a escola da Dona Lúcia. Ela era
muito paciente. Mas meu pai, em casa, ensinava a gente a escrever, tomava as
lições, nos obrigava a usar o livro de caligrafia. Ele fazia a gente trabalhar a
letra. Lembro da Dona Lúcia com muito carinho. Ela dava aula de bordados,
levava uns paninhos quadradinhos, levava os tecidos, as linhas e dava pra
gente. Depois dessa escola, fiz o exame de admissão e entrei no Colégio
Entre-Rios. Fiz contabilidade e magistério no Colégio Entre-Rios. Fiz a minha
faculdade na Severino Sombra, em Vassouras.
A principal diversão, na minha juventude, era ir à missa no domingo com
a minha avó, de manhã. De tardinha, íamos na Pça São Sebastião, a pé.
Sempre uma mãe levava as meninas na praça. Ficávamos rodando na praça.
Um grupo rodava para um lado e o outro grupo rodava para o outro, para poder
encontrar. Era muito engraçado, era muito bom. O coração palpitava quando a
gente passava perto de quem a gente queria passar. A gente sempre estava ao
contrário, então as pessoas se encontravam.
Aqui na Vila Isabel tinha um clube, Colônia Esporte Clube, que a minha
avó, meu pai, meu tio, faziam parte da diretoria desse clube. Então,
esporadicamente tinha baile. E eu, menina ainda, ia no baile. Minha avó me
levava no baile. No carnaval, esse clube desfilava. Tinha os carros alegóricos
que desfilavam lá fora. Meu pai fazia as fantasias, fazia máscaras de jornal
com cola, que era feita de farinha de trigo. Esses jornais eram amassados e
com eles se faziam as máscaras e iam moldando as alegorias nos carros. Nos
bailes, eu dançava com um senhor idoso, que tinha o apelido de Pipiu. Ele
dançava tango cruzado, bolero. Ele era amigo da minha família. Eu ia no baile
e ele me ensinava a dançar. Ele era filho da Ambrozina Bastos. O meu tio,
José Martins, era um dos presidentes do Colônia, era músico, tocava violão,
fazia parte do conjunto que fazia o baile. Eu me lembro que me arrumava
todinha e deitava nos pés da cama da vovó, esperando para ir no baile.
Quando a música começava a tocar, eu chamava a minha avó. Eu falava: “-
Começou a música, vovó.” Aí ela me levava.
Na minha adolescência já tinha o cine Glória. Meu pai gostava de
acompanhar umas séries que tinha no cinema: Tarzan, Mandrake, passavam
aos sábados. A família toda ia assistir. Eu frequentava também um clube que
se chamava, acho que Luzo ou Luzio, que ficava na descida do hospital. Tinha
235
uma família que morava aqui perto da gente, seu Austriano e a Dona Honorina
que frequentavam esse clube. Esse clube era mais frequentado por negros,
mas tinham brancos também. E eu ia com eles e as suas duas filhas nesse
clube. Os bailes eram lindos.
Eu me casei muito cedo. Me casei com o meu primeiro namorado.
Comecei a namorar com dezesseis anos e me casei quando ia fazer dezoito. A
família dele morava aqui na Vila, perto da rua Prof. Moreira. Eu conheci ele
aqui, namoramos um pouco e nos casamos. Casamos na Matriz de São
Sebastião e ainda não era formada. Na minha formatura eu já estava casada.
Quando comecei a namorar, ele trabalhava no Rio, era mecânico, ia toda
segunda-feira e voltava no sábado de manhã. Nós namorávamos no sábado e
no domingo. Depois ele veio pra Três Rios, pra trabalhar na Ford. A Ford era
na Condessa do Rio Novo, onde é hoje os escritórios do Sola. Aquele prédio ali
era uma revenda de carros. Quando nos casamos, ele trabalhava ali. Aqui na
casa da minha mãe, o quintal era grande, então meu pai construiu um quarto,
uma sala e uma cozinha. E foi ali que nós começamos a morar, era aqui do
lado. No meu noivado não teve festa, mas no meu casamento teve uma festa
enorme. Teve almoço, bolo de andares, doces. Minha cunhada fez o bolo, ela
morava no Pátio da Estação, já é falecida. O nome do meu ex-marido é José
Maria da Costa. Tive quatro filhos. Eu perdi um filho. A minha filha mais velha
se chama Janice, a minha segunda filha se chama Mariângela, aí eu perdi o
terceiro filho com onze horas de vida, o Jaime. Depois eu tive o meu último
filho, Jefferson. Eles estudaram no Colégio Santo Antonio, pois eu trabalhava
lá. A Janice é enfermeira formada pela UFRJ; a Mariângela também é
enfermeira formada pela Universidade Católica de Petrópolis; o meu filho é
representante comercial da firma ASK. Eu tive também uma filha de criação.
Ela veio pra minha casa com sete anos. Ela é minha prima, filha de uma irmã
do meu pai. O nome dela é Fátima. Veio quando os meus filhos eram
pequenininhos. Ela fez Contabilidade, se casou e teve dois filhos: João Roberto
e Marcele. João Roberto estudou na UFJF, é engenheiro de Computação e a
Marcele fez Engenharia de Produção. Os dois estão em São Paulo. A minha
neta caçula está com treze anos e estuda no Colégio Santo Antonio, é filha do
Jefferson. As minhas duas filhas são solteiras e moramos juntas.
236
Eu estava fazendo Contabilidade, quando consegui o meu primeiro
trabalho. Eu dava aula de mecanografia e processamento de dados. Eram
matérias que tinham na Contabilidade. Eu fui dar essas matérias numa escola
do CNEC, lá em Levy Gasparian. Meu marido me levava e me buscava de
carro no emprego. Minha mãe me ajudou muito com os meus filhos. O tempo
foi passando, a situação financeira foi melhorando, aí eu pude ter uma
funcionária me ajudando em casa e ia trabalhar mais tranquila. Eu fiz o curso
de História na Severino Sombra e fui trabalhar como professora de História no
Colégio Santo Antonio. Trabalhei lá por vinte e dois anos. Trabalhei no Colégio
Entre-Rios e no Colégio Ruy Barbosa. Fiz o concurso do município e passei.
Fiquei com o Colégio Santo Antonio e o município. Depois fiz um segundo
concurso e passei. Saí do Santo Antonio e fiquei com duas matrículas no
município. Nesse período, recebi uma proposta de trabalho do Centro
Universitário Plínio Leite de Niterói. Eles queriam montar aqui em nossa cidade,
uma extensão do centro universitário. Eu trabalhei como coordenadora do
primeiro curso de Normal Superior do Brasil, quando foi legalizado. Montaram
uma turma em Niterói e uma turma aqui em Três Rios. O dono é o professor
Comte, ele é deputado agora. Na época, o prefeito era o Raleigh Ramalho. Ele
deu uma bolsa de cinquenta por cento para os professores do município que
fizessem o curso. A sua sogra deu aula nesse curso. Eram duas turmas de
cem alunos. Depois teve uma pós em Psico-Pedagogia e eu também
coordenei. Quando o Raleigh saiu, o convênio foi cortado pelo prefeito que
assumiu. Trabalhei também com o Centro Educacional de Niterói com cursos
de extensão e na Secretaria de Cultura. Me aposentei com sessenta e cinco
anos.
Depois que me aposentei, entrei para o Grupo da Terceira Idade
chamado “Amigos para Sempre”. Fiquei como sócia, frequentando os bailes, as
reuniões. Logo a seguir, me colocaram na diretoria. Me deram uma função que
estou nela até hoje. Eu sou a diretora social do grupo. A sede é no Cantagalo.
Trabalhamos muito para construir a sede. Tenho um trabalho enorme lá.
A cidade mudou muito e o meu sonho era ver a cidade com faculdades,
como tem hoje. Meus filhos tiveram que estudar fora e eu sofri muito. Ao longo
dos anos, as coisas mudaram muito e o meu maior prazer é ver o prédio da
UFRRJ, ao lado da rodoviária. Eu acho que tudo que aconteceu em Três Rios,
237
primeiro veio dessa parte, dessa parte educacional. A cidade cresceu muito,
principalmente o comércio. Se você for no sábado de manhã lá no centro, você
encontra carro de toda a região, que vem fazer compra aqui. Muitas indústrias
também estão funcionando em Três Rios, é muita coisa. E eu acho que vai
crescer muito mais. O que está faltando é vir outra rede de supermercados.
Meu maior sonho é viajar, já viajei para o exterior, mas pretendo viajar
mais. Estou me preparando para conhecer mais um pouco da Europa. Gostaria
de comprar um apartamento no Rio, em Copacabana.
Eu não mudaria nada na minha vida. Tudo que sempre fiz, fiz bem feito.
Eu gosto de cantar também e faço parte de dois corais. O coral da Matriz e o
coral Municipal. Fazemos apresentações aqui e em outros lugares.
(Terminou falando do prazer de viver e de sua fé em Nossa Senhora,
mostrando suas imagens em cima de um móvel da sala).
238
Meu pai perdeu quase todas as terras que a minha avó deixou pra ele.
Ele herdou muitas terras, mas vendeu, perdeu tudo no jogo. Muitas terras
foram invadidas, ele não ligou, porque ele não ficava aqui, não tomava conta
de nada, mas muitas ele perdeu no jogo.
Minha mãe tentava ajudar, falava pra ele, já que você não quer
trabalhar, constrói, que você vai ter a renda do aluguel. Ele dizia pra minha
mãe que não ia deixar nada pra ninguém.
Ele teve terras até mais ou menos 1974, quando vendeu o resto que
tinha.
Os outros irmãos...a tia Elvira morava na Vila e dividiu as terras com os
filhos, meu tio Mário não teve filhos. Era muita terra. Meu pai foi descabeçado,
porque se não ele teria muita coisa, a quantidade de terras era muito grande.
Pela parte que ficou pra ele, eu faço ideia de quantas terras minha avó herdou.
239
foram invadidas, ele não ligou, porque ele não ficava aqui, não tomava conta
de nada, mas muitas ele perdeu no jogo.
Minha mãe tentava ajudar, falava pra ele, já que você não quer
trabalhar, constrói, que você vai ter a renda do aluguel. Ele dizia pra minha
mãe que não ia deixar nada pra ninguém.
Figura 21 – Documento do filho de D. Ambrozina Bastos – Sr. Porfírio de Lima Bastos (Pipiu)
Ele teve terras até mais ou menos 1974, quando vendeu o resto que
tinha.
Os outros irmãos...a tia Elvira morava na Vila e dividiu as terras com os
filhos, meu tio Mário não teve filhos. Era muita terra. Meu pai foi descabeçado,
porque se não ele teria muita coisa, a quantidade de terras era muito grande.
Pela parte que ficou pra ele, eu faço ideia de quantas terras minha avó herdou.
Hoje na Vila, tem as casas das filhas da tia Elvira, que sei que foram das
terras herdadas. O marido dela trabalhava na Rede Ferroviária.
Meu pai era muito fechado, não falava, não conversava, só abria a boca
pra dar bronca.
Pelo que ouvia da tia Elvira, a minha avó tratava os filhos bem.
240
O apelido do meu pai era Pipiu. Ele foi campeão de dança no CAER, ele
dançava muito bem. Dançava tango.
Ele nunca levou nenhum dos filhos em cassino, mas nos levava nos
bailes. Ele dizia que se a vida de cassino fosse boa, ele levava a gente pra
aprender.
Minha mãe era fora de série, era aquela mulher sofredora, batalhadora,
sofria calada, trabalhadeira. Trabalhava muito em casa. Serviços de casa, meu
pai criava porco e era minha mãe que cuidava. Quando dava cria, era ela que
cuidava. Ele só colocava lá e matava. Mas minha mãe e meus irmãos é que
tinham que cuidar, eu era pequena.
A casa na Vila, tinha 3 quartos, sala, cozinha e banheiro. A casa que nós
moramos, foi a última casa que ele vendeu. Tinha um quintal grande, era bem
grande. Criava porcos, galinhas, mas não plantava. Não adiantava plantar,
porque tinha galinha, que comia tudo.
Nessa rua, tinham os últimos terrenos dele. Ao lado tinham os da irmã
dele. Nessa mesma rua. As terras dela eram no começo, as do meu pai eram,
também, até o morro.
Tinham muitas crianças nessa rua.
Quando éramos crianças, não tínhamos noção que descendíamos de
escravos. Depois de grande é que a mamãe comentava que a minha avó era
descendente de escravo, das terras todas que meu pai tinha herdado. Ela dizia:
tal terra é do seu pai, tal terra é do seu pai. Minha mãe achava aquela história
bonita, então ela contava, tinha orgulho da vovó.
Na rotina da casa, cada um tinha a sua obrigação, um ia pra cozinha,
outra lavava e passava, principalmente depois que a mamãe adoeceu, quando
eu tinha 9 anos. Aí meu pai levava os ternos dele pra lavanderia, pois antes era
só a mamãe que cuidava dos ternos dele. Ela teve tuberculose, mas se curou.
Depois ela voltou às atividades dela, mais devagar. Não pegava friagem, não
lavava mais roupa, quem lavava era eu.
Minha mãe morreu nos anos 90, com 79 anos de idade. Ela morreu aqui,
meu pai morreu em Uberaba. Ela morava comigo, na rua Benjamin Constant,
não era na Vila.
Eu estudei até o 2º ano do ensino médio. Fazia Estudos Gerais.
241
A minha primeira escola foi na Vila. Era Marechal Deodoro, hoje se
chama Walmir Peçanha. Era do mesmo jeito que é hoje.
Tive uma professora que me marcou muito, porque ela era muito ruim.
Dona Mafalda (pseudônimo). Ela tinha uma vara de pescar, que ela batia nos
alunos. Ela não levantava da mesa para bater em ninguém. Da mesa mesmo
ela batia lá no fundo da sala. Além de bater, levava os filhos gêmeos pra gente
tomar conta.
Dona Ladadyr do Condessa, era muito boa. Ela tinha paciência, se a
gente não soubesse alguma coisa, era só pedir a ela. Não se negava a ensinar.
Era muito melhor do que hoje.
A maior parte da minha juventude, passei aqui em Três Rios. Ia em
muitos bailes no clube social Vila Isabel. Primeiro, fui nos bailes do clube
Colônia, em frente à Mãe Preta. Dancei muito com o meu pai. Comecei a
frequentar os bailes aos 13 anos. Só podia ir com o meu pai. A principal
diversão era essa. Ia ao cinema também. Tinha o cinema Glória e o Rex.
O Wilson não dançava bem, os outros filhos puxaram o papai, dançavam
bem.
Meu primeiro namoradinho se chamava Deusdeth, mas coisa de criança,
muito infantil, eu até batia nele. Namorava lá na Pde Solano. Atravessava a
várzea. Não posso nem chamar de namoro...Ele morava na Vila também. Todo
mundo se conhecia, a população não era muito grande.
Sou divorciada. Conheci meu ex-marido no Colônia, jogando bola. O
nome dele é Alceu Ferreira da Costa. Fiquei casada por 15 anos, tenho dois
filhos: Romildo e Rejane. Ele tem 40 anos e ela 37. Rejane é casada e Romildo
é solteiro. Tenho duas netas biológicas e uma de um filho que eu criei.
Eu trabalhei em casa de família, como doméstica, só para pirraçar o meu
pai. Eu queria comprar minhas coisas, ele não queria me dar, eu ficava com
raiva. Aí eu pensei, vou envergonhar ele, vou trabalhar em casa de família. Ele
ficava lá no meio dos riquinhos...porque ele saía de casa às duas horas. Duas
horas ele tomava banho, botava o terno e ia lá para o bar Imperial, que só dava
gente rica. Eu passei lá pra envergonhar ele. Encontrei com um amigo dele e
sentei...falei que estava morta de cansada. Ele me perguntou por que estava
cansada, então eu disse que estava trabalhando na casa de uma família com
242
10 pessoas e que tinha que lavar a roupa toda....meu pai ouviu e queria me
matar.
Na Vila, só me lembro do meu pai usando esses ternos elegantes. A
maior parte dos amigos que ele tinha, ele conheceu no jogo. O irmão do meu
pai, acho que também vivia do jogo.
Trabalhei em outras casas durante uns 5 a 6 anos. Depois que me casei,
só trabalhava em casa.
