Atelies Biográficos - Delory-Momberger
Atelies Biográficos - Delory-Momberger
Atelies Biográficos - Delory-Momberger
projeto*
Christine Delory-Momberger
Universit Paris 13/Nord
Resumo
Palavras-chave
Correspondncia:
Christine Delory-Momberger
27 rue Francoeur
75018 Paris - FRANCE
email: [email protected]
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Abstract
Contact:
Christine Delory-Momberger
27 rue Francoeur
75018 Paris - FRANCE
email: [email protected]
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jeto sobre o qual trabalham as linhas de formao pelas histrias de vida no , portanto, a
vida, mas as construes narrativas que os participantes do grupo de formao elaboram, pela
fala ou pela escrita, quando so convidados a
contar suas vidas. O efeito-narrativa tem sido
descrito, segundo a anlise e os termos de Paul
Ricoeur, como uma reconfigurao, uma sntese do heterogneo , obedecendo a um movimento de discordncia-concordncia. Recorrendo s anlises de Ren Lourau, tive a oportunidade de descrever a narrativa como um ato de
passagem pelo qual o narrador retoma, de acordo com os processos associativos, os espaos e
os tempos esparsos e polimorfos de sua existncia em um espao-tempo construdo e unificado (Delory-Momberger, 2000).
Segunda caracterstica da narrativa como
objeto de linguagem: ela se constitui no tempo
e no espao de uma enunciao e de uma interrelao singulares. Longe de ser fixada em uma
forma nica que lhe daria um passado objetiva e
definitivamente fixo, a narrativa de vida uma
matria instvel, transitria, viva, que se recompe
sem cessar no presente do momento em que ela
se anuncia. Presa ao presente de sua enunciao
e, ao mesmo tempo, meio e fim de uma interao,
a narrativa da vida no , jamais, de uma vez por
todas. Ela se reconstri a cada uma de suas
enunciaes e reconstri, juntamente com ela, o
sentido da histria que anuncia. Essa histria por
definio no jamais finita, submetida ao perptuo no acabamento ou, o que d no mesmo,
circunscrita a um acabamento que est sempre
adiante dela. Para remeter, mais uma vez, aos
termos de Paul Ricoeur (1985), a identidade
narrativa que o narrador se atribui pela mise en
intrigue4 de si prprio no seno uma figura
dentre outras possveis, destinada a ser indefinidamente retomada e revista.
Nesse sentido, no tanto a histria da
vida reconstruda que importa em si, mas sim o
sentimento de congruncia experimentado entre
o eu-prprio e o passado recomposto, a impresso de convenincia que essa histria toma para
mim no aqui e agora de sua enunciao. Ela a
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histria que eu me atribuo e na qual eu me reconheo, a que me convm e qual eu convenho, a verso suficientemente boa (Winnicott,
1970; Delory-Momberger, 2002)5 que eu me dou
da minha vida.
O sentido no est por trs de si
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soriamente uma figura de si, submetida validao da experincia. Por meio da sucesso e da
diversidade das experincias, o sujeito-hiptese
testa e experimenta a validade de sua construo identitria e a reconfigura sob medida.
Formabilit8 e projeto de si
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Os procedimentos de formao conduzidos sob a forma de atelis biogrficos de projeto destinam-se a considerar essa dimenso do
relato como construo da experincia do sujeito e da histria de vida como espao de
formabilit aberto ao projeto de si.
O quadro e as etapas de um
dispositivo
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Esses dois primeiros momentos se desenvolvem em uma jornada no fim da qual ainda pode
ser tomada a deciso de se retirar do grupo de trabalho. Um prazo de duas a trs semanas observado antes de se passar para as fases seguintes.
