Silvana-Monteiro-24 11 16
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BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________________________
Prof.ª Elis de Araújo Miranda, DSc – Orientadora
Universidade Cândido Mendes
Universidade Federal Fluminense
_______________________________________________________________
Prof.ª Denise Cunha Tavares Terra, DSc
Universidade Cândido Mendes
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
_______________________________________________________________
Prof.ª Teresa de Jesus Peixoto Faria, DSc
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
Joseph Brodsky
RESUMO
ON THE MARGIN OF THE CITY: THE PARAÍBA DO SUL RIVER IN THE URBAN
LANDSCAPE IN CAMPOS DOS GOYTACAZES / RJ.
This research has grown out of the author‟s concern, related to the way the Paraíba
do Sul river, decisive presence in the physical constitution of Campos dos
Goytacazes city, in Rio de Janeiro State, has been currently well (and badly) handled
by the city residents and by the public administration. Having served as the
protagonist in the city‟s natural and cultural landscape formation, outlining its
morphology, the river keeps a distant relationship with the population, threatened by
flooding that it causes, or as an obstacle to reach the "other side of the city spatially.
In this sense, in a temporal and spatial perspective, this study intends to understand
the river perception and use by the population, identifying its involvement with the
urban landscape. It is noteworthy that a built space carries meanings, transmitted by
the elements that constitute it, featuring different periods of time and social classes,
making the landscape a social and cultural "product", which can be experienced in
different ways. In order to analyze the changes and permanencies that occurred at
the Paraíba do Sul River margins, the urban length of Campos dos Goytacazes, it
was necessary a study of interventions and experienced urban planning, to
understand the current urban design, as well as a reflection about the possibilities of
forming a new look at the river and its borders, from the recognition of its relevance
and adoption of a new attitude around that precious asset. The methodological
procedures were used some methods of qualitative nature, which enabled the
understanding of the studied phenomenon meaning and its descriptions, which
contemplated bibliographic and documentary research, photographic record, website
visits and identification of some cities that have turned their attention to the river, (re)
establishing with it an identity relationship. It is believed that this work can stimulate
actions that can lead to the appreciation of the cultural landscape that frames the city
of Campos dos Goytacazes, promoting the reintegration of the Paraíba do Sul river
to the population life.
1 INTRODUÇÃO 17
2 O PAPEL DOS RIOS NA FORMAÇÃO DAS CIDADES 26
2.1 O RIO E A CIDADE NA HISTÓRIA 27
2.1.1 O rio como vetor de desenvolvimento. 29
2.1.2 O rio como recurso hídrico. 31
2.1.3 O rio, o seu significado e a sua visibilidade na paisagem cultural 33
urbana.
2.1.4 O rio e as práticas sociais: a sua relação com a identidade local. 36
3 CIDADES QUE SE VOLTAM PARA O RIO 39
3.1 REAPROPRIAÇÃO DO ESPAÇO URBANO 39
3.2 EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS 41
3.2.1 Recuperação das margens do Rio Rhône, Lyon (França). 42
3.2.2 Recuperação das margens do Rio Ljubljanica (Eslovênia). 45
3.2.3 O rio Tâmisa : Londres (Inglaterra). 47
3.2.4 O Plano de recuperação do Rio Don: Toronto (Canadá). 49
3.3 EXPERIÊNCIAS NACIONAIS. 52
3.3.1 O Projeto Beira-Rio: Piracicaba, São Paulo (Brasil). 55
3.3.2 A orla de Belém: Pará (Brasil). 57
3.3.2.1 Projeto Ver-o-Rio 58
3.3.2.2 Portal da Amazônia 59
3.3.2.3 Estação das Docas 59
3.3.2.4 Mangal das Garças 60
4 O RIO PARAÍBA DO SUL NA CIDADE DE CAMPOS DOS 62
GOYTACAZES
4.1 CARACTERIZAÇÃO DA BACIA. 65
4.2 CONTEXTOS HISTÓRICO E CULTURAL. 71
4.2.1 A orla urbana e a consolidação dos usos e práticas sociais 72
4.3 IMPACTOS AMBIENTAIS. 84
5 MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NA PAISAGEM URBANA DE 88
CAMPOS DOS GOYTACAZES .
5.1 O RIO PARAÍBA DO SUL NO DESENHO URBANO DE CAMPOS 90
DOS GOYTACAZES.
5.2 PLANOS URBANÍSTICOS, PLANO DE DESENVOLVIMENTO 91
URBANO E PLANOS DIRETORES.
5.2.1 O Plano Urbanístico de Saturnino de Brito (1902). 93
5.2.2 O Plano de Reordenação Urbana da Cidade de Campos (1940) 96
5.2.3 O Plano de Desenvolvimento Urbano de Campos (PDUC) (1979) 97
5.2.4 O Plano Diretor de 1991: Lei Municipal 5.251/1991. 98
5.2.5 O Plano Diretor de 2008: Lei Municipal 7.972/2008. 99
5.3 UMA COMPARAÇÃO DOS USOS DO PASSADO COM OS ATUAIS. 103
5.3.1 Percepção da paisagem. 115
5.3.1.1 Frequentadores assíduos do espaço estudado. 116
5.3.1.2 Frequentadores eventuais do espaço estudado. 117
5.3.1.3 Novos Olhares. 120
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 127
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 131
APÊNDICE A: MODELO DE ENTREVISTA. 142
1 INTRODUÇÃO
outros compositores, como Paulinho da Viola, Elba Ramalho, Marisa Monte, que se
inspiraram também nas águas dos rios em algumas de suas composições.
tratados com descaso pelos habitantes e gestores das cidades brasileiras, onde se
pode observar a crescente poluição das águas, assoreamento e o desmatamento de
suas matas ciliares, caracterizando a degradação ambiental dos espaços urbanos
brasileiros.