A cidade de Três Rios mudou muito...não tinha asfalto, não tinha ônibus,
escola, ensino, mudou muito. Indústria. Uma indústria que me lembro é da
fábrica de açúcar Pérola.
Na Vila, hoje, não conheço quase ninguém. Acho que a cidade podia ter
crescido, mas algumas coisas poderiam ter continuado.
Eu me lembro da carroça vendendo leite, passavam todos os dias,
porque não tinha leite de saquinho.
A minha avó Ambrozina não falava sobre a colônia, só me lembro dela
falando: “- Deus te abençoe...Como você está? Cadê a sua mãe?” Só isso.
Conversar não conversava não. Não falava nada.
Hoje, o meu maior sonho é comprar uma casa na Vila e voltar pra lá. Eu
fui criada lá. Tem muito significado pra mim, muito grande. Terra da minha avó,
da minha tia Elvira... ela era festeira, tinha festas... ela morreu no dia de São
João. Ela tinha comprado bombinha, foguete pra gente soltar. Quando nós
chegamos na festa, soubemos da notícia da morte dela. Papai falou: “- Guarda
as bombinhas, guarda os foguetes e vamos voltar.” A festa era num terreirão,
onde é hoje a rua da Apae. A tia Elvira gostava de uma festa, gostava de uma
pinguinha. Ela ajudava a organizar a festa, ela gostava de se meter em tudo
quanto é festa. Ela era festeira igual à mãe. Gostava também de carnaval. Ela
era muito conhecida na Vila. Minha tia morreu no dia de São João e minha avó
morreu no carnaval. E lá em casa era assim, quando morria alguém ninguém
podia participar de festa.
Nós moramos juntos, nós três. Moramos nesta casa (bairro Purys), mas
de invasão, não podemos vender ou se vender é por muito pouco, porque ela
não tem documento.
243
Gostei muito de contar a minha história. Hoje me arrependo de não ter
procurado saber mais da história da minha família, enquanto tinha alguém de
mais idade na família.
Figura 22 – D. Ambrozina Bastos (ao centro, de casaco preto) e amigos em suas terras no
bairro Vila Isabel
244
Vivi a maior parte da minha juventude aqui em Três Rios. Me divertia
jogando bola. De vez em quando ia ao baile, mas não dançava bem.
Joguei bola no Colônia, no Entrerriense, participava de campeonatos
também, além das peladas. Joguei com o Lalá, Tiziu, no Colônia. Vinha muita
gente ver os jogos. A maioria era da Vila mesmo, pois a locomoção naquela
época era difícil. Vinham de bicicleta ou a pé.
Minha primeira namorada foi a Janete Machado, irmã da Dona Jane. Foi
lá na Vila, tudo muito rápido.
Sou separado e tenho 4 filhos. Dois já são casados.
Trabalhei na Central do Brasil e fui para São Paulo, onde trabalhei na
indústria de vidro Santa Marina durante 20 anos, me aposentei lá. Fiz muita
hora-extra. Depois fui para Uberaba, já aposentado.
O meu maior sonho é ver meus filhos e meus netos bem, felizes.
Eu gostei muito de lembrar de coisas antigas.
245
A minha avó quando morreu, estava muito velhinha, na cama. Ela
morreu em 1954, 1955, por aí.
Minha primeira escola foi em Petrópolis. Era uma escola particular e
pequenininha.
Antigamente, a Vila, o bairro inteiro era de terra. Nós morávamos na rua
que hoje é a Nicodemus Rosseli. Na época era a rua da Pedreira. Não tinha
ônibus ainda. Todo mundo tinha que andar a pé mesmo, porque não tinha
como.
Eu não lembro de ter visto produção agrícola na Vila, eu não lembro.
Tinha muita fruta, era muita fartura...e gado. Me lembro de ter visto as pessoas
vendendo os produtos na rua, mas eu acho que eles plantavam lá pra dentro,
lá no interior da Vila.
Na infância, brincamos de pique bandeira.
Eu estudei até a 6ª série. Todas as professoras tinham a varinha dela lá,
podiam usar menos, mas tinham. A professora Isabel (pseudônimo) foi minha
professora também. Eu estudava junto com o meu irmão. Na época, era uma
professora só para todas as séries, para todas as matérias, numa sala só.
Eram idades diferentes e diferentes fases de conhecimento.
Na época do meu pai não tinha escola.
Minha diversão na juventude também era ir aos bailes e no cinema.
Meu primeiro namorado se chamava Mário. Era da Vila também. O
namoro durou uns 5 dias. Foi de brincadeira.
Eu sou solteira e sem filhos.
Meu primeiro trabalho foi na Universidade Gama Filho, durante 3 anos,
como secretária no diretório acadêmico de Direito. Mas quando fui para o Rio,
fui para trabalhar em casa de família, mas depois de uma semana consegui
esse emprego. Trabalhei depois em vários lugares, em oficinas de eletro-
mecânica; em jornal, na Gazeta Carioca; no aeroporto de Jacarepaguá, no Rio.
Depois de um tempo, voltei a Três Rios. Trabalhei muito sem registro e por isso
custei a aposentar. Me aposentei aqui em Três Rios. Aqui, trabalhei no Sola; no
Charque Ideal.
O meu maior sonho também é voltar pra Vila, lá é muito bom.
Eu gostei muito de relembrar.
246
(Ao terminar a entrevista, li a lista dos que entraram com o processo de
usucapião. Quando li o nome do Sr. Caetano Pereira, eles fizeram algumas
observações).
Conhecemos o seu Caetano, Caetano velho. Era muito bravo, não
passava nem perto. Era um senhor muito mau, autoritário, morava mais lá pro
fim da colônia, pra lá da Igreja de Santa Luzia. Tinham muitas histórias, de que
ele fazia mal para os outros. Batia, matava. A gente morria de medo dele. Ele
tinha filhos. Tem um filho dele que mora aqui na Cidade Nova, José Caetano.
Antigamente, as pessoas tinham apelido e a gente não sabia o nome.
5.1.10 Sr. X conta a história do Sr. “João Caetano” (João Pereira da Silva): uma
versão
247
ele fez, comprou algumas cabeças de gado e colocou para trabalhar algumas
pessoas que o ajudavam.
Ao mesmo tempo, o Sr. João Caetano teve muitos conflitos com
parentes e com estranhos, para fazer valer as fronteiras das terras herdadas
dos ex-escravos da Condessa do Rio Novo.
Alguns descendentes que deixaram Três Rios, para viver em cidades
como o Rio de Janeiro, por exemplo, deixavam também as suas terras para
trás. O Sr. João Caetano tomava conta das terras para que outros não
invadissem. Ao contrário do que muitas pessoas falavam, nunca matara
ninguém. Possuía uma bengala e uma capa preta e assim vestido cometera
espancamentos em pessoas estranhas que entravam nas suas terras e em
outras pessoas que não estivessem se comportando bem.
Ele contara ao Sr. X que tinha arrependimento de certas coisas, como,
por exemplo, de um homem que, certa vez, entrara em suas terras, com uma
bolsa pequena e fora ao seu milharal. O Sr. João Caetano o seguira e, ao
abordá-lo, fez com que retirasse quatro espigas de milho da bolsa e comesse
todas quatro, cruas, bem ali na sua frente. Mais tarde, com o amadurecimento,
dizia que se lembrava dessa história com tristeza, pois se o homem tinha
roubado quatro espigas de milho era para matar a sua fome e que ele não
precisava ter feito aquilo.
O Sr. X relatou que gostaria de falar um pouco desse outro lado do Sr.
João Caetano, porque as pessoas só se lembram dele de uma forma negativa.
Ficara amigo dele, embora no início tivesse um pouco de receio. Ficaram
amigos porque o Sr. João Caetano se impressionou com a forma, a disposição
com que o Sr. X trabalhava com o gado e o elogiou. Confessou que não
gostava de brancos, pois os brancos não gostavam dele, mas que com aqueles
brancos estava sendo diferente.
Sempre se encontravam, durante o trabalho, como também, a partir da
amizade que fizeram, nos bailes de terreiro, de sanfona, que o Sr. João
Caetano promovia na sua casa, que passou a ser frequentada por muitos
brancos. As festas ficavam animadas. Festas muito simples, mas muito
alegres.
Com certa admiração, o Sr. X relata a construção de cerca de 40 casas
de “meia água”, feitas pelo Sr. João Caetano, com a ajuda dos filhos, para
248
alugar. Para a construção, utilizava a própria terra que retirava para acertar o
terreno.
O Sr. João Caetano também fazia um trabalho, quase que de segurança
do bairro, pois enfrentava pessoas estranhas, perigosas, as quais a própria
polícia tinha medo de enfrentar. Ele contou para o Sr. X e mostrou uma carteira
de “comissário” que a polícia lhe dera, para legalizar esse tipo de trabalho.
Falou que aquela carteira fizera mal a ele, pois passara a se sentir com muito
poder.
Com idade mais avançada, mostrava-se arrependido de muitas coisas,
inclusive achava que o período em que participara de alguns trabalhos com
espíritos ruins fora o período em que fizera muitas maldades. Antes de morrer
assassinado por um vizinho de suas terras, com o qual estava tendo
problemas, disse que não queria ser mais violento com ninguém.
O Sr. X disse que acreditava nele e que o vizinho problemático que o
assassinara, também tivera problemas com a sua família.
Os animais que fugiam, entravam nas terras daquele vizinho e comiam
parte da sua horta. O vizinho pegava o animal, matava e o jogava de volta na
terra do dono. E fazia assim com todos.
O Sr. João Caetano, irritado, disse que daria um jeito naquela situação.
Iria assustá-lo para que não importunasse mais ninguém. E assim fez, dirigiu-
se à propriedade do vizinho, armado e na companhia de um de seus filhos.
Quando foi se aproximando mais da casa, deu um tiro para o alto, mas o
vizinho, que já estava esperando, lhe deu um tiro no peito. Quando caiu de
frente, o vizinho lhe deu duas foiçadas na altura do pescoço, nada fazendo com
o filho do Sr. João Caetano.
O Sr. X disse que nada aconteceu com o assassino do Sr. João
Caetano, pois ele fugiu da cidade.
Essa mesma história foi contada para um neto do Sr. João Caetano pelo
Sr. X. Disse ao neto que não pensasse que o avô dele era uma pessoa ruim,
mas que soubesse desse outro lado dele também.
No final, o Sr. X me pergunta: “- As pessoas não tem somente um lado
ruim, todo mundo tem um lado bom também...você não acha?” Respondi que
sim.
249
5.1.11 José Ferreira da Costa
250
morar em Paraíba do Sul. Meu avô por parte de mãe achou que eu sofria maus
tratos lá, ele tinha um carinho especial comigo, por isso foi me buscar e me
trouxe pra me criar, pra morar com ele na Vila. Fiquei até quando ele faleceu. O
que eu sei do meu pai e da minha mãe é que eles namoravam, e aconteceu
algo que não devia acontecer. Meu avô ficou muito invocado e naquela época
tudo era um absurdo quando acontecia isso na família. Aí ela mudou pra
Paraíba do Sul.
Quando vim morar aqui na Vila, lembro que a minha vida mudou muito
mesmo. Meu avô tinha muito carinho comigo, me tratava muito bem. Mas foi
por pouco tempo, porque logo assim ele faleceu. Eu fiquei na companhia dele
por uns oito a dez anos. Ele perdeu a vida, assassinaram ele brutalmente. A
minha criação foi feita por outras pessoas: minha tia Nair, a minha tia
Francisca, falecida também. A minha família me tratava muito bem.
No período da minha infância eu morei na rua Fagundes Varela, na Vila,
que sai lá perto da fábrica de talco, que liga com o Triângulo. Eu fui criado ali,
onde é o prédio da prefeitura na Vila, porém nessa rua. A rua era de terra, tudo
terra.
A minha vida era normal, como a de uma criança qualquer. Nessa
época, quase não existia tempo pra gente brincar. Meu avô tinha muito
trabalho, tinha porco, tinha gado pra tratar, essas coisas. Quase não tinha
tempo pra brincar. Vendia leite. Meu avô era muito trabalhador sabe. Ele
trabalhava na Rede, se ele não morre, a minha família era a mais rica da Vila
Isabel. Deixou 42 casas de aluguel. Meus tios, por falta de administração, jogou
tudo fora. Quando eu cheguei pra morar com ele, já tinha umas 15 casas
prontas. Com a renda de uma pra outra, ele ia construindo mais casas.
Trabalhava dia e noite. Era muito trabalhador mesmo. Não teve um filho que
puxou a ele sobre trabalho. Ele tinha uma opinião danada. O que ele cismava
assim de fazer, ele fazia. Ele era guarda do depósito, ele não era guarda freio.
Ele era guarda de portaria. Ele trabalhava um dia sim, um dia não. Mas ele não
parava, chegava de lá em casa e começava a trabalhar. Eu prendia bezerro,
tratava de porco. Era muito trabalho mesmo.
Eu estudei até a terceira série primária. Nem terminei o primário. Eu só
tive uma professora, chamava-se Augusta. Era lá no Triângulo, onde eu
estudava. Era uma escola pequena, dava aula só para uns trinta alunos. Essa
251
professora fez parte da minha vida, ela era maravilhosa, me tratava muito bem.
Pra mim, ela tinha muita pena de mim sabe. Era um órfão de família, não
conheci meu pai, não conhecia direito a minha mãe. Quando eu fui conhecer a
minha mãe, na realidade, eu tinha uns dezoito anos de idade, já estava no
quartel. Quando ela foi para o Rio, eu não tive mais contato com ela. Eu fiquei
sendo criado pelas minhas tias.
A principal diversão na minha juventude era o futebol. Era uma
juventude normal. Eu joguei no Cruzeiro, um time existente na época.
A minha primeira namorada se chamava Geralda, mas não me lembro
bem dela não. Ela também morava na Vila, no centro da Vila. Sou casado pela
segunda vez. Com a primeira não tive filhos. Com a segunda, vivo há vinte e
oito anos. O nome dela é Sebastiana. Não tive filho com ela também não. Eu
tive filho com uma outra mulher. O nome do meu filho é Vagner. Ele mora aqui
em Três Rios e tenho sempre contato com ele. Na verdade, eu não me casei
com elas, sou solteiro até hoje. Mas agora eu vou me casar, para dar os
direitos a minha senhora. Ela é viúva.
Eu só trabalhei numa firma, por trinta e cinco anos, o SAAETRI.
Comecei a trabalhar lá em 1966. Entrei como servente, trabalhei como
bombeiro durante muito tempo. Depois, com muito custo, eu fui me
aprimorando. Saí como fiscal, mas fui mal remunerado. Não fui bem
aposentado não, mas graças a Deus, eu estou bem. O trabalho foi muito difícil,
porque o SAAETRI estava se formando quando eu entrei. Eu trabalhei na
estação de tratamento de água, trabalhei na rua. Trabalhei na fiscalização, que
pra mim não foi muito boa não. Quando me aposentei desconsideraram ela.
Não me aposentei bem. Recebia o pagamento no banco Itaú.
A crise que eu mais senti foi no governo de um prefeito chamado
Damasceno. Ele era guarda de trânsito. Tivemos muitas dificuldades.
Depois que aposentei, tive uns três bares. Em Levy Gasparian tive dois
bares. E um aqui. Agora tenho esse, é o meu quarto bar. Na Vila, não tive nada
não. Aqui é a Cidade Nova.
A cidade melhorou muito. Passou por uma grande transformação. As
mudanças foram muito boas, desde que ela se emancipou de Paraíba do Sul.
A minha família jogou tudo fora, tudo o que tinha, o que possuiu. Os
filhos do meu avô não tiveram a boa intenção de produzir. Se produzissem nós
252
seríamos as pessoas mais ricas de Três Rios. Eles venderam, iam vendendo
tudo. Na época que transformou o dinheiro, o cruzeiro em URV, foi a maior
infelicidade pra eles. Porque eles perderam muito dinheiro. Eles não tinham
nem imaginação do que eles tinham. Eram meio leigo. Jogaram tudo fora.
Alguns conservaram alguma coisa, por exemplo, um tio meu, marido da
Tereza, a Nair, conservaram alguma terra.
253
onde eu comecei a minha vida de outra forma. Eu era o primeiro neto dele. Eu
senti muita falta quando ele faleceu.
