A Parábola Do Homem
A Parábola Do Homem
A Parábola Do Homem
Rico e de Lázaro
Carlos G. Molina
O Salmo 78:2 declara uma profecia messiânica, a qual mostra que Jesus
de Nazaré ensinaria por meio de parábolas: “…abrirei a boca numa
parábola…”1 Jesus contou cerca de quarenta e seis parábolas. 2 Quando
estudamos Mateus, Marcos e Lucas de forma paralela, inclusive ao comparar
suas diversas parábolas, esses três evangelhos são definidos como
sinópticos.3 Lucas é o evangelho que contém a maior quantidade de parábolas,
com um total de vinte e quatro.
Além disso, esse mesmo evangelho inclui dezoito parábolas que são
exclusivamente lucanas. Entre essas parábolas alheias a Mateus e Marcos
está a do Rico e Lázaro, no capítulo 16, versos 19 a 31. Esse é o único ensino
narrado por Jesus Cristo que inclui um nome próprio, a saber, Lázaro, uma
denominação comum no primeiro século d.C. O uso de parábolas como
método de ensino para pregar o evangelho dava a Jesus vários benefícios
diante de Seus diferentes públicos.4 Lucas 16:19-31 contém algumas
características literárias que identificam de maneira especial esse texto bíblico.
Alguns desses aspectos são: (1) introdução e conclusão curtas e específicas;
(2) três personagens que fazem parte do tema principal do ensino bíblico em
questão; (3) os detalhes do conteúdo complementam o objetivo central do
ensino; (4) uma verdade bíblica é declarada na conclusão. O objetivo deste
artigo é descrever resumidamente a fonte de informação na composição desse
exemplo literário lucano, o conceito do seio de Abrão e o propósito educativo
da narrativa citada.
A origem da parábola
É possível mencionar pelo menos duas influências que interagiram na
origem extrabíblica do material usado para a elaboração da parábola do
Homem Rico e de Lázaro. Com o objetivo de esclarecer o significado do
Homem Rico e de Lázaro, serão analisados conceitos como “seio de Abraão”,
“abismo”, “testemunho”.
Alguns autores5 sugerem que o relato de Lucas teve origem em um papiro
conhecido como Hunefer,6 que foi um mordomo e guarda real do gado do
Faraó Seti I, da décima nona dinastia (cerca de 1310-1275 a.C.). 7 Esse papiro
descreve alguns acontecimentos que apresentam certa semelhança com o
Homem Rico e Lázaro em sua viagem depois de morrer. Sob essa perspectiva,
Jesus teria conhecimento anterior sobreo papiro Hunefer e compôs Lucas
16:19-31 usando esse relato extrabíblico para censurar a ideia da imortalidade
incondicional da alma que já prevalecia entre alguns judeus do primeiro século
d.C.
O uso de referências extrabíblicas no Novo Testamento é explicado
como a inclusão de outro material originado fora do texto bíblico. Esse caso
aparece, por exemplo, na história do Bom Samaritano, que foi um fato real que
aconteceu alguns dias antes no caminho de Jerusalém a Jericó. 8 Além disso, o
apóstolo Paulo incluiu em suas epístolas alguns provérbios moralistas oriundos
de filósofos gregos e romanos. 9 Os seguintes exemplos testemunham esse
costume paulino: Arato (At 17:28), Aristóteles (Gl 5:23;Rm 1:14), Epimênides
(Tt 1:12), Lucius Annaeus Séneca (At 17:24-29), Menandro (1Co 15:33), Platão
(Rm 7:22-23; 1Co 9:24). É importante observar, no entanto, que as colocações
extrabíblicas anteriores são de natureza moral, aplicadas à conduta humana. É
possível encontrar também uma origem extrabíblica na epístola de Judas
(verso 14-16) oriundo do livro pseudoepigráfico de Enoque, chamado “Os
Vigilantes” (1:9, seção 1-35).10 Da mesma maneira, Lucas usa uma fonte
histórica extrabíblica, a saber, o ano do reinado de Tibério César, com o
objetivo de mostrar o ministério de João Batista e o batismo de Jesus (Lucas
3:1).
Outra possível influência referente à origem de Lucas 16:19-31 seria
justificada com um grupo de judeus do exílio babilônico, os quais absorveram
conceitos sobre a vida após a morte durante seu cativeiro na Babilônia (Jr
25:11). Eles, talvez, também teriam sido influenciados posteriormente pelo
culto persa de Zoroastro.11 Depois do cativeiro babilônico esses judeus levariam
consigo essas novas ideias ao retornar à Judéia. Durante o período do
segundo templo (537 a.C.-70d.C.), os termos hebraicos e grego
como Sheol e Hades, que definem o escuro onde os mortos moram, poderiam
ter sofrido algumas variações em relação ao seu significado religioso original.
Anova percepção judia no século I d.C. seria entender essas palavras
– sheol e hades– para indicar um lugar de tormento ou de benção depois da
morte.12 Dessa forma, ao criar a parábola, Jesus fez com uma narrativa
humorística e com hipérbole para explicar que, na realidade, é nesta vida que é
possível conhecer a Deus e amar o próximo, pois não há consciência no
“além”.
Para testemunhar
Em Lucas 16:28, Jesus parece censurar a indiferença de Israel na
responsabilidade de missão com o seu próximo. O rico se tranca em sua casa,
dandobanquetes esplêndidos todos os dias (16:19), enquanto o Lázaro está do
lado de fora da porta, cheio de chagas (16:20). Na história de Israel, apenas
algumas pessoas deixaram o conforto de sua nação para realizar uma missão
entre os gentios: Elias (1Rs 17:8-24); Jonas (Jn 3:2); Eliseu (2Rs 6:24-7:20). A
construção de um muro ou parede ao redor do templo chamado o átrio dos
gentis, mostrava a proibição aos judeus para não transpassar esse limite sob
pena de morte.15 A distância entre o átrio dos gentios e o lugar onde os
sacerdotes conversavam era de uns cem metros. A agitaçãode animais e
pessoas dissipava qualquer possibilidade de ouvir algo do Deus de Israel.
Evidentemente, Jesus é espirituoso em Lucas 16:19-31, pois Cristo descreve o
homem rico (16:24) pedindo a Abrão que Lázaro venha e molhe seu dedo na
água e coloque gotinhas em sua língua. Dessa maneira, o conceito “abismo”
em 16:26, sugere a impossibilidade de interação entre os vivos e os mortos.
Existem várias partes dessa parábola que servem apenas como elementos
decorativos e embelezam a mensagem, mas não necessariamente têm uma
explicação teológica específica. 16 As parábolas foram feitas para aumentar o
valor prático da verdade. Os autores da Bíblia estão em harmonia em relação
aos ensinos bíblicos escritos por eles (1Co. 14:32). Além disso, a Bíblia é
consistente com relação ao estado inconsciente do ser humano após a morte
(2Sm 12:23; Ez 18:4; Jó 7:9-10; Sl 146:3-4; Ec 9:5-6, 10; Jo 11:10-11; 1Co
15:14; 1Ts 4:13-16; Ap 14:13).
Conclusão