O desaparecimento de objetos referentes a outros períodos históricos
vivenciados, mal compreendidos e não valorizados como elementos estruturantes da
morfologia urbana, afetaram as orlas fluviais que vem sendo transformadas em
espaços urbanos degradados. A função do rio como via de circulaç ão de pessoas e
mercadorias caiu em desuso com a implantação de ferrovias na virada dos séculos
XIX para o XX e depois, ao longo do século XX até a atualidade com a implantação
e ampliação de vias para transportes automotivos, transformando os rios e suas
orlas em problemas a serem enfrentados pelas administrações municipais
brasileiras. Observa-se que, ainda que existam experiências distintas em outros
lugares do mundo, as gestões públicas neste país não se inspiram em modelos bem
sucedidos de uso e ocupação das orlas.
O Brasil, país com abundância de água, vivencia sérios problemas relativos à
poluição de seus rios, demonstrando a sua não valorização. Com grande parte de
sua população vivendo em cidades, percebe-se o não tratamento dos efluentes dos
rios e a impermeabilização do solo, com construção de vias, onde se prioriza a
mercantilização do espaço urbano. Resíduos gerados por conglomerados urbanos
são descartados no meio ambiente sem o devido tratamento, poluindo e destruindo
os rios e suas orlas.
Na cidade de Campos dos Goytacazes, o Rio Paraíba do Sul teve um papel
fundamental em seu desenvolvimento socioeconômico, a partir de seu uso como
eixo navegável, para o transporte de mercadorias e pessoas. Também foi utilizado
para competições de natação e de remo. A sua orla foi um dos espaços mais bonitos
da cidade, com áreas destinadas ao passeio público e a contemplação da vida. No
entanto, hoje se percebe um descaso à sua presença, muitas vezes visto apenas
como um limite entre bairros ou entre os bairros do Centro e de Guarus. O rio é
considerado por muitos como um entrave ao deslocamento ou como ameaça à
população pelas inundações que provoca nos períodos de cheias.
Diante dessa realidade, movida pela inquietação relativa ao tratamento que se
tem dado ao rio Paraíba do Sul e com a forma de ocupação da sua orla na área
urbana do município de Campos dos Goytacazes, entendendo-o como um potencial
20
espaços da orla urbana do rio Paraíba do Sul. Acredita-se que este estudo possa
despertar o olhar de gestores públicos para a presença do rio e o s eu potencial
como área de lazer, contemplação e de práticas de esportes, estimulando ações
voltadas para a sua valorização e preservação da paisagem cultural que emoldura a
cidade e, dessa forma, contribuir para promover a reintegração do rio à vida da
população campista, como elemento essencial para a vitalidade da cidade.
O desenvolvimento da pesquisa contemplou alguns métodos, de natureza
qualitativa, seguindo o preceito de Goldenberg (2004, p. 49) de que “os dados da
pesquisa qualitativa objetivam uma compreensão profunda de certos fenômenos
sociais apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação
social.” Dessa forma, os dados coletados possibilitaram o entendimento do
significado e a descrição do fenômeno estudado.
Duas abordagens foram utilizadas. A primeira tem o foco na parte teórica,
onde se buscou conhecer alguns conceitos, para a compreensão de desenho
urbano, sua relação com a paisagem cultural, a presença de um curso d‟água nesse
contexto, os seus valores e significados. Também foi importante, nessa etapa, a
compreensão da evolução da relação entre cidades em geral e cursos d‟água. Para
isso, foram pesquisados referenciais teóricos, através de consultas a livros, revistas,
jornais e em sites especializados da web.
A segunda abordagem direcionou-se ao caso específico do Rio Paraíba do
Sul no contexto urbano da cidade de Campos dos Goytacazes. Dentre os
instrumentos de pesquisa, foram realizadas observações sobre o uso da área em
estudo, com registro fotográfico, objetivando identificar os atores que atualmente
exercem alguma atividade no local e compreender a sua relação com o mesmo.
Serão eles responsáveis por mudanças funcionais? Que impactos são gerados pela
utilização desse espaço?
O registro fotográfico das formas atuais de ocupação e das práticas sociais
ainda exercidas no rio Paraíba do Sul e nas suas orlas, foi utilizado com a finalidade
de comparar com fotografias feitas no passado que demonstram quais foram os
usos e ocupações naquela época, cujas fotos encontram-se arquivadas no Centro
de Memória Fotográfica do Instituto Federal Fluminense de Campos dos Goytacazes
e no Arquivo Público Municipal. O acesso a esse acervo permitiu identificar as
mudanças e permanências dos usos do espaço e na paisagem cultural e subsidiou a
proposição de intervenções. Essa pesquisa foi realizada a partir de dois recortes
23
magnitude, capaz de proporcionar, por sua reconciliação com o meio urbano, novas
formas de vida para a população.
2 O PAPEL DOS RIOS NA FORMAÇÃO DAS CIDADES
apenas uma aldeia que cresceu. Ela se forma, como pudemos ver, quando
as indústrias e os serviços já não são executados pelas pessoas que
cultivam a terra, mas por outras que não tem essa obrigação e que são
mantidas pelas primeiras com o excedente do produto total (BENÉVOLO,
2003, p. 23).
Como fonte de vida, o rio fornece ao homem elementos essenciais para a sua
sobrevivência. A água é um recurso finito, de valor econômico, associado à história
do surgimento e desenvolvimento das cidades, portanto imprescindível ao homem.
O Brasil, país rico em água, concentra cerca de 12% dos recursos hídricos do
mundo (ANA, 2010). No entanto, a sua distribuição ocorre de forma extremamente
desigual entre as suas regiões.
Além disso, muitos são os problemas em torno dos recursos hídricos,
resultantes das relações do homem com o meio ambiente, variáveis de acordo com
as classes sociais, a sua cultura e o seu modo de produção.