Ele teve um comerciozinho, mas ele não tinha condições de tocar o
comércio porque ele era meio nervoso, ele discutia, porque nessa época era só
mais cachaçada, bêbados. Fiado era demais, porque achavam que ele tinha
dinheiro. Aí ele ficou meio revoltado. Mas dava pra controlar ele. Ele tinha uma
brincadeira comigo, porque ele dizia que eu ia ser o advogado da família. Isso
criou uma grande guerra dentro da minha família sabe. Quando ele morreu,
meus tios quiseram me escravizar demais, aí eu tive que abandonar eles. Eu
estava com uns quatorze anos.
Eu conheci um delegado que era respeitado na Vila. Ele se chamava
Lorenzo (pseudônimo). Ele mandava entregar a bengala dele pra alguém que
estava dando trabalho, o cara vinha pra devolver a bengala, apanhava, ficava
quieto e obedecia.
Eu sou muito feliz, vou me casar. O meu maior sonho é o meu
casamento. Estou me preparando pra isso. Estou reformando a casa. A vida é
muito corrida. Eu pretendo deixar as minhas coisas pra ela, porque ela me
ajuda muito. Uma parceira minha que eu confio, então a minha ideia é essa.
Eu gostaria de parar de trabalhar, porque eu sempre trabalhei muito.
Parei essa noite passada quase uma hora da manhã. Não gosto de dívida, por
isso sempre trabalhei muito. Nisso eu puxei ao meu avô. Ele era muito correto,
e eu também. Evito comprar fiado, pra não dever ninguém.
Eu me senti feliz de contar a minha história. Pra mim foi uma
demonstração que eu nunca sonhei de ter. Alguém pra me entrevistar, pra eu
conversar com essa pessoa.
Eu gosto muito de Três Rios, mesmo tendo morado em outros lugares,
eu acho que Três Rios é uma grande cidade. Poder falar me alegrou. Eu não
consegui ser aquela pessoa que eu queria ser, mas tá bom. Foi muita luta e
agradeço a Deus.
254
As lembranças de D. Nair e de seu filho Sr. Aurélio, do Sr. Hélio, de D.
Maria da Glória, do Sr. Valdir, de D. Jane, dos irmãos Rossi Meleide, Wilson e
Vilma, do Sr. José Ferreira e de um entrevistado que não quis se identificar, se
juntaram às outras fontes, compondo um quadro social o qual se percebe
sentimentos de pertencimento à coletividade pesquisada. Embora a memória
deles se confunda com a memória do bairro, as memórias familiares não fazem
parte das suas preocupações essenciais. A lembrança dos antepassados se
restringe aos nomes dos avós e a alguns episódios. Segundo Gomes e Duarte
(2007, p. 163), isso ocorre em famílias de classes populares, pois “[...] os
vínculos com os antepassados são paulatinamente esquecidos, na falta de
recursos formais ou institucionais de memória.”
Poucas são as fotografias e raros os objetos que poderiam preservar
alguns aspectos e referências das gerações passadas. Sendo assim,
conseguimos poucas fotos antigas com os entrevistados. Uma com a D. Nair,
que, ao perguntarmos se possuía alguma foto antiga, disse que sim e foi até ao
seu quarto, de onde trouxe a carteira de identidade de seu pai, emitida pela
empresa Estrada de Ferro Central do Brasil. Outra foto com o “Grupo dos
Treze”, que está em uma moldura, pendurada na parede da recepção da sede
do grupo, onde aparecem D. Ambrozina Bastos entre seis senhores e uma
senhora, todos descendentes dos libertos. Uma terceira foto com o Sr. Hélio,
que possuía uma foto do Sr. Feliciano Cerqueira de Carvalho, pai de D. Maria
da Glória. Na foto podemos observar o Sr. Feliciano vestido de terno de linho,
chapéu, óculos escuros e bengala, vistoriando as obras das casas sendo
construídas nas suas terras. Nota-se, tanto na segunda foto quanto na terceira,
uma paisagem de terras desmatadas pela cultura extensiva, promovida com as
plantações de café desde o século XIX, como descrito nos capítulos anteriores.
Pode-se perceber a inexistência de plantações ou de qualquer criação de
animais.
O Sr. Hélio não sabe a data em que a foto foi tirada, mas podemos
inferir, pelos dados observados, que se trata da década de 1940, quando
entraram com a ação de usucapião e declararam que promoveram “benfeitorias
de vulto” nas terras herdadas dos libertos e que, por isso, receberam
“iluminação pública” e “serviço de rádio”. Tal serviço fora muito utilizado pelo
pai de D. Jane, de quem falaremos mais adiante.
255
Outras duas fotos foram conseguidas com o Sr. Valdir, que prometera
ao Sr. José Ferreira que as digitalizaria, pois estavam muito danificadas. Feito
isso, o Sr. José Ferreira autorizou que o Sr. Valdir me fornecesse cópias delas
para o trabalho, pois se tratava das fotos de seu avô e avó (Sr. João Pereira e
D. Maria da Luz)123 e de sua mãe (D. Manoela Pereira)124.
Com relação às casas construídas no período em que o bairro ainda era
chamado de Colônia, como a de D. Nair e de D. Maria da Glória, “fruto de
autoconstrução”, ambas construídas pelos seus pais, são “espaços de
memória” para a família e ao mesmo tempo “espaço moral”, pois
123
Anexo XXXI, figura 15.
124
Anexo XXXI, figura 16.
256
No “quintal” da casa de D. Maria da Glória moram seus filhos e
permanece a casa de seus pais, que foi reformada. Seus irmãos também
moraram naquele lugar. Seus vínculos persistiram mesmo quando a Colônia
teve fim, isto é, onde suas histórias tiveram origem.
257
original, com rompimento mais ou menos radicais com a ideologia da
casa.
258
tinham que trabalhar. D. Nair lembra que ele era muito nervoso, talvez por
temer que acontecesse com as terras que herdou o que acontecera com a
maior parte das terras de seus sogros as quais foram usurpadas por um
arrendatário chamado Benedito Boi. Ele não pagou o arrendamento e ainda
registrou as terras em seu nome no cartório. Segundo D. Nair, as terras que
Benedito Boi usurpou eram mais extensas do que as terras que herdaram após
a “ação de usucapião”. Correspondiam à “parte de cima da Morada do Sol até
fazer rumo com a Rua Direita”. Como os avós de D. Nair confiavam na palavra,
não tinham nenhum documento sobre o arrendamento, logo julgavam que não
adiantaria reclamar.
Vimos que a geração dos libertos que passara pela experiência da
colônia agrícola, isto é, que vira a Casa de Caridade arrendando e aforando as
suas terras, apesar da presença deles naquele lugar, reclamara junto ao
presidente da Câmara Municipal e ao juiz de direito. Em 1930, com a decisão
do juiz a favor de dois libertos da colônia, a Casa de Caridade recorre da
sentença e, em 1931, iniciam-se os aforamentos.
No capítulo anterior acompanhamos toda a mudança na colônia
agrícola, que foi se transformando em bairro Colônia. Os avós de D. Nair
permaneceram e morreram nas suas terras, apesar do aforamento e da
continuidade da venda dos lotes pela Casa de Caridade. Todavia, os
arrendatários se comportavam com a mesma falta de respeito com que essa
instituição se comportava com os verdadeiros donos das terras. Percebe-se
que esses arrendatários aproveitaram-se daqueles excessos de injustiças
sociais forjados naquele contexto. D. Bárbara Firmino e o Sr. Fernando Firmino
não foram reclamar na justiça. Como não possuíam a escritura das terras, não
adiantava reclamar. Em contrapartida, o Sr. Benedito Boi conseguira registrar
as terras que arrendou. Teria ele conseguido apoio da Casa de Caridade?
Caso a sede dessa instituição não tivesse se incendiado nos anos de 1950 e
seus arquivos estivessem disponíveis ao público, talvez tivéssemos um vasto
material de pesquisa para complementar a história e a memória dos libertos.
O Sr. X explicara que, embora o Sr. João Pereira fosse conhecido na
Vila Isabel como um homem muito violento, conhecera-o e se tornara seu
amigo. Sua violência, conta ele, teve origem nos conflitos com os parentes, que
deixavam as suas terras para trás e iam trabalhar em outras cidades, as quais
259
ele cuidava, tomava conta delas; e com os estranhos, porque fazia valer as
fronteiras contra a invasão. Parece-nos que o Sr. João Pereira aprendera a
aplicar os castigos físicos com o delegado citado anteriormente pelo Sr. José
Ferreira, seu neto, pois adotara a bengala como símbolo de punição aos
infratores do bairro. Interessante notar neste ponto, que a população do bairro
recebia a proteção daquele delegado como também do Sr. João Pereira para a
aplicação de castigos em sujeitos mais perigosos, assumindo o papel de
“segurança do bairro”. O Sr. João Pereira dissera ao Sr. X que nunca matara
ninguém. Contudo, foi brutalmente assassinado por um vizinho de suas terras
que nunca fora punido pelo delito. Sua morte deve ter ocorrido por volta do final
dos anos de 1940 e início dos anos de 1950, pois seu neto José Ferreira,
nascido em 1938, dissera ter vivido uns dez anos junto a ele.
Na realidade, o Sr. João Pereira e outros eram descendentes de
camponeses, embora em todo o processo histórico tenham sido vistos como
colonos, parceiros da Irmandade de Nª Sª da Piedade. Devemos nos lembrar
que “[...] a designação ‘campesinato’ tem uma história política que a reveste,
construída por meio de eventos e experiências coletivas vivenciadas nos
enfrentamentos em defesa do uso do solo e de distribuição justa da terra”.
(CARNEIRO; CIOCCARI, 2010, p. 20)
Embora tenhamos conhecimento das inúmeras lutas no campo
anteriores a 1950, foi a partir desse período que o uso do termo “camponês” se
generalizara no país. Uma ampla gama de categorias (lavradores,
trabalhadores rurais, meeiros, foreiros, agricultores familiares, pequenos
proprietários, posseiros) passara a articular diversas reivindicações como
direitos trabalhistas, acesso à previdência social, direito à posse, reforma
agrária, entre outros. (CARNEIRO; CIOCCARI, 2010, p. 20)
260
assim como na guerra do Contestado, no Paraná e Santa Catarina,
entre 1912 e 1916. Registre-se aí, ainda, a repressão imposta aos
colonos migrantes durante as greves de 1911 nas fazendas
paulistas, para limitarmo-nos a alguns exemplos. (CARNEIRO;
CIOCCARI, 2010, p. 20-21)
E foi nesse contexto que o Sr. José Pereira fora assassinado em terras
da Vila Isabel, ex-bairro da Colônia, anteriormente colônia agrícola de Nossa
Senhora da Piedade. Terras herdadas pelos libertos da condessa do Rio Novo
e que atualmente, após a constituição de 1988 passam a ser designadas como
quilombos.
261
Mas, a constituição que reconhece aqueles direitos chegou com cem
anos de atraso. Durante esse tempo, até chegar 1988, foi uma longa jornada,
como pudemos ver uma parte dela em nosso trabalho.
Ao fazer as considerações sobre as entrevistas, neste segmento, não
poderíamos deixar de registrar as questões sobre os conceitos de campesinato
e de quilombo, uma vez que estes se encontram muito presentes nas
narrativas daquelas trajetórias de vida.
Nas trajetórias dos descendentes dos libertos, nos anos de 1930 e 1940,
percebe-se que os sujeitos da zona rural foram despidos de seus antigos
atributos sociais e teriam que adquirir uma nova condição.
Adquirir uma nova condição demandava investimentos e, novamente,
isso não fez parte da política nacional voltada para outros interesses, não
incluindo em “seus projetos” as camadas mais pobres da sociedade, e
principalmente os afrodescendentes.
O ensino público, que era imprescindível para a “individualização”, tema
indissociável da “modernização”, encontrava-se precário também na região
pesquisada. Naquele período (anos de 1930-1940), “[...] o ideal do indivíduo
moderno era fundamentalmente o de um desenraizado, alguém que se
afastasse de seu mundo original e construisse um espaço próprio na nova
malha social.” (GOMES e DUARTE, 2007, p. 248-249) Esse foi o caso do Sr.
Aurélio que ao viver em Petrópolis, “desenraizado”, teve acesso a cursos que o
prepararam a trabalhar na empresa “Flayshman Royal”, onde trabalhara até se
aposentar. Os outros entrevistados, vistos anteriormente, em sua maioria só
estudaram as primeiras séries do primário, com exceção de D. Jane que
formara no ensino superior e Rossi Meleide que estudara até o 2º ano do
ensino médio.
Outra característica que se nota quando o bairro estava em expansão
fora a sua procura por pessoas de baixa renda, sendo um lugar acessível aos
trabalhadores rurais, como o pai do Sr. Hélio. Percebe-se em sua narrativa, a
continuidade da exploração no campo, a importância do trabalho infantil e
feminino para a sobrevivência da família e a tentativa de seu pai, colono,
lavrador, em mudar o futuro dos filhos.
D. Maria da Glória morava no interior do bairro Colônia, com difícil
acesso à escola e por isso não estudou. Lavava e passava roupa “pra fora”.
262
Seu marido era ferroviário. Ela e a sua família sobreviviam das roças cultivadas
nas terras daquele lugar. Dizia que trabalhava cantando e que seu pai tocava
acordeon. Em sua narrativa, utiliza o termo “pra fora”, assim como outros
entrevistados, para diferenciar o trabalho das mulheres. Elas permaneciam em
casa fazendo o trabalho doméstico e trabalhavam “pra fora”, ajudando na
subsistência da família.
Assim como a família do Sr. Hélio, a família do Sr. Valdir também era
miscigenada. Seu padrasto alugava pastos no “fim da Vila” onde criava seus
bois. Percebe-se que o “fim da vila” era rural, a urbanização se fazia próxima
ao centro de Três Rios. Foi o período em que se deteve por mais tempo,
enriquecendo os detalhes do seu trabalho na infância e na juventude, da falta
de tempo para brincar, das trilhas onde a boiada e as carroças passavam, dos
lugares e da casa onde morou, dos sítios que existiam no bairro, de sua
relação com o padrasto e com a sua mãe. Ao narrar a sua trajetória de vida no
bairro Vila Isabel, nas décadas de 1940 e 1950, descreve a existência de
cemitério, açougue, cabaré, farmácia, padaria, alfaiataria, colégio, mercearia,
barbearia e o clube Vila Nova. Falara também do baile de sanfona, no terreiro
da casa do Sr. João Pereira, onde se divertia dançando caxambu. As festas
eram de aniversários, dias de São João e de Santo Antonio. Os brancos
participavam e os parentes do Sr. João vinham também para esses bailes.
Contudo, depois, iniciados os conflitos citados anteriormente, não participaram
mais. Nota-se que os bailes no terreiro do Sr. João Pereira ajudaram na
formação de laços de sociabilidade com os novos moradores que chegavam
com a expansão do bairro. Outro fato interessante narrado pelo Sr. Valdir se
refere à estátua da “Mãe Preta” existente na praça Ambrozina Bastos ou praça
da “Mãe Preta”, localizada em frente à sua casa. A estátua fora comprada em
São Paulo pelo vereador chamado Armando de Almeida, que se interessou
pelas homenagens que estavam sendo feitas às escravas, amas de leite dos
sinhozinhos, naquela cidade. O vereador tentou colocá-la em diversos lugares
da cidade, não sendo aceita por nenhuma das pessoas com quem conversava.
A estátua não tinha relação com a história das escravas da condessa, pois ela
não tivera filhos, suas escravas não foram amas de leite e tampouco com a
história da colônia agrícola. Depois de muito rejeitada, a estátua foi aceita pelo
Sr. Valdir, que ouvira o desabafo do vereador e assim prometeu-lhe que
263
ninguém a tiraria da praça Ambrozina Bastos. A estátua começou, então, a
participar de outro contexto ao sair de seu meio original (São Paulo), tendo
outras relações e com outra função, a de ser um monumento que homenageia
a cultura negra de Três Rios, mas ao mesmo tempo diminuiu a visibilidade da
importância de D. Ambrozina Bastos no bairro. (LEMOS, 2009, p. 18)
D. Jane é a única com formação superior. Seu pai trabalhara como
pedreiro e no Colégio Entre Rios. Nesse colégio fazia serviços gerais e os seus
donos deixaram seus filhos estudarem sem pagar as mensalidades,
fornecendo-lhes, ainda, os materiais escolares. Percebem-se laços de
sociabilidade e de solidariedade entre esses moradores do centro da cidade de
Três Rios, com melhores condições de vida e o pai de D. Jane, trabalhador,
com muitas dificuldades financeiras, morador da Vila Isabel. Já sua mãe
trabalhava em casa e lavava roupa “pra fora”, como outras mulheres que
faziam o mesmo na Vila. Sua ascendência também era miscigenada. Seus
avós maternos eram mineiros e seu avô paterno, português. De sua avó,
chamada Carola, lembra-se que fora ela quem aforou o terreno da Casa de
Caridade, onde mora hoje, que pertencera aos “escravos”, querendo dizer, aos
libertos da condessa. Sua avó cuidava do lar e era cozinheira famosa de
festas e casamentos. Observamos que, ao descrever o trabalho de sua avó na
preparação da “comida” do casamento, aquela função não era uma mera
atividade ligada a preparar o “alimento” e, sim, um momento de relações
interpessoais que envolvem a “comida”. D. Carola se hospedava na “casa do
casamento” na quinta-feira antes do casamento que aconteceria no sábado.