Os terceiro e quarto momentos, que se
desenvolvem em duas jornadas, so consagrados
produo da primeira narrativa autobiogrfica e
sua socializao. Um trabalho exploratrio progressivo colocado em andamento, alternando
formas de atividades em grande grupo e em
subgrupos, sobre a base de suportes diversos:
rvore genealgica, mandala9 , projetos parentais,
braso etc. O formador apresenta os eixos precisos que orientam a narrativa autobiogrfica: pedese aos participantes que reescrevam seus percursos educativos evocando figuras marcantes (pais,
adultos, pares), as etapas e os eventos (positivos/
negativos) desse percurso em seus mltiplos aspectos (educao domstica, escolar, paraescolar,
experiencial); nas reconstrues do percurso profissional, cuja demanda diz respeito s primeiras
experincias de trabalho remunerado, s figuras e
aos encontros que exerceram influncia nas decises profissionais. Essa primeira narrativa, de aproximadamente duas pginas, salienta o rascunho,
o esboo, e representa o esqueleto da autobiografia posterior. As histrias contadas so faladas (e
no lidas) e questionadas no seio de grupos de trs
pessoas (trades que permitem sair da relao dual
projetiva e favorecem a emergncia da fala). Elas
esto relacionadas, ao mesmo tempo, aos projetos
de que podem constituir a marca no passado dos
participantes e queles que podem desenhar os
contornos para o futuro. A finalidade dessa primeira narrativa a de constituir um traado para a
escrita da segunda narrativa autobiogrfica, que
o objeto de uma encomenda para o encontro
seguinte, duas semanas mais tarde.
O quinto momento o da socializao da
narrativa autobiogrfica. Cada um apresenta sua
narrativa para o coletivo e os participantes colocam questes sem jamais procurar dar uma interpretao: esse trabalho conjunto de elucidao
narrativa visa ajudar o autor a construir o sentido de sua histria e os ouvintes a compreende-
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mesmo modo, a compreenso da palavra autobiogrfica do outro se constri no vnculo do ouvinte, ou do leitor, consigo mesmo e com sua prpria
construo biogrfica.
Os procedimentos desenvolvidos para
os relatos orais ou escritos produzidos no grupo de formao visam fazer reconhecer os
motivos organizadores, as tematizaes, os
procedimentos de valorizao e de finalizao
aplicados; extrair, desse modo, a estrutura das
experincias formadoras dos participantes; e
fazer emergir um futuro da histria de formao construda no relato, sob a forma de projetos submetidos ao princpio de realidade.
O dispositivo aplicado inscreve-se, assim, em uma intencionalidade estritamente
formativa. Se os atelis biogrficos visam um
efeito transformador, este no se confunde com
o efeito de um trabalho introspectivo realizado
no contexto de uma psicoterapia. O projeto de
si comprometido no trabalho biogrfico, no
sentido em que o entendemos, desenvolve-se
no mbito da socializao de um relato de vida,
que postula uma inteligibilidade partilhada do
mesmo e do outro: eu disponho da experincia e da competncia biogrfica que permitem
compreender o outro e que me permitem compreender-me por meio do outro. As reconstrues operadas so postas imediatamente como
hipteses no seio de um trabalho coletivo de
narrao e de objetivao do relato de vida.
Esse distanciamento, assumido como
tal nas modalidades de funcionamento do grupo de formao, no deixa lugar s emoes
do tipo catrtico: para retomar a definio de
Guy de Villers, ela no apela ao psquico para
operar sobre o psiquismo, porm ela induz
reaes emocionais socializadas no quadro
coletivo construdo. O estatuto declarado dos
relatos autobiogrficos produzidos no coletivo
os define explicitamente como materiais de trabalho para um projeto de si profissional. O
dispositivo e as regras de funcionamento estabelecem os limites do trabalho de formao:
afirmao repetida do quadro no teraputico
da formao, compromisso da palavra pessoal
A prtica dos atelis biogrficos de projeto mostra que a eficcia da histria de vida nos
procedimentos de formao est ligada de modo
constitutivo dimenso de socializao inerente atividade biogrfica. Entendo aqui por atividade biogrfica o conjunto das operaes
segundo as quais os indivduos inscrevem suas
experincias nos esquemas temporais orientados
que organizam mentalmente seus gestos, seus
comportamentos, suas aes de acordo com
uma lgica de configurao narrativa. Se o discurso narrativo constitui um modo essencial da
atividade biogrfica, esta se estende igualmente ao conjunto das atitudes e dos sinais pelos
quais os membros de uma sociedade (de uma
cultura, de um grupo social, de uma faixa etria
etc.) constituem e manifestam seu ser individual: apresentao do corpo, modos de inscrio
no espao fsico e social, comportamentos
ritualizados, atos performticos.