Antes das descobertas científicas, a terra e a natureza eram valorizadas como
organismos vivos, geradores do sustento da vida. Contudo, o desenvolvimento da
ciência e os avanços tecnológicos, especialmente com o advento da Revolução
Industrial, geraram uma nova concepção – a de dominação do homem sobre a
natureza. Em atendimento aos interesses da produção e, naturalmente, às classes
dominantes, se inicia um processo de exploração ilimitada dos recursos naturais do
32
Como grande fonte poluidora dos cursos d‟água no Brasil, o esgoto tem sido
responsável por problemas ambientais, interferindo também na qualidade de vida e
na saúde das pessoas, especialmente daquelas que vivem às suas margens. No
texto de Severino Lessa, a seguir, é possível perceber a preocupação com a
ocupação das margens fluviais, neste caso se mostrando apreensivo com a água
potável e o abastecimento da cidade de Campos dos Goytacazes.
Os rios oferecem sempre nas suas margens optimo logar para núcleo das
povoações: “são estradas que andam” fornecem água fartamente, além da
pesca. Por isso, já na antiguidade os homens procuravam estabelecer-se à
beira dos cursos d'água e quase todas as cidades importantes são
atravessadas por um rio. E já desde então houve mau vezo de se lançar
immundicies à água (LESSA, 1909, apud MAIA, 2003, p.12).
O que se observa é que muitas cidades têm virado as costas para o rio, que
passa a ser apenas um recurso, no sentido de fornecimento de água, fluxo de
mercadorias e demais usos necessários. Porém, espaços de convivência são
criados longe do rio, fazendo com que se perca a sociabilidade e a integração entre
desenvolvimento local e elementos da paisagem.
Entre seus inúmeros papéis, a paisagem urbana também é algo a ser visto
e lembrado, um conjunto de elementos do qual esperamos que nos dê
prazer. [...] Olhar para as cidades pode dar um prazer especial, por mais
comum que possa ser o panorama. Como obra arquitetônica, a cidade é
uma construção no espaço, mas uma construção de grande escala; uma
coisa só percebida no decorrer de longos períodos de tempo (LYNCH,
1997, p.1).
A paisagem nada tem de fixo, de imóvel. Cada vez que a sociedade passa
por um processo de mudança, a economia, as relações sociais e políticas
também mudam, em ritmos e intensidades variados. A mesma coisa
acontece em relação ao espaço e à paisagem que se transforma para se
adaptar às novas necessidades da sociedade (SANTOS, 1997, p. 37).
Para Saraiva (2005, apud GORSKI, 2010), num determinado espaço físico, a
paisagem é composta pelas relações entre homem e natureza. Sobre a relação do
rio com a paisagem, a autora alerta quanto aos processos físicos e ecológicos e as
variáveis espaciais e temporais que afetam o fluxo das águas, destacando também a
importância da relação da sociedade com os sistemas fluviais. O tratamento dado ao
curso d‟água, de valorização ou deterioração interfere diretamente na dinâmica da
paisagem local.
Nesta mesma linha, Costa (2006, p.12) alerta que “compreender o rio urbano
como paisagem é também dar a ele um valor ambiental e cultural [...]. É reconhecer
que rio urbano e cidade são paisagens mutantes e com destinos entrelaçados.” A
partir desse entendimento, a autora conclui que “desenhar a paisagem a partir das
águas dos rios que cruzam ou bordeiam a cidade é, portanto, um desafio e uma
oportunidade privilegiada”.
Um espaço construído traz consigo significados, que são transmitidos pelos
elementos que o constituem, caracterizando diferentes épocas e classes sociais. O
território urbano é organizado e transformado pela sociedade a partir de suas
vivências e significados. A análise dos objetos do cotidiano, da representação das
paisagens e da construção das identidades culturais, faz-nos compreender a
definição de cultura por Cosgrove e Jackson (2000, p.25): “cultura é o meio pelo qual
as pessoas transformam o fenômeno cotidiano do mundo material num mundo de
símbolos significativos, ao qual dão sentidos e atrelam valores”. A partir daí, justifica-
se o uso do termo paisagem cultural urbana.
35
Neste viés, Corrêa (1995) afirma que o espaço adquire diferentes dimensões
e formas, representando valores e significados especiais e distintos para os que nele
vivem.
espaços entre diferentes grupos sociais formados pelos habitantes da área central e
pelos que ocupavam a periferia, na orla esquerda do rio, menos privilegiada.
Ao ressaltar a relação da cidade com o homem que nela vive, Argan (2005)
chama a atenção para a dimensão da existência como norteadora dos espaços. O
papel desempenhado pelas imagens ambientais, entendido a partir da vivência e
das práticas sociais do seu habitante ou frequentador, reflete a identidade local.
Lynch (1997) exalta a importância da imagem que cada morador faz de sua cidade,
ou de alguma parte dela, impregnada de valores, lembranças e significados. Para
ele, as pessoas e as atividades que elas exercem são tão importantes quanto a
1
Nome tupi que significa pescaria, aplicado aos habitantes das margens do Paraíba do Sul.
37
que seria de Londres sem o Tâmisa, Roma sem o Tibre, Paris sem o Sena, Viena e
Budapeste sem o Danúbio?” nos chama a uma reflexão: existiria a cidade de
Campos dos Goytacazes sem o Paraíba do Sul? (CARTA CAPITAL, 2014, p.81).
Cidades que se voltam para o rio, tirando proveito dele, como elemento
constituinte do ambiente e da cultura local, são exemplos que chamam a atenção,
pela relação diferenciada da sua população com o curso d‟água, que resulta em
melhor qualidade ambiental e, consequentemente, maior qualidade de vida urbana.
3 CIDADES QUE SE VOLTAM PARA O RIO
Com a intervenção feita, a cota inferior, próxima à água do rio, passou a dar
acesso apenas a pedestres e veículos não motorizados, excetuando apenas carros
de emergência e manutenção. Na cota superior, as calçadas para pedestres se
localizam na faixa mais próxima ao rio, enquanto o tráfego de veículos se dá
naquela que fica mais perto dos prédios. Escadas e elevadores fazem a conexão
entre esses dois níveis. Também foram construídos pequenos postos de saúde e
pontos de informação e aluguel de bicicletas.
Ao norte da área fica a parte menos urbanizada do parque, com áreas que
preservam a fauna e a flora ribeirinhas (Figura 3). Na região mais central, podem ser
vistos barcos atracados, utilizados como cafés, restaurantes e casas noturnas
(Figura 4).