Gonçalves (2007, p. 182, apud GOMES e DUARTE, p, 175) afirma que
264
A irmã de D. Jane, professora Janete Machado, homenageou a avó
colocando o nome de seu buffet, inaugurado em Três Rios, de “Vó Carola”.
Com essa homenagem, a memória do “saber” da culinária da avó de D. Jane e
da Vila Isabel permanece, pois, ao explicar a origem do nome do buffet,
resgata-se a memória dela, além da memória do bairro, com os seus
casamentos e festas. A história do bairro se mistura às memórias familiares.
Descreve com orgulho os detalhes do quintal com galinheiro, verduras e
frutas plantadas, da casa simples em que vivia com seus pais e irmãos, assim
como a dinâmica nas ruas de terra do bairro, com os “cachorros arruinados” e a
passagem das “boiadas”. Chama atenção, em sua narrativa, os bailes onde
dançava com o Sr. Pipiu, pai de Rossi Meleide, Wilson e Vilma, filho de D.
Ambrozina Bastos no Colônia Esporte Clube (José Martins, tio de D. Jane, era
um dos dirigentes do clube e músico do conjunto que animava o baile) e no
clube Luzo, próximo ao hospital, no centro da cidade. Embora esse clube fosse
mais frequentado por negros, brancos também o frequentavam. No carnaval, o
Colônia Esporte Clube promovia desfiles de carros alegóricos no centro da
cidade. O pai de D. Jane confeccionava máscaras artesanalmente. Como D.
Jane nascera em 1943, a memória desses desfiles se remete à década de
1950. D. Nair também recordara que gostava de assistir aos desfiles de
escolas de samba em Três Rios, quando estava com uns 10 anos de idade,
isto é, por volta de 1937. Novamente, aqui, percebemos laços de sociabilidade
entre os moradores da Vila Isabel e desses moradores com outros segmentos
sociais que moravam no centro de Três Rios.
Nota-se que, D. Jane, por ter se formado em um curso superior, assim
como os seus filhos e netos, reconhece a melhoria familiar em termos
educacionais e econômicos, tendo viajado até para o exterior. Ainda, quanto
aos filhos, uma delas é de “criação”, uma sobrinha de seu pai que necessitou
de ajuda dessa “rede familiar”, característica das camadas populares,
repetindo-se a mesma experiência de “cuidar” e de “ficar” citada anteriormente,
sem uma adoção formal. Sua percepção do desenvolvimento de Três Rios está
ligada primeiramente ao índice de desenvolvimento humano promovido pela
chegada das faculdades, seguida do comércio e indústrias.
O Sr. Aurélio também faz menção a Três Rios como uma cidade que se
modernizou e se desenvolveu por ter muitas fábricas, pela melhoria do aspecto
265
da avenida Beira Rio, pelas melhorias no bairro Vila Isabel quanto ao
asfaltamento, pelo fato de ter existido uma agência bancária nos anos de 1980
e pela chegada das pessoas de classe média. Nota-se que, diferentemente de
D. Jane, sua percepção de modernização e desenvolvimento esteve ligada à
industrialização primeiramente e às obras, discurso que se apresentou ao
longo de nosso trabalho, analisando a ideologia progressista da cidade. Já a
visão de que a presença da classe média na Vila Isabel fora uma melhoria
deve-se ao fato de que aquele lugar pertencera a libertos, um lugar de muita
pobreza, tornara-se um lugar onde puderam conviver juntos os pobres e a
classe média.
Já para D. Maria da Glória, tudo é melhor atualmente, pela existência da
rua, do ônibus, da televisão e pelo fato de ela poder ir à igreja.
Importante destacar as dificuldades de Vilma quanto aos seus direitos
civis, uma vez que o seu direito à aposentadoria foi adiado devido à prática
comum dos empregadores de não legalizar a situação do trabalhador. Isso
ocorria, principalmente, com afrodescendentes, mulheres, pessoas com baixa
escolaridade e com aqueles que, por não terem família ou pertencerem a uma
família com extrema pobreza, eram “criados”, trabalhando na casa da família
em troca de sua subsistência.
Os três irmãos são netos de D. Ambrozina Bastos, filha de uma liberta
da colônia agrícola. Rossi Meleide afirma que sua avó era branca, não negra,
mas filha de escrava com um feitor que era fazendeiro. Os três não sabem
muita coisa de sua família, mas quiseram ser entrevistados para que pudessem
colaborar de alguma forma para a pesquisa. O pouco que sabem sobre a
descendência de escravos fora contado pela mãe que tinha orgulho de D.
Ambrozina e achava aquela história bonita. A sua mãe cuidava muito bem dos
ternos de linho acetinado do seu pai, Sr. Porfírio (Pipiu). Quando ela adoeceu
contraindo tuberculose, ele levava os ternos para serem lavados na lavanderia.
O Sr. Porfírio era frequentador assíduo de cassinos, onde perdera muito
dinheiro e praticamente todas as suas terras. Dançava muito bem o tango125,
125
“As marcas da presença africana são relevantes na cultura Argentina – Tango e o
Candombe. Não deixam,porém, de surgir hipóteses, de que os negros contribuíram, sobretudo
através do candombe, de maneira decisiva para a gênese do tango (tango: bailar em Congo).
O tango, de raízes suburbanas, tem também uma ‘história negra’ que se relaciona com os
266
tendo sido campeão de dança no Clube Atlético Entre Rios (CAER), localizado
no centro de Três Rios. Não trabalhava e dizia que não deixaria nada para
ninguém. Gostava de freqüentar o bar Imperial, considerado por Rossi Meleide
como o bar dos “ricos”. Em sua narrativa, frisa que só se lembra do seu pai
usando ternos elegantes. Percebe-se que o terno de linho que ele usava ficou
muito marcante em sua lembrança. O Sr. Hélio também fala dos ternos de linho
usados pelos descendentes dos libertos, dizendo que os “posseiros” eram
alinhados, que arrendavam as suas terras e as perdiam para os arrendatários
que as registravam nos seus nomes. Na foto do Sr. Feliciano Cerqueira e a foto
de D. Ambrozina com outras pessoas, próximos a uma porteira, os homens
estão de terno ou pelo menos de casaco e chapéu. Vimos anteriormente que
os negros, muitas vezes, assimilavam comportamentos e atitudes dos brancos,
considerados “positivos” por eles. (DOMINGUES, 2002, p. 574) O Sr. Porfírio
dançava o tango ignorando as raízes africanas existentes nessa dança, e
talvez dançasse tão bem por ser afrodescendente. Os ternos de linho tinham
um significado para o Sr. Porfírio e para os outros “posseiros”. O fato de se
vestirem com ternos de linho significava que não trabalhavam em roça, não
eram lavradores, eram os donos da terra. O Sr. Porfírio, mudando-se para as
cidades que possuíam cassinos, jogando, perdendo, vendendo as suas terras
para quitar as dívidas, sabendo que suas terras eram invadidas, não se
importando, significava poder e percepção de ser um grande proprietário de
terras que sustentariam a sua vida de perdulário. O que era verdade, uma vez
que Rosse Meleide afirma que as últimas terras ele vendera em 1974, quando
alcançara os seus 74 anos.
267
Finalizamos as nossas considerações com uma parte das narrativas do
Sr. Hélio e do Sr. Aurélio em que aparecem experiências de solidariedade no
bairro Vila Isabel com a formação do “Grupo dos 13”, em 1992. O Sr. Hélio
narra que sempre pensara em ajudar a comunidade que era grande e formada
por pessoas pobres, sendo a maioria negra. Sua ideia se concretizou com a
formação de um grupo de treze pessoas que passaram a ajudar “os menos
favorecidos” comprando remédios, fazendo sepultamentos, obras de
manutenção em escolas (municipais e estaduais) e no cemitério. Criaram uma
caixa de contribuições cujas doações ajudaram até pessoas de outros bairros.
O Sr. Aurélio fora convidado a fazer parte do clube por ser “filho de uma família
ilustre da cidade”. Das lembranças de sua família, destacamos uma, com
referência à sua avó. Segundo o Sr. Aurélio, D. Bárbara gostava de contar
“estórias mirabolantes”, “lendas”, mas não contava a história dos escravos.
Percebe-se o silenciamento com relação ao passado traumático, ligado à
escravidão. Preferia expressar afeto, sendo meiga, carinhosa, cozinhando um
excelente feijão para o seu neto a rememorar o passado escravocrata.
Sendo neto de libertos, fora chamado, então, para fazer parte do “Grupo
dos 13” pelo Sr. Hélio, pelo Sr. Valdir, conhecido como Valdir “bola branca” e
por um senhor chamado Walter Jerônimo. O grupo se formara com a intenção
de acionar uma rede de socorro mútuo nas mais diversas situações, prática
adotada comumente em grupos de camadas populares existentes nas regiões
mais pobres do país ou entre redes familiares. (GOMES e DUARTE, 2007, p.
172-173)
268
CONCLUSÃO
269
Depois que as terras da colônia esgotaram-se para o café, não
proporcionando lucros à Irmandade, seja com a sua administração, seja com a
de um arrendatário, não houve interesse na manutenção da mão de obra dos
colonos naqueles lotes. Esgotou-se o solo, a expansão de cultivo não era mais
possível, devido ao fechamento da fronteira agrícola. Assim, mantidas as
formas de produção e com a queda do preço do café, restou o aforamento com
a tentativa de retirada dos libertos e de seus descendentes da terra.
No período pós-abolição, os afrodescendentes não construíram o seu
aprendizado necessário para a vida nas cidades, pois não foram contemplados
com uma política social que promovesse a igualdade na competição com
imigrantes ou trabalhadores livres nacionais. Enfrentaram, ainda, a ideologia do
embranquecimento, a qual atingiu as populações oriundas do escravismo.
O distrito de Entre Rios sofreu transformações, modernizou-se. Estas
eram metas almejadas pela sociedade brasileira, a partir da década de 1930.
As palavras de ordem eram “progresso” e “desenvolvimento industrial”. Como a
colônia agrícola Nossa Senhora da Piedade pertencia a um passado agrário,
escravista, sofreu o silenciamento, o esquecimento no processo de construção
da história moderna e desenvolvimentista da cidade de Três Rios, tornando-se
palco de conflitos e especulações imobiliárias. Nos anos de 1940, a colônia
agrícola se transformou em bairro Colônia ou bairro da Colônia, considerado
próspero e populoso, integrou-se à zona urbana através dos aforamentos e
recebeu um povoamento, que modificou o espaço e as atividades
desenvolvidas naquele lugar.
Nos discursos dos sujeitos através dos jornais ou nas atas da Câmara
Municipal de Três Rios, os colonos desaparecem por completo, apagando-se o
seu passado e, consequentemente, os seus direitos quanto às terras. Contudo,
em setembro de 1940, a Sra Ambrozina de Lima Bastos liderou um grupo de
descendentes dos libertos para iniciar uma Ação de Usucapião no Cartório do
1º Ofício da Comarca de Paraíba do Sul. Sabendo de suas origens, por meio
das lembranças de suas famílias, das gerações anteriores, lutaram contra o
esquecimento, lutaram pelos seus direitos.
As “lembranças subterrâneas” emergiram com força e forçaram a Casa
de Caridade a reagir em um processo durante dez anos, uma vez que esta se
esquecera da sua função e de uma das razões da sua existência: passados os
270
cinquenta anos de sua administração, a colônia ficaria emancipada para que os
libertos e seus descendentes partilhassem entre si as terras.
A Irmandade ou Casa de Caridade tentou expedir o Formal de Partilha e
registrar os imóveis deixados pela condessa, antes da resolução do processo,
mas os descendentes dos libertos venceram a Ação de Usucapião, celebrando,
em 18 de abril de 1950, o aforamento direto.
Embora o povoamento e as redes de relacionamentos ocorressem no
bairro de forma pacífica, alegre, festiva, com os eventos promovidos pelo Clube
Colônia, através de seus moradores, e as obras o deixassem mais “aprazível”,
prometendo tornar-se “um dos mais progressistas”, conforme analisado nos
jornais, o bairro também teve tensões, segundo os discursos dos vereadores
de Três Rios e as memórias dos entrevistados.
Em 22 de janeiro de 1951, a discussão na Câmara girava em torno da
desapropriação de terras no bairro Colônia para construção de casas
populares. Os vereadores discutiram sobre as terras, ora referindo-se a estas
como “Colônia”, ora como “bairro Colônia”. Informaram que, no governo do
prefeito Walter Francklin, este havia tentado, através de Decreto-Lei,
desapropriá-las e não obteve sucesso. O vereador Joaquim Ferreira julgou ser
inconveniente e insegura a propriedade da Colônia, por ser considerada “terra
de ninguém”. Segundo ele, não se conheciam os seus donos. Além disso, seria
uma terra antipatizada pelos trabalhadores. De acordo com o vereador João
Silveira, a Casa de Caridade tinha se tornado a legítima proprietária. Mesmo
sabendo disso, defendia a desapropriação das terras.
Os descendentes dos libertos que venceram a Ação de Usucapião em
1950, um ano depois, não eram nem citados na discussão. “Terra de ninguém”
era o termo empregado para falar de um espaço que possuía 67 anos no total
de sua história iniciada em 1884, com a fundação da colônia.
O posicionamento dos políticos em Três Rios, após a sua emancipação
em 1938 da cidade de Paraíba do Sul, era de negar o poderio da Irmandade de
Nossa Senhora da Piedade, que influenciava a organização territorial da
cidade, refletindo na sua administração e na sua economia.
A memória e a história dos descendentes dos libertos no bairro Colônia
sofreu mais um golpe ocasionando o seu esquecimento, a sua negação
quando, em 1951, o seu nome foi trocado para Vila Isabel. O nome
271
“embranquecido” pela homenagem à princesa redentora contribuiu para o
silêncio sobre o seu passado.
Esse passado permaneceu obscurecido, mas as memórias imersas nos
documentos, nos periódicos e nas lembranças de alguns afrodescendentes e
moradores mais antigos da Vila Isabel foram trabalhadas no sentido de vencer
o “esquecimento” e o “silêncio”, como também de registrar essa trajetória na
tentativa de construir um processo visando à transformação.
Essa transformação à qual estamos nos referindo, consiste na forma
como os afrodescendentes veem o seu passado. Percebe-se que muitos
preferem continuar em silêncio.
Sendo assim, terminamos este trabalho com a certeza de que a
memória dos afrodescendentes na Vila Isabel pode ser tema de pesquisas
posteriores, pois, apesar do nosso esforço e de nossas tentativas de buscar
elementos que pudessem enriquecer mais ainda esta tese, não conseguimos
retirar do “silêncio” e das “memórias traumáticas” todas as “lembranças” que
queríamos para que o assunto se aprofundasse ainda mais. Contudo, a
memória e a história dos descendentes dos libertos da Colônia Agrícola de
Nossa Senhora da Piedade encontram-se registradas e, assim, espera-se que
sejam valorizadas, compreendidas, nos vários aspectos que apresentamos
aqui. Com isso, o conhecimento construído pretende contribuir para renovar
pontos de vista, em um comprometimento com as novas gerações, no sentido
de reconhecer as trajetórias de vida de seus ancestrais como um passado de
luta, de resistência, de conquistas, entre outros para possuírem uma nova
maneira de pensar o mundo. Como nos disse Barros (2009, p. 221): “É dotar
essa identidade de força política, de valor social, de pujança cultural.”