Entendida desse modo, a atividade biogrfica no uma atividade episdica e circunstancial limitada apenas ao relato da vida,
mas uma das formas privilegiadas de atividade
mental e reflexiva segundo a qual o ser humano representa-se e compreende a si mesmo no
seio de seu ambiente social e histrico. A atividade biogrfica realiza assim uma operao
dupla e complementar de subjetivao do
mundo histrico e social e de socializao da
experincia individual: ela , ao mesmo tempo
e indissociavelmente, aquilo por meio do qual
os indivduos se constroem como seres singulares e aquilo mediante o que eles se produzem
como seres sociais. A atividade biogrfica aparece, conseqentemente, como um processo
essencial da constituio do indivduo em sociedade (Delory-Momberger, 2004)1 0.
As situaes de formao que solicitam
a reflexividade biogrfica, tais como so aplicadas nos procedimentos de formao por histrias de vida, so casos particulares deliberados e organizados de ativao do processo de biografizao pelo qual os indivduos inscrevem-se subjetivamente nas temporalidades
histricas e sociais que preexistem a eles e os
ambientam, atualizando e apropriando-se subjetivamente no apenas das seqncias, dos
programas e dos padres biogrficos formalizados (currculo escolar, currculo profissional, roteiros de ao e tramas), mas tambm dos gestos, rituais, comportamentos, cdigos dos
mundos sociais de pertencimento.
Na apresentao de si mesmo por meio
do relato, o indivduo se faz intrprete dele
mesmo: ele explicita as etapas e os campos
temticos de sua prpria construo biogrfica.
Ele tambm intrprete do mundo histrico e
social que o dele: ele constri figuras, representaes, valores (Demazire, 1997), considerando que no relato que ele faz suas experincias de que o sujeito produz categorizaes
que lhe permitem apropriar-se do mundo social e nele definir seu lugar. Os autores atribuemse a tarefa de estudar a categorizao em ato
na linguagem como constituio de um mundo
simblico estruturado dando-se conta das prticas do locutor (p. 81). Por essa razo, o poder do relato biogrfico e o espao de formao
que ele abre no advm do controle do ser
interior considerado em si mesmo e para si
mesmo, mas advm da forma histrica e socialmente construda que o relato permite dar s
experincias individuais. Advm, ainda, das linguagens partilhadas nas quais ele faz ouvir his10. Resumo aqui rapidamente as posies desenvolvidas na terceira
parte de meu livro citado.
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larmente no mbito dos atelis biogrficos de projeto, podem ter um efeito transformador. Por um
lado, ao pr em evidncia, na histria das pessoas em formao, a evoluo e as componentes de sua relao com a formao, relao que
uma das formas de vnculo social na medida
em que toda situao e toda ao de formao,
fazem sobressair dispositivos e modos de interveno socialmente construdos; de outro lado,
do acesso ao espao de formabilit, no qual poder se inscrever a realidade de um projeto pessoal
e profissional, que considera tanto disposies dos
indivduos como condies sociais e econmicas.
Uma vez extrada a potencialidade do
projeto, efetivamente sua exeqibilidade social, ou seja, sua capacidade de reatar a ligao
entre o espao de formabilit da pessoa e o
espao social de efetivao dos atos que , ao
mesmo tempo, o meio e a melhor garantia da
trans-formao da pessoa. Se a formao, por
meio do trabalho biogrfico que ela estimula,
pode pr em movimento essa dinmica prospectiva da mudana ao dar-lhe a forma de um
projeto, apenas na realizao de comportamentos e atos sociais, no confronto e na negociao com os limites socioeconmicos e profissionais, que esse projeto, aos inscrever-se no
espao social, encontrar sua realidade e realizar a capacidade de mudana do sujeito.
Tanto verdadeiro que o sujeito no
muda em si mesmo e para ele mesmo, mas na
relao que ele forma e que ele constitui com
um externo que segundo os referenciais tomados chamar-se- o Outro, o outrem generalizado, o social. Tanto verdadeiro, igualmente, que o objeto da formao est sempre fora
da prpria formao, no tanto nas pessoas,
consideradas em si mesmas, como na relao
que ela permite construir, sustentar, aprofundar
entre estas e as condies que fazem delas
indivduos sociais.
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Recebido em 22.02.06
Aprovado em 22.05.06
Christine Delory-Momberger pesquisadora franco-alem. Trabalha atualmente na Universidade Paris 13 que congrega,
juntamente com a Universidade Paris 8, o Laboratrio de Pesquisa EXPERICE, de carter interuniversitrio. Nos ltimos
cinco anos, tem se dedicado de modo intenso divulgao das histrias de vida em formao, publicando diversos
trabalhos sobre o tema.
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