Figura 3: Trecho de intervenção que considera áreas para fauna e flora ribeirinhas
Fonte: Siqueira (2013).
44
Figura 4: Trecho de intervenção que considera barcos atracados para diversificação de usos
Fonte: Siqueira (2013).
O rio Tâmisa, em Londres, é definido por Mann (1973) como o rio da arte,
arquitetura e história (Figura 8). É também considerado o “coração da vida londrina”,
por onde transitam, diariamente, milhares de pessoas, moradores e turistas, que têm
a oportunidade de usufruir de tão bela paisagem.
Porém, ele já foi considerado o rio mais poluído do mundo. A instalação de
fábricas ao longo de suas margens, pós Revolução Industrial, trouxe grandes danos
a esse rio, cujas águas recebiam grande quantidade de esgoto, causando problemas
à saúde pública, por ser a principal fonte de água potável de Londres.
A bacia do rio Don tem área aproximada de 360 km² e o seu rio percorre 38
km de extensão da região de Toronto, no Canadá (Figura 11), tendo tido grande
influência sobre o processo de seu crescimento urbano, desde a colonização da
região, pelo aproveitamento de seu potencial energético e de mineração e pela
utilização de suas matas ciliares para exploração de madeira (GORSKI, 2010).
Entretanto, pelas constantes enchentes que causava (Figura 12), o rio Don
era visto como uma ameaça aos moradores e um obstáculo à expansão da cidade, o
que se acentuou, de acordo com Gorski (2010), a partir da segunda metade do
século XIX, com a urbanização e crescente ocupação de suas margens, acarretando
um processo de degradação ambiental de sua bacia hidrográfica.
Figura 11: Vista do Vale do Baixo Don, com a vista de Toronto ao fundo.
Fonte: Gorski (2010, p.134).
50
Figura 13: Projeção do curso original do Rio Don sobre trecho retificado.
Fonte: Hough (1995 apud PORATH, 2004, p.41).
51
rios ou mares. Dentre elas, a cidade de Piracicaba, em São Paulo, que, após anos
vivenciando uma relação de desprezo, reviu essa posição, passando a se voltar para
o rio.
Inspiradas em experiências internacionais, cidades como o Rio de Janeiro,
impulsionado pelos megaeventos esportivos, como a Copa do Mundo 2014 e as
Olimpíadas 2016, vem também recuperando suas áreas degradadas ao longo da
Baía de Guanabara. No entanto, não é essa a visão que interessa apontar nesta
pesquisa, pelo entendimento de que está voltada para a face mercantilista, em que a
cidade se mostra como mercadoria, superando o objetivo de integração do curso
d‟água com o cidadão local.
Figura 16: Via de pedestres com piso drenante,em área lindeira ao jeito do Rio Piracicaba.
Fonte: Gorski (2010, p.199).
57
Figura 17: Vista da Rua do Porto, com acessos à margem do rio Piracicaba.
Fonte: Gorski (2010, p.201).
Conhecido também como "Uma janela para o Rio", o projeto, que utilizou uma
área de cinco mil metros quadrados de frente para a baía do Guajará, se preocupou
com a praticidade no uso do espaço urbano, aliada à possibilidade de contemplação
da paisagem (Figura 18). O Complexo Turístico Ver-o-Rio oferece comidas típicas,
shows musicais, cultura, em uma espécie de praça pública, além de pedalinhos nas
águas do rio, sendo considerado um dos melhores locais de lazer em família da
capital paraense. Um restaurante funciona dentro de uma balsa, ancorada no
complexo, levando à sensação de se estar em alto mar.
3
“O waterfront (frente de água) é uma estrutura que surge no contexto da crise e da reestruturação
destes espaços, tornando-se efetivamente a materialização de uma política de desenvolvimento
urbano, de dinamização econômica e de promoção magistral de bem-estar de comunidades, cidades
e economias relativamente estagnadas” (PONTE, 2004, p. 85).
61
além de uma incrível vista para o rio Guajará, como resultado da revitalização de
uma área de 40.000 m².
Um olhar voltado para a percepção dessas relações, bem como do rio com a
sua população, a partir de sua bacia hidrográfica, se faz necessário para que se
compreendam os aspectos culturais e ambientais locais, constituindo assim uma
análise de como a cidade habita o rio (COSTA, 2006).
Figura 22: Estado do Rio de Janeiro, destacando o Município de Campos dos Goytacazes
Fonte: Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes (2010)
Figura 23: Vista da margem direita do rio Paraíba do Sul na cidade de Campos dos Goytacazes
Fonte: Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes (2010)
Nessa perspectiva, Faria (2013) lembra que as vilas de São Salvador dos
Campos e São João da Barra, situadas às margens do rio Paraíba do Sul, foram os
primeiros centros urbanos criados no século XVII na Região Norte Fluminense e
64
4
Os royalties do petróleo são uma compensação financeira devida ao Estado pelas empresas que
exploram e produzem petróleo e gás natural. É uma remuneração à sociedade pela exploração
desses recursos que são escassos e não renováveis (ANP).
65
Figura 24: Ocupação à margem direita do rio Paraíba do Sul, no centro de Campos dos Goytacazes
Fonte: Elaborado pelo Autor (2015).
5
O território da bacia banha 88 municípios em Minas Gerais, 57 no Rio de Janeiro e 39 em São Paulo
(AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2000).
67
O rio Paraíba do Sul está enfrentando a pior seca dos últimos 80 anos. Em
Campos dos Goytacazes, o nível das águas chegou a 45 centímetros abaixo do
normal nessa época, mês de julho (Figura 29), o que traz preocupação e prejuízo,
especialmente aos produtores rurais e pescadores, que, não encontrando mais
peixes no rio, têm que buscar outras fontes alternativas para a sua s obrevivência.
70
Figura 29: Rio Paraíba do Sul - nível mais baixo desde 1931 – 4,80 metros
Fonte: Divulgação (JORNAL O DIA, 25 jul.2014).