272
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Célia Marinho. Onda negra, medo branco. Rio de Janeiro: Ed.
Paz e Terra, 1987.
273
CHAUÍ, Marilena. Cidadania Cultural. O direito à cultura. São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo., 2006.
COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 4ª edição. São Paulo: Editora
UNESP, 1997.
274
sanjoanenses (1871-1889). Dissertação de Mestrado. São João Del-Rei:
PGHIS/UFSJ, 2011.
JORGE, Cinara. Pioneiros dos três rios. A Condessa do Rio Novo e sua
gente. Três Rios: Gráfica e Editora Boa União, 2012.
275
_____________________e SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra
Prometida. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999.
MOTTA, José Flávio. Corpos escravos vontades livres. São Paulo: FAPESP,
1999.
REIS, João José. A morte é uma festa. São Paulo: Companhia das Letras,
1991.
______________e SILVA, Eduardo. Negociação e Conflito. A resistência
negra no Brasil escravista. São Paulo: Cia das Letras, 1999.
RIBEIRO, Rosângela de Fátima Campos. Três Rios (RJ) – A crise dos anos
80 e o mito da “Esquina do Brasil”. Niterói: UFF-Dissertação de Mestrado
em Geografia, 2009.
276
RIOS, Ana Lugão e MATTOS, Hebe. Memórias do Cativeiro: família,
trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2005.
277
TEIXEIRA, Ezilma. Aprendendo Nossa Terra. Três Rios: Editar Editora
Associada, 2004.
FONTES
a) Documentos Manuscritos:
278
Escritura de Doação - D. Nair Pereira de Oliveira – entrevistada em
06.03.2012.
b) Publicações Oficiais
c) Endereços eletrônicos:
279
BOTELHO, Tarcísio R. População e espaço nacional no Brasil do Século
XIX. Belo Horizonte. Cadernos de História, v. 7, n. 8, p. 67-83, 2º sem, 2005.
Disponível em:
periodicos.pucminas.br/índex.php/cadernoshistoria/article/view/1720. Acesso
em: 26.09.2014.
280
(3):424, setembro-dezembro/2008. Disponível em:
www.scielo.br/pdf/ref/v16n3/15.pdf . Acesso em: 09.04.2013.
281
www.artigonal.com/direito-artigos/formal-de-partilha-1522841.html. Acesso em:
12.06.2013.
www.cna.pt/artigostecnicos/filipesaruga/06%20vtjulho2002_filipesaruga.pdf.
Acesso em: 12.11.2014.
http://estoriasdahistoria12.blogspot.com.br/2013/10/as-transformacoes-na-vida-
urbana-o.html . Acesso em: 04.11.2014.
www.patrimoniofluminense.rj.gov.br/patrimonio-cultural/capela-nossa-senhora-
da-piedade-tresrios/ . Acesso em: 15.06.2013.
http://pt.slideshare.net/coopermoda/tecnologia-textil-apostilha-tecnica Acesso
em: 08.10.2014.
282
ANEXOS
Fonte: MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: Conflitos de Terra e
Direito Agrário no Brasil de Meados do Século XIX. Campinas: UNICAMP, 1996.
283
ANEXO II – Parte do Caminho Novo para Minas
Fonte: MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: Conflitos de Terra e
Direito Agrário no Brasil de Meados do Século XIX. Campinas: UNICAMP, 1996.
284
ANEXO III – Mapa da Província do Rio de Janeiro - 1830
Fonte: MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: Conflitos de Terra e
Direito Agrário no Brasil de Meados do Século XIX. Campinas: UNICAMP, 1996.
285
ANEXO IV – Área do Caminho Novo para Minas
Fonte: MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: Conflitos de Terra e
Direito Agrário no Brasil de Meados do Século XIX. Campinas: UNICAMP, 1996.
286
ANEXO V – Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro – 1858/1861
Fonte: MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: Conflitos de Terra e
Direito Agrário no Brasil de Meados do Século XIX. Campinas: UNICAMP, 1996.
287
ANEXO VI – Tabela de Dados de Escravos Fugitivos – 1868/1869
288
gratificação de
50$000.
Mariano João Bemposta Crioulo, 18 anos de Quem o Edição de
Pereira idade, baixo, apprehender 31.10.1868.
de Souza magro, cara fina e receberá a Fugiu em
Guima- olhos pequenos; é quantia de 29.10.1868.
Rães natural de 50$000.
Guaratyba; levou
uma manta de lã,
uma camisa de
algodão (usada), e
calça e camisa de
riscado escuro.
João e Innocen- Fazenda -Mulato claro, 40 Desconfia-se Edição de
Ignácio cia Retiro annos (mais ou que seguisse 11.11.1868.
Mineiro Pereira menos), estatura para Pitangui. Fugiram
Xavier mais que ordinária, Gratifica-se em
Rabello cheio de corpo, bem a quem os 08.11.1868.
pouca barba, apprehender e
cabello annellado, entrega-los na
e não encara para referida
quem falla. fazenda, ou na
-Cabra escuro, sem Corte, à Albino
barba, alto e Lúcio de
magro, rosto Figueiredo
comprido, olhos Lima, na rua
vivos, 25 annos de dos Pescados,
idade (mais ou 95.
menos), natural da
cidade de Pitangui
(em Minas), onde
tem parentes; foi
alli escravo do
fallecido capitão
Bernardo Xavier
Rabello; tem um
pequeno papo no
pescoço.
Firmino Domin- Fazenda Natural de Sergipe, É provável que Edição de
gos José das com 25 anos de tenha fugido 12.12.1868.
de Laranjeiras idade (pouco mais para a Corte; Fugiu em
Santanna em Entre- ou menos), côr onde já foi 05.12.1868.
Rios preta, sem barba, preso uma vez
estatura alta, na rua do
reforçado de Aterrado. Quem
corpo, peito largo; o apprehender
tem uma orelha e levar a seu
furada e pés senhor, no
grandes; levou lugar acima, ou
uma argola no na Corte, à
pescoço, a qual já Albino Lúcio de
deve ter tirado, e Figueiredo
uma carapuça de Lima, à Rua
preto do ganho. dos Pescados,
95, receberá a
gratificação de
50$000.
Felippe e João Sant’Anna -De nação, idade 35 Estes escravos Edição de
Daniel Domin- do Deserto a 38 annos, pertencerão a 10.07.1869.
gos dos estatura regular, fazenda de
289
Santos bem reforçado, Ericeira, onde
beiços grossos e foram
falla atrapalhada, arrematados
pés bastante altos em praça.
e cumprido, sem Quem os
barba; levarão apprehender e
roupa. levá-los a seu
-Creoulo do Norte, senhor no lugar
idade 35 a 38 acima indicado,
annos, baixo, será gratificado
bastante barba, com a quantia
pés pequenos e um de 50$.
pouco cambeta, em
uma das pernas
tem um signal de
queimadura, côr
retinta e bem
falante.
290
baeta azul.
Marcos Francisco Morador do Côr preta, altura Quem o Edição de
Gonçal- município regular, barba no apprehender e 24.11.1869.
ves de Valença queixo, e tem no leva-lo a seu Fugiu em
Portugal corpo alguns senhor em sua 15.11.1869.
signaes de castigo. fazenda, será
gratificado.
Bento Guilher- Areal De nação Quem o Edição de
me (União e Inhambane, com apprehender 08.12.1869.
Benjamin Indústria) signaes da mesma será bem Fugiu em
e de bexigas; é de gratificado. 06.12.1869.
estatura baixa,
costuma trocar seu
nome e o de seu
senhor.
José, Luiz Registro do -Oficial de Quem os Edição de
Miguel e Cordeiro Parahybuna carpinteiro, pardo apprehender e 22.12.1869.
Laurindo do Couto escuro, 40 annos entregar nesta Fugiram
de idade, com falta Villa a seu em
de dentes, corpo dono, ou José 15.12.1869.
regular e rosto Dionísio
descarado. Ribeiro do Val,
-Preto de roça, ou na Corte aos
arreiador, 30 e Srs. Francisco
tantos annos de Nogueira e
idade, corpo bem Comp., ou
reforçado, barba delles der
cerrada e olhos notícias certas
grandes. será bem
-Idade 27 anos, gratificado.
pardo escuro,
corpo regular, bem
fallante de roça e
faz telha; levarão
diversas
qualidades de
roupas.
João e Luiz Freguesia -Creoulo, alto, Ambos forão Edição de
Martinho Vieira da de cheio de corpo, comprados ao 22.12.1869.
Costa Bemposta falla mansa, olhos Sr. Pinto Braga Fugiram
Machado vermelhos, barba morador no em
não muito cerrada, Maçambará. 19.12.1869.
idade 35 a 40 anos; Gratitica-se
levou roupa de bem a quem os
algodão de Minas, apprehender e
barrete de lã e leva-los a seu
japona de baetão. senhor, ou na
-Creoulo, official de Corte aos Srs.
pedreiro, baixo, Firmino
grosso, pouca Caetano do
barba, aspecto Valle e Irmão.
sisudo, olhos
pequenos, pernas
arcada para fora,
pouco falante,
idade 28 a 34
annos, levou
camisa de riscado,
calça azul, japona
de baetão, chape
291
pequeno, preto já
usado.
Marianno Antonio Bemposta Moçambique, Quem o Edição de
José de estatura regular,
apprehender e 22.12.1869.
Souza corpo reforçado,leva-lo ao dito Fugiu em
rosto comprido, Sr. Na sua 13.12.1869.
côr fula, pés
fazenda será
grandes, foi
bem
vestido com roupa gratificado, e
de algodão de
protesta-se
Santo Aleixo tinto e com todo o
chapéu preto de rigor da lei
lebre. contra quem o
tiver acoutado.
Cesário José Sítio de S. Congo, altura Quem o Edição de
Antonio Lourenço, regular, côr fula, apprehender e 22.12.1869.
de Souza freguesia bons dentes, leva-lo ao Fugiu em
Mello de pouca barba, pés referido sítio ou 11.12.1869.
Bemposta pequenos e bem nesta Villa, será
feito de corpo, bem
idade 40 annos. gratificado,
protestando-se
com todo o
rigor da lei
contra quem o
tiver acoutado.
Relação de escravos fugitivos noticiados no Jornal Parahybano entre Julho a Dezembro
de 1868 e Julho a Dezembro de 1869.
292
ANEXO VII – Tabela de Dados de Escravos Fugitivos – 1873/1874
293
Tavares seguintes: idade levar à dita Fugiu em
25 annos, sem fazenda será 26.02.1873.
barba, côr fula, gratificado.
pizando um pouco
zambo, levou
vestido calça de
algodão preta e
camisa branca...o
n. 40 de tinta
vermelha.
Domingas Antonio Fazenda de Crioula da Corte, Quem a Edição de
Maria S. Joaquim de idade de 25 aprehender e 27.03.1873.
Duguet da Várzea, annos, pouco mais levar a dita Fugiu em
freguesia de ou menos, alta, fazenda será 20.03.1873.
Santo côr fulla, falla bem
Antonio da pouco, rosto sobre gratificado, ou
Encruzilhada o comprido e bem quem der
parecida, orelhas notícia certa
bastante onde se acha,
pequenas, e protestando-se
quando anda é um com todo o
tanto periquita; rigor da lei
deve ter na mão contra quem a
esquerda signal de tiver acoutado,
um leicenço e por prejuízos,
recentemente perdas e
curado sobre a damnos, e 5$
junta do dedo diários desde o
polegar, foi dia da fuga.
mucama e é
actualmente de
serviço de roça;
costuma pitar
cachimbo, e fugio
com saia de
muscla azul,
camisa de algodão
de Santa Catharina
e lenço amarrado
na cabeça; tem
cabelo curto,
braços grossos, e
cintura delgada e
comprida;
desconfia-se que
foi seduzida, por
ter fugido sem
motivo algum.
Norberto Caetano Campo da Natural de Quem o levar a Edição de
José Pereira Grama Pernambuco, seu senhor ou 10.04.1873.
signaes seguintes, em casa dos Fugiu em
altura mediana, Srs. Moreira & 25.03.1873.
corpo regular, tem Ramos será
a perna direita gratificado.
torta para dentro,
dentes claros,
cara redonda, côr
preta, falla bem,
tem alguns
signaes de feridas
294
nas pernas, levou
vestido roupa de
algodão de S.
Aleixo.
Manuel José Alves Sítio Recreio Pardo, idade de 26 Quem o Edição
da Cruz ou Fazenda annos, com os aprehender e 20.04.1873.
de Santa signaes seguintes: leval-o a seu Fugiu em
Izabel cabello anelado, senhor, na 14.04.1873.
bonito de feições, fazenda acima,
peito robusto e receberá uma
largo, tem um gratificação.
pequeno signal em Protesta-se
uma das faces, com todo o
com princípio de rigor da lei
barba, tem uma contra quem o
perna um pouco tiver acoutado..
torta, pés grandes
e cicatrizes de
pancada nas
costas, levou
chapéu de lebre
preto, roupa
ordinária de
algodão, e uma
faca grande.
Pedro Dr. Bernardo Fazenda de Pardo, de 26 Gratifica-se Edição de
Germano Alves Santo annos, baixo, bem com a quantia 27.04.1873.
Pereira Antonio feito de corpo, de 50$000 a
acaboclado, quem o trouxer
cabellos grandes e na fazenda.
lisos, barba
raspada, bigode
grosso e crescido,
bem fallante, bons
dentes, é natural
do Pará, pagem e
copeiro. Levou
calça azul, paletol
de panno piloto
grosso, chapéo de
palha amarello,
com fita preta
larga, foi descalço,
mas costuma
andar calçado.
Manoel João Gomes Fazenda do Nação Quem o Edição de
de Aguiar capitão João Moçambique, prender e levar 11.05.1873.
Gomes de altura regular, côr à casa de seu Fugiu em
Aguiar fula, barba no dono, será bem 28.04.1873.
queixo (pouca), gratificado.
bem fallante, no
rosto tem algumas
espinhas,
provenientes das
bôbas que sofre,
foi vestido com
camisa de riscado
azul (desbotada), e
calça de algodão
mineiro. Tem de
295
idade 40 annos.
Bueno D. Maria Fazenda de Creoulo, cujos Gratifica-se Edição de
Joaquina da Santo Elias signaes são os com 50$000a 05.07.1873.
Encarnação seguintes: quem o trouxer
estatura alta, bem a esta Fazenda
falante, côr fula, ou delle der
má dentadura, notícia certa e
olhos grandes, protesta-se
bem feito de corpo com todo o
e pés, idade 30 rigor da lei
annos mais ou contra quem o
menos e tem o tiver acoutado.
vicio de
embriaguez; levou
vestido roupa toda
nova sendo calça
de casineta de
xadrez, paletol da
mesma fazenda ou
de brim, camiza de
morim ou de chita,
chapeo de lebre e
prezume-se andar
calçado.
Manoel D. Luiz Estava com Moçambique, 50 Já foi preso em Edição de
Emerenciana José Luiz annos, alto, Parahyba do 06.07.1873.
de Jesus- Pereira, na magro, cabello Sul, indo de
Juiz de Fora Rua dos raro, rosto, passagem de
Andradas, braços, e pernas outra vez que
143 – Rio de compridas, fugio, quem
Janeiro orelhas e bocca der notícias
grandes, falla certas será
grossa e pausada, generosamente
gesto risonho, gratificado.
pisa devagar por
sofre de
rheumatismo nos
pés.
Vicente José Pinto Sítio Idade presumível Quem o Edição de
da Cunha Palmyra, 20 annos, altura aprehender 20.07.1873.
Fernandes perto da regular, rosto será bem
estação da redondo, cabeça gratificado.
Serraria chata e tem barba,
tem as pernas um
pouco arcadas, e
falla muito manso.
Foi comprado há 2
mezes.
Joze, Manoel Joze Fazenda do Nação Benguela; O seu senhor Edição de
Pedro, Alves de Passa- Nação Rebolo; gratificará a 14.08.1873.
Frederico Carvalho tempo, Nação Benguela; quem os Fugiram em
e Jacintho freguezia de Nação Cabinda. trouxer à sua 03.081873.
Santo fazenda.
Antonio da
Encruzilhada
Augusto Manoel Boca do Crioulo, côr preta, Quem o Edição de
Moreira de Fogo altura regular, fino mesmo 17.08.1873.
