Etnografia
Etnografia
Etnografia
CULTURAIS E
ANTROPOLÓGICOS
Introdução
Neste capítulo, você vai aprender o conceito de etnografia e compre-
ender como surge essa ideia ao conhecer e analisar outras culturas. Ao
mesmo tempo, vai perceber a vinculação da etnografia à disciplina da
antropologia, compreendendo quais as suas relações e potencialidades.
Nesse sentido, etnografia não é apenas um método, mas abrange um
arcabouço teórico metodológico para pensar o grupo pesquisado.
Por último, vai conhecer estratégias no âmbito da etnografia que aju-
dam a realizar a pesquisa com mais cuidado e compromisso. Os registros
em campo, as entrevistas e a construção da árvore genealógica podem
ajudar a “ver” o que não é possível enxergar de outra maneira.
Conceito de etnografia
Para conhecermos outras culturas, estudarmos os seus modos de vida e com-
preendermos os seus pensamentos, ainda que eles sejam diferentes dos nossos,
precisamos adotar algumas estratégias de pesquisa. Imagine que você chega a
uma sociedade totalmente diferente da sua, more durante um tempo entre as
pessoas daquele local e aprende alguns hábitos de vida próprios daquela cultura.
Aos poucos, mesmo que de forma intuitiva, você vai entendendo e compre-
endendo o modo de se alimentar, de se vestir, de falar, de cuidar da terra, de se
relacionar entre as pessoas, de se comportar, assim como as festas e as crenças
mais importantes, os motivos para rir e chorar, etc. Entretanto, no âmbito da
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Assim, por meio das representações dos relatos dos viajantes é que a popu-
lação acessava a cultura de sociedades distantes e mesmo de culturas que não
mais existiam. Muitas vezes, essas descrições registradas pelos viajantes eram
caricatas, exageradas e até mesmo fantasiosas, mas como era a única maneira de
conhecer o que faziam outras culturas, esses relatos eram bastante difundidos.
O pesquisador compreende a partir desse momento que ele deve deixar seu
gabinete de trabalho para ir compartilhar a intimidade dos que devem ser
considerados não mais como informadores a serem questionados, e sim como
hóspedes que o recebem e mestres que o ensinam. Ele aprende então, como
aluno atento, não apenas a viver entre eles, mas a viver como eles, a falar sua
língua e a pensar nessa língua, a sentir suas próprias emoções dentro dele
mesmo. Trata-se, como podemos ver, de condições de estudo radicalmente
diferentes das que conheciam o viajante do século XVIII e até o missionário
ou o administrador do século XIX, residindo geralmente fora da sociedade
indígena e obtendo informações por intermédio de tradutores e informadores:
este último termo merece ser repetido. Em suma, a antropologia se torna pela
primeira vez uma atividade ao ar livre, levada, como diz Malinowski, “ao vivo”,
em uma “natureza imensa, virgem e aberta” (LAPLANTINE, 2003, p. 57–58).
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No campo, ensina Boas, tudo deve ser anotado: desde os materiais consti-
tutivos das casas até as notas das melodias cantadas pelos Esquimós, e isso
detalhadamente, e no detalhe do detalhe. Tudo deve ser objeto da descrição
mais meticulosa, da retranscrição mais fiel... [Para ele] Apenas o antropólo-
go pode elaborar uma monografia, isto é, dar conta cientificamente de uma
microssociedade, apreendida em sua totalidade e considerada em sua auto-
nomia teórica. Pela primeira vez, o teórico e o observador estão finalmente
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É por uma razão muito profunda, que se prende à própria natureza da dis-
ciplina e ao caráter distintivo de seu objeto, que o antropólogo necessita da
experiência do campo. Para ele, ela não é nem um objetivo de sua profissão,
nem um remate de sua cultura, nem uma aprendizagem técnica. Representa
um momento crucial de sua educação, antes do qual ele poderá possuir conhe-
cimentos descontínuos que jamais formarão um todo, e após o qual, somente,
estes conhecimentos se "prenderão" num conjunto orgânico e adquirirão um
sentido que lhes faltava anteriormente (LÉVI-STRAUSS, 1991, p. 415–416).
O que o etnógrafo enfrenta, de fato — a não ser quando (como deve fazer,
naturalmente) está seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados
— é uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas
sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estra-
nhas irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma, primeiro
aprender e depois apresentar. E isso é verdade em todos os níveis de atividade
do seu trabalho de campo, mesmo o mais rotineiro: entrevistar informantes,
observar rituais, deduzir os termos de parentesco, traçar as linhas de proprie-
dade, fazer o censo doméstico... escrever seu diário. Fazer etnografia é como
tentar ler (no sentido de "construir uma leitura de") um manuscrito estranho,
desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários
tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com
exemplos transitórios do comportamento modelado (GEERTZ, 1978, p. 20).
O livro Entre saias justas e jogos de cintura, organizado por Soraya Fleischer e Alinne
Bonetti, reúne artigos sobre os encontros dos pesquisadores e seus pesquisados.
Cada um deles conta sobre as suas experiências etnográficas, apresenta situações
inesperadas em campo e mesmo soluções surpreendentes durante a etnografia. É um
livro atual, que apresenta pesquisas contemporâneas e que motiva o leitor a perceber
que a etnografia é desafiadora e prazerosa.
https://goo.gl/sgd9SZ
Leituras recomendadas
BATESON, G.; MEAD, M. Balinese character: a photographic anlysis. 1942. Disponível em:
<https://archive.org/details/BatesonGregoryMeadMargaretBalineseCharacterAPhoto-
graphicAnalysis1942/page/n1>. Acesso em: 31 out. 2018.
CARDOSO, R. C. L. Aventuras de antropólogos em campo ou como escapar das ar-
madilhas do método. In: CARDOSO, R. C. L. A aventura antropológica. 2. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 1988. p. 95-106.
DAMATTA, R. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Petrópolis: Vozes, 1981.
PALERMO, E. G.; TOZZINI, M. A. Resenha. Campos, v. 11, n. 2, p. 137-142, 2010. Disponível
em: <https://revistas.ufpr.br/campos/article/view/24318/17358>. Acesso em: 1 out. 2018.
ROCHA, A. L. C.; ECKERT, C. Etnografia: saberes e práticas. Iluminuras, Porto Alegre, v. 9,
n. 21, 2008. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/iluminuras/article/view/9301/5371>.
Acesso em: 31 out. 2018.
VELHO, G. Observando o Familiar. In: NUNES, E. (Org.). A aventura sociológica. Rio de
Janeiro: Zahar, 1978.
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