Com um bom vento „nordeste‟ pela popa, uma prancha podia fazer o
percurso São João da Barra – Campos em três horas [...] De vez em
quando havia corridas de pranchas e era uma festa. Elas só faltavam, como
na anedota do jangadeiro e do transatlântico, oferecer reboque aos
vaporzinhos fluviais que ainda teimavam em navegar pelo Paraíba
(RODRIGUES, 1988, p.203).
Em 1943, a cidade é tomada, mais uma vez, pelas forças das águas, quando
ocorre uma das cheias mais marcantes da planície Goitacá.
Em 1966, as águas voltaram a subir e o nível das águas chegou a 10,80
metros, registrando uma das piores cheias do rio Paraíba (Figura 34). A inundação
arruinou toda safra de cana de açúcar e desabrigou 11 mil pessoas só na cidade de
Campos dos Goytacazes.
78
grande receptor natural de esgotos de fontes diversas, que transformam seu leito
num manancial lodoso e barrento. É dessa forma que ele chega a Campos, depois
de vencer o último degrau acidentado de seu curso, em São Fidélis, o que leva o
campista a olhar para ele, muitas vezes com tristeza e desconfiança, pela poluição
de metais pesados, que as grandes indústrias teimam em despejar em sua corrente,
conforme relata Pinto (2006).
No entanto, essa condição já ocorria quando a cidade ainda era vila e as suas
condições de higiene eram precárias. O rio, que abastecia a população campista
com água para beber e cozinhar, recebia também as suas fezes. Dessa forma, a
água consumida pela população esteve, por diversas vezes, contaminada. Em 1843,
o cidadão Manuel Francisco Dias requereu à Câmara licença para montar pipas em
carroças e vender água à população. Mas a coleta de água no rio até encher as
pipas era demorada e penosa. Em 1844, foi instalada a primeira bomba na Beira Rio
e, a partir daí, outras bombas surgiram, melhorando o suprimento de água à
população, embora com qualidade suspeita (RODRIGUES, 1988).
Em 1882, o governo contratou um serviço de água e esgotos, que passou a
ser concedido pela Companhia “The Campos Syndicate Limited”. Nesse período, o
engenheiro sanitarista Saturnino de Brito, prestando assessoria técnico-científica à
Câmara Municipal de Campos, sugere a mudança da captação da água para as
fontes do Imbé ou Rio Preto. Em seu livro “Saneamento de Campos”, Saturnino de
Brito aborda o problema da qualidade da água consumida pela população campista,
por receber dejetos humanos das cidades situadas às suas margens (RODRIGUES,
1988).
Outro acontecimento histórico na cidade foi a construção da Ponte Municipal,
hoje Ponte Barcelos Martins (Figura 36), em estrutura metálica. Idealizada pelo
Barão da Lagoa Dourada, em 1837, teve a sua aprovação para construção somente
em 1869, sendo inaugurada em 1873. A ponte tinha 4,57 m livres para o trânsito de
carros, carroças e cavaleiros; 1,06 m de cada lado para os transeuntes a pé e 253 m
de comprimento e representou a primeira ligação de Guarus ao centro de Campos,
funcionando, à época, com cobrança de pedágio. Cinco dias após a sua
inauguração o escravo Malaquias suicidou-se, atirando-se dela ao Paraíba
(RODRIGUES, 1988).
80
Anos mais tarde, em 1876, numa manhã fria de inverno, o Barão da Lagoa
Dourada chegou ao meio da ponte, atirou o chapéu onde depositou dois cartões de
visita, despiu o sobretudo e se atirou (RODRIGUES, 1988).
Faria (2008) relata que “a dinamização das vias f érreas provocou a redução
gradativa do transporte fluvial, até que este fosse eliminado totalmente [...]. Mas as
antigas pranchas circularam pelos canais e rios até 1920-1930” (FARIA, 2008, p.47).
Pela facilidade de circulação, a economia do município foi expandida e a
riqueza gerada pela cana-de-açúcar trouxe crescimento e desenvolvimento à cidade.
82
Até os fins da década de 1940, o Rio Paraíba era uma festa, além de sua
faceta utilitária e de prestação de serviços. O centro da vida da juventude e
da mocidade, a sua enorme piscina sem fronteiras e oferecendo o seu
dorso para as entusiásticas competições do Remo (RODRIGUES, 1988,
p.271).
Também a pesca foi bastante praticada nas orlas do rio. O robalo, peixe de
carne muito apreciada, foi alvo de interesse dos pescadores, que o deliciavam junto
às suas famílias e amigos.
O rio, cantado em verso e prosa pelos poetas, passou a ser um rio patético.
Espreguiçando-se por curvas largas, no trecho do município de Campos, na
época do mês de julho pode-se contar 48 ilhas em seu curso, onde
antigamente foi possível a navegabilidade. Há mais de um século barcos a
vapor singraram suas águas. E também a pesca teve ponto alto, daí ter sido
considerado o “paraíso dos robalos” delícia da tradicional culinária campista
(PINTO, 2006, p.65).
6
Uma das versões da lenda do Ururau da Lapa conta a historia de amor entre a filha de um coronel
muito rico e um cortador de cana muito pobre. Combinados de fugir no dia da festa da chegada do
sino para a Igreja da Lapa, foram surpreendidos pelo pai da moça, que atira o rapaz no rio Paraíba do
Sul, em frente ao Convento da Lapa. O Deus das Águas, insatisfeito com a violência do “coronel”,
transforma o rapaz num enorme jacaré de papo amarelo, o Ururau, que se encarrega de tombar o
barco que trazia o sino e se esconde dentro dele, aguardando para voltar e ficar definitivamente com
sua amada.
84
7
A partir de dados acessados no Google Earth. Disponível em: <https://www.google.com/earth/ >.
Acesso em: 15 jan. 2015
90
cultural das orlas e suas práticas sociais na atualidade, a partir dos planos diretores,
de 1991 e 2008.
Cabe salientar a distinção da gestão do espaço urbano, associada às
diferentes temporalidades. Exalta-se a grande representatividade da Constituição
Federal de 1988, por inserir em seu texto artigos que tratam da função social da
cidade e da propriedade e da gestão democrática da cidade, seguida do Estatuto da
Cidade, Lei 10.527 de 2001, que regulamenta os citados artigos e acrescenta a
exigência da elaboração de planos diretores participativos aos municípios com mais
de vinte mil habitantes.
Figura 46: Planta da cidade de Campos dos Goytacazes - Plano de Saneamento de Saturnino de
Brito (1903)
Fonte: Arquivo Público Municipal de Campos dos Goytacazes (2015).
Em seu Art. 40, inciso IV, o incentivo à prática do remo e da vela na lagoa de
Cima, na lagoa Feia, na lagoa do Vigário e no rio Paraíba do Sul, é considerado uma
das medidas prioritárias de gerenciamento para o esporte e lazer no Município.
Também como medidas de gerenciamento para valorizar o patrimônio natural
e cultural, o Art. 89 aponta o aproveitamento dos principais corpos d‟água do
município “[…] Rio Paraíba do Sul, Lagoa de Cima, Lagoa Feia, entre outros – como
eixos cultural, ambiental e econômico, com o incentivo à implantação de atividades
turísticas e de lazer, tais como instalação de restaurantes flutuantes, passeios de
barco, prática de remo e canoagem (CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2008a).
Uma das ações de planejamento para qualificar o espaço urbano e os seus
serviços se constitui em “qualificar a ocupação da orla oceânica e das margens dos
corpos d‟água, limitando o uso e a ocupação do solo que inibam ou impeçam a
fruição da paisagem e permitam a instalação de atividades voltadas para o turismo e
lazer” (CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2008a).
O Art. 138, em seu inciso V, define o trecho municipal do rio Paraíba do Sul e
suas ilhas entre as Áreas de Valorização Turística e de Lazer que, “por seus
recursos naturais, culturais e paisagísticos, apresentam condições para
consolidação e ou exploração de atividades turísticas, culturais e de lazer”
(CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2008a).
O Plano também define que as Áreas de Especial Interesse Ambiental e de
Valorização Paisagística estão compreendidas entre duas categorias: Áreas de
Especial Interesse Ambiental e Áreas de Especial Interesse de Recuperação e
Valorização Paisagística. Essas últimas compreendem espaços que possam
contribuir para a formação de ambiências urbanas dotadas de amenidades físicas
que, requalificados paisagística e ambientalmente, sirvam à fruição e ao lazer da
população, tendo como finalidade a recuperação dos recursos naturais adjacentes
às unidades de conservação e a recuperação e valorização de áreas com
reconhecida qualidade ambiental e paisagística para utilização como espaços de
lazer. O mapa 7 do anexo I do Plano Diretor (Figura 49), nos permite obs ervar que
101
LEGENDA:
estrutura apropriada, pessoas utilizam as orlas para pescaria, como pode ser visto
na figura 51.
Figura 51: Uso da orla direita para pescaria (ao fundo, Igreja da Lapa)
Fonte: Elaborado pelo Autor (2015).
Figura 56: Vista da orla esquerda, onde destacam-se o Edifício Concorde e a Igreja de Santo Antônio
Fonte: Elaborado pelo Autor (2015).
Figura 57: Prédios da Universidade Federal Fluminense (UFF) em construção, com Galpão da antiga
Estação à frente
Fonte: Elaborado pelo Autor (2015).
107
Das festas que se dão hoje no centro de Campos não mais faz parte o rio
Paraíba do Sul, esquecido junto às edificações que se perderam com o tempo.
Prédios de valor histórico e cultural, que compunham o entorno da praça central, a
Praça São Salvador, situada à margem do rio, hoje já não formam mais um conjunto,
pois vários se perderam, “engolidos” pelo mercado, que os substituiu por
construções modernas, mais interessantes pelo olhar comercial.
As transformações ao redor da praça central podem ser vistas nas figuras 58
e 59, onde se percebe a substituição de diversas construções, que contavam a
história da cidade. Dentre elas, destaca-se o edifício dos Correios e Telégrafos.
108
Figura 59: Esquina da Praça São Salvador: Avenida Alberto Torres (Imagems de 1901 e 2015)
Fonte: Pimentel (2014)
Figura 60: Praça São Salvador: Centro de Campos dos Goytacazes-RJ: antes da reforma de 2004
Fonte: Jornal Folha da Manhã (13 out 2013).
Figura 61: Praça São Salvador: Centro de Campos dos Goytacazes-RJ: depois da reforma de 2004
Fonte: Pimentel (2014)
Figura 62: Praça das Quatro Jornadas, onde se vê o Edifício Garagem e o Chafariz
Fonte: Elaborado pelo Autor (2015).
Por não haver também ciclovias na orla direita, os ciclistas que trafegam no
local se dividem com os carros e não é raro encontrarmos bicicletas amarradas em
postes de iluminação ou no guarda-corpo do dique, pela deficiência de bicicletários
ou pontos de apoio para esse tipo de transporte.
A Praça Duque de Caxias se encontrava, até recentemente, totalmente
ocupada por ambulantes, gerando uma desordem ambiental, poluição visual e
desconforto a todos que por ali transitavam. À noite, esses espaços vêm sendo
ocupados, há anos, por moradores de rua, que se protegem sob marquises de lojas.
Nos últimos dias, os ambulantes foram removidos, noticiando-se que o poder público
procederá ali uma intervenção urbanística. Porém, a imagem atual ainda é
degradante, não aparentando indício algum de obra (Figura 66 e Figura 67).
Figura 66: Praça Duque de Caxias (2010) Figura 67: Praça Duque de Caxias (2015)
Fonte: Elaborado pelo Autor (2010). Fonte: Elaborado pelo Autor (2010).
113
Figura 69: Prática de stand up peddle no rio Paraíba do Sul em Campos dos Goytacazes
Fonte: Elaborado pelo Autor (2015).
8
Stand up peddle é uma modalidade esportiva surgida na década de 1960 nas Ilhas Havaianas e
praticada no Brasil a partir de 2012. O esporte consiste em se remar em pé em cima de uma prancha.
114
Aos sábados, após o horário comercial, e aos domingos, a orla direita é bem
pouco frequentada. No entanto, como que em busca de resgatá-la ou pelo olhar
novo dos que não a vivenciaram antes, mas percebem o rio como um atrativo e não
uma ameaça ou um obstáculo a transpor, algumas pessoas se utilizam daquele
espaço para praticar a pesca, como já citado, para namorar ou mesmo contemplar
aquela bela paisagem, ainda que não haja espaços destinados a tais atividades.
É notório que a falta de equipamentos de lazer e atrativos, capazes de
estimular o uso das orlas urbanas de forma prazerosa, contribui para a relação que
se dá hoje, levando a maioria da população a virar as costas para o rio, reafirmando
a sua falta de identidade com o mesmo.
115
Tal constatação leva a autora deste trabalho a buscar meios para reverter
esse quadro. Dentre eles, a proposta de se elaborar projetos que apresentem
soluções comprometidas com a melhoria da qualidade socioambiental, de modo a
proporcionar à cidade de Campos dos Goytacazes e à sua população novas formas
de uso das orlas do rio Paraíba do Sul e, consequentemente, um novo convívio,
onde o curso d‟água retome o seu papel de protagonista na cena urbana.
Iniciativas dessa natureza implicam também na revisão da legislação
urbanística vigente, especialmente na Lei de Uso e Ocupação do Solo, no que se
refere às construções atualmente permitidas ao longo das margens do rio, no
sentido de estabelecer gabaritos máximos, como forma de coibir a expansão de
prédios altos nesse espaço, que interfeririam negativamente na paisagem da cidade.
A essa etapa de pesquisa e percepções da autora sobre os diferentes tipos
de uso na área delimitada, constatou-se a necessidade de incorporar a visão de
moradores da cidade, englobando aqueles que vivenciam o espaço e os que não o
frequentam ou o frequentam eventualmente, através da aplicação de entrevistas.
Esta forma de reconhecimento do espaço dialoga com a teoria de Lynch
(1997), que aponta que a legibilidade de uma cidade se dá a partir de lembranças e
experiências vividas e, dessa forma, deve se considerar o modo como os seus
habitantes a percebem.
estudantes que vivem hoje em Campos e nunca tiveram relação alguma com o rio
Paraíba do Sul no contexto estudado, que pode estar aqui inserida em algum dos
dois tipos citados.
9
“Zerão” é o nome dado, especialmente por quem pratica caminhadas, à área delimitada, que
compreende as duas margens, da Ponte da Lapa à Ponte General Dutra.
119
imóveis antigos, que guardam a história da cidade e melhor utilização dos espaços
livres.
O remador José Moraes, conhecido como “Pancada”, relata que começou a
remar em 1961, quando a água era farta, não se via ilhas e o rio era bonito de se
apreciar. Para ele, que há alguns anos voltou a praticar o remo pelo Clube de
Regatas Campista, a seca traz muitos prejuízos e perigos aos usuários de barcos.
Ele exalta a paisagem da cidade vista por quem está no rio praticando a pesca, o
remo ou passeios de barco, critica a demolição, pelo poder público, do Pavilhão de
Regatas e sugere a criação de um parque para crianças no cais, que poderia ser em
uma plataforma elevada, para fugir das águas de verão.
Os depoimentos apresentados reafirmam a visão de Maia (2013, p.10), que
aponta: “o Rio Paraíba do Sul, tão expressivo para a minha geração e a dos que me
antecederam, deixou de ser signo, perdeu o significado para as novas gerações
porque não foi mais „sentido‟ por elas”. A autora relaciona o conhecimento do objeto
às sensações que ele possibilita ao sujeito experimentar, o que pode ser recuperado
a partir de ações que tenham esse foco.
Percebe-se que a aceitação à criação de espaços de convívio nas margens
do rio Paraíba do Sul, no trecho urbano de Campos dos Goytacazes, abrange
classes sociais diversas, o que demonstra que intervenções dessa natureza trariam
um bem-estar geral e mudanças de usos, que permitiriam a reconciliação da cidade
com o rio.
Percebe-se não apenas a importância das águas dos rios, que sabemos
fundamentais para a sustentabilidade das cidades, mas também pelo
nascimento de uma nova abordagem, onde as paisagens dos rios não são
mais percebidas apenas pelo ponto de vista da engenharia, onde a técnica
deve suplantar a natureza. Buscam-se agora novos valores onde as
paisagens dos rios assumem novos significados, principalmente em termos
ambientais e culturais (p.22).
Este trabalho retratou a importância dos rios na formação das cidades, desde
os tempos primórdios, ressaltando as suas funções, essenciais à vitalidade e ao
desenvolvimento das civilizações. Também evidenciou que a água, recurso natural
abundante no Brasil, se configura como elemento norteador do desenho urbano e
relevante na paisagem de um lugar, que reflete a cultura e as atividades sociais e
econômicas realizadas pelo homem. Os estudos efetuados permitiram identificar o
quanto interferências humanas no espaço físico são capazes de alterar a paisagem
urbana. O processo de urbanização reafirma esse fato, ao mostrar a sua intervenção
na dinâmica das cidades, tanto na sua configuração física como nos vetores
econômico, social e cultural.
Neste contexto, percebe-se que a poluição dos cursos d‟água nos meios
urbanos tem sido uma constante. A concentração populacional nas cidades, seguida
da ocupação das margens dos rios por habitações e sistemas viários, junto à
eliminação das matas ciliares, são alguns fatores que favoreceram a formação do
quadro atual, de não reconhecimento do rio como um bem natural a ser preservado
e explorado como potencial para atividades esportivas e de lazer, capaz de oferecer,
em suas margens, magníficos espaços de convívio e contemplação.
Na busca de reverter esse processo de degradação ambiental, tem-se
presenciado reflexões seguidas de ações, no âmbito mundial, especialmente a partir
da década de 1960, a favor de se rever a relação homem/natureza. Discussões
acerca de problemas ambientais acontecem em eventos mundiais, que apontam a
necessidade de implementar políticas normativas para salvaguardas ambientais,
gestão dos recursos naturais e, mais recentemente, o desenvolvimento sustentável,
128
como meta a ser alcançada. Neste sentido, os países criaram ou revisaram sua
legislação pertinente.
No entanto, embora o Brasil apresente leis e órgãos governamentais
específicos, com autonomia aos municípios para a gestão de seu território, é
possível perceber, nas cidades brasileiras, que as políticas públicas não priorizam
ações voltadas à infraestrutura que contemple tratamento de esgotos, de forma a
evitar o despejo de dejetos nos rios, mares e demais corpos d‟água. Também as
formas de ocupação das orlas, que ignoram os princípios de preservação, têm
gerado agressões ambientais e intervenções negativas nas paisagens e na
identidade da população com o espaço urbano em que vivencia.
Neste sentido, constatou-se que a relação atual da cidade de Campos dos
Goytacazes com o rio Paraíba do Sul, objeto desta pesquisa, não difere da maioria
das cidades ribeirinhas ou à beira de rios situadas no Brasil.
A reversão do quadro de abandono em que se encontram o rio Paraíba do Sul
e suas margens demanda uma conscientização de toda a população campista e do
poder público municipal quanto à necessidade de recuperar essas áreas, como parte
do processo de requalificação do centro de Campos dos Goytacazes. Propostas que
contemplem o desenvolvimento urbano a partir da valorização do rio como um
potencial natural e patrimônio local, integrando-o à vida do cidadão e incentivando
uma relação de pertencimento, podem contribuir de modo relevante para a mudança
do panorama atual. Nessa linha de pensamento, acredita-se que, de acordo com
Santos (1988, apud PAES, 2006, p.15), “as pessoas que conseguem distinguir a
„cara‟ do lugar em que vivem e lembrar como era e como evoluiu e chegou a ser o
que é se sentem mais seguras, têm a sensação mais forte de serem dali.” As
entrevistas realizadas nesta pesquisa puderam confirmar esta visão.
Um estudo mais detalhado da legislação urbanística municipal permitiu
confirmar que no Plano Diretor de Campos o rio Paraíba do Sul é contemplado como
um bem natural de grande valor, situado em Área de Especial Interesse
Paisagístico, que compreende espaços que podem contribuir para a formação de
ambiências urbanas que, requalificados paisagística e ambientalmente, sirvam à
fruição e ao lazer da população. O incentivo à prática do remo e da vela em seu
curso é considerado uma das medidas prioritárias de gerenciamento para o esporte
e lazer em Campos dos Goytacazes. Também como forma de valorizar o patrimônio
natural e cultural, o Plano aponta o aproveitamento dos principais corpos d‟água do
129
município, como o Rio Paraíba do Sul, como eixo cultural, ambiental e econômico,
com o incentivo à implantação de atividades turísticas e de lazer, tais como
instalação de restaurantes flutuantes, passeios de barco, prática de remo e
canoagem. No entanto, não é difícil perceber que a gestão do que foi planejado na
legislação citada, não vem acontecendo de forma satisfatória. Esse fato reafirma a
visão de que falta ao poder público local vontade política de implementar ações
voltadas à valorização da cidade, em seus aspectos sociais, ambientais e culturais.
No que se refere às construções às margens do rio, entende-se que a Lei de
Uso e Ocupação do Solo é bastante permissiva no trecho estudado, onde, com
exceção da Zona Centro Histórica, não se limita o gabarito máximo para edificação,
o que demonstra, neste caso, falta de consciência da população, que teve a
oportunidade de alterar os índices urbanísticos à época da revisão da legislação,
feita de forma participativa, como preceitua o Estatuto da Cidade.
Os referenciais de cidades que se reconciliaram com os seus cursos d‟água
demonstram que a utilização dos rios para navegação ou prática de esportes
aquáticos e de suas orlas urbanas como áreas de convívio, lazer ou contemplação
possibilitam um contato físico e visual da população com as águas e,
consequentemente, um maior cuidado com esse bem tão precioso. Isso fortalece o
reconhecimento do rio Paraíba do Sul como um patrimônio natural relevante no
contexto urbano e histórico de Campos dos Goytacazes e possuidor de um
expressivo simbolismo para a sua população.
Importa, pois, reconhecer a presença de áreas públicas livres como ponto
forte no planejamento urbano. Nessa linha de raciocínio, em resposta às questões
formuladas no início desse trabalho de pesquisa, entende-se que grandes benefícios
teria a cidade de Campos dos Goytacazes por intervenções que permitissem um
ressignificado aos espaços livres situados nas orlas do rio Paraíba do Sul, que
deveria atuar como protagonista no cenário urbano. Constata-se ainda que
alterações na paisagem e na relação da população com o meio urbano
influenciariam na economia da cidade e o incentivo à prática de esportes e passeios
de barco no rio fomentaria o turismo na região.
Acredita-se que todo o estudo apresentado conduz à percepção do quão
importante se faz a implementação de ações no sentido de se (re) estabelecer a
relação do cidadão campista com os espaços da cidade, recuperando-os como
lugares, reconhecidos pelos que deles se utilizam e lhes dão identidade. O
130
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ZIRALDO. Menino do Rio Doce: Il bordados das irmãs Dumont sobre desenhos de
Demóstenes Vargas. São Paulo: Companhiadas Letrinhas,1996.
142
ENTREVISTA
TEMA:
2 – Com que freqüência você vai à beira rio? Com qual objetivo?
7 – Você costuma visitar as orlas nos finais de semana? Com que finalidade?
8 – Que imagem lhe vem à mente quando se fala do rio Paraíba do Sul?
143
9 – Você leu alguma notícia sobre o rio ultimamente? De que assunto tratava?
15 – Que sugestões de novo uso deste espaço, às margens do rio, você daria?
FICHA DO ENTREVISTADO
Nome _________________________
Idade __________________________
Escolaridade ____________________
MARGEM:
( ) Esquerda ( ) Direita