Azevedo de corpo, sem aprehender e Fugiu em
barba, idade 25 levar ao lugar 09.08.1873.
annos pouco mais acima
296
ou menos. mencionado,
gratifica-se
com a quantia
de cincoenta
mil reis,
fazendo as
despezas do
transporte do
mesmo ao dito
lugar.
Messias e Tenente Fazenda Crioulo, idade 25 a Quem os pegar Edição de
José Coronel Santa Clara, 30 annos, estatura e levar a seu 16.11.1873.
João José município de alto, muito senhor na dita
Vieira Santa fallante, tocador fazenda, ou no
Thereza de de viola, falta um Rio de Janeiro;
Valença dente na frente, ao Sr. Albino
andar de periquito. Lucio de
Pardo, pouca Figueiredo
barba no queixo, Lima, receberá
cabellos a gratificação
emgrinhados, de 200 mil réis.
dentes limados e
pontudos.
Eulália Francisco Fazenda de Desappareceu a Quem a pegar Edição de
Gonçalves Santa sete mezes mais e levar à 01.01.1874.
Portugal Innocencia ou menos, fazenda acima
estatura regular, e será
um pouco gratificados
corcunda, olhos com a quantia
gazeos, tem uma de 100$000.
verruga ao lado do
nariz, uma brexa
velha na cabeça, é
nascida na cidade
da Parahyba do
Sul.
Benedicto José Fazenda de Côr preta, baixo e Quem o Edição de
Cordeiro do João reforçado, tem prender e levar 11.01.1874.
Couto Jacintho do bigodes e barba à dita fazenda
Couto no queixo, olhos terá 50$000 de
pequenos, andar gratificação.
miúdo.
Relação de escravos fugitivos noticiados no Jornal “O Agricultor” entre Janeiro a
Agosto de 1873 e Dezembro de 1873 a Janeiro de 1874.
297
ANEXO VIII – Trechos do Artigo sobre a Colônia de Nova Lousã
Jornal “O Agricultor”
[...] Nada podemos esperar de um povo tão estacionário, tão alheio aos
progressos da humanidade, tão supersticioso e mal educado; além de tudo
entendemos que é o nosso rigoroso dever e interesse estabelecer por uma vez
o predomínio da raça caucásica – mais inteligente, industriosa, progressiva do
que todas as outras. [...] (Jornal “O Agricultor”, de 10.04.1873)
298
[...] Mas não devemos deixar de lembrar também que a escolha de colonos
contribue muito para a prosperidade ou não prosperidade de uma colônia. [...]
[...] Convém pois chamar ao Brasil a emigração alemã, suissa, hollandeza, não
somente por serem filhos destas nações muito dedicadas ao trabalho, e de
costumes muito sérios, mas principalmente por serem elles os que mais se
dedicam a industria agrícola, e em mais subido grao possuem todos os
predicados de um bom agrônomo. [...]
Systema de parceria
[...] Todos os que tem combatido a colonização para o Brazil tem dirigido os
seus principaes ataques contra o systema de parceria, como querendo achar
nelle as causas principaes que possão ter contribuido para o pouco
desenvolvimento da colonisação, sustentando sempre ser este methodo o mais
apto a escravisar os colonos, que chegassem ao Brazil. É pois o nosso fim
299
combater essas idéias, por estarmos convencidos que são ellas inteiramente
errôneas. [...] (Jornal “O Agricultor”, de 19.06.1873)
Colônia
300
ANEXO IX – Relação dos Escravos Declarados Livres da Fazenda de
Cantagalo
O Barão de Entre Rios, morador neste município, communica; a essa
Collectoria, na qualidade de Primeiro Testamenteiro de sua fallecida
irmã a Condessa do Rio Novo que, por testamento desta, aberto em 8
de julho de 1882 forão declarados livres todos os seus escravos
constantes da relação abaixo.
A Saber:
301
Janeiro
6.563 Ignácia Parda 52 anos Casada África Lavoura
6.564 Fortunata Preta 39 anos “ Rio de “
Janeiro
6.565 Maria “ 32 anos Solteira Minas “
6.566 Rita “ 34 anos “ Rio de “
Janeiro
6.567 Francelina “ 45 anos “ “ “
6.569 Anastácia “ 35 anos “ “ “
6.571 Domingas “ 39 anos “ “ “
6.572 Luiza Maria Parda 40 anos Casada “ “
6.573 Alexandrina Preta 30 anos Solteira “ “
6.574 Jeronyma “ 28 anos “ “ “
6.575 Amália “ 60 anos “ “ “
6.576 Felicidade “ 34 anos “ “ “
6.577 Custódia “ 33 anos “ “ “
6.578 Carolina “ 50 anos Casada África “
6.583 Laurinda “ 35 anos Solteira Rio de “
Janeiro
6.584 Ludugena “ 28 anos “ “ “
6.585 Carlota “ 29 anos “ “ “
6.586 Anna “ 47 anos Casada “ “
6.587 Perpétua “ 52 anos Solteira África “
6.588 Luzia “ 60 anos Casada “ “
6.589 Anninha “ 37 anos Solteira Rio de “
Janeiro
6.590 Brígida “ 54 anos “ África “
6.591 Felisberta “ 56 anos Casada “ “
6.592 Faustina “ 53 anos Solteira “ Serv.
Doméstico
6.593 Bonna “ 25 anos “ Rio de Lavoura
Janeiro
6.595 Carlota “ 32 anos “ “ “
6.596 Dorothéa “ 50 anos “ África “
6.597 Eva “ 40 anos “ Rio de “
Janeiro
6.598 Albana “ 55 anos “ África “
6.599 Rozaria “ 33 anos “ Rio de “
Janeiro
6.600 Luiza “ 60 anos Casada “ “
6.602 Claudina “ 50 anos Solteira “ “
6.603 Leocádia “ 37 anos “ “ “
6.605 Izidora “ 32 anos “ “ “
6.606 Maria “ 33 anos “ “ “
Felicidade
6.607 Antonia “ 29 anos “ “ “
6.608 Fausta “ 50 anos “ África “
6.609 Joanna “ 22 anos “ Rio de “
Janeiro
6.610 Hortencia Preta 20 anos Solteira “ Lavoura
6.611 Luminata Preta 23 anos Solteira Rio de Lavoura
Janeiro
6.612 Perciliana “ 23 anos “ “ “
6.613 Guilhermina “ 20 anos “ “ “
6.614 Bárbara Parda 20 anos “ “ “
6.615 Cecília “ 17 anos “ “ “
6.616 Felisberta Preta 14 anos “ “ “
6.617 Paulina “ 14 anos “ “ “
302
6.620 Simphronia Preta 11 anos Solteira Rio de Lavoura
Janeiro
6.624 Ângela Preta 51 anos Solteira “ Lavoura
6.627 João “ 48 anos Solteiro África Feitor
6.628 João “ 50 anos “ Rio de “
Janeiro
6.629 José Parda 41 anos “ “ Carpinteiro
6.630 Manoel “ 46 anos “ “ Cocheiro
6.631 Luiz “ 43 anos “ Maranhão Carpinteiro
6.632 Martinho Preta 49 anos “ “ “
6.634 Serafim “ 52 anos “ Rio de Pedreiro
Janeiro
6.635 Firmo “ 55 anos Casado África “
303
6.690 Anacleto Preta 37 anos Solteiro Rio de Lavoura
Janeiro
6.691 Felício Preta 71 anos Solteiro África Lavoura
6.693 Adão “ 31 anos “ Rio de “
Janeiro
6.694 José Pires “ 48 anos “ Bahia “
6.695 Luiz Catrais “ 53 anos “ África “
6.696 Manoel “ 30 anos “ Rio de “
Janeiro
6.697 Thimoteo “ 26 anos “ “ “
6.698 Venâncio “ 26 anos “ Bahia “
6.699 Salomão “ 25 anos “ Maranhão “
6.700 Bernardino Parda 28 anos ‘ Rio de “
Janeiro
6.701 Firmino Preta 24 anos “ Bahia “
6.702 Affonso “ 26 anos “ Rio de “
Janeiro
6.711 Alfredo “ 22 anos “ “ “
6.712 Pacomio “ 22 anos “ “ “
6.713 Romão “ 23 anos “ “ “
6.715 Roque “ 23 anos “ “ “
6.716 Eleodoro Parda 20 anos “ “ “
6.717 Procópio Preta 19 anos “ “ “
6.718 Feliciano Parda 17 anos “ “ “
6.719 Emygdio “ 15 anos “ “ “
6.720 Ladislao “ 13 anos “ “ “
6.722 Jenoviano “ 11 anos “ “ “
6.723 Anfrisio “ 12 anos “ “ “
6.724 Leandro Preta 11 anos “ “ “
6.726 Euzébio “ 32 anos “ “ “
6.727 Luiz “ 70 anos “ “ “
13.864 Luiz “ 65 anos “ Minas “
Creoulo
13.865 Antonia Parda 34 anos “ “ Serv.
Doméstico
13.866 Luiza Preta 30 anos “ “ Lavoura
13.867 Maria “ 35 anos “ Rio de “
Beatriz Janeiro
6.581 Cherubina Parda 24 anos “ Minas “
95 Joaquim “ 29 anos “ - “
1.026 Amâncio “ 28 anos “ - “
750 Benedicto Preta 26 anos “ - “
373 Roque Cabra 22 anos “ - “
946 Epifanio Parda 21 anos “ - “
709 Benedicto “ 18 anos “ Creoulo “
146 Venceslao Cabra 18 anos “ “ “
192 Joaquim “ 17 anos “ Ceará “
561 Mathias Parda 17 anos “ Paraíba do “
Norte
311 Cyriaco Pardo 16 anos Solteiro “ Lavoura
332 José Cabra 17 anos Solteiro Paraíba do Lavoura
Norte
17.843 Antonio Preta 29 anos “ Creoulo “
13.113 Maurício Parda 17 anos “ “ Cozinheiro
2.362 Bernarda Preta 46 anos “ África Lavoura
2.379 Felizarda “ 53 anos “ “ Cozinheira
2.389 Hortência “ 23 anos “ Rio de Lavoura
Janeiro
304
2.395 Laurinda “ 49 anos Solteira África “
2.396 Lourença Preta 50 anos “ África Lavoura
2.398 Luiza “ 54 anos “ “ Engomadeira
2.403 Maximiana “ 51 anos “ Rio de Lavoura
Janeiro
2.405 Minelvina “ 21 anos “ “ “
2.409 Perpétua “ 50 anos “ África Lavoura
2.412 Pacífica Parda 23 anos “ Rio de “
Janeiro
2.415 Roza Preta 49 anos “ África “
2.424 Theodora “ 21 anos “ Rio de “
Janeiro
2.425 Flauzina Parda 26 anos “ “ “
2.443 Felisbina Preta 10 anos “ “ “
2.444 Maria Parda 10 anos “ “ “
Salomé
18.183 Affonso Preta 38 anos “ Bahia Alfaiate
479 Guilherme Parda 35 anos “ Minas Cozinheiro
8.933 Francisco Preta 50 anos “ De Nação Lavoura
Fonte: Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho, Condessa do Rio
Novo.
305
ANEXO X – Relação dos Ingênuos da Fazenda de Cantagalo
306
ANEXO XI – Relações do acrescentamento dos Ingênuos; dos Escravos
Libertados; dos Escravos Falecidos; e dos Ingênuos Falecidos da Fazenda de
Cantagalo
307
Nº de Nomes Cor Data da Filiação Falecimento
Matrícula Matrícula
120 Caridade Preta 26.04.1872 Rita 6.566 07.10.1875
3.033 Máximo Parda 30.06.1876 Joaquina 06.08.1877
6.582
4.948 Sabino Preta 03.01.1880 Sebastiana 10.01.1881
6.570
5.104 Thomaz “ 03.05.1880 Felicidade 30.03.1881
6.576
5.183 Antonio Parda 10.06.1880 Perciliana 14.12.1880
6.554
Relação dos ingênuos falecidos
Fonte: Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho, Condessa do Rio
Novo.
308
ANEXO XII – Nota do Jornal “Gazeta de Notícias”
309
O sistema de parceria, assim organizado, dá os melhores frutos. Os libertos
têm-se mostrado dedicados ao trabalho e muito disciplinados, honrando a sua
nova condição. Não há notícia de delito perpetuado na colônia, nem queixa
contra a lisura com que os antigos escravos têm vindo trazer à sede do
estabelecimento o café que colhem.
Segundo a vontade da doadora, fundou a Irmandade nas casas da fazenda um
hospital para os antigos escravos e quaisquer pessoas pobres.
Este estabelecimento cujo serviço médico se acha a cargo do Sr. Dr. Joaquim
Dias da Rocha, conta agora 21 doentes. [...] (30.10.1882, p. 2; JORGE, 2012,
p. 93 a 95)
310
ANEXO XIII – Boletim nº 3 da Sociedade Central de Imigração - RJ
A Colônia de Nª Sª da Piedade
312
Por estes factos fidedignos, se evidenciará que estamos na Colônia de
N. S. da Piedade um pouco longe das prophecias apocalypticas, que sempre
precedem as reformas profundas.
3º - Não se queixa a administração da colônia de que um único dos libertos
haja sonegado sequer, quanto mais roubado um grão de café, que elles
colhem, e que devem levar ao benefício industrial. Não se queixam os próprios
libertos uns dos outros, da subtracção de objetos de seu uso, de seu cultivo ou
de instrumentos de seu trabalho. Não se queixa nenhum visinho, nem ninguém
da povoação, quer habitante fixo, quer viajante, de que os libertos da colônia
tenham retirado objectos alheios, nem os viajantes se podem queixar de que
elles lhes peçam cousa alguma, e menos que se entreguem à mendicidade nas
ruas e estradas, ou em iludir alguém com trapaças ou armadilhas à boa fé.
Quando visitamos a colônia, os homens achavam-se pela maior parte,
nos trabalhos do campo e as mulheres em casa, occupando-se dos filhos e da
sua economia doméstica, rudimentar e mais que modesta ainda.
Penetramos em algumas habitações e reconhecemos o contentamento
dos colonos por sua nova condição, mas todos se queixavam do que todos se
queixam...da escassez de meios para realizarem seus desejos de
melhoramentos.
Antes da libertação e da constituição da colônia, apezar da extrema
bondade da Condessa do Rio Novo, só havia 8 casaes legítimos na fazenda;
depois, porém de 20 de janeiro de 1883 até hoje, dentro de espaço de um
anno, ou desde a épocha em que foi constituída a colônia, realisaram-se mais
62 casamentos, a mor parte logo após a constituição da colônia, prefazendo ao
todo 70 casamentos, ficando portanto a maioria dos colonos constituída em
famílias legaes e legitimando assim seus filhos aqueles que já os tinham antes
do casamento.
A influência da constituição da família entre elles tem operado em todo
sentido, do modo mais animador e salutar. Seu modo de tratar com o director e
com as pessoas estranhas à colônia é todo cheio de respeito.
No domingo, após o dia da nossa visita à colônia, tivemos occasião de
ver muitos colonos limpos e satisfeitos.
Convém notar-se que a colônia de N. S. da Piedade passou já por uma
phase muito desagradável, e que poderia comprometer o seu futuro.
313
É que desde a leitura do testamento da benemérita Condessa do Rio
Novo, que libertou seus escravos, até o dia 20 de janeiro de 1883, em que se
fundou a colônia, mediaram alguns mezes durante os quaes desorganisou-se o
antigo serviço, isto é, não havia nenhum plano seguido, e após os quaes, como
durante elles, se não fora a boa índole dos negros e a philantrópica e
previdente attitude da Irmandade de N. S. da Piedade, poderia ficar para
sempre comprometido esse núcleo de colonização racional, laboriosa e
honesta.
4º - A área occupada pelas plantações dos colonos é de 110 alqueires
geométricos, mais ou menos, ou 1.100.000 braças quadradas, 5.324.000 m² ou
53.240 hectares.
As plantações constam:
1º - de cafesaes de 2 até 25 annos; sendo a maior parte novos; é o producto
industrial principal, a base da producção da colônia, producto que é beneficiado
no estabelecimento central da irmandade, que para a colônia representa o
papel de um engenho central. Sobe ahi a plantação a 500.000 pés de café.
2º - A canna. No ano passado, a plantação de canna foi de 4 carradas. Neste
anno plantaram mais de 10 carradas de canna, para com aquelas servirem de
sementes, obtendo-se com muitas dificuldades essas sementes nas fazendas
da visinhança.
3º - O milho. É este o cereal preferido pelos colonos. É a base de sua
alimentação e de seus animaes. Sua plantação tem attingido a um
desenvolvimento, que nunca teve antes da emancipação. Outr’ora não excedia
de 40 alqueires o milho: no anno passado, o primeiro da colônia, plantaram-se
70 alqueires, e neste ano sobe a plantação a 110 alqueires. Todo o milho é
producto do colono, não tendo ele de dividir cousa alguma com a administração
nessa colheita; o mesmo dá-se com os demais productos, excepto o café. O
enorme desenvolvimento dado a essa cultura mostra bem, tendo-se em vista
isto, quanto o liberto é susceptível de interessar-se na cultura.
4º - Feijão. A cultura do feijão era quase nulla, antes da fundação da colônia,
sendo essa leguminosa importada então; no anno passado, o 1º da colônia,
plantaram-se porém 40 alqueires, e neste anno, devendo em breve começar a
épocha do seu plantio, vai a administração adiantar aos colonos 80 alqueires,
314
de modo que por ahi vai triplicar a área plantada de leguminosas, incluindo a
área já plantada no anno passado.
5º - O amendoim, o arroz, a mandioca, a batata, o inhame, a banana. Tudo isso
começou a ser plantado em certa escala depois da fundação da colônia, e é
destinado ao consumo dos colonos e seus animaes.
O tratamento que elles dão às plantações é bom; os cafezaes acham-se
limpos e capinados, mormente os cafezaes novos, que verificamos estarem
muito bem tratados. Entre as plantas de café, acha-se plantada grande
quantidade de milho, em cujos intervallos eles plantam o feijão, não plantando
este nos cafezaes, pelos inconvenientes conhecidos na lavoura. Por entre os
cafezaes, na orla do caminho, abundam as laranjeiras. A estrada que percorre
a colônia está mantida no melhor estado, e vai desembocar na da União e
Indústria, em Entre-Rios.
6º - A colônia contém 58 casas, feitas todas pelos colonos, depois de sua
libertação e da constituição da colônia, isto é, de 20 de janeiro de 1883, ou há
um anno exacto.
Estas casas não se acham todas juntas, constituindo um povoado único,
separadas umas das outras e independentes. Elas acham-se de preferência
dentro dos diversos lotes de terra.
Além d’essas casas especiais dos colonos, e por elles feitas, devemos
mencionar 2 casas maiores, já existentes antes da libertação, uma chamada
Sítio e outra, Sant’Anna, constando de 14 lances; ambas são cobertas de
telhas, e ahi moram algumas famílias dos colonos.
Das 58 casas, 11 são cobertas de telhas, e apresentam já certa
comodidade relativa, todas possuindo portas e janellas, a mor parte com
caixilhos e entre ellas já havendo umas duas com portas e janellas pintadas, e
alguns quartos assoalhados. (continua) (Boletins da Sociedade Central de
Imigração. RJ – Boletim nº 3, 1884)
315
ANEXO XIV – Nota do Jornal “O Provinciano”
Jornal “O Provinciano”
[...] Os libertos que formam a Colônia Agrícola sita em Entre-Rios não tem
procedido como era de esperar de homens a quem sua ex-senhora, a
Condessa do Rio Novo, ao par da liberdade que lhes concedeu, outorgou
benefícios e auxílios de diversas ordens.
Além de não haverem entregue, em o ano passado, com lisura a
quota de café destinada em testamento pela Condessa à Irmandade, a fim de
cumprir esta instituição os ônus das disposições testamentárias, terem
devastado as matas, retirando e vendendo madeiras e lenha, que tudo é
propriedade da dita Irmandade. Mais ainda: há dias compareceram perante a
Mesa administrativa e Conselho que funcionavam em sessão e declararam que
estavam dispostos a apoderarem-se das matas e a não entregar este ano a
parte do café pertencente a instituição pia.
Esta intimidação feita tumultuariamente em massa, esta declaração
que imporia a confissão premeditada de um crime contra a propriedade, prova
a evidência à insubordinação dos colonos e uma ousadia, que será funesta, se
providências acertadas se demorarem...Há um perigo público que convém
debelar, já e já... (09.05.1885, p. 2; JORGE, 2012, p. 96-97)
316
ANEXO XV – Nota do Jornal “O Provinciano”
317
ele é capaz. Não é portanto de admirar o que sucede aos pobres pretinhos. (...)
Indague o Governo destas coisas, e sobretudo lance suas vistas paternais
sobre os pobres libertos. S.M. o Imperador, o protetor dos fracos e dos
oprimidos. Estes têm sido vítimas de tremenda espoliação. Dos livros da
secretaria da Irmandade não constam que se lhes tenha dado a parte dos
lucros da fazenda que lhes pertence, até o momento em que reclamaram. Só
agora, consta, que aterrados e receosos da energia com que os colonos gritam
e denunciam a espoliação que sofrem, o advogado e seu fiel consórcio, o
administrador da colônia, si et in quantum, ordem para dar-se-lhes todo o
dinheiro existente na tesouraria da Irmandade, a fim de pagarem alguma coisa
aos colonos, com a finalidade de assim abafar-lhes a grita. Não foi porém o
dinheiro do café; este de há muito nutrem as roletas desta cidade. Acervo
Roberval Bezerra de Menezes – Titulares do Império – IHGB (JORGE, 2012, p.
97 a 99)
318
ANEXO XVI - Ata da Câmara Municipal de Paraíba do Sul, 26 de junho de
1892
319
ANEXO XVII - Análise do Dr. Antonio Luz dos Santos Werneck
(continuação)
[...] Para formar, pois, a “colônia agrícola de N. S. da Piedade” não podia a
testadora deixar bens de caracter independente de classificação à parte,
exceptº si o declarasse expressa e nomeadamente; e, sim, bens ou cousas
agrícolas. Assim deixam, para aquelle fim, uma fazenda completa, uma
fazenda com todos os seus accessórios [...] “a fazenda de Cantagallo com
todas as terras, edifícios e benfeitorias, cafesaes, animaes, instrumentos e
utensílios agrícolas e móveis a ella pertencentes”. Taes são as partes
integrantes do legado para a constituição da “colônia agrícola”, tal o seu fundo
ou objecto discriminado [...] é uma fazenda com, isto é, composta de bens
agrícolas por sua situação, por seu destino e pelo objecto a que se aplicam [...]
Temos, portanto, como incontestável, que contendo do legado é também um
objecto agrícola – a formação de uma colônia agrícola.[...] Prohibe a testadora
na 1ª condição que “esses bens sejam jamais alienados por qualque título,
devendo ser, pelo contrário, perpetuamente conservados como patrimônio da
Santa Casa e fundo da colônia agrícola”. O pensamento da illustre finada
transparece sempre igual, sempre idêntico: trata-se ainda da colônia agrícola,
cujo fundo é constituído por esses bens, acima descriptos, deixados como
patrimônio da Casa de Caridade. Não deseja a testadora que esses bens
sejam algum dia alienados, deseja que todos, como partes integrantes de um
todo complexo, fiquem perpetuamente unidos, servindo de fundo, constituindo
a Colônia da Piedade e patrimônio da Santa Casa; quer que a colônia agrícola
seja sempre a mesma, perpetuamente conservada com todos os bens
apontados, seus accessórios. (Inventário do espólio da Condessa do Rio Novo)
320
ANEXO XVIII - Capítulo XIV – Da Administração dos Bens e Patrimônio da
Casa de Caridade
321
ANEXO XIX – Relatório de 1916 – Irmandade de Nossa Senhora da Piedade
322
ANEXO XX – Relatório de 1929 – Irmandade de Nossa Senhora da Piedade
[...] Feita a leitura pelo Sr. provedor das contas relativas a 1929, apresentado
pela mesa administrativa com o saldo de R$189$297 (Réis).[...]
A Casa de Caridade de Parahyba do Sul abrange também a
Irmandade de Nossa Senhora da Piedade e a Capella e cemitério de
Cantagallo. Tem asylo com 57 asyladas e mantém internatos e externatos,
dando assim seu concurso à obra patriótica da alphabetização da raça. O
patrimônio está representado por óptimas e valiosas propriedades situadas em
Parahyba do Sul e Entre-Rios. Possue a instituição apólices diversas no valor
de R$267:000$000. O relatório de 1928 acusa saldo de 8:964$000. O coronel
Randolpho Penna Jr sempre com superávit, pratica, digna dos melhores
encômios e a ser seguida pelos bons admnistradores. [...] a Igreja de N. S. das
Graças annexa ao edifício do Asylo de N. S. da Piedade foi mandado construir
a expensas de d. Maria Augusta de Oliveira Penna, que assim realizou um dos
seus maiores desejos, levantando um monumento à fé christã. [...] (Jornal
Arealense, 15.12.1929, p. 3)
323
ANEXO XXI – Notas do Jornal “A Tribuna”
PMPS
[...]Seção de Obras
Edital
PMPS
324
ANEXO XXII – Nota do “Entre-Rios Jornal”
325
ANEXO XXIII – Nota do “Entre-Rios Jornal”
326
ANEXO XXIV – Nota do “Entre-Rios Jornal”
327
A seguir, S. Excia, o sr. Dr. Prefeito toma a palavra e, em tom,
não de quem discursa, mas de quem, sentindo-se à vontade, parola com os
seus amigos, se dirige aos seus munícipes presentes e lhes falla sobre o
acontecimento que acabavam de presenciar.
Descreve-lhes as grandes vantagens que lhes porporcionará o
melhoramento, já quanto ao conforto, já quanto a valorização das suas
propriedades e lhes garante que, os boatos espalhados de que semelhante
iniciativa viria sobrecarregar os moradores locaes de pesados impostos, não
representam a realidade, embora seja verdade que o <<Estado>> quando dá,
também tira, pois ainda está para se ver qual o governo que possa prodigalizar
à collectividade as suas necessidades, sem lançar mão de tributos que façam
jus às medidas que se tornarem precisas. Diz mais ainda S. Excia que, no
projeto de Água e Esgotos para Entre-Rios, a Colônia não fora esquecida,
porquanto a Colônia em si, possue mais casas que as sedes todas dos outros
três districtos do Município de Entre-Rios e termina suas palavras,
congratulando-se com os presentes pelo melhoramento recém-inaugurado que
recebiam. Uma salva de palmas cobriu as suas últimas palavras.
Seguiu-lhe com a palavra o exmo. Sr, Dr. José Pellini, que se
dirige aos seus jurisdicionados da Colônia, traçando o perfil rápido da obra que
acabavam de receber e de seu creador o Prefeito dr. Walter Francklin.
Incita os moradores locaes à ordem e ao trabalho e lhes faz ver o
grande significado daquela cerimônia, marcando o início de uma nova era, na
qual, o pioneiro intemerato é o Prefeito presente, dr. Walter Francklin.
Terminando, S. Excia, cumprimenta os habitantes locaes, sendo
vivamente applaudido.
Encerrando a cerimônia fez-se mais uma vez ouvir a Banda
Musical 1º de Maio. Na residência do sr. Domingos Rabelo foram servidos aos
presentes um copo de cerveja e doces finos, sendo todos cumulados das
gentilezas de tão amável cavalheiro.
Á noite, no mesmo local, realizou-se animado baile que se
prolongou até altas horas.
Os nossos parabéns à Colônia. (“Entre-Rios Jornal” – 06.06.1940,
p. 1)
328
ANEXO XXV – Nota do “Entre-Rios Jornal”
329
Figueiredo, viúva; Sebastião Ferreira de Almeida e sua mulher Jacyra
Ferreira de Almeida e Umbelina Pereira, solteira, maior; dizem que são
possuidores de 35 alqueires de terras, mais ou menos, no lugar denominado
Cantagalo, no município de Entre-Rios, desta comarca; que essa posse é
efetiva e real e vem de seus antepassados, primitivos ocupantes dessas
mesmas terras, nas quais os colocou a condição servil deles, escravos que
foram de D. Mariana Claudina Pereira de Carvalho, Condessa do Rio Novo,
falecida em 5 de julho de 1882; que desde essa data de 1882, portanto, se
pede e se deve computar o tempo dessa posse dos suplicantes; que essa
posse diuturna, de quase 60 anos, lhes assegura plenamente o domínio sobre
as mesmas terras; que essa posse, sempre se exerceu mansa, continuada e
pacificamente, que essa posse além da proteção natural decorrente da sua
diuturnidade, teve já a garanti-la decreto judicial dado na instância desta
comarca; que essas ditas terras assim possuídas tem por limites ou por (...) a
Fazenda da Rua Direita, a Estrada de Ferro Central do Brasil (Ramal do Centro
e Ramal do Porto Novo) e o sítio conhecido por Sítio do Pury, que os
suplicantes ocupam cada um a sua pequena área determinada; que as áreas
correspondentes as deles todos formam no conjunto ou total a área de 35
alqueires, compreendida nos limites ou nas linhas extremas declaradas; que
essas parciais ou parcelas, assim seja julgado por sentença o reconhecimento
do domínio dos suplicantes sobre a área total, serão demarcadas por técnico
agrimensor, tal como se procede em partilha ou divisão geodésica de
propriedade de terras de ocupação coletiva finalmente que a posse dos
suplicantes se exerce, como sempre se exerceu, com o animo deles de donos
dessas terras; tanto que nessas terras os suplicantes têm executado obras e
benfeitorias valiosas; obras e benfeitorias de tal vulto que no local delas
existem já iluminação pública e serviço de rádio, tudo isso constituindo índice
notável do progresso desse mesmo local. Para a declaração do domínio dos
suplicantes sobre os 35 alqueires geométricos mais ou menos das ditas terras,
domínio decorrente de posse diuturna, efetiva, real e até judicial, querem os
suplicantes justificar preliminarmente essa posse. E provada fique essa posse
dos suplicantes, pedem se digne V. Excia de fazer citar a todos os aqueles a
quem interessar possa o presente pedido ou a presente ação de usucapião
para no prazo legal deduzirem defesa ou contestação ou o que lhes parecer,
330
sob pena de revelia. A citação dos interessados deverá ser feita por edital na
forma prescrita do art. 455 do Cod. do Processo Civil. A citação vale para todos
os termos e atos da causa até final; devendo oficiar no presente feito em todos
os seus termos e atos o Dr. Promotor de Justiça. Para a justificação preliminar
da posse dos suplicantes sobre 35 alqueires das ditas terras do Cantagalo,
pedem se digne V. Ex. de designar dia e hora, a fim de deporem as
testemunhas abaixo arroladas, as quais comparecerão independente de
intimação. Dá-se a presente causa o valor de Rs52:500$000 ou de
Rs1:500$000 por alqueire da área que os suplicantes pretendem usucapir.
Testemunhas: I – Tupy Amaral, funcionário público; II – Manoel Duarte
Sobrinho, proprietário; III – Orozimbo Flores, funcionário; IV – Antonio da
Silva Castanheiras, proprietário, Paraíba do Sul, 17 de setembro de 1940. P.p.
Sebastião Tostes de Alvarenga. [...] (“Entre-Rios Jornal” – 19.12.1940, p. 3)
331
ANEXO XXVI – Juntada do Inventário do Espólio da Condessa do Rio Novo
Procuração
27 de setembro de 1944
Livro 50 fls 3v. – 1º traslado – Jarbas Alves de Souza – Tabelião do
1º Ofício
332
mesmos autos o incluso conhecimento do imposto devido para a transcrição de
imóveis.
P. deferimento.
P. do Sul, 27 de setembro de 1944.
P.P Christovam Cláudio de Silveira
(Inventário do espólio de Mariana Claudina Pereira de Carvalho)
333
ANEXO XXVII – Nota do “Entre-Rios Jornal”
334
ANEXO XXVIII – Nota do “Entre-Rios Jornal”
335
ANEXO XXIX – Escritura de Doação de D. Nair Pereira de Oliveira
336
Paraíba do Sul, ora desmembrada de maior porção, situada nesta cidade, em
uma rua projetada, marginal da Estrada de Ferro Central do Brasil, ramal de
Porto Novo, bairro de Vila Isabel, medindo 6,610,00 m2 (seis mil seiscentos e
dez metros quadrados), ou seja com 55,00ms. de frente, igual largura nos
fundos, por 124,00ms. de um lado e 130,00ms. de outro, confrontando pela
frente com a referida rua Projetada, pelos fundos com Manoela Pereira da
Costa, por um lado com Laureano Pereira e por outro com Eloy Pereira; que
pela presente escritura doada a Nair Pereira de Oliveira, filha dela doadora, o
imóvel acima descrito e confrontado, com todas as benfeitorias e servidões
existentes no dito terreno, e desde já cede e transfere à mesma outorgada
donatária toda a posse, domínio, direitos e ação que sobre o aludido imóvel ora
doado exercia, para que possa o mesmo donatário dele usar, gozar e
livremente dispor, com a restrição abaixo imposta, como seu que é e fica sendo
de hoje em diante, por força desta escritura, obrigando-se ela doadora a fazer a
presente doação sempre boa, firme e valiosa; que a doação ora feita o é com
reserva de usufruto vitalício para ela outorgante doadora, do imóvel doado e da
parte disponível dos bens dela doadora ser trazida a colação e pelo valor de
Cr$ 40.000,00 (quarenta mil cruzeiros), em quanto estima o imóvel ora doado.
Pela outorgada donatária e ante as testemunhas, me foi dito que aceitava esta
escritura em seus expressos termos, por isso que está de inteiro e pleno
acordo com a doação que ora lhe é feita e me apresentou o talão de imposto
do teor seguinte: Armas da República, Estado do Rio de Janeiro. Prefeitura
Municipal de Três Rios. Nair Pereira de Oliveira = transmissão Inter-Vivos por
quanto recebe em doação de sua mãe Dª Maria da Luz Pereira com reserva de
usufruto vitalício para a mesma o domínio útil de uma área de terras com
6.610m2. no Bairro de Vila Isabel.[...] Assim justos e contratados me pediram
que em minhas notas lhes lavrasse esta, o que lhes fiz, lhes li, aceitaram,
outorgaram e assinam com as testemunhas a tudo presentes José Amâncio de
Moraes e Narciso da Costa Barros, assinando o rogo da outorgante doadora
por não saber ler nem escrever o sr. Geraldo Magela Corrêa, perante mim
Tabelião.[...] (Escritura de D. Nair Pereira de Oliveira – entrevistada em
06.03.2012)
337
ANEXO XXX – Ata da Câmara Municipal de Três Rios, 22 de Janeiro de 1951
338
Silveira; esperará que esse magno problema será solucionado não só com os
recursos do município mas também com o auxílio dos governos Estadual e
Federal. Logo após, falou o vereador João Pedro da Silveira. Inicialmente Sua
Excia. agradeceu ao vereador Joaquim J. Ferreira as amáveis expressões de
consideração e confiança em sua futura atuação à frente do governo do
município. Em virtude do parecer da Comissão de Finanças haver causado
estranheza ao mesmo colega, declarou que se sentia na obrigação de
esclarecer as razões com que fundamentou o citado parecer de que foi o
relator. Esclareceu que, quando em 1946 ocupou transitoriamente o governo
do município, foi o signatário do convênio com a Fundação da Casa Popular
para construção de 500 casas tipo popular em Três Rios. Nessa ocasião entrou
em contato direto com os dirigentes desta instituição, tendo oportunidade de
conhecer que a Casa Popular só executará a construção de casas nos
municípios que faça a doação de terrenos, cujo preço por lote não exceda de
Cr$5.000,00, exigindo que os mesmos sejam dotados de todos os requisitos de
urbanização e saneamento. Disse que conhece a magnitude e urgência que
reclama a solução da construção de casa para os trabalhadores de Três Rios
e, por isso, desde a organização da comissão interpartidária, vem se batendo
pela realização de nobre e humanitário objetivo, declarando que, constituía
uma das principais preocupações de seu governo. Frizou que quando
providenciou as diligências necessárias ao exame do caso pela Comissão de
Finanças, agiu imbuído do único propósito de dar uma solução objetiva ao
projeto, evitando medidas protelatórias ou inexeqüíveis. Louvou o trabalho
eficiente dispendido pela Comissão de Viação e Obras Públicas, cujo parecer
foi fruto de seu esforço e boa vontade, uma vez que não recebeu do Executivo
a mínima cooperação técnica. Informou que igualmente a Comissão de
Finanças não teve nenhuma colaboração dos técnicos da Prefeitura. Entretanto
foi mais feliz porque poude contar com a preciosa colaboração de dois
técnicos, que são os engenheiros Hélio Loureiro e Alberto Chimelli. Em
companhia desses dois profissionais, compareceram ao local dos terrenos e
tomaram todas as medidas e demais elementos para um estudo cuidadoso do
quanto teria o município que despender para tornar aquela área em condições
de ser nela construída a vila operária. Assim, depois de feitos todos os
levantamentos necessários, chegou à conclusão constante do seu parecer,
339
tendo sido, com imenso pezar, obrigado a opinar pela inconveniência do
aproveitamento daquela área, tantos foram os obstáculos encontrados.
Entretanto, não deixou o assunto sem outra solução que viesse atender
objetivamente os ideais de todos os colegas desta casa, de dar ao trabalhador
trirriense o seu lar próprio: apontou os terrenos situados na rua Adélia Torno e
Bairro Colônia, cujas áreas de acham próximas das redes de água e esgoto da
cidade e não possuem as irregularidades que foram encontradas em
Cantagalo. Esclareceu que, examinando mais detidamente esses terrenos,
chegou a conclusão que se os mesmos fossem desapropriados, neles
poderiam imediatamente ser construídas as casas populares. Disse que todo o
trabalho despendido pela Comissão de Finanças, nesse sentido, foi com o fim
de cooperar para que dentro do mais breve possível se tornasse realidade o
problema da casa própria para aqueles que vem construindo a grandeza de
nossa terra. Esclareceu, finalmente, que o parecer da Comissão de Finanças
em nada vem contrariar os propósitos louváveis da bancada trabalhista e, ao
contrário, colabora no mesmo sentido, admirando-se, então, como poderiam os
seus termos causar estranheza ao seu colega Joaquim Ferreira. Continuando,
Sua Excelência disse que estranhável sim, é o parecer da Comissão de Justiça
que, abandonando as ponderações da Comissão de Finanças, baseada no
trabalho de engenheiros que entendem do assunto, resolveu homologar o
parecer da Comissão de Viação e obras Públicas, cujo projeto apresentado, se
convertido em lei, virá cair na mesma situação do Decreto-Lei baixado pelo
então Prefeito Walter Francklin da desapropriação das terras da colônia, o qual
não foi executado por impossibilidade do município. Com relação ao assunto
em tela, falou também o vereador Arsonval Macedo para responder à alusão
feita pelo vereador João Silveira sobre a redação do parecer da Comissão de
Justiça. Sua Excia, demonstrou que a Comissão de Justiça não poderia ter
procedido de outra forma, porquanto a ela compete somente examinar os
projetos do ponto de vista legal. Se não contraria nenhuma lei ou constituição,
nada pode opor à aprovação de um projeto, não lhe sendo lícito invocar
impedimento com interferência nas atribuições de outras comissões. Em
seguida falou o vereador Antonio Gomes de Oliveira que faz uma vasta
explanação sobre a importância das casas populares, procurando demonstrar
que o local sito Bairro de Cantagalo é o mais adequado para esse fim.
340
Esclareceu que os obstáculos poderão ser removidos tendo historiado também,
os passos da Comissão de obras no exame do projeto, cuja aprovação
justificou. Novamente falou o vereador Joaquim Ferreira para responder a
alguns pontos do discurso do seu colega João Silveira. Sua Excia declarou que
quanto aos terrenos da Rua Adélia Torno não tem nenhuma objeção, porém, o
mesmo não acontece com os da Colônia que julga inconveniente pelas
seguintes razões: 1º porque a Colônia é considerada “terra de ninguém”, visto
até o momento não se conhecer os seus verdadeiros donos, e , nessa
situação, tornar-se-ia insegura a propriedade de qualquer imóvel naquele local.
Em aparte o vereador João Silveira esclareceu que é conhecedor que mediante
um registro legal a Casa de Caridade já se tornou legítima proprietária da
Colônia e mesmo que ainda não o fosse a lei de desapropriação regularizaria
toda a situação de propriedade da parte desapropriada. Como segunda
objeção citou o vereador Joaquim J. Ferreira a antipatia que o trabalhador
trirriense vota ao local denominado Colônia, pelo fato de um engenheiro que
serviu em administração anterior havia dito a um ferroviário que se achava em
dificuldades de normalizar a planta de um prédio de sua propriedade, a ser
construído no centro da cidade, que os trabalhadores que não pudessem
construir casas na cidade que fosse para a Colônia. Essas palavras proferidas
no sentido pejorativo, causavam revolta a todos os trabalhadores que delas
tiveram conhecimento, mormente quando souberam que as mesmas foram
endossadas pelo então Prefeito, assumindo o caráter de desprezo e acinte ao
trabalhador. Sua Excia ainda fez alusão ao pedido de informações formulado
pelo vereador João Silveira sobre a publicidade do parecer da Comissão de
Justiça, tendo interpretado como uma atitude política e uma precaução a favor
dos interesses do vereador Jorazil David que é locatário dos terrenos em
Cantagalo. Logo em seguida o vereador João Silveira explicou os motivos
porque pediu informações sobre a publicidade do parecer da Comissão de
Justiça, demonstrando não ter havido nenhum objetivo político e sim um
cuidado julgado imprescindível à salvaguarda da legalidade da medida, no
caso de ser aprovada, considerando que a legislação que regula as
desapropriações em todo Brasil assegura aos proprietários dos terrenos o
direito à contestação. Sabendo que a Cia proprietária dos terrenos de
Cantagalo poderá contestar a desapropriação e que apenas o não
341
cumprimento dessa formalidade regimental poderia tornar nula o ato da
Câmara, resolveu, então, suscitar a questão da publicidade dos pareceres.
Com essas considerações queria tornar evidente que não houve nenhum
interesse subalterno, como disse o vereador Joaquim Ferreira. Repetiu que os
propósitos da Comissão de Finanças, outros não foram senão o de cooperar
para a realização das casas populares. Declarou ainda que ao assumir o
governo do município, espera realizar esse magno problema quer em
Cantagalo ou em outro local, a menos que possa provar com documento que
não teve a necessária cooperação das entidades responsáveis. [...] (Atas da
Câmara Municipal de Três Rios. 22.01.1951)
342
ANEXO XXXI – Figuras
Figura 1
Fonte: JORGE, Cinara. Pioneiros dos três rios. Três Rios: Ed. Boa União, 2012. p. 77 e 79.
343
Figura 2
Fonte: JORGE, Cinara. Pioneiros dos três rios. Três Rios: Ed. Boa União, 2012. p. 31.
344
Figura 3
Fonte: JORGE, Cinara. Pioneiros dos três rios. Três Rios: Ed. Boa União, 2012. p. 190.
Figura 4
Fonte: JORGE, Cinara. Pioneiros dos três rios. Três Rios: Ed. Boa União, 2012. p. 108.
345
Figura 5
Fonte: TEIXEIRA, Ezilma. Aprendendo Nossa Terra. Três Rios: Editar Editora Associada, 2004. p.
84.
346
Figura 7 - Vista parcial de Entre-Rios
Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/tresrios.htm.
347
Figura 9 - Avenida Condessa do Rio Novo – Década de 20
Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/tresrios.htm.
348
Figura 11 - Avenida Condessa do Rio Novo – Década de 20
Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/tresrios.htm.
349
Figura 13
Fonte: TEIXEIRA, Ezilma. Aprendendo Nossa Terra. Três Rios: Editar Editora Associada, 2004. p.
50.
350
Figura 15 - Sr. João Pereira da Silva e D. Maria da Luz Pereira – pais de D. Nair Pereira de Oliveira.
Avós do Sr. Aurélio de Oliveira e do Sr. José Ferreira da Costa. (Acervo Sr. Valdir Neves de Lima)
351
Figura 16 – D. Manoela Pereira da Costa – irmã de D. Nair Pereira de Oliveira. Mãe de José Ferreira
da Costa. (Acervo Sr. Valdir Neves de Lima)
352
Figura 17 – Placa de Reinauguração do Colônia Esporte Clube
Figura 18 – Visita de Garrincha ao Esporte Clube Colônia – José da Silva, Dedé (José de Oliveira),
Garrincha, Elias Brotinho e José Curió (Anos 70 – Acervo Sr. Valdir Neves de Lima)
353
Figura 19 – Time do Esporte Clube Colônia, s/d – Washington, Odilon, Osmar, Nonô, Geraldo,
Carlinhos, Botina, Geraldo, Damião, Orlando e Dedé. (Acervo do Esporte Clube Colônia)
354
355
356
357
358
359
360
361
362
363
364
365
Figura 21- Fonte: RIBEIRO, Rosângela de Fátima Campos. Três Rios (RJ) – A crise dos anos 80 e
o mito da “Esquina do Brasil”. Niterói: UFF-Dissertação de Mestrado em Geografia, 2009.
366
Figura 22 - Vista parcial da cidade de Três Rios – Anos 2000.
Fonte: www.skyscrapercity.com
Figura 23 - Fonte: RIBEIRO, Rosângela de Fátima Campos. Três Rios (RJ) – A crise dos anos 80 e
o mito da “Esquina do Brasil”. Niterói: UFF-Dissertação de Mestrado em Geografia, 2009.
367
ANEXO XXXII – Roteiro de Entrevista
Introdução
Identificação:
1. Para começar, gostaria que o(a) senhor(a) dissesse seu nome completo, data
e local de nascimento.
2. Qual o nome de seu pai e de sua mãe? E de seus avós?
3. O (A) senhor (a) tem irmãos? Quantos?
Família:
4. O que o (a) senhor (a) sabe sobre a origem de sua família?
5. O que faziam seus pais?
6. O (A) senhor (a) sabe como eles se conheceram e se casaram?
7. Como o (a) senhor (a) descreveria seu pai? E sua mãe?
Infância:
8. E, quando o (a) senhor (a) nasceu, onde a família estava morando?
9. O que o (a) senhor (a) se lembra dessa casa?
10. Poderia descrever um pouco a rua e o bairro que marcou mais a sua
infância?
11. Quais eram suas brincadeiras favoritas?
12. E, dentro de casa, como era a rotina?
Escola:
13. O (A) senhor(a) estudou? Até qual série?
14. O que o (a) senhor(a) se lembra de sua primeira escola? O (A) senhor (a)
poderia descrever o prédio, o pátio, a sala de aula.
15. E os professores? Algum foi mais marcante para o (a) senhor (a)? Por quê?
Juventude:
16. O (A) senhor (a) passou sua juventude na mesma cidade?
17. Qual era a principal diversão da época?
18. O (A) senhor(a) quer contar da primeira namorada?
19. E sua (eu) esposa (o), como a (o) conheceu?
20. O (A) senhor (a) se lembra como foi o noivado e o dia do casamento?
368
21. O (A) senhor (a) teve filhos? Quantos?
Desenvolvimento
Trabalho
22. Qual foi seu primeiro trabalho?
23. Quando começou a trabalhar, o que exatamente o (a) senhor (a) fazia?
24. Quais foram as principais dificuldades no início?
25. Como era o seu trabalho?
26. A família participava da sua rotina? Como era a sua rotina?
27. Como o (a) senhor (a) recebia o seu pagamento?
28. Teve outros empregos, outras atividades?
29. Quais foram as suas maiores dificuldades?
30. Lembra de alguma crise no país? O que aconteceu?
31. O que mudou depois disso?
Finalização
Atualidade
32. Muita coisa mudou na atividade que fazia? O (A) senhor (a) poderia das
alguns exemplos?
33. E na cidade? Quais foram as principais mudanças?
34. Como está a família do (a) senhor (a) atualmente? Com quem o (a) senhor (a)
mora?
35. O (A) senhor (a) continua trabalhando? E, além do trabalho, o que o (a)
senhor (a) gosta de fazer?
Futuro/Avaliação
36. Qual é hoje seu maior sonho?
37. Se o (a) senhor (a) pudesse mudar alguma coisa em sua vida, o que seria?
38. O que o (a) senhor (a) achou de contar um pouco da sua história?
Fonte: WORCMAN, Karen; PEREIRA, Jesus Vasquez. História falada: memória, rede e mudança
social. São Paulo: SESC SP; Museu da Pessoa; